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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA - CT PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - PEP ANÁLISE ANTROPOTECNOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS NA PRODUÇÃO ARTESANAL: CASO DAS RENDEIRAS DE BILRO DA VILA DE PONTA NEGRA EM NATAL, RN por KLÉBER DA SILVA BARROS DESENHISTA INDUSTRIAL, UFCG, 2004 DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MARÇO, 2009 O autor aqui designado concede ao Programa de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte permissão para reproduzir, distribuir, comunicar ao público, em papel ou meio eletrônico, esta obra, no todo ou em parte, nos termos da Lei. Assinatura do Autor: _____________________________________________ APROVADO POR: ______________________________________________________________ Profa. Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc. – Orientadora, Presidente ______________________________________________________________ Profa. Françoise Dominique Valéry, D. Sc. – Membro Examinador ______________________________________________________________ Prof. Ricardo José Matos de Carvalho , D.Sc. – Membro Examinador Externo

CENTRO DE TECNOLOGIA - CT PROGRAMA DE ......em 2007 e é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia – GREPE/UFRN. Atualmente é professor efetivo do curso de Engenharia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA - CT

PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO - PEP

ANÁLISE ANTROPOTECNOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DE NO VOS PRODUTOS NA PRODUÇÃO ARTESANAL: CASO DAS RENDEIRAS DE BILRO

DA VILA DE PONTA NEGRA EM NATAL, RN

por

KLÉBER DA SILVA BARROS

DESENHISTA INDUSTRIAL, UFCG, 2004

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE COMO PARTE DOS

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE

MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

MARÇO, 2009

O autor aqui designado concede ao Programa de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte permissão para reproduzir, distribuir, comunicar ao público,

em papel ou meio eletrônico, esta obra, no todo ou em parte, nos termos da Lei.

Assinatura do Autor: _____________________________________________ APROVADO POR: ______________________________________________________________ Profa. Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc. – Orientadora, Presidente ______________________________________________________________ Profa. Françoise Dominique Valéry, D. Sc. – Membro Examinador ______________________________________________________________ Prof. Ricardo José Matos de Carvalho , D.Sc. – Membro Examinador Externo

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Curriculum Vitae Resumido

KLÉBER DA SILVA BARROS, 28 anos, formado em Desenho

Industrial pela Universidade Federal de Campina Grande-PB

(UFCG) em 2004, curso o qual foi aluno bolsista do BITEC (Bolsa

de Iniciação Tecnológica) e monitor de disciplina. Foi estagiário

da Multinacional Fábrica de Baterias MOURA, onde desenvolveu

atividades de projeto de produto e pesquisas durante um ano

(2004-2005). Selecionado para o mestrado em Engenharia de

Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) em 2006, como aluno bolsista do CNPq na linha de pesquisa Ergonomia. Durante o

mestrado publicou um resumo expandido em congresso nacional, seis artigos completos em

anais de congressos nacionais, um artigo em periódico nacional, participação em um capítulo

de livro, além de três textos referentes à sua pesquisa publicados em jornais e revistas de

notícias locais. Foi palestrante do I Ciclo de Palestras em Ergonomia (ErgonoDia) da UFRN

em 2007 e é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia – GREPE/UFRN.

Atualmente é professor efetivo do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal

Rural do Semi-Árido – UFERSA, campus de Mossoró-RN.

► CAPÍTULO DE LIVRO PUBLICADO AMATO; RUFINO, S.; GONÇALVES, H.H.A.; RUTKOWSKI, J. ; SALDANHA, M. C. W.; BARROS, Kléber da Silva. Sustentabilidade de empreendimentos econômicos solidários: uma abordagem na Engenharia de Produção. In: Tópicos Emergentes e Desafios Metodológicos em Engenharia de Produção: Casos, Experiências e Proposições. 1 ed. Rio de Janeiro: ABEPRO, 2007, v. 1, p. 1-335. ► ARTIGO PUBLICADO EM PERIÓDICO BARROS, Kléber da Silva, SALDANHA, M. C. W. Aplicação do design e da antropotecnologia como instrumento de desenvolvimento sustentável e inclusão social no sistema produtivo artesanal: desenvolvimento de novos produtos a partir da renda de bilro na Vila de Ponta em Natal - RN. Revista Design em Foco (Salvador). v.IV, p.81-97, 2007.

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► ARTIGOS PUBLICADOS EM ANAIS DE CONGRESSOS BARROS, Kléber da Silva, COSTA, R. F., SALDANHA, M. C. W. Inserção do design na renda de bilro na Vila de Ponta Negra: instrumento de inclusão social, preservação cultural e desenvolvimento sustentável In: II SAPIS - Seminário de Áreas Protegidas e Inclusão Social, 2006, Rio de Janeiro. BARROS, Kléber da Silva; COSTA, Rafaelli Freire; SALDANHA, M. C. W. Análise Antropotecnológica no processo de desenvolvimento de novos produtos: caso das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra-RN. In: XIV SIMPEP - Simpósio de Engenharia de Produção: Gestão de Desempenho em Sistemas Produtivos, 2007, Bauru- SP BARROS, Kléber da Silva, SALDANHA, M.C.W. Engenharia de Produção x Sistema de Produção Artesanal: Desenvolvimento Profissional e Contribuição Social In: Sessões Dirigidas. Encontro Nacional de Engenharia de Produção - ENEGEP, 2007, Foz do Iguaçu - PR. BARROS, Kléber da Silva; COSTA, R. F.; SALDANHA, M. C. W. . Análise antropotecnológica no processo de desenvolvimento de novos produtos: caso das Rendeiras de Bilro da Vila de Ponta Negra em Natal/RN. In: II Simpósio de Engenharia de Produção da Região Nordeste - SEPRONE, 2007, Campina Grande-PB. SALDANHA, M. C. W; JUNIOR, M. M; BARROS, K. S; COSTA, R. F; BEZERRA, I. X. B. A ocorrência de LER/DORT em rendeiras de bilro do núcleo de produção artesanal de ponta negra em Natal-RN: As razões do não adoecer. 13º ANAMT, Vitória-ES, 2007. SALDANHA, M. C. W. ; MARTINS JUNIOR, MOIZES; BARROS, Kléber da Silva; COSTA, R. F.; BEZERRA, I. X. . A ocorrência de ler/dort em rendeiras de bilro do núcleo de produção artesanal de ponta negra em Natal-RN: as razões do não adoecer. In: XXVII Encontro Nacional de Engenharia de Produção ENEGEP, 2007, Foz do Iguaçu-PR. SALDANHA, M. C. W. ; BARROS, Kléber da Silva. Participação do Design na Produção Artesanal: Análise Antropotecnológica do Desenvolvimento de novos produtos com a Renda De Bilro. In: XV Congresso Brasileiro de Ergonomia - ABERGO 2008, Porto Seguro, BA.

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Dedicatória

Dedico este trabalho à Maria das Graças Costa da Silva, “Dona Graça” (in memoriam).

Desde o primeiro encontro da equipe de pesquisadores com as rendeiras da Vila em 2006,

até os últimos dias de sua vida em 2008, “Dona Graça” com sua determinação, garra e

espírito de liderança esteve conosco em todos os momentos e foi sem dúvida umas das

maiores apoiadoras e responsáveis por este trabalho.

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Agradecimentos

A UFRN e ao PEP pela oportunidade de realização do Mestrado.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio

financeiro disponibilizado ao autor deste trabalho.

A Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT/UFRN) e Pró-Reitoria de Pesquisa

(PROPESQ/UFRN) pelo apoio financeiro disponibilizado ao “Projeto Rendeiras da Vila”.

Aos professores do PEP, por todos os ensinamentos.

A minha orientadora Maria Christine, pelos incansáveis incentivos na busca de novas

conquistas.

Aos professores Ricardo Carvalho e Françoise Dominique (membros da banca) pelas

relevantes contribuições na avaliação do trabalho.

Aos amigos do mestrado, membros de Grupo de Estudos e Pesquisa em Ergonomia

(GREPE/UFRN), por todo o apoio.

As queridas rendeiras da Vila de Ponta Negra, em especial a “Vó Maria”, que me tratou

como seu verdadeiro neto e a “Dona Graça” (in memoriam), sempre disposta a enfrentar os

desafios.

Aos queridos primos Zezé e Leene, por me acolherem em sua casa como um filho na difícil

chegada a Natal.

Aos companheiros de residência Adelson e Luciano, como também aos demais amigos do

“prédio”, em especial Náthalee Cavalcanti, não só pela compreensão e apoio, mas

principalmente pelas conversas fúteis e gargalhadas necessárias à vida.

A minha família, em especial aos meus pais Amauri e Fátima, ausentes fisicamente, mas

sempre presentes em todos os momentos.

Por fim, a todos que de alguma forma contribuíram com esse projeto, com essa conquista.

MUITO OBRIGADO !

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“A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo”

(Luís da Câmara Cascudo)

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Resumo da Dissertação apresentada à UFRN/PEP como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências em Engenharia de Produção. ANÁLISE ANTROPOTECNOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO DE NO VOS PRODUTOS NA PRODUÇÃO ARTESANAL: CASO DAS RENDEIRAS DE BILRO DA VILA DE PONTA NEGRA EM NATAL, RN KLÉBER DA SILVA BARROS Orientadora: Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc. Curso: Mestrado em Ciências em Engenharia de Produção Março/2009 RESUMO

O setor de produção artesanal brasileiro tem importante participação na geração de ocupação

e renda de muitas famílias em todos os estados da federação, tendo em cada um, diferentes

tipologias de artesanato. Em Natal, RN, dentre muitas tipologias encontradas, identifica-se a

Renda de Bilro, uma arte introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses e ainda

praticada na Vila de Ponta Negra por antigas rendeiras de bilro da cidade que tentam

preservar a arte e tradição da renda. Esta pesquisa apresenta a análise dos resultados e

repercussões de uma Oficina de Design realizada com um grupo de 19 rendeiras de bilro da

Vila de Ponta Negra, além de expor os motivos pelos quais os ensinamentos repassados na

Oficina não foram incorporados a atividade das artesãs. Para tal, utilizou-se como base teórica

a antropotecnologia e como base metodológica a Análise Ergonômica do Trabalho (AET). A

referida Oficina de Design tinha como objetivo propor um novo conceito de produto e uma

nova alternativa de produção a serem introduzidos à atividade das rendeiras, partindo da

premissa de utilização da renda como detalhe a ser inserido em outros produtos industriais,

como camisetas, bolsas, toalhas, etc, diferenciando-se da produção tradicional realizada pelas

artesãs em que são produzidas blusas, saias, vestidos, tolhas, etc. totalmente em renda.

Avaliações realizadas após a oficina mostraram que nenhuma das artesãs deu continuidade

aos trabalhos de forma espontânea, indicando que ações pontuais – focadas apenas nos

produtos – não geram resultados representativos na produção da renda de bilro, e que o

conhecimento das características pessoais e profissionais das artesãs, organização, ritmo e

carga de trabalho, questões culturais e históricas que permeiam a atividade são primordiais

para o sucesso das transferências de tecnologia, principalmente quando estas transferências

estão relacionadas à produção artesanal, em que o modo de vida e de trabalho dos artesãos é

indissociável.

Palavras-chave: Ergonomia; Antropotecnologia; Design; Produção Artesanal; Rendeiras

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Abstract of Master Thesis presented to UFRN/PEP as fullfilment of requirements to the degree of Master of Science in Production Engineering ANTHROPOTECHNOLOGY ANALYSIS OF DEVELOPMENT OF NEW PRODUCTS IN CRAFT PRODUCTION: CASE OF BOBBIN-LACE CRAFTSWOMEN OF PONTA NEGRA VILLAGE, IN NATAL - RN, BRAZIL KLÉBER DA SILVA BARROS Thesis Supervisor: Maria Christine Werba Saldanha, D.Sc. Program: Master of Science in Production Engineering 2009, March ABSTRACT Brazilian craft production plays an important role in the generation of employment and

income for many families in every state across Brazil. In Natal, Rio Grande do Norte, Brazil,

among many types found, identifies itself with the production of bobbin-lace, still practiced in

Ponta Negra Village for ancient craftswomens of city that try to preserve the art and tradition

of bobbin-lace. This work presents the results of an analysis conducted based in concepts of

anthropotechnology, on the effects of a design workshop held with bobbin-lace craftswomen

in the village of Ponta Negra in July of 2006. The workshop was intended to propose a new

concept of products and a new alternative for production in the activity of the craftswomen,

on the premise that the laces could be used as a detail inserted into other industrial products

such as shirts, bags, towels, etc. Evaluations after the workshop showed that none of the

artisans continued to work, indicating that actions focused solely on products did not generate

representative results in the production of bobbin-lace. Evaluations also indicated that

knowledge about the artisan's personal and professional characteristics, organization, pace,

workload, and cultural and historical issues that permeate the activity are essential to the

success of technology transfer, particularly when the transfer affects the craft production as it

relates to the inseparable aspects of the craftswomen's work and lifestyle.

Key words: Ergonomics; Anthropotechnology; Design; Production Craft; Bobbin-lace

Craftswomen;

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Dissertação de Mestrado | Programa de Engenharia de Produção - PEP/ UFRN Kléber Barros | Março 2009

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Lista de Figuras

Figura 2-1 – Gráfico 1 – Volume de produção x valor cultural ............................................... 23 Figura 2-2 – Rendeira de bilro (Origem na Europa) ................................................................ 26 Figura 2-3 – Mulheres rendeiras (renda de bilro) ..................................................................... 26 Figura 2-4 – Diferentes tipos de bilros ..................................................................................... 26 Figura 2-5 – Papelão picado ..................................................................................................... 27

Figura 2-6 – Papelão com renda ............................................................................................... 27 Figura 2-7 – Renda de bilro (bilros) ......................................................................................... 28 Figura 2-8 – Renda de bilro (alfinetes) ..................................................................................... 28 Figura 2-9 – Modelo de Ação Ergonômica .............................................................................. 30 Figura 2-10 – AET na perspectiva Sociotécnica ...................................................................... 31 Figura 3-11 – Ação Conversacional ......................................................................................... 47 Figura 3-12 – Ação Conversacional ......................................................................................... 47 Figura 4-13 – Praia de Ponta Negra (1960) .............................................................................. 51 Figura 4-14 – Praia de Ponta Negra (2007) .............................................................................. 51 Figura 4-15 – Igreja da Vila de Ponta Negra ............................................................................ 52 Figura 4-16 – Acesso principal à Vila de Ponta Negra ............................................................ 52 Figura 4-17 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 53 Figura 4-18 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 53 Figura 4-19 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 54 Figura 4-20 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” .......................................................... 54 Figura 4-21 – Religiosidade na renda ....................................................................................... 59 Figura 4-22 – Placa de saudação das rendeiras a São João Batista .......................................... 59 Figura 4-23 – Desenho feito à mão .......................................................................................... 64 Figura 4-24 – Renda com seu desenho ..................................................................................... 64 Figura 4-25 – Par de bilros ....................................................................................................... 64

Figura 4-26 – Rendeira enchendo os bilros .............................................................................. 64 Figura 4-27 – Almofada e cavalete........................................................................................... 65 Figura 4-28 – Par de bilros sendo encaixado no alfinete .......................................................... 66 Figura 4-29 – Dois pares de bilro encaixados no alfinete ........................................................ 66 Figura 4-30 – Bilros na almofada ............................................................................................. 66 Figura 4-31 – Rendeiras manipulando os bilros ....................................................................... 66 Figura 4-32 – Rendeira em atividade ....................................................................................... 67 Figura 4-33 – Rendeira em atividade ....................................................................................... 67 Figura 4-34 – Rendeira costurando duas partes de uma camisa ............................................... 67 Figura 4-35 – “Traças” sendo unidas para formação de uma “rosa”........................................ 67

Figura 4-36 – Montagem manual de uma camiseta feminina .................................................. 68

Figura 4-37 – Fluxo de produção de uma camiseta (simplificado) .......................................... 68

Figura 4-38 – Pontos da renda de bilro encontrados na Vila de Ponta Negra .......................... 69

Figura 4-39 – Quadro demonstrativo de algumas tramas de renda produzidas no Núcleo ...... 70

Figura 5-40 – Instrução da demanda (Oficina de Design)........................................................ 79 Figura 5-41 – Esquema multifuncional do dispositivo de construção social da Oficina ......... 84

Figura 5-42 – Esquema de Construção Sóciotécnica da Oficina.............................................. 89

Figura 5-43 – Correspondência entre desenho e renda............................................................. 90 Figura 5-44 – Propostas de produtos com aplicação de renda ................................................. 91

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Figura 5-45 – Propostas de produtos com renda como componente principal ......................... 91

Figura 5-46 – Propostas de desenhos das bandeiras ................................................................. 92 Figura 5-47 – Correspondência entre desenho feito à mão e o no computador ....................... 93

Figura 5-48 – Desenho da Bandeira de Portugal (eliminado) .................................................. 94 Figura 5-49 – Desenho confeccionado após primeira validação e levado para segunda ......... 95

Figura 5-50 – Propostas de desenhos de ícones da cidade do Natal......................................... 96

Figura 5-51 – Propostas de desenhos geométricos e abstratos ................................................. 97 Figura 5-52 – Desenho original (esquerda) e renda alterada (direita) ...................................... 98 Figura 5-53 – Desenho da Bandeira da Noruega ...................................................................... 99 Figura 5-54 – Produção da Bandeira da Noruega – (eliminada) .............................................. 99 Figura 5-55 – Desenhos concebidos durante a oficina ............................................................. 99 Figura 5-56 – ciclo de produção de uma bandeira.................................................................. 100 Figura 5-57 – ciclo de produção de um desenho geométrico ................................................. 100 Figura 5-58 – ciclo de produção de desenho da série “Natal”................................................ 101 Figura 5-59 – ciclo de produção de um caracol...................................................................... 101 Figura 5-60 – Produtos gerados na oficina ............................................................................. 102 Figura 5-61 – Camiseta toda em renda ................................................................................... 103 Figura 5-62 – Aplicação de renda em camiseta de malha ...................................................... 103 Figura 5-63 – Gráfico 2 – Principais motivos da descontinuidade da produção ................... 104

Figura 5-64 – Gráfico 3 – Contribuição do dinheiro da renda no orçamento doméstico ....... 108

Figura 5-65 – Gráfico 4 – Renda financeira das rendeiras ..................................................... 108 Figura 6-66 – 1º desenho da Bandeira do Brasil .................................................................... 112 Figura 6-67 – 2º desenho da Bandeira do Brasil .................................................................... 112 Figura 6-68 – Esquema de produção do novo desenho da Bandeira do Brasil ...................... 114

Figura 6-69 – Comparação entre os desenhos da Bandeira do Brasil .................................... 115

Figura 6-70 – Comparação entre as camisetas com rendas da Bandeira do Brasil. ............... 115

Figura 6-71 – Croqui da estrutura de bambu retangular ......................................................... 116 Figura 6-72 – Croqui da estrutura de bambu triangular ......................................................... 116 Figura 6-73 – Rendeira ensinando o designer/mestrando a rendar ........................................ 117

Figura 6-74 – designer/mestrando rendando .......................................................................... 117 Figura 6-75 – Detalhe da malha ............................................................................................. 118 Figura 6-76 – Simbologias gráficas dos pontos da renda ....................................................... 118 Figura 6-77 – Malha com simbologias inseridas .................................................................... 119 Figura 6-78 – Primeiras propostas de desenhos para tela da luminária ................................. 119

Figura 6-79 – Redesenho das telas da luminária .................................................................... 120 Figura 6-80 – Desenho final da tela da luminária confeccionado em duas partes simétricas 120

Figura 6-81 – Processo de produção da estrutura de bambu .................................................. 121 Figura 6-82 – Estrutura de bambu quadrada .......................................................................... 121 Figura 6-83 – Artesão e rendeira estudando a montagem da luminária ................................. 121

Figura 6-84 – Luminária finalizada (estrutura de bambu + telas de renda) ........................... 122

Figura 6-85 – Detalhe da tela luminária ................................................................................. 124 Figura 6-86 – Luminária com a lâmpada acesa ...................................................................... 124 Figura 6-87 – Luminária com a lâmpada apagada ................................................................. 124 Figura 6-88 – Detalhes da amarração das telas na estrutura de ferro ..................................... 124 Figura 6-89 – Modelo desfilando com peça tradicional ......................................................... 125 Figura 6-90 – Modelo desfilando com “novo” produto ......................................................... 125 Figura 6-91 – Modelo desfilando com uma rendeira ............................................................. 125

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Lista de Tabelas

Tabela 2-1 – Classificação do Artesanato ................................................................................ 22

Tabela 2-2 – Classificação quanto à organização do trabalho artesanal .................................. 23

Tabela 2-3 - Pontos da renda e variações de nomenclatura ...................................................... 27

Tabela 4-4 – Produtos confeccionados no Núcleo. .................................................................. 71

Tabela 4-5 – Quantidade de peças em estoque no Núcleo ....................................................... 73

Tabela 4-6 – Relação entre valor da peça, tempo de produção e valor de hora de trabalho ... 77

Tabela 4-7 – Rotina de trabalho das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra ...................... 60

Tabela 5-8 – Cronologia dos acontecimentos da demanda de trabalho ................................... 80

Tabela 6-9 – Sistematização dos dados da produção da nova Bandeira do Brasil ................. 113

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Sumário

CAPÍTULO 1 | INTRODUÇÃO ......................................................................................... 14

1.1 Objetivos .............................................................................................................................. 16

1.2 Justificativa .......................................................................................................................... 16

1.3 Estrutura do trabalho ........................................................................................................... 18

CAPÍTULO 2 | REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................ 19

2.1 Trabalho e Produção Artesanal............................................................................................ 19

2.2. Classificação e Organização do Trabalho Artesanal .......................................................... 22

2.3 Artesanato das Rendas ......................................................................................................... 24

2.3.1 Renda de Bilro .......................................................................................................... 25

2.4 Ergonomia ........................................................................................................................... 28

2.4.1 Antropotecnologia ..................................................................................................... 32

2.4.2 Ergonomia Participativa e Construção Social ........................................................... 36

2.5 Design .................................................................................................................................. 38

2.5.1 Design e Produção Artesanal .................................................................................... 40

2.6 Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária .......................................................... 42

CAPÍTULO 3 | METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................... 45

3.1. Análise Ergonômica do Trabalho (AET)............................................................................ 45

3.1.1 Análise Global .......................................................................................................... 45

3.1.2 Estudo da população ................................................................................................. 46

3.1.3 Análise da atividade das Rendeiras ........................................................................... 47

3.2 Concepção da Oficina de Design......................................................................................... 48

3.3 Análise dos resultados da oficina ........................................................................................ 49

CAPÍTULO 4 | RENDA DE BILRO NA VILA DE PONTA NEGRA ..................................... 51

4.1 Vila de Ponta Negra ............................................................................................................. 51

4.2 Núcleo de Produção Artesanal “Rendeiras da Vila” ........................................................... 53

4.3 Rendeiras ............................................................................................................................. 56

4.4 Renda de Bilro: processo produtivo .................................................................................... 63

4.5 Renda de Bilro: produto ...................................................................................................... 69

4.6 Renda de Bilro: comercialização ......................................................................................... 74

4.7 Fecho do Capítulo ................................................................................................................ 77

CAPÍTULO 5 | OFICINA DE DESIGN .............................................................................. 78

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5.1 Instrução da Demanda ......................................................................................................... 78

5.1.1 Restrições e Critérios da demanda externa (Oficina de Design) .............................. 80

5.2 Construção Social da Oficina de Design ............................................................................. 82

5.2.1 Esquema de Construção Social ................................................................................. 84

5.3 Construção Sociotécnica da Oficina .................................................................................... 88

5.3.1. Pesquisa Situada – Núcleo de Produção Rendeiras da Vila .................................... 90

5.3.2 Pesquisa Documental ................................................................................................ 90

5.3.3 Criação das primeiras propostas de produtos e desenhos ......................................... 91

5.3.4 Pesquisa de Situação de Referência .......................................................................... 92

5.3.5 Criações de novos desenhos e segunda validação (GA – Rendeiras Líderes) .......... 94

5.3.6 Detalhamento dos Desenhos ..................................................................................... 95

5.3.6.1 Série “Ícones da cidade de Natal” ................................................................ 96

5.3.6.2 Série “Geométricos” ..................................................................................... 96

5.3.7 Realização da Oficina ............................................................................................... 97

5.4 Resultados e avaliações da oficina de Design ................................................................... 102

5.4.1 Considerações da instituição apoiadora acerca da Oficina de Design .................... 109

5.5 Fecho do Capítulo .............................................................................................................. 110

CAPÍTULO 6 | AÇÕES PÓS-OFICINA DE DESIGN ........................................................ 111

6.1 Redesenho da Bandeira do Brasil ...................................................................................... 111

6.2 Projeto de luminária (primeira versão) .............................................................................. 116

6.2.1 Desenho da renda luminária .................................................................................... 117

6.2.2 Projeto da luminária (primeira versão) ................................................................... 121

6.3 Projeto de luminária (segunda versão) .............................................................................. 123

6.4 Exposição do Projeto “Rendeiras da Vila” ........................................................................ 124

6.5 Fecho do Capítulo .............................................................................................................. 125

CAPÍTULO 7 | ANÁLISE DOS RESULTADOS DA OFICINA DE DESIGN ........................ 127

7.1 Análises e discussões sobre a Oficina de Design .............................................................. 127

7.2 Análises e Discussões acerca das ações pós-oficina ......................................................... 137

CAPÍTULO 8 | CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 140

8.1 Conclusões ......................................................................................................................... 140

8.2 Limitações do trabalho ...................................................................................................... 141

8.3 Sugestões de trabalhos futuros .......................................................................................... 142

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 143

ANEXOS ......................................................................................................................... 151

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Capítulo 1 | Introdução

A transformação de uma matéria-prima a partir de processos criativos em

produtos de uso foi o principal indício da atividade artesanal, como afirma Rugiu (1998),

quando menciona que o artesanato está presente no cotidiano do homem desde os povos mais

primitivos. Adveio das necessidades do indivíduo de se alimentar, de se proteger e de se

expressar. Foi, sem dúvida, um processo empírico de desenvolvimento operacional e do

estabelecimento de ocupações mais específicas na formação social, dando origem ao trabalho

artesanal e aos artesãos de vários gêneros.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura –

UNESCO – se refere ao artesanato como um tipo de manifestação popular que é renovada a

cada geração de artesãos, conservando a herança cultural e refletindo a criatividade, cultura e

o patrimônio de uma nação. Os produtos do artesanato, desenhados com propósitos utilitários

ou artísticos, representam uma valiosa forma de expressão cultural e um "capital" de

autoconfiança que são especialmente importantes nos países em desenvolvimento, como o

Brasil (UNESCO, 2007).

Para o SEBRAE (2004), entre as cadeias produtivas no Brasil, o artesanato tem

elevado potencial de ocupação e geração de renda em todos os estados, posicionando-se como

um dos eixos estratégicos de valorização e desenvolvimento dos territórios, possuindo, em

cada localidade, diferentes tipos de produtos, feitos a partir da matéria-prima que cada região

oferece.

Segundo Barroso (1999), o setor de produção artesanal é para muitos políticos

uma opção estratégica para reduzir a pressão social causada pelo desemprego. Diante desse

quadro, esse setor tem-se transformado em alvo de intervenções cada vez mais freqüentes e

sistemáticas. Essas intervenções são promovidas por diversos organismos da esfera pública e

privada, cujas principais motivações e justificativas referem-se à necessidade de integrar à

vida econômica do país uma atividade que, durante muito tempo, foi marginalizada e tratada

apenas dentro da ótica da assistência social.

Na esfera pública nacional, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior, através do Programa do Artesanato Brasileiro – PAB –, criado em 1995,

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tem procurado gerar oportunidades de trabalho e de renda, bem como estimular o

aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à

formação de uma mentalidade empreendedora nos artesãos (BRASIL, 2007).

De modo paralelo, surgem, regional ou localmente, projetos de apoio e fomento

ao artesanato, advindos de diferentes grupos e entidades privadas, governamentais ou não-

governamentais, que são apoiados pelo PAB e procuram corroborar com os mesmo objetivos

deste programa. No estado do Rio Grande do Norte, destaca-se o Programa Estadual de

Artesanato – PROART –, criado em 2003 com o objetivo de promover o desenvolvimento das

atividades do artesanato potiguar nas diversas tipologias artesanais encontradas no estado.

Para fins desta pesquisa, destacamos a produção da Renda de Bilro, ainda

encontrada em algumas cidades litorâneas brasileiras. No Rio Grande do Norte, ainda é

possível encontrar esse tipo de artesanato nas cidades de Natal, Parnamirim e Nísia Floresta.

Esta pesquisa foi realizada no Núcleo de Produção Artesanal Rendeiras da Vila, situado na

turística Vila de Ponta Negra, anexa à praia de mesmo nome, em Natal-RN.

Identificamos que algumas ações pontuais de incentivo à produção e à

comercialização, a exemplo de convites para exposição e comercialização em eventos e feiras,

fornecimento de embalagens, etiquetas, entre outras, já foram promovidas no Núcleo de

Produção Artesnal “Rendeiras da Vila” por entidades públicas e privadas; entretanto,

nenhuma provocou mudanças significativas para as artesãs e para o Núcleo. Dentre essas

ações, destaca-se a realização de uma Oficina de Design, ocorrida em Julho de 2006, com

dezenove rendeiras da Vila de Ponta Negra; essa oficina contou com a participação do autor

desta pesquisa – o qual foi seu instrutor –, adotando regras definidas pela instituição

financiadora.

Diante disso, as principais questões desta pesquisa são:

a) Quais foram os resultados efetivos da Oficina de Design para as rendeiras e

para o Núcleo de Produção?

b) Por que os ensinamentos repassados na Oficina de Design não foram

absorvidos e continuados pelas rendeiras?

Como arcabouço teórico para subsidiar as análises da pesquisa, bem como as

respostas a essas questões, serão utilizados os estudos da Antropotecnologia (WISNER, 1999)

– campo de estudo da Ergonomia que estuda as transferências de tecnologias e defende que

toda tecnologia ou conhecimentos que sejam transferidos a uma população de trabalhadores

devem ser adaptados a essa comunidade em diversos aspectos, quais sejam, socioeconômicos,

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socioculturais, antropológicos, geográficos, demográficos, condições de trabalho, dentre

outros.

1.1 Objetivos

O objetivo central deste trabalho é analisar, à luz da Antropotecnologia, os

motivos pelos quais os ensinamentos repassados através de uma Oficina de Design realizada

com um grupo de 19 Rendeiras de Bilro da Vila de Ponta Negra, em Natal-RN, não foram

absorvidos e bem aceitos pelo grupo de artesãs.

Como objetivos específicos, apresentamos:

a) caracterizar a atividade da renda de bilro na Vila de Ponta Negra;

b) compreender a organização do trabalho e a produção da renda no Núcleo de

Produção Artesanal Rendeiras da Vila;

c) Descrever a Oficina de Design;

d) compreender as razões pelas quais essa oficina não surtiu resultados efetivos

para as rendeiras;

e) identificar quais os fatores antropotecnológicos que possivelmente

influenciaram o insucesso da ação;

1.2 Justificativa

Segundo o Programa do Artesanato Brasileiro – PAB –, o Brasil tem hoje 8,5

milhões de artesãos, e o faturamento anual do setor é de cerca de R$ 30 bilhões, sendo o

artesanato nacional um setor da economia cujo crescimento possui alto potencial de geração

de trabalho e de renda de modo mais descentralizado (BRASIL, 2007).

Dados publicados pela Secretaria Estadual de Trabalho e Bem Estar Social e

Programa Estadual de Artesanato – STBS/PROART (SINE/RN, 2007) – mostram que, nas

décadas de 80/90, cerca de 65.000 pessoas praticavam atividades artesanais no Rio Grande do

Norte, encontrando nelas sua subsistência. Entre os anos de 2000 e 2004, esses números

diminuíram para cerca de 40.000 pessoas, segundo informação da Secretaria de Estado do

Trabalho, da Habitação e da Assistência Social e do Programa de Artesanato do Rio Grande

do Norte (SEJUC, 2007).

Embora o PROART não apresente dados estatísticos atuais sobre o cenário do

artesanato no estado do Rio Grande do Norte, constatamos, através dos dados disponíveis, que

até o ano de 2004, 38 % das famílias (25.000 famílias) que praticavam e sobreviviam do

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artesanato no Rio Grande do Norte abandonaram o ofício. As rendeiras da Vila de Ponta

Negra estão inclusas nessa realidade.

Mediante a análise quantitativa dos dados, observamos que o número de mulheres

que praticavam a arte da renda na Vila tem diminuído com o passar dos anos, e o Núcleo de

Produção Artesanal, local de estudo desta pesquisa, reflete esse contexto. Foi constatado que

nove, ou seja, 64% das quatorze artesãs que freqüentavam o lugar na sua fundação em 1999

deixaram de freqüentá-lo e passaram a rendar de forma esporádica e sem assiduidade,

restando atualmente apenas 5 que rendam de forma efetiva, diariamente no local.

Supõe-se que essa diminuição no número de rendeiras na Vila e no Núcleo esteja

relacionada a vários fatores, a saber: a renda é uma atividade realizada predominantemente

por pessoas idosas; o desinteresse das novas gerações em aprender e praticar o ofício; o

retorno financeiro da produção é muito baixo, e o tempo de produção das peças (muito

elevado); a comercialização é insuficiente para manutenção do trabalho e garantia de sustento.

(SALDANHA et al, 2007).

Somada a esses problemas está a escassez de políticas – públicas e privadas –

capazes de proporcionar apoio mais efetivo à produção artesanal do Núcleo. Durante os 10

anos de existência do Núcleo de Produção, nenhuma ação governamental ou de instituição

privada gerou resultados positivos e duradouros para as rendeiras. Problemas críticos relativos

à comercialização e divulgação, por exemplo, mantêm-se ao longo dos anos, e o que

observamos, de fato, são queixas das artesãs e um sentimento de descrença e desconfiança

quanto a toda ação advinda de entidades externas.

Esse trabalho se propõe analisar, criticamente, uma dessas ações (intervenção de

Design) realizada junto às rendeiras, promovida por uma instituição privada de fomento ao

turismo na região Nordeste.

Do ponto de vista prático, esta pesquisa se justifica por demonstrar que o

insucesso de muitas intervenções no setor artesanal pode estar relacionado à desconsideração

de alguns aspectos antropotecnológicos da comunidade receptora da tecnologia.

No que concerne à perspectiva teórica, esta pesquisa se justifica por ressaltar a

importância dos estudos da Ergonomia, Engenharia de Produção e Design no setor artesanal,

importante colaborador na economia do país, bem como por, principalmente, utilizar os

conceitos da Antropotecnologia numa análise do setor artesanal, vez que esses estudos estão

muito freqüentemente voltados para o setor industrial.

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1.3 Estrutura do trabalho

O trabalho foi organizado de maneira a conduzir o leitor a um entendimento

seqüencial lógico da pesquisa, a fim de situá-lo no embasamento teórico e no estudo de caso

apresentado.

O próximo capítulo – Referencial Teórico – é dedicado à exposição do referencial

teórico utilizado para nortear e delimitar a pesquisa, de forma a promover um conhecimento

mais aprofundado de temas como a Produção Artesanal e a Antropotecnologia, fundamentos

das análises deste trabalho.

O capítulo 3 – Metodologia da Pesquisa – apresenta os procedimentos

metodológicos utilizados na pesquisa, mostrando a classificação, abordagem e universo desta,

além das estratégias para coleta, tabulação e tratamento dos dados.

