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FOTOGRAFIA E ARQUIVO Graça Barradas Inês Azevedo Joana Mateus Editores Centro de Estudos Arnaldo Araújo Escola Superior Artística do Porto CEAA I

CEAA I - comum.rcaap.pt e... · refletiu sobre o tema da arquivística e conservação de fotografia; o ... Eduarda Neves O ANTERIOR E INTERNO AO FAZER. DESENHO A PARTIR DE IMAGENS

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FOTOGRAFIA E ARQUIVO

Graça Barradas

Inês Azevedo

Joana Mateus

Editores

CEAA Edições Caseiras 25 I

Centro de Estudos Arnaldo Araújo

Escola Superior Artística do PortoCEAA I

escola

superior

artística do porto

cooperativade

ensino

superior

artístico do porto.CRL

As Edições Caseiras, publicadas pelo Centro de Estudos Arnaldo

Araújo da ESAP, pretendem divulgar em pequenos cadernos,

estudos académicos sujeitos a revisão por pares (peer review),

elaborados no seu âmbito de investigação e interesses.

Fotografia e Arquivo organiza-se em volta de três temas distintos,

mas que se complementam: o primeiro “Arquivos”, no qual se

refletiu sobre o tema da arquivística e conservação de fotografia; o

segundo “Arquivo” incidiu no uso do arquivo a partir da prática

artística; e o terceiro tema “Narrativas” que pensou a concepção

do arquivo como veículo para a construção de narrativas e

interpretações.

Centro de Estudos Arnaldo Araújo

Escola Superior Artística do Porto

Graça Barradas, Inês Azevedo e Joana MateusEditores

FOTOGRAFIA E ARQUIVO

Edições Caseiras / 25

Título:

FOTOGRAFIA E ARQUIVO

Editores:

Direcção gráfica:

Jorge Cunha Pimentel

Arranjo gráfico:

Joana Couto

Edição:

Centro de Estudos Arnaldo Araújo da CESAP/ESAP

Propriedade:

Cooperativa de Ensino Superior Artístico do Porto

R. do Infante D. Henrique, 131

4050-298 PORTO, PORTUGAL

Telef.: +351 223 392 100/40

Fax: +351 223 392 101

1ª edição, Porto, Julho de 2015

Tiragem: 500 exemplares

Escola Superior Artística do Porto

Largo de S. Domingos, 80

4050-545 PORTO PORTUGAL

Telef.: +351 223392130

Fax.: +351 223392139

e-mail: [email protected]

www.ceaa.pt

Graça Barradas, Inês Azevedo e Joana Mateus

© dos autores e CESAP/CEAA, 2015

Impressão e acabamento:

Litoporto Artes Gráficas Lda

ISBN: 978-972-8784-67-6

Depósito Legal: 396207/15

Este livro foi sujeito a arbitragem científica (double blind peer

review). Referees: Alexandra Trevisan, Francisco Jesus, Joana

Brites, Maria Helena Maia, Pedro Bandeira, Rui Prata e Sílvia

Vieira de Almeida

Esta publicação é co-financiado pela Fundação para a Ciência

e a Tecnologia I.P. (PIDDAC) e pelo Fundo Europeu de

Desenvolvimento Regional – FEDER, através do COMPETE

– Programa Operacional Fatores de Competitividade (POFC),

no âmbito do projecto "Fotografia, Arquitectura Moderna e a

«Escola do Porto»: Interpretações em torno do Arquivo

Teófilo Rego" (PTDC/ATP-AQI/4805/2012)

A obtenção dos direitos de reprodução das imagens é da

exclusiva responsabilidade dos autores dos textos a que as

mesmas estão associadas, não se responsabilizando os editores

por qualquer utilização indevida e respectivas consequências

Centro de Estudos Arnaldo Araújo

NOTA INTRODUTÓRIA

TRABALHANDO NUM ARQUIVO. UMA ABORDAGEM

INTEGRADA AO FUNDO “TEÓFILO REGO – FOTO

COMERCIAL”

Joana Mateus e Inês Azevedo

O FUNDO FOTOGRÁFICO TEÓFILO REGO.

DA PRESERVAÇÃO AO ACESSO ONLINE

Graça Barradas

CONSERVAÇÃO DE FOTOGRAFIA.

PERSPETIVAS DE UMA FOTÓGRAFA NUM ARQUIVO

Cláudia Gaspar

DO ARQUIVO COMO NORMALIZAÇÃO AO ARQUIVO

COMO CRIAÇÃO

Eduarda Neves

O ANTERIOR E INTERNO AO FAZER.

DESENHO A PARTIR DE IMAGENS DO ARQUIVO

PESSOAL

Irene Loureiro

O OBJECTO NO CENTRO:

O ESPÓLIO COMO METODOLOGIA

Aida Castro

EM EXPOSIÇÃO: O FUNDO FOTOGRÁFICO TEÓFILO

REGO E AS “EXPOSIÇÕES MAGNAS”

Inês Azevedo e Joana Mateus

Graça Barradas, Inês Azevedo e Joana Mateus

Índice

7

9

19

29

37

41

51

59

Este livro apresenta uma selecção de artigos parcialmente desenvolvidos a

partir das comunicações apresentadas no âmbito das I Jornadas FAMEP –

Fotografia e Arquivo, organizadas pelo Projecto Fotografia, Arquitectura

Moderna e a “Escola do Porto”: interpretações em torno do Arquivo Teófilo

Rego. Estas jornadas foram organizadas com o objectivo de dar a conhecer

publicamente uma primeira reflexão sobre a relação entre fotografia e

arquivo, tendo como principal objecto de estudo o Arquivo Fotográfico

Teófilo Rego (Museu Casa da Imagem).

Fotografia e Arquivo organiza-se em volta de três temas distintos, mas que se

complementam: o primeiro “Arquivos”, no qual se refletiu sobre o tema da

arquivística e conservação de fotografia; o segundo “Arquivo” incidiu no uso

do arquivo a partir da prática artística; e o terceiro tema “Narrativas” que

pensou a concepção do arquivo como veículo para a construção de narrativas

e interpretações.

NOTA INTRODUTÓRIA

Graça Barradas, Inês Azevedo e Joana Mateus

7

Um Museu para um arquivo

Partindo da apresentação do Museu Casa da Imagem, este texto dá a conhecer

as suas diferentes linhas de ação intensamente articuladas em torno de um

arquivo, através da abordagem integradora do seu Serviço Educativo.

Pretende-se expôr uma representação geral e abrangente deste projeto

museológico, dando destaque e aprofundamento aos concetos subjacentes à

exposição permanente, que constitui a sua linha de ação central e possibilita a

configuração das restantes ações.

O Museu Casa da Imagem (MCI), entidade dependente da Fundação Manuel

Leão, iniciou a sua atividade projetual em 2011, com a criação da Casa da

Imagem, como então foi designado. A Casa da Imagem, estrutura aberta ao

público, teve como objetivos iniciais: a preservação e investigação do Fundo

“Teófilo Rego – Foto Comercial” — representativo da atividade pessoal e

comercial de um fotógrafo ativo entre os anos 40 e 90 do séc. XX — adquirido

pelo instituidor da Fundação Manuel Leão e posteriormente doado à

Fundação, entre 1999 e 2001; a criação de um projeto museológico que

integrasse o referido acervo, com referência a interpretações educativas,

históricas, científicas e artísticas alargadas sobre a produção das imagens; o

desenvolvimento e a implementação de um serviço educativo, que

desenvolvesse parcerias de trabalho com as escolas locais na área da

educação artística.

Em Agosto de 2014 foi formalmente constituído pela Fundação Manuel Leão

o Museu Casa da Imagem (MCI). Pertencem ao seu Arquivo o Fundo

“Teófilo Rego - Foto Comercial” juntamente com outras coleções: a Coleção

de Dispositivos Óticos, a Coleção de Projetos Escolares, o Arquivo de

projetos Científicos, a Coleção de Projetos Artísticos.

O MCI estabelece como funções da sua atividade promover o estudo e a

investigação do acervo, proceder ao inventário e documentação dos bens

culturais nele incorporados, garantindo as suas condições de conservação,

segurança e restauro de acordo com prioridades de conservação preventiva,

permitindo o desenvolvimento de ações de interpretação, exposição e

educação. O seu arquivo tem vindo a ser ampliado através de incorporações

resultantes de compra e doação que funcionam como um importante

instrumento da sua valorização, resultante do acompanhamento da actividade

TRABALHANDO NUM ARQUIVO. UMA ABORDAGEM

INTEGRADA AO FUNDO “TEÓFILO REGO – FOTO 1COMERCIAL”

Joana Mateus e Inês Azevedo

1. Este trabalho é co-financiado pela Fundação para a

Ciência e a Tecnologia I.P. (PIDDAC) e pelo Fundo

Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER,

através do COMPETE – Programa Operacional

Fatores de Competitividade (POFC), no âmbito do

projecto PTDC/ATP-AQI/4805/2012 ("Fotografia,

Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»:

Interpretações em torno do Arquivo Teófilo Rego").

9

2científica, artística e educativa, no seu âmbito temático e disciplinar.

A articulação das diversas linhas de ação – exposições temporárias,

estudos, investigação, recuperação e conservação preventiva e serviço

educativo — na linha de ação central do Museu

O caráter das exposições temporárias realizadas no Museu Casa da Imagem

manifesta, desde o início, a vontade de articular as propostas artísticas que aí

aconteçam com a identidade do arquivo e do corpo expositivo permanente do

Museu. O trabalho pessoal de cada artista relaciona-se, a vários níveis e

intensidades, com o conteúdo e o conceito do MCI, problematizando o seu

objeto e a sua constituição como arquivo. Por um lado, o corpo expositivo

permanente permanece a base a partir do qual se desenvolvem outros

discursos complementares e outras abordagens à interpretação da imagem.

Por outro lado, esse corpo cresce e desenvolve-se alimentado por essas outras

interpretações e novas ligações estabelecidas com o conceito central do

Museu: a imagem enquanto construção de sentido através da experiência

complexa de ver.

A primeira exposição temporária, inaugural, foi constituida em Setembro de

2011 com base numa seleção avulso de imagens fotográficas e objetos do

Fundo Fotográfico Teófilo Rego. Com o objetivo de dar início ao trabalho

sistemático de interpretação artística a partir do arquivo, culminando na

conceção de exposições temporárias, foi lançado, em Outubro de 2012, o

Projeto de Arte Contemporânea Imagens Latentes assim resumido pela sua

Direção Artística: “Este projecto, ao articular vários momentos de trabalho,

investigação e conversa, constrói-se como uma rede de relações. (…)

pretender-se-á convocar tanto os participantes activos do processo artístico,

assim como intervenientes que expandam o trabalho realizado e potenciem

articulações com o espólio do fotógrafo Teófilo Rego, pertencente à 3Fundação Manuel Leão.” A primeira das residências coube a Manuel Santos

Maia, concretizada na exposição “É a minha própria casa, mas creio que vim

fazer uma visita a alguém”, seguido de “HOTAL” de Mónica Baptista e

“Grande Hotel #1:Porto” de Luísa Homem. Através do trabalho de criação e

de investigação de cada artista se viu ampliar o campo da experiência possível

de realizar com os dispositivos do Museu.

A estes projetos, concebidos em torno do arquivo, se juntam três outros: a

exposição de Irene Loureiro “Mão que Dá, Mão que Atira”, um “projeto que

se relaciona com a construção de um arquivo e as narrativas que dele partem,

orientado para a discussão sobre a construção de sentido e a composição de

novas imagens para o artista, propondo uma abordagem que quebra a

linearidade horizontal da leitura mas que abre à criação pessoal de novas

associações entre imagens, partindo dos conceitos de palimpsesto e 4anacronismo” ; o evento de Maria Mire “Lanternas — projeções num espaço

pré-museológico” um trabalho que resgata aparelhos ópticos da colecção do

10

2. Fundação Manuel Leão — Programa Museológico

do Museu Casa da Imagem, 2014.

3. Cristina Mateus e Maria Mire — “Imagens

Latentes — projeto para exposições, conversas e

oficinas” in www.casa.fmleao.pt/projeto/89, 2012,

consultado em Out. 2014.

4. Irene Loureiro— “Mão que Dá, Mão que Atira —

folha de sala”. Vila Nova de Gaia: Casa da Imagem,

2014.

Museu, para “iluminar pequenas acções sobre estes dispositivos da 5imagem” ; a performance “Curva Ascendente” de Tânia Dinis, “a exploração

do confronto da imagem com aqueles nela representados, recorrendo a 6suportes e dispositivos de imagem associados ao universo afectivo familiar” .

Estas três propostas expositivas trabalham vertentes muito diversas do Fundo

Fotográfico Teófilo Rego, operando a articulação dos contextos específicos

de reflexão prática de cada artista com os objetos do corpo expositivo

permanente do Museu. Permitiram expôr diferentes caráteres desse Fundo, 7realizando construções significativas através de um modo de ver moderno ,

conferindo-lhe identidade a partir do conhecimento e reconhecimento das

suas imagens.

Ainda no âmbito das exposições temporárias, o Museu tem vindo a contribuir

para a concretização de projetos expositivos resultantes do trabalho dos

alunos e professoras de instituições educativas parceiras do Museu,

divulgando o trabalho artístico e educativo que se vai realizando nas escolas.

O Museu acolhe a atividade da educação artística pela sua possibilidade de

cofigurar um terreno de discussão alargado sobre certos modos actuais de

apreensão, transmissão e experiência sobre a imagem. Revela-se

fundamental na criação de laços entre as entidades Museu e Escola, abrindo a

possibilidade de uma colaboração mais aproximada e significativa, de acordo

com as orientações de ação expressas nos objetivos do Museu.

A realização de diversos estudos, direta ou indiretamente, sobre o Fundo

Fotográfico Teófilo Rego e restantes objetos do Museu permitem sustentar e

desenvolver a conceção da exposição permanente. Os estudos levados a cabo

no espaço do Museu Casa da Imagem são particularmente importantes para

sua a dinâmica de funcionamento. Estabelecem-se como outro modo de

realizar a construção de discursos, de interpretações e de imagens

paralelamente às propostas expositivas do Museu. Contribuem para a

articulação do corpo expositivo com as propostas artísticas e educativas, já

que concretizam conhecimentos e práticas que se tornam partilhados e

comuns aos intervenientes. Desde 2008 que o Fundo “Teófilo Rego - Foto

Comercial” tem sido objeto de estudo por parte da Fundação Manuel Leão, 8tendo daí resultado quatro publicações . Em 2013 foi realizado um estudo

sobre o registo através da luz para o Serviço educativo do Museu por parte de 9Mónica Faria, Inês Azevedo e Joana Mateus . Já em 2014, a equipa do Museu

desenvolveu uma edição sobre dispositivos óticos, de título “Cartilha das 10Maravilhas” que servirá de caderno de apoio ao projeto escolar 2014/2015.

Dando continuidade e permanência aos estudos sobre o fundo de Teófilo

Rego, as parcerias escolares, de acordo com as dinâmicas estabelecidas em

cada programa de colaboração, realizam tarefas de inventariação e registo

fotográfico dos objetos do acervo, tarefas de interpretação e de

experimentação técnica e artística. O Museu tem vindo a estabelecer

protocolos com estabelecimentos de ensino nas áreas da museologia e da

11

5. http://www.casa.fmleao.pt/evento/254.

6. http://www.casa.fmleao.pt/evento/262.

7. Susan Sontag — Ao mesmo tempo. Lisboa:

Quetzal Editores, 2011, p. 144.

8. Livros de fotografias Rostos, Arquitectura, Douro

e Mar. Edições Fundação Manuel Leão.

9. Mónica Faria, Inês Azevedo e Joana Mateus—

”Body's formless fragment becomes a piece of the

world” in Chloe Briggs (ed.) Seventy-two

assignments — the foundation course in art and

design today. Paris: PCA Press, 2013.

10. No prelo.

conservação e restauro, da fotografia, das artes plásticas, do multimédia.

Entre estas diversas articulações, a colaboração com a Átomo 47, um

laboratório de fotografia e cinema independente acolhido nas instalações do

Museu, tem-se revelado fundamental. Permite dinamizar a preservação do

conhecimento teórico e prático das tecnologias analógicas da produção da

imagem pela luz. Através da coordenação de Ricardo Leite, tem sido

desenvolvido na Casa da Imagem o estudo experimental e a pesquisa

científica de novas alternativas biodegradáveis aos tradicionais químicos

utilizados na revelação de película. Foram já realizadas formações destes

novos métodos com crianças desde os 3 anos de idade e com adultos, junto de

escolas do distrito do Porto e também a nível internacional. A área da

produção fotográfica amplamente representada no arquivo do Museu,

concretiza-se em termos da sua experimentação efectiva, porém, respeitando

uma consciência contemporânea sobre a necessidade da responsabilidade

ecológica e ambiental da produção artística.

A par dos estudos, a investigação científica no Museu Casa da Imagem 11contribui para a concretização dos objectivos estabelecidos para o Museu de

documentar, conservar, divulgar e investigar o património científico, cultural

e artístico que tem à sua guarda, de forma integrada e significativa. Neste

âmbito, o Museu desenvolve o projeto de investigação "Projecto Fotografia,

Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»: interpretações em torno do

Arquivo Teófilo Rego", em parceria com o Centro de Estudos Arnaldo Araújo

da Escola Superior de Artes do Porto e financiado pela Fundação Ciência e

Tecnologia. A partir desta investigação fica assinalada uma parte significativa

do Fundo “Teófilo Rego — Foto Comercial”, respeitante à arquitetura,

incluindo-a na história da fotografia em Portugal e contribuindo, assim, para

a divulgação do Fundo Fotográfico do Museu. O projeto permite, também,

conservar e recuperar um conjunto importante de imagens fotográficas,

efetivando uma importante linha de ação do Museu, a recuperação e

conservação preventiva dos espécimes fotográficos do Fundo “Teófilo Rego

— Foto Comercial”. Este trabalho tem sido realizado simultaneamente ao

trabalho de inventário geral do fundo e procedimentos de conservação noutra

amostra do mesmo fundo, por parte de um técnico de conservação e restauro

afecto à equipa do Museu. O acesso ao arquivo de imagens fotográficas por

parte dos investigadores, tal como aos técnicos do museu que mais

diretamente trabalham na gestão das coleções, em programas educativos e de

extensão cultural, foi antecipado no Plano de Conservação Preventiva do

Museu, por se considerar indispensável para a dinamização das suas linhas de

ação.

A produção de um discurso científico, em torno de questões específicas da

relação entre arquitectura e fotografia, faz sentido para o Museu na medida

em remete, não só para o público especializado, mas também para o grande

público, promovendo o contacto deste com o arquivo do Museu. Tal será 11. Fundação Manuel Leão — Regulamento Museu

Casa da Imagem, 2014.

12

possível através da constituição de uma base de dados on-line para as imagens

do Fundo Fotográfico, no âmbito do projeto de investigação; e,

particularmente, através de uma exposição final do Projeto, construída de

acordo com a investigação do Serviço Educativo do Museu, integrada nos

trabalhos do Projeto, e articulada com o seu corpo expositivo permanente.

A exposição que permitirá esse contato do público com o projeto de

investigação e o Fundo Fotográfico resultará numa interpretação complexa

do lugar da imagem fotográfica na história da arquitectura e da fotografia,

mas fará, também, por problematizar a própria fotografia enquanto imagem,

abrindo as possibilidades de encontro e diálogo com o objeto fotográfico

enquanto tal. Proporcionará o encontro com o objeto de problematização

essencial da exposição permanente, a questão do ver, tal como será enunciado

na segunda parte deste texto. Irá constituir uma proposta de articulação com o

corpo expositivo do Museu, na medida em que evidenciará, em coerência,

uma certa construção de discurso sobre a imagem.

Na base do discurso interpretativo da exposição estará, inevitavelmente, a

consideração de que os espécimes fotográficos integrados no projeto de

investigação e restantes materiais e objetos do corpo expositivo do Museu 12apresentam lacunas , marcas muito visíveis da passagem do tempo, da ruína,

do destroço. Estas são imagens críticas, no sentido atribuido por Didi-

Huberman, nelas operando um trabalho crítico da memória e uma dialética:

”Falar de imagens dialéticas é, no mínimo, projectar uma ponte entre a dupla

distância dos sentidos (os sentidos da sensibilidade, o óptico e o táctil, neste

caso) e a dos sentidos (os sentidos semióticos, com os seus equívocos, os seus 13espaçamentos próprios)” . É, portanto, necessário reconhecer um duplo

modo de ver as imagens com que se lidam no projeto de investigação e

procurar expô-las respeitando essa diferença e especificidade. Será função do

Serviço Educativo, em colaboração com a restante equipa do projeto,

conceber uma proposta expositiva dedicada ao público tido como viajante

estrangeiro, orientada para a problemática do ver, de acordo com o sentido de

experiência museológica paradigmático do Museu Casa da Imagem.

Efetivamente, o serviço educativo do Museu Casa da Imagem é o pólo a partir

do qual se orientam as suas diversas linhas de ação, para que se usufrua delas

significativamente e daí derivem múltiplas aprendizagens. As suas atividades

têm vindo a ser concebidas como resultado dos estudos e da experimentação

da equipa do Museu, dos seus colaboradores e dos artistas que já aí

expuseram e realizaram dispositivos que pertencem ao universo de

referências do arquivo do Museu. São disso exemplos a montagem de câmara

escuras, caixas óticas, lanternas mágicas, as projeções múltiplas, a utilização

de material de visualização obsoleto como os retroprojetores, os

estereoscópios, as técnicas de impressão artesanal, os dioramas em papel, as

cianotipias. Uma parte destes objetos, técnicas e dispositivos fez parte do

projeto com escolas do ano letivo passado És um postal – que parte de uma

13

12. Inês Azevedo, Joana Mateus, Assunção Pestana

— “Lacunas and their interpretations: a

contemporary look at the photographic work of

Teófilo Rego”in Contemphoto'13 - Contemporary

Photography Conference. Visualisation & Urban

History in Contemporary Photography, Istanbul:

Dakam Publishing, , 2013, pp. 28-35.

