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1 Casa de Oswaldo Cruz FIOCRUZ Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde RACHEL MOTTA CARDOSO A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O SERVIÇO DE SAÚDE DO EXÉRCITO BRASILEIRO E O CUERPO DE SANIDAD DO EXÉRCITO ARGENTINO (1888-1930) Rio de Janeiro 2013

Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

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    Casa de Oswaldo Cruz FIOCRUZ

    Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e da Sade

    RACHEL MOTTA CARDOSO

    A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O

    SERVIO DE SADE DO EXRCITO BRASILEIRO E O CUERPO

    DE SANIDAD DO EXRCITO ARGENTINO (1888-1930)

    Rio de Janeiro

    2013

  • 2

    RACHEL MOTTA CARDOSO

    A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O

    SERVIO DE SADE DO EXRCITO BRASILEIRO E O CUERPO

    DE SANIDAD DO EXRCITO ARGENTINO (1888-1930)

    Tese de Doutorado apresentada ao

    Curso de Ps-Graduao em Histria

    das Cincias e da Sade da Casa de

    Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito

    parcial para obteno do Grau de

    Doutor. rea de Concentrao: Histria

    das Cincias.

    Orientador: Prof. Dr. Magali Romero S

    Coorientador: Prof. Dr. Renato Lus do Couto Neto e Lemos

    Rio de Janeiro

    2013

  • 3

    Ficha catalogrfica

    C268dh Cardoso, Rachel Motta

    .. .... A higiene militar: um estudo comparado entre o Servio de

    Sade do Exrcito Brasileiro e o Cuerpo de Sanidad do Exrcito

    Argentino (1888-1930) / Rachel Cardoso Rio de Janeiro:

    [s.n.], 2013.

    455 f .

    Tese (Doutorado em Histria das Cincias e da Sade) -

    Fundao Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2013.

    Bibliografia: xxx-xxx f.

    1. Servios de sade. 2. Histria da medicina. 3. Medicina

    militar. 4. Higiene militar. 5. Militares. 6. Histria. 7. Brasil. 8.

    Argentina.

    CDD 355.345

  • 4

    RACHEL MOTTA CARDOSO

    A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O

    SERVIO DE SADE DO EXRCITO BRASILEIRO E O CUERPO

    DE SANIDAD DO EXRCITO ARGENTINO (1888-1930)

    Tese de doutorado apresentada ao Curso

    de Ps-Graduao em Histria das

    Cincias e da Sade da Casa de

    Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, como

    requisito parcial para obteno do Grau

    de Doutor. rea de Concentrao:

    Histria das Cincias.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Magali Romero S (COC/FIOCRUZ) Orientadora

    ____________________________________________________________ Prof. Dr. Renato Lus do Couto Neto e Lemos (IH/UFRJ) Coorientador

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol (COC/FIOCRUZ)

    ____________________________________________________________ Prof. Dr. Simone Petraglia Kropf (COC/FIOCRUZ)

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Felipe Abranches Demier (UNIFOA)

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Andr Felipe Cndido da Silva (USP)

    Suplentes:

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Dominichi Miranda de S (COC/FIOCRUZ)

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Claudio Beserra de Vasconcelos (UNIRIO)

    Rio de Janeiro

    2013

  • 5

    Dedicatria

    Ao meu amor

  • 6

    Agradecimentos

    O processo de escrita de uma tese significa o convvio constante com livros,

    documentos e computadores. Ao longo do tempo, somos obrigados a nos afastar da

    presena daqueles que so fundamentais em nossas vidas, mas por conta da realizao

    de um objetivo, da busca incessante de um eterno querer saber. Mesmo nestes

    momentos, em que nossa nica companhia aquele livro antigo, de pginas amareladas

    e cheiro caracterstico, lembramos daqueles que so to queridos e dos quais

    momentaneamente tivemos que nos despedir. A alegria de ver o seu trabalho concludo

    faz perceber que tudo isto valeu a pena e com os que outrora estivemos distantes que

    agora queremos correr para compartilhar tamanha felicidade.

    Toda esta dedicao no seria possvel sem a bolsa de doutorado que me foi

    ofertada pelo Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias e da Sade

    (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC) do Instituto Oswaldo Cruz. Desde meu

    ingresso no curso pude contar com esta importante fonte de recursos que me

    possibilitou destinar meu tempo de forma exclusiva s atividades de minha pesquisa, de

    acompanhamento de disciplinas e da aquisio da bibliografia fundamental para o

    desenvolvimento de estudos do meu objeto.

    No poderia deixar de agradecer aos meus orientadores, Magali Romero S

    e Renato Lus do Couto Neto e Lemos (ou simplesmente Renato Lemos).

    Magali agradeo pela confiana no meu trabalho, pelo incentivo para me

    candidatar a uma bolsa de estudos para a realizao de minha pesquisa na Argentina e,

    principalmente, por ter aceitado de braos abertos esta aluna e pesquisadora naquela

    instituio. As orientaes, os conselhos dados sempre nas horas mais adequadas, as

    advertncias bem colocadas, o carinho nas reunies e nos telefonemas mesmo quando

    eu estava a quilmetros de distncia, morando em outro pas. Como sempre lhe chamo,

    querida orientadora, obrigada por tudo.

    Ao Renato Lemos tenho at dificuldades em dimensionar o tamanho da

    minha gratido. So anos (na verdade mais de uma dcada) de trabalho, de orientao,

    de dicas preciosas de pesquisa e de leituras. O melhor que pude ter ganho ao longo de

    todo este tempo de convvio foi a amizade de uma das figuras que mais respeito no

    apenas como historiador, mas como pessoa. Poder ter ainda a honra de cham-lo de

    amigo um dos melhores presentes que j pude ganhar ao longo de toda esta vida, ainda

  • 7

    que curta, acadmica. No h palavras suficientes para demonstrar o quanto lhe sou

    grata.

    Ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Histria das Cincias

    e da Sade por tudo o que aprendi com as disciplinas cursadas ao longo do curso.

    Especialmente professora Simone Kropf que me ajudou a perceber um novo e ainda

    inexplorado campo de pesquisa na rea de histria militar durante as aulas de Histria

    das Cincias no Brasil. Os encontros pelos corredores, o incentivo para a pesquisa e o

    entusiasmo que sempre a acompanha. Obrigada.

    A todos os professores que estiveram desde o incio na minha formao.

    Dedico especialmente a uma professora muito querida e que sempre foi um exemplo de

    profissional que eu gostaria de ser. Angela Malizia, professora super querida, esta tese

    tambm uma conquista sua. Obrigada por ter me proporcionado momentos de tanta

    alegria na escola. Muito obrigada por ter me ensinado lies para toda uma vida.

    Os sempre prestativos e atenciosos funcionrios da secretaria do PPGHCS,

    Paulo Chagas e Maria Claudia, deixo aqui registrado minha gratido por todo o tempo

    que era dedicado s minhas dvidas quanto ao funcionamento do PPGHCS e afins, ao

    cumprimento sempre bem humorado e a simpatia de todos os dias.

    Nelson Nascimento, o Nelsinho, que sempre atento e prestativo atendia aos

    desesperados apelos textos para as prximas leituras. Ao papo descontrado nas pausas

    entre uma aula e outra. torcida pelo rubro-negro.

    Ao longo destes quatro anos, tive a felicidade de ser contemplada com uma

    bolsa para estudos no exterior a partir do Programa de Doutorado Sanduche no Exterior

    (PDSE), financiado pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel

    Superior (CAPES). Em funo da natureza do estudo comparado de meu objeto de

    pesquisa, se mostrava necessrio o trabalho nos arquivos e bibliotecas em territrio

    argentino. Durante os quatro meses em que dediquei meus trabalhos naquele pas, contei

    com o apoio e acompanhamento da CAPES para o bom desenvolvimento de minha tese

    e, tambm, para o meu bem-estar em terras estrangeiras. Graas ao PDSE, tive a

    oportunidade de viver outra cultura, de conhecer o modus operandi de outros arquivos e

    de enriquecer pessoal e profissionalmente. Este tipo de retorno no pode ser mensurado

    em valores e muito menos em agradecimentos. A concluso de minha tese apenas uma

    pequena parte deste eterno reconhecimento.

    No perodo em que morei na Argentina fui orientada pelo professor Andrs

    Reggiani, da Universidad Torcuato Di Tella. A recepo amistosa, seu entusiasmo e

  • 8

    suas preciosas dicas foram fundamentais para o desenvolvimento de meu trabalho e para

    a ambientao em uma nova realidade que me esperava.

    Nos arquivos e bibliotecas argentinos contei com a simpatia e a agilidade

    dos servios de seus funcionrios. Desenvolvi minha pesquisa no Archivo General Del

    Ejrcito Argentino, Archivo General de la Nacin, Biblioteca Nacional Militar (a do

    Crculo Militar), Archivo Histrico de Chancilleria (Ministerio de Relaciones

    Exteriores), Biblioteca Nacional Argentina e a Biblioteca del Estado Mayor del

    Ejrcito. Nestes, passei a maior parte do tempo no Archivo General Del Ejrcito e na

    Biblioteca Nacional.

    No Archivo General Del Ejrcito Argentino (AGEA) pude contar com a

    ajuda do bibliotecrio Pedro, que foi fundamental para o desenvolvimento de minha

    pesquisa ali, alm de trocar informaes acerca de bibliografias e acervos que eu

    deveria acrescentar em meu curto perodo de tempo que teria ali. Neste mesmo local,

    tambm contm o auxlio do oficial (cuja patente no me recordo agora e infelizmente

    no registrei) Mariano e da senhora Olga, a atendente que registra nossos primeiros

    pedidos.

    Alm do AGEA, um dos locais que mais gostei de pesquisar foi a Biblioteca

    Nacional Argentina. Logo na recepo era sempre cumprimentada com o bom dia

    sorridente dos seguranas que precisavam registrar meus aparelhos eletrnicos antes da

    entrada na sala de leituras e consulta. J no interior da biblioteca, a busca no catlogo, a

    minha credencial de Investigador e, graas a ela, o acesso a todo acervo ali

    disponvel. Com o passar dos tempos, os livros que havia pedido para consultar e que

    estavam desaparecidos no dia seguinte, quando encontrados eram guardados e o

    funcionrio gentilmente me avisava que o havia localizado. O setor destinado aos

    peridicos, a Hemeroteca, tem uma construo interessantssima e muitas vezes eu me

    sentia a bordo de um navio em funo do formato das janelas e da disposio das mesas

    para consulta. Ali, contei com a ajuda dos bibliotecrios dos horrios da manh, tarde e

    noite. O mistrio dos livros desaparecidos tambm ocorria por ali, mas contava com a

    sorte e com o empenho daqueles profissionais de sempre ter o material solicitado

    localizado em algum momento futuro.

    Na Biblioteca Nacional Militar fui recebida com o mesmo carinho e

    ateno. Ali, agradeo especialmente ao Coronel Ozarn Carlos, o seu diretor, a Maria

    Rosa e ao Julio, os atendentes que disponibilizaram meu acesso a obras raras e s

    encontradas naquela instituio.