O quarto capítulo – Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra – descreve

detalhadamente o local de realização da pesquisa e as atividades desenvolvidas pelas

rendeiras, demonstrando as características da produção de renda e das artesãs envolvidas.

No capítulo 5 – Oficina de Design –, demonstra-se como se deram a motivação,

identificação e instrução da demanda, além de detalhar a construção sociotécnica da oficina e

os resultados obtidos com a ação.

O capítulo 6 – Ações Pós-oficina – é dedicado à exposição das ações realizadas

pela equipe de pesquisadores após a execução da oficina. O sétimo capítulo – Análises dos

Resultados – mostra uma análise crítica e uma discussão construtiva, fundamentadas nos

conceitos da Antropotecnologia, acerca dos resultados da oficina e das demais atividades

realizadas junto ao Núcleo de Produção, levantando hipóteses e propondo sugestões.

No capítulo 8 – Considerações Finais –, são apresentadas as conclusões do

projeto, as limitações do trabalho e as perguntas abertas para discussão; por fim, são dispostas

as Referências Bibliográficas e os Anexos do trabalho.

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Capítulo 2 | Referencial Teórico

Este capítulo apresenta o conteúdo teórico da pesquisa, o qual é o elemento

norteador dos estudos, análises e resultados apresentados. Serão apresentados aqui tópicos

relativos ao Trabalho e Produção Artesanal, Artesanato das Rendas, Renda de Bilro,

Ergonomia, Antropotecnologia, Ergonomia Participativa, Construção Social, Design, Design

na Produção Artesanal e Economia Solidária.

2.1 Trabalho e Produção Artesanal

González (2006), em seu livro Arte y Cultura Popular, refere-se à origem do

trabalho artesanal da seguinte forma:

Un buen número de antropólogos contemporáneos han sustituído el tradicional término “sapiens” por “habilis” para establecer la diferencia fundamental entre el ser humano y los demás integrantes del reino animal. Podemos hablar de hombres cuando en algún lugar de la tierra, posiblemente en el Africa – de acuerdo con la información que hoy poseemos – algún antropoide modificó um elemento de la naturaleza (un pedazo de madera, hueso o piedra) y con este objeto, guiado por sus manos y elevado a categoría de herramienta, modificó la realidad circundante para lograr ciertos objetivos.1

Segundo Azevedo (1998), antes da industrialização, apenas o trabalho artesanal

supria as necessidades das comunidades rurais e, embora de algumas décadas para cá

materiais novos tenham invadido o cotidiano dos artesãos, estes não perderam, pelo menos

irremediavelmente, esses saberes ancestrais.

Os recursos naturais transformados em artefatos pelas mãos de habilidosas

pessoas são fruto de um trabalho constituído por características próprias que parecem não

mudar significativamente ao longo dos anos, como mostra Mills (1951), quando elenca seis

das características principais do trabalho artesanal:

1 Um bom número de antropólogos contemporâneos tem substituído o tradicional termo “sapiens” por “habilis” para estabelecer a diferença fundamental entre o ser humano e os demais integrantes do reino animal. Podemos falar de homens quando em algum lugar da terra, possivelmente na África – de acordo com informações que possuímos – algum antropóide modificou um elemento da natureza (um pedaço de madeira, osso ou pedra) e com esse objeto, guiado por suas mãos transformado em ferramentas, modificou a realidade local para conseguir certos objetivos.

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1) há uma preocupação suprema com a qualidade do produto e a arte de fazê-lo, além de existir uma relação interna entre o artesão e os produtos que ele faz, desde o projeto até sua finalização, que ultrapassa a mera relação legal de propriedade e torna espontânea e entusiástica a sua vontade de trabalhar; 2) o que é realmente necessário num trabalho artesanal é que o vínculo entre o produtor e o produto seja psicologicamente possível; mesmo que o produtor não seja legalmente proprietário, deve possuir o produto psicologicamente, no sentido de que conhece o que este inclui de habilidade, labor e matéria-prima; 3) o trabalhador é livre para começar o trabalho de acordo com seus planos e, durante a atividade, tem liberdade para modificar sua forma e técnica de criação. O artesão é o dono de sua atividade e de si mesmo. Ele é responsável pelo produto final e livre para assumir essa responsabilidade. Ele próprio deve resolver seus problemas e dificuldades em relação à forma final que deseja atingir. Se em algumas fases o trabalho é penoso, mecânico e monótono, o artesão supera esses obstáculos pela satisfação antecipada com o produto final; 4) o trabalho do artesão é um meio de desenvolver sua habilidade e, ao mesmo tempo, um meio de desenvolver a si próprio como homem. O auto-aperfeiçoamento não é um objetivo ulterior, mas é o resultado cumulativo da dedicação à sua arte e do exercício dela; 5) no padrão artesanal, não há separação alguma entre trabalho e divertimento, entre trabalho e cultura. O divertimento é uma atividade agradável, mas se o trabalho é também uma ocupação agradável, é igualmente um divertimento, embora sério, como brincar é uma coisa séria para as crianças; 6) o trabalho do artesão é a base de sua vida; ele não procura no lazer a evasão para um domínio separado do trabalho; traz para seus momentos de descanso os valores e as qualidades desenvolvidos e empregados nas horas de trabalho. O “trabalho” e a “cultura” não são domínios separados. A criação artesanal é o instrumento da cultura e para o artesão não há nenhuma descontinuidade entre o mundo da cultura e o do trabalho.

Complementando essas características, destacamos também o completo domínio

do artesão sobre o produto e processo. Ele define o que e como fazer, a hora de iniciar e de

parar, o ritmo de trabalho, as pausas, as matérias-primas, a forma do produto, etc. Além disso,

possui domínio total sobre o processo criativo, podendo, com isso, criar seus próprios moldes

e padrões de produção (LIMA E GOMES, 1989).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura –

UNESCO (2007) define produtos artesanais da seguinte forma:

Artisanal products are those produced by artisans, either completely by hand, or with the help of hand tools or even mechanical means, as long as the direct manual contribution of the artisan remains the most substantial component of the finished product. The special nature of artisanal products

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derives from their distinctive features, which can be utilitarian, aesthetic, artistic, creative, culturally attached, decorative, functional, traditional, religiously and socially symbolic and significant 2.

O Conselho Mundial do Artesanato define como artesanato toda atividade

produtiva que resulte em objetos e artefatos acabados, feitos manualmente ou com a utilização

de meios tradicionais, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade. O artesanato

tradicional é, portanto, o conjunto de artefatos expressivos da cultura de um determinado

grupo, representativo de suas tradições e incorporado à sua vida cotidiana (SEBRAE, 2004).

Lima (2005, p. 14) afirma que, no mundo contemporâneo, existe uma enorme

gama de objetos que podem ser classificados como artesanato; no entanto, ressalta duas

condições importantes para essa classificação: primeiro, o fato de a produção ser

essencialmente manual; segundo, a liberdade do artesão para definir o ritmo da produção, a

matéria-prima, a tecnologia que irá empregar e a forma que pretende dar ao objeto, produto de

sua criação, de seu saber, de sua cultura.

Sobre o artesanato tradicional, Lima (op. cit.) ressalta que este tem como destaque

seu valor cultural, valor este que, em certos momentos, torna-se vantagem e em outros,

desvantagem, uma vez que vai exigir uma sensibilidade singular para lidar com essa produção

sem ferir valores, códigos de comportamento, saberes, etc., que detém o portador desse saber

– no caso, o artesão.

Leite (2005), por sua vez, conceitua artesanato tradicional numa perspectiva social

e antropológica ao relacionar o produtor e seu produto:

Chamamos aqui de artesanato tradicional aquele cuja inserção social no contexto de sua produção se reflete no modo de vida de quem o produz. Todo artesanato tem valor cultural, mas apenas alguns guardam a memória de saberes tradicionais que se perpetuam e se renovam na arte de fazer. Esses saberes condensam experiências coletivas e demarcam formas de transmissão do conhecimento técnico e estético. Desse modo, pensar o artesanato a partir da sua inserção social nos modos de vida de quem o produz implica considerá-lo produto e processo. Essa dupla caracterização nos indica que devemos pensar o produto artesanal não apenas em sua forma final, mas igualmente como um processo que ultrapassa a mera produção de mercadorias. Esse processo artesanal tem, no âmbito das relações entre produto e produtor, uma dimensão social (que se reflete nos modos de vida de quem os produz); uma dimensão pedagógica (que se materializa nos saberes que se difundem e no conhecimento integral do saber-fazer); uma dimensão simbólica (que se externaliza no produto como bem cultural); uma

2 Produtos artesanais são aqueles produzidos por artesãos, feitos completamente à mão, ou com a ajuda de ferramentas manuais ou de meios mecânicos uniformes, contanto que a contribuição manual direta do artesão seja o componente mais substancial do produto. A natureza essencial dos produtos artesanais está nas suas características distintas, que podem ser utilitárias, artísticas, criativas, funcionais, tradicionais, socialmente simbólicas e significativas, somados à cultura e religiosidade.

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dimensão econômica (que se concretiza nas trocas, quando o artesanato é alçado à categoria de mercadoria). São os saberes compartilhados que se ajustam no cotidiano e nos costumes, que se traduzem na preservação inovadora das técnicas e estéticas artesanais.

2.2. Classificação e Organização do Trabalho Artesanal

As classificações apresentadas a seguir são definidas pelo Conselho Mundial do

Artesanato e, no Brasil, são apresentadas pelo Programa SEBRAE de Artesanato, através do

Termo de Referência (2004) dessa instituição.

Tabela 2-1 – Classificação do Artesanato Fonte: SEBRAE (2004)

Arte Popular

Conjunto de atividades poéticas, musicais, plásticas e expressivas que configuram o modo de ser e de viver próprios do povo de um lugar. Objetos únicos originários de criação individual e fruto da experiência do olhar atento de um indivíduo.

Artesanato Conceitual

Contemporâneo

Objetos produzidos por pessoas com alguma formação artística, resultante de um projeto deliberado de afirmação de um estilo de vida ou afinidade cultural. A inovação é o elemento principal que distingue esse artesanato das demais categorias. Por detrás desses produtos, existe sempre uma proposta, uma afirmação sobre estilo de vida e valores, muitas vezes ligados ao movimento ecológico e naturalista.

Artesanato de Referência Cultural

Caracterizado pela incorporação de elementos próprios da região onde são produzidos. Resultam de uma intervenção planejada de artistas e designers em parceria com artesãos, com o objetivo de diversificar produtos e, ao mesmo tempo, resgatar ou preservar seus traços culturais representativos.

Artesanato Indígena

Objetos produzidos no seio de uma comunidade indígena por seus próprios membros. Resultam, em sua maioria, de uma produção coletiva, incorporada ao cotidiano da vida de diversas etnias, prescindindo da figura do artista ou do autor.

Artesanato Tradicional

Conjunto de artefatos expressivos da cultura de um determinado grupo, representativo de suas tradições e incorporados à sua vida cotidiana. Sua produção é, em geral, de origem familiar ou de pequenos grupos que vivem em um mesmo território, o que favorece a transferência de conhecimentos sobre técnicas, processos e desenhos originais. Sua importância e seu valor cultural decorrem do fato de ser depositário de um passado, de acompanhar histórias e tradições transmitidas de geração em geração, de fazer parte integrante e indissociável dos usos e costumes de um determinado grupo.

Produtos Semi-industriais e

industrializados

Produtos feitos em grande escala, em série, com utilização de moldes e formas, máquinas e equipamentos de reprodução, com pessoas envolvidas e conhecedoras apenas de partes do processo.

Trabalho Manual

Trabalhos que exigem destreza e habilidade, porém utilizam moldes e padrões pré-definidos e muitas vezes desvinculados da cultura de um lugar. Os objetos não resultam de um processo criativo efetivo, mas da reprodução e cópia de padrões de uso universal.

Essas categorias são avaliadas quanto ao valor cultural e ao volume de produção,

como demonstra a figura 2-1 (Gráfico 1).

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Quanto à organização do trabalho artesanal, a definição se dá da seguinte maneira:

Tabela 2-2 – Classificação quanto à organização do trabalho artesanal Fonte: SEBRAE (2004)

Núcleo de Produção Familiar

A força de trabalho é constituída por membros de uma mesma família, alguns com dedicação integral e outros com dedicação parcial ou esporádica. A direção das atividades é exercida pelo pai ou pela mãe (dependendo do tipo de artesanato que se produza), que organizam o trabalho de filhos, sobrinhos e outros parentes.

Grupo de Produção Artesanal

Agrupamentos de artesãos atuando no mesmo segmento artesanal ou em segmentos diversos, e que se valem de acordos informais, tais como: aquisição de matéria-prima e/ou de estratégias promocionais conjuntas e produção coletiva.

Empresa Artesanal

São núcleos de produção que evoluíram para a forma de micro ou pequenas empresas, com personalidade jurídica, regida por um contrato social. Como quaisquer empresas privadas, buscam vantagens comerciais para continuar a existir. Empregam artesãos e aprendizes encarregados da produção, remunerados, em geral, com um salário fixo ou uma pequena comissão sobre as unidades vendidas.

Associação

Uma associação é uma instituição de direito privado sem fins lucrativos, constituída com o objetivo de defender e zelar pelos interesses de seus associados. São regidas também por estatutos sociais, com uma diretoria eleita em assembléia para períodos regulares.

Cooperativa

As cooperativas são associações de pessoas de número variável (não inferior a 20 participantes) que se unem para alcançar benefícios comuns, em geral, para organizar e normalizar atividades de interesse comum. O objetivo essencial de uma cooperativa na área do artesanato é a busca de uma maior eficiência na produção com ganho de qualidade e de competitividade.

Figura 2-1 – Gráfico 1 – Volume de produção x valor cultural Fonte: SEBRAE (2004)

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A produção artesanal da renda de bilro analisada neste trabalho pode ser

classificada como artesanato tradicional, visto que possui um alto valor cultural e mediano

volume de produção. O modo de organização do trabalho se classifica como grupo de

produção artesanal, principalmente pelo fato de as artesãs trabalharem unidas e serem regidas

por acordos informais firmados entre elas próprias.

2.3 Artesanato das Rendas

Historicamente, é difícil precisar como a arte da renda surgiu e foi disseminada

por gerações até os dias atuais. No entanto, narrações históricas e lendárias apontam para o

surgimento dessa arte a partir da seguinte estória:

Todos os dias, à beira da praia, uma bela moça esperava ansiosa por um jovem pescador voltar do mar. Este jovem era o seu grande amor. E para que o longo tempo de espera passasse mais rápido, a jovem se distraía confeccionando as redes que o rapaz usava em seu trabalho. Um dia, repentinamente, o jovem foi convocado pelo exército de seu país, e, portanto, teria que se afastar do seu amor por um grande período. E pior, faria isso sem a certeza de voltar para ela um dia. Essa notícia deixou a moça inconsolável e para aliviar um pouco a dor de sua amada, o pescador quis dar-lhe um presente. Acreditava que, com isso, conseguiria manter-se vivo na lembrança da moça. Então o pescador pegou seu barco e rumou para o alto mar e, chegando em águas profundas, mergulhou e voltou com a mais bela alga em suas mãos. De volta a terra, entregou a lembrança à sua amada e partiu. Mas a alga, sendo frágil e delicada, tinha vida efêmera e, dia após dia, ia se decompondo, desaparecendo. A moça sentiu medo de perder a única matéria tangível de seu amor e, para eternizar sua lembrança, teve a idéia de reproduzir a alga com as linhas e agulhas que usava para confeccionar as redes de pesca de seu amado. Com suas mãos habilidosas, ponto a ponto, a alga foi sendo tecida e seu amor se tornando mais forte. Com o fim de seu trabalho, o milagre aconteceu, a alga tecida estava imortalizada e, assim, a primeira renda acabara de nascer no mundo (NÓBREGA, 2005, p. 23).

Muitas escolas da Bélgica, França e Itália ensinavam rendaria a meninas

pequenas, e a renda feita à mão era procurada pela Igreja, realeza e senhores mais ricos. Na

França, foram abertas escolas de rendaria em Le Puy, Château Lauray e Aleçon. Para

empregar as crianças formadas por essas escolas, foram abertas fábricas espalhadas por toda a

França, o que levou a um florescimento da indústria da renda. Depois da Revolução Francesa

e a queda da aristocracia, a indústria rendeira se desmantelou (DAWSON, 1984).

De acordo com Nóbrega (op cit., p. 25) foi nos séculos XV e XVI que a história

começou a apontar indícios do surgimento da renda como artesanato têxtil nos formatos

atuais. A região de Flandres (Norte da Bélgica) e a Itália reivindicam a paternidade da arte,

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com a região belga intitulando-se a inventora da renda de bilros, e a italiana requerendo a

patente da renda de agulhas.

No Brasil, segundo Dantas (2004), as técnicas e saberes do rendar chegaram

através dos colonizadores portugueses, dos imigrantes europeus que adentraram o país a partir

do século XIX e ainda sob influxos indiretos por meio dos livros provenientes de países cuja

influência se impõe pelo prestígio cultural, como é o caso da França. Diversas denominações

e tipologias de rendas chegaram ao país, cada uma com sua peculiaridade.

Maia (1980) se refere à renda como sendo a obra na qual um fio, conduzido por

uma agulha, ou vários fios trançados por meio de bilros engendram um tecido e produzem

combinações de linhas análogas às que o desenhista obtém com o lápis. Algumas das

denominações das rendas e dos bordados que integram o amplo espectro de expressões do

artesanato brasileiro e, sobretudo, nordestino são as seguintes: Renda de Bilro ou de

Almofada, Renda Irlandesa, Renascença, Filé, Labirinto, Rendendo, Richelieu, Matiz,

Rococó, Ponto cheio, de Cruz ou de Marca (DANTAS, op. cit.).

2.3.1 Renda de Bilro

A renda de bilro (foco de estudo desta pesquisa) tem no Ocidente uma história de

mais de quatro séculos, sendo destacada no Brasil como a renda que logrou maior área de

difusão no passado, tendo-se espalhado pelas diferentes regiões, embora, atualmente, esteja

mais difundida no Nordeste, particularmente no Ceará, onde a tradição é mais forte e remonta

pelo menos ao século XVIII (DANTAS, op cit.).

Segundo Maia (op. cit., p.46), na década de 1970-1980, a renda de bilro era

bastante encontrada no Maranhão (São Luís), Piauí (Parnaíba), Ceará (Fortaleza, Aracati,

Icaraí, Trairi, Acaraú, Aquiraz e Melancia), Rio Grande do Norte (Natal, Nísia Floresta, Ceará

Mirim e Goianinha), Paraíba (Cabedelo, Bayeux, Salgado de São Félix, Serra Redonda,

Massaranduba, Bahia da Traição e Mataraca), Pernambuco (Ilha de Itamaracá), Alagoas (São

Sebastião), Sergipe (Porto das Folhas e Riachão dos Dantas), e em várias cidades da Bahia,

Minas Gerais, Santa Catarina, Rio de Janeiro e pequenas ocorrências ainda em Goiás e Pará.

As figuras 2-2 e 2-3 apresentam imagens de mulheres rendeiras na Europa, berço da arte, de

onde foi difundida para o Brasil.

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A renda de bilro é também chamada de “renda da terra”, “renda de almofada” e

“renda de birro”. Ela se diferencia dos outros tipos de renda principalmente pela utilização

dos bilros, pequenas peças de madeira que auxiliam o trançar dos fios e que dão nome à arte

(MAIA, 1980, p. 24).

Segundo Dawson (1984), no seu livro Renda de Bilros para iniciantes, escrito em

1977, em formato de manual de aprendizagem, são necessários os seguintes instrumentos para

rendar: almofada “chata”; “rolo” ou “honiton”; bilros; moldes (papelão); alfinetes finos e

grossos, além de furador para os moldes.

Para produção da renda, a artesã utiliza como base o molde (papelão picado),

também chamado de “pique”, que é fixado na almofada cilíndrica por meio de alfinetes ou

espinhos de xique-xique, e orienta a produção da renda até que, depois de concluída, torne-se

a representação fiel do desenho. A forma de rendar também se difere em relação à renda de

agulhas, sobretudo nos motivos e desenhos usados (MAIA, op. cit., p.24).

Figura 2-4 – Diferentes tipos de bilros Fotos: Autor desconhecido – Fonte: www.google.com.br

Figura 2-3 – Mulheres rendeiras (renda de bilro) Foto: Autor desconhecido - Fonte: www.google.com.br

Figura 2-2 – Rendeira de bilro (Origem na Europa) Foto: Autor desconhecido - Fonte: www.google.com.br

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Ainda de acordo com Maia (1980), são sete os tipos de pontos realizados no feitio

da renda de bilro no Brasil. Esses pontos recebem diversas nomenclaturas em diferentes

regiões, pois muitas vezes emergem da criatividade de cada artesã, mas não sofrem

modificações na forma de fazer (Tabela 2-3).

Tabela 2-3 - Pontos da renda e variações de nomenclatura Fonte: Maia (op. cit.)

PONTO VARIAÇÕES DE NOMES 1 TRAÇA Nome utilizado em quase todo o Nordeste. O mesmo de palma na Bahia. 2 MEIO TROCADO

Utilizado em todo Nordeste. Corresponde a ponto inteiro em Santa Catarina.

3 FINAGRAN Utilizado em alguns estados do Nordeste e conhecido como perna esquecida, ponto puxado ou alça em Santa Catarina.

4 TIJOLO Utilizado em toda região Nordeste. Corresponde a pastilha em Santa Catarina.

5 PANO Denominação genérica em todas as regiões. 6 COENTRO OU PÉ

DE COELHO Usados no Nordeste e não constatados em Santa Catarina.

7 TRANÇA Usado em todos os estados brasileiros.

Dantas (2004) destaca que no município de Poço Redondo, no sertão sergipano,

rendeiras de bilro octogenárias misturam memórias do trabalho e do antigo comércio das

rendas com as histórias dos cangaceiros que muito freqüentavam a região. Essa associação

fixou-se no imaginário das populações citadinas por meio de músicas atribuídas a Lampião e

divulgadas através de filmes e discos por todo o Brasil. Ainda segundo o autor, as velhas

rendeiras de Poço Redondo acreditam que sua tradição vai se acabar com elas, pois não

conseguem repassar para as jovens a técnica e o gosto pelo trabalho. Já em São Sebastião

Figura 2-5 – Papelão picado Foto: Autor desconhecido

Fonte: www.google.com.br

Papelão picado para orientar a renda

Figura 2-6 – Papelão com renda Foto: Autor desconhecido

Fonte: www.google.com.br

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(AL), as crianças aprendem a rendar com bilros, assegurando a persistência da tradição

secular que enfrenta os desafios colocados pela industrialização e, mais recentemente, pela

globalização.

Atualmente, a renda de bilro ainda é encontrada em várias cidades litorâneas do

Nordeste e do Sul do país; no entanto, segundo Zanella et al (2000, p. 5), com o passar dos

anos, essa atividade artesanal, como não poderia deixar de ser, também foi modificada.

Praticada, em princípio, para produzir peças ornamentais de casas e igrejas, com o decorrer do

tempo e diante das dificuldades econômicas, passou a ser vista como meio para obter

subsídios para complementar o orçamento familiar. A renda de bilro, em certo momento,

ultrapassou o âmbito do folclore e das tradições e integrou o rol das atividades econômicas;

contudo, hoje, parece voltar à sua origem: tradicional e menos comercial.

2.4 Ergonomia

Historicamente, a Ergonomia era praticada por nossos ancestrais empiricamente,

na medida em que estes projetavam e concebiam ferramentas adaptadas às suas mãos e corpos

na busca por uma eficiência nas atividades de caça e de pesca de alimentos (VIDAL, 2002).

Com o passar dos anos, foi sendo difundida cientificamente e, segundo Falzon (2007), após a

Segunda Guerra Mundial, ela passou a ser objeto de estudo de vários profissionais, recebendo

a conceituação de diversos autores. Ainda de acordo com Falzon (op. cit.), as primeiras

definições científicas sobre o que é Ergonomia utilizavam uma fórmula clássica e tratava

apenas de “adaptação do trabalho ao homem”, como demonstra a definição da Société

d’ergonomie de langue française (SELF), de 1970:

Figura 2-7 – Renda de bilro (bilros) Foto: Autor desconhecido

Fonte: www.google.com.br

Figura 2-8 – Renda de bilro (alfinetes) Foto: Autor desconhecido

Fonte: www.google.com.br

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A ergonomia pode ser definida como a adaptação do trabalho ao homem, ou, mais precisamente, como a aplicação de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessária para conceber ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia.

Ainda nessa perspectiva clássica, Iida (2002, p. 1) define:

Ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem, partindo do conhecimento do homem para fazer o projeto do trabalho, ajustando-o às capacidades e limitações humanas, com objetivos práticos de segurança, satisfação e bem-estar dos trabalhadores no seu relacionamento com os sistemas produtivos.

Falzon (2007) destaca a relevância das primeiras definições para a compreensão

da evolução da Ergonomia, mas ressalta a importância de novas definições em que outros

elementos conceituais estejam inseridos. Para ilustrar isso, o autor compara a primeira

definição da International Ergonomics Association – IEA – com a definição usada

atualmente, criada em 2000, após dois anos de discussões internacionais.

Primeira definição da IEA:

A ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios, métodos e ambientes de trabalho. Seu objetivo é elaborar, com a colaboração das diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de conhecimentos que, numa perspectiva de aplicação, deve ter como finalidade uma melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos de produção e dos ambientes de trabalho e de vida (FALZON, op. cit.).

Definição da IEA adotada em 2000 e utilizada até os dias atuais:

A ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica que trata do entendimento das interações entre os humanos e outros elementos de um sistema e a atividade que aplica teorias, princípios, dados e métodos projetuais para melhorar o bem estar-estar humano e o funcionamento completo de um sistema. Os Ergonomistas contribuem para o projeto e avaliação de tarefas, trabalhos, produtos e ambientes para torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas (FALZON, op. cit.).

De acordo com Falzon (op. cit.), a Ergonomia não trata apenas de uma adaptação

física dos objetos cotidianos, como mesas e cadeiras, às pessoas: ela trata do mundo

contemporâneo, incluindo também o conjunto da atividade humana e considerando a

variedade das diferentes dimensões do trabalho. Vidal (2002, p. 14) se refere à Ergonomia da

seguinte forma:

Ergonomia é a ocupação de pessoas qualificadas em grupos de pesquisa e formação que atuam em equipes de projeto e consultoria para responder às demandas acerca da atividade de trabalho e do uso e manuseio de produtos na sociedade mediante metodologias de análise e projeto de base científica, devidamente inserida num universo normativo e contratual.

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A utilização dos conhecimentos de Ergonomia em aplicações práticas é chamada

de Ação Ergonômica, a qual, segundo Vidal (2002), pode ser entendida como um conjunto de

princípios e conceitos eficazes para viabilizar as mudanças necessárias para a adequação do

trabalho às características, habilidades e limitações dos agentes no processo de produção de

bens e serviços, bem como dos produtos e sistemas, à luz dos seguintes critérios: efetividade

(eficiência, qualidade e custo-benefício), conforto (saúde, bem-estar e usabilidade) e

segurança (confiabilidade, usabilidade e prevenção). De acordo com o autor, a ação

ergonômica ocorre numa produtiva tensão entre as referências teóricas de diversas origens

(estado da arte) e as necessidades práticas da ação (aplicação), tendo como objetivo a

produção de respostas às demandas sobre os problemas existentes em um sistema de trabalho,

como ilustra a figura 2-9.

Guérin et al (2001, p. 1) ressaltam que transformar o trabalho é a primeira

finalidade de uma ação ergonômica, visando contribuir para:

a) a concepção de situações de trabalho que preservem a saúde dos

operadores, nas quais estes possam exercer suas competências ao mesmo

tempo num plano individual e coletivo, bem como encontrar

possibilidades de valorização de suas capacidades;

b) alcançar os objetivos econômicos determinados pela empresa, em função

dos investimentos realizados ou futuros.

Na busca pela eficiência nas ações ergonômicas, a Análise Ergonômica do

Trabalho – AET – apresenta-se como o método que assegura a positividade da transformação

por suas características e propriedades de foco, de ordenação e de sistematicidade. Trata-se de

Figura 2-9 – Modelo de Ação Ergonômica Fonte: Vidal (2002)

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um procedimento abrangente e cuidadoso que fornece uma visão muito boa do que acontece

no processo de produção ou no uso e manuseio de produtos e sistemas (VIDAL, 2003).

A Análise Ergonômica do Trabalho configura-se como um método de aplicação

real dos conceitos da Ergonomia nas transformações do trabalho, já que muitas vezes alguns

aspectos desse trabalho não são evidentes, exigindo uma ação mais criteriosa, cuidadosa e

pormenorizada. A AET possibilita análises quantitativas e qualitativas que permitem a

descrição e a interpretação do que acontece na realidade da atividade enfocada, contemplando

inúmeras etapas que, associadas e encadeadas, formam um complexo de ações que fazem

emergir os problemas de forma clara e indicam soluções adequadas a diversas situações

(VIDAL, op. cit.).

Guérin et al (2001, p. 4) consideram que muitas disfunções constatadas na

produção de uma empresa ou de um serviço e numerosas conseqüências para a saúde dos

trabalhadores têm sua origem no desconhecimento do trabalho real. Os autores ainda afirmam

que os resultados da análise ergonômica do trabalho permitem ajudar na concepção de meios

materiais, organizacionais e na formação, de modo que os empregados possam realizar os

objetivos esperados em condições que preservem o estado físico, psíquico e sua vida social.

Trata-se de uma metodologia que mescla informações do campo social e técnico, buscando

solucionar os problemas em diferentes níveis e respeitando as minúcias de cada área de

atuação, como mostra Vidal (op. cit.), através da figura 2-10.

Com relação ao enfoque sociotécnico da Ergonomia, Duarte (1987) esclarece que

este traz a atenção principal para as relações entre o sistema técnico e o sistema social de uma

empresa, ou seja, para o inter-relacionamento entre a base técnica e o conjunto de

trabalhadores que a opera. O autor ainda afirma que os estudos sociotécnicos buscam obter,

através da análise das características desses dois sistemas, a melhor interação e combinação

Figura 2-10 – AET na perspectiva Sociotécnica Fonte: Vidal (2002)

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possível entre eles, sendo necessário, para isso, conhecer as formas de organização do

trabalho.

Dias (2000, p.1) ressalta:

A ergonomia, no seu processo evolutivo enquanto disciplina científica, incorpora atividades de caráter sistêmico e interdisciplinar, pois ao tratar das condições de trabalho humano tem que dar conta das dimensões múltiplas na sua avaliação: a psicológica, a sociológica, a histórica, a cultural, a fisiológica a científica e tecnológica e a política.

A Ergonomia, enquanto disciplina científica que estuda as relações do homem com seu trabalho, fornece conhecimentos imprescindíveis para o melhor entendimento da relação entre as artesãs e sua atividade de trabalho. A Antropotecnologia, por sua vez, ressalta que o trabalhador deve ser agente participativo das transformações no trabalho.

2.4.1 Antropotecnologia

Criada com o intuito de aumentar a abrangência da Ergonomia, e em analogia a

essa mesma disciplina, desenvolveu-se um novo campo de estudo denominado

Antropotecnologia, que pode ser definido como a adaptação da tecnologia a ser transferida a

uma determinada população, considerando a influência de fatores geográficos, econômicos,

sociológicos e antropológicos (SANTOS et al, 1997, p.50). O termo Antropotecnologia foi

cunhado por Alain Wisner, a partir da junção das palavras tecnologia e antropologia, que o

utilizou para designar o emprego simultâneo das ciências naturais e sociais, a fim de conduzir

melhor as transferências de tecnologias nos países em via de desenvolvimento industrial,

estendendo tal transferência aos saberes, know-how e procedimentos científicos e técnicos

(VIDAL, 2003, p. 94).

Segundo Wisner (1999), os estudos da Antropotecnologia se iniciaram a partir das

análises dos sucessos e fracassos das diversas modalidades de transferências de tecnologia no

mundo, em geral de países desenvolvidos para aqueles em via de desenvolvimento. O autor

separa essas transferências em dois modelos.

Transferências sob controle estrangeiro:

Quando é realizada sob completa responsabilidade, financeira, técnica e social de uma empresa estrangeira pertencente a um país desenvolvido industrialmente. Os resultados desta situação nas condições de trabalho variam, dependendo se se trata de uma transferência de refugos, quando há importação de máquinas de um modelo antigo, já usada, às vezes perigosa, com resultados muitas vezes desastrosos, tanto de ponto de vista da saúde dos trabalhadores, quanto da produção, ou quando é feita a transferência total, uma situação oposta à anterior, quando se transfere o que de mais moderno existe, englobando os dispositivos técnicos, as máquinas, os modelos de organização e de formação (WISNER, op. cit.).

Transferência sob controle nacional:

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Quando a compra de equipamentos e importação de tecnologias, sistemas, modelos de organização do trabalho são feitas sob o domínio do país importador e adequadas às suas necessidades, estando a contribuição da antropotecnologia voltada para a busca de respostas positivas para essas adequações (WISNER, 1999).

Esse mesmo autor apresenta duas linhas de trabalho principais como método de

execução das transferências, quais sejam, o estudo prévio das realidades locais e a

participação de ambas as partes (país vendedor, país comprador) no processo.

Quanto ao estudo prévio das condições locais:

Pode ser feita pela documentação, a consulta a especialistas e através de visitas. A visita ao local onde será instalada a futura tecnologia é particularmente necessária, pois podem surgir elementos muito importantes que foram desprezados nas primeiras investigações. O estudo da tecnologia a transferir pode ser feita de acordo com os métodos habituais de análise do trabalho, de entrevista com a gerência e com os trabalhadores, de consulta de documentos, absenteísmo e rotatividade de pessoal, acidentes e incidentes, qualidade de quantidade de produção. (WISNER, op. cit.).

Sobre a participação em cada etapa do projeto, Wisner (op. cit.) esclarece que

“[...] as pessoas envolvidas na transferência, tanto do lado de quem exporta, quanto de quem

recebe a tecnologia, devem estar presentes em todas as etapas de constituição desta

transferência [...]”. O autor divide essas etapas em quatro, a saber:

a) a escolha da tecnologia: “Constitui uma etapa crítica do projeto. Às vezes é

uma escolha escamoteada, pois o comprador quer ver se reproduziu a mesma

tecnologia do exterior ou porque o vendedor só apresenta uma única técnica,

cuja difusão ele quer assegurar”.

b) a escolha do tipo de construção: “Pode gerar problemas graves se não

considerado, na medida em que as condições climáticas são freqüentemente a

causa principal de intolerância dos trabalhadores”.

c) a compra das máquinas: “É um período crítico para a adaptação do trabalho ao

homem. Em muitos casos, se faz necessário requerer modificações

consideráveis, principalmente quando se trata de países em que as dimensões

antropométrica da população são muitos distintas”.

d) a formação de trabalhadores: “Tem um papel fundamental numa população

pouco ou não formada nas tarefas técnicas. A seleção deverá ser feita numa

perspectiva dinâmica para fornecer bons elementos para formar”.

Complementando essas informações, Santos et al (1997, p.50) conceituam as

transferências de tecnologia como “[...] a relação entre aqueles que desenvolvem e/ou detêm a

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tecnologia e aqueles que vão utilizar um conhecimento tecnológico existente onde ele não foi

concebido e/ou executado [...]”. Entretanto, segundo os autores, para que essa passagem de

conhecimentos seja feita com sucesso, faz-se necessária a realização de estudos preliminares

para se conhecer o sistema industrial, cultural, habitacional, demográfico, climático, de

transporte, técnico, socioeconômico, organizacional e dos recursos humanos existentes.

