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Casas Pós Rurais CAPA - research.unl.pt · I. Estrutura soc io econ óm ic a de O ur ém. A ag ricultura como base da economi ... Diversidade e mudança nos materiais de construção

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ÍNDICE

Agradecimentos .............................................................................................11

Prefácio I de João Leal ...................................................................................13

Prefácio II de Marta Prista .............................................................................17

Introdução ......................................................................................................21

1. Apresentação ..............................................................................................21

2. Quadro teórico............................................................................................27

3. Metodologia ...............................................................................................35

4. Plano da Obra .............................................................................................39

I. Estrutura socioeconómica de Ourém entre 1900 e 2015: aspetos gerais .....41

1. A agricultura como base da economia até meados do século XX ..............41

2. A industrialização, a emigração e o início do declínio agrícola .................45

3. A (re)emigração e uma nova atitude perante os campos ............................51

II. Casas rurais entre 1900 e 1960...................................................................57

1. A arquitetura popular de Ourém na charneira da (in)visibilidade ..............57

2. Grupos sociais em espaço rural ..................................................................59

2.1. Profissionais liberais e casas da vila .......................................................63

2.2. Nobreza rural e quintas agrícolas ............................................................65

2.3. Agricultores patrões e casas agrícolas abastadas ....................................69

2.4. Trabalhadores agrícolas e casas rurais ....................................................72

2.4.1. Caracterização social ............................................................................72

2.4.2. Caracterização formal e estética geral das casas de Ourém .................75

2.4.2.1. As casas no centro-norte ....................................................................79

Prefácio II de Marta Prista ....................

Introdução ............................................

1. Apresentação ....................................

2. Quadro teórico..................................

3. Metodologia ......................................

4. Plano da Obra ....................................

I. Estrutura socioeconómica de Ourém

1. A agricultura como base da economi

2. A industrialização, a emigração e o in

3. A (re)emigração e uma nova atitude

...........................................................17

..........................................................21

..........................................................21

..........................................................27

...........................................................35

...........................................................39

entre 1900 e 2015: aspetos gerais .....41

mia até meados do século XX ..............41

início do declínio agrícola .................45

perante os campos ............................51

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II. Casas rurais entre 1900 e 1960..........

1. A arquitetura popular de Ourém na ch

2. Grupos sociais em espaço rural ........

2.1. Profissionais liberais e casas da vila

2.2. Nobreza rural e quintas agrícolas ..

2.3. Agricultores patrões e casas agrícol

2.4. Trabalhadores agrícolas e casas rura

2.4.1. Caracterização social ..................

2.4.2. Caracterização formal e estética g

2.4.2.1. As casas no centro-norte ..........

...........................................................57

charneira da (in)visibilidade ..............57

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geral das casas de Ourém .................75