  • 9

    Nestes trs locais de pesquisa pude contar com a alegria destes funcionrios

    e com as brincadeiras que me ajudavam a passar o tempo no longo caminho que seria

    percorrido naqueles quatro meses de trabalho. A todos eles, os meus mais sinceros

    agradecimentos.

    No Brasil, minha pesquisa se desenvolveu principalmente no Arquivo

    Histrico do Exrcito (AHEx), no Centro Histrico de Documentao Diplomtica

    (CHDD) do Arquivo Histrico do Itamaraty (AHI) e na Biblioteca de Cincias

    Biomdicas da FIOCRUZ.

    Minhas pesquisas no Arquivo Histrico do Exrcito contaram sempre com a

    ajuda do Capito Ferreira; dos Tenentes Mauro, Rita Paula, Solange e Ellen; e do

    Sargento lvaro. Agradeo ao capito, tambm historiador, por todas as dicas que me

    foram dadas ao longo de todos estes anos de pesquisa. Rita Paula, Ellen e Solange me

    remetem aos meus primeiros dias de pesquisa ali naquele arquivo. A simpatia e a

    gentileza com que me atendiam e atendem sempre me deixaram com a certeza de

    que meu cotidiano de pesquisa certamente seria alegre e proveitoso. Estes profissionais

    no foram apenas funcionrios de arquivo, se tornaram, ao longo do tempo, colegas de

    pesquisa e pessoas queridas.

    Em outra seo do AHEx tive contato com outra turma de profissionais. Em

    certa etapa de meu trabalho precisei trabalhar com microfilmes e pude conhecer o

    Tenente Coronel Murta ( poca Major); os primeiros sargentos Wanderson e

    Anderson; os terceiros sargentos Corra, Jolne, Cruz e Sardagna (que era mais

    conhecido por mim e pelos demais simplesmente como palmeirense); e com o

    soldado Branco. O contato dirio com essa turma, a alegria de todas as manhs, as

    discusses futebolsticas em que havia sempre a clssica diviso entre vascanos e

    flamenguistas tornavam meu trabalho com microfilmes menos rduo. O convvio por

    meses a fio me fez sentir saudades quando terminei por ali a minha consulta ao acervo.

    Rapazes, obrigada por toda a camaradagem com a qual pude contar por todo aquele

    perodo.

    Na pesquisa na Biblioteca de Cincias Biomdicas da FIOCRUZ contei com

    o apoio de todos os profissionais, especialmente do Joo Paulo, da Priscila e do Ricardo.

    A forma sempre to receptiva e gentil com que fui tratada foram fundamentais para o

    bom andamento do meu trabalho por ali.

    No Arquivo Histrico do Itamaraty, contei com o auxlio do Seu Miranda,

    da Rosiane Rigas, da Paula Valle e dos diversos estagirios, em especial Edilmar

  • 10

    Alcantara (ou Ed), Carla Surcin e Pedro Novaes. Aqueles tomos pesados e antigos da

    documentao diplomtica trocada entre Brasil, Alemanha e Frana me ajudaram a

    encontrar nestes funcionrios verdadeiros parceiros. O Senhor Miranda estava sempre

    me dando informaes acerca do acervo e me ajudando a encontrar documentao que

    eu sequer conhecia. O contato com o ndice decimal mudou minha vida! Paula Valle

    tambm teve importncia neste processo, ao me ajudar com os pesados tomos e,

    principalmente, pelos curtos papos, muitas vezes salvadores, quando o cansao

    parecia querer me dominar. Rosiane Rigas se tornou uma eterna querida, com quem

    compartilho histrias acadmicas e historinhas do cotidiano e papos salvadores por

    uma longa estrada.

    Foi graas a Rosi e ao Seu Miranda que pude conhecer uma pessoa que hoje

    um querido amigo. Eu estava na correria para viajar, buscava informaes sobre

    Argentina, melhor local para moradia em funo da proximidade com arquivos e

    bibliotecas... Um turbilho de coisas que apenas quem conhecia muito bem a regio ou

    fosse de l poderia me ajudar. Foi ento que conheci meu querido argentino Diego

    Galeano. De um simples papo na sala de pesquisa, troca de telefones e e-mails encontrei

    uma das pessoas mais legais que algum pode conhecer. Sabe aquela pessoa que

    parecemos conhecer h anos, mesmo tendo conversado por to pouco tempo? o

    Diego! Seu carinho e amizade, ainda que infelizmente menos corriqueira do que

    desejado, foram fundamentais para o desenvolvimento e concluso deste trabalho.

    Gracias, cario!

    No poderia deixar de agradecer aos meus colegas de turma na FIOCRUZ e

    que lembrarei sempre com muito carinho. Agostinho, Andr, Ivone, Ivoneide, Juliana e

    Rodrigo, agradeo a todos os momentos que compartilhamos nossas dvidas, nossos

    conhecimentos, nossos cotidianos de pesquisa e nossa vida acadmica. Essa conquista

    tambm de vocs! Obrigada a todos!

    A Charles Klajman agradeo por toda a ajuda com a revista Medicina

    Militar e por ter gentilmente me cedido seu material de pesquisa.

    A Taisa Falco pela troca de ideias em funo da proximidade de nossos

    temas e, principalmente, por observaes preciosas acerca de temas sobre os quais

    sequer havia me atentado ao longo de minha pesquisa e anlise das revistas de medicina

    militar brasileiras.

  • 11

    Glaucia, querida amiga, seus telefonemas sempre me salvavam nos

    momentos de angstia e estresse provocados pelo rduo processo de confeco de tese.

    As conversas a respeito de tudo, o carinho ainda que de longe... Obrigada!

    Paula e Iris, amigas de longa data e que acompanharam de perto todo o

    processo at aqui. As risadas, os choros, as alegrias... Toda uma histria que temos para

    contar! Vocs so parte desta vitria! Obrigada pela amizade de todos estes anos.

    A vida acadmica tem me proporcionado muitas alegrias. Uma delas foi ter

    conhecido o meu Quase-irmo. Do cotidiano de estudos do LEMP pesquisa para a

    ABL encontrei no Claudio Beserra mais que um amigo com quem contar. Descobri que

    tenho realmente mais um irmo. difcil expressar por aqui tudo o que tenho a

    agradecer, mas acho que o maior agradecimento simplesmente reconhecer o lugar que

    j ocupa no apenas na minha vida acadmica. Quase-irmo a gente pode escolher e

    ainda bem que a vida acadmica nos ajudou no processo! Obrigada por tudo, quase-

    irmo!

    Muito do que consegui at aqui no teria sido possvel sem a ajuda dos

    meus pais. Agradeo ao meu pai, Waldir, tambm conhecido como nojento, todo o

    apoio, amor, carinho e afeto por toda esta longa estrada da vida. Por sempre acreditar

    em mim, desde quando eu no sabia o que o mundo estava reservando para mim.

    Obrigada por sempre ter sido o meu porto seguro. Obrigada por ter sido sempre o meu

    melhor amigo. Obrigada por tudo, pai.

    minha me agradeo este lugar especial que agora ocupa em minha vida,

    a presena, o carinho que se faz presente e a confiana que sempre depositou em mim.

    Por me lembrar que me cobro demais e que s vezes necessrio se desligar um pouco

    do estresse que nos cerca. Obrigada pela confiana que deposita em mim. Obrigada por

    tudo, me.

    Maninha, Ferdinanda, no teria chegado at aqui se no fosse pelas nossas

    brincadeiras na infncia, nosso tininaninum, o amor ao mesmo tempo incondicional e

    to implicante que s os irmos sabem ter. Obrigada por me ensinar a dividir, a

    compartilhar tudo, por ser sempre to presente e por ser simplesmente minha irmzinha.

    Este ano ainda veio com um brinde! Emmanuel, o fofinho, chega para alegrar as nossas

    vidas! Obrigada por estar sempre por perto e por ser minha melhor amiga e confidente.

    Eduardo, estrupcio, agora oficialmente da famlia. Querido amigo, que

    esteve presente em horas difceis e que sempre se mostrou presente em todas as

    situaes. Obrigada por estar sempre por perto.

  • 12

    O prazer pelos livros me foi dado pela minha tia. Tia Wanilda, agradeo

    todos os dias por voc ter me mostrado este mundo fantstico que mudaria a minha vida

    e, quem diria, seria a fonte da minha profisso. Obrigada por ter me ajudado a ser quem

    eu sou hoje. Obrigada por ter me ensinado as lies que eu deveria ter aprendido.

    minha irm mais velha que veio como minha prima, Luciana. Agradeo

    por todos os momentos em que esteve presente na minha infncia e por ter sido meu

    exemplo no incio da minha vida escolar. Alm do fato de ter me dados meus primeiros

    sobrinhos, Isadora e Danilo.

    Tia Valria, bela senhora, seu carinho e ateno sempre significaram muito

    para mim. A alegria de nossas brincadeiras, nosso papo descontrado e as conversas

    srias quando era preciso desabafar. Obrigada por estar sempre por perto.

    Bicho, o que seria dos encontros da famlia sem a alegria que vem com

    voc? Obrigada por todo o carinho e ateno que tem comigo.

    Meus primos queridos, Vanessa, Vivian, Tas e Iuri. A vida seria muito, mas

    muito sem graa, sem a alegria de vocs por perto!

    No h como no agradecer trupe Cobayashi e Souza. Dona Nery, Seu

    Osvaldo, Karin, Denilson, Erick, Arthur e dona Katue.

    Dona Nery, o carinho e o amor que sempre recebi foram muito importantes

    nessa nova etapa que se iniciava. As conversas, as brincadeiras, as vontades feitas...

    Uma extensa lista de todos os mimos que eu nem sei se merecia. Obrigada por se

    mostrar to presente na minha vida.

    Seu Osvaldo, agradeo por ter me deixado fazer parte da sua famlia e por

    me ensinar tantas coisas. A aprender sobre as coisas simples da vida, a se fazer presente

    de um jeito nico e a encontrar na natureza a essncia daquilo que somos.

    Karin, cunhada favorita, agradeo pela amizade, pelo carinho, pelo convvio

    que sempre to bom quando estamos juntas.

    Denilson, obrigada pelos papos futebolsticos, pelas brincadeiras, pela

    alegria sempre demonstrada quando todos esto reunidos.

    Por fim, o reconhecimento de que nada disso teria sido possvel se no fosse

    por voc, meu amor. difcil escrever em algumas palavras como agradecer por tudo o

    que voc me proporciona. Por ser o porto seguro quando pareo estar perdida. Pelo

    carinho que recebo quando o cansao e a tristeza me tomam. Por compartilhar todos os

    momentos, sejam eles alegres ou tristes. Por me proporcionar tanta alegria, quando

    posso encontrar voc ao final do meu dia... Obrigada por ser to especial na minha vida!

