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1 Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto-Alegre Cartas a Monte Alverne PRIMEIRA CARTA Meu respeitável Padre Mestre Paris, 27 de abril, 1832. Se a primeira que lhe escrevi não foi entregue, esta o será. Eu aqui vou indo nos meus trabalhos, formando uma biblioteca de cópias dos melhores autores de todas as escolas; e munido de alguma coisa mais que possa aprender, pretendo o mais cedo pos- sível abraçá-lo, lançar-me no seio de meus patrícios; e se acaso a ambição, esse abutre que rói as entranhas da sociedade, não tiver lançado por terra os laços que ligam o Bra- sil. Nas domingas da quaresma tenho frequentado Notre-Dame para ouvir a prédica. Um ar hipócrita, uma declamação amaneirada, enfim um círculo de idéias místicas, são os caracteres dos pregadores de hoje. Eu quisera encostar-me ao mármore e perguntar- lhe: tu que ouviste os sons de Bossuet e seus contemporâneos, informa-me se eles ora- vam assim? A consciência, essa mola que a razão move, me respondeu não. Quando eu saí daí, dizia-se que a Religião tinha caído e que havia missa em francês, etc., etc.. Aqui os templos estão cheios de povo da primeira e terceira classe, e ali se vai receber as mais doces impressões da Religião já pela liturgia, já pelo harmoni- oso canto dos fiéis, enfim, meu Padre Mestre, é doce ouvir a Igreja. L’abbé Châtel com a sua missa em francês só durou um segundo, e aqui é olhado como um ímpio, e depra- vado mesmo por aqueles que não são da Igreja, e isso é muito efêmero que acabará com a noite da morte. Rogo-lhe de me recomendar saudoso ao muito respeitável nosso Reitor. Cheio de respeito tenho a honra de ser De Vossa Caridade amigo admirador Manuel de Araújo Porto-Alegre P.S.: Eu não ouso a tanto de exigir letras da Vossa Caridade, eu só desejo saber se goza saúde, pois é o interesse dos jovens brasileiros.

Cartas a Monte Alverne

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Cartas enviadas por Porto Alegre a partir da França, para o padre e professor de filosofia Monte Alverne

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1 Gonalves de Magalhes e Arajo Porto-Alegre Cartas a Monte Alverne PRIMEIRA CARTA Meu respeitvel Padre Mestre Paris, 27 de abril, 1832. Se a primeira que lhe escrevi no foi entregue, esta o ser. Eu aqui vou indo nos meustrabalhos,formandoumabibliotecadecpiasdosmelhoresautoresdetodasas escolas; e munido de alguma coisa mais que possa aprender, pretendo o mais cedo pos-svel abra-lo, lanar-me no seio de meus patrcios; e se acaso a ambio, esse abutre que ri as entranhas da sociedade, no tiver lanado por terra os laos que ligam o Bra-sil. Nas domingas da quaresma tenho frequentado Notre-Dame para ouvir a prdica. Um ar hipcrita, uma declamao amaneirada, enfim um crculo de idias msticas, so os caracteres dos pregadores de hoje. Eu quisera encostar-me ao mrmore e perguntar-lhe: tu que ouviste os sons de Bossuet e seus contemporneos, informa-me se eles ora-vam assim? A conscincia, essa mola que a razo move, me respondeu no. Quandoeusada,dizia-sequeaReligiotinhacadoequehaviamissaem francs, etc., etc.. Aqui os templos esto cheios de povo da primeira e terceira classe, e ali se vai receber as mais doces impresses da Religio j pela liturgia, j pelo harmoni-oso canto dos fiis, enfim, meu Padre Mestre, doce ouvir a Igreja. Labb Chtel com a sua missa em francs s durou um segundo, e aqui olhado como um mpio, e depra-vado mesmo por aqueles que no so da Igreja, e isso muito efmero que acabar com a noite da morte. Rogo-lhedemerecomendarsaudosoaomuitorespeitvelnossoReitor.Cheio de respeito tenho a honra de ser De Vossa Caridade amigo admirador Manuel de Arajo Porto-Alegre P.S.: Eu no ouso a tanto de exigir letras da Vossa Caridade, eu s desejo saber se goza sade, pois o interesse dos jovens brasileiros. 2 SEGUNDA CARTA Ilmo. Revmo. Sr. Padre Mestre Monte Alverne Paris, 20 de janeiro de 1834. Nempormeacharaqui,rodeadodetantosmonumentos,detantascoisasraras, de tantos professores, me esqueo um s dia do meu mestre, do meu amigo a quem de-vo, sem lisonja, uma parte do meu saber, e se no tenho escrito h mais tempo, no por esquecimentoofiz,massimpornoquererimportun-locominteislinhas.Agora oferece-mefelizmomento,eaproveitando-medobomportador(oSr.Dr.Arajo),lhe darei sucintas notcias do que tenho visto. No espere que eu fale da parte fsica de Pa-ris, quero dizer, sobre os templos gticos da meia-idade, sobre os arcos de triunfo, sobre colunas de bronze e sobre palcios grandssimos e sobre outras coisas deste gnero que demandariamnocartas,maslivros.Falareidoespritoliterrioquehojedominaeste povo to amigo do novo. Ospoetasestoaquiempenhadosemexploraraminadameia-idade,fatigados com as idias antigas, e no podendo quase marchar na estrada de Racine e Corneille e Voltaire, eles calcam todas as leis da unidade to recomendadas pelos antigos; as novas