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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MARIA ELIANE AVELINO DE LIMA ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA: O DESVELAR DO RACISMO. FORTALEZA 2013

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MARIA ELIANE AVELINO DE LIMA

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA:

O DESVELAR DO RACISMO.

FORTALEZA

2013

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MARIA ELIANE AVELINO DE LIMA

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA:

O DESVELAR DO RACISMO.

Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.

Orientação: Profª. Ms. Kelma Luiza Nunes Otaviano.

Co-orientadora: Prof. Ms. Kilvia Helane Cardoso Mesquita.

FORTALEZA

2013

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MARIA ELIANE AVELINO DE LIMA

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA:

O DESVELAR DO RACISMO.

Monografia como pré-requisito para obtenção do titulo de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da Aprovação: ____/_____/____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Profª. Ms. Kelma Luiza Nunes Otaviano (Orientadora)

Faculdade Cearense

_________________________________________________________

Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Júnior

Universidade Federal do Cará

________________________________________________________

Profª. Maria Elaene Rodrigues Alves.

Faculdade Cearense

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DEDICATÓRIA

Á minha mãe, mulher guerreira.

Meu exemplo de perseverança e coragem.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, autor e consumador da minha fé. Aquele que tudo fez por mim sem

que eu merecesse coisa alguma. Aquele que me tornou mais que vencedora e que

tem sido meu pai, companheiro e amigo fiel. Porque Dele, por Ele e para Ele são

todas as coisas. Obrigada por tudo amado da minha alma

A minha mãe, hoje minha joia mais preciosa. Sempre esteve ao meu lado e

nos momentos mais difíceis e importantes minha maior incentivadora. Obrigada

família, vocês são minha base, por isso cheguei até aqui, porque sei que posso

contar com vocês em todos os momentos.

Aos meus amados irmãos que dizem que sou capaz e que torcem por mim e

me esperam na chegada.

Aos meus amados sobrinhos, que tanto me amam e dizem que sou a tia

mais inteligente e esforçada.

A pastora Ivonisa Holanda, pela sua contribuição em tantas áreas da minha

vida. Pelas injeções de ânimo, por sua preocupação em querer saber sempre como

estavam minha alma e família. Jamais posso esquecer o que a senhora fez por mim,

sabendo que só o Senhor pode recompensá-la. Obrigada por alimentar e confrontar

essa ovelha e amiga conquistada.

A minha amiga e irmã Kilvia Mesquita, que não só nestes quatro anos, mas

sempre esteve ao meu lado, em situações difíceis e em momentos de conquistas. A

Bíblia diz que há amigos mais achegados que irmãos e você é exatamente uma irmã

que nasceu em outra família. Agradeço e peço ao Senhor que a recompense,

porque somente Ele saberá fazer isso.

A equipe de intercessão, composta por Eliete Lobão, Elvira Lobão, Aila

Maria, Rita Gomes, Meiry Lima, Socorro Monteiro, Rosevânia Martins, Ana Paula

Octaviano, Erenilda Nogueira e Raimundinha Pereira que me sustentaram em

oração, mulheres de fé e valorosas.

A minha amada equipe, que no decorrer destes quatro anos me

incentivaram, ajudaram e ensinaram que de mãos dadas podemos ir mais longe. Em

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especial: Daniele Soares, Vanessa Maia, Isalenny Gonçalves, Myrna Soares, Haline

Lima, Samara Cipriano, Leidiane Freitas e Luara Benevides. Obrigada pela parceria.

Aos meus amigos Jonas Miranda, André de Oliveira, Michelle Pereira,

Albênia Faustino, Eva Ramos, Cristiane Mendonça, Gleyce Rodrigues, Milena Lima,

Verônica de Sousa e Samira Leão que me ajudaram e estiveram comigo.

A Glaucia Giovanna Leite, por todos os momentos de conversas edificantes

e pelas caronas que não foram poucas.

A minha orientadora Profª. Ms. Kelma Luiza Nunes Otaviano, pela parceria e

acreditar que juntas poderíamos conquistar essa vitória e por acreditar que esse

trabalho abriria caminhos que precisam de desbravadores.

A banca examinadora Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Júnior, Profª Ms.

Kelma Luiza Nunes Otaviano e Profª Maria Elaene Rodrigues Alves, pelas

contribuições.

A todos aqueles que me ajudaram de alguma maneira.

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O VÍNCULO DO AMOR

Sonhava...

Era a criança que beijava bonecas,

preparava mamadeiras, banhos,

trocava roupinhas e cantava

canções de ninar,

Sonhava...

que teria uma imensa barriga,

E dois corações pulsando.

Um no peito e outro naquela

barriga.

Sonhava...

com o momento sublime

de escutar o choro do seu bebê.

Tão acalantado e amado

nos sonhos infanto juvenis.

Sonhava...

que teria bastante leite para

alimentá-lo.

O leite que ele encontraria

bem próximo a seu coração.

Sonhava...

Quem não sonhou um dia,

certamente não foi criança.

É o sonho que ajuda a gente

crescer

Quando cresceu, precisou

parar de sonhar e esperar

a chegada daquele bebê.

Sonhado e nunca sentido

na barriga (que não cresceu).

Um dia, acordada,

acariciou aquela criança,

que sempre esteve presente,

como vida em sua vida,

como batidas do coração.

Naquele dia inesquecível...

A reconheceu como um encanto

E soube que ela já havia

sido beijada por outros lábios.

Abraçada por outros braços.

Naquele momento, seu coração

se faz ninho para acolhê-la.

E ela adormeceu nele,

Tornando real o vínculo do amor...

A adoção.

Marinalva de Sena Brandão.

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RESUMO

O estudo propõe explicar o processo de adoção de crianças negras na cidade de

Fortaleza. Discutimos sobre a escolha ou não de crianças no processo de adoção

detalhando a discriminação racial, a legislação e a atuação do governo. Crianças

negras perdem sua infância esperando por adoção e por uma família. Existem

alguns impeditivos na seleção de crianças negras em Fortaleza. O trabalho abre

discussão sobre pontos relevantes, como idade, etnia e gênero. Pretendemos com

essa abordagem provocar um debate que possa atingir um novo pensamento social

sem racismo e com mudanças de leis referentes à adoção. Deste modo, a

discriminação poderá ser superada e crianças negras adotadas recebendo assim

carinho e cuidado.

Palavras-chaves: Adoção, crianças negras e preconceito.

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ABSTRACT

The content proposes to explain the black children adoption process at Fortaleza

city. We will expose about to adopting or no black children, detailing racial

discrimination and government criteria. The black children lose their childhood

waiting an adoption by any family. In fact, there is some impeditive when selecting

children at Fortaleza. The matter clears discussion about of relevant points as age,

ethnic group and gender. It will provoke social brainstorm which it will achieve a new

social thinking without racism and laws change. The discrimination will need to be

overlapped, hence black children will be adopted and get affection and care.

Key words: Adoption, black children and Prejudgment.

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LISTA DE SIGLAS

CNA – Cadastro Nacional de Adoção;

CNCA – Cadastro Nacional de Crianças e Adolescente Acolhidos;

CNJ – Conselho Nacional de Justiça;

CPF – Cadastro de Pessoa Física;

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente;

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor;

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária;

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas;

ONG’s – Organizações Não Governamentais;

PNBM – Política Nacional de Bem Estar do Menor;

SAS – Secretaria Municipal da Assistência Social;

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 – LEGISLAÇÃO SOBRE ADOÇÃO NO BRASIL .............................. 15

1.1 A Constituição da República ............................................................................... 16

1.2 A Nova Lei de Adoção ......................................................................................... 18

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente............................................................. 24

CAPÍTULO 2 – MOTIVAÇAO E ENTRAVES DA ADOÇAO .................................... 28

2.1 A constituição de família e a dinâmica social ...................................................... 28

2.2 O perfil do novo filho e dos novos pais ................................................................ 33

2.3 O tempo de espera das famílias .......................................................................... 37

CAPÍTULO 3 – A ADOÇAO E O PRECONCEITO RACIAL ..................................... 42

3.1 Definição de preconceito e sua contextualização na sociedade ......................... 43

3.2 Preconceito racial e sua influência no processo de adoção. ............................... 48

CAPÍTULO 4 – ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA: ANÁLISE E

DISCUSSÃO DA PROBLEMÁTICA ......................................................................... 52

4.1 Adoção de crianças negras no Brasil e no Nordeste ........................................... 53

4.2 Análise comparativa dos processos de adoção entre crianças negras e de

outras etnias em Fortaleza ........................................................................................ 56

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 62

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ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA:

O DESVELAR DO RACISMO

INTRODUÇÃO

A desigualdade social no Brasil pode ser evidenciada através de diversos

indicadores e estes podem salientar quais as áreas onde as diferenças entre os

indivíduos são mais latentes: se no campo educacional, se no nível de renda, se no

acesso aos serviços de saúde ou se em outros aspectos da vida social. Entretanto, é

importante considerar que as desigualdades sociais estão presentes em todas as

regiões do país independentemente do aspecto geográfico peculiar a cada uma

delas.

A oportunidade de acesso a um lar pode, em certa medida, também ser

abordada como geradora de desigualdades sociais. O processo de adoção de

crianças e adolescentes no Brasil é um destes contextos no qual as diferenças

étnico-raciais podem determinar qual o perfil de crianças que terão maior

probabilidade de conseguir adoção.

De acordo com o portal “Filhos adotivos do Brasil” existem no país cerca

de cinco mil crianças e adolescentes aguardando adoção. Estas crianças e

adolescentes estão aptos ao processo legal de adoção, no entanto, um dos maiores

entraves para a redução dessa fila de espera está relacionado ao perfil físico

apresentado por eles, ou seja, em sua maioria são crianças e adolescentes negras,

que estão fora do padrão estético dominante desejado pelos adotantes.

A literatura referente à questão racial no Brasil aponta a existência de um padrão

estético de exigibilidade na escolha de um filho adotivo por parte dos futuros pais e

este tipo de comportamento pode ser observado conforme abaixo:

“Quando indagados acerca da cor/etnia da criança desejada, apenas 1,4% dos cadastrados revelaram que, particularmente, esse fator não era importante. De acordo com Victória (2011), esse aspecto conduz a hipótese de que, os traços raciais dos sujeitos são considerados como um poderoso instrumento de elegibilidade no âmbito das adoções.” (SILVEIRA, 2002, p.65 apud VICTÓRIA 2011).

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Os objetivos deste trabalho estão relacionados com a análise dos

aspectos histórico-culturais que influenciam a adoção de crianças negras em

Fortaleza, fazendo reflexões sobre andamento dos processos de adoção entre

crianças negras e crianças de outras etnias. Isso é possível a partir da compreensão

dos fatores que interferem na escolha das crianças que aguardam adoção por parte

das famílias candidatas e dos perfis mais solicitados por famílias que pretendem

participar do processo de adoção.

O presente estudo consiste em uma revisão sistemática de literatura

sobre adoção de crianças negras no Brasil, buscando apresentar os avanços no

debate sobre o tema investigado. Buscou-se sintetizar os estudos primários que

tratam de assuntos relacionados ao tema de adoção como: legislação de adoção no

Brasil, família e preconceito racial. A discussão sobre a procura por um filho foi

respalda por informações oficiais1 sobre adoção no Brasil, no Nordeste e em

Fortaleza.

A aplicação do tema em Fortaleza justifica-se pela escassez de estudos

que visem analisar e compreender o tipo encoberto de retaliação sofrida por

crianças negras nos abrigos públicos da capital cearense devido a questões raciais.

Por tratar-se também de um estudo de revisão da literatura, este trabalho apresenta

caráter pioneiro e pesquisas adicionais são necessárias para um maior

aprofundamento da discussão. Nesse sentido, um estudo bibliográfico como

realizado aqui se mostra importante por apresentar uma visão abrangente do tema,

mostrando a evolução das leis na área jurídica e seus desdobramentos na área

social.

Este trabalho de conclusão de curso apresenta cinco capítulos, além

desta introdução. No capítulo 1, realizamos um levantamento sobre a legislação de

adoção no Brasil, especificamente a Constituição Federal, a Nova Lei de Adoção e o

Estatuto da Criança e do Adolescente. No capítulo 2, discutimos as motivações e

entraves no processo de adoção. Neste capítulo são abordados temas como família,

perfil dos adotantes, perfil do novo filho e tempo de espera das famílias. No capítulo

3, contextualizamos questões relacionadas ao preconceito, particularizando a

discussão para o preconceito racial. No capítulo 4, fazemos uma análise

comparativa dos processos de adoção entre crianças negras e demais raças no

1 As informações contidas nesse trabalho são provenientes do Cadastro Nacional de Adoção e do Setor de

Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza-Ce.

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Brasil e no Nordeste discutindo as diferenças e semelhanças destes resultados com

os obtidos em Fortaleza. No capítulo 5, apresentamos as considerações finais.