Ainda de acordo com esses autores (op. cit.), numa análise de estudos

antropotecnológicos, deve-se levar em conta:

a) dados socioeconômicos: nível de renda média, tendência evolutiva da renda,

repartição e distribuição de renda, etc.;

b) dados socioculturais e antropológicos: urbanização, instrução, alfabetização,

antigüidade das atividades artesanais, formação étnica da sociedade e seus

costumes;

c) dados geográficos e demográficos: geografia física, topografia, saúde, infra-

estrutura, tecido industrial, transportes, etc.;

d) dados sob condições de trabalho: segurança no trabalho, doenças profissionais,

carga de trabalho físico e mental, emprego, instabilidade, salário, etc.

Wisner (1999) destaca o fato de que, freqüentemente, o que é transferido com as

máquinas é o conhecimento do engenheiro e do técnico – quer dizer, o trabalho prescrito, o

modo como deve ser realizada a atividade – e não o trabalho real – o que é feito realmente

pelo trabalhador –, não reconhecendo a experiência do operário.

Deve-se existir um interesse em estudar a atividade real de trabalho dos operadores, não raro muito diferente da atividade prescrita pela organização. O inventário das diferenças entre atividades reais e atividades prescritas é extremamente útil para descobrir tudo o que é difícil, ou até impossível de realizar no trabalho prescrito ou que foi mal compreendido. Assim, uma das dificuldades da transferência de tecnologia é o mau conhecimento que possuem a empresa vendedora quanto ao modo que o pessoal consegue fazê-lo funcionar eficazmente. A distância entre o trabalho real e o trabalho prescrito é uma fonte grave de enganos entre os trabalhadores e a gerência nas transferências de tecnologias (WISNER, op. cit.).

Segundo Wisner (2003), “[...] o homem, animal social, possui características

fisiológicas e psicológicas que precisam ser melhor conhecidas e modos relacionais que

precisam ser aprofundados antes de qualquer adaptação à uma nova tecnologia [...]”.

O mesmo autor esclarece:

Todo indivíduo chega ao trabalho com seu capital genético, remontando o conjunto de sua história patológica e antes do nascimento, à sua existência in utero, e com as marcas acumuladas das agressões físicas e mentais sofridas na vida. Ele traz também seu modo de vida, seus costumes pessoais e

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étnicos, seus aprendizados. Tudo isso pesa no custo pessoal da situação de trabalho em que é colocado.

E complementa:

O trabalhador não pode somente ser avaliado de forma instantânea, ele deve ser considerado no conjunto de sua vida pessoal e coletiva de tal maneira que suas qualidades possam se exprimir plenamente através do seu saber e do seu trabalho real. (WISNER, 2003).

Wisner (1999) propõe que se deva enxergar o homem além do corpo físico e levar

em consideração as coletividades humanas nas questões sociais, culturais, psicológicas,

econômicas, entre outras, nas suas relações com as pessoas e com seu trabalho. Para isso, faz-

se necessário o conhecimento da Antropologia, ciência que estuda a espécie humana em seus

aspectos biológicos (origem, evolução, características distintivas, distribuição de subgrupos e

variedades) e comportamentais, especialmente os referentes a costumes, técnicas e modos de

vida de grupos e coletividades.

A participação do homem e do caráter pessoal do trabalho na introdução e

implementação de mudanças constitui um dos principais focos de estudo da

Antropotecnologia, que procura realizar essa mudança de maneira eficaz, sendo esta efetiva

quando requisitada, recebida, compreendida, difundida e amplamente aperfeiçoada (SANTOS

et al, 1997). Segundo Wisner (op. cit.), quando essas mudanças não ocorrem segundo os

conceitos descritos e as avaliações prescritas, a transferência de tecnologia pode gerar efeitos

negativos em dois aspectos principais, a produção e a saúde:

No tocante à produção, os problemas referem-se à baixa produtividade, baixa utilização do potencial das máquinas, materiais inadequados e más condições de trabalho, estando o baixo volume de produção ligado a uma taxa insuficiente de engajamento das máquinas e à parada das máquinas relacionadas com várias causas, entre elas: condições climáticas ruins, manutenção insuficiente e não disponibilidade de peças e absenteísmo e rotação do pessoal devido principalmente às condições ruins de trabalho e de vida.

Quanto à saúde do trabalhador, Santos et al (op. cit.) esclarecem que este pode

desenvolver as chamadas “doenças do desenvolvimento”, males diversos provocados pela

inadequação dos sistemas produtivos às realidades humanas.

Finalizando, apresentamos, à guisa de conclusão, as palavras de Dias (2000) e

Wisner (op. cit.) quando se reportam à Antropotecnologia:

Sem levar em conta os aspectos peculiares das regiões onde se vão implantar as novas tecnologias, a tendência é o fracasso total da empreitada, pois em muitos casos a tecnologia que funciona no país ou local de origem pode, simplesmente, não funcionar perfeitamente no local onde está sendo

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implantada, isto provavelmente porque alguns aspectos importantes não foram considerados no planejamento. (DIAS, op. cit.). Como a ergonomia, a antropotecnologia deveria ser uma arte técnica que permita obter resultados econômicos esperados com a transferência de tecnologia, sempre gerindo as condições de trabalho e vida satisfatórias para os trabalhadores. Trata-se de um objetivo modesto, subordinado às decisões políticas nacionais como a situação da economia mundial. Não saberíamos ver como uma nova forma presente de procura da felicidade, mas, simplesmente, da saúde (WISNER, 1999).

O desenvolvimento e implementação de um novo conceito de produto e de uma

nova alternativa de produção para o setor artesanal através da integração de conhecimentos e

técnicas do Design constituem-se num problema que se insere no campo da

Antropotecnologia.

2.4.2 Ergonomia Participativa e Construção Social

“O termo Ergonomia Participativa foi originalmente proposto pelo pesquisador

ANDREW IMADA em 1985 e, desde então, tem se firmado como ‘a nova tecnologia’ para

disseminação da ergonomia” (NORO, 1991 apud MOURA, 2001, grifo do autor). A

abordagem da Ergonomia Participativa propõe a participação dos trabalhadores em todos os

momentos de estudos e/ou intervenções ergonômicas, uma vez que, se as pessoas na

organização participam da tomada de decisão, elas assumem um sentimento de

responsabilidade e comprometimento com a entidade (NAGAMACHI, 1996 apud FISHER

& GUIMARÃES, 2001)

Imada, Noro & Nagamachi (1986, apud HENDRICK & KLEINER, 2006),

referem-se à Ergonomia Participativa como uma das abordagens principais para análise dos

sistemas de trabalho numa ótica macroergonômica, que reconhece o grupo ou equipe e não o

indivíduo como unidade de trabalho, focando a relação humano-organização. Nesse sentido,

Hendrick e Kleiner (op. cit.) esclarecem que a utilização da Ergonomia Participativa na

investigação dos problemas ergonômicos e na busca pelas soluções implica a existência de

uma estrutura organizacional dentro da qual os trabalhadores estejam envolvidos com o

planejamento e controle de suas próprias atividades de trabalho.

A abordagem participativa tem como objetivo principal conceder a oportunidade

de os trabalhadores intervirem sobre as condições de seu trabalho (organização do trabalho,

conteúdo da tarefa, ambiente físico e psicossocial, ferramentas), identificando os problemas,

atuando nas propostas de melhoria e verificando os benefícios da condução da intervenção

(FISHER & GUIMARÃES, op. cit.).

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O processo participativo inclui a declaração de objetivos, tomada de decisões,

solução de problemas, planejamento e condução das mudanças organizacionais. Assim, o

centro das atenções está no homem, prevalecendo a participação do trabalhador, a liberdade

para a criação e a valorização do saber fazer (MOURA, op. cit., p. 36).

Na ergonomia participativa, parte-se do pressuposto de que aqueles que trabalham são as pessoas mais indicadas para informar os problemas que acontecem no dia-a-dia e, igualmente, propor soluções a partir dos recursos próximos que se dispõem. A participação de funcionários de diferentes áreas e níveis hierárquicos dentro da organização em todas as etapas da intervenção facilita a identificação e correção dos problemas, bem como a implementação e otimização do novo sistema (FISHER & GUIMARÃES, 2001).

Cole et al (2005) conceituam Ergonomia Participativa da seguinte maneira:

“Participatory Ergonomics is the envolvement of people in planning and controlling a

significant amount of their own work activities, with sufficient knowledge and Power to

influence both processes and outcomes in order to achieve desirable goals3”.

Para Wilson (1995, p. 37, apud HENDRICK & KLEINER, 2006), “trata-se do

envolvimento das pessoas no planejamento e no controle de uma parcela significante das suas

próprias atividades de trabalho, com conhecimento suficiente e poder para influenciar tanto

processos como resultados para estabelecer as metas desejáveis”.

As soluções advindas de um método participativo têm maior efetividade. As vantagens estão na redução da margem de erro de concepção, maior aceitação de mudanças por parte dos trabalhadores e o gerenciamento de implantação de novas tecnologias, pois não há o papel do consultor que simplesmente diagnostica o problema, prescreve uma solução e, indo embora, carrega consigo todo o saber gerado. Com a participação, o conhecimento fica dentro da organização, qualifica as pessoas (BROWN, NORO e IMADA; HENDRICK e KLEINER, 1997, 1991, 2000 apud CORTEZ, 2004).

Segundo Vidal (2002), a Ergonomia, pela natureza de seus métodos e pela

estrutura de conhecimento que mobiliza, não busca a aplicação de soluções prontas nem

preconiza orientações absolutas, mas sim o desenvolvimento participativo da empresa e o

envolvimento dos trabalhadores nos encaminhamentos das propostas e soluções.

Dentro desse contexto, destacamos a etapa de Construção Social como forte

correlata dos estudos da Ergonomia Participativa, vez que procura constituir uma equipe de

3 Ergonomia Participativa trata do envolvimento das pessoas no planejamento e controle de um montante significativo de sua própria atividade de trabalho, com suficiente conhecimento e poder para influenciar os processos e resultados, a fim de alcançar os objetivos desejáveis.

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pessoas na empresa de diferentes níveis de conhecimento para, de forma cooperada, buscar

investigar os problemas e implementar as devidas soluções. De acordo com Saldanha (2004),

A construção social se trata da constituição de uma equipe que possibilitará a realização de uma intervenção técnica em uma empresa. Esta equipe compreende todas as pessoas que irão compor o quadro nos diversos momentos da intervenção, quer sejam diretamente os responsáveis pela intervenção, pelo suporte técnico e de decisão, quer sejam pessoas que participam do levantamento das informações relativas à atividade, as quais permitem o conhecimento necessário e imprescindível para a construção de uma solução correta em termos antropotecnológicos.

O funcionamento eficaz de uma ação ergonômica requer uma estrutura de ação, de

natureza participativa, técnica e gerencial, sendo fundamental uma interação com os

diferentes níveis operacionais da empresa para que as mudanças necessárias ocorram. Para

tanto, a equipe de ergonomistas e pesquisadores deve se articular com vários grupos, de

natureza e composições distintas, para referenciar-se ao longo da intervenção (VIDAL, 2002).

O trabalho das rendeiras investigadas nesta pesquisa tem forte característica de

cooperação e participação mútuas. O estudo da Ergonomia Participativa mostra a importância

de se preservar essa forte característica do grupo, propondo que a artesã participe

efetivamente das decisões de mudanças.

2.5 Design

O entendimento do que é Design é fundamental para compreender como esse

conhecimento pode contribuir e agregar valor ao sistema de produção artesanal. Pequini

(2005, p. 41) expõe as definições de Tedeschi (1968) e de Maldonado (1977), ambos

conceituando o design, embora com linhas de pensamentos diferentes. Para Tedeschi, “[...] o

design apenas se refere aos produtos tridimensionais ou máquinas, fabricados exclusivamente

por processos modernos de produção para distingui-los dos métodos manuais tradicionais

[...]”. Contrapondo-se a esse conceito, Maldonado esclarece que “[...] existe uma infinidade

de produtos que pertencem a um universo de produção não industrial, mas que utilizam o

projeto, a funcionalidade e estética em seus princípios projetuais e que são produtos do

Design [...]”.

Diante dessa diferença de concepções, Pequini (op. cit., p. 42) faz a seguinte

indagação: “É possível definir o design apenas como uma atividade que gera uma produção

industrial e em série, ou apenas no processo de projetar um produto?”.

Atualmente, as definições de Design fogem um pouco dessa dialética e tentam

ressaltar outros pontos importantes da atividade, de modo que o conceito seja entendido de

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forma mais global e menos pontual. O International Council of Societies of Industrial Design

(ICSID) define Design como “[...] uma atividade envolvida nos processos de

desenvolvimento de produto, estando ligada ao uso, função, produção, mercado, utilidade e

mercado formal ou estéticas dos produtos [...]”.

Gomes Filho (2003) se refere ao Design como a ferramenta que pode ser utilizada

para a melhoria do padrão de qualidade dos objetos em geral. O autor ainda afirma que

[...] utilizado como ferramenta estratégica, o design fornece condições de planejamento, concepção e especificação dos objetos, amarradas à sua natureza tecnológica e os demais processos que fazem parte de sua produção. [...] O design existe exatamente para possibilitar a concepção, inovação, o desenvolvimento tecnológico e a elaboração de objetos que, dentro de um enfoque sistêmico, possibilite reunir, integrar e harmonizar diversos fatores relativos à sua metodologia projetual (GOMES FILHO, 2003, p.21).

Fiell (2002, p. 15) explica que, com a implacável globalização da economia de

mercado livre, o Design se tornou um fenômeno verdadeiramente global. Por todo o mundo,

fabricantes de todos os tipos de produtos reconhecem e implementam cada vez mais o Design

como um meio essencial para chegar a um novo público e para adquirir vantagem

competitiva.

Para Munari (1977), o Design exige método, técnica e vai além da subjetividade

dos pensamentos e criações aleatórias. Sobre o método projetual, o autor esclarece:

Consiste en unas operaciones necesarias en un orden lógico distado por la experiencia. Su finalidad es conseguir un máximo resultado con el mínimo esfuerzo. En el campo del diseño no es correcto proyectar sin metodo, pensar de forma artística buscando una idea sin hacer previamente un estudio.4

Para Duschenes (2007), as ações inseridas no âmbito do Design devem ser frutos

da Criatividade, Invenção e Inovação:

Criatividade é um produto da mente humana, é a nossa imensa capacidade de encontrar novas formas de agir, interagir, brincar, abstrair, ela está inserida no universo das idéias. Invenção é um passo à frente da criatividade, onde se constrói, se esboça um produto ou processo inédito, resultante da combinação de idéias criativas concretizadas, ela está inserida no universo das tecnologias. Inovação é a transformação da invenção em um bem de consumo, algo que tenha aceitação no mercado, é a invenção produzida em escala industrial e está inserida no universo dos mercados, uma vez que precisa ser vendável (DUSCHENES, 2007, grifo nosso).

4 Consiste em uma operação necessária, em uma ordem lógica, ditada pela experiência. Sua finalidade é conseguir o máximo de resultado com um mínimo de esforço. No campo do Design, não é correto projetar sem métodos, pensar de forma artística buscando uma idéia sem haver previamente um estudo.

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A Oficina de Design investigada nesta pesquisa se propunha realizar um trabalho

de criatividade, invenção e inovação com a renda de bilro. Conhecer as definições e premissas

do Design é fundamental para analisar de forma crítica e coerente as repercussões da

intervenção.

2.5.1 Design e Produção Artesanal

O Design pode contribuir basicamente de duas formas na produção artesanal: a)

quando se busca “agregar valor” ao produto, no que diz respeito às novas formas, cores,

texturas, materiais, simbologias, técnicas produtivas, etc., ou b) na criação de uma

“identidade” para esses produtos e/ou locais de produção através da concepção de

logomarcas, etiquetas, placas, fôlderes, embalagens e demais peças publicitárias que

funcionam como elo de ligação entre o produtor e o consumidor (BOTELHOS, 2005).

Com relação às interferências realizadas diretamente no produto, foco de estudo

desta pesquisa, destacamos as palavras de Freitas (2006) quando menciona que “[...] são

necessárias algumas adequações da metodologia projetual de produtos industriais ao setor

artesanal a fim de garantir a qualidade final das propostas [...]”. A autora destaca a

necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um conhecimento e

domínio da técnica artesanal e do conhecimento da cultura que envolve o produtor ou a

comunidade produtora, permitindo ao profissional que atua no planejamento do produto

visualizar as dificuldades e resistências perante as sugestões de inovação.

A participação do Design no setor artesanal é foco de várias discussões e estudos

que procuram entender como associar as metodologias de projetação, prospecção de vendas e

as práticas do Design aos meios e interesses da produção artesanal, sem alterar o modo de

vida dos artesãos. A esse respeito, Leite (2005) levanta a seguinte questão:

O que é mais válido? Preservar o modelo tradicionalista do artesanato em que não se altera o modo de vida do artesão e mantém o produto tradicional, muitas vezes sem perspectiva de comercialização, ou projetar para mercado, com notória prospecção de venda, e, no entanto, alterar o modo de vida do artesão? (op. cit., p. 28).

Uma resposta definitiva para essa pergunta certamente é algo difícil de ser obtida;

no entanto, da mesma forma que existem os casos positivos e de sucesso dessa interferência,

também existem os insucessos e fracassos, principalmente quando essa participação não é

adaptada à realidade produtiva das comunidades receptoras, aos meios de trabalho e ao modo

de vida das comunidades, como ressalva Leite (op. cit., p. 30). Freitas (op. cit., p. 128)

complementa essa idéia, esclarecendo que o designer deveria atuar considerando

principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de

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produção, tendo como desafio promover produtividade e, ao mesmo tempo, preservar as

peculiaridades do processo, de modo a unir tradição e modernidade, descobrir novos usos,

compartilhar idéias e experimentar o fazer.

Lima (2005, p. 20) provoca o questionamento quando discorre sobre a relação

entre o Designer e o artesanato: “[...] Não entendo por que o designer no Brasil se recusa tanto

a assumir a tradição, por que sempre condiciona o sucesso mercadológico do produto

artesanal à criação do novo [...]”. O mesmo autor ainda ressalta que

na ânsia pelo moderno, o profissional do Design pode criar um novo produto que deixa de ser do artesão e passa a ser dele, até porque, por subordinação de classe, o artesão se submete ao desejo daquele que é tido como o que domina o saber e as tendências de mercado. Quando isto acontece, o artesão passa a gerar um produto que lhe é externo, deixa de ser o dono integral de seu processo de trabalho e transforma-se em mão-de-obra que executa os riscos dos “cérebros pensantes”, os detentores do saber e os indivíduos laureados nesse processo.

Lima (2005, grifo nosso) ainda ressalta a existência de cinco focos de observação

que devem ser destacados quando se trata da participação do design no setor artesanal:

1) o artesanato não é mera mercadoria e traz, embutido em si, valores, crenças, culturas: É importante entender o objeto artesanal dentro das relações de mercado, mas como um produto diferenciado, que nunca se perca a dimensão cultural que está embutida nele, porque, quando se lida com a cultura, se agrega valor, e assim se consegue fazer com que o objeto seja mais valorizado e mais caro exatamente por essa razão. 2) O artesanato não é produto de máquina. Sendo manual, ele é irregular, perfeitamente irregular: Um pote de Passagem, localidade à margem do Rio São Francisco na Bahia, apresenta manchas irregulares. Se houvesse sido produzido na indústria seria refugado como objeto mal feito, no entanto, suas marcas podem ser lidas de outra forma, atestando uma identidade cultural de grande importância. 3) O artesanato não é algo imutável: O artesanato está sempre em processo de mudança, e as interferências muitas vezes devem partir do pressuposto de que as pessoas são capazes de mudar, detêm um saber, o domínio de uma arte e chegam a bons resultados sem que sejam levadas soluções prontas. 4) Artesanato é ritmo, é tempo de produção: Esta é uma grande questão para todos os que resolvem enfrentar o desafio de equacionar o binômio artesanato x mercado. Lidando com a comercialização, o mercado acaba por exigir uma continuidade de produção que o artesanato muitas vezes não atende. 5) Artesanato pressupõe autoria e, portanto, tem a ver com os direitos do autor: É bom que desde já busquemos discutir os direitos do autor, direitos de coletividade. Muitas vezes definimos os artesãos como anônimos porque integram coletivamente o repertório cultural de um grupo, esses saberes e expressões são patrimônios coletivos de uma comunidade.

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Nesse contexto, cabe mencionar as discussões mais recentes acerca da atuação

profissional do designer, através das palavras de Niemeyer (2008), quando se reporta à

criação do Código de Ética para Designers.

Segundo a autora, “[...] urge a necessidade de ampliação do debate sobre a ética

na profissão, para que a configuração do código de ética esteja assente para reger os

compromissos dos designers no que diz respeito ao seu saber fazer profissional [...]”. Ainda

de acordo com Niemeyer (2008), a última versão do Código de Ética Internacional de

Designer foi publicada em 2001, conjuntamente pelo International Council of Societies of

Industrial Design – ICSID, o International Council ao Associations of Graphic Designers –

ICOGRADA e o International Federation of interior Designers – IFI. Para a autora, faz-se

necessária a construção do Código de Ética a ser adotado pelos designers do Brasil que, sendo

sólido e eficiente, será causa e efeito do amadurecimento do Design: “[...] É imperativo que

sejam retomadas e ampliadas as discussões sobre as regras que pautam as relações humanas

envolvidas no processo de design, sejam elas no plano das relações de trabalho, de

desenvolvimento e projeto, de uso e de pós-uso [...]”.

Como revisto, a participação do design no setor artesanal provoca diversos

questionamentos e discussões acerca das positividades e negatividades geradas nessas

interferências. Não seria diferente no estudo de caso apresentado nesta pesquisa. A renda de

bilro é um artesanato tradicional, com grande carga cultural e histórica envolvida, e o

entendimento dessas questões, bem como o conhecimento de outros exemplos de

intervenções, tornam-se fundamentais para substanciar as análises e resultados da pesquisa.

2.6 Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária

Os Empreendimentos Econômicos Solidários de Autogestão – EES –, de acordo

com Pontes e Ostern (2004, p. 11-13), têm características distintas, dentre as quais se

destacam:

- a solidariedade e a capacidade de resistência das organizações populares; - idoneidade, transparência, práticas e princípios democráticos; - a relação direta entre produtores e consumidores, conferindo uma face

humana às relações de intercâmbio; - sistemas de troca e colaboração (redes) e o seu potencial de crescimento

e desenvolvimento qualitativo; - desenvolvimento local respeitando a diversidade de fatores (humanos,

ambientais, culturais e tecnológicos) regionais integrados em sua realização;

- o incremento da renda dos trabalhadores através de atividades solidárias de produção, comercialização e serviço;

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- o respeito ao saber acumulado em suas vidas pelo conjunto dos trabalhadores e consumidores, particularmente na construção da socioeconomia solidária;

- a partilha dos saberes visando o apoderamento coletivo. Algumas dessas características são encontradas no Núcleo de Produção Artesanal

Rendeiras da Vila, local de estudo desta pesquisa, destacando-se: a) a solidariedade e a

capacidade de resistência das artesãs às mudanças culturais, urbanas e históricas, b) a relação

direta entre as rendeiras e os consumidores, conferindo uma face humana às relações, e c) o

respeito ao saber acumulado em suas vidas.

Assim como todo empreendimento dessa natureza, o desenvolvimento sustentável

torna-se uma busca constante para aqueles que o compõem. Figueiredo (2002) esboça uma

crítica ao uso demasiado e controverso do termo “desenvolvimento sustentável”, ressaltando

que este não traz em seu bojo elementos que contribuam para a evolução social, devendo ser

discutido um conceito mais amplo, sólido e com impactos reais nas comunidades humanas.

Para fins desta pesquisa, não iremos nos deter nas nuanças polêmicas do termo, mas, sim, na

compreensão desse tema voltado para o entendimento da Economia Solidária e dos

Empreendimentos Econômicos Solidários de Autogestão (EES).

Segundo Singer (2002), a economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo

industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão

das máquinas e da organização fabril da produção. O mesmo autor ainda menciona que a

economia solidária é um modo de produção cujos princípios básicos são a propriedade

coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual, tendo como resultado

natural a solidariedade e a igualdade econômica.

Singer (2004, p. 1) esclarece que

[...] a economia solidária trata-se de um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento econômico, que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento a favor dos que se encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados da mesma.

França Filho et al (2006) reforçam essa assertiva, explicando que

A economia popular ou solidária diz respeito a um conjunto de atividades de produção, comercialização ou prestação de serviços efetuadas coletivamente (e sob diferentes modalidades de trabalho associado) pelos grupos populares, principalmente no interior de bairros pobres e marginais das grandes cidades. Tais grupos se estruturam, em geral, de modo bastante informal e encontram nas relações de reciprocidade tecidas no cotidiano de suas formas de vida (ou seja, nos laços comunitários) os fundamentos para tais práticas.

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Complementando essa idéia, os autores ressaltam que a economia solidária possui

qualidades ou características próprias que necessitam ser compreendidas:

Tais qualidades compreendem um conjunto de aspectos que encontram-se absolutamente indissociáveis uns dos outros. Um primeiro desses aspectos concerne à questão da participação ou engajamento das pessoas nos projetos, o que remete ao grau de mobilização popular inerente a tais projetos. Uma segunda qualidade diz respeito ao modo de organização do trabalho, que se encontra essencialmente baseado na solidariedade (FRANÇA FILHO et al, op. cit.).

Segundo Singer (2002), o principal instrumento da chamada economia solidária

tem sido a empresa cooperativa, que consiste em um agrupamento de indivíduos para exercer

uma atividade econômica de forma autogestionária.

As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal. (SINGER, op. cit.)

Ainda conforme o autor, a empresa solidária nega a separação entre trabalho e

posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. O capital da

empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham e apenas por eles; por isso, sua

finalidade básica não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do trabalho.

Pontes e Ostern (2004, p. 04) discorrem sobre os EES, mencionando que estes

precisam ter instrumentos que permitam a sua sustentabilidade e competitividade no mercado, assegurando assim a inclusão social e econômica de enorme parcela da sociedade, que atualmente encontra-se sem perspectivas de inclusão no mercado de trabalho e de desfrutar dos benefícios resultantes do processo produtivo.

A sustentabilidade de empreendimentos econômicos solidários depende de vários

fatores, dentre eles o tipo de produção e as características das pessoas envolvidas, uma vez

que não se pode entender sustentabilidade como uma metodologia que se aplica a

determinado setor, esperando-se o resultado; ao contrário, deve ser fruto de um compromisso

sério com a produção e com o tempo, e os intervenientes externos apenas somam forças a uma

aptidão que já deve existir naturalmente no local (PONTES; OSTERN, op. cit.).

Compreender as definições e peculiaridades dos empreendimentos econômicos

solidários de autogestão torna-se essencial nesta pesquisa, visto que o Núcleo de Produção

Artesanal Rendeiras da Vila absorve muitas características desse modelo de gestão e traz

consigo outras particularidades que devem ser conhecidas e consideradas nas análises.

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Capítulo 3 | Metodologia da Pesquisa

Esta dissertação diz respeito ao primeiro trabalho em nível de mestrado de um

total de quatro que estão sendo realizados por pesquisadores que integram o Projeto Rendeiras

da Vila, desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia – GREPE – do

Programa de Engenharia de Produção – PEP/UFRN. Além das dissertações, o Núcleo também

é foco de estudos de alunos bolsistas e voluntários da graduação em Engenharia de Produção

que desenvolvem atividades de pesquisa e extensão na produção artesanal.

A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa e se configurou como um estudo de

caso. O tempo total de realização foi de 24 meses (junho de 2006 a junho de 2008), e foi

impulsionada e motivada pela realização de uma Oficina de Design (detalhada no capítulo 5)

no Núcleo de Produção Artesanal, da qual o autor desta dissertação foi o instrutor.

Durante a pesquisa, foram realizadas consultas em livros, artigos, documentos,

catálogos, manuais, bem como buscas de internet em sites, blogs, comunidades, etc., todos

com temática voltada para o estudo da Ergonomia, Antropotecnologia, Produção Artesanal e

Renda de Bilro. Essas informações foram utilizadas para construção do referencial teórico e

análise dos dados.

Para caracterizar a atividade da renda, compreender a organização do trabalho,

investigar os resultados da oficina e identificar os fatores que influenciaram a não

incorporação das propostas dos novos produtos na rotina das rendeiras, adotamos como

método a Análise Ergonômica do Trabalho – AET. Apresentamos a seguir as etapas da AET

que foram realizadas na pesquisa:

3.1. Análise Ergonômica do Trabalho (AET)

3.1.1 Análise Global

Para Vidal (2003), a análise global

se traduz por um primeiro levantamento da empresa e tem a finalidade de indicar situações em que caiba instruir uma demanda ergonômica. [...] nesta etapa do trabalho, o praticante de ergonomia buscará ampliar suas informações sobre os principais processos e produtos, sobre a população de trabalhadores, sobre elementos da organização do trabalho, além de conhecer e engajar pessoas nos relacionamentos focados ou de suporte [...].

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Dessa forma, a análise global foi realizada com o intuito de se conhecer o

contexto geral da atividade das rendeiras. Iniciou-se com o estudo dos trabalhos dos alunos da

graduação em Engenharia de Produção da UFRN realizados junto às rendeiras do Núcleo em

2005 e 2006 (DINIZ et al, 2005; SILVA et al, 2006) que descreveu, de modo global, a

atividade das artesãs e a organização do trabalho adotada.

Posteriormente, foi complementada por visitações ao Núcleo, onde foram

observadas as condições físicas do lugar, as pessoas envolvidas, o modo de trabalho, os

procedimentos do rendar, os desenhos da renda, algumas informações relativas à sua

comercialização, além de questões culturais e sociais que estão no entorno dessa produção. Na

análise global, foram utilizados métodos observacionais (observações abertas e registros

fotográficos) e interacionais (ações conversacionais e verbalizações), além de pesquisa

documental.

3.1.2 Estudo da população

Segundo Vidal (2003), a população de trabalho “refere-se ao conjunto de agentes

humanos envolvidos no processo de produção no qual se realiza a Análise Ergonômica do

Trabalho.” Ainda de acordo com o autor, “[...] a análise da população de trabalhadores causa

um grande impacto na ação ergonômica e deve ser utilizada meticulosamente como passo

metodológico de compreensão das pessoas [...]”.

O estudo da população ocorreu, principalmente, através de ações-conversacionais,

um tipo de conversa dirigida em que o pesquisador extrai informações relevantes dos

trabalhadores sem a utilização de perguntas prontas que gerem respostas curtas e objetivas,

tampouco sem induzir ou sugestionar respostas, sendo diferenciada de uma entrevista. Para

Vidal e Nunes (2004), trata-se de uma atividade interacional de escuta respeitosa que traz

grandes contibuições nas descobertas das variablidades organizacionais, vez que o

pesquisador se “deixa levar” pela conversa, no sentido de descrobrir e permitir que algo novo

apareça na interação. Ainda segundo os autores, é realizada mediante um roteiro de conversa

com as principais dúvidas e questões da equipe, configurando-se como um instrumento

utilizado para entabular uma "conversa com finalidade" que permita ampliar e aprofundar a

comunicação.

As ações conversacionais abordaram aspectos da vida da rendeira, do processo de

produção da renda, da história dessa atividade artesanal na Vila de Ponta Negra, entre outras

informações que também foram utilizadas na análise da atividade. (roteiro no anexo I).

A população em estudo compreendeu 12 (doze) rendeiras, integrantes do Núcleo

de Produção, sendo quatro (4) que rendam diariamente no lugar e oito (8) que produzem em

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suas residências e enviam o produto final para comercialização através do Núcleo. As ações

conversacionais foram realizadas nas residências das artesãs ou no Núcleo de Produção

(figuras 3-11 e 3-12), iniciando-se em setembro de 2006 e finalizando-se em março de 2007.

Integraram a equipe de pesquisa nessa etapa três alunos de mestrado e uma aluna

da graduação (bolsista de iniciação científica), trabalhando em duplas, sendo que um dos

integrantes se responsabilizava pela indução da conversa e o outro pelas anotações. A média

de tempo de cada ação foi de 50 minutos, e utilizava-se gravação de voz com aparelho próprio

para esse fim, além de anotações diversas.

Após a realização das ações conversacionais, foram realizadas as transcrições das

falas. Nessa atividade, os pesquisadores escutavam a gravação pausadamente e geravam um

documento individual por rendeiras que continha todas as alocuções das artesãs de forma

integral. As tabulações dos dados foram realizadas através de Matrizes de Inclusão de

Comentários (VIDAL, 2003).

3.1.3 Análise da atividade das Rendeiras

A análise da atividade compreendeu a etapa de investigação e compreensão das

especificidades da produção da renda de bilro no Núcleo de Produção. Para isso, foi

estabelecida uma rotina de visitação semanal ao Núcleo, iniciada após a oficina e que

prosseguiu durante praticamente toda a pesquisa, possibilitando o acompanhamento contínuo

do trabalho das artesãs.

Nessas visitas, os pesquisadores realizavam observações livres, conversas

informais e direcionadas, registrando questões relevantes que possibilitassem a compreensão

da atividade das rendeiras do Núcleo de Produção, destacando-se os seguintes aspectos:

a) organização do trabalho: hora de início e término da atividade, pausas para

lanche e para descanso, cooperação, lideranças, etc.;

b) espaço físico: iluminação, ventilação, temperatura, estrutura, mobiliários, etc.;

Figura 3-11 – Ação Conversacional Figura 3-12 – Ação Conversacional

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c) ferramentas: almofada, cavalete, bilros, desenhos, tipos de alfinetes, tipos de

linha, etc.;

d) produção: escolha do desenho, escolha do produto, início do rendar, feitio dos

pontos, término da atividade, montagem das peças, produtos, etc.;

e) questões culturais e sociais que estão no entorno da atividade.

Posteriormente, eram produzidos relatórios de visita que eram compartilhados

entre os membros da equipe. Nesse período, também foram realizadas as ações

conversacionais que deram suporte ao estudo da população e observações, conforme descrito

no item 3.1.2.

No entanto, as observações e interações tornaram-se insuficientes para o

entendimento das relações existentes entre o projeto (desenho da renda e do produto) e a

produção da renda. Apesar dessa limitação, o aprendizado do ofício, mesmo que em nível

muito básico, associado aos métodos interacionais (ações conversacionais e verbalizações) e

observacionais, inseridos em um processo de construção social, possibilitou a compreensão da

atividade, em especial, das repercussões do projeto do produto ou do volume de produção em

termos de demandas físicas, cognitivas e psíquicas e suas conseqüências para as artesãs. A

imersão na situação de trabalho e a construção social possibilitaram, ainda, a compreensão das

variabilidades humanas, técnicas e organizacionais, bem como as regulações e estratégias

utilizadas para enfrentar tais variabilidades, com destaque para a cooperação.

3.2 Concepção da Oficina de Design

A concepção da Oficina de Design ocorreu por meio de pesquisas situada,

documental e de situação de referência, na qual foram propostas alternativas de desenhos e

produtos que pudessem ser produzidos pelas rendeiras e incorporados ao mix de produtos

desenvolvidos por elas.

A Pesquisa Situada foi realizada no Núcleo de Produção através de visitações ao

lugar antes da efetivação da oficina. A Pesquisa Documental configurou-se como uma busca

por informações bibliográficas relativas à renda de bilro de modo geral. A Pesquisa de

Situação de Referência foi realizada na cidade de São Miguel de Gostoso/RN, em 14 de junho

de 2006 (antes da realização da oficina) junto a um artesão – que anteriormente havia

desenvolvido trabalhos de renda conjuntamente com as rendeiras analisadas nesta pesquisa.