tragdiasnotmumlugarfixo,nemtempomarcado,podemdurarumanoemais;o carter dessas composies muitas vezes horrvel, pavoroso, feroz, melanclico, fren-ticoereligioso.Osassassnios,osenvenenamentos,osincestossoprodigalizadoss moslargas,masnemporissodeixamdeterpedaossublimes.Osprincipaistrgicos soDeLaragotine,AlexandreDumas,VictorHugo.Essespoetaschamam-seromnti-cos;eutenhovistorepresentarasprincipaisdessaspeas.NochamadoTeatroFrancs sserepresentamosclssicos,Racine,Corneille,Voltaire,DuciseMolireasoa-plaudidoscomentusiasmo.OprimeiroatorLigierque,semserTalma,metemfeito tremer; h outro, tambm grande, cuja voz um trovo sonoro, e melhores so George na tragdia e Mars na comdia, ambas notabilidades vivas. Nodia15destems,porseraniversriodeMolire,representaram-sealgumas de suas comdias e no fim de todos os cmicos com palmas e coroas de louro coroaram o busto do grande homem, que se achava sobre a cena, cerimnia esta que se faz todos os anos. Aquisnoestudaquemnoquer,mas,emabonodaverdade,todasassalas, que so largas e espaosas e feitas em semicrculo, acham-se sempre apinhadas; o grego antigoemoderno,ohebraico,osiraco,oarmnio,oturco,oindostanoequantasln-guas vivas h a vivas e mortas so aqui ensinadas. H cadeiras s para explicar Dante, Tucdides,Voltaire,Lockeetc.etc.etc..Hcadeirasparatodasascinciaseparaas divises e subdivises de todas as cincias. O Cousin ainda est em viagem, e acaba de publicar um livro sobre o ensino na Alemanha e na Prssia, obra esta de bastante utili-dade; no sei se j l chegaria a traduo de Reid por Mr. Jouffroy com notas de Royer-CollardeumatraduodeDugaldStewartpelomesmoeassimcomoatraduode Kant que, quando as leio, me lembro do Padre Mestre. EuestouestudandoDireitoesigoumcursodeQumicadoclebreThnarde outro de Economia Poltica do sucessor de J. B. Say. Os cursos so desde manh at a noiteedetalmaneiradispostosquesepodeseguiratodosporqueumcomeas8e acabas9,outrocomeas9eacabas10horasesosduasvezesporsemana,e outros uma s vez cada um e em todos os dias h mais de cinco em cada Academia. AquichegouumobeliscodoEgito,presentequefezIbraimPaxFrana.No dia de sua chegada, o sbio Saint-Hilaire, que estava num barco sobre o Sena, caiu neste 3 rio; um marinheiro o salvou, e teve por este servio o hbito da Legio de Honra. Pou-cos dias depois este mesmo marinheiro morreu afogado neste rio. Adeus, Padre Mestre. D recomendaes ao Sr. Reitor, e no se esquea de mim que serei sempre seu amigo. Aceite lembranas do Sales, do Arajo e do seu discpulo AlexandrequejfezseuexamedebacharelemLetraseficouaprovado.Mandelem-branas suas que me sero gratas. Adeus, at um dia. Do seu discpulo e amigo Domingos Jos Gonalves de Magalhes P.S.: No repare na letra, que escrevo esta s 2 horas da noite, e em noite de inverno. 4 TERCEIRA CARTA Meu Padre Mestre. Paris, 25 de janeiro de 1834. Foi cheio de um vivo prazer que recebi as suas estimveis letras e este prazer foi to mgico por ser acompanhado pelo meu amigo Domingos, mas veja o que so azares. NomesmodiaemqueMagalheschega,deviaeupartirparaonortedaFrananain-tenoderestabeleceraminhasade;estacontrariedadedeviaafligir-me,eassimfoi; mas na viagem achei um novo encanto qual o da esperana; proporo que me afasta-va de Paris cresciam as saudades, e proporo que me aproximava, aumentava o pra-zer de ver um amigo que tanto estimo e de quem conheo o corao nobre e ardente. A sua cartinha foi saboreada nas margens do Meuse, ali com a saudade no peito e a imaginao na ptria, pareceu-me ouvi-lo em S. Francisco de Paula a quebrar a mo-eda de oiro, e o sangue a correr em flocos, ali, enfim, tudo vi, tudo chorei, e tudo sabo-reei; eu s vivo da reminiscncia, e se essa faculdade faltasse, era o ente mais desgraa-do da terra. Rogo-lhedemerecomendaraonossoestimvelReitor,aoPadreMestreFrei Henrique e aceite o corao de um artista que se confessa ser de Vossa Caridade discpulo respeitoso e grato amigo Arajo Porto-Alegre P.S.: O seu retrato sai na grande obra de Mr. Debret junto com as mais notabilidades da ptria, eu creio que adicionado a um monumento estar mais prximo ao lugar distinto que lhe compete. 5 QUARTA CARTA Ilmo. e Revmo. Sr. Padre Mestre Monte Alverne. Paris, 8 de maro de 1834. No h muito que lhe escrevi, e de novo o fao para ver se deste modo posso ao menos desparecer minhas saudades, j que dessa terra querida um s amigo no se lem-brademeenviaralgunsregozijosnumafolhadepapel.Agoraquetraoestaslinhas, acho-meemcompanhiadonossoamigoArajoeacabamosdefalararespeitodeV. Revma.Edevoparticipar-lhe:Mr.DebretestpublicandoumaobrasobreoBrasilna qualsedarcontadetodasascoisasnotveis,nosdosestabelecimentos,cinciase artes, como tambm uma coleo de retratos dos homens clebres em todos os ramos; o Arajo deve fornecer estes retratos, e como os seus discpulos no se esquecem do seu mestreeamigo,ateremosogostodev-loretratadodandoassimhonraPtria,eo que falar aos invejosos. Tenho pois que pedir-lhe, em nome da Ptria e dos amigos, que V. Revma. olhe para o fim que tiveram os sermes do nosso Padre