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    MARIA JOS MORAIS PIRES

    Mestre em Direito PblicoConselheira de Embaixada

    CARTA AFRICANA

    DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS *

    * A verso da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos foi publicada em portugus nacolectnea do Prof. Jorge Miranda, intitulada Direitos do Homem Principais Textos Interna-cionais, 2. ed., Lisboa, Petrony, 1989, pg. 299 e seguintes.Neste trabalho apenas feita a descrio dos direitos enunciados na Carta Africana, faltando aapreciao dos trabalhos da Comisso Africana dos Direitos do Homem e dos Povos nela insti-tuda, a qual j produziu alguns relatrios e decises. Dada a falta de informao em lnguaportuguesa relativamente Carta (da qual so parte os cinco Estados africanos lusfonos), opt-mos, numa primeira fase, por apresentar o seu catlogo de direitos, deixando para momentoposterior a anlise da actividade da Comisso.

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    INTRODUO

    A proteco dos direitos do homem no continente africano decorre decircunstncias histricas especficas, relacionadas com a descolonizao e odireito autodeterminao dos povos, que dominaram os trabalhos da Organi-zao de Unidade Africana, desde 1963 (data da sua criao) at ao final da

    dcada de 70. Com efeito, a questo dos direitos do homem apenas surgeformalmente no Prembulo da Carta da OUA, nas referncias adeso aosprincpios da Declarao Universal dos Direitos do Homem, ao direito dospovos a disporem do seu prprio destino, bem como a cooperao em matriade respeito pelos direitos do homem. Tratava-se de uma abordagem avara 1

    e tmida 2, que resultava mais da interpretao dos seus princpios gerais doque da letra do respectivo articulado.

    Aps o processo de independncia dos Estados africanos, foi adoptada

    pela Conferncia dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, em 28 deJunho de 1981, em Nairobi, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dosPovos, tambm conhecida como Carta de Banjul. Entrou em vigor em 1986

    1 MBaye, Kba A Organizao de Unidade Africana, in As Dimenses Internacionais dosDireitos do Homem, Manual Unesco, Lisboa, 1983, pgs. 615 a 633. Ainda em lngua portuguesa,vide Gonalves Pereira / Quadros, Fausto de Manual de Direito Internacional Pblico, 3. ed.,Coimbra, 1994, pgs. 641 e seguintes.

    2 Ndiaye, Birame Lugar dos Direitos do Homem na Carta da Organizao de Unidade Africana,in As Dimenses Internacionais dos Direitos do Homem, Manual Unesco, Lisboa, 1983,pgs. 633 a 648.

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    e est actualmente ratificada pela maioria dos Estados membros da OUA 3

    com excepo da Etipia e da Eritreia.

    A Carta Africana constitui naturalmente um contributo importante parao desenvolvimento do direito regional africano e preenche uma lacuna emmatria de proteco dos direitos do homem. Trata-se de um progresso signi-ficativo, resultante de um compromisso entre as concepes polticas e jur-dicas opostas, que veio trazer ao direito internacional dos direitos do homem aconsagrao de uma relao dialctica entre direitos e deveres, por um lado,e a enunciao tanto de direitos do homem como de direitos dos povos, poroutro. As tradies histricas e os valores da civilizao africana influenciaram

    os Estados autores da Carta, a qual traduz, pelo menos no plano dos princpios,uma especificidade africana do significado dos direitos do homem.Uma outra inovao que merece relevo, consubstancia-se na ausncia

    de distino entre direitos civis e polticos, por um lado, e direitos sociaise econmicos por outro, o que constitui alis a consagrao da mais recentedoutrina do direito internacional dos direitos do homem 4. A Carta no distinguea natureza dos direitos, atribui-lhes igual fora jurdica e submete-os todos jurisdio, ou melhor, ao controlo da Comisso Africana dos Direitos doHomem. Assim, em teoria, a Comisso poder ser chamada a apreciar a acti-

    vidade dos Estados em matria de aces destinadas a assegurar o exercciodos direitos econmicos e sociais.

