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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - DIPPG COORDENADORIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA – PPECM DISSERTAÇÃO A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NA GRADUAÇÃO EM FÍSICA Washington Luiz Raposo da Silva DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA. Andreia Guerra de Moraes, D.Sc. Orientador RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL DEZEMBRO / 2009

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ

DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - DIPPG

COORDENADORIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE

CIÊNCIAS E MATEMÁTICA – PPECM

DISSERTAÇÃO

A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NA GRADUAÇÃO EM

FÍSICA

Washington Luiz Raposo da Silva

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-

GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA COMO PARTE DOS

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM

ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA.

Andreia Guerra de Moraes, D.Sc. Orientador

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL DEZEMBRO / 2009

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................1 CAPÍTULO I...................................................................................................................................3 ARGUMENTOS QUE EMBASAM A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA..........................................................3

Base teórica .................................................................................................................................3

A voz dos críticos........................................................................................................................7

Base legal ..................................................................................................................................11

Lei de Diretrizes e Bases da Educação..................................................................................11 Parâmetros Curriculares Nacionais .......................................................................................12

CAPÍTULO II ...............................................................................................................................15 POR QUE ESTUDAR EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA NA GRADUAÇÃO EM FÍSICA?..15 CAPÍTULO III ..............................................................................................................................20 PRINCIPAIS TEMAS A SEREM ABORDADOS EM EPISTEMOLOGIA DA FÍSICA..........20

Concepções sobre ciência e o método científico.......................................................................22

Aspectos a serem apresentados sobre ciência e sobre método científico..................................30

CAPÍTULO IV..............................................................................................................................32 PROPOSTA DE MINICURSO DE EPISTEMOLOGIA PARA GRADUANDOS DE FÍSICA.32

Metodologia de Trabalho ..........................................................................................................33

O Desenvolvimento do Trabalho ..............................................................................................33

Avaliação final ..........................................................................................................................47

CAPÍTULO V ...............................................................................................................................49 COMENTÁRIOS FINAIS ............................................................................................................49 REFERÊNCIAS............................................................................................................................52 APÊNDICE A ...............................................................................................................................59 QUESTIONÁRIO PRELIMINAR DE LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA. ....................................................................................................59 APÊNDICE B ...............................................................................................................................61 RELATÓRIO DE ATIVIDADE DO EXPERIMENTO CAIXA PRETA....................................61 APÊNDICE C ...............................................................................................................................63 MATERIAL DIDÁTICO USADO NOS ENCONTROS .............................................................63

1º dia, 16/04/2009......................................................................................................................63

2º dia, 30/04/2009......................................................................................................................65

3º dia, 07/05/2009......................................................................................................................67

4º dia, 14/05/2009......................................................................................................................69

ANEXO I......................................................................................................................................A1 PARADIDÁTICO ELABORADO PARA O CURSO ................................................................A1

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do EFET/RJ

S586 Silva, Washington Luiz Raposo A importância de uma abordagem epistemológica na graduação em

física/Washington Luiz Raposo da Silva – 2009. viii, 70f. + anexos: il. ; enc. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da

Fonseca, 2009. Bibliografia: f. 52 - 58 Apêndices. Apresenta um paradidático elaborado para o curso. Orientadora: Andréa Guerra 1. Teoria do conhecimento 2. Física – estudo e ensino (superior) I. Guerra, Andréa (orient.) II. Título.

CDD 121

iv

A meus pais e irmão

que me deram suporte e carinho,

principalmente minha mãe.

A minha amada noiva,

pelo carinho, apoio e compreensão.

v

Devo este trabalho ao apoio dado por diversas pessoas que de maneiras também

diversas contribuíram para a sua conclusão.

Agradeço aos amigos de mestrado por toda a força e companheirismo que conseguimos

dividir entre nós, de modo a multiplicarmos nossa amizade.

Agradeço a forte presença da coordenação do PPECM no dia-a-dia dos mestrandos,

especialmente na pessoa de Marco Braga.

Não poderia esquecer da forma marcante com que o professor Álvaro Chrispino nos

estimulou e, de certa forma, nos direcionou para uma visão mais ampla da profissão de

educador.

Também agradeço ao essencial apoio financeiro da CAPEs.

E por último quero agradecer o imenso respeito, atenção, apoio e carinho com que a

minha orientadora, Andréa Guerra, conduziu este período muitíssimo produtivo de minha vida

acadêmica.

vi

Resumo da dissertação submetida ao PPECM/CEFET-RJ como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do grau de mestre em ensino de ciências e matemática.

A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA NA GRADUAÇÃO EM

FÍSICA

Washington Luiz Raposo da Silva

Dezembro / 2009

Orientador: Andreia Guerra de Moraes.

Programa: PPECM

Este trabalho se propõe a discutir a importância de uma abordagem mais consistente e

significativa de Filosofia da Ciência, epistemologia, nos cursos de graduação em Física além de apresentar uma proposta prática de um minicurso de epistemologia aplicado em uma universidade pública do estado do Rio de Janeiro.

Através de pesquisa realizada sobre a legislação vigente para o ensino: LDB, PCNs (para o ensino médio) e Parâmetros curriculares para o ensino superior de Física, foi possível perceber a importância que estes documentos dão ao ensino de ciências contextualizado, que proporcione um maior poder de compreensão e discernimento dos alunos. Amparando-se na literatura relativa ao ensino de Física e de autores que defendem a abordagem de Historia e Filosofia da Ciência no ensino de ciências como GIL-Pérez, et al. (2001), Fernández, I. (2000), Sandoval e Cudmani, (1993) entre outros, ficou muito nítida a possibilidade que a efetiva abordagem de epistemologia da ciência nos cursos de graduação em Física poderia trazer para a formação de professores capazes de construir aulas significativas de ciências.

Nesse sentido este trabalho apresenta, nos primeiros capítulos, estas pesquisas da legislação e do referencial teórico que ampara tal proposta de epistemologia na graduação de Física. Posteriormente há a apresentação de uma proposta de minicurso de epistemologia já aplicado e avaliado, onde são detalhados todos os resultados, todos os prós e contras da abordagem escolhida e as conclusões deste trabalho. Palavras-Chave: Epistemologia, Física, Ensino.

vii

Abstract of dissertation submitted to PPECM/CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in science and mathematics education.

THE IMPORTANCE OF THE ONE EPISTEMOLOGICAL INTRODUCTION IN THE

PHYSICS GRADUATION

Washington Luiz Raposo da Silva

December / 2009

Supervisor: Andreia Guerra de Moraes.

Program: PPECM

This paper aims to discuss the importance of a more consistent and meaningful philosophy of science, epistemology, with undergraduate degrees in physics and presents a practical proposal of a short course on epistemology applied to a public university of Rio de Janeiro.

Through research conducted on the legislation for education: LDB, PCN (for school) and curricular parameters for higher education in Physics, it was possible to realize the importance that these documents give the teaching of science in context, providing a greater power of understanding and insight of the students. Protecting themselves in the literature on the teaching of physics and authors who advocate the approach of History and Philosophy of Science in science education as Gil-Perez, et al. (2001), Fernandez, I. (2000), and Sandoval Cudmani, (1993) among others, was very clear the possibility that an effective approach to the epistemology of science in undergraduate courses in physics could bring to the training of teachers able to build meaningful science lessons.

In this sense this work presents the first chapters, research on law and theoretical framework that supports such a proposal for undergraduate epistemology of physics. Later there is the submission of a proposal for a short course of epistemology has been implemented and evaluated, where are all detailed results, all the pros and cons of the approach chosen and the conclusions of this work. Keyword: Epistemology, Physics, Education.

viii

ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 1: Experimento do universo “caixa preta”.......................................................................37 Fig. 2: Alunos interagindo com a “caixa preta”......................................................................38 Fig. 3: Figura de interpretação dupla. .....................................................................................39 Fig. 4: Múltiplas imagens presentes em um único quadro. .................................................40 Fig. 5: “A persistência da memória ou relógios moles” (1931) - Salvador........................45 Fig. 6: “A traição das imagens” (1928-1929). ........................................................................45 Fig. 7: “O império das luzes” (1954)........................................................................................45

INTRODUÇÃO

Durante o curso de Licenciatura de Física, apresentaram-me livros biográficos de Galileu,

Newton e Einstein, que mostravam que a seqüência de idéias e trabalhos desenvolvidos por

esses cientistas não correspondia à forma linear e objetiva com que se ensina Física no Ensino

Médio e Graduação. Tudo parecia muito mais complexo, intrincado, até mais humano, que a

forma linear apresentada nas salas de aula.

Paralelamente a essas leituras, no último período da graduação, eu encontrei

professores, das disciplinas de instrumentação para o ensino, que trouxeram à sala de aula

discussões em torno ao processo de construção da ciência. Nesse curso, alguns autores como

Gil-Pérez, et al. (2001), Fernández, I. (2000), Sandoval e Cudmani, (1993) foram apresentados

e utilizados como referências no estudo de questões ligadas ao ensino de física e

epistemologia no ensino.

Esses autores defendem que as formas de abordagem e os discursos equivocados nas

aulas de Física causam confusões e imagens deturpadas do trabalho científico nas mentes dos

alunos.

Observam-se, também, problemas com a apresentação da Ciência nos livros didáticos e

ingenuidade na fala de alguns professores no que se refere ao processo de construção do

conhecimento científico (FERNÁNDEZ, I. 2000).

Com essas preocupações em mente iniciei o curso de Mestrado Profissional em Ensino

de Ciências e Matemática no CEFET-RJ onde tive contato mais aprofundado com a Historia e

com a Filosofia da Ciência. Esse estudo confrontado com as discussões em torno à LDB e de

maneira mais direta com os PCNs, mostrou-me que, para um ensino mais contextualizado,

seria fundamental desenvolver um trabalho em que o processo de produção científica fosse

refletido pelos alunos.

Um levantamento realizado por mim e minha orientadora, no primeiro semestre do ano de

2008, nos currículos de licenciatura de Física das universidades do Estado do Rio de Janeiro

mostrou que nesses cursos não há disciplinas obrigatórias de Filosofia da Ciência, apenas em

alguns casos há disciplinas voltadas para o estudo de História da Ciência. Na verdade, na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro há uma disciplina obrigatória, para os cursos de

bacharelado e licenciatura, denominada Filosofia da Física, porém na ementa não há

descrições explicitas de estudos de epistemologia. Nesse curso, estuda-se a evolução do

pensamento científico dos gregos até a Física do século XX. Aborda-se o pensamento de

Demócrito, Galileu, Newton, Einstein e Bohr. Assim, nessa pesquisa preliminar não

encontramos disciplinas que sistematizem o estudo de epistemologia na graduação dos

professores de Física do Estado do Rio de Janeiro. Essas constatações colocaram-nos uma

questão: Será que o estudo sistemático, por parte dos futuros professores, de questões

2

epistemológicas trazidas por alguns filósofos da Ciência, ao longo da história, pode ser um

caminho para efetivar uma discussão em torno à produção científica?

Para responder a essa questão foi planejado um material para ser aplicado a alunos da

licenciatura de Física. O material visava apresentar de forma sistemática e através de

exemplos da História da Ciência o pensamento de alguns filósofos da ciência, a respeito do

processo de construção do conhecimento científico. A opção pelo tema de Filosofia com o

apoio da História da Ciência pareceu o mais indicado a possibilitar sucesso ao tratar de temas

árduos como Filosofia da Ciência.

Para discutir a construção e aplicação desse material o presente trabalho foi dividido em

cinco capítulos.

O primeiro capítulo apresenta os argumentos que fornecem base legal, na LDB, PCNs e

Parâmetro Curriculares para o Ensino Superior, para a abordagem de FHC no Ensino Médio e

Graduação.

No segundo capítulo, apresenta-se o trabalho de pesquisadores e educadores que

apontam ser importante a abordagem histórico-filosófica no ensino de Física. Nesse capítulo,

argumentamos sobre as possibilidades que se abrem aos estudantes que detenham

conhecimentos de epistemologia da ciência.

No terceiro capítulo, apresentamos, mais especificamente, quais temas de epistemologia

deveriam ser abordados na Graduação em Física. Evidenciamos a necessidade de abordar a

questão do método científico, a não unanimidade da ciência, a não linearidade do

desenvolvimento de teorias cientificas, além do envolvimento de outra áreas do conhecimento

no processo de desenvolvimento do saber científico.

No quarto capítulo, desenvolvemos a estrutura de um minicurso de epistemologia da

ciência para alunos de Graduação em Física, aplicado a um grupo misto de alunos de

licenciatura do 5º e do 8º período de Física de uma universidade pública do Estado do Rio de

Janeiro. Esses alunos estavam inscritos nas disciplinas de instrumentação para o ensino de

Física e de prática de ensino de Física, porém, alguns poucos não estavam inscritos em

nenhuma destas disciplinas.

No quinto capítulo, apresentamos os resultados da aplicação deste minicurso. Nele são

apresentados os resultados dos questionários e avaliações feitas durante o mês o e que

tiveram objetivo de averiguar o nível de compreensão dos alunos antes e após a realização do

minicurso.