13. Didi Huberman— O que nós vemos, o que nos

olha. Porto: Dafne Editora, 2011, p. 141.

coleção de Postais com fotografia de Teófilo Rego realizados nos anos 80 por

encomenda do Colégio do Perpétuo Socorro, no Porto. Uma outra parte faz

parte do projeto escolar para o corrente ano letivo e outra ainda tem vindo a

ser trabalhada num conjunto mais alargado de experiências práticas em forma

de oficina que pertencem à oferta educativa anual do Museu.

O Serviço Educativo concretiza, assim, a desejada articulação entre as linhas

de ação do Museu e o seu corpo de imagens, primeiramente reconhecido na

exposição permanente do Museu. Por seu lado, os projetos expositivos

temporários por artistas e escolas, os estudos, a investigação, a recuperação e

conservação preventiva, vão formando uma rede distribuída de informações,

histórias, experiências e conhecimento que suportam a atividade do Serviço

Educativo.

Linha de ação central: a exposição permanente do Museu Casa da

Imagem

Em 2013, foi montada a exposição permanente no espaço expositivo do

1ºpiso do edifício do Museu, numa conceção integrada do arquivo em geral,

articulada em torno do conceito de imagem e compreendendo tanto as

imagens fotográficas como os dispositivos para visualizar, criar, reproduzir,

registar e capturar, expor, divulgar e experimentar imagens. Deu-se início a

um importante processo de apresentação aos professores e alunos do projeto

museológico em desenvolvimento, considerando-se a necessidade de ir

sempre reformulando o objeto expositivo e a forma de o expôr em função das

interpretações, das relações e da experiência que vão sendo expostas e

comunicadas pelo seu público.

A exposição liga as histórias das imagens aos dispositivos que as

acompanham e integra coleções de fotografias, câmaras fotográficas e de

cinema e dispositivos óticos desde o séc. XVII até ao séc. XXI, com especial

enfoque para os objetos e fotografias do Fundo ”Teófilo Rego – Foto

Comercial”. Este Fundo compreende 50 anos de trabalho fotográfico

susceptível de servir a documentação e a representação do património

histórico e quotidiano do norte de Portugal, colecionado e produzidos entre

finais dos anos 40 e anos 90 do séc. XX, na cidade do Porto. Inclui máquinas

fotográficas de coleção e material de estúdio e laboratório do fotógrafo, bem

como uma grande diversidade de espécies fotográficas: negativos de gelatina

e prata em acetato de celulose e vidro, negativos cromogéneos em acetato,

diapositivos cromogéneos, provas em papel de revelação plastificadas e

fotolitos.

Têm lugar na exposição permanente as outras coleções de dispositivos óticos,

de projetos escolares, artísticos e científicos relevantes para a

contextualização histórica da produção da experiência e do conhecimento

sobre a imagem, resultantes do cruzamento entre ciência, tecnologia e artes.

Na conceção do projeto expositivo, decidiu-se que os espaços deveriam

14

manter o caráter original de casa de família, como forma de invocar as

referências históricas do lugar e, simultâneamente, referências da história da

museologia: os Quartos de Maravilhas e os Gabinetes de Curiosidades. Esta

escolha permite estabelecer uma ponte entre esses espaços de experiência

imersiva do passado, os Quartos de Maravilhas, e os modos de realidade

virtual do presente. Permite, também, compreender a constituição histórica

do observador iniciada com a sistematização e categorização dos Gabinetes

de Curiosidades.

Os Quartos de Maravilhas instalados nas casas da realeza do séc. XVI e XVII,

eram locais de visita e de encontro, onde conviviam formas dos reinos da

Naturalia e da Artificialia em confusão e devaneio, deslocadas dos seus

contextos de origem e expostas à especulação. Da Naturalia faziam parte as

plantas, animais e minerais e à Artificialia pertenciam todas as coisas feitas

pelo homem. Os objetos dos Quartos de Maravilhas eram escolhidos, não por

uma certa ordem ou interesse particular, mas pelas suas qualidades

enigmáticas e exóticas, a sua estranheza, raridade, os valores místicos e

superstições associadas, ou o carácter de fragmento e de ruína de um mundo

que ainda estava a ser descoberto pela sociedade ocidental. Nestes espaços

encontravam-se armários, mas abertos, pois não continham absolutamente os

objetos expostos. Pelo contrário, estes iam-se fixando e pendurando às

paredes e ao teto. As maravilhas saíam do armário para, na sua aparência,

serem vistas e tocadas pelo observador e para elas próprias olharem o

observador, atingido na sua susceptibilidade.

Iniciada a tarefa de inventariar os objetos pertencentes ao fundo do Teófilo

Rego e que pertencem à sua coleção de câmaras e ao material de estúdio e

laboratório utilizados pelo fotógrafo na sua atividade comercial, muitos

desses objetos pareceram, precisamente, enigmáticos, estranhos, fragmentos

de um contexto desconhecido. Foi, então, realizada, em certa confusão e

incerteza a primeira proposta expositiva deste acervo, sujeitada à

especulação do visitante. Pretendeu-se compor um cenário no qual os objetos

surgissem como adereços: nas salas degradadas pela humidade — tetos

caídos, madeiras corroídas — do espaço do Museu destinado à exposição, as

câmaras e demais coisas do estúdio do fotógrafo compõem um ambiente que

evoca intensamente todos os sentidos, num espaço singular e fora do nosso

tempo.

O Museu, ao propor o retomar de um modo arcaico de experiência imersiva

— Os Quartos de Maravilhas — pretende que o observador seja completado

pelo utilizador, implicando as outras dimensões da perceção. Neste âmbito, é

fundamental a investigação de Maria Teresa Cruz, apoiada em McLuhan e em

Jonathan Crary, em torno dos media e da tecnologia nas suas relações com a

arte e o ser humano A autora fala sobre como a tecnologia transforma as

relações dos sentidos e dos modelos de perceção, produzindo uma “a criação

de uma estrutura tecnológica de sensibilidade artificial traz consigo

15

alterações que se manifestam ao nível da afeccionalidade em geral,

nomeadamente ao nível das emoções e das paixões, ou do que chamava um 14«clima emotivo».” A tecnologia opera o “aparelhamento técnico da

percepção” que, hoje, não incide “privilegiadamente na visão, mas antes num 15modelo multisensorial” .

A tecnologia apresentada no Museu, sendo obsoleta, é estranha para a maioria

dos visitantes (crianças e jovens). É notório como sentem um confronto físico

com o espaço em ruína e com o caráter enigmático dos objetos expostos, e nos

comentários que vão fazendo, revelam-se receios, fascínios e superstições. O

visitante é convidado a procurar sentido e forma na exposição, a especular a

partir de analogias entre os aparelhos do seu mundo e as coisas do fotógrafo.

Disponibilizamo-nos a auxiliar o curioso a reconhecer a operatividade dos

dispositivos e a relacionar-se com eles fisicamente manipulando-os,

experimentando-os, descobrindo outras novas e diferentes mecânicas das

coisas, induzindo o odor de um clima sensorial e emotivo que já não existe de

outra forma que não a de destroço.

A museologia evoluirá num sentido muito diverso dos Quartos de

Maravilhas: estes estabeleceram um modo de experiência que, com os

Gabinetes de Curiosidades e o Iluminismo, foi substituído por uma visão

moderna que constituiu o sujeito em observador, com consequente

valorização da visão, sobretudo em termos científicos, filosóficos e políticos.

Nos séculos que se seguem, os Quartos de Maravilhas são desmantelados em

prol da categorização científica que confina os espécimes a contentores cada

vez mais específicos e especializados.

Celeste Olalquiaga refere que “By taking the collections off the walls and

ceilings and enclosing them instead within the cofines of shelves and

drawers, cabinets in general acted as mediators between objects and

spectators, adding a layer of concealement and distance to what had until then

been presented as an integral part of the viewer's universe, not somethhing 16that required differentiation.”

Efetivamente, com o desenvolvimento da ciência, os Gabinetes de

Curiosidades passaram a expor os seus objectos de modo a demonstrar o

conhecimento e sua sistematização. O armário com vidro, a vitrina, é

instaurado como dispositivo de exposição, uma alteração que distancia o

observador do objeto e que conduz a sua percepção por um movimento de

leitura baseado num entendimento linear e categórico. O observador

compreende, primeiramente, um todo previamente classificado e organizado

em prateleiras e gavetas e, posteriormente, o objecto como parte desse todo.

Este modo de experiência distanciada existe no Museu em confronto com o

modo emersivo e sensorial, para que se tome consciência dessa diferença e,

ao mesmo tempo, se tire partido das qualidades de cada qual. Nesse processo,

propõe-se ao visitante que experiencie o Museu à maneira do viajante 17estrangeiro que, conta-nos João Carlos Brigola , ia conhecer os Quartos de

14. Maria Teresa Cruz — “Da nova sensibilidade

artificial” in http://bocc.ubi.pt/pag/cruz-teresa-

sensibilidade-artificial.html, 2000, consultado em

Out. 2014.

15. Maria Teresa Cruz — “Da nova sensibilidade …”

16. Celeste Olalquiaga — “Object Lesson /

Transitional Object” in Cabinet, nº 20 Shadows,

2005, pág. 8.

17. João Carlos Brigola — Os viajantes e o «livro

dos museus». Porto: Dafne Editora / CHAIA, 2010.

16

Maravilhas e, mais tarde, os Gabinetes de Curiosidades; entender o visitante

como viajante revela uma preocupação fundamental em conceber a figura do

público na relação com o objeto expositivo: um sujeito ativo na interpretação

das imagens e das suas histórias e participante na sua escrita.

O Museu concebe e articula os espaços da exposição permanente de forma a

tornar possível colocar questões críticas sobre os problemas do ver que são, 18fundamentalmente, questões sobre o corpo e a operação do poder social .

Para tal, em primeiro lugar, promove a consideração do observador como um 19efeito de um sistema discursivo, social, tecnológico e institucional e integra

dispositivos óticos que vão correspondendo à transformação do estatuto do

observador desde o séc. XVII até à actualidade; em segundo lugar, propõe a

abordagem crítica da centralidade da visão, como teoria, panóptico ou

espectáculo, pelos seus efeitos perversos; em terceiro lugar, instiga a

compreender a mutação drástica da natureza da visualidade, em decurso na

atualidade, pela qual as imagens visuais deixam de ter qualquer referência à

posição de um observador localizado num mundo real, percepcionado 20óticamente ; e, paralelamente, promove uma abordagem integrada das várias

coleções que constituem o arquivo e o entendimento do mesmo como um

campo de trabalho hipertextual, ou seja, distribuído e cruzado.

O Museu Casa da Imagem, tendo como eixo central a exposição permanente,

vai concebendo, através do Serviço Educativo, a integração das várias linhas

de ação, provocando a alternância do objeto de referência e de estudo num

entrecruzamento de perspectivas e propostas interpretativas a partir do

arquivo e que o vão, simultaneamente, constituindo.

18. Jonathan Crary — Techniques of the Observer.

Cambridge/London: MIT Press, 1990, p.3.

19. Jonathan Crary — Techniques of …, p.6.

20. Jonathan Crary — Techniques of …, p.2.

17

Recuperação e preservação de fundos fotográficos

Em Portugal, os estúdios fotográficos começaram a surgir em meados da

segunda metade do século XIX, sobretudo nas grandes cidades, e alguns anos

mais tarde nas cidades do interior. No Porto, alguns dos primeiros fotógrafos,

ainda amadores, foram estrangeiros, como o escocês Frederick William 2Flower (1815-1889) e o inglês Joseph James Forrester (1809-1861). Os

estúdios fotográficos começaram a emergir na invicta inicialmente

vocacionados para a fotografia de retrato, como o estúdio de Miguel Novaes,

fundado no Porto em 1854, ou os seus contemporâneos João Baptista Ribeiro

(1790-1868) ou Domingos Pinto de Faria (1827-1871). Mais tarde destacar-

se-iam ainda os estúdios da Casa Biel (anteriormente Casa Fritz) de Emílio

Biel (1838-1915) adquirida em 1874; a Fotografia Alvão (anteriormente Foto

Velo-Clube) fundada em 1902 por Domingos Alvão (1872-1946); e a Foto 3Beleza fundada em 1907 por António Beleza .

Ao longo da história, nem sempre a fotografia foi reconhecida como parte

integrante da categoria das fontes primárias, quer por arquivistas quer por

historiadores, o que deu origem a que muitas vezes se verificasse alguma

negligência relativamente aos fundos e coleções fotográficas, remetidos 4frequentemente para a “categoria de miscelâneas ou memorabilia” . A

difusão da fotografia ao longo dos anos também se deve em grande parte ao

desenvolvimento dos processos fotográficos e ao processo reprográfico das

imagens. Assim, podemos estabelecer duas etapas essenciais do processo

fotográfico: a primeira criativa, que parte da ideia original da toma de uma 5fotografia, e a outra reprodutiva, que copia o original tantas vezes quanto se

queira, processo este que tornou possível a democratização da fotografia.

Foi com o intuito de preservar e dar a conhecer o património fotográfico

nacional, que desde o final do século XX, diversas instituições públicas e

privadas têm vindo a adquirir, por compra ou doação, espólios, coleções ou

fundos fotográficos. Muitos destes documentos fotográficos pertenciam a

entidades privadas que, por vezes, não têm possibilidade de manter uma boa

conservação dos documentos, nem de providenciar a sua disponibilização ao

público de forma eficaz. Neste âmbito, destaca-se a atuação do Centro 6Português de Fotografia (CPF) que adquiriu diversos fundos fotográficos,

muitos anteriormente custodiados pelo extinto Arquivo Nacional de

O FUNDO FOTOGRÁFICO TEÓFILO REGO.1DA PRESERVAÇÃO AO ACESSO ONLINE

Graça Barradas

19

1. Este trabalho é co-financiado pela Fundação para a

Ciência e a Tecnologia I.P. (PIDDAC) e pelo Fundo

Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER,

através do COMPETE – Programa Operacional

Fatores de Competitividade (POFC), no âmbito do

projecto PTDC/ATP-AQI/4805/2012 ("Fotografia,

Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»:

Interpretações em torno do Arquivo Teófilo Rego").

2. A Fundação Serralves apresentou no 1º Fotoporto,

em 1988, a exposição e respetivo catálogo Frederick

William Flower a pionner of portuguese

photography.

3. Após a morte de Emílio Biel, António Beleza

comprou em hasta pública parte do seu espólio no

ano de 1916. Fernando de Sousa - "Introdução” in

Espólio Fotográfico Português. Coordenação de

Fernando de Sousa. s/l: CEPESE, 2008, p. 18.

4. Margery Long, “Photographs in Archival

Collections” in Archives and Manuscripts:

Administration of Photographic Collections.

Chicago: Society of American Archivists, 1984, p. 9.

5. Juan-Miguel Sánchez-Vigil e Antonia Salvador-

Banítez – Documentación Fotográfica. Barcelona:

Editorial UOC, 2013, p. 19.

6. Criado pelo Decreto-Lei nº160/97 de 25 de Junho,

o CPF foi extinto como instituto do Ministério da

Cultura pelo Decreto-Lei nº 93/2007 de 29 de Março,

ficando como uma unidade orgânica dependente da

Direcção-Geral de Arquivos.

Fotografia, e que atualmente detém cerca de 2 milhões de documentos 7fotográficos . O CPF, desde 2005, procedeu à descrição, digitalização e

difusão através da base de dados DigitArq, de fundos fotográficos de

entidades privadas que se encontram sob a sua custódia, de que são exemplo

os estúdios fotográficos Tavares da Fonseca, Lda (Porto), a Fotografia Alvão

(Porto), ou a Fotografia Horácio Novais, herdeiros (Lisboa). Esta base de

dados encontra-se integrada com a do Arquivo Nacional da Torre do Tombo –

Direção Geral do Livro, dos Arquivos e Bibliotecas (DGLAB).

Existem igualmente outras instituições portuguesas que adquiriram fundos

fotográficos particulares, procedendo posteriormente ao seu tratamento e

difusão, como o caso da Fundação Calouste Gulbenkian que recuperou o

fundo Estúdio Novais (Lisboa), adquirido em 1985, e o divulgou através da

página web da Biblioteca de Artes da Fundação.

Por último, referimos ainda o projeto Espólio Fotográfico Português de 2007,

com a denominação O Espólio da Foto Beleza. O fundo, com cerca de 8600.000 espécies fotográficas , foi recuperado pelo Centro de Estudos da

População, Economia e Sociedade (CEPESE), disponibilizando online parte

das imagens com intuito comercial, divididas entre os seguintes temas: Ciclo

do Vinho do Porto; Paisagísticas; Empresariais e associativas; Documentais e

monumentos; e Retrato.

Muitas vezes na difusão de arquivos fotográficos são-nos apresentadas

subdivisões temáticas que originam uma leitura algo equívoca da

organização original dos fundos, reduzindo a poucos temas a produção

fotográfica do estúdio. É algo comum a adulteração da sua ordem original em

função do que se crê ser o interesse do utente / investigador, ou seja,

apresentando-a de forma temática, principalmente se o intuito dessa difusão é

a comercialização de imagens.

À semelhança da recuperação dos fundos dos estúdios fotográficos

anteriormente mencionados, o projeto de investigação “Fotografia,

Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»: Interpretações em torno do

Arquivo Teófilo Rego" (FAMEP) tem como um dos objetivos a seleção,

descrição, acondicionamento, digitalização e difusão de parte do fundo

fotográfico Teófilo Rego. O Centro de Estudos Arnaldo Araújo (CEAA) da

Escola Superior Artística do Porto (ESAP), em cooperação com o Museu

Casa da Imagem da Fundação Manuel Leão, propôs-se selecionar um

conjunto de cerca de 5000 imagens relativas ao tema da arquitetura moderna,

aproximadamente entre o âmbito cronológico de 1940 a 1960. O projeto tem

como objetivo principal a promoção e difusão do estudo da arquitetura

moderna, em especial do Porto e norte de Portugal e da sua relação com a

fotografia. A seleção efetuada por investigadores do projeto terá em conta a

qualidade e originalidade tanto das obras arquitetónicas representadas como

da própria estética da fotografia, salientando obras inéditas / não publicadas,

montagens fotográficas originais e a boa conservação dos negativos.

20

7. Silvestre Lacerda e Natália Gravato - Guia de

Fundos e Colecções Fotográficos 07. Lisboa:

CPF/DGARQ, 2007, p. 8.

8. Fernando de Sousa - "Introdução” in Espólio…, p.

20.

Teófilo Rego – o fotógrafo

Teófilo Rego nasceu a 2 de Julho de 1914 no Brasil, viajando para Portugal

em 1924. No ano seguinte ingressa nas Oficinas Marques Abreu:

zincogravura, fotogravura, símile-gravura (Porto), importante oficina no

panorama das artes gráficas e de edição fotográfica em Portugal. Nas oficinas

trabalhou inicialmente como tipógrafo impressor passando posteriormente

para a área da gravura, onde aprendeu também fotogravura e tipografia. Em

1944 começa a trabalhar nas oficinas Lito Maia (Porto) como fotógrafo de 9fotolito, onde permanece dois anos . Teófilo Rego filiou-se no Grémio

Nacional dos Industriais de Fotografia (Lisboa), Sindicato dos Trabalhadores

Gráficos dos Distritos do Porto, Bragança e Vila Real, Associação

Fotográfica do Porto, e Associação Nacional dos Industriais de Fotografia, a

qual emitia a carteira profissional e licença fotográfica.

No ano de 1947 inaugura o Estúdio Foto-Comercial na Rua da Alegria nº 482,

no Porto, onde desenvolveu o seu trabalho até 1956, quando muda o estúdio

para a Rua Santa Catarina nº 1583. Após a sua morte em 1993, o negócio

continua com a sua filha e neta até o ano de 2001.

No domínio do fotojornalismo fez trabalhos de reportagem para o Diário do

Norte, assim como reportagens encomendadas pelo Secretariado Nacional da 10informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) como a visita do General

Franco ao Porto e Bussaco, de Oliveira Salazar a Braga, ou da visita da 11Rainha de Inglaterra Isabel II à Feitoria Inglesa no Porto . Também

fotografou para edição de coleções de postais como, por exemplo, as

encomendas para a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Porto).

Teófilo Rego participou em diversas publicações na sua maioria relacionadas

com estudos de história da arte e arquitetura, seguindo a linha das Oficinas

Marques de Abreu, onde iniciou a sua carreira. Marques de Abreu destacou-

se principalmente na edição fotográfica no âmbito do património nacional e

no estudo da história da arte, como o demonstram as publicações A ilustração

moderna (1898-1903), a revista Arte: Archivo de obras de arte (1905-1912), 12e especialmente A ilustração moderna (1926-1932) . Teófilo realizou

trabalhos de fotografia ilustrativa para várias monografias como A talha no 13concelho de Vila do Conde da Câmara Municipal de Vila do Conde , Capela

14das Almas. Uma jóia da azulejaria portuguesa de Alexandrino Brochado ,

ou em obras de Domingos de Pinho Brandão (Bispo Auxiliar da Diocese do

Porto) como, por exemplo, Algumas das mais preciosas e belas imagens de 15Nossa Senhora existentes na Diocese do Porto.

Consagrando-se como fotógrafo comercial, entre os seus clientes contavam-

se diversas entidades como câmaras municipais, institutos, empresas, artistas

e arquitetos. Destes destacam-se, pela assiduidade com que recorreram ao 16Estúdio Foto-Comercial: Marques da Silva , João Andresen, Januário

Godinho, José Carlos Loureiro, Rogério de Azevedo, Ricca Gonçalves, entre

outros.

