Carvalho, Marcelo Et Al (Orgs.) - Filosofia Da Ciência e Da Natureza

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Filosofia da Ciência

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  • ANPOF - Associao Nacional de Ps-Graduao em Filosofia

    Diretoria 2015-2016Marcelo Carvalho (UNIFESP)Adriano N. Brito (UNISINOS)Alberto Ribeiro Gonalves de Barros (USP)Antnio Carlos dos Santos (UFS)Andr da Silva Porto (UFG)Ernani Pinheiro Chaves (UFPA)Maria Isabel de Magalhes Papaterra Limongi (UPFR)Marcelo Pimenta Marques (UFMG)Edgar da Rocha Marques (UERJ)Lia Levy (UFRGS)

    Diretoria 2013-2014Marcelo Carvalho (UNIFESP)Adriano N. Brito (UNISINOS)Ethel Rocha (UFRJ)Gabriel Pancera (UFMG)Hlder Carvalho (UFPI)Lia Levy (UFRGS)rico Andrade (UFPE)Delamar V. Dutra (UFSC)

    Equipe de ProduoDaniela GonalvesFernando Lopes de Aquino

    Diagramao e produo grficaMaria Zlia Firmino de S

    CapaCristiano Freitas

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)F487

    Filosofiadacinciaedanatureza/OrganizadoresMarceloCarvalho,FtimaR.vora,ClaudemirRoqueTossato,OswaldoPessoaJr.SoPaulo:ANPOF,2015.541p.(ColeoXVIEncontroANPOF)

    BibliografiaISBN978-85-88072-32-9

    1.Cincia-Filosofia2.FilosofiadanaturezaI.Carvalho,MarceloII.vora,FtimaR.III.Tossato,ClaudemirRoqueIV.PessoaJr.,OswaldoV.SrieCDD100

  • COLEO ANPOF XVI ENCONTRO

    Comit Cientfico da Coleo: Coordenadores de GT da ANPOF

    AlexandredeOliveiraTorresCarrasco(UNIFESP)Andr Medina Carone (UNIFESP)Antnio Carlos dos Santos (UFS)Bruno Guimares (UFOP)Carlos Eduardo Oliveira (USP)CarlosTourinho(UFF)Ceclia Cintra Cavaleiro de Macedo (UNIFESP)Celso Braida (UFSC)Christian Hamm (UFSM)ClaudemirRoqueTossato(UNIFESP)Cludia Murta (UFES)Cludio R. C. Leivas (UFPel)Emanuel Angelo da Rocha Fragoso (UECE)Daniel Nascimento (UFF)DborahDanowski(PUC-RJ)Dirce Eleonora Nigro Solis (UERJ)DirkGreimann(UFF)Edgar Lyra (PUC-RJ) Emerson Carlos Valcarenghi (UnB) Enias Jnior Forlin (UNICAMP)Ftima Regina Rodrigues vora (UNICAMP)GabrielJosCorraMograbi(UFMT)Gabriele Cornelli (UnB)Gisele Amaral (UFRN)Guilherme Castelo Branco (UFRJ)HoracioLujnMartnez(PUC-PR)Jacira de Freitas (UNIFESP)JadirAntunes(UNIOESTE)Jarlee Oliveira Silva Salviano (UFBA)Jelson Roberto de Oliveira (PUCPR)Joo Carlos Salles Pires da Silva (UFBA)Jonas Gonalves Coelho (UNESP)Jos Benedito de Almeida Junior (UFU)

  • Jos Pinheiro Pertille (UFRGS)JovinoPizzi(UFPel)Juvenal Savian Filho (UNIFESP) Leonardo Alves Vieira (UFMG)Lucas Angioni (UNICAMP)Lus Csar Guimares Oliva (USP)LuizAntonioAlvesEva(UFPR)LuizHenriqueLopesdosSantos(USP)LuizRohden(UNISINOS)Marcelo Esteban Coniglio (UNICAMP)Marco Aurlio Oliveira da Silva (UFBA)Maria Aparecida Montenegro (UFC)Maria Constana Peres Pissarra (PUC-SP)MariaCristinaTheobaldo(UFMT)Marilena Chau (USP)Mauro Castelo Branco de Moura (UFBA)Milton Meira do Nascimento (USP)Osvaldo Pessoa Jr. (USP)Paulo Ghiraldelli Jr (UFFRJ)Paulo Srgio de Jesus Costa (UFSM)RafaelHaddock-Lobo(PPGF-UFRJ)Ricardo Bins di Napoli (UFSM)RicardoPereiraTassinari(UNESP)Roberto Hofmeister Pich (PUC-RS)SandroKobolFornazari(UNIFESP)ThadeuWeber(PUCRS)WilsonAntonioFrezzattiJr.(UNIOESTE)

  • Apresentao da Coleo XVI Encontro Nacional ANPOF

    A publicao dos 24 volumes da Coleo XVI Encontro Nacio-nal ANPOF tem por finalidade oferecer o acesso a parte dos trabalhos apresentados em nosso XVI Encontro Nacional, realizado em Campos do Jordo entre 27 e 31 de outubro de 2014. Historicamente, os encon-tros da ANPOF costumam reunir parte expressiva da comunidade de pesquisadores em filosofia do pas; somente em sua ltima edio, foi registrada a participao de mais de 2300 pesquisadores, dentre eles cerca de 70% dos docentes credenciados em Programas de Ps-Gradu-ao. Em decorrncia deste perfil plural e vigoroso, tem-se possibilita-do um acompanhamento contnuo do perfil da pesquisa e da produo em filosofia no Brasil.

    As publicaes da ANPOF, que tiveram incio em 2013, por ocasio do XV Encontro Nacional, garantem o registro de parte dos trabalhos apresentados por meio de conferncias e grupos de traba-lho, e promovem a ampliao do dilogo entre pesquisadores do pas, processo este que tem sido repetidamente apontado como condio ao aprimoramento da produo acadmica brasileira.

    importante ressaltar que o processo de avaliao das produes publicadas nesses volumes se estruturou em duas etapas. Em primeiro lugar, foi realizada a avaliao dos trabalhos submetidos ao XVI Encontro Nacional da ANPOF, por meio de seu Comit Cientfico, composto pelos Coordenadores de GTs e de Programas de Ps-Graduao filiados, e pela diretoria da ANPOF. Aps o trmino do evento, procedeu-se uma nova chamada de trabalhos, restrita aos pesquisadores que efetivamente se apresentaram no encontro. Nesta etapa, os textos foram avaliados pelo Comit Cientfico da Coleo ANPOF XVI Encontro Nacional. Os trabalhos aqui publicados foram aprovados nessas duas etapas. A reviso final dos textos foi de respon-sabilidade dos autores.

  • A Coleo se estrutura em volumes temticos que contaram, em sua organizao, com a colaborao dos Coordenadores de GTs que participaram da avaliao dos trabalhos publicados. A organizao te-mtica no tinha por objetivo agregar os trabalhos dos diferentes GTs. Esses trabalhos foram mantidos juntos sempre que possvel, mas com frequncia privilegiou-se evitar a fragmentao das publicaes e ga-rantir ao leitor um material com uma unidade mais clara e relevante.

    Esse trabalho no teria sido possvel sem a contnua e qualificada colaborao dos Coordenadores de Programas de Ps-Graduao em Filosofia, dos Coordenadores de GTs e da equipe de apoio da ANPOF, em particular de Fernando L. de Aquino e de Daniela Gonalves, a quem reiteramos nosso reconhecimento e agradecimento.

    Diretoria da ANPOF

    Ttulos da Coleo ANPOF XVI EncontroEsttica e Artetica e Filosofia Polticatica e Poltica ContemporneaFenomenologia, Religio e PsicanliseFilosofia da Cincia e da NaturezaFilosofia da Linguagem e da LgicaFilosofia do Renascimento e Sculo XVIIFilosofia do Sculo XVIIIFilosofia e Ensinar FilosofiaFilosofia Francesa ContemporneaFilosofia Grega e HelensticaFilosofia MedievalFilosofia Poltica ContemporneaFilosofias da DiferenaHegelHeideggerJustia e DireitoKantMarx e MarxismoNietzschePlatoPragmatismo, Filosofia Analtica e Filosofia da MenteTemas de FilosofiaTeoria Crtica

  • Apresentao

    GT Filosofia da Cincia

    O GT Filosofia da Cincia contou com 34 apresentaes em sua programao do XVI Encontro Nacional da ANPOF, sendo que 11 sub-meteram seu trabalho para este volume. Os temas abordaram questes de filosofia da cincia principalmente do sc. XX, sendo que alguns trabalhos enfocaram as ideias de um determinado autor, ao passo que outros analisaram temas de filosofia da cincia ou de maneira geral ou com base em algum episdio da histria da cincia.

    Enfocando a Antiguidade, Rbia Liz Vogt de Oliveira estuda Aris-tteles e sua concepo de conhecimento provvel atravs da delibera-o dialtica. Jorge Alberto Molina se detm sobre a retrica, relacionada a uma lgica das cincias humanas, analisando o Tratado da argumenta-o (1958) de Perelman & Olbrechts-Tyteca. Adan John Gomes da Silva tambm investiga os temas de retrica e racionalidade cientfica, na obra do filsofo da cincia e senador italiano Marcello Pera.

    Dois trabalhos examinam episdios cientficos. Danilo Nogueira Albergaria Pereira descreve as teorias de formao dos planetas, con-centrando-se principalmente nas discusses do incio do sc. XX so-bre a hiptese nebular (formulada por Kant), a partir das tradicionais metateorias de mudana cientfica. Deste perodo tambm o estudo de Caroline Elisa Murr sobre as concepes filosficas do fsico Erwin Schrdinger, em especial sua noo de objetivao.

    A filosofia da cincia contempornea pode ser dividida em cor-rentes mais logicistas e outras mais historicistas. Dois trabalhos se con-centram nessas ltimas. Jonhkat Leite dos Santos Terrematte revisita o conceito de obstculo epistemolgico na filosofia de Gaston Bache-lard, e Bruno Camilo de Oliveira analisa a relao entre a histria e a noo de progresso no pensamento de Paul Feyerabend.

    Da tradio mais logicista, dois trabalhos enfocam temas relacio-nados ao filsofo Bas van Fraassen. Tiago Mathyas Ferrador discute a questo da verdade no empirismo construtivo, e Alessio Gava prope critrios internalistas para melhor caracterizar o processo de observa-

  • o cientfica, to importante na concepo do filsofo holands-cana-dense. Por fim, inspirado em Quine, Acrssio Luiz Gonalves discute a simplicidade como critrio de escolha de hipteses cientficas, e Robin-son Guitarrari analisa a face cognitiva do realismo natural de Putnam.

    GT Histria da Filosofia da Natureza

    O GT Histria da Filosofia da Natureza da ANPOF rene pes-quisadores brasileiros e estrangeiros que investigam temas fundamen-tais da histria da filosofia da natureza, da antiguidade at o sculo XVII, com nfase na recepo e transformao do pensamento aristot-lico na Idade Mdia, latina e rabe, e no incio da modernidade. O GT, que rene pesquisadores e estudantes em torno de um instrumental te-rico da histria da filosofia, tem se valido, ao longo dos ltimos anos, de suas participaes nos Encontros Nacionais de Filosofia da AN-POF como ocasies privilegiadas de reflexo e anlise. Seus membros apresentaram vinte e uma comunicaes no XVI Encontro Nacional de Filosofia, contando com professores, pesquisadores e alunos de ps--graduao. Nove desses trabalhos esto neste volume.