    A enunciao dos deveres revela-se tambm uma das originalidades daCarta de Banjul. A referncia aos deveres tinha j surgido num instrumento

    jurdico no vinculativo a Declarao Americana dos Direitos e Deveres doHomem de 1948 mas a Carta Africana revela-se o nico tratado relativoa direitos do homem que consagra, de forma desenvolvida, a noo dedeveres individuais no s em relao ao prximo, mas tambm em funo da

    comunidade, na linha da tradio africana. Este entendimento constitui uma

    3 Em Setembro de 1999, eram os seguintes os Estados partes na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos: frica do Sul, Angola, Arglia, Benin, Botswana, Burkina Faso, Burundi,Camares, Cabo Verde, Chade, Comores, Congo, Costa do Marfim, Djibouti, Egipto, Gabo,Gmbia, Ghana, Guin, Guin-Bissau, Guin Equatorial, Lesoto, Libria, Lbia, Madagscar, Malawi,Mali, Mauritnia, Maurcias, Moambique, Nambia, Niger, Nigria, Qunia, Repblica CentroAfricana, Repblica Democrtica do Congo, Repblica rabe Sarawi, Ruanda, So Tom e Prn-cipe, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Somlia, Sudo, Suazilndia, Tanznia, Togo, Tunsia, Uganda,Zmbia, Zimbawe.

    O Reino de Marrocos retirou-se da OUA em 1984, aps o reconhecimento da Repblica rabeSarawi.4 Pellonp, Matti Economic, Social and Cultural Rights in The European System for the

    Protection of Human Rights, R. St. J. Macdonald, (eds.), Dordrecht, 1993, pgs. 855-874.

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    ruptura5 com a concepo ocidental dos direitos do homem, que considera luz da doutrina positivista, a dialctica direito-dever essencialmente baseada no

    direito como um conjunto de prerrogativas, que originam por reciprocidade umfeixe de deveres ou obrigaes. A autonomizao dos deveres altera a natu-reza deste conceito, embora no seja possvel afirmar que a Carta estabeleceuma relao hierrquica entre direitos e deveres, nem to-pouco uma prece-dncia dos direitos sobre os deveres. Determina apenas com alguma impre-ciso o contedo dos deveres, bem como os seus beneficirios. Com efeito,a Carta impe vrias obrigaes ao indivduo em relao comunidade, asquais no decorrem de um direito subjectivo, no sentido kelseniano, pois

    constituem verdadeiras obrigaes autnomas, sem paralelo em outros instru-mentos de direito internacional de direitos do homem.

    Para alm das inovaes trazidas pela Carta Africana, importa aindaassinalar algumas lacunas de natureza tcnico-jurdica, do seu articulado.Assim, a definio imprecisa dos direitos e a sua enunciao de forma ambguae insuficiente, bem como a ausncia de limitaes especficas, ou melhor, aformulao de limitaes que protegem o Estado, em detrimento do indivduo,reduzem o contedo dos direitos, por vezes abaixo do nvel mnimo exigido pelodireito internacional dos direitos do homem 6. certo, que no artigo 27., n. 2,surge, includa no captulo dos deveres, o que se poder designar de clusulageral de limitao 7, aplicvel genericamente a todos os direitos. Assim, osdireitos e liberdades exercem-se no respeito dos direitos de outrem, da segu-rana colectiva, da moral e do interesse comum. Para alm de uma objecode natureza sistemtica a sua incluso no captulo dos deveres a imprecisodos conceitos, deixa ao Estado uma largussima margem de apreciao, dadoque ser sempre possvel encontrar um fim legtimo para justificar umaingerncia nos direitos e liberdades dos indivduos. Caber naturalmente

    Comisso delimitar com rigor a aplicao desta norma, de forma a evitar inter-pretaes distorcidas daquele preceito.

    Ao contrrio das Convenes europeia e americana, a Carta de Banjulomite uma clusula derrogatria de certos direitos em situaes de excepo,facto que pode levantar problemas de ordem prtica, mas pode tambm ser

    5 Matringe, Jean Tradition et Modernit dans la Charte Africaine des Droits de lHomme et desPeuples, Bruxelas, 1996, pg. 43.

    6 Idem, pg. 40.7 Kastanas, Elias Unit et diversit: notions autonomes et marge dapprciation des Etats dans la

    jurisprudence de la Cour europenne des droits de lhomme, Bruxelas, 1996, pg. 70 e seguinte.

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    interpretado no sentido de um reforo de proteco dos direitos, que serotodos inderrogveis, mesmo em casos excepcionais 8.

    A ausncia de uma clusula de reservas constituiu tambm uma deficin-cia tcnica da Carta Africana. Assim, ao aceitar implicitamente o regime dasreservas previsto na Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados, ou sejaao deixar ao critrio dos Estados, atravs de objeces s reservas, a aprecia-o da sua compatibilidade com o objecto e o fim da Carta, os seus autoresoptaram implicitamente por uma soluo que nos parece pouco compatvel coma efectiva proteco dos direitos nela enunciados 9. Na realidade, apenas aZmbia e o Egipto formularam reservas, sendo a primeira relativa liber-

    dade de circulao, restringindo-a a locais pblicos. As reservas egpciasreferem-se liberdade religiosa e aos direitos das mulheres, as quais estarosujeitas lei islmica, o que levanta srias dvidas de compatibilidade como prprio direito internacional.