Nessa atividade de pesquisa, foram utilizados métodos observacionais e interacionais, sendo

possível coletar dados relevantes relativos à população em estudo, às técnicas do rendar e a

informações sobre o processo de criação e produção dos desenhos em computador.

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Ressaltamos que o tempo restrito entre a contratação do instrutor e a realização da

oficina (34 dias) não possibilitou o aprofundamento necessário para a compreensão da

atividade de rendar e do contexto sociocultural onde essa produção se insere.

O processo de concepção da Oficina de Design está detalhado no capítulo 5,

através da descrição do processo de instrução da demanda (5.1), construção social (5.2),

construção sociotécnica (5.3) e análise dos resultados da oficina (5.4).

3.3 Análise dos resultados da oficina

A análise dos resultados e repercussões da oficina junto às rendeiras foi realizada

através de atividade de autoconfrontação, observações da rotina de trabalho e da atividade

(descritos no item 3.1.3), como também mediante ações conversacionais junto às dezesseis

rendeiras participantes da oficina e à representante do órgão apoiador da Oficina de Design.

A autoconfrontação é definida por Faita e Vieira (2003), como o ato de mostrar

aos trabalhadores fotos ou filmagens do seu próprio trabalho, da sua atividade real, expondo

as relações entre o real vivido e a representação da atividade que o trabalhador tem formado

de si mesmo. Tem o objetivo de produzir uma discussão coletiva entre eles, sugerindo ou

mencionando ações, gestos ou posições que tragam significados para eles próprios e para a

equipe de pesquisadores que analisa o grupo.

A atividade de autoconfrontação foi realizada nas instalações do Núcleo de

Produção Rendeiras da Vila, em 26 de setembro de 2006, dois meses após a oficina, através

da projeção de imagens (fotografias) da Oficina de Design, com o objetivo de mostrar às

rendeiras a sua própria atividade de trabalho e os produtos por elas produzidos na oficina. Isso

possibilitou coletar informações verbais e observar comportamentos e expressões que

facilitaram o entendimento dos resultados da oficina. Participaram dessa ação cinco

pesquisadores, entre eles a coordenadora da pesquisa, dois mestrandos e dois alunos de

graduação, além de seis rendeiras que integravam o Núcleo. As expressões e alocuções

espontâneas das artesãs foram anotadas por todos os membros da equipe, e depois da

atividade foram produzidos relatórios descritivos da atividade.

As observações das atividades das rendeiras pós-oficina, possibilitadas pela

convivência com as artesãs no acompanhamento e pelas visitas semanais ao Núcleo,

apontaram a descontinuidade da produção dos novos produtos introduzidos através da oficina,

e ensejaram a realização de uma investigação detalhada e direcionada para compreensão e

análises dos resultados da referida ação.

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Para tal, foram realizadas ações conversacionais, iniciadas 15 meses após a

realização da oficina, no período de outubro de 2007 a janeiro de 2008, com dezesseis (16)

rendeiras, ou seja, 84% das que participaram da atividade, sendo quatro (4) freqüentadoras do

Núcleo diariamente, oito (8) rendeiras que produziam em suas residências e enviavam

trabalhos para comercialização no Núcleo e quatro (4) artesãs que sabiam rendar, mas não o

faziam com freqüência, nem produziam para o Núcleo, mas foram convidadas para participar

da oficina.

As ações-conversacionais foram realizadas nas residências das artesãs e no

Núcleo de Produção, utilizando um roteiro de questões específico para esse fim (ver anexo II),

auxiliado por gravação de voz, anotações e registros fotográficos e filmográficos. A tabulação

dos dados foi realizada através de Matrizes de Inclusão de Comentários (VIDAL,2003),

tabelas em que são ordenadas as transcrições dos comentários das rendeiras e organizadas por

assuntos distintos.

Para análise dos resultados da Oficina de Design sob diversos aspectos, foi

realizada, igualmente, uma ação conversacional com a representante do órgão apoiador da

Oficina de Design. Essa ação possibilitou conhecer as impressões do órgão acerca da

atividade e foi fundamental para as análises finais do projeto. Realizou-se em 4 de julho de

2008, no local de trabalho da gestora, com auxílio de gravação de voz, anotações e produção

de relatórios.

As análises da introdução de novos produtos na produção artesanal, a partir

deste estudo de caso e à luz de referências bibliográficas, foram apresentadas e discutidas em

seminários de pesquisa do GREPE e congressos da área, e estão descritas nos capítulos finais

desta dissertação.

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Capítulo 4 | Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra

Neste capítulo, caracterizaremos a atividade da renda na Vila de Ponta Negra,

expondo o contexto urbano, social, cultural e produtivo da Renda de Bilro.

4.1 Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra está situada na Zona Sul da cidade de Natal/RN e é parte

do núcleo originário do Bairro de Ponta Negra, ambos vizinhos da praia de mesmo nome

(Figuras 4-13 e 4-14). Segundo Silva (2006, p. 21), a vila possuía, em 2003,

aproximadamente 10.000 habitantes – estimativa feita a partir dos dados do SEMURB (2003).

Sua população se apresenta bastante heterogênea: os antigos moradores – pescadores,

trabalhadores da construção civil, vendedores, ambulantes, empregadas domésticas e

rendeiras – coexistem com intelectuais, estrangeiros, empresários e comerciantes, sendo estes

últimos os mais novos moradores do lugar.

Depoimentos colhidos com as rendeiras que nasceram na Vila e vivem nela até os

dias atuais relatam que o lugar, no princípio, apresentava-se como um conglomerado agrícola

em que a divisão social do trabalho entre sexos era bem visível: os homens pescavam e

plantavam, enquanto as mulheres faziam os trabalhos domésticos, cuidavam das crianças,

coletavam frutas a serem comercializadas em Natal e produziam renda de bilro para vestir a si

Figura 4-13 – Praia de Ponta Negra (1960) Foto: Jaeci Galvão Fonte: SEMURB

Figura 4-14 – Praia de Ponta Negra (2007)

Vila de Ponta Negra, situada

ao lado do Morro do Careca

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e a seus filhos, como também para comercializar, a fim de complementar a renda financeira

da família.

De acordo com relatos de algumas rendeiras, os avanços e transformações urbanas

da cidade a partir da década de 1970 fizeram da antiga vila um atrativo para novos moradores

e empreendimentos econômicos, passando a comportar edifícios, restaurantes, hotéis e

residências que dividem o espaço com as antigas casas que davam forma ao local.

O progresso turístico suscitou certa melhoria na qualidade de vida dos antigos

moradores, a exemplo da chegada de luz elétrica, água encanada e da pavimentação, além do

desenvolvimento do setor comercial e de serviços. No entanto, essas mudanças também

trouxeram consigo transformações sociais, econômicas, culturais e ambientais, passando a

dividir opiniões entre os antigos moradores:

[...] A Vila de Ponta Negra era um lugar muito bom de morar, a gente dormia de porta aberta e não tinha medo, não tinha água encanada, não tinha luz elétrica, era luz de querosene mesmo, e todo mundo vivia assim. A gente andava na rua e num tinha medo não, era só a luz de Deus, a luz da lua... Hoje tem luz elétrica e tudo, mas a gente tem é medo de sair de casa. Na época passada era muito bom [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

Todas essas transformações urbanas, aliadas às novas oportunidades de empregos,

provocaram uma alteração em cadeia nos costumes e valores das pessoas e a conseqüente

diminuição da prática das atividades artesanais, dentre elas a produção da renda de bilro, que,

segundo relatos das próprias rendeiras, antes era praticada pela maioria das mulheres da vila e

hoje passou a ser praticada apenas de forma esporádica ou como atividade de lazer.

Figura 4-15 – Igreja da Vila de Ponta Negra Figura 4-16 – Acesso principal à Vila de Ponta Negra

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4.2 Núcleo de Produção Artesanal “Rendeiras da Vila”

Na perspectiva de resgatar a prática da renda de bilros na Vila de Ponta Negra e

reunir as antigas rendeiras no mesmo lugar para iniciar uma produção cooperada, uma das

antigas rendeiras e moradora da comunidade, conhecida na região como “Vó Maria”,

incentivada por seu filho, fundou, em 26 de abril 1998, o Núcleo de Produção Artesanal

Rendeiras da Vila, sendo essa designação a maneira como o grupo se autodenomina.

O Núcleo funciona anexo à casa da artesã fundadora e atual líder das rendeiras,

caracterizando-se como um espaço de produção informal (não formalizada em termos de

associação, cooperativa, etc.). Inicialmente, funcionava com 14 artesãs efetivas, porém, nos

10 anos de existência, problemas de ordem pessoal, falecimentos, além dos problemas

gerados pela desvalorização do trabalho artesanal, baixo retorno financeiro e comercialização,

foram reduzindo esse número de participantes e, atualmente, apenas 5 rendeiras são efetivas,

freqüentando continuamente o espaço de segunda à sexta-feira, das 13h às 17 h.

Além dessas cinco, duas rendeiras freqüentam esporadicamente o lugar , e outras

onze produzem as rendas em suas residências, enviando suas peças para serem

comercializadas através do Núcleo. As figuras 4-17 a 4-20 mostram a sua localização na vila

e o ambiente de produção das rendeiras.

Figura 4-17 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (Localizado ao lado da igreja da vila)

Figura 4-18 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila”

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Em termos de espaço físico, o Núcleo é um local adaptado que também comporta

o depósito e cozinha de uma lanchonete, com piso e paredes deteriorados, problemas de

iluminação, ventilação e ruído constante, em virtude de estar localizado próximo a um

terminal de ônibus. O Núcleo também não possui mobiliários novos e cadeiras adequadas ao

trabalho, mas, apesar das deficiências, supre a necessidade das artesãs e não as impede de

trabalharem com afinco na produção da renda.

Ao longo dos dez anos de existência, apesar de terem surgido tentativas externas

por parte de órgãos governamentais para oficialização do espaço em termos de cooperativa,

observou-se que suas integrantes não dispunham das condições mínimas para tal efetivação,

principalmente no tocante ao número de artesãs participantes, além de elas mesmas não

demonstrarem o desejo de se tornarem cooperadas nos moldes oficiais, como é demonstrado

nos seguintes relatos:

[...] Acho que cooperativa não dá certo, não, porque a gente já tá acostumado a fazer assim pra Maria vender. Acho que não dá certo não [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos). [...] Eu conheço as regras da cooperativa, mas uma cooperativa requer muitos requisitos para a gente manter ela, né? E a gente aqui não tem esses requisitos todo pra preencher uma cooperativa... Eu acho, na minha opinião, que num dá certo, não [...] [sic] (RN7 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

As rendeiras que trabalham unidas (cinco artesãs) adotam muitas das

características do modo de produção artesanal cooperativo. Segundo Marglin (1996), o modo

de produção artesanal cooperativo não elimina a principal característica do modo de produção

artesanal – domínio do artesão sobre o produto e sobre o processo –, mas acrescenta algumas

características próprias. Essas características estão principalmente relacionadas à utilização de

um local próprio de produção que concentra um determinado número de pessoas, a compra da

Figura 4-19 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (espaço interno)

Figura 4-20 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (interior da sala de estoque)

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matéria-prima em conjunto, possibilitando a redução do custo, e a possibilidade de ajuda

mútua e de compartilhamento de instrumentos.

Dentre as características da produção artesanal cooperativa observadas no Núcleo

de Produção, destacamos as seguintes:

a) existência de um local próprio e específico para o trabalho em conjunto;

b) existência de lideranças responsáveis pela manutenção e organização do

espaço, além da compra de matéria-prima;

c) horário e dias de funcionamento pré-determinados;

d) divisão de matéria-prima realizada de forma coletiva;

e) trabalho coletivo quando se produz uma peça de grandes proporções ou quando

surge grandes encomendas;

f) definição de valores fixos para venda das peças;

g) cooperação entre as artesãs mais experientes e as artesãs menos experientes,

gerando transferência de conhecimentos e discussões coletivas acerca das

técnicas do rendar, principalmente no início da confecção de um novo produto.

h) Domínio total sobre o produto em virtude de poderem escolher o que produzir

o tipo de desenho, as cores, o modelo, etc, e domínio parcial sobre o processo,

visto que muitas das rendeiras não desenham mais, etapa fundamental do

processo de confecção da renda e que foi sendo perdido por muitas rendeiras

ao longo dos anos.

Com base nas observações e ações conversacionais, foi possível elencar as

principais vantagens do modelo de organização do trabalho artesanal cooperativo no Núcleo,

a saber:

a) as artesãs que trabalham unidas aceitam melhor novos desafios, pois, no

surgimento de dificuldades e dúvidas, há a possibilidade de troca de

conhecimentos e orientações sobre como melhor fazer determinado trabalho,

como também promovendo o aprendizado de peças mais complexas e de maior

porte;

b) As rendeiras disponibilizam mais tempo e assumem maior compromisso com a

atividade;

c) favorecem o estabelecimento de padrões de qualidade, rotinas de trabalho e

convívio social;

d) tornam-se referência quando se fala em renda de bilro na Vila de Ponta Negra,

em virtude da existência do Núcleo de Produção, mesmo sabendo-se que

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existem outras artesãs que trabalham por conta própria no bairro em suas

residências;

e) estão mais próximas do mercado consumidor;

f) facilitam o contato para participação em feiras, comunicação com organizações

de fomento, com a mídia e instituições de ensino e pesquisa;

g) facilitam o surgimento de encomendas e possibilitam o aumento da produção e

da variedade de produtos.

A organização do trabalho observado do Núcleo estimula a prática e o

compromisso com a atividade, tornando-se, também, fonte de prazer e descontração, além de

se configurar como uma alternativa de ocupação e geração de renda, principalmente porque,

independentemente da comercialização individual, as rendeiras que trabalham unidas

garantem a produção contínua, uma vez que, de cada peça vendida, 20% do valor é vertido

para compra de matéria-prima que é utilizada por todas as artesãs que freqüentam o Núcleo

(SALDANHA, 2007).

[...] Eu venho todo dia pra cá, eu já estou acostumada a vir. Quando eu não venho, me dá até uma agonia... É a mesma coisa fazer aqui e fazer em casa, mas aqui é melhor porque aqui a gente gosta, a gente canta, a gente ri [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

4.3 Rendeiras

As dezoito artesãs que estão ligadas ao Núcleo atualmente encontram-se divididas

da seguinte forma: cinco (5) que rendam diariamente no Núcleo; duas (2) que freqüentam

esporadicamente; e onze (11) que produzem peças em suas residências e enviam para

comercializar no Núcleo.

Das dezoito, doze (12) participaram do estudo da população realizado nesta

pesquisa, sendo as cinco que rendam no Núcleo diariamente e outras sete (7) que produzem

nas suas residências.

Do total de 12 rendeiras investigadas, apenas uma não é natural de Natal. As

demais, nascidas e residentes até hoje na Vila de Ponta Negra, viveram na época em que o

bairro era apenas um conglomerado agrícola de uma colônia de pescadores e acompanharam

as transformações turísticas iniciadas por volta da década de 1970 e intensificadas na última

década, conforme relatos delas próprias:

Eu ainda sou da época que não tinha água, não tinha luz, ninguém tinha televisão, não tinha telefone, não tinha nada, nada, nada. Se adoecia uma pessoa aqui na vila, tinha que ir correndo até o centro da cidade ou de cavalo ou a pé, porque não tinha nada, não tinha transporte, não tinha

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ônibus – o transporte que tinha era só cavalo, a gente saía daqui até o centro da cidade a pé. (RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos). A Vila de Ponta Negra era assim, os homens trabalhavam em roçado e em pescaria, as mulheres faziam renda, outras vendiam mangaba, outras vendiam goma, outras vendiam a renda da gente na cidade, era assim [...] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos).

O aprendizado na renda, para 75% (nove) das rendeiras entrevistadas, teve início

aos sete anos, idade mais recomendada para começar o aprendizado dessa arte, segundo as

próprias rendeiras. Duas (17%) aprenderam aos 10 anos e uma aprendeu aos 53 anos, sendo

esta última, hoje com 57 anos, natural de outro estado, residente na Vila há 5 anos e

considerada principiante. O aprendizado, na maioria dos casos, foi repassado pelas mães e

avós, sendo de caráter familiar, passado de geração em geração, como demonstra a

informação verbal abaixo:

A minha mãe sabia fazer renda, as minhas irmãs tudinho sabia fazer, era seis mulher, todas seis sabia fazer renda, e eu aprendi a fazer com a minha mãe. Não demorei a aprender, não, aprendi rápido [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos). [...] Eu via assim aquelas mulher trabalhando, aí eu pegava um coquinho pequenininho, enfiava um ponteiro, saía assim no lixeiro procurando linha, emendava, aí enrolava no ponteirinho com o coquinho e ficava ali junto do povo, o povo trabalhando e eu olhando. Aí quando foi um dia, a minha mãe chegou e perguntou: Você quer aprender isso? Aí eu disse: Eu quero. Aprende mesmo? Aprendo. Aí ela foi e pagou uma mulher e a mulher me ensinou... Aprendi assim, de repente! [sic] (RN5 – Rendeira do Núcleo, 74 anos).

A idade das artesãs varia de 44 a 72 anos; porém, a faixa etária predominante é

acima de 50 anos, correspondendo a dez (83%) das rendeiras entrevistadas, sendo que sete

(58%) possuem mais de 60 anos. Entre 44 e 50 anos, existem apenas duas (17%). Todas são

ou já foram casadas, dentre as quais cinco são viúvas, e todas possuem mais de dois filhos.

Também oito rendeiras disseram que possuem filhas que sabem rendar; no entanto, apenas

seis disseram que suas filhas ainda rendam, mas esporadicamente e sem compromisso. De

todas as entrevistadas, apenas duas declararam que possuem netas que sabem rendar,

evidenciando o desinteresse da nova geração no aprendizado da arte.

Embora oito rendeiras (66%) declarassem ter motivação e paciência para repassar

o ensinamento da renda, elas relatam que as novas gerações não têm interesse em aprender,

principalmente por se tratar de uma atividade demorada e com baixo retorno financeiro.

[...] Eu ensinei minha filha e ensinei minha neta, só que nenhuma das duas pratica porque disse que não vai ficar duas nem três horas sentada numa almofada pra fazer uma peça pra ganhar nada. Elas preferem fazer unha,

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né, que senta hora e meia e ganha 10, 12 reais, 15 [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos). Das minhas filhas, só duas sabem rendar, mas não fazem, não. Todas trabalham fora. Isso aqui (referindo-se à renda) a gente faz por amor. Demora demais a vender, se a gente fosse viver só disso aqui morreria de fome... (risos). [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos). Nenhuma das minhas netas querem aprender, não. Dizem que não têm paciência, que não vai aprender. E eu digo: minhas filhas, quando chegar a época de a gente ganhar dinheiro com a renda, a gente não sabe mais fazer e vocês também não vão saber fazer e não vão ganhar dinheiro. Eu tenho muita fé que ainda vamos ganhar muito dinheiro na renda! [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

Relatos das filhas de rendeiras também ratificam isso, alegando que o desinteresse

ocorre principalmente pela falta de tempo, dedicação aos estudos e trabalho, como também

pela falta de valorização da atividade e baixa perspectiva de venda.

Desde que me entendo de gente que vejo mamãe fazendo, mas nunca me interessei, não... É lindo, muito bonito. Na verdade, nunca tive paciência porque estudava, comecei a trabalhar, aí o tempo foi corrido entendeu? Aí não me interessei, realmente eu não me interessei, se eu tivesse me interessado eu tinha aprendido, mas é tempo também, com três filhos pra criar fica bem corrido... [sic] (Filha de rendeira, 31 anos). Eu via mamãe trabalhar, mas nunca tive interesse, não, porque eu acho muito difícil e eu não tenho cabeça pra isso, não... Eu fui pra um curso de bordado, não conseguia nem bordar, quem bordava pra mim era minha amiga... Num sou dessas, não tenho jeito, sabe? Eu gosto da renda, acho bonito, eu compro, mas pra mim fazer, eu acho muito difícil... [sic] (Filha de rendeira, 34 anos).

Com relação à escolaridade, sete rendeiras (58,3%) não concluíram o Ensino

Fundamental, apenas duas completaram o Ensino Médio e outras duas o Fundamental. Uma

rendeira é iletrada e deficiente auditiva. De um modo geral, as artesãs investigadas possuem

baixo nível de escolaridade.

A maioria das artesãs tem a mesma crença religiosa, e esse fato em especial tem

significado na produção na renda, uma vez que, em dias santificados, as rendeiras do Núcleo

não trabalham. O lugar permanece fechado também nas datas em que as artesãs viajam ao

Ceará para as festividades do Padre Cícero, geralmente no mês de janeiro, e em datas

esporádicas durante o ano. Destacamos ainda que elas participam de movimentos ligados à

Igreja Católica, principalmente nas comemorações de São João, quando se tem um dia

dedicado às rendeiras nas festividades religiosas desse santo na Vila de Ponta Negra.

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Outras atividades, além das religiosas, fazem parte da vida social dessas mulheres.

Das doze, sete (58%) são integrantes do Grupo de Idosos do bairro; seis (50%) fazem parte do

Grupo dos Hipertensos; cinco (41%) participam do Clube de Mães; duas (17%) fazem parte

do Grupo da Ginástica; outras duas do Conselho Comunitário e seis participam de

movimentos de Danças Folclóricas no bairro, sendo que algumas das artesãs fazem parte de

mais de um grupo.

Sobre a situação econômica dessas mulheres, atualmente sete recebem

aposentadoria ou pensão (uma recebe 1/2 salário mínimo, as demais recebem 1 salário

mínimo); duas também possuem quiosques na praia de Ponta Negra, os quais, apesar de serem

administrados por seus filhos, exigem delas trabalhos quanto à preparação de alimentos. Duas

trabalham em empregos formais (empregada doméstica e cozinheira), praticando o ofício da

renda nos horários vagos. As demais (três rendeiras) não trabalham profissionalmente e não

contribuem com o orçamento doméstico. Nenhuma delas depende financeiramente da renda

de bilro para sobreviver.

Através da ação conversacional e das conversas complementares, constatamos que

a rotina de trabalho das artesãs é bastante intensa. A Tabela 4-7 resume a rotina das rendeiras,

identificando o momento do dia em que são praticadas as atividades domésticas e

profissionais e a quantidade de horas dedicadas à renda por dia.

Figura 4-21 – Religiosidade na renda Figura 4-22 – Placa de saudação das rendeiras a São João Batista

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Tabela 4-7 – Rotina de trabalho das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra Fonte: SALDANHA et al (2007)

Rendeira Idade

Tempo na atividade de

renda (anos)

DIVISÃO DAS ATIVIDADES DIÁRIAS

Atividades domésticas

Atividades profissionais

externas

Renda de Bilro

(horas/dia)

TOTAL de horas na

renda M T N M T N M T N

Rendeira 1 48 8 X X X 3 3 Rendeira 2 62 23 X X X 2 4 2 8 Rendeira 3 72 43 X X 3 4 7 Rendeira 4 59 50 X X X 2 4 3 9 Rendeira 5 74 65 2 4 6 Rendeira 6 72 63 X X X 3 1 4 Rendeira 7 59 4 X X 4 4 Rendeira 8 66 57 X X X 1 2 2 5 Rendeira 9 68 56 X X 2 3 5 Rendeira 10 46 37 X X X 2 2 4 Rendeira 11 59 50 X X X 3 1 4 Rendeira 12 70 61 2 4 6

Algumas rendeiras, durante sua vida, foram obrigadas a parar ou reduzir a

produção da renda de bilro, a fim de exercer outras atividades mais rentáveis. Contudo, como

observado na tabela 4-7, 75% das entrevistadas (nove) rendam há mais de 30 anos

consecutivos.

Todas as rendeiras se dedicam às atividades domésticas, que são intercaladas com

as atividades do artesanato. Porém, quatro delas, além do exercício do lar e da renda, ainda

possuem obrigações extras: duas preparam alimentos para seus quiosques na praia

(administrados por seus filhos) e outras duas possuem empregos formais, sendo uma auxiliar

de cozinha em uma creche, e outra empregada doméstica.

O número de horas diárias dedicadas à renda varia de 3 a 9 horas, distribuídas em

dois ou três turnos (manhã, tarde e noite) – fato possibilitado por possuírem almofadas no

Núcleo e em suas residências. Para oito (67%) rendeiras, o tempo total diário de dedicação à

atividade é entre 4 e 6 horas. Três (25%) delas dedicam-se ao ofício mais do que 6 horas

diárias e uma em torno de 9 horas por dia, sendo 2 horas no período da manhã, 4 à tarde e 3 à

noite, intercalando a renda com as atividades domésticas e o preparo de alimentos para o

quiosque na praia.

De acordo com Saldanha et al (2007), é importante ressaltar que não existem

rigidez no cumprimento das jornadas dedicadas ao ofício de rendar e flexibilidade própria da

forma de organização do trabalho artesanal, permitindo que cada rendeira estabeleça a sua

Legenda: M-Manhã | T-Tarde | N-Noite

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rotina de trabalho, cadências, pausas e folgas, possibilitando assim conciliar o trabalho com as

atividades pessoais. No entanto, de acordo com os relatos, é provável que o tempo dedicado à

renda seja maior do que o especificado na Tabela 4-7, visto que todas possuem mais que uma

almofada, além de declararem fazer a renda por puro prazer e amor à atividade, conforme

relatado: “Eu tenho amor ao meu trabalho, adoro fazer meu trabalho e vou morrer

trabalhando”. (RN1 – Rendeira do Núcleo, 74 anos).

A seguir serão apresentadas as doze rendeiras que participaram da pesquisa, sendo

as cinco primeiras as que freqüentam o Núcleo diariamente. Destacamos as rendeiras Maria

de Lourdes de Lima e Maria das Graças Costa da Silva (esta última, in memoriam) como as

que mais contribuíram com o trabalho, por serem também as líderes do Núcleo de Produção.

1. Maria de Lourdes de Lima (Vó Maria)

74 anos de idade, viúva, aprendeu a rendar aos 7 anos e exerce o ofício desde então. Proprietária do Núcleo de Produção e líder do grupo. Rendeira experiente, com uma história de vida de muita luta e trabalho. Freqüenta o Núcleo diariamente há 11 anos.

2. Maria das Graças C. da Silva (Dona Graça, in memoriam)

59 anos de idade, aprendeu a atividade aos 7 e rendou durante 52 anos consecutivos. Maior contribuidora e incentivadora da pesquisa, a quem o grupo de pesquisa sempre se reportava, freqüentava o Núcleo diariamente e rendou até quando a saúde lhe permitiu. Faleceu em dezembro de 2008 e deixou no Núcleo e na Vila uma grande lacuna.

3. Josefa Henrique de Lima (Dona Josefa ou Zefinha)

62 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Parou de rendar por 30 anos e voltou há 9. Possui 23 anos de experiência no ofício. É viúva e proprietária de barraca na praia de Ponta Negra, onde até hoje ajuda os filhos na administração do comércio. Freqüenta o Núcleo diariamente há 9 anos.

4. Lenira de Oliveira Correia (Dona Lenira)

72 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Deixou de realizar a atividade por 20 anos e possui 43 anos de experiência no ofício. Dona de casa, viúva, empregada doméstica aposentada e pensionista. Freqüenta o Núcleo diariamente há 11 anos.

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6. Maria Helena Correia dos Prazeres (Dona Helena)

66 anos de idade, casada, professora aposentada, aprendeu a rendar aos 7 e trabalha no ofício há 59 anos consecutivos. Já freqüentou o Núcleo, mas há alguns anos o deixou. Renda freqüentemente em sua residência e envia peças para serem comercializadas no Núcleo.

7. Marinez Correia de França (Dona Marinez)

46 anos de idade, casada, aprendeu a rendar aos 7 e renda há 39 anos consecutivos com pequenas pausas de alguns meses. Aprendeu o ofício com a mãe (Lenira – Rendeira 4). Já freqüentou o Núcleo e hoje dedica-se a uma baixa produção na sua residência.

8. Maria de Lourdes dos Santos (Dona Lourdes)

72 anos de idade, viúva, empregada doméstica aposentada, aprendeu a rendar aos 7 e renda há 65 anos consecutivos. Rendeira experiente, passou para a filha (Dalvaci, abaixo) a arte da renda. Não freqüenta o Núcleo e, sempre que a saúde lhe permite, faz renda em sua residência e envia para ser comercializada no Núcleo.

9. Dalvaci de Morais do Nascimento (Bel)

48 anos de idade, casada, funcionária pública, aprendeu a rendar aos 10 anos, parou por 28 anos e voltou há 5. Filha de Maria de Lourdes (acima), aprendeu o ofício observando a mãe. Freqüentou o Núcleo por dois anos e hoje não freqüenta mais. Renda em sua residência e comercializa no Núcleo, sempre de forma esporádica.

5. Maria Francisca de Oliveira (Muda)

70 anos de idade, viúva, pensionista, aprendeu a rendar aos 7 anos. É deficiente auditiva e renda há 63 anos consecutivos. Umas das artesãs mais assíduas no Núcleo desde a fundação há 11 anos.

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O conhecimento da população de trabalhadores torna-se fundamental para o

entendimento da atividade de trabalho de forma mais detalhada. Esse tipo de investigação

permite, dentre outras coisas, descobrir questões relacionadas à vida das pessoas que estão

diretamente concatenadas com seu trabalho, evidenciando variabilidades e características da

atividade que muitas vezes passam despercebidas em outros tipos de análises.

4.4 Renda de Bilro: processo produtivo

O primeiro passo para a produção da renda é a escolha do desenho e do produto

que deseja confeccionar. Os desenhos utilizados no Núcleo foram, em sua maioria,

concebidos e produzidos por algumas das antigas rendeiras da Vila e repassados para a atual

geração de artesãs como herança familiar, sendo compartilhados por várias delas. Atualmente,

poucas dessas mulheres possuem habilidade para criar novos modelos, reduzindo-se a

reproduzir ou adaptar os antigos. Em conseqüência da reutilização e do tempo, vários

desenhos estão bastante deteriorados.

10. Maria Etelvina Barbosa Nunes (Dona Etelvina)

59 anos de idade, casada, dona de casa. Aprendeu a atividade aos 53 anos e renda há 6. Rendeira considerada aprendiz por não confeccionar peças muito complexas. Freqüentou o Núcleo por alguns anos e há 2 está afastada. Rendeira sorridente, calma e dedicada ao aprendizado da renda. Continua rendando em sua residência e pretende voltar para o Núcleo.

11. Maria Salete Silva de Lima (Dona Salete)

68 anos de idade, casada, dona de casa. Aprendeu a rendar aos 7 anos, dedicando-se a isso há 59 anos consecutivos. Nunca freqüentou o Núcleo de Produção, mas sempre apoiou as atividades e as rendeiras do Núcleo. Já enviou peças para comercialização, mas costuma comercializar de forma independente.

12. Raimunda dos Santos Correia (Dona Raimundinha)

59 anos de idade, casada, empregada doméstica. Aprendeu o ofício aos 9 anos e renda há 50 anos. Já freqüentou o Núcleo, mas, devido aos trabalhos profissionais externos, deixou-o. Dedica-se à renda diariamente, mas sem compromisso efetivo com a produção. Envia peças para serem comercializadas no Núcleo.

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Figura 4-23– Desenho feito à mão Figura 4-24– Renda com seu desenho

Figura 4-26– Rendeira enchendo os bilros Figura 4-25– Par de bilros

Esses desenhos, de acordo com Saldanha (2007), (figuras 4-23e 4-24 possuem um

alto nível de complexidade, visto que, além de orientar a produção da renda, requerem um

elevado grau de compatibilidade, uma vez que a maioria das peças é produzida em partes

complementares, exigindo uma montagem final através de costura manual.

Em seguida, a rendeira decide a cor do produto e passa a enrolar certa quantidade

de linha nos bilros, unindo dois para formação de “um par de bilros”, como ilustrado nas

figuras 4-25e 4-26 uma vez que as manipulações dessas peças são feitas através dos pares.

O bilro, peça que dá nome à renda, é um pequeno instrumento de madeira com 10

cm de comprimento em média, constituído de uma curta haste, com uma das extremidades

apresentando terminação esférica e a outra uma terminação cilíndrica. Os homens que fazem

bilros, em geral pescadores, maridos das rendeiras, são chamados de “birreiros”. O

depoimento a seguir foi relatado por um desses homens, antigo “birreiro” da vila e esposo de

uma das rendeiras.

[...] Eu aleijei as mãos, eu fazia bilro na faca, aí apanhei osteoporose e os dedo endureceu, não dá mais pra fazer nada. Às vezes fazia uma dúzia e “mudiava”. No outro dia é que eu acabava de ajeitar. Pra o pau não endurecer, eu botava duas, três dúzia dentro d’água, porque ela ressecando ficava mais dura... A madeira era o pau mata-fome, o pau-ferro, o mondé, o murta-braba, pau-mulato... porque o pau quando não é bom, ele tem uma

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35 c

m

40 c

m

Figura 4-27– Almofada e cavalete

mistura dentro, aí tinha que ser uma madeira legal. [...] [sic] (“Birreiro”, esposo de rendeira, 77 anos).

Atualmente, os bilros são produzidos por marceneiros da própria Vila, em geral

familiares de rendeiras, utilizando técnicas manuais com auxílio de torno e outros

instrumentos de marcenaria.

Após essas etapas, a rendeira fixa o desenho em sua almofada, com o auxílio de

espinhos de xique-xique ou hastes metálicas e pontiagudas. A almofada é uma espécie de saco

de tecido de aproximadamente 35 cm de diâmetro, com seu interior completamente

preenchido por folhas secas de bananeira. Segundo a rendeira que confecciona as almofadas,

o seu preenchimento deve ser feito com folhas de bananeiras específicas (as que caem

naturalmente do pé), sendo esta a melhor alternativa para o preenchimento da almofada, pois

as folhas cortadas endurecem com o passar do tempo. Outra possibilidade, menos utilizada,

são as folhas de cajueiro ou os retalhos de tecidos; porém, as folhas de cajueiro, com o passar

dos anos, desintegram-se, limitando o tempo de uso da almofada, e os retalhos de tecido

cedem facilmente à pressão, além de aumentarem o peso da almofada.

A almofada é firme, mas leve, e fica apoiada sob um cavalete de madeira dobrável

e sem regulagem de altura. Depois de montada, a altura total (cavalete + almofada) fica

aproximadamente na altura do tórax da rendeira sentada (figura 4-27.

Após a fixação do desenho na almofada, os pares de bilros são encaixados em

alfinetes previamente colocados sobre o desenho (Figuras 4-28 e 4-29, e só então a rendeira

inicia o processo do rendar, mediante o entrelaçamento dos bilros em movimentos laterais da

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Figura 4-28– Par de bilros sendo encaixado no alfinete

Alfinete

Rendeira colocando o 1º par de bilros no alfinete

previamente fixado no desenho

Dois pares de bilros encaixados no alfinete. O

“trocado” da renda só pode ser iniciado com dois pares

Figura 4-29– Dois pares de bilro encaixados no alfinete

esquerda para direita e vice-versa, de modo a cruzar sucessivamente os fios, até todo o

desenho aparecer gradativamente em forma de renda.

A atividade das rendeiras exige grande destreza manual e concentração, uma vez

que elas manipulam em média 60 bilros por peça (figura 4-30 4-31 podendo esse número

variar para mais ou menos, dependendo do tamanho do produto e da complexidade do

desenho. As artesãs escolhem o modelo que deseja fazer, os materiais e as cores a serem

utilizados, e realizam o processo produtivo em sua totalidade, com exceção da produção do

desenho que em geral é copiado de desenhos antigos existentes.