21

9. Porto, memoria fotográfica: Teófilo Rego. Porto:

Arquivo Histórico Municipal / Casa do Infante,

1990, p. 4.

10. O Secretariado de Propaganda Nacional (SPN),

foi criado em 1933, alterando a sua designação em

1944 para Secretariado Nacional da informação,

Cultura Popular e Turismo (SNI). O SNI foi extinto

em 1968, tendo os respectivos serviços transitado

para a Secretaria de Estado de Informação, Cultura

Popular e Turismo, da Presidência do Conselho de

Ministros.

11. Porto, memoria fotográfica…, p. 4.

12. José Pedro Aboim Borges - Marques de Abreu: A

fotografia e a edição fotográfica na defesa do

património cultural (Tese de Doutoramento). Lisboa:

FCSH-Universidade Nova de Lisboa, 2013, p. 21.

13. Porto: Livraria Telos Editora, 1985.

14. Catálogo de Exposição de Fotografia, Vila do

Conde: CMVC, 1978.

15. Porto: Diocese do Porto, 1988. Com estudo

gráfico do arquiteto Fernando Lanhas.

16. Instituto Marques da Silva / Instituto de Recursos

e Iniciativas Comuns da Universidade do Porto (ed.),

Marques da Silva e a fotografia: Imagens de uma

época, Porto: Universidade, 2005.

A única exposição individual de Teófilo Rego foi em 1990, apresentada na

Casa do Infante (Porto), com 80 fotografias a preto/branco sobre o tema da 17cidade do Porto, a convite da Câmara Municipal .

Teófilo Rego – o fundo fotográfico

O fundo fotográfico foi adquirido em 1998 pelo Padre Manuel Leão à família

do fotógrafo Teófilo Rego e, mais tarde, foi doado à Fundação Manuel Leão,

encontrando-se atualmente em depósito no Museu Casa da Imagem (Vila

Nova de Gaia), acondicionado em cerca de 3550 unidades de instalação,

caixas e envelopes, na sua maioria de origem.

Para além do fundo fotográfico Teófilo Rego - denominado de fundo por ser 18constituído por documentação de uma mesma proveniência - também foi

19adquirido um espólio , pertencente ao fotógrafo, constituído por máquinas

fotográficas antigas que colecionava, material fotográfico do Estúdio Foto-

Comercial, entre outros.

Este fundo está dividido originalmente em três atividades distintas: duas

dentro do funcionamento do estúdio, a comercial e a de retrato; e outra

atividade dedicada às imagens que realizou num contexto pessoal, ou seja,

imagens não encomendadas, e captadas consoante a sua estética e interesses

como fotógrafo. Precisamente por incluir fotografias de caráter comercial e

de caráter pessoal este conjunto é denominado de fundo Teófilo Rego e não

somente de fundo Foto-Comercial. É constituido por cerca de 600.000

documentos fotográficos, maioritariamente por negativos de formato 9x12

cm de gelatina e sais de prata em acetato de celulose, algumas unidades de

tamanho 13x18 cm, e alguns vidros das mesmas dimensões, provas em papel

em 9x12 cm e fotolitos. A nível de conservação muitos dos negativos em

acetato de celulose apresentam algum estado de deterioração avançado.

A série de retratos consta de cerca de 730 unidades de instalação de pequena

dimensão, identificadas pela data da captura: mês/ano. A maior parte dos

registos fotográficos de Teófilo Rego correspondem a trabalhos comerciais,

ao contrário do que se passava nos estúdios no início do século XX em que o

retrato predominava, é o caso por exemplo do Estúdio Foto Beleza no qual 20mais de 98% do seu fundo corresponde a fotografia de retrato .

A série comercial, que se pretende focar maioritariamente neste artigo, é a que

se destaca neste fundo pela sua dimensão e diversidade, cerca de 80% do total

de imagens que o constituem, o que demonstra claramente a principal

atividade e reconhecimento de Teófilo Rego enquanto fotógrafo profissional.

Esta série está, à semelhança de outros estúdios da época como, por exemplo, 21o Estúdio Mário Novais, organizada por clientes , cada caixa corresponde a

um cliente e encontra-se sequenciada por ordem alfabética.

A série pessoal encontra-se acondicionada em caixas, aparentando estar

organizada por alguma proximidade temporal e temática, contudo, não se

22

17. Porto, memoria fotográfica…, p. 4.

18. Definição distinta de “coleção”, a qual constitui

um conjunto de documentos com características

comuns reunidos artificialmente. Conf. ICA -

International Council on Archives. Multilingual

Archival Terminology. <http://www.ciscra.org/mat/>

(9 de Outubro de 2014).

19. Denominação que inclui documentos ou objetos

de diversa natureza segundo a NP 4041 – Informação

e documentação, 2005.

20. Fernando de Sousa - "Introdução” in Espólio…,

p. 20.

21. Fundação Calouste Gulbenkian - Mário Novais.

Exposição do Mundo Português 1940. Lisboa: FCG,

1998, p. 35.

conhecendo a sua ordem original. Relativamente aos temas, Teófilo Rego

explora na fotografia pessoal os seus interesses particulares enquanto artista,

retratando a parte mais antiga e pitoresca da cidade, como as ruas antigas do

Porto, a Ribeira e seus habitantes, os barcos no Douro e os pescadores, ou as

vendedoras de castanhas. Fotografou igualmente a parte mais moderna da

cidade como a Avenida dos Aliados ou a Praça D. João I, para além de ter feito

experiências diversas de fotografia urbana noturna.

Maria do Carmo Serén engloba Teófilo Rego no período do Estado Novo

dentro do grupo dos salonistas do Porto, cujas imagens realizadas não

diferiam muito dos seus congéneres estrangeiros, predominando as paisagens 22pictóricas e motivos humanistas . Serén salienta ainda a semelhança da

fotografia de Rego com a do fotógrafo Tavares da Fonseca (1908-90's),

fundador da empresa publicitária Belarte em 1939, e dos Estúdios Tavares da

Fonseca Lda. em 1955. Afirma ainda que esta semelhança se verifica na

dedicação que coloca a fotografar a cidade do Porto “mantendo a diretriz 23salonista da perfeição técnica e dos efeitos formais da temática.”

Ao contrário de alguns estúdios fotográficos, como o caso do Estúdio Foto

Beleza, o fundo fotográfico Teófilo Rego possui muito pouca documentação

textual de suporte às imagens, como registos de encomendas ou listagens de

clientes. Também são poucos os casos em que se encontra registada a data de

captura da imagem, ou a identificação de local ou objeto fotografado.

A digitalização e o acesso online. O procedimento no fundo fotográfico

Teófilo Rego

Atualmente a digitalização de fundos e coleções fotográficas providencia o

acesso a milhares de imagens em qualquer formato, suporte nado digital ou

23

22. Maria do Carmo Serén – “A fotografia salonista”

in O Porto e os seus fotógrafos. Coordenação de

Teresa Siza. Porto: Porto Editora, 2001, p. 237.

23. Maria do Carmo Serén – “A fotografia… p. 250.

Quadro 1 Unidades de instalação que compõem o

fundo.

por reprodução de fotografia analógica. A fotografia não conseguiu

inicialmente alcançar o estatuto de documento, mas a sua reprodução e

difusão a nível institucional, obrigou de certa maneira ao seu

reconhecimento. A sua rápida difusão e consequente procura por parte de

utilizadores, levou a que se focasse a atenção na digitalização e na

recuperação da informação dos seus conteúdos através de termos descritores,

originando pontos de acesso para a pesquisa.

A digitalização tem a dupla função de preservar e difundir a documentação. A

preservação do original que ao ser digitalizado ficará salvaguardado de

constante e indevido manuseamento, principalmente no caso de documentos

em mau estado de conservação. Mesmo no caso de ser necessário uma

imagem para reproduzir em grande formato pode-se sempre recorrer à

imagem digitalizada se esta estiver com boa resolução, inclusive nestes casos

podemos ampliar e detetar pormenores que não são visíveis muitas vezes no

tamanho original. Em caso de perda, furto ou dano por acidente, uma

fotografia digitalizada com boa resolução poderá substituir o original na sua

função informativa. Relativamente à função da difusão, a digitalização de

uma fotografia potencia o seu uso em número de utilizadores, estas podem ser

acedidas de qualquer local, a qualquer hora e por mais do que um utilizador

em simultâneo. Facilita a pesquisa sobre um determinado tema, nome ou

local através da indexação; e também facilita a reprodução de imagens, já que

em formato digital a sua multiplicação é mais rápida e eficiente.

Por outro lado, temos também inerente a questão dos direitos de autor sobre

as imagens. Por exemplo, o projeto Estúdio Mário Novais propôs-se a

24

Figura 1. Praça D. João I, Porto, s.d.

Fundo Fotográfico Teófilo Rego, Museu Casa da

Imagem – Fundação Manuel Leão.

PT-FML-TR-PES-16-037.

difundir parte do fundo correspondente às fotografias que não se encontram

protegidas por direitos de autor ou direitos conexos, assim como o projeto

Espólio Fotográfico Português que igualmente difunde e comercializa as

fotografias que não têm direitos inerentes. Em alguns arquivos fotográficos

desconhece-se qual a sua forma de aquisição e as condições em que foram

adquiridos, o que implica que por falta de informação pode ser restringido o

acesso às fotografias ou à sua reprodução para que não haja infração ao 24código dos direitos de autor e direitos conexos.

O projeto FAMEP tem uma seleção de imagens de base temática, neste caso a

arquitetura moderna no Porto e norte de Portugal, selecionando as imagens de

entre as atividades comercial e pessoal deste fundo, contudo respeitando a

ordem do arquivo físico. A opção de construir a estrutura do arquivo online

por séries e unidades de instalação segue a linha de visão arquivística de

Centro Português de Fotografia, que descreve os seus fundos de fotografia

utilizando um sistema hierarquizado. A estruturação da base de dados do

fundo fotográfico Teófilo Rego tem, por um lado, como objetivo respeitar e

refletir a ordem original do arquivo físico e, por outro lado, salvaguardar os

direitos de autor inerentes à parte pessoal e comercial.

Ao incidir na seleção sobre duas séries distintas obter-se-á uma maior

abrangência de temas e perspetivas da fotografia de Teófilo Rego, tanto de

âmbito mais documental, como de âmbito mais artístico. A fotografia como

documento não exclui automaticamente a fotografia artística, ou vice-versa,

também dependente da visão do recetor. Rosa Olivares refere a este propósito

que o termo documento pode-se referir a qualquer fotografia, já que a arte é 25um documento de uma época e de uma forma de ver e analizar .

Para a seleção das fotografias do fundo fotográfico Teófilo Rego, o projeto

FAMEP seguiu os seguintes procedimentos: inventário preliminar de todas as

unidades de instalação do fundo; seleção das imagens a integrar na base de 26dados atribuindo-lhe um código de referência segundo as normas ISAD-G ;

colocação de um “fantasma” na unidade de instalação de onde o negativo foi

retirado; envio dos negativos em mau estado de conservação para restauro;

descrição da imagem e acondicionamento em envelope de 4 abas acid-free e

em unidade de instalação nova, referindo a respetiva cota topográfica.

O processo de digitalização será efectuado com uma resolução de 600 dpi e

saída a 400%, sendo a matriz guardada em formato tiff, seguindo-se uma

cópia jpeg para difusão online. As imagens não serão submetidas por norma a

tratamento digital, a não ser em casos excecionais, para salvaguardar a sua

integridade.

A fase de descrição de uma imagem tem em conta as diversas fontes onde se

pode ir buscar informação, por um lado, a análise conotativa da imagem, ou

interpretação dos elementos, por outro, a análise sociológica ou interpretação 27crítica da imagem , ou seja, o contexto que envolve a produção da imagem,

24. Silvestre Lacerda e Natália Gravato – Guia de...,

p. 17.

25. Rosa Olivares - “Cuadros de una exposición.

Fragmentos de una colección” in Fondos de la

colección de fotografía de la Comunidad de Madrid.

Madrid: Consejería de las Artes, 2003.

26. Norma Geral Internacional de Descrição

Arquivística: adoptada pelo Comité de Normas de

Descrição, Estocolmo: Suécia, 19-22 de Setembro de

1999 / Conselho Internacional de Arquivos; trad.

Grupo de Trabalho para a Normalização da

Descrição em Arquivo.- 2ª ed. Lisboa: Instituto dos

Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 2002.

27. Joan Boadas, Lluís Esteve Casellas, M. Angels

Suquet – Manual para la gestión de fondos y

colecciones fotográficas. Girona: CCG Ediciones,

2001, p. 191, citando Jacques Chaumier.

25

como documentação textual associada (livros de registos, índices, etc.) ou,

inclusive, informação recolhida da própria fotografia como carimbos,

assinaturas ou datas. No caso do fundo fotográfico Teófilo Rego a informação

relativa a cada imagem e a documentação textual associada é escassa. A

descrição tem como objetivo sistematizar a informação mais pertinente

relativa a cada imagem, e juntamente com a indexação facilitar a pesquisa por

parte dos utilizadores. Optou-se por dar títulos auto-explicativos e objetivos,

e o uso de linguagem controlada nos descritores relativos a pontos temáticos, 28geográficos ou nominativos, este último seguindo a norma ISAAR(CPF) .

No processo que leva à digitalização e difusão de milhares de imagens, é

inevitável a necessidade da conservação e tratamento destes novos

documentos digitais. A preservação digital consiste em garantir que a

informação digital permanece acessível e com a qualidade de autenticidade

para ser interpretada futuramente, recorrendo a uma plataforma tecnológica 29diferente da utilizada no momento da sua criação . No presente caso as

imagens estão a ser guardadas em formato Tiff, como já foi mencionado. 30Segundo Iglésias Franch este formato será o mais indicado em termos de

preservação digital, comparando com o Jfif, Jpeg2000 e Png. As imagens Tiff

estão gravadas num disco externo, do qual é efetuada sempre uma cópia de

segurança num segundo disco, a guardar em local fisicamente distinto do

primeiro.

Pode-se mencionar ainda que, pelo facto de não se ter digitalizado e difundido

o arquivo completo, não se consegue consultando a base de dados ter uma

noção real da sua dimensão, organização e diversidade. Contudo, uma vez

que a base de dados reflete a organização do arquivo físico pode ser sempre

28. Norma internacional para os registos de

autoridade arquivística relativos a instituições,

pessoas singulares e famílias. Paris: França, 15-20

Novembro 1995 Conselho Internacional de Arquivos.

Trad. IAN/TT - Instituto dos Arquivos

Nacionais/Torre do Tombo e BAD - Associação

Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e

Documentalistas. Lisboa, 1998.

29. M. Ferreira - Introdução à preservação digital:

conceitos, estratégias e actuais consensos.

Guimarães: Escola de Engenharia da Universidade

do Minho, 2006, p. 20.

30. Iglésias Franch - Fotografía digital en los

archivos. Gijón: Trea. (Archivos siglo XXI, 8), 2008,

p. 129.

26

Figura 2 e 3. Unidade de instalação original, e após o

novo acondicionamento das fotografias selecionadas.

Fundo fotográfico Teófilo Rego (Imagem do autor).

ampliada acrescentando-se novas unidades de instalação em projetos futuros,

complementando o trabalho agora apresentado.

A finalidade da digitalização de fotografias, cumpre neste projeto a sua

função em pleno, por um lado, preservando os originais, já de si bastante

danificados por condições de acondicionamento e variações de temperatura e

humidade relativa; e por outro lado, otimizando a recuperação da informação

relativa a imagens de arquitetura, através da descrição e criação de pontos de

acesso, potencializando o estudo da arquitetura moderna e da sua relação com

a fotografia no contexto português.

27

CONSERVAÇÃO DE FOTOGRAFIA.

PERSPETIVAS DE UMA FOTÓGRAFA NUM ARQUIVO

Cláudia Gaspar

29

"Conservation is not only a technical operation: it influences the way images

are perceived, conferring a certain status and imparting a concrete value to 1them"

O fotógrafo é um criador de memórias visuais. O seu corpo de trabalho, seja

ele conceptual, comercial ou documental é um reflexo do seu tempo e das

suas vivências. Segundo Mary Lynn Ritzenthaler e Diane Vogt-O'Connor em 2"Photographs Archival Care and Management" a fotografia providencia

informação sobre; as atividades socioculturais de uma região e determinados

grupos sociais, organizações e até empresas; abre portas a eventos históricos

passados; são registos que permitem a compreensão da evolução das

diferentes áreas de interesse humano, providenciando material de estudo e

pesquisa.

E é este potencial de informação que se pretende preservar e passar para

gerações futuras. O trabalho que é realizado num arquivo na conservação de

fotografia, visa isso mesmo, a salvaguarda das espécies fotográficas, tanto

pelo seu valor como objeto, processo fotográfico e suporte, como pelo seu

conteúdo intelectual.

Numa perspectiva de fotógrafa e agora conservadora de fotografia é com

alguma facilidade que interajo com estes objetos fotográficos que são

documentos que contam histórias por imagens. Em termos práticos, ter os

conhecimentos e a experiência em fazer fotografia analógica, permite-me

realizar uma análise subjetiva quanto às alterações que aquele processo

fotográfico possa ter sofrido ao longo dos anos passados (as deteriorações).

Com algumas certezas traço a viagem de certas espécies fotográficas pelo

tempo como, por exemplo, se estiveram acondicionadas, se o local de

armazenamento tinha condições ambientais adequadas ou se o

manuseamento foi o mais adequado. Ao contrário da atividade como

fotógrafa, como conservadora tenho que manter um nível de objetividade

acrescido pelo grau de exigência que todas as tarefas requerem. O trabalho

num arquivo de fotografia é orgânico e existem sempre várias tarefas a

realizar sobretudo de manutenção contínua: seja nos depósitos, materiais ou

procedimentos de conservação; no entanto hoje em dia são muitos os

arquivos que se deparam com dificuldades na concretização dos seus

objetivos.

1. Anne Cartier-Bresson, retirado de Debra Hess e

Jennifer Jae Gutierrez - Issues in the Conservation of

Photographs. Getty Publications, 2010, pág 58.

2. Diane Vogt-O'Connor e Mary Lynn Ritzenthaler -

Photographes, Archival Care and Management.

Chicago: Society of American Archivists (SAA),

2008, pág. xiii.

De todas estas dificuldades que os arquivos enfrentam hoje em dia, as duas

principais dificuldades estão relacionadas tanto com a falta de verbas, como a

escassez de recursos humanos especializados para assegurar a manutenção e

tratamento dos seus espólios, tendo em conta que ambas são fatores que

colocam em risco a salvaguarda dos objetos. Com vista a contornar a falta de

verbas é possível atuar ao nível da conservação preventiva de forma a

minimizar os riscos aos quais a documentação fotográfica está exposta.

A conservação preventiva tem como objetivo minimizar o risco de danos

provocados nos objetos, atuando no controlo dos fatores de risco a que os

objetos estão sujeitos num arquivo, permitindo a sua preservação ao longo do

tempo. Entre outros podem destacar-se como sendo os principais fatores de 3risco, a humidade relativa (HR), a temperatura (T), poluentes atmosféricos,

fatores biológicos, luz, o manuseamento e armazenamento incorretos.

Dentro destes fatores existem várias formas de controlar certos riscos

internos e externos à documentação, no entanto, e como é o caso da Casa da

Imagem, quando não há orçamentos elevados é necessário recorrer a

estratégias low-cost que consigam reproduzir resultados satisfatórios a longo

prazo.

Uma grande parte do trabalho passa pela escolha do local de armazenamento

dos objetos, os depósitos, e o controlo ambiental dos mesmos. A HR e a T são

os dois fatores ambientais cuja monitorização e controlo são extremamente

necessários, para que possam prevenir-se oscilações uma vez que são elas que

vão potenciar o desenvolvimento de deteriorações nas espécies fotográficas. 4Tanto em ambientes muito húmidos como secos, o potencial higroscópico

dos componentes das fotografias vai reagir e fazer acelerar as diversas formas 5de deterioração. A gelatina, que é o meio ligante mais comum dos processos

fotográficos do século XX, na presença de humidade relativa elevada (acima

do 60%) ultrapassa o ponto crítico, fica como gel o que facilita a aderência de

sujidades e migração de compostos químicos que leva à degradação da 6imagem em prata.

Em ambientes muito secos a gelatina seca pode estalar e, em suportes

plásticos, pode acontecer o seu encurvamento pela tensão exercida pela

gelatina sobre os mesmos.

Segundo Lavédrine em A Guide to the Preventive Conservation of 7Photograph Collections, reduzindo a temperatura em 10ºC está-se a duplicar

o tempo de vida do material fotográfico porque, as reações químicas estão 8ligadas à temperatura de forma exponencial. De forma geral os valores

preferenciais de HR devem situar-se entre os 30%-50% sem nunca

ultrapassar os 60% e com oscilações de ± 5%. A T deve situar-se abaixo dos o18 C, com oscilações inferiores a 1ºC, para a generalidade dos materiais

fotográficos. É adequado para provas a preto e branco, negativos em suporte

de vidro e poliéster.

3. Quantidade de vapor de água que existe no ar

comparada com a quantidade máxima de vapor de

água que o ar pode conter à mesma temperatura, e é

expressa em percentagem.

4. Potencial que os materiais têm para absorver água.

5. Camada de uma fotografia que tem em suspensão

os sais que constituem a imagem.

6. Bertrand Lavédrine, Jean-Paul Gandolfo e Sibylle

Monod - Les collections photographiques. Guide de

conservation préventive. Paris: Arsag, 2000, pág.

109.

7. Bertrand Lavédrine - A Guide to the Preventive

Conservation of Photograph Collections. Los

Angeles: Getty Publications, 2003, pág. 95.