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8 Ana Saraiva

2.4.2.2. As casas no sul ..................................................................................83

2.4.2.3. Diversidade e mudança nos materiais de construção ........................85

2.4.2.4. Programa funcional e arquitetónico da habitação ..............................92

2.4.2.5. Estruturas de apoio à casa do trabalhador agrícola ............................97

2.4.3. Da construção à ocupação da casa de habitação ..................................98

2.4.3.1. Custos e participações voluntárias na construção ..............................99

2.4.3.2. Uma construção coordenada com o calendário agrícola .................101

2.4.3.3. O casamento e a ocupação da casa ..................................................105

2.4.4. Apropriações da casa rural ................................................................. 106

2.4.4.1. Casa-família-terra ............................................................................106

2.4.4.2. Produção de memória ......................................................................109

2.4.4.3. Questões de género e a ênfase feminina na etnografia da casa .......111

2.4.5. Mudanças e resistências em contraponto ...........................................114

2.4.5.1. Alterações na habitação ...................................................................114

2.4.5.2. Resistências à mudança .................................................................. 115

III. Casas de emigrantes entre 1960 e 1990 ..................................................119

1. Emigrantes portugueses em França entre 1960 e 1990 .............................121

1.1. Integração laboral, espaço habitacional e organização doméstica ........121

1.2. Espaços e práticas sociais de portugueses imigrantes em França .........130

1.3. Construção de casas na aldeia portuguesa .............................................135

2. Casas de emigrantes entre 1960 e 1974: tempo de preparação .................137

2.1. Fatores de mudança ...............................................................................137

2.2. Caracterização geral das casas de emigrantes .......................................139

3. Casas de emigrantes entre 1975 e 1990: tempo de projeção .....................143

3.1. Caracterização formal e estética: principais tendências ........................143

3.2. Atores nas casas de emigrantes .............................................................147

4. Programa arquitetónico, orgânica funcional e uso dos espaços ...............157

5. Espaços de consumo, expressões transnacionais e produtos híbridos ......168

5.1. Transnacionalismo e consumo ou modernidade e distinção social .......168

5.2. Produtos híbridos ..................................................................................175

5.3. Leituras comparativas de transnacionalismo .........................................179

6. Representações exógenas e endógenas ....................................................183

6.1. Intelectuais, imprensa e políticos ..........................................................183

6.2. Habitantes locais ...................................................................................187

6.3. Proprietários ..........................................................................................189

7. Casas de emigrantes e reconfigurações identitárias em Portugal .............191

8 Ana Sa

2.4.2.2. As casas no sul ........................

2.4.2.3. Diversidade e mudança nos ma

2.4.2.4. Programa funcional e arquitetó

2.4.2.5. Estruturas de apoio à casa do tr

2.4.3. Da construção à ocupação da casa

2.4.3.1. Custos e participações voluntári

2.4.3.2. Uma construção coordenada co

2.4.3.3. O casamento e a ocupação da ca

2.4.4. Apropriações da casa rural ..........

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2.4.5.2. Resistências à mudança ............

III. Casas de emigrantes entre 1960 e 19

1. Emigrantes portugueses em França e

1.1. Integração laboral, espaço habitacio

1.2. Espaços e práticas sociais de portug

1.3. Construção de casas na aldeia portug

2. Casas de emigrantes entre 1960 e 1974

2.1. Fatores de mudança ........................

2.2. Caracterização geral das casas de em

3. Casas de emigrantes entre 1975 e 1990

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3.2. Atores nas casas de emigrantes ......

4. Programa arquitetónico, orgânica fun

5. Espaços de consumo, expressões trans

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5.2. Produtos híbridos ..........................

5.3. Leituras comparativas de transnaci

6. Representações exógenas e endógena

6.1. Intelectuais, imprensa e políticos ..

6.2. Habitantes locais ............................

6.3. Proprietários ..................................

7. Casas de emigrantes e reconfiguraçõe

principais tendências ........................143

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Casas (pós-)rurais entre 1900 e 2015 9

IV. Casas de emigrantes e casas emblematizadas: 1990-2015 .....................195

1. Espaços e práticas sociais de (ex-)emigrantes em França ........................195

1.1. Ex-emigrantes .......................................................................................195

1.2. Emigrantes de longa data ......................................................................196

1.3. (Re)emigrantes recentes ........................................................................201

1.4. Lusodescendentes ou luso-franceses .....................................................203

2. Casas de emigrantes em Ourém entre 2000 e 2015 ..................................207

2.1. Construir casa na aldeia natal: desaceleração e mudança .....................207

2.2. (Re)aportuguesamento na casa emigrante .............................................209

2.3. Atores locais de mudança na casa de emigrante ...................................219

2.4. O hibridismo em destaque na arquitetura ..............................................224

3. Casas de imigrantes oureenses em França ...............................................227

3.1. Contextos e tendências arquitetónicas ...................................................227

3.2. Casas em França: referentes de portugalidade ......................................230

3.2.1. Motivações materiais..........................................................................232

3.2.2. Motivações imateriais ........................................................................236

4. Emblematização de antigas casas rurais ...................................................241

4.1. Contexto nacional ..................................................................................241

4.2. Antigas casas rurais em Ourém: novos formatos e usos .......................249

4.2.1. Quintas e casas agrícolas abastadas ....................................................253

4.2.2. Emblematização de casas de antigos trabalhadores agrícolas ............255

4.2.2.1. Sujeitos e contextos .........................................................................255

4.2.2.2. Idiossincrasias na valorização das casas ..........................................257

4.2.2.3. Elitização do popular .......................................................................262

Conclusão .....................................................................................................265