No Núcleo, cada rendeira possui sua própria almofada, e algumas possuem outra

em sua residência. As linhas e alfinetes são comprados em conjunto a partir da verificação do

estoque e da necessidade do grupo, e os demais materiais e ferramentas são comprados

individualmente, podendo ser compartilhados em caso de conveniência. As rendeiras que

Figura 4-31 – Rendeiras manipulando os bilros

Figura 4-30 – Bilros na almofada (peça com mais de 60 bilros)

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Figura 4-32 – Rendeira em atividade Figura 4-33 – Rendeira em atividade

trabalham em suas casas são responsáveis pela compra de seus materiais. As figuras 4-32 e 4-

33 ostram as rendeiras trabalhando no Nucleo de produção.

Concluída a produção da renda, etapa que pode levar horas, semanas, dias ou

meses para ser finalizada (a depender do desenho e do produto), a peça poderá sair da

almofada totalmente acabada e pronta para venda (bicos, entremeios, alguns modelos de pano

de bandeja e peças de menor porte) ou seguir para uma última etapa de produção – a

montagem manual (figura 4-34 e 4-35) –, necessária em peças do vestuário ou outras de maior

porte (vestidos, blusas, saias, toalhas de mesa, etc.), que são confeccionados em partes

separadas.

Essa montagem exige precisão e atenção, pois a linha, guiada manualmente com

uma agulha, deve percorrer os pontos da renda de modo a se integrar ao produto e tornar-se

imperceptível no local da emenda. Trata-se de uma etapa da produção que é realizada por uma

única rendeira do Núcleo, a mais habilidosa nesse tipo de trabalho e que não é remunerada por

isso de forma separada. As demais rendeiras apesar de saberem executar esta etapa, não a

fazem em virtude de “confiarem” à artesã mais habilidosa esta tarefa. A figura 4-36 ilustra a

montagem de uma camiseta feminina em que são confeccionadas oitos partes iguais para

Figura 4-34 – Rendeira costurando duas partes de uma camisa

Figura 4-35 – “Traças” sendo unidas para formação de uma “rosa”

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Quatro partes iguais do mesmo desenho são confeccionadas para

montar um lado da camiseta Desenho

Único

A camisa é finalizada com 8 partes iguais, unidas

através de costura manual

Figura 4-36 – Montagem manual de uma camiseta feminina

Figura 4-37 – Fluxo de produção de uma camiseta (simplificado)

serem unidas posteriormente por meio de costura manual e a figura 4-37 ilustra o fluxo de

produção simplificado desta mesma camiseta.

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4.5 Renda de Bilro: produto

As rendeiras de Ponta Negra mencionam a existência de cinco pontos na produção

de suas rendas – Traça, Trança, Pano, Coentro e Pingo –, sendo o ponto da Traça

considerado por elas o mais característico da renda de bilro (figura 4-38). Elas desconhecem

os pontos denominados Finagran e Tijolo, mencionado por Maia (1980, p. 72) como pontos

realizados nas rendas da região Nordeste. As rendeiras ainda nomeiam de Pancada-inteira e

Meia-pancada o ato de cruzar os fios de linha de formas distintas para gerar diferentes pontos.

Os pontos da renda de bilro são combinados em uma grande quantidade de

composições a partir de desenhos que são produzidos e reproduzidos, utilizando-se linhas de

uma única cor ou uma combinação de cores, como ilustra a figura 4-39.

Figura 4-38 – Pontos da renda de bilro encontrados na Vila de Ponta Negra

TRANÇA – Fio produzido a partir do enrolamento de 4 fios de linhas.

TRAÇA – Espécie de “pétala” que compõe uma rosa (ponto característico da renda de bilro).

PANO – Área fechada. Tipo de “malha” produzida através do cruzamento de várias tranças.

COENTRO – Ponto composto através do cruzamento de tranças

PINGO – Pequenas voltas realizadas com a linha no meio de uma trança, formando uma espécie de “pingo”.

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Figura 4-39 – Quadro demonstrativo de algumas tramas de renda produzidas no Núcleo Fonte: SALDANHA (2007)

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Segundo Saldanha (2007), apesar da diversidade na composição de tramas e cores,

fazendo com que cada produto tenha certa originalidade, os trabalhos tradicionalmente

produzidos pelas rendeiras do Núcleo possuem baixo nível de inovação. Consistem

basicamente de bicos, entremeios, toalhas e trilhos de mesa, panos de bandeja, colchas de

cama, vestidos, camisetas, xales e saias. Tal qual já afirmado, o tempo de produção depende

do tipo de produto, da complexidade do desenho, do tamanho da peça e da habilidade e

velocidade da rendeira, variando entre alguns dias ou meses, como sustenta o relato a seguir:

[...] O tempo de produção varia por peça. Uma camiseta dessa (apontando para camiseta que está fazendo), elas (referindo-se as outras rendeiras do Núcleo) faz num mês. Eu trabalhando, eu faço em 17 dias, 18... no máximo 20 dias uma camiseta, porque eu trabalho mais rápido. Os vestidos aí é mais de 30. Esse aí nem se fala, tem um que eu levei quase dois meses pra fazer [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

A tabela 4-4 demonstra os principais produtos produzidos no Núcleo com

algumas de suas características produtivas – o tempo de produção médio e a respectiva

imagem fotográfica. Ressaltamos que, no tempo médio apresentado na tabela, não está incluso

o tempo de montagem manual das peças, que é relativo. Para montar uma camiseta, por

exemplo, consomem-se em média 12 horas de trabalho.

Tabela 4-4 – Produtos confeccionados no Núcleo.

PEÇA CARACTERÍSTICAS

TEMPO MÉDIO DE

PRODUÇÃO (HORAS)

TEMPO MÉDIO DE

PRODUÇÃO (SEMANAS)

IMAGEM

Camiseta regata feminina

Produzida em oito partes e unidas através de costura manual.

80 horas* 4 semanas

Saia Produzida em oito partes (tiras) e unidas através de costura manual. A barra (cós) é confeccionada separadamente.

130 horas* 6,5 semanas

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Vestido Produzido em quatro ou oito partes (dependendo do desenho) e unidas através de costura manual.

200 horas* 10 semanas

Xale Produzido a partir de quadrados e triângulos, variando tamanho e quantidade. As peças são unidas através de costura manual.

90 horas* 4,5 semanas

Pano de bandeja

(30 x 20 cm)

Produzido de uma única vez, variando o tamanho, a forma e o desenho 18 horas* 3,5 dias

Caminho de mesa (estola)

(60 a 80 cm)

Produzido de uma única vez ou em partes, dependendo do desenho. As partes são unidas por costura manual.

60 horas* 3 semanas

Toalha de mesa redonda média

(1,70 m de diâmetro)

Confeccionada a partir de quatro quadrados e quatro semi-círculos que contornam a peça. Peças unidas por costura manual.

160 horas* 8 semanas

Colcha de cama

(Casal)

Produzida por 6 rendeiras. Cada artesã confeccionou 12 quadrados, totalizando 72 partes que foram unidas manualmente por uma única rendeira.

1200 horas*

(valor aproximado)

44 semanas

(11 meses)

Bicos e entremeios diversos

Produzidos por metro e variando muito de acordo com a largura e desenho

10 cm/hora

(8cm de largura)*

(*) Informação verbal

Além de peças de vestuário e artigos de casa, produtos como roupas de animais

domésticos, redes de dormir e bijuterias (brincos) também já foram confeccionados. Em

termos de capacidade técnica para produção, pode-se dizer que essas artesãs são capazes de

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confeccionar qualquer artigo que tenha seu desenho desenvolvido corretamente e analisado

previamente.

A partir de informações verbais e de um levantamento de estoque realizado em

março de 2008, foi possível verificar alguns dados importantes sobre a produção e os produtos

no Núcleo. A tabela 4-5 mostra as quantidades de produtos encontradas no estoque quando da

realização desse levantamento.

Tabela 4-5 – Quantidade de peças em estoque no Núcleo Fonte: Bezerra (2008)

PEÇAS QUANTIDADE EM ESTOQUE PORCENTAGEM

Panos de Bandeja 68 22,5% Porta-copos 57 18,1% Blusas 38 12,06% Caminhos de mesa 25 7,94% Vestidos 19 6,03% Bicos 15 4,76% Toalhas redondas 12 3,81% Saias 12 3,81% Almofadinhas (miniaturas de almofadas para venda)

10 3,15%

Golas 9 2,86% Toalhas quadradas 7 2,22% Entremeios 6 1,9% Toalhas de banho com aplicação 6 1,9% Xales 6 1,9% Aplicações diversas 5 1,59% Blusão 2 0,63% Palas 2 0,63% Tiaras 2 0,63% TOTAL DE PEÇAS ESTOCADAS EM MARÇO DE 2008 301 100%

Segundo Bezerra (2008), o estoque do Núcleo em março de 2008 contava com um

total de 301 peças de 17 tipos diferentes, número esse que varia com certa constância de

acordo com a venda e produção. Desse montante, chamamos a atenção para o elevado número

de “panos de bandeja” encontrados (68), correspondendo a 22,5% de todo o estoque.

Pesquisas posteriores constataram que nem todos os panos de bandeja encontrados em

estoque correspondem à produção das rendeiras. Destes, 42 (62%) foram produzidos por elas,

os demais (26) foram comprados em cidades do Ceará para revenda no Núcleo e cópia de

desenhos – passando as artesãs, nesse momento, de produtoras a atravessadoras. Essa atitude

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das rendeiras também demonstra uma preocupação com a inovação e diversificação dos

modelos por elas produzidos.

Ainda conforme Bezerra (2008), as cinco rendeiras que se reúnem diariamente no

Núcleo são responsáveis por 80% do valor monetário em estoque. Salvo as peças compradas

em outros estados, isso reforça a hipótese já mencionada de que, trabalhando unidas, as

artesãs produzem mais do que as que trabalham de forma isolada em sua residência.

4.6 Renda de Bilro: comercialização

As peças que são confeccionadas no Núcleo seguem, na maioria das vezes, para

estocagem e são expostas e comercializadas em feiras de artesanato e artefatos diversos dentro

e fora do estado. Essas feiras geralmente acontecem em meses específicos do ano e já fazem

parte do cronograma de produção das rendeiras. As duas mais importantes feiras das quais as

rendeiras participam são a FIARTE (Feira Internacional do Artesanato), realizada sempre no

mês de janeiro de cada ano, em Natal, e a BRASIL MOSTRA BRASIL, que acontece

geralmente no mês de agosto. Eventualmente, as rendeiras são convidadas para participações

em outros eventos, a exemplo da Semana da Moda de Natal (Natal Fashion Week), para

exposição e comercialização. Nos anos de 2006 e 2007, as artesãs participaram da Semana de

Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN (CIENTEC/UFRN), através do convite e mobilização

dos alunos integrantes desta pesquisa, quando da exposição do projeto Rendeiras da Vila no

respectivo evento, constituindo-se como uma oportunidade de divulgação e venda para as

artesãs e como fonte de observações e resultados para os pesquisadores.

A comercialização também é realizada diretamente no Núcleo às pessoas que

visitam o lugar e sob encomendas. Sobre esse aspecto, em especial, destacamos um fato

ocorrido durante a realização desta pesquisa: foi solicitado, por uma pessoa ligada à prefeitura

de Natal, um montante de 48 peças, sendo 24 panos de bandeja e 24 trilhos de mesa, o que

geraria uma venda de R$ 1.440,00 (hum mil, quatrocentos e quarenta reais). Essa encomenda

acabou por alterar a rotina e organização de trabalho das artesãs, uma vez que acelerou e

intensificou o processo de produção, além de ter sido necessário o recrutamento

(terceirização) de rendeiras que não faziam parte do Núcleo de forma efetiva, a fim de agilizar

a conclusão da encomenda em tempo.

Ao fim dos trabalhos, as rendeiras foram informadas de que os produtos iriam

para revenda em uma loja da prefeitura e que elas só iriam receber o pagamento conforme

fossem vendidos na loja. Diante disso, as artesãs não entregaram as peças, uma vez que elas

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não trabalham em sistema de consignação, numa tentativa de evitar a exploração por parte de

atravessadores, sendo esta uma estratégia de auto-valorização do trabalho.

Esse fato incomum provocou intensificação de trabalho no Núcleo, alterando o

modo de trabalho e interferindo no modo de vida das artesãs, além de deixar um forte

sentimento de descrença em relação aos órgãos governamentais, conforme reforça a fala a

seguir: “É esse o tipo de incentivo que a gente recebe da prefeitura aqui... calote!” (RN2 –

Rendeira do Núcleo, 59 anos). Numa demonstração de compromisso com o Núcleo e com as

rendeiras, fator importante para a continuidade da produção, a rendeira que fechou o acordo

com a prefeitura arcou com o prejuízo, pagando de seus provimentos a cada artesã recrutada

para o trabalho e estocando as peças para serem vendidas posteriormente. Análises sobre esse

fato mostraram que, independentemente do não recebimento do valor, a encomenda teve

repercussão negativa junto às rendeiras por modificar sua rotina, ritmo e carga de trabalho.

As rendeiras não comercializam com cartões de crédito, cheques, prestações e

outras formas de pagamento a prazo. Não importa qual valor: o pagamento é sempre à vista,

salvo alguns casos em que a rendeira conhece o cliente e lhe concede algum prazo de

pagamento. Durante esta pesquisa, outro caso relativo à comercialização foi constatado pelos

pesquisadores. Uma venda de aproximadamente R$ 500,00, valor considerado alto, não foi

finalizada em virtude de a cliente desejar pagar em cheque, mesmo sendo esta cliente amiga

do filho da rendeira. Sobre esse fato, a seguinte frase foi proferida pela rendeira: “[...] Cliente

desse tipo eu dispenso, pode ser a compra que for, mas entregar minhas peças e ficar com um

papel na mão, não ! [...]” (RN2 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

Além dos problemas com recebimento de cheques, também podemos supor a

existência de certo “apego” e proteção à peça que a rendeira produziu. A artesã, por se sentir

“dona” do saber e do produto, acaba por estabelecer com ele certa “relação afetuosa”.

Demonstração de cuidado e relação entre o artesão e seu produto é algo já observado em

trabalhos sobre o assunto. Nóbrega (2005, p. 219), em seu livro Renda Renascença: memória

de ofício paraibana, menciona que, na comercialização da renda renascença da Paraíba,

comumente as rendeiras tentam invalidar os argumentos de pechincha, mostrando o quanto

têm orgulho de seu trabalho; na negociação, envaidecem-se de suas habilidades manuais,

destacando com freqüência o quanto é árduo e cansativo seu ofício e fazendo alusões ao

passado, lembrando a época em que recebiam mais pelos produtos, deixando claro sua relação

de “afeto” com suas peças.

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Observam-se, também na produção da renda de bilro, casos em que o dinheiro não

é a maior motivação para o trabalho. Relatos de algumas rendeiras que trabalham no Núcleo,

quando indagadas sobre a motivação para trabalhar, ratificam isso:

[...] Eu peço muito a Deus não faltar nunca essa motivação que eu tenho, de um dia ver isso aqui uma loja bem bonita, bem chique, com bem gente comprando renda e muita gente fazendo também... Num tem uma peça que vale o quanto que trabalhou... Isso aqui só faz quem tem amor, quem gosta de fazer. Se fosse por dinheiro, ninguém fazia, não [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos). [...] Eu faço por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente fica mais alegre, mas se não vender eu vou continuar fazendo, até enquanto eu tiver saúde. Eu venho todo dia, já tô acostumada a vim, quando eu não venho me dá uma agonia tão grande [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

Essa realidade não é exclusiva desse Núcleo de Produção. Caso semelhante de

algumas artesãs do estado de Alagoas, produtoras de panela de barro, é citado por Leite

(2005, p. 33):

[...] Quando as mais antigas artesãs são indagadas por que continuam a exercer o ofício, descortinam-se os outros nexos que nos ajudam a entender a dimensão cultural da prática artesanal. Seria difícil entendermos a manutenção desse ofício apenas pelos critérios econômicos. Definitivamente, não é apenas por dinheiro que se faz panela de barro. Muitas artesãs afirmaram já ter desejado parar, mas não conseguem. Precisam abrir o barro, como se moldá-los ajudasse a suportar a vida [...]

Essa constatação certamente é verificada nas rendeiras do Núcleo; contudo,

ressaltamos que a baixa comercialização, desvalorização do trabalho artesanal, valor baixo da

hora de trabalho também se constituem em dois dos motivos da diminuição do número de

rendeiras em atividade na Vila de Ponta Negra.

A tabela 4-6 mostra a remuneração das rendeiras por tipo de produto,

demonstrando o valor de venda, remuneração da artesã, tempo médio de produção, valor de

hora de trabalho e remuneração mensal.

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Tabela 4-6 – Relação entre valor da peça, tempo de produção e valor de hora de trabalho da rendeira

REMUNERAÇÃO DAS RENDEIRAS POR PEÇA

PRODUTO

VALOR DE

VENDA (VV)

REMUNERAÇÃO DA RENDEIRA

(RR)**

TEMPO MÉDIO DE

PRODUÇÃO EM HORAS

(HR)*

VALOR DA HORA DE

TRAB. (HT)

REMUNERAÇÃO MENSAL

44 HS SEMANAIS (R$)

80% DE VV (R$)

HT=(RR/HR) (R$)

Vestido 100,00 80,00 200 0,40 70,40 Saia 90,00 72,00 130 0,55 96,80 Pano de bandeja 13,00 10,40 18 0,57 100,32 Camiseta regata 60,00 48,00 80 0,60 105,60 Toalha de mesa média (1m diâmetro)

80,00 64,00 100 0,64 112,64

Caminho de mesa (estola) (1m comp.)

60,00 48,00 60 0,80 140,80

Colcha de cama (casal)

1.000,00 800,00 1000 0,80 140,80

Xale 100,00 80,00 90 0,88 154,88

Constata-se, a partir da sistematização dos dados da tabela 4-6, que o valor da

hora trabalhada da rendeira varia de R$ 0,40 (quarenta centavos de reais) a R$ 0,88 (oitenta e

oito centavos de reais). Considerando a jornada de trabalho de 44 horas semanais, como os

trabalhadores regidos pela CLT, e a garantia da comercialização, a remuneração mensal de

uma rendeira seria entre R$ 70,00 e R$ 155,00, ou seja, 17% a 37% do salário mínimo vigente

em 2008 (R$ 415,00).

4.7 Fecho do Capítulo

Neste capítulo foi apresentado a Renda de Bilro na Vila de Ponta, evidenciando as

principais características da Vila de Ponta Negra e da produção da renda, tendo sido de

fundamental importância para o entendimento da atividade da renda e embasamento das

análises que se seguirão no trabalho.

(*) Informação verbal | (**) 20% é retido no Núcleo para compra e reposição de materiais

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Capítulo 5 | Oficina de Design

Neste capítulo, trataremos da instrução da demanda e da construção sociotécnica

da oficina. Serão apresentados os aspectos relacionados à motivação para realização da

pesquisa, detalhadas todas as etapas de desenvolvimento da Oficina de Design, bem como os

resultados encontrados na intervenção.

5.1 Instrução da Demanda

Segundo Vidal (2003), a instrução da demanda é a etapa em que se permite passar

da percepção dos problemas de produção à indicação daquilo que a Ergonomia pode

contribuir para solucioná-los. É como se desenvolve o problema em questão, do surgimento

até a definição da proposta de ação ergonômica.

O início desta pesquisa teve origem no desenvolvimento de um trabalho de alguns

estudantes de graduação – do curso de Engenharia de Produção – junto ao Núcleo de

Produção Rendeiras da Vila em 2005 (DINIZ et al, 2005). O seu objetivo, até então,

propunha-se analisar a forma de organização do trabalho artesanal e suas repercussões para o

produto, produção, mercado e para a população de trabalho, a fim de cumprir os requisitos da

disciplina de Organização do Trabalho, componente curricular do curso de Engenharia de

Produção da UFRN. Em 2006, outros alunos da graduação deram continuidade aos estudos,

gerando artigos (SILVA et al, 2006) que foram publicados em congressos nacionais

(ENEGEP e ABERGO, 2006) e apresentados nas disciplinas do mestrado, despertando no

autor desta dissertação o interesse em se integrar ao grupo, a fim de dar continuidade às

problematizações e ampliar as pesquisas. Os principais motivos que nortearam a construção

da demanda foram:

a) a produção artesanal se configura como um importante campo de estudo dentro

da Engenharia de Produção e do Design de Produto;

b) o Núcleo de Produção se apresenta como espaço de produção artesanal

informal, carente de melhorias, podendo vir a ser um importante laboratório

para pesquisa e desenvolvimento, através da aplicação dos conhecimentos da

Ergonomia, Engenharia de Produção e Design;

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Figura 5-40 – Instrução da demanda (Oficina de Design) Fonte: Adaptado de Saldanha (2004, p.95)

c) a possibilidade de gerar benefícios e contribuições sociais às rendeiras;

d) receptividade por parte das rendeiras em receber a equipe de pesquisadores e

contribuir com o trabalho.

As pesquisas preliminares desenvolvidas pelos alunos da graduação em conjunto

com os estudos teóricos geraram hipóteses de demandas que passaram a ser alvo de análise da

equipe, dando origem ao Projeto Rendeiras da Vila. Durante as reuniões de pesquisa,

pensava-se em possibilidades de busca de apoio financeiro externo que pudesse viabilizar

algumas ações no Núcleo, como também que se configurasse como uma oportunidade de

remuneração para o mestrando – face ao fato da indisponibilidade de bolsas de mestrado até o

momento.

Nas busca por apoio financeiro em órgãos de fomento ao artesanato na cidade, foi

verificado em um destes órgãos que uma Oficina de Design estaria programada para acontecer

em julho de 2006, junto às rendeiras da Vila de Ponta Negra. Essa oficina seria financiada por

uma fundação de apoio ao desenvolvimento turístico do Nordeste e apoiada por uma entidade

local, por meio do recrutamento do instrutor e fornecimento da matéria-prima. O autor desta

dissertação seria, então, o instrutor da referida oficina. O esquema a seguir (Figura 5-40)

ilustra a instrução da demanda real de trabalho.

A tabela 5-8 apresenta a cronologia dos acontecimentos que fizeram parte da

instrução de demanda.

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Tabela 5-8 – Cronologia dos acontecimentos da demanda de trabalho Fonte: Adaptado de Saldanha (2004)

PERÍODO (2005/2006)

FATOS

1º semestre de 2005 1º Trabalho realizado no Núcleo de Produção Artesanal pelos alunos da disciplina de Organização do Trabalho.

1º semestre de 2006 2ª trabalho sobre as Rendeiras da Vila, realizado por uma nova equipe de alunos da graduação, e publicação de artigos em congressos.

Maio de 2006 � Apresentação do trabalho sobre o Projeto Rendeiras da Vila aos alunos do mestrado, na disciplina de Análise Ergonômica do Trabalho I.

� Interesse do autor desta dissertação em participar das atividades e focar a dissertação nesse tema.

Início de Junho 2006 � Início da procura por entidades que pudessem apoiar as atividades do grupo de pesquisas com recursos financeiros e outros apoios.

� Visita ao SEBRAE/RN e recebimento da informação sobre a possibilidade de realização de uma Oficina de Design com as rendeiras.

14 de Junho 2006 Recebimento de e-mail do SEBRAE confirmando a realização da Oficina de Design e a participação do autor desta dissertação como instrutor da mesma.

20 de Junho 2006 Reunião da orientadora com os alunos de graduação e os alunos de mestrado para definição de plano de trabalhos, como base na confirmação da realização da oficina.

22 de Junho 2006 Primeiro contato da equipe de pesquisadores com as rendeiras.

30 de Junho 2006 Visita do mestrando ao Artesanarte, sede de representação da prefeitura junto aos artesãos de Natal, a fim de estabelecer contatos com as pessoas responsáveis pela viabilização da oficina no Núcleo de Produção e confirmar as datas para realização desta.

30 de Junho 2006 � Visita do mestrando ao Núcleo de Produção com os representantes da prefeitura para confirmar o interesse das rendeiras em receber a Oficina de Design.

� Agendamento da reunião com o grupo de rendeiras convidadas a participar da oficina para o dia 04 de julho.

04 de Julho 2006 Reunião com as rendeiras do Núcleo para apresentação do instrutor/consultor e agendamento da oficina para o período de 18 a 31 de julho, das 13h30min às 17h. Foram inscritas 24 rendeiras.

11 e 12 de Julho 2006 Visitas do instrutor ao Núcleo de Produção para conhecimento da produção e estudo dos desenhos da renda.

14 de Julho 2006 Visita à casa do artesão citado pelas rendeiras como o criador dos desenhos em computador na cidade de São Miguel de Gostoso/RN para conhecimento dos desenhos e registro de informações sobre a renda de bilro.

15 a 17 de Julho 2006 Criação de novos desenhos em computador para serem utilizados na oficina.

18 de Julho 2006 Início da oficina.

31 de Julho 2006 Encerramento da oficina.

5.1.1 Restrições e Critérios da demanda externa (Oficina de Design)

O objetivo da oficina era a criação e concepção de novos produtos, com maior

valor agregado e que se apresentassem como uma nova alternativa de comercialização para as

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rendeiras, partindo da premissa de utilização da renda de bilro como um detalhe a ser inserido

em outros artigos industrializados (camisetas, bolsas, tapetes, etc.).

Para realização da oficina, algumas restrições foram colocadas pelo órgão

financiador:

a) abranger o mínimo de 20 rendeiras da mesma região;

b) duração de 1 semana, totalizando 40 horas (8 horas diárias);

c) produzir o máximo de peças possíveis, diferenciadas das tradicionais já

produzidas pelas rendeiras (saia, vestido, blusas, etc.).

Entretanto, foram necessárias algumas modificações e regulações para viabilizar a

realização da oficina no Núcleo de Produção:

a) número de integrantes: apenas 6 rendeiras freqüentavam o Núcleo de forma

efetiva, tornando-se necessário agregar outras participantes da Vila de Ponta

Negra;

b) duração e jornada diária: o Núcleo de Produção funciona apenas no período da

tarde. Além disso, as artesãs conciliam o ofício da renda com outras tarefas,

dentre as quais as domésticas, dificultando sua permanência na oficina em 8

horas/diárias. Nesse caso, as atividades da oficina se estenderam para duas

semanas, sendo 4 horas diárias;

c) ferramentas e instrumentos de trabalho: algumas das rendeiras externas ao

Núcleo não possuíam almofadas e bilros, o que foi resolvido através da

disponibilização desse material no Núcleo e de rendeiras que realizam

paralelamente a atividade em suas residências, possuindo instrumentos de

trabalhos duplicados ou triplicados;

d) habilidade, experiência e conhecimento da arte de rendar, bastante

diferenciados entre as participantes da oficina, tornando-se fundamental o

papel das rendeiras mais experientes do grupo na condução das atividades.

Não houve recomendações da instituição financiadora com relação ao método de

realização da oficina. A decisão de se fazer aplicações de renda em outros produtos se deu

pelo instrutor, por ser esta uma prática já comum em intervenções de design no artesanato e

como forma de agilizar e otimizar o trabalho, já que a produção da renda é muito lenta.

Após essas regulações, deu-se então início ao processo de construção social da

oficina, incluindo o conhecimento do Núcleo e das pessoas envolvidas na ação.

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5.2 Construção Social da Oficina de Design

De acordo com Daniellou (2004, 2007 apud DUARTE et al, 2008), a construção

social do projeto é a etapa pela qual se estabelecem relações de cooperação, comunicação e

diálogo, que permitem, em momentos diversos, a confrontação de pontos de vista e

necessidades dos diversos agentes no trabalho.

Vidal (2002, p. 137) se refere ao processo de construção social como fator

determinante para realização de uma ação ergonômica cuja formação da equipe de atuação

possibilite unir uma boa variedade de competências externas e internas.

Segundo Saldanha (2004, p. 106), a construção social do projeto vem a ser a

constituição de uma equipe de pessoas com diferentes funções, que possibilitará a realização

de uma dada intervenção técnica, sendo essa equipe formada por todas as pessoas que irão

participar da ação em diferentes momentos.

O processo de construção social da oficina iniciou-se antes da realização desta e

possibilitou, dentre outras coisas, o conhecimento e aproximação do grupo de pesquisadores

com as artesãs, em especial do instrutor (mestrando). No primeiro encontro dos pesquisadores

que compunham o Projeto Rendeiras da Vila com as artesãs, em 22 de junho de 2006, a

equipe foi recebida de forma tímida, porém receptiva pela rendeira líder e proprietária do

local onde funciona o Núcleo de Produção. O objetivo principal da visita foi conhecer o

ambiente e as rendeiras, informar sobre o interesse dos estudantes em continuar com os

trabalhos de pesquisa, solicitar autorização para realização das novas atividades, confirmar o

interesse e receptividade à proposta por parte das artesãs, como também identificar e provocar

possíveis demandas.

Nesse primeiro encontro, identificamos a presença de lideranças entre as artesãs.

A rendeira que recebeu a equipe se mostrou tímida e receosa até a chegada de outra rendeira –

possuidora de forte poder de decisão no Núcleo. Essas duas são as líderes do Núcleo de

Produção e responsáveis por tomar decisões e definir critérios, regras, demandas, etc.

Desse primeiro contato, destacamos um fato em particular: foi identificado pelo

grupo certo receio quanto às ações vindas de órgãos externos. Isso ocorreu em virtude das

promessas de melhorias e incentivos sucedidas em outras épocas e que nunca passaram de

diálogos. Quando indagadas sobre o interesse em receber a equipe da universidade no Núcleo

para dar continuidade às pesquisas, a seguinte fala foi proferida por uma rendeira:

[...] Pode ser, vocês podem ficar vindo aqui... O negócio é que o povo vem aqui, mas só tem promessa, até as fotos que tiram da gente, eles dizem que vêm deixar aqui depois e nunca voltam [...] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

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Destacamos, ainda, outro trecho importante da mesma rendeira nesse encontro:

Ao concordar com a pesquisa, ela ressalta certo cuidado com a preservação da organização do

trabalho e com as limitações da capacidade produtiva de cada artesã. Possivelmente, o que

provocou essa fala foi a prospecção de aumento do volume de produção subtendida por ela

quando a equipe se mostrou disposta a estudar a produção e contribuir com o incremento na

comercialização:

[...] Esse trabalho de vocês é bom pra gente, mas eu só tenho medo de aumentar muito as encomendas e a gente não dar conta do trabalho e ficar estressada, porque eu já disse que renda de bilro se faz sentado e não correndo, e que a produção da gente é devagar [...] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

Essa preocupação e zelo da rendeira pelas condições de trabalho são fatores

importantíssimos que devem ser levados em consideração quanto ao que Vidal (2002, p. 128)

chama de “Modelagem da Demanda”. O autor afirma que é possível modelar a realidade de

trabalho, levando em consideração que a atividade das pessoas acontece num contexto onde

tudo é variável e que o ergonomista precisa entender essas questões para que possa realizar os

projetos de mudança, transformações ou novas propostas de trabalho.

Ainda no tocante a essa reunião, ressaltamos outra passagem de grande relevância

para a construção social. Em virtude de alguns problemas relatados nos trabalhos dos alunos

da graduação, a exemplo da produção dos desenhos, algumas conversas foram provocadas no

sentindo de investigar a questão e descobrir possíveis demandas. Em meio à discussão, a

artesã levanta-se, pega um desenho produzido em computador e passa a explicar os pontos

característicos da renda de bilro, evidenciando o ponto da traça com especial destaque na

produção da renda. A mesma rendeira, ao descobrir que o mestrando da equipe sabia

desenhar, solicitou ao pesquisador uma ajuda no sentido de corrigir o desenho de uma saia. O

atendimento ao pedido da rendeira certamente veio a contribuir com a construção de

reputação e de confiança.

O que se pôde perceber desse primeiro encontro com as rendeiras, fundamental

no processo de construção social, é que existem critérios fixos e pré-determinados por elas,

mesmo que empiricamente, e que as atividades do grupo devem levar em consideração as

particularidades da organização do trabalho e da produção no Núcleo, em especial a

capacidade produtiva, as características da população de trabalho, destacando-se a

necessidade de conciliar a produção da renda de bilro com outras atividades domésticas e

sociais, além de critérios relacionados aos produtos, destacando a traça como elemento que

caracteriza a renda.

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5.2.1 Esquema de Construção Social

Para o aproveitamento dos conhecimentos de todos os especialistas, sejam do

nível externo ou interno à empresa, faz-se necessário formar grupos de pessoas afins, de

acordo com suas capacidades e competências, para que todos juntos em um único dispositivo

social possam apontar ou resolver os problemas (VIDAL, 2003).

Considerando a Oficina de Design como a intervenção técnica a ser introduzida na

empresa – nesse caso, o Núcleo de Produção – será mostrado a seguir (Figura 5-41) este

dispositivo de construção social, com a composição e a função de cada um destes grupos de

pessoas.

Grupo de Ação Ergonômica (GAE) – Formado pelas pessoas internas e externas ao

Núcleo, essa equipe é constituída pelo designer (mestrando) responsável pela realização da

oficina e por duas rendeiras líderes. Esse grupo foi complementado posteriormente com a

presença de uma mestranda e duas alunas (bolsistas) de graduação.

a) Designer/mestrando: instrutor contratado pela instituição para desenvolver a

oficina junto às rendeiras, sendo ele o responsável por criar os novos desenhos

e produtos e conduzir a atividade durante o período de realização do projeto.

b) Rendeiras líderes: duas rendeiras que dirigem o Núcleo e tomam as decisões

sobre a implementação de melhorias e outras ações. Estas também têm grande

Figura 5-41 – Esquema multifuncional do dispositivo de construção social da Oficina de Design Fonte: Adaptado de SALDANHA (2004 p.107) e VIDAL (2002, p.138)

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capacidade técnica e orientam as demais no surgimento de dúvidas relativas à

produção. Foram as responsáveis por autorizar, mobilizar e viabilizar a oficina.

c) Mestranda e alunas de graduação: Outras três pessoas compuseram o GAE de

modo a contribuir com as investigações pós-oficina.

Grupo de Suporte (GS) – Integrado por pessoas de poder de decisão, a quem a

equipe de ação ergonômica se reporta durante a ação, e constituído pelos seguintes

componentes:

a) Rendeiras líderes: requisitadas desde o primeiro momento quando se decidiu

prover a ação e sempre requisitadas durante sua realização, seja para

solicitação de autorizações diversas ou para consultas técnicas. Têm forte

poder de decisão no Núcleo de Produção, e toda e qualquer atividade

desenvolvida é determinada e gerida por elas.

b) Instituição apoiadora da oficina: responsável em gerir o desenvolvimento da

oficina. Responsável, também, por fornecer a matéria-prima e controlar a

freqüência do instrutor e das artesãs, assim como por exigir e receber os

relatórios conclusivos da ação.

Grupo de Acompanhamento (GA) – Semelhante ao grupo de Suporte, mas com

certa distinção, pois neste grupo estão as pessoas com capacidade técnica para tomar decisões,

a saber:

a) Rendeiras líderes: conhecedoras da produção e das técnicas de rendar.

Rendeiras às quais o designer recorria para validar os novos desenhos, eram

também solicitadas pelas rendeiras menos experientes para esclarecimento de

dúvidas relativas à produção, principalmente no que se referia ao início da

produção de uma peça nova.

b) Costureira: possuidora de capacidade técnica específica (costura) necessária

para finalização das peças da oficina, além de responsável pela sugestão e

tomada de decisões sobre as melhores composições dos produtos.

c) Coordenadora do Projeto/ Orientadora do mestrando: pessoa responsável por

orientar as atividades a serem desenvolvidas em diversos aspectos, tais como

técnicas de interação com as rendeiras, registros de informações, indicação de

leitura, motivação de atividades a serem desenvolvidas, etc.