    Em seu artigo, Joo Cludio Toniolo examina o reaparecimento, em Agostinho de Hipona, do preceito dlfico conhece-te a ti mesmo, encontrado no Alcebades e no Crmides de Plato. Agostinho parte da tese de que no h distino entre sujeito e objeto no autoconhecimen-to da alma (mens), e Toniolo analisa como esta indistino, presente no De Trinitate X, serve como ponto de partida para a crtica aos cha-mados fsicos ou materialistas, que consideram que a alma um corpo material, um dos rgos ou componentes do corpo (crebro, corao, sangue), ou ainda que formada de tomos.

    Na sequncia, Sueli Sampaio Damin Custdio dedica-se a dis-cusso e anlise da poltica e teoria monetria em Nicole Oresme, membro da Escola Nominalista de Paris. Sueli sustenta em seu artigo que a discusso sobre a moeda, neste Tratado de Oresme, serve de pano de fundo para o autor introduzir o debate poltico e moral a ser apresentado no sc. XIV, aquele no qual o prncipe e os indivduos so responsabilizados por suas aes que envolvem o uso da moeda.

    Coube a Mrcio Augusto Damin Custdio iniciar, no evento, a anlise do dilogo entre a Idade Mdia e a modernidade. No seu O conhecimento que o intelecto tem de si, Mrcio investiga a tese de

  • Carriero (1986 e 2009), segundo a qual Descartes, na Segunda Meditao, prope eliminar a concepo de que o intelecto no pode ser conheci-do em separado do corpo. Para Carriero tal empresa uma resposta de Descartes ao aristotelismo, cujo maior representante Toms de Aquino, para quem nihil est in intellectu, nisi prius fuerit in sensu. Mr-cio centra sua investigao, quanto a correo de tal possibilidade de leitura, na relao entre o texto da Segunda Meditao de Descartes e os tratados da natureza humana e dos anjos da Suma de Teologia, alm de ScG III, 46, 11, De Trinitate, Q. 6 e De veritate Q. 10, de Toms de Aquino.

    Em seguida, inicia-se uma srie de reflexes sobre Descartes. Gabriel Arruti Arago Vieira discute a relao corpo-alma nas Me-ditaes, enquanto Arthur de Bulhes debrua-se sobre as Regulae ad directionem ingenii e analisa a concepo cartesiana de inferncia, des-tacando o quanto ela concorre para a elaborao de uma lgica da des-coberta. Arthur pretende mostrar o quanto tal reflexo sobre a infern-cia introduz Descartes no debate sobre o problema das diretrizes para o pensar, ou seja, de como possvel conduzir o intelecto obteno de novos conhecimentos a partir do raciocnio dedutivo.

    Veronica Ferreira Bahr Calazans, por sua vez, dedica-se a anli-se da associao da matemtica ao estudo da natureza tpica da cin-cia do sculo XVII. Vernica pretende compreender como Descartes e Newton concebem a matemtica e em que sentido ela seria aplicvel ao estudo da natureza. Ainda tratando do tema da matemtica, e vi-sando compreender a diferenciao epistemolgica entre a exatido das operaes do mtodo e o carter persuasivo das justificaes cien-tficas de Descartes, Jos Portugal dos Santos Ramos discute o modus operandi proposto pelo autor em 1637. Jos sustenta que Descartes res-tabelece os raciocnios de ordem e medida da mathesis universalis, pro-postos na Regulae mediante o modus operandi do mtodo que inventara e de sua aplicao s cincias particulares. Isso, segundo a anlise de Jos, teria levado Descartes a no mais utilizar o conceito de mathesis universalis, em suas obras posteriores.

    A obra de Descartes continua em cena no texto de Llian Cantelle dedicado ao estudo do problema da interao corpo-mente em Des-cartes. Na sua tentativa de compreender como o corpo afeta a mente na obra cartesiana, Lilian foca sua ateno no recurso que Descartes faz glndula pineal. Finalmente, a partir da anlise do Ensaio sobre o Entendimento Humano e de alguns excertos da correspondncia de John

  • Locke, Giorlando Madureira de Lima, encerra a participao do GT Histria da Filosofia da Natureza, neste volume, examinando a on-tologia dos corpos.

    GT Filosofia, Histria e Sociologia da Cincia e da Tecnologia

    O GT Filosofia, Histria e Sociologia da Cincia e da Tecnologia reuniu, durante o XVI Encontro da Anpof, trabalhos que podem ser di-vididos em trs grupos. O primeiro grupo compreende textos relativos histria da cincia, no qual so discutidas possveis interpretaes de ca-sos histricos; o segundo grupo trata de questes da filosofia da cincia propriamente dita, onde abordagens meta-tericas foram apresentadas e discutidas; o terceiro grupo, por sua vez, composto por trabalhos que discutem temas sobre a tecnologia, tanto relativos aos aspectos cogni-tivos e sua relao com a cincia como os que abordam certos aspectos sociais envolvidos na elaborao do conhecimento tecnolgico.

    No primeiro grupo, que trata de questes ligadas histria da cincia, Claudemir Roque Tossato (Unifesp), no texto A distino en-tre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica defende que a cosmologia de Aristteles distingue-se da astronomia de Ptolomeu pelo carter axiolgico de cada uma; para Aristteles, o fundamental determinar explicaes fsicas sobre o cosmo enquanto que, para Pto-lomeu, o mais importante elaborar posicionamentos dos corpos ce-lestes com um alto grau de certeza.

    Luiz Felipe Sigwalt de Miranda (UFPR), apresenta, em seu texto As sries intermediaram o fundamento do clculo?, a possibilidade de deduo do clculo infinitesimal atravs de sries por intermdio infinitesimal, seja utilizando o conceito de tempo absoluto, como fez Newton, seja pelo princpio de continuidade, como tratou Leibniz.

    No texto Gassendi e as hipteses sobre a natureza da matria, Paulo Tadeu da Silva (UFABC) destaca algumas consideraes bsicas da teoria da matria de Gassendi, voltadas para a defesa do atomismo e do vazio; em seguida, compara as concepes cartesianas e gassen-distas acerca da matria.

    O segundo grupo, que contm trabalhos sobre filosofia da cin-cia, inicia-se com o texto de Joo Cortese (USP), intitulado Pierre Duhem leitor de Blaise Pascal: analogias no seio de descontinuidades,

  • no qual o autor sustenta que existe uma importante influncia de Pas-cal nos trabalhos de Duhem sobre a distino entre fsica e metafsica.

    Max Rogrio Vicentini (UEM), analisa, em seu texto Causalida-de eficiente, causalidade final e ao humana na perspectiva peirciana a relevncia da considerao da causalidade final como complemento da causalidade eficiente na perspectiva peirciana para o tratamento adequado da ao humana.

    Por fim, Sandro Juarez Teixeira (UFPR), em seu texto As indeter-minaes da fixao da referncia: Kuhn crtico de Putnam, apresenta a teoria do significado de Kuhn e discute os problemas levantados por Kuhn sobre a teoria da fixao da referncia de Putnam.

    O terceiro grupo, que trata de questes ligadas tecnologia, ini-ciou com Cristiano Cordeiro Cruz (USP), com o trabalho Limites e possibilidades da proposta de democratizao da tecnologia de An-drew Feenberg. O autor apresenta a proposta de Feenberg de demo-cratizao da tecnologia voltada para vencer o predomnio da tecno-cracia, sugerindo, tambm, a adoo de propostas educacionais para dar conta de problemas no tratados por Feenberg.

    Daniel Laskowski Tozzini (UFPR), no texto Os limites da filo-sofia e da sociologia da cincia trata das crticas feitas pela sociologia do conhecimento racionalidade e objetividade cientfica defendida pela filosofia da cincia do incio do sculo XX e discute questes so-ciolgicas que surgem quando se coloca em xeque a racionalidade e objetividade cientficas.

    Dbora de S Ribeiro Aymor (USP) em seu texto Continuida-des e descontinuidades entre cincia e tecnologia elabora uma discus-so sobre a questo da procura da objetividade, prpria da pesquisa cientfica, e a inovao que os avanos tecnolgicos conduzem; a con-cluso da autora de que cincia e tecnologia no so contnuas, pois tm objetivos distintos.

    Finalmente, Ronei Clecio Mocellin (UFPR) trata no texto Um Estilo qumico de raciocinar e a noo de Progresso do estilo qumico de raciocnio cientfico voltado para os trabalhos realizados em labora-trios e da importncia da noo de progresso para a modelagem de um ideal de conhecimento qumico.

  • SumrioAristteles e as racionalidades da cincia

    Rbia Liz Vogt de Oliveira 16 A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    Claudemir Roque Tossato 25

    Indistino entre sujeito-objeto no autoconhecimento da mens e a crtica aos fsicos no De Trinitate X de Agostinho de Hipona

    Joo Cludio Toniolo 41

    Poltica e teoria monetria em Nicole Oresme Sueli Sampaio Damin Custdio 53

    O conhecimento que o intelecto tem de si Mrcio Augusto Damin Custdio 71

    Descartes e a relao Corpo-Alma nas Meditaes Gabriel Arruti Arago Vieira 80

    Descartes, as Regulae, e o problema das diretrizes para o pensar no sculo XVII

    Arthur de Bulhes 95

    Matemtica e Natureza em Newton e Descartes Veronica Ferreira Bahr Calazans 111

    Modus operandi do mtodo proposto por Descartes em 1637 Jos Portugal dos Santos Ramos 129

    O Problema da Interao Corpo-Mente em Descartes Llian Cantelle 144

    Gassendi e as hipteses sobre a natureza da matria Paulo Tadeu da Silva 162

    A ontologia dos corpos em Locke Giorlando Madureira de Lima 171

    Duhem leitor de Blaise Pascal: analogias no seio de descontinuidades Joo Cortese Pierre 178

    O realismo na filosofia dev Karl Popper Gerson Albuquerque de Araujo Neto 196

  • A concepo de Kuhn acerca da incomensurabilidade e suas implicaesElder Souza do Nascimento 204

    As indeterminaes da fixao da referncia: Kuhn crtico de Putnam

    Sandro Juarez Teixeira 214

    Revoluo ou evoluo na cincia na perspectiva de Kuhn Elizabeth de Assis Dias 226

    Consequncias para o empirismo construtivo da adoo de um padro internalista na caracterizao do processo de observao

    Alessio Gava 239

    Retrica e racionalidade cientfica; a filosofia da cincia de Marcello Pera Adan John Gomes da Silva 251

    A exigncia da motivao interna em Bernard Williams Cristiann Wissmann Matos 269

    A face cognitiva do realismo natural de Putnam Robinson Guitarrari 282

    Comentrios acerca da relao entre a Histria e o progresso no pensamento de Paul Feyerabend

    Bruno Camilo de Oliveira 300

    Correspondncia ou eliminao? A questo da verdade no empirismo construtivo de Bas van Fraassen

    Tiago Mathyas Ferrador 315

    Em busca de uma episteme entre o racionalismo lakatosiano versus o relativismo kuhniano

    Marcos Roberto Alves Oliveira 330

    La bases metafsicas del Realismo Estructural ntico Bruno Borge 337

    O Tratado da Argumentao e a Lgica das cincias humanas Jorge Alberto Molina 350

    Objetivao, dualismo e monismo na filosofia de Erwin Schrdinger: interpretao e expanso

    Caroline Elisa Murr 375

    Terrematte Obstculos Epistemolgicos na Filosofia de Gaston Bachelard Jonhkat Leite dos Santos 391

    Propriedades Categricas Relacionais: resguardando o Naturalismo Pedro Vasconcelos Junqueira de Gomlevsky 396

  • Teorias de formao do sistema solar: um desafio para as filosofias historicistas da cincia

    Danilo Nogueira Albergaria Pereira 405

    Limites e possibilidades da proposta de democratizao da tecnologia de Andrew Feenberg