3

CAPÍTULO I

ARGUMENTOS QUE EMBASAM A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIA E F ILOSOFIA DA CIÊNCIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA

Base teórica

Apesar de todas as pesquisas em ensino desenvolvidas no país e no exterior, ainda é

generalizada a forma tradicional de ensinar ciências, onde a autoridade do professor é

predominante, o foco da educação é o conteúdo e a utilização das tecnologias é feita de forma

puramente tecnicista.

Nessa modalidade educacional a escola funciona como modeladora do comportamento

humano através de técnicas específicas. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos

competentes para o mercado de trabalho, considerando matéria de ensino apenas o que é

redutível ao conhecimento observável e mensurável, eliminando-se assim todo sinal de

subjetividade. A atividade educacional baseia-se na atividade profissional do professor que

nada mais é que um técnico que emprega o sistema instrucional previsto e elaborado por

especialistas (LIBÂNEO, 1985).

Esse paradigma educacional que ainda persiste surge nas diretrizes educacionais da

década de 70\80, pós-ditadura militar, em que o ideal de desenvolvimento industrial e técnico

do país criava uma demanda por trabalhadores qualificados. Nesse período o Ensino Médio

representava uma etapa intermediária entre o ensino fundamental e o ensino superior (cursos

de formação geral) ou entre o primeiro e o mercado de trabalho (formação técnica) (MEC,

2000).

A versão pré-universitária do Ensino Médio se baseava na exposição dos assuntos e

resolução de listas de exercícios para o domínio dos conteúdos. Nessa modalidade parecia

aceitável que a compreensão das disciplinas com uma amplitude cultural ou prática só

ocorresse no ensino superior. Já o ensino técnico era voltado para o treinamento de uma

especialidade laboral abandonando-se visões mais gerais ou culturais das disciplinas (MEC,

2000).

Hoje, o novo Ensino Médio, nos termos da LDB1 de 1996, regulamentada pelas Diretrizes

do Conselho Nacional de Educação, 1998, e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

2000, é visto como a etapa final da educação básica.

Não mais como uma etapa intermediária, o Ensino Médio deve apresentar características

de terminalidade do ensino básico. O indivíduo que complete seu ciclo básico de educação

deverá ser capaz de exercer plenamente sua cidadania com capacidade de ingressar no

mercado de trabalho e continuar, se essa for sua vontade, seus estudos no ensino superior.

1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

4

Os PCNs refletem um movimento internacional de entendimento sobre os novos objetivos

educacionais necessários para o pleno exercício da cidadania, com eles surgem novas

dimensões para a educação: conceptuais, formativas e culturais, onde o conteúdo curricular

ganha também novo entendimento. O conceito de currículo se amplia e ganha dimensões

conceituais, procedimentais e atitudinais que visam alcançar propósitos de formação de

cidadãos mais conscientes e críticos capazes de assumirem posições frente à sociedade e

atuarem de forma crítica diante de fatos e posicionamentos políticos, sociais, tecnológicos etc.

(CARVALHO, 2004). Além disso, devem apresentar os conhecimentos curriculares tradicionais

que cada disciplina possui e que não devem ser preteridas sobre nenhum pretexto.

Juntamente com os novos objetivos e dimensões para a educação e a nova compreensão

de currículo, fica evidente a necessidade de novas metodologias de abordagem didática que

consigam dar conta desses novos objetivos da educação.

As linhas de pesquisa que surgiram nas áreas de ciências para suprir essa necessidade

foram: a perspectiva de trabalho CTS (ciência, tecnologia e sociedade) abrindo as discussões

entre o trabalho da Ciência, o desenvolvimento tecnológico e o impacto destes na sociedade; o

uso da história e Filosofia das ciências na discussão do desenvolvimento e natureza da

Ciência; o cognitivismo de Piaget e o de Vigotski, que, em comum. Tinham a visão de que o

próprio indivíduo é construtor de seu conhecimento, e as investigações sobre concepções

espontâneas dos estudantes. Essas possibilidades de abordagem contribuem para uma melhor

compreensão do vasto e complexo campo que é o de ensino e aprendizagem e, com isso, é

possível se entender que a formação e a capacitação do profissional de educação é um ponto

não único, mas primordial nesse processo.

Nessa perspectiva, Kawamura e Hosoume (2003) argumentam em defesa de aulas mais

interessantes, contextualizadas e significativas para o aluno de nível médio, possibilitando

assim o alcance de propósitos mais profundos como o desenvolvimento de habilidades (ou

capacidades) e competências.2 Mas, como os professores de Ensino Médio podem trabalhar

de forma inovadora e contextualizada sem terem nenhuma referência desse tipo de trabalho?

Os diversos anos que os professores viveram como alunos, desde o ensino fundamental

até a pós-graduação, sempre presenciando aulas tradicionais e descontextualizadas, é um

fator muito forte para as concepções de ensino-aprendizado que esses professores possuem.

“A influência dessas aulas leva-os a terem conceitos espontâneos de ensino adquiridos de

maneira natural, não reflexiva e não crítica e que têm se constituído em verdadeiros obstáculos

à renovação do ensino” (CARVALHO, 2004).

2 As habilidades estão associadas ao saber fazer: ação Física ou mental que indica a capacidade adquirida. Assim, identificar variáveis, compreender fenômenos, relacionar informações, analisar situações-problema, sintetizar, julgar, correlacionar e manipular são exemplos de habilidades. Já as competências são um conjunto de habilidades harmonicamente desenvolvidas e que caracterizam, por exemplo, uma função/profissão específica: ser arquiteto, médico ou professor. As habilidades não estão circunscritas a uma competência, são na verdade requisito para diferentes atividades. Elas devem ser desenvolvidas na busca das competências (PCNs, 1999).

5

A busca por concepções e modalidades inovadoras para o trabalho dos professores de

ciências do Ensino Médio conduz naturalmente à necessidade de se repensar a formação

inicial e continuada dos professores.

A busca pela melhoria da qualidade na formação de professores apresenta algumas

questões a serem observadas como:

“Aprofundamento disciplinar 3 – Não temos dúvidas de que

todo professor deve dominar bem o conteúdo a ser ensinado, nos seus aspectos específicos e suas metodologias. [...].

Abrangência interdisciplinar – A construção do conhecimento científico tem sido fundamentalmente disciplinar, com aprofundamentos nas diferentes áreas. Qualquer exemplo que se tome da natureza, temos que enxergá-lo de uma forma mais abrangente. [...].

Percepção do conhecimento como construção humana, inserido em um processo histórico e social – [...]. Se analisarmos os diferentes fatos fabricados cientificamente, nos damos conta que os seres humanos – neste caso, cientistas e tecnólogos - os fizeram dentro de um momento específico, propício àquele conhecimento. [...].

Educação para a cidadania, em uma perspectiva crítica, contribuindo para vida na sociedade, no mundo contemporâneo – A rede de ensino se expande e hoje absorve as diferentes classes sociais. É, na escola, que as classes menos favorecidas têm acesso à informação, cultura, lazer e, principalmente, conhecimento. [...].

Formação continuada, acompanhando os desenvolviment os científico, tecnológico, educacional e cultural – O mundo se desenvolve científica e tecnologicamente com muita rapidez e estes conhecimentos estão ao redor da vida de todos nós. Precisamos mergulhar profundamente nas questões da atualidade, nos acostumando à formação permanente, mantendo-nos a par de tudo o que está acontecendo. [...]” (VIANNA, 2003).

É exatamente nos tópicos de: abrangência interdisciplinar, percepção do conhecimento

como construção humana e, conseqüentemente, educação para a cidadania que este trabalho

se propõe a atuar. Há ainda a possibilidade de atuação no tópico de formação continuada, uma

vez que se propõe a tratar de algo que não é novo, mas que ainda não é bem compreendido

pelos recém formados dos cursos de graduação em Física.

Em geral, os cursos de ciências, no nosso caso os de Física, não trazem aos seus

alunos, de graduação e conseqüentemente do Ensino Médio, os fatores históricos e sociais

que influenciaram as mais importantes descobertas e elaborações da Ciência (Rosa, 2006).

A influência de fatores históricos e sociais no trabalho científico é indiscutível, por

exemplo, o próprio trabalho de Einstein, no que diz respeito ao sincronismo dos relógios, foi

influenciado por problemas que afetavam a sociedade de sua época. A possibilidade de um

sincronismo eficiente de relógios distantes era algo de enorme importância social e econômica.

“Esse tipo de sistema era muito importante para o controle do

sistema de trens, por exemplo, que já atingiam na época velocidades 3 Grifos nossos.

6

superiores a 150 km/h. Era também importante a sincronização de relógios a grandes distâncias, por meio de sinais telegráficos, para determinação precisa da longitude geográfica” (MARTINS, 2005, p.26).

Os cientistas fazem parte da sociedade ao qual são contemporâneos e compartilham de

aspectos específicos do meio em que vivem. De modo geral, apresentam em seus trabalhos

características ligadas às suas vivências e experiências sociais.

“Os cientistas em atuação, os historiadores da Ciência, os

sociólogos que estudam a investigação cientifica e o sentido comum, todos eles nos dizem que a ciência é uma atividade muito humana. Envolvendo atores humanos e suas concepções, rivalidades e antagonismos, mistérios e surpresas e o uso criativo de metáforas e analogias” (LEMKE, 1997, p.146).

Ainda assim, os cursos de graduação das áreas de ciências se limitam aos aspectos

teóricos e práticos voltados para a operacionalidade do conhecimento de cada área em

particular, sem fornecerem os referenciais históricos e filosóficos necessários para a real

compreensão do processo de desenvolvimento científico.

“Apesar das transformações sociais dos últimos 60 anos, que

fizeram avanços científicos e tecnológicos influenciarem as estruturas sociais, a cultura e a vida cotidiana de uma maneira que não tem precedentes, os currículos de ciências praticamente não mudaram, retratando a pratica cientifica como se fosse separada da sociedade, da cultura e da vida cotidiana, e não possuísse uma dimensão histórica e filosófica” (El-Hani, 2006, p.5).

A não apresentação das dimensões históricas e sociais e, em particular, filosóficas

presentes no processo de desenvolvimento cientifico, deturpa a visão do aluno sobre a ciência,

tornando-a fria, estática, dogmática e muito distanciada do dia-a-dia dos demais seres

humanos (Gil-Perez, 2001).

O ensino tradicional, dogmático, das disciplinas científicas dá origem à concepção

“deformada” de ciência que os formandos dessas áreas apresentam. Uma ciência de verdades

absolutas, feita por grandes gênios repentinos e de inesperadas descobertas espetaculares.

Esse tipo de ensino Ignora também o papel da criatividade e da imaginação na produção

científica, além de apresentarem uma falta de compreensão das noções de ‘fato’, ‘evidencia’,

‘observação’, ‘experimentação’, ‘modelos’, ‘leis’ e ‘teorias’ e a inter-relação entre eles (El-Hani,

2006).

Uma maneira de contribuir para a formação dos professores das disciplinas científicas, e

até mesmo para os profissionais que optam pela carreira de pesquisa, os bacharéis, é a

valorização ou a inserção, no caso em que ela não exista, de disciplinas de História e Filosofia

da Ciência nos currículos regulares de Física, Química, Biologia e mesmo Matemática (ALVES,

2007).

7

A inserção dessas disciplinas ou um aproveitamento sério dessas cadeiras possibilitaria

aos alunos, futuros professores das ciências e aos futuros cientistas, uma visão mais ampla da

Ciência. Mesmo os formandos que, ao término de sua graduação, demonstram bom

conhecimento dos conteúdos de suas áreas, apresentam concepções confusas quanto ao

caráter da Ciência, seus pressupostos e seus objetivos, bem como os problemas citados

anteriormente (Fernandez, 2000).

Essa abordagem histórico-filosófica da Ciência, se bem estruturada e coerente, pode

propiciar o aprendizado significativo de equações e conceitos; ser útil para lidar com a

problemática das concepções alternativas; incrementar a cultura geral dos alunos; desmistificar

o método científico; chamar a atenção para a idéia da metafísica; tornar as aulas de Física

mais desafiadoras e interessantes (PEDUZZI, 2001). Para os futuros professores, além de

aumentar em muito sua compreensão da Ciência, a abordagem de História e Filosófica

mostraria como a sociedade, o contexto histórico e os interesses econômicos e políticos podem

influenciar no trabalho da Ciência. Possibilitando, assim a construção de aulas mais

contextualizadas e significativas.

A voz dos críticos

Outro ponto que não pode ser esquecido é que não há unanimidade no que diz respeito à

utilização de História e Filosofia da Ciência no ensino. Há críticos do porte de Martin Klein,

Whitaker, Thomas Kuhn e Stephen Brush que trazem à tona objeções contundentes e

importantes à utilização didática da história e da Filosofia da Ciência (MATHEWS, 1995).