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Grupo de Especialistas (GE) – Grupo formado por pessoas que detêm um

conhecimento específico, sendo solicitado pelo GAE durante a atividade para uma

participação exata e pontual em determinada etapa do trabalho. Nesse caso, é formado por

duas pessoas: um artesão externo ao Núcleo, a quem chamaremos de “interlocutor

privilegiado”, e a costureira.

a) Artesão: não faz parte do Núcleo, mas freqüentou o lugar por um período de

tempo. Aprendeu a atividade de rendar e recriou os desenhos da renda em

microcomputador; componente a quem o designer recorreu antes da realização

da oficina para observar, aprender e replicar o método de confecção do

desenho em computador.

b) Costureira: não possuía conhecimento da renda, mas era especialista em

costura. O designer solicitava-lhe os serviços sempre que se concluía uma peça

e era necessária sua aplicação nos demais produtos.

Grupos de Foco (GF) – Formados por todas as rendeiras que participaram da

oficina. Estas foram distribuídas em três subgrupos específicos:

a) [GF-1] Grupo de Foco 1 (4 artesãs) – Rendeiras rendam no Núcleo de

Produção diariamente.

O Núcleo de Produção Rendeiras da Vila é freqüentado diariamente por cinco

artesãs. Porém, destas cinco, apenas quatro participaram da oficina – ficando

de fora a rendeira que tem deficiência auditiva por estar nesse mesmo período

se recuperando de um procedimento médico. Todas residem em Ponta Negra,

próximo ao Núcleo, possuem mais de 60 anos de idade, aprenderam a rendar

na infância (por volta dos 7 anos de idade) e nunca deixaram a atividade. Todas

exercem o ofício há mais de 50 anos. São viúvas, aposentadas ou pensionistas

dos maridos. Duas, além das pensões, possuem quiosques na praia e, apesar de

não trabalharem lá, ajudam na administração do lugar e no preparo de

alimentos, principalmente na alta estação. São senhoras ativas, que participam

de movimentos sociais (Grupo de idosos, Clube de mães, Danças folclóricas,

etc.) e fazem a renda por amor e dedicação, sem motivação financeira evidente.

Possuem grande conhecimento e experiência no ofício. Declaram que nunca

deixariam de rendar, mesmo que não haja mais venda. O depoimento a seguir

retrata essa afirmação:

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[...] Eu faço renda por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente fica mais alegre, mas se não vender mais nada, eu não ligo, continuo rendando e só paro um dia que Deus não deixar mais... Eu venho todo dia, eu já tô acostumada a vir, quando eu não venho me dá até uma agonia [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

b) [GF-2] Grupo de Foco 2 (8 rendeiras) – Rendeiras que fazem parte do Núcleo,

mas não freqüentam o lugar, produzem as rendas em suas residências e

enviam para á a fim de serem comercializadas.

Na sua fundação, o Núcleo contava com a participação de 14 rendeiras

trabalhando efetivamente. Com o passar dos anos e a desvalorização do

trabalho artesanal, a busca por outras ocupações, além de divergências e

problemas pessoais, fizeram com que esse número diminuísse. Entretanto,

algumas rendeiras que deixaram de freqüentar diariamente o lugar continuaram

a rendar em suas casas, enviando suas peças para serem comercializadas

através do Núcleo. Atualmente, 11 rendeiras produzem em suas residências,

mas apenas oito participaram da oficina. São artesãs com mais de 50 anos de

idade, residentes da Vila da Ponta Negra e que também aprenderam a rendar na

infância. Possuem grande conhecimento e experiência no ofício, porém, não

dispensam a mesma importância à atividade quanto as rendeiras do GF 1.

Assim como as demais, a principal motivação para o trabalho é o prazer e não

o dinheiro, como relatado: “[..] Não é porque dá dinheiro, é porque gosto,

aquilo ali já vem da época da minha mãe e não dá pra esquecer [...]” [ sic]

(RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos).

c) [GF-3] Grupo de Foco 3 (6 rendeiras) – Mulheres que sabem rendar, mas não

produzem com freqüência, além de não possuírem relação produtiva e

comercial com o Núcleo.

Formado por um grupo de mulheres da Vila de Ponta Negra que sabem rendar,

mas não fazem isso com freqüência nem produzem para venda. Foram

convidadas a participar da oficina para completar o número mínimo de pessoas

exigido pela instituição financiadora. As idades delas variam de 35 a 45 anos;

aprenderam o ofício há pouco tempo e a maioria não possui ligação cultural

com a arte da renda. Todas possuem atividades outras atividades profissionais,

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contribuem com o orçamento doméstico e declaram não rendar freqüentemente

em virtude da falta de tempo:

[..] Eu não faço renda porque não tenho condições de fazer, não tenho tempo. Eu tenho comércio que tomo conta sozinha... vontade eu tenho de aprender, .mas... Até mesmo pra dar continuidade à renda,. porque como eu sou mais nova, quer dizer.... já é uma chance de ter mais um tempo pra frente da renda, né!? [...] [sic] (Artesã da Vila, 40 anos).

Na construção social do projeto, como observado, existe uma multifuncionalidade

das artesãs, ou seja, algumas participam de grupos diferentes. Nesse caso específico,

destacamos a importância e a participação das rendeiras líderes em praticamente todos os

grupos (GAE, GS, GA, GF-1).

No GAE (Grupo de Ação Ergonômica), essas duas rendeiras participaram

diretamente da execução dos trabalhos, principalmente nas questões relativas à escolha dos

desenhos, produção e orientação às demais rendeiras menos experientes. No GS (Grupo de

Suporte), as rendeiras tinham autonomia para tomar decisões, desde a aceitação da oficina até

a seleção e convite das outras artesãs. Elas também tomavam decisões relativas à escolha dos

desenhos e ao feitio da renda durante as atividades. No GA (Grupo de Acompanhamento), as

duas rendeiras validavam os desenhos e produtos e orientavam o instrutor no tocante à criação

dos desenhos e as demais rendeiras quanto à produção da renda, por possuírem competência

técnica para isso – característica marcante desse grupo. Por fim, no GF1 (Grupo de Foco 1),

também demonstraram presença marcante em razão de também estarem participando das

atividades e serem alvo de investigação deste trabalho.

5.3 Construção Sociotécnica da Oficina

O esquema de construção sociotécnica, ilustrado na figura 5-42, mostra todas as

etapas realizadas antes, durante e após oficina, pontuando as ações e identificando as

pessoas/grupos envolvidos em cada etapa. Através desse processo de construção sócio-

técnica, buscamos entender a organização do trabalho no Núcleo, as técnicas de produção da

renda, os desenhos e as possibilidades de inovação, sustentados por validações e ajustes

pertinentes.

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Figura 5-43 – Correspondência entre desenho e renda

PANO

TRAÇA

TRANÇA

5.3.1. Pesquisa Situada – Núcleo de Produção Rendeiras da Vila

A pesquisa situada foi realizada pelo designer/mestrando, componente do GAE

(Grupo de Ação Ergonômica), no Núcleo de Produção. Foram utilizados métodos

observacionais (observações dos desenhos, dos produtos e da atividade) e interacionais

(verbalizações e ações conversacionais), tendo como objetivo principal conhecer as etapas e

os detalhes de produção da renda de bilro e compreender a relação entre o projeto e a

atividade (desenho x atividade de rendar). Por meio dessa análise, foi possível conhecer a

renda de bilro através do entendimento dos desenhos utilizados, seus estilos e traços

tradicionais e os pontos correspondentes, para assim iniciar o processo de criação das

propostas de desenhos para oficina. A figura 5-43 ilustra as simbologias dos desenhos

correspondentes aos principais pontos da renda (traça, pano e trança).

Essa etapa teve, de um modo geral, grande importância para o desenvolvimento

da oficina, pois, além de ter sido o primeiro contato mais aproximado com a produção da

renda, possibilitou o início do entendimento da complexidade dos desenhos, possuidores de

simbologias e de certa lógica matemática facilmente compreendida pelas artesãs, mas de

difícil percepção para um leigo. Essa etapa foi fundamental para a aproximação do instrutor

com as artesãs, reforçando a construção de reputação e de confiança.

5.3.2 Pesquisa Documental

Nessa etapa, buscaram-se informações históricas e técnicas, fotos de produtos,

outros locais de produção da renda, desenhos, etc., em internet, catálogos, fôlderes, livros,

revistas, entre outros, com o objetivo de conhecer, ratificar e complementar as informações

das rendeiras, de modo a contribuir para a formação do conhecimento global da atividade.

Também nesse momento, foi iniciada uma pesquisa por ícones que representassem a cidade

do Natal e que pudessem se tornar inspiração para os novos produtos.

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Figura 5-45 – Propostas de produtos com renda como componente principal

Capa de Pufe

5.3.3 Criação das primeiras propostas de produtos e desenhos

Após as pesquisas situada e documental, deu-se então início à idealização e

criação das primeiras propostas de produtos e desenhos para serem utilizados na oficina. A

primeira idéia seria tornar a renda um elemento a ser agregado a outro artigo industrializado

(camisetas, bolsas, jogos americanos, quadros, etc.), de modo que este ganhasse valor

diferenciado e o tempo de produção fosse reduzido, podendo gerar maior lucro para as

artesãs. Os desenhos da figura 5-44 mostram os croquis das primeiras idéias de produtos, sem

detalhamento da renda.

Além das propostas de aplicação da renda em outros artigos, também foi pensada

a utilização dela como componente principal de produtos, a exemplo de capas de pufe e de

luminárias (Figura 5-45). No entanto, na realização da oficina, apenas a primeira idéia foi

concretizada.

Figura 5-44 – Propostas de produtos com aplicação de renda

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92

Ainda nessa etapa de idealização, foram criadas em computador as primeiras

propostas dos desenhos das bandeiras de outros países, como forma de atrair o turista

estrangeiro ao ver a sua bandeira produzida por um tipo de artesanato diferenciado.

5.3.4 Pesquisa de Situação de Referência

De acordo como Santos et al (1997), a pesquisa de situação de referência

constitui uma atividade importante no início da implementação de qualquer mudança, pois é

nesse momento que se fazem as escolhas, sendo necessário identificar situações que possam

servir de base e sustentação para tais decisões.

A pesquisa de situação de referência deste trabalho configurou-se como uma

pesquisa de campo realizada com o objetivo de coletar dados que pudessem nortear e

subsidiar as ações previstas para a Oficina de Design. Foi realizada na cidade de São Miguel

de Gostoso, no dia 14 de junho de 2006 (antes da oficina), após a criação das primeiras

propostas de produtos e do desenho das bandeiras em computador. Executada junto a um

artesão externo ao Núcleo, a quem chamamos de “interlocutor privilegiado5” e que faz parte

do GE – Grupo de Especialistas. Este interlocutor é de naturalidade paulista, residiu no bairro

5 Pessoa integrante do dispositivo de construção social, possuidora de dados relevantes para a pesquisa, capaz de articular diálogos e transmitir informações importantes.

Figura 5-46 – Propostas de desenhos das bandeiras

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de Ponta Negra, Natal/RN, durante 4 anos, onde conheceu as rendeiras e o Núcleo,

aprendendo a rendar e criando os primeiros desenhos de renda produzidos em

microcomputador.

Durante as 10 horas de contato com o interlocutor privilegiado, utilizando

métodos observacionais e interacionais, foi possível coletar dados relevantes inseridos em

quatro aspectos principais: informações sobre a população em estudo (rendeiras da vila);

sobre as técnicas do rendar e as simbologias dos desenhos; conhecimento sobre o processo de

criação e produção dos desenhos em computador; e validações de propostas de novos

desenhos em computador. Além do registro de informações, foi disponibilizada cópia dos

arquivos dos modelos desenvolvidos por esse artesão, os quais serviram de referência para as

novas propostas da oficina.

A figura 5-47 ilustra o desenho produzido à mão e sua respectiva correspondência

na simbologia em computador criada pelo artesão.

Para essa pesquisa de situação de referência, foram levados para apreciação do

artesão os primeiros esboços das propostas de produtos e desenhos (croquis com propostas e

desenhos finalizados em computador), dando início, dessa forma, a um novo e importante

passo do processo de construção sociotécnica do projeto – as validações, que, segundo Vidal

(2003), são etapas importantes da Análise Ergonômica do Trabalho, pois verificam se os

resultados obtidos correspondem à realidade, sendo essas verificações atestadas pelos próprios

pesquisados.

Essa primeira validação foi fundamental, uma vez que muitas dúvidas foram

esclarecidas e muitos desenhos excluídos por estarem inadequados para a produção em renda

de bilro. A figura 5-48 mostra o exemplo do desenho de uma das bandeiras proposto e

eliminado na validação com o artesão, em virtude da complexidade da forma do brasão e do

Figura 5-47 – Correspondência entre desenho feito à mão e o no computador

DESENHO FEITO À MÃO SIMBOLOGIAS DESENHO NO COMP. PRODUTO

Traça

Pano

Trança

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círculo, que, além de não estarem dentro dos padrões dos desenhos das rendas, são de difícil

confecção.

Essas verificações prévias com um interlocutor privilegiado, pessoa externa ao

Núcleo, possibilitaram não só o aumento do conhecimento técnico do rendar, mas,

principalmente, uma nova visão acerca de sua produção, a partir da perspectiva ou

representação de um homem, empresário nascido e criado em outro contexto social, mas que

também sabia rendar e desenhar em computador.

Essa nova visão sobre a produção da renda de bilro mostrou que, apesar de se

tratar de um artesanato tradicional, ela pode receber inovações em seus desenhos e produtos e

que a perspectiva de quem a produz, ou seja, do trabalhador, levando em consideração seu

contexto social, geográfico, carga histórica, cultural tradicional, é determinante no resultado

final do produto, inclusive na escolha do produto a ser rendado. Na época, o artesão estava

produzindo uma camiseta masculina, produto que as rendeiras da Vila não faziam, mas que

foi produzido por uma das integrantes do Núcleo após a criação do desenho em computador

pelo artesão.

5.3.5 Criações de novos desenhos e segunda validação (GA – Rendeiras Líderes)

A primeira validação realizada na pesquisa de situação de referência gerou

propostas de desenhos – dentre as quais algumas foram eliminadas ou aprovadas e outras

encaminhadas para ajustes –, e também possibilitou a criação de novos desenhos (figura 5-49)

em computador para serem levados para apreciação das rendeiras líderes (nesse momento,

atuantes no Grupo de Acompanhamento, por deterem o conhecimento técnico). Os modelos

levados à segunda validação tinham um nível mais elaborado que os levados à primeira.

Figura 5-48 – Desenho da Bandeira de Portugal (eliminado)

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Para essa segunda validação, foram levados, além dos novos desenhos criados, os

croquis com as primeiras propostas de produtos (camisetas, bolsas, luminárias, capa para

pufe, etc.), a fim de verificar e comparar as validações dos dois grupos (Especialista e GA -

Rendeiras Líderes). Os resultados foram semelhantes aos encontrados na situação de

referência, mostrando que, embora haja diferenciação na maneira como é visualizada

dificuldade, devido principalmente à diferença do contexto social e cultural de cada grupo, a

técnica do rendar foi o critério utilizado para aprovação ou eliminação de desenho.

Essa segunda validação também trouxe maiores entendimentos de como a

rendeira compreende e aceita os novos desenhos em computador. A perspectiva das duas

líderes (Grupo de Acompanhamento) frente ao desenho novo difere: uma aceitava melhor os

desafios, sugeria idéias, enxergava possibilidades e se mostrava mais disponível à

experimentação; e a outra, a mais idosa do Núcleo, apresentava-se mais retraída, calada e

pensativa. Nenhuma delas rejeitou as novas propostas e sempre estiveram dispostas a ajudar

quando solicitadas; contudo, ambas deixaram claro, nas suas palavras, o cuidado e apego ao

estilo tradicional da renda:

Olhe, Kléber, eu faço essa renda (tradicional) porque eu gosto, já tô acostumada. Você sabe, eu já tô com 65 anos que eu trabalho na renda, então eu já estou acostumada, né?! Faço por amor, adoro fazer meu trabalho e vou morrer trabalhando [sic] (RN3 – Rendeira líder do Núcleo – GA).

5.3.6 Detalhamento dos Desenhos

Após as primeiras validações (GE e GA), e antes de iniciar a oficina, deu-se início

ao detalhamento dos desenhos das rendas. O conhecimento da técnica do rendar e do processo

de criação dos novos desenhos em computador já era familiar para o designer, formando um

repertório mental que alimentava e ao mesmo tempo limitava as idéias e a criatividade.

Figura 5-49 – Desenho confeccionado após primeira validação e levado para segunda

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Figura 5-50 – Propostas de desenhos de ícones da cidade do Natal

Nessa etapa de criação, foi realizada uma nova busca por ícones (imagens e

desenhos) que pudessem servir como inspiradores para a concepção do novo acervo que seria

produzido em renda na oficina. Foram concebidos desenhos em diferentes padrões estéticos,

que foram agrupados em dois grupos distintos: série “Cidade Natal” e série “Geométricos”,

além dos desenhos das “bandeiras”, criados anteriormente. As criações, apresentadas a seguir,

foram produzidas no computador e dentro da linguagem visual entendida pelas rendeiras, por

conseqüência dos modelos criados pelo artesão anteriormente. Foram impressos em

impressora a laser, colados em papel craf e plastificados para serem rendados. Foram

produzidos aproximadamente 50 novos desenhos que passaram a integrar o acervo do Núcleo.

5.3.6.1 Série “Ícones da cidade de Natal”

Desenhos concebidos a partir de inspirações em ícones da cidade do Natal (sol,

peixes, onda, mar, etc.), numa proposta para fortalecer e reforçar as iconografias locais e

potencialidade turística da cidade. (Figura 5-50).

5.3.6.2 Série “Geométricos”

Proposta de desenhos mais geométricos (Figura 5-51), opondo-se aos desenhos

comumente encontrados no Núcleo, todos com formas rebuscadas. Nesses modelos, os

espaços que representam o “pano”, indicados por uma área em branco na simbologia de

computador (ver figura 5-47), foram preenchidos com uma cor para diferenciarem-se das

linhas, sem alteração na compreensão das rendeiras.

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Figura 5-51 – Propostas de desenhos geométricos e abstratos

Como se observa, os desenhos criados para oficina, tanto os da série “Natal” como

os da série “Geométricos”, não continham as traças – ponto que caracteriza a renda de bilro –

e, embora já existisse o conhecimento da importância desse ponto nos desenhos da renda, as

propostas da oficina foram criadas de forma diferente, numa tentativa de inovar e ampliar as

possibilidades de desenhos e produtos.

5.3.7 Realização da Oficina

A realização da oficina, liderada pelo GAE (Grupo de Ação Ergonômica), foi a

ocasião em que todos os grupos do dispositivo de construção social se inter-relacionaram,

tendo, em cada grupo, diferentes pessoas que desempenharam diferentes funções, a saber:

a) Grupos de Focos (GF 1, 2, 3) – artesãs (rendeiras e interessadas) inscritas na

oficina;

b) Grupo de Especialistas (GE) – costureira, responsável por aplicar as peças de

renda nos produtos;

c) Grupo de Suporte (GS) – instituição apoiadora, responsável pelo fornecimento

de matéria-prima e lanche;

d) Grupo de Acompanhamento (GA) – rendeiras líderes e costureira, fornecendo

apoio e conhecimento técnico ao instrutor.

No primeiro dos dez dias da oficina, foi explicado às artesãs que se pretendia

confeccionar pequenos desenhos em renda para serem aplicados em outros produtos

(camisetas, bolsas, toalhas, tapetes, etc.) como forma de otimizar a produção e gerar uma nova

alternativa de trabalho, sem intenção de sobrepor ou substituir os modelos tradicionais. Foram

expostas, em uma mesa, as propostas de aplicações e os modelos produzidos em computador.

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Figura 5-52 – Desenho original (esquerda) e renda alterada (direita)

Quadrado com cantos preenchidos, indicando

a formação de pano

Formação de uma trança diagonal no lugar do

pano

Desenho refeito de acordo com a

regulação da rendeira

A par disso, foi solicitado que cada rendeira escolhesse aquele que mais lhe agradasse,

iniciando-se o rendar. A rendeira poderia também sugerir outro desenho, caso não se

agradasse de nenhum.

Durante o processo de produção das peças, problemas relacionados ao projeto e à

produção foram surgindo. Estes eram discutidos entre o GAE, o GA e os GF1, GF2 e GF3, e

alguns eram solucionados através de regulações. Procedeu-se, portanto, a validações em

situação real, resultando em desenhos eliminados, aprovados ou encaminhados para

consertar, ou, então, em produtos (rendas) eliminados ou aprovados.

A figura 5-52 apresenta o exemplo de um projeto (desenho) que fora aprovado

pelas rendeiras líderes (GA) e pela rendeira do GF-2 responsável por confeccionar a renda,

mas que sofreu modificação durante o processo de confecção a partir de sugestão da própria

rendeira que o confeccionava. O modelo original continha os cantos do quadrado preenchidos

com tinta preta, o que indicava a formação de pano; no entanto, no processo do rendar, a

artesã fez determinada regulação, facilitando seu trabalho, inserindo uma trança diagonal para

substituir o pano. Essa ação demonstra a importância do processo situado e participativo.

As figuras 5-53 e 5-54 ilustram um problema relacionado ao produto (Bandeira da

Noruega) que teve seu desenho aprovado, mas, depois de confeccionado, na etapa de costura

(fixação da renda na camisa de malha) realizada pela costureira (GE), foi eliminado em

virtude de possuir partes pequenas que dificultariam sua costura na camiseta.

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Durante a realização da oficina, também foram produzidos desenhos sugeridos

pelas artesãs que não faziam parte das séries de desenhos criados. Estes foram sendo

solicitados à medida que novas idéias iam surgindo, tanto por parte das rendeiras dos Grupos

de Foco (1, 2 e 3), quanto pelo instrutor, sendo escolhidos para produção de acordo com o

nível de facilidade. A figura 5-55 ilustra exemplos de três modelos concebidos durante a

oficina, a partir de idéias surgidas no momento da ação. Dos três, apenas o primeiro (caracol)

foi produzido.

A seguir, serão demonstrados os processos de produção de alguns desenhos,

ilustrando a fase projetual (proposta), os desenhos produzidos em computador, a produção e

finalização das rendas (aplicação) e o produto final acabado (Figuras 5-56 a 5-59).

Figura 5-55 – Desenhos concebidos durante a oficina

Figura 5-54 – Produção da Bandeira da Noruega – (eliminada)

Após rendada, foi identificado que esta parte não era passível de ser costurada na camiseta em virtude de sua dimensão.

Figura 5-53 – Desenho da Bandeira da Noruega

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Renda aplicada em camiseta

Produção da renda

Desenho Desenho

Renda aplicada em camiseta

Produção da renda

Figura 5-56 – ciclo de produção de uma bandeira Figura 5-57 – ciclo de produção de um desenho geométrico

Proposta Proposta

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Desenho aplicado em bolsa

Produção da Renda

Desenho

Desenho aplicado em camiseta

Produção do Desenho

Renda aplicada em bolsa

Figura 5-58 – ciclo de produção de desenho da série “Natal”

Figura 5-59 – ciclo de produção de um caracol

Desenho

Produção da Renda

Renda aplicada em camiseta

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102

5.4 Resultados e avaliações da oficina de Design

Como resultados práticos da oficina, foram gerados desenhos, rendas, produtos e

capacitação das rendeiras, a saber:

a) desenhos: foram produzidos mais de 60 novos modelos com padrões estéticos

diferentes dos tradicionais. Desse montante, a maioria (aproximadamente 50)

permaneceu no Núcleo para eventual utilização, e os demais foram levados

pelas rendeiras para serem produzidos em suas residências (GF 2 e 3);

b) rendas (aplicações): nem todos os modelos foram rendados; alguns não foram

aprovados e outros não chegaram a ser utilizados, sendo então produzidos em

torno de 50 aplicações de desenhos variados;

c) produtos: foram produzidos 48 produtos entre camisas, bolsas, toalhas, jogos

americanos, tapetes, etc. (Figura 5-60). Dessas peças, uma parte foi distribuída

entre as participantes, uma menor foi destinada ao órgão apoiador para efeito

de exposição e as demais permaneceram no Núcleo para possíveis

comercializações;

d) capacitação: através da Oficina de Design foi possível gerar novas alternativas

de produtos, o que, conseqüentemente, proporcionou uma capacitação extra

para as artesãs, além de ter estimulado nelas o senso criativo.

Camisetas Camisetas Jogo Americano (4 peças)

Jogo Americano (2 peças) Toalhas Bolsas

Figura 5-60 – Produtos gerados na oficina

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103

Figura 5-62 – Aplicação de renda em camiseta de malha

Figura 5-61 – Camiseta toda em renda

A partir das peças produzidas na oficina e de alguns depoimentos das rendeiras

após a realização do projeto, podemos dizer que no aspecto “cumprimento de metas”, a

Oficina de Design obteve considerável êxito:

[...] Rapaz, eu achei ótimo, gostei muito, bem criativo. Eu já tinha tido essas idéias, mas não tinha era dinheiro pra comprar as peças [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1). [...] A oficina pra mim foi muito boa, eu mesmo já tô fazendo várias coisas diferentes. A gente aqui não tinha essas atividades pra aplicar em roupas e agora eu já tô aplicando em toalha, em blusa, em bolsa. Já tô mandando pra fora pra ver se o povo gosta, tô dando de presente [...] [sic] (RV9 – Rendeira da Vila, 68 anos – GF2).

Análises preliminares mostraram que as peças com aplicação de detalhes em

renda em produtos industrializados, em relação aos produtos tradicionais, apresentam

vantagens no tocante ao tempo de produção e valor da hora trabalhada. Vejamos: a confecção

de uma camiseta em renda (figura 5-61) consome, em média, 80 horas de trabalho e

corresponde ao valor da hora de trabalho na ordem de R$ 0,60, enquanto que a confecção de

uma aplicação (caracol, por exemplo – figura 5-62) consome em média 7 horas e corresponde

ao valor médio de R$ 1,77 pela hora trabalhada. Comparando-se as remunerações decorrentes

da produção dos novos produtos (R$/hora = 1,77) com a dos tradicionais (R$/hora = 0,60),

percebemos que existe uma vantagem financeira na confecção das novas peças.

No entanto, constatamos que esses relatos positivos, assim como os dados

comparativos que mostram uma vantagem financeira do novo produto, não foram suficientes

para provocar uma mudança na atividade das rendeiras. Observamos, dois meses após a

realização da oficina (primeira investigação), que apenas duas das dezenove rendeiras

participantes da oficina deram continuidade à confecção das novas peças voluntariamente. Na

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segunda avaliação, realizada quinze meses (1 ano e 3 meses) após a oficina, verificamos que

nenhuma das rendeiras deu continuidade a essa produção de forma espontânea, mas apenas

para as encomendas realizadas por membros da equipe.

Indagadas sobre a não continuidade, obtivemos alguns relatos como estes:

[...] Se tivesse outra (oficina) eu faria, valeu a pena. Mas não tô fazendo mais porque a gente não vai deixar de fazer essa (renda tradicional) pra fazer outra [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos – GF1). [...] Gostei de fazer, mas se for pra mim fazer em casa, eu não, eu mesmo, não [...] [sic] (RV10 – Rendeira da Vila,46 anos – GF2).

As tabulações dos dados obtidos nas ações conversacionais junto às dezesseis

rendeiras dos Grupos de Foco 1, 2 e 3 que participaram da oficina deram subsídios para a

identificação dos 10 motivos mais significativos para a não continuidade do trabalho. (Figura

5-63).

De acordo com o gráfico 2 (figura 5-66), treze rendeiras, ou seja, a maioria (82%

delas), foram unânimes em dizer que não gostaram de produzir desenhos pequenos, tendo em

vista estes exigirem maior esforço da visão, mãos e braços. Além disso, a confecção desses

novos modelos altera um fator determinante na produção da renda de bilro: o prazer gerado

pelas interações entre as artesãs. Essas mulheres estão acostumadas com peças maiores cujo

tempo total de produção é longo, enquanto que a produção dos desenhos menores em período

de tempo curto acelera o ritmo de trabalho e intensifica a atenção da artesã, fazendo com que

Figura 5-63 – Gráfico 2 – Principais motivos da descontinuidade da produção dos “novos produtos”

Número de rendeiras investigadas

82%

69%

62%

56%

50%

37,5%

31%

19%

12,5%

6%

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105

as discussões, conversas informais, cantorias e pausas, que estão ligadas à longa duração da

produção de cada produto, sejam reduzidas.

Analisando esses fatos numa perspectiva ergonômica, notamos que a relação entre

projeto/desenho pequeno e problemas de postura, visão e desconforto está associada a

problemas de ergonomia física. As questões relativas à pausa e ritmos estão associadas à

ergonomia organizacional, e questões de atenção, “agonia”, associadas aos aspectos

cognitivos.

O relato de uma das rendeiras reforça essas questões:

[...] Não tenho paciência pra fazer aquilo, não. Meu negócio é fazer “renda”, aqueles desenhos são muito pequenos, vixi, dá uma agonia! [sic] (RV10 – Rendeira da Vila,46 anos – GF2).

O relato acima também aponta para o fato de que a rendeiras não consideram as

pequenas aplicações utilizadas como detalhes inseridos em outros produtos “renda de bilro”,

indicando que, embora tenham validado os desenhos do ponto de vista técnico, não

consideraram nas validações o ponto de vista cultural. Sobre essas validações, não podemos

deixar de mencionar que o curto período de tempo disponível para isso (problema

metodológico) pode ter interferido nos resultados dessas percepções.

O gráfico 2 mostra, também, que 11 rendeiras (69%) disseram não ter habilidade

para costurar (aplicar rendas nos produtos), fazendo surgir a necessidade de envolver outra

pessoa (costureira) nesse processo, parcelando o trabalho, gerando custo cujo desembolso é

imediato (R$ 3,00 por aplicação) e modificando a forma de organização do trabalho das

artesãs, que perdem o domínio de uma das partes da atividade. Sobre esse aspecto,

destacamos também que a maioria dessas mulheres não costura as peças tradicionais

(produtos que são confeccionados em partes separadas e unidos por costura manual); a

atividade é realizada por uma rendeira específica, uma das líderes do Núcleo, a qual, apesar

de auxiliar na oficina integrando o Grupo de Acompanhamento (GA), não produziu nenhum

dos produtos durante e após a oficina, bem como não os aplicou (costura), revelando, de certa

forma, pequena ou nenhuma identificação com a nova proposta.

Dez rendeiras (62%) declararam não ter condições financeiras para comprar

camisetas, bolsas, toalhas, para aplicar as rendas, fator determinante para essa nova produção,

uma vez que todo o material da oficina foi ofertado pela instituição apoiadora e que a

continuidade dos trabalhos dependeria de investimentos próprios. Sobre esse tópico,

destacamos a seguinte fala:

[...] Não adianta comprar só uma camiseta, tem que fazer cinco de cada tamanho, desenhos diferentes, cores diferentes, se não vai ficar tudo um

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“par de jarro”. Mas num tem dinheiro pra comprar as peças, aí fica difícil, né!? [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).

Consideramos essa questão com especial relevância, visto que a produção das

peças tradicionais pelas rendeiras do Grupo de Foco 1 independe da compra individual de

matéria-prima. O Núcleo fornece materiais para as cinco rendeiras do GF-1,

independentemente da comercialização individual, através dos recursos gerados pela

arrecadação de 20% de cada peça vendida. A matéria-prima utilizada na produção tradicional

é a linha (marca Cléa), cujo valor varia de R$ 5,50 a 6,50 (rolo de 500 metros).

Nove rendeiras (56%) comentaram acerca da dificuldade de comercialização dos

produtos com aplicações, e 50% das artesãs (oito) alegaram que a descontinuidade dos

trabalhos se deu em virtude da falta de lugar para comercializar. A respeito disso, é

importante destacar que a comercialização é um problema que atinge não somente as

rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra, mas o artesão de um modo geral, fazendo com que

muitos tenham que vender seus produtos para os chamados “atravessadores”. O fato de as

rendeiras do Núcleo (GF1) estabelecerem valores fixos para seus produtos e não entregarem

suas peças para revenda, pode ser um ponto positivo, na medida em que elimina a pessoa do

“atravessador”; porém, esse fato também contribui para o baixo nível de comercialização,

constatada pela quantidade de peças em estoque (ver tabela 4-5). Esta questão provoca

insegurança nas artesãs na produção dos novos produtos, face à necessidade de investir na

compra de produtos (camisetas, toalhas, bolsas, etc.), sem garantia de retorno a curto prazo.

Cinco rendeiras (31%), integrantes do Grupo de Foco 3 (artesãs que rendam em

casa e enviam os produtos para o Núcleo), trabalham fora de casa e alegam não poderem

dedicar um tempo exclusivo à renda. Na verdade, a falta de tempo citada pela rendeira

provavelmente se trata de um reflexo de um problema maior: a desvalorização do trabalho

artesanal, o baixo retorno financeiro da atividade (valor da hora de trabalho) e a dificuldade

de comercialização que acabam por transformar o trabalho artesanal numa atividade paralela

aos empregos formais.

Três rendeiras (19%), também pertencentes ao Grupo de Foco 3, não se

consideram rendeiras profissionais, apenas fazem a renda esporadicamente e como terapia nas

horas vagas. Observamos que, na produção da renda, as rendeiras se intitulam como

profissionais ou não, de acordo com sua dedicação ao ofício. As rendeiras que fazem parte do

Grupo de Foco 1, ou seja, que rendam no Núcleo diariamente, intitulam-se como

profissionais, ao passo que as do Grupo de Foco 3 não se vêem dessa maneira.

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Duas artesãs (12,5%) alegam que a moda varia muito e que, por isso, não fariam

novos produtos; apenas uma (6%) disse não continuar fazendo as aplicações por estas terem

preço baixo e não compensar o trabalho. Sobre esse último aspecto, lembramos que, embora

apenas uma rendeira tenha citado esse motivo, a remuneração gerada pela produção das

aplicações realmente não causaria uma mudança na realidade econômica da rendeira. Poderia

gerar um aumento na remuneração da artesã, caso houvesse venda, mas não traria mudanças

significativas, do ponto de vista econômico, uma vez que a hora de trabalho obtida com essa

nova produção (R$ 1,77 em média) ainda permanece muito aquém da hora de trabalho gerada

pelo salário mínimo (R$ 2,35), que já é baixa.

Outro ponto destacado na pesquisa diz respeito à motivação das rendeiras para o

trabalho. Os relatos indicaram que, para algumas rendeiras, o principal elemento motivador do

ofício é o prazer, e não o simplesmente o retorno financeiro, embora todas se preocupem com

as possíveis vendas. Ressaltamos que essa realidade é mais explícita nas rendeiras do Grupo

de Foco 1, que trabalham no Núcleo de Produção.

[...] Quando eu boto uma renda na almofada, a minha vontade é só tá ali direto, só isso! Quando eu termino de lavar uma louça, eu já tô ali rendando, não penso em parar nunca, mesmo que não venda, eu só paro quando eu morrer (risos) [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos – GF1).

O gráfico 3 (figura 5-64) mostra que das dezesseis rendeiras entrevistadas, apenas

uma (6%), a que recebe ½ salário mínimo de pensão do marido, declara contar com o dinheiro

gerado pela renda de bilro como ajuda no seu orçamento doméstico. Outras 44% declaram

que o dinheiro gerado pela atividade não contribui na sua renda familiar e, quando chegam a

recebê-la, a quantia é utilizada para fins diversos que não as despesas domésticas; 50% das

artesãs não contam com esse dinheiro; no entanto, quando há uma venda, o valor ajuda no

orçamento.