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CAPÍTULO 1 – LEGISLAÇÃO SOBRE ADOÇÃO NO BRASIL

Os diretos sociais do indivíduo são inalienáveis e garantidos pela

Constituição da República Federativa do Brasil. O artigo sexto da carta magna

brasileira apresenta as áreas de atuação destes direitos, são elas: a educação, a

saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

A assistência dos direitos sociais é dever do Estado e garantida a todos

que deles necessitam, pois tem por objetivo a proteção e a integração à vida

comunitária daqueles considerados desamparados na forma da lei. Os objetivos da

assistência social são descritos nos incisos do artigo 203 da Constituição Brasileira e

apresentados na primeira seção do capítulo.

A família é uma entidade reconhecida pela legislação nacional por

propiciar o ambiente adequado para a construção dos valores que norteiam a vida

em sociedade. Quando um casal decide constituir uma família o direito do

planejamento familiar é garantido por lei e a presença de filhos, se desejada, deve

ser assegurada pelo Estado.

A inserção da criança em um saudável ambiente familiar é imprescindível

para seu desenvolvimento físico, emocional e psicológico. Quando a adoção de

filhos é desejada pelo casal, a intervenção do Estado torna-se necessária no sentido

de permitir e viabilizar a escolha dos filhos, intermediar o processo de adoção e

garantir que os adotados não se encontrem em situação de abandono ou risco de

qualquer espécie.

De acordo com BORGES et al. (2008) a adoção caracteriza nos dias

atuais a garantia de se ter uma família, tanto para o adotante como para o adotado.

A legislação brasileira tem sido reformulada ao longo dos anos no sentido de facilitar

o processo de adoção bem como propiciar um ambiente familiar agradável para as

partes envolvidas.

Este capítulo é composto por um mapeamento da legislação brasileira

sobre adoção. Na primeira subseção abordamos os artigos da Constituição

Brasileira relacionados a direitos fundamentais de crianças e adolescentes2. Na

2 Ainda que o objeto de estudo deste trabalho sejam crianças negras, os dados e a legislação disponível

abordam crianças e adolescentes. Como o percentual de procura por crianças acima de 6 anos pelos

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subseção 1.2 apresentamos a Nova Lei de Adoção, seus avanços e limitações. Na

última subseção descrevemos as principais contribuições do Estatuto da Criança e

do Adolescente analisando os motivos que podem justificar, diante de todo o

contexto legal, a morosidade no processo de adoção no país.

1.1 A Constituição da República

Quando discutimos sobre direito da família não podemos deixar de

mencionar que a família brasileira é precarizada, no se refere a sua condição social,

pois, mesmo com a presença de programas assistencialistas por parte do governo,

uma parte não desprezível da população vive ainda abaixo da linha da pobreza, não

tendo como garantir uma vida de qualidade para os seus entes.

Ao nos reportarmos ao Estado, o mesmo trabalha, ainda que muito

aquém do desejado, com políticas públicas e sociais tendo como objetivo principal

garantir os direitos previstos na constituição no que se refere à dignidade humana e

deste modo amenizar o sofrimento do provedor da família que não consegue

proporcionar maior qualidade de vida a seus dependentes.

A literatura relacionada às questões sociais tem, ao longo dos anos,

discutido o papel do sistema capitalista e sua intervenção na sociedade3 a fim de

entender em que medida o capitalismo permite que o proletariado tenha uma vida

digna. A Constituição Brasileira tem sido observada ao longo dos anos e servido

como base para proteger os brasileiros, independentemente de idade ou sexo,

desde o seu nascimento até a velhice. A Carta Magna existe para ser cumprida.

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Na República Federativa do Brasil, o cidadão está assegurado pela

legislação no que diz respeito à garantia dos seus direitos, independente da sua

posição na sociedade. É necessário que o indivíduo conheça seus direitos para que

exista a possibilidade de luta por eles.

pretendentes é considerado matematicamente desprezível (ver capítulo 2), julgamos que fazer a análise considerando apenas crianças negras é factível. 3 Por meio de políticas públicas.

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A Carta Magna Brasileira em seu artigo 6º descreve assim os direitos da

seguridade social inseridos no campo dos direitos sociais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a proteção social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A Constituição Federal em seu artigo 226 estabelece a família como a

base da sociedade e, assim sendo, é merecedora de especial proteção estatal. Este

artigo da Constituição Federal do Brasil é importante, pois garante a esta nova

entidade familiar alguns direitos que passam a ser respaldados por força de lei. Essa

garantia tem fundamento constitucional como observado a seguir.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Dentre os direitos que cada cidadão possui podemos citar o direito de

conviver em família. Mesmo tendo em vista que a família tem seus deveres

estabelecidos em forma de Lei para com a criança, o adolescente, o jovem e o

idoso, sabe-se que esses deveres são incumbência não somente da família, mas

também da sociedade e do Estado como preconizam os artigos 227, 229 e 230 da

Constituição Federal.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Os direitos assegurados à criança, ao adolescente e ao jovem são

apresentados no artigo 227 da Constituição Brasileira. As áreas de atuação que

tratam o artigo 227 extrapolam a estrutura familiar e são aplicadas a todas as

esferas sociais.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

Segundo Simões (2011), a integração familiar é concebida como um

direito originário das crianças e dos adolescentes (artigo 227 da Constituição

Federal), mulheres gestantes e idosos, entendida não somente como a originada do

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casamento como, também, da união estável e da comunidade formada por um dos

cônjuges ou companheiro (a), com os seus filhos.

Na próxima subseção abordamos o tema que lança luz à ideia de

construção e composição de família a partir do processo de adoção e discutimos a

orientação dada pela legislação vigente para que crianças e adolescentes

encontrem um lar e para que pais dispostos a adotar encontrem seus filhos.

1.2 A Nova Lei de Adoção

Compreendendo a importância da inserção da criança e adolescente em

ambiente familiar, é importante partirmos do pressuposto que a realidade das

crianças e adolescentes bem como a realidade dos casais não são diferentes. Assim

como existem crianças e adolescentes à espera de adoção, existem casais que não

podem biologicamente conceber um filho. Nesse contexto, o processo de adoção

representa legalmente o início da luta por um filho e emocionalmente a possibilidade

de gerar filhos de coração.

A adoção tem sua origem desde a antiguidade. A Bíblia Sagrada relata a

história da adoção de Moisés que foi colocado por sua mãe em um cesto e lançou-o

no rio. Quando a filha de Faraó, Termulus, desceu para banhar-se, viu o cesto e o

adota, conforme descrito no capítulo dois do livro de Êxodo (Ex. 2:1-10).

Gomide (1999) aponta que a adoção no Brasil teve início no século XX e

foi tratada tradicionalmente como uma via de mão única, buscando atender aos

anseios de adotantes. AYRES, CARVALHO e SILVA (2002) dizem que a adoção

começou a ser praticada pelo Estado a partir de 1965 fazendo-se extremamente

presente nas políticas de assistência à criança pobre e buscando regular em grande

medida suas formas de estar no mundo.

Os processos de adoção como conhecidos atualmente no Brasil foram

facilitados com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por

meio da Lei n 8.069/90. O documento será discutido na próxima seção e tem como

objetivos estabelecer o processo de adoção e assegurar o bem estar da criança,

além de por em evidência os interesses do adotando.

As normas brasileiras definem a adoção como a inclusão de uma criança

ou adolescente em uma nova família. Quando a criança ou adolescente é integrada

de forma definitiva a uma família passa a ser considerado filho e por este motivo

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passa a possuir os mesmos direitos de filhos biológicos. Na Constituição Federal do

Brasil de 1988, no artigo 227, parágrafos 5° e 6°, fica explícito que,

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O processo de adoção pode ocorrer quando crianças ou adolescentes

estão inseridos em uma realidade na qual os pais biológicos estão mortos ou foram

destituídos do poder familiar. Quando há essa ruptura, inicia-se o processo de busca

por uma família substituta.

A adoção é um ato de amor, de voluntariedade e a partir do momento em

que uma criança convive com seus novos pais nasce um vínculo de fraternidade, de

conhecimento mútuo e isso não é benefício apenas para a criança, mas para

aqueles que decidiram fazer alguém feliz e se tornar pessoas realizadas.

Crianças que vivem institucionalizadas foram encontradas em situação de

rua ou foram abandonadas pelos pais. Essa situação presenciada todos os dias

pelos brasileiros não é uma realidade distante. O Estado precisa visualizar mais de

perto a questão de crianças que estão vivendo em abrigos, pois se muitas são as

crianças que vivem em abrigos, mais ainda são aquelas em situação de desamparo.

Como essas crianças e adolescentes não têm família, elas aprendem a sobreviver

da forma mais cruel, ou seja, roubando, matando ou sendo exploradas de todas as

formas a fim de dar dinheiro aos adultos (Jornal Diário do Nordeste, 17/01/2010).

Em pesquisa realizada em 2001 sobre os motivos que levam uma criança

para situação de adoção (FÁVERO, 2001) é informado que: 47,3% dos abandonos

foram originados por carência socioeconômica, 23,4% os pais perderam o poder

familiar e 19,5% os pais estavam desempregados. A condição de limitado poder

aquisitivo em classes sociais menos favorecidas levam milhares de crianças à

vulnerabilidade, ou seja, faze-as viver a mercê “do mundo” sem nenhuma orientação

consistente capaz de prepará-las para a vida.

Weber (2004) trata a adoção como um ato de amor, de afeto. A adoção é

uma doação mútua, a qual o indivíduo possibilita a uma criança uma vida de alegria,

proteção e cuidados. Por outro lado, a criança ensina ao indivíduo como faz bem à

vida não pensar só em si, mas oferecer ao que nada tem um pouco daquilo que se

tem.

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A Lei 12.010, de 03/08/2009, conhecida como a Nova Lei de Adoção, tem

como principal objetivo legislar para que seja possível diminuir a problemática do

abandono de crianças e adolescentes em abrigos, facilitando assim, o processo de

adoção. A nova Lei além de estabelecer um tempo determinado de permanência em

abrigos, também visa o bem estar futuro da criança ou adolescente. Um dos

objetivos da lei é possibilitar ao ex-abrigado em sua vida adulta lembrar-se do abrigo

apenas como uma passagem e não como um lugar onde perdeu seus melhores

anos de infância e/ou adolescência.

A Nova Lei de Adoção estabelece que somente na impossibilidade de

permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob

adoção, tutela ou guarda. Toda criança ou adolescente que estiver inserido em

programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no

máximo, a cada 6 (seis) meses. Além disso, a permanência da criança e do

adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais

de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade.

Quando considerada a presença de mais de um filho disposto a adoção, a

Nova Lei de Adoção estabelece que grupos de irmãos somente podem ser

colocados sob adoção, tutela ou guarda de uma única família substituta. Essa é uma

garantia legal de que irmãos biológicos não serão separados no processo de

adoção. Esse avanço é importante, pois garante que crianças e adolescentes não

serão psicologicamente afetadas por mais um processo de separação de seus laços

biológicos.

Como o processo de adoção requer como pressuposto inicial a escolha

por parte dos pais adotivos, é perceptível nos abrigos do país um descompasso

entre a escolha e a posterior adoção de crianças brancas ou pardas em

contraposição à adoção de crianças negras. Também é possível observar uma

maior dificuldade, por parte dos pais candidatos, em aceitar a adoção de mais de

uma criança como no caso de irmãos.

O Art. 28, § 4° da Nova Lei de Adoção diz que,

Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

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A primeira etapa no processo de adoção é a procura, por parte dos

interessados, do Juizado da Infância e Juventude a fim de informar às autoridades

competentes o interesse na adoção e receber instruções sobre as várias etapas do

processo de habilitação.

Através da análise dos processos que tramitam ou já tramitaram nas

varas do Juizado da Infância e Juventude, particularmente em Fortaleza, é possível

perceber que crianças de origem afro-descendente são geralmente preteridas a

partir da segunda etapa do processo, ou seja, no processo de habilitação, onde os

possíveis futuros pais são entrevistados por assistentes sociais e psicólogos.

Durante a entrevista os candidatos são apresentados aos desafios,

oportunidade e responsabilidade de adotar uma criança ou um adolescente. É no

processo de habilitação que os futuros pais definem o perfil desejado da criança ou

adolescente a ser adotado.

Os adotantes são inquiridos, por meio de formulário, sobre suas

expectativas, faixa etária, cor e raça, bem como se aceitariam crianças com algum

tipo de deficiência e se aceitariam adotar mais de uma no caso da adoção de irmãos

consanguíneos. Neste momento os futuros pais são informados que quanto maior

seu grau de exigência, maior o tempo de espera para a adoção.

A partir do serviço prestado pelos assistentes sociais e psicólogos, o

processo se desenvolve com a visita de um assistente social à residência da futura

família. Serão avaliadas as opiniões, medos e expectativas de todos os integrantes

do lar, incluindo filhos biológicos.