8. Segundo a Equação de Arrhenius.

30

Os processos intrinsecamente instáveis - como é o caso dos polímeros

naturais, nitratos e acetatos de celulose e processos de cromogéneos - devem

ser armazenados em arquivo frio de forma retardar os processos de

deterioração, ou congelamento para os estagnar.

Uma boa forma para controlar estes fatores a baixo custo, é a utilização de

desumidificadores. Começando por escolher uma sala para depósito sem

janelas (ou que possa ser selada), vai permitir que até com desumidificadores

comerciais haja maior controlo da HR. Esta sala só deve servir a função de 9arquivo, não sendo local de passagem ou de convívio. Para este espaço não

são recomendados locais como um sótão ou uma cave pois são os mais

propensos à variação ambiental.

Um dos maiores desafios na conservação de fotografia consiste no tipo de

acondicionamento e armazenamento das espécies fotográficas. Muitos são os

arquivos que se debatem com a falta de espaço e por esta razão muitas vezes

os objetos são armazenados em locais menos apropriados e expostos a fatores

ambientais, biológicos, químicos e físicos adversos.

É por isso importante que se estabeleçam formas de acondicionamento e

armazenamento que proporcionem alguma estabilidade às espécies

fotográficas. 10Ainda segundo Lavédrine, existem 3 níveis de proteção das espécies

fotográficas.

O nível I - o mais próximo do documento físico (que está em contato

direto com o documento) são por exemplo, os envelopes ou as caixas;

O nível II - que é o espaço físico (estantes por exemplo) onde são

colocadas;

E por fim o nível III - o local onde são armazenadas as espécies, o

depósito. Isto permite que haja várias "camadas" de proteção no caso de

desastres nos depósitos, providenciando também um microambiente em que

as espécies ficam protegidas contra potenciais fatores danosos.

A escolha do material para o acondicionamento, nível I de proteção, das

espécies fotográficas é crucial, se não se quer correr riscos de perder ou causar

mais danos nos originais. É essencial ter a informação sobre a composição

dos materiais, ter atenção à sua composição química e verificar se passaram 11no teste PAT, antes de tomar qualquer decisão e ter em conta materiais livre

de ácidos, sem texturas e quimicamente estáveis.

Para organizar as espécies fotográficas dentro de um depósito, nível II de

proteção, as estantes são a melhor opção. De preferência estantes de metal,

uma vez que as de madeira vão atrair mais atividade biológica e requerem

maior manutenção.

Embora não sejam vastas as opções para um arquivo, quando não há

orçamento para adquirir a melhor gama de produtos para a conservação,

existem algumas opções que vão garantir a salvaguarda das espécies

9. Luis Pavão - Conservação de Coleções de

Fotografia. Lisboa: Dinalivro, 1997, pág. 196.

10. Bertrand Lavédrine, Jean-Paul Gandolfo e

Sibylle Monod - Les collections..., pág. 65.

11. Photographic Activity Test - Teste padrão

(ISO18916) desenvolvido pelo Image Permanence

Institute para avaliar materiais para

acondicionamento e exposição de fotografias.

31

fotográficas.

Como já foi referido, a escolha do espaço para depósito é crucial, um espaço

exposto à luz, com grandes oscilações de HR e T, vai proporcionar um

ambiente ideal para o desencadeamento e progressão das deteriorações que 12são geralmente irreversíveis.

A par desta problemática, muitas vezes o desconhecimento do conteúdo dos

Fundos e Coleções não permite a um arquivo atuar da forma mais eficaz. Para

tal, assim que o arquivo adquire um Fundo/Coleção, necessita de fazer uma

breve avaliação (inventário) que permita reunir informação suficiente sobre

todos os seus aspectos; são eles: a dimensão, quantidades, estado de

conservação, se existem ou não urgências e quais, se há necessidade de

segregação, e o seu conteúdo intelectual que permite avaliar prioridades no

tratamento e o seu potencial interesse para o público.

É importante conseguir reunir o maior numero de informação possível, sem

que seja demasiado extenso ou que se tenha que despender muito tempo. E só

assim é possível elaborar propostas de tratamento e estratégias de

conservação preventiva adequadas.

Um Fundo/Coleção que possua nitratos de celulose deve desde logo fazer a

sua segregação. O nitrato de celulose é um polímero natural altamente

instável, com o tempo liberta ácido nítrico e contamina as espécies que

estejam nas proximidades. Outro grande problema deste plástico é poder

entrar em combustão espontânea, por causa da sua composição química que o 13torna altamente inflamável, se não estiver devidamente acondicionado.

Em 1889, a Kodak começou a produzir, industrialmente, películas de nitrato

12. Luis Pavão - Conservação... pág. 201.

13. Bertrand Lavédrine - A Guide..., pág.17.

32

Figura 1. Interior do depósito sujo na Casa da

Imagem, nível de proteção II - estantes.

(Cláudia Gaspar, 2014)

de celulose, como forma de facilitar o processo de transporte e de criar um

suporte mais resistente que o vidro e de custos reduzidos. Mas por razões de

segurança e pela sua instabilidade, em 1950 este plástico foi banido. Sendo

um suporte popular que se encontra em Fundos e Coleções, há necessidade de

tomar atenção à identificação deste tipo de plástico.

O plástico que veio substituir o nitrato foi o acetato de celulose, que também é

um polímero natural e tal como o nitrato de celulose é instável, não sendo no

entanto tão perigoso.

A molécula de celulose possuí uma alta afinidade com a água, sendo esta uma

das causas pela qual estes plásticos são tão instáveis e susceptíveis às mais

pequenas variações nas condições ambientais. O processo de deterioração do

acetato de celulose é muito particular, nas primeiras etapas são a humidade

relativa e o calor que vão fazer acelerar o progresso da deterioração. O ácido

acético vai sendo acumulado na base da película até chegar a um ponto

crítico, a partir deste ponto, as reações passam a ser autocatalíticas fazendo

com que a progressão das deteriorações seja muito mais rápida.

A detecção de acetato de celulose é muito fácil de ser feita, uma vez que o

acido acético, síndrome de vinagre (conhecido como cheiro/odor a vinagre),

que libertam torna-se muito evidente à medida que as espécies fotográficas se

deterioram. Já o vidro, o poliéster, o papel e o ferro são suportes que mostram

maior resistência e estabilidade, comparativamente a estes dois plásticos.

São estas particularidades, tanto dos suportes como dos processos

fotográficos, que precisam ser avaliadas na hora do armazenamento. Ter num

depósito espécies em bom estado de conservação e algumas já deterioradas

pode fazer com que haja contaminação.

De forma geral e, muitas vezes, por falta de recursos humanos ou

orçamentais, os arquivos acabam por colocar tudo no mesmo depósito. Mas

tornar o ambiente num depósito que permita boas condições para todo o tipo

de objetos, não só acarreta custos elevados como nem sempre é possível por

falta de espaço.

Segundo Susie Clark do Preservation Advisory Centre da British Library, e

James M. Reilly, diretor do Image Permanece Institute, o aconselhável é que

as espécies instáveis, como os plásticos de polímeros naturais, e processos

cromogéneos, devam ser armazenadas em condições de arquivo frio ou

congelamento para parar o avanço das deteriorações. Nestes casos os

frigoríficos comerciais No Frost são uma ótima solução. Mesmo que não seja

possível intervir logo sobre as espécies fotográficas, com um frigorifico

(ambiente frio e baixa humidade) é possível fazer logo de inicio a segregação

das espécies mais deterioradas.

O frio vai retardar o processo de deterioração aumentando a longevidade das

fotografias, ao mesmo tempo, possibilita ao arquivo algum espaço de

manobra para conseguir recursos monetários que permitam a intervenção de

possíveis tratamentos de conservação.

33

No que diz respeito à escolha dos materiais para acondicionamento, ou seja,

os envelopes e caixas, este materiais também acarretam os seus custos e até

muitas vezes são materiais que só estão disponíveis por encomenda. De

forma a contrariar esta problemática, é possível ser utilizado, o papel

Navigator (para envelopes ou para intercalar entre fotografias) ou o CLA

(envelopes, capilhas e pastas). Há algum tempo atrás estes papeis foram

testados e passaram no PAT, estão aptos para a conservação e são opções de

baixo custo e de fácil obtenção. Na compra do material pode-se poupar algum

dinheiro apenas na compra de cartão ou papel e construir caixas e envelopes,

seguindo o lema "faça você mesmo". Requer no entanto perícia e estudo de

desenhos e formas de acondicionamento manuais. Quando o

acondicionamento de forma individual não é possível para cada espécie, pode

ser feito em conjunto.

Quanto às caixas para acondicionamento em depósito sujo, podem ser

utilizadas as caixas das resmas de papel, que não adicionam custos ou outro

tipo de caixas de cartão limpas, que podem ser pedidas às lojas que as tenham

em excedente. É possível também reaproveitar caixas de outras coleções que

estejam em boas condições, limpas e capazes.

A qualidade do ar é de igual modo importante, porque é um dos

condicionantes da preservação das espécies fotográficas. Sobretudo quando

se trata de um arquivo que esteja localizado num grande centro urbano sujeito

a altos níveis de poluentes atmosféricos.

Os poluentes atmosféricos são gases agressivos que podem ser provenientes

da combustão de derivados do petróleo nos automóveis e de industrias

(dióxido de enxofre, ácido sulfúrico, monóxido de carbono, entre outros), o

dióxido de azoto e as partículas sólidas.

A melhor forma de controlar estas formas de deterioração é através da

extração de ar no depósito, no entanto, esta é uma opção que acarreta alguns

custos. Em casos em que não é possível instalar este tipo de sistemas, mais

uma vez a sala com janelas e portas seladas, aliado à boa manutenção do

espaço, é um bom modo de prevenção de correntes de ar que transportam este

tipo de poluentes.

A nível biológico são os roedores, insetos e fungos as principais ameaças num

arquivo, que fazem dos objetos a sua fonte alimento.

Para evitar e desencorajar a proliferação deste tipo de ameaças devem-se

monitorizar e registar a atividade dos roedores, e ter atenção a objetos que

possam estar contaminados colocando-os numa área à parte.

Tanto a luz natural como a artificial em excesso, podem causar danos aos

objetos num arquivo, uma vez que tem um efeito cumulativo. As

deteriorações provocadas pela luz causam desvanecimento e alterações de

cor e uma vez que ocorrem são permanentes e irreversíveis.

Para prevenir o aparecimento de formas de deterioração pelo excesso de luz, é

possível utilizar cortinas para ajudar a filtrar a luz direta do sol, desligar as

34

luzes quando não são necessárias e não deixar os objetos expostos durante 14longos períodos de tempo (rotatividade de objetos).

No fim, mesmo que se consigam controlar todos estes fatores, se não existir

controlo e cuidado no manuseamento, as espécies fotográficas vão estar

sempre sujeitas a danos. A boa organização no acondicionamento e

armazenamento, combinado com o mapeamento dos depósitos, surge como

uma das soluções para que não haja excesso de manuseamento das

fotografias.

Para prevenir algumas atitudes menos corretas é necessário que haja uma

consciencialização dos riscos e que sejam realizadas ações de formação para

os elementos do arquivo, por pessoas especializadas. Outra solução para 15restringir o manuseamento das fotografias é a sua captura digital,

digitalização ou captura fotográfica.

A captura digital não só restringe o manuseamento dos originais, como

permite o seu amplo acesso através dos sistemas informatizados, com o 16objetivo da salvaguarda e valorização do património.

Para conseguir alcançar este objetivo, é necessário fazer a elaboração de

planos de captura digital de acordo com:

os requisitos do público,

ter noção da capacidade de armazenamento dos ficheiros digitais,

os objetivos do arquivo,

e traçar as prioridades do Fundo/Coleção.

Não compensa a um arquivo possuir os melhores scanners se depois não tem

hardware - e técnicos formados na área - que consiga suportar a informação

que é produzida, da mesma maneira que não há necessidade fazer a captura

das fotografias por ordem, por exemplo, se o publico alvo só pretender uma

parte especifica. Este são exemplos de como é possível fazer gastos

desnecessários em material ou despender tempo excessivo numa tarefa.

É preciso também criar parâmetros de captura digital que consigam colmatar

este tipo de complicações. Passa em primeiro lugar pelo hardware, uma vez

que o objetivo é fazer a captura digital uma única vez assim deve-se apostar

no melhor dispositivo possível que o orçamento possibilite, seja um scanner

ou uma câmara fotográfica digital.

De seguida, deve ser avaliada a capacidade de armazenamento disponível e o

tipo de software. Só depois de ter toda a informação e saber quais os objetivos

do arquivo é possível elaborar um plano de captura digital em que os ficheiros

digitais, captados hoje, permanecem legíveis nos softwares futuros.

Depois de todos os esforços aplicados na conservação preventiva, ainda há

necessidade de tratamentos de conservação. O primeiro passo a ser realizado

é um cuidadoso planeamento das necessidades das espécies fotográficas.

Quando o orçamento não permite grandes compras de materiais e solventes

14. Karen E. K. Brown - Low-Cost Ways to Preserve

Family Archives in ALCTS Webinar Celebrating

Preservation Week. University at Albany, Suny, 2014,

pág. 11 a 13.

15. Conversão de documentos arquivísticos em

formato digital, que consiste em unidades de dados

binários, com os quais os computadores criam,

recebem, processam, transmitem e armazenam

dados. Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) -

Recomendações para Digitalização de Documentos

Arquivísticos Permanentes, Abril 2010, pág. 5.

16. CONARQ - Recomendações..., pág. 6.

35

deve apostar-se na limpeza por via seca através da remoção das partículas que

estão à superfície das fotografias.

Estas partículas podem penetrar para dentro da fotografias e causar mais

danos se não foram removidas.

As opções neste caso podem ser:

nos suportes de plástico deteriorados (nitratos e acetato de celulose)

como não há muitas opções de tratamento, a limpeza por via seca com pêra de

sopro é o tipo de tratamento mais apropriado;

nos suportes de vidro pode ser utilizada a pêra de sopro ou um pincel

de cerdas macias;

as provas (suporte de papel) também podem ser limpas com a pêra de

sopro, pincel de cerdas macias ou borracha (Rotring® ou Staedler® por

exemplo).

Estes são alguns dos tratamentos que podem ser executados às espécies

fotográficas, que não implicam custos avultados e conseguem logo alguns

resultados positivos.

Em pleno século XXI, em que vemos a fotografia ser cada vez mais

valorizada, cresce também a consciência da importância da sua salvaguarda e

preservação para as gerações futuras. A par desta crescente valorização da

fotografia, temos cada vez menos arquivos que conseguem encontrar

recursos para continuarem com estratégias de conservação, seguindo todos

os parâmetros ideais desta área. Muito importante são a formação e o nível de

informação que um profissional da área pode trazer a um arquivo.

Como foi exposto a cima, existem maneiras de contornar algumas

dificuldades e desafios que se podem colocar, mas acima de tudo é necessário

ter alguém na Instituição que consiga desenvolver planos e estratégias para

cada caso em específico. Um arquivo com escassos recursos monetários, com

as estratégias certas, consegue desenvolver trabalho e salvaguardar os seus

espólios.

36

37

DO ARQUIVO COMO NORMALIZAÇÃO AO ARQUIVO COMO

CRIAÇÃO

Eduarda Neves

O arquivo (...) é o sistema geral da formação e da transformação dos 1enunciados.

O arquivo é “um volume complexo, em que se diferenciam regiões

heterogéneas, (…). São todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos 2de um lado, coisas de outro) que proponho chamar de arquivo.”

Desde o século XIX que nas instituições de ordem jurídica, médica,

científica, política ou económica, a fotografia é usada como documento e

arquivo, integrando as estratégias e programas de expansão dos Estados

capitalistas. A associação entre indústria fotográfica e economia capitalista

foi-se reforçando nos finais do século XIX, graças às progressivas revoluções

técnicas e à produção crescente de equipamentos mais fáceis de manipular e

transportar.

Todos estes aspectos contribuem para a aplicação da fotografia a vários

domínios, entre os quais o do arquivo. Assim, por exemplo, os arquivos da

polícia, desde aquele século que se encontram cheios de fotografias

normalizadas, identificando delinquentes e criminosos. O dispositivo

fotográfico, facilitando o trabalho de controle tanto ao nível da constituição

de um arquivo como no registo de provas documentais, afirma-se como

instrumento ao serviço da polícia e da prisão, do hospital e do asilo, da fábrica

ou da escola, operacionalizando as estratégias de poder do universo político

regulado pela nova ordem institucional.

Se para o espírito positivista do século XIX o arquivo podia constituir um

modelo que traçava as fisionomias dos criminosos ou dos loucos, também o

inventário fotográfico da realidade se constrói através da íntima relação entre

a fotografia e o álbum. Este cruzamento afirmou-se como a primeira “grande

máquina moderna de documentar o mundo e a entesourar as imagens. O

álbum e a fotografia-documento funcionaram em simbiose durante quase um

século, antes de se desenvolverem as agências e os arquivos. Em todo o caso, 3a fotografia-documento tem como horizonte o arquivamento”. Procura-se

reconstruir uma unidade a posteriori, articulada numa totalidade que o álbum

e o arquivo construiria, numa compulsão obsessiva pela inventariação.

1. Michel Foucault – Arqueologia do Saber. Rio de

Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008, p.147-

148.

2. Michel Foucault – Arqueologia do Saber…, p.146.

3. André Rouillé – La photographie. Entre document

et art contemporain. Paris: Gallimard, 2005, p. 120.

Classificam-se documentos, organizam-se objectos para os museus, aspira-se 4à criação de uma enciclopédia universal.

Será preciso esperar sobretudo pela segunda metade do século XX para, no

contexto da prática artística contemporânea, a reflexão dos artistas em torno

do arquivo e da memória contribuir para que o uso da imagem fotográfica se

desloque do entendimento normalizador do arquivamento, para uma

concepção e prática do arquivo articuladas com um programa artístico. Esta

operação acontece, aliás, no contexto da abertura que, sobretudo a partir dos

anos sessenta e setenta, o campo da arte manifesta em relação à imagem

fotográfica, contribuindo para a sua legitimação como paradigma das artes

visuais.

Neste âmbito, organizando e classificando documentos e entrevistas, os

artistas juntam e conservam fragmentos de um percurso. O recurso a

múltiplos suportes e a aproximações de ordem crítica, histórica,

antropológica, política, económica e mesmo biográfica é igualmente de

grande significância.

O arquivo enquanto significação conduzirá a uma certa geografia da

interpretação e da própria memória. Em 2001, Roland Nachtigäller,

Friedhelm Scharf e Karin Stengel, preparando a exposição Wiedervorlage d5.

Eine Befragung des Archivs zur ( NA) documenta 1972, Kassel, no Museu

Fridericianum e Ostfildern Ruit retomam a questão das eventuais

sobreposições e ligações entre a função dos arquivos e dos museus, ou, ainda 5mais especificamente, da exposição. Como recorda Friedhelm Scharf no

átrio da Neue Galerie, em Kassel, era apresentada uma secção diferente da

documenta 5, onde se podiam ver os museus de Marcel Broodthaers, Claes

Oldenburg, Herbert Distel e Ben Vautier.

Interessava aos organizadores da exposição Wiedervorlage d5. Eine

Befragung des Archivs zur documenta 1972, Kassel, a problematização que

estes artistas operavam em torno das concepções sociais dominantes e a

perspectiva convencional dos dispositivos de percepção; por outro lado,

pretendia-se reflectir sobre o significado histórico dos materiais reunidos nos

museus pessoais, expostos em 1972 e conservados, até aquela data, nos

arquivos da documenta.

Procurava-se responder ao leitmotiv geral da documenta Interrogar o real –

os mundos da imagem hoje. Os museus pessoais dos artistas, subvertiam os

pressupostos ideológicos do museu e as convenções em torno do conceito de

exposição, como era o caso de uma das acções de Ben Vautier, salle de

réflexion, Herbert Distel com Musée en tiroirs, Claes Oldenburg com Mouse

Museum ou Marcel Broodthaers e o Musée d art moderne, département des

Aigles.

O uso do arquivo ou mesmo a sua diluição no trabalho pessoal dos artistas,

regista o esbatimento da tradicional fronteira entre a prática artística e o

documento, tornando-se este o centro da própria prática. Cada vez mais os

38

4. André Rouillé – La photographie. Entre document

et art contemporain..., p.124. E mais adiante

continua o autor : “Não tanto como o arquivo ou os

dispositivos que se lhe seguirão, o album não é um

receptáculo passivo. Ele não acumula, não conserva,

não arquiva, sem classificar e redistribuir as imagens,

sem produzir sentido, sem construir coerências, sem

propôr uma visão, sem ordenar simbolicamente o

real. Associado a esta utopia de pôr sistematicamente

em imagens o mundo inteiro, a fotografia-

documento, associada ao álbum ou ao arquivo, é

investida da tarefa de o ordenar. Nesta vasta tarefa, a

fotografia-documento e o álbum (ou o arquivo)

jogam papéis opostos e complementares: a fotografia

fragmenta, o álbum e o arquivo recompõem os

conjuntos. Eles ordenam.” p.125.

5. Friedhelm Scharf – “La Documenta 5 ou le musée

recréé par les artistes” in Les Artistes Contemporains

et l`archive. Interrogation sur le sens du temps et de

la memoire a l`ere de la numerisation. Actes du

Colloque. 7-8 Decembre, 2001, Rennes: Presses

Universitaires de Rennes, 2004, p.50 e ss.

artistas “parecem fascinados pela ideia de substituir a estes objectos duráveis

e tão específicos, o modelo do arquivo como estrutura ou material semiótico 6dos seus trabalhos.” Como material a ser exposto e transformado ou utilizado

como meio de investigação crítica em torno do conceito de colecção, o

arquivo torna-se um núcleo de documentação do percurso do artista,

conservado para ser consultado ou disponível para nova transformação.