Segundo Michael R. Matthews (1995), Martin Klein, professor de História da Física da

Universidade de Yale, defende que a única história possível nos cursos de ciências é a

pseudo-história, uma vez que os professores de ciências selecionam e usam os fatos históricos

com outros propósitos pedagógicos e científicos de modo a atender as necessidades do ensino

da Física. Enfim, ele conclui que, se o ensino de ciências de qualidade alimenta-se da história,

esta só pode ser de má qualidade. Concluindo que é melhor não usar a história da Ciência do

que usá-la mal.

Já Whitaker, explorou mais profundamente esses argumentos preocupando-se em

identificar a ficção histórica que prevaleceria no ensino, a fim de satisfazer-se não apenas aos

fins pedagógicos, mas aos fins da ideologia científica ou à visão de ciência que tinha cada

autor.

“Whitaker diz que a quasi-história é o resultado de muitos e muitos livros cujos autores sentiram a necessidade de dar vida aos registros desses episódios usando um pouco de história, mas que, de fato, acabavam re-escrevendo a história de tal forma que ela segue lado a lado com a Física” (WHITAKER apud MATTHEWS, 1995, p. 177).

Devido ao uso da História da Ciência ser direcionado, nesse caso, erros podem acontecer

devido a omissões e a história pode ficar aquém do alto padrão de “verdade” necessário. Tem-

8

se uma falsificação da história com aspecto de história genuína, ao que Lakatos chamava de

reconstruções racionais da história, onde a história é escrita para sustentar uma determinada

versão de metodologia científica e onde as figuras históricas são retratadas à luz da

metodologia ortodoxa atual (MATTHEWS, 1995).

A questão da qualidade da história apresentada pode ser superada e com isso conseguir-

se a utilização didática da História da Ciência de maneira satisfatória, como já ocorre no próprio

ensino da História. Podendo, dessa forma, obter-se:

(...) uma historia simplificada que lance uma luz sobre os

conteúdos discutidos, que não seja uma mera caricatura do processo histórico. A simplificação deve levar em consideração a faixa etária dos alunos e todo o currículo a ser desenvolvido. Historia e Ciência podem tornar-se mais e mais complexas à medida que assim exija a situação educacional (MATTHEWS, 1995, p. 177)

As críticas em torno ao uso da História e Filosofia da Ciência no ensino não se restringem

ao seu mau uso. Thomas Kuhn (1998) defende que o uso da História e da Filosofia da Ciência,

ao apresentar todos os “altos e baixos” do seu processo de desenvolvimento e das discussões

epistemológicas envolvidas, pode enfraquecer as convicções e o espírito científico das mentes

que se iniciam na seara da Ciência.

Segundo Kuhn, expor as mentes neófitas aos problemas, conceitos e padrões de solução

que há muito foram abandonadas e superadas pela ciência, o que ocorreria se estes lessem as

obras originais dos grandes cientistas, poderia abalar ou enfraquecer as convicções dos

estudantes sobre o paradigma vigente. Nessa linha, Kuhn argumenta que a crítica indevida ao

paradigma vigente traz prejuízos à formação dos alunos (PEDUZZI, 2001). Com isso, Kuhn

defende a não utilização da historia da Ciência e apóia o ensino que tem por finalidade a rápida

familiarização do estudante com a estrutura conceitual do paradigma vigente.

Na mesma linha, Stephen Brush sugere que “a história da Ciência poderia ser uma

influência negativa sobre os estudantes porque ela ceifa as certezas do dogma científico;

certezas essas que são tão úteis para se manter o entusiasmo do principiante”. Brush se

mostra ainda mais contundente do que Kuhn ao questionar se a História da Ciência não

deveria ser censurada (BRUSH apud MATTHEWS, 1992, p.176).

Mas uma abordagem histórica coerente do desenvolvimento científico, apresentando uma

ciência “viva” e em constante processo de desenvolvimento não poderia ter efeito contrário ao

que Kuhn e Brush afirmam?

“Não poderia, ao contrário, haver um estímulo, uma vez que o

estudante vê mais humanidade na ciência, portanto, vê-se como potencialmente agente transformador da Ciência?” (ROSA, 2006).

9

Ao se considerar as análises de Kuhn como procedentes, ter-se-ia como conseqüência,

em médio prazo, uma diminuição do trabalho científico, já que cada vez menos pessoas

ficariam fascinadas pela área, entretanto:

‘Não há indicação de que o progresso é estorvado pela atitude

mais ‘filosófica’ que, de acordo com Kuhn, fundamenta um procedimento dessa natureza... Muito ao contrário, encontramos uma consciência maior dos limites do nosso conhecimento, da sua conexão com a natureza humana, e encontramos também uma familiaridade maior com a história do tema e a capacidade não só de registrar, mas também de usar ativamente idéias passadas para o avanço de problemas contemporâneos’ (apud ROSA, 2006, p.29).

Para Ernst Mach, físico e filósofo austríaco (1838 - 1916) que defendia a idéia de que

todo o conhecimento é uma organização conceptual dos dados da experiência sensorial (ou

observação), ‘a investigação histórica não somente promove a compreensão daquilo que existe

agora, mas também nos apresenta novas possibilidades’ (MACH apud MATTHEWS, 1992,

p.169).

O filosofo Paulo Abrantes, que trabalha com História e Filosofia da Ciência, é cético em

relação à utilidade da História da Ciência para o ensino de conceitos e teorias científicas,

principalmente no que tange ao ensino superior. Ele separa, ainda, a importância que a História

e a Filosofia da Ciência podem ter na formação de cientistas da que podem ter na formação de

professores (apud Rosa, 2006).

Há um problema nesse raciocínio. Dessa forma, teria que se assumir que os professores

se converteriam em multiplicadores da diminuição do fascínio pela ciência. Teríamos então o

que já apontamos acima, uma diminuição cada vez maior de pessoas buscando as carreiras

científicas.

Quanto ao caso da formação de cientistas4, Isidor Isaac Rabi, Prêmio Nobel de Física em

1994, afirma que ao longo de sua carreira o interesse pela História foi muito grande e tomou

parte de seus estudos:

‘Minhas leituras favoritas e minha melhor matéria no Ensino Médio

era história, matéria na qual eu obtinha notas muito altas muito, muito facilmente e sem esforço algum; história era nesse sentido minha melhor matéria, ainda que meu interesse fosse em ciência, o que, penso eu, veio da leitura do [Livro do] Gênesis... [Além disso] minhas primeiras leituras [quando criança] da teoria copernicana, da explicação das estações do ano e essas coisas, me deixaram com um interesse científico que nunca esmoreceu, e eu ainda consigo contemplar o sistema copernicano com um prazer tremendo.’ (RABI apud ROSA, 2006, p.30).

4 Este assunto será melhor discutido no capítulo reservado a justificativa do estudo de epistemologia nas graduações em Física (Capítulo 3).

10

Isso demonstra que a História e a Filosofia da Ciência no ensino podem não diminuir o

fascínio da Ciência, ao contrário, evidencia não só o quanto a História esteve presente na

formação de Rabi, mas o quanto leituras de textos historicamente clássicos da Ciência ajudou

o físico a resolver problemas com os quais lidava no seu cotidiano laboral. Um exemplo de

atividade em que Rabi foi influenciado por suas leituras dos clássicos da Ciência é o da

medição da susceptibilidade magnética de um cristal5 (HOLTON, 2003, apud ROSA, 2006).

Fora isso, não se pode excluir o Projeto Harvard. Este Projeto, implementado nos EUA

nos anos sessenta, foi desenvolvido por profissionais das diversas áreas de conhecimento

incluindo físicos, astrônomos, historiadores, filósofos e professores. O Curso de Física do PFH

faz uma introdução aos conceitos da Física a partir das suas idéias mais relevantes e numa

perspectiva cultural e histórica, com os objetivos de atingir estudantes com diferentes

capacidades e com as mais variadas vocações profissionais (HOLTON e colaboradores, 1978).

Lewis, em 1976, destacou o sucesso que representou este projeto, no que tange ao

ensino de uma ciência viva e inserida no contexto histórico. Além disso, sua característica

humanista permitiu sua adaptação e uso em outros países do mundo influenciando fortemente

projetos e movimentos educacionais (LEWIS, 1976).

5 Este era o coração de seu projeto de doutorado e tinha sido um problema no qual havia ficado preso até a leitura do Tratado de Maxwell (1873). E é por ter essa vivência com a História da Ciência que Holton afirma que Rabi não está seguindo modismos quando defende que a História deveria estar presente numa boa educação científica.

11

Base legal

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

A inserção de uma disciplina de história e Filosofia da Ciência na graduação em Física se

apóia nos princípios e finalidades contidos na lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a já

citada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e nas Diretrizes Nacionais Curriculares

para os Cursos de Física.

No Art. 43 da LDB, lemos que a finalidade da educação superior é estimular a criação

cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo 6; assim

como outras mais.

O espírito científico mudou e sofreu muitas variações no decorrer da história e, ao ter

contato com essas diversas variações de pensamento, paradigmas científicos, o aluno de

graduação terá condições de identificar e correlacionar às teorias e formulações científicas às

concepções de mundo em que foram geradas. Com isso, ele terá capacidade de desenvolver

um pensamento reflexivo sobre as questões da Ciência e quanto a qual abordagem tomar em

concordância com a pesquisa que pretenda desenvolver ou a aula que pretenda ministrar.

A Filosofia da Ciência representa uma área muito importante tanto para a própria Filosofia

como para a Ciência em si. Através dos estudos desenvolvidos, podemos ampliar nossa

concepção de ciência, livrarmos-nos dos mitos de uma ciência absoluta e com isso nos

colocarmos em condições de criticar os fatos e acontecimentos que nos são apresentados e

decidirmos, com conhecimento de causa, sobre a influência dessa mesma ciência em nossas

vidas (MC COMAS, 1998).

Como os alunos que se formarem e licenciatura em Física irão trabalhar, em princípio, no

ensino médio, faz-se importante analisar o que há com respeito à abordagem de HFC, também

no ensino médio.

Na Seção IV, Art. 35, da LDB encontra-se a afirmação de que o Ensino Médio terá como

finalidades, dentre outras, “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico 7”.

Reforçando a idéia exposta até aqui, lemos no Art. 36 que o currículo do Ensino Médio

destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da Ciência, das

letras e das artes; o processo histórico de transfo rmação da sociedade e da cultura 8; a

língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da

cidadania.

6 Grifos nossos. 7 Grifos nossos. 8 Grifos nossos.

12

No inciso 1º do mesmo artigo, lemos:

“Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão

organizados de tal forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre: domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (LDB, 1996).

Parâmetros Curriculares Nacionais

Nos parâmetros curriculares, tratando apenas o que diz respeito à disciplina de Física,

pode-se encontrar importantes argumentos que justificam nossa pretensão.

Nos PCNEM9, na seção que trata das competências e habilidades gerais da área de

ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, sob o subtítulo de Contextualização

sócio-cultural, encontram-se como competências: reconhecer o sentido histórico da Ciência e

da tecnologia, percebendo seu papel na vida humana em diferentes épocas e na capacidade

humana de transformar o meio; compreender as ciências como construções humanas,

entendendo como elas se desenvolveram por acumulação, continuidade ou ruptura de

paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.

“Para tanto, é essencial que o conhecimento físico seja explicitado

como um processo histórico, objeto de contínua transformação e associado às outras formas de expressão e produção humanas. [...] Assim, ao lado de um caráter mais prático, a Física revela também uma dimensão filosófica, com uma beleza e importância que não devem ser subestimadas no processo educativo” (PCNEM, 1999).

Já nas competências e habilidades a serem desenvolvidas em Física, em

Contextualização sócio-cultural, encontramos: reconhecer a Física enquanto construção

humana, aspectos de sua história e relações com o contexto cultural, social, político e

econômico; estabelecer relações entre o conhecimento físico e outras formas de expressão da

cultura humana; ser capaz de emitir juízos de valor em relação a situações sociais que

envolvam aspectos físicos e/ou tecnológicos relevantes.

Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio que, assim como os PCN+, são

orientações complementares aos PCNEM, na seção de Ciências da Natureza, Matemática e

suas Tecnologias, há um tópico que trata da História e Filosofia da Ciência, onde encontramos

a afirmação de que:

“O uso da História da Ciência para enriquecer o ensino de Física e tornar mais interessante seu aprendizado, aproximando os aspectos científicos dos acontecimentos históricos, possibilita a visão da Ciência como uma construção humana. [...] Já a Filosofia da Ciência tem maior importância, para o professor, na construção de sua concepção de

9 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

13

ciência, com reflexos na hora de abordá-la em sala de aula” (MEC, 2006).

A afirmação anterior é justamente a argumentação que vimos usando para justificar

nosso ponto de vista. A abordagem histórico-filosófica da Ciência nos cursos de graduação tem

a capacidade de elevar a compreensão do graduando, sobre os princípios e objetivos da

Ciência de uma forma que não seria possível apenas com o ensino operacional de técnicas e

métodos.