Mestre Sampaio,e que no basta para a posteridade um retrato, um nome; preciso mais; preciso que o PadreMestrepulaosseussermes,quefizeramasdelciasdaquelesqueoouviram,e trate de os publicar. O que um, ou dois contos de ris, quando se trata da glria e pos-teridade? No sero eles comprados? Que importa; h muitas bibliotecas no Brasil; que se depositem a, e eles chegaro um dia posteridade. PassandoagoraFilosofia,lhedireiqueMr.Jouffroyestpublicandosuasli-esdeDireitoNatural;eutenhoassistidoaelasepossoassegurar-lhequesomuito filosficas; ele desenvolveu da maneira mais clara e precisa o sistema de Espinosa, as-sim como o ceticismo e o misticismo; ele se mostra digno sucessor de Royer-Collard e timo discpulo de Cousin. Se estas lies a aparecerem, no as deixe de comprar. Oh, apropsito!OEdmePonelleomaiorcharlatoquetenhovisto;aquielemestre-escola;falodeleparaqueV.Revma.odesterredesuaestante,dvenda,ouqueimee nunca fale nele. Se V. Revma. quiser, no se descuide em compor o seu tratado de lgi-ca e se tivesse (...) na matria, diria que V. Revma. (...) Perdoe-me estes borres, que eu no tenho tempo de copiar esta carta, o portador no admite espera. Aceite lembranas do nosso amigo Sales e do seu discpulo Pinheiro que aqui estuda bastante e trata de ser homem. Seu verdadeiro amigo e obrigado discpulo Domingos Jos Gonalves de Magalhes N.B.: Desculpe toda a ruindade desta escrita. No creia, meu Padre Mestre, que me es-quea de Vossa Caridade e aceite sempre o corao deste que o ama e respeita. 6 QUINTA CARTA Meu caro Mestre e Amigo. Paris, 22 de julho de 1834. H muito que me queixo de no ter recebido uma s carta de V. Revma. no sei por que fatalidade, no posso crer que o Padre Mestre se tenha assim esquecido daquele que tanto o estima e que procura por todos os meios fazer-se credor de sua lembrana, masagoramelembroqueassaztemquecuidardoensinodamocidadeequeotempo lhe falta; mas lembre-se tambm o Padre Mestre que eu sou moo, que fui seu discpulo, equeaindanecessitodesuaslies,equeemduaspalavras,quemeenvie,bastante terei que meditar. Na carta passada participei-lhe que o seu retrato vai aparecer em uma grande o-bra que Mr. Debret publica neste momento, no nmero das notabilidades do Brasil; j um gigantesco passo para a posteridade. Agora lhe envio esta carta, pela qual ficar sa-bendo que est nomeado membro do Instituto Histrico de Frana; eu e o Arajo, j que fomos nomeados para ele, tratamos logo de o propor. Esta sociedade sbia contm tudo quehdemaisclebreemFranaenomundo,comopoderverpelalistaimpressa margem da carta, que o Instituto lhe remete. Seu nome gravado nos anais desta socieda-de no tem de morrer; com a posteridade firme diante dos olhos, pode agora marchar no caminhodifcildaimortalidade,emquetemcolhidotantoslouros.Antesqueeudiga mais...d-meumabrao...sim,d-meumabrao,euestoua...cheiodetransporte, cheio de prazer. O Padre Mestre agora responder ao Instituto, agradecendo a nomeao; manda-rtambmumacoleodossermes,quetemimpressoemdiferentestempos,epeo que faa uma memria que enviar quando puder, sobre o estado da filosofia no Brasil, quersobreainfluncia,queelatemexercidonoscostumes,governo,etc.ousobrea maneiraporqueelatemsidoensinada,disposiodoespritodopovoparareceberj este ou aquele sistema; enfim o Padre Mestre melhor saber fazer do que [eu] dizer. O ArajojfezumamemriasobreoestadodasArtesnoBrasil,ondemostrougrande talento e vistas profundas na sua arte; agora parte ele para a Itlia e l o teremos para a glriadaPtria.EuestouconcluindoumahistriadaliteraturanaBrasildesdeasua origemat os nossos dias, para isto foi-me preciso entregar-mea srio estudo de algu-masobrasantigasqueencontreinabibliotecareal(quequantoalivrosportugueses bem pobre). Agoranovamentelhepeoquetratequantoantesempublicaralgunsdosseus excelentes sermes, que para serem considerados como monumentos de eloquncia e de lnguaportuguesa,slhesfaltampequenostoquesnasfrases,quenotransportedesu-blime entusiasmo escapam; para isso o Padre Mestre pode ver o glossrio das palavras portuguesas que vem nas memrias da Academia de Lisboa (o nosso amigo cnego Ja-nurio tem essa obra), a o Padre Mestre achar tudo o que necessrio para poder corri-gir algum galicismo. Sim, faa isto, e depois mande seu nome posteridade na frente de um livro. Eu desejava possuir no muitos, mas um s conto de ris parafazer minha custa este servio minha Ptria e ao meu Amigo, mas pois eu no tenho, o Padre Mes-treofar,oPadreMestrequeestnestadvidaparacomaPtriaeparacomosseus amigos; pouca ser a despesa; e quem fala de despesa quando se trata da glria prpria e da Ptria? Nada mais tenho que dizer. O Padre Mestre sabe se o estimo, e ficar sabendo se um desejo vo e estril que nos anima e ao Arajo em propagar o seu nome e a sua glria. Adeus, meu caro amigo! Adeus, meu caro mestre! Adeus, at um dia; e praza ao cu que breve chegue. 