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O gráfico 4 (figura 5-65) retrata um panorama geral da situação econômica das

rendeiras. Podemos notar que as duas maiores quantidades de artesãs – (25% e 44%) mais

representativas na análise – recebem mensalmente até dois salários mínimos, mas, mesmo

assim, segundo relatos delas próprias, não produzem renda unicamente como fonte de

dinheiro, mas principalmente por amor e respeito à tradição, lazer e satisfação.

A partir desses resultados e das observações que se seguiram, foi possível

perceber, principalmente através do gráfico 2, que os motivos da não adaptação à nova

produção, de modo geral, têm forte ligação com o fato de a alternativa de produção proposta

na oficina alterar algumas características inerentes ao produto, a exemplo da forma dos

desenhos, alteração da carga e ritmo de trabalho, motivação, etc.

Figura 5-65 – Gráfico 4 – Renda financeira das rendeiras

Número de Rendeiras analisadas

Fai

xas

de s

alár

io

19%

12%

44 %

25 %

Figura 5-64 – Gráfico 3 – Contribuição do dinheiro da renda no orçamento doméstico

50%

6%

44% N

úmer

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deira

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alis

adas

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5.4.1 Considerações da instituição apoiadora acerca da Oficina de Design

A instituição de apoio ao turismo na região Nordeste, órgão que ofertou,

promoveu, financiou e determinou as regras de trabalho da oficina, não foi ouvida nesta

pesquisa.

A instituição que apenas recrutou o instrutor e forneceu a matéria-prima levantou

as seguintes considerações sobre a intervenção:

a) ações com esse formato (focada apenas no produto), muitas vezes, são

necessidades de cumprimento de tarefa, de meta, fato ocorrido com alguns

órgãos que precisam atender às comunidades para cumprir estatísticas;

b) os programas de apoio ao artesanato não podem funcionar como paternalismo,

ou seja, ofertando tudo sem custos. O paternalismo deve ser evitado pelos

programas e deve ser dito claramente às comunidades receptoras que a ação

tem prazo para terminar e que o objetivo é simplesmente facilitar o crescimento

e desenvolvimento produtivo, sendo necessária, para isso, a participação de

todos, e não apenas do órgão que financia;

c) ações com metodologias pouco estruturadas e não adaptadas à realidade

específica podem contribuir com a queixa comum entre os grupos de artesãos,

que é a descrença em todos os programas de apoio, bem como o receio em

procurar e aceitar ajuda;

d) nas cidades interioranas, os artesãos conseguem se organizar mais facilmente,

principalmente quando trata-se de uma vocação local, além de se dedicarem

com mais afinco à atividade pela falta de empregos formais nesses lugares. No

entanto, estão longe do público consumidor, em geral turistas, os quais, na

maioria das vezes, visitam apenas as capitais. Nestas, o fato é invertido, ou

seja, existe de certo modo o público comprador (turistas), mas a produção é

baixa e pouco disseminada, tendo em vista as oportunidades de empregos

formais na cidade que atraem os artesões e conseqüentemente fazem diminuir a

produção, além de não atrair pessoas mais jovens para o aprendizado, nem

despertar nos artesãos desejos de mudanças;

e) no artesanato tradicional, caso da renda de bilro – repassado entre gerações,

vocação de certa região, faz parte da história e cultura de um povo –, nunca se

deve mexer na caracterização da arte. A descaracterização, ou seja, a mudança

dos padrões estéticos e formais, como também do modo operatório, é

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certamente o grande problema da resistência ao novo e da não absorção dos

novos conhecimentos inseridos pelo designer;

f) o Design não é necessariamente a solução do problema: ele é um aliado, um

forte colaborador no processo de inovação, mas uma inovação moderada,

estudada e analisada cuidadosamente, evitando a descaracterização.

5.5 Fecho do Capítulo

Os resultados da oficina apresentados neste capítulo mostraram que, no aspecto

cumprimento de metas, a Oficina de Design obteve resultado. Entretanto, faz-se necessário

um entendimento mais detalhado e menos superficial do que se pode definir como

“resultados” em ações voltadas para o artesanato. O que se observa é que, não raras vezes, os

resultados gerados para as entidades, tido como positivos, inserem-se num contexto apenas de

eficácia, que contabiliza o cumprimento da meta e a quantificação dos atendimentos, podendo

ser diferente dos resultados gerados para as comunidades receptoras, que necessitam de ações

mais adaptadas a suas realidades e de efeitos mais duradouros.

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Capítulo 6 | Ações Pós-oficina de Design

Neste capítulo, apresentaremos as ações que foram efetivadas após a realização e

análise da oficina de Design, que se configuraram como novas fontes de estudo para geração

dos resultados finais deste trabalho. Apresentaremos o redesenho da Bandeira do Brasil como

uma experiência que retratou a importância da participação da rendeira no processo de criação

e concepção dos desenhos; o projeto de duas luminárias, realizado como nova proposta de

produto a ser incorporada à rotina produtiva das artesãs; e, por último, destacaremos as ações

realizadas para expor e divulgar o Projeto Rendeiras da Vila durante a pesquisa.

6.1 Redesenho da Bandeira do Brasil

A partir de validações realizadas com a rendeira que produziu a Bandeira do

Brasil na oficina, foi identificado que o desenho não estava adequado aos padrões tradicionais

do desenho e da produção da renda e que, apesar de ter sido produzido várias vezes após a

oficina, sob encomenda, exigia maior trabalho das artesãs que as demais peças tradicionais,

causando ainda desconforto nas mãos e braços durante sua confecção, como relatado por elas

próprias:

[...] Tem coisas que não vale a pena a gente parar pra fazer, tipo uma bandeira dessa. Quem vê, diz que é fácil, porque é pequena, mas dá muito trabalho, é melhor fazer uma peça bem grande que você demora a fazer, mas todo mundo vê o trabalho que deu pra fazer... Ela (se referindo a rendeira que fazia as bandeiras) passou a tarde toda ontem e não fez quase nada [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).

Os principais problemas do desenho estavam relacionados às dimensões, ao

sentido das linhas e aos pontos utilizados, uma vez que não existia a traça (característica

marcante da renda de bilro), e as tranças e o pano estavam distribuídos de forma disforme.

Esse primeiro desenho foi criado para realização da oficina, momento em que o

conhecimento aprofundado do método de desenhar e rendar ainda não existia por parte do

designer/ mestrando. A figura 6-66 mostra a primeira versão do desenho da Bandeira do

Brasil e indica os principais problemas encontrados.

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Declarações das rendeiras sobre o desenho antigo (figura 6-69), aliadas às

observações e análises da oficina, nortearam o desenvolvimento de um novo modelo para a

Bandeira do Brasil (Figura 6-67), de modo semelhante aos desenhos tradicionais da renda,

com os elementos (traça, trança e pano) inseridos e bem distribuídos. O novo desenho foi

criado um ano após a oficina, no momento em que existia um conhecimento mais arraigado

das técnicas de renda e desenho por parte do designer.

A confecção em renda do novo desenho foi realizada em três etapas: 1) confecção

do retângulo verde; 2) confecção do losango amarelo; e 3) confecção do círculo azul e branco

– que foram unidos posteriormente através de costura manual.

A tabela 6-9 sistematiza o processo de produção desse novo produto, indicando as

características produtivas de cada parte da bandeira.

Inserção de “traças” e diminuição das áreas de “pano”.

Dimensão total ampliada para facilitar o rendar (19 x 13 cm)

Sentido das linhas diagonal, semelhante aos desenhos tradicionais

Figura 6-67 – 2º desenho da Bandeira do Brasil

Figura 6-66 – 1º desenho da Bandeira do Brasil

Tranças e pano em demasia

Ausência de traças (ponto característico)

Sentido das linhas contrário ao sentido diagonal utilizados nos desenhos tradicionais

Dimensão pequena (13 x 8 cm)

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Tabela 6-9 – Sistematização dos dados da produção da nova Bandeira do Brasil

RETÂNGULO

VERDE LOSANGO AMARELO

CÍRCULO AZUL e BRANCO

Dimensão 13 x 19 cm 9,5 x 14 cm 5 cm (diâmetro) Número de horas de

trabalho 4 horas 3 horas 1,5 horas

Número de bilros 32 bilros 28 bilros 44 bilros Número de “traças” 84 traças 0 traças 30 traças

Área de “pano” (cm2) 0 6 cm2 (área total) 0,03 cm2

Desenho

Imagem do produto

Tempo de montagem e costura

30 minutos (etapa realizada em máquina de costura industrial)

Conforme a sistematização dos dados, observamos que o retângulo verde trata-se

da peça de maior dimensão, que consome mais horas de trabalho, possui o maior número de

traças e o segundo maior número de bilros, características que sugeririam um maior trabalho.

No entanto, relatos da rendeira que o produziu atestam-no como a peça mais “agradável de ser

feita”, mais prazerosa e menos trabalhosa.

O losango amarelo, embora necessitando do menor número de bilros e possuindo

dimensões inferiores ao retângulo verde, foi tido como a mais cansativa e trabalhosa das três

peças por ser feita inteiramente de “pano”. Além disso, acrescenta-se outra dificuldade: a

figura geométrica (losango) não facilita o ritmo da atividade; a melhor figura geométrica para

rendar é o retângulo ou quadrado.

O círculo azul e branco é a menor peça e a que consome menor número de horas,

mas também a que necessita de uma maior quantidade de bilros, o que a torna mais trabalhosa

em termos de movimentações das mãos, exigindo também maior atenção e concentração da

rendeira. Em relação ao losango amarelo, é melhor de ser confeccionado segundo relato da

rendeira que o produziu. A figura 6-68 mostra as etapas de produção da bandeira do desenho à

renda finalizada.

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Quando comparamos o primeiro desenho com o segundo (Figura 6-69),

percebemos que o último se apresenta bem mais apropriado e adequado aos padrões estéticos

tradicionais da renda, principalmente por conter a presença das traças. O relato a seguir

ilustra a percepção da rendeira em relação aos dois desenhos:

Esse desenho novo nem se compara com o outro, é muito melhor de fazer e muito mais rápido, num instante eu fiz as três partes (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).

Figura 6-68 – Esquema de produção do novo desenho da Bandeira do Brasil

Rendas confeccionadas a partir dos desenhos

Desenho produzido em computador em novo formato e padrão estético

Peças finalizadas e unidas

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Figura 6-70 – Comparação entre as camisetas com rendas da Bandeira do Brasil.

Na comparação entre as camisetas finalizadas, também fica evidente a diferença

entre as duas, estando a segunda com um nível de acabamento e caracterização da renda de

bilro bem mais acentuado. Ressaltamos contudo, que, embora a primeira camiseta, quando

comprada à segunda, se apresente com menor atratividade, esta também foi validada e

aprovada pelo público, em especial nas comemorações dos Jogos Panamericanos do Brasil em

2007, na cidade do Rio de Janeiro. (Figura 6-70).

Duas camisetas com as novas bandeiras aplicadas foram levadas à feira Brasil

mostra Brasil de 2008, para fins de teste de mercado, despertando o interesse no público.

Foram vendidas no segundo dia de exposição, provocando também na rendeira, de imediato, a

iniciativa de confeccionar outras. Durante a própria feira, a rendeira passou a produzir

bandeiras por iniciativa própria, o que indica a possibilidade de incorporação do produto à

rotina de trabalho da artesã.

Figura 6-69 – Comparação entre os desenhos da Bandeira do Brasil

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6.2 Projeto de luminária (primeira versão)

Onze meses após a oficina (Junho/2007), período em que se faziam também as

tabulações dos dados coletados nas primeiras ações conversacionais, deu-se início a uma nova

proposta de produto para ser desenvolvido com a renda de bilro. Como projeto piloto, foi

proposto o protótipo de uma luminária artesanal, numa tentativa de testar novas possibilidades

de utilização do bilro em outros artefatos. Esse produto foi idealizado pelo

designer/mestrando, juntamente com outro artesão responsável pela confecção da estrutura de

bambu, propondo a idéia de não mais utilizar a renda como aplicação em outros produtos,

mas, sim, torná-la o elemento principal, conforme ilustra os croquis das figuras 6-71 e 6-72.

Optou-se por se criar um padrão de desenho para as telas da luminária que fosse

semelhante aos estilos tradicionais dos produtos usualmente produzidos pelas artesãs, uma

vez que os modelos criados para a oficina se diferenciavam desse conceito – problema citado

por algumas rendeiras como sendo um possível motivo da não continuidade da produção.

Para execução do projeto, surgiu a necessidade de aprendizagem das técnicas de

rendar por parte do mestrando. Para que tal acontecesse, foi necessário que uma rendeira se

dispusesse a ensinar e explicar como funcionava a “matemática” do desenho, já que cada

traço representa uma ação no ato de rendar e que a exatidão e simetria garantem a perfeição

da peça.

No processo de entendimento de como desenhar a renda, as informações eram

verbalizadas pela rendeira e exemplificadas através de desenho e de um produto existente.

Simultaneamente, essas informações eram passadas para o papel em forma de croqui, de

modo que a rendeira pudesse analisar o esboço em elaboração, corrigindo e ratificando a

informação, até que o entendimento de ambas as partes se tornassem único.

Figura 6-71 – Croqui da estrutura de bambu retangular

Figura 6-72 – Croqui da estrutura de bambu triangular (partes verdes indicam telas de renda)

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Entretanto, apenas as informações verbais não foram suficientes para o completo

entendimento do desenho; tornou-se necessário o aprendizado do ofício. Essa aprendizagem,

mesmo em nível muito primário, possibilitou a percepção nítida de que o desenho tem grande

participação nos níveis de prazer, conforto, desprazer ou desconforto. Dependendo da

configuração dos elementos (o tamanho, grau de complexidade, simetria, quantidade e tipos

de pontos inseridos, espessura e cores dos traços, visibilidade das linhas e das simbologias), a

atividade torna-se mais ou menos cansativa em termos de carga física e mental.

Percebe-se uma intensificação da carga de trabalho cognitivo na produção dos

novos desenhos, quando se faz necessário um estudo prévio minucioso para estabelecer por

onde e como iniciar a atividade, a fim de se evitarem erros e trabalho em demasia durante o

processo. O desenho e a forma como é realizada a inserção dos bilros determinam a

quantidade de bilros e a complexidade do trabalho. O relato a seguir demonstra isto: Não há

dinheiro que pague o trabalho que dá pra fazer uma renda dessas (RN2 – Rendeira do

Núcleo, 59 anos – GF1).

A experiência de aprender a rendar (Figuras 6-73 e 6-74) mostrou que a produção

da renda de bilro, principalmente quando se trata de um novo produto, se configura como um

complexo conjunto de ações físicas e mentais que acontecem simultaneamente e que, por

conseguinte, geram as decisões e os movimentos que dão forma aos produtos.

6.2.1 Desenho da renda luminária

O desenho da renda pode ser considerado o “elemento” de maior importância no

processo de produção. Ele é a versão em papel da própria renda. O início da produção do

desenho ocorre com a construção de uma malha quadriculada com linhas diagonais em dois

sentidos que se cruzam perpendicularmente, de modo que no final se obtenham vários

losangos (Figura 6-75). Essa malha é riscada diretamente sobre o molde em papel do produto

que se deseja rendar, como, por exemplo, uma blusa, saia ou qualquer outra peça, e a

Figura 6-73 – Rendeira ensinando o designer/mestrando a rendar

Figura 6-74 – designer/mestrando rendando

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Figura 6-75– Detalhe da malha

Losangos unidos para formar a malha

dimensão dos quadrados varia de acordo com as dimensões dos elementos da renda que se

deseja produzir. Em geral, os quadrados maiores que deixam a renda mais “aberta” são usados

em desenhos de peças maiores, como xales, colchas de cama, etc., e quadrados menores são

utilizados na produção de saias, blusas, vestidos, etc., por resultarem numa renda mais

“fechada”.

Após a construção da malha, passa-se a inserir sobre ela as simbologias gráficas

que representam cada ponto da renda, de modo a formar um desenho que possa ser rendado

no sentido diagonal, obedecendo ao sentido das linhas da malha. A figura 6-76 mostra as

principais simbologias a partir das quais se constrói o desenho de renda de bilro, dos mais

simples aos mais complexos.

Cada simbologia gráfica representa um ponto a ser rendado, e este é desenhado

sobre a malha de forma gradativa, planejada e coerente, de modo a criar uma composição

harmônica, em geral simétrica, que conduza a produção no mesmo sentido das linhas.

Figura 6-76 – Simbologias gráficas dos pontos da renda

TRAÇA TRANÇA PANO COETRO (pétala ou seta) (Linha contínua) (área preenchida ou vazada) (quatro pontos)

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119

Figura 6-77 – Malha com simbologias inseridas

Sentido do processo de produção

Símbolos inseridos sobre a malha

Durante o aprendizado da técnica de desenhar, a rendeira que orientava o processo

(a qual também iria confeccionar as telas da luminária) apresentou um desenho tradicional

produzido por ela para que servisse de referência para o novo desenho. A partir dessa

experiência, gradativamente foram sendo produzidas em computador as primeiras propostas

de desenhos das telas da luminária (figura 6-78). Esses desenhos foram criados a partir de

observações de outros modelos tradicionais e também através de criações livres. A pedido da

rendeira, o desenho foi produzido em duas partes simétricas e divididas verticalmente a fim de

facilitar sua confecção.

Os primeiros desenhos (figura 6-78), segundo a rendeira, estavam muito

complexos (com muitos elementos – traça, pano e trança – misturados). A partir de

validações com duas das artesãs mais experientes, foram sendo feitas modificações e

alterações nos desenhos numa tentativa de se buscar uma forma mais simples e “limpa”, em

Figura 6-78 – Primeiras propostas de desenhos para tela da luminária

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Figura 6-80 – Desenho final da tela da luminária confeccionado em duas partes simétricas

que predominasse a existência de pano e traças, conforme explicita esta fala de uma das

rendeiras:

[...] Como eu sou a cobaia mesmo (risos), faça um desenho novo com bastante pano e umas traças de lado, porque na semana que vem quando eu tirar a camisa que tô fazendo, eu já começo essa luminária [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).

A figura 6-79 ilustra três desenhos refeitos a partir das primeiras validações.

Foram produzidos ao todo 11 versões de desenhos diferentes e levados

gradativamente para validação até que se chegasse à versão final. Do início do aprendizado da

técnica de desenhar até o começo da produção, passaram-se 69 dias (20/06/2007 a

29/08/2007). A versão final do desenho da tela da luminária (figura 6-80) foi definida com

base nas validações da rendeira, como também na finalidade da peça que deveria conter

poucos elementos que gerassem aberturas na renda para a saída da luz.

Figura 6-79 – Redesenho das telas da luminária

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6.2.2 Projeto da luminária (primeira versão)

Este projeto foi concebido com o intuito de se configurar como um produto

totalmente artesanal, produzido com matéria prima natural (estrutura) e utilizando as rendas

de bilro como telas de rebatimento da luz.

Foram produzidas duas estruturas em bambu, sendo uma retangular e outra

triangular. As figuras 6-81 e 6-82 ilustram o processo de elaboração da estrutura retangular;

entretanto, como projeto final foi utilizado apenas a luminária triangular, por necessitar de

apenas três telas de renda e, por isso, otimizar o tempo de produção e o valor do produto.

Após a confecção da estrutura e antes da confecção das telas, foi necessária uma

visita do artesão ao Núcleo, a fim de que este pudesse conhecer o tipo de renda que seria

utilizado nas telas da luminária, como também a rendeira responsável pela confecção. Essa

interação entre os artesãos gerou discussões importantes para o processo de montagem final e

acabamento da luminária realizado pelo mestrando e pelo artesão. (Figuras 6-83).

O produto foi concebido e projetado pelo mestrando, pelo artesão externo ao

Núcleo e pela rendeira, evidenciando a importância de uma gestão participativa. Em seguida

Figura 6-81 – Processo de produção da estrutura de bambu

Figura 6-82 – Estrutura de bambu quadrada

Figura 6-83 – Artesão e rendeira estudando a montagem da luminária

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foi apresentado às artesãs com o intuito de atender aos interesses da produção por parte delas,

sem nenhuma imposição e sempre ressaltando que não se tratava de encomenda, não havendo

prazos definidos para finalização, uma vez que a peça deveria ser incorporada à sua rotina

normal de trabalho.

Depois de concluídas as etapas de projeto do produto, surgiram problemas no

tocante à fixação das telas na estrutura, o que veio a comprometer o produto. A estrutura de

bambu, elaborada manualmente e como tal possuidora de irregularidades, não facilitou o

processo de fixação das telas, gerando a necessidade de uma intervenção direta do designer e

do artesão externo nesse processo, sem a participação efetiva das rendeiras.

Avaliações com as artesãs atestaram aprovação em relação à renda e ao produto

final: “Olha como ficou lindo a luminária com essa renda, ficou lindo demais e pode até usar

a linha de outra cor, né?” [sic] (RN 2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos, GF1). Entretanto,

assim como as demais peças produzidas na oficina, esta não foi produzida mais que uma vez,

não sendo incorporada à rotina de trabalho e interesse das rendeiras, indicando um possível

problema metodológico como será analisado no capítulo 7.

A figura 6-84 ilustra o produto final que configurou-se como um projeto piloto e

foi elaborada com o objetivo principal de propor um novo produto que utilizasse a renda

como elemento principal. O produto foi exposto na feira Brasil mostra Brasil de 2007, ao

preço de R$ 100,00, e despertou interesse em algumas pessoas, dando indícios de que poderia

vir a ser uma possível alternativa de produção e venda. Salientamos que a luminária não foi

colocada à venda por se tratar de um projeto piloto, objeto de várias análises, e também por

apresentar alguns problemas relativos à estrutura e acabamento.

Figura 6-84 – Luminária finalizada (estrutura de bambu + telas de renda)

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6.3 Projeto de luminária (segunda versão)

Levando em consideração os resultados da oficina e o primeiro projeto da

luminária, a nova versão do produto foi repensada de forma que a rendeira pudesse participar

ao máximo de todas as etapas, numa busca pela sua autonomia no processo de montagem do

artigo de decoração. Como na primeira versão, a renda de bilro nesse projeto não mais

representava uma aplicação, mas tornava-se o elemento principal e de maior visibilidade do

produto.

Nesse segundo experimento, foi alterada a matéria-prima da estrutura, antes em

bambu (primeira versão) – o que havia se revelado um problema, pois o artesão responsável

só o fazia quando tinha tempo disponível –, para ferro, com acabamento anti-ferrugem,

encomendado a um profissional especializado. A forma triangular da estrutura com a fixação

de três telas de renda foi mantida. Os desenhos das telas foram refeitos para se adaptarem às

novas dimensões da estrutura, mas permaneceram dentro dos padrões estéticos dos modelos

tradicionais; a montagem final foi sugerida e realizada inteiramente pelas rendeiras, sem

interferência externa.

Diferentemente do primeiro projeto, foram produzidos quatro exemplares dessa

nova luminária, sendo cada uma pertencente a uma rendeira diferente, que a produziu na

íntegra, desde as telas em renda até a montagem final, promovendo a interação, identificação

e relação direta com o produto, fruto do seu empenho.

Duas das quatro luminárias (figuras 6-85 a 6-88) foram levadas pelas rendeiras

para exposição na feira Brasil mostra Brasil de 2008, como forma de se testar o mercado,

uma vez que essas feiras são o principal meio de comercialização das artesãs. O preço de

venda foi fixado em R$ 100,00. Retirando os custos com a fabricação da estrutura e da parte

elétrica (R$30,00) e os 20% referentes ao Núcleo, o valor que corresponderia à remuneração

do trabalho da rendeira seria de R$ 58,00. Dividindo esse valor por três (referentes às três

telas confeccionadas), cada tela sairia por R$ 18,60, valor superior ao que seria arrecadado

caso elas fossem vendidas separadamente como com pano de bandeja (R$ 12,00) – uma vez

que as dimensões e forma do desenho foram pensadas para que este pudesse também ser

utilizado como pano de bandeja.

Observações realizadas pela equipe na feira Brasil mostra Brasil mostraram que,

embora não tenha sido vendido nenhum exemplar, houve grande interesse e admiração do

público pelo produto. Hipóteses apontam que a não comercialização pode ocorrer, em parte,

devido a problemas como a falta de facilidades nos pagamento (cheques, cartões de crédito,

parcelamento), a própria ausência de aptidão das rendeiras para comercialização, além de um

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outro importante ponto: o perfil do público que se aproxima do stand das rendeiras, em geral,

senhoras que buscam muito mais os produtos tradicionais feitos em renda (bicos, panos de

bandeja, etc.) do que produtos com caráter mais inovador, indicando que a abertura de novos

mercados para as artesãs é de fundamental importância.

Destacamos que o principal ponto positivo observado nesse experimento foi a

possibilidade de introdução do produto à rotina produtiva das artesãs, principalmente por ele

estar adaptado à forma de produção tradicional adotada por elas, podendo gerar a

possibilidade de elas mesmas produzirem novas peças sem interferência alguma da equipe de

pesquisadores. Análises sobre esse produto serão apresentadas no próximo capítulo.

6.4 Exposição do Projeto “Rendeiras da Vila”

Dentro do conjunto de ações pós-oficina, no segundo semestre de 2006, como

forma de reafirmar o compromisso dos pesquisadores com o Núcleo e com as rendeiras, bem

como para fortalecer a construção de confiança e de reputação, a equipe expôs o projeto

Figura 6-85 – Detalhe da tela luminária

Figura 6-86 – Luminária com a lâmpada acesa

Figura 6-87 – Luminária com a lâmpada apagada

Figura 6-88 – Detalhes da amarração das telas na estrutura de ferro

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Figura 6-89 – Modelo desfilando com peça tradicional Foto: Rebecca Kallyane Fonte: www.mulheresnofds.com.br

Figura 6-90 – Modelo desfilando com “novo” produto Foto: Rebecca Kalyanne Fonte: www.mulheresnofds.com.br

Figura 6-91 – Modelo desfilando com uma rendeira Foto: Rebecca Kallyanne Fonte: www.mulheresnofds.com.br

Rendeiras da Vila na Feira de Ciência, Cultura e Tecnologia da UFRN (CIENTEC), ocorrida

de 04 a 09 de outubro de 2006. Nessa ocasião, as rendeiras estavam presentes, trabalhando e

expondo seus produtos num stand do curso de Engenharia de Produção.

Essa situação, além de ter tido um caráter social, serviu como fonte de observação

da potencialidade de comercialização dos novos produtos (camisetas que restavam da oficina)

expostos na feira. Durante a CIENTEC, as rendeiras arrecadaram R$ 250,00 com as vendas de

produtos tradicionais e camisetas.

No ano de 2007, o grupo de pesquisas mais uma vez expôs o projeto Rendeiras da

Vila na CIENTEC, sendo dessa vez incrementada com a realização de um desfile (Figuras 6-

89 a 6-91) ocorrido dentro da programação do ERGONODIA – ciclo de palestras sobre

ergonomia organizado pelos membros do GREPE/UFRN.

Durante esse evento, as rendeiras tiveram oportunidade de mostrar seu trabalho,

comercializar suas peças, além da geração de encomendas e vendas posteriores provocadas

pela visibilidade do evento. Destacamos que as vendas obtidas pelas rendeiras referentes às

peças tradicionais foi quase exclusivamente resultado de compras das pessoas do grupo de

pesquisa, enquanto que os novos produtos foram vendidos exclusivamente para o público do

evento, o que poderia indicar possível potencial de comercialização dessas peças.

6.5 Fecho do Capítulo

As ações realizadas após a constatação dos resultados e algumas análises da

oficina tiveram um caráter experimental, com intuito de mudar a forma de introduzir novos

produtos na rotina de trabalho das artesãs, como fonte de análises e validações dos resultados

encontrados na Oficina de Design.

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Mesmo sem ainda estarem incorporados à rotina de trabalho efetiva das artesãs,

esses novos produtos, a exemplo das luminárias, provaram que toda e qualquer inovação a ser

introduzida na produção da renda de bilro deve, invariavelmente, estar adaptada às

características da produção, organização do trabalho e à tradição da renda.

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Capítulo 7 | Análise dos Resultados da Oficina de Design

As análises apresentadas a seguir, baseadas, em sua maioria, nos estudos da

Antropotecnologia, foram desenvolvidas com o objetivo de elucidar as questões da pesquisa

apresentadas no capítulo 1.

Conforme explicitado no referencial teórico deste trabalho, na gênese dos estudos

da Antropotecnologia estão as transferências de tecnologia entre indústrias e países, com

maior foco na produção industrial. Faremos aqui uma analogia desses conceitos com a

realidade estudada na pesquisa: a introdução de mudanças no contexto produtivo da atividade

artesanal.

7.1 Análises e discussões sobre a Oficina de Design

Iniciando as análises, retomaremos as questões da pesquisa apresentadas no

capítulo 1:

a) Quais foram os resultados efetivos da Oficina de Design para as rendeiras e

para o Núcleo de Produção?

b) Por que os ensinamentos repassados na oficina não foram absorvidos e

continuados pelas rendeiras?

Essas questões fazem emergir inicialmente um importante ponto de reflexão das

análises: as mudanças no trabalho. A respeito disso, Schwartz e Durrive (2007) discorrem:

“[...] não há modelo único de interpretação destas mudanças. É preciso estar atento à atividade

das pessoas que trabalham [...]”.

Quando passamos a analisar as repercussões da oficina sob a ótica das pessoas que

trabalham, no nosso caso, das rendeiras, percebemos que essa resistência às inovações por

parte dos trabalhadores é algo já observado e comentado por alguns autores:

Eu não creio, absolutamente, em resistência à mudança. É uma maneira de fugir do assunto. Eu creio que a mudança tem um custo e este custo não é o mesmo para todos. Tratar a questão como algo da ordem das aptidões ou das capacidades é um absurdo. As pessoas são perfeitamente capazes, mas é preciso criar condições que lhe permitam mudar (SCHWARTZ; DURRIVE; 2007).

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A partir dessa perspectiva, não se pode afirmar que a não continuidade dos

trabalhos se deu simplesmente pela resistência das rendeiras. Torna-se necessário pôr em

prova o tipo de mudança, o que se propunha com a oficina.

Observamos que o modelo da Oficina de Design oferecida para o Núcleo de

Produção se configurava como uma ação de caráter pontual, de curto período e focada apenas

no produto. Trata-se de um modelo pré-concebido, um pacote de ações prontas, com regras e

restrições pré-definidas para serem aplicadas a qualquer realidade produtiva, baseado numa

visão superficial das necessidades dos artesãos, do tipo de artesanato produzido e de suas

características. Essa percepção superficial acaba por desconsiderar muitos aspectos inerentes à

produção e organização artesanal, indo de encontro aos conceitos da Antropotecnologia, que

preconizam o estudo e respeito às características da comunidade receptora de forma global.

Nesse contexto, percebe-se que as mudanças propostas para as rendeiras

deveriam, de alguma forma, estar adaptadas às artesãs, à forma de organização do trabalho, ao

processo produtivo e ao produto, considerando os aspectos econômicos, sociais e culturais, a

ponto de gerar motivação e expectativas positivas para a incorporação da mudança de forma

espontânea.

A mudança foi oferecida como opção e não como uma adesão obrigatória,

podendo, como tal, ser acatada ou não. Por que a rendeira cederia a uma mudança que não

transformaria sua situação econômica, nem a tornaria mais ou menos capacitada e qualificada,

podendo, ainda, pôr em risco a renda tradicional? É fácil entendermos a resposta dessa

questão quando percebemos que o problema está na oficina (método e objetivos) e não nas

rendeiras.

Ainda quanto a essa perspectiva, acreditamos que, na organização do trabalho

artesanal cooperativo, o domínio sobre o produto e processo, a autonomia da atividade de

trabalho, a segurança e auto-afirmação na produção tradicional, dentre outras características

marcantes do modo de produção artesanal, são as “armas” de que a rendeira dispõe para

preservar sua tradição e não ceder a qualquer mudança. Esse fato se diferencia, por exemplo,

da produção industrial, em que as mudanças são muitas vezes obrigatórias, e o funcionário é,

na maioria dos casos, pressionado a se “adequar” às inovações sob pressão e risco de

demissão.

O conhecimento da atividade de trabalho, sob diversos aspectos, é determinante

para a introdução de mudanças e fato comentado por alguns autores que estudam essa

temática. Schwartz e Durrive (2007) defendem que “[...] é preciso estar atento à atividade das

pessoas que trabalham [...]”. Wisner (1999) afirma que “[...] numa transferência de tecnologia

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é necessário haver um estudo prévio das realidades locais e a participação de ambas as partes

[...]” . Guérin et al (2001) ressaltam que “[...] é preciso conhecer o trabalho para transformá-lo

[...]”.

Essas afirmações revelam a importância de se conhecer a atividade das rendeiras e

a realidade produtiva local, de modo a existir o entendimento de muitas questões que são

fundamentais nas intervenções e na efetivação da mudança. A par disso, torna-se, então,

importante pontuarmos as seguintes características da produção artesanal da renda de bilro:

a) o saber fazer do artesão, ou seja, o domínio sobre o produto e processo de

criação, é característica marcante da forma de organização do trabalho

artesanal e bastante presente na atividade das rendeiras. Elas têm autonomia

para escolher e produzir as peças, independente de perspectiva de venda;

b) a organização do trabalho e da produção foi definida pelas rendeiras. As

lideranças emergiram do próprio grupo em meio a um espírito de coletividade e

respeito mútuo;

c) o ritmo de trabalho é definido por cada artesã; a carga horária é flexível e,

embora haja compromisso, elas não se sentem obrigadas a freqüentar o espaço,

além de não existir nenhuma pressão externa que interfira no seu tempo, ritmo

e carga de trabalho;

d) as rendeiras têm uma ligação cultural e histórica com a renda de bilro, são

moradoras da antiga vila de pescadores e aprenderam o ofício com suas mães,

avós, amigas, sendo esse conhecimento passado entre gerações.

Observamos, também, que essas características são elementos indissociáveis do

trabalho das artesãs; estão concatenadas com suas vidas, expectativas e objetivos. As

rendeiras procuram zelar e cuidar para que isso não se altere, situação que vem confirmar as

palavras de Leite (2005, p.30) ao afirmar que “[...] as práticas artesanais não estão dissociadas

do modo de vida de quem as produz [...]”.

Reflexões a respeito da oficina, baseadas nas considerações de Santos et al (1997)

sobre Antropotecnologia, indicam que a desatenção de alguns aspectos possivelmente

contribuíram para a não incorporação dos ensinamentos da oficina no cotidiano das rendeiras.