    Cristiano Cordeiro Cruz 417

    Causalidade eficiente, causalidade final e ao humana na perspectiva peirciana

    Max Rogrio Vicentini 431

    A simplicidade enquanto critrio de hipteses cientficas Acrssio Luiz Gonalves 445

    Algunas consideraciones sobre el estatuto cognitivo del Psicoanlisis y de la investigacin psicoanaltica

    Ricardo Navia 457

    As sries intermediaram o fundamento do Clculo? Luiz Felipe Sigwalt de Miranda 467

    O corpo como plataforma de (re)configurao do conhecimento em cincias

    Lucas Bizarria Freitas 484

    Continuidades e descontinuidades entre cincia e tecnologiaDbora de S Ribeiro Aymor 502

    Os Limites da Filosofia e da Sociologia da Cincia

    Daniel Laskowski Tozzini 515

    Um Estilo qumico de raciocinar e a noo de Progresso Ronei Clecio Mocellin 533

  • Aristteles e as racionalidades da cincia

    Rbia Liz Vogt de OliveiraUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

    Introduo

    A deciso tem sido um tema espinhoso para a tradio racionalista da Filosofia. Para explicar e fundamentar essa afirmao, valeremo-nos de Aristteles, que nos fornece uma teoria clssica da deciso racional, a qual se d via deliberao. Sob o ponto de vista que tem o raciocnio lgico como modelo, esse processo de deciso, muitas vezes, mostra-se inconsistente, visto que a deciso tomada corrompida pela fraqueza da vontade. A racionalidade prtica, a qual guia a deciso, mais carac-teristicamente estudada na rea da tica; entretanto, ela no se reduz tica. Nosso intuito estudar a racionalidade prtica na cincia, pois ela tambm est presente nas decises que os cientistas tomam. Assim, tra-taremos da racionalidade prtica na cincia, tendo como referncia para tal o prprio Aristteles. Estamos no campo dos valores epistmicos. Marcelo Dascal1 quem nos prov diferentes tipos de racionalidade, as quais esto abrigadas em uma teoria das controvrsias. Pretendemos mostrar que h uma racionalidade que lana nova luz sobre o problema da acrasia, sem a classificar como um erro e a relegar para a irracionali-dade. Nesse sentido, o trabalho dialoga entre Aristteles e M. Dascal.

    1 Filsofo. Professor emrito da Universidade de Tel-Aviv. Desenvolve uma teoria das contro-vrsias, a qual tem contribudo no s para a compreenso das polmicas intelectuais, mas tambm para os estudos sobre racionalidade e pragmtica.

    Carvalho, M.; vora, F. R.; Tossato, C. R.; Pessoa Jr. O. Filosofia da Cincia e da Natureza. Coleo XVI Encontro ANPOF: ANPOF, p. 16-24, 2015.

  • 17

    Aristteles e as racionalidades da cincia

    A deciso racional

    Junto-me a Paul Grice no seu interesse pela razo. ele que no lembra que

    a clarificao filosfica do conceito de razo, ou talvez a famlia de conceitos que se abriga sob esse nome, de meu interesse, e tambm [do interesse] de outros, por mais de uma razo. A natu-reza da razo uma questo filosfica por si mesma interessan-te e importante: a razo um membro importante da classe de ideias com as quais, como filsofos, deveramos nos preocupar. Mas, alm dessa fundamentao de interesse, h o fato de que mais de um filsofo sustentou a viso que consequncias filos-ficas de importncia vital podem ser alcanadas por derivao da ideia de um ser racional (GRICE, 2001, p. 4; traduo minha)2.

    Em Aristteles, encontramos uma teoria clssica da deciso ra-cional. Esta teoria desenvolvida, em especial, na tica a Nicmacos. Nas palavras de Aristteles, (...) a escolha requer o uso da razo e do pen-samento (EN 1112a). Decidir requer uma ao; e, uma vez que estamos diante de uma ao, o raciocnio em questo do tipo prtico:

    o pensamento por si mesmo, todavia, no move coisa alguma, mas somente o pensamento que se dirige a um fim e prtico; realmente, esta espcie de pensamento dirige tambm a ativida-de produtiva, j que qualquer pessoa que faz alguma coisa a faz com vistas a uma finalidade; o ato de fazer no uma finalida-de em si, mas somente uma finalidade em relao a outra coisa qualquer, e a finalidade de outra coisa qualquer, enquanto uma coisa feita uma finalidade em si (...). (EN 1139b)

    A racionalidade ligada deciso, portanto, a racionalidade prtica.

    2 The philosophical clarification of the concept of reason, or perhaps of the family of con-cepts which shelter under that title, is of interest to me, and to others, for more than one reason. The nature of reason is an interesting and important philosophical question in itself: reason is an important member of the class of ideas with which, as philosophers, we should be concerned. But, beyond that foundation of interest, there is the fact that that more than one philosopher has held the view that vitally important philosophical consequences can be reached by derivation from the idea of a rational being (GRICE, 2001, p.4).

  • 18

    Rbia Liz Vogt de Oliveira

    Aristteles situa o problema da racionalidade prtica na tica e, neste mbito, preocupa-se com o bom raciocnio, ao qual se chega via deliberao:

    (...) a excelncia na deliberao envolve raciocnio. A alternativa restante, ento, que a excelncia na deliberao pensar cor-retamente. De fato, o pensamento ainda no uma afirmao, porquanto, embora a prpria opinio no seja investigao mas j tenha chegada ao nvel de afirmao, a pessoa que est delibe-rando, quer delibere bem, quer delibere mal, est investigando e calculando algo. (EN 1142b23)

    A exemplo de Aristteles, a tradio vem vinculando a razo prtica tica. Essa associao mais que compreensvel; contudo, ela no exaustiva. Como mostra, por exemplo, Feyerabend (2007), razo e prtica no so duas entidades de espcies diferentes. Nas palavras de Feyerabend (2007, p. 302), o que chamado razo e prtica so, portanto, dois tipos diferentes de prtica (...). Assim, a razo prtica no pertence unicamente esfera da tica. Da mesma forma, valores que esto sempre presentes, de acordo com Feyerabend tambm no se reduzem unicamente tica ou esttica. Em oposio a uma epis-temologia dualista, Feyerabend atesta a possibilidade de falarmos da razo prtica no mbito da cincia. O caminho que percorremos nesta pesquisa no est focado nas questes ticas pertinentes cincia, mas sim, nos discursos da cincia. a partir da anlise lingustica dos de-bates cientficos que tambm podemos analisar a escolha na cincia (as escolhas sejam elas de nimo epistemolgico, psicolgico, tico, etc. que os contendores tomam na conduo dos debates).

    H uma explicao em especial na tica a Nicmacos sobre delibe-rao e escolha que queremos frisar: deliberamos sobre coisas que esto ao nosso alcance e podem ser feitas, e so estas as que ainda esto por ser exa-minadas (EN 1112a36). Como vemos, para Aristteles, a deliberao com vistas escolha por uma ao se d entre mltiplas alternativas (ao menos, duas alternativas).

    Possibilidades em aberto no esto sob a guarida do raciocnio dedutivo, aquele que modelo do conhecimento cientfico. Aristteles nos alerta para inconsistncias do raciocnio prtico quando toma-mos como modelo o raciocnio lgico:

  • 19

    Aristteles e as racionalidades da cincia

    mas h pessoas de certa espcie que abandonam sua escolha em consequncia de emoes e contrariamente reta razo pes-soas dominadas pela emoo de tal forma que no so capazes de agir segundo a reta razo, mas no dominadas a ponto de ser levadas a crer que devem buscar tais prazeres de qualquer maneira; so estas as pessoas incontinentes; elas so melhores que as concupiscentes, e no so irrestritamente ms, pois o que h nelas de melhor, ou seja, a razo, preservado (EN 1151a 25).

    A acrasia um erro perante um determinado tipo de racionali-dade, o qual tem sido tomado como o nico modelo de razo. Acom-panho Marcelo Dascal (2010, p.4) na descrio da viso tradicional de razo, concentrada na racionalidade dura:

    Por racionalidade dura entendo uma concepo da racionalida-de que considera a lgica dedutiva e suas aplicaes como seu modelo fundamental.Segundo esta concepo, a certeza o principal objetivo da ci-ncia e sinal do conhecimento, enquanto que a inconsistncia o paradigma da irracionalidade. As matemticas so o melhor exemplo do xito deste ideal de racionalidade. A racionalidade dura privilegia aquilo que considera ser as razes de xito das matemticas.Segundo a racionalidade dura, as condies do pensamento e da praxis racional incluem a obedincia absoluta ao princpio da contradio, o uso de definies precisas formuladas em termos de condies necessrias e suficientes, basear-se em argumen-tos dedutivos que garantam a verdade e a certeza de suas con-cluses, servir-se sempre que seja possvel da formalizao, da computao, da axiomatizao, e mtodos semelhantes (tradu-o minha). 3

    3 Por racionalidad dura entiendo una concepcin de la racionalidad que considera a la lgi-ca deductiva y sus aplicaciones como su modelo fundamental.

    Segn esta concepcin, la certidumbre es el principal objectivo y seal del conocimiento, mientras la inconsistensia es el paradigma de la irracionalidad. Las matemticas son el mejor ejemplo de este ideal de racionalidad. La racionalidad dura privilegia aquello que considera ser las razones del xito de las matemticas.

    Segn la racionalidad dura, las condiciones del pensamiento y de la praxis racional incluyen la obediencia absoluta al principio de contradiccin, el uso de definiciones precisas formula-das en trminos de condiciones necesarias y suficientes, basarse em argumentos deductivos que garantizan la verdad y la certidumbre de sus conclusiones, servirse siempre que sea posible de la formalizacin, la computacin, la axiomatizacin, y mtodos semejantes.

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    Como vemos, possibilidades em aberto no esto sob a guarida da racionalidade dura; mltiplas escolhas, devido ao seu grau de in-certeza, sero relegadas irracionalidade cujo paradigma a incon-sistncia pela racionalidade dura.

    Aristteles toma parte nesta viso mais tradicional sobre conheci-mento e racionalidade. Nos Analticos Posteriores4, encontramos a defini-o tradicional do conhecimento cientfico, aquele que demonstrativo, que parte de princpios primeiros e necessrios, como exemplificado nas seguintes passagens: todo o ensino e toda a instruo intelectual procedem de conhecimento pr-existente (AP 71a1); (...) o conhecimento demonstrativo procede de primeiros princpios necessrios (AP 74b5).

    Para Aristteles, no h uma certeza dedutiva que guie o proces-so deliberativo da escolha. Mas, como sabemos, no dedutivo no sig-nifica, necessariamente, no conhecimento. Aristteles reconhece que o conhecimento cientfico o conhecimento do que necessariamente ocorre ou do que ocorre na maioria das vezes. Assim, o prprio Aris-tteles que abre caminho para fundamentar o conhecimento cientfico em outras bases: ns, contudo, sustentamos que nem todo conhecimento de natureza demonstrativa (AP 72b20).

    Nos Tpicos, Aristteles abre uma possibilidade para se falar em outro modelo de racionalidade. Ele retoma sua posio mais clssica ao afirmar que a razo est presente no silogismo, que (...) um dis-curso argumentativo no qual, uma vez formuladas certas coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta necessariamente atravs delas pura e simples-mente (T 100a25). Mas h, tambm, um outro mtodo: o silogismo dia-ltico aquele no qual se raciocina a partir de opinies de aceitao geral (T 100a30). Considerando os diferentes silogismos, Aristteles apresenta diferentes racionalidades.54 Aristteles dedicou cinco obras, em especial, lgica ou melhor, Analtica, no dizer do

    prprio Aristteles; so elas: Categorias, Da Interpretao, Analticos Anteriores, Analticos Pos-teriores e Tpicos. Elas foram reunidas em um corpus, o rganon. Para os nossos propsitos, e devido ao tempo do qual aqui dispomos, no precisaremos passar pelas duas primeiras obras, Categorias e Da Interpretao. Abordaremos os Analticos Anteriores referenciado aos dois textos que aqui mais nos interessam, a saber, os Analticos Posteriores e os Tpicos.

