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 Internacionalização das Micro e Pequenas Empresas Casos sobre internacionalização de empresas    S     É    R    I    E     M    E    R    C    A    D    O

Casos Sobre Internacionalizacao

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M E R C A D O

Internacionalizao das Micro e Pequenas EmpresasCasos sobre internacionalizao de empresas

S R I E

Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)Presidente do Conselho Deliberativo Nacional

Adelmir SantanaDiretor Presidente

Paulo Tarciso OkamottoDiretor Tcnico

Luiz Carlos BarbozaDiretor de Administrao e Finanas

Carlos Alberto dos SantosGerente da Unidade de Acesso a Mercados

Raissa RossiterCoordenao Tcnica Unidade de Acesso a Mercados

Luis Augusto Pacheco Johann Schneider

Apoio Fundao Centro de Estudos do Comrcio Exterior (Funcex)Diretor Geral

Ricardo Andrs MarkwaldEquipe Tcnica

Eduardo Augusto Guimares Galeno Ferraz Angela da Rocha Renato Cotta de Mello Joana Monteiro Alexandre Darze Carlos Assuno

Internacionalizao das Micro e Pequenas EmpresasCasos sobre internacionalizao de empresas

Um projeto realizado pelo Ncleo de Pesquisa em Internacionalizao de Empresas (NuPIn) do Instituto Coppead de Administrao da UFRJ para Funcex/Sebrae

Rio de Janeiro Outubro de 2006

Coordenadores: Profa. Angela da Rocha Prof. Renato Cotta de Mello

Internacionalizao das Micro e Pequenas EmpresasCasos sobre internacionalizao de empresas

Sumrio

1 INTRODUO 2 SOBRE O MTODO DO CASO EM ADMINISTRAO 2.1 Sugestes para Enquadramento dos Casos em cursos sobre gesto internacional e empreendedorismo internacional 3 CASO CONSTANA BASTO 3.1 A indstria brasileira de calados 3.2 O mercado internacional 3.3 Antecedentes 3.4 Os produtos 3.5 A concorrncia 3.6 As operaes no mercado americano 3.7 Perspectivas futuras 3.8 Orientao para Uso do Caso Constana Basto 4 CASO TRIKKE 4.1 Antecedentes 4.2 O mercado americano para produtos recreativos 4.3 O produto 4.4 A estratgia de entrada no mercado americano 4.5 A expanso no mercado americano 4.6 Novos produtos 4.7 Novos mercados 4.8 Perspectivas 4.9 Orientao para Uso do Caso Trikke 5 CASO CHAMMA DA AMAZNIA 5.1 A indstria de perfumaria, cosmticos e higiene pessoal 5.2 O mercado 5.3 A empresa 5.4 Franquia 5.5 Atuao internacional 5.6 Orientao para Uso do Caso Chamma da Amaznia 6 CASO IVIA 6.1 A indstria brasileira de software 6.2 A empresa 6.3 Produtos 6.4 O processo de internacionalizao 6.5 Aprendizado internacional 6.6 Apoio institucional 6.7 Perspectivas futuras 6.8 Orientao para Uso do Caso Ivia 7 BIBLIOGRAFIA ADICIONAL PARA CONSULTA

8 12 19 20 21 25 28 30 34 35 41 46 54 55 57 59 61 63 64 64 65 73 80 81 87 87 92 95 108 116 117 122 123 124 132 133 134 139 148

1 Introduo

Objetivo do trabalhoEsse trabalho teve por objetivo o desenvolvimento de quatro casos sobre processos de internacionalizao de micros, pequenas e mdias empresas brasileiras, de interesse para o Sebrae, de acordo com o projeto de pesquisa desenvolvido sob a coordenao da Fundao Centro de Estudos do Comrcio Exterior (Funcex).

Metodologia adotadaO mtodo de pesquisa utilizado foi o de estudo de casos. Esse mtodo utilizado quando se deseja relatar uma experincia empresarial em profundidade, com o propsito de: Utiliz-la como instrumento de ensino de gesto; Extrair lies que possam ser teis a outras organizaes que tenham de enfrentar problemas ou situaes similares. A elaborao dos casos passou pelas seguintes etapas: Seleo dos casos estudados, de comum acordo com o Sebrae e a Funcex; Coleta de material publicado, at mesmo proveniente de fontes secundrias, sites, artigos em jornal e revistas, associados aos casos estudados, de modo a ampliar o entendimento do problema em estudo; Elaborao de roteiro de entrevistas com os dirigentes da empresa ou organizao estudada; Realizao de entrevistas com os dirigentes das organizaes e executivos principais, tendo sido feitas sempre que possvel sua gravao e obteno de materiais internos da prpria organizao estudada; Transcrio das entrevistas;9

Elaborao do relatrio do caso seguindo a ordem cronolgica dos fatos, organizando-se as informaes por grandes temas;

Anlise do caso, elaborando-se notas para seu uso acadmico em programas de formao de empreendedores e treinamento de executivos.

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1 INTRODUO

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2 Sobre o mtodo do caso em AdministraoAngela da Rocha

O mtodo do caso vem sendo usado, no pas, desde a dcadade 1960,1 pelas principais escolas de negcios, como a Fundao Getlio Vargas (FGV) de So Paulo, pioneira em seu uso, o Instituto Coppead de Administrao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de so Paulo (USP). Essas escolas tm liderado, desde ento, a produo de casos de ensino no Brasil. A premissa bsica de que parte o mtodo do caso de que Administrao de Empresas no pode ser ensinada unicamente por meio de teorias, mas que necessrio proporcionar ao estudante, seja ele um executivo experimentado ou no, a oportunidade de discutir situaes reais de negcios e a elas aplicar as teorias e conhecimentos adquiridos. Desenvolvido pela Harvard Business School, dos EUA, o mtodo do caso difundiu-se em todos os importantes centros de ensino em Administrao no mundo.

O Que um CasoO caso uma situao real de negcios, vivida por uma empresa em determinado momento. O objetivo de um caso no , ento, dar exemplos, ou ilustrar prticas administrativas menos ou mais bem-sucedidas. O caso um veculo para a discusso de idias, conceitos e prticas gerenciais, com vistas, fundamentalmente, ao desenvolvimento de habilidades analticas e decisrias.13

Trata-se, portanto, de um relato, mais ou menos detalhado, de determinada situao empresarial. Em que difere, ento, um caso de um artigo de jornal? Em primeiro lugar, uma reportagem sobre uma empresa expressa a opinio do jornalista, ou do jornal, sobre aquela empresa. Um caso, no entanto, no traz a opinio de seus autores sobre o que fez a empresa. O caso apresentado sob a perspectiva da empresa, ou de observadores externos ela, no da perspectiva de quem o escreveu. Em segundo lugar, o caso atende a objetivos educacionais especcos. A seleo de temas , ento, resultante desse aspecto. A prpria forma de redigir determinada pela discusso que o caso dever proporcionar em sala de aula.

1 Esse texto foi originalmente publicado em: ROCHA, A.; MELLO, R. Marketing de servios. So Paulo. Atlas, 2000. Algumas modicaes foram introduzidas em relao ao texto original.

O caso tem base em uma situao real. Isso signica que os casos inventados so desconsiderados pelos adeptos do mtodo. Parte-se do pressuposto de que dicilmente o autor de um caso inventado teria suciente imaginao para lidar com todas as peculiaridades, toda a riqueza de detalhes, toda a variedade de aspectos que existem na vida real. Um caso inventado seria, assim, um substituto pobre da realidade. Um caso contm diferentes tipos de informao. Normalmente, apresenta dados relativos aos antecedentes da situao a ser analisada, tais como caractersticas da empresa e do setor, histrico da empresa e do problema a ser analisado. Em seguida, apresenta as questes especcas que levaram ao desenvolvimento do caso e que devem ser objeto de anlise, avaliao ou deciso. Alguns casos informam os resultados obtidos com determinadas decises, enquanto outros apenas colocam as decises a serem tomadas. As fontes que permitem a elaborao de um caso so mltiplas. O pesquisador, ao elaborar um caso, pode levar em conta informaes de carter documental, tais como aquelas obtidas em relatrios da empresa, notcias de jornal, artigos de revistas, relatrios setoriais etc. Pode, tambm, realizar entrevistas com executivos da empresa que tenham participado dos problemas e decises relatados no caso, ou com outras testemunhas da situao, ainda que externas empresa, tais como analistas nanceiros, estudiosos do setor etc.14

Um caso deve guardar a magia inerente aos processos decisrios administrativos. Deve, na medida do possvel, passar ao leitor os aspectos humanos envolvidos em tais processos. As decises empresariais no ocorrem no vazio, mas no contexto das emoes e das motivaes humanas.

2 SOBRE O MTODO DO CASO EM ADMINISTRAO

Como se aprende por meio de casosO mtodo do caso vem sendo utilizado h centenas de anos pelas reas do conhecimento humano em que as habilidades de diagnstico e prescrio so importantes, como o Direito e a Medicina. A Administrao de Empresas, saber ainda jovem, tratou de desenvolver um mtodo similar aos dessas disciplinas j estabelecidas.

A Administrao de Empresas , em sua essncia, um saber prtico. O idioma ingls cunhou um termo, practitioner, para designar aqueles que praticam esses saberes, ou seja, mdicos, advogados, administradores. A caracterstica principal desse tipo de conhecimento que os problemas de que trata no podem ser resolvidos pela aplicao direta de solues pr-existentes. Nenhuma seqncia de passos preestabelecida pode ser aplicada de forma a resolver cada problema que se apresenta. Isso se deve ao fato de que cada problema , essencialmente, nico, cada caso um caso. O practitioner dispe, ento, de um conjunto de princpios, conceitos, teorias e prticas aceitas em seu campo, que nunca se aplicam perfeitamente a um problema. De certa maneira, seu arsenal terico pode ser comparado s colees de dentaduras dos dentistas populares de Marrakech que as exibem em tendas, geralmente situadas em praas pblicas. Ao cliente que aparece, mandam abrir a boca e experimentar as dentaduras. Quando uma dentadura se encaixa perfeitamente, o povo nas ruas aplaude. O melhor dentista aquele que mais rapidamente identica a dentadura adequada a seu cliente. Isso, certamente, resultado, ao menos em parte, de sua maior experincia. (Admite-se que o talento pessoal tambm esteja em jogo). Bem, o mtodo do caso faz um pouco isso. Uma vez que se trata de um saber prtico, a experincia fundamental. E experincia adquire-se por meio da exposio repetida a situaes que, pela prpria natureza, so, cada uma, distintas das demais. O mtodo do caso prope-se a ser um acelerador da experincia que seria normalmente adquirida na vida real.15