7 O seu amigo e discpulo Domingos Jos Gonalves de Magalhes P.S.:Lembranas ao Sr. Reitor, ao Padre Mestre Frei Henrique e a todos os mais ami-gos.AceitelembranasdoPinheiro,doSales,doJooManuelPereira.PadreMestre, faz-me o favor de mandar entregar por alguma pessoa a carta que junto lhe remeto para meu Pai, Rua Senhor dos Passos. 8 SEXTA CARTA Meu caro e respeitado Mestre. Paris, 25 de julho, 1834. O nosso bom Domingos na sua carta fala-lhe por mim tambm; ela retrata nossas conscincias, e expressa os nossos votos de amor e amizade. OntemfoilidoomeutrabalhosobreoestadodasartesnoBrasil;eagradeo generosidadefrancesadosaplausosquelhefizeram,bemcertoqueestemeioanima, porque eu conheo a insuficincia das minhas idias e a minha infmia nos conhecimen-tos da minha arte. Mande-nos alguma coisa quando lhe sobejar tempo, e pode estar certo que a tra-duo h de ser boa, porque o nosso secretrio, alm de saber muitas lnguas e a nossa, esteve muito tempo no Brasil, e o tradutor do Caramuru e do Gonzaga. Euestoucomumnovotrabalhoparaapresentarminhaclassesobreamarcha que ela deve seguir no estudo das Boas Artes. Eu no encaro as artes como deleite, mas sim como coisa necessria. A arte o ideal, o ideal o sublime do pensamento e este no pode representar seno a imagem da ideia predominante, ou lado para onde pende a filosofia. As produes de arte que tive-ram grande voga em seu tempo so as representantes da ideia do tempo, ideia que con-quistou o imprio da inteligncia. Quando a filosofia de Condillac e Helvetius predomi-nava, as artes no produziram nada de nobre e grandioso; eram Vnus, Martes, Cupidos, poucas produes sacras; claro est que o Sensualismo invadia a sociedade, e os artistas, devendo seguir o gosto desta, lhe apresentavam simulacros de suas idias. Na Revoluo Francesa, era a Grcia e Roma, e hoje que h oscilao de idias, cada um pende para o seu lado; ora, verdade que no meio deste turbilho em que gira a inteligncia, o bom senso, se nutrindo das luzes emanadas pelo choque destas massas intelectuais,vaimarchandoecomeleoprogressodahumanidade;eisaqui,meucaro Padre Mestre, o ponto de vista no meu quadro das artes, creio que a histria destas deve serencaradadamaneiraseguinte:HistriadasBoasArtes,seuflorescimentoedeca-dncia, e o porqu levantaram e caram; a vir o seu desenvolvimento e relao ao car-ternacional;influnciadanaturezaedoscostumesdopassobreelas;revoluesna maneira de imitao, e prejuzos das escolas; relao dos contornos com as idias, bio-grafias e crtica das obras dos artistas. Quandoparalvoltar,eulhesubmetereialgumasidiasquetenhosobreode-senvolvimento destes pontos e espero receber as suas lies, porque pintar filosofar, e ogniodoPadreMestrepenetraaofundoanatureza,eaminhaarteestemcontato com esta nossa me. Padre Mestre, o nosso So Carlos corrigiu o seu poema e entregou-o a um ami-go.OnossoSampaiomorreu,eoseunomeindarestanaquelesqueoouviram.Esta nossa passagem sobre a terra de tempo limitado. A glria da nossa ptria est unida deseusfilhos,entenda-me,PadreMestre,eeudireicomooDomingos:mandeoseu nome posteridade na frente de um livro. Adeus, meu querido amigo e respeitvel patrcio; escreva-me para Roma, que eu nestes vinte dias deixo Paris e a Frana, e creio que farei uma volta Grcia, quero ver oParnasoeaCastlia,querorespiraroardaquelasagradaatmosfera,queroverasro-chas e as plancies que foram vistas por Plato e Aristides. Adeus, meu Padre Mestre, conte com a saudade de quem lhe estima prosperida-de e glria. 9 De V. Revma. Amigo Arajo Porto-Alegre P.S.: Recomenda-me ao nosso Reitor e ao nosso Provincial Frei Henrique. 10 STIMA CARTA Meu Padre Mestre. Paris, 20 de setembro, 1834. Antes de deixar Paris no quero faltar com o meu dever, participando-lhe que no dia4deoutubropartireiparaRomaecreioqueemcompanhiadomeuamigoMaga-lhes, o qual separou-se do pequeno Pinheiro por estar cansado de insultos quotidianos: se a natureza nos d ruins disposies e a ela se adicionam circunstncias, e o fruto de umameducao,ohomemsedesenvolvenacarreiradomalcompassosdegigante; assim este pequeno se desenvolve. Meu Padre Mestre, s a prudncia do Domingos era capaz de resistir s infmias de semelhante menino que, no por ignorncia, mas de acinte as praticava; se isto tives-sesidocomigo,eutinhalhequebradoacabeacomumpau,porquenosofroquese me insulte por diante e por trs sem outra razo mais do que dar bons conselhos e querer de alguma maneira, delicadamente, obrigar que se estude, quando se vem para isso. Euauguromaldomenino,porqueeletemtomadomsamizadeseessasotm seduzido a praticar coisas que se afastam do bom senso de sua idade. V. Revma. conhe-cequeaaopraticadapelojovemnaescaladesuavidaolhadaemrelaoaoseu poucojuzoeexperincia,enquantoqueamesmacoisa,feitaporumadulto,setorna maisgrave;todasasidadestmseusperdes,masnestemeninonotem,porquecom dezoito anos sabe-se que, levar (lanar?) em rosto os benefcios e denegrir uma reputa-o intacta, criminoso. ODomingosconsultoumuitagenteantesdedarumpasso,etodosaprovaram seuprocedimentoeestoucertoqueopaidomenino,quemedisseserumhomemde siso, h de aprovar, pois que ele no