  • 13

    SUMRIO

    Introduo 18

    Captulo 1 Sobre a higiene militar: seus aspectos e suas estratgias de

    sobrevivncia 49

    1.1. Alguns conceitos da higiene e sua aplicabilidade no meio militar 50

    1.2. A higiene militar e sua relao com o meio civil 76

    1.2.1. A vivncia nos trpicos 78

    1.2.2. A higiene militar como estratgia 81

    1.3. A Organizao dos Servios de Sade dos Exrcitos da Alemanha e da Frana

    86

    1.3.1. O Servio de Sade do Exrcito Francs 97

    1.3.2. O Servio de Sade do Exrcito Prussiano 97

    1.4. O Servio de Sade do Exrcito no Brasil 106

    1.4.1. Hospital Real Militar e Ultramar, a origem do Hospital Central do Exrcito

    107

    1.4.2. Botica Real Militar 109

    1.4.3. A organizao do Servio de Sade 111

    1.5. O Cuerpo de Sanidad do Exrcito Argentino 115

    Captulo2 As misses militares e suas implicaes nos Servios de Sade dos

    Exrcitos da Argentina e do Brasil 122

    2.1. Um breve histrico da sade dos Exrcitos brasileiro e argentino na Guerra do

    Paraguai (1864-1870) 123

    2.1.1. A experincia do Servio de Sade do Exrcito brasileiro 125

    2.1.2. A experincia do Cuerpo de Sanidad do Exrcito argentino 144

    2.2. Misses militares e relaes diplomticas: Argentina e Brasil e a busca pela

    modernizao de seus exrcitos 155

  • 14

    2.2.1. As Comisses Militares ao Estrangeiro 158

    2.2.1.1.A Organizao do Cuerpo de Sanidad e a Comisin de Sanidad del

    Ejrcito Argentino 165

    2.2.1.1.1. Comisin de Sanidad del Ejrcito Argentino 170

    2.2.1.2.Ismael da Rocha e A Comisso Militar ao Estrangeiro 178

    2.2.1.2.1. O Laboratrio de Microscopia Clnica e Bacteriologia 182

    2.2.2. As misses militares e suas implicaes 188

    2.2.2.1.A Argentina e sua misso alem 192

    2.2.2.1.1. Escuela de Aplicacin de Sanidad Militar 203

    2.2.2.2.O Brasil e as misses militares 205

    2.2.2.2.1. A Misso Francesa na Fora Pblica de So Paulo (1906) 207

    2.2.2.2.2. A Misso Francesa na Escola de Veterinria do Exrcito (1908-

    1914) 210

    2.2.2.2.3. Os jovens turcos 215

    2.2.2.2.4. O Brasil na Primeira Guerra: a Misso Mdica Militar (1918-

    1919) 227

    2.2.2.2.5. A Misso Militar Francesa (1919-1924) 233

    Captulo 3 As revistas militares de sade e seus cenrios cientficos no Cuerpo de

    Sanidad do exrcito argentino (1891-1931) 241

    3.1. Boletn de Sanidad Militar (1891-1914) 244

    3.2. Anales de Sanidad Militar (1899-1905) 263

    3.3. Revista de La Sanidad Militar (1914-1931) 283

    Captulo 4 As revistas militares de sade e seu cenrio cientfico no Servio de

    Sade do exrcito brasileiro (1910-1931) 299

    4.1. Medicina Militar (1910-1923) 300

    4.2. Boletim da Sociedade Mdico-Cirurgica Militar (1915-1920) 323

    4.3. Revista de Medicina e Higiene Militar (1921-1931) 344

    Concluso 363

    Bibliografia 371

    Anexos 395

  • 15

    LISTA DE ANEXOS

    Anexo 1: Decretos e Regulamentos do Servio de Sade do Exrcito Brasileiro 396

    Decreto n 601, de 19 de Abril de 1849 398

    Decreto n 763, de 22 de Fevereiro de 1851 400

    Decreto n 1.900, de 7 de Maro de 1857 405

    Decreto n 2.715, de 26 de Dezembro de 1860 435

    Anexo 2: Decretos e Regulamentos do Cuerpo de Sanidad do Exrcito Argentino 438

    Registro Nacional 1814, N.712 Creacin de un Cuerpo Mdico Militar

    440

    Decreto de Organizacin del Cuerpo Mdico del Ejrcito 443

    Anexo 3: Tabelas dos temas norteadores para peridicos argentinos de medicina e

    higiene militar 444

    Boletn de Sanidad Militar 446

    Anales de Sanidad Militar 447

    Revista de La Sanidad Militar 449

    Anexo 4: Tabelas dos temas norteadores para peridicos brasileiros de medicina e

    higiene militar 451

    Medicina Militar 453

    Boletim da Sociedade Mdico-Cirrgica 454

    Revista de Medicina e Higiene Militar 455

  • 16

    Resumo

    Nosso objetivo com o presente trabalho compreender as influncias dos

    exrcitos da Alemanha e da Frana no processo de modernizao dos Servios de Sade

    dos exrcitos de dois pases da Amrica Latina: Argentina e Brasil. Alm disso,

    procuramos entender como as influncias de saberes mdicos daquelas escolas

    europeias estiveram presentes no cenrio mdico militar dos servios de sade destes

    pases sul americanos. Para tal, temos a higiene militar e o desenvolvimento tcnico-

    cientfico das Foras Armadas como eixo de nossos estudos para identificarmos as

    principais mudanas sofridas no Servio de Sade, do Brasil, e no Cuerpo de Sanidad

    da Argentina, bem como suas relaes/implicaes polticas poca.

    Nosso recorte temporal est relacionado com o surgimento do Cuerpo de

    Sanidad, bem como o processo de modernizao deste e do Servio de Sade do

    exrcito brasileiro. J o ano de 1930 foi escolhido em funo do seu significado na

    historiografia destes dois pases e, principalmente, por um novo quadro poltico,

    econmico, social e militar em funo de seus movimentos revolucionrios.

    Quanto nossa abordagem terico-metodolgica, alm do estudo comparado,

    partimos da noo de desenvolvimento desigual e combinado desenvolvido por Trotsky.

    Entendemos que a busca pela adequao ao processo evolutivo dos exrcitos dos pases

    centrais se deu em diversos pases da Amrica Latina a partir da contratao de misses

    estrangeiras para modernizarem seus exrcitos. Ao utilizar as experincias da Argentina

    e do Brasil na contratao de misses deste tipo, podemos generalizar o tema, ou seja,

    generalizar a forma como o processo de modernizao e do desenvolvimento tcnico-

    cientfico implica mudanas nos Corpos de Sade destes exrcitos.

    Palavras-chave: Higiene militar, medicina militar, Servio de Sade do Exrcito,

    Cuerpo de Sanidad.

  • 17

    Abstract

    This work intends to comprehend the influences of the French and Germany

    armies in the process of modernization of the Armies Health Services of two countries

    of Latin America: Argentina e Brazil. Besides, we trying to understand how such

    influences were incorporated in the medical military scenery of these South American

    countries. For such, we had the military hygiene and the technical-scientific

    development of the Army Forces as axis of this study, in order to identify the main

    changes that occurred in the Army Services of Brazil and the Cuerpo de Sanidad of

    Argentina, as well as the political implications of the time.

    The time frame is related to the emergence and modernization of the Cuerpo de

    Sanidad in Argentina and the modernization of the Brazilian Health Service Army. It

    ends in the year 1930 because of its significance in the historiography of these two

    countries mainly due to the "revolutionary" movements and its implications of a new

    political, economic, social and military order.

    As for the theoretical-methodological approach, the work based in the

    comparative method study and also, in the notion of uneven and combined development

    developed by Trotsky. We understand that hiring foreign military missions by Latin

    American countries in order to modernize their armies, were a way of adapting in these

    countries the evolutionary process occurred in the armies of developed countries. By

    utilizing the experiences of Argentina and Brazil in hiring military missions, we can

    imply that in the process of modernization and technical-scientific development

    significant changes occurs in the armies Bodies Health.

    Keywords: Military Hygiene, Military Medicine, Army Health Service, Cuerpo de

    Sanidad.

  • 18

    INTRODUO

    Ao tratar das correntes no Exrcito a partir do conceito de partidos militares

    em minha dissertao de mestrado,1 verifiquei a importncia da discusso sobre a

    influncia de potncias estrangeiras no desenvolvimento nacional. Tais correntes

    demonstravam as divises existentes nas Foras Armadas e tinham sua origem em

    questes ligadas influncia de participao externa em questes consideradas

    estratgicas. Diante deste cenrio, somemos ainda as dificuldades encaradas pelos

    exrcitos e servios de sade da Argentina, do Brasil e do Uruguai ao longo da Guerra

    do Paraguai (1864-1870). Finda a guerra, ficava claro para os governos que seus

    exrcitos precisavam ser reestruturados, nos interessando particularmente como se deu

    este processo com os chamados corpos (ou foras) auxiliares: o Cuerpo de Sanidad

    do exrcito argentino criado oficialmente em 1888 e o Servio de Sade do exrcito

    brasileiro. As comisses militares de sade e de estudos, enviadas ao exterior pela

    Argentina a partir de 1888 e pelo Brasil em 1892, a participao do Brasil na 1 Guerra

    Mundial (1914-1918) e as misses militares que foram contratadas visando a

    modernizao2 dos exrcitos destes pases esto diretamente ligadas a este pensamento.

    A preocupao com a higiene da tropa, a questo da higiene militar, deve

    ser apontada como um processo de modernizao dos exrcitos nacionais pautado em

    um projeto de acordo com uma perspectiva voltada para pr-franceses e pr-

    germnicos. Neste ponto, questionaremos sobre o grau de influncia destas potncias

    estrangeiras no processo de organizao e reestruturao dos servios de sade dos

    exrcitos brasileiro e argentino, visando a construo de um exrcito moderno

    pautado nos padres tcnicos dos exrcitos europeus.3

    O incio do sculo XX marcado pelas disputas por territrios e,

    consequentemente, mercados de escoamento de material blico entre as principais

    potncias capitalistas em destaque as europeias: Alemanha, Frana e Inglaterra. A

    1 CARDOSO, Rachel Motta. Depois, o Golpe: as eleies de 1962 no Clube Militar. Dissertao

    (mestrado), Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/Programa de Ps-Graduao em Histria Social, 2008. 2 Chamamos aqui de modernizao a reforma nas Foras Armadas como resultado das experincias de oficiais argentinos e brasileiros que estagiaram no Exrcito alemo e, tambm, da atuao da Misso

    Militar Francesa no Brasil. Pontos como o reexame de ideias e conceitos, reformulao de manuais,

    criao de regimentos e, principalmente, as mudanas de critrio de promoo no Exrcito so

    identificados neste processo. 3 Entendemos padres tcnicos as prticas utilizadas pelos exrcitos alemo e francs visando a

    construo e manuteno de uma tropa saudvel a partir da higiene militar.