Finalizada a fase de habilitação com sucesso, um juiz da Vara de Infância

e da Juventude autorizará a habilitação e inclusão dos candidatos no Cadastro

Nacional de Adoção (CNA). O CNA cruza as informações entre os habilitados a

adotar e as crianças e adolescentes aptos à adoção e funciona também como lista

de espera para os candidatos mais exigentes.

De acordo com a promotora de justiça titular da 2ª Vara da Infância e

Juventude Marília Uchoa de Albuquerque Rios Gomes é a partir da inclusão no CNA

que se inicia o processo de adoção. O CNA foi criado para que todas as pessoas

que têm interesse em adotar sejam previamente conhecidas pelo Poder Público.

Assim, aquele que deseja ser pai ou mãe por adoção no Brasil, deve inicialmente se

dirigir ao Juizado da Infância e Juventude de sua cidade e se inscrever no CNA, por

intermédio de um formulário disponível no setor, onde deverá ser fornecida a

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qualificação dos pretendentes e o perfil da criança ou adolescente que se intenciona

adotar. Esse é um processo administrativo, gratuito e dispensa a presença de

advogado (REVISTA CAFÉ & JUSTIÇA, 2012). O formulário de inscrição junto ao

CNA está disponível em anexo.

Como descreve o Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2013), o CNA é

um banco de dados que funciona a nível nacional, unificado, contendo informações

necessárias para a realização de adoções em todo o Brasil e tem por objetivo

facilitar e dar maior agilidade aos processos de adoção.

O cadastro foi criado para tornar mais rápido o processo de adoção por

meio de mapeamento de informações e visa: i) uniformizar todos os bancos de

dados existentes nos estados brasileiros, ii) racionalizar os procedimentos de

habilitação, iii) ampliar as possibilidades de consulta para os brasileiros que são

cadastrados, iv) possibilitar que as Corregedorias Gerais de Justiça tenham um

controle adequado, e v) orientar o planejamento e a formulação de políticas públicas

voltadas para o público de crianças e adolescentes que esperam a oportunidade de

conviver em família.

Em âmbito nacional, o órgão que administra o sistema é a Corregedoria

Nacional de Justiça (CNJ) que tem por responsabilidade dar andamento e garantir a

segurança dos dados contidos no cadastro nacional. A nível estadual, cada

Corregedoria-Geral tem acesso as informações do CNA de acordo com seu estado,

tendo como competência cadastrar as comarcas e varas da Infância e da Juventude

de seu tribunal.

No dia 27 de outubro de 2009 foi criado por meio da Resolução n. 93 o

Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidas (CNCA). O CNCA visa

reforçar o banco de dados do CNA e possui os dados das crianças e adolescentes

que estão em instituições de acolhimento e já foram destituídas do poder familiar

bem como das crianças e adolescentes que esperam o posicionamento da justiça

para a destituição do poder familiar. Esse cadastro consolida em âmbito nacional

todos os dados de crianças e adolescentes que foram acolhidas em instituições ou

estabelecimentos mantidos por em todo o País.

Ao se deslocar para fazer a inscrição no CNA, o pretendente à adoção

deverá portar xerox da carteira de identidade (RG), do cadastro de pessoas físicas

(CPF), comprovante de renda e comprovante domiciliar. O interessado terá que

apresentar atestados de sanidade física e mental. O artigo 197-A da Lei 8.069/90,

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Estatuto da Criança e do Adolescente, exige que tenha certidão de antecedentes

criminais e certidão negativa de distribuição cível.

Da habilitação de pretendentes à adoção, o art. 197-A da Nova Lei de

Adoção, determina que os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil,

apresentarão petição inicial na qual conste:

I - qualificação completa; II - dados familiares; III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V - comprovante de renda e domicílio; VI - atestados de sanidade física e mental; VII - certidão de antecedentes criminais; VIII - certidão negativa de distribuição cível.

O pretendente pode ser solteiro, casado ou viver em união estável. O

casal homoafetivo pode requerer a inscrição juntamente com seu parceiro ou

parceira, desde que tenha como provar a estabilidade da relação. Se casados,

levam a certidão de casamento e se convivem em uma união estável assinam uma

declaração relativa ao período que estão se relacionando. Há no setor de cadastro

um formulário com essa declaração e é necessário apenas que os candidatos à

adoção o preencha com os dados solicitados, assine e o entregue.

Marília Uchoa Albuquerque Rios Gomes diz em entrevista que após a

supervisão do formulário e dos documentos pelo Ministério Público, os postulantes

passarão por um curso preparatório que, em Fortaleza, é de apenas um dia. Nesse

curso, que é obrigatório e antecede a avaliação da equipe interdisciplinar, são

esclarecidas todas as dúvidas sobre o processo de adoção (REVISTA CAFÉ &

JUSTIÇA, 2012).

Terminado o curso preparatório, o promotor de justiça encaminha seus

questionamentos à equipe interdisciplinar do Juizado da Infância e da Juventude. A

equipe interdisciplinar é formada por profissionais de psicologia e serviço social,

experientes na área de adoção. O trabalho desses profissionais se dá com visita à

residência dos pretendentes. A visita é composta por entrevistas com os pretensos

pais adotivos, com o restante da família e com outras pessoas ligadas ao casal caso

os profissionais acharem necessário. O objetivo da visita é saber as reais condições

econômicas, sociais, psicológicas e afetivas dos pretendentes (Marília Uchoa

Albuquerque Rios Gomes in REVISTA CAFÉ & JUSTIÇA, 2012)

O Art. 28, § 5° da Nova Lei de Adoção salienta que,

A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude,

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preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.

Após o desenvolvimento do trabalho realizado por psicólogos e

assistentes sociais é feito um relatório minucioso que contém um laudo social com

as particularidades de cada caso. Na elaboração deste relatório é feita a análise que

será encaminhada ao juiz para subsidiar decisão acerca do pedido de inscrição.

Feito o cadastro, o candidato terá seus dados analisados e cruzados para

localização de uma criança ou adolescente com o perfil que se deseja e, uma vez

encontrada, será feita a vinculação entre ambos. Depois de comprovada a ligação

afetiva é dado início ao processo de adoção na esfera judicial.

Como vimos, a Nova Lei de Adoção tem por objetivo facilitar o processo

de adoção de crianças e adolescentes. Na próxima subseção discorreremos sobre

os direitos garantidos pela Lei n 8.069/1990, ou seja, o Estatuto da Criança e do

Adolescente.

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA foi implementado através

da Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990. Esta é a Lei que dispõe sobre a proteção

integral à criança, ou seja, indivíduo até doze anos de idade incompletos, e ao

adolescente, indivíduo entre doze e dezoito anos de idade. O estatuto estabelece as

regras que norteiam o processo de adoção no país.

Segundo Silva (2005), enquanto para os países do chamado “primeiro

mundo” a década de 1980 foi considerada a “década perdida” para o Brasil é

possível dizer que a década de 1980 foi uma década ganha, pois foi nela que as

lutas sociais tiveram grandes conquistas como, por exemplo, a conquista do ECA.

Para a autora, nessa conjuntura dos anos 80 o Brasil,

Vivia um clima de efervescência com o processo de transição político-democrática, com o (novo) sindicalismo, com o movimento das “Diretas-já”, com o movimento pela anistia e com as lutas por direitos trabalhistas, sociais, políticos e civis (SILVA, 2005, p.31).

No começo da década de 80, estávamos vivendo politicamente a

conquista da Nova República que tinha como foco exercer a democracia, a

cidadania e a regular o Estado de direito. Foi nesse contexto que aconteceu uma

mobilização nacional que repercutiu internacionalmente. A mobilização visava a

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criação dos direitos das crianças e adolescentes e lutava para que houvesse uma

mudança no Código de Menores (SILVA, 2005).

Para Silva (2005), o Código dos Menores de 1979 que deu origem ao

ECA já havia nascido defasado para aquela época, pois dava prolongamento à

filosofia menorista do Código de Mello Mattos do início do século XX. Como fruto de

uma mobilização mundial que exigia atenção voltada especialmente para os direitos

das crianças e dos adolescentes, a comemoração do “Ano Internacional da Criança”

culminou com a promulgação do Código dos Menores em 1979 no Brasil.

De acordo com Silva (2005), nesse período o Brasil se encontra em um

momento de aflição política devido o golpe militar de 1964. Os direitos dos menores

estavam protegidos apenas na Política Nacional de Bem Estar do Menor (PNBM).

Desse modo é possível dizer que os direitos e garantias dos menores no

Brasil não correspondiam aos anseios da sociedade civil nem tão pouco os

interesses das crianças e dos adolescentes que continuavam nas instituições sob a

subordinação dos juizados de Menores. Com isso o Código de Menores e a PNBM

entram em colapso em 1990, com a aprovação do ECA.

Parecia estar claro que havia uma concordância entre Governo,

sociedade e movimentos sociais sobre a falência do Código dos Menores e da

PNBM, que tinham o apoio dos organismos oficiais tanto a nível nacional como a

nível internacional. Podemos citar alguns dessas instituições: Fundação Nacional do

Bem Estar do Menor (Funabem), Secretaria Municipal da Assistência Social (SAS) e

Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). As instituições criticavam o

Código de Menores, as instituições coordenadoras e operadoras da PNBM e as

práticas institucionais.

Podemos agrupar as críticas feitas ao Código de Menores de 1979, da

seguinte maneira:

A primeira delas é que crianças e adolescentes chamados, de forma preconceituosa, de “menores” eram punidos por estar em “situação irregular”, pela qual não tinham responsabilidade, pois era ocasionada pela pobreza de suas famílias e pela ausência de suportes e políticas públicas. A segunda era referente às crianças e adolescentes apreendidos por suspeita de ato infracional, os quais eram submetidos à privação de liberdade sem que a materialidade dessa prática fosse comprovada e eles tivessem direitos para sua devida defesa, isto é, inexistia o devido processo legal. Nesse sentido era “regulamentada” a criminalização da pobreza (SILVA, 2005, p.33).

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Parafraseando Silva (2005), é dando resposta ao esgotamento histórico-

jurídico e social do Código de Menores de 1979 que nasceu o ECA. O ECA é

processo e resultado da construção histórica das lutas sociais, dos movimentos pela

infância, da atuação da sociedade civil e política, da falência mundial do direito e da

justiça menorista. Os direitos da criança e do adolescente deixam de ser

considerados menores e passam a serem maiores, ou seja, com essas lutas

podemos dizer que os direitos infanto-juvenis passam a serem pesados em

consonância com os direitos dos adultos na sociedade brasileira.

O Estatuto da Criança e Adolescente teve sua aprovação em 25 de abril

de 1990 pelo Senado, em 28 de julho do mesmo ano pela Câmara e sancionado no

Governo do presidente Fernando Collor de Melo, em 13 de julho de 1990. O Estatuto

só entrou em vigor no dia 12 de outubro, data na qual se comemora o dia da criança.

O Estatuto da Criança e Adolescente também garante que outros

profissionais como, por exemplo, os psicólogos também atuem junto às mães no

período de gestação se sua vontade de entregar o filho para adoção for de

conhecimento do Estado. A Lei define em seu artigo 13 (parágrafo único) que

hospitais e médicos que estão acompanhando a gestante têm por obrigação

encaminhar a criança para o juizado da infância e da Juventude. O avanço social

trazido pelo ECA foi de fundamental importância para que o processo de adoção no

Brasil resguardasse os direitos das crianças e adolescentes.

O ECA respalda o ato da adoção dentro da Lei, protege a criança e o

adolescente com todos os seus direitos conquistados e tem como base o bem estar

dos mesmos na sociedade, na família e na comunidade. Neste Estatuto os artigos

que falam de adoção se encontram nos artigos 39 a 52 subseção IV.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção só se dará

quando todos os recursos estiverem esgotados para que a criança não permaneça

na sua família natural, como dispõe o art. 39,

A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto desta lei. § 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei (ECA, 1990).

Todo pretendente precisa ter ciência de que é proibida a adoção por

procuração, tendo em vista que o adotante e o adotando precisam se conhecer para

manter o vínculo de afetividade. Também é essencial a presença física daquele que

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pretende adotar uma criança para que a mesma perceba seu interesse em inseri-la

no contexto familiar e sua disposição em amar e cuidar de sua vida.

Esse trabalho visa compreender como se dá o processo de adoção de

crianças negras na cidade de Fortaleza. Compreender os fatores que interferem na

escolha das crianças que aguardam adoção por parte das famílias candidatas e

entender que perfis de crianças são mais solicitados é importante, pois possibilita

inflar a discussão sobre a construção das novas famílias e compreender em que

medida o racismo interfere na escolha dos adotados na capital cearense.

A legislação apresentada nesse capítulo delineia os trâmites legais para a

adoção e representa a ação do poder público para intermediar o processo. No

capítulo seguinte serão discutidos a motivação e os entraves do processo de adoção

sob a ótica da constituição de família, da dinâmica social, do perfil do novo filho e do

tempo de espera das famílias.