Salientando o interesse que os artistas reconhecem à potencialidade crítica do 7arquivo e porque assume um lugar central na arte contemporânea , Bertrand

Gauguet analisa as suas implicações em certos projectos, nos quais os artistas

recorrem à enunciação de uma sequência de acontecimentos e narrativas.

Neste âmbito, a questão da verdade torna-se periférica: perante documentos,

notas, informações múltiplas, imagens, encontradas, o valor da veracidade é

secundário.

O arquivo não é o que preserva e guarda para permitir mais tarde o

reaparecimento. Ele é o que define ele próprio, desde o princípio, o “sistema 8da sua enunciabilidade” e “o sistema do seu funcionamento”. Mesmo

quando os efeitos parecem reconhecíveis ou semelhantes, o arquivo afasta-se

de um carácter meramente descritivo ou ilustrativo: não se procura através da

obra reconstituir o arquivo mas, antes, indisciplinar classificações e

interrogar o já dito.

Como afirma Michel Foucault, o arquivo não designa a totalidade de

documentos ou textos que uma dada cultura guardou como testemunhos da

sua identidade ou do seu passado. Trata-se, para o autor, de coisas ditas em

relação às quais não se torna necessário perguntar a sua razão imediata. Nem

às coisas nem àqueles que as disseram mas sim “ao sistema da discursividade,

às possibilidades e às impossibilidades enunciativas que ele conduz. O

arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o 9aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares.”

Arquivo não significa igualmente a manutenção de discursos que as

instituições registam para utilizar, desenterrar, quando querem recordar. O

arquivo não obedece ao jogo das circunstâncias ou à ordem dos

acontecimentos. É assim que Walid Raad, a propósito do trabalho do Atlas

Group, refere que não inicia projectos pensando de forma global ou tendo

como ponto de partida uma escrita da História; pelo contrário, entende o local

como foco de resistência ou, nas suas palavras, uma contra-narrativa à 10História. Não podemos falar de a História, mas sim de contra-narrativas.

Pensar o arquivo não é reduzi-lo às coisas ditas ou àqueles que as disseram.

Se, por um lado, ele comporta enunciados possíveis e impossíveis, não nos

oferecendo uma qualquer hermenêutica histórica, por outro, é também

através dele que se formulam problemas, activam contradições e

descontinuidades, falhas e aberturas. Recuperando o sentido que o conceito

39

6. Jean-Marc Poinsot – “Gilles Mahé et l`archive”, in

Les Artistes Contemporains et l`archive.

Interrogation sur le sens du temps et de la memoire à

l`ere de la numerisation. Actes du Colloque..., p.128.

7. Sobre a relação entre os arquivistas e o uso do

arquivo pelos artistas diz Lioba Reddeker: “Com a

Internet, os arquivos tornaram-se nómadas e podem

inserir-se num vasto reservatório de centros de

documentação. As questões materiais dizem respeito,

em relação a si mesmas, à uniformização dos meios

de acesso ou ainda à legislação sobre a propriedade

intelectual. (…) Os arquivistas têm uma outra

apreensão do tempo. Eles colocam uma lupa sobre o

fruto de dois anos de trabalho do artista. Os

arquivistas reinscrevem esse instante do culminar no

tempo da história, que se concebe na continuidade.

Mas eles também estão submetidos à aceleração, no

meio de um turbilhão de imagens, de informações e

de possibilidade constantemente renovadas. Mesmo

o desaparecimento acelera-se, é a condição prévia a

toda a evolução rápida. Tal como o atelier, o lugar da

nossa actividade tornou-se parte integrante de um

sistema dinâmico. Consolidando os nossos laços,

construiremos uma estrutura que se tornará, espero,

um referente de qualidade nos diversos mundos da

arte.” (Lioba Reddeker – “'Making of' – Ateliers et

archives dans la dynamique de la production

documentaire” in Les Artistes Contemporains et

l`archive. Interrogation sur le sens du temps et de la

memoire a l`ere de la numerisation. Actes du

Colloque..., p.30).

8. Michel Foucault – Arqueologia do Saber…, p.147.

9. Michel Foucault – Arqueologia do Saber…, p.147.

10. Walid Raad – “Ficción y acontecimiento

Dislocando la historia”. Entrevista, EXIT Express -

Autorrepresentación. Rastros del yo en el arte

contemporáneo. # 43 Abril, Madrid, 2009, p.13.

de arquivo tem na obra de Michel Foucault, Anne-Marie Duguet sublinha

que:

“É preciso produzir uma certa desordem, estalar o arquivo, (…) para a poder

fazer viver de outra forma e produzir uma organização nova. O princípio do

“anarquivo” consiste, em fazer um “retorno sobre” (ana), revirar, enviesar as

perspectivas comuns, proceder a outros agrupamentos em função de

iluminações e orientações determinadas. Em A Arqueologia do Saber, Michel

Foucault mostra como cada discurso (cada obra) nunca é mais que um

fragmento de um vasto conjunto de práticas e discursos, e pelo menos a este 11título, um arquivo não pode ser exaustivo nem acabado.”

Também Christian Boltanski nos relata que no seu primeiro livro Tudo o que

resta da minha infância de 1969, a fotografia se manifesta como a prova

aparente de um período de férias, à beira-mar com os pais, mas que, afinal,

tudo se resumia a uma fotografia não identificável de uma criança com um

grupo de adultos numa praia. A legenda conduzia o espectador a fazer aquela 12leitura; no entanto, todos os documentos eram voluntariamente falsos.

Não é possível descrever um arquivo na sua integralidade, seja ele o de uma

sociedade, cultura ou período histórico, nem mesmo o nosso próprio arquivo

pode ser descrito pois é a partir do seu interior que falamos, é ele mesmo o 13objecto do nosso discurso. Através dele se diferenciam múltiplos discursos,

singularidades e tempos próprios, narrativas reescritas sempre e já a partir do 14exterior. Reservatórios, memória de singularidades, acontecimentos ou

lugares de rastos difusos, percursos, trocas, instruções falsas ou pistas

inconstantes da prática artística. Nele circulam historicidades que

desassossegam a heterogeneidade do idêntico.

Não sendo tradição ou biblioteca, o arquivo é o sistema geral onde se

constituem, mantêm ou alteram os enunciados. À semelhança da imagem

fotográfica, ele é o tempo que une e o tempo que separa.

Talvez Marguerite Duras não estivesse errada quando referiu que se

tivéssemos “dito às pessoas que ia aparecer a fotografia, teriam ficado

perturbadas, assustadas. Penso que, ao contrário do que as pessoas pensaram

e ainda pensam, a fotografia ajuda o esquecimento. Tem mais esta função no 15mundo moderno.”

40

11. Anne-Marie Duguet – “Entre données:

L`“Anarchive” de Muntadas“, in Les Artistes

Contemporains et l`archive. Interrogation sur le sens

du temps et de la memoire a l`ere de la numerisation.

Actes du Colloque..., p. 66.

12. Ver sobre esta obra, Christian Boltanski

(“Souvenir, Souvenirs” Canal nº 55- Déc. 1983- Avril

1984). Apud Jean Arrouye – “L`ailleurs de la

photographie”, Cahiers de la photographie.L´oeuvre

photographique, nº 15, Paris, 1985, p.111.

13. “Antes do arquivo ser consultado, constituído, há

o fazer o arquivo. Ele produz a ruptura sobre um

trajecto de continuidade.” Paul Ricoeur – La

Mémoire, l`histoire, l`oubli. Paris: Seuil, 2000,

p.209-230.

14. Ver Michel Foucault – Arqueologia do Saber…,

p.147-148.

15. Marguerite Duras – A Vida Material. Lisboa:

Difel, 1994, p.103.

Introdução

Problematizar o pensamento inerente a uma prática artística dependente da

provocação das imagens de um arquivo pessoal, dos significados que lhe são

atribuídos, e das analogias que se estabelecem entre elas é a primeira

motivação para a presente investigação.

O arquivo pessoal de imagens que neste contexto importa caraterizar é

informal quanto a critérios de ordenação e de organização: composto por

imagens de pequeno formato e diversificadas quanto a tipologias e motivos,

nele confluem várias fontes de recolha de imagens e em contextos diferentes.

A partir deste arquivo de imagens, há um movimento constante de releitura,

transferência e migração das suas imagens na produção de múltiplos sentidos,

como estratégia de trazer à tona o que lhes é interno e latente. Neste sentido,

são objetivos desta investigação: centrar a importância do arquivo de

imagens na prática artística como matéria que ativa processos de

ressignificação das suas imagens; propor que uma imagem é encerrada nela

própria, ao contrário, as imagens “desenham” outras imagens que ganham

sentido agrupadas; enquadrar o método de relação de imagens por

acumulação e justaposição em consonância com as analogias feitas pelo

pensamento guiado pela imaginação; propor o desenho enquanto mecanismo

de montagem das imagens numa estrutura visual que configura o fluxo da

imaginação.

O anterior ao fazer: arquivo pessoal de imagens

Face ao fluxo de imagens que as técnicas de reprodução fotográfica

comprimem e homogeneízam numa miniatura acessível a todos, a noção de

arquivo também se alterou: de organização cronológica e temática passou a

ser possibilidade de uma nova geografia do espaço e de uma nova cronologia

de tempo, completamente fragmentárias e sem hierarquia.

Na prática artística, são várias as motivações e as circunstâncias pessoais não

fixas que levam o autor à recolha de todo o tipo de imagens: seja a apropriação

de determinada forma para fazer outras imagens, o desejo por uma imagem

ideal que incita a novos projetos, a oportunidade de repensar o que não foi

imediatamente apreendido, ou a possibilidade de relação com outro

1. Este artigo é parte do relatório final de Mestrado

em Desenho e Técnicas de Impressão da Faculdade

de Belas-Artes da Universidade do Porto, 2012.

41

O ANTERIOR E INTERNO AO FAZER.1DESENHO A PARTIR DE IMAGENS DO ARQUIVO PESSOAL

Irene Loureiro

conteúdo.

A multiplicidade de estímulos que estão na origem da recolha de imagens

conduzem à formação de arquivos pessoais caracteristicamente heterogéneos

e informais: pela variação dos motivos, dos formatos, dos tipos de imagem e

das fontes de recolha. Contudo, as suas imagens são niveladas pela mediação

da imagem fotográfica: num só olhar misturam-se tempos, lugares,

experiências, o desejado e o conhecido, o colossal e a miniatura, uma

referência erudita e uma referência popular, o privado e o coletivo. E, como a

capacidade de armazenamento de um arquivo supera a capacidade da

memória pessoal, constituir um arquivo garante que as formas e os conteúdos

das imagens não são esquecidos, ao contrário, ficam em suspenso, prontos a

serem revistos.

Um arquivo pessoal de imagens é então a seleção do mundo de cada um, «na

medida em que o mundo de cada um acaba no limite do que cada um 2conhece» , mediado e redimensionado pela representação. As suas imagens

são uma exteriorização da memória, em vez de evocadas na mente são

reproduzidas. Cada imagem é um fragmento de uma coisa maior retirada do

seu contexto, que encerra uma micro-narrativa dependente de significados e

sentidos atribuídos pelo autor, por si e para si. Como refere Pedro Bandeira,

«cada imagem é uma visão coleccionada de um mundo estilhaçado na ilusão 3do indivíduo, na óptica possível do individual» . Por aqui, ensaiar

aproximações entre as imagens, é tentar articular pela intuição a experiência

individual num todo, é a neurótica tentativa de colar os estilhaços para

posicionar o “eu” no mundo.

42

Figura 1. Montagem com imagens do arquivo

pessoal, 2010. As imagens deste arquivo pessoal são

fotocópias a preto e branco, fotografias, desenhos,

postais, recortes; os seus motivos são a escultura

clássica e paisagens em processos de erosão, figuras

mitológicas, animais, esquemas anatómicos de

órgãos internos, santos bizantinos, ilustrações

medievais ordenadoras do universo numa relação

homem/mundo; as suas fontes de pesquisa são livros

e a rede de internet, catálogos de exposições e de

museus, desenhos, registos fotográficos, postais e

folhetos de divulgação cultural.

2. Jean-Luc Godard, cit. in Pedro Bandeira - «Tudo é

arquitectura» in Eduardo Souto de Moura: Atlas de

Parede, Imagens de Método. Porto: Dafne Editora,

2011, p. 10.

3. Pedro Bandeira - «Tudo é arquitectura» in

Eduardo ..., p. 10.

Importa neste contexto, confrontar o arquivo pessoal de imagens como

construção do “eu” pelo que lhe é oposto, ou seja, enquanto acumulação de

imagens que são de todos; como consequência do resgate de imagens da

memória coletiva e de circulação comum, que o “arquivista” toma como suas,

pela desvirtuação dos seus significados ao emancipar novas interpretações do

mundo. Neste sentido, a arte é então uma proposta nova de pensamento sobre

o mundo a partir do existente, cujo princípio é enquadrado no “impulso

arquivista” definido por Hal Foster no texto «An archival impulse». Na

caracterização deste impulso, o autor é um “arquivista” que trabalha com a

informação histórica que desloca para o trabalho para propor visões críticas, 4numa sondagem idiossincrática . A arte implicada com este impulso é

descrita como discrepante nos assuntos que relaciona, e como rude e pobre na

sua aparência: faz uso das fontes de pesquisa da cultura de massas para tornar

dúbia a sua legibilidade, ou para a recuperar num ato de conhecimento

alternativo ou de contramemória; agrupa informação diversificada (imagens,

textos e objetos) misturando o autoral com o que é de todos em estruturas

informais descomprometidas de uma integração no espaço de exposição.

Esta afirmação do uso das imagens de arquivo na arte, bem como a sua

respetiva agregação num modelo relacional, foi iniciada com os movimentos

de vanguarda surrealistas e dadaístas do pós-guerra, tendo para isso

contribuído o desenvolvimento das ciências sociais do final do séc. XIX. A

partir daqui, a arte deixou de estar centrada na criação de imagens segundo os

temas das arte, e passou a pensar as imagens numa aceção transversal à

história, à política, à tecnologia e a outros temas da época. Também o método

de criação de imagens passou a coincidir com os conhecimentos sobre as

operações da imaginação e do inconsciente; assim, o quadro passou a

labirinto de associações de imagens díspares como forma de descoberta do

inconsciente histórico.

Juan Martín Prada, no texto «Sampling-collage», referindo-se aos arquivos

digitais disponíveis na internet, deriva o princípio criativo do “impulso

arquivista” em “arquivismo compulsivo de taxonomias disparatadas”. Situa

o autor “arquivista” como um “sampler” que navega entre os arquivos

digitais de partilha memórias que celebram o dia a dia, para se apropriar dos

objetos, imagens, e signos que constituem o imaginário visual da sua cultura;

e como “um novo fazedor de colagens” provoca desvios na produção dos seus

sentidos, reconfigurando-os e recombinando-os numa construção crítica à 5sociedade de consumo .

Contudo, os princípios do processo criativo implicados no “impulso

arquivista” e no “arquivismo compulsivo” são coincidentes, bem como

também o são o lugar do “sampler” e do “arquivista”, são eles: a apropriação

do existente como forma de o digerir; a justaposição de imagens díspares na

procura de relações que permitem visualizar o inconsciente do mundo; a

4. Hal Foster - «An archival impulse» in October,

110, 2004, pp. 3-22.

5. Juan Martín Prada - «Sampling-collage» in Exit:

Cut & Paste, 35, 2009, pp. 120-123.

43

reconstrução da memória individual integrada na memória coletiva; a

exploração de formatos e de estruturas visuais relacionais com um grau de

complexidade concordante dos meios de reprodução e de circulação de

imagens do seu tempo.

Um arquivo pessoal de imagens é então aqui entendido como matéria que

ativa processos de ressignificação das imagens coletivas definidores de uma

posição crítica, e que incita ao fazer como uma reconstrução de novas visões

pessoais do mundo a partir de imagens que já existem. Por isto, o processo de

criação potenciado pelas imagens de arquivo é aqui aproximado de uma ideia

de “colagem”, na medida que agrega imagens existentes, e por isso já com

uma significação própria, para explorar poeticamente novos significados: por

movimentos de apropriação, descontinuidade e desfamiliarização; numa

lógica de montagem aditiva por acumulação de exemplos e encadeamento de

significados; pelo caráter de reconstrução fragmentária da memória e do

tempo; pela exploração de formatos informais que deem expressão ao

processo criativo. Assim, os arquivos de imagens, contrariamente a serem

uma acumulação, sinónimo de “conservação” e “guardado”,

são matéria migrante e maleável: as suas imagens são justapostas, repetidas,

variadas, transformadas, deslocadas e montadas, potenciando estruturas

visuais complexas que configuram o percurso do pensamento no processo

criativo.

O interno das imagens

Embora a história nunca se repita, características comuns entre

44

Figura 2. Hannah Höch, Sammelalbum (Álbum de

recortes), 1933-1934. Caderno com colagem, 36 x 28

cm, Berlinische Galerie. Hanna Höch, Museo

Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Ediciones

Aldeasa, 2004, p. 91.

A artista reutilizou um livro cujas páginas cobriu

com mais de quatrocentos imagens em reprodução

fotográfica, apropriadas maioritariamente a revistas.

Os conteúdos do seu álbum são os mesmos das suas

colagens: a natureza, a tecnologia, o desporto, a

mulher moderna, plantas, representações de animais,

nus de crianças e de mulheres. O seu método de

organização das imagens por justaposição, variações

e repetições, cria contextos de interpretação pessoal,

cujo sentido é projetado pela acumulação das

imagens em grupos.

acontecimentos diferentes quanto ao seu contexto, tempo e lugar, levam a que

perante um acontecimento a imaginação evoque outro, como uma ação

diferida em que se reveja a semelhança. Assim, entre os momentos históricos

do passado e o presente são estabelecidas analogias porque características

comuns o permitem: é o que nos pode levar a relacionar a colonização com a

expansão capitalista; a condição de refugiado à de suicida; uma cidade

“limpa” por uma política de biopoder a uma cidade bombardeada pela guerra,

ou ainda, saltando para o domínio da representação, a pintura de Piero della

Franscesca que projeta a cidade ideal, monumental, sem pessoas, como uma

imagem paradigmática do poder ideológico que suporta a cidade “higienista”

contemporânea.

Referir o passado é evocar a memória dos acontecimentos. Contudo, o

entendimento de analogias entre o passado e o presente constrói-se como uma

crítica formulada por um conjunto de circunstâncias latentes. No campo das

imagens, a associação entre acontecimentos diferentes, em que o presente

resgata o passado, remete para a alegoria como estratégia de representação.

Craig Owens, no texto «Impulso alegórico: sobre uma teoria do Pós-

Modernismo», refere que a pintura histórica do início do séc. XIX é «imagem 6do presente, sobre a imagem do presente em termos do passado clássico» :

resgata características de imagens do passado, pela migração de detalhes de

costume, fisionomias e gestos, numa estrutura feita de momentos

interrompidos retirados a um contínuo, condensando a narrativa num único

momento carregado de significação histórica que liga o passado, o presente e 7o futuro . Craig Owens, avança que o impulso alegórico incide na «convicção

8a respeito do passado e o desejo de redimi-lo ao presente» . Neste sentido,

caracteriza que a imagem alegórica, embora dê a entender a imagem

apropriada, propõe outras significações comparando-a a um palimpsesto: a

estrutura de uma imagem alegórica é de caráter metavisual - uma imagem é

lida por outras imagens -, embora as relações não sejam evidentes e diretas,

mas antes interrompidas e caóticas. Por isso, propõe que a decifração das

imagens alegóricas seja feita por correspondências com outras imagens

contrariando a linearidade histórica e a unidade narrativa.

Em paralelismo com o cinema, Artavazd Pelechian, na sua teoria Distance-

montage, refere-se aos mecanismos de montagem cinematográfica como a

potência do pensamento pelo interno das imagens: os movimentos de

acumulação, justaposição e encadeamento de imagens díspares e

heterogéneas mas de ressonância visual comum, permitem desenvolver um

entendimento sobre um tema sem ser factual quanto ao contexto espacial e

temporal. No entanto, estes movimentos dão expressão ao pensamento pelo

interno das imagens: é na aproximação de imagens de ressonância comum, e

na combinação de imagens de um modo encadeado, acumulativo e 9fragmentário, que reside o olhar crítico .

45

6. Craig Owens - «Impulso alegórico: sobre uma

teoria do Pós-Modernismo», in Revista do Programa

de Pós-Graduação em Artes Visuais. EBA, UFRJ:

2004, p. 118.

7. Craig Owens - «Impulso...», p. 114-118.

8. Craig Owens - «Impulso ...», p. 114. Neste

contexto, o significado da palavra “redimir” sugere o

sentido de reaver, como recuperação de algo, mas

também sugere o sentido de livrar, como superação

pela libertação de algo.

9. Artavazd Peleshian - «Distance Montage, or the

theory of distance» in Artavazd Peleshian: Our

century. Kunsthalle Wien: Kerber Verlag, 2004, pp.

83-100.

A imagem é então a camada superficial visível rememorativa do que não está

lá. Tem uma história feita de vínculos a outras imagens, disseminações e

desvios – ressignificações - que as tornam singulares. Cada imagem, é então

um momento dinâmico de forças contraditórias entre tempo, discursos,

ideologias e disciplinas que as fazem ser do seu tempo. As imagens alegóricas

são despojos da ressonância de sentido das imagens originais, submetidos à

interpretação e significação do alegorista que os trabalha enquanto potência

generativa que se abre a outras imagens relacionadas; a imagem alegórica é

então a representação que revela os segredos das imagens apropriadas,

assume e condensa o que nos fascina nas imagens.