    A questo da garantia dos direitos e deveres enunciados na Carta afigu-ra-se talvez o problema juridicamente mais complexo. Com efeito, institui-seum rgo de tutela a Comisso Africana dos Direitos do Homem parapromover os direitos do homem e assegurar a sua proteco em frica,como refere o artigo 30. da Carta. A delimitao da competncia da Comisso

    inscrita no artigo 45. permite-lhe organizar actividades destinadas a promoveros direitos do homem, bem como emitir pareceres ou recomendaes aosgovernos; tem ainda competncia para interpretar todas as disposies daCarta, e executar as tarefas solicitadas pela Conferncia dos Chefes de Estadoe de Governo da OUA. O artigo 47. prev a apreciao das comunicaesapresentadas por um Estado parte contra outro Estado parte, semelhana dodisposto no artigo 24. da Conveno europeia. As outras comunicaespodem ser apresentadas por outras entidades que no os Estados partes, deacordo com o artigo 55. e seguintes. Esta indefinio da competncia rationaepersonae relativa ao requerente, no torna clara a aceitao de peties indi-viduais, remetendo-se para a Comisso a deciso sobre o preenchimento dessalacuna 10 que alguns autores consideram no estar prevista no seu articulado 11.

    8 Gerin, Guido Prsentation in La Charte Africaine des Droits de lHomme et des Peuples Actes du Colloque de Trieste, 30-31 de Outubro de 1987, 1990, pgs. 12 e 13.

    9 Morais Pires, Maria Jos As reservas Conveno Europeia dos Direitos do Homem, Coimbra,1997, pgs. 103 e 104.

    10 Mbaye, Kba Les droits protgs et les procdures prvues par la Charte africaine des droits delhomme et des peuples in La Charte Africaine des Droits de lHomme et des Peuples Actes duColloque de Triestre, 30-31 de Outubro de 1987, 1990, pg. 53.

    11 Miranda, Jorge Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1. ed., Coimbra, 1988, pg. 217.

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    Outros interpretam a Carta no sentido da admissibilidade das comunicaesapresentadas por indivduos, grupos de pessoas ou organizaes 12, conforta-

    dos alis pelo entendimento da prpria Comisso africana, at ao final de1996, apreciou 72 comunicaes individuais, das quais 50 foram declaradasinadmissveis e 12 admissveis 13. As outras comunicaes esto no entantosujeitas conjugao de sete condies descritas no artigo 56. da Carta, entreas quais figura o clssico princpio da exausto dos meios internos, comoprincpio geral de direito internacional 14. As outras condies para apresenta-o de comunicaes revelam-se, em parte semelhantes a outros instrumentosde direito internacional, salvo no que toca condio de compatibilidade com

    a Carta da OUA, que poder restringir drasticamente a admissibilidadedas peties.A actividade da Comisso, para alm da escolha dos seus membros, est

    sujeita fiscalizao da Conferncia de Chefes de Estado e de Governo daOUA, que dever apreciar as recomendaes que a Comisso entende dirigiraos Estados e ainda autorizar os estudos sobre graves violaes de direitos dohomem. A Comisso pode ainda mandatar relatores especiais para estudartemas concretos, como foi o caso das condies nas prises em frica e dosdireitos das mulheres. Assim, o rgo supremo da OUA, de natureza

    intergovernamental detm um papel fundamental no mecanismo de protecoda Carta Africana. No entanto, como os seus prprios autores reconheceram,entre os quais o juiz Mbaye, as dificuldades dos Estados africanos apenas per-mitiram aceitar o actual contedo da Carta 15, estando naturalmente em abertoa possibilidade de se alterar o seu mecanismo de controlo.

    Nesse sentido reuniu-se em 1995, um grupo de peritos governamentais,mandatados pela Cimeira da OUA, que preparou um Projecto de Protocoloque cria um Tribunal Africano de Direitos do Homem e dos Povos, com vista

    a tornar vinculativas as recomendaes da Comisso. O Protocolo foi apro-vado e aberto assinatura em Junho de 1998 e assinado por alguns Estadosmembros da OUA, tendo sido j ratificado pelo Burkina Faso e o Senegal(Dezembro de 1999).