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CAPÍTULO 2 – MOTIVAÇÃO E ENTRAVES DA ADOÇÃO

As sociedades são compostas por um conglomerado de famílias onde

cada família possui um perfil. A sociedade contemporânea apresenta uma grande

diversidade de tipos de família. Consideremos neste trabalho a análise do modelo

tradicional de família (família nuclear), onde os indivíduos, neste caso indivíduos de

sexos opostos, optam por casamento e filhos.

Quando após algum tempo de união o casal não consegue gerar, por

meios naturais, filhos biológicos é possível perceber que, em grande parte dos

casos, ainda permanece a vontade de ter um filho. Uma segunda etapa nesse

processo de ampliar a família é a busca de métodos artificiais de fecundação,

através de tratamentos especializados de reprodução humana. No Brasil não

apenas o sistema de saúde suplementar, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) já

disponibiliza alguns tipos de tratamento.

Na maioria dos casos, esgotadas as possibilidades de procriar, nasce o

sonho do filho adotivo. Essa família que busca um filho adotivo sofre com a

morosidade da justiça, porque o processo de espera4 é enfadonho. Neste capítulo

discorremos, na primeira seção, sobre a constituição da família e a dinâmica social.

Na segunda seção apresentamos o perfil do novo filho e na terceira seção

discutimos sobre o tempo de espera das famílias.

2.1 A constituição de família e a dinâmica social

O homem, desde sempre, necessita interagir e se sentir parte do meio.

No entanto, o ser humano é diferente dos outros animais, pois precisa de mais

tempo para se adaptar, viver em sociedade e assumir responsabilidades adquirindo

assim maturidade. Como afirma Heerdt,

O ser humano, ao contrário da maioria das espécies animais, precisa de um tempo maior para se desenvolver, buscar sua própria sobrevivência e atingir a desejada maturidade no mundo. Ele necessita de um lugar onde possa assimilar uma cultura e ser educado. É um processo que exige, além do tempo, a esfera protetora da família: o lugar, por excelência, do amor (HEERDT, 2000, p. 131).

O termo família provém do latim “famulus”, que significa criado ou

servidor. Inicialmente indicava o conjunto de empregados que obedeciam a um

4 As etapas do processo legal de adoção foram apresentadas no capítulo 1.

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único senhor, mais tarde o termo passou a ser usado para denominar um grupo de

pessoas unidas por laços sanguíneos, que viviam na mesma casa e eram

submetidas à autoridade de um chefe em comum (HEEDRT, 2000). A partir dessa

contextualização do termo família é possível perceber que a união de indivíduos que

vivem harmoniosamente, sob o mesmo teto ou não, dá origem ao conceito de

organização social.

Para se estudar a instituição família devemos levar em conta à

perspectiva histórica, pois é sob a tutela da história que as sociedades tendem a

desencadear um complexo processo de transformações. Os fatos históricos devem

ser levados em conta, pois estes são fruto de modificações sociais resultantes das

ações humanas no decorrer das épocas. Com as modificações das sociedades os

conceitos de família passam a variar de acordo com os momentos vividos.

Antes de descrevermos o desenvolvimento da estrutura familiar brasileira,

é preciso salientar que este trabalho analisa apenas a instituição da família

composta por indivíduos casados. A justificativa para essa escolha deve-se ao fato

de que, segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça, 79,1% dos

pretendentes à adoção apresentam este estado civil. Sendo este dado relevante, ele

descreve bem o perfil dos pretendentes à adoção. No gráfico abaixo é possível ver o

percentual de casais segundo o estado civil.

Gráfico 2.1 - Estado civil do pretendente à adoção no Brasil

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

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A família brasileira tem sua fundamentação a partir da família patriarcal. É

com base nesse modelo de família que a sociedade define os novos modelos e

arranjos familiares, entre eles o modelo de família nuclear. Conhecendo o

desenvolvimento da família no Brasil do passado é possível compreender o conceito

de família na atualidade.

A família é, para a população brasileira, um conceito de grande

abrangência. Vale tudo, pode tudo. Com as mudanças no século XVIII, a família

passa por alguns ajustes que favorecem a transformação de seu perfil, deste modo,

o novo desenho familiar passa a ser chamado de família nuclear. Com isso, Osterne

(2001) diz,

No século XVIII, então, com o aparecimento da escola, da privacidade do lar, da ênfase da igualdade entre filhos, da manutenção das crianças junto aos pais no núcleo conjugal, do sentimento de família em íntima relação com o sentimento de classe, valorizado pelas instituições, sobretudo pela igreja, inicia-se a delinear-se, o que se convencionou chamar família nuclear burguesa (OSTERNE, 2001, p. 53).

A revolução industrial eclodiu mundialmente e junto com esta revolução, a

família nuclear sofreu modificações radicais. Mesmo com tantos avanços na área

social, ainda nos dias atuais a mulher continua a assumir as tarefas históricas de

mãe, esposa e, em muitos casos, dona de casa.

Osterne (2001) salienta que a nova divisão social do trabalho consolidou

a separação entre casa e local de trabalho, produzindo grandes e paradoxais

alterações na família. Rearranjaram-se os papéis e as funções dos membros da

família, fazendo com que a organização e a dinâmica da estrutura familiar fossem

modificadas.

Para definir o conceito de família em sentido estrito, Lakatos e Marconi

(1999) afirmam que família é considerada o fundamento básico e universal das

sociedades, embora variando sua estrutura e o funcionamento, por se encontrar em

todos os grupos humanos

Em todas as sociedades humanas encontra-se uma forma qualquer de família. Sua posição, dentro do sistema mais amplo de parentesco, pode oscilar muito, desde um lugar central e dominante (sociedade ocidental) até uma situação de reduzida importância (povos ágrafos), que dão maior destaque ao grupo de parentesco, mais amplo do que a unidade representada pelo marido, mulher e filhos (LAKATOS e MARCONI, 1999, p.171).

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Da Matta (1987, apud OSTERNE, 2001) afirma que a família é máquina

de controlar o tempo e lugar onde temos cidadania perpétua. É também onde

sabemos ser amados incondicionalmente. Se a família é considerada o fundamento

básico e universal das sociedades podemos dizer que se a família vai bem, a

sociedade ganha com esse equilíbrio e vice-versa.

Em família pode acontecer à criação de filhos de forma saudável,

responsável e equilibrada, assim sendo, a sociedade como um todo tende a ganhar.

Possivelmente não haveria tantos e tão graves desajustes na sociedade se os filhos

construíssem seus conjuntos de valores em um ambiente de segurança, amor e

mutualidade. Por ser o local de segurança e aconchego, o ser humano necessita

estabelecer laços afetivos com aqueles com quem convive. É a partir dessa relação

de afetividade e complementaridade que as famílias são constituídas.

Nos dias atuais, a constituição do modelo tradicional de família se dá pelo

casamento ou pela união estável. O casamento é definido como uma união legítima

entre dois indivíduos adultos registrada e aprovada em cartório e a união estável

como um compromisso feito em cartório entre casais que vivem juntos e não são

legalmente casados.

No ocidente, as sociedades advogam que o casamento deve estar

associado à monogamia. É contra a lei que um homem ou uma mulher sejam

casados com mais de um conjugue, permitindo que casem uma próxima vez

somente se houver separação (judicial ou por morte), assim estarão livres para

contrair um novo matrimônio.

Abordaremos aqui o tipo mais comum de família, constituída com um

homem, sua mulher e filhos não casados, essa é a família nuclear, contudo não

considerada universal, pois a estrutura de família nuclear não é encontrada em

todas as sociedades. O “estado de saúde familiar” determina se a sociedade será

saudável ou enferma, como diz Heerdt,

As famílias sólidas continuam contribuindo para a solução dos problemas mais graves das sociedades modernas, a educação da juventude, o equilíbrio psicológico dos cidadãos, a diminuição do consumo de drogas, a responsabilidade no trabalho, a solidariedade e a atenção aos idosos (HEERDT, 2000, p.132).

Osterne (2001) aponta que a definição dominante de família congrega um

conjunto de palavras afins: pai, mãe, filhos, casa, unidade doméstica, casamento e

parentesco. A autora diz ainda que a família tida como ‘legítima e normal’, ou seja,

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aquela que fica interiorizada no imaginário da maioria das pessoas, tem como

característica um conjunto de pessoas aparentadas que estão ligadas entre si por

aliança, casamento, filiação, adoção ocasional ou afinidades.

Pode-se dizer que a ideia de família inicia-se com a ligação de pessoas já

pertencentes a outros grupos, que estão dispostas a fazer aliança entre si, com o

objetivo de ter filhos e que assumem responsabilidades diante da sociedade a qual

estão inseridas. Quando estabelecida essa aliança, ambas as partes são

responsáveis pela sobrevivência e desenvolvimento intelectual de seus membros.

Entendemos por família a célula do organismo social que fundamenta uma sociedade. Locus nascendi das histórias pessoais, é a instância predominantemente responsável pela sobrevivência de seus componentes; lugar de pertencimento, de questionamentos; instituição responsável pela socialização, pela introjeção de valores e pela formação de identidade; espaço privado que se relaciona com o espaço público (Silva Losacco, 2010, p.64).

Na contemporaneidade, a família tem perdido o sentido de tradição por

causa das mudanças. Antes os sentimentos vividos como família, amor, o

casamento, a sexualidade e o trabalho eram estabelecidos e definidos por cada um

que compunha uma casa. Hoje eles não são concebidos com o mesmo peso de

antes nem sonhados como parte de um projeto, é possível observar que a

individualidade tem conquistado seu espaço dentro dos lares. A excessiva busca de

cada integrante do núcleo familiar pela individualidade pode ser considerada um

problema atual, pois a própria ideia de família e ajuntamento perde sua referência,

causando desconforto e enfraquecimento dos laços afetivos.

O reposicionamento do papel da família contemporânea na sociedade é

importante para que possamos compreender muitas das relações sociais na

atualidade. Por ser tão relevante o tema por vezes requer intervenção estatal para

que a definição de família seja legalmente estabelecida.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 declara duas alterações no que

se refere à família. A primeira é a quebra da chefia conjugal masculina, tornando a

sociedade conjugal dividida em direitos e deveres pelo homem e pela mulher; a

segunda é o fim da diferença entre filhos legítimos e ilegítimos, que os define como

sujeitos de direitos, reiterada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que teve

sua promulgação em 1990. Através do exame de DNA, que comprova a

paternidade, qualquer filho nascido de uniões consensuais ou mesmo do casamento

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legal pode ter seus direitos de filiação garantidos por parte dos pais. Na próxima

seção abordaremos o perfil do novo filho.

2.2 O perfil do novo filho e dos novos pais

Desde sempre o ser humano tem o desejo de deixar sua marca na

sociedade, ou seja, deixar registrada no mundo sua característica genética. Este

desejo de procriar está relacionado à sua ansiedade humana de desenvolver sua

espécie a partir de filhos que carreguem consigo características físicas semelhantes

às suas. Não sendo possível procriar, na maioria das vezes, os pais adotivos

buscam por filhos com características semelhantes às suas.

Schettini Filho (2009) afirma que,

Sabemos do valor do sangue na nossa cultura parental. Penso que esse sentimento de ver-se no outro através de uma marca genética, preferivelmente fenotípica (o que se refere à aparência física), resulta em parte do desejo pessoal de permanecer vivo mesmo após sua morte. Aliás, não é sem propósito que construímos mausoléus, multiplicamos fotografias, plantamos estátuas por toda parte, identificamos ruas e cidades com nomes de pessoas (SCHETTINI FILHO, 2009, p. 48).

Um importante argumento para a inclusão de crianças adotadas no

núcleo familiar é que as características genéticas desejáveis podem deixar de ser

decisórias quando o desejo por paternidade/maternidade é ampliado. O critério de

similaridade genética não sendo atendido e desejo por adoção sendo latente faz

com que as famílias transponham essa barreira e adotem filhos com características

físicas diferentes, o que implica em total desapego a questões de preconceito racial.

Infelizmente, de acordo CNA apenas 34,53%5 dos candidatos à adoção mostram-se

indiferentes à raça do filho.

Não pode ser ignorado o fato que a escolha (decisão) de adotar é um

processo e não uma simples decisão pontual, pois na prática adotiva as relações

não criam raízes de uma maneira instantânea. Segundo Schettini Filho (2009) é

preciso tempo social e psicológico para que se obtenha e se ofereça segurança

afetiva nessa relação.

De um lado do processo os pais precisam de um tempo pessoal para

incorporar o filho que não veio do seu corpo físico, mas que aos poucos é sentido,

5 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/17938-exigencia-de-pretendentes-e-entrave-na-adocao. Acesso em

16/05/2013.

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aceito e percebido psicologicamente como filho afetivo. Do outro lado, os filhos

precisam de tempo para sentirem-se amados e integrados na nova esfera familiar.