1. Alterações e retomas na casa pós-rural ....................................................266

2. Centralidade do pedreiro na biografia da casa .........................................271

3. Da casa como espaço de produção à casa como espaço de consumo ......273

4. A casa, referente de lugares disjuntivos ...................................................277

Bibliografia e fontes .....................................................................................285

Bibliografia ..................................................................................................285

Ficção, documentários e reportagens ...........................................................303

Manuscritos documentais .............................................................................304

Imprensa e sítios eletrónicos ........................................................................304

Censos, relatórios e legislação .....................................................................305

Casas (pós-)rurais

IV. Casas de emigrantes e casas emblem

1. Espaços e práticas sociais de (ex-)emi

1.1. Ex-emigrantes ................................

1.2. Emigrantes de longa data ..............

1.3. (Re)emigrantes recentes ................

1.4. Lusodescendentes ou luso-franceses

2. Casas de emigrantes em Ourém entre

2.1. Construir casa na aldeia natal: desa

2.2. (Re)aportuguesamento na casa emi

2.3. Atores locais de mudança na casa d

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2.4. O hibridismo em destaque na arquit

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3.1. Contextos e tendências arquitetónica

3.2. Casas em França: referentes de por

3.2.1. Motivações materiais..................

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4.2.1. Quintas e casas agrícolas abastada

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1. Alterações e retomas na casa pós-rur

2. Centralidade do pedreiro na biografia

3. Da casa como espaço de produção à

4. A casa, referente de lugares disjuntiv

Bibliografia e fontes ..............................

Bibliografia ..........................................

Ficção, documentários e reportagens ....

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PREFÁCIO II

Com um passado de aproximações e afastamentos no modo de olhar a construção tradicional, a arquitectura popular e o património vernacular1, antropologia e arquitectura reconciliam-se neste trabalho de Ana Saraiva sobre as "práticas e discursos relativos a expressões da arquitectura doméstica". Este é um livro sobre as casas construídas desde o início de novecentos na região intermédia e pouco estudada da Alta Estremadura: as casas de trabalhadores rurais do concelho de Ourém (1900-1960) a que se juntaram as casas dos emigrantes em França nas freguesias de Espite e Urqueira (1970-2015) e a suas acomodações aos gostos e necessidades de um presente etnográfico multi-situado (1990-2015). Mas não só. O argu-mento central de Ana Saraiva é que a arquitectura popular constitui um "importante referente identitário em Portugal" que simultaneamente manifesta os investimentos económicos e simbólicos de famílias e indiví-duos particulares no espaço material e social da domesticidade, e reconfi-gura tanto quanto espelha a transformação das aldeias portuguesas ao longo do século XX e início do século XXI, marcadas por trânsitos físicos e virtuais entre o local e o transnacional, o rural e o urbano, o tradicional e o moderno.

Retomando o estudo dos etnógrafos sobre a arquitectura tradicional como instrumento de produção rural e a leitura funcionalista e estética dos arquitectos modernistas2, este livro questiona porém a imobilidade de uma arquitectura tradicional que, vista como anónima e autêntica, foi vinculada à construção de uma identidade nacional até aos anos 1970s. Recuperando as abordagens multidisciplinares dos anos 1980s às arqui-tecturas híbridas no espaço rural português3, o trabalho de Ana Saraiva vai contudo além das preocupações sociológicas e das interpretações

1 Sobre estas relações trabalharam João Leal (2000, 2009a, 2011a) e Pedro Prista (2014), citados neste livro.

2 Cf. Oliveira e Galhano 1994, Oliveira, Galhano e Pereira 1988 [1969], e AAP 2004 [1961], citados neste livro. Uma linha de pensamento similar é presente em trabalhos sobre outros contextos geográficos, e.g. Native Genius In Anonymous Architecture de Sibyl Moholy-Nagy (1957), Architecture Without Architects de Bernard Rudofsky (1964) ou House Form and Culture de Amos Rapoport (1969).