    12 Gerin, op. cit., pg. 14.13 Viljoen, Frans Review of African Commission on Human Rights and Peoples Rights: 21

    October 1986 to 1 January 1997 in Christof Heyns (ed.) Human Rights in Africa 1997, Hais,1998.

    14 Para o estudo do fundamento jurdico deste princpio, vide em lngua portuguesa: Quadros, Fausto O Princpio da exausto dos meios internos na Conveno Europeia dos Direitos do Homeme a ordem jurdica portuguesa in Revista da Ordem dos Advogados, ano 50, I, Lisboa, Abril,1990, pgs. 119-157.

    15 V. Rapport du rapporteur, Doc. OUA CAB/LEG/67/3, Draft-Rpt (II) 1, pg. 4, 13.

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    1. Os direitos protegidos

    Ao longo do catlogo dos direitos inscritos na Carta Africana transparecea influncia da Declarao Universal dos Direitos do Homem. Sem entrar aquino debate da sua obrigatoriedade, cabe notar que a tcnica jurdica usada, ouseja uma enunciao declarativa, sem excessivas preocupaes de limitaese garantias, afigura-se anloga ao texto de 1948. Por outro lado, como conhe-cido, o sistema dos Pactos das Naes Unidas, prev dois regimes diferencia-dos consoante a natureza dos direitos, designadamente nos meios de garantia,sendo que o Pacto relativo aos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais apenasexige uma execuo progressiva das aces necessrias ao exerccio dosdireitos e o Pacto dos Direitos Civis e Polticos est submetido ao controlo deum rgo para-jurisdicional, o Comit dos Direitos do Homem.

    Neste contexto, na Carta de Banjul, a indistino entre os direitos civise polticos de natureza perceptiva e os direitos econmicos e sociais de natu-reza programtica 16, tanto no que se refere sistemtica, como no respeitante sujeio competncia da Comisso, revela-se assim muito inovadora. Estaidentidade de regimes parece implicar que os Estados partes pretendem asse-gurar de imediato o exerccio de todos os direitos previstos na Carta e, em

    ltima anlise, sujeitam os Estados respectiva apreciao pela Comisso.A concepo individualista dos direitos do homem est naturalmentepresente na letra e no esprito das normas da Carta de Banjul, em parte porinfluncia da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, apesar da tradiosocial africana incluir o indivduo no grupo, num conjunto de relaes familiarese tnicas 17. Por outro lado, a prpria ideia de absteno do Estado inerenteaos chamados direitos da primeira gerao est hoje completamente ultra-passada, tanto pela doutrina como pela jurisprudncia. A exigncia de acesdo Estado, tanto se verifica nos chamados direitos da primeira como da

    segunda gerao, o que alis decorre do esprito da Carta Africana. Os seusautores quiseram claramente ultrapassar a dialctica marxista, que rejeita osdireitos da primeira gerao, para impor uma relao de interdependnciae igualdade entre todos os direitos.

    Uma observao que pode desde j ser feita generalidade dos direitosrefere-se s clusulas de limitaes, as quais se revelam imprecisas, reme-

    16 A distino est longamente estudada na doutrina portuguesa: Miranda, Jorge Manual de DireitoConstitucional, tomo IV, 2. ed., Coimbra, 1993, pg. 92 e segs.; Gomes Canotilho, J. J. Manualde Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pgs. 537 e 538.

    17 Sudre, Frdric Droit international et europen des droits de lhomme, Paris, 1989, pg. 82.

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    tendo em alguns casos os limites dos direitos para a lei, sem que se definao que se entende por lei. Ora, em regimes de partido nico, afigura-se-nos que

    a lei no tende a proteger os direitos e liberdades dos cidados, mas sim o poderdo Estado e das autoridades pblicas. A ausncia de clusulas limitativas dotipo europeu, como sejam as limitaes necessrias a uma sociedade demo-crtica no se encontram nas disposies da Carta de Banjul.

    Cabe ainda referir brevemente, os princpios gerais de igualdade e nodiscriminao que se encontram inscritos nos artigos 2. e 3. da CartaAfricana, os quais, semelhana dos Pactos e da Conveno Europeia, noso disposies autnomas, s podendo ser invocadas em conjunto com a apli-cao de um direito protegido no texto.

    Apesar do Prembulo da Carta os considerar indissociveis, por razesde ordem sistemtica, distinguimos os direitos civis e polticos dos direitoseconmicos e sociais, de forma a tornar mais clara a anlise dos direitos.