  • 19

    histria de modernizao dos principais exrcitos da Amrica do Sul (Brasil, Argentina

    e Chile) no se distancia daquela realidade e a Alemanha e a Frana destacaram-se neste

    processo. O envio de oficiais do Cuerpo de Sanidad Europa em 1888 e a viagem de

    Ismael da Rocha Europa em 1892, bem como as viagens de turmas de oficiais para

    realizao de estgios nos regimentos alemes, principalmente na primeira dcada do

    XX,4 apontam para este quadro. Os militares brasileiros que retornaram da Alemanha

    estavam determinados a contratar alemes e, logo, publicariam artigos traduzidos do

    alemo enaltecendo a importncia daquele Exrcito.5 Foi no ano da primeira viagem dos

    oficiais do exrcito brasileiro para o estgio na Alemanha, 1906, que o coronel francs

    Paul Balagny chegou ao Brasil. O objetivo, naquele momento, era instruir a Fora

    Pblica de So Paulo aps rpida negociao realizada por Gabriel Toledo de Piza,

    embaixador do Brasil na Frana, e o Ministro da Guerra francs, Eugne tienne.6 O

    contrato com os franceses foi renovado em 1913, sendo dispensada em 1914 em funo

    dos acontecimentos da 1 Guerra. Em 1908, conseguiriam a primeira brecha no Exrcito

    do Brasil: uma misso de veterinrios militares, que teria como papel estudar a cavalaria

    do Exrcito estabelecendo os fundamentos do ensino da medicina veterinria.7

    No caso argentino, oficiais alems e franceses figuraram na formao dos

    militares do exrcito. At 1904, as Foras Armadas francesas serviram de espelho para a

    configurao de seu exrcito, mas este utilizava armamento alemo canhes Krupp e

    fuzis Mauser. O prestgio das foras francesas comea a perder fora em 1900, com a

    contratao de uma misso militar alem em 1899 durante a presidncia de Julio Roca

    comandada pelo coronel alemo Alfred Arent. No ano seguinte, dando continuidade a

    este processo, a Escuela Superior de Guerra criada com patrocnio da Alemanha e seu

    4 Os futuros oficiais do exrcito argentino teriam uma experincia por um perodo maior. No caso do

    Brasil as viagens se deram em 1906, 1908 e 1910. Trata-se dos chamados jovens turcos. Passaram a ser

    assim chamados em funo das turmas de jovens oficiais turcos que estagiaram no Exrcito alemo e

    reorganizaram o Exrcito da Turquia. Este ser um dos temas abordados no nosso segundo captulo. Mais

    informaes sobre este tema: NETO, Manuel Domingos. A disputa pela misso que mudou o Exrcito.

    Estudos de Histria, UNESP, So Paulo, v.8, p. 197-215, 2001; ____. Influncia estrangeira e luta interna no Exrcito, 1889-1930. In: ROUQUI, Alain (org.). Os Partidos Militares no Brasil. Rio de

    Janeiro: Editora Record, 1980, p. 43-70; e, LUNA, Cristina. Os jovens turcos na disputa pela

    implementao da misso militar estrangeira no Brasil. In: I Encontro Nacional da Associao

    Brasileira de Estudos de Defesa, 2007, So Carlos SP. Textos do Primeiro Encontro Nacional da

    ABED, 2007. 5 Em 1913 os jovens turcos criam uma revista, A Defesa Nacional, em que publicavam estes artigos. LUNA, C. Op. cit. 6 Ministro da Guerra (Ministre de La Dfense) da Frana no perodo de 12 de novembro de 1905 a 25 de

    outubro de 1906 e de 21 de janeiro a 9 de dezembro de 1913. 7 NETO, Manuel Domingos. A disputa pela misso que mudou o Exrcito. Op. cit.; MALAN, Alfredo

    Souto. Misso Militar Francesa de Instruo Junto ao Exrcito Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca

    do Exrcito, 1988.

  • 20

    corpo docente formado por oficiais oriundos deste pas. O processo de germanizao

    se completaria a partir de 1904, quando h um envio macio de oficiais argentinos para

    estgios em regimentos das foras armadas imperiais. De acordo com Alain Rouqui, a

    incorporao exclusiva em unidades alems no atingiria apenas um pequeno nmero

    de oficiais. De acordo com a fala, em 1920, de um adido militar brasileiro, a metade

    dos oficiais argentinos passou pelas escolas ou tropas alems.8 Assim como se deu no

    Chile,9 em que um oficial alemo foi incorporado ao Exrcito nacional, no caso

    argentino, tivemos trs oficiais alemes incorporados ao Exrcito argentino: Albert Von

    Sydow, Rudolf Von Colditz e Georg Ruhde.10

    At o incio da 1 Guerra Mundial (1914-1918), Alemanha e Frana

    buscavam cativar polticos e oficiais brasileiros a partir de convites para visitas aos seus

    pases, como, por exemplo, a realizada pelo presidente Roca da Argentina em 1897 e

    pelo Marechal Hermes da Fonseca em 1910, ambos Alemanha. Com o incio dos

    conflitos e a formao das alianas,11

    a Argentina se declarou um pas neutro e o Brasil

    faria o mesmo.12

    Entretanto, em funo de ataques alemes a navios comerciais

    brasileiros em abril de 1917, o pas rompeu as relaes diplomticas com os

    germnicos. Em outubro daquele mesmo ano era proclamado estado de guerra, aps o

    torpedeamento do mercante brasileiro Macau e o fato do comandante desta embarcao

    ter sido feito prisioneiro dos alemes.

    O Brasil atuaria naquele conflito atravs da Diviso Naval de Operaes de

    Guerra, a DNOG. Criada em uma conferncia entre os pases aliados em novembro de

    8 ROUQUI, 1980, p.99. 9 Em 1885 o governo do Chile contratou uma misso alem para profissionalizar o seu Exrcito. A misso

    teve como chefe de 1886 a 1910 o coronel Emilio Krner Henze, que poca era capito. Este oficial criou uma Escola de Guerra baseada no modelo da kriegsakademie (a Academia de Guerra Germnica) e

    com um programa de estudos de trs anos. Os melhores alunos eram enviados para regimentos alemes e

    para a guarda imperial. O programa tem seu fim em 1906, no sem antes ter incorporado o coronel

    Krner, que naquele momento alcanara a patente de general, ao Exrcito nacional e nome-lo chefe do

    Estado-Maior, em 1891. Ver: LUNA, Cristina. Os jovens turcos na disputa pela implementao da

    misso militar estrangeira no Brasil. In: I Encontro Nacional da Associao Brasileira de Estudos de

    Defesa, 2007, So Carlos SP. Textos do Primeiro Encontro Nacional da ABED, 2007, verso eletrnica. 10 LUNA, C. Op. cit., cf. p.1. 11 Na 1 Guerra Mundial, a formao de alianas configurou dois blocos. Um foi chamado de Trplice

    Entente e era composto pela Inglaterra, Frana e Rssia. O outro, a Trplice Aliana, integrado pela Itlia,

    Alemanha e Imprio Austro-Hngaro. 12 A Argentina declarou sua neutralidade em 4 de agosto de 1914 e no mudou este quadro, mesmo depois de ter um cnsul fuzilado em setembro de 1914 na cidade belga de Dinant pelas tropas alems de

    ocupao e a captura do navio argentino Presidente Mitre em novembro de 1915. Mais detalhes, ver:

    CISNEROS, Andrs e ESCUD, Carlos. Historia General de las Relaciones Exteriores de la Repblica

    Argentina. Buenos Aires: Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI) / Grupo Editor

    Latinoamericano, 1999, Parte II, Tomo VIII: Las Relaciones con Europa y los Estados Unidos, 1881-

    1930, Las relaciones polticas con Alemania (1880-1930), p.33-47.

  • 21

    1917, ela seria comandada pelo Contra-Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, que

    fora nomeado em 30 janeiro de 1918, totalizando aproximadamente 1.515 homens entre

    oficiais e praas. Seus trabalhos se iniciaram em 7 de maio, quando os navios da DNOG

    seguiram rumo ao litoral nordeste para, em seguida, se dirigirem para Gibraltar. Seu

    objetivo, naquele momento, era varrer os mares dos submarinos inimigos. Em funo

    disso, a frota que a compunha deveria patrulhar a rea norte do continente africano,

    especificamente as regies de Dakar, Cabo Verde e Gibraltar.13

    Posteriormente, o

    presidente da repblica na poca, Wenceslau Braz,14

    pelo Decreto n 13.092 de 10 de

    Julho de 1918, criaria a Misso Mdica Militar Especial em Frana comandada pelo

    coronel Nabuco de Gouva, que tambm participaria da organizao da mesma, em 28

    daquele mesmo ms, em conjunto com o Ministro da Guerra, marechal Jos Caetano de

    Faria.

    O objetivo da Misso Mdica era organizar, em territrio francs, um

    hospital brasileiro em um ponto qualquer a ser designado pelo Quartel-General aliado e

    auxiliar no combate gripe espanhola que assolava a populao francesa. Partindo da

    Praa Mau no dia 18 de agosto de 1918 bordo do navio La Plata e rumo Europa, os

    membros da Misso Mdica Militar enfrentariam o risco de serem bombardeados pelos

    submarinos alemes que se encontravam pela costa africana. Aps aportarem na maior

    cidade de Serra Leoa, Freetown, se iniciava o incomodo convvio com a molstia contra

    qual estavam indo lutar: a gripe espanhola. A caminho de Dakar, os sintomas

    comearam a aparecer em boa parte daqueles que se encontravam embarcados. A

    DNOG teria 464 homens mortos pela doena. A Misso Mdica chegaria em solo

    francs somente em 24 de setembro, aportando em Marselha, e seria extinta em

    fevereiro de 1919.

    A Misso Mdica Militar em Frana fora concluda, mas uma nova fase nas

    relaes entre este pas e o Brasil teria incio. Em abril de 1920, chegou o general

    Gamelin, responsvel pela Misso de Instruo das Foras Armadas Brasileiras.

    A historiografia voltada para os estudos da Misso Militar Francesa no

    Brasil, como os trabalhos de Nelson Werneck Sodr, Alfredo Souto Malan, Manoel

    Domingos Neto, etc. buscam compreender e relatar as principais mudanas realizadas

    no exrcito, mas se concentram na anlise exclusiva das armas. Ainda no contamos

    13 FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos Anos de Histria do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do

    Exrcito Editora, 2000, cf.p.564-565. 14 Presidente do Brasil de 15/11/1914 a 15/11/1918.

  • 22

    com trabalhos que tenham no servio de sade dos exrcitos o seu objeto de estudos ao

    trabalharem com suas fontes.

    A questo relativa a esta fora auxiliar, o da sade nas Foras Armadas, no

    tem sido tema dos trabalhos acerca do desenvolvimento, reestruturao e modernizao

    dos exrcitos que tiveram em sua histria a contratao de misses militares

    estrangeiras. Quanto a estas, a Misso Militar Francesa no Brasil reestruturou uma

    importante instituio de ensino voltada para a medicina militar, a Escola de Sade do

    Exrcito, que fora criada em 1910. E o que diz respeito ao perodo anterior? Aquele que

    compreende o incio das comisses de mdicos militares enviadas ao exterior para

    estudos e aquisio de equipamentos? Como se encontravam estruturadas na Argentina

    e no Brasil as suas foras auxiliares, ou seja, seus servios de sade?

    na tentativa de responder a estas questes que nosso trabalho se insere. No

    ltimo quarto do XIX, a situao do Cuerpo de Sanidad e do Servio de Sade do

    Exrcito brasileiro apresentam suas similaridades e diferenas. Enquanto o primeiro

    havia sido criado oficialmente apenas em 1888 o segundo j possua uma pequena

    estruturao desde o perodo colonial. Naquele perodo, os exrcitos destes dois pases

    estariam vivenciando as consequncias imediatas aps a Guerra do Paraguai (1864-

    1870) e o panorama de um dos conflitos mais importantes da poca, na perspectiva

    militar, a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871).