O mtodo do caso faz isso de vrias formas. Em primeiro lugar, ele concentra um grande nmero de experincias em curto perodo de tempo. Segundo, ao analisar, digamos, dezenas ou at centenas de casos, o aprendiz expe-se a grande variedade de situaes, em empresas e setores diferentes. De modo algum poderia ele, em sua carreira, expor-se a tal amplitude de experincias como as que lhe so proporcionadas pelo uso intensivo do mtodo do caso em um programa de formao de gestores de longa durao. Terceiro, o mtodo do caso permite testar o raciocnio analtico e a tomada de decises em ambiente controlado. Na vida real, as decises tomadas pelos executivos implicam riscos, tanto para a empresa, quanto para o prprio executivo. Do

lado da empresa, decises equivocadas podem signicar perda de participao no mercado, perda de recursos ou at mesmo o m da prpria empresa. Do lado do executivo, erros podem signicar o comprometimento de sua carreira na empresa ou at mesmo fora dela. Assim, ao possibilitar o treinamento em tomada de deciso em ambiente de laboratrio (a sala de aula), o mtodo do caso elimina o risco prprio dos processos de aprendizagem experienciais. Quarto, o mtodo do caso permite ao executivo aprendiz treinar suas habilidades com a ajuda de outros. No s dispe ele do professor, que conduz a discusso, como de seus colegas, com os quais tem a oportunidade de trocar idias, debater e testar seus pontos de vista previamente. Embora essa troca possa ocorrer tambm na vida real das empresas, ela mais livre, menos competitiva e mais rica no ambiente do mtodo do caso. Isso deve-se ao descompromisso com resultados que caracteriza o mtodo, ao maior nmero de pessoas com que o executivo aprendiz interage em um programa de formao de executivos e ao fato de essas pessoas terem, normalmente, experincias e formao bastante diversicadas. O mtodo do caso treina, basicamente, o raciocnio indutivo, trabalhando do particular para o geral. Expondo-se a grande quantidade de casos prticos, o executivo aprendiz cria as prprias generalizaes, desenvolve sua capacidade associativa, aprende a trabalhar por contraste e comparao, tudo isso de acordo com um processo de descoberta caracterizado pelo rigor analtico.16

A preparao e anlise do casoPreparar um novo caso sempre um desao. De certa maneira, o estudante olha para aquele caso e se pergunta: o que ele me traz de novo? Serei capaz de encon2 SOBRE O MTODO DO CASO EM ADMINISTRAO

trar as pistas necessrias para a anlise do caso? As decises empresariais so permeadas por rudos, interferncias e distraes, que impedem uma viso clara e serena das circunstncias. A convivncia diria com a situao analisada, no entanto, diculta ao executivo examinar a situao com o distanciamento necessrio. Tudo isso pode estar retratado no caso, e o analista dever saber separar o joio do trigo, as pistas verdadeiras das falsas.

H, portanto, na anlise do caso, certo trabalho de detetive, no melhor estilo Sherlock Holmes. Saber separar o que relevante do que no , essa uma das habilidades necessrias a um bom executivo. Muitas informaes contidas no caso so desnecessrias ou apenas de carter ilustrativo. Porm, algumas dessas informaes so fundamentais para o entendimento da questo, para o diagnstico e para o prognstico. Todo caso contm dois tipos de elementos: os fatos e os juzos de valor. No estudo de um caso, deve-se ter sempre em mente que, como na realidade das empresas, determinadas informaes so fatos reais, enquanto outras so julgamentos que os executivos fazem a partir dos prprios vises, de suas percepes, de seu entendimento da realidade. Tais julgamentos podem ser mais ou menos acurados. Esses juzos de valor so, porm, muito importantes, e tm, normalmente, papel decisivo nos processos gerenciais. necessrio, entretanto, identic-los pelo que so. Isso signica reconhecer seu carter subjetivo, adotando uma postura crtica quanto a sua validade ou no. Recomenda-se, em geral, que se faam vrias leituras de um caso. A primeira leitura teria como objetivo tomar conhecimento do assunto que est sendo tratado. Na segunda leitura, procura-se identicar quais os fatos relevantes, assinalando-os no texto. Finalmente, em uma terceira leitura, j se realiza a anlise do caso, que pode consistir de uma ou vrias das seguintes etapas: Anlise da situao e identicao do(s) problema(s);17

Determinao dos critrios a serem utilizados na anlise do problema; Levantamento das alternativas existentes; Identicao dos aspectos positivos e negativos de cada alternativa; Recomendao de um curso de ao.

Aps a preparao individual do caso, aconselhvel que os participantes se renam em pequenos grupos, de seis a sete pessoas, para discusso prvia que ser feita em sala de aula. Essa etapa tem por objetivo permitir a cada um testar seus pontos de vista antes de participar da discusso em plenrio.

A discusso de casosO participante vai para a sesso em que o caso ser discutido como um executivo vai para uma reunio gerencial. O caso um dossi, que apresenta as informaes existentes na empresa em determinado momento, consideradas relevantes para a tomada de decises sobre certo tema. Como quando vai para a reunio, o participante deve preparar-se cuidadosamente, dominar os fatos contidos no dossi, preparar sua argumentao e suas sugestes. A reunio, vivida no ambiente da sala de aula, assemelha-se, em muitos aspectos, ao que ocorre na vida real das empresas. Todos os participantes devem estar devidamente preparados e devem ter a oportunidade de expressar seus pontos de vista, que sero, pelo menos em alguns aspectos, conitantes. feita uma reviso das aes j empreendidas pela empresa e avalia-se o acerto, coerncia e consistncia dessas decises. Desenham-se, no decorrer da discusso, vrios cursos de ao, que devem ser examinados cuidadosamente, avaliando-se seus pontos positivos e negativos. Ao m da reunio, se possvel, chega-se a uma deciso, que pode ser, ou no, de consenso. O professor, no mtodo do caso, atua como moderador da discusso em sala de aula. Cabe-lhe organizar o debate de tal forma que todos os que o desejarem tenham a oportunidade de expressar seus pontos de vista, dar suas opinies, colocar questes relevantes para discusso. Deve, ainda, ter em18

mente os objetivos educacionais a serem atingidos por meio do caso, de modo a no permitir que debates excessivos ou sobre temas perifricos tomem a maior parte do tempo reservado para a discusso em sala de aula. Para poder conduzir uma discusso de casos com eccia, o professor deve conhecer profundamente o caso e haver dominado os fatos e dados nele contidos. Como bom condutor de reunies, deve manter o debate aceso, mas conduzi-lo com rmeza, mantendo-o produtivo. Suas opinies no devem, em momento algum, dominar. Muito ao contrrio, deve evitar inuenciar, a partir de sua posio, as dos participantes. Em certos aspectos, o professor exerce papel semelhante ao de Scrates, nos famosos Dilogos de Plato. O professor deve conduzir os participantes por meio de perguntas bem formuladas, que convidem ao raciocnio analtico e guiem a

2 SOBRE O MTODO DO CASO EM ADMINISTRAO

discusso, mas no restrinjam o pensamento especulativo. Tais perguntas devem ser provocativas e no autoritrias.

De volta magia dos casosO mtodo do caso , ento, o mtodo por excelncia da disciplina da Administrao. Ele permite recriar em sala de aula o ambiente em que ocorrem as decises nas empresas. Sua plasticidade enorme, por ser capaz de lidar com as mais variadas situaes de aprendizagem. Por ser um mtodo de aprendizado que trabalha por meio da descoberta, capaz de criar um clima de motivao e excitao entre os participantes, tornando extremamente prazeirosa a aventura de aprender. Quando adequadamente conduzido pelo professor e devidamente preparado pelos participantes, um bom caso pode ser uma experincia memorvel em sala de aula.

2.1

Sugesto para enquadramento dos casos em cursos sobre gesto internacional e empreendedorismo internacional

Os casos desenvolvidos para esse trabalho podem ser utilizados em programas de treinamento de diferentes formas. As sugestes seguintes referem-se insero que consideramos mais adequada em programas dessa natureza.19Temas Incio da ao internacional Exportaes vs franquias Foco no mercado domstico vs mercado internacional Estratgia de atuao no mercado americano Loja vs showroom Foco no mercado domstico vs mercado internacional Segmentos globais Expanso internacional em servios Parcerias Estratgia para o mercado domstico vs mercado internacional Born global Estratgia para criar uma empresa global Distribuidores vs escritrios prprios Segmentos globais Ciclo de vida do produto Born global Caso

Chamma da Amaznia

Constana Basto

Ivia

Trikke

3 Caso Constana Basto

Em dezembro de 2002, Constana Basto,2 jovem empresriabrasileira, abriu sua primeira loja no exterior no West Village, em Nova Iorque e, logo em seguida, uma boutique na famosa loja de departamentos Henri Bendel, localizada na Fifth Avenue, na mesma cidade. Constana, comercializando calados de luxo fabricados no Brasil sob sua marca, iniciava uma trajetria internacional que a faria se tornar uma estilista de calados bem-sucedida no difcil e exigente mercado americano. Seu sucesso nos Estados Unidos pode ser medido pelas lojas que vendiam seus calados em 2006 e que se encontravam espalhadas pelos estados de Washington, Califrnia, Texas, Gergia, Flrida, Illinois, New Jersey, alm de Nova Iorque. Esse caso relata a saga de Constana Basto para levar ao mercado americano calados brasileiros de luxo, vendidos sob sua marca.

3.1

A indstria brasileira de calados

A indstria brasileira de calados era constituda, em 2006, por mais de 8.400 empresas, empregando cerca de 313 mil trabalhadores, com uma produo em 2005 estimada em 725 milhes de pares ao ano, dos quais, aproximadamente, 190 milhes eram exportados. Os dois principais plos produtivos eram o do Vale dos Sinos, no Estado do Rio Grande do Sul, especializado em calados femininos, e o de Franca, no Estado de So Paulo, cuja produo era voltada predominantemente para calados masculinos, mas novos plos vinham apresentando forte crescimento no Nordeste (Cear, Bahia e Pernambuco) e nos Estados de So Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. Uma ampla e desenvolvida cadeia de suprimentos atendia o setor, sendo constituda por mais de 1.500 fabricantes de componentes, mais de 400 empresas especializadas em curtimento e acabamento do couro e mais de 100 fabricantes de mquinas e equipamentos para a indstria.21

2 Esse caso foi preparado por Angela da Rocha e Renato Cotta de Mello, do Instituto Coppead de Administrao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discusso em sala de aula.

Em 2004, o Brasil era o terceiro produtor mundial, o quinto maior exportador e o quinto maior mercado consumidor de calados no mundo, enquanto a China ocupava o primeiro lugar nas trs categorias.

Evoluo da indstriaAs origens da indstria caladista no Brasil remontam vinda de imigrantes europeus, principalmente alemes, que trouxeram consigo tcnicas artesanais de produo de calados. A primeira indstria de calados foi fundada no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, por descendentes de imigrantes. Registram-se os primeiros avanos tecnolgicos ainda ao m do sculo XIX, quando novas tecnologias oriundas da Europa permitem a passagem de um sistema artesanal para um sistema industrial de produo. Embora a principal forma de organizao da indstria tenha sido por meio de clusters produtivos, salientando-se, em particular, o do Vale dos Sinos (RS) e o de Franca (SP), produtores independentes estabeleceram-se em diversas regies do Brasil, atendendo a demandas locais. A indstria expandiu-se nas dcadas de 1960 e 1970, graas, em grande parte, s exportaes. As exportaes brasileiras haviam sido estimuladas por diculdades no atendimento demanda internacional por parte de grandes produtores internacionais, como a Frana e a Alemanha, fazendo com que agentes de compra22

de grandes atacadistas e varejistas dos EUA buscassem o Brasil como alternativa para suprir o mercado americano. Esses compradores trouxeram consigo knowhow de produo, que foi absorvido pela cadeia produtiva domstica. Trouxeram ainda as especicaes do mercado americano, estilos, modelos e caractersticas desejadas nos calados a serem exportados. Acompanhavam os pedidos e realizavam inspees de qualidade nas fbricas, e eram, ainda, responsveis pelo despacho fsico das mercadorias e pela colocao dos produtos em pontos de

3 CASO CONSTANA BASTO

venda no mercado americano. A expanso das exportaes foi acompanhada pelo crescimento do mercado interno, possibilitando ao setor atingir novos patamares de produo. Novas tecnologias foram incorporadas, tais como aquelas necessrias produo de calados para a prtica de esportes e de calados de plstico.