    5 Aristteles nos fala, ainda, do raciocnio contencioso, que seria um falso raciocnio, baseado em opinies que parecem ser geralmente aceitas, mas na verdade no o so. H ainda, falsos raciocnios, tais como aqueles baseados em certas premissas de cincias especficas, como, por exemplo, a geometria. No nosso objetivo nos alongarmos na explorao desses outros raciocnios. Eles corroboram, de qualquer forma, a possibilidade de se falar em racionalida-de no plural.

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    Aristteles e as racionalidades da cincia

    Nem toda a filosofia receberia sem estranhamento a palavra ra-cionalidade no plural racionalidades. Como nos diz Marcelo Das-cal, h (...) um argumento segundo o qual a noo de que racionalidades distintas inteligvel (Dascal, 2010, p.1). (traduo minha)6 Essa viso acerca da racionalidade possivelmente se sustenta em uma certa viso da razo, a qual pode ser entendida como a

    (...) nossa crena em uma Natureza Humana nica e imutvel, em uma Razo universal, na possibilidade de prover fundamen-tos slidos para conhecer o mundo e atuar nele, no valor da cin-cia e da tecnologia, e na factibilidade de uma disciplina privile-giada a Filosofia, cuja tarefa seria elaborar e aclarar as normas pelas quais se devem reger todo o conhecer e atuar racionais. [traduo minha]7

    Dascal alerta que a dicotomizao das racionalidades bem mais profunda do que a primeira vista possamos captar. Subjacente a essa diviso est a grande bifurcao lgica entre necessrio e contingente (DASCAL, 2010). H validade na diferenciao de ambas as racionali-dades, tanto que no se intenta reduzir uma a outra.

    O raciocnio que parte das opinies geralmente aceitas o qual, nas linhas subsequentes da Tpica, est mais relacionado Dialtica facilmente associado a (...) uma concepo de racionalidade que tra-ta de explicar e desenvolver os meios para enfrentar a grande quantidade de situaes tericas e prticas nas quais a incerteza e a impreciso so a regra (DASCAL, 2010, p. 4) (traduo minha).8 Aqueles que passarem todas as situaes, tanto tericas quanto prticas, unicamente pelo cri-vo da racionalidade dura, deixaro uma srie de questes em aberto, as quais caberiam ao paradigma da irracionalidade. Se tal fosse o caso, no poderamos investigar uma gama de questes que abundam na

    6 [...] argumento segn el cual la nocin misma de racionalidades distintas es inteligible (Dascal, 2010, p.1).

    7 [...] nuestra creencia en una Naturaleza Humana nica e immutable, en una Razn univer-sal, en la posibilidad de proveer fundamentos slidos para conocer el mundo y actuar em l, en el valor de la ciencia y de la tecnologa, y en la factibilidad de una disciplina privilegiada la Filosofa cuya tarea sera la de elaborar y aclarar las normas por las cuales se deben regir todo conocer y actuar racionales. (DASCAL, 1990, p. 76).

    8 (...)una concepcin de racionalidad que trata de explicar y desarrollar los mdios para en-frentar la gran cantidad de situaciones tericas y practicas en las cuales la incertidumbre y la imprecisin son la regla (DASCAL, 2010, p.4).

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    Rbia Liz Vogt de Oliveira

    vida cotidiana e nas cincias, as quais so marcadas pela impreciso e pela insegurana.

    H uma racionalidade, no entanto, que resgata essas questes e situaes que ficariam sem tratamento, uma vez que relegadas ir-racionalidade pela racionalidade dura.9 Como explica Dascal (2010, p. 4), a racionalidade branda rechaa a identificao como irracional de tudo o que no corresponde aos critrios da racionalidade dura, pois se ocupa do grande territrio do razovel, que se encontra entre o irracional e o racional duro (traduo minha).10

    Conforme Dascal (2010, p. 4-5),

    A racionalidade branda pode ser representada por uma balana onde razes a favor e contra so pesadas. Mas pesar razes no o mesmo que comput-las. Os pesos das razes so dependentes do contexto e no so precisamente quantificveis. Para tanto, pesar razes no leva a resultados cuja negao implicaria contradio. A balana das razes, ao contrrio da deduo, inclina sem neces-sitar como o expressa Leibniz. Desse modo, o pesar cuidadosa-mente as razes prov orientao racional para a deliberao.A lgica da racionalidade branda no-monotnica. a lgica das presunes que justificam sem demonstrar, da heurstica que ajuda na resoluo de problemas e na gerao de hipteses, da interpretao pragmtica, da negociao, do exerccio do juzo, e de inmeros procedimentos que empregamos em nossa vida diria (traduo minha).11

    9 A dicotomizao uma estratgia argumentativa recorrente. Certamente, elas nos ajuda a identificar com exatido oposies conceituais. Contudo, a dicotomizao apresenta uma tendncia para posies polarizadas, de modo que uma gama de questes que se situam entre os polos dicotomizados no so avaliadas, restando sem tratamento. Segundo as con-cepes atreladas racionalidade dura, em matria de razo temos a racionalidade dura e a irracionalidade. A racionalidade branda, no entanto, desponta como uma via alternativa, a qual resgata essas questes que foram deixadas para trs pela dicotomizao radical.

    10 La racionalidad blanda rechaza la identificacin como irracional de todo lo que no corres-ponde a los criterios de la racionalidad dura pues se ocupa del gran territorio de l razona-ble, que se encuentra entre l irracional y lo racional duro (DASCAL, 2010, p. 4).

    11 La racionalid blanda se puede representar por una balanza donde razoes a favor y contra son pesadas. Pero pesar razones no es lo mismo que computarlas. Los pesos de las razones son dependientes del contexto y no son precisamente cuantificables. Por lo tanto, pesar razo-nes no lleva a resultados cuya negacin implicara contradiccin. La balanza de las razones, al contrario de la deduccin, inclina sin necesitar como lo expresa Leibniz. Asimismo, el pesar cuidadosamente las razoes provee orientacin racional para la deliberacin.

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    Aristteles e as racionalidades da cincia

    Nesse sentido, podemos dizer que a racionalidade branda guia--se por outra lgica, a lgica do razovel e do presumvel, ao invs do logicamente necessrio e obrigatrio (DASCAL, 2005).

    A balana que pesa razes est mais presente em ns do que ir-refletidamente podemos pensar. Certamente, um olhar histrico para a filosofia e para a cincia apontar para os inmeros casos em que as teorias (ou mais brandamente, os pensamentos) contrrias que deba-tiam no intuito de se afirmar como resposta a determinado problema estavam sendo conduzidas segundo a racionalidade branda. Muitos desses debates entre cientistas, filsofos e grupo de cientistas, ou de filsofos, foram guiados por essa avaliao contrabalanada de razes.

    Consideraes finais

    Por hora, perquirindo a racionalidade prtica entre Aristteles e Dascal, podemos apontar as seguintes convergncias entre esses dois pensadores: (i.) o conceito de racionalidade abrangente: em Arist-teles, h o silogismo, a deduo, a demonstrao; mas, h tambm, o silogismo prtico e o raciocnio dialtico, o qual pesa razes em ambos os lados do conflito; em Dascal, encontramos o modelo tradicional re-presentado na racionalidade dura, mas h tambm a racionalidade do razovel, a racionalidade branda; (ii) a racionalidade entra no exame das controvrsias da cincia, para entendermos o discurso que tencio-na convencer uma audincia. Como nos coloca Dascal no tipo pol-mico controvrsia, e como nos fala Aristteles na retrica (1358b), o discurso sempre dirigido para algum, seja um mero espectador, um juiz ou uma assembleia; (iii.) partir da dvida e do conflito no irra-cional, e h uma racionalidade que d tratamento quilo que for apre-sentando em um contexto onde no h certeza, mas presuno; e (iv.) escolher entre mltiplas alternativas no tomar A escolha, visto que se colocam possibilidades. O que se faz UMA escolha, preferidamen-te, a melhor escolha, dado o contexto.

    La lgica de la racionalidad blanda ES no-monotnica. Es la lgica de las presunciones que justifican sin demostrar, de la heurstica que ayuda en la resolucin de problemas y en la generacin de hiptesis, de la interpretacin pragmtica, de la negociacin, del ejercicio del juicio, y de innumerables procedimientos que empleamos en nuestra vida diaria(DASCAL, 2010, p. 4-5).

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    Rbia Liz Vogt de Oliveira

    Referncias de estudo

    ARISTTELES. tica a Nicmacos. Traduo de Mrio da Gama Kury. Braslia: Universidade de Braslia. 2001. 4 edio. 238p.

    ARISTTELES. rganon: Categorias, Da Interpretao, Analticos Anteriores, Analticos Posteriores, Tpicos, Refutaes Sofsticas. Traduo, textos adi-cionais e notas de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2005. Srie Clssicos Edipro. 608 p.

    ARISTTELES. Retrica. Traduo, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2011. Srie Clssicos Edipro. 272 p.

    DASCAL, Marcelo. A Dialtica na construo coletiva do saber cientfico. In: REGNER, Anna Carolina Krebs; ROHDEN, Luiz. A Filosofia e a Cincia redese-nham horizontes. So Leopoldo: UNISINOS, 2005a. p. 15-31.DASCAL, Marcelo. La arogancia de la Razn. Isegora, Madrid, n. 2, p. 75-103, 1990.

    DASCAL, Marcelo. Leibniz y el dialogo entre racionalidades. 2010. (manuscrito). 25p.

    FEYERABEND, Paul. Contra o Mtodo. Traduo de Cezar Augusto Mortari. So Paulo: Unesp, 2007. 376p.

    GRICE, Paul. Aspects of reason. New York: Oxford University Press, 2001. 136 p.

  • A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    Claudemir Roque Tossato Unifesp

    Introduo

    Um dos principais problemas da astronomia antes de Coprnico era a distino entre uma astronomia voltada para a predio, repre-sentada principalmente pelos modelos ptolomaicos - os quais no vi-savam estabelecer explicaes sobre o mundo celeste -, e a cosmologia aristotlica, vinculada procura de explicaes, mas sem obter, em contrapartida, resultados prticos satisfatrios. Ou seja, a astronomia e a cosmologia no eram unificadas num saber que integraria tanto predies quanto explicaes.

    A situao gerada pela distino entre uma astronomia mera-mente voltada predio e uma cosmologia restrita a fornecer explica-es pouco relacionadas s predies provinha da astronomia grega, passando por todo o perodo medieval. Na realidade, esse era um pro-blema central da astronomia, que refletia a falta de bases epistemol-gicas e metodolgicas seguras unificadas para o tratamento acerca dos movimentos celestes, em especial os planetrios. Apesar de ter sido usada como um lugar comum a ideia de que a cosmologia aristotli-ca casava-se perfeitamente com a astronomia ptolomaica, gerando um sistema integrado, o que se via na prtica astronmica era algo distin-to disso. O suposto casamento expressava mais os desejos e anseios

    Carvalho, M.; vora, F. R.; Tossato, C. R.; Pessoa Jr. O. Filosofia da Cincia e da Natureza. Coleo XVI Encontro ANPOF: ANPOF, p. 25-40, 2015.

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    Claudemir Roque Tossato

    filosficos, religiosos e culturais do que propriamente astronmicos. A cosmologia aristotlica era distinta da astronomia ptolomaica, e isso com a anuncia de ambas as partes. O casamento era apenas no papel.