As diretrizes nacionais curriculares, para os cursos superiores de Física, especificam as

competência e habilidades que devem ser apresentadas pelos profissionais formados nessa

área. Dentre elas encontramos nas competências essenciais: desenvolver uma ética de

atuação profissional e a conseqüente responsabilidade social, compreendendo a ciência como

conhecimento histórico, desenvolvido em diferentes contextos sócio-políticos, culturais e

econômicos.

Dentre as habilidades gerais que devem ser desenvolvidas pelos formandos em Física

são apresentadas: propor, elaborar e utilizar modelos físicos, reconhecendo seus domínios de

validade; reconhecer as relações do desenvolvimento da Física com outras áreas do saber,

tecnologias e instâncias sociais, especialmente contemporâneas.

Nos conteúdos curriculares consta que o núcleo comum precisa ainda de um grupo de

disciplinas complementares que amplie a educação do formando. Estas disciplinas

abrangeriam outras ciências naturais, tais como Química ou Biologia e também as Ciências

Humanas, contemplando questões como ética, Filosofia e história da Ciência, gerenciamento e

política científica, etc.

O estudo dos modelos físicos, a importância da utilização desses modelos, o

envolvimento dos aspectos históricos e sociais são de extrema importância para a

compreensão dos caminhos que a ciência percorre em seu processo de desenvolvimento.

Um exemplo interessante envolve o modelo de sistema solar heliostático de Copérnico.

O próprio Copérnico dá a entender que foram motivos estéticos e metafísicos que o

levaram a concluir que o Sol deveria se encontrar no centro do sistema.

“No meio de todos encontra-se o Sol. Ora quem haveria de colocar

neste templo, belo entre os mais belos, um tal luzeiro em qualquer outro lugar melhor do que aquele donde ele pode alumiar todas as coisas ao mesmo tempo? Na verdade não sem razão, foi ele chamado de farol do mundo por uns e por outros a sua mente, chegando alguns a chamar-lhe o seu Governador. [Hermes de] Trimegisto apelidou-o de Deus visível e Sófocles em Electra, vigia universal. Realmente o Sol está como que sentado num trono real, governando a sua família de astros, que giram a volta dele” (GUERRA, REIS e BRAGA,1997, p.29).

Na graduação em Filosofia, lemos nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de

Filosofia que uma das Competências necessárias aos filósofos seria a percepção da integração

14

necessária entre a Filosofia e a produção científica, artística, bem como com o agir pessoal e

político. Assim como é importante ao filosofo compreender esse envolvimento inquestionável,

ao físico também é muitíssimo importante para que este tenha uma compreensão da Ciência

livre de preconceitos e mitos injustificáveis.

Muitas vezes os formandos de Física saem das faculdades carregando consigo, ainda, os

mitos de uma ciência que busca a verdade última da natureza e que o método empírico-

indutivo é o que se pode chamar de “O Método Científico”, sem se dar conta de que muitas são

as maneiras de se fazer ciência. É nesses assuntos, especialmente filosóficos, que uma

disciplina de Filosofia e História da Ciência poderia contribuir para a formação de futuros

cientistas e, principalmente, para a formação plena de professores para a atuação nas escolas

de Ensino Médio.

Apresentadas estas justificativas legais para o ensino de História e Filosofia da Ciência

nas graduações de Física, faz-se importante levantar a seguinte pergunta: A legislação que

apóia o ensino, nas formas expostas na LDB e nos PCNEM, são realmente válidas e positivas

para o ensino no país?

Esta indagação surge do pensamento crítico da própria história político-educacional do

país. A própria Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971, que Fixava as Diretrizes e Bases para o

ensino de 1° e 2º graus, revogada pela Lei nº 9.394 (LDB) de 20 de dezembro de 1996, hoje é

vista como uma das causas da decadência escolar devido ao fato de tornar profissionalizante

todo e qualquer ensino de segundo grau (Ensino Médio).

A atual legislação educacional brasileira, porém, se apresenta como resultado de um

processo internacional de mudança de paradigma educacional. Como foi exposto rapidamente

no início desse capítulo, tanto a LDB como os PCNEM refletem a necessidade de reelaboração

dos currículos e realizada em diversos países nas últimas décadas.

Seja devido ao desenvolvimento científico tecnológico, seja pelas necessidades políticas,

globalização, fazia-se necessário instaurar novas formas de ensino para o novo mundo que se

estruturava. Com relação aos currículos de ciências, nos E.U.A., pela American Association for

the Science, em 1990, na Inglaterra, pelo British National Curriculum Council, 1988, pela

Science Council of Canadá, 1984, e outros, estruturavam-se novos currículos e modalidades

para o ensino das ciências na tentativa de se obter melhores resultados que os obtidos pelas

ineficazes técnicas ortodoxas de ensino (MATTHEWS, 1994).

É do estudo desses processos que se idealizou a legislação educacional vigente no país,

estruturada em pesquisas e experiências nacionais e internacionais e que vem sendo

amparada e confirmada em inúmeros trabalhos acadêmicos no país e no exterior

(KAWAMURA, 2003).

Dessa forma, pode-se crer em uma estruturação educacional para o país que está

embasada nas necessidades atuais do ensino universal.

15

CAPÍTULO II

POR QUE ESTUDAR EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA NA GRADUAÇ ÃO EM FÍSICA?

É notório que os formandos em Física e, por conseguinte, os professores de Física do

Ensino Fundamental e Médio apresentam concepções deturpadas de ciência, carregadas de

idéias empiristas e de uma persistente “crença” de que o papel da Ciência seja a busca de uma

verdade última (SANDOVAL e CUDMANI, 1993; GIL PÉREZ et al, 2001; ABD-EL-KHALICK e

LEDERMAN, 2000).

Algumas visões deformadas da Ciência são listadas por Gil Perez (2002), como por

exemplo:

• A concepção empírico-indutivista e ateórica;

• A visão rígida, exata e infalível da Ciência, na qual o “método científico” é visto

como um conjunto de etapas que devem ser rigorosamente seguidas;

• A recusa a influência da criatividade;

• A visão aproblemática e ahistórica (portanto, dogmática e fechada);

• A visão exclusivamente analítica, limitadora e simplificadora;

• A visão acumulativa e linear do conhecimento;

• A visão individualista e elitista da Ciência, com grandes gênios que trabalham

isoladamente;

• A imagem descontextualizada e socialmente neutra da Ciência.

Estas visões deturpadas de ciência fazem com que os projetos mais bem estruturados e

inovadores pensados por esses docentes caiam por terra por estarem apoiados em idéias

acríticas e em compreensões incorretas da natureza do trabalho científico, Além disso, a visão

deturpada da Ciência acaba por levar ao uso de estratégias docentes inadequadas derivadas

dessas concepções (GIL, 1983, apud SANDOVAL e CUDMANI, 1993).

Um dos motivos principais dessas concepções persistirem é o fato das discussões acerca

do conhecimento cientifico, de epistemologia da Ciência e do papel da Ciência não serem

efetiva e formalmente travadas nas graduações de Física.

“[...] importa referir que se têm verificado posições determinantes

na epistemologia, como as de Popper (1975, 1983, 1986), Bachelard (1938, 1981), Toulmin (1977) e as trazidas pela reflexão em torno de Kuhn (1971), Bunge (1976, 1980), Lakatos (1982), Laudan (1984), Chalmers (1992), Giere (1998)... Tais teses são sempre ignoradas, quase nunca contempladas na educação em ciência e, por deslizamento no próprio ensino das ciências. O que transparece muitas vezes nos currículos de ciências são concepções incoerentes e desajustadas, nomeadamente, de natureza empirista e indutivista que se afastam claramente das que a literatura contemporânea considera

16

fundamentais ao propósito da produção científica e do que significa hoje a idéia de Ciência” (PRAIA, CACHAPUZ e GIL-PÉREZ, 2002, p. 127).

A tentativa de minimizar as visões errôneas da natureza do trabalho científico é uma

justificativa bastante forte para apoiar-se o estudo de epistemologia nos cursos de graduação

em Física. Com este estudo poderia ser reduzida consideravelmente a absurda dicotomia

existente entre estudar uma disciplina científica e estudar a Ciência.

Estudos como os de SANDOVAL e CUDMANI (1993) mostram que os professores que

não têm esse contato com a epistemologia desenvolvem uma visão própria e muito pobre do

trabalho da Ciência e esta visão é passada aos seus alunos. Multiplicando-se assim a

incompreensão da natureza da Ciência.

Há consideráveis evidências de que um dos fatores que mais influencia na concepção da

Ciência dos estudantes é a imagem que o professor possui e transmite de sua disciplina. Por

mais despercebida que passe, há sempre uma concepção epistemológica por trás da forma

como se transmite cada informação e se ensina cada conteúdo. São as epistemologias

implícitas do currículo e do próprio professor.

Segundo Sandoval e Cudmani (1993), um professor formado em Epistemologia e em

História da Física poderia obter, entre outros, os seguintes benefícios em seu trabalho diário:

a) Tomar consciência de que sua formação em Física, e sua atividade docente,

podem estar pautadas por uma Filosofia incoerente e adotada irreflexivamente;

b) Transmitir uma visão mais realista e humana da Física e favorecer o aumento do

interesse e do compromisso dos estudantes com a disciplina;

c) Não confundir o que se postula com o que se deduz;

d) Promover uma melhor compreensão dos conceitos científicos pelos estudantes,

e ter, por exemplo, claros os limites de validade e exatidão dos contextos

sintáticos e substanciais que lhes outorgam significado;

e) Prevenir o dogmatismo no conhecimento científico, incentivando a capacidade de

analise crítica dos seus alunos;

f) Fazer com que os estudantes compreendam a complexa natureza do método

científico e da relação teoria-realidade;

g) Deixar patente, frente aos alunos, que o avanço da Ciência não pode ser

compreendido como um desenrolar meramente aditivo e mostrá-lo como um

processo em que cada solução planta novos problemas, que cada problema tem

vários níveis de solução e que nunca está dita a ultima palavra.

h) Favorecer para que, nas aulas em laboratório, os alunos construam o

conhecimento científico com uma metodologia acorde com a empregada pela

comunidade cientifica.

17

É necessário ter em mente que, da mesma forma que a importância da abordagem

histórica no ensino de ciência não é consensual, o estudo de epistemologia também não o é.

Para Thomas Kuhn, o estudo de epistemologia, assim como o de Historia da Ciência,

diminuiria a credibilidade desse ramo do conhecimento, afastando o estudante da área

científica, pois reduziria o fascínio provocado pela resolução dos “quebra-cabeças” que a

ciência produz (MATTHEWS, 1994; KUHN, 1998; FREIRE JR, 2002). Afirma também que esse

estudo não é necessário ao cientista para fazer ciência.

Segundo Kuhn (1998, p.71), “o processo de aprendizagem de uma teoria depende do

estudo das aplicações, incluíndo-se aí a prática na resolução de problemas, seja com lápis e

papel, seja com instrumentos num laboratório”. Ele ainda afirma que os cientistas não precisam

conhecer as características que levam uma teoria a ter o status de paradigma, ou pensar sobre

a legitimação de um problema, e que podem até afastar-se de “problemas sociais relevantes”,

pois esses “podem constituir-se numa distração” (Idem, p.60).

Para Freire Jr. (2002), a crítica de Kuhn é coerente apenas para sua teorização acerca de

paradigma e ciência normal, em que o dogma se faz necessário. Ele considera que as críticas

de Kuhn têm apenas relevância quando se discute a formação do cientista e não de

professores.

Opinião semelhante à de Kuhn tem o famoso físico norte-americano, Richard Feynman.

Para ele as especulações filosóficas a respeito de “o que é a Ciência?”, “o que é o método

cientifico?” não têm utilidade e, pelo contrário, podem representar distrações indesejáveis.

Para ilustrar este pensamento, Feynman faz uso do seguinte poema:

“Uma centopéia vivia feliz Até que um sapo malicioso lhe perguntou: ‘Diga-me, você jamais se confunde de pata quando caminha?’ Tomada de dúvida, a centopéia caiu num buraco, porque ela não sabia mais caminhar “(apud VIDEIRA, 2006, p. 32)”.

Feynman considera inútil o estudo de epistemologia devido o trabalho infrutífero que os

filósofos têm realizado na busca de uma explicação definitiva para a natureza do trabalho

científico. Ele menciona ainda que fez ciência a vida toda sabendo perfeitamente o que ela era,

porém, quanto a dizer o que ela é ele se vê incapaz (VIDEIRA, 2006).

Outros físicos como P. Bridgman e Steven Weinberg também defendem esta opinião

dizendo que o método científico é aquilo que os praticantes de ciência fazem e não o que as

outras pessoas dizem sobre ele. Da mesma forma, afirmam que um cientista não fica pensando

se o método que está usando é mais ou menos científico deixando transparecer que, em suas

opiniões, o trabalho dos filósofos se mostra inútil (Idem, 2006).

Há outros pensadores que não crêem que uma atitude mais filosófica na formação, tanto

de cientistas como de professores, traria esses malefícios apregoados.