desejar que sua delicadeza sofra, pois que o meni-no at declarou que ele no era seu pai, mas sim padrasto, e que este dinheiro era da sua legtima, e que era uma asneira grande que ele fazia, que seu padrasto no podia gastar o queeraseu;eenfim,meuPadreMestre,atiroucomumpoucodedinheironacarado Domingos!!! E este ficou imvel. DesdeessediaumaprofundamelancoliasetemapoderadodoMagalhes,eeu paraevitarumamortedeamigo,queadoro,queroqueelevcomigo,elepodefazer essa viagem, no lhe penoso, e no entanto, acompanhado de amizade poder apagar de dia em dia tanta mgoa, pois eu o vejo num estado miservel de magreza e debilidade. Para lhe dizer o estado do pequeno que, depois desta ao, um s brasileiro ca-paz no o v, j antes disso todos antipatizavam com ele por seu modo soberbo, e esqui-sito, s gostando de berlindas, e figuras, ora isto em rapazes no vai bem, etc., etc. DeRomalheescreveremoselhepeodemerecomendaraonossoRevmo.Sr. Reitor e vice-Reitor, ao Revmo. Sr. Frei Zeferino e mais amigos. Aceite o corao de um artista que o respeita e estima. Sou de V. Revma. amigo sincero Arajo Porto-Alegre P.S.: Pode-nos escrever pela Legao de Paris, que em oito dias as cartas vo a Roma. Efetivamente,partimosnodia30destems,s7horasdamanh;veremosaSua,o reinolombardo,veneziano,osEstadossardos,eficaremosemFlorena,ptriadeMi-guel ngelo e Vinci. Adeus, meu querido Padre Mestre. 11 OITAVA CARTA Meu Amigo e meu Mestre. Roma, 15 de janeiro, 1835. Como V. Revma. possui um corao capaz de todo o entusiasmo, capaz do mais subido sentimento, a ele me dirijo para julgar do prazer que me causaria o entrar na an-tiga capital do mundo, na terra clssica do cristianismo, na terra aquecida com o bafo da Providncia,eassinaladaportantosprodgios.Seucoraospoderiarevelarotrans-porte do meu contentamento ao receber nesse mesmo dia, j para mim de jbilo, a pre-ciosa carta, que me veio anunciar uma amizade, que sobremaneira exalta a minha sensi-bilidade, e meu orgulho, e me faria crer que eu possuo um grande mrito independente daestimaedaconsideraodosamigos,seavozdaconscincianomereprimisse. Que poderei dizer sobre o seu estilo? Eu reconheci nele o meu Mestre e se em nome de outro a recebesse, o tacharia de plagirio. O Padre Mestre me aconselha que eu tome aqui um ttulo acadmico, e diz que para o mundo isto necessrio, seja; fcil me seria obedecer-lhe nesse ponto se me no faltasse dinheiro at para as primeiras necessidades da vida, que moro, e como em casa, do nosso Ministro, o Sr. Rocha, o mais o meu caro amigo Arajo me fornece, pois que eudeixeiapensodoSr.Pinheiro,pormotivosdehonra,queprezomaisquetudo,e nempodiaobrardoutrojeito.Umttulonenhumaconsideraodaquemnosabe, nemaumentaomritodequemsabe.NingumaindaseocupoudesaberseVoltaire, Racine, Plato, Descartes eram doutores por alguma Academia, nem l se diz o Doutor Monte Alverne, o Doutor Paula Sousa, o Doutor Caldas etc., mas se diz o Doutor Mei-reles,oDoutoretc.etc.etc.,quensconhecemos;nofaltamdoutoresnoBrasilsem cincia, como comendadores sem mrito. Eu trato de estudar e escrever, e se nada fizer de importante que me leve posteridade, no h de ser o ttulo que merecomendara ela. Pergunta-meoPadreMestrequalointeressequepodeinspiraraalgunsdos seusamigos,eulherespondo:queoamordaglriadaPtriaeapuraamizade,no como a entende Helvetius, e seus discpulos, mas como a entendem aqueles que, dando ao egosmo o que lhe pertence, reservam os nobres sentimentos da alma ao apangio da virtude e do justo. Grata me foi a notcia de que se consagra ao aperfeioamento de seus belos ser-mes; quanto s consideraes de seu xito no o devem de nenhum modo impedir que os publique; tome como um dever, uma misso a que no pode resistir. Cante o Libera me, Domine quem no pode fazer outra coisa. O Padre Mestre, porm, chamado a ou-tro destino. NomeadmiraqueacheasuaLgicaimperfeita,oespritohumanosedesen-volve todos os dias e de grau em grau marcha perfectibilidade, que faz desesperar os vaidosos e aos cegos de entendimento; mas mesmo assim no creio que o Padre Mestre noapossapremrelaocomaFilosofiadotempo,oEcletismoquenoBrasildeve quantoantesserplantadoparaqueamocidadeaprendaanodizerblasfmiascontra Deus e os homens. Por falta de Ecletismo um ex-Ministro disse que no havia no Brasil necessidade de escolas de Filosofia e Retrica; outro, que ainda governa, em uma porta-ria disse que as artes no precisam de proteo; um charlato quis achar a alma no cadi-nho, um matemtico olha com desprezo para um poeta etc. etc.. Mas eu tenho esperan-as no futuro; o imprio da mediocridade h de cair, mas condio de uma luta cons-ciente, sem o que governar ainda por algum tempo os espritos; convm, pois, que nos 12 armemos no com punhais, mas com os brandes da sabedoria e ao seu claro desapare-cero as trevas. OnossoamigoArajoserecomendaaV.Revma.elheescreverpelocorreio seguinte para ter sempre notcias nossas. No lhe dou notcias do Alexandre porque dele nada quero saber; assaz o sofri um ano em ateno a seu pai; seu