    1.1. Direitos civis e polticos

    O catlogo dos chamados direitos da primeira gerao, inspirado naDeclarao Universal dos Direitos do Homem e na Conveno Europeia, est

    descrito nos artigos 4. a 14. da Carta de Banjul.Os artigos 4. e 5. protegem a integridade e dignidade humanas, embora

    sem tomar posio explcita sobre a pena de morte 18, nem definir a noo devida. Refere-se apenas que ningum pode ser arbitrariamente privado dodireito vida, sem delimitar com rigor o sentido do termo, o qual tanto podesignificar ilegalidade, como oportunidade por oposio a necessidade 19. Rela-tivamente integridade fsica, a Carta parece proibir prticas tradicionais afri-canas como por exemplo a exciso, pois tanto na letra, como no esprito doPrembulo ( 5) e articulado (artigo 61.), prevalece o direito individual. No quese refere dignidade humana, a Carta, apesar de proibir a tortura e os trata-mentos degradantes, bem como a escravatura, prev no seu artigo 29. o deverde servir a sua comunidade nacional (n. 2) e de trabalhar na medida dassuas capacidades (n. 6). Esta contradio revela-se tanto mais grave quantoa Carta no probe expressamente o chamado trabalho forado.

    O direito liberdade e segurana encontra-se enunciado no artigo 6. demodo algo simplista e sem meno s garantias dos detidos, facto que em

    18 Note-se que todas as Constituies dos Estados Africanos de lngua portuguesa probem expressa-mente a pena de morte.

    19 Matringe, op. cit., pg. 35 e seguintes.

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    falta de definio do contedo do direito e impreciso da clusula de limita-o. Esta ltima remete simplesmente para a lei, acrescida da remisso para o

    artigo 29. da prpria Carta, que enuncia deveres, entre os quais o dever desolidariedade social e nacional, sobretudo quando elas estejam ameaadas(n. 4). Naturalmente, que estas limitaes diminuem fortemente o mbito dodireito supostamente protegido, pois sugerem mesmo uma relao conflituosaentre direito e dever, atribuindo ao Estado uma larga margem de apreciaopara restringir o direito em causa.

    A liberdade de reunio surge consagrada no artigo 11., mas as restries,para alm de estarem limitadas pela lei e regulamentos, devem ainda respeitara segurana nacional, a segurana dos outros, a sade, a moral e os direitose liberdades das pessoas. Estas limitaes draconianas tornam difcil deter-minar o contedo do direito.

    A liberdade de circulao enunciada no artigo 12. traduz o artigo anlogodo Pacto dos Direitos Civis e Polticos, mas acrescenta-lhe um direito at aindito no direito internacional dos direitos do homem o direito ao asilo que no continente africano assume particular importncia, atendendo ao nmerode conflitos armados que obrigam as populaes a fugir dos seus pases deorigem. No entanto, o n. 3 do citado artigo limita drasticamente o mbito deste

    direito ao remeter para as legislaes nacionais a aceitao do pedido de asilo,bem como ao impor restries relativas a segurana nacional, ordem pblica,sade e moral pblicas. O n. 5 do mesmo artigo 12. probe ainda a expulsocolectiva de estrangeiros, para alm de proceder sua definio expressa,tcnica pouco usada no articulado da Carta.

    Um outro direito inovador surge inscrito no artigo 13. da Carta, o qualconsagra o direito da livre participao na direco dos negcios pblicos, acres-cida do direito ao igual acesso aos bens e servios pblicos. A doutrina especia-lizada considera que este direito traduz apenas uma obrigao de absteno do

    Estado, no sentido de no discriminar os cidados utentes dos seus bens eservios 23. No contexto africano, tal interpretao afigura-se decerto a maisadequada, sendo por isso uma variante do princpio da igualdade enunciadono artigo 3.

    Finalmente, o direito de propriedade est consagrado no artigo 14., emtermos semelhantes Conveno americana e ao Protocolo Adicional Conveno Europeia. Atendendo sua omisso nos Pactos das NaesUnidas, bem como realidade africana tradicional, onde a noo de proprie-

    23 Ouguergouz, M. La Charte Africaine des Droits de lHomme et des Peuples; une approche juridique entre tradition et modernit, Paris, 1993, pg. 122.