3 Cf. Villanova 2006, Villanova, Leite e Raposo 1996, Silvano e Coelho 1993, Cardoso 2008, Leite 1998, citados neste livro.

18 Ana Saraiva

simbólicas que marcaram um tempo atento à pluralidade e à estética, mas distraído das continuidades e das complexidades tecnológicas. Acompa-nhando as actuais inquietações ecológicas e patrimoniais com o vernacu-lar construído4, a par dos efeitos da recente crise europeia nos movimento migratórios, a autora afasta-se ainda de concepções nostálgicas do passa-do, para localizar nos campos um fenómeno transnacional.

Este livro fala assim de identidades e de casas, dos campos e da diás-pora, de passado e de presente, de habitabilidade e de consumos, de famílias e de profissões. Dando voz à multi-dimensionalidade das identi-dades e do espaço, Ana Saraiva realça a relação dialéctica entre objecto e sujeito nas figuras da casa e do seu proprietário, reaproximando antropo-logia e arquitectura num terreno que lhes é comum. Este é um aspectoque não poderia deixar de destacar, apesar da sua clareza ao longo da obra. Podemos reconhecê-lo no modo como materialidades e tecnologias tradicionais são descritas no quadro de redes de solidariedade social, de ciclos de produção agrícola ou questões de género e do quotidiano. Po-demos testemunhá-lo no registo cruzado de vidas profissionais e vidas familiares que informa as práticas construtivas e as práticas culturais de emigrantes portugueses entre França e Portugal. Ou mesmo confirmá-lo no modo como a análise de práticas construtivas e de representações de emigrantes hoje coloca sob o mesmo olhar analítico materialidades tão distintas como a construção de casas em França, o aportuguesamento de casas de emigrantes preexistentes e a reabilitação de antigas casas de trabalhadores rurais.

A singularidade do trabalho de Ana Saraiva está todavia no modo co-mo uma etnografia da construção tradicional, um debate sobre a relação entre globalização e hibridismo nos modos e formas de habitar, e uma análise de reapropriações contemporâneas de diferentes expressões da arquitectura popular, concorrem para a leitura diacrónica da relação entre indivíduo e casa no espaço rural. Em face de uma literatura que tem privilegiado o estudo separado da construção tradicional, da "casa do emigrante" e do património vernacular, a autora promete um olhar inte-grado, e por isso mais amplo, das casas (pós-)rurais que reanima o tema e lhe abre novas perspectivas. A referência feita ao vazio de estudos sobre as casas de emigrantes erguidas antes do 25 de Abril, por exemplo, é sugestiva de como a exuberância dos seus exemplares posteriores seduziu a academia e a opinião pública à crítica de novas relações entre indiví-duos e casas em espaço rural, mas atrapalhou o seu entendimento como

4 Cf. Silva 2009, 2014, Paulo e Calado 2008, AAVV 2005, citados neste livro. Uma linha de pensamento similar é presente em trabalhos sobre outros contextos geográficos. A este respeito, ver o trabalho de análise da literatura sobre o tema produzido por autores como Paul Oliver e Marcel Vellinga.

Casas (pós-)rurais entre 1900 e 2015 19

expressão das suas reconfigurações no tempo. Sem renunciar à natureza contextual dos fenómenos, o trabalho de Ana Saraiva convoca igualmente o seu carácter dinâmico para assim superar a contextualidade com que as suas manifestações têm vindo a ser pensadas.