    O objetivo deste texto apresentar as principais razes que le-varam a astronomia ptolomaica a se distinguir da cosmologia aristo-tlica. Para tanto, o trabalho tratar inicialmente das teses centrais de Aristteles para a fundamentao de uma cosmologia de cunho ex-plicativo e, em seguida, os motivos de ordem prtica que conduziram Ptolomeu a se distanciar da cosmologia aristotlica e aproximar-se de uma astronomia preditiva.

    O problema

    A astronomia torna-se uma cincia sistematizada com os gregos antigos. Antes, tinham-se boas observaes e catlogos sobre as posies das estrelas e dos planetas, dados principalmente pelos babilnicos, as-srios, egpcios e chineses (cf. Dreyer, 1953, cap. 1; Pannekoek, 1989, p. 19-94; Pedersen, 1996, p. 1-9). Contudo, essas observaes objetivavam a resoluo de problemas prticos, como, por exemplo, a elaborao de calendrios voltados para determinar a melhor poca do plantio e da colheita. Com os gregos antigos, temos os trabalhos voltados para o processo de sistematizao do conhecimento astronmico. Investiga-se, com os astrnomos gregos, qual a melhor forma de se obter conheci-mentos sobre as estrelas, os planetas etc. Os babilnios, os egpcios e os fencios tinham aplicado a matemtica na tentativa de descrever o que se apresenta no cu, mas os gregos procuraram sistematizar, obter um corpo de conhecimentos que procuraria tanto descrever como explicar os fenmenos celestes (cf. Dreyer, 1953, Pannekoek, 1989).

    Diversas tentativas de explicaes sobre o cosmo foram sugeri-das. Surgiram os primeiros cosmlogos gregos, pensadores que visa-vam abandonar as explicaes religiosas e mticas, buscando uma ou vrias explicaes sobre o cosmo sob o ponto de vista fsico e racional. Alguns, como Tales, disseram que o cosmo basicamente gua, outros, como Anaxmenes, que terra. Os pitagricos aventuraram-se a des-crever o cosmo como uma estrutura matemtica expressa atravs dos nmeros. Enfim, vrios tipos de explicaes surgiram. Mas, alm des-

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    sas explicaes cosmolgicas, aps um considervel ganho nas obten-es de dados astronmicos, a astronomia grega passou a pensar num problema que marcou profundamente todo o seu desenvolvimento enquanto cincia.

    Um dos problemas centrais da astronomia antiga e medieval, para no dizer o mais importante, nos foi dado por Plato. Esse filsofo lanou aos astrnomos de sua poca at Kepler o desafio de obter a me-lhor descrio possvel dos movimentos planetrios, mas com a condi-o de que as irregularidades que so observadas nesses movimentos1 sejam corrigidas atravs da aceitao inconteste de que os movimentos so circulares e uniformes, ou compostos de movimentos circulares e uniformes. Na verdade, Plato emprega a sua concepo de mundo, em que as coisas materiais (no caso, os movimentos observados) de-vem, por serem cpias imperfeitas, participar dos verdadeiros movi-mentos, isto , das formas verdadeiras (circularidade e uniformidade), que s podem ser visualizadas pela razo, isto , pelas ideias; assim, existe uma mistura entre os domnios do material e do espiritual (cf. Aiton, 1981, p. 79). Neste sentido, os astrnomos e cosmlogos gregos trataram as irregularidades apresentadas pelas observaes dos movi-mentos dos planetas como algo necessrio de ser corrigido; e o padro para a correo foi o axioma da circularidade e uniformidade. Arist-teles foi quem melhor representou cosmologicamente esta exigncia.

    A cosmologia de Aristteles

    Aristteles adotou o modelo geomtrico de esferas concntricas de Eudoxo, do qual no trataremos aqui2. A distino entre os dois que Eudoxo era um matemtico e Aristteles um fsico. Se o primeiro no considerou a realidade das esferas concntricas, o segundo teve a preocupao de dotar essas de realidade ontolgica. Aristteles no era um matemtico, e pensou o mundo celeste pela realidade fsica.

    1 Os movimentos planetrios no apresentam, pelas observaes, movimentos circulares e uniformes, tal como as estrelas se apresentam; os planetas desviam da circularidade pela ocorrncia de movimentos retrgrados (chamada de segunda irregularidade) e da uniformi-dade pelas variaes de brilho (denominada de primeira irregularidade).

    2 Apenas como informao, Eudoxo no considerou o centro fsico de movimentos, no caso a Terra, como ponto de referncia, mas um centro matemtico, deslocado do centro fsico.

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    Claudemir Roque Tossato

    No haveria sentido algum, pensava Aristteles, em compor movi-mentos mediante centros ou esferas imaginrias, sem respaldo fsico. Visto que sua preocupao era no apenas a de representar satisfato-riamente as anomalias, mas determinar explicaes sobre os movimen-tos celestes, Aristteles foi obrigado a aumentar o nmero das esferas de Eudoxo. Assim:

    Mas faz-se necessrio, se todas as esferas combinadas objetivam explicar os fatos observados, que para cada um dos planetas se-jam acrescentadas outras esferas (poucas alm das j designadas) as quais interagem com as j mencionadas e devolve a mesma posio esfera externa do astro que em cada caso est situado abaixo do astro em questo; pois apenas desse modo podem as foras em questo produzir o movimento observado das esfe-ras. Visto desse modo, as esferas que pertencem aos movimentos dos planetas so oito para Saturno e Jpiter e vinte e cinco para os demais, enquanto que de todos esses apenas os relacionados com os movimentos dos planetas situados nas posies mais bai-xas no necessitam ser neutralizados; as esferas que neutralizam os dos planetas externos so seis e as esferas que neutralizam os dos planetas seguintes so dezesseis. Assim, o nmero de to-das as esferas, tanto das que movem os planetas quanto das que neutralizam esses so cinquenta e cinco (ARISTTELES, 1978, Metafsica, A, 1074 a 1-14).

    Aristteles aumenta o nmero de esferas proposto por Eudoxo. Enquanto que para Eudoxo vinte e sete esferas eram suficientes para descrever os movimentos do universo, Aristteles, para poder falar fi-sicamente dos cus, aumenta esse nmero para cinquenta e cinco. O aumento no nmero de esferas foi uma consequncia da entrada das discusses fsicas nos modelos de esferas e, tambm, da tentativa de integrao dos movimentos em um sistema.

    De fato, Aristteles trata o cu sob o ponto de vista mecnico, entendendo as esferas como materiais, de maneira a termos um siste-ma em que os movimentos celestes, e em especial os planetrios, so os resultados das transmisses de contatos de uma esfera outra (cf. Hanson, 1985, p. 99). Para fazer tal maquina celeste, Aristteles admite a estrutura celeste como distinta da terrestre, e isso basicamente por serem os corpos terrestres de natureza distinta da dos corpos celestes.

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    O mundo celeste aristotlico distinto do mundo terrestre, mas vistos um e outro em conjunto, temos uma estrutura hierarquizada. O principal elemento para a distino entre esses dois mundos dado pelo estatuto dos movimentos: no mundo terrestre, o movimento que prevalece o retilneo enquanto que, no celeste, o circular. Aristteles considera que esses movimentos (retilneos ou circulares) prevalecem de acordo com a noo de lugares. Assim, no reino terrestre, temos a ao dos elementos terra, gua, fogo e ar, e os seus compostos, de acordo com as camadas que eles se encontram os elementos mais leves tendem a subir e, os elementos mais pesados, a descer, ir para o centro (os corpos tendem para os seus lugares naturais) - sendo que, para haver movimento, necessrio que haja o movimento para os contrrios, isto , para haver gerao e corrupo (para que as coisas se movam parem ou mudem para alguma outra coisa) algo tem que se transformar em coisas distintas; sendo assim, o movimento retilneo o mais propcio ao mundo das mudanas. Porm, quando passamos ao mundo celeste, temos que:

    Suponhamos agora que um corpo que se move em um crculo seja do fogo (elemento) ou de algum dos outros quatro elemen-tos, ento, seu movimento natural deve ser contrrio ao circular. Mas uma coisa pode ter apenas um contrrio, e o contrrio de ascendente o descendente, e vice e versa. Suponha, por outro lado, que esse corpo que est se movendo em um crculo contr-rio sua prpria natureza algo diferente dos elementos, aqui deve haver algum outro movimento que natural para ele. Mas isso impossvel: pois se os movimentos so ascendentes, o cor-po dever ser fogo ou ar, se descendente, gua ou terra.

    Alm disso, o movimento circular primrio. Aquilo que com-pleto anterior em natureza ao que incompleto, e o crculo uma fi-gura completa, sendo que nenhuma linha reta pode ser dessa maneira (...). Ora, se a) um movimento que anterior a outro o movimento de um corpo anterior em natureza; b) movimento circular anterior ao retilneo; c) o movimento retilneo o movimento dos corpos simples (e.g. o fogo move em linha reta para cima, e a os corpos terrestres mo-vem-se para baixo, em direo ao centro), logo, o movimento circular deve ser necessariamente o movimento dos corpos simples (...). Dessas

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    Claudemir Roque Tossato

    premissas segue-se assim, claramente, que existem substncias fsicas alm das quatro do nosso mundo sublunar, e que elas so mais divinas e tambm mais anteriores que essas (ARISTTELES, 1939, De caelo, I, 269a,13-32).

    Temos com essa passagem um dos principais argumentos aris-totlicos3 para mostrar a diviso dos mundos de acordo com a natu-reza dos movimentos que os regem. Os quatro elementos funcionam no mundo terrestre e so guiados pelo movimento retilneo; em contrapartida, no mundo celeste no sujeito s mudanas do mundo terrestre - temos o movimento circular como o movimento anterior, completo e mais perfeito. Assim, o movimento circular o movimen-to adequado aos corpos celestes vistos como corpos divinos. Dessa maneira, Aristteles, aceitando que o movimento circular e uniforme pertence ao cu, procurou explicar os mecanismos dos movimentos planetrios por meio das esferas concntricas. Essas esferas tinham como objetivo salvar as aparncias, no mesmo sentido de Eudoxo, mas agora elas tm uma espcie de realidade fsica, que retira o car-ter imaginrio das esferas de Eudoxo. Aristteles fala dos cus, suas esferas no so abstraes feitas pelos matemticos para dar conta dos problemas dos posicionamentos planetrios, mas procuram explicar esses movimentos.

    Sendo esferas fsicas, esferas de cristal, Aristteles tinha que dar conta das causas dos movimentos. Os planetas foram dotados de in-teligncias, ou almas, ou mentes divinas que os fariam percorrer os movimentos pelas esferas. Porm, para determinar a causa motriz (o que impulsiona os movimentos das prprias esferas), Aristteles deter-minou que essa fonte est localizada na ltima esfera, que ficou conheci-da como primeiro motor (Aristteles, 1978b, Fsica, Livro VIII, cap. 10].

    Aristteles mudou o enfoque epistemolgico que as esferas ma-temticas tinham em relao as de Eudoxo e, consequentemente, in-fluenciou, mesmo sem pretender, a metodologia instrumentalista que foi adotada subsequentemente aos trabalhos de Ptolomeu. Aristteles distinguiu os corpos pelas suas naturezas os da Terra por estarem sujeitos gerao e corrupo, e os celestes por serem corpos eternos,

    3 Outro argumento que segue a mesma linha dado em Fsica, 1978b, livro VIII, cap. VIII, 264a8 265a27.

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    perfeitos e imutveis -, o que o levou a adotar mtodos distintos para cada regio (cf. Aristteles, 1978b, Fsica, 193b-194b): para os fenme-nos terrestres, ao fsico que devemos nos remeter, pois esse considera os corpos como fsicos, procurando entender e explicar como ocorrem as mudanas; por outro lado, os astrnomos devem admitir os princ-pios fsicos dos corpos celestes e restringirem-se a mostrar a melhor or-denao do cosmo, tais como as distncias entre os corpos, a previso de eclipses, as conjunes e oposies etc., mas sem discutir acerca da sua constituio fsica. Sendo assim, a astronomia deve ser uma cin-cia hbrida: por um lado, aceita os princpios fsicos necessrios para o estudo dos cus, mas sem investigar, ela mesma, esses princpios (tais como causa, fora motriz etc.); por outro lado, utiliza-se da matemti-ca, particularmente da aritmtica e da geometria, para obter as melho-res computaes possveis (cf. Duhen, 1984, p. 20; Dijkstherhuis, 1986, p. 61-8; Hanson, 1985, p. 100; Dreyer, 1953, p. 108-22).