    Esta ltima guerra foi marcada pela discrepncia entre os nmeros de

    mortos e feridos dos exrcitos da Prssia e da Frana. Era a primeira vez que se via uma

    inverso de nmero em uma guerra: o nmero de mortos por enfermidades era inferior

    quele oriundo das baixas no combate. Tal quadro se deu dentre as tropas prussianas. O

    que teria levado a esta nova realidade? A atuao do servio de sade prussiano e a

    poltica de vacinao em seus homens. O exrcito francs aprenderia sua lio e

    buscaria na reestruturao e reorganizao de seu Service de Sant uma forma de

    manter seu contingente em futuros confrontos.

    E quanto Argentina e ao Brasil? A experincia na Guerra do Paraguai

    traria implicaes para os seus servios de sade? De que forma se encontrava

    estruturada?

    Um dos pontos para entendermos a situao do servio de sade brasileiro

    est na presena de instituies voltadas para a sade de suas tropas e que tem uma

    relao direta com a higiene militar, na medida em que so responsveis por pesquisas

    na rea da sade militar. Com o final do conflito, o que teramos de mas significativo

  • 23

    para o Servio de Sade do Exrcito brasileiro seria o envio do capito primeiro-

    cirurgio Ismael da Rocha em 1890. Retornando em 1892, este oficial mdico havia

    frequentado os dois principais institutos de pesquisa na rea mdica na poca: O

    Instituto Pasteur e o Instituto Koch. O objetivo do Ministrio da Guerra, logo do Estado,

    naquele momento, era estudar tudo o que fosse relativo medicina militar, bem como

    os meios curativos de Koch. Esta viagem implicou na criao de uma comisso que

    seria responsvel pela organizao e fundao de um laboratrio de microscopia e

    bacteriologia no meio militar.

    Criado em 1894 com o nome de Laboratrio de Microscopia Clnica e

    Bacteriologia, o Laboratrio Militar de Bacteriologia surgiu sob influncia da escola

    francesa de Louis Pasteur e foi um dos primeiros15

    no mbito da bacteriologia no Brasil.

    A finalidade deste laboratrio era propiciar aos mdicos militares as investigaes

    microscpicas relativas s necessidades dos servios clnicos hospitalares,

    bacteriologia e ao parasitismo 16

    . O laboratrio seria ainda responsvel pela pesquisa

    sobre a origem, natureza, patogenia, tratamento e profilaxia de doenas endmicas,

    epidmicas e infecto-contagiosas, observadas no pas 17

    .

    Trabalhando em conjunto com o Laboratrio Militar de Bacteriologia

    tnhamos o Laboratrio Qumico Farmacutico Militar 18

    , que teve sua origem em 1808

    sob o nome de Botica Real Militar. Conforme o Decreto n 9.717, de 5 de fevereiro de

    1887, sujeito ao Cirurgio-Mr do Exrcito, este laboratrio destinava-se a preparar os

    compostos qumicos e farmacuticos necessrios ao Servio de Sade do Exrcito e

    fornecer s farmcias militares, ambulncias de foras expedicionrias,

    estabelecimentos militares em geral e a outros destinos que forem determinados pelo

    15 Os primeiros laboratrios bacteriolgicos instalados no Brasil foram os criados por Domingos Freire no

    Rio de Janeiro em 1890 e o Instituto Bacteriolgico de So Paulo em 1892. BENCHIMOL, Jaime Larry.

    Domingos Jos Freire e os primrdios da bacteriologia no Brasil. Histria, Cincias, Sade

    Manguinhos, Rio de Janeiro, v. II, n.1, p.67-98, mar./jun. 1995; BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos

    micrbios aos mosquitos. Febre amarela e a revoluo pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.

    FIOCRUZ/Ed. UFRJ, 1999. 16 MELLO, Luis Eduardo Lethier de; FONSECA, Maria Rachel Fres da. Laboratrio de Microscopia

    Clnica e Bacteriologia. In: Dicionrio Histrico Biogrfico das Cincias da Sade no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em

    setembro de 2008. 17 Idem. 18 Utilizamos o nome utilizado no perodo referente ao recorte cronolgico de nossos estudos. O

    Laboratrio Qumico Farmacutico Militar, a partir de 1943 seria denominado de Laboratrio Qumico

    Farmacutico do Exrcito.

    http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/

  • 24

    Ministrio da Guerra 19

    . Com o fim do Imprio e o advento da Repblica, o

    Laboratrio teria que se submeter a outras funes alm das que nos referimos

    anteriormente. Conforme Decreto n 7.454 de 8 de julho de 1909, o Laboratrio tinha

    como fim proceder a todos os exames e anlises de qumica geral ou aplicada higiene

    militar. Este Decreto possibilitava ainda que o Diretor fizesse pedido, s autoridades,

    de artigos necessrios ao laboratrio e quais destes artigos na Europa. No ano seguinte,

    1910, o Decreto n 2.232 determinou que, em conjunto com o Hospital Central do

    Exrcito e Laboratrio Militar de Bacteriologia e Microscopia Clnica, funcionaria

    como locais em que seriam realizados os cursos da Escola de Aplicao Mdico Militar.

    O Cuerpo de Sanidad Del Ejrcito argentino no apresentaria instituies

    deste tipo. Talvez por se tratar de uma fora auxiliar nova no contexto das demais armas

    do exrcito, o exrcito argentino naquele perodo ainda discutia a construo de seu

    hospital central e, em funo disso, a necessidade de enviar o seu oficial mdico, o

    Cirurgio-mor Alberto Costa, Europa para adquirir os instrumentos mais recentes no

    campo da cirurgia militar. Se dava ento a Comisin de Saniad. Alm ser responsvel

    pela aquisio do instrumental que seria levado para o Hospital Militar Central, Costa e

    os demais membros da comisso deveriam estudar os servios sanitrios dos principais

    exrcitos europeus Alemanha, Frana, Inglaterra, Itlia, etc.

    O que notamos nestes Servios de Sade no perodo delimitado por nossa

    pesquisa?

    Na virada do sculo, a Argentina recebia uma misso alem para a

    modernizao de seus exrcitos. O Brasil, por outro lado, iniciava o sculo XX sem ter

    contratado ainda uma misso militar ao contrrio de seus vizinhos Chile e Argentina

    e enviando vrias turmas de oficiais para prestarem estgios junto ao exrcito alemo

    em 1906, 1908 e 1910. Ao mesmo tempo, os franceses j se encontravam realizando

    misses no pas, atravs da Fora Pblica de So Paulo e do Servio de Veterinria do

    Exrcito. Apesar da ligao com os alemes em perodo anterior, seria ao lado dos

    franceses que nosso exrcito lutaria na 1 Guerra Mundial e junto dos quais teramos

    uma misso mdica para auxiliar no atendimento populao civil que era atacada pela

    epidemia de gripe espanhola. Na dcada de 1920 os franceses finalmente conquistariam

    19 VELLOSO, VernicaPimenta, BRAGA, Joo reas. Botica Real Militar. In: Dicionrio Histrico

    Biogrfico das Cincias da Sade no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ

    (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em setembro de 2008.

    http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/

  • 25

    sua influncia no exrcito brasileiro e seriam contratados para uma Misso Militar de

    instruo. Portanto, a influncia alem e francesa se fez presente durante todo o perodo.

    Desta forma, como ressaltamos no incio deste texto, a disputa entre Frana

    e Alemanha no se daria apenas no campo das armas militares. Entendemos que o

    mesmo se dava nos seus servios de sade. Se estes serviam de modelo para o que

    deveria ser um exrcito, na perspectiva dos governos brasileiro e argentino, ento seus

    servios de sade no estariam desligados desta lgica. a partir da noo de higiene

    militar que trabalharemos para a compreenso e aplicabilidade destes modelos pelos

    exrcitos argentino e brasileiro.

    O objeto da higiene a proteo e o desenvolvimento da sade. Para a

    realidade dos militares, o estudo de higiene da tropa levava em considerao aspectos

    como educao fsica militar; exerccios militares e os acidentes provocados em sua

    execuo; asseio, fardamento e equipamento do soldado; habitaes; profilaxia de

    doenas comuns no exrcito; etc. Nosso objetivo, aqui, no fazer um tratado sobre

    higiene, mas perceber o papel desta na reestruturao dos exrcitos da Alemanha e da

    Frana e a sua relao com a busca de um modelo de servio de sade para a Argentina

    e no Brasil baseados nestes pases. No entanto, ao encontrarmos na higiene militar o

    nosso ponto em comum de pesquisa, no podemos deixar de trabalhar com as

    influncias que a medicina, fosse ela geral ou militar, daqueles dois pases europeus

    tiveram sob os mdicos militares de nossos estudos.

    A criao de laboratrios civis e militares voltados para pesquisa de doenas

    e desenvolvimento de soros e vacinas estaria, tambm, relacionado com esse processo

    de modernizao pautado no modelo dos exrcitos europeus. Neste caso, apontamos o

    Instituto Koch fundado em 1891 , como fundamental, na medida em que, ao

    contrrio do Instituto Pasteur fundado em 1888 , estava diretamente ligado s

    questes de Estado e. 20

    Um exemplo de tal afirmativa a criao do Laboratrio de

    Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Vernica Pimenta Velloso, ao

    tratar da origem deste laboratrio, percebe que ele resultado das reformas do ensino

    mdico na dcada de 1880, inspiradas no modelo germnico de instituies de ensino e

    pesquisa. O ensino prtico e livre seria o pilar deste modelo que contrastava com o

    20WEINDLING, Paul. Scientific elites and laboratory organisation in fin de

    sicle Paris and Berlin. In: Cunningham, A. & Williams, P. (eds.). The

    laboratory revolution in medicine. Cambridge University Press., 1992, p. 170-188.

  • 26

    modelo centralizador francs.21

    Sabemos que este instituto passou por vrias

    modificaes em sua estrutura e sua nomenclatura at ser dirigido em 1897, j sob a

    denominao de Instituto Sanitrio Federal, pela Diretoria Geral de Sade dos Portos.

    Contudo, ressaltamos a importncia dos laboratrios nacionais pautados nos modelos de

    institutos europeus.