18

O filósofo da Ciência Feyerabend, por exemplo, discorda desse ponto de vista. Ele

próprio afirma que:

“Não há indicação de que o progresso é estorvado pela atitude mais ‘filosófica’ que, de acordo com Kuhn, fundamenta um procedimento dessa natureza... Muito ao contrário, encontramos uma consciência maior dos limites do nosso conhecimento, da sua conexão com a natureza humana, e encontramos também uma familiaridade maior com a história do tema e a capacidade não só de registrar, mas também de usar ativamente idéias passadas para o avanço de problemas contemporâneos” (FEYERABEND, 1979, p.246).

A opinião de que não há benefícios no estudo de epistemologia no ensino de Física é

fortemente questionado quando se relembra que no âmbito da própria Ciência, no caso da

Física, por exemplo, pesquisas teóricas e experimentais levaram cientistas como Albert

Einstein (1879-1955), Niels Bohr (1885- 1962), Werner Heisenberg (1901-1976), Louis de

Broglie (1892-1962), Erwin Schrödinger (1887- 1961) e Max Born (1882-1970), à reflexão

filosófica intensa. Reflexões estas, não apenas sobre o papel conferido aos novos conceitos,

mas sobre a natureza do conhecimento científico e, em muitos casos, sobre as relações entre o

sujeito e o objeto do conhecimento (PEDUZZI, 2002).

A forte influência que a Filosofia da Ciência teve sobre Einstein é bastante notória e

reconhecida por seus biógrafos e pelos comentadores de sua Obra.

“Seu gosto pela Filosofia era fruto não apenas de suas extensas

leituras, mas também do convívio com grandes nomes da Filosofia da Ciência, como Ernst Mach, Moritz Schlick, Hans Reichenbach e Ernst Cassirer, este último um importante representante do neokantismo é tido como o filósofo alemão que mais profundamente se envolveu, após Kant, com a Filosofia da matemática e das ciências naturais” (PEDUZZI, 2002, P. 4).

Sobre o afastamento entre o trabalho dos cientistas e a Filosofia, nas palavras de Albert

Einstein:

“Foi dito freqüentemente e com certeza não sem razão que o cientista seria um mal filósofo. Por que não haveria então de ser o mais correto também para o físico deixar o filosofar para os filósofos? Isto talvez se aplique em épocas nas quais os físicos crêem possuir um sólido e inquestionável sistema de conceitos e leis fundamentais, mas não nos dias atuais, quando os fundamentos da Física como um todo se tornaram problemáticos. Nestas épocas, nas quais a experiência o obriga a buscar uma base nova e mais sólida, o físico não pode simplesmente relegar `a Filosofia a análise crítica dos fundamentos, uma vez que apenas ele sabe e sente melhor que ninguém onde o sapato lhe aperta; na busca por novos fundamentos é mister que ele procure se esclarecer o melhor possível acerca da necessidade e legitimidade dos conceitos por ele usados”( EINSTEIN, 2006, p. 9).

Ainda sobre o afastamento entre os cientistas e a Filosofia é importante considerar as

análises de David Bohm (1917-1992), responsável por uma das interpretações da mecânica

19

quântica. Para ele os cientistas deveriam refletir mais sobre a sua ciência, eles parecem estar

apenas preocupados em ‘produzir fórmulas que predigam corretamente os resultados das

experiências’ se esquecendo de examinar o inevitável entrelaçamento da sua ciência com

aspectos filosóficos (PEDUZZI, 2002).

Nenhum dos cientistas citados anteriormente foi abalado em suas convicções científicas

por terem se interessado pelo estudo de epistemologia da Ciência. Pelo contrário, se eles

conseguiram enxergar mais longe foi por terem se afastado do “lugar comum” em que os

demais cientistas se encontravam e por terem elevado suas mentes a outras esferas do

conhecimento humano.

Para Mário Bunge (1919), todo homem nutre posturas filosóficas.

“O físico e filósofo Mario Bunge chega a afirmar: ‘Todo cientista nutre posturas filosóficas, embora freqüentemente nem todos o façam de maneira totalmente consciente’. E é justamente ai que a linha demarcatória entre Física e Filosofia mais uma vez se esmaece, pois mais do que o conhecer é necessário entendermos a origem e a abrangência deste nosso conhecimento” (DAHMEN, 2006, p. 3).

Essa postura filosófica está sempre presente, por mais que isso seja velado ou

despercebido.

"[...] ao dizermos que não nos interessamos pela Filosofia, o que estamos provavelmente a fazer é substituir por uma Filosofia explícita, uma Filosofia implícita, por isso, imatura e incontrolada" (MARIO BUNGE, 1973, p. 11).

Todas as questões até aqui levantadas indicam que o estudo de epistemologia da

Ciência nos cursos de graduação em Física poderia aproximar dos graduandos discussões

essenciais à compreensão da Ciência de uma maneira muito mais ampla e profunda que a que

temos atualmente.

Parece inconcebível que um estudante de Física se forme e, após todo o

aprofundamento e dedicação para penetrar na seara da Ciência, ele o faça de maneira

incompleta. O que se tem com isso é um profissional, pesquisador ou professor, que não tem

consciência de que sua prática está permeada por uma epistemologia que, muitas vezes, é

impensada e incompreendida pelo mesmo. E mais, um físico que desconhece os meandros e

caminhos intrínsecos ao desenvolvimento da Ciência.

Para o professor de Física resta o questionamento de que, como ele próprio não

reconhece as sinuosidades do desenvolvimento científico, como poderia formar plenamente

cidadãos que compreendam de fato as implicações dos desenvolvimentos científicos e

tecnológicos de seu tempo?

20

CAPÍTULO III

PRINCIPAIS TEMAS A SEREM ABORDADOS EM EPISTEMOLOGIA DA FÍSICA

Toda a reflexão sobre a importância do estudo de Filosofia da Ciência, epistemologia da

Ciência, no ensino de Física realizada nos capítulos anteriores aponta um questionamento: O

que seria importante abordar em uma disciplina como esta, no reduzido tempo de um minicurso

de Física?

Como ponto de partida tem-se que se questionar quais são as principais dúvidas e

confusões que o ensino tradicional e conteúdista da Física permite que se instaure ou até

mesmo ele próprio construa nos alunos.

Um dos principais motivos da propagação das concepções errôneas da Ciência é o fato

de que os professores, ao se formarem, ainda trazem consigo muitas concepções deformadas

do trabalho científico (FERNÁNDEZ, I. 2000, SANDOVAL e CUDMANI, 1993). Dentre as

principais concepções deformadas do trabalho científico que expressam uma imagem ingênua

da Ciência, GIL-PÉREZ, et al. (2001) citam:

1. A concepção empírico/indutivista e ateórica : [...]

Concepção que destaca o papel “neutro” da observação e da experimentação (não influenciadas por idéias apriorísticas), esquecendo o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo. [...]

2. A transmissão de uma visão rígida (algorítmica, exata,

infalível) da Ciência : [...] Apresenta-se o “método científico” como um conjunto de etapas a serem seguidas mecanicamente. Há uma preocupação, quase obsessiva, em evitar a ambigüidade e em assegurar a fiabilidade das avaliações. [...] A preocupação, quase obsessiva, em evitar a ambigüidade e em assegurar a fiabilidade das avaliações, distorce a natureza do trabalho científico, essencialmente incerto e também com algo de intuitivo e, por certo, reflexivo. A avaliação deveria ter em conta essa “ambigüidade” e não tentar eliminá-la ou mesmo ignorá-la. [...]

3. A visão aproblemática e ahistórica (portanto, do gmática e

fechada) : Transmitem-se os conhecimentos já elaborados, sem mostrar os problemas que lhe deram origem, qual foi a sua evolução, as dificuldades encontradas etc., e não dando igualmente a conhecer as limitações do conhecimento científico atual nem as perspectivas que, entretanto, se abrem. [...]

4. A visão exclusivamente analítica da Ciência: [...] destaca a

necessária divisão parcelar dos estudos o seu caráter limitado, simplificador. Porém, esquece os esforços posteriores de unificação e de construção de corpos coerentes de

21

conhecimentos cada vez mais amplos, ou o tratamento de “problemas-ponte” entre diferentes campos de conhecimento que podem chegar a unificar-se, como já se verificou tantas vezes e que a História da Ciência evidencia. [...]

5. A visão acumulativa de crescimento linear dos

conhecimentos científicos : O desenvolvimento científico aparece como fruto de um crescimento linear, puramente acumulativo que ignora as crises e as remodelações profundas, fruto de processos complexos que não se desejam e deixam moldar por nenhum modelo pré-definido de mudança científica. [...]

6. A visão individualista e elitista da Ciência : Os

conhecimentos científicos aparecem como obras de gênios isolados, ignorando-se o papel do trabalho coletivo e cooperativo, dos intercâmbios entre equipes... Em particular faz-se crer que os resultados obtidos por um só cientista ou equipe podem ser suficientes para verificar, confirmando ou refutando, uma hipótese ou toda uma teoria. [...]

7. A visão descontextualizada de uma ciência social mente

neutra : Esquece-se as complexas relações entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS) e proporciona-se uma imagem deformada dos cientistas como seres “acima do bem e do mal”, fechados em torres de marfim e alheios à necessidade de fazer opções. [...]

Essas concepções dos docentes sobre a ciência são transmitidas aos alunos muitas

vezes sem que o professor tenha consciência do fato. Isso ocorre devido a falta de reflexão

crítica e de uma educação científica que, com freqüência, se propõe à simples transmissão de

conhecimentos já elaborados e dispostos sem a menor contextualização (SANDOVAL e

CUDMANI, 1993).

A concepção empírico/indutivista talvez seja a concepção de Ciência mais difundida e

arraigada, tanto no meio popular e leigo como entre boa parte dos professores de ensino de

ciências. A própria maneira de trabalhar o laboratório didático nos indica essa forte influência

indutivista de dar uma ordem fixa ao processo de pesquisa (AMERICAN ASSOCIATION OF

PHYSICS TEACHERS, 1998). Em geral, o aluno não é incentivado a resolver questões

abertas, apresentam-se roteiros objetivos em que os alunos devem seguir passo dentro dessa

linha, previamente determinados pelo professor. Não há, portanto, espaço para a criatividade.

Os trabalhos de laboratório são bem claros, objetivos e devem gerar resultados já bem

conhecidos.

Esses fatos levam, também ao fortalecimento da visão rígida (algorítmica, exata,

infalível) da Ciência. Assim a ciência se apresenta como infalível e perfeita. Essa visão reforça

na sociedade o poder do especialista, ou seja, o uso do discurso científico para validar novos

produtos e serviços (CHAUÍ, 1987).

22

Desde os primeiros anos escolares, o conhecimento cientifico é passado aos alunos de

forma acumulativa e de crescimento linear. Os fatos discrepantes, os inúmeros erros, as

disputas e oposições às teorias que tentam explicar os fenômenos naturais, em geral, não

aparecem no desenvolvimento dos conteúdos escolares (PEDUZZI, L. O. Q., 2001).

Essa visão desprovida de historicidade faz parecer que o trabalho científico e os seus

atores, os cientistas, são seres especiais, distantes de tudo e de todos. São pessoas que não

estão interadas do mundo e da sociedade em que vivem. Dessa forma, o conteúdo que

produzem é neutro, ou seja, não está diretamente relacionado com a sociedade em que se

encontra inserido.

Como se pode perceber, as concepções errôneas da Ciência aqui analisadas são

concepções que se completam e se reforçam e que devem ser combatidas para que se possa

ter uma idéia mais atual e menos ingênua do trabalho cientifico.

Concepções sobre ciência e o método científico

No mundo antigo, podemos identificar duas frentes importantes de obtenção de

conhecimento. Seguindo a visão de Platão, o conhecimento era cultivado de forma puramente

lógica, os saberes tinham uma característica unicamente contemplativa da realidade e não

havia a pretensão de modificar o “objeto” de pesquisa, a natureza. O que se buscava conhecer

era a verdade última, aquilo que a realidade tinha de permanente e imutável. A idéia

dedutivista, o descobrir por meio da razão e da lógica, era a única forma aceitável de se

alcançar o conhecimento.

A outra forma seria seguindo a linha de entendimento trazida por Aristóteles que

utilizava a observação da natureza como fonte de suas especulações. Não havia a intenção de

se criar experiências para comprovação ou geração das idéias, mas a simples percepção e

análise lógica dos fenômenos apresentados pela natureza.

De uma forma ou de outra, a razão era suprema no processo de conhecer o universo.

Na era moderna ocorre uma profunda mudança na maneira como se percebe a

Natureza. Enquanto no mundo medieval a Natureza era tomada como algo sagrado e perfeito,

intocado pelo homem, na era moderna, a Natureza é o objeto de estudo a ser dissecado e

explicado de modo a poder ser modificado para satisfazer os interesses da humanidade

(OLIVA, 2003).

No âmago desse pensamento encontramos a citação de Francis Bacon, “Saber é

poder”, que retrata bem o ideal de ciência da época. As teorias passam a ter seu valor definido

em função do poder preditivo e operativo no trato da natureza.