Na dcada de 1990, as empresas do setor passaram a enfrentar a concorrncia de produtos provenientes de pases asiticos, em particular a China. O mesmo processo de transferncia de tecnologia realizado por agentes de compra internacionais no Brasil ocorreu nesses pases, possibilitando a produtores locais adquirirem rapidamente o know-how necessrio produo de calados de padro compatvel com as exigncias do grande mercado americano. A atratividade do suprimento asitico, para os grandes compradores internacionais, derivava do baixo custo da mo-deobra, bastante inferior ao do Brasil. Inicialmente, os calados asiticos competiam na faixa mais baixa de preo e qualidade, atendendo ao mercado popular, mas j era clara a tendncia de ascenso para o segmento mdio do mercado. A competitividade chinesa explicava-se pela disponibilidade de imensa reserva de trabalhadores dispostos a trabalhar por salrios mais baixos que aqueles pagos pela indstria caladista em qualquer outra parte do mundo, at mesmo o Brasil, alm de incentivos e subsdios governamentais sob vrias formas, e cmbio favorvel. Alm disso, a China vinha se esforando para adquirir tecnologia e know-how necessrios melhoria da qualidade de seus produtos. Por exemplo, estimava-se que mais de mil tcnicos brasileiros provenientes da indstria caladista houvessem ido trabalhar na China, com salrios em dlares trs vezes superiores aos que recebiam no Brasil.3 Em resposta ao desao chins, a indstria brasileira procurou reduzir seus custos de produo, iniciando-se um movimento de migrao da produo para o Nordeste do Brasil, em busca de mo-de-obra mais barata, beneciando-se ainda de incentivos oferecidos por governos locais. Alm disso, a proximidade do Nordeste em relao ao mercado americano permitia reduo signicativa dos custos de transporte. Como resultado desse deslocamento geogrco da indstria, novos plos produtivos signicativos desenvolveram-se nos Estados de Cear, Bahia e Pernambuco. Apesar da concorrncia internacional, a indstria aumentou sua produo em 38% entre 1993 e 2005.4 Os Anexos 1, 2 e 3 apresentam dados selecionados relativos evoluo da indstria caladista brasileira.23

3 4

Informe Setorial BNDES, no 1, julho de 2006. Ibidem.

Situao atualA partir de 2005, a apreciao da moeda brasileira em relao ao dlar, associada concorrncia dos pases asiticos, particularmente da China, teve impacto bastante negativo sobre o setor, levando a uma reduo em 5% da produo, como resultado de um declnio de 11% no volume exportado, equivalendo a menos 23 milhes de pares em relao a 2004. No entanto, apesar da queda signicativa no volume exportado, houve um aumento de 4% no valor exportado naquele ano, o que pode ser interpretado como uma mudana no mix de produtos, privilegiando produtos de maior valor agregado. Uma interpretao menos otimista seria a de que as empresas que produziam produtos mais baratos tivessem tido diculdades para exportar, sendo alijadas do comrcio exterior, ou simplesmente foradas a encerrar suas atividades. As estratgias utilizadas pelas empresas no setor caladista brasileiro para enfrentar a crise gerada pela competio chinesa combinada valorizao do real foram diversas. Algumas grandes empresas deslocaram sua produo para o Nordeste do Brasil, em busca de salrios mais baixos. Ao faz-lo, foram seguidas por outros componentes da cadeia produtiva, de tal forma que novos plos se formaram, ou se desenvolveram, atraindo empresas menores que no disporiam de recursos para se deslocar caso j no houvesse uma infra-estrutura disponvel. Outras grandes empresas como a Azalia, que produzia calados esportivos sob a marca Olympikus, passaram a terceirizar parte de sua produo a empresas chinesas24

para a fabricao de produtos a serem exportados,5 utilizando estratgia similar da Nike, uma das principais marcas de calados esportivos do mundo. Alm de melhorias de competitividade originrias da racionalizao da produo e de avanos tecnolgicos, deu-se incio a esforos para desenvolvimento de design prprio. Um relatrio do governo do Estado de So Paulo indicava os investimentos em design como fundamentais para a diferenciao do produto brasileiro,

3 CASO CONSTANA BASTO

armando que o futuro da insero internacional da indstria caladista brasileira est em grande parte vinculado capacidade dos produtores de diferenciar produto, o que exige investimentos em desenvolvimento de produto e design.6

5 6

Ibidem. Disponvel em: . Acesso em out. 2006.

O relatrio indicava ainda que a instalao de agentes de compra nos dois principais plos caladistas ao criar um importante canal de comercializao, principalmente para as empresas de pequeno e mdio porte gerara fortes dependncias desse canal para a exportao de seus produtos. Essa presena teria gerado um forte entrave para o desenvolvimento das atividades de marketing, criando uma situao de total dependncia, uma vez que esses agentes impunham aos fabricantes os prprios modelos. Em razo disso, prosseguia o relatrio, ocorria uma reduo das margens de comercializao obtidas pelos fabricantes, uma vez que os agentes se apropriavam dos lucros obtidos no mercado internacional, sobre os quais os produtores no exerciam qualquer inuncia. No entanto, alguns esforos de marketing vinham sendo realizados no exterior. Os fabricantes brasileiros aumentaram sua participao em feiras internacionais do setor, principalmente a GDS, na Alemanha, a MICAM, na Itlia, e a de Las Vegas, nos EUA. Na Amrica Latina foram promovidos showrooms nos principais mercados consumidores, tais como Argentina, Venezuela, Chile e Colmbia.7

3.2

O mercado internacional

Em 2005, os calados brasileiros eram exportados para mais de 100 pases. Os principais mercados de destino das exportaes brasileiras em 2005 foram os EUA, com 50,2% do total exportado, seguidos pelo Reino Unido (9,5%), Argentina (6%), Mxico (3,1%), Espanha (2,8%), Canad (2,7%) e Itlia (2,1%). Apesar de a parcela dominante das exportaes brasileiras se dirigir aos EUA, esse percentual vinha decrescendo (Tabela 1).25

7

Resenha estatstica. Abicalados, 2006.

Tabela 1

Exportaes brasileiras de calados para os EUA 1998-2005

Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Volume (em milhes de pares) 82 86 99 98 103 104 98 75

Valor (em US$ milhes) 914 876 1079 1104 1023 995 1025 946

% das exportaes brasileiras de calados 68,8 68,6 69,7 68,3 70,6 64,2 56,6 50,2

Preo mdio US$ 11,10 10,20 10,89 11,26 9,98 9,58 10,50 12,60

Fonte: Abicalados.

O mercado americanoOs EUA eram o segundo maior mercado mundial para calados, excedidos apenas pela China. No entanto, dado que a China supria o prprio consumo, os EUA constituam-se no maior importador mundial do produto, com um mercado estimado em 2.130 milhes de pares em 2004, dos quais 2.124 milhes foram importados naquele mesmo ano. A China era o principal exportador para os EUA, seguindo-se o Brasil, em milhes de pares. No entanto, a Itlia havia-se mantido como o segundo maior exportador para os EUA por valor exportado (Anexo 4). Em torno de 90% dos calados exportados para os EUA eram de couro, enquanto os outros 10% eram de tecido ou borracha.26

O preo mdio dos calados exportados pela Itlia vinha crescendo acentuadamente nos ltimos anos, dando a esse pas a liderana no segmento de calados de preo superior, enquanto a China liderava no segmento de baixo preo (Anexo 5). Por sua vez, a Espanha situava-se na faixa de preos altos, um pouco abaixo da Itlia, seguindo-se o Brasil, na faixa de preos intermedirios, acompanhado de perto por Vietnam, Indonsia e Tailndia. Os preos mdios das exportaes de3 CASO CONSTANA BASTO

calados brasileiros tambm vinham apresentando uma tendncia ascendente: de US$7,89 em 1980, haviam subido para $8,34 em 1990 e atingido $10,92 em 2004 e $13,66 em 2005. No segmento de preos mais elevados, em que liderava a Itlia, preo no era um fator importante na escolha do consumidor, sendo mais importantes qualidade,

estilo e design. A marca tambm assumia importncia nesse segmento, mas com duas vertentes: de um lado, a marca do estilista, ou a marca de um varejista sosticado; de outro, o made in, ou seja, a marca do pas de origem. As empresas que atuavam nesse segmento procuravam manter em seus pases de origem o desenvolvimento de novos produtos e o design, alm de se preocuparem com o controle do marketing internacional de seus produtos. Em muitos casos, terceirizavam parte de sua produo a empresas de pases menos desenvolvidos, como, por exemplo, Tailndia e Indonsia. No segmento de preos intermedirios, a marca no desempenhava papel relevante no processo de escolha do consumidor. Nesse caso, o produto era oferecido pelo varejo especializado ou por lojas de departamento sob marca prpria, ou mesmo quando a marca do fabricante era mantida, essa era desconhecida para o consumidor, no exercendo inuncia sobre seu processo decisrio de compra. Era a reputao da empresa varejista que garantia a qualidade do produto. Alm desse fator, os consumidores escolhiam o produto por seus atributos tangveis, como qualidade percebida, ajuste, estilo e preo. Nesse segmento disputavam empresas de pases como Brasil, Tailndia, Vietn, Indonsia e Portugal, embora alguns fabricantes de calados chineses tambm atuassem no segmento. Finalmente, no segmento de preos mais baixos, o preo era um fator fundamental no processo decisrio do consumidor. Tais produtos eram tipicamente vendidos por varejistas de massa e atingiam o grande mercado consumidor. O segmento era dominado pelos calados chineses, com a presena de produtos de Taiwan e Hong Kong.27

O segmento de luxoO segmento para produtos de luxo apresentava algumas caractersticas peculiares. A principal delas era o fato de ser formado por consumidores cosmopolitas. Os gostos e preferncias desses consumidores tendiam a ser homogneos, de tal modo que as mesmas marcas eram usadas pelos consumidores de alta renda em diferentes pases do mundo. A distribuio de produtos de luxo se fazia por meio de canais restritos. A marca assumia papel fundamental na deciso de compra,

sendo smbolo de status e distinguindo seu portador. Sua desejabilidade era, em grande parte, resultado da exclusividade e da escassez. O consumo sistemtico de produtos de luxo era realizado pela classe de renda mais alta da populao, o chamado topo da pirmide. Segundo estimativas, havia 2,5 milhes de pessoas com investimentos nanceiros superiores a um milho de dlares nos Estados Unidos, 760 mil na Alemanha, 300 mil na China e 98 mil no Brasil,8 em 2005. Nos EUA, ainda era possvel segmentar o topo da pirmide, dividindo esse grupo entre ricos e muito ricos. O ltimo grupo foi descrito como tendo idade mdia de 55 anos e sendo parte da gerao dos baby boomers.9 Havia maior delidade marca nos segmentos de luxo que nos demais segmentos do mercado. As marcas mais importantes nesse segmento, em 2006, eram Louis Vuitton, Richemont, Prada e Gucci. Essas marcas lideravam o mercado de produtos de luxo, e eram, na verdade, grandes grupos multimarcas. A Gucci, por exemplo, era proprietria das marcas Yves Saint Laurent, Boucheron, Alexander McQueen, Bottega Veneta, Di Modolo e Balenciaga, entre outras. Assistia-se a um processo de consolidao das marcas de luxo sob a gide de grandes holdings mundiais. Essas marcas eram aplicadas a produtos os mais diversos, a que transmitiam o fascnio do luxo.

