4
66 Abstract The misdiagnosis of a secondary ovarian tumor as a primary neoplasia has signiicant implications on surgical management, complementary treatment and prognosis. We report the case of a 40 year-old woman who presented abdominal pain due to the increase of the abdo- minal volume. The transvaginal ultrasound was compatible with the presence of a left adnexal mass. Tumor marker CA125 was elevated. Intraoperatively a left adnexal tumefaction of viscous aspect with multiple implants in the abdomen was evident, as well as an increased appendix, placing the hypothesis of two synchronous neoplasia. The frozen section examination of the left ovary was compatible with a mucinous borderline tumor. The histological examination of the surgical specimen (total hysterectomy, bilateral adnexectomy, omentectomy and apppendicectomy), with the support of the immunohistochemical study allowed the conclusion that in fact it was a mucinous adenocarcinoma of the appendix with pseudomyxoma peritonei and left ovarian metastasis. Keywords: pseudomyxoma peritonei; appendiceal mucinous adenocarcinoma Uncommon tumor mimicking primary ovarian neoplasia: a case report Tumor raro mimetizando neoplasia primária do ovário: caso clínico Isabel Pimentel*, Augusta Matos**, Luis Grangeia**, Isabel Macedo Pinto*** Clipóvoa, IMP Laboratório * Interna de Formação Especiica de Oncologia Médica, Hospital de S. João ** AHG, Clipóvoa *** Chefe de Serviço, IMP laboratório INTRODUÇÃO O ovário é um local frequente de metastização. Cerca de 7% das neoplasias reconhecidas como primárias do ovário são na verdade secundárias 1 . Os orgãos frequentemente responsáveis pelos tumores metastáticos do ovário são o estômago, cólon, apêndice, mama e útero, sendo o cólon o local primário mais preva- lente e com maior habilidade para simular tumor primitivo do ovário 1,2 . Estudos clinicopatológicos e de análise molecular vêm comprovar que nos doentes com neoplasias mucinosas do apêndice e do ovário, o tumor apendicular é quase invaria- velmente o primitivo e o ovárico secundário 3,4 . A sua apresentação síncrona, a alta frequência de bila- teralidade do tumor ovárico, a evidência de pseudomixoma Case Report/Caso Clínico Pimentel I, Matos A, Grangeia L, Pinto IM

Case Report/Caso Clínico - fspog.com · meses a anos após apendicectomia3,6. Uma proporção de casos não tem origem apendicular e ... coberto de muco. Neste caso, imagiologicamente

  • Upload
    vucong

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

66

Abstract

The misdiagnosis of a secondary ovarian tumor as a primary neoplasia has signiicant implications on surgical management, complementary treatment and prognosis.

We report the case of a 40 year-old woman who presented abdominal pain due to the increase of the abdo-minal volume. The transvaginal ultrasound was compatible with the presence of a left adnexal mass. Tumor marker CA125 was elevated.

Intraoperatively a left adnexal tumefaction of viscous aspect with multiple implants in the abdomen was evident, as well as an increased appendix, placing the hypothesis of two synchronous neoplasia.

The frozen section examination of the left ovary was compatible with a mucinous borderline tumor. The histological examination of the surgical specimen (total hysterectomy, bilateral adnexectomy, omentectomy and apppendicectomy), with the support of the immunohistochemical study allowed the conclusion that in fact it was a mucinous adenocarcinoma of the appendix with pseudomyxoma peritonei and left ovarian metastasis.

Keywords: pseudomyxoma peritonei; appendiceal mucinous adenocarcinoma

Uncommon tumor mimicking primary ovarian neoplasia: a case report

Tumor raro mimetizando neoplasia primária do ovário: caso clínico

Isabel Pimentel*, Augusta Matos**, Luis Grangeia**, Isabel Macedo Pinto***

Clipóvoa, IMP Laboratório

* Interna de Formação Especiica de Oncologia Médica, Hospital de S. João

** AHG, Clipóvoa*** Chefe de Serviço, IMP laboratório

INTRODUÇÃO

O ovário é um local frequente de metastização. Cerca de 7% das neoplasias reconhecidas como primárias do ovário são na verdade secundárias1.

Os orgãos frequentemente responsáveis pelos tumores

metastáticos do ovário são o estômago, cólon, apêndice, mama e útero, sendo o cólon o local primário mais preva-lente e com maior habilidade para simular tumor primitivo do ovário1,2.

Estudos clinicopatológicos e de análise molecular vêm comprovar que nos doentes com neoplasias mucinosas do apêndice e do ovário, o tumor apendicular é quase invaria-velmente o primitivo e o ovárico secundário3,4.

A sua apresentação síncrona, a alta frequência de bila-teralidade do tumor ovárico, a evidência de pseudomixoma

Case Report/Caso Clínico

Pimentel I, Matos A, Grangeia L, Pinto IM

67

Acta Obstet Ginecol Port 2013;7(1):66-69

peritoneal, a presença de implantes na superfície ovárica, o padrão histológico similar, o mesmo peril de imunohisto-química e a concordância da mutação c-ki-ras suportam a sua natureza clonal e portanto metastática3,5.

CASOS CLÍNICOS

Mulher de 40 anos, G1P1, sem antecedentes patológicos de relevo foi orientada pelo seu médico de família por sus-peita de neoplasia ovárica. As queixas de abdominalgia associada a aumento recente e progressivo do perímetro abdominal levaram-na a recorrer ao seu médico de família. Sem queixas de náuseas, vómitos ou alterações do trânsito intestinal e com vigilância ginecológica anual sem inter-corrências.

Ao exame objectivo era perceptível uma ascite de gran-de volume, não tensa, e uma massa pélvica de grandes dimensões. Na ecograia transvaginal observava-se uma tumefacção anexial esquerda com areas líquidas e sólidas medindo cerca de 12x9cm, sugestiva de neoplasia ovárica. O exame ao espéculo era normal.

Realizada Ressonância Magnética Abdomino-Pélvica em que se identiicou neoplasia ovárica em projecção su-prauterina com 10x7.5x12cm associada a implantes do omento e ascite de grande volume.

Os marcadores tumorais CA125 e CA19.9 estavam ele-vados, 81.2 e 57.6 respectivamente.

A doente foi imediatamente orientada para laporotomia exploradora com exame extemporâneo.

Intraoperatóriamente identiicava-se uma ascite de grande volume de aspecto mucinoso associada a numero-sos implantes no epíplon, cólon sigmóide, peritoneu vesi-cal e útero. Ovário esquerdo aumentado de volume e de aspecto quístico. Apêndice tumefacto de aspecto viscoso. Ovário direito sem alterações relevantes.

Foi enviada para exame extemporâneo peça de anexec-tomia esquerda, cujo resultado foi compatível com tumor mucinoso borderline .

A interpretação intraoperatória foi de tratar-se de duas neoplasias síncronas.

Realizada apendicectomia, histerectomia com anexec-tomia bilateral, exérese de implante da parede do sigmóide e omentectomia total.

O estudo imunohistoquímico para CK7 e CK20 foi idêntico no tumor apendicular, no epíplon e no tumor do ovário (Tabela I). Estes resultados são compatíveis com origem apendicular para as lesões tumorais observadas.

Conclusão do exame histológico: Adenocarcinoma mucinoso do apêndice de alto grau (Figura 1) com pseu-

domixoma peritoneal de alto grau e metástase do ovário esquerdo (Figura 2). Múltiplos implantes na serosa do cólon, serosa do corpo uterino e ligamento tubo-ovárico à esquerda e direita.

Figura 1: HE, 4x.Adenocarcinoma apendicular com distensão do lúmen, rotura da parede (seta) e crescimento sobre a serosa

Figura 2: HE, 4x.Ovário multicístico de conteúdo mucinoso e proliferação tumoral morfo-logicamente compatível com tumor mucinoso borderline

68

DISCUSSÃO

O adenocarcinoma mucinoso do apêndice é por si um tu-mor infrequente, que evoluindo pode levar à rotura da pa-rede e formação de implantes mucinosos na cavidade abdo-minal. A sua apresentação síncrona com o tumor ovárico, geralmente associado ao pseudomixoma peritoneal, não é de todo uma raridade e pode inclusivamente manifestar-se meses a anos após apendicectomia3,6.

Uma proporção de casos não tem origem apendicular e nessas situações o mais provável é estar associada a tumor primitivo do ovário7.

Clinicamente a sua apresentação é inespecíica, simu-lando uma neoplasia do ovário em estadio avançado8,9.

A TAC é considerada o melhor exame de imagem pré-operatório e de estadiamento, sendo que a suspeita diag-nóstica surge quase invariavelmente no momento intrao-peratório7.

Os achados comuns na laporotomia são o de uma as-cite mucinosa com múltiplos implantes peritoneais (pseu-domixoma peritoneal) associada a tumor ovárico bilateral, multicístico, de conteúdo viscoso e um apêndice dilatado coberto de muco. Neste caso, imagiologicamente e intrao-peratóriamente a tumefacção anexial era unilateral, corres-pondendo ao anexo esquerdo que morfologicamente simu-lava um tumor mucinoso borderline do ovário.

O diagnóstico é histológico e depende duma avaliação cuidadosa dos elementos microscópicos bem como do cri-terioso uso da imunohistoquímica, que foi provavelmente a chave para a correcta interpretação destes quadros, ante-riormente observados como neoplasias síncronas. O estudo

dirigido às citoqueratinas CK7 e CK20 deve por isso com-plementar o estudo histológico da peça1, 10.

Apesar de geralmente a doença estar coninada à cavida-de abdominal pode envolver a cavidade torácica por extensão diafragmática e produzir o chamado peseudomyxoma pleurii, razão pela qual a TAC deverá englobar o tórax6.

O tratamento com intenção curativa é a citorredução cirúrgica completa (ausência de doença macroscópica ou presença de implantes inferiores a 2mm) seguida de qui-mioterapia hipertérmica intra-peritoneal, sendo que a se-lecção do doente para esta abordagem complexa é prova-velmente a chave do sucesso terapêutico11,12,13,15.

De sublinhar que na presença de tumores de alto grau este procedimento não parece ser curativo12,15.

Os pacientes com doença avançada (doença metastática não coninada ao peritoneu) ou naqueles em que a citorre-dução cirúrgica não foi completa não parecem beneiciar deste tipo de tratamento, sendo a quimioterapia sistémica com o esquema FOLFOX4 uma opção12,14,15.

O tratamento destes casos raros ainda não está standar-dizado nem validado e o papel da quimioterapia ainda não está esclarecido, sendo necessário estudos randomizados que incluam marcadores de prognóstico de forma a identi-icar que subgrupo de pacientes tem benefício com deter-minado tratamento12.

A sobrevida é variável, dependendo do estadio da do-ença e do grau de diferenciação microscópica (alto grau ou baixo grau)6,16.

Os marcadores tumorais CEA, CA125 e CA19.9 têm aqui um papel prognóstico secundário apesar de alguns au-tores o apontarem como valor prognóstico independente7.

Tabela I - Peril de imunomarcação sobreponivel nas três amostras: expressão negativa para CK7 e difusamente positiva para CK20

Pimentel I, Matos A, Grangeia L, Pinto IM

69

A maioria das pacientes sofre recidiva apesar da ciurgia e dos tratamentos adjuvantes. No entanto a sobrevida ainda é superior quando comparada com outras formas de carci-nomatose peritoneal.

Concluindo, a destrinça entre tumor primário e secun-dário do ovário coloca-se como um dos maiores desaios do oncoginecologista, tendo em conta que uma larga per-centagem de casos tem uma apresentação clínica e morfo-lógica similar, como no caso descrito. O correcto diagnós-tico diferencial, relembrando a neoplasia apendicular, pode proporcionar um tratamento atempado e eiciente alterando assim a sobrevida da doente.

BIBLIOGRAFIA

1. Female Reproductive System. In: Surgical Pathology (ninth edition). Rosai and Ackerman`s. Mosby;2004: 1706-9

2. Yemelyanova AV, Vang R, Judson K, Wu LS, Ronnett BM. Distinc-tion of primary and metastatic mucinous tumors involving the ovary: analysis of size and laterality data by primary site with reevaluation of an algorithm for tumor classiication. Am J Surg Pathol. 2008 Jan;32(1):128-38

3. Cuatrecasas M, Matias-Guiu X, Prat J. Synchronous mucinous tumors of the appendix and the ovary associated with pseudomyxoma peri-tonei. A clinicopathologic study of six cases with comparative analy-sis of c-Ki-ras mutations. Am J Surg Pathol. 1996 Jun;20(6):739-46

4. Ronnett BM, Kurman RJ, Shmookler BM, Sugarbaker PH, Young RH. The morphologic spectrum of ovarian metastases of appendiceal adenocarcinomas: a clinicopathologic and immunohistochemical analysis of tumors often misinterpreted as primary ovarian tumors or metastatic tumors from other gastrointestinal sites. Am J Surg Pathol. 1997 Oct; 21(10):1144-55

5. Kenneth R. Lee. The pathology of surface epithelial-stromal tumours of the ovary. In: Diagnostic Gynecologic and Obstetric Pathology. Cristopher P. Crum and Kenneth R. Lee. Elsevier;2006:866

6. Gastrointestinal tract. In: Surgical Pathology (ninth edition). Rosai and Ackerman`s. Mosby;2004: 764-65

7. Bevan KE, Mohamed F, Moran BJ. Pseudomyxoma peritonei. World J Gastrointest Oncol. 2010 Jan 15;2(1):44-50

8. Gehrig PA, Boggess JF, Ollila DW, Groben PA, Van Le L. Appendix cancer mimicking ovarian cancer. Int J Gynecol Cancer. 2002 Nov-Dec;12(6):768-72

9. McBroom JW, Parker MF, Krivak TC, Rose GS, Crothers B. Primary appendiceal malignancy mimicking advanced stage ovarian carci-noma: a case series. Gynecol Oncol. 2000 Sep;78(3 Pt 1):388-90

10. Loy TS, Calaluce RD, Keeney GL. Cytokeratin immunostaining in differentiating primary ovarian carcinoma from metastatic colonic adenocarcinoma. Mod Pathol. 1996 Nov;9(11):1040-4

11. Gough DB, Donohue JH, Schutt AJ, Gonchoroff N, Goellner JR et al. Pseudomyxoma peritonei. Long-term patient survival with an ag-gressive regional approach. Ann Surg. 1994 Feb;219(2):112-9

12. Winder T, Lenz HJ. Mucinous adenocarcinomas with intra-ab-dominal dissemination: a review of current therapy. Oncologist. 2010;15(8):836-44.

13. Sugarbaker PH. Surgical treatment of peritoneal carcinomatosis: 1988 Du Pont lecture. Can J Surg. 1989 May;32(3):164-70

14. Chen CF, Huang CJ, Kang WY, Hsieh JS. Experience with adjuvant chemotherapy for pseudomyxoma peritonei secondary to mucinous adenocarcinoma of the appendix with oxaliplatin/luorouracil/leu-covorin (FOLFOX4). World J Surg Oncol. 2008 Nov 11;6:118

15. Sideris L, Mitchell A, Drolet P, Leblanc G, Leclerc YE et al. Sur-gical cytoreduction and intraperitoneal chemotherapy for perito-neal carcinomatosis arising from the appendix. Can J Surg. 2009 Apr;52(2):135-41

16. Carr N.J., Sobin L.H. Tumours of the appendix. In: Who Classiica-tion of Tumors of the Digestive System. (fourth edition). Bosman F.T., Carneiro F., Hruban R.H., Theise N.D. (Eds). IARC. Lyon, 2010:122-25

Acta Obstet Ginecol Port 2013;7(1):66-69