Bacon acreditava que ao se afastar do trabalho investigativo todos os preconceitos,

dogmas e “ídolos”, seria possível realizar uma investigação pura e neutra, única capaz de

propiciar explicações verdadeiras da natureza. Bacon defende a idéia da necessidade de um

23

método para a ciência. Para ele, o método empírico-indutivo, se seguido rigorosamente,

proporcionaria as condições ideais para o ’descortinar’ da natureza (BACON, 1979).

O método baconiano se baseia nas observações e registro dos fenômenos, onde dos

sentidos abstrai-se os axiomas ascendendo de forma reta e ordenada até chegar aos princípios

de máxima generalidade. Estes axiomas são hipóteses que devem ser testadas por

experimentação para a confirmação ou refutação das mesmas, com nova formulação teórica.

Para ele, a experiência sensível da natureza é a principal e única confiável fonte de

conhecimento. Havia sim valor para a razão e a lógica, porém, estes ocupavam um papel

apenas na análise e formulação teórica posterior às experimentações (BACON, 1979).

Em contrapartida temos a Filosofia de Descartes que acreditava que o conhecimento

puro e perfeito só seria possível por meio de dedução lógica, o uso de uma razão treinada

(ARANHA e MARTINS, 1994). Assim como Bacon, Descartes também percebe a necessidade

de um método que possibilite a descoberta dos princípios que regem os processos naturais.

O método científico de Descartes, inspirado em sua Filosofia racionalista, está ligado às

regras e preceitos da razão treinada, necessárias ao desenvolvimento lógico, capaz de levá-lo

ao alcance do conhecimento último por detrás do mundo real.

O seu método é o dedutivo. A partir dos pressupostos básicos estabelecidos a priori, o

objeto da investigação não precisa ser deduzido de nenhuma outra coisa senão da razão pura,

ou seja, o conhecimento é deduzido pelo uso da razão, fruto de uma mente pura e atenta

(ARANHA E MARTINS, 1994). O conhecimento aparece como uma verdade inquestionável,

capaz de desencadear a estruturação e o desenvolvimento de novos conhecimentos. O

‘substrato material’ que dá suporte a este empreendimento é a matemática (aritmética e

geometria). Para Descartes, a experimentação tem, fundamentalmente, o papel de corroborar

teorias (KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).

Essa visão do desenvolvimento científico ganha força com filósofos como Spinoza

(1632-1677), Leibniz (1646- 716) e Rousseau (1712-1778), adeptos do racionalismo francês de

Descartes, já o empirismo de Bacon é reforçado com Locke (1632-1704), Hobbes (1588-1679),

que assumem o empirismo como forma de aquisição de conhecimento.

David Hume (1711-1776) levanta questões importantes em relação ao trabalho

científico. Ele toma como ponto principal de sua critica, a questão da indução. Hume nega a

possibilidade de inferir qualquer coisa que transcenda ao produto da experiência. Para ele, do

ponto de vista lógico, não é possível assegurar a validade de um enunciado geral a partir de

enunciados singulares, pois sempre pode existir a possibilidade de uma refutação futura, não

considerada. Para ele,

“[...] embora não exista meio de demonstrar a validade dos procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de tais procedimentos indutivos. Como estes procedimentos parecem ter legitimidade prática, o homem os adota. Sem embargo, isto não quer

24

dizer que falte fundamentação racional para as leis científicas, que elas não se apóiem na lógica e na experiência, embora ultrapassem tanto uma como outra, dado seu caráter de generalidade irrestrita.” (MAGEE, 1973, p.23, apud, KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002, p.3).

Por mais comprovado que seja um enunciado científico não é possível provar a

verdade de uma teoria, pois, com toda certeza, esta pode mostrar-se falível futuramente e ser

objeto de correção, ou descarte (SILVEIRA, 1996).

Apesar do ceticismo de Hume, a concepção empirista-indutivista ficou profundamente

arraigada à investigação científica, um dos motivos é que os cientistas a utilizaram como

critério de demarcação entre ciência e não ciência. Ou seja, criou-se o mito de que o

conhecimento científico derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e

confiável porque é provado. Para que a experiência tenha sucesso é necessário, entretanto, o

registro fiel dos dados observados, fazendo isso sem preconceitos, sem pré-concepções

sociais, pessoais, lingüísticas e filosóficas que possam perturbar o seu trabalho (KÖHNLEIN E

PEDUZZI, 2002).

Através da interpretação fiel dos dados colhidos na experimentação, poder-se-ia

concluir idéias particulares dos fenômenos observados e extrapolá-las para leis e teorias mais

gerais, com base no princípio da indução. Assim, apoiados pelos fatos, os enunciados

científicos contrastam com enunciados de todos os outros tipos “que se baseiam na autoridade,

na emoção, na tradição, na conjectura, no preconceito, no hábito ou em qualquer outro

alicerce”. (MAGEE, 1973, p.22, apud KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).

Dessa forma, juntamente com a concepção empirista-indutivista, nasce à concepção de

uma ciência neutra e objetiva, apartada de todos os acontecimentos sociais e políticos de seu

tempo (GIL-PÉREZ, et al, 2001).

Uma idéia herdada da tese de Descartes de que através do trabalho solitário de um

único homem, talvez ele próprio, poder-se-ia alcançar a verdade última da natureza, é a da

existência de que repentinamente na historia da Ciência surgiram heróis que descobriram ou

desenvolveram idéias que ninguém mais conseguiria (BRAGA, GUERRA e REIS, 2004).

Com o surgimento da Filosofia de Immanuel Kant (1724- 804), nasce a critica a ambos

os sistemas de perceber e apreender a natureza. Para Kant, as duas concepções eram

problemáticas e insuficientes para o alcance da verdade última. Para ele a experiência

representa a origem da pesquisa científica, mas sem o uso da razão não se pode alcançar o

conhecimento verdadeiro.

“[...] nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e

todo ele começa com ela. Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa

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própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma, cujo aditamento não distinguimos daquela matéria-prima antes que um longo exercício nos tenha tornado atentos a ele e nos tenha tornado aptos à sua abstração. (KANT, 1987, p.1.)

Em “Crítica da Razão Pura”, Kant pretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo

explicando que o conhecimento é constituído de matéria, o próprio objeto de estudo, e de

formas a priori de nossa sensibilidade, anteriores à experiência que lhes dá sentido. Outra

conclusão importante de Kant é de que não é possível conhecer as coisas tais como são em si,

apenas pode-se conhecer os fenômenos e deles tecer interpretações e conclusões.

Como, para ele, o conhecimento do mundo fenomenal se dá necessariamente pela

combinação de juios apriori ( já presentes na mente humana antes da experimentação) e dos

dados obtidos pela própria experimentação, as questões da metafísica são impossíveis ao

conhecimento. Como não se pode conseguir experimentações que comprovem estas questões

não há possibilidade de se ter afirmações ou negações claras a este respeito.

Seguindo essa idéia de afastar a metafísica do trabalho da Ciência, temos no século

XVIII o surgimento do positivismo de August Comte (1798-1857).

O termo positivismo designa a distinção entre o real e o quimérico, a certeza em

oposição à indecisão. É a forma de conhecimento que se opõe às formas teológicas e

metafísicas de explicar a natureza.

O positivismo leva às últimas conseqüências o papel da razão na determinação das leis

invariáveis que regem o mundo e, ao mesmo tempo, retoma a linha desenvolvida pelo

empirismo baconiano. O determinismo na ciência ganha força com a tese positivista de que há

leis invariáveis na natureza. Há também o reconhecimento da impossibilidade de obter-se

noções absolutas, e, por isso, defende-se o abandono da busca pelas causas primeiras para

ater-se apenas a descrição de como os fenômenos ocorrem e deles conseguir leis gerais,

porém não absolutas.

“[...] a ciência positiva deveria se eximir de tratar o absoluto,

pois este transcenderia a experiência. A idéia de absoluto estava em intima relação com a divindade. Uma ciência baseada nos fatos empíricos seria relativa por natureza”. (BRAGA, GUERRA e REIS, 2008, p. 28).

Esta questão de se afastar do divino ou do metafísico estava no âmago da Filosofia de

Comte. Para ele, cada ramo do conhecimento passa por três etapas históricas diferentes que

ele chama de estados:

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O primeiro estado é o modo mais primitivo de se entender as coisas. Os fenômenos são

explicados por meio de entidades sobrenaturais Deus Sol, Deus Lua etc. Todas as

manifestações naturais têm sua divindade.

O segundo estado, o metafísico, é um estado caracterizado pela excessiva

especulação, porém ainda de caráter místico onde os entes sobrenaturais são substituídos por

entes abstratos. Um exemplo seria a explicação dada por Aristóteles para o movimento de

queda dos corpos graves como sendo devido a uma tendência natural dos mesmos de voltar

ao seu lugar natural.

Já o terceiro estado, o positivo, o homem, já esclarecido, renuncia às explicações

sobrenaturais ou metafísicas para aceitar apenas o que pode ser conseguido pelo uso da

razão, associada à experimentação. Comte cita como o marco deste novo pensamento as

obras de Bacon, Galileu e Descartes (SAMANIEGO, 1994).

È na Filosofia positivista que nascem as idéias mais arraigadas de ciência e de

desenvolvimento científico que se tem ainda hoje, onde:

“A história não é mais pensada como um vir-a-ser, mas

como uma seqüência congelada de estados definitivos, e a evolução nada mais é do que a realização, no tempo, daquilo que já existia em forma embrionária e que se desenvolve até alcançar o seu ponto final. O conceito de ciência é o de um saber acabado, que se mostra sob a forma de resultados e receitas” (ARANHA e MARTINS, 1994, p.117).

Outra influência forte da Filosofia comtiana está na maneira de ensinar ciência. Em seu

livro, Curso de Filosofia Positiva, Comte descreve alguns fundamentos considerados por ele

importantes para a formação científica. Ele defende duas modalidades de abordagem do

ensino de ciências. Uma delas seria seguindo a cronologia dos fatos, uma abordagem

histórica, assim como acontece no estudo das outras áreas do conhecimento como Filosofia,

Literatura etc. A outra modalidade seria a dogmática, que não leva em consideração as

complexidades com que as idéias surgiram e adotando uma seqüência puramente didática e

atemporal.

Essa ultima é a modalidade de ensino de ciências que vem sendo adotados até os dias

de hoje na grande maioria das salas de aula. O abandono do aprendizado pelo uso dos textos

originais para o uso de livros texto, livros didáticos, preparados especialmente para esse fim

tem por motivação o afastamento de idéias metafísicas que muitas vezes foram utilizadas pelos

grandes nomes da Ciência, mas que para Comte representava um empecilho ao verdadeiro

conhecimento. (BRAGA, GUERRA e REIS, 2008)

É aqui, também, que ganha força a idéia de que há um método que se pode chamar de

científico e que deve ser usado como referência de confiabilidade para uma pesquisa. Este tal

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método seria o único capaz de trazer à tona a verdade por traz da natureza de maneira clara e

racional, sempre apoiada em fatos e experimentos.

É nesse momento que, na tentativa de dar legitimidade ao seu conhecimento, as

pesquisas em ciências humanas começam a tratar o objeto de estudo, que no caso está no

próprio homem, como algo que pode ser verificado exclusivamente por meio de experiências.

Abandona-se o caráter filosófico para ater-se ao que pode ser medido, como o caso da

psicologia fisiológica de Wilhelm Wundt (1852-1920) e a teoria de reflexo condicionado de Ivan

Pavlov (1849-1936).

Em contrapartida, surge a tendência humanista que, preocupada com a especificidade

dos fenômenos humanos, busca um método diferente que se opõe a Filosofia de Comte.

Afirma-se que não há fatos com a objetividade pretendida, pois não percebemos o mundo

como um dado bruto, desprovido de significado. Toda consciência é intencional e não há

consciência separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo (ARANHA e

MARTINS, 1994).

Ao final do Século XIX e inicio do Século XX o desenvolvimento da Ciência era tão

grande que todos estavam convencidos da excelência do método cientifico para conhecer a

realidade.

O positivismo apresentava uma enorme força no meio cientifico e filosófico, uma força

aparentemente inabalável. No entanto, é justamente nesse período que alguns fatos científicos

abalaram violentamente as concepções vigentes (MARTINS, 2005).

A chamada Física Clássica já estava muito bem estruturada. A mecânica era capaz de

resolver problemas complicadíssimos como descrever o movimento dos planetas, em um grau

altíssimo de precisão. A Física ondulatória (óptica e acústica) também havia atingido um

grande aperfeiçoamento durante o Século XIX. A eletricidade e o magnetismo, que antes de

1800 eram apenas fenômenos curiosos sem grande importância, foram unificados sobre o

nome de eletromagnetismo e colocados em uma posição de destaque no cenário científico-

tecnológico da época (MARTINS, 2005).

O desenvolvimento do eletromagnetismo levou rapidamente a criação dos geradores de

eletricidade, culminando no que ficou conhecido como “segunda Revolução Industrial” ou

segunda fase da Revolução Industrial que foi marcada pela substituição da iniciativa puramente

técnica, como foi a primeira revolução10, pela aplicação dos conhecimentos científicos ligados à

geração e utilização da energia elétrica.