28

3.3

Antecedentes

Nascida em outubro de 1977, na cidade do Rio de Janeiro, Constana Basto percebeu a importncia da moda, da arte e do estilo pessoal por meio dos ensinamentos de seus familiares, principalmente de sua me e de sua av. De famlia abastada, Constana foi educada na Escola Sua, e alfabetizada em alemo.3 CASO CONSTANA BASTO

Alm desses idiomas, aprendeu ainda ingls, francs e italiano em cursos realizados no exterior durante as frias escolares.

8 Estima-se que o mercado de luxo no Brasil movimente cerca de 2,5 bilhes de reais, com um crescimento de 35% nos ltimos sete anos. 9 BLECHER, H. Em busca da verdadeira classe A. Exame, 15.02.2006, p. 90-91.

Seu interesse por calados, em particular, comeou quando tinha 15 anos. Freqentando o armrio de sua me, Constana comeou a criar os prprios modelos de sapatos, utilizando os materiais que estavam sua disposio no momento. Uma de suas principais motivaes foi no se adaptar bem aos calados existentes no mercado, que a incomodavam, por ter os ps chatos e muito sensveis. Ela desenhava os modelos e pedia a um sapateiro que atendia famlia que os executasse. Com o passar do tempo, Constana comeou a desenhar e mandar executar calados femininos para seus familiares e pessoas amigas.10 Sua ligao com a moda teve outras manifestaes. Quando freqentava a Escola de Comunicao na Universidade, ela foi produtora de um programa de moda, veiculado no canal a cabo GNT, intitulado GNT Fashion, e criou uma coluna em um site direcionado para moda. Constana conheceu Marcos Lima, estudante de Direito, na mesma Universidade em que realizou seus estudos. A partir da, surgiu o projeto de criar uma grife de roupas, e os dois se tornaram scios na empreitada, vendendo seus produtos na Babilnia Feira Hype, uma feira de roupas e acessrios na Zona Sul do Rio de Janeiro. A partir de 1997, j casados, criaram a Imelda Calados.11 A primeira coleo lanada, composta de 76 pares de oito modelos, foi terceirizada a uma empresa do plo caladista do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Para vend-la, Constana recorreu a contatos e amizades de sua me, que freqentava a sociedade carioca. Seus modelos comearam a aparecer ento nos ps das socialites brasileiras. Os sapatos vendidos eram modelos para festas, algo que no existia no Brasil at ento. As consumidoras de alta renda eram foradas a mandar fazer os produtos sob medida, comprar fora do Brasil, ou comprar produtos importados vendidos em butiques de luxo. Constana Basto inovou ao produzir no Brasil calados para festas que atendiam s exigncias do gosto mais requintado. O processo de venda inicialmente era feito diretamente por Constana, que levava as caixas de sapatos em seu carro at a casa de suas clientes. J em 1998,29

10 Disponvel em: . Acesso em: out.2006. 11 Segundo declaraes de Constana Basto em uma entrevista, o nome Imelda era uma brincadeira com a mulher do ex-ditador lipino Ferdinando Marcos, conhecida por sua grande coleo de sapatos Disponvel em: . Acesso em set.2006.

Constana abriu a primeira loja prpria, localizada no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, sob a marca Constana Basto. A loja era muito pequena, com apenas seis metros quadrados e situava-se em uma galeria. O pai de Constana, Paulino Basto, foi o responsvel pela decorao da loja, cujo resultado nal foi descrito como um romntico clima de boudoir, com um lustre de cristal, espelhos e um tecido de listras, que virou marca da grife.12 A Imelda Calados era uma empresa familiar. Enquanto Constana dedicava-se criao dos produtos, seu marido, Marcos Lima, era o diretor executivo da empresa, concentrando as atividades de operaes, marketing, nanas e planejamento estratgico. Trabalhavam ainda na empresa a me de Constana, Fernanda Basto, como Relaes Pblicas, e sua irm, Georgiana, como supervisora das lojas da grife. Constana e Marcos viajavam, contando, em 2006, com a colaborao de cerca de 60 funcionrios13 no Brasil que conduziam o dia-a-dia de suas empresas, em mdia, cinco vezes por ano para o exterior, tendo como destino prioritrio os Estados Unidos e, em segundo lugar, a Itlia, em uma proporo de 3 para 1. Em sua grande maioria, as viagens do casal eram a negcios, para observar as tendncias de mercado.

3.430

Os produtos

Os produtos comercializados pela empresa dirigiam-se aos segmentos mais nobres do mercado. No Brasil, a empresa comercializava duas marcas: Constana Basto e Peach by Constana Basto. A marca Constana Basto estava dirigida ao segmento de luxo, sendo vendida a3 CASO CONSTANA BASTO

preos premium. A segunda marca surgiu a partir da constatao de que haveria pouco espao para o crescimento da marca Constana Basto no Brasil, por serem seus produtos voltados para o segmento de classe A da populao: o preo m12 Disponvel em: . Acesso em set. 2006. 13 Os colaboradores estavam assim distribudos: 32 nas lojas, 13 na administrao, 5 em estilo e design, 1 no controle da produo, 3 no setor de atacado e 3 na rea de franquia.

dio de um par de sapatos feminino situava-se em torno de R$ 660,00, mas os modelos mais sosticados aproximavam-se de R$ 2.000,00. J os produtos com a marca Peach foram lanados a um preo mdio de R$ 220,00, planejando-se reduzir esse valor para R$ 198,00 at maro de 2007. A marca Constana Basto lanava duas colees de calados por ano e mais uma coleo Alto Vero, com cinco linhas de produtos em cada coleo, o que representava um total de 15 novas linhas de calados por ano. J a marca Peach oferecia 25 novas linhas lanadas em cinco colees por ano. A linha inclua vrios tipos de calados, como os scarpins, chanis, sandlias, espadrilles, ats, sapatilhas e chinelos, alm de bolsas e acessrios. A linha Peach foi concebida tendo como alvo principal as jovens de classe A e B, para uso no trabalho e em ocasies informais. Em setembro de 2006 os produtos da Peach eram vendidos em duas lojas prprias na cidade do Rio de Janeiro. A estratgia de expanso era por meio de franquia, contrariamente adotada para a linha Constana Basto, que utilizava apenas lojas prprias. A perspectiva da Marcos Lima era abrir mais uma loja ainda em 2006, estando em negociaes para abrir franquias em So Paulo, Florianpolis e Cuiab. Marcos Lima, referindo-se ao posicionamento da linha Peach no mercado brasileiro, observou:A Peach um projeto nosso de 60 lojas14 no Brasil. Ela continua sendo uma marca de calados sosticada. Esse preo mdio de R$ 220,00 continua sendo um passinho frente dos nossos concorrentes hoje.31

A empresa exportava os produtos de ambas as marcas para o mercado americano, sendo vendidos a preos que variavam entre 195 e 600 dlares. Exatamente os mesmos modelos eram vendidos no mercado brasileiro e no mercado internacional. Segundo Marcos Lima, quase nenhuma adaptao dos produtos se havia feito necessria para que os mesmos fossem comercializados no exterior. Dado o perl cosmopolita das consumidoras desse segmento de calados, s foi necessrio adicionar o ponto na numerao dos calados, seguindo a nume-

14 O nmero de 60 lojas franqueadas era considerado o ideal, tendo em vista o posicionamento desejado e os interesses de franqueador e franqueado. O investimento previsto para cada loja franqueada era de R$ 350 mil.

rao europia:Nesse segmento de calados s se utiliza a numerao europia. Desconsidera-se a numerao americana. Caracterstica do estilo Constana Basto eram a leveza, a feminilidade e a sensualidade. Eram executados em couros nobres como os de cobra, jacar e lagarto, em camura e em tecidos como o cetim de seda, levando freqentemente adereos, como os cristais Swarovski. Em artigo na revista de moda W, em abril de 2004, a editora de moda Carmem Borgonovo assim se referiu aos sapatos de Constana: Seus sapatos combinam a sosticao com a tpica sensualidade brasileira. A revista Footwear News armou: So as formas mais sexy importadas do Brasil desde Gisele Bndchen. E a revista Bazzar observou, em julho de 2004: Tudo nessa estao diz respeito a texturas, adornos brilhantes e muita classe. por isso que amamos os sapatos de Constana.15 No entanto, para a estilista, a caracterstica principal de suas criaes era o conforto, motivo que a levara a se iniciar na confeco de calados. Essa obsesso, resultante da experincia derivada de sua prpria sensibilidade nos ps, fazia com que ela mesma testasse os prottipos dos produtos que desenvolvia: Mais que ningum, sei identicar um sapato que pode machucar, declarou Constana em uma entrevista.16 O sucesso de Constana Basto no mercado americano tambm pode ser avaliado pelo fato de ter sido a nica estilista brasileira indicada como nalista do prmio32

Melhores Saltos, promovido pelo guia Time Out New York, juntamente com o renomado estilista espanhol Manolo Blahnik e outros nomes famosos como Giuseppe Zanotti e Christian Louboutin.17 Para a produo dos calados para as suas duas marcas, a empresa desenvolveu cerca de dez fabricantes localizados na regio do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul e pretendia chegar a 15 fornecedores at maro de 2007. Os empresrios

3 CASO CONSTANA BASTO

consideravam que no Vale dos Sinos se encontrava a mo-de-obra mais qualicada no Brasil para a produo de calados femininos de luxo. Quanto produo no exterior, ainda era pouco vivel, em razo do pequeno tamanho dos lotes pro15 16 17 Disponvel em: . Acesso em: set. 2006. Ibidem. Conforme reportagem, disponvel em: . Acesso em: ago. 2006.

duzidos e ao fato de ser impossvel importar calados no Brasil, em decorrncia da elevada tributao aplicada ao produto. O Anexo 6 apresenta alguns produtos desenvolvidos por Constana Basto, vendidos no mercado americano.