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    dade privada era algo diferente da europeia, parece-nos inovadora e positivaa consagrao deste direito, que existe na realidade africana actual, herdado da

    poca colonial e decorrente das modernas relaes econmicas. No entanto,alguma ambiguidade na sua definio surge agravada pela aceitao de poss-veis restries impostas pela lei, pela necessidade pblica e pelo interessegeral da colectividade, sem referir expressamente a propriedade privada.Alguns autores consideram-na resultante da conjugao das conveneseuropeia e americana com as Resolues da Assembleia Geral das NaesUnidas, quando conjugado com o direito ao desenvolvimento e o direito dospovos a disporem dos seus recursos naturais, designadamente no que dizrespeito soberania permanente sobre os recursos naturais 24. Assim, estereconhecimento do direito de propriedade ao indivduo parece-nos uma base detrabalho, para a Comisso desenvolver na sua actividade futura.

    1.2. Direitos econmicos e sociais

    Como acima referimos, a ausncia de distino entre os direitos e liber-dades por um lado e direitos econmicos e sociais por outro, revela-se uma dasmais interessantes inovaes da Carta Africana. Assim, os escassos direitos

    econmicos, sociais e culturais surgem descritos nos artigos 15. a 18. deforma sucinta.

    O direito a trabalhar em condies justas e satisfatrias, bem como areceber salrio igual para trabalho igual, citado no artigo 15. est apresentadode forma lacnica e imprecisa 25. No claro que o indivduo beneficie de umdireito a um trabalho garantido e em condies de igualdade, higiene e segu-rana semelhana do Pacto dos Direitos Econmicos Sociais e Culturais dasNaes Unidas.

    Pelo contrrio, o reconhecimento do direito sade no artigo 16. impeaos Estados medidas necessrias proteco da sade das suas populaes,bem como assegurar a assistncia mdica em caso de doena. Trata-se deuma inovao muito positiva, cujo mbito mais poltico-declarativo, do que jur-dico, poder no entanto ter influncia benfica nas medidas legislativas dosEstados partes.

    O direito educao, o direito a participar na vida cultural no respeitoe promoo dos valores tradicionais da comunidade inscritos no artigo 17. no

    24 Quadros, Fausto de A Proteco da Propriedade Privada pelo Direito Internacional Pblico,Coimbra, 1998, pg. 170 e seguintes.

    25 Matringe, op. cit., pgs. 30 e 31.

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    impem directamente obrigaes aos Estados, nem permitem aos cidados exigiraces das autoridades pblicas para assegurar o seu exerccio.

    Finalmente, o artigo 18. visa proteger a famlia, a mulher, a criana,os idosos e os deficientes. As garantias visam no s a discriminao posi-tiva 26, mas tambm impem obrigaes ao Estado, apesar dos termosgenricos e imprecisos.

    2. Deveres enunciados

    A consagrao de deveres do indivduo revela-se igualmente uma impor-tante inovao da Carta de Banjul, sobretudo pela forma pormenorizada comoso descritos, ao arrepio da pura ortodoxia da doutrina dos direitos do homem,que visa proteger os direitos e liberdades do indivduo face ao Estado, semimpor deveres. Com efeito, a Carta Africana vai para alm da concepo indi-vidualista dos direitos do homem, que alis tinha j sido ultrapassada atravsdos direitos econmicos e sociais. A referncia aos deveres surge em comple-mento dos direitos, mas a sua enumerao apresenta-se em termos vagos, queno nos parece possam ferir demasiado a proteco dos direitos do indivduo.

    Por outro lado, a sociedade africana tradicional assenta numa base comunitriae no individualista, na qual o indivduo tem alguns direitos, mas tem sobretudodeveres em relao famlia e comunidade. Ao consagrar estas duas con-cepes e considerando os deveres complementares dos direitos 27, os quais jexistem implicitamente na dialctica dos direitos do homem, a Carta veminovar o direito internacional dos direitos do homem ao criar normas jurdicaspositivas em matria de deveres, dirigidas aos indivduos.

    Em termos concretos, os deveres visam em primeiro lugar a famlia(artigo 27., n. 1). Trata-se de uma obrigao moral, de contedo jurdico limi-tado, pelas inerentes dificuldades de fiscalizao e garantia. O dever dealimentao e assistncia aos ascendentes previsto no artigo 29., n. 1, existena generalidade das ordens jurdicas. Assim, no que diz respeito famlia, otexto da Carta no se afigura muito inovador.

    No que toca aos deveres com o prximo, ou melhor o respeito dos direitosde outrem (artigos 27., n. 2, e 28.), afigura-se segundo alguma doutrina,

    26 Morais Pires, Maria Jos A Discriminao Positiva no Direito Internacional e Europeu dos

    Direitos do Homem in Boletim de Documentao e Direito Comparado Procuradoria-Geral daRepblica, Lisboa, 1995, pgs. 23 e 24.