    A distino aristotlica entre mundos determinou diferenas en-tre as hipteses matemticas, utilizadas pelos astrnomos, e as explica-es fsicas (acerca da obteno das causas), tratadas pelos fsicos. Com isso temos, resumindo, um tratamento cosmolgico e no meramente para clculo, como era com Eudoxo - pois Aristteles considera que os corpos celestes tm uma realidade, so seres fsicos e no imaginaes. Mas, por outro lado, Aristteles restringiu a funo do astrnomo: esse passou a procurar melhores dados e no lhe caberia discutir a realida-de dos fenmenos celestes.

    Aristteles determinou uma genuna explicao cosmolgica. Apesar de falsa, ela procurou, seguindo o ideal grego, dar inteligibi-lidade aos movimentos aparentes dos cus. Essa cosmologia guiou-se por uma metafsica alicerada principalmente nas concepes de lu-gar e da perfeio do crculo - que, no desenvolvimento da tradio da astronomia computacional, mostrou-se inadequada para a resoluo de problemas prticos. Na realidade, o cosmo hierarquizado aristo-tlico correspondeu a ideais, sejam eles religiosos ou culturais, mas desgastou-se quanto s predies, pois as esferas slidas encaixadas umas nas outras se mostraram inadequadas para a astronomia, algo que, como veremos na prxima parte, Ptolomeu rompeu.

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    Claudemir Roque Tossato

    A astronomia de Ptolomeu

    Se a cosmologia aristotlica forneceu uma explicao cosmolgi-ca racional, ela se viu, por outro lado, com muitas dificuldades para dar conta de problemas genuinamente astronmicos. Os modelos aristot-licos de esferas encaixadas mostraram-se inadequados para representar as rbitas irregulares dos planetas (principalmente para os seus movi-mentos retrgrados e as variaes nos brilhos dos mesmos, em espe-cial as de Vnus). As consequncias eram sentidas principalmente nas necessidades prticas daqueles que se utilizavam dos conhecimentos astronmicos dessa poca. Hanson resume a situao na poca em que Ptolomeu desenvolveu os seus trabalhos em astronomia, a saber:

    Ensaios infrutferos haviam multiplicado as intenes de ex-plicar a maquinaria celeste em grande escala, enquanto que os problemas dirios dos navegantes, agricultores e sacerdotes fica-vam sem resolver. A grande cosmologia aristotlica poderia ter feito os homens se sentirem bem, acalentando as dvidas sobre os mecanismos dos cus, mas no podia satisfazer o nufrago, encalhado por falta de um mapa celeste. No podia satisfazer o agricultor, que enfrentava a perda da colheita por ter sido plantada demasiada tarde. Tambm os cobradores de impostos necessitavam de um calendrio para planejar o uso das rendas. Alm disso, os sacerdotes no permitiam erros na determinao das pocas de suas festas e cerimnias religiosas: as celebraes do dia da pscoa deviam cair no dia da pscoa. Em todas es-sas questes prticas, os cosmlogos filosficos, os explicadores, eram de pouca serventia (HANSON, 1985, p. 113).

    Ou seja, apesar de elegante e de satisfazer as necessidades inte-lectuais sobre o cu, a cosmologia aristotlica servia para quase nada no que concerne aos problemas prticos. E isso se explica fundamen-talmente por ser uma astronomia inadequada. Porm, as questes pr-ticas pediam providncias; a urgncia para a resoluo dos seus pro-blemas implicava numa tomada de posio mais prxima da realidade prtica. O que tivemos foi o abandono de algumas questes metafsi-cas para a tentativa de resoluo de problemas. A tradio astronmica ptolomaica tem suas origens nessas necessidades.

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    Se os cosmlogos no do respostas satisfatrias para as necessidades dos homens comuns, ento so os matemticos, pouco interessados nas explicaes fsicas do universo celeste, que devem entrar novamente em cena. Toda uma tradio, desenvolvida fundamentalmente por Apolnio, Hiparco e Arquimedes, e sintetiza-da por Ptolomeu, forneceu um arsenal matemtico voltado para re-presentar satisfatoriamente os movimentos planetrios e determinar, com o menor grau possvel de erro para a poca, os posicionamentos dos planetas. O resultado dessa atitude foi que os fenmenos celestes, para serem salvos, devem ser vistos no mais sob o prisma de esferas encaixadas, mas como esferas dotadas de artifcios matemticos, como o epiciclo, o deferente e o equante, que, mediante os seus empregos, forneceram dados astronmicos mais precisos.

    Antes de termos o uso do equante ptolomaico, a astronomia ci-nemtica utilizava-se do epiciclo com deferente ou do excntrico. Es-ses dois procedimentos mostravam equivalncias observacionais, isto , para um mesmo fenmeno fsico, dois modelos matemticos distintos salvavam igualmente as aparncias. O excntrico, esquematicamente, deslocava o centro posicionado na Terra real para um centro matemtico (fictcio), conjugando os dados de acordo com o axioma de movimentos circulares e uniformes; o epiciclo com deferente, por sua vez, conjugava os movimentos pelo axioma, mas sem deslocar o centro da Terra, esse era dado pelo deferente, sendo que o epiciclo, que girava em torno do deferente, que corrigiria as escapadas do planeta, tanto da circula-ridade quanto da uniformidade (cf. Durhan & Purrington, 1989, p. 81).

    Na realidade, os artifcios deveriam apenas ser fieis aos fatos e ao axioma platnico. A preciso observacional era o principal incentivo para a construo desses expedientes geomtricos, pouca teoria ape-nas as hipteses concernentes ao centro de movimentos, por exemplo era envolvida em tais procedimentos.

    Os resultados do uso desses artifcios foram fundamentais para a melhoria na astronomia preditiva. Obtendo melhores observaes, a astronomia pde diminuir a falta de resultados prticos que a cosmo-logia e astronomia aristotlica-eudoxiana vinha avolumando.

    A prtica astronmica foi se desenvolvendo medida que os ar-tifcios geomtricos foram tambm se desenvolvendo e, cada vez mais,

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    Claudemir Roque Tossato

    as questes cosmolgicas (explicaes) foram colocadas em segundo plano. As tcnicas do epiciclo e deferente, originalmente criadas por Apolnio, auxiliaram na determinao dos posicionamentos planet-rios. Essas tcnicas aceitaram o axioma platnico todos os movimen-tos so circulares e uniformes ou compostos por essas -, e procuraram compor os movimentos mediante a correo das desigualdades; assim, esses artifcios visavam corrigir os movimentos anmalos me-diante o manuseio dos prprios artifcios. De fato, com o epiciclo e deferente podia-se representar qualquer tipo de rbita, graas combi-nao desses com as longitudes, ou em relao eclptica etc.; podia-se aumentar ou diminuir o nmero de epiciclos utilizados para compor a rbita de um determinado planeta, descrevendo os movimentos re-trgrados e no uniformes. Visto que os epiciclos podiam mover-se livremente pelo deferente (bastando para tanto apenas variar as veloci-dades e as distncias dos planetas no epiciclo em relao ao deferente), qualquer tipo de rbita, com qualquer forma, poderia ser representada: poder-se-ia representar uma rbita circular (que era o principal objeti-vo dos astrnomos), ou ovalada, ou triangular, ou elptica e, at mes-mo, quadrada. Qualquer princpio que fosse admitido por exemplo, se o axioma platnico determinasse que as rbitas so quadradas com movimentos uniformes -, seria representado pelas tcnicas do epiciclo com deferente, ou, de uma forma mais forte, como nos diz Hanson:

    No h curva bilateralmente simtrica nem excentricamente pe-ridica utilizada em qualquer ramo da astrofsica e da astrono-mia observacional de hoje em dia que no se possa traar suave-mente como movimentos resultantes de um ponto que gira em uma constelao de epiciclos (finito em nmero) que fazem suas revolues sobre um deferente fixo (HANSON, 1985, p. 127).

    Dessa maneira, a matemtica grega forneceu um arsenal sufi-cientemente poderoso para dar conta da descrio cinemtica dos mo-vimentos planetrios e, principalmente, salvaguardar o axioma plat-nico, isto , manter o princpio de inteligibilidade to importante para a mente e cultura dos gregos.

    Paulatinamente, o interesse por explicaes foi diminuindo, mas no abandonado de todo, o que implicou em dois programas paralelos

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    de pesquisa: um voltado para a predio, utilizando-se os princpios fsicos necessrios do outro, mas sem discuti-los. De fato, Aristteles j tinha apresentado que o trabalho do astrnomo difere do trabalho do fsico; e essa distino foi se consolidando, entendida pelos astrno-mos como algo natural a ser seguido. Assim, expe Hanson, a rela-o entre astronomia e cosmologia:

    A resposta que a necessidade de explicao total (e especula-o cosmolgica) do antigo filsofo natural no estava comple-tamente abandonada nos preditivos Apolnio, Hiparco e Pto-lomeu. As especulaes explicativas estavam proibidas em sua astronomia estritamente formais; mas, correndo paralelas aos desenvolvimentos matemticos em astronomia, as investigaes cosmolgicas continuavam, embora subjulgadas. Amide, cons-tituam tarefas laterais, extraprofissionais, das mesmas pessoas que a havia expulsada da astronomia de computao. Hoje em dia, os fsicos que proclamam que seus clculos srios esto livres de mera filosofia e metodologia colocam, contudo, em seus prefcios, introdues e concluses com as mais comuns filosofias e as menos crticas e mais triviais metodologias (HAN-SON, 1985, p. 137).

    A astronomia de predio estava voltada para a prtica e, assim, tinha pouco interesse cosmolgico e explicativo; enquanto os cosmlogos satisfaziam as necessidades intelectuais e culturais para a compreenso do mundo, mas sem preocupao com o rigor e a cer-teza nas predies. Nesse contexto, aparece Cludio Ptolomeu, o me-lhor e mais importante astrnomo do mundo grego e medieval. Pto-lomeu um exemplo claro de astrnomo voltado para a predio e que, ao mesmo tempo, aceita inexoravelmente os princpios da filoso-fia natural como base da sua astronomia eminentemente cinemtica. A prpria estrutura do Almagesto, sua principal obra em astronomia e que serviu de base para os astrnomos at os trabalhos de Copr-nico, montada para apresentar os princpios fsicos (cosmolgicos) necessrios (no livro I) como justificao cosmolgica de sua parte preditiva e, depois, no restante de toda a obra (nos outros 12 livros), no entram mais em discusso. Assim, os princpios bsicos pelos quais Ptolomeu se guia so:

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    E assim, de uma forma geral, podemos estabelecer que os cus so esfricos e se movem esfericamente; que a Terra, enquanto figura, sensivelmente esfrica quando ns a tomamos como um todo; em posio liga-se em linhas retas no meio dos cus, seme-lhante a um centro geomtrico; em magnitude e distncia, tem a razo de um ponto com respeito a esfera das estrelas fixas, no tendo em si nenhum movimento local (PTOLOMEU, 1952, p. 7).