Desenvolvimento e lanamento de produtosTodo o processo de desenvolvimento e produo dos calados tinha incio com um brieng de tendncias da moda mundial, quando Constana Basto pesquisava cores e materiais e, em seguida, escolhia o tema da coleo, em um misto de inspirao e possibilidades de produo. Sem nunca ter estudado desenho, no era ela mesma quem executava o desenho nal dos modelos. Constana criava o modelo, desenhando muitas vezes em seus prprios ps, para que o assistente de design entendesse o que desejava, cando a cargo desse ltimo passar as idias e indicaes de Constana para o papel. Ela ento revisava e aprimorava at chegar nalizao da concepo do modelo desejado. Por esse processo, criava sozinha suas colees, contando com a ajuda de desenhistas para lev-las ao papel. Em seguida, era feito um desmembramento por categoria de produto para denir o recorte das peas e os aviamentos. Uma vez preparados os esquetes e as chas tcnicas, esse material era enviado para a gerente de atacado, nos EUA, e para as gerentes de loja no Brasil, que deveriam opinar sobre a aceitao dos modelos em seus respectivos mercados. Essa opinio era fundamental porque essas pessoas estavam em contato direto com o mercado, tendo desenvolvido uma sensibilidade para os gostos e preferncias das consumidoras. Uma vez coletadas as opinies, todo o material era enviado para uma revisora, funcionria da empresa, que trabalhava na superviso da produo e no controle de qualidade no Vale do Rio dos Sinos e que distribua as encomendas entre as fbricas de calados da regio. A partir dos desenhos, eram produzidos prottipos, que eram submetidos a teste para vericar a aderncia aos desenhos, alm do ajuste e conforto. As amostras iniciais eram ento ajustadas, em um prazo que poderia variar de trs33

semanas a trs meses, at serem consideradas perfeitas. Uma vez feitos os devidos ajustes, os fabricantes comeavam a colocar em linha de produo as encomendas da empresa. A produo mensal da empresa era estimada em 3 mil pares. A empresa dispunha de alguns fornecedores especcos para couros especiais e de alta qualidade. Para peles exticas, como couro de raia, coelho, cobra, utilizava o curtume Tre Anytry, que tinha autorizao do Ibama, agncia governamental devotada proteo do meio ambiente, e seguia as regras da conveno internacional sobre comercializao de peles exticas. A Tre AnyTry monitorava a origem das peas que, uma vez beneciadas, eram lacradas e numeradas. Uma parte fundamental no processo de lanamento de novos produtos era o planejamento estratgico das colees. Marcos Lima observou, em entrevista a um dos autores do caso:... o planejamento estratgico pega um pouco a parte de estilo, de coleo, de lanamento. Temos que prestar muita ateno nesses aspectos porque as datas fora do Brasil de exportao, de shows, de feiras so muito rgidas. Antes [de a empresa ter atividades no exterior] era um processo mais orgnico. As coisas iam cando prontas, voc ia comprando, ia colocando na loja, mas no tinha uma data certa.

Uma vez colocados os produtos no mercado, ainda eram necessrios mudanas34

nos lotes produzidos, em razo da prpria aceitao pelo mercado dos modelos e cores das colees.

3.5

A concorrncia

3 CASO CONSTANA BASTO

No mercado brasileiro, vrias estilistas de calados competiam pelo segmento mais nobre do mercado de calados femininos. Entre essas, destacavam-se as estilistas Francesca Giobbi, Franziska Hbener, Paula Ferber, Sandra Silveira e as irms Leardi, responsveis pela grife ViBi Leardi. No entanto, Constana Basto era a mais famosa. As estilistas tinham normalmente uma ou poucas lojas sob a prpria marca, mas algumas vendiam seus produtos por meio de butiques de luxo.

Poucas exportavam seus produtos de forma regular para os Estados Unidos. Uma exceo era Francesca Giobbi, formada em arquitetura na Itlia, que havia trabalhado para marcas como Versace e Gucci naquele pas. Francesca atuara tambm como consultora de empresas de calados brasileiras, aprendendo os segredos do negcio. Em 2003, iniciou o prprio negcio, exportando para a Itlia, Frana e Inglaterra, alm de atender o mercado domstico. Sem se constituir em concorrncia direta com as estilistas, mas abordando o segmento de calados de qualidade, porm acessveis, encontravam-se ainda cadeias de lojas como a Arezzo, com aproximadamente 200 lojas no Brasil e um faturamento estimado em R$ 400 milhes, produzindo calados voltados para a classe mdia a preos mais acessveis, freqentemente utilizando cpias dos materiais nobres usados pelas estilistas. No mercado americano, no entanto, a concorrncia era internacional. Nele competiam as grandes marcas europias, como Louis Vuitton, Manolo Blahnik, Gucci, Prada, Channel. As marcas mais famosas eram as italianas e as francesas, mas os calados espanhis tambm vinham buscando o segmento de luxo, por meio de uma poltica de valorizao do calado implementada pela indstria espanhola nas ltimas dcadas. Apesar de o preo no ser importante nesse segmento, ocorria um certo posicionamento das marcas a partir do made in. As marcas italianas e francesas mais renomadas encontravam-se no topo da pirmide de preos. Abaixo delas, vinham-se situando os diversos estilistas segundo seu pas de origem, mas respeitando os limites de preo impostos pelas grandes marcas de luxo.35

3.6

As operaes no mercado americano

A abertura da loja nos Estados UnidosDesde 2000, Marcos Lima e Constana Basto planejavam abrir uma loja nos Estados Unidos, mas o negcio exigia um capital ainda no disponvel para o casal na poca, como explica Marcos Lima:

O produto tinha design, tinha valor agregado e os Estados Unidos eram o maior importador de calados brasileiros. A marca tinha que entrar nos Estados Unidos e pertencer aos Estados Unidos. Alm disso, sabemos que os Estados Unidos so o pas mais aberto para produtos internacionais. Ns no poderamos, por exemplo, comear pela Europa sem fazer sapato na Itlia. Pois sapato brasileiro, made in Brasil, vendendo a 300 euros, seria uma coisa prepotente, na viso dos europeus. J nos Estados Unidos no tem isso. Eles no esto preocupados com o made in. Eles querem consumir.

Em 2002, esses planos concretizaram-se pela adeso de um scio investidor, que injetou os recursos necessrios. A operao em Nova Iorque foi cercada de cuidados, desde a escolha da localizao do ponto de venda at sua divulgao. Marcos Lima observou:Porque uma coisa muito importante para ns quando se fala de posicionamento, de lanamento de marca: que ns no temos oramento para fazer lanamentos de marketing, eventos e comprar pginas de revistas. Ento, quando entramos em uma praa, tentamos entrar de maneira suave, bsica, para as pessoas irem se acostumando conosco e virarmos um hbito. Porque, de outro modo, voc um intruso.

De acordo com essa estratgia, a loja de Nova Iorque foi instalada na regio conhecida como West Village. Esse era um dos poucos bairros de Manhattan36

ainda predominantemente residencial e em que residiam astros e estrelas de cinema, alm de celebridades de outras reas do mundo das artes. Nessa rea, os aluguis dos espaos comerciais eram mais acessveis que nas regies tradicionais de compras, tal como a Madison Avenue. Marcos Lima explicou a escolha da localizao da loja da seguinte forma:A Madison um circuito de compras. roteiro de compras internacional. No

3 CASO CONSTANA BASTO

tem ningum descobrindo endereo ali. Ento ns escolhemos l embaixo... Era uma coisa que ns j vnhamos fazendo no Brasil, com a loja de seis metros quadrados do segundo andar de uma galeria em Ipanema... uma coisa meio escondida, para as pessoas descobrirem ...

A loja ocupava 90 metros quadrados do andar trreo de um prdio tombado (Anexo 7). A decorao da loja foi concebida e executada de forma a remeter a um ambiente cosmopolita e sosticado, sem qualquer referncia especca ao Brasil ou Amrica Latina. Para a execuo desses passos, a empresa contratou uma consultora americana, especialista em varejo, que apresentou diferentes alternativas de posicionamento para a entrada da marca Constana Basto em Nova Iorque. O guia Time Out New York indicou a loja como um dos dez endereos imperdveis da cidade, armando: o melhor lugar para se sentir como uma criana em uma loja de doces. Mesmo as mulheres que no so fascinadas por sapatos se apaixonam.18 Alm disso, o investidor americano que estava injetando os recursos nanceiros para viabilizar o lanamento montou uma pequena reunio para a qual convidou cerca de seis especialistas de moda que trabalhavam em empresas como Prada e Gucci, para avaliarem a coleo de calados que seria comercializada na loja. O retorno desses especialistas foi muito positivo. A partir dessa reunio, cou decidido que o preo de venda mdio dos calados seria de 300 dlares e no mais 198 dlares, como pensado inicialmente. A produo destinada ao mercado dos Estados Unidos era importada diretamente pela empresa norte-americana formada pelos scios Constana Basto, Marcos Lima e o investidor americano. Para a operao da loja em Nova Iorque foram contratados um gerente e duas vendedoras, com larga experincia em operao de lojas voltadas para o pblico de classe A. Em meados de 2006, a empresa contava com um total de cinco funcionrios nos EUA. A experincia na loja de Nova Iorque mostrou diferenas acentuadas de comportamento entre as consumidoras brasileiras e as americanas, conforme observa Marcos Lima:As clientes americanas sabem muito mais o que querem do que as brasileiras. A brasileira tem um perl diferente de consumo: voc consegue envolve-la mais na venda. A americana no. Voc no consegue envolve-la na venda, ela que se envolve na venda. Ela muito mais autnoma.37

18 Edio de abril de 2004. Disponvel em: . Acesso em: set. 2006.

Os esforos promocionaisA loja de Nova Iorque estava planejada para ser inaugurada em outubro de 2002, mas as obras sofreram algum atraso e s foi possvel abri-la no m de novembro daquele ano. De acordo com o cronograma original, o lanamento da marca no mercado novaiorquino foi estabelecido para junho de 2002. Os empresrios contrataram uma assessoria de imprensa em abril, considerando serem necessrios trs meses para preparar o lanamento. Marcos Lima comentou:Eu acho que ns tivemos muita sorte. Pois nosso lanamento se dava em uma poca em que a cidade estava ainda muito combalida com os atentados de 11 de setembro do ano anterior. Aquilo era um fato muito recente. Eles [os nova-iorquinos] estavam querendo reerguer os nimos e ns entramos como uma novidade no menu deles.

O lanamento da marca Constana Basto foi feito na cobertura do Hudson Hotel, para convidados selecionados, onde foi servido um coquetel. Impressionou sobremaneira aos empreendedores o trabalho da assessoria de imprensa e o comportamento dos especialistas em moda de calados convidados para o evento. Da parte da assessoria de imprensa, Marcos Lima destacou o prossionalismo no desempenho de suas tarefas, que envolviam desde a escolha do local que melhor contribusse para o reforo do posicionamento desejado, passando pela sugesto do cardpio a ser servido no evento, pela escolha dos convidados e pelo acompanhamento dos convites enviados:38

Depois de enviados os convites, a assessoria passou a nos enviar diariamente uma relao de quem foi que respondeu e conrmou que iria, quem foi que respondeu informando que no iria e porque no compareceria, quem no respondeu e porque no respondeu ou no conrmou ...

Da parte dos convidados, todos aqueles que conrmaram sua ida ao evento efeti3 CASO CONSTANA BASTO

vamente se zeram presentes. Como resultado, na semana seguinte comearam a ser divulgadas notcias sobre o lanamento e algumas entrevistas exclusivas foram concedidas por Constana Basto para revistas de moda. O ponto alto do esforo promocional foi indicado como tendo sido uma entrevista concedida editora da revista de moda W, que foi publicada na edio do ms de outubro de 2002, ocupando uma pgina inteira do peridico.