No que tange ao perfil dos novos pais, conforme estudo realizado em

agosto de 2012 (BRASIL, 2013), existem 28.151 pretendentes inscritos no Cadastro

Nacional de Adoção (CNA). Fazendo a análise por região, o Sudeste tem um peso

populacional que sobressai às demais regiões, pois surge com 48,5% dos

pretendentes cadastrados. Seguindo em ordem decrescente, surgem as regiões Sul

(36,5%), Nordeste (6,7%), Centro-Oeste (5,9%) e Norte (2,3%). Percebemos que

esses indicadores apontam as regiões Sudeste e Sul, possuem 85% dos

pretendentes à adoção. De acordo com o Censo 2010, essas regiões representam

56,5% da população brasileira, é possível observar que filhos adotivos são mais

desejados nas áreas mais desenvolvidas do país.

Ao fazer a inscrição no CNA os pretendentes se tornam ativos no sistema.

O objetivo é identificar quem é o cidadão com cadastro ativo que deseja adotar uma

criança ou adolescente no Brasil. Uma primeira característica que foi considerada no

estudo é o estado civil do pretendente. Quase 90% dos pretendentes são casados

ou vivem em união estável, com apenas 8,6% dos registros sendo de pessoas que

se declararam solteiras. Os viúvos, separados e divorciados quando somados aos

solteiros totalizam um percentual de 11,9% de pessoas cadastradas que desejam

adotar individualmente.

Se tratado da idade, percebeu-se que a maior parte dos candidatos a

futuros pais e mães, aproximadamente 41% do total, têm entre 40 e 49 anos,

seguida da faixa etária entre 30 e 39 anos, com 27,9%. Com 25%, os pretendentes

acima de 50 anos tiveram um número significativo.

Para esclarecer o perfil dos pretendentes, outra característica importante

é o fato de possuírem ou não filhos bilógicos. Cerca de 70% dos pretendentes não

possuem filhos bilógicos. A terceira característica dos pretendentes cadastrados no

CNA é que 85% não desejam crianças e/ou adolescentes portadores de HIV. Uma

informação relevante é que 141 crianças e/ou adolescentes aptos à adoção são

portadores do HIV. Ainda referente à preferência dos pretendentes à adoção,

segundo o CNA apenas 8% não fizeram restrições quanto à condição de deficiência

da criança. Ao que se refere ao perfil das crianças ou adolescentes deficientes aptos

à adoção, 4% de cadastrados como portadores de deficiência física e 8% como

portadores de deficiência mental.

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Analisando a faixa de renda dos pretendentes à adoção verificamos que

de acordo com os dados do CNA 24,3% dos que declararam ter renda entre 3 e 5

salários mínimos e 21,4% entre 5 a 10 salários. Com essa informação é

demonstrado que parcela representativa dos pretendentes à adoção está situada na

faixa de renda que equivale entre 3 a 10 salários mínimos.

Analisando especificamente a região Nordeste quanto ao estado civil no

gráfico 2.2, observa-se que o percentual de pretendentes casados fica abaixo da

média nacional.

Gráfico 2.2 - Estado civil do pretendente à adoção no Nordeste

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

No que diz respeito aos pretendentes solteiros e em união estável, esses

percentuais são altos. Os divorciados representam 3,2% do total e é o percentual

mais expressivo entre todas as regiões. A quantidade de viúvos é

consideravelmente alta 1,7%, chegando próximo ao percentual nacional.

Muitos motivos podem influenciar o pedido de habilitação para que a

adoção seja desfavorável, no geral, esses motivos são evidenciados nos pareceres

psicossociais. Como exemplo, podemos citar que após a observação dos registros

estudados, o (a) assistente social e o (a) psicólogo podem emitir um parecer

desfavorável pelo fato de uma das partes demonstrar pouco interesse em adotar.

Em outro caso, após a entrevista com os interessados, foi constatado que não havia

comum acordo da parte do casal quanto à idade da criança (SILVEIRA, 2005, p.50).

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No quadro de inscritos para adoção na região Nordeste, aparece um

maior interesse do sexo feminino. De acordo com informações do CNA, 33,23% dos

candidatos à adoção na região apontam preferência por meninas. Silveira salienta

que esse fato pode se dar pelo desejo da mulher pela maternidade, independente do

seu estado civil, sonhando com a perpetuação dos laços familiares. Com a inserção

da mulher no mercado de trabalho e a chance de conquistar certa independência

financeira, pode ser outra possibilidade para a mesma.

Mesmo com a tendência de excluir os solteiros no processo de seleção,

devido a idealização de núcleo familiar constituída por duas pessoas, as adoções

monoparentais - ou realizadas por uma pessoa solteira - tem conquistado seu

espaço e isso pode se dar às mudanças nos procedimentos de adoção a partir dos

anos 906. Silveira fala que,

Antes de o ECA entrar em vigor, a lei fazia distinção entre as famílias conjugais e as monoparentais nesse contexto. As pessoas sozinhas tinham direito à adoção plena somente se, quando viúvo ou viúva, provassem que a criança havia iniciado estágio de convivência de três anos ainda quando o outro conjugue estava vivo, ou, no caso dos separados judicialmente, o adotando tivesse convivido três anos na constância da sociedade conjugal. (SILVEIRA, 2005, p. 51).

De acordo com o coordenador do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e

também juiz auxiliar da Corregedoria Nacional da Justiça Nicolau Lupianhes, em

levantamento realizado em janeiro de 2012 o perfil de muitas crianças e

adolescentes foge do ideal que muitos pretendentes buscam e isso tem sido um dos

principais entraves para a adoção. O levantamento diz que o número de pessoas

cadastradas é quase cinco vezes maior que o de crianças e adolescentes

disponíveis à adoção.

De acordo com uma análise estatística multivariada realizada pelo CNA, o

perfil mais desejado pela maioria dos que pretendem adotar é crianças do sexo

feminino, brancas, com idade de até quatro anos, não deficientes, e não

pertencentes a grupos de irmãos. Decidido o perfil do novo filho, começa a busca

deste filho que foi gerado no coração, tendo em vista realizar os sonhos da

maternidade/paternidade. Tudo parte da decisão de querer uma criança que trará

realização para a família, pois o lugar já foi destinado no coração dos que decidiram

amar e dar um futuro melhor para aquela criança que espera por uma família.

6 Adoção monoparental não é o objetivo de estudo deste trabalho e foi inserido em forma de exemplo.

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Antes de discorrermos sobre o tempo de espera das famílias pelo filho

desejado é necessário esclarecermos que as crianças e adolescentes disponíveis

para adoção passam por uma avaliação. Os operadores da Justiça, assistentes

sociais e psicólogos, fazem uma investigação sobre o histórico familiar e o estilo de

vida dos adotáveis já que estão trabalhando a fim de garantir o bem estar de

crianças e adolescentes disponíveis para adoção.

Assim, segundo Silveira (2005),

A família aparece como o foco principal de análise e questionamentos. Quando se pensa em garantias de proteção e um futuro “feliz” para a criança, os estudos são direcionados ao contexto familiar, independentemente da forma como o grupo se organizou (SILVEIRA, 2005, p.49).

A pesquisa é realizada com a finalidade de conhecer os antecedentes

familiares dos adotáveis e conta com indagações como: quem são os pais, onde

estão, por que houve o abandono, quem os abandonou, em que condições sociais e

econômicas se encontram, se há estrutura no meio familiar para realizar o

acolhimento permanente. A próxima seção trata do tempo de espera do novo filho.

2.3 O tempo de espera das famílias

De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas

(CNCA) referentes ao mês de junho de 2012 há em todo território nacional 40.340

crianças e adolescentes acolhidos em instituições de acolhimento como casas,

abrigos e albergues. Estas instituições são mantidas e sustentadas por organizações

não governamentais (ONG’s), comunidades e instituições religiosas.

Do total de crianças e adolescentes acolhidos em instituições públicas e

privadas no Brasil apenas 5.281 estão aptos à adoção segundo o Cadastro Nacional

de Adoção. Quando comparamos esse dado com o total de pretendentes à adoção

legalmente cadastrados, ou seja 28.151 indivíduos, percebemos que existem

aproximadamente cinco pretendentes legalmente disponíveis para cada criança

cadastrada, ou seja, existe mais pretendentes interessados em adotar do que

crianças e adolescentes aptos à adoção.

As famílias esperam demais por que há uma “lei de mercado” na qual a

procura por um filho é maior que a oferta de filhos disponíveis para a adoção. A

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divergência numérica entre possíveis adotantes e adotáveis disponíveis é um

argumento importante no questionamento sobre o tempo de espera das famílias.

A longa espera das famílias na fila de adoção pode ter também como uma

de suas explicações a existência de um “padrão de filho” por parte dos adotantes.

Crianças e adolescentes perdem a melhor fase de suas vidas em abrigos e

instituições possivelmente porque não se enquadram no perfil de filho procurado

pelo “mercado de adoção”. Como na maioria das instituições do país não são

encontradas crianças e adolescentes que superem a expectativa dos futuros pais,

estes continuam por muito tempo em busca do ideal de filho (a) perfeito (a).

As famílias estão à procura de filhos que tenham um perfil traçado por

elas, perfil este que não está disponível com abundância em nenhuma região

brasileira e por isso o número de adotantes é maior que o número de crianças

cadastradas para a adoção. O Gráfico 2.1 abaixo retrata a preferência do

pretendente de acordo com a idade da criança e do adolescente apto à adoção no

Brasil. O Gráfico 2.2 apresenta a relação de preferência do pretendente no

Nordeste.

No Gráfico 2.1 observa-se que a maioria dos pretendentes deseja uma

criança entre 0 a 5 anos. Analisando o estudo do CNA, vemos que apenas 8,8% de

crianças e adolescentes estão ou correspondem a essa idade, enquanto o desejo

dos pretendentes é de 92,7%. Vemos aqui que, com a procura por crianças até

cinco anos, permanece a espera tanto de pretendentes como de crianças mais

velhas e adolescentes por um lar. Esse pode ser um entrave significativo na adoção

de crianças e adolescentes com mais idade.

O Gráfico 2.2 apresenta as divergências entre crianças disponíveis a

adoção e crianças preferidas pela maioria dos adotantes no Nordeste. Assim como

no Brasil, no Nordeste a disparidade entre adotantes e adotáveis persiste. 91,6%

dos futuros pais apresentam preferência por crianças até 5 anos, mas apenas 16,9%

das crianças disponíveis possuem a idade desejada. O CNJ ainda não disponibilizou

um Cadastro Nacional de Adoção de maneira mais desagregada por estado nem

tampouco para municípios. O que se pode considerar é que nas capitais do

Nordeste esta relação adotante/adotável não deve ser muito diferente do perfil

nacional ou regional.

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Gráfico 2.1 - Idade da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do pretendente no Brasil

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

Gráfico 2.2 - Idade da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do pretendente na região Nordeste

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

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A questão do gênero também é relevante quando se procura analisar o

tempo de espera dos pais pelo filho idealizado. Como pode ser observado no

Gráfico 2.3, no Brasil uma em cada três famílias pretendentes, que corresponde a

33% do total de famílias na fila de espera, tem preferência por crianças e

adolescentes do sexo feminino.

O importante na análise de gênero é perceber que 58% das famílias

brasileiras a espera da adoção são indiferentes ao sexo do novo filho. Como 56%

dos adotáveis são do sexo masculino e não sendo tão relevante o gênero podemos

perceber que em termos gerais, para o Brasil, o problema do gênero não é tão

relevante para ampliar o tempo de espera por adoção como em outras regiões do

país. No Gráfico 2.4 será apresentada a preferência dos futuros pais no que se

refere a sexo da criança e do adolescente apto à adoção na região Nordeste.

Gráfico 2.3 - Sexo da criança e do adolescente apto à adoção em relação

à preferência do pretendente no Brasil

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

O Gráfico 2.4 apresenta a disparidade na relação adotante/adotável no

Nordeste no que diz respeito a gênero. Nessa região do país observa-se que,

diferentemente à média nacional, a escolha do sexo do novo filho pode ampliar o

tempo de espera por adoção. Tendo em vista que na região 57% das crianças e

adolescentes cadastradas no CNA são do sexo masculino e 50% das famílias

optaram por adotar crianças do sexo feminino, é possível observar mais um

descompasso entre o que as famílias desejam e as crianças e adolescentes

disponíveis à adoção.

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Gráfico 2.4 - Sexo da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do pretendente na região Nordeste

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

Diferentemente do cenário nacional, no Nordeste não há como

compensar a decisão de metade das famílias na fila de espera, elas desejam uma

futura filha que infelizmente é minoria do total de jovens e adolescentes aptos. Claro

que o tempo de espera tende a aumentar quanto mais exigências são reveladas

para a efetiva adoção de um filho.

Outro importante entrave para que as famílias estejam em um processo

de espera é a questão das leis e da burocracia nas quais são encaminhados os

processos de adoção7. Muitos obstáculos são enfrentados pelas partes, iniciando

com o cadastro dos pretendentes e terminando com a aceitação das crianças

disponíveis à adoção. A morosidade da justiça é mais um argumento que pode

justificar o fato de muitas crianças perderem sua infância nas instituições de

acolhimento e muitos casais passarem por tristezas e dificuldades em busca de um

filho.