    Isto , a Terra est no centro do mundo, o centro fsico de movi-mentos, esttica e os planetas e o Sol giram ao seu redor. Quanto ao tratamento preditivo, Ptolomeu aceitou a teoria matemtica do epici-clo e deferente, pois:

    Visto que agora devemos explicar a irregularidade aparente do Sol, devemos assumir primeiramente e de uma forma geral que os movimentos dos planetas na direo contrria aos movimen-tos dos cus so todos regulares e circulares por natureza, se-melhantes ao movimento do Universo na outra direo. Isto , as linhas retas, concebidas como girando as estrelas sobre seus crculos, cortam em tempos iguais os ngulos em arcos iguais da circunferncia ao centro de cada uma; a sua aparente irregu-laridade resulta das posies e arranjos dos crculos sobre suas esferas, pelos quais elas produzem esses movimentos, mas nada afeta, em realidade, a natureza das suas imutabilidades, em ob-servao a suposta desordem de suas aparncias.

    Mas a causa dessa aparncia irregular pode ser resolvida por meio de duas hipteses primrias simples. Pois se seu movimen-to considerado com respeito a um crculo no plano da eclptica, concntrico com o cosmo, de modo que os nossos olhos esto no centro, ento necessrio supor que eles fazem seus movimentos regulares ou ao longo de crculos no concntricos com o cosmo, ou ao longo de crculos concntricos; no com esse simplesmen-te, mas com outros crculos sobre eles, chamados de epiciclos. Pois, segundo as nossas hipteses, dever ser possvel para o pla-neta passar aparentemente, em perodos iguais de tempos, atra-vs de arcos desiguais do crculo eclptico, o qual concntrico com o cosmo (PTOLOMEU, 1952, p. 86-7).

    Apesar de longa, essa passagem do Almagesto importante para a compreenso do mtodo de Ptolomeu. Em primeiro lugar, Ptolomeu

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    assume o axioma como algo natural (primeiro pargrafo da citao), sendo que os corpos celestes se movem por esferas, o que leva a consi-derar as irregularidades como aparncias. Para resolv-las, deve-se utilizar o mtodo do astrnomo, o que foi esboado a seguir (segundo pargrafo), que o uso dos artifcios geomtricos do excntrico, do epiciclo com deferente.

    Temos, ento, um exemplo relevante da maneira pela qual a as-tronomia foi vista at Coprnico e Kepler. Sendo natural, o axioma platnico nunca foi contestado (apesar de Ptolomeu ter modificado o seu carter com a utilizao do equante) e, visto que astronomia computacional no era reservada falar sobre os aspectos fsicos e expli-cativos, as supostas irregularidades deveriam ser resolvidas por meio da aplicao sistemtica dos artifcios matemticos. A aceitao incon-testvel do axioma platnico e a ruptura com a parte explicativa eram as principais marcas na forma de se pensar a astronomia nos perodos antigo e medieval.

    Ptolomeu separou mais ainda a astronomia da cosmologia ao postular o equante. Esse artifcio geomtrico tinha como principal fun-o determinar ngulos iguais em tempos iguais, isto , dar conta da primeira desigualdade (a no observao de movimentos uniformes entre arcos de circunferncias e seus tempos a serem empregados). O maior problema foi que o equante no fazia mais movimento pelo centro do deferente, mas sobre um centro fictcio, isto , geomtrico. Com isso, a astronomia deu mais um passo para a separao com os aspectos explicativos e fsicos.

    Na realidade, a astronomia computacional de Ptolomeu, sendo a sua maior expresso o uso do equante, representou o pice dos de-senvolvimentos matemticos elaborados pelos gemetras gregos para representar inteligivelmente (isto , racionalmente) os movimentos ce-lestes. O que contava eram os aspectos tcnicos, os artifcios como meios matemticos para representar os movimentos planetrios de uma forma ordenada e clara para o astrnomo. As tcnicas objetivavam obter um procedimento de clculo para conseguir deduzir, com base nos dados observacionais, os movimentos e test-los pelos mesmos. A importncia de Ptolomeu para a astronomia computacional resumida por Peder-sen, segundo o qual Ptolomeu importante por trs razes:

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    Claudemir Roque Tossato

    Primeiro, ele concluiu com sucesso o objetivo dos astrnomos gregos, visto que Plato lhes pediu para criarem teorias plane-trias fundadas sobre os movimentos circulares e uniformes. A introduo do equante foi, verdadeiramente, uma mudana no princpio original, mas isto ficou escondido, e foi facilmen-te negligenciado pelos detalhes tcnicos dos vrios modelos. A seguir, foi considerado que as teorias ptolomaicas concordavam suficientemente com as observaes para serem aceitas pelos as-trnomos prticos, embora as variaes do dimetro aparente da Lua mostraram que aperfeioamentos eram possveis. Finalmen-te, Ptolomeu agrupou suas teorias numa forma hipottica dedu-tiva, podendo explicar como os parmetros dos modelos foram deduzidos das observaes e, tambm, serem testados por elas (PEDERSEN, 1996, p. 86).

    As tcnicas utilizadas e desenvolvidas por Ptolomeu represen-taram um ganho significativo para a astronomia computacional. Reti-rando os problemas associados cosmologia, sua importncia funda-mental para todo o desenvolvimento que se seguir, entre os rabes e os astrnomos medievais, para a melhoria nas tcnicas de observao e catlogo dos movimentos dos planetas. Em contrapartida, perdeu-se muito em termos de explicao, levando ao desinteresse dos astrno-mos matemticos por tal procura; poucas investigaes sobre a din-mica; pouca procura pela constituio fsica dos cus:

    O interesse sobre a dinmica, a explicao completa do movi-mento, nunca havia sido muito grande [para os gregos], e nos finais do sculo I A. C., as satisfaes da observao e predio precisas haviam dados resultados que levaram quase ao abando-no da dinmica celeste (...). A separao entre a astronomia e a fsica solapou, por muito tempo, o nico caminho para a explica-o do mundo visvel (DURHAN & PURRINGTON, 1989, p. 78).

    A astronomia computacional, portanto, obteve resultados prti-

    cos satisfatrios, mas com o preo do abandono de questes acerca das explicaes dos movimentos dos planetas.

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    A distino entre a cosmologia aristotlica e a astronomia ptolomaica

    Concluso

    Em sntese, a situao gerada pela necessidade prtica de dotar a astronomia de condies para descrever competentemente o cu foi a de termos dois tipos de astronomia: uma preditiva, que determina-va formalmente os posicionamentos, mas incapaz de erigir qualquer tipo de explicao e, por outro lado, uma astronomia explicativa, uma cosmologia, que procurava explicar o que ocorre no cu, mas sem con-dies de predizer e descrever adequadamente os movimentos plane-trios. Essa situao perdurar por mais de 1500 anos, criando a iluso de uma relao frutfera e correta, mas que trouxe os germes para a dis-soluo tanto do cosmo aristotlico quanto da astronomia ptolomaica.

    Referncias

    AITON, E. J. (1981). Celestial spheres and circles. History of science, XIX, p. 75 114.ARISTTELES, (1939). On the heavens. Cambridge: Loeb Classical Library, Harvard University Press._____. (1978a). Metaphysics. Chicago: Great Books of the Western World, Chi-cago University Press, Chicago._____. (1978b). Physics. Chicago: Great Books of the Western World, Chicago University Press.DIJKSTHERHUIS, E. J. (1986). The mechanization of the world pictures. Princ-eton: Princeton University Press.DREYHER, J. L. E. (1953). A history of astronomy from Thales to Kepler. New York: Dover Publication.DUHEN, P. (1984). Salvar os fenmenos, Ensaios sobre a noo de teoria f-sica de Plato a Galileu. CLE/Unicamp: Cadernos de Histria e Filosofia da Cincia.DURHAM, F. & PURRINGTON, R. D. (1989). La trama del universo historia de la cosmologa fsica. Cidade do Mxico: Fondo del Cultura Econmica.

    HANSON, N. R. (1985). Constelaciones y conjeturas. Madrid: Alianza Uni-versidad.PANNEKOEK, A. (1989). A history of astronomy. New York: Dover Publica-tions.

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    PEDERSEN O. (1996). Early physics and astronomy. Cambridge: Cambridge University Press.PTOLOMEU, C., (1952), The alamagest. Chicago: Great Books of the Western World, Chicago University Press.

  • Indistino entre sujeito-objeto no autoconhe-cimento da mens e a crtica aos fsicos no De Trinitate X de Agostinho de Hipona

    Joo Cludio TonioloUniversidade Estadual de Campinas

    O famoso preceito dlfico Conhece-te a ti mesmo1 encontra-do no Alcebades e no Crmides de Plato reaparece em Agostinho com uma nova interpretao. Para Agostinho, que trata a questo de modo particular no De Trinitate X, a mens (daqui em diante traduzida como alma) j se conhece e se conhece toda, de sorte que o preceito ser-ve para ela se pensar em si mesma, uma vez que j se conhece. Para chegar a essa concluso, Agostinho tem de mostrar primeiro que no h distino entre sujeito e objeto no autoconhecimento da alma, pois, conhecendo-se toda, no h uma parte dela que se busca conhecer e outra parte que buscada para ser conhecida.

    De acordo com Courcelle (1974, p. 175), Agasse (1997, p. 603-605) e Catapano (2013, p. 1105-1107), essa problemtica de Agostinho encontrada nas Enadas de Plotino, V, 3, onde Plotino trata a aporia ctica de Sexto Emprico segundo a qual todo conhecimento pressupe uma diviso entre sujeito e objeto do conhecimento.2 Nas palavras de

    1 Em grego: ; em latim: Nosce te ipsum.2 Bermon (2001, p. 77-87) tambm reconhece a presena das Enadas de Plotino em Agostinho.

    Ele est de acordo com Agasse nesse sentido, pois, ao longo dessas dez pginas, cita trechos das pginas de Agasse a que nos referimos h pouco sem discordar dele, apenas citando-o como complemento do que est abordando. Contudo, Bermon no comenta de modo parti-cular essa influncia da aporia (como o fazem Agasse e Courcelle) quando trata o trecho De Trin., X., 4, 6, que onde Agostinho lida com a aporia ctica do conhecimento.

    Carvalho, M.; vora, F. R.; Tossato, C. R.; Pessoa Jr. O. Filosofia da Cincia e da Natureza. Coleo XVI Encontro ANPOF: ANPOF, p. 41-52, 2015.

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    Courcelle, a aporia de Sexto Emprico a seguinte, que a retira da obra Adversus Mathematicos, livro VII, do referido filsofo:

    Essa aporia j levou Sexto Emprico a sustentar que a inteligncia no pode ser nem a que percebe (percevante) toda inteira, nem em parte; pois, se toda inteira, no tem mais objeto a perceber; se em parte, essa parte mesma no pode se perceber por uma parte da parte; e assim por diante. (Courcelle, 1974, p. 83)

    Agasse sustenta, atravs de paralelos textuais, que Agostinho se inspirou nas Enadas de Plotino no tratamento de seu Captulo 4 do De Trinitate X, que onde Agostinho lida com essa aporia.3 Courcelle est de acordo com Agasse, quando afirma que Agostinho segue uma argumentao plotiniana, citando as mesmas passagens que Agasse cita das Enadas de Plotino (Livro V, Captulo 3, pargrafos 1 e 5).4

    Tendo Agostinho lido ou no as Enadas de Plotino sendo a hiptese mais razovel a de que leu, se seguirmos os comentadores , ele procura resolver, assim como Plotino, a essa aporia ctica do conhe-cimento da alma. Pergunta Agostinho:

    Portanto, que diremos? Que a alma conhece-se parcialmente e parcialmente se ignora? Seria um absurdo dizer-se que alma no sabe toda inteira o que sabe. No digo sabe a totalidade do que , mas o que sabe, a alma toda que sabe. Quando sabe algo de si, impossvel no o saber a alma toda, a alma toda que se

    3 Parece que nesses captulos [3 e 4] Agostinho foi inspirado pelo tratado de Plotino sobre as hipstases que conhecem (V, 3). Nos dois autores de fato se encontram os mesmos temas: conhecimento de si implicado no conhecimento das coisas, identificao do conhecimento de si com o ato mesmo de conhecer, refutao da hiptese que distingue na alma uma parte que conhece e uma conhecida. Pode-se mesmo revelar certas similitudes de expresses, que, sem ser literais, so suficientemente probantes. [paralelos textuais entre Plotino em grego (Enadas, V, 3, 1 e 5) e, Agostinho, em latim (De Trinitate, X, 5 e 6)] (Agasse, 1955, p. 603).