A divulgao gratuita obtida em revistas de moda, por ocasio da abertura da loja e nos anos subseqentes, foi um elemento importante para a divulgao da marca nos Estados Unidos. Isso deveu-se, em parte, ao esforo promocional realizado e, em parte, adoo dos produtos de Constana Basto por estrelas de cinema como Nicole Kidman, Cameron Diaz e Charlize Theron, ou cantoras como Britney Spears. A loja em Nova Iorque tambm teria tido uma inuncia, ao posicionar a marca em um ambiente requintado. Alm do esforo de lanamento especco em Nova Iorque, a empresa costumava participar de feiras e eventos no exterior e, para isso, utilizava-se de apoio nanceiro da Abicalados e da Apex, a agncia governamental de apoio ao comrcio exterior.

Aprendizado no exteriorA experincia adquirida nas operaes no exterior trouxe aprendizado em vrios aspectos das operaes da empresa. Inicialmente, as diferenas culturais foram recebidas com surpresa, como relatou Marcos Lima:Houve alguns pequenos choques culturais, que me zeram entender que fazer negcios nos Estados Unidos de fato diferente de fazer no Brasil. Porque eu sou um pouco cabea dura: eu achava que era muito parecido.

Entre as diferenas culturais positivas estava o fato de que as promessas se cumpriam, fossem relativas participao em eventos, entrevistas com a imprensa, ou outros aspectos dos negcios. A operao nos Estados Unidos acarretou ainda algumas mudanas nos sistemas administrativos. Marcos Lima observou:Eu mudei a linguagem no escritrio. Tanto que a maior parte de nossos relatrios hoje em ingls. Mesmo para o mercado interno, porque como os funcionrios daqui teriam que se comunicar com eles, era melhor que j comeassem a aprender a fazer em ingls.

39

Algumas experincias adquiridas no mercado americano foram, no entanto, negativas. A loja encontrava-se em um prdio tombado pelo patrimnio histrico da cidade de Nova Iorque, o que trazia uma srie de limitaes operacionais. Alm

disso, o sistema cooperativo fazia com que os moradores do prdio pudessem tomar decises que afetavam o funcionamento da loja, como, por exemplo, desligar o ar refrigerado em horrios comerciais. Finalmente, a loja fora assaltada trs vezes, como disse Marcos Lima:Nunca tivemos loja assaltada no Brasil. Em Manhattan, trs vezes. Roubaram laptop, mochila. Entraram na loja de madrugada, foraram uma janela e roubaram seis bolsas. Um viciado em crack. E outra vez furtaram algumas coisas de dentro da loja. engraado. Voc est em Manhattan e pensa que est na Disneylndia.

A mudana para um showroomEm setembro de 2006, a operao da loja Constana Basto em Nova Iorque foi fechada e a empresa abriu um showroom no bairro do Soho, no mesmo prdio em que, no trreo, funcionava uma loja da grife Prada. Com essa mudana, a operao nos EUA foi reduzida para dois empregados. Marcos Lima observou:Sa do varejo e vou car no atacado. No tem como manter uma loja com essa situao cambial. E a loja j fez o que tinha que fazer ...

De acordo com o empresrio, os resultados positivos dessa mudana j se faziam sentir:40

Foi uma coisa muito boa porque conseguimos aumentar a base de clientes, no perdendo o prestgio da marca. Acabamos de sair de uma estao de atacado e podemos dizer que, pela primeira vez, vendemos bem nos Estados Unidos. E as lojas localizadas ao redor da nossa em Manhattan compraram nossos produtos. Deixamos de ser concorrentes para sermos fornecedores.3 CASO CONSTANA BASTO

O fato de realizar a exportao diretamente para seus clientes era visto como uma grande vantagem para a empresa:Porque todo mundo que exporta calados no Brasil, exporta por meio de trading, agncia de exportao, ou escritrio de exportao. E esses intermedirios ganham de 5% a 15%. Quem perde mesmo o fabricante. Mas ns exportamos diretamente.

Em termos relativos, o faturamento da empresa no exterior representou, em 2005, 30% do faturamento total daquele ano, e a expectativa era de que em 2006 esse percentual aumentasse em razo de uma estao de vendas nos Estados Unidos considerada excelente. A empresa tinha 50 clientes de atacado nos EUA. Alm disso, exportava para Japo, Frana e Coria.

3.7

Perspectivas futuras

Os scios esperavam abrir novos pontos de venda nos Estados Unidos em futuro prximo: Imaginamos voltar para o varejo em dois anos. Quando tivermos uma base mais forte. Para isso pretendiam operar com lojas tipo store-in-store, tanto com operao prpria como por meio de sistema de franquia. Alm disso, a empresa planejava entrar no segmento de calados masculinos sosticados no Brasil, por meio de linha especca, que disporia de lojas prprias. Esperava-se, tambm, que as franquias da marca Peach by Constana Basto se expandissem rapidamente em 2007. Um dos grandes problemas enfrentados pela empresa era o nanciamento disponvel para crescer. Os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDS) eram vistos como inacessveis para uma empresa de pequeno porte, como a Imelda Calados. A soluo encontrada at ento tinha sido o aporte de capital por scios, como no caso da operao americana, mas isso era difcil. A empresa ressentia-se da falta de apoio governamental, como desabafou Marcos Lima:Estamos aqui h oito anos fazendo negcio, pagando tudo, colocando a imagem do Brasil fora do pas, sem nenhuma garantia, com todas as chances contra. Risco e risco. Temos 12 anos de negcio e j tivemos dez scios. Gente que entrou, saiu. Cansou de brincar. Desistiu. Quando eu falo, as pessoas no acreditam. Est achando que fcil ser empreendedor no Brasil?41

ANEXO 1

Produo, exportaes e consumo aparente de calados Brasil (1997 2005)

800

700

600

500

400

300

200

100

0 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Produo

Exportao

Consumo aparente

42

Fonte: Abicalados.

3 CASO CONSTANA BASTO

ANEXO 2

Consumo per capita de calados Brasil (1997-2005)

3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 097 19Fonte: Abicalados.

98 19

99 19

00 20

01 20

02 20

03 20

04 20

05 20

ANEXO 3

Evoluo das Exportaes Brasileiras de Calados

2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0

43

70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92 94 96 98 00 02 04 06 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20Fonte: Abicalados.

ANEXO 4

Principais pases exportadores para o mercado americano (2005)

Pas exportador China Brasil Vietn Indonsia Itlia Tailndia Hong Kong Taiwan Rep. Dominicana Espanha Outros Total

Exportaes em US$ milhes 12.285 1.009 715 510 1.128 291 50 55 83 192 934 17.251

% 71 6 4 3 7 2 0 0 0 1 5 100

Exportaes em milhes de pares 1.800 74 64 46 28 24 10 8 8 6 44 2.113

%

Preo mdio em US$ 6,82 13,66 11,19 11,11 40,88 11,94 5,21 6,83 9,98 30,10 21,02 8,16

Fonte: Abicalados.

ANEXO 5

Evoluo dos preos mdios de exportao para os EUA pases selecionados

US$

45 40 35

44

30 25 20 15 10 5 0

3 CASO CONSTANA BASTO

2000

2001

2002

2003

2004

2005

China

Brasil

Itlia

Fonte: Abicalados.

ANEXO 6

Criaes de Constana Basto

Fonte: Disponvel em: . Acesso em: set. 2006.

ANEXO 7

Loja Constana Basto em Nova Iorque

45

Fonte: Disponvel em: . Acesso em: set. 2006.

3.8

Orientao para uso do caso Constana Basto

IntroduoO caso da internacionalizao da empresa Imelda Calados razo social da empresa que produz os calados sob a marca Constana Basto descreve o crescimento e expanso internacional de uma pequena empresa brasileira que desenvolve suas atividades em um segmento industrial exportador, tradicional no Brasil, mas que adotou uma estratgia de crescimento no exterior que a distingue da grande maioria dos players desse setor. Enquanto a maior parte dos exportadores brasileiros de calados disputa, no exterior, o segmento de produtos de baixo preo, a Imelda Calados optou por se lanar no segmento de calados de luxo. Esse caso um instrumento de ensino que encontra aplicao em cursos de empreendedorismo, empreendedorismo internacional e gesto internacional, tanto em cursos de graduao e ps-graduao, como de formao de empreendedores e treinamento de executivos. Pode ser ainda utilizado por instituies pblicas e privadas de apoio a empresrios e empreendedores, em workshops de discusses internas sobre as diculdades e solues encontradas por empresas brasileiras em seu processo de internacionalizao.46

O caso permite o estudo das caractersticas gerais e particulares do processo de internacionalizao de pequenas empresas em geral e pertencentes ao setor caladista especicamente. Por meio da anlise e da discusso do caso possvel o exerccio da prtica dos instrumentos de gesto e desaos especcos dos empreendedores, principal3 CASO CONSTANA BASTO

mente por meio da anlise interna da empresa, da anlise do setor no contexto do processo de internacionalizao e das decises da empresa em sua evoluo no exterior.

Estrutura do caso A indstria brasileira de calados; Evoluo da indstria; Situao atual; O mercado internacional; O mercado americano; O segmento de luxo; Antecedentes; Os produtos; Desenvolvimento e lanamento de produtos; A concorrncia; As operaes nos Estados Unidos;47

A abertura da loja nos Estados Unidos; Os esforos promocionais; Aprendizado no exterior; A mudana para um showroom; Perspectivas futuras; Anexos.

Objetivos de ensinoPretende-se que os alunos sejam capazes de avaliar, dadas as condies apresentadas no caso, de que maneira se desenvolveu o processo de internacionalizao da marca Constana Basto, utilizando os instrumentos de anlise fornecidos pela literatura sobre empreendedorismo internacional, marketing internacional, negcios internacionais e/ou gesto de exportao. Dentre as perguntas mais relevantes que poderiam ser formuladas aos alunos, sugerem-se: 1. Quais foram os fatores que contriburam, de forma signicativa, para a deciso de ingresso da empresa no mercado externo? 2. Quais foram os fatores que contriburam para o sucesso da empresa em solo norte-americano? 3. Qual a avaliao que se pode fazer sobre o fechamento da loja de Nova Iorque e a abertura do showroom da empresa? 4. Como resolver o problema de competitividade em termos de preo, dada a valorizao do real? A empresa dever produzir no exterior?48

5. A empresa poder continuar seu processo de internacionalizao, com o posicionamento desejado, sem ter presena na Europa? 6. O modo de entrada da marca nos Estados Unidos poder ser replicado em outros mercados no exterior? 7. Como os gestores da empresa devem proceder para garantir o crescimento

3 CASO CONSTANA BASTO

continuado da empresa no longo prazo? 8. Com o crescimento, haver necessidade de se alterar o processo de produo da empresa?