Consideramos ainda como hipótese deste trabalho que a escolha da raça

do futuro filho é um fator importante para explicar o descompasso entre adotantes e

adotados. A questão racial e suas implicações sociais no processo de adoção são o

tema do próximo capítulo.

7 O processo legal de adoção é discutido no capítulo 1.

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CAPÍTULO 3 – A ADOÇÃO E O PRECONCEITO RACIAL

O preconceito é a opinião formada que temos ou a atitude em defesa de

um grupo em relação a outro grupo. Mesmo diante de novas informações, a pessoa

preconceituosa permanece com seu ponto de vista. Quando o preconceito está

interiorizado no ser humano ele se revela em situações do cotidiano, o que favorece

sua transmissão aos descendentes. Isso significa que o preconceito tem o poder de

se perpetuar e ser repassado de geração em geração.

Ao falarmos de preconceito não podemos deixar de lado o preconceito

racial, pois este não é um problema novo que está sendo vivenciado somente na

sociedade atual. O preconceito racial tem suas raízes nas sociedades passadas. No

Brasil, desde o período colonial podemos identificar a presença do preconceito racial

como um problema que fazia o homem escravizado, neste caso o negro, ser

injustiçado.

No Brasil colonial o negro não era visto como ser humano e por não ser

considerado um igual não lhe era atribuído alma, qualidades, virtudes nem

habilidades. Como o negro era considerado um ser de raça inferior, nem a igreja

nem a Coroa portuguesa foram contra a escravização do povo africano. Assim,

segundo Fausto (2008) os beneditinos e outras ordens religiosas eram os grandes

proprietários de cativos no Brasil.

O negro só possuía valor, como uma mercadoria, devido suas

características físicas e aptidão para o trabalho árduo. Assim, a cor da pele passou a

definir os papéis na nascente sociedade brasileira pós-descobrimento: o branco de

origem europeia representava a classe civilizada, o índio brasileiro representava um

povo selvagem8 e o negro africano escravizado representava a escória da

sociedade.

A escravidão, segundo Fausto (2008), foi uma instituição nacional que

permeou toda a sociedade regulando seu modo de pensar e agir. Indivíduos de

todas as classes sociais queriam ser donos de escravos e este desejo era comum

desde a classe dominante ao artesão, ou seja, independentemente da quantidade,

todos os brancos que se consideravam civilizados almejavam possuir escravos.

8 Este trabalho não abordará o preconceito sofrido pelos índios.

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Na história do Brasil é possível perceber que, até os dias atuais, o

preconceito racial traz consigo a desigualdade, pois a partir dele é possível perceber

que em uma mesma sociedade a diferença entre as raças pode produzir visíveis

disparidades nas áreas cultural, econômica e social.

Na sociedade brasileira contemporânea os negros enfrentam dificuldades

para conquistar seu espaço independentemente do setor analisado. A disparidade

de direitos pode ser observada entre os considerados negros e os considerados

brancos pela sociedade. Conquistas têm acontecido, porém ainda é grande, por

exemplo, a diferença de posições e salários dentro de uma sociedade de marcada

pelo preconceito racial.

O preconceito racial também pode ser percebido no processo de adoção.

Analisando o perfil das crianças que se avolumam em abrigos públicos no país,

particularmente no Nordeste9, é possível perceber que crianças negras são

preteridas às brancas, no que tange a escolha dos futuros pais, e permanecem na

fila de espera do Cadastro Nacional de Adoção por muitos anos. Como a preferência

não inclui a criança negra na maior parte das vezes, estas crianças permanecem

institucionalizadas (em muitos casos até a maior idade) o que dizima sua esperança

de futuro em ambiente familiar.

Ao falarmos de adoção e preconceito racial, temos que pesar que uma

criança ou adolescente apto à adoção necessita de uma família, independentemente

de sua etnia. Na primeira seção deste capítulo discorremos sobre o preconceito e

sua contextualização na sociedade. Na segunda seção, apresentamos o preconceito

racial e sua influência no processo de adoção.

3.1 Definição de preconceito e sua contextualização na sociedade

No dicionário Aurélio, temos algumas definições de preconceito: 1) é o

conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou

conhecimento dos fatos; ideia preconcebida; 2) julgamento ou opinião formada sem

se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo; 3) superstição, crendice; prejuízo

e 4) suspeita, intolerância,ódio irracional ou aversão a outras raças, credos,

religiões, etc.

9 Minha observação in loco quando trabalhei em um abrigo público de Fortaleza e em visitas a outras

instituições de acolhimento.

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Todas as definições acima levam em conta algum tipo de juízo arbitrário

feito a alguém ou a um grupo de pessoas. O preconceito pode ser definido, ainda,

como uma indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz de pessoas

estigmatizadas por estereótipos (SANT’ANA, 2005, p.62).

De uma forma explícita, Sant’Ana (2005) salienta que preconceito é uma

opinião preestabelecida, que somos obrigados a aceitar devido a influência do meio,

da época e da educação. O preconceito comanda as relações de uma pessoa com a

sociedade. Ao comandar, o preconceito permeia toda a sociedade, tornando-se uma

espécie de arbítrio de todas as relações humanas.

Segundo Sant’Ana (2005) quando se fala de preconceito podemos citar

os preconceitos clássicos, ou seja, aqueles que estão estabelecidos em nosso

cotidiano, por exemplo: toda sogra é chata, todos os homens são fortes, toda mulher

é frágil, todos os políticos são corruptos, toda criança negra vai mal na escola, negro

é burro e mulher bonita é burra.

Sant’Ana argumenta que,

Com base em estereótipos, as pessoas julgam as outras. Por isso o preconceito é um fenômeno psicológico. Ele reside apenas na esfera da consciência e/ou afetividade dos indivíduos e por si só não fere direitos (SANT’ANA, 2005, p. 62).

Tratando ainda dos tipos de preconceitos básicos, alguns são motivados

pelo pensamento político, outros deflagrados por minorias, e ainda outros derivados

do patrulhamento ideológico. Podemos citar alguns como: preconceito de raça,

preconceito de religião, preconceito ideológico, preconceito de sexo, preconceito de

perfil físico e preconceito de idade.

Quando analisamos o preconceito sofrido pelo negro no Brasil nos dias

atuais é preciso fazer a contextualização histórica desta discussão e apontar em que

momento da história brasileira a sociedade passou a segregar classes de indivíduos,

nascidos ou não no país, meramente pelo aspecto étnico. Assim, faremos um breve

histórico do Brasil colônia e de como o negro já enfrentava preconceito.

Com chegada dos europeus ao Brasil e a busca de riqueza através da

atividade extrativa do solo da colônia, iniciou-se a escravidão. Inicialmente, os

portugueses tentaram escravizar o índio, que era o nativo da terra, forçando-o a

trabalhar intensamente na extração do pau-brasil e na construção da infraestrutura

dos primeiros povoados do período pré-colonial.

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Já no período colonial descobriu-se o solo favorável à plantação de cana-

de-açúcar no Nordeste brasileiro. Como o açúcar era um produto de grande

aceitação e valor econômico na Europa, a coroa portuguesa decidiu iniciar o plantio

dessa cultura em larga escala no solo da colônia.

Com a não adaptação dos indígenas ao trabalho árduo e forçado desde o

período pré-colonial, solução encontrada pelos portugueses para o cultivo da cana-

de-açúcar foi a utilização de mão de obra escrava de origem africana. Os substitutos

encontrados para a realização das atividades laborais nos engenhos de açúcar,

negros sequestrados do continente africano, eram subjulgados e vendidos como

objetos no mercado escravo brasileiro.

De acordo com Fausto (2008), a cultura do índio era incompatível com o

trabalho intenso como desejavam os europeus, isso não que dizer que os índios

eram preguiçosos, vadios e não gostavam de trabalhar, mas que estavam

acostumados com uma vida descansada, acostumados com a pesca e a casca,

trabalhando apenas para garantir o sustento e a sobrevivência, não necessitando

assim despender muito esforço laboral. Ao que chamamos na sociedade atual de

produtividade, para os índios era uma atividade estranha e desnecessária.

Fazendo uma comparação com as condições de vida apresentada aos

índios e aos negros, Fausto (2008) nos diz que os índios estavam em melhores

condições de vida que os africanos. Mesmo enfrentando várias formas de sujeição

pela guerra, fuga e recusa ao trabalho forçado os índios estavam na sua própria

terra. Os negros estavam em uma terra desconhecida na qual estavam submetidos

e subjulgados.

No Brasil o tráfico dos negros se deu no século XVI, mas na maioria das

sociedades já se sabia o valor comercial do escravo. Como vimos,

Ao percorrer a costa africana no século XV, os portugueses havia começado o tráfico de africanos, facilitado pelo contato com sociedades que, em sua maioria, já conheciam o valor mercantil do negro. Nas últimas décadas do século XVI, não só o comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade (FAUSTO, 2008, p. 50).

No que tange à escravidão, Fausto (2008) diz que não podemos pensar

que o negro aceitou de bom grado o que estavam vivendo, pois desde os primeiros

tempos fugiam, agrediam e resistiam às relações entre eles e seus senhores.

Através das fugas os negros aglomeravam-se em áreas de difícil acesso ao

opressor, pois desejavam verem-se livres daquela situação. O local onde os negros,

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de diversos engenhos de açúcar do Nordeste, se reuniam para fugir de seus

opressores chamava-se quilombo.

Os quilombos eram,

Estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas, existiram às centenas no Brasil colonial. Palmares – uma rede de povoados situada em uma região que hoje corresponde em parte o Estado de Alagoas, com vários milhares de habitantes – foi um desses quilombos e certamente o mais importante (FAUSTO, 2008, p. 52).

Palmares, o principal quilombo registrado na literatura brasileira, teve sua

formação no início do século XVII, por quase cem anos lutou contra holandeses e

portugueses resistindo aos seus ataques. O quilombo de Palmares crescia com a

chegada constante de escravos fugitivos e subsistia guerreando com bravura a fim

de defender a liberdade do negro.

Conforme relata Fausto (2008), no Brasil os grandes centros importadores

de escravos foram Salvador e Rio de Janeiro, estes centros eram concorrentes entre

si e cada um tinha seu comércio estabelecido. Os baianos eram ligados à Costa da

Mina, à Guiné e ao Golfo de Benin, enquanto os cariocas recebiam escravos da

Angola. A comercialização do negro no Rio de Janeiro superou a Bahia devido ao

desenvolvimento ocorrido no Rio de Janeiro fruto da descoberta das minas de ouro

na região, ao avanço da economia açucareira e ao grande crescimento urbano da

capital no início do século XIX.

O preconceito contra a raça negra foi reforçado no decorrer do século XIX

com teorias supostamente científicas como, por exemplo, informações sobre o

tamanho e o formato do crânio dos negros e o peso do cérebro davam vazão à

suposição de que o negro era uma raça inferior, de baixa inteligência,

emocionalmente inconstante e que por este motivo estava biologicamente destinada

à sujeição. (FAUSTO, 2008).

No que se refere ao Ceará, existe uma linha de pesquisadores que afirma

não existirem muitos negros na época da colonização nesta província devido ao

processo diferenciado de ocupação das terras cearenses. As características naturais

de clima e solo e o alto custo da mão de obra corroboraram para a disseminação

dessa ideia.

Essa informação, no entanto, tem sido contestada por muitas fontes

históricas. Com base em dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

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Agrária (INCRA) órgão responsável pelo reconhecimento de comunidades étnicas10,

no Ceará existem atualmente duas comunidades quilombolas reconhecidas

oficialmente além de oitenta e quatro extraoficiais.

De acordo com Funes (2007) há vários núcleos urbanos de negros no

Ceará, como as comunidades negras rurais em: Conceição dos Caetanos, Tururu;

Bastiçoes, Iracema; Goiabeiras, Aquiraz; Colibri e Tauá. Nas regiões do Cariri e da

Serra Grande também são encontradas comunidades compostas por negros. Estes

dados comprovam como negros de origem africana tiveram sua parcela de

participação na miscigenação e identidade do povo cearense.

Ainda que a atividade açucareira na província cearense não tenha

apresentado os resultados esperados pela coroa portuguesa, atividades alternativas

como a pecuária e a cotonicultura foram desenvolvidas no sertão cearense. Com o

desenvolvimento da pecuária, por exemplo, houve a necessidade de intensificação

da mão de obra, fazendo com que negros foram trazidos para trabalhar nas

fazendas.