    4 Courcelle afirma: Segundo Agostinho, o conhecimento do sujeito por ele mesmo envolto no ato de se conhecer e a alma no pode conhecer uma parte dela mesma por uma outra par-te. Ele responde por a, seguindo uma argumentao plotiniana, aporia ctica apresentada na pessoa de Sexto Emprico, segundo a qual todo conhecimento supe uma diviso entre sujeito que conhece (sujet connaissant) e objeto conhecido. (Courcelle, 1974, p. 154-155). Os paralelos textuais so fornecidos por Courcelle em parte na pgina 83 de seu livro e em parte a uma edio de paralelos textuais de Agostinho editada por Henry-Schwyzer, na Bibliotque Augustinienne, t. XVI, p. 603). Ambas essas indicaes so dadas na nota de Courcelle depois da afirmao acima, nota n 169, p. 155.

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    Indistino entre sujeito-objeto no autoconhecimento da mens e a crtica aos fsicos no De Trinitate X de Agostinho de Hipona

    sabe. Mas sabe-se sabendo algo e impossvel que no o saiba a alma toda. Portanto, conhece-se toda inteira (De Trin., X, 4, 6).5

    Conforme afirma Agasse, o argumento de Agostinho aqui pare-ce prestar-se ao verbalismo, pois se apia em um raciocnio de ordem gramatical. Esse argumento, segundo o comentador, faz passar o acu-sativo em nominativo, o eu-objeto em eu-sujeito. O acusativo que transformado em nominativo este: quando Agostinho diz Quando [a alma] sabe algo de si. A est o nominativo e seu acusativo, isto , a alma tomada como objeto de conhecimento, de se scit (sabe algo de si). Na sequncia Agostinho diz: Mas sabe-se sabendo algo e impossvel que no o saiba a alma toda (em latim: Scit autem se aliquid scientem, nec potest quidquam scire nisi tota; De Trin., X, 4, 6). A esse res-peito, esclarece Agasse:

    [...] Gramaticalmente, o se que est no acusativo encontra-se ao mesmo tempo sujeito da ao que marcado pelo particpio [scientem = sabendo]: o que equivale a dizer que, sendo objeto de conhecimento para ela mesma, a alma ao mesmo tempo sujeito do conhecimento de um objeto outro que no ela. A concluso portanto que a alma se conhece toda inteira (totam), posto que o eu-objeto se encontra usufruir (se trouve jouir) os privilgios do sujeito que conhece. Sob essa forma um pouco sutil, o que afirmado que a conscincia de si no implica diviso entre conhecido e conhecedor (connaissant). H uma maneira de co-nhecer irredutvel a toda outra, embora ela seja condio de todo outro conhecimento. O conhecimento da alma por ela mesma o conhecimento do seu ato prprio [...] (Agasse, 1955, p. 604-605).

    Para Agostinho, ento, seria seria um absurdo dizer-se que alma no sabe toda inteira o que sabe (De Trin., X, 4, 6), porque ma-

    5 Traduo modificada de Belmonte (2005) com base no texto latino estabelecido por Cillerai (2013) e mediante confronto com as tradues em italiano, de Cillerai (2013); em francs, de Agasse (1955, 1997 reimpresso); em ingls, de McKenna (2002); e em espanhol, de Arias (1985). Daqui em diante todas as tradues do De Trinitate seguiro este padro e o texto latino ser sempre o mais atualizado do ponto de vista filolgico, que o de Cillerai (2013). No texto latino: Quid ergo dicemus? An quod ex parte se novit, ex parte non novit? Sed absurdum est dicere non eam totam scire quod scit. Non dico: Totum scit; sed: Quod scit tota scit. Cum itaque aliquid de se scit quod nisi tota non potest, totam se scit. Scit autem se aliquid scientem, nec potest quidquam scire nisi tota. Scit se igitur totam. (De Trin., X, 4, 6).

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    nifesto que no se compreenda que a alma esteja toda presente no ato de conhecer e, estando toda presente neste ato, esta presena faa com que ela saiba que j se conhece e se conhea toda inteira.6 Contudo, a argumentao de Agostinho no para aqui; mais adiante, afirma ele:

    Suponhamos, porm, que a alma no sabe que alma, quando se procura a si mesma, e sabe somente que se procura. Seria pos-svel que procurasse uma coisa por outra, caso ignorasse que alma. Mas para que isso no acontea, deve saber sem nenhuma dvida o que procura. E sabe o que procura e procura a si mes-ma, ento conhece a si mesma. Por que ento ainda se busca a si mesma? Ser porque se conhece parcialmente e parcialmente se busca? Nesse caso buscaria s uma parte de si mesma, no a si mesma. Mas quando dizemos a si mesma, queremos dizer a alma toda. Alm disso, como sabe que ainda no se encontrou toda, ela sabe qual a sua grandeza. E assim busca o que lhe falta a seu conhecimento. Tal como costumamos buscar, para que seja lembrado, algo que penetrou na mente, mas no se esvaneceu de todo da memria. Quando vier essa lembrana memria, pode-r ser reconhecida como sendo o que era procurado. Mas como possvel que a alma recorde a alma, como se fora possvel alma no estar na alma? Acrescentemos ainda, se depois de encontra-da uma parte, que a alma no se busque em sua totalidade; con-tudo, toda inteira que ela se busca. Pois est toda presente a si mesma e no h algo mais para buscar: o que faz falta o objeto da pesquisa, no aquele que procura. E, pois, como a alma toda inteira se busca, nada dela mesma lhe faz falta. Ou, ento, caso no se busque toda inteira, a parte encontrada procura a parte no encontrada e assim a alma no se procura, porque nenhuma parte sua se toma como objeto de procura. A parte encontrada no se busca a si mesma e a parte no encontrada tambm no se procura, pois objeto de busca da parte j encontrada. Portanto, pelo fato de a alma toda no se procurar e tampouco nenhuma de suas partes tambm se procurar, conclui-se que a alma no se procura a si mesma de forma alguma. (De Trin., X, 4, 6).7

    6 A esse conhecimento atravs da presena interior, Courcelle chama de intuitivo (Courcelle, 1974, p. 197).

    7 No texto latino: Postremo cum se nosse mens quaerit, mentem se esse iam novit; alioquin utrum se quaerat ignorat, et aliud pro alio forsitan quaerat. Fieri enim potest ut ipsa non sit mens, atque ita dum mentem nosse quaerit non se ipsam quaerat. Quapropter quoniam cum quaerit mens quid sit mens novit quod se quaerat, profecto novit quod ipsa sit mens. Porro si hoc in se novit quod mens est et tota mens est, totam se novit. / Sed ecce non se noverit esse mentem cum autem se quaerit; hoc tantummodo noverit quod se quaerat. Potest enim etiam sic aliud pro alio quaerere si hoc nescit; ut autem non quaerat aliud pro alio, procul dubio novit quid quaerat. At si novit quid quaerat et se ipsam quaerit, se ipsam utique novit. Quid ergo adhuc quaerit? Quod si ex parte se novit, ex parte autem adhuc quaerit, non se

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    Indistino entre sujeito-objeto no autoconhecimento da mens e a crtica aos fsicos no De Trinitate X de Agostinho de Hipona

    Para provar que a alma se no busca de modo algum, depois de ter mostrado que ela se conhece toda, Agostinho se vale do exemplo da memria. Supondo que a alma se busque, poder-se-ia supor que acon-tece algo semelhante quando conhecemos algo e esse algo ficou em nossa memria; depois de um tempo, esse conhecimento que ficou na memria se esvaneceu, mas procuramos isso que se esvaneceu, quere-mos lembr-lo e, em determinado momento, este algo reaparece e ns o reconhecemos que aquele conhecimento que havia sido esquecido. Mas, pergunta Agostinho, como possvel que a alma recorde a alma, como se fora possvel alma no estar na alma? (De Trin., X, 4, 6). A alma algo que existe por si mesma e no um objeto de procura para que possa estar na memria ou na alma como um todo. Mas Agostinho continua: Acrescentemos ainda, se depois de encontrada uma parte, que a alma no se busque em sua totalidade. Contudo, toda inteira que ela se busca. Pois est toda presente a si mesma. (De Trin., X, 4, 6). Suponhamos ainda que a alma possa encontrar uma parte dela mesma, mas, como acima foi demonstrado que ela se conhece toda, se fosse se buscar, se buscaria toda inteira, pois, conhecendo-se toda, est toda presente a si mesma. Daqui, ento, que Agostinho pode concluir que a alma no se procura a si mesma de forma alguma (De Trin., X, 4, 6), pois nada lhe falta para procurar, uma vez que se conhece toda inteira; conhecendo-se toda inteira no h mais sujeito que procura e objeto a ser procurado.

    Como Agostinho disse em trecho anterior do texto (De Trin., X, 5, 7), algumas vezes a alma age como que esquecida de si mesma e isso resulta numa falsa tomada de conhecimento do que seja a natureza da alma quando ela se considera algo que no . Diz Agostinho:

    ipsam sed partem suam quaerit ; cum enim ea ipsa dicitur, tota dicitur. Deinde quia novit nondum se a se inventam totam, novit quanta sit tota. Atque ita quaerit quod deest quemadmodum solemus quaerere ut veniat in mentem quod excidit, nec tamen penitus excidit quia potest recognosci cum venerit hoc esse quod quaerebatur. Sed quomodo mens veniat in mentem quasi possit mens in mente non esse? Huc accedit quia si parte inventa, non se totam quaerit; tamen tota se quaerit. Tota ergo sibi praesto est, et quid adhuc quaeratur non est; hoc enim deest quod quaeritur, non illa quae quaerit. Cum itaque tota se quaerit, nihil eius deest. Aut si non tota se quaerit sed pars quae inventa est quaerit partem quae nondum inventa est, non se ergo mens quaerit cuius se nulla pars quaerit. Pars enim quae inventa est non se quaerit; pars autem quae nondum inventa est nec ipsa se quaerit quoniam ab ea quae iam inventa est parte quaeritur. Quocirca quia nec tota se quaerit mens nec pars eius ulla se quaerit, se mens omnino non quaerit. (De Trin., X, 4, 6).

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    Joo Cludio Toniolo

    [...] porque so corpos que amou fora de si mediante os sentidos da carne e se apegou a eles por uma duradoura familiaridade, e por no ter possibilidade de os interiorizar numa como regio de natureza incorprea, enreda-se nessas imagens. (De Trin., X, 5, 7).8Incorre em erro a alma quando se identifica tanto a essas ima-gens, levada por um amor to grande, que vem a considerar do mesmo gnero que elas. (De Trin., X, 6, 8).9

    A alma, tendo se apegado de tal modo corporeidade, com tanto amor, e tendo se apegado a ela com duradoura familiaridade, chegou a identificar-se com essas imagens, considerando que ela fosse do mes-mo gnero, da mesma natureza. No h como ela, que alma incor-prea, interiorizar coisas corpreas; o mximo que consegue fazer pensar que ela feita de coisas corpreas, das quais possui apenas uma imagem. Conti