Naturalmente que uma leitura sobre casas (re)construídas ao longo de mais de um século incorre em riscos. Tanto mais, considerando o com-passo próprio do âmbito doutoral da pesquisa de Ana Saraiva e os limites da sua publicação em livro. A escolha de manifestações ou discussões particulares em detrimento de outras é inevitável, mas não é gratuita. Basta pensar como uma história da relação entre indivíduos e campos desde início do século passado é instruída económica, social, cultural e politicamente, mas também revivida pelas memórias documentadas e orais, físicas e afectivas, do quotidiano e do banal de quem as viveu. É deste modo que a autora traz o tema para o presente etnográfico e, so-bretudo, constrói os vínculos entre os modos de vida e habitar tradicio-nais, emigrantes e contemporâneos que o estudo das arquitecturas em espaço rural tem várias vezes esquecido.

A amplitude temporal confere afinal densidade aos métodos compara-tivo e genealógico que Ana Saraiva adopta, na linha de Michel Foucault, para revelar as continuidades, rupturas e intermitências intrínsecas aos discursos e às práticas da arquitectura doméstica rural em Ourém constru-ída desde início de novecentos. Trata-se inclusive de uma dupla amplitu-de temporal, se considerarmos a imersão etnográfica e biográfica de Ana Saraiva no terreno. A autora vive e trabalha o contexto que estuda há 15anos, tendo desenvolvido uma pesquisa multi-situada que seguiu os itinerários emigrantes entre o concelho de Ourém e o Vale do Marne na periferia de Paris, entre Espite e Urqueira e Champigny-sur-Marne, num simultâneo extensive survey e intensive survey que documentou um corpus de mais de 100 objectos de estudo. Neste fôlego etnográfico, Ana Saraiva tece uma história da relação família-casa-campo nos últimos 115anos entre a ideia de casa como objecto portador de uma vida social, no sentido de Arjun Appadurai, e a ideia de geração como ciclo de vida que renova, contesta, ou reactiva modos de ser e de estar predecessores, no sentido de Anthony Giddens. Nesta história, Ana Saraiva não confirma apenas a casa como "metáfora de tensões e negociações dinâmicas entre diferentes modos de produção dos lugares". Evoca também a porosidade entre os conceitos de dádiva e troca, e a alteração da relação do indivíduo com o tempo, o espaço e o Outro, para questionar a demarcação da casa como espaço de produção e como espaço de consumo, e repensar a transformação das aldeias em lugares disjuntivos.

Ao longo da discussão, a autora dá protagonismo a duas figuras. Uma é o emigrante, que o livro mostra ser mediador dos processos de reconfi-guração do espaço rural, material e social, pois promotor singular de

20 Ana Saraiva

continuidades e rupturas nos modos de vida local, com significativa intervenção na sua cultura material mais visível – a casa. A outra é o pedreiro, personagem central e transversal da "biografia da casa (pós-)rural"que combina a influência dos artífices nas opções construtivas da casa rural, a negociação entre técnicas industriais e conhecimento artesanal em face de uma especialização profissional, e a hegemonia da construção civil como actividade económica dos emigrantes de Ourém. Novas pro-fissões e a descontinuidade da transmissão empírica do saber-fazer, a industrialização e a democratização, a higiene e o capital cultural, são alguns dos temas com que Ana Saraiva dá espessura a este argumento. Dando atenção aos fluxos migratórios e aos efeitos da crise de 2008 na zona Euro, particularmente na periferia sul, ao mesmo tempo que analisa os actuais processos de elitização e reconstrução do popular, a autora sugere uma alteração da mobilidade que, hoje física e virtual, tem efeitos num crescente multiculturalismo mas simultânea desertificação dos campos. Mostra assim, fechando o livro e não sem uma nota de preocu-pação, que a casa em espaço rural deixou de ser uma questão estética, para se tornar em uma questão económica, consequente no presente e no futuro das aldeias portuguesas.

Marta Lalanda PristaCentro em Rede de Investigação em Antropologia

(CRIA, FCSH/NOVA)