carter fica acima de toda pintura. Eu s espero cartas de meu pai para saber se ficarei aqui mais algum tem-po, ou se voltarei; se o no fiz logo que em Paris me separei do Alexandre, foi por me achartomolestadomoralefisicamentequeoArajo,receandoqueeumorresseno mar, me impediu a viagem e trouxe-me para a Itlia. Padre Mestre me far o favor de mandar entregar esta cartinha a meu Pai; a outra queparaoSr.Pinheiro,ouamandeentregarporpessoaseguraaseuirmo,[ou]a por no correio, riscando a linha, que diz merc do Sr. J. A. Pinheiro. Lembranas ao Sr. Reitor. Seu discpulo e amigo Domingos Jos Gonalves de Magalhes 13 NONA CARTA Meu caro Padre Mestre. Roma, 5 de fevereiro, 1835. Logo que cheguei a Roma o Domingos me entregou duas cartas suas que muito meencheramdeprazereoPadreMestredizquesenteavidadeclinar;eeu,sintoas foras duplicarem-se-lhe; tanta energia, tanta erudio em uma carta mostram o dedo de gigante. Padre Mestre, quando se apresentar Girodet e Alverne, ento se poder dizer que o orador vale o pintor ou este aquele; mas eu (... tura) ignoram, que apenas principio a estenderumbraoparaapalpar,emediroterrenoporondemeestenderei,epoderia equiparar-meaumfrondosocoqueiro,abundantedefrutosgigantescosebelosdefor-ma, nutrido do mais belo suco da natureza e compacto com a fora dos anos? PadreMestre,hemmimumaescalaquemeobrigaamediroselogiosquese me fazem, e veja se eles abundam em quantidade, porm, um deles, [o] elogio do meu corao pela ptria, sim, por ela farei o que puder, apesar que a pintura e mais artes se cultivam nessa terra como plantas exticas e o Governo as conserva em estufa, onde se morrero se uma mo forte as no soltar para que a nao veja. O corao (...) falo; mas assim quando se olha para um povo, que devia ser feliz e no , o corao rasga-se quando se olha para outro povo, que nasceu para as artes e as no cultiva, necessrio deixar o Brasil para conhecer esta verdade; entre ns todos so poetas,oescravocantaaosomdamarimbaeimprovisamos(seresteiros?)damesma maneira;todosamamapinturasemateremvisto,vemdoqueMr.(...)disseemParis que acabea de todos os brasileirosera deartista, mas que nelafaltava orgo da or-dem e da autoridade; eu creio que os nossos governantes tm esse rgo em demasiada expresso; porque as protuberncias do gnio nada so sem eles. H dois dias que principiei o meu Cristo e no sei o que farei dele, a falar a ver-dade, quando eu leio oCorreio Oficial, d-me vontade de morrer na Europa, mas logo me vem certa fora mais forte queeu mesmo, lava-me da imaginao tantas idias ne-gras a esperana, e a esperana longa!... Depois do meu Cristo no sei o que farei, porque fazer um quadro, onde vo-se grandesdespesas,semfimalgum,noseidequevale.PadreMestre,quandoospais brigam, os filhos perdem-lhe o amor; quando um governo vicioso os sditos o abomi-nam, e quando ele no tem sistema, no h futuro para o cidado, na minha posio vejo um Aureliano alegar com justia na Cmara dos Senadores, que a nao no podia dar-meumapenso;evejoestemesmohomemfazeroutrasaestudantesdeSoPauloe mandar custa da caixa da Legao de Paris um menino de treze anos e meio; se quer ser justo seja, mas no sovina, os cofres da nao eram sagrados, mas eu no me recor-dava que um baixo, o tal, sevandija de D. Pedro, diria que as artes e cincias no preci-sam desta animao porque aqueles que a elas se do com bom comportamento sempre acham meios de subir, temia, ento, os estudantes de So Paulo e o menino de Paris so homens desmoralizados; a primeira parte da nota do oficial maior da Secretaria e esta segunda do Aureliano, o que lana ps nos olhos dos carneiros que os v tosquiando, ora isto, que inda no Brasil h quem creia em borboletas que tomam a cor da planta em que se nutrem. Pacincia, a mediocridade impera, a mediocridade governa, a ignorncia a segue, e o gnio morre; somos filhos dos portugueses, e em alguma coisa nos parece-mos com nossos pais! Adeus,meuPadreMestre,atcedo,queloabraaremoseformaremosuma famliaforte,ummundodeartistasparapreservarocutelodaignornciaedaintriga 14 manejado pela inveja; em atacadas formas, eu sairei a campo com o meu lpis fazendo caricaturas a dois vintns; Padre Mestre, esta qualidade de stira tida pelo rabe e pelo alemo, tambm pelo nacional, e eu conheo a sua influncia. A sua carta ltima me serviu de itinerrio na via pia e lhe assevero que as suas tradies coincidem com o lugar, muitos por aqui olham, e no veem de longe como o Padre Mestre. O Sr. Juvncio lhe entregar esta relquia de So Francisco, recebida por mim no mosteiro de Assis, e lhe assevero que fiz esta peregrinao com a ideia em Vossa Cari-dadeeminhame,queambossoFranciscos,nometambmdemeupai.Oembrulho depfoi-medadopelogeraldoConvento,soascinzasquerodeavamocorpodeS. Francisco, distribua com o nosso Reitor e o nosso amvel Padre Mestre Frei Henrique e o resto faa o que quiser. Aceite o corao de seu discpulo, que o venera e respeita quanto o ama, e que s deseja de o abraar na bela ptria, que corre parelhas com