    Referindo-se a estes institutos estrangeiros e sua influncia sobre institutos e

    laboratrios nacionais, profcuo fazermos algumas observaes acerca dos mais

    importantes existentes no momento de criao do Laboratrio de Higiene da Faculdade

    de Medicina do Rio de Janeiro (1882), civil, e do Laboratrio de Microscopia Clnica e

    Bacteriologia (1894), militar. No final do sculo XIX, especificamente nas dcadas de

    1880 e 1890, surgia uma nova forma de laboratrio de pesquisa mdica. Fora do

    contexto das universidades, destinavam-se principalmente sade pblica e terapia

    hospitalar.22

    A fundao destes institutos foram encorajados pela esperana de que a bacteriologia poderia providenciar solues aos

    aparentemente intratveis problemas de sade das cidades em

    desenvolvimento (burgeoning cities).23

    Alm disto, havia tambm uma questo da competio internacional em

    funo do surgimento do imperialismo. O prestgio internacional viria na mesma

    proporo em que novas descobertas no campo bacteriolgico eram feitas. neste

    ambiente competitivo que os Institutos Pasteur e Koch so fundados. O Instituto

    Pasteur, fundado em 1888, era uma fundao privada, mas com facilidades e suporte do

    Estado e do municpio. Outro ponto o significado do Instituto no momento histrico

    de seu pas. O Instituto Pasteur era o smbolo da terceira Repblica, pois combinava

    a multiplicidade de interesses pessoais com um ethos nacional.24

    Assim, o suporte

    21 VELLOSO, Vernica Pimenta. Laboratrio de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

    In: Dicionrio Histrico Biogrfico das Cincias da Sade no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo

    Cruz / FIOCRUZ (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em setembro de 2008. 22 WEINDLING, Paul. Op. Cit. 23 Idem, p. 170. 24 Idem, p. 174. Sobre ethos, O ethos de um povo o tom, o carter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e esttico,

    e sua disposio a atitude subjacente em relao a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A viso

    de mundo que esse povo tem o quadro que elabora das coisas como elas so na simples realidade, seu

    conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contm suas ideias mais abrangentes sobre

    a ordem (GEERTZ, Clifford. A Interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: LTC Livros Tcnicos e

    Cientficos Editora S.A., 1989, p. 93.

    http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/

  • 27

    poltico dado ao instituto demonstra como a higiene era entendida como uma forma

    segura de progresso.

    Como Pasteur enfatizou, enquanto seus esforos somente

    convertiam uma elite para trabalho mdico e cientfico, esta elite podia mudar o destino da nao em seus resultados na economia da nao e

    na populao. Ainda que sempre precrio financeiramente, uma

    multiplicidade de fontes de renda significavam que os cientistas permaneciam mestres de seus destinos.

    25

    Enquanto o Instituto Pasteur obtinha seus fundos pautado em pesquisas em

    torno da raiva, o Instituto Koch, fundado na Alemanha em 1891, obteve apoio de uma

    terapia inovadora para importante doena na poca: a tuberculose. Weindling chama

    nossa ateno para o fato de que, em termos cientficos, Pasteur e Koch eram muito

    diferentes. Enquanto Pasteur havia realizado seus experimentos em tcnicas de

    fermentao e anlises qumicas, Koch trabalhou com material mais sofisticado para a

    cultura de bactrias. Um outro ponto a observar que a escola de bacteriologia de

    Koch pode ser vista como uma consequncia de uma gerao anterior de pesquisadores

    (...). A maior parte das descobertas em bacteriologia entre 1876 e 1900 eram de alemes

    ou treinados por pesquisadores alemes.26

    Os institutos Pasteur e Koch tiveram contato com setores militares, mas

    estes desempenharam papis diferenciados em seus quadros. Enquanto o instituto

    francs apresentava um potencial para desenvolver contato com autoridades militares

    em funo de sua localizao Paris , o Instituto Koch, por manter sua rgida estrutura

    hierrquica, apresentava como membros de sua equipe vrios oficiais-mdicos militares.

    Segundo Weindling, Havia uma maior hierarquia, uniformidade e orientao do Estado

    e envolvimento militar que o Instituto Pasteur.27

    Por fim, no que diz respeito ao

    perodo entreguerras, o autor afirma que mesmo o Instituto Koch crescendo enquanto

    centro nacional de pesquisas, este acabou sucumbindo ao nazismo.

    Em um artigo intitulado Higiene Militar e Medicina Militar, Monteiro

    Sampaio Capito-mdico instrutor da Escola de Sade do Exrcito publicado em

    1942, inicia seu texto se referindo a uma conferncia sobre medicina militar proferida

    na Universidade de Viena, 1938, por um general mdico, Dr. Handloser. Na

    comunicao deste mdico, agradeceu a presena de mdicos civis que atenderam ao

    25 WEINDLING, Paul. Op. cit, p.174. 26 WEINDLING, Paul. Op. cit, p. 176. 27 Idem, p. 184.

  • 28

    chamado da medicina militar e que esta [a medicina militar] representava para eles, de

    um modo geral, uma terra virgem e que lhe era uma honra e um prazer gui-los atravs

    deste novo territrio, apoiado pelos conhecimentos e resultados das pesquisas e

    experincias dos antigos e modernos tempos, bem como sua experincia prpria de

    trinta anos de mdico militar 28

    . H duas observaes pertinentes a fazermos neste

    documento. A primeira diz respeito ao lugar em que ocorreu esta Conferncia. Em

    1938, no havia se iniciado a 2 Guerra Mundial, mas Viena era capital de um pas que,

    naquele momento vivia sob um regime fascista: ustria. Um segundo aspecto a

    considerarmos o mdico responsvel por esta conferncia. Dr. Handloser era general

    mdico do Exrcito alemo e sob as ordens de seu Fhrer, Hitler, no ano da

    Conferncia, Generaloberstabsarzt Dr. Handloser era chefe das Foras Armadas do

    Servio Mdico alemo 29

    . Ao longo do artigo, o Capito-mdico Monteiro Sampaio faz

    referncias a proposies deste mdico e forma como este define a medicina militar.

    Cabe destacar:

    As exigncias do servio militar (exerccios fatigantes,

    marcha, emprego das armas, acampamento, etc.) pem prova de sua resistncia orgnica que deve ser objeto de meticulosa observao por

    parte do mdico de tropa. Essa observao meticulosa, esse estudo por

    assim dizer experimental do prprio cerne da raa, um dos grandes benefcios feitos nacionalidade pelo Exrcito, que o caminho onde

    os seus filhos se enrijam e enobrecem.

    Tudo o que mediata ou imediatamente leve a este fim, higiene, inspeo mdica, profilaxia e tratamento das doenas,

    educao fsica e educao mora, do domnio da medicina militar.

    Incumbe-lhe, diz o Dr. Handloser (...), especialmente, participar de

    todas as medidas sociais e poltico-demogrficas que elevam o poder defensivo, pesquisar as causas das incapacidades para o servio

    militar, contribuindo para afast-las , e finalmente colaborar em todas

    as medidas de educao fsica que desenvolvem e fortificam a juventude, que o Exrcito de amanh.

    [...]

    Se assim , porm, se a medicina militar no seu mais amplo

    conceito de conservao, desenvolvimento e aperfeioamento da raa tarefa honrosa de todos os mdicos, h contudo, um setor especial

    que constitui por excelncia a esfera de ao do mdico militar. E

    neste setor ocupa o primeiro lugar a higiene militar. Ela foi em todos os tempos, escreve Handloser, e tambm ainda hoje, um domnio

    especial do mdico militar. Dela no se ocupam apenas os

    especialistas, mas normalmente o mdico de tropa e mesmo o mdico militar, em geral deve dar-lhe o maior apreo.

    28 SAMPAIO, Monteiro. Higiene Militar e Medicina Militar. Revista Mdico-Cirrgica do Brasil, Ano

    L, n 5, Maio-1942, p. 385-397. 29 Nazi Conspiracy and Aggression. Volume VIII. USGPO, Washington, 1946/p.672-678

    (http://www.ess.uwe.ac.uk/genocide/keitel4.htm). Acesso em outubro de 2008.

    http://www.ess.uwe.ac.uk/genocide/keitel4.htm

  • 29

    [...]

    Na higiene militar resumem-se os deveres mais

    fundamentais e mais elevados da medicina militar. Por isso o nosso Regulamento para o Servio de Sade em tempo de paz (Bol. Do Ex.

    n. 42, 31-7-36) prescreve em primeiro lugar: o Servio de Sade do

    Exrcito tem por objeto: a) aplicao dos preceitos de higiene conservao da sade da tropa...

    Dever-se-ia completar este mandamento com a noo do

    desenvolvimento e aperfeioamento da raa, que , sem dvida, a

    misso social do Exrcito e que no se pode realizar sem o concurso da medicina militar.

    30

    O documento acima, ainda que de um perodo posterior ao de nosso recorte,

    apenas uma amostra do que entendemos por influncia de correntes cientficas de

    potncias europeias, no nosso caso alemes e franceses, no nosso Servio de Sade.

    HISTORIOGRAFIA

    Sobre a bibliografia pertinente ao nosso tema, nos deparamos com grandes

    lacunas. A histria do servio de sade e o papel das correntes cientficas internacionais

    devem ser analisados de acordo com obras especficas de temas que se relacionam para

    a elaborao de nosso trabalho.

    A histria do Servio de Sade do Exrcito trabalhada especificamente por

    dois autores: Gilberto de Medeiros Mitchell e Arthur Lobo da Silva. Gilberto Mitchell,

    mdico das Foras Armadas, ao escrever sobre Histria do Servio de Sade do

    Exrcito produziu uma obra de dois volumes em que identificamos as origens do

    Servio de Sade, seu histrico, sua experincia em conflitos e, alm disso, a biografia

    de figuras importantes para a histria da medicina militar. Por ser praticamente um

    manual de referncias do Servio de Sade, esta produo de Mitchell no nos permite

    espaos para crticas quanto a formulaes tericas. Trata-se de um bom trabalho de

    referncia voltado para esclarecimentos de pequenas dvidas acerca das aes do nosso

    Servio de Sade Militar.

    Arthur Lobo da Silva, com O Servio de Sade do Exrcito Brasileiro,

    preocupa-se com, conforme dito em seu subttulo, uma histria evolutiva desde os seus

    primrdios at os tempos atuais. Basicamente no mesmo modelo do trabalho de

    30 SAMPAIO, Monteiro. Op. cit., p. 386.

  • 30

    Mitchell, a obra de Lobo mais concisa, sendo apresentada em apenas um volume. O

    que destacamos como ponto interessante em seu trabalho o captulo terceiro destinado

    aos livros, jornais e revistas e a influncia das suas publicaes no meio militar. Um dos

    pontos importantes para nosso trabalho, nesse ponto da obra de Arthur Lobo, a

    importncia atribuda aos peridicos mdicos destinados aos militares e um histrico

    resumido das principais publicaes mdicas voltadas para o meio militar e, em alguns

    casos, como A Medicina Militar, a mudana de nomes pela qual passou a revista.

