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Categorias e definições importantes O direito dos tratados tem uma série de conceitos operacionais com definições próprias que precisam ser apresentadas antes de entrarmos no tema propriamente dito. O domínio desses conceitos operacionais irá facilitar a compreensão de todos os pontos relativos a esta matéria. A primeira categoria importante é o tratado. É comum encontrarmos a expressão tratados internacionais. A própria Constituição da República de Angola usa a expressão (art. 13º, ponto 2º). A expressão não é incorrecta, mas inapropriada. Todo tratado é internacional. Tratado internacional é a priori um pleonasmo. É mais apropriado usar apenas o termo tratado. Definições usualmente utilizadas A categoria tratado tem um conceito amplo. É um género que aceita diversas espécies. As espécies mais comuns são convenções, acordos, convénios ou protocolos, por exemplo, mas o direito internacional faz uso de diversas outras categorias diferentes, cada qual com um significado mais conhecido. De qualquer forma, percebe-se que não se trata de uma classificação rígida e, na prática, é comum encontrar uma categoria com o sentido de outra. Os usos mais correntes para cada categoria de tratado: Tratado: como espécie, é utilizado para tratados solenes, como nos tratados de paz, celebrados entre Estados. Exemplos: o Tratado de Paz de Versalhes, de 1919, que encerrou a Primeira Guerra Mundial; o Tratado de Paz entre a Jordânia e Israel. Declaração: é um tratado que cria princípios gerais, mas não gera compromissos para os sujeitos de direito internacional. Exemplo: Declaração do Rio de Janeiro sobre Florestas. Acto: é um tratado que cria regras de direito; não produzem efeitos jurídicos obrigatórios, mas apenas morais. Carta ou Pacto: pode ser tanto um tratado solene, que cria uma Organização Internacional e define seus atributos, composição, objectivos, como o faz a Carta da Organização das Nações Unidas ou o Pacto das Nações, que criou a Liga das Nações, após a Primeira Guerra Mundial, ou outros

Categorias e Definições Importantes

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O direito dos tratados tem uma série de conceitos operacionais com definições próprias que precisam ser apresentadas antes de entrarmos no tema propriamente dito. O domínio desses conceitos operacionais irá facilitar a compreensão de todos os pontos relativos a esta matéria.A primeira categoria importante é o tratado. É comum encontrarmos a expressão tratados internacionais. A própria Constituição da República de Angola usa a expressão (art. 13º, ponto 2º). A expressão não é incorrecta, mas inapropriada. Todo tratado é internacional. Tratado internacional é a priori um pleonasmo. É mais apropriado usar apenas o termo tratado.

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Page 1: Categorias e Definições Importantes

Categorias e definições importantesO direito dos tratados tem uma série de conceitos operacionais com definições próprias que precisam ser apresentadas antes de entrarmos no tema propriamente dito. O domínio desses conceitos operacionais irá facilitar a compreensão de todos os pontos relativos a esta matéria.

A primeira categoria importante é o tratado. É comum encontrarmos a expressão tratados internacionais. A própria Constituição da República de Angola usa a expressão (art. 13º, ponto 2º). A expressão não é incorrecta, mas inapropriada. Todo tratado é internacional. Tratado internacional é a priori um pleonasmo. É mais apropriado usar apenas o termo tratado.

Definições usualmente utilizadasA categoria tratado tem um conceito amplo. É um género que aceita diversas espécies. As espécies mais comuns são convenções, acordos, convénios ou protocolos, por exemplo, mas o direito internacional faz uso de diversas outras categorias diferentes, cada qual com um significado mais conhecido. De qualquer forma, percebe-se que não se trata de uma classificação rígida e, na prática, é comum encontrar uma categoria com o sentido de outra.

Os usos mais correntes para cada categoria de tratado:• Tratado: como espécie, é utilizado para tratados solenes, como nos tratados de paz, celebrados entre Estados. Exemplos: o Tratado de Paz de Versalhes, de 1919, que encerrou a Primeira Guerra Mundial; o Tratado de Paz entre a Jordânia e Israel.• Declaração: é um tratado que cria princípios gerais, mas não gera compromissos para os sujeitos de direito internacional. Exemplo: Declaração do Rio de Janeiro sobre Florestas.• Acto: é um tratado que cria regras de direito; não produzem efeitos jurídicos obrigatórios, mas apenas morais.• Carta ou Pacto: pode ser tanto um tratado solene, que cria uma Organização Internacional e define seus atributos, composição, objectivos, como o faz a Carta da Organização das Nações Unidas ou o Pacto das Nações, que criou a Liga das Nações, após a Primeira Guerra Mundial, ou outros tratados importantes que estabelecem direitos e deveres para as partes, a exemplo da Carta Social Europeia.• Estatuto: também define os tratados que criam uma Organização Internacional, estabelecem suas normas gerais, os critérios de funcionamento, similar aos estatutos que normalizam pessoas jurídicas de direito interno, de onde se tira a origem do nome. Exemplo: Estatuto da Corte Internacional de Justiça.• Acordo: muitas vezes, utiliza-se a expressão de forma genérica (acordo entre Estados), mas o uso mais comum em direito internacional é para tratados de cunho económico, financeiro, comercial ou cultural. Exemplos: os acordos constitutivos da Organização Mundial do Comércio, os Acordos de Renegociação da Dívida Externa com o Fundo Monetário Internacional.• Concordata: tratados de cunho religioso, entre Estados ou mesmo entre Estados e a Santa Sé, cujos poderes de celebrar tratados são mais restritos do que nos demais casos.• Compromisso: tratado pelo qual os sujeitos de direito internacional aceitam submeter-se a uma arbitragem.• Convénio: tratado em matéria cultural ou de transporte.• Contrato: tratado entre Estados, pelo qual um Estado se submete à lei de outro em determinado assunto.