os pases mais pitorescos do mundo. Adeus. Arajo Porto-Alegre P.S.: O Domingos tem feito diamantes em poesia e se recomenda como eu. 15 DCIMA CARTA Meu Mestre e meu Amigo Monte Alverne. Roma, 23 de fevereiro de 1835. Volto de uma excurso que com o Arajo e mais algumas pessoas fizemos fora de Roma; fui ver Albano estirada cinco lguas distante de Roma; a cidade assaz pito-resca;atravessandoaviapia,encontreiotmulodosCuriceosumtantoarruinado pelo tempo, continuando cheguei ao lago de Albano em meio de uma montanha, e que fora outrora um vulco; passei a Genzano, vila pouco considervel e bela e vi o lago de NemichamadoespelhodeDiana,eaacheialgunsfragmentosdotemplodestadeusa. Fui depois a Frascati, subi as runas de Tusculum onde ainda se v a casa de Ccero, o teatro,odepsitodegua,ealgumasruascaladasemuitasrunas;estelugarinspira respeito religioso. Em Tivoli vi o templo de Sibila, e a quinta de Mecenas, de Adriano, e outrasrunas.TivoliolugarmaispitorescodeRoma.Nestaexcursogasteialguns diaseontementreidenovonacidadeeterna.Fizemosaviagemapcomoartistas,e conversando continuamente, cem vezes falamos sobre o Padre Mestre. Tendodiantedosolhosasuacartade4denovembrodoanopassado,escrita com aquela graa natural e cheia de benignos cumprimentos com que sempre me procu-ra honrar, eu, no podendo pagar-lhe esta dvida com moeda de igual quilate, contento-me de ser vencido com a generosidade do Mestre, e assim devia ser para que em tudo o Mestreexcedaaodiscpulo.Oquesintonoachar-meagoraemParisparaouvira leituradasuarespostaaoInstituto;certamenteeunoperderiaestebelomonumento, por ser um dos membros assduos. Como, porm, para l escrevi, espero receber infor-maes do efeito que produziria. Folguei com a resoluo de imprimir os seus sermes, e me felicito de o ter ani-mado para fazer nossa glria literria um to rico presente. Faz bem de retirar-se para o seu convento para tratar de sua sade, o ar livre e o sossego de esprito lhe so conve-nientes, bom descansar depois de to rduas fadigas, e cobrar foras para nova empre-sa.Quantoaomeuhierglifo,comonoseiaoquesereferenaminhacarta,nemdela tenhacpia,nopodereiexplic-lo,masemlchegandoofarei.SobreaobradeMr. Debret lhe direi que muito volumosa, e dispendiosa, e ela tem o ttulo de Viagem Pito-resca ao Brasil; publica-se por cadernos, com estampas de florestas, dos ndios, dos cos-tumes do Brasil, e nos ltimos cadernos viro os retratos dos homens clebres. Assim impossvel terem-se retratos separados. O Arajo escreve a sua viagem Itlia e pretende public-la, no que muito bem [faz]poisquemuitobemescritaecheiadeconhecimentodesuaarte;demimnada posso dizer por no fazer minha prpria stira, no faltaro alguns vadios, invejosos do pouquinho que sei, que se encarreguem disso. Eu s desejo voltar para aminha ptria, tenhoalgumasidiasequerop-lassobrepapel,esparaissotrabalho.Eusintono poder falar ao corao de todos os brasileiros, eu lhes diria a todos os momentos que tempo de trabalhar e de escrever; a vadiao entre ns grande e excede a tudo o que se pode dizer; ela a causa de tanta vaidade, e de tanta crtica ignorante, que envergonha. Com esta o Padre Mestre ficar sabendo que recebi as suas cartas. Se falar com o Padre Mestre Joo Soares diga-lhe de minha parte que eu no lhe escrevo enquanto ele a mim no escrever; ao Martins o mesmo, assaz lhes tenho escrito; eles no tm o direito demeacusarempoisqueoprimeironemumascartametemmandado,eosegundo est bem pago de suas duas cartinhas com letras de cartaz; contudo d-lhes lembranas minhas,ediga-lhesquesejammenospreguiosos.LembranasaoPadreMestreFrei 16 Henrique, e ao nosso Reitor, ao Padre Mestre Frei Henrique, e ao nosso Reitor, ao Padre Diniz e aos amigos. Seu discpulo e amigo Domingos Jos Gonalves de Magalhes P.S.: O portador o Sr. Rocha, filho do nosso Ministro nesta corte. Se com ele falar, lhe dar longas notcias sobre isto. Escrevendo ao Sales para Paris, mandei-lhe lembranas suas;aoAlexandre,porm,comonemdesejov-lonemdelerecebernotciasparame no lembrar dos insultos passados, no lhe mandei, e peo que me desculpe. Dir-lhe-ei mais que o Arajo est fazendo um grande quadro para levar para essa corte, espero que seja uma obra-prima, atento ao seu prodigioso talento; oxal o saibam aproveitar, ou ao menosanimar,masdesgraadamenteessagentearespeitodeartesestmuitobrbara. Temos sido apresentados a quase todos os Prncipes, Duques de Roma, e aos embaixa-dores das Cortes estrangeiras, e por conseguinte temos assistido aos bailes destes senho-res; em Florena, a clebre Catalani apresentou-nos, entre outras pessoas notveis, ex-rainha de Npoles, irm de Napoleo, e com ela conversamos. 