Dentre eles, destacamos:

a) Aspecto socioeconômico:

i. de um modo geral, as rendeiras que participaram da oficina fazem parte de

um grupo de pessoas com condições financeiras limitadas. A proposta da

oficina visava à aplicação da renda de bilro em outros produtos industriais,

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que seriam fornecidos pela instituição, mas que deveriam ser adquiridos

pelas artesãs na continuidade dos trabalhos, necessitando estas de um capital

de giro;

ii. para as rendeiras do Grupo de Foco 1 (que freqüentam o Núcleo

diariamente), possivelmente o retorno financeiro não é o principal elemento

motivador da produção. A satisfação e o prazer no trabalho,

independentemente da venda, têm mais representatividade na motivação das

artesãs do que uma produção que visa apenas ao retorno financeiro;

iii. para as rendeiras dos Grupos de Foco 2 e 3, possivelmente o baixo retorno

financeiro da produção e comercialização da renda de bilro foi um dos

motivos de afastamento do oficio; assim, as intervenções de design

deveriam considerar as diferenças entre os diversos grupos de artesãs e as

necessidades de cada grupo;

iv. o faturamento na produção da renda de bilro tradicional é baixo. As

propostas dos “novos” produtos poderiam aumentar o faturamento, mas,

ainda assim, não mudariam significativamente a realidade econômica das

rendeiras;

v. os reflexos da urbanização e modificações promovidas pelos avanços

turísticos na Vila de Ponta Negra foram sentidos na produção da renda de

bilro, principalmente pela geração de oportunidades de empregos formais e

informais que levaram algumas artesãs a abandonar seus ofícios e

desestimularam as novas gerações ao aprendizado da renda, apesar dos

baixos salários e imprevisibilidade de ascensão nas ocupações

disponibilizadas a essa população. A oficina deveria levar em conta essa

peculiaridade para inserir ações que visassem à conscientização da

importância e manutenção da arte na Vila de Ponta Negra.

b) Aspectos socioculturais e antropológicos:

i. as artesãs possuem nível de escolaridade baixo e conhecimento na renda de

bilro avançado; portanto, a introdução de mudanças no contexto produtivo

deveria considerar esse aspecto com especial relevância, no sentido de não

superestimar, tampouco subestimar suas capacidades. Conforme análise

desenvolvida por Bezerra (2008), as produções de pequenas aplicações (sol,

lua, ondas, etc.) podem ser consideradas, pelas rendeiras, como um

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retrocesso do seu aprendizado, uma vez que elas produzem peças bem mais

complexas;

ii. a renda de bilro tem características particulares, assim como a maioria das

tipologias de artesanato. O tradicionalismo da arte estão associados às

características desse tipo de renda. Mesmo sendo possíveis de serem

rendados, os novos desenhos propostos na oficina possuíam tramas e formas

diferenciadas das peças tradicionais, descaracterizando a renda tradicional.

Uma pesquisa aprofundada da tipologia artesanal deveria ser prevista pelas

instituições que financiam as intervenções.

c) Aspectos geográficos e demográficos:

i. a Vila de Ponta Negra fica localizada numa região da cidade de Natal onde a

exposição ao turismo é bastante favorecida. Nesse aspecto, as rendeiras da

Vila levam vantagem, se compararmos, por exemplo, com as artesãs da

cidade de Alacaçus/RN, onde também existe produção da renda de bilro,

mas o acesso à comunidade é muito mais difícil. Apesar da facilidade de

acesso à Vila, o “turismo” ainda não explora esta questão de forma efetiva.

Comprova-se isto pelo baixo número de turistas que visitam o Núcleo. A

observação desse aspecto poderia ser estudada, analisada e potencializada

em ações que procurassem levar o turista ao Núcleo de Produção.

d) Aspectos sobre condições de trabalho:

i. a oficina ocorreu em 40 horas e, nesse período, exigia-se a máxima

produção possível de novos produtos. Esse fato elevou a carga de trabalho

física e mental das rendeiras, gerando uma mudança na forma de

organização do trabalho do Núcleo.

ii. a forma de organização do trabalho artesanal cooperativo observado no

Núcleo é ponto positivo das artesãs. Essa questão deveria ser considerada

em ações que estimulassem o senso de trabalho coletivo e valorizasse e

potencializasse as capacidades de cada rendeira, em vista de um objetivo

comum.

A metodologia adotada na oficina, focada apenas no produto, não observou as

necessidades e interesses das artesãs, não considerando a realidade do “receptor”, da nova

tecnologia no seu contexto global, colocando os aspectos estéticos e formais como únicos

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elementos capazes de resolver problemas de produção, além de dar maior ênfase às questões

de design. A respeito disso, Imbroisi (2008) relata que as modificações no design dos

produtos artesanais não são a única solução. É necessário sanar também problemas de gestão

e organização das pessoas que produzem, das comunidades e dos artesãos individuais.

A participação do designer no setor artesanal é alvo de várias discussões. Freitas

(2006) ressalta a necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um

conhecimento e domínio da técnica artesanal, assim como a compreensão da cultura que

envolve o produtor ou a comunidade produtora, para que o profissional que atua no

planejamento do produto visualize as dificuldades e resistências perante as sugestões de

inovação.

Uma questão bastante pertinente tem sido discutida entre os profissionais de

Design. Trata-se do Código de Ética para Designers. Niemeyer (2008) defende que seja

ampliado o debate sobre a ética da profissão no Brasil e mostra que já existe um código

internacional que define uma base de princípios éticos relacionados à prática do design.

Segundo a autora, o código internacional coloca as seguintes responsabilidades para esse

profissional: a) responsabilidade em relação ao cliente; b) responsabilidade em relação ao

usuário; c) responsabilidade em relação ao ecossistema da terra; d) responsabilidade em

relação à identidade cultural; e) responsabilidade em relação à profissão em si.

A autora destaca, com especial relevância, a responsabilidade do designer em

relação à identidade cultural e reforça que, no Brasil, além da obrigação de suprir as

necessidades humanas por meio de sua competência, criatividade e método, esse profissional

também deve estar sensível às prioridades sociais e culturais. Ela faz uma crítica aos cursos de

Design no Brasil que têm dado pouca ênfase à preparação do profissional quanto a essas

questões, o que nos faz refletir sobre a necessidade de o designer adquirir uma formação em

nível de pós-graduação, adequada e dirigida para o seguimento do setor artesanal, antes de

fazer intervenções nesse referido setor.

Entendemos que a utilização da ética pelos profissionais de design em relação às

ingerências no artesanato deve ser uma prática primeiramente conhecida, facilitada e exigida

pelas instituições que financiam essas intervenções. Uma maneira de se fazer isso é considerar

um tempo e remuneração do instrutor para que este, previamente à ação, passe a estudar e

conhecer as características da tipologia artesanal com qual irá trabalhar, de modo a conhecer

os pormenores da atividade e elaborar propostas de modificações nos produtos, aliando

inovação e preservação do tradicionalismo e da cultura existentes na localidade. Na oficina

analisada neste trabalho, isso não foi previsto. A instituição não planejou esse tempo,

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tampouco exigiu atividades dessa natureza, fazendo com que muitas das decisões do instrutor

tenham sido tomadas com base numa visão superficial da atividade, realizada sob a ótica do

designer, que não tinha formação e experiência direcionada para intervenções nesse segmento.

Um reflexo disso está relacionado aos pontos da renda tradicional. Observamos

que os desenho e produtos da oficina, embora criados com o objetivo de ser uma nova

alternativa de produção, estavam fora do padrão estético da renda. Constatamos que, na

concepção das rendeiras, os novos produtos (aplicações) não são considerados renda de bilro,

pois perdem suas características marcantes e tradicionais, em especial a traça, como retratam

as falas a seguir:

[...] Pra mim, renda de bilro só é renda de bilro se tiver a traça. Quando não tem, fica parecendo crochê [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1). [...] Se tivesse outra (oficina) eu faria, valeu à pena. Mas não tô fazendo mais, porque a gente não vai deixar de fazer essa (renda tradicional) pra fazer outra... Gostei de fazer, mas se for pra mim fazer em casa, eu mesmo, não [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos, GF1).

Acreditamos que uma análise criteriosa da atividade de trabalho das rendeiras,

realizada previamente à intervenção, poderia trazer à tona questões como essas e gerar

encaminhamentos diferentes para a ação.

Casos como esse, em que a proposta de inovação do produto acaba por

desrespeitar o estilo tradicional da tipologia artesanal, não são incomuns. Leite (2005, p.39)

menciona o caso das Bordadeiras de Porto da Folha/SE: a característica predominante dos

bordados dessa localidade é a profusão de cores fortes, sendo classificadas pelas artesãs como

um “bordado vivo e alegre”. Experiências de alterações desse padrão estético revelaram um

nível baixo de aceitação e, embora algumas artesãs tenham concordado em produzir cores

diferentes, como o branco no branco e outros tons claros, para atender outro mercado, com o

tempo, essas bordadeiras explicitaram certo conflito pessoal, declarando que, às vezes,

sentiam “certa tristeza” ao bordar e que esse novo padrão é “meio sem vida”.

O que ocorreu, portanto, foi que elas voltaram à produção com seu “design” de

cores fortes, mesmo esses produtos apresentando baixa comercialização. Elas passaram a

produzir as duas coisas, como se um fosse o imperativo econômico e o outro uma necessidade

social e simbólica.

A introdução de modificações no contexto produtivo e modo de vida de

comunidades artesanais sem planejamento nem adequações específicas para a comunidade

fogem completamente aos princípios antropotecnológicos e não funcionam como deveria.

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Complementando nossas análises, retomamos a indagação de Leite (2005) no seu

artigo Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir, que traz uma

importante questão à tona, quando compara a produção artesanal sob duas perspectivas,

chamadas por ele de tradicionalista e mercadológica. O autor nos lança a seguinte questão:

O que é mais importante? Preservar o artesanato in totum, não alterando os modos de vida e de produção e assim manter extremos padrões sociais de pobreza e exclusão, pondo em risco a própria continuidade dos trabalhos artesanais, ou promover alterações técnicas e estéticas, bem como adequações mercadológicas que promovam a geração de lucro, mas que, por outro lado, anulem gradativamente esta tradição?

O autor esclarece que ambas possuem dilemas a resolver: “Se o dilema da visão

tradicionalista é como manter o artesanato, mesmo que mudem os modos de vida, o dilema da

visão mercadológica é como alterar o artesanato, adaptando-o às exigências do mercado.”

Diante disso, questionamos: optar por umas dessas polaridades é realmente a

melhor forma de enxergar as mudanças no trabalho artesanal? Schwartz e Durrive (2007)

fazem uma crítica a essa abordagem unilateral na introdução de mudanças no trabalho:

Penso que esta questão é uma armadilha e que é preciso evitar tendências a falar: isso se modifica, se moderniza, ficando subtendido que assim “é melhor”. Ou então: isso se modifica, mas como a mudança não é conduzida por aqueles que sofrem as suas conseqüências, quer dizer, por aqueles que trabalham, então é ruim.

No caso da oficina, dizer que se tratou de uma experiência boa e positiva por

trazer inovações e oportunidades de produção é um erro, assim como também é um erro dizer

que foi de todo ruim. A oficina provocou mudanças no contexto produtivo, na organização do

trabalho, no ritmo e carga de trabalho, mas não gerou os resultados esperados – isso é fato.

Mesmo assim, configurou-se como uma importante situação de referência para os novos

trabalhos que se seguiram, além de reunir rendeiras antigas e dispersas, ainda que por duas

semanas.

Portanto, na nossa perspectiva, não se trata de optar por uma das polaridades

(visão tradicionalista ou mercadológica) e categorizar a mudança apenas como “ruim ou boa”;

trata-se, sim, de descobrir uma terceira alternativa que esteja direcionada à valorização do

artesanato tradicional através do seu valor cultural, suas particularidades e originalidades, de

modo a incentivar a produção, inovação e o retorno financeiro das artesãs.

Essa busca por uma alternativa de mudança equilibrada, que considere as questões

culturais e tradicionais, estaria diretamente concatenada com os princípios do

desenvolvimento sustentável dos empreendimentos econômicos solidários de autogestão,

citado por Singer (2004) como o principal instrumento da chamada economia solidária.

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A economia popular ou solidária diz respeito a um conjunto de atividades de produção, comercialização ou prestação de serviços efetuadas coletivamente (e sob diferentes modalidades de trabalho associado) pelos grupos populares, principalmente no interior de bairros pobres e marginais das grandes cidades. Tais grupos se estruturam, em geral de modo bastante informal, e encontram nas relações de reciprocidade tecidas no cotidiano de suas formas de vida (ou seja, nos laços comunitários) os fundamentos para tais práticas (FRANÇA FILHO et al, 2006).

O trabalho coletivo e participativo é uma característica bastante peculiar das

rendeiras. Considerar e analisar a cooperação no trabalho delas é fundamental para o

entendimento da atividade e para implementação de qualquer mudança que busque o

desenvolvimento sustentável da comunidade. Como mostrado no capítulo 4, observamos que

as rendeiras que trabalham unidas aceitam melhor os desafios, aumentam sua produção,

disponibilizam mais tempo, assumem maior compromisso e favorecem a melhoria do padrão

de qualidade, rotina de trabalho e convívio social, além de tornarem-se referência na Vila de

Ponta Negra.

Conforme asseveram França Filho et al (op. cit.), a economia solidária possui

qualidades ou características próprias que necessitam ser compreendidas:

Tais qualidades compreendem um conjunto de aspectos que se encontram absolutamente indissociáveis uns dos outros. Um primeiro desses aspectos concerne à questão da participação ou engajamento das pessoas nos projetos, o que remete ao grau de mobilização popular inerente a tais projetos. Uma segunda qualidade diz respeito ao modo de organização do trabalho, que se encontra essencialmente baseado na solidariedade (grifo nosso).

Constatamos que a cooperação entre as rendeiras tem grande significância na

manutenção da técnica da renda na Vila de Ponta Negra e na recusa a algumas ações

promovidas por entidades externas. O respeito a essas características é fundamental para a

introdução de mudanças no contexto produtivo das artesãs, conforme explicita o relato

abaixo:

[...] esse trabalho de vocês é bom pra gente, mas eu só tenho medo de aumentar muito as encomendas e a gente não dar conta do trabalho e ficar estressada, porque eu já disse que renda de bilro se faz sentado e não correndo, e que a produção da gente é devagar [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos – GF1).

Esse relato deixa evidente a preocupação da rendeira com a organização do

trabalho adotada no Núcleo e sugestiona que qualquer tentativa de introdução de mudança que

venha pôr em risco essa organização tem grandes chances de insucesso. Também, nesse

relato, fica clara a preocupação da artesã com o tempo de produção da renda, em geral lento.

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Sobre o tempo, ressaltamos que, na confecção das peças tradicionais, as rendeiras

levam um tempo maior de trabalho, e o ritmo é mais lento, o que também proporciona uma

maior flexibilidade da rendeira para conversar, cantar, descansar e lanchar com suas

companheiras – elementos de grande significância no trabalho cooperado. As peças menores

propostas na oficina prendem a atenção e aumentam o ritmo de trabalho, além de exigirem

maior concentração e expectativa, o que acaba por anular, em parte, esses dispositivos de

cooperação e convivência, bastante importantes na produção da renda.

O fator tempo, no setor artesanal, também é destacado por Leite (2005, p.37) ao

afirmar que “[...] desenvolver sistemas de diminuição de tempo médio de produção no setor

artesanal é um fator problemático, uma vez que muitas variáveis intervenientes subsistem ao

processo [...]”. O autor ainda declara que

[...] na tecelagem de Salgado, a etapa de encher a “espula” consiste na preparação de pequenos cones que serão utilizados para perpassar os fios na horizontal do tear, cujo entrelaçamento formará a trama do tecido. Em medição de tempo, constatou-se que uma tecelã executava essa tarefa em cerca de meia hora, e outra – igualmente hábil – gastava três horas e meia. Enquanto a primeira enchia a “espula” sem interrupções e dispersões, a segunda gastava muito tempo porque usava também o tempo também para conversar com as colegas, contar histórias, exercer, enfim, sua sociabilidade com o grupo [...] (op. cit.).

Esse caso é comentado pelo autor com a seguinte frase:

[...] Nesse caso, aumentar a produtividade pela diminuição de tempo médio de produção poderia acarretar uma inibição dos aspectos sociais da produção artesanal que extrapolam a mera tarefa de execução para um processo de criação que perfaz o artesanato como arte de fazer [...] (op. cit., p. 37, grifo nosso).

Outro ponto de grande relevância nessas análises diz respeito à “tradição”. A

técnica e os produtos tradicionais são a origem dos trabalhos das rendeiras. Na criação

tradicional, é muito presente o que Schwartz e Durrive (2007) chamam de “uso de si”. Os

autores esclarecem que, durante a atividade, o trabalhador insere seus conhecimentos, seus

sentimentos, sua vida pessoal, seus problemas. Na produção da renda tradicional, em que a

artesã escolhe o produto a ser confeccionado, a cor da linha e o desenho, bem como define

quando irá começar, a rendeira não sofre pressão para finalizar, define suas pausas e

cadências, e o trabalho não é mera execução, mecanicidade; o “uso de si”, nesse processo

tradicional, é maximizado.

Na produção dos novos produtos propostos na oficina, essa realidade é

diferenciada. A rendeira passa a executar uma tarefa, um trabalho prescrito por um

especialista (Designer) que não permite muitas escolhas, afinidade e uso de sensibilidade.

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Desse modo, o “uso de si” no processo é diminuído, sendo este, também, mais um possível

motivo da recusa das rendeiras à produção dos novos produtos propostos no projeto.

Ainda com relação ao fator “tradição”, um segundo ponto bastante pertinente se

refere ao aprendizado. Bezerra (2008) destaca um importante fato relacionado a isso, quando

expõe que a maioria das artesãs aprendeu a rendar aos 7 anos e esse aprendizado foi sendo

aprimorado e evoluído com o passar do tempo. A seguinte fala é destacada nessa passagem:

Aprendi a fazer o biquinho, depois eu não quis mais fazer bico, fui fazer aplicações (para colchas e toalhas). Com o tempo, quando eu vim trabalhar aqui, eu já fazia toda qualidade de renda. Mas não fazia este modelo agora que a gente tá fazendo (saia, vestido, blusa, etc.). Esse modelo eu vim fazer depois que estou aqui [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos – GF1).

Segundo Bezerra (2008), as palavras da rendeira demonstram que a evolução no

aprendizado da renda de bilro faz parte do próprio contexto da sua história na renda. No início

do aprendizado, em geral, elas só fazem bicos (peças simples); com o passar dos anos, vão se

lançando aos novos desafios e passam a produzir peças mais complexas, saltando de estágios

e se diferenciando das demais até chegarem à fase que estão hoje, em que são capazes de

produzir vestidos, saias, blusas, xales, redes, entre outros produtos que possuem forma e

desenhos de maior complexidade.

Análises sobre esse fato, ainda de acordo com a autora, mostram que a produção

das pequenas e simples aplicações (sol, peixes, lua, bandeiras, etc.) para serem fixadas em

produtos industrializados, como proposto na oficina, representa para as trabalhadoras um

retrocesso do aprendizado, uma desvalorização do seu conhecimento e da sua capacidade

adquirida ao longo dos anos, como se produzir peças mais simples significasse, também,

deixar de lado um trabalho mais complexo e rebuscado em detalhes e formas, desprezando

seu conhecimento, sua história, sua tradição.

Por fim, ressaltamos que as análises apresentadas aqui corroboram as palavras de

Wisner (1992), quando menciona que: “[...] é necessário conhecer as características do

homem e seus limites para conceber ferramentas e meios que ele possa utilizar eficazmente no

seu trabalho e ao seu favor [...]”.

7.2 Análises e Discussões acerca das ações pós-oficina

Iniciaremos essas análises, discutindo a primeira versão da luminária, mostrando

porque esse produto não foi incorporado à rotina de trabalho das artesãs.

Acreditamos que um dos mais significativos motivos que contribuíram para isso

foi a não participação integral da rendeira no processo de produção integral do produto, o que

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a tornou apenas executante da idéia do designer, e não mais criadora e possuidora do produto,

fato esse destacado por Mills (1951) com especial relevância na produção artesanal:

O que é realmente necessário num trabalho artesanal é que o vínculo entre o produtor e o produto seja psicologicamente possível; mesmo que o produtor não seja legalmente proprietário, deve possuir o produto psicologicamente, no sentido de que conhece o que o produto inclui de habilidade, labor e matéria-prima. O artesão é o dono de sua atividade e de si mesmo. Ele é responsável pelo produto final e livre para assumir essa responsabilidade. Ele próprio deve resolver seus problemas e dificuldades em relação à forma final que deseja atingir. (grifo nosso)

O fato de a rendeira não ter sido solicitada a participar do processo de montagem

final da luminária nem ser convidada a conhecer e estudar os problemas do produto também

retirou da artesã a “responsabilidade” sobre o objeto. Essa fato pode ser interpretado como

uma subestimação do “saber-fazer” da artesã, uma vez que a produção da renda tradicional

também se configura como uma atividade complexa, que exige certa atividade mental e

motora, complexidade essa que as rendeiras dominam com perfeição.

Outro motivo que destacamos como contribuidor para a não incorporação desse

produto à rotina de trabalho das artesãs diz respeito ao trabalho coletivo. Apenas uma rendeira

participou do processo de produção da luminária; As demais não tiveram participação direta,

o que, por conseguinte, também não fez despertar-lhes o desejo de produzir, por não se

identificarem com o produto ou mesmo por se sentirem “exclusas” do processo. A rendeira

produtora também é a que mais produz peças tradicionais, o que torna a probabilidade de essa

artesã deixar sua produção tradicional e se dedicar a produção de luminária muito baixa.

Contudo, mesmo não incorporado à rotina de trabalho das rendeiras, o produto se configurou

como importante situação de referência para o desenvolvimento da segunda luminária.

No segundo experimento da luminária, o trabalho de conscientização sobre a

importância de inovação para o Núcleo e da preservação e respeito ao modo, ritmo e carga de

trabalho, bem como a mudança na matéria-prima da estrutura para facilitar a montagem, a

confecção dos desenhos das telas semelhantes aos desenhos tradicionais, entre outros fatores,

foram determinantes.

O fato de, nesse experimento, ter sido proposta a confecção de quatro exemplares

envolvendo quatro rendeiras também foi fator contributivo para a cooperação, entrosamento,

participação e identificação das artesãs com o produto, visto que cada uma seria responsável

por criar a sua luminária e todas precisariam discutir sobre a melhor maneira de se produzir.

Destacamos como fato importante nesse experimento o processo de montagem

das peças. Diferentemente do primeiro, após o término da confecção das telas foi programado

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um momento específico para que todas, em conjunto, pudessem pensar, discutir e chegar à

conclusão da melhor maneira de se anexarem as telas de renda à estrutura de ferro. Esse

momento foi observado e filmado pelos pesquisadores, procurando não intervir nas decisões

das rendeiras.

Quando analisada à luz dos conceitos da Ergonomia Participativa, essa situação

mostra que, muitas vezes, os trabalhadores detêm percepções de problemas que escapam aos

“profissionais” provenientes da academia. Também evidencia a existência de uma percepção

crítica que cada rendeira tem sobre seu próprio trabalho, levando-a a prever os problemas e

sugerir melhorias baseadas numa lógica própria utilizada na montagem das demais peças de

renda de bilro.

Diferentemente do projeto anterior, esse possibilitou análises que nos levam a

pensar que as novas luminárias têm possibilidade de serem incorporadas à rotina de trabalho

das artesãs. Contudo, ressaltamos que o projeto ainda necessita de algumas reconsiderações

no tocante ao valor sugerido para comercialização (R$ 100,00), considerando no novo cálculo

o tempo de montagem (costura manual das telas e montagem na estrutura de ferro), que não

foi contabilizado, e o fato de se tratar de um objeto de decoração direcionado a um público

mais seleto.

Ainda dentro do conjunto de ações pós-oficina, destacamos o redesenho da

Bandeira do Brasil, que, diferentemente das luminárias, foi sugerido por elas próprias, depois

de algum tempo utilizando o primeiro desenho. Do ponto de vista da Ergonomia Participativa,

isso demonstra exatamente o que Fisher e Guimarães (2001) afirmam: “[...] aqueles que

trabalham são as pessoas mais indicadas para informar os problemas que acontecem no dia-a-

dia e, igualmente, propor soluções a partir dos recursos próximos de que se dispõe”.

Dos desenhos produzidos, o da bandeira foi um dos poucos que despertou algum

interesse das rendeiras no período pós-oficina. Após as produções de alguns exemplares na

oficina e pós-oficina (para encomenda), as rendeiras externalizaram que aquele desenho

continha problemas que poderiam ser sanados, sugerindo soluções para aperfeiçoar o produto,

focadas, principalmente, na modificação das dimensões e na inserção dos pontos

característicos da renda tradicional. Isso mostra, mais uma vez, que o trabalhador que tem

conhecimento sobre sua atividade é capaz de identificar oportunidades de crescimento, muitas

vezes não observados pelos profissionais que estão no entorno desse trabalho e que, não

raramente, colocam-se como os únicos detentores do saber.

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Capítulo 8 | Considerações Finais

8.1 Conclusões

O Núcleo de Produção Artesanal Rendeiras da Vila, situado na Vila de Ponta

Negra, em Natal/RN, funciona há 10 anos consecutivos como um importante espaço de

vivência e trabalho de antigas rendeiras do bairro. Desde sua criação, em 1998, não sofreu

muitas modificações e modernizações no tocante ao espaço físico, tampouco nas questões

relacionadas à criação e comercialização dos produtos lá confeccionados.

Assim como em muitas tipologias artesanais, vários são os problemas encontrados

na produção da renda de bilro da vila, dentre eles: o fato de ser fabricada majoritariamente por

pessoas idosas, aumentando o risco de extinção do ofício; o tempo elevado de produção; baixa

perspectiva de venda e comercialização que, por conseguinte, gera a falta de interesse das

novas gerações em aprender e exercer a atividade, além do retorno financeiro baixo.

Numa tentativa de facilitar a inserção do produto artesanal no mercado

consumidor, alguns órgãos de fomento ao artesanato da esfera nacional, estadual e municipal

promovem ações e intervenções cada vez mais freqüentes nas comunidades artesanais,

principalmente com atividades que visam à inserção do design na produção. O Núcleo de

Produção Artesanal Rendeiras da Vila foi contemplado em Julho de 2006 com uma Oficina

de Design ofertada por uma instituição de incentivo ao desenvolvimento turístico no

Nordeste. Essa oficina teve como instrutor o mestrando desta pesquisa, sendo seu principal

objetivo, determinado pela instituição financiadora, desenvolver junto às artesãs, em 40 horas,

o máximo de produtos diferenciados para serem incorporados à rotina produtiva dessas

mulheres, utilizando a renda como um detalhe inserido em outros produtos.

A inovação não foi bem aceita e incorporada à rotina de trabalho das rendeiras, e

estas não deram continuidade de forma espontânea à produção dos novos produtos propostos

na oficina, fato analisado neste trabalho a partir dos conceitos da Antropotecnologia, que

preconizam a adaptação integral das mudanças propostas às diversas características da

população receptora da tecnologia ou do conhecimento.

Nesse contexto, ressaltamos que intervenções pontuais – focadas apenas no

produto, desenvolvidas sem um conhecimento aprofundado da produção artesanal, das

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características da forma de organização do trabalho, da população, do tipo de produto e da

situação socioeconômica da atividade –, sem a participação efetiva das artesãs em um

processo de construção sociotécnica, desconsideram aspectos sociais, econômicos,

organizacionais e culturais que permeiam a atividade artesanal, elementos esses

imprescindíveis para obtenção de resultados positivos nas intervenções de design.

A realização da oficina se configurou como uma importante situação de referência

para análise acerca das intervenções envolvendo Design no setor artesanal. Acreditamos que o

Designer e o Engenheiro de Produção podem e devem participar da cadeia de produção

artesanal. Porém, para contribuírem de forma efetiva (e por que não “afetiva” com o

desenvolvimento sustentável de comunidades artesanais?), faz-se necessário pensar em ações

que envolvam um programa global, cuja elaboração considere os aspectos

antropotecnológicos e a participação integral dos artesãos. Também se faz mister a

manutenção da autonomia do artesão com relação ao produto e ao processo, sem transformá-

los em meros executores das idéias dos profissionais da academia e do mercado, dando-lhes a

oportunidade de se expressarem, de exprimirem suas idéias e seus problemas, conforme

discutido por Leite (2005), Lima (2005) e outros autores.

Por fim, vale ressaltar que as rendeiras do Núcleo, na sua maioria idosas, tentam,

com as forças que a idade ainda lhes permite, conciliar suas atividades de esposa, mãe, avós,

bisavós e donas de casa com a sua arte, cultura e tradição, aprendida em geral na infância e

componente indissociável da sua vida. Hoje, apenas cinco se reúnem diariamente e são

também as que nos recebem com sorriso e a satisfação evidente, ensinando-nos e levando-nos

a crer, ou pelo menos a apostar, que, enquanto houver prazer na atividade e brilho nos olhos

quando nos vêem chegar, haverá também a esperança de que possamos ter deixado com elas

algo concreto, algo de melhor em seu trabalho e, por conseqüência, na suas vidas, além da

certeza de que acreditamos na perpetuação da renda de bilro e que estaremos lá enquanto

houver sorrisos e brilhos nos olhos.

8.2 Limitações do trabalho

Primeiramente, cabe enfatizar que este trabalho não se propôs gerar um modelo de

intervenção do Design no artesanato, mas identificar questões importantes que devem ser

levadas em consideração quando essas ações intervenientes acontecem.

Além disso, destacamos que o estudo limitou-se a uma análise acerca das

intervenções no produto da renda de bilro, as quais não podem ser consideradas como uma

interferência do Design de uma forma abrangente, pois, para isso, deveriam ser estudadas

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questões relativas ao método produtivo, volume de produção, público-alvo, análise de

mercado e outras questões próprias da metodologia de projeto de produto.

8.3 Sugestões de trabalhos futuros

Uma pesquisa de mestrado não se encerra numa dissertação, não dá por concluída

a exploração de um tema, mas, ao contrário, abre oportunidades de discussões que podem vir

a ser objeto de futuros estudos. Esse trabalho, em especial, centrou-se na análise dos

processos de introdução de novos produtos na produção da renda de bilro. Seu escopo

proposto esteve restrito a esse tema, fazendo surgir oportunidades de novos trabalhos,

principalmente por ser o setor artesanal brasileiro um campo de atuação da Engenharia de

Produção.

Primeiramente, sugerimos aos órgãos de fomento e apoio ao artesanato, bem

como aos instrutores contratados por essas entidades, uma maior observação das

metodologias adotadas nas intervenções de design. A metodologia da Análise Ergonômica do

Trabalho (AET) fornece subsídios para um conhecimento aprofundado da situação de trabalho

e das populações de trabalhadores, podendo ser utilizada nessas intervenções.

Aos cursos superiores de formação em Design de Produto, sugerimos uma maior

atenção para os conteúdos de Ergonomia ministrados, buscando inserir temáticas voltadas

para o estudo da atividade de trabalho, e não apenas para os itens relacionados à Ergonomia

Clássica. Além disso, ressaltamos a importância da criação de cursos de pós-graduação

direcionados para as metodologias de intervenção do design no artesanato.

Aos pesquisadores do GREPE (Grupo de estudos e pesquisas em

Ergonomia/UFRN) que prosseguirão com o “Projeto Rendeiras da Vila”, sugerimos que as

novas ações direcionadas para o Núcleo de Produção estejam voltadas para o resgate do

desenvolvimento do produto pelas próprias rendeiras, através de ensinamentos das técnicas de

desenhar, de modo que estas não se tornem meras executoras das idéias de agentes externos e

deixem de lado o “uso de si” no produto e no processo.

Por fim, sugerimos, de forma geral, que sejam geradas discussões e reflexões

sobre as intervenções no setor artesanal em que prevaleça o entendimento de que os artesãos

necessitam de intervenções adaptadas à sua realidade, e de que a mudança no trabalho, se esta

vier a acontecer, seja provocada e gerida pelos próprios artesãos, sob sua consciência e

autonomia, e não por injunção das metodologias de intervenção.

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Anexos

Anexo I – Roteiro de Ação Conversacional geral

Anexo II – Roteiro de Ação Conversacional para avaliação da oficina

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ANEXO I - ROTEIRO PARA AÇÃO CONVERSACIONAL (GERAL) TEMA QUESTÕES

1 História da Vida

Aprendizado da Renda Vida em Ponta Negra Tradição da Renda em Ponta Negra Vida Familiar Vida Profissional Motivação no trabalho e para ensinar

2 Concepção do

Produto

Histórico dos Desenhos (criação) Confecção dos desenhos (atualmente) Como são concebidos os produtos

3 Produção

Produtos Material de uso Qualidade (o que é, importância) Processo produtivo Avaliação da Oficina

4 Organização do

Trabalho

Participação no núcleo. Posto de Trabalho Ambiente de trabalho Distribuição das atividades no núcleo Divisão do trabalho Cooperação no trabalho Formação de cooperativa CNPJ (já deixou de realizar negócios por não ter CNPJ?). Gestão da cooperativa

5 Comercialização

Como é feita a comercialização Por quem é feita Clientes Mercado Preços (relação com o tempo de produção)

6

Identificação de doença de base, caracterização das queixas e fatores ligados ao aparecimento das mesmas.

Presença de doença não ocupacional Existência de algum desconforto nos braços, pernas ou nas costas que tenha relação com o trabalho. Caracterizar o desconforto (como é descrito pela trabalhadora ). As queixas apareceram depois de quanto tempo na atividade. As queixas aparecem mais no começo ou fim do dia. São mais freqüentes no final ou começo da semana. Os sintomas aumentam com o aumento do ritmo de trabalho. Fatores desencadeantes das queixas no trabalho. Movimentos realizados que desencadeavam os sintomas. A queixa citada já interrompeu a atividade. Tratamento caseiro ou prescrito por médico para a queixa apresentada. Uso de medicamentos para tratar as queixas apresentadas.

7

Caracterização da jornada de trabalho, ritmo e pausas existentes.

Tempo na atividade de rendeira Número de dias na semana dedicada à atividade. Número de horas diárias dedicada à atividade. Início e término da jornada. Em que período do dia ou da semana. O ritmo de trabalho costuma ser contínuo ou interrompido. Interrupções programadas. Interrupções não programadas. Motivos das interrupções não programadas. Tempo de duração das interrupções.

8

Avaliação da satisfação no trabalho

Satisfação com a remuneração pelo trabalho realizado. O grupo de trabalho é um grupo de amigos. Pressão da coordenadora do grupo. Participação nas questões relativas ao grupo. Motivação para continuar no grupo. Pressão pela produção. O trabalho como fonte de prazer.

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ANEXO II - ROTEIRO PARA AÇÃO CONVERSACIONAL – 2007 (AVALIAÇÃO DA OFICINA)

TEMA TÓPICOS

Modelo/ Formatação da oficina

1. Sobre o modelo da oficina 2. Dias e horários (40 horas, 2 semanas) 3. O tempo e período do ano 4. Já participou de outras ações desde nível, promovida por instituições?

Produtos

5. Qualidade dos produtos fornecidos (camisetas, bolsas, etc) 6. Que tipo de produto mais se identifica 7. Qual gostou mais de fazer 8. Sugestões de outros produtos

Produção e Desenhos

9. Desenhos novos / algum complicado 10. Dificuldades 11. Temas (sol, mar, bandeiras, etc) 12. Prefere novos ou antigos 13. Principal diferença entre os desenhos novos e antigos 14. Preferência (maiores ou menores) 15. Sabe fazer a aplicação em outros produtos?

Produção após oficina

16. Após a oficina, destinação das peças e desenhos 17. venda de peças 18. Fez alguma outra em casa ou no núcleo? 19. Se fez. Vendeu? Doou? 20. Se não fez, porque não continuou fazendo? 21. Novos produtos (prazer em fazer, mercado) 22. Comercialização? 23. Acha que pode ganhar dinheiro com renda de bilro? De que maneira ? 24. Acha que novos produtos são alternativas?

Ações Futuras

25. Interesse em novas ações 26. sugestão de algum produto ou desenho 27. Conhece alguém que se interessaria pelos novos produtos? 28. Tem filhas e netas que se interessariam pela renda e pelos novos

produtos? 29. Quantas e as idades? 30. Tem vontade de aprender bijuterias com renda?

Renda Financeira 31. Qual a renda financeira familiar? 32. A renda de Bilro contribui em algo?

Expectativa 33. Perspectiva da Renda no bairro 34. Fim do núcleo