9. Quais so as recomendaes estratgicas para a empresa seguir nos prximos cinco anos?

Problemas enfrentados pela empresa no momento do casoA empresa enfrenta diversos problemas, externos e internos, que podem representar ameaas para o futuro: Reduo de margens no exterior em razo de aumento do custo de produo em decorrncia de valorizao do real; Falta de recursos para o crescimento; Baixo investimento em marketing; Operao nos EUA controlada distncia; Mercado brasileiro absorvendo ateno gerencial; Posicionamento da linha Peach; Necessidade de expanso para outros mercados.49

Anlise dos problemas e alternativas disponveisO primeiro problema, a reduo das margens no produto vendido nos EUA, pode ser conjuntural, mas merece ateno. A valorizao do real resultante da maior fora das exportaes brasileiras em razo, em grande parte, da forte demanda chinesa por produtos agropecurios provenientes do Brasil. Enquanto a China continuar a comprar tais produtos, no h grandes perspectivas de desvalorizao do real em relao ao dlar. Uma alternativa seria, como mencionado no caso, produzir em outros pases, como na prpria China. No entanto, o prprio caso indica que no seria fcil em decorrncia do pequeno volume da empresa nos EUA. Isso porque no seria vivel produzir na China e exportar para o Brasil, pelas

elevadas alquotas de importao. Alm disso, a complexidade logstica aumentaria enormemente. Seria necessrio dispor de um funcionrio permanentemente na China para acompanhar a produo, da mesma forma como existe hoje uma funcionria sediada no Vale dos Sinos. Os empresrios necessitariam viajar tambm para a China, para contatos e acompanhamento. Dada a pequena dimenso do negcio, isso poderia inviabilizar o empreendimento, se no do ponto de vista de recursos nanceiros, certamente no que se refere a recursos gerenciais. Uma observao quanto a preo: que preo s relevante nesse caso em comparao com os concorrentes no segmento. Os limites superiores de preo so demarcados pelo posicionamento das marcas. A marca Constana Basto posiciona-se abaixo das principais marcas francesas e italianas, portanto seu preo no pode exceder aquele de modelos similares das mesmas marcas. Crescimento um imperativo do posicionamento adotado por Constana Basto. Ela est competindo com grandes empresas internacionais em um mercado extremamente sosticado. Crescer, obter escala, trata-se de um imperativo para a continuidade da empresa. Contudo, a leitura do caso sugere que um dos principais problemas enfrentados por seus gestores a falta de capacidade nanceira para a expanso da empresa. Embora essa questo esteja sendo contornada pela admisso de scios capitalistas, a alta rotatividade dos mesmos indica que o problema deveria ser encaminhado de outra maneira, para que seja denitivamente solucionado. possvel que seja interessante admitir um scio americano com experincia no setor, disposto a entrar no apenas como scio capitalista, mas50

como gestor do negcio nos EUA. Isso remete ao problema seguinte, que o baixo investimento em marketing. A empresa tem bons produtos, bem aceitos, com uma proposta diferenciada que claramente mostrou ter um apelo no exigente mercado americano. Conseguiu uma insero extremamente positiva nesse mercado, mas precisa desesperadamente de mais visibilidade, o que se traduz em maiores investimentos em marketing.

3 CASO CONSTANA BASTO

Nesse sentido, o fechamento da loja em Nova Iorque um passo para trs, pois a loja funcionava como agship da empresa. O showroom no resolve, porque um lugar para atacadistas e distribuidores conhecerem o produto. Alm disso, ca localizado em um andar de um prdio, sem vitrines para que o pblico veja o produto e sem a marca da empresa exposta na loja. A loja era um verdadeiro outdoor para

a marca e essa divulgao est sendo perdida. O fechamento da loja pode vir a ter impacto negativo na imagem da marca Constana Basto a longo prazo. Os scios pretendem abrir uma nova loja: quanto mais rpido, melhor. A ao da assessoria de imprensa foi extremamente positiva no lanamento, mas uma assessoria de imprensa precisa de fatos novos, como foi o lanamento da marca em Nova Iorque. Quais os fatos novos que a marca tem a oferecer para chamar a ateno, alm das mudanas regulares de colees? Uma possibilidade seria participar mais em desles, shows de moda etc., mas isso tambm caro. Anncios em revistas femininas de moda seriam altamente desejveis, mas s fazem sentido com certa regularidade. Dados os recursos limitados da empresa, no parece factvel. Observe-se, ainda, que Constana Basto a responsvel pela criao e desenvolvimento de produtos, enquanto Marcos Lima cuida da administrao da empresa. Falta, claramente, algum para assumir o marketing da empresa. A entrada de um scio com competncia em marketing de moda, preferencialmente em calados, seria interessante nesse estgio de desenvolvimento da empresa. Em sntese, faltam uma mentalidade de marketing, competncias de marketing e investimentos em marketing. Uma questo correlata a ausncia fsica dos scios controladores no mercado americano. Segundo eles declararam, as viagens para os EUA so de trs a quatro por ano, o que claramente insuciente para o andamento do negcio. Em uma empresa pequena, esse problema fundamental, porque a operao nascente em um mercado com as exigncias e o tamanho do americano no trivial. Falta ateno gerencial a esse mercado. Como as limitaes oramentrias no permitem a contratao de um gerente altamente qualicado, a soluo seria um dos controladores passar a atuar parte do ano nos EUA, o que ca complicado pelo fato de os dois serem casados. Isso sugere, mais uma vez, a necessidade de um scio-gerente americano, preferencialmente apto a tratar dos aspectos de marketing e comerciais do negcio, uma vez que a criao e a administrao podem, de fato, ser realizadas distncia. A no-presena dos scios na operao americana tem outro lado, que o fato de a empresa dispor hoje de maiores oportunidades de crescimento no mercado brasileiro que no americano. Claramente, a empresa prioriza o mercado brasileiro, o que faz sentido, porque a que hoje ela ganha dinheiro. No entanto, essa priorizao pode levar a uma limitao na expanso internacional da empresa.51

O lanamento da linha Peach parece adequado, por permitir empresa ampliar os segmentos de atuao no mercado brasileiro. Contudo, muito cuidado deve ser tomado para no produzir uma popularizao excessiva da marca. Os problemas de posicionamento de marca so muito delicados, quando se trabalha com produtos de luxo. H um balanceamento delicado entre criar uma segunda marca que apele para um segmento um pouco mais amplo do mercado, e torn-la popular, como, por exemplo, uma Arezzo. H uma categoria denominada o novo luxo, que formada por consumidores com renda elevada, mas sem riqueza acumulada ou patrimnio expressivo, particularmente jovens e solteiros, dispostos a gastar muito dinheiro com produtos dessa natureza, e a esse segmento que deve se dirigir a linha Peach, enquanto a linha Constana Basto deve permanecer voltada para o segmento mais elevado do mercado. Outro problema que merece ser enfrentado a no presena da marca Constana Basto no mercado europeu. Se o posicionamento desejado o de uma marca mundial de luxo, o aval dos exigentes consumidores europeus principalmente italianos, franceses e ingleses fundamental, para que a empresa possa almejar outros mercados consumidores desse tipo de produto, dispersos em todo o mundo. Mais uma vez, tal possibilidade colide com a falta de recursos nanceiros e gerenciais da empresa para a expanso. bom lembrar que j ter uma loja em Nova Iorque um passaporte de entrada em outros mercados sosticados. Estar no circuito New York Paris London necessrio insero internacional. Constana Basto tem a oportunidade de se tornar uma marca de luxo global, mas52

o caminho a ser percorrido ainda longo. Alm desses problemas, percebe-se que a empresa possui uma infra-estrutura de desenvolvimento e de controle de produo que, caso acontea o crescimento desejado por seus gestores, tanto no mercado interno quanto no externo, poder demonstrar ser insuciente. O modelo de terceirizao da produo interessante e faz sentido, pois os volumes da empresa so pequenos e isso lhe d exibilidade

3 CASO CONSTANA BASTO

para contratar diferentes empresas, substituir fornecedores e at, eventualmente, utilizar fornecedores de vrios pases, quando o volume permitir. Esse procedimento comum na indstria de calados. No entanto, os problemas de controle de qualidade e de prazos de entrega devem ser considerados, exigindo acompanhamento prximo. Isso j vem sendo feito no Vale dos Sinos, mas uma escala maior poder exigir novos instrumentos gerenciais.

Outras anlises passveis de serem realizadasOs alunos, tendo como referncia a literatura sobre a internacionalizao de empresas, poderiam analisar o modo de entrada da Imelda Calados no mercado dos EUA. Outro exerccio refere-se ao processo de entrada. luz do modelo da escola de Uppsala que prega o gradualismo do envolvimento das empresas com os mercados no exterior de acordo com a proximidade cultural dos gestores com esses mercados pode ser interessante solicitar aos alunos que comparem a trajetria da Imelda Calados com o modelo de Uppsala e veriquem a aderncia do mesmo realidade dessa empresa. Alm disso, o conceito de born global poderia tambm servir como pano de fundo para uma discusso com os alunos, uma vez que a Imelda Calados pode ser classicada como tal, visto que entre a data de sua criao, 1997, e a abertura de sua loja em Nova Iorque, 2002, passaram-se apenas cinco anos. Em um curso que envolva aspectos de planejamento estratgico, esse caso poderia ser aplicado solicitando-se aos alunos que projetem os passos futuros da empresa no mercado internacional, explicitando de forma justicada os pases a serem conquistados, a forma de atuar nos mesmos e os controles que a empresa deveria estabelecer para gerir a organizao que estaria, ento, atuando em mltiplos mercados.53

4 Caso Trikke

Trikke19No m da dcada de 1980, trs jovens de classe mdia, formados em Fsica, produziram o prottipo de um pequeno veculo de propulso humana muito parecido com um patinete, dotado de trs rodas e impulsionado a partir de um sistema de eixos intercambiveis, ou de tripla cambagem (3CV). Batizado de Trikke,20 utilizava o princpio da fsica da conservao do momento angular, podendo atingir velocidades de at 30 km/h sem a necessidade de se por o p no solo para propulso, mesmo em subidas. Alm disso, por manter as trs rodas em contato com o solo todo o tempo, possua grande estabilidade. Entusiasmados com a idia, fundaram um pequeno empreendimento em Curitiba, no Estado do Paran, com o intuito de produzir o veculo. Aps algumas tentativas, a empresa foi fechada, mas os scios continuaram acreditando no potencial da idia. Alguns anos depois, a empresa foi reaberta no Brasil e um dos scios, Gildo Beleski, mudou-se para os EUA, para abrir o mercado americano para o produto. Em fevereiro de 2000, foi fundada a Trikke Tech Inc., nos EUA, com scios brasileiros e americanos para comercializar o produto naquele pas. A empresa adotou uma estratgia de parcerias, que lhe permitiu rapidamente levar seu produto aos mercados internacionais de lazer e entretenimento. Em 2006, a Trikke era uma empresa de atuao global, fabricando seus produtos na China e comercializando na Amrica do Norte, Amrica Latina, Europa, sia e Oceania. Esse caso descreve os passos iniciais da empresa e sua estratgia de insero global.55

4.1

Antecedentes

Originalmente, a idia comercial do grupo de empreendedores era produzir e vender o Trikke no mercado interno brasileiro. Apesar dos esforos iniciais de venda, a consecuo do empreendimento acabou frustrada em pouco tempo em virtude das restries monetrias ocasionadas pelo Plano Collor. Diante da impos-