17 UNDCIMA CARTA Meu Mestre e Amigo. Paris, 27 de novembro de 1835 Soube por uma carta do Martins que V. Revma. se retirara para o seu convento, em consequncia da suavista estragada pelas contnuas viglias e estudos; o mal no s para o Padre Mestre, a mocidade perdeu um grande mestre. Ora pois, possa esse reti-ro ser profcuo sua glria, possa ele dar-lhe ocasio de coordenar as suas obras-primas deeloqunciacrist,paraqueaposteridadenodigadeV.Revma.omesmoquede outros se diz. AquichegoudeNpolesoArajo,edesgraadamenteseachabemdoentede umainflamaonagargantacomalgumasferidinhas,efebreeporestaraotalvez deixe de falar no Congresso Europeu convocado em Paris neste ms pelo Instituto His-trico,ondeelesedeveriaacharparatratardaArquiteturacrist,principalmenteno Brasil.EutambmestavadispostoalerumtrabalhosobreaHistriadaLiteraturano Brasil, trabalho este que est terminado, mas que devendo traduzir para poder aparecer numCongressoEuropeucompostodesbiosdetodosospases,nomerestatempo para isso. Tornemos ao primeiro ponto. Tenho tomado informaes sobre impresso de o-bras.NomandedenenhummodoseussermesaoAillaud queumL....Elehde pedirquatrovezesmaiscaroqueosoutros.OPadrepodemandarimprimirdoisvolu-mes de sermes por mil francos, isto , 250 mil ris, e eu me encarrego disto. Mande-me os sermes e uma ordem para receber o dinheiro, que o resto eu c farei, creio que vale a pena. O Padre Mestre est l e saber quando serei mudado primeiro do que eu, assim, comamaiorbrevidadepodermandar.Sequiserqueseuslivrosvoencadernados, mande-meoutrotanto;seexcederalgumacoisaeulhefareisaber.Podecontar500 francos paracada volume de 350 pginasa 400,em oitavo, como o Cousin, tirando-se 500 exemplares. Perdoe-me o eu no poder ser mais extenso desta vez. A pressa no me d lugar para mais. Aceite o corao do Amigo e discpulo D. J. G. de Magalhes P.S.:OTorreseoArajoserecomendamaV.Revma.Encarecidamentelhepeo,e espero receber o favor com a maior brevidade, de enviar-me a biografia do So Carlos, easua;podeenviar-meaprimeirapeloprimeiropaquete,nonecessrioqueseja muito longa. No se esquea, no se esquea, o maior favor que me pode por ora fa-zer. Outra de Sampaio, outra do Rodovalho, destes dois ltimos pode fazer uma biogra-fia crtica sobre suas obras. 18 DUODCIMA CARTA Meu Mestre e Amigo. Paris, 29 de janeiro de 1836. H bom tempo que sofro a privao de notcias de V. Revma., no cessando eu de escrever-lhe; porm, longe de acus-lo, como sei que a mais til trabalho entrega sua existncia, eu o desculpo; basta consolar-me que de mim se lembra s vezes. O tradutor de Herder acaba de publicar um poema sobre Napoleo; no lhe falta gnio, porm o seu poema, escrito como as legendas da meia-idade, sem episdios, mais parece uma coleo de cnticos lricos de um trovador, que um poema pico. O desejo de ser original tem impelido muitos poetas modernos extravagncia. H dois anos pu-blicou ele outro poema em prosa com o ttulo de Ahasvrus; pretende ele que esse poe-masejaaepopeiadognerohumano,realizandodestaarteaideiaquenatraduode Herder ele apresenta. Se desejar ler esta obra, dirija-se a meu pai, e entre os livros que no ano passado para l enviei, o achar; um s volume encadernado, tendo o dorso de marroquim preto; com estes sinais o achar mais facilmente. Depoisdeumcertotempoaminha[vida]assazlaboriosa;continuamentees-crevo, j na Legao, j no meu gabinete. A Histria da Literatura no Brasil seriamente meocupa,desesperocomafaltadedocumentos.Comobrevementeesperoquesaiao primeiro nmero da Revista Brasileira [Niteri, Revista Brasiliense Cincias,Letras, e Artes], de que eu, o Torres, e o Arajo somos os autores, l ver V. Revma. um ensai-o.Lancei-meinteiramentenapoesiareligiosa.Esperotambmdarluzesteanoum volume, tanto que me chegue a nova de aumento de ordenado como requeri. De novo lhe peo que no se esquea de enviar os seus sermes para aqui se im-primirem.Quatromilfrancosapenasbastamparadoisbelosvolumesimpressosem luxo. Eu insisto sobre isso porque no quero que se perca este monumento de glria de nossa ptria; quando to poucos escrevem, fora triste que aqueles que o fazem, no dei-xem sinais de si. Se puder enviar-me as biografias de So Carlos, do Sampaio, e algumas notcias sobreFreiSantaRitaDuro,autordoCaramuru,grandeserviofaraseuamigo.Se quiser escrever um artigo sobre a filosofia, poder enviar-nos, que ns o imprimiremos na revista. E se me dado indicar-lhe uma ideia, fora til um artigo no qual se mostras-seanecessidadedereformadoensinodafilosofianoBrasil,tendoestafeitoimensos progressos depois de Locke, e no estando em dia a que a se ensina, com a luz espalha-da por Kant e pela escola. Mr. Cousin acaba de publicar o seu curso de 1818, vi hoje mesmo anunciado pe-los jornais, e ainda no o li. A respeito dos cursos, s frequento este ano o de Economia Poltica no tendo tem[po] para outros; no falando o do ingls que me vem o mestre a casa. O Arajo se recomenda a V. Revma. e o Torres o mesmo. Queira dar lembranas ao nosso Padre Mestre Frei Henrique, e diga ao Martins que no tenha medo de quebrar osdedosescrevendo-me,quenemsequerrespondesminhascartas.QuantoaoPadre Mestre Joo Soares, esse (bem lhe pode dizer), se por suas cartas julgasse de sua estima, terminaria convencido que j de mim se no lembra. De V. Revma. discpulo Amigo obrigado D. J. Gonalves de Magalhes