Sobre esse assunto Funes (2007) relata que,

A ocupação das terras cearenses foi diferente o processo ocorrido em outras áreas do Nordeste açucareiro. Foi um processo mais lento, com suas fronteiras sedo rompidas pelo gado que possibilitou uma configuração social diferenciada as sociedades do engenho, exigindo pouca mão de obra, contando esse o início com a força de trabalho do nativo e um estilo de vida que não foge ao padrão encontrado para outras regiões tidas como economicamente periféricas. Isso, de certa forma, refletia o poder aquisitivo dos proprietários cujo modus vivendi, em sua maioria, estava dentro de um padrão de riqueza bastante relativo, marcado pela simplicidade, beirando a rusticidade, o que acabava refletindo no dia a dia do escravo (FUNES, 2007, p.106).

Como o trabalho na pecuária proporcionava certo grau de liberdade a

esses escravos, quando comparado aos engenhos de açúcar, os fazendeiros

preferiram levá-los para dentro de suas casas, onde os negros ambientavam-se e

desenvolviam trabalhos domésticos com o objetivo de evitar fugas.

Com a autonomia administrativa da província do Ceará em 1799,

Fortaleza torna-se a capital e principal ponto de convergência regional da produção

de charque e algodão. A partir do pioneirismo do Ceará na abolição da escravatura,

o número de negros escravizados na província era insignificante em 1888 quando a

Lei Áurea foi decretada.

10

Como negros e índios, por exemplo.

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48

Não podemos afirmar que a situação do negro mudou muito com a

abolição dos escravos. Com a persistência do racismo na sociedade cearense,

alguns negros não sabendo como enfrentar a nova vida preferiram permanecer e

trabalhar com seus antigos proprietários. Outros aproveitaram a "liberdade" e

partiram para as “cidades” da província, notadamente Fortaleza, na tentativa de

melhorar de vida. Inicia-se um complexo problema social na capital cearense uma

vez que os negros recém-livres passaram a se avolumar em zonas periféricas de

Fortaleza fazendo morada em cortiços e favelas.

3.2 Preconceito racial e sua influência no processo de adoção.

O preconceito racial observado no Brasil desde o período colonial sofreu

mutações com o tempo, assumiu novas formas e hoje se encontra presente entre

nós de modo sutil e mascarado. Os indivíduos que sofrem discriminação racial e

integram o rol dos excluídos são aqueles provenientes das camadas sociais mais

pobres e que por conta da cor de sua pele se destacam negativamente na

sociedade.

A nação brasileira trata o racismo como se não fosse um problema social

e econômico, entretanto, o negro tem sofrido ao longo dos anos os resultados de

uma sociedade excludente e isso gera ainda mais desigualdade. O racismo

influencia o modo de pensar e agir da sociedade brasileira contemporânea e atinge

velhos, jovens e crianças. Esta seção visa entender como o racismo ainda presente

na sociedade brasileira afeta o processo de adoção.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 é clara quando afirma no caput

do artigo 227 que a criança e o adolescente precisam ser assegurados em seus

direitos no que tange às esferas física e psicológica incluindo a discriminação e que

essa segurança deve ser prestada pelo Estado, pela sociedade e/ou pela família.

Crianças e adolescentes, institucionalizados ou não, encontram-se

distribuídos em todo o país independentemente de sexo, cor, idade. Há uma

disparidade social generalizada entre estes pequenos cidadãos brasileiros: enquanto

a minoria dos menores de idade é assistida com educação de qualidade, plano de

saúde, comida na mesa, moradia digna e sob poder familiar a maioria vive o oposto

em pelo menos algumas dessas esferas.

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Apesar dos avanços rumo ao reconhecimento e garantia dos direitos da

criança e do adolescente, o Brasil permanece com a ideologia racial dos tempos da

colonização. Infelizmente, a cor da pele ainda é um dos entraves para a justiça

social. Mesmo convictos que crianças são cidadãos em desenvolvimento,

percebemos que o racismo e a pobreza presentes no país são os principais

responsáveis pela existência do preconceito.

A condição de miséria impede que a criança pobre tenha o básico, o

necessário. Deste modo, crianças e adolescentes vivendo sob condição de pobreza

começam desde cedo a enfrentar preconceitos sociais. Quando somamos à pobreza

o quesito cor e a rejeição por parte dos familiares biológicos é possível perceber o

quanto crianças e adolescentes sofrem com o preconceito racial disseminado na

sociedade.

No que se refere à adoção, o preconceito racial é uma das

particularidades que pode dificultar o acesso ao direito da convivência familiar

adotiva. Silveira (2005) afirma que no contexto da adoção os componentes raciais

pesam na escolha da criança e adolescente. Assim, o preconceito racial é um

componente usado na escolha das famílias para que menores de idade sejam

incluídos ou excluídos no processo de petição legal para adoção.

No contexto da adoção há certa tendência a considerar os componentes raciais não só como aspectos pertinentes à identidade de crianças disponíveis para serem adotadas, mas também como meio de selecioná-las. Neste sentido, elas podem ser incluídas ou excluídas, abrindo um vasto campo para ações discriminatórias (SILVEIRA, 2005, p.19).

Com base no exposto vemos que o preconceito racial abre um leque para

ações discriminatórias. Quando avaliamos a preferência dos adotantes11, fica claro12

que o esse preconceito na maioria das vezes fala mais alto que o sentimento por se

ter um filho no seio da família.

No processo de adoção, a variável raça lança luz à discussão quanto aos

padrões socioculturais focados na base ideológica de beleza física e estética que

interferem na escolha do filho (a). Aqueles indivíduos que não conseguem se

encaixar nesses padrões estabelecidos pela sociedade têm poucas chances de

serem encaminhados à adoção. Com essa compreensão é notável a existência de

um critério de seletividade, tendo em vista os traços fenotípicos, e isso vale de forma

mais incisiva para o negro que para as demais categorias étnicas. Em síntese,

11

Abordado no capítulo 2. 12

A partir dos dados apresentados no próximo capítulo.

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50

O detalhamento dos traços raciais dos negros, além da categorização por meio de símbolos ou códigos nos procedimentos de adoção, serve sobretudo para excluir aqueles que efetivamente não são aceitos, reforçando as expressões de racismo e as desigualdades raciais vigentes no país (SILVEIRA, 2005, P. 64).

Tendo idealizado um filho, Silveira (2005) relata que os adotantes poder

deixar claro na inscrição no CNA suas preferências ao traçar o perfil de filho(a)

desejado(a) e esta ação pode ser expressão do preconceito racial dos futuros pais,

seja essa ação consciente ou inconsciente. Com a busca de um filho que se encaixe

dentro do padrão físico estabelecido pela sociedade brasileira (branco, cabelos

castanhos ou louros, olhos azuis ou castanhos), a cor é um dos principais critérios

para a escolha do filho adotivo.

Ao analisar o processo de escolha do novo filho a partir dos traços raciais

de uma criança ou adolescente percebe-se que além da cor existem outras

características que podem identificar se uma criança ou adolescente é de origem

negra como, por exemplo, os cabelos encaracolados. Dizer que uma criança é

quase branca pode identificar a real origem dela e evidenciar o preconceito racial por

parte de quem fez essa afirmação.

O preconceito racial também pode ser enfrentado dentro do próprio grupo

racial, o que configura em um prejuízo ainda maior para crianças e adolescentes

negros postos à adoção no Brasil. Segundo Silveira (2005),

O preconceito é visível também entre pessoas com características raciais semelhantes, ou seja, do próprio grupo racial. Os negros, apesar de se candidatarem a pais adotivos, não buscam crianças escuras e nem sempre seus assemelhados entram na ordem de suas preferências. Isso reforça a ideia de que o negro pode avaliar negativamente sua descendência, segando seus próprios valores étnico-culturais que, na maior parte das vezes, não conhece (SILVEIRA, 2005, p.132).

No âmbito das adoções, a questão racial necessita ser tratada com

profunda atenção por parte das autoridades. É necessário que o poder público

desenvolva um trabalho para aproximação dos futuros adotantes com os

movimentos negros no Brasil. Essa ação poderia conscientizar de forma mais efetiva

os pretendentes à adoção para que estes não levem em consideração as origens

raciais dos adotáveis no momento do cadastro. Com atitudes proativas como a

citada acima se criam ferramentas para combater o preconceito e à discriminação

(SILVEIRA, 2005).

Segundo Silveira (2005), apesar do abandono da autoridade judiciária, no

que diz respeito à determinação legal de viabilizar e agilizar o processo de

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familiarização, crianças e adolescentes negros fazem parte do segmento da

sociedade que tem menos chances de ser inserido em uma família.

Por outro lado, assistentes sociais e psicólogos, na atribuição de suas

atividades, muitas vezes se sentem de mãos amarradas devido à precariedade nos

recursos sociais disponíveis e à burocracia imposta pela legislação que trata da

infância e da adolescência.

Os critérios normativos, que devem ser atendidos por assistentes sociais

e psicólogos nas práticas jurídico-sociais do processo de adoção, impõem limitações

para atender a demanda e a ansiedade dos futuros pais e filhos. Esses critérios

estão ligados às normas e aspectos psicossociais para a viabilização da adoção,

dizem respeito a atividades como, por exemplo, a triagem de pretendentes e

crianças.

O resultado gerado após a atuação destes profissionais é o detalhamento,

após visitas domiciliares, do estilo de vida a ser enfrentado pelo ‘novo’ filho. São os

assistentes sociais e psicólogos que determinam quem são os indivíduos

cadastrados que estão aptos ou não, adotáveis ou não, incluídos ou excluídos.

Estas informações auxiliam a tomada de decisão do juiz da vara da infância e da

adolescência.

Quando o racismo está presente na sociedade, a cor passa a ser um

elemento principal na constituição de estereótipos, pois o preconceito inferioriza a

imagem do negro em relação às outras raças, principalmente à raça definida como

branca. Quando analisada a preferência dos adotantes, o quesito cor/raça

geralmente deixa o negro em condições desfavoráveis em relação a outras etnias no

processo de adoção, sendo o negro o preterido pela maioria dos cadastrados.

Infelizmente, esta realidade é percebida na sociedade brasileira como um

todo e se reproduz de maneira bem mais marcante no Nordeste e notadamente em

Fortaleza. No próximo capítulo serão apresentados dados referentes a esta

realidade.

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52

CAPÍTULO 4 – ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS EM FORTALEZA: ANÁLISE E

DISCUSSÃO DA PROBLEMÁTICA

Dependendo das características raciais de uma criança ou adolescente é

possível observar que sua permanência em instituições de acolhimento prolonga-se

se esta apresentar, ou não, padrões estéticos desejáveis. Deste modo, a etnia pode

influenciar na espera para inclusão em família adotiva, que pode durar meses ou

anos. A hipótese presente neste trabalho é que se crianças negras têm menos

chance de serem adotadas e inseridas em uma família, isso implica que a raça é

determinante para definir o tempo de permanência em abrigos e consequentemente

o futuro das mesmas.

No presente capítulo vamos apresentar informações relevantes sobre

adoção e racismo no Brasil, no Nordeste e em Fortaleza. O objetivo é fazer uma

análise comparativa dos dados sobre adoção entre crianças negras e crianças de

outras etnias e discutir perfis de crianças que são mais solicitados por famílias que

pretendem adoção. Deste modo visamos trazer para o debate político, jurídico e

social a realidade de crianças negras nos abrigos da capital cearense, assunto este

pouco discutido e apresentado na literatura acadêmica.

O arcabouço metodológico que dará suporte a esta investigação iniciou-

se com o levantamento bibliográfico dos trâmites e dificuldades encontrados no

processo de adoção avaliando os avanços e retrocessos da nova legislação já

discutidos nos capítulos anteriores. A segunda etapa da investigação encontra-se

nesse capítulo e se dá mediante levantamento documental junto Setor de Cadastro

de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de

Fortaleza-Ceará no Fórum Clóvis Beviláqua, onde informações sobre famílias que já

finalizaram o processo de adoção e famílias que estão na fila de espera para a

adoção são coletadas e comparadas com os dados do Brasil e o Nordeste e

posterior discussão dos resultados.

Na primeira subseção do capítulo apresentamos dados oficiais do

Conselho Nacional de Justiça sobre adoção de crianças no Brasil e no Nordeste

(BRASIL, 2013), enfatizando a problemática de jovens e adolescentes negros. Na

segunda subseção fazemos uma análise comparativa dos processos de adoção

entre crianças negras e de outras etnias em Fortaleza, discutimos as possíveis

causas da disparidade no processo de escolha por um filho adotivo.

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4.1 Adoção de crianças negras no Brasil e no Nordeste

De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) existem hoje13 no Brasil 40.340 crianças e

adolescentes acolhidos em instituições de acolhimento ou estabelecimentos

sustentados por organizações não governamentais (ONGs), comunidades e

instituições religiosas. Deste total, 5.281 crianças e adolescentes estão aptos à

adoção em todo o território nacional.

Nestas estatísticas, o surpreendente é a informação de que, no mesmo

período, devidamente cadastrados se encontram na fila de adotantes do CNA

28.151 pretendentes. O descompasso observado diz respeito à disparidade entre a

quantidade de indivíduos cadastrados dispostos a encontrar um filho e a quantidade

crianças e adolescentes dispostos à adoção.