19 Esse caso foi preparado por Rene Seifert Junior e Bruno Henrique Rocha Fernandes do Centro Universitrio Positivo (UnicenP), e por Angela da Rocha, do Instituto Coppead de Administrao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discusso em sala de aula. 20 Pronuncia-se traique.

sibilidade de receber o pagamento das vendas iniciais efetuadas e da escassez de recursos nanceiros e uxo de caixa, em pouco tempo ocorreu a dissoluo do negcio. Os trs scios abandonaram a iniciativa e foram buscar colocao prossional em outras empresas. Apesar da frustrao inicial, o grupo acreditava na idia e nas potencialidades do produto. No comeo de 1999, Gildo Beleski, um dos criadores do Trikke, mudou-se para Los Angeles, nos EUA, levando na bagagem um prottipo. O intuito era, com o apoio dos amigos e scios que permaneceriam no Brasil, reiniciar e desenvolver o projeto do Trikke em solo americano. A idia era produzi-lo no Brasil e comercializ-lo nos EUA. Acreditava-se que, nos EUA, as pessoas veriam o produto e logo se interessariam por compr-lo, dado o maior poder aquisitivo dos americanos. As poucas economias que tinham foram dedicadas a abrir uma nova empresa no Brasil e a registrar a patente do produto nos EUA. Nos primeiros meses, Guido Beleski trabalhou de noite como entregador de pizza e jornais, sempre utilizando o veculo. Durante o dia passeava de Trikke e fazia contatos para divulgar o produto. Nos seus contatos, conheceu alguns americanos que decidiram investir na idia. Um deles, John Simpson, armou em uma entrevista que cara perplexo ao ver Gildo Beleski no Trikke pela primeira vez, mas que rapidamente percebera como o triciclo podia ser facilmente manobrvel: Comecei a correr atrs dele, observou Simpson.21 John Simpson era um ex-distribuidor dos patinetes da marca Razor, bastante populares nos EUA.56

Fundou-se ento, em fevereiro de 2000, a Trikke Tech Inc, nos Estados Unidos. No controle da empresa caram oito scios, quatro americanos e quatro brasileiros. Esse desdobramento no havia sido planejado pelos scios brasileiros. Queramos aproveitar a oportunidade de vender nos EUA, no pensvamos em montar uma empresa global, disse um dos scios em entrevista a um dos autores do caso. Em pouco tempo os scios perceberam que as diculdades eram maiores que as4 CASO TRIKKE

inicialmente previstas. Apesar do maior poder aquisitivo do consumidor americano, por se tratar de um produto novo, de uma empresa desconhecida, as vendas21 Disponvel em: . Acesso em: set. 2006.

no aconteciam. Os americanos andavam muito de carro e no atentavam para o produto. Alm disso, as restries nanceiras enfrentadas e a ausncia de investimento limitavam a capacidade de produzir e enviar o produto aos EUA. A situao tornou-se pior ante o fato de que a primeira exportao de produtos fabricados no Brasil, na qual fora investida a maior parte das economias do grupo, extraviou-se nos EUA, levando consigo os esforos e as reservas nanceiras do negcio. A carga foi encontrada apenas seis meses depois de seu despacho, sendo ento entregue na casa de Beleski. A entrega da carga trouxe novo nimo, levando os empresrios a buscarem uma estratgia que viabilizasse o empreendimento. A partir dessa estratgia, a empresa vendeu 200 mil unidades at 2004. Em 2006, a empresa atuava por meio de parcerias e terceirizao de revenda e distribuio em mais de 17 pases espalhados em cinco continentes, alm de realizar vendas diretamente pela internet. Possua patentes aplicadas em 35 pases. Seis anos aps a fundao da empresa nos EUA por brasileiros e americanos, essa era composta por apenas 13 pessoas. A produo estava concentrada em uma nica fbrica terceirizada na China. A pesquisa e o desenvolvimento de produto eram realizados no Brasil, e o marketing e a comercializao concentravam-se nos EUA. O presidente do Conselho da empresa em 2006 era Gildo Beleski, que tambm ocupava a direo tcnica. O presidente executivo era John Simpson.

4.2

O mercado americano para produtos recreativos

57

O mercado norte-americano para produtos recreativos cresceu rapidamente nos anos 1990, a uma taxa mdia de 4% ao ano, entre 1989 e 1999. O crescimento foi maior entre 1989 e 1994, quando o setor atingiu taxas mdias anuais de 6%. A reduo no crescimento anual da indstria atribuda ao fato de a gerao de baby boomers, responsvel pelo crescimento anterior, ter atingido a faixa de 50 anos, e preferir atividades recreativas de menor esforo, que requeriam menos equipamento.22 Outra tendncia era o fato de os adolescentes e jovens estarem

22 National Technical Information Service, US Department of Commerce. Recreational Equiment. Disponvel em: .

cada vez mais envolvidos com videogames e atividades na internet, tornando menor o tempo disponvel para atividades esportivas. A inovao fora um dos propulsores do crescimento da indstria, oferecendo uma variedade de novos equipamentos e acessrios para a prtica de esportes e de exerccios fsicos. Algumas inovaes introduzidas no decorrer das ltimas dcadas foram mountain bikes, skates e snowboards. A comercializao de equipamentos recreativos foi fortemente afetado pela internet, que permitiu aos fabricantes fazerem propaganda, promoo e venda de seus produtos diretamente ao consumidor nal. O Trikke competia em duas indstrias: a de equipamentos esportivos e a de bicicletas. A indstria de equipamentos esportivos inclua vrios segmentos, tais como equipamentos de golfe, pesca, esqui, windsurf, baseball e equipamentos de ginstica. O Trikke competia indiretamente com os produtos nesse ltimo segmento. O mercado para equipamentos de ginstica era estimado em aproximadamente 1,6 bilho de dlares em 2004. Na dcada de 1990, assistiu-se substancial incremento na prtica de exerccios fsicos em academias de ginstica, mais que dobrando o nmero de adeptos dessa modalidade de exerccios. Uma srie de novos produtos foi desenvolvida para atender ao crescimento da demanda. A indstria de bicicletas dos EUA estava passando por um perodo de mudanas,58

com a transferncia de boa parte da produo para fbricas em outros pases, particularmente China, Taiwan e Mxico, utilizando outsourcing. Como resultado dessas mudanas, a produo nacional de bicicletas caiu substancialmente, sendo a maior parte do mercado servida por produtos importados. Manteve-se nos EUA a fabricao de produtos de alta qualidade e alto desempenho, em que a deciso de compra no era to afetada pelo preo. O mercado de bicicletas era maduro e nenhum novo produto havia sido lanado por um perodo de cinco anos. O consumo aparente de bicicletas era estimado em 1,8 bilho de dlares no incio dos anos 2000. Os dois segmentos com maior crescimento foram as bicicletas hbridas, que combinavam a leveza de bicicletas de corrida com o conforto das mountain bikes, e as bicicletas BMX, para uso em terreno no pavimentado. O uso de bicicletas para percursos maio-

4 CASO TRIKKE

res havia se reduzido em cerca de 20% no decorrer da dcada de 1990. No mesmo perodo, o uso de bicicletas por crianas de 7 a 11 anos declinara em 15% e o uso por adolescentes entre 12 e 17 anos em 13%. Acreditava-se que a explicao para essas mudanas no mercado era a concorrncia de outras atividades recreativas, esportivas e no esportivas. Em apoio s reivindicaes da indstria, o Congresso havia destinado $ 3 bilhes no incio dos anos 2000 a apoio expanso de transporte por veculos no motorizados. A expectativa era de que o mercado de bicicletas apresentasse um crescimento mdio nos anos seguintes no superior a 1%.23 O objetivo de longo prazo da Trikke era criar uma nova categoria de produtos na indstria de equipamentos de recreao. Referindo-se ao mercado americano de bicicletas, com vendas de 18 milhes de unidades ao ano, observou John Simpson: Se conseguirmos cinco por cento do setor de bicicletas, o que um objetivo vivel, ns podemos seguir com nossos planos de negcio.24 Especialistas da indstria indicavam, porm, que apesar de o Trikke poder capturar uma parcela signicativa do mercado, teria de enfrentar dura competio dos novos patinetes motorizados, cuja popularidade crescia rapidamente nos EUA.

4.3

O produto59

A inteno inicial dos inventores, ao desenvolver o Trikke, era proporcionar aos usurios o uso do produto em descidas de morros ou ladeiras, em que os mesmos tinham o controle do triciclo. Surpreenderam-se, porm, ao vericar que o veculo continuava em movimento em terreno plano, se o condutor continuasse a fazer os movimentos com o corpo. Em 1990, foi testada a primeira verso do Trikke, que seria posteriormente renada. Centenas de melhorias no design e engenharia foram introduzidas at se chegar verso nal do produto, que reunia estabilidade, ecincia e capacidade de manobra.25

23 24 25

Ibidem. Disponvel em: . Acesso em: set. 2006. Informaes no site da empresa (www.trikke.com).

O Trikke era efetivamente um produto original, com base em princpios distintos daqueles que eram utilizados em patinetes, bicicletas ou motonetas, seus primos mais prximos (Anexo 1). O produto no tinha motor, cadeias e pedais, nem precisava de pedaladas ou empurres. Utilizava um princpio semelhante ao dos patins, em que movimentos laterais com o corpo, feitos pelo usurio, impulsionavam o triciclo. O Trikke tinha freio no guido, semelhana das bicicletas, e podia atingir velocidades de at aproximadamente 30 quilmetros por hora. O produto unia a dinmica da suspenso de um carro a um veculo de trs rodas em que o usurio dirigia em p. Para operar o veculo, o usurio dava o impulso inicial, ao mesmo tempo em que virava o triciclo para o lado. Ao fazer isso, alterava-se o centro de gravidade do operador e do veculo para dentro da curva. O movimento era, ento, repetido na outra direo, produzindo mais velocidade. A repetio do movimento mantinha o veculo em movimento, sem necessidade de colocar o p no cho. Em 2006, a empresa vendia sete modelos do Trikke original, com as seguintes caractersticas: Trikke T12 dirigido a atletas, ideal para percursos de longa distncia, com preo de lista do fabricante de $479; 60

Trikke T8 conversvel ar voltado para adultos em geral, com preo de lista de $349. Os pneus a ar ofereciam mais trao e uma corrida mais suave;

Trikke T8 conversvel pu tambm dirigido ao segmento adulto, diferia do modelo anterior apenas pelas rodas de poliuretano, mais fceis para quem estava aprendendo a dirigir o triciclo, podendo futuramente ser substitudas por pneus a ar, quando o usurio j estivesse mais familiarizado com a direo do Trikke;

4 CASO TRIKKE

Trikke T7 Coupe produto mais leve e mais compacto, extremamente porttil, vendido a $199;

Trikke T6 Teen voltado para adolescentes com mais de dez anos de idade, vendido ao preo de lista do fabricante de $169;

Trikke T5 Kids alumnio para crianas at dez anos de idade, esse modelo, com estrutura em alumnio, ganhou o Prmio Oppenheim Toy Portfolio Platinum Award, alm do Selo de Aprovao do National Parenting Center, ambos em 2004, sendo vendido por $139;

Trikke T5 Kids ao