    A Misso Militar Francesa trabalhada de forma detalhada por Alfredo

    Souto Malan. Segundo Misso Militar Francesa de Instruo junto ao Exrcito

    Brasileiro, o general apresenta de forma didtica como se deu a negociao entre Brasil

    e Frana visando a formao de uma Misso. Alfredo Souto Malan afirma que h vrios

    tipos de misso e que, tratando-se da Misso Militar Francesa que veio ao Brasil, ela

    classificada como uma misso de instruo:

    A MISSO DE INSTRUO organizada num pas, por solicitao de outro para neste ltimo e mediante um acordo ou

    contrato firmado entre os dois governos, prestar assistncia e

    transmitir ensinamentos visando, atravs de organizao adequada, doutrina conveniente e eficiente preparo, tudo devidamente adaptado

    s finalidades conjunturais e aos recursos disponveis, a tornar o mais

    objetivo possvel, o organismo blico do pas assistido. 31

    Malan aponta para quatro fases da Misso Francesa: 1920-1924; 1925-1930,

    1930-1933 e 1934-1940. Contudo, devemos lembrar que outras misses francesas se

    deram no Brasil, como destacam Pays e Saliou, e estavam voltadas para outras questes:

    Do final do final do sculo XIX at a Segunda Guerra Mundial, as misses francesas no Brasil embora tenham sido misses

    especficas de cooperao em um pas independente j emergindo e

    com importantes meios financeiros.

    [...]

    Estas misses foram realmente misses de cooperao no sentido completo da palavra em que cada parte trouxe para a outra o

    que eles no dominavam.32

    31 MALAN, Alfredo Souto. Misso Militar Francesa de Instruo Junto ao Exrcito Brasileiro. Rio de

    Janeiro: Biblioteca do Exrcito, 1988, p. 10. 32 PAYS, J. F., SALIOU, P. "A comparative approach to the French medical missions in Brazil and in

    sub-Saharian Africa before the Second World War. Parassitologia 47, 2005, p.366.

  • 31

    O que se nota nestes estudos que os pesquisadores franceses vinham ao

    Brasil e estudavam doenas endo-epidmicas que, ao mesmo tempo, eram notadas nas

    colnias africanas sob o julgo francs. A misso Marchoux33

    de 1903 ao Rio de Janeiro,

    por exemplo, resultou em tentativas para implementar as tcnicas de combate febre

    amarela desenvolvidas naquela cidade em Dakar e Senegal. Assim, Salyou e Pays

    concluem que estas misses ao Brasil foram parte da batalha francesa contra as doenas

    tropicais existentes ou vivenciadas em suas colnias.

    A Misso Militar alem na Argentina tem no trabalho de Fernando Garca

    Molina a sua produo mais recente e mais completa. Em seu La Prehistoria del Poder

    Militar en La Argentina. La profesionalizacin, el modelo alemn y la decadencia

    del rgimen oligrquico, Molina se pautou nas seguintes questes para o

    desenvolvimento de sua anlise: que funo desempenhou o modelo militar alemo no

    processo de profissionalizao iniciado pelo presidente Julio A Roca no final do sculo

    XX? Qual a intensidade daquela influncia que permita concluir que

    profissionalizao e germanizao terminaram por significar o mesmo? Que

    impacto produziram ambas na conformao do poder militar da Argentina?34

    Esta discusso em torno da profissionalizao se mostra muito profcua para

    a compreenso do que se busca quanto ao uso deste termo e, principalmente, sua relao

    ou no com um processo de modernizao. Molina compartilha do mesmo ponto de

    vista de Huntington quanto definio de profissionalizao das Foras Armadas, ou

    seja, sua compreenso sobre o termo profissionalismo. Enquanto o primeiro define a

    profissionalizao como uma aquisio de uma capacidade especfica ou, dentre outros,

    a formao de um esprito de corpo, Huntington se volta para este processo de

    profissionalizao e a relao direta deste que vir a ser um profissional militar com a

    sociedade. De acordo com Samuel Huntington,

    As instituies militares de qualquer sociedade so moldadas por duas foras: um imperativo funcional, que se origina das

    ameaas segurana da sociedade, e um imperativo societrio,

    proveniente das foras sociais, das ideologias e das instituies dominantes dentro dessa mesma sociedade. Instituies militares que

    s refletem valores sociais podem ser incapazes de desempenhar com

    33 Sobre a Misso Marchoux, ver BENCHIMOL, Jaime & S, Magali Romero. Insetos, humanos e

    doenas: Adolpho Lutz e a medicina tropical. In: BENCHIMOL, J. & S, M.R. Adolpho Lutz. Obra

    Completa. Febre Amarela, Malria e Protozoologia, volume 2, nmero 1, 2005, p. 43-245. 34 MOLINA, Fernando Garca. La Prehistoria del Poder Militar en La Argentina. La

    profesionalizacin, el modelo alemn y la decadencia del rgimen oligrquico. Buenos Aires:

    EUDEBA, 2010.

  • 32

    eficincia sua funo especfica. Por outro lado, poder ser impossvel

    conter dentro de uma sociedade instituies militares moldadas

    exclusivamente por imperativos funcionais. na interao dessas duas foras que est o n do problema das relaes entre civis e militares.

    O grau em que elas entram em conflito depende da intensidade das

    exigncias de segurana e da natureza e fora do padro de valores da sociedade.

    35

    No que diz respeito higiene militar, tratada de forma sucinta em nossa

    apresentao, o trabalho de Murillo de Campos fundamental. Mdico do Servio de

    Sade do Exrcito, em Elementos de Hygiene Militar o autor procura deixar claro que a

    questo da higiene militar um campo de estudos da higiene voltado para o cotidiano

    da caserna. Tratando de elementos como raa e a importncia do servio militar, ao

    considerar que A caserna para o soldado uma escola de asseio e de hygiene 36

    . Os

    modelos franceses e alemes de elementos de higiene (profilaxia, asseio da tropa,

    fardamento, educao fsica, etc) so vistos a todo instante. A leitura atenta nos leva a

    perceber que, segundo o autor, a cultura fsica, ou seja, a educao fsica do Exrcito

    Nacional era feito pautado no modelo francs, j que seguia o modelo da escola de

    Educao Fsica de Joinville-le-Pont37

    . importante tratarmos de questes como essa,

    na medida em que a instruo fsica militar compreende parte educativa e adaptao s

    diversas especialidades.

    Sob a perspectiva de uma anlise comparada entre as misses militares que

    se fizeram presentes na Amrica do Sul, temos os trabalhos de Alain Rouqui e seu

    livro O Estado Militar na Amrica Latina,38

    e Frederick Nunn com Yesterdays

    Soldiers.39

    Na obra citada, Rouqui tem seu estudo baseado na fisiologia do poder

    militar, atravs de seus mecanismos, de seu funcionamento e de suas funes40

    e tem

    como proposta de anlise uma leitura do que seria este poder militar e sua diversidade.

    Sua abordagem comparativa se d como uma proposta de construo da problemtica,

    35 HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado. Teoria Poltica e das Relaes entre Civis e

    Militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito Editora, 1996, p. 20-21. 36 CAMPOS, Murillo de. Elementos de Higiene Militar. Rio de Janeiro: Empreza Graphica Editora

    Paulo, Pongeti & Cia, 1927, p. 160. 37 Escola de Educao Fsica que ficou conhecida com a chegada da Misso Militar Francesa. Mais

    detalhes, ver: CORRA, Denise A. Ensinar e aprender educao fsica na era Vargas: lembranas de velhos professores. In: VI EDUCERE - CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAO - PUCPR -

    PRAXIS, 2006, Curitiba.

    Anais... Curitiba: PUCPR, 2006. v. 1. (ISBN 85-7292-166-4). 38 ROUQUI, Alain. O Estado Militar na Amrica Latina. So Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984. 39 NUNN, Frederick. Yesterdays Soldiers. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983. 40 ROUQUI, 1984, cf.p.XXII-XXIII.

  • 33

    que entende no Exrcito e no Estado da Amrica Latina duas realidades

    consubstanciadas. Do ponto de vista do autor, a nica perspectiva realmente adaptada

    s realidades latino-americanas.41

    Frederick Nunn, antes de realizar este trabalho, publicou duas obras acerca

    das relaes entre civis e militares no Chile. Enquanto a primeira destinava-se poltica

    chilena entre 1920-1931 e a discusso em torno de uma ao poltico-militar baseada no

    ethos profissional, a segunda tambm tratava das relaes entre civis e militares, mas

    com um intervalo de tempo maior, entre 1810 e 1973. Neste, Nunn percebeu que o

    pensamento militar chileno entre 1920 e 1970 pouco havia mudado, permanecendo o

    mesmo. Foi ento que algumas questes surgiram para o autor e todas elas relacionadas

    com as experincias militares vividas por suas irms, no caso: Argentina, Brasil e

    Peru. Era iniciado o trabalho do livro em questo, Yesterdays Soldiers.

    Como o autor ressalta, meio sculo no representou praticamente mudanas

    no pensamento militar, mas o perodo em questo em seu Yesterdays Soldiers aquele

    compreendido entre 1890 e 1940. Embora ele esteja convencido de que a essncia do

    pensamento militar de 1920 no seja to diferente daquele de 1970.

    Entendemos que, talvez, esta essncia do pensamento exista mesmo no caso

    dos demais pases Argentina, Peru e Chile , mas o Brasil no se enquadraria nesta

    afirmao. Isso tudo em funo da forte influncia do pensamento norte-americano aps

    a participao do Brasil na 2 Guerra mundial e a criao da ESG nos modelos da

    National War College dos EUA. Talvez, tal afirmao possa se dar na mesma

    perspeciva adotada por Edmundo Campos Coelho e sua teorizao em torno da

    Doutrina de Segurana Nacional.

    O autor pretende demonstrar que o pensamento e a autopercepo militares

    pouco mudaram. Para Nunn, Estes so a prpria essncia do profissionalismo militar, o

    estado ou condio de ser profissional no sentido do dicionrio. Ao debruar-se sobre

    as literaturas francesa e alem sobre o tema, tirou suas primeiras concluses. Uma delas

    a de que os sul americanos copiavam os europeus de diversas formas. Alm disso,

    Nunn afirma que eles passaram a pensar como franceses e alemes e a se perceberem da

    mesma forma. Nesta empreitada, a figura dos missionrios militares seria

    fundamental. Ao longo de seus captulos, Nunn identifica a precariedade dos exrcitos

    sul americanos e como estes missionrios, ou seja, aqueles instrutores militares alemes

    41 Ibidem, p.XXIV.

  • 34

    e franceses que eram enviados para a Amrica do Sul, eram responsveis pelo

    desenvolvimento da influncia de seus exrcitos na regio.

    A questo da higiene nos remete s discusses em torno dos estudos sobre

    guerra, medicina, as relaes entre estas duas e, alm disso, sade. Roger Cooter, em

    seu artigo War and Modern Medicine42

    , relaciona o cotidiano de guerra com suas

    implicaes no campo mdico e aponta para o descaso na histria de medicina quanto

    relao da medicina com a guerra. Segundo Cooter, h trs geraes de historiadores

    voltados para a histria da medicina:

    1. Primeira gerao preocupada com aspectos biogrficos de grandes

    personalidades mdicas;

    2. Segunda gerao, em que o autor inclui Rosen, tambm no se preocupa

    com o estudo da importncia da guerra para a medicina.