Esses fatos extraordinários para a comunidade científica da época faziam com que a

“fé” na ciência desenvolvida deixasse esses cientistas plenamente confiantes em suas

capacidades de compreensão da natureza.

10 A primeira Revolução Industrial iniciou-se por vota de 1760, seu desenvolvimento foi especialmente técnico, pois a formulação teórica sobre os processos térmicos, a determinação das leis que regem o rendimento de máquinas e o estabelecimento do conceito de entropia e a segunda lei da termodinâmica só aconteceram no século XIX. (Cardoso, 1999).

28

“Diante dos grandes sucessos científicos que haviam ocorrido, em 1900 alguns físicos pensavam que a Física estava praticamente completa. Lord Kelvin - um dos cientistas que havia ajudado a transformar essa área - recomendou que os jovens não se dedicassem à Física, pois faltavam apenas alguns detalhes pouco interessantes a serem desenvolvidos [...]” (MARTINS, 2000).

Na realidade havia muitos problemas a serem resolvidos: a estrutura íntima da matéria,

a natureza da radiação, o efeito fotoelétrico, a forma como ocorre a interação entre matéria e

radiação, a questão da luminescência e a descrição do espectro de emissão luminosa.

Foram justamente esses “detalhes pouco interessantes” que levaram posteriormente às

grandes revoluções científico-epistemológicas propostas pela Teoria da Relatividade e Física

Quântica. Com o surgimento dessas duas teorias, não newtonianas, e da geometria não

euclidiana o mundo científico e filosófico não foi mais o mesmo (BRAGA, GUERRA e REIS,

2008).

Esses fatos desencadearam mudanças radicais na visão de ciência ocorrendo, nesse

período, o que pode ser chamar de crise da Ciência moderna.

Mach (1838-1916) é um desses pensadores que levantaram altas criticas a respeito do

empirismo defendido no positivismo. Outro pensador da época a trazer questões a respeito da

Ciência foi Poincaré (1854-1912) que chegou a afirmar que “as teorias não são nem

verdadeiras nem falsas, mas úteis.” (ARANHA e MARTINS, 1994)

Com as novas constatações científicas, percebe-se a necessidade de reavaliação do

conceito de ciência, dos critérios de certeza, da relação entre ciência e realidade e da validade

dos modelos científicos.

Em 1928, surge o Círculo de Viena que teve por finalidade investigar até que ponto as

teorias têm probabilidade de serem verdadeiras.

Formado por Carnap (1891-1970), Schlick (1882-1936), Hahn (1879-1934), e Neurath

(1882-1945), o Círculo de Viena representa a tendência neopositivista ou do empirismo lógico.

Para estes filósofos, as proposições da Ciência “têm sentido” enquanto mensuráveis, tudo o

que não é mensurável não tem sentido. A lógica, a matemática e as ciências empíricas, para

eles, esgotam o domínio do conhecimento possível e o princípio de verificabilidade, excluindo

assim a Filosofia do domínio do conhecimento real.

Uma grande inovação na linha de pensamento adotada até esse momento foi a de Karl

R. Popper (1902-1994). Ele aceitou a crítica de Hume, mas, contrariando a idéia da

legitimidade psicológica, ofereceu uma resposta: a ciência começa com um problema e não

com uma observação. As observações estão impregnadas de teorias, e essas teorias

científicas, nunca são empiricamente verificáveis, mas podem ser refutadas (OLIVA, 2003).

Nesse caminho, Popper, ao contrário de adotar a verificabilidade como critério de cientificidade,

29

provar teorias por meio da verificação experimental, assumiu a condição de refutabilidade ou

falsibilidade como critério de garantia de verdade para o discurso cientifico.

Para Popper uma argumentação só poderia ser classificada como científica se

fornecesse condições de teste. Só teorias falsificáveis seriam científicas. Por exemplo, a

afirmação de que todos os planetas do universo são desabitados, com exceção da Terra, é

uma afirmação que num futuro pode ser negada, mesmo que até o momento tenha se

mostrado como verdade, e, assim, ela se constituiria numa argumentação científica.

Este é um dos motivos de Popper negar o marxismo e a psicanálise, tendo em vista que

estas teorias se restringem as idéias de seus próprios idealizadores. (ARANHA e MARTINS,

1994).

Para ele uma teoria cientifica é sempre relativa e temporária, somente a não ocorrência

de uma negação experimental pode corroborar para tal teoria continuar sendo válida. No

momento que surge algum fato que negue a afirmativa da teoria, esta deve ser descartada. No

caso de se descobrir vida em algum planeta a afirmativa do exemplo dado anteriormente deve

ser abandonada.

Já Thomas Kuhn (1922-1996), se contrapôs a teoria de Popper negando que a

refutação possa levar a ciência ao seu pleno desenvolvimento. Ao contrário, a ciência progride

pela tradição intelectual representada pelo que ele chamou de paradigma. O paradigma seria

todo o conjunto de conhecimentos comuns a uma sociedade, de cientistas. É dos paradigmas

que surgem todos os problemas e questões a serem resolvidos. Pode-se citar o paradigma

newtoniano para o Século XVII e o eletromagnético para o Século XIX. Nesses períodos, tudo

o que se buscava explicar tinha como base esses paradigmas teóricos.

Kuhn descreve também uma situação privilegiada em que uma teoria apresenta tantas

anomalias, fenômenos não explicados pelo paradigma vigente, que há uma crise nesse

sistema teórico. Ocorre então a quebra de paradigma, surge um novo, essencialmente

independente do anterior, que apresenta explicações para as anomalias, além de abranger

também o que já era explicado pelo anterior. Poderia ser citado o caso da relatividade de

Einstein como exemplo.

Feyerabend (1924-1994) busca a harmonização das Filosofias de Popper e Kuhn em

um arcabouço filosófico bastante original com relação às apresentadas até então. Ele criticou

as metodologias normativas, apresentadas pelo positivismo, e defendeu o pluralismo

metodológico.

Em seu livro, de nome muito sugestivo, “Contra o Método” afirmou que “o único princípio

que não inibe o progresso é: vale tudo”. Com isso, Feyerabend defende o “anarquismo

epistemológico”, princípio que rejeita a idéia de uma metodologia única, absoluta e imutável de

ordem e que propõe o “pluralismo metodológico” como a melhor forma de pensar o trabalho da

Ciência. Ele entende o conhecimento não como um gradual aproximar-se da verdade.

30

“É, antes, um oceano de alternativas mutuamente incompatíveis (e, talvez, até mesmo incomensuráveis), onde cada teoria singular, cada conto de fadas, cada mito que seja parte do todo força as demais partes a manterem articulação maior, fazendo com que todas concorram, através desse processo de competição, para o desenvolvimento de nossa consciência. Nada é jamais definitivo, nenhuma forma de ver pode ser omitida de uma explicação abrangente.”, (FEYERABEND: 1977,p.22, apud REGNER, 1996).

Para ele, não há uma norma metodológica que não tenha sido quebrada pela ciência. O

trabalho dos cientistas é muito mais plural e criativo do que um mero ritual de seguir normas

pré-estabelecidas.

Aspectos a serem apresentados sobre ciência e sobre método científico

Ao se deparar com as divergências e discrepâncias ideológicas apresentadas pelos

epistemólogos da Ciência, Popper, 1962; Kuhn, 1971; Bunge, 1976; Toulmin, 1977; Lakatos,

1982; Laudan, 1984; Feyerabend, 1989 é comum que surja descrença na utilidade e eficiência

do ensino de epistemologia no ensino de ciências (GIL-PÉREZ, et al., 2001). Afinal de contas,

a apresentação da grande variedade de opiniões e descrições sobre o trabalho da Ciência

pode levar, se mal conduzida, a uma descrença e um descrédito no processo de

desenvolvimento científico.

É de fundamental importância que seja salientado que há sim convergências nas

opiniões desses grandes filósofos da Ciência e é exatamente sobre estes pontos nodais que a

concepção de ciência atual se baseia. Determinar o que é ciência não é coisa simples. Para

termos uma noção “moderna” de suas características básicas, faz-se necessário recorrer ao

que há de comum nas concepções dos grandes epistemólogos da Ciência. Segundo Gil-

Pérez, et al. (2001), os aspectos que poderiam descrever uma razoável concepção de ciência e

que estão presentes no discurso de todos os pensadores da Ciência são:

1. A recusa da idéia de “Método Científico” como um conjunto de regras perfeitamente

definidas, como uma receita infalível para que o processo científico tenha êxito. Contudo,

existem métodos e é justamente o pluralismo metodológico que torna seu trabalho fecundo na

construção do conhecimento científico.

2. A recusa à idéia de que é através do empirismo que os cientistas desenvolvem suas

idéias e teorias como resultado da inferência indutiva a partir de “dados puros”. Esses dados

não têm sentido em si mesmos, de fato requerem um arcabouço teórico que os dê sentido, e

que na maioria das vezes os precedem.

31

3. O destaque à importância do pensamento divergente em investigações que resultam

em diferentes hipóteses e que se concretizam em aspectos fundamentais do desenvolvimento

da Ciência. Desse modo não se raciocina em termos de certezas baseadas em “evidências”,

mas em termos de simples “tentativas de resposta” e que serão postas à prova da forma mais

rigorosa possível.

4. A apresentação da importante busca pela coerência global do conhecimento

adquirido.

Deve-se duvidar sistematicamente dos resultados obtidos e fazer revisões contínuas na

tentativa de obter esses mesmos resultados por diferentes caminhos. Dessa forma, pode-se

mostrar coerência com a visão de mundo vigente e com outros resultados obtidos.

É de grande importância chamar a atenção para um possível “reducionismo

experimentalista”: não basta um tratamento experimental para refutar ou comprovar uma

hipótese; trata-se, sobretudo da existência, ou não, de coerência global com o corpo de

conhecimentos vigente.

5. Compreender o caráter social do desenvolvimento científico, não só devido ao fato de

o ponto de partida ser a síntese das contribuições de gerações de investigadores, o paradigma

vigente, mas, também, pelo fato da investigação cada vez mais dar resposta a questões

colocadas pela comunidade científica.

Do mesmo modo, a ação dos cientistas tem uma clara influência sobre o meio físico e

social em que se insere. Essa interação tem se mostrado muito mais claramente na sociedade

tecnológica da atualidade onde toda descoberta científica ganha rápida aplicação tecnológica e

comercial com grande impacto na sociedade.

6. A idéia de que fazer ciência é uma tarefa de “gênios solitários” que se encerram

numa torre de marfim, desligados da realidade, constitui um estereótipo do cientista que o

ensino das ciências, lamentavelmente, não ajuda a superar, devido ao fato do mesmo se limitar

a uma transmissão de conteúdos. Essa visão limitada da Ciência afasta os alunos desses

conhecimentos. Mesmo que eles achem interessante e instigante, a Ciência lhes parece algo

muito distante do seu mundo, construído por indivíduos com uma inteligência fora do comum e

completamente isolados do mundo, o que não é nada atrativo a eles.

A outra face negativa dessas formas de ver a Ciência é o desconhecimento dos

processos de investigação, o que gera uma incapacidade de discutir a sua importância para a

sociedade. Os indivíduos são inclinados a aceitar passivamente o que se apresenta como

científico por não se sentirem capazes de contestar.

32

CAPÍTULO IV

PROPOSTA DE MINICURSO DE EPISTEMOLOGIA PARA GRADUAN DOS DE FÍSICA

Nos capítulos anteriores, foi levantada a base teórica que dá suporte e legitima a

proposta deste trabalho. Foi definido “por que?” e “o que?” de epistemologia da Ciência seria

mais interessante para se trabalhar com futuros profissionais ligados à Física.

Dando seqüência às idéias apresentadas, defini-se agora uma proposta de minicurso de

epistemologia para a licenciatura de Física. A construção, aplicação e avaliação do minicurso

buscou responder à questão dessa dissertação, e, assim, orientar a elaboração do para-

didático em anexo.

O minicurso destina-se não a abordar os estudos de Filosofia da Ciência de maneira

ampla e profunda, isto seria impossível para o tempo proposto de curso. O que se quer é que

este seja uma introdução do tema a alunos de Física que, normalmente vivem em um “mundo”

completamente apartado dos estudos de Filosofia. Pretende-se com este curso instigar a

curiosidade e incentivar estes estudantes a buscarem mais informações sobre Filosofia da

Ciência e se aprofundarem no tema.

Procurando responder esse problema foi elaborado um minicurso de epistemologia da

Ciência. O minicurso foi desenvolvido com alunos do 8º período da graduação em licenciatura

do Instituto de Física de uma Universidade Pública. Durante o minicurso, foram distribuídos

textos construídos especificamente para aquele grupo, que posteriormente foram integrados ao

para-didático em anexo, com o intuito de aprofundar as questões ali debatidas. Discutiu-se no

minicurso alguns temas ligados ao estudo de epistemologia, como: o papel da experimentação

na construção do conhecimento científico, a existência ou não de um método para se construir

esse conhecimento, o critério de validação das teorias científicas e sua mudança ao longo da

história.