Mesmo contra todas as possibilidades matemáticas a favor das crianças e

adolescentes adotáveis, no Brasil a conta não fecha. Segundo Silveira (2005), a

expectativa sobre a criança que os a candidatos pretendem adotar é que estejam

dentro das características que desejam. Os futuros pais adotivos esperam que essas

características correspondam ao que idealizaram, com traços raciais parecidos com

os seus.

Considerando as expectativas dos novos pais, o CNA apresenta em seu

questionário14 uma seção na qual os adotantes candidatos apresentam informações

sobre cor ou raça das crianças pretendidas. Na seção apropriada o candidato

esclarece se aceita adotar crianças ou adolescentes brancos, pretos, pardos,

amarelos, indígenas ou se o pretendente é indiferente à raça ou cor da criança ou do

adolescente que pretende adotar.

A soma dos percentuais para esta característica pode, no entanto,

exceder 100% devido à existência de um campo adicional onde o pretendente

informa se aceita adotar somente crianças ou adolescentes brancos, ou brancos e

negros, ou ainda de todas as raças. Neste sentido, os dados do CNA apresentam a

soma entre os percentuais para todas as raças e os percentuais dos indiferentes à

13

Dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) relativos ao mês de junho de 2012.

14 Em anexo.

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54

cor da pele, visto que esses últimos indivíduos aceitam a adoção da criança ou do

adolescente independentemente de critérios raciais.

A seguir apresentamos os dados do CNA referentes à preferência de raça

ou cor da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do

pretendente no Brasil e no Nordeste. O gráfico 4.1 mostra a disparidade entre o

perfil de criança pretendida e o perfil das crianças aptas a adoção no Brasil.

Gráfico 4.1 - Raça/cor da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do pretendente

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

Neste gráfico é possível perceber uma das principais causas da

incompatibilidade entre demanda e oferta de crianças dispostas à adoção. A

tendência de preferência através da cor dos filhos pode ser observada no país

quando se analisa os dados do cadastro de adoção.

A maioria dos prováveis pais revela o desejo por crianças e adolescentes

brancos (90,9%) e pardos (67,9%), no entanto, a participação de crianças e

adolescentes cadastrados com estas descrições de cor é bem inferior, apresentando

percentuais de 33,1% para brancos e 46,6% para pardos. Deste modo vemos filhos

de cor preta estão classificados na penúltima colocação de preferência sinalizada

pelos pretendentes.

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55

Como visamos compreender a participação de preferência por crianças

negras, ou de cor preta como apresentada na pesquisa do CNJ, observa-se que a

busca por este perfil no Brasil é bem menor (35,7%) quando comparada às “cores”

branca e parda e um pouco menor que à “cor” amarela (37,7%).

Gráfico 4.2 - Raça/cor da criança e do adolescente apto à adoção em relação à preferência do pretendente na região Nordeste

Fonte: Conselho Nacional de Justiça Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias

No Gráfico 4.2 observa-se que a maioria dos pretendentes a adoção no

Nordeste deseja uma criança ou adolescente pardo (85,1%) ou branco (82,6%).

Analisando o estudo do CNJ, vemos que apenas 14,1% e 64,2% de crianças e

adolescentes aptos à adoção correspondem às cores branca e parda

respectivamente. Vemos que para o Nordeste, crianças e adolescentes de cor preta

continuam sendo preteridas em relação a brancas e pardas, seguindo a mesma

tendência apresentada no país.

Com base nos dados acima podemos supor que a nação brasileira trata o

racismo como se não fosse um problema social e econômico, pois o negro tem

sofrido os resultados de uma sociedade excludente, o que gera ainda mais a

desigualdade15. Dificilmente o branco é alvo de preconceito racial porque sempre

representou o bem e as virtudes, enquanto o negro significa o seu oposto, ou seja, o

15

Algo semelhante também pode ser observado com crianças e adolescentes indígenas.

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feio, o mal, os defeitos e o escuro. O preconceito de cor ou de raça tem como alvo

geralmente o preto, o negro, o amarelo, o pardo ou o vermelho de acordo com

Guimarães (2012).

4.2 Análise comparativa dos processos de adoção entre crianças negras e de

outras etnias em Fortaleza

Nosso trabalho se propõe a compreender o processo de adoção da

criança negra em Fortaleza. Neste contexto, iniciamos a investigação neste trabalho

a partir de importantes aspectos históricos e burocráticos ligados ao processo de

adoção no Brasil e os reportamos à realidade da capital cearense. Após

compreendermos como se dá a escolha de um filho adotivo no Brasil e no Nordeste

na seção anterior, apresentamos aqui a realidade da adoção em Fortaleza.

Os dados descritos nesta seção nos ajudarão a analisar especificamente

para a realidade das crianças16 negras já adotadas e das crianças negras inseridas

no cadastro de adoção em Fortaleza desde 2009 até o presente. A tabela 4.1

apresenta dados referentes às adoções de crianças e adolescentes finalizadas em

Fortaleza no período de 2009 a 2013. 2009 inicia a série histórica de dados porque

neste foi o ano de criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Tabela 4.1 – Adoções Finalizadas em Fortaleza no período de 2009 a

201317

Anos Adoções Finalizadas

2009 15

2010 9

2011 23

2012 10

2013 3

Total 60

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza-Ce. Elaboração: a autora

16

As informações referem-se a crianças e adolescentes. 17

Resultado parcial: valores referentes de janeiro a maio de 2013.

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A tabela 4.1 (acima) e o Gráfico 4.3 (abaixo) apresentam o

comportamento do número de adoções na cidade de Fortaleza ao longo dos anos.

Pelo gráfico é possível perceber a tendência de queda no número de adoções a

partir de 2011, ano no qual mais crianças foram adotadas na capital cearense.

Chama a atenção a média de apenas 14 crianças e adolescentes adotados por ano

em Fortaleza18, este fato sinaliza, entre outras coisas, o peso da burocracia no

processo de adoção.

Gráfico 4.3 – Adoções Finalizadas em Fortaleza no período de 2009-2013

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza-Ce. Elaboração: a autora

Para compreender melhor os trâmites do processo de adoção é

importante ter em mente dois conceitos: crianças e adolescentes em fase de

visitação e processos de adoção em andamento. Crianças e adolescentes em fase

de visitação são aqueles que estão sendo visitados pelos pretendentes habilitados e

devidamente vinculados ao cadastro pelo sistema. A fase de visitação ocorre através

do critério cronológico sem qualquer compromisso, pois não há processo de adoção.

Crianças com adoção em processo de andamento são aquelas que os

pretendentes ingressaram com o pedido de adoção e, na maioria das vezes, a

criança ou adolescente já se encontra na guarda provisória do casal. Atualmente em

Fortaleza catorze (14) crianças e adolescentes encontram-se com o processo de

adoção em andamento.

18

Não consideramos o anos de 2013 para o cálculo da média.

0

5

10

15

20

25

2009 2010 2011 2012 2013

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58

Tabela 4.1 – Adoções Finalizadas em Fortaleza no período de 2009 a 2013 por etnia19

Etnia Número de adoções

Percentual de adoções

Negros 3 5%

Outros 57 95%

Total 60 100%

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza-Ce. Elaboração: a autora

Do total de crianças adotadas no período de 2009 a 2013 apenas três (3)

crianças negras foram adotadas em Fortaleza, ou seja, apenas 5% do total.

Analisando a baixa demanda por crianças e adolescentes negros é possível

perceber que a preferência dos pretendentes está relacionada a questões raciais em

Fortaleza. Atualmente apenas uma (1) criança negra encontra-se em fase de

visitação na capital cearense.

Gráfico 4.4 – Percentual de adoções em Fortaleza no período de 2009-2013 por etnia.

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza-Ce. Elaboração: a autora

Os dados fornecidos pelo Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos

do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza reforçam a

19

Analisamos na tabela 4.2 e no gráfico 4.4 apenas nosso objeto de estudo, no caso crianças e adolescentes negros.

5%

95%

Negros outros

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59

hipótese levantada neste trabalho de que o preconceito racial na capital cearense

pode ser um importante elemento subsidiando estes resultados desfavoráveis à

adoção de crianças e adolescentes na capital cearense.

Munanga (2009) compara o preconceito racial a um iceberg, cujas partes

trazem suas manifestações, por isso,

Costumo compará-lo a um iceberg cuja parte visível corresponderia às manifestações do preconceito, tais como as práticas discriminatórias que podemos observar através dos comportamentos sociais e individuais. Práticas essas que podem ser analisadas e explicadas pelas ferramentas teórico-metodológicas das ciências sociais que, geralmente, exploram os aspectos e significados sociológicos, antropológicos e políticos, numa abordagem estrutural e/ou diacrônica. Á parte submersa do iceberg correspondem, metaforicamente, os preconceitos não manifestos, presentes invisivelmente na cabeça dos indivíduos, e as consequências dos efeitos da discriminação na estrutura psíquica das pessoas (MUNANGA, 2009, p. 9).

Munanga (2009) diz que para as vítimas do preconceito e da

discriminação racial merecem a atenção da psicologia, que a vê como a mais

qualificada para analisar os fenômenos subjetivos ligados aos processos do sujeito

negro individual e coletivo nos processos de tratamento da sua autoestima. No que

se trata do plano individual sob o olhar de uma psicologia clínica, no que se refere

ao plano coletivo sob um olhar de uma psicologia social.

De acordo com publicação do CNJ (BRASIL, 2013), as razões que

justificam as escolhas de perfil que os pretendentes definem quanto a crianças ou

adolescentes ao adotar são complexas e multideterminadas. Presumimos a partir

dos dados documentais apresentados neste capítulo que uma das principais razões

para que uma criança ou adolescente de cor negra permaneça institucionalizada,

mas não a única, é o preconceito racial ainda bem evidente na sociedade brasileira.

Na presença de racismo em um sociedade, crianças e adolescentes

vitimadas pelo preconceito perdem suas infâncias à espera de uma família que

esteja disposta a ultrapassar a barreira do preconceito e a oferecer teto, amor,

respeito e segurança ao novo filho(a).

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CONCLUSÃO

O preconceito pode ser percebido em várias nuances: ele pode se dar

através da opinião formada de cada indivíduo, através da atitude em defesa de um

ou mais indivíduos dentro de um grupo ou através da atitude em defesa de um ou

mais indivíduos em relação a outro grupo. O preconceito por opinião formada nasce

da interação entre o indivíduo e o meio, do que aprendeu e percebeu durante a vida.

Preconceitos intra e entre grupos surgem da divergência de opiniões, valores e

experiências entre os integrantes destes.

Mesmo diante de novas informações, a pessoa preconceituosa

permanece com seu ponto de vista, é intransigente e não se permite mudar de ideia.

O preconceito estando interiorizado no ser humano pode se perpetuar em forma de

valor de conduta podendo ser passado de geração em geração.

Ao falarmos de preconceito no Brasil, não podemos deixar de lado o

preconceito racial. Este problema não é novo e infelizmente tem sido vivenciado na

sociedade atual já que tem suas raízes na sociedade colonial. Juntamente com o

preconceito racial, percebemos também a desigualdade, ou seja, percebemos que

há diferença em uma mesma sociedade entre as raças que a compõem, diferenças

essas visíveis também nas condições socioeconômicas.

Desde a colonização brasileira é possível identificar o preconceito racial

como um problema que fazia o homem escravizado ser injustiçado. Não sendo visto

como igual o escravo não tinha seu valor, suas qualidades e habilidades não eram

reconhecidas já que a cor da pele falava mais alto. O homem de pele negra vem

desde muito tempo sofrendo preconceito desvelado nas sociedades capitalistas, o

que o tornava escória da sociedade.

Com base no exposto observamos que o preconceito não é sadio para a

vida em sociedade. Nas sociedades os todos os tipos de preconceito existiram em

algum momento histórico provocando deformidades sociais. Neste trabalho nos

deteremos ao preconceito racial sofrido por uma categoria bem definida de

indivíduos: crianças e adolescentes a espera de adoção em abrigos públicos.

A proposta deste estudo é analisar questões referentes ao processo de

adoção inter-racial no município de Fortaleza. Neste trabalho, procuramos discutir: i)

como se dá o processo de escolha ou exclusão na adoção da criança negra no

município, ii) quais mecanismos potencializam o preconceito, a discriminação étnico-

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racial e a consequente exclusão das crianças negras na maior parte dos processos

de adoção na capital cearense e iii) como o Estado parece interferir na construção

desses critérios.

Compreender a realidade das crianças negras que esperam por adoção

nos abrigos de Fortaleza é relevante, pouco explorado na literatura e justifica a

elaboração deste trabalho, uma vez que suscitar a discussão sobre o fator racial

como impeditivo para a escolha de filhos adotados na capital cearense proporciona

um debate que conjuga diferentes esferas de decisão: a legislação vigente, o poder

público, os futuros pais e o preconceito étnico-racial velado presente na sociedade

brasileira.

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62

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