    3. A gerao atual, que evita tocar na questo em funo de um assunto que

    gostariam de evitar: Vietn.43

    Esta classificao do autor a respeito de uma historiografia voltada para a

    histria da medicina aponta para os vazios a serem preenchidos por trabalhos voltados

    para a relao entre as guerras e o desenvolvimento, ou no, da medicina. Um dos

    autores mais importantes da histria da medicina, George Rosen, sequer toca na relao

    entre guerra e medicina, chegando ao ponto de nem mencionar o termo guerra em

    suas obras. Quanto questo de desenvolvimento/modernizao, devemos lembrar o

    que destaca Cooter, ao afirmar que com a primeira "Grande Guerra, as prticas de

    combate passaram por um processo tecnologicamente revolucionrio e que neste mesmo

    perodo a organizao da medicina militar foi significativamente reformada.44

    Contudo, devemos ressaltar que esse desenvolvimento, esse processo de modernizao e

    de reforma devem ser vistos a partir da perspectiva da medicina militar como produto e

    agente da poltica e da economia de seu tempo.

    Finalmente, no que diz respeito s doenas, destacamos o trabalho de dois

    importantes autores: George Rosen e Mark Harrison.

    42 COOTER, Roger. War and modern medicine. In: BYNUM, W.F. and PORTER, Roy. Companion

    Encyclopedia of the History of Medicine. 2vols, Routledge, London, 1993, p. 1536-1573 43 COOTER, Roger. Op. cit., cf. p. 1537-1538. 44 Idem, cf. p. 1540.

  • 35

    George Rosen, que fora criticado por Cooter por no trabalhar as relaes

    entre guerra e histria da medicina, em seu Histria da Sade Pblica, tem como

    objeto de estudos a sade pblica e utiliza em seus escritos a noo de que a natureza

    dos problemas de sade e do modo de enfrent-los em cada sociedade decorrem de

    condies polticas, econmicas e sociais, assim como dos conhecimentos disponveis e

    das concepes de sade e doena nela prevalentes. da interpretao dos problemas de

    sade luz destas condies objetivas de vida que, segundo o autor, surge a teoria capaz

    de dar inteligibilidade e significado aos fatos de que se ocupa a histria da medicina.45

    Uma das alternativas metodolgicas em que o autor se baseia a histria da doena:

    Na condio de objeto das prticas de sade (...) a doena configura a base sobre a qual se estruturam as relaes entre, de um

    lado, necessidades socialmente postas e, de outro lado, instrumentos

    para sua satisfao. A doena permite, dessa forma, distinguir com mais acurcia que a tcnica, isoladamente, os determinantes e os

    valores que explicam as diferentes conformaes dessas prticas ao

    longo da histria.

    [...]

    ... a histria da doena pode ser vista como mais do que o estudo de entidades particulares, independentes; ela se torna o

    delineamento de padres de adoecimento caractersticos de certas

    pocas e sociedades assim como dos fatores e processos que conduzem s suas transformaes no tempo e no espao.

    46

    Mark Harrison, com seu trabalho Disease and the Modern World, apresenta

    um captulo que nos interessa de forma especial. Trata-se do captulo sete, sob o ttulo

    Disease, War and Modernity. Assim como Cooter j havia demonstrado no texto

    citado por ns anteriormente, Harrison volta a afirmar que o nmero de mortos por

    doena na 1 Guerra Mundial em relao ao de mortos por ferimentos em combate

    apresentou uma funo inversa. Isto se daria em parte porque as armas utilizadas nos

    confrontos tm um poder destrutivo maior do que aquelas usadas em outras guerras. Isto

    um fator que no deve ser esquecido, mas o controle de doenas, a partir de medidas

    sanitrias, se deu de forma mais efetiva nos teatros de operaes da 1 Guerra Mundial.

    45 ROSEN, George. Uma Histria da Sade Pblica. So Paulo: Hucitec: Editora da Universidade

    Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva, 1994, p.

    20. 46 ROSEN apud AYRES, Jos Ricardo de C. M. Ibidem, p.20.

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    OBJETIVOS, METODOLOGIA E FONTES

    Temos na higiene militar o nosso principal eixo norteador, no entanto, no

    nos limitamos apenas anlise de elementos da higiene. Nossa proposta de trabalho de

    pesquisa e confeco de tese diz respeito ao exame conjunto dos seguintes eixos

    temticos:

    I. Modernizao: a partir do desenvolvimento tcnico e cientfico dos

    exrcitos dos chamados pases centrais, no nosso caso especfico

    os exrcitos da Frana e da Alemanha, os exrcitos dos pases

    perifricos buscam a modernizao de sua estrutura militar. Tal

    processo apresenta implicaes na estruturao do Servio de Sade,

    nosso objeto de pesquisa.

    II. Comparao: a importao de tecnologias dos exrcitos europeus

    no se deu apenas no Brasil, sendo uma caracterstica do mesmo

    processo pelos demais pases perifricos da Amrica Latina. Por

    razes histricas, trabalharemos com o Cuerpo de Sanidad do

    exrcito argentino.

    I. Modernizao

    Nossa pesquisa ter como foco o carter modernizador das reformas

    empreendidas pelos oficiais oriundos das comisses militares enviadas ao estrangeiro

    as de Alberto da Costa e Ismael da Rocha e por aquelas que estiveram em territrio

    nacional como misses de instruo tais quais as misses de mdicos veterinrios

    franceses na Escola de Veterinria do Exrcito e a misso de instruo para a Fora

    Pblica do Estado de So Paulo, hoje Polcia Militar do Estado de So Paulo. Estas

    misses militares sero entendidas a partir das necessidades colocadas pelo Ministro da

    Guerra do perodo, o marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, bem como pelas relaes

    estabelecidas pelo diplomata brasileiro responsvel pela visibilidade do Brasil no

    exterior, o Baro do Rio Branco.

    Se a modernizao vista como um ponto fundamental para a concepo de

    nossa tese, no processo de desenvolvimento tcnico e cientfico que teremos a espinha

    dorsal de nosso texto. No nos deteremos apenas nos aspectos relativos higiene

  • 37

    militar, visto que a relativa falta de pesquisa no campo de estudos da medicina militar e

    do seu processo de desenvolvimento devem ser abordados em nosso trabalho. Assim,

    no podemos desligar o processo de desenvolvimento tcnico-cientfico do Exrcito do

    seu Servio de Sade, uma vez que, na concepo de determinadas correntes, o

    contingente de suma importncia para a construo de um Exrcito forte.

    Para muitos dos oficiais que estiveram presentes nas misses estrangeiras de

    instruo, um dos aspectos mais significativos desta modernizao das Foras Armadas

    dizia respeito profissionalizao dos militares. Assim, a necessidade de

    reestruturao/reforma do Servio de Sade e a criao dos diversos institutos e

    laboratrios no est desconectada deste processo modernizador do Exrcito nacional.

    Portanto, estudar a modernizao deste setor entender tambm o seu papel, sua

    importncia, na gnese do processo e entender a mesma como parte da

    institucionalizao cientfica do pas.47

    Sendo assim, a partir do desenvolvimento tcnico-cientfico dos exrcitos

    alemes e franceses, da necessidade de criar zonas de influncia e da busca dos

    exrcitos perifricos de acompanharem tal processo evolutivo que construiremos

    nosso trabalho. O autor Alain Rouqui48

    corrobora este ponto ao afirmar que atravs de

    servios de reorganizao do aparelho defensivo, Frana e Alemanha conseguiram

    aumentar sua influncia diplomtica e comercial. De forma mais objetiva, os saberes

    mdicos e suas prticas estaro ligados lgica de tal desenvolvimento e seus reflexos

    no Servio de Sade sero analisados em nossa pesquisa.

    II. Comparao

    Como destacado no item anterior, a busca pela adequao ao processo

    evolutivo dos exrcitos dos pases centrais, ou europeus, se deu em diversos pases da

    periferia, ou seja, no europeus. Na Amrica Latina, vrios pases tambm contrataram

    misses estrangeiras para modernizarem seus exrcitos, mas destacamos em especial

    dois pases: Argentina e Brasil.49

    Nossa proposta entender as influncias dos exrcitos

    47 No trataremos aqui do processo de institucionalizao da cincia, mas acreditamos que este pode ser

    um dos vrios caminhos que se abriro para pesquisas futuras. 48 ROUQUI, Alain. O Estado Militar na Amrica Latina. So Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984. 49 O estudo do servio de sade do exrcito chileno completaria o ABC da Amrica do Sul, mas

    infelizmente no tivemos tempo para promover um projeto desta dimenso.

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    franceses e alemes no processo de modernizao do Exrcito nacional. Desta forma,

    no deixaremos de abordar as diferentes misses militares oriundas destes dois centros.

    Neste contexto que temos a importncia destes outros pases da Amrica

    do Sul. Assim, notamos que, para compreender o processo em curso no exrcito

    brasileiros, devemos nos ocupar das preocupaes que cercavam os militares quanto ao

    desenvolvimento das Foras Armadas de seus vizinhos fala marcada no destaque do

    adido militar brasileiro se referindo aos oficiais argentinos formados sob influncia

    alem. Alm disso, devemos atentar para as caractersticas comuns s misses

    empreendidas nestes pases. Desta forma, poderemos formular generalizaes que

    demonstrar-se-o fecundas para o campo historiogrfico. Partimos do pressuposto de

    que uma tese de doutoramento deve ser composta contedos significativos e que

    permitam desdobramentos futuros. Consequentemente, o que pretendemos aqui dar

    incio a um tipo de trabalho que, como vimos em nossos estudos, ainda carece de

    ateno na historiografia.

    * * *

    O nosso recorte cronolgico diz respeito a dois momentos: a formao do

    Cuerpo de Sanidad do Exrcito argentino em 1888 e a mudana no cenrio poltico e

    militar de Argentina e Brasil, ou seja, suas sociedades aps os movimentos de 1930.

    Metodologia

    Ao trabalharmos com as misses militares e a busca por parte dos pases

    perifricos para se adequarem ao processo evolutivo das Foras Armadas dos pases

    centrais percebemos a necessidade de um mtodo que contemplasse as diferenas e

    semelhanas destas realidades. Desta forma, notamos a aplicao do mtodo

    comparativo a configurao mais adequada para nossa tarefa de pesquisa e busca de

    fontes, bem como no processo de construo de nossos argumentos.

    Segundo Ciro Flamarion Cardoso50

    e Hctor Prez Brignoli,

    50 CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Hctor Prez. O mtodo comparativo na Histria. In:

    ______. Os Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979, p. 409-420.

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    aplicar o mtodo comparativo no quadro das cincias humanas consiste (...)

    em buscar, para explic-las, as semelhanas e as diferenas que apresentam

    duas sries de natureza anloga, tomadas de meios sociais distintos.51

    Pelo exposto nesta citao, concordamos que as experincias militares

    compem as sries de natureza anloga, sendo possvel ento o estudo comparativo

    destes pases e a aplicao deste mtodo para a anlise de nossas fo