Na verdade, esses temas foram abordados a partir da discussão do pensamento de

autores, como: Francis Bacon, David Hume, Imanuel Kant, Thomas Kuhn, Karl Popper, Irme

Lakatos, Paul Feyerabend, Gaston Bachelard e Edgard Morin. A escolha destes pensadores se

deve a importância de seus trabalhos para a epistemologia da Ciência. Há ainda outros nomes

importantes, mas, além do tempo reduzido disponível para o minicurso, 4 encontros de 2 h, não

comportar a discussão dos demais pensadores, a quantidade de idéias divergentes a serem

discutidas tornaria o curso improfícuo em seu objetivo.

Utilizou-se em todos os encontros recursos multimídias e em um momento específico

uma atividade experimental foi proposta aos alunos. Houve a preocupação de tornar o curso

interativo-dialógico (MORTIMER e SCOTT, 2002), de forma a resgatar se a visão dos alunos

manifestada na primeira intervenção estava sendo problematizada no decorrer do curso.

33

Metodologia de Trabalho

Para orientar a intervenção naquela realidade, foi realizada uma pesquisa investigativa

com os alunos no intuito de verificar qual imagem de ciência eles apresentavam. Essa

investigação que ocorreu algumas semanas antes do início do minicurso, consistiu de um

questionário contendo questões abertas e fechadas. Fora isso, foi pedido aos alunos que

construíssem um plano de aula sobre Lei da Inércia. Nesse plano, os alunos, além de

apresentarem os objetivos da aula e os recursos utilizados, tinham que descrever

detalhadamente como o tema seria abordado com seus supostos alunos. Todos os

participantes do minicurso entregaram o material, o que possibilitou que a análise dessa

pesquisa preliminar orientasse toda a investigação futura, ou seja, a construção e o

acompanhamento do minicurso.

A partir do levantamento desses dados foi realizada uma pesquisa qualitativa, em que

entrevistas semi-estruturadas e observações livres possibilitaram a produção de um conjunto

de dados para análise (LUDGE, 1986). Um dos pesquisadores foi o professor do minicurso,

assim houve uma inserção ativa no local da pesquisa, possibilitando a construção de

anotações textuais e digitais (vídeos e fotografias), capazes de orientar a análise da postura

dos alunos diante do desenrolar do trabalho. As atividades que serviram de instrumentos de

análise foram pensadas com o objetivo de fazer com que os alunos discutissem

permanentemente os temas apresentados, enfatizando dessa forma a pesquisa-intervenção.

(THIOLLENT, 1986).

O Desenvolvimento do Trabalho

O minicurso foi aplicado a um grupo de 13 alunos de licenciatura, alguns também

estavam cursando bacharelado, de 5º e de 8º (último) período do curso de licenciatura em

Física de uma Universidade Pública do Rio de Janeiro. Os licenciandos de 5º período estavam

inscritos na disciplina de instrumentação para o ensino de Física, os de 8º período estavam

inscritos na disciplina de prática de ensino e apenas dois alunos não estavam cursando

nenhuma dessas disciplinas. O grupo foi formado de duas alunas e 11 alunos, todos na faixa

de idade entre 20 e 25 anos.

Como já mencionado, o minicurso contabilizou 8 horas-aula, distribuídas em 4 encontros,

o minicurso foi montado a partir dos dados da pesquisa preliminar. Nessa pesquisa, foram

propostas dezesseis questões de múltipla escolha em que os alunos responderam às questões

marcando os itens (CF) concordo fortemente, (C) concordo, (I) indeciso, (D) discordo ou (DF)

discordo fortemente.

As questões utilizadas foram as seguintes:

1 – As afirmações científicas e os enunciados científicos são necessariamente

verdadeiros e definitivos.

34

2 – As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência, ou seja, a

experiência é a fonte do conhecimento científico.

3 – O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está apoiado em

fatos que o comprovam.

4 – As leis da Ciência representam a realidade do mundo físico por isso seus enunciados

são definitivos.

5 – A elaboração de Leis e Princípios científicos dispensa obrigatoriamente a criatividade,

a intuição e a imaginação do pesquisador.

6 – Existem investigações científicas que dispensam a realização de experimentos.

7 – Todo conhecimento científico é provisório.

8 – Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos teóricos para só

depois realizar uma testagem experimental.

9 – Quando dois cientistas observam os mesmos fatos, eles devem chegar

obrigatoriamente às mesmas conclusões.

10 – A evolução da ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e proposição de

novos modelos, teorias, concepções.

11 – Tudo aquilo que não é passível de comprovação experimental não pode receber a

designação de conhecimento científico.

12 – Leis e Princípios que entram em conflito com observações ou resultados

experimentais devem ser rejeitados imediatamente.

13 – Através da ciência e de seu método pode-se responder a todas as questões.

14 – Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes, direcionar a pesquisa

cientıfica para resultados relevantes.

15 – A Ciência não trata da realidade do mundo, mas da funcionalidade de seus modelos

explicativos.

16 – O conhecimento científico se distingue do não-cientıfico pelo fato de usar o “método

científico”.

O intuito foi o de verificar as concepções desses alunos quanto a temas como: a

existência ou não de um método científico, a neutralidade nas observações científicas, o papel

do empirismo, a questão da indução, o papel da criatividade na construção da Ciência e o uso

de idéias metafísicas no trabalho científico.

Enumerando as respostas por questão temos os seguintes números de alunos

respondendo a cada opção:

1ª afirmativa – 8 DF e 5 D;

2ª afirmativa – 3 DF, 8 D e 2 C;

3ª afirmativa – 3 DF, 2 D, 1 I, 5C e 2 CF;

4ª afirmativa – 6 DF e 7 D;

35

5ª afirmativa – 11 DF e 2 D;

6ª afirmativa –1 DF, 4 D, 1 I, 5 C e 2 CF;

7ª afirmativa – 8 D, 2 I, 1 C e 2 CF;

8ª afirmativa – 10 DF e 3 D;

9ª afirmativa – 6 DF, 3 D, 1 I, 2 C e 1 CF;

10ª afirmativa – 6 CF e 7 C;

11ª afirmativa – 4 DF, 6 D, 2 I, e 1 CF;

12ª afirmativa – 2 DF, 8 D, 1 I, 2 CF;

13ª afirmativa – 5 DF, 2D, 3 I e 3 C;

14ª afirmativa – 2 DF, 1 D, 2 I e 8 CF;

15ª afirmativa – 1 DF, 3 D, 3 I, 4 C e 2 CF;

16ª afirmativa – 3 DF, 4 D, 1 I, 3 C e 2 CF.

A análise das respostas mostrou que os alunos tinham dificuldade em delimitar o papel

da experimentação e não conseguiam definir se a experimentação era geradora ou

confirmadora de teorias. Outro ponto problemático diz respeito ao caráter provisório ou não das

teorias científicas. Por exemplo, todos os alunos discordaram da afirmação 1: “as afirmações

científicas e os enunciados científicos são necessariamente verdadeiros e definitivos” Porém na

afirmativa 7: “Todo conhecimento científico é provisórias”. Apenas 3 alunos concordaram com a

afirmação, 1 não soube responder e o restante discordou.

Outro fato contraditório percebido nas respostas dos alunos se refere à análise das

afirmações 3 e 14: “O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está

apoiado em fatos que o comprovam” e “Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes,

direcionar a pesquisa cientıfica para resultados relevantes”. Dos 13 alunos, 7 concordaram com

a primeira afirmação, 5 discordaram e apenas 1 não soube responder. Já em relação à

segunda, além dos 7 que concordaram com a primeira mais um aluno admitiu ser correta a

afirmativa. Do restante, apenas dois se mostraram indecisos. Percebe-se que para boa parcela

desses alunos, a ciência se apresenta como objetiva e confiável por se basear em fatos, porém

esses alunos admitem também que ela pode se basear em idéias metafísicas e não-científicas.

Na afirmativa 10: “A evolução da Ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e

proposição de novos modelos, teorias, concepções”, 7 alunos aceitaram a idéia ali exposta,

indicando que, para eles, a ciência evolui apenas com o desenvolvimento de teorias novas.

Porém é preciso considerar que 6 alunos responderam negativamente a esta proposição.

É importante confrontar o resultado do questionário com a avaliação dos planos de aula

construídos pelos alunos. Essa atividade foi feita pelos alunos em suas casas. Eles entregaram

o material à professora de Instrumentação para o Ensino antes do início do minicurso. Com

exceção de um aluno, todos os outros propuseram iniciar e discutir o tema a partir de uma

análise experimental. As descrições das aulas traziam embutida a idéia que aquele

36

conhecimento poderia ser obtido simplesmente a partir de apuradas observações. O único

aluno que não utilizou este caminho propôs iniciar a aula com uma biografia de Newton, em

seguida, enunciar a Lei, para depois fazer uso de experimentos capazes de confirmá-la,

utilizando-se da experimentação de forma a confirmar a teoria proposta.

A análise das questões preliminares está de acordo com os trabalhos de Gil-Pérez, et al.

(2001), Fernández (2000), Sandoval e Cudmani (1993). Esses autores defendem que a

problemática em torno à visão de ciência dos alunos se deve, em geral, pelas imagens

deturpadas de ciência ainda presentes nos livros didáticos de Ensino Médio, e, em particular,

pela visão de ciência apresentada pelos próprios professores de Ensino Médio. A imagem

ingênua apresentada pelos meios de comunicação, também é capaz de influenciar a visão de

ciência desses alunos. (SANDOVAL e CUDMANI 1993, PESSOA e ARROIO, 2008, FISCH,

1997).

A análise da pesquisa preliminar levou à estruturação do primeiro encontro, de modo a

introduzir debates capazes de gerar discussões para as etapas seguintes do minicurso.

Iniciou-se o minicurso com a apresentação de quatro textos retirados de livros didáticos.

Neles os autores fazem referência ao trabalho da Ciência e a natureza da mesma. Foi entregue

um material impresso contendo os textos e questões relativas à interpretação dos mesmos. Os

alunos responderam as questões na presença do professor. O objetivo era avaliar a opinião

desses alunos das afirmativas apresentadas.

Os textos desatacados foram os seguintes:

i. O estudo da natureza é realizado: “1o) pela observação cuidadosa e

crítica do fenômeno no seu local de ocorrência; 2o) pela experimentação, que

consiste na observação do fenômeno em condições preestabelecidas e

cuidadosamente controladas, por exemplo, em laboratório, na ausência de

ar. O método experimental de análise nos leva a encontrar certas relações

denominadas leis Físicas [...]”. (ROBORTELLA et al 1985, p.207)

ii. “Em resumo, o método da apreensão do conhecimento da Física é o

seguinte: a) observação dos fenômenos, b) medida de suas grandezas, c)

indução ou conclusão de leis ou princípios que regem os fenômenos. Esse

método de conhecimento é denominado método experimental”. (RAMALHO

et al, 1997, p.13)

iii. “O método científico é a combinação de três operações que visam

descobrir as regras que regem os fenômenos naturais: observação,

experimentação e raciocínio. A observação é o primeiro passo para o

37

entendimento de um fenômeno. É um exame cuidadoso dos fatores e

circunstâncias que parecem influenciá-lo.” (PENTEADO, 1998, p.4)

iv. “Observação e experimentação são o ponto de partida e ao mesmo

tempo o teste crucial na formulação das leis naturais. A Física, como ciência

natural, parte de dados experimentais. Por outro lado, o bom acordo com a

experiência é o juízo supremo da validade de qualquer teoria científica.”

(NUSSENZVEIG, 2003, p.3).

Após o trabalho com os textos, os alunos foram convidados a decifrarem a natureza

intrínseca do experimento “caixa preta”, Fig. 1. Os alunos em dupla (devido ao número ímpar

de alunos houve um trio) foram convocados a agirem como cientistas para determinar o

funcionamento da “caixa preta”.

Fig. 1: Experimento do universo “caixa preta”.

A caixa foi construída em madeira, com algumas peças como: pregos e parafusos de

metal. Ela consistia em duas hastes de madeira unidas, não fixamente, uma a outra por um

pequeno disco de madeira preso fixamente a haste lateral, em um dos seus extremos. A outra

haste se encontra pregada ao disco, paralelo a ele, porém de maneira a ficar livre para

rotacionar pelo prego que a prende. O sistema simula o funcionamento do eixo de uma

bicicleta para fazer a haste frontal fazer o movimento de entrar e sair da caixa enquanto gira-se

a haste lateral em seu próprio eixo.

Neste momento, de total liberdade e independência de ação, os participantes não

contaram com qualquer ajuda ou orientação. A metodologia de trabalho foi livremente

escolhida por eles. Após encontrar uma explicação para a “caixa preta”, os alunos tinham que

descrever por escrito o método que usaram para chegar à resposta final e, também, um

desenho descrevendo o modelo que haviam construído.

Ao final da atividade, todos os grupos expuseram seus modelos para o restante da

turma, respondendo as perguntas dos outros alunos e também do professor. Após esