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BIOTICACLNICA REFLEXESEDISCUSSESSOBRECASOSSELECIONADOS
ResumoAo realizar uma operao, cirurgio percebe que a obstruo que
culminou no procedimento decorre de esquecimento de com-
pressa na cavidade abdominal de paciente, em cirurgia anterior. Limita-se
a jogar o corpo estranho no lixo, sem dizer nada. Ao recolher o material
desprezado, circulante de sala percebe que h onze compressas, sendo
que a operao comeara apenas com dez.
Exposio dos detalhesPaciente internado e rapidamente operado devido a quadro
de obstruo intestinal de causa indeterminada. Ao realizar o
procedimento, cirurgio encontra na cavidade abdominal uma compres-
sa cirrgica. Como j havia lido o pronturio do paciente, deduz que o
corpo estranho fora esquecido em operao anterior de extrao devescula, realizada por colega (e amigo) gastroenterologista.
Decide, ento, no revelar o fato a ningum nem ao paciente,
muito menos Comisso de tica Mdica da instituio ou diretoria
jogando a compressa no hamper. Para tomar tal deciso, pensa em algo
como at os mais hbeis e experimentados cirurgies reconhecem a
probabilidade desses acidentes... A estatstica demonstra que todos aque-
les que se dedicam, por anos a fio, a essa tarefa profissional incorrem
em tais acidentes, embora esporadicamente. Enfim, dificilmente um
bom cirurgio escapou desse dissabor.
Acobertamento
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Ao recolher o material desprezado durante a operao, circulante de sala
percebe a presena de onze, em vez de dez compressas cirrgicas, como seria
o esperado. Uma delas, nota, est mais escura e diferente das outras.
Ao comunicar ao mdico o que encontrou, deixa claro que o apoia-
ria em toda e qualquer atitude, no sentido de prolongar ou no aquela
histria. Porm, a outra atendente presente no concorda em acobertar e
traz a situao tona.
Eixo CentralAcobertamento de erro de colega
Perguntas-base:Voc revelaria a paciente erro de colega, j que
o doente fora submetido a uma cirurgia, em virtude deste erro?
Revelaria Comisso de tica Mdica (CEM) do hospital? Revela-
ria a ambos?
ArgumentosEm vrios artigos, o Cdigo de tica Mdica condena o ato
de acobertar um colega. Entre eles, pode-se citar o Art. 19, o
mdico deve ter, para com seus colegas, respeito, considerao e so-
lidariedade, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem
os postulados ticos Comisso de tica Mdica da instituio em
que exerce seu trabalho profissional e, se necessrio, ao ConselhoRegional de Medicina; Art. 79, vedado acobertar erro ou conduta
antitica de mdico.
De acordo com o Art. 46, vedado ao mdico efetuar qualquer
procedimento mdico sem o esclarecimento e o consentimento prvios
do paciente ou de seu responsvel legal, salvo em iminente perigo de
vida; Art. 59, deixar de informar ao paciente o diagnstico, o prognsti-
co, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicao
direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, neste caso, a comu-
nicao ser feita ao seu responsvel legal.
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Na opinio de Frana, o simples fato de haver esquecimento de
um corpo estranho num ato operatrio, por si s, no constitui, moral ou
penalmente, um fato imputvel, a menos que estas situaes se repitam
em relao a um determinado profissional, o que, por certo, viria a se
configurar em negligncia.
Para Frana, quando da avaliao do dano produzido por um ato
mdico, deve ficar claro, entre outros fatores, se o profissional agiu com
a cautela devida e, portanto, descaracterizada de precipitao,
inoportunismo ou insensatez.
Segundo ele, se reconhece que esses cuidados no dependemapenas do cirurgio e de sua habilidade, mas tambm, dos que par-
ticipam direta ou indiretamente do ato operatrio e inclusive do tipo
de material utilizado nessa forma de trabalho (Parecer Consulta 34.377/
92, Cremesp).
Por outro lado, tambm Frana, no captulo Erro Mdico, do livro
Iniciao Biotica, afirma fundamental que o paciente seja informa-
do pelo mdico sobre a necessidade de determinadas condutas ou inter-venes e sobre seus riscos e conseqncias.
Mesmo um eventual Termo de Consentimento no isentaria o
profissional de responsabilidade, caso se demonstre que ele atuou com
negligncia, imprudncia ou impercia. Esses elementos, que compem
o elemento subjetivo do crime culposo (havendo morte ou leses cor-
porais), implicaro a responsabilizao do mdico, no obstante o Ter-
mo de Consentimento possa ter sido claro, minucioso e abrangente.
Eixos SecundriosDireitos do paciente
Comunicao ao paciente
Erro mdico
Termo de consentimento livre e esclarecido
Acobertamento por membros da equipe nomdicos
Responsabilidade de cada membro dentro de uma equipe multidisciplinar
Pronturio
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Situaes que podero ser levantadasO esquecimento de um corpo estranho jamais pode ser con-
siderado como um erro mdico?
No indicar no pronturio o esquecimento de compressa em pro-
cedimento anterior significa conivncia?
E se, em vez de amigo, o gastroenterologista fosse um desafeto do
cirurgio? Seria tico revelar sua falha?
Se o paciente morresse, quem seria o responsvel?
Caso o mesmo mdico fosse o responsvel pela operao anterior,
a situao tica mudaria?
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DiscussoPor Rosany Pimenta
No dicionrio Aurlio, o ato de acobertar assume vrios signi-
ficados, como o de apadrinhar; proteger, favorecer, encobrir ou
dissimular.
Entre os mdicos, em geral, o acobertamento se traduz em acobertar
exerccio ilegal da Medicina e ms prticas de outros profissionais, alm
de ocultar informaes e figura entre os principais motivos de queixas
no Cremesp por infringncia ao que se espera de uma adequada conduta
tico-profissional.Em si, a prtica de acobertar equvocos da chefia, pares e at dos
diretamente envolvidos sempre existiu, no s na Medicina, como em
todas as profisses que, infelizmente, carregam o rano do corporativismo.
Apenas para se dar uma idia: havia uma tendncia clara ao paternalismo
no Cdigo de tica Mdica de 1929 (ento chamado de Cdigo de Moral
Mdica) que era absolutamente complacente ao acobertamento, quando,
em seu Art. 48 admitia que o chefe da equipe (consultor) teria a obrigaode atenuar o erro quando realmente houver e abster-se de juzos e insinua-
es capazes de afetar o crdito do mdico assistente e a confiana de que
fora objeto por parte do enfermo e de seus parentes.
Apesar de no ser claramente contemplada pelo mbito jurdico leia-
se, acobertar ou desempenhar atitudes corporativistas no aparecem
como crime no relatar erro de colega, em prejuzo do paciente, corresponde
a falta tica gravee que figura explicitamente de Cdigos de tica Mdica.No decorrer de mais de cinqenta anos embora insistindo sobre a
importncia da solidariedade entre os membros da profisso , a viso
sobre o assunto tem mudado. Em seu Art. 8, o Cdigo de tica Mdica
de 1953 lembra que mesmo solidariedade tem limites, quando traz: o
esprito de solidariedade no pode induzir o mdico a ser conivente com
o erro, ou deixar de combater os atos que infringem os postulados ticos
ou disposies legais que regem o exerccio profissional. No entanto, o
mesmo texto orienta: a crtica de tais erros ou atos no dever ser feita
em pblico ou na presena do doente ou de sua famlia.
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O Cdigo atual, no captulo VII, Art.79, que fala sobre Relaes En-
tre Mdicos, no poderia ser mais direto sobre o assunto: literalmente
veda ao mdico acobertar erro ou conduta antitica de colega.
Em nossa opinio, omitir-se perante situaes de equvoco ou erro
algo capaz de gerar uma seqncia de prejudicados, que se inicia pelo
prprio paciente: ele tem o direito de saber que foi submetido a um dano
ou risco por atos no peritos, imprudentes, negligentes, antiticos, ou
mesmo, aqueles erros considerados humanos.
Ainda que tenha assinado um Termo de Consentimento Esclarecido (pois
este no exclui responsabilidade do mdico sobre seu atendimento ou proce-dimento), o paciente tem a prerrogativa de fazer uso de sua prpria autonomia
para avaliar a situao em que foi envolvido e, se assim julgar, a possibilidade
de procurar seus direitos junto s instncias legais, como o Cremesp.
bom no se perder de vista que outro erro tico gravssimo est
aqui embutido: se acobertou, o mdico no anotou informaes tcnicas
pertinentes ao atendido no local destinado a isso: o pronturio. O Art. 69
do Cdigo de tica Mdica especifica que o mdico no pode deixar deelaborar pronturio mdico a cada paciente.
A prpria profisso mdica e, at mesmo, o exerccio da Medicina,
correm riscos devidos a prtica de acobertamento, j que esta gera um
clima de insegurana entre colegas e em relao equipe multidisciplinar
que os cerca: cria-se uma espcie de telhado de vidro entre eles.
H, ainda, o estmulo desconfiana por parte dos atendidos e da
sociedade, em especial, quando os erros acobertados vm tona.Sabemos que existem dificuldades em se revelar atitudes errneas ou
antiticas de colegas a instncias superiores e/ou aos pacientes. Situa-
es que envolvem hierarquia so as mais complicadas, bem como aque-
las que colocam frente a frente residentes e preceptores: em ambos os
casos, possvel que quem se sentir atingido lance mo de artifcios
escusos, como presso e assdio moral.
Para lidar com estes problemas, preciso manter sempre em mente
que os compromissos mais srios e indelveis dos mdicos referem-se
verdade e sua responsabilidade com a vida do seu paciente.
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Tanto residentes como mdicos com formao completa em alguma
especialidade devem respeitar seu dever de conscincia e jamais entrar em
esquemas: sua defesa parte do Cdigo de tica Mdica que, em seu Art.
85, probe ao mdico utilizar-se de sua posio hierrquica para impedir
que seus subordinados atuem dentro dos princpios ticos.
Se forem residentes, preciso deixar claro que a residncia mdica
constitui-se em modalidade de ensino de ps-graduao, caracterizada
por treinamento em servio, funcionando em instituio de sade, sob a
orientao de profissionais mdicos de elevada qualificao profissional.
Ou seja, mdicos residentes no devem assumir atribuies sem su-perviso, devendo estas ser realizadas somente se houver um preceptor
responsvel diretamente pelo seu treinamento. Qualquer erro em atendi-
mentos que quebre esse fundamento ter de ser compartilhado diga-se
de passagem, compartilhamento este estendido aos demais membros da
equipe, conforme a relao com as atribuies de cada profissional.
Apontados malefcios e dificuldades envolvendo o tema, vale desta-
car que existem mtodos preventivos ao acobertamento.O primeiro investir no comportamento tico dentro da Universidade,
Internato e/ou Residncia, para que os que se iniciam na carreira j cheguem
preparados e com valores de Justia e tica inseridos em sua formao.
Esta educao em servio serve, inclusive, para prevenir atuaes
prepotentes por parte de mdicos que se julgam acima de todas as regras
condutas estas que levam ao erro e, conseqentemente, possibilidade
do acobertamento.To (ou mais) importante empenharmos esforos em busca da
melhoria da relao mdicopaciente. Como qualquer ser humano, o
mdico passvel de erros: se no for negligente, imprudente ou imperi-
to, conseguir se fazer entender bem melhor pelo atendido, contanto que
ambos tenham estabelecido relao de cumplicidade, de confiana e
cordialidade.
Cremos que a revelao sobre o corpo estranho deveria ser feita, pelo
menos, em dois momentos. O primeiro envolve o pronturio: as mincias
dos procedimentos devem ser cuidadosas e completas, sem a omisso de
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pontos fundamentais como a descoberta de corpo estranho durante ato
operatrio. No menos importante a comunicao explcita ao paciente
sobre objeto esquecido em seu corpo, em ato mdico anterior.
Ou seja: no basta anotar tal ocorrncia no pronturio, mesmo que se
use o argumento de que se trata de documento que pertence ao paciente.
O teor completo do Art. 70 do Cdigo de tica Mdica veda ao mdico
Negar ao paciente acesso a seu pronturio mdico, ficha clnica ou simi-
lar, bem como deixar de dar explicaes necessrias sua compreenso,
salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros.
Eventualmente, seria de bom-tom, ainda, informar sobre o achadoao mdico que realizou o primeiro ato operatrio para que, se fosse o
caso, assumisse a tarefa de comunicar o erro ao paciente, juntamente
com o colega que encontrou o corpo estranho.
No caso em tela levantam-se questes complicadas e resultados va-
riveis. H quem defenda que um simples esquecimento de corpo estra-
nho durante operaes no se constitui moral e penalmente em fato im-
putvel, a menos que as situaes se repitam. Partindo-se deste princ-pio, se julgarmos que no houve erro, no houve acobertamento.
Ainda que se discorde de tal ponto de vista, o esquecimento da com-
pressa pode no ter sido resultado de mera displicncia por parte do
colega: suponhamos que se trate de cirurgia de urgncia, com sangramento
importante, em paciente obeso o erro no justificvel, mas pode ser
compreensvel, por conta de tais situaes adversas.
Portanto, antes de se julgar cada caso e avaliar se houve erro, ascircunstncias presentes devem ser avaliadas.
Sendo assim, a conduta do segundo cirurgio deve ser, a nosso ver, a
mais clara possvel, sem induzir ao entendimento de ter havido erro do
cirurgio que o antecedeu, mesmo porque desconhece as condies re-
ais daquela cirurgia. Antes mesmo de se imputar a existncia ou no de
erro mdico ao responsvel pela compressa remanescente, acredita-
mos que deva ser dada a ele chance de contacto com seu paciente, pois
a relao mdicopaciente bem construda ajudar no esclarecimento
de possveis acidentesque, nem sempre, configuram erro mdico.
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