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Estas mesmas categorias são usualmente encontradas no direito interno dos Estados, por exemplo, em direito dos contratos, administrativo ou constitucional. No entanto, são categorias com definições distintas e não merecem ser confundidas. Contrato e acordo, por exemplo, são categorias de direito privado, que não guardam relação com as definições das mesmas categorias em direito internacional. No direito interno, um contrato é feito entre pessoas físicas ou empresas, por exemplo. No direito internacional, é realizado entre sujeitos de direito internacional, ou seja, entre Estados e Organizações Internacionais.

Categorias mais utilizadas: convenções, protocolos e troca de notas e suas diferentes acepções

Alguns termos são mais comumente encontrados no direito internacional, como convenções, protocolos e trocas de notas, mas com diferentes acepções.

a) Convenção: Tem carácter mais amplo, cria normas gerais. Há ainda a expressão convenção-quadro, que significa um tratado “guarda-chuva”, ainda mais geral, que depois será regulamentado por outras convenções um pouco menos gerais. As Convenções são reguladas por outros tratados mais específicos, como os protocolos, que realmente criam obrigações concretas para as partes. As convenções nem sempre são obrigatórias, mas reflectem um primeiro passo no processo de negociação. Assim, a Agenda 21 é uma Convenção-Quadro, que prevê outras convenções. Entre as Convenções que regulamentam a Agenda 21, encontramos a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ambas adoptadas no Rio de Janeiro, em 1992. A Convenção sobre a Diversidade Biológica gerou obrigações mais concretas com o Protocolo de Cartagena, sobre o Comércio de Organismos Vivos Modificados (popularmente conhecidos por organismos transgénicos). A Convenção sobre as Mudanças Climáticas foi regulamentada pelo Protocolo de Kyoto.

b) Protocolo: É um tratado que regula outro tratado mais geral, como uma convenção, ou que altera determinado ponto de um tratado anterior. De forma didáctica, pode ser comparado a um decreto que regula uma lei, por exemplo. Neste sentido, apenas pode ratificar um protocolo quem ratificou o tratado mais genérico. Exemplo: Protocolo de Cartagena sobre o Comércio de Organismos Vivos Modificados, que regulamenta a Convenção sobre a Diversidade Biológica.

A categoria protocolo é principalmente encontrada em uma das quatro situações:• Protocolo de assinatura: esclarece a interpretação das partes sobre termos do próprio tratado e cuja ratificação é operada junto com o tratado principal.• Protocolo opcional a um tratado: estabelece direitos adicionais, que podem estar vinculados a outras obrigações. Neste caso, cada parte irá avaliar se deseja comprometer-se, além do tratado principal. O documento pode ser formulado concomitantemente ao tratado principal, mas a sua ratificação é independente. Ex: Protocolo Opcional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966.• Protocolo no contexto de uma Convenção-Quadro: regulamenta as normas de uma convenção, com o objectivo de criar obrigações específicas. Ex.: enquanto a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas indica a necessidade de encontrar

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mecanismos para reduzir o problema do aquecimento global, o Protocolo de Kyoto regula o mecanismo de desenvolvimento limpo.• Protocolo de emenda: altera determinados pontos do tratado principal, mas não a sua essência.Em português, a expressão mais correcta seria Protocolo que emenda o tratado, mas a tradição jurídica preferiu a tradução inapropriada. Ex.: Protocolo de emenda ao Acordo TRIPS da OMC, sobre acesso a medicamentos em casos de doenças graves.

c) Troca de notas: As expressões troca de notas ou troca de cartas também guardam pluralidade de usos. Em geral, são tratados de natureza administrativa, que cuidam de procedimentos burocráticos adoptados entre os dois Estados, normalmente inseridos no quadro de cooperação internacional mais ampla.

Além de denominar tratados administrativos, a categoria é comumente utilizada para identificar os instrumentos que marcam o processo de negociação dos tratados bilaterais, tanto dos documentos intermediários entre os Estados como da troca dos instrumentos de ratificação. O termo ainda é bastante utilizado para referir-se à troca de correspondências entre embaixadas ou consulados, devidamente assinadas e com o selo da representação diplomática.