    27 Oppenheims International Law , 9. ed., vol. I, parte 2 a 4, Londres, 1992, pg. 1030.

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    algo perigoso 28, pois poder em teoria conduzir a situaes de negao dedireitos individuais. Para outros autores, a norma do artigo 27., n. 2, revela-se

    uma clusula geral de limitao de direitos 29, como j atrs analismos a pro-psito das limitaes, mas que no impe qualquer obrigao ao Estado.Assim, trata-se de uma disposio que rege relaes entre indivduos, emborapossa ser teoricamente invocada pelo Estado para assegurar a proteco dosdireitos, na linha dos chamados drittwirkung da doutrina alem 30, sem noentanto prever uma condio de legalidade. O artigo 28. impe aos indivduoso respeito do prximo, norma que traduz uma obrigao de respeito pelos direi-tos alheios, prevista normalmente nos direitos internos com maior preciso.

    Os deveres do indivduo em relao comunidade e ao Estado prescritosno artigo 29. revestem-se de carcter algo delicado. Assim, o dever de servira sua comunidade poder em tese permitir situaes de trabalho forado,sobretudo se se conjugarem os n.os 2 e 6 do artigo 29.

    Os deveres especficos para com o Estado parecem redundar numa obri-gao de non facere, ou seja, os indivduos devem abster-se de comprometera segurana do Estado e a unidade africana. Em rigor este tipo de deveressuscita dvidas em relao ao exerccio de alguns direitos, designadamente osdos partidos polticos, assim como o dever de solidariedade social e nacional

    pode levantar dvidas em relao liberdade de associao.No entanto, a autonomizao do conceito de comunidade revela-se muito

    inovadora em matria de direitos do homem. Este novo sujeito de direitointernacional no impe ainda verdadeiras obrigaes jurdicas aos indivduosmas representa sem dvida um aspecto importante da Carta Africana.

    3. Direitos dos povos e direitos da terceira gerao

    A expresso direitos dos povos levanta desde logo problemas conceptuaiscomplexos, que reflectem as circunstncias da descolonizao em que sedefendia a autodeterminao dos povos, mas que perduraram na ideologia dosnovos Estados independentes.

    Impe-se em primeiro lugar notar que o conceito de direitos dos povosno tem o mesmo significado, na filosofia africana, que os direitos colectivos na

    28 Matringe, op. cit., pg. 59.29 Ouguergouz, op. cit., pg. 373.30 Vide: Clapham, Andrew The Drittwirkung of the Convention in The European System for

    the Protection of Human Rights, R. St. J. Macdonald, (eds.), Dordrecht, 1993, pgs. 163-207.

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    concepo socialista dos direitos do homem 31. Para alguns autores, seguidoresde Vasak, eles correspondem aos chamados direitos da terceira gerao 32,

    enquanto para outros, trata-se da consagrao de uma tradio africanaancestral 33. A questo conceptual ultrapassa naturalmente o mbito destetrabalho 34, mas no podemos deixar de observar a tendncia para confundirdireitos dos povos com direitos dos Estados, por oposio aos direitos doindivduo. Relacionados com este conceito esto os chamados direitos daterceira gerao ou direitos de solidariedade, que se afastam tambm do es-quema jurdico clssico do sujeito, objecto, oponibilidade a terceiros e garantia.Ora, todos estes elementos da relao jurdica aparecem de forma muito inde-

    finida, para que se possa falar de direitos em sentido prprio.A referncia aos direitos dos povos surge nos dois Pactos das NaesUnidas relacionada com a autodeterminao e o desenvolvimento econmico.Na mesma linha, a Carta Africana, adoptada em 1981, proclama um conjuntode direitos dos povos nos artigos 19. a 24. A interpretao destas disposi-es pode ser feita de vrias formas, consoante se tenham ou no em conta ascircunstncias histricas do final da dcada de 70, as quais eram bem diferen-tes das actuais. Com efeito, a subsistncia de um regime de discriminaoracial e situaes coloniais deram origem a um conjunto de normas que visava

    claramente condenar a persistncia de tais circunstncias. Passados que soesses problemas, impe-se uma interpretao jurdica actualista e desprovidade carga ideolgica.