De forma a esclarecer essa potência interna às imagens, Aby Warburg, no

texto «Las imágenes también sufren reminiscências», refere que a imagem

condensa dimensões psíquicas e plásticas que determinam o estilo,

garantindo o “ser das imagens”. Este “ser” reporta-se a impressões

originárias das imagens tornadas símbolos figurativos, que ao serem

reformuladas plasticamente formam sedimentações providas de uma 10memória inconsciente que garante a sobrevivência da dimensão psíquica

das imagens. No fenómeno de sobrevivência, a memória inconsciente das

imagens é apreendida em momentos-sintoma, em que se entrelaçam 11momentos anacrónicos e sistemas de inscrição heterogéneos . O sintoma é a

manifestação de uma rede complexa de sinais incompreensíveis, ilógicos,

disparatados que ativam a memória inconsciente ligada às reminiscências das 12formas, e que garantem a dimensão psíquica que pertence às imagens .

As imagens condensam símbolos mnemónicos que recordam e sintetizam

10. Tradução correspondente ao termo alemão

“Nachlaben” utilizado por Aby Warburg.

11. Perceber as movimentações do fenómeno de

sobrevivência das imagens, implica percorrer em

sentido contrário o caminho da transformação das

formas ao longo dos tempos. Implica escavar, de uma

forma consciente, a memória inconsciente das

formas. Tal caminho em profundidade implica a

identificação dos sintomas por processos de

estratificação.

12. Georges Didi-Huberman - «Las imágenes

también sufren reminiscências», La Imagen

Superviviente, Historia del Arte y Tiempo de Los

Fantasmas Según Aby Warburg. Madrid: Abada

Editores, 2009, pp. 277-280.

46

Figura 3. Excertos do filme Our Century de Artavazd

Pelechian, 1982, p/b, 50 min. Artavazd Peleshian:

Our century. Kunsthalle Wien: Kerber Verlag, 2004,

p. 231.

acontecimentos geradores de emoções e de operações mentais. É aqui que

reside o interno das imagens: tal como a manifestação de sintomas referida

por Aby Warburg, é relativo à dimensão psíquica das imagens, põe em ação a

memória e ativa a imaginação. Assim, o interno não está sensível na imagem

mas é-lhe latente; é a potência generativa de outras imagens na construção de

novas significações por relações de analogia: relacionar imagens pelo

interno, é atingir a legibilidade para além do imanente, “é ir para além da copa

da árvore”, por um enredo de analogias que nomeiam o que é invisível, mas

sem que nada seja fixo nem evidente.

Configuração da imaginação: colagem diagramática

Entendendo o desenho como um mecanismo de relação de imagens por

analogias, os movimentos de deslocar, justapor, sobrepor, agrupar e encadear

permitem pensar o desenho enquanto a montagem que configura as

operações da imaginação.

O modo como a faculdade combinatória da imaginação estabelece

possibilidades de relação entre o que é díspar por pensamentos fugidios e

curtos, projeta-se nos desenhos inacabados sugeridos por espaços em branco,

tracejados, cortes, colagens, repetições e variações. Ambos, imaginação e

desenhos inacabados, partilham o fugaz, transitório, frágil e fragmentário. Os

desenhos inacabados, mesmo não definindo claramente um assunto, apontam

direções e conteúdos, e permitem perceber o que se pensa e como se pensa,

tornando-se fundamentais porque condensam momentos de procura e de

descoberta, contudo, são insuficientes para esclarecer o fluxo disseminado e

fragmentário da imaginação.

Uma representação visual da articulação do pensamento guiado pela

imaginação é uma abstração, é uma imagem que traduz o que pertence ao

domínio do interno, o que não é visível. Um esquema muito confuso e de

ligações interrompidas seria o que se obteria se fossem traçadas todas as

ligações estabelecidas na articulação de dados pela imaginação. Contudo, «o

espaço interno não tem duas dimensões, como a folha de papel, é antes um

sistema de relações espaciais, onde alto e baixo, dentro e fora, antes e depois 13não existe» . Considerando esta afirmação, a imaginação pode ser pensada

enquanto fluxo, num processo semelhante ao do diagrama, aqui entendido de

duas maneiras: como atalho gráfico, mas também como mecanismo

generativo. A mesma conceção de diagrama pode ser entendida segundo

Gilles Deleuze, enquanto «possibilidade de quadros infinitos, uma 14possibilidade infinita de quadros» , sintetizada em três momentos da criação:

o pré-pictórico referindo-se ao cliché da pintura, o de caos-catástrofe da

pintura que destrói a estabilidade do pré-pictórico, e o de germinação de

novas formas pelo ato de pintar. A partir desta noção, é então aqui referida

uma aceção muito particular do diagrama, não como uma imagem de síntese e

clara, mas enquanto sistema de relações espaciais de ligações interrompidas

13. Jean Fisher - «On drawing» in The Stage of

Drawing: Gesture and Act, Selected from the Tate

Collection. Nova York: Tate Publishing and The

Drawing Center, 2003, p. 222.

14. Gilles Deleuze - Pintura, El Concepto de

Diagrama. Buenos Aires: Cactus, 2007, p. 46.

47

da imaginação em estado de potência. O desenho é então por aqui proposto

como uma “colagem diagramática” enquanto estrutura visual, como uma

espécie de relação combinatória espacial que agrega os desenhos e as

imagens do arquivo pessoal, na qual participam o que tomo como interno às 15imagens e o conceito de colagem . O que de maneira mais direta se aproxima

desta colagem diagramática é uma aglomeração de informação diversificada

montada em sistema relacional, em que imagens são associadas, justapostas,

deslocadas e transferidas, dando visibilidade às relações de sentido

combinadas na imaginação: seja um desenho ou uma parede coberta de

imagens, as operações da imaginação ganham corpo na superfície; uma

forma é encadeada noutra forma, e o sentido de um desenho é completado por

uma imagem do arquivo pessoal.

O desenho é então referido como a montagem que configura as conexões

formadas pela imaginação: está aberto à acumulação e à deslocação de

imagens na formação de possibilidades de sentido consoante o encadeamento

do pensamento; constrói um labirinto de analogias e devolve um enredo

centro, afirmando o fragmentário e o transitório em vez da unidade.

Non finito: arquivo, analogia, atlas

Neste contexto, a prática artística é atravessada pela procura de disposições

das imagens em correspondência com a estrutura mental subjacente ao

pensamento criativo: as imagens são justapostas, agrupadas e deslocadas,

encontrando a sua configuração numa colagem diagramática ativada por

analogias formadas na imaginação.

De forma a concluir a constância destas relações de analogia no processo

criativo, o atlas, é aqui proposto como a tática de desestabilização das

imagens do arquivo pessoal, mas também como modelo estrutural de todo a

prática.

Por definição, um Atlas é uma reunião de imagens sobre determinado

assunto, que consultamos para uma pesquisa específica ou que folheamos

descomprometidamente para nele “viajar” de imagem em imagem. Sem a

exigência de uma ordem de leitura, e à partida sem um texto exaustivo que

defina as suas imagens, abusar e tirar partido desta liberdade de “viajar”, é

estar no limiar de todos os caminhos possíveis. A natureza fragmentária,

incompleta e sensível de um atlas, propõe a abertura a múltiplas leituras, ao

não sequencial e ao não definitivo.

Também, a estrutura visual de um atlas, mostra o conhecimento sobre o

mundo através da acumulação e da justaposição imagens. O caráter aberto da

sua montagem, em que as páginas são organizadas por conjuntos de imagens

heterogéneas e anacrónicas numa dimensão espacial proliferante, potencia

novas possibilidades de entendimento das imagens por correspondências,

analogias e intervalos. A particularidade do atlas é então o incitamento ao

entendimento do mundo pela exploração heurística dos conteúdos das suas

15. Cláudia Amandi, na sua tese de doutoramento,

problematiza a mesma correspondência entre

“diagrama” e “colagem”: o primeiro, numa aceção

abstrata relacionada com os movimentos implícitos

ao processo criativo, o segundo, implicado com a

disposição física dos elementos no processo de

desenho: “O desenho, enquanto corpo de imagens, é

também esse diagrama abstracto em contínua relação

e associação entre as coisas, tornando-se um híbrido

que reflecte a estrutura mental do autor. (...) Se

podemos identificar o diagrama como modelo físico,

a sua maneira concreta de fazer as coisas no plano

material, é uma espécie de contínua operação de

colagem. Não apenas na sua acepção elementar como

acção que adere duas superfícies com cola, mas,

sobretudo, como operação física e metafórica que

liga, ajusta, aproxima, que junta ou une elementos

diversos para equacionar ordens e ligações no

contexto do processo”. Cláudia Amandi - «Híbridos

visuais para estruturas mentais» in Funções e Tarefas

do Desenho no Processo Criativo, Faculdade de

Belas Artes da Universidade do Porto, 2010, p. 63.

48

imagens.

Didi-Hubermam no texto «Dispar(at)es, leer lo nunca escrito», nomeia o atlas 16simultaneamente como “objeto visual” e “forma visual de saber” , na medida

em que modela o conhecimento dedutivo baseado no sensível. Por aqui,

aproxima a configuração do atlas do que poderá ser denominado de “estética

impura da imagem”: caracterizada como proliferante, múltipla, diversa, e

oposta ao quadro de herança estética renascentista, exigente da integração

harmoniosa das partes na construção da unidade encenada e encerrada nos

limites do suporte.

A estética renascentista é baseada na unidade estabelecida por critérios, e é

concordante com o conhecimento racionalista: Alberti resumiu o quadro à

unidade formular como um todo completo. No modernismo, Greenberg

elevou a arte a um purismo levando ao limite a proposição de que a imagem é

uma relação ideal. Por aqui, o quadro é unidade evidenciada no encerramento 17espacial, é axioma resultante de uma lógica, é encenação e obra-prima .

Neste sentido, Didi-Huberman no texto «El atlas das imágenes. Releer

(remontar) el mundo», contrapõem as páginas do atlas ao quadro:

- enquanto que o quadro é encerrado em dois movimentos, vertical e

centrípeto, o atlas é aberto por dois movimentos, horizontal e centrífugo;

- enquanto que o quadro é unidade resultante de um percurso de

aprimoramento da prática e do conhecimento, que criva para tornar puro,

ideal, dos deuses, o atlas, destrói a singularidade para afirmar a 18multiplicidade.

O atlas é uma apologia ao aberto e ao múltiplo, cuja estrutura baseada na

acumulação e na justaposição, é concordante com o pensamento que

potencia. Assim, no contexto da prática artística dependente da provocação

49

16. Forma visual de saber que recupera a génese do

modelo epistémico platónico, na qual, o

conhecimento é extraído das imagens.

17. Georges Didi-Huberman - «Díspar(at)es, leer lo

nunca escrito» in Atlas ¿Cómo Llevar El Mundo a

Cuestas?. Madrid: Museo Nacional Centro de Arte

Reina Sofía, 2011, pp. 14-22.

18. Georges Didi-Huberman - «El atlas de imágenes.

Releer (remontar) el mundo» in Exit: Cut & Paste,

35, 2009, p. 5.

Figura 4. Trabalho do autor, Mão Que dá, mão que

atira, 2009–2014. Guache, esferográfica, grafite e

fotocópia, dimensões variáveis aproximadas do A4.

Ao agrupar os desenhos é exercida uma resistência

para não excluir possibilidades, mas antes acumular e

derivar imagens em compromisso com as relações

feitas na imaginação. O movimento de relacionar

imagens é permanente: cada imagem encontra lugar

entre as outras imagens acumuladas na parede do

atelier, e suscita uma outra. Um desenho deriva de

outro desenho e cada desenho é também uma

possibilidade isolada de um outro encadeamento de

desenhos. Desenhar é fazer non finito, no sentido de

imagens inacabadas, mas também sem conclusão, na

medida que não apresenta imagens finais mas um

enredo não linear.

das imagens de um arquivo pessoal, dos significados que lhe são atribuídos e

das analogias que se estabelecem entre elas, mas também, comprometida

com a procura de uma estrutura visual concordante a este modo de pensar as

imagens, o atlas é então tido como modelo: aqui uma imagem não existe nem

é mostrada isolada, ao contrário, sendo o fazer baseado na exploração

heurística dos sentidos das suas imagens, uma imagem relaciona-se e gera

outra imagem; e a estrutura visual correspondente à configuração deste fluxo

da imaginação é uma acumulação de imagens justapostas.

50

51

O principal acontecimento na elaboração de um trabalho parece ser o

encontro de uma metodologia. Uma metodologia que na sua forma reflicta a

subtileza do argumento. Dar forma a uma componente considerada técnica

também pode parecer um acto. Ou melhor, uma prática associada a gestos.

Através da análise de (1.) alguns objectos referenciais de um trabalho e (2.)

dos seus modos de aparecer na pesquisa, constataremos a impossibilidade de

acordar com uma metodologia singular. Um pré-inventário de objectos-

referências será apresentado enquanto espólio próprio da investigação em

curso. Esta sequência numerada estruturará (3.) um breve ensaio e um teste,

considerando que esses objectos estão de facto colocados num espaço. Ao

dispor (4.) outras referências metodológicas em lista, acordaremos com uma

extrapolação de práticas.

1. Alguns objectos referenciais de um trabalho

O OBJECTO NO CENTRO:

O ESPÓLIO COMO METODOLOGIA

Aida Castro

Objecto #1: Cahiers d'Art, nº1-2, 1936. Reprodução

de uma página da revista Cahiers d'Art, in Emmanuel

Guigon, Georges Sebbag — Sur L'Objet Surréaliste,

Paris: Les presses du réel, 2013, p. 143.

52

2. Dos seus modos de aparecer na pesquisa

O que apresentamos é um pré-inventário. Alguns dos objectos-referências

que participam de um trabalho de investigação em curso. Estes objectos-

referências são citações organizadas numa sequência. Em conjunto não

representam o trabalho, mas derivam da sua metodologia. Então podemos

dizer que esta sequência de objectos apresenta-se enquanto espólio: os

objectos são retirados desse trabalho e no espaço deste texto são apenas o

início de uma lista. A sequência é numerada segundo o seu modo de aparecer

na pesquisa. E o seu fundamento surge de uma série de leituras, das pequenas

explosões provocadas pelas ligações dos seus conteúdos e da junção dos

Objecto #3: Herwig Turk, Hands On (vers. 3),

Quasicrystals or the Harmony of Illusion, Exhibition

Center Heiligenkreuzerhof, Vienna/A 2014.

Fotografia: © Gebhard Sengmüller.

Objecto #2: Paul Nougé, La Naissance de l'Object e

Les Buveurs da série Subversion des Images (1929 -

1930). Reproduções de fotografias in Frédéric

Thomas — “Expériences photographiques et

pratiques bouleversant. Paul Nougé et la Subversion

des Images”, in Colloque L'Image Comme Stratégie:

des usages du médium photographique dans les

surréalisme. Org. L'Association de recherche sur

l'image photographique (ARIP), l'équipe d'accueil

“Histoire culturelle et sociale de l'art” - Université

Paris 1 Panthéon Sorbonne (HiCSA) e Institut

National d'Histoire de l'Art (INHA), 2009.

Disponível: [http://hicsa.univ-

paris1.fr/page.php?r=133&id=411&lang=fr]; última

consulta: 2 de Outubro de 2014.

53

1. V. Emmanuel Guigon — L'Object Surréaliste.

Paris: Éditions Jean-Michael Place, 2005, p.11.

2. Apud. Andre Breton — Positions Politiques du

Surréalisme, Paris: Editions du Sagittaire anciennes

editions Kra, 1935, p.161. Optamos por traduzir as

citações que se apresentaram noutra língua.

3. Inaugurada em 26 de Março na Rue Jacques-

Callot, com os trabalhos “Tableux de Man Ray” e os

“Objets des Îles”. V. Emmanuel Guigon e Georges

Sebbag — Sur L'Objet Surréaliste, Paris: Les presses

du réel, 2013, p.85.

4. Cit. Roger Caillois, “Spécification de la poésie”, in

Surréalisme A.S.D.L.R, Nº5, 1933. Apud. Emmanuel

Guigon e Georges Sebbag — Sur L'Objet

Surréaliste, Paris: Les presses du réel, 2013, pp. 42-

43.

cacos. Coisas próprias da pesquisa relativa ao trabalho em curso. Não

interessa aqui definir esse trabalho e esclarecer o seu argumento, mas a opção

de iniciar pelas imagens citadas, criando objectos, aproxima-se da convicção

de fazer um mapa. Um mapa de referências constituído por imagem e texto.

Sobre o objecto decidimos aprofundar. Porque ele aparecia em diferentes

modos na pesquisa e no seguimento das leituras. Por leituras consideramos os

textos, todas as formas de textos, que se leu. E os objectos que aparecem delas

lhes são retirados e reproduzidos noutro espaço, por exemplo, no espaço

deste texto. A lista e a sequência já mencionada, o espólio se quisermos, não é

estável. É inacabado. A lista assemelha-se a uma qualquer lista bibliográfica,

mas o seu carácter referencial que se exprime em imagem organiza-a em

objectos.

3. Um breve ensaio e um teste

O objecto foi central na prática artística do Surrealismo: a investigação sobre

o objecto parte do excesso, da série de manufacturados, contexto onde apenas

se reclama uma (ainda) insignificante legitimidade técnica. Para Breton e

outros companheiros, o surreal, definido como uma espécie de realidade

absoluta, dilata a experiência do sujeito com os objectos, libertando uma vida

latente. Sem as funções utilitárias, cada objecto é susceptível de alterar o 1sentido . O Objecto, tal como definiu Dali, é um “objecto que se presta a um

mínimo de funcionamento mecânico e que é baseado nos fantasmas e nas

representações susceptíveis de serem provocadas pela realização de actos 2inconscientes.” O “objecto selvagem”, por exemplo, aparece no meio de

uma experiência de catalogação, por entre uma genealogia sobre o objecto

que se ordena à volta do eixo encontrado(trouvé)/fabricado (Objecto #1). E

sobretudo para situar os objectos provenientes de outras culturas. A galeria

surrealista em Paris inaugurou em 1926 com uma exposição sobre a 3coabitação dos “objectos surrealistas” e os “objectos das ilhas” : foi aqui que

a palavra “objecto” apareceu no centro da prática artística. Os objectos

selvagens são, então, para os surrealistas parisienses, objectos fetiches ou o

que vulgarmente se chama de “objectos primitivos”, sobre os quais Breton

tinha um especial gosto. A catalogação destes e outros objectos justifica o

argumento surrealista de que “ (...) jamais a função utilitária de um objecto

legitima por completo a sua forma, ou seja, a noção de objecto transborda a

noção de instrumento nele contida. Assim é possível descobrir em cada

objecto o tal resíduo irracional determinado, entre outras coisas, pelas 4representações inconscientes do inventor ou do técnico” .

Entre 1929 e 1930 Paul Nougé, conhecido como o teórico do Surrealismo

Belga, produziu uma série de 19 imagens às quais deu o título Subversion des

Images. Esta série contextualiza um momento de crise tripartida: a crise do

Surrealismo, a crise da fotografia e, de uma forma mais expansiva, a crise da

sociedade como um todo. Do Surrealismo por ser o momento onde se afirmou

54

5. Seguimos o estudo de Frédéric Thomas —

“Towards a Minor Surrealism: Paul Nougé and the

Subversion of Images”, in Minor Photography:

Connecting Deleuze and Guattari to Photography

Theory. Ed. Mieke Bleyen, Leuven University Press,

2012, pp. 125-143.

6. Frédéric Thomas, 2009 — “Expériences

photographiques et pratiques bouleversant. Paul

Nougé et la Subversion des Images”, in Colloque

L'Image Comme Stratégie: des usages du médium

photographique dans les surréalisme. Org.

L'Association de recherche sur l'image

photographique (ARIP), l'équipe d'accueil “Histoire

culturelle et sociale de l'art” - Université Paris 1

Panthéon Sorbonne (HiCSA) e Institut National

d'Histoire de l'Art (INHA). Disponível: [http://hicsa.

univ-paris1.fr/page.php?r=133&id=411&lang=fr];

última consulta: 2 de Outubro de 2014.

a distância (política) entre o núcleo Belga e o núcleo Parisiense. Da fotografia

por ter sido o momento de debate sobre a sua autonomia enquanto meio, do

seu valor enquanto documento ou obra de arte, afastando-se do pictoralismo.

E foi precisamente em 1929 que sucedeu o “Wall Street Crash”, que ascendeu 5o fascismo e se estabeleceu o Estalinismo na URSS .

As 19 imagens representam encenações: são “encenações da ausência”. Da

ausência de objectos. São o espaço negativo, como diríamos se estivéssemos

a falar de representações do desenho. É dessa ausência que queremos falar,

por considerarmos que nela reside a potência do espaço poético. Ou se

quisermos, a hipótese de abertura do espaço poético. Frédéric Thomas refere

precisamente estas duas imagens (Objecto #2), colocando-as como imagens

que operam entre a banalidade e o maravilhoso. Num sentido quase inverso

da visão do grupo surrealista parisiense, que propôs uma oposição entre o

banal e o maravilhoso na descoberta do inconsciente, as investigações do

grupo belga em torno do objecto afirmam uma paradoxal proximidade entre o

registo da banalidade e do quotidiano, da ruptura e do mistério. A ideia seria

inventar, através da encenação de momentos e acções com os objectos, um

espaço de contemplação. E não tanto recuperar os momentos enigmáticos a

partir de uma perspectiva particular que acede a essa realidade maravilhosa

evocada nos objectos. Para Nougé ver é um acto.

Nas imagens La Naissance de l'Object e Les Buveurs, como nos diz F.

Thomas, assistimos a um jogo de deslocamentos, de combinações e

manipulações, metodologias estas que pretendem perturbar construções do

pensamento linear e óbvio sobre os objectos e a sua presença quotidiana.

Estamos então perante uma exploração de técnicas de subversão,

radicalmente não simbólica, que inventa uma paixão. Circunscritas na teoria

dos “objets bouleversants” por Nougé, estas imagens são um convite ao

espectador. Um convite a procurar, a imaginar o que vem, ou o objecto que vai

nascer. São uma procura, e não um achado (objet trouvé). Elas supõe um acto

e não um automatismo.

La Naissance de l'Object é uma encenação da reprodutibilidade: as

personagens da fotografia mimetizam a reacção do espectador perante a

própria imagem, sendo que o objecto prestes a nascer depende da atenção e do

desejo (desejo de ver) e não existe senão perante esta intervenção.

Paradoxalmente, o objecto desejado é ausente, ou melhor, ao objecto prestes a

aparecer é devolvida uma visibilidade pela excitação do seu contorno. 6Les Buveurs, seguimos F. Thomas , age sobre o lugar do objecto. A acção é

perfeitamente inteligível mesmo sem a sua presença, reenviando para a

reflexão sobre os hábitos. Aquela acção permite que a experiência da

ausência do objecto, num sentido mais radical, incida sobre as relações do

objecto com o sujeito e com o mundo.

A performatividade destas imagens, ligada ao seu modo de acto na encenação

da ausência, evidencia o objecto concreto tanto quanto a sua plasticidade. E é

na tensão provocada por este paradoxo que reside a abertura do espaço e

também um fundamento crítico mais radical: o esboço de uma estratégia 7poética num mundo pouco poético . Para Nougé a estratégia foi procurar no

objecto e na banalidade do seu uso as dobras que potenciam um deslocamento

da representação e do familiar, ou uma torção ao limite.

Herwig Turk apresentou um vídeo sobre o objecto técnico, acrescentando

outras implicações ao nosso texto. Em Hands On (Objecto #3) estamos a ver

gestos, gestos revestidos por luvas e batas brancas, coreografados sobre um

fundo de grelha clássico. Apesar de parecerem gestos livres — são mãos sem

objectos e braços em movimento — a acção que encenam não é reconhecível

por todos: é uma acção operativa. Estes gestos são específicos e repetitivos,

repetem-se, de facto. Estão em loop. Por momentos até parecem não estar a

dizer nada, mas participam de uma linguagem tecno-científica, ainda assim, 8temporária . Nestas imagens procuram-se as estruturas invisíveis do

laboratório científico: os rituais de uma prática reprodutível encobertos pela

rotina. Estas imagens são encenações da ausência. E abrem um espaço de

reflexão no contexto de um trabalho gerido pelo estímulo maquínico.

Dizemos estímulo maquínico por esta encenação ser aparelhada: evoca e

circunscreve o que não está lá (objectos e procedimentos técnicos: câmaras,

instrumentos, máquinas.) Inscritas no espaço científico, avisam-nos que para

além da vestimenta existe um corpo que tenta ser operativo, gesticulando por

defeito. Apresentado assim, o gesto sem a ferramenta entrega-se a uma

transversalidade: a de pensarmos a técnica e os procedimentos mecânicos e

industriais enquanto estímulos de gestos frenéticos, automáticos e

(des)controlados.

4. Outras referências metodológicas em lista

a) O conceito “objecto técnico” insere-se supostamente numa “sociedade

científico-industrial”. Esta última expressão surge ao longo da obra 9Experimentum Humanum de Hermínio Martins para, em parte, constituir

uma elaboração crítica da actualidade, ligando o significado histórico da

expressão à denominação presente (sociedade industrial ou capitalista),

assim como, às visões proféticas nele contidas. É descrita a visão saint-

simoniana da “sociedade científico-industrial” que através da crença no

investimento da técnica “permitiria ultrapassar as estruturas da opressão

humana” e “aceder a uma condição da sociedade e da história liberta de 10jugos” . Este conceito enunciado por Auguste Comte (séc. XIX, 1820), seria

um novo tipo de formação social que, segundo Martins, “representava ainda

muito mais uma antecipação, no máximo uma extrapolação a muito longo

prazo para o Ocidente, do que uma delineação do estado de coisas vigente em 11qualquer sociedade coeva, (...).” Como o autor sublinha, o que está contido

nesta expressão não dizia respeito a qualquer formação social existente na

época, apontando antes para “um tipo societal em emergência putativa, que

55

7. V. Frédéric Thomas — “Towards...”, 2012, p. 136.

8. Suspeitamos que a linguagem tecno-científica

actual não seja reconhecível pelos técnicos do futuro,

por isso a consideramos temporária.

9. Hermínio Martins — Experimentum Humanum:

Civilização Tecnológica e Condição Humana,

Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2011.

10. Hermínio Martins — Experimentum..., p. 38.

11. Hermínio Martins — Experimentum..., p. 71.

foi teorizado como destinado a prevalecer enquanto quadro dominante,

supraparcial, final e, por fim, pervasivo da existência humana em termos 12planetários.” Então o “objecto técnico” a que nos referimos aparece, é

consequente das promessas desta sociedade industrial, organizando esta

ideologia numa coisa palpável e sociodimensional, sendo ele também um

veículo de algumas realizações e aspirações. Mas, como adverte Hermínio

Martins, “(...), os objectos técnicos servem muito regularmente finalidades

inesperadas, demonstram propriedades relevantes ou funcionalidades que

não foram consideradas como pertinentes no seu desenho, tanto no bom 13funcionamento como nos seus fracassos.”

b) O estudo sobre os objectos técnicos por Simondon, seguimos o curso 14“psicosociologia da técnica” , inicia com esta óbvia constatação: para

constituir um objecto técnico é preciso uma operação técnica. Os objectos

técnicos são então resultado de operações técnicas, colocando desde logo a

produção e o produto numa rede, mas também dentro de uma problemática

que nos parece pertinente articular. Simondon refere a capacidade de

desprendimento (détachement) do objecto produzido das operações técnicas,

e diz que essa capacidade, ou se quisermos esse modo de alienação, é o início

de uma “aventura livre”. Citando o autor, “o objecto técnico em condição de

liberdade (evitando o termo autonomia), encontra-se dotado de uma

equivalente espontaneidade que se manifesta sobre a forma de qualidade 15reconhecida na cultura dominante do grupo humano onde se encontra” . Esta

condição de liberdade no universo social coloca problemas “próprios à 16existência espontânea dos produtos técnicos que devêm objectos” que se

agrupam, segundo o autor, em três rubricas: utilidade, carácter histórico e

estrutura profunda da técnica.

“O ser técnico torna-se objecto não apenas pela sua materialidade, mas

também porque nele se inscreve um halo de sociabilidade: nenhum objecto é

puramente objecto de uso, ele é parcialmente sobredeterminado 17(surdéterminé) como símbolo psicossocial;(...).” Como adverte na

introdução da teoria, “este desdobramento dicotómico do objecto técnico,

autoriza um frenesim de tecnicidade e um frenesim de simbolismo social, 18mas estas não são as únicas vias de evolução do objecto técnico” . A

preferência por colocar os objectos no centro, ou melhor, enquanto centros

que operam a ligação entre as regiões fundamentais do espaço (apoiando-se 19na noção de centres de Mircea Eliade) , define uma estratégia teórica e

analítica que considera os objectos enquanto agentes e centros de mediação.

Para o autor as dimensões utilitária e simbólica-social agregadas ao objecto

técnico são apenas aspectos secundários e não determinantes que se

manifestam posteriormente através de fenómenos de captura e de

degradação.

56

12. Hermínio Martins — Experimentum..., p. 144.

13. Hermínio Martins — Experimentum..., p. 97.

14. Gilbert Simondon — “Psychosociologie da la

technicité (1960-1961)” in Sur la technique (1953-

1983), Paris: Presses Universitaires de France, 2014,

pp. 27-129.

15. Gilbert Simondon — “Psychosociologie...”, p.28.

16. Gilbert Simondon — “Psychosociologie...”, p.28.

17. Gilbert Simondon — “Psychosociologie...”, p.29.

18. Gilbert Simondon — “Psychosociologie...”, p.31.

19. “Todo o microcosmo, toda a região habitada, tem

o que poderíamos chamar um 'Centro', quer dizer, um

lugar sagrado por excelência.”, (p.54). “(...) todas as

civilizações orientais — Mesopotâmia, India, China,

etc. — conhecem um numero ilimitado de 'Centros'.

Ou melhor: cada um destes 'Centros' é considerado e

literalmente designado por 'Centro do Mundo'”.,

(p.55). “ As culturas que reconhecem três regiões

cósmicas — Céu, Terra, Inferno — o 'centro'

constitui o ponto de intersecção destas regiões. É

aqui que é possível uma ruptura do nível e, ao

mesmo tempo, uma comunicação entre estas três

regiões.” (p.56), in Mircea Eliade (1952) — Images

et Symboles. Paris: Gallimard, 2013.

c) Tacita Dean trabalha estes fenómenos de captura e de degradação dos 20objectos (técnicos ou não) com as próprias mãos. O projecto An Aside

(2005) consiste na selecção criteriosa de objectos depositados em arquivos,

espólios, galerias e colecções públicas e privadas. A realização de uma

exposição, assim como a edição de um livro, são os formatos convencionais

desta pesquisa. A metodologia e as escolhas de Dean são implícitas da sua

prática artística: conhecida por “collector” ou respigadora. Em An Aside é

explícito o entendimento dos objectos artísticos a partir das ligações

entrepostas: dos processos associativos, das coincidências, do acaso

objectivo, referindo a experiência de Breton, mas também das decisões

exactas e formais. As constelações que reúnem os objectos são breves ensaios

que reflectem um modo de ver: são as ligações encontradas no objecto que

determinam a chegada ao outro. A elaboração de um texto exploratório faz a

gestão das referências literárias que organizam tematicamente a disposição. A

escrita é narrativa e efectua outras descobertas na conexão com os objectos. O

significado da escolha e as ligações aparecem através da escrita. A prática

artística de Dean é muitas vezes entendida como uma série de investigações

que ambicionam revelar a essência conectiva de pólos aparentemente

opostos. Entre verdade e ficção, video e filme, sujeito e media ou ciência e

arte, seguindo algumas indicações de Patrick T. Murphy. “Dean's work does 21not service the media byte”.

d) Batia Suter apresentou Surface Series (2009) no espaço da Culturgest no

Porto. Estamos perante uma investigação que se debruça sobre a superfície

enquanto temática representada em imagens reproduzidas em livros

(fotografias). Suter corta e destaca as imagens. Separa-as e torna-as

autónomas do suporte, mantendo por vezes anexado as suas legendas. No

espaço as imagens são colocadas em várias escalas, respeitando sempre uma 22sequência matriz . Interessa pensar esta partida para o espaço. A qual, no

trabalho de Suter, é impulsionada pela realização de uma colecção, ou de uma

selecção, de imagens impressas. Em Surface Series, Suter preferiu organizar

o conjunto das legendas no anexo do catálogo, onde também foi 23(re)reproduzida a sequência de imagens . A reprodução da imagem

fotográfica nos livros, o recorte e o destaque, a ampliação, a colocação de uma

sequência no espaço, a reprodução da sequência no livro de autor, é uma

aproximação da itinerância das imagens de Suter. A metodologia da sua

prática não reside apenas nesta itinerância, reside igualmente na plasticidade

e na maleabilidade dos suportes e do espaço. Estes servem apenas o interesse

da sequência montada. Nem o suporte e nem o espaço resistem, ou impedem,

a sua existência. Nesta pesquisa de Suter o que se transforma são os desígnios

e a materialidade dos suportes e do espaço.

24e) O conceito de profanação de Agamben se atendermos ao exemplo da

57

20. Tacita Dean — An Aside, London: Hayward

Gallery Publishing, 2005.

21. V. Patrick T. Murphy — Tacita Dean. Institute of

Contemporary Art, University Pennsylvania

Philadelphia, 1998, pp. 5-15. Optamos por não

traduzir esta citação por considerarmos que tal

funcionalidade alteraria o sentido da expressão.

22. V. Batia Suter: http://www.batiasuter.org/bs033b.

html. Última consulta em 29 de Outubro 2014.

23. Batia Suter — Surface Series. ROMA

Publications/Culturgest, 2011.

24. Giorgio Agamben — Profanations. Paris:

Rivages, 2006.

criança que brinca e transforma a esfera (do sagrado, da economia, do ritual,

do jurídico) em brinquedos. Não interessa o brinquedo das coisas que se

transformam, mas este gesto de brincar que activa uma operação complexa: o

desactivar do dispositivo que capturou, ou que separou, os objectos das mãos

e, ao mesmo tempo, a invenção de um novo uso. A secularização, seguindo o

autor, não propõe uma alteração, nem uma transformação radical do sentido.

A estrutura mantém-se, retomando apenas outro modo de actividade. Esta é,

então, apenas uma deriva: uma forma secularizada do (poder) sagrado.

A criança a brincar não seculariza nada, antes desactiva e transforma, dá um

novo uso aos objectos: trata-se de profanação.

58

Este texto resulta de uma reflexão inserida no projecto de Investigação

"Fotografia, Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»: interpretações em

torno do Arquivo Teófilo Rego" (FAMEP) - desenvolvido no CEAA | Centro

de Estudos Arnaldo Araújo, na Escola Superior Artística do Porto e na Casa da

Imagem, Fundação Manuel Leão, Vila Nova de Gaia. Apresenta um conjunto

de considerações associadas a um dos momentos deste projecto, a exposição 2final , onde se pretende reflectir sobre “modos de conceber uma mostra de um

fundo fotográfico nos dias de hoje, que compreende o acto expositivo 3associado a uma perspectiva de educação artística não formal”. A concepção

desta exposição afirma-se pela capacidade de conjugar diferentes discursos

“desenvolvidos em torno da visualização e interpretação das imagens

fotográficas de arquitetura modernista portuguesa presentes neste acervo,

bem como em torno da problemática de como tornar público os registos

fotográficos e os conteúdos científicos, entretanto construídos no projeto de

investigação, a uma audiência alargada, acompanhados de uma reflexão 4crítica.”

Numa primeira abordagem à investigação sobre os modos de expor, a

imagem fotográfica foi pensada enquanto superfície ambígua e campo de

interpretação e acção. Assumiu-se a fotografia de Teófilo Rego, pertencente

ao seu trabalho comercial de finalidade publicitária, e considerou-se a

“Lacuna como dispositivo de pensamento contemporâneo sobre a 5fotografia” . Desta forma, encarou-se a exposição enquanto contexto capaz

de promover relações entre a fotografia e o seu público actual, dotando, esse

mesmo público, da possibilidade de interferir e ser actor na recriação de

narrativas emergentes das imagens.

Em Julho de 2015, na Casa da Imagem da Fundação Manuel Leão, será

realizada a exposição final do projecto FAMEP. A proposta desta exposição

ficará sob alçada das investigadoras do FAMEP pertencentes ao Serviço

Educativo da Casa da Imagem que, em relação estreita com os restantes

investigadores deste projeto, a irão conceber.

Para dar início à constituição do corpo expositivo formulámos uma

abordagem mais específica ao contexto de onde a relação entre fotógrafo e

arquitectos poderia ter surgido - a Escola Superior de Belas Artes - e

debruçámo-nos sobre um evento expositivo específico desta Escola, que

EM EXPOSIÇÃO: O FUNDO FOTOGRÁFICO TEÓFILO REGO E 1AS “EXPOSIÇÕES MAGNAS”

Inês Azevedo e Joana Mateus

1. Este trabalho é co-financiado pela Fundação para a

Ciência e a Tecnologia I.P. (PIDDAC) e pelo Fundo

Europeu de Desenvolvimento Regional – FEDER,

através do COMPETE – Programa Operacional

Fatores de Competitividade (POFC), no âmbito do

projecto PTDC/ATP-AQI/4805/2012 ("Fotografia,

Arquitectura Moderna e a «Escola do Porto»:

Interpretações em torno do Arquivo Teófilo Rego").

2. www.ceaa.pt/foto-arq-moderna-e-a-esc-do-porto/

3. Assunção Pestana, Inês Azevedo, Joana Mateus –

“Lacunas and their reinterpretations: a contemporary

look at tha photographic work of Teófilo Rego” in

Visualisation & urban history in contemporary

photography. Dakam: Contemphoto'13

Contemporary Photography Conference. 2013, p.28.

4. Assunção Pestana, Inês Azevedo, Joana Mateus –

“Lacunas and their reinterpretations…”. 2013, p.28.

5. Assunção Pestana, Inês Azevedo, Joana Mateus –

“Lacunas and their reinterpretations…”. 2013, p.34.

59

Teófilo Rego registou e para o qual contribuiu: as “Exposições Magnas”.

A partir das “Exposições Magnas” pretendemos aprofundar o conhecimento

já existente sobre a relação entre os arquitectos e o fotógrafo, bem como

compreender o contexto – o motivo da encomenda, a escolha de determinadas

perspectivas ou objectos - das fotografias que nos porpomos a exibir. A razão

de tal enfoque resulta do desejo de que esta exposição não se afirme apenas

como um mostruário linear sobre o fotógrafo, a fotografia, os arquitectos e os

projectos de arquitectura, mas que considere a relação entre todos. É partindo

do conceito de relação, endémica ao projecto de investigação FAMEP, que se

pretende entender a estrutura desta exposição bem como a natureza da

relação que o serviço educativo pode propor ao público no seu contacto com a

exposição, com a arquitectura e com a fotografia.

Neste sentido, as fotografias serão compreendidas enquanto documentos que

permitem desvelar momentos e narrar histórias. Os pontos de análise são: o

que é fotografado, o que promove o acto de fotografar, a forma como é

fotografado e de que forma dialogamos com estas referências hoje. Esta

análise deriva daquilo que existe enquanto documento: dos negativos, das

impressões fotográficas e dos documentos escritos que testemunham a

presença dos actores intervenientes e da sua possível relação.

Compreendemos, como assinala Margarida Medeiros sobre o registo

documental da fotografia, que “o que nos traz (...) é a urgência do documento

como matéria-prima para a construção de um discurso (qualquer que seja) e a

noção de que qualquer análise terá sempre de ter em conta a “dispersão dos 6enunciados”. Efectivamente, no contexto da “Escola do Porto”, de Carlos

Ramos que aqui se representa, as fotografias de Teófilo Rego transitam “(...)

como objectos mutantes, sujeitas a diferentes interacções, existindo no seio 7de um entrelaçar discursivo” . Resultam ainda de enquadramentos

extremamente permeáveis e complexos onde a pedagogia (como a proposta

das Três Artes), a divulgação e comunicação pública (que será função das

Exposições Magnas) e um posicionamento político (sob o impulso dos

concursos públicos e dos projectos de urbanismo) são reconhecidos através

das imagens.

Considerando as fotografias de Teófilo Rego em relação com outros

discursos, como o da história, o da arquitectura, da museologia e da educação

artística, novas possibilidade de interpretação se criarão e abrirão para o

público, entenda-se dessa forma, mais capacitado para compreender a diversa

natureza da prática fotográfica.

O fotógrafo: Teófilo Rego

O Fundo Fotográfico de Teófilo Rego (1914-1993), é constituído por cerca de

600 mil documentos fotográficos do Porto e Norte de Portugal e reúne 50

anos de actividade da “Foto Comercial Teófilo Rego” ligados à história de

vida do seu fundador.

60

6. Margarida Medeiros - Fotografia e verdade uma

história de fantasmas. Lisboa: Assírio & Alvim.

2012, p.59.

7. Margarida Medeiros - Fotografia e verdade…,

Lisboa: Assírio & Alvim. 2012, p.53.

Teófilo Rego nasceu no Brasil e foi repatriado para Portugal em 1924.

Em 1925 ingressa nas Oficinas Marques de Abreu onde, segundo Teresa Siza,

se não tiver aprendido a fotografar, terá aprendido a ver fotografias.

Posteriormente ingressa na litografia Maia, já com a convicção de que seria

fotógrafo. Nas palavras de Teófilo Rego: “Já o velho Maia dizia, às vezes,

quando eu gabava, por exemplo, o Mesquita, de quem também ele era muito

amigo: «Você há-de ser trinta Mesquitas!» Saí com muita pena, e estabeleci-8me na Rua da Alegria, sem dinheiro – que eu era um probretanas...”

Teófilo Rego monta o seu próprio estúdio fotográfico em 1947, na Rua da

Alegria, 482, onde constrói as estruturas de sustentação de um ampliador

13x18, os iluminadores, tripés, prensas e outros instrumentos. Entre outros

trabalhos, executou ampliações e clichés para o stand da Vouga Alimentação ona primeira Feira do Palácio de Cristal, trabalhou como 1 repórter e repórter

da manhã no “Diário do Norte”, onde angariou vários clientes que lhe

possibilitaram dedicar-se exclusivamente à fotografia comercial. Percorreu o

país de norte a sul para realizar encomendas de diversos clientes, entre os

quais, várias Câmaras Municipais. Colabora com vários artistas e estudiosos

na documentação de publicações e trabalhos académicos, fez reportagens de

fábricas e de barragens, de museus e do circo. Em 1956 muda o estúdio para a

Rua Santa Catarina, no 1583, que aí se manteve até 2001.

Na sua empresa trabalham também a sua filha mais velha, no retoque e

pintura de retratos, o genro, o filho e, mais tarde, a neta a quem vai confiar o

estúdio “Foto Comercial”.

Entre Agosto e Setembro de 1990, Teófilo Rego realizou na Casa do Infante,

no Porto, a exposição “Porto, memória fotográfica”, expondo um conjunto de

80 fotografias, a preto e branco.

Ao longo de quase 50 anos de Fotografia Comercial, Teófilo Rego

desenvolveu, desde o início, um trabalho caracterizado pela diversificação e

abrangência de serviços fotográficos.

O Fundo Fotográfico e o projecto FAMEP: das primeiras referências às

Exposições Magnas

Ao contactar com o Fundo Fotográfico de Teófilo Rego, no âmbito deste

projecto de investigação, o ponto de partida conhecido era a exposição de

homenagem ao Arquitecto Marques da Silva, realizada em 1953. Esta

exposição, organizada pela ESBAP em colaboração com a Academia

Nacional de Belas Artes e com o Sindicato Nacional dos Arquitectos, contava

com 120 fotografias em larga escala (50x60cm a 2m) realizadas por Teófilo

Rego.