    Assim, no texto da Carta o princpio da igualdade entre os povos surgeno artigo 19. de forma declarativa, mas em termos mais fortes que a prpriaCarta das Naes Unidas. Os artigos 20. e 21. enunciam o direito dos povos existncia e autodeterminao e o direito dos povos livre disposio dassuas riquezas e recursos naturais. Quanto ao primeiro, parece claramente en-tendido, que o direito autodeterminao no se aplica s minorias nacionaisou tnicas, devendo restringir-se aos Estados resultantes das fronteiras colo-niais, ou seja respeitando o princpio da integridade territorial e da intangibilidadedas fronteiras. O princpio contido no artigo 21. inspira-se nos Pactos dasNaes Unidas, acrescido do direito reparao em caso de expoliao dos

    31 Huaraka, Tunguru Les fondements des droits de lhomme en Afrique, in Les DimensionsUniverselles des Droits de lHomme, dirg. Lapeyre, Vasak, Bruxelas, 1990, pg. 244 e seguintes.

    32 streich, Gabriele Le systme de la protection des droits de lhomme en Afrique et en Europe:change dexpriences et perspectives in Rapport Gnral, pg. 8, de Actas do Colquio afro-

    -europeu, Estrasburgo, 26 a 31 de Maro de 1990, organizado pela Fundao Friedrich Naumann.33 Matringe, op. cit., pg. 65 e seguintes.34 Vide na doutrina portuguesa: Miranda, Jorge, op. cit., pg. 62 e seguintes.

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    no momento da sua redaco, mas o seu articulado poder ser desenvolvidoatravs do trabalho da Comisso e do futuro Tribunal, alis semelhana de

    outros instrumentos de direito internacional dos direitos do homem.Surge no entanto esboado um mecanismo institucional de proteco

    regional dos direitos do homem, cuja eficcia est por enquanto em embrio.O excessivo respeito pela soberania dos Estados, atravs da forte intervenoda Conferncia dos Chefes de Estado e de Governo da Organizao de UnidadeAfricana, diminui a credibilidade do sistema. Por outro lado, a Carta de Banjulpoder ter um efeito perverso nas legislaes internas dos Estados partes, poisa natural tendncia que os legisladores nacionais possam ter para se inspirar

    nas normas internacionais, poder levar a um resultado negativo, ou seja,uma legislao minimalista e pouco protectora das garantias dos cidados, semelhana das disposies da Carta Africana. Cabe porm assinalar quea maioria das Constituies africanas inclui j um considervel catlogo dedireitos, mais alargado do que o da Carta, pelo que a ordem interna de algunsEstados encontra-se em certos casos mais habilitada a proteger os direitos docidado que a ordem internacional, o que sucede alis nos outros sistemasregionais de proteco.

    Por outro lado, no texto da Carta no existem referncias democracia,como condio de desenvolvimento dos direitos do homem. Sem querer prno mesmo estado de elaborao as ordens jurdicas europeia e africana,parece-nos que o esforo de instaurao de regimes democrticos nos Estadosdo continente africano, ser decerto uma forma concreta de proteger e desen-volver os direitos do homem, que pressupem naturalmente o princpio dademocracia poltica nos rgos do poder. certo que na ltima dcadativeram lugar vrias eleies democrticas, mas subsistem Estados queprobem expressamente na sua lei interna a existncia de partidos de oposio

    e sindicatos.O papel da Comisso Africana de Direitos do Homem poder ser decisivona definio e delimitao dos conceitos, bem como na ajuda elaborao denormas legislativas destinadas a proteger os direitos e liberdades dos cidados,embora seja de difcil concretizao em relao aos conceitos de comunidadeou direitos dos povos. A actual prtica de aceitar as peties de requerentesindividuais revela-se j um avano em relao s disposies da Carta. O in-cremento da sua actividade e uma interpretao teleolgica da Carta, poderolevar a uma jurisprudncia mais adequada realidade africana e que poderinfluenciar beneficamente a ordem jurdica dos Estados partes, que parecemat agora mais inspiradas pela Conveno Europeia e pela prtica dos seus

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    rgos de controlo 36. No momento presente a Carta deve ser interpretada emtermos complementares ao direito internacional dos direitos do homem, e no

    em sistemtica comparao com os modelos europeu e americano, como alisdefendem alguns dos seus prprios autores 37.

    Finalmente, a existncia da Carta e o seu reconhecimento atravs dasratificaes da larga maioria dos Estados membros da OUA teve o mrito detornar os direitos do homem no continente africano uma questo internacionalcomum a todas as ordens jurdicas e recusar o entendimento, muitas vezesdefendido no passado, de estarmos perante uma questo do domnio reservadodos Estados.

    36 Heyns, Christof African Human Rights Law and the European Convention, in South AfricanJournal on Human Rights, n. 11, 1995, pgs. 253-263.

    37 Mbaye, op. cit., pgs. 40-53.