A exposição apresenta a obra do Arquitecto Marques da Silva acompanhada

pelo trabalho de alguns dos seus antigos alunos e assistentes. Pela relevância

deste momento, crê-se que a relação entre o fotógrafo e os arquitectos do 9Porto se vê fortalecida.

61

8. Maria Teresa Siza - “Os produtores do imaginário

colectivo” in O Comércio do Porto. Porto:

07/08/1986.

9. Maria Helena Maia, Alexandra Trevisan e Miguel

Moreira Pinto – “On Modern Architecture,

photography and city readings: Teófilo Rego and the

“School of Oporto” in 4th Annual International

Conference on Architecture, org. Athens, Greece:

Athens Institute for Education and Research. 2014.

Quando o projecto FAMEP se constituiu eram conhecidas as fotografias da

exposição de homenagem a Marques da Silva, bem como algumas das

fotografias da obra de mais de três dezenas de arquitectos, de entre os quais

João Andresen, Januário Godinho, Rogério de Azevedo e Fernando Távora.

Cedo na investigação se compreendeu que a relação entre arquitectos e

fotógrafo nem sempre se resumia ao ofício do arquitecto e à presença da sua

obra. Algumas das caixas de acondicionamento, realizadas por Teófilo Rego,

e que indicam no seu exterior o nome do Arquitecto, estão recheadas com

fotografias de família ou com objectos do interior da casa, como por exemplo,

salvas de prata.

Esta pluralidade de referências na natureza do objecto representado permite

supor que a relação do fotógrafo com os Arquitectos não era exclusiva ao

registo da obra ou das suas fases de concretização, mas que, provavelmente

numa fase posterior a este, se estendia ao ambiente familiar.

Efectivamente, não existindo registos escritos sobre o processo de trabalho de

Teófilo Rego, nem sobre o modo como ia angariando clientes, será

fundamental, nesta investigação, recorrer aos testemunhos daqueles com

quem trabalhou. Só assim será possível ir escrevendo a história do seu

percurso profissional.

Um desses testemunhos foi-nos dado pelo Eng.º António Vasconcelos, que

colaborou com Teófilo Rego na realização de um catálogo para a empresa

EFACEC (na qual trabalhava e para o qual chegou a servir de modelo).

Relatou-nos aspectos da relação estabelecida entre ambos que nos permitem

62

Figura 1. Inauguração da Exposição de homenagem a

Marques da Silva. Fundo Fotográfico Teófilo Rego,

Museu Casa da Imagem – Fundação Manuel Leão.

Figura 2. Fotografia interior pertencente à Caixa de

acondicionamento com o nome “Marques da Silva”.

Fundo Fotográfico Teófilo Rego, Museu Casa da

Imagem – Fundação Manuel Leão.

ir compreendendo de que modo o fotógrafo desempenhava a sua atividade

profissional. O Eng.º António Vasconcelos recordava-se da câmara utilizada

por Teófilo Rego na época e como servia as especificidades técnicas do

trabalho realizado nessa encomenda em particular: “(...) lembro-me

perfeitamente dele ter uma máquina LINHOF, uma máquina em que a

objectiva pode variar, que ele utilizava muito para distorcer a perspectiva, no ocaso da fotografia de arquitectura.” Foi a partir dessa colaboração que o Eng.

António Vasconcelos disse ter adquirido uma série de noções sobre

fotografia, particularmente, de edifícios: “Na ampliação que ele fazia

também podia, conforme o arquitecto quisesse, aumentar a perspectiva ou,

pelo contrário, reduzi-la. Um edifício muito alto, se quisesse dar a noção de

perspectiva podia apertá-lo mais e ficava mais inclinado ainda. Se quisesse,

podia quase eliminar a perspectiva e o edifício ficava alto e totalmente

paralelo.” Estabeleceu-se entre ambos uma relação de cumplicidade baseada

na partilha do conhecimento técnico do fotógrafo. Diz-nos ainda: “mais

tarde, resultado dessa amizade desses pequenos truques que aprendi com ele,

realizei muitas vezes fotografia... convidámo-lo para fotografar o nosso 10casamento e esteve lá presente; deu-nos um álbum bastante bonito.”

Seguindo a hipótese de que Teófilo Rego, na sequência do trabalho

fotográfico que realiza, investe e mantém relações profissionais de

proximidade com os seus clientes, promovendo futuras encomendas, supõe-

se que a exposição de homenagem a Marques da Silva terá dado aso a que

novas solicitações se tenham firmado.

Numa fase posterior à identificação das fotografias tiradas por Teófilo Rego

para a Exposição de homenagem a Marques da Silva, decidiu-se iniciar uma

pesquisa sobre aquilo que estaria presente nas caixas de acondicionamento do 11fotógrafo com a indicação “Belas Artes” . Para além de variadíssimas

fotografias de trabalhos individuais de alunos e professores, nas caixas

estavam presentes fotografias das “Exposições Magnas” da ESBAP, registos

esses que vão desde a primeira Exposição, em 1952, até à final de 1968.

A existência destes registos e a possibilidade de criar referências para o

momento expositivo final do projecto de investigação, foi o que conduziu a

que se dedicasse atenção a este momento em particular.

A Escola Superior de Belas Artes do Porto: As Exposições Magnas

O processo de investigação leva a que se mergulhe no passado da cidade do

Porto e na história da Escola de Belas Artes. Octávio Lixa Filgueiras, que foi

aluno da ESBAP, faz o relato desse tempo: “(Outubro de 1940 a Abril de

1946) (...) Vivia-se, então, sob o signo das “Beaux-Arts”. (...) Mas num meio

tão exclusivista e tão pequeno como era o da cidade, com a ascensão de uma

nova camada de dirigentes, na mutação da cena política desde a Ditadura, os

ventos não eram de feição para o natural desenvolvimento das áreas culturais

menos concretas e controláveis (Letras-Artes).” O ensino artístico, conta,

63

10. Entrevista realizada com Eng.º António

Vasconcelos a 24 de Abril de 2014, no âmbito do

Fundo Fotográfico Teófilo Rego.

11. José Marques da Silva foi director da Escola de

Belas Artes do Porto entre 1913 e 1939. Sendo

muitos dos seus discípulos docentes na ESBAP no

momento em que se realizou a exposição de

homenagem, 1953, considerou-se oportuno ao

desenvolvimento do projecto de investigação,

aprofundar a pesquisa das fotografias presentes nas

caixas de acondicionamento da Escola Superior de

Belas Artes.

carecia de estatuto social e de investimento político: “O dogma de

superioridade da “formação” matemática e o aparecimento duma geração de

universitários de grande prestígio nesse ramo, (...) em prejuízo da imagem 12sempre subalternizada dos “artistas”.

As Belas Artes, onde se reconhecia a carência de formação, associada ao

desfazamento da Escola em relação à contemporaneidade, ganham um novo

fulgor quando, em 1941, o Arquitecto Carlos Ramos toma posse como

Professor interino da 4ª Cadeira da ESBAP, substituindo o Arquitecto

Marques da Silva, até então Professor desta cadeira.

Em 1933, Carlos Ramos tinha já proferido, numa “Palestra dedicada

exclusivamente a todos os alunos da Escola de Belas-Artes de Lisboa”, as

oito regras para o funcionamento pedagógico mínimo da escola. Inicia a

palestra com a convicção do papel fundamental do desenho que o aluno deve

saber traduzir em cada traço e na relação do seu todo; segue afirmando que o

estudo de problemas de arquitectura deverá ser realizado em função do local a

que se destina e “da natureza, da orientação e da topografia de um

determinado terreno”; defende a necessidade do ajustamento progressivo das

dificuldades e exigências dos programas e salienta a importância das aulas

teóricas se configurarem relevantes para todos os alunos, pela sua referência

aos pontos de trabalho; por outro lado, evidencia a importância de se

realizarem semanalmente visitas às obras em construção; requer a existência

de um museu de materiais de construção; concebe a colaboração dos alunos,

em “indispensável troca de impressões”, na “execução de motivos de

escultura e pintura”, cujos temas resultem de “exigências dos programas e

pontos de arquitectura, e que dali fossem emanados para as respectivas

especialidades”; por fim, aponta como conclusão a importância de realizar

uma exposição anual de Arquitectura, Pintura e Escultura na Sociedade

Nacional de Belas-Artes, dos trabalhos desse modo realizados.

Este último objectivo, reconhecido por Carlos Ramos como mínima função

pedagógica da Escola, será concretizado no ano em que aceita o cargo de

Director da Escola de Belas Artes do Porto, em Outubro de 1952, com o nome

de I Exposição Magna.

As Exposições Magnas (EM), que se realizaram entre os anos de 1952 e 1968,

conceberam-se como momentos de exibição pública do trabalho de

professores e alunos da ESBAP. Por orientação do Conselho Escolar da

ESBAP, considera-se fundamental organizar uma Exposição Magna, anual

que reunisse “os trabalhos dos alunos mais classificados durante o ano lectivo

anterior, a par dos dos professores a que (competia) o ensino daquelas

especialidades, dando assim a conhecer a seu tempo, e publicamente, o 13produto das actividades profissionais e escolares de mestres e alunos.”

Em 1954 é publicado o “Arte Portuguesa - Boletim da Escola Superior de

Belas Artes do Porto, nº 2 e 3, anos lectivos 1951-52, 1952-53”, um tipo de

64

12. Octávio Lixa Filgueiras - “A Escola do Porto”

(1940/69)” in Carlos Ramos: exposição retrospectiva

da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

13. “Arte Portuguesa - Boletim da Escola Superior

de Belas Artes do Porto, nº 2 e 3, anos lectivos 1951-

52, 1952-53”. Coordenação/ Eduardo Bairrada, Luis

Cunha. Porto: Escola Superior de Belas Artes do

Porto.

catálogo onde se podem visitar as actividades expositivas da Escola

referentes aos dois anos lectivos. Este Boletim está maioritariamente 14dedicado às Exposições Magnas , não deixando Carlos Ramos de apelar, no

texto introdutório, à concretização da reorganização das Escolas Superiores

de Belas-Artes do Porto e Lisboa bem como à instalação do “Centro de

Estudos de Arquitectura e Urbanismo”.

É neste Boletim que podemos encontrar os diversos momentos destas duas

exposições ilustrados por fotografias de Teófilo Rego. Na sua maioria,

tendem a existir dois tipos de registo das Exposições: os planos afastados que

retratam o ambiente e enquadramentos próximos que apresentam o trabalho

individual dos alunos. Os planos mais afastados, oscilam entre uma

representação dos ambientes expositivos vazios ou dos momentos da

inauguração, guiada por Carlos Ramos. São apresentados “ângulos da 15exposição, aspectos da exposição, pormenores da montagem” e vistas dos

diferentes espaços, sempre sem visitantes. No que concerne à representação

dos trabalhos dos alunos, apenas os trabalhos de pintura e escultura surgem

juntos numa mesma fotografia, sendo que os do curso de arquitectura são

representados isoladamente. As fotografias de arquitectura apresentam o

projecto, os desenhos, os estudos, as perspectivas e as maquetas. Já as

fotografias dos cursos de pintura e escultura tendem a mostrar unicamente o

trabalho final de pintura ou, no caso da escultura, poderão ser trabalhos para

posteriormente serem passados a bronze ou outro material, aparacendo,

contudo, representados como objectos finais.

65

14. O Boletim apresenta mais duas exposições, a

“Exposição de Restauro” e a “Exposição de

Arquitectura Religiosa Contemporânea”, da qual

existe um catálogo no qual poderão ser encontradas

mais fotografias de Teófilo Rego.

15. Legendas presentes no “Arte Portuguesa -

Boletim da Escola Superior de Belas Artes do Porto,

nº 2 e 3, anos lectivos 1951-52, 1952-53”.

Figura 3. Imagem da página do Boletim “Arte

Portuguesa - Boletim da Escola Superior de Belas oArtes do Porto, n 2 e 3, anos lectivos 1951-52, 1952-

53”. Fotografias de Teófilo Rego.

Será apenas na III Exposição Magna — porque a I Exposição Magna é

dedicada a apresentar a obra do Professor Escultor Salvador Barata Feyo e a II 16Exposição Magna apresenta somente trabalhos de alunos — que Carlos

Ramos consegue apresentar em plenitude a partilha de trabalho existente

entre professores e alunos, bem como “o Pacto das Três Artes Maiores”. Diz

Carlos Ramos, reflectindo sobre o exercício duma acção profissional

integrada, que a III Exposição Magna “oferece, sobre as anteriores, a

novidade de apresentar não só trabalhos dos alunos, mas também de seus

mestres nas três artes maiores, que assim aparecem a agasalhá-los em

público, na mesma medida em que, na sua própria casa, praticam o mesmo

sistema de ensino susceptível de originar o clima mais favorável ao trabalho 17de criação, sublime privilégio dos artistas” .

Nesta fase de conhecimento sobre o Fundo Fotográfico, não se sabe com

certeza se Teófilo Rego registou todas as Exposições Magnas, sendo certas 18apenas a I, a II, a XII, a XIV e a XVI. Nessas imagens podemos encontrar

formas de documentar o espaço expositivo que apresentam mais do que um

curso ao mesmo tempo, ou seja, não só os três cursos são fotografados

individualmente como, também, em conjunto.

A XII Exposição Magna pertendeu imprimir um carácter acentuadamente

didáctico, procurando transmitir uma ideia geral do trabalho desenvolvido

pelos alunos e seus professores ao longo dos cinco anos dos cursos de Pintura 19ou de Escultura e dos seis anos do curso de Arquitectura.

Por esta ocasião, Teófilo Rego fotografou diversos projectos de alunos ou de

equipas de trabalho. Uma parte das fotografias incluídas nas exposições

eram, precisamente, essas imagens que documentavam os projetos de

16. Os trabalhos expostos resultavam de uma

selecção prévia. Em primeiro lugar, eram escolhidos

os trabalhos dos melhores alunos dos quais,

posteriormente, eram seleccionados um conjunto

pelos professores das diferentes disciplinas. Uma vez

criada uma amostra, os professores reuniam-se para

escolher os trabalhos em conjunto.

17. Carlos Ramos – III Exposição Magna da Escola

Superior de Belas Artes do Porto. Porto: Ministério

da Educação Nacional, Direcção Geral do Ensino

Superior e das Belas Artes. 1954, p.3.

18. No âmbito do projecto FAMEP e da investigação

em torno das “Exposições Magnas”, em 2014

estabeleceu-se o contacto com o Museu da Faculdade

de Belas Artes da UP. Nesse seguimento, foram

vistas uma série de fotografias impressas, muitas

identificadas como tendo sido realizadas por Teófilo

Rego. É no entanto notável a quantidade de casas

fotográficas contemporâneas da “Foto-comercial

Teófilo Rego” que também registaram estas

exposições, São elas: “Estúdio Tavares da Fonseca.

Desenho. Foto e Cinema”; “Foto-chic”; “Olímpia

Fotos”; “Império. Reportagens Fotográficas”; “Foto

Lux – reportagens fotografia de arte”; “Foto Cine –

Alegre”; “Foto Timótio”; “Unifoto”; e “Artur

Amorim”.

19. XII Exposição Magna da Escola Superior de

Belas Artes do Porto. Porto: Ministério da Educação

Nacional, Direcção Geral do Ensino Superior e das

Belas Artes. Novembro de 1963.

66

Figura 4. Imagem resultante da montagem de duas

páginas pertencentes ao Boletim “Arte Portuguesa-

Boletim da Escola Superior de Belas Artes do Porto, on 2 e 3, anos lectivos 1951-52, 1952-53”. A imagem

da esquerda refere- se a um projecto de Arquitectura

e a da direita apresenta trabalhos de Escultura.

Fotografias de Teófilo Rego.

arquitectura e que serviam muitas vezes o propósito de candidaturas a

concursos nacionais (como o projecto de Sagres da equipa Mar Novo de João

Andresen) ou outros internacionais.

As Exposições Magnas e a Exposição Final do FAMEP

Sistematizando os principais aspectos resultantes da investigação anterior,

identificam-se os locais e momentos que promovem a existência das

fotografias; as referências aos modos de expor trazidos pela observação das

fotografias; e as propostas pedagógicas defendidas por Carlos Ramos

presentes nas Exposições Magnas.

Da observação das fotografias de Teófilo Rego é possível agrupá-las

enquanto:

- apresentação de um projecto a submeter a concurso nacional ou

internacional – tendem a ser imagens descritivas, com os desenhos de

planeamento e com as maquetas em encenação;

- documentação de um trabalho de professor e aluno para seu próprio

usufruto;

- fotografia documental de um determinado evento – tendem a ser

imagens da inauguração, onde estão retratadas as personalidades de

relevância política nacional e local, ou das exposições, apresentando os

espaços vazios privilegiando a mostra dos objectos;

Imagem que comunica algo sobre a natureza daquilo que demonstra – o

67

20. Figura 5. Fundo Fotográfico Teófilo Rego,

Museu Casa da Imagem – Fundação Manuel Leão.

54M1_PT-FML-TR-COM-69-034.

21. Figura 6. Fundo Fotográfico Teófilo Rego,

Museu Casa da Imagem – Fundação Manuel Leão.

PT-FML-TR-COM-69-020.

Figura 5. Exposição na Escola Superior de Belas 20Artes do Porto.

Figura 6. Exposição na Escola Superior de Belas 21Artes do Porto.

22. Carlos Ramos , 1953 – II Exposição Magna da

Escola Superior de Belas Artes do Porto. Porto:

Ministério da Educação Nacional, Direcção Geral do

Ensino Superior e das Belas Artes.

68

trabalho individual, o projecto, a obra ou a conjugação das “3 Artes Maiores”.

Relativamente às condições dos espaços físicos das Exposições Magnas, as

fotografias de Teófilo Rego revelam que os jardins, as salas de aula, os

corredores e os salões serviam todos como espaços expositivos. Mostram

também que os suportes de exposição são os suportes de trabalho,

provavelmente utilizados pelos alunos, como os cavaletes de desenho,

cavaletes de pintura e de escultura. Supõe-se, há medida que os anos foram

correndo - sabendo a falta de meios de que a ESBAP dispunha no início da

década de 50 e conhecendo a posterior remodelação física e apoio concedido

pela Gulbenkian -, que estas alterações tenham contribuido para que os

materiais expositivos fossem melhorando. Conseguimos observar, em

espaços idênticos, um mobiliário expositivo diferente considerando o dos

primeiros anos em relação aos anos finais.

Relativamente às propostas pedagógicas de Carlos Ramos concretizadas nas

Exposições Magnas e às referências que estas permitem criar para uma futura

exposição, consideram-se: 1. A disponibilidade e abertura da Escola aos

alunos; 2. A ideia de “escola-oficina”; 3. O trabalho conjunto das “3 Artes”.

A propósito do ponto 1. e da disponibilidade criada para que, no processo de

ensino-aprendizagem, haja espaço para a interferência do aluno diz Carlos

Ramos, “Não indicando ou impondo qualquer deles como sendo «o único

caminho que conduz à verdade», só assim se assegura da certeza de impedir 22que qualquer aluno deixe, um belo dia, de nos dizer algo de novo.”

A não concepção de uma escola hermética e indiferente aos tempos e às

pessoas, criando a possibilidade de integrar novos discursos emergentes e a

abertura ao cruzamento de contextos que refaçam pensamentos, permite

esboçar uma metodologia de abordagem ao público da exposição. Será,

assim, um dado a reter: a concepção de um momento expositivo que não se

demonstre detentor de conhecimentos estanques e que permita a interferência

do público.

Sobre a “escola-oficina”: a oportunidade que os alunos têm de trabalhar em

equipas, perante situações reais com propostas resultantes da abertura da

Escola ao seu exterior (sejam as parcerias com a Câmara Municipal do Porto

ou os programas de “vocação comunitária”), promovem uma aprendizagem

que se contretiza numa experiência aproximada ao que viverão no futuro.

Esta proposta de conceber a aprendizagem pela vivência de um contexto real

(ainda que privilegiado e protegido pela instituição escolar), contextualiza o

trabalho do serviço educativo e das futuras propostas de trabalho de carácter

oficinal, a promover junto do público que visite a exposição.

A presença das “3 Artes Maiores” nas Exposições Magnas e enquanto

disciplina pertencente ao programa curricular dos alunos da ESBAP, sugere a

possível disponibilidade que este projecto de investigação possa ter no estudo

e compreensão do contexto artístico em que a fotografia e a arquitectura

69

modernistas estavam envolvidas.

Todos estes pontos, aqui descritos em modo de conclusão, abrem possíveis

caminhos que poderão ser desenvolvidos em momentos posteriores a este

projecto de investigação.

FOTOGRAFIA E ARQUIVO

Graça Barradas

Inês Azevedo

Joana Mateus

Editores

CEAA Edições Caseiras 25 I

Centro de Estudos Arnaldo Araújo

Escola Superior Artística do PortoCEAA I

escola

superior

artística do porto

cooperativade

ensino

superior

artístico do porto.CRL

As Edições Caseiras, publicadas pelo Centro de Estudos Arnaldo

Araújo da ESAP, pretendem divulgar em pequenos cadernos,

estudos académicos sujeitos a revisão por pares (peer review),

elaborados no seu âmbito de investigação e interesses.

Fotografia e Arquivo organiza-se em volta de três temas distintos,

mas que se complementam: o primeiro “Arquivos”, no qual se

refletiu sobre o tema da arquivística e conservação de fotografia; o

segundo “Arquivo” incidiu no uso do arquivo a partir da prática

artística; e o terceiro tema “Narrativas” que pensou a concepção

do arquivo como veículo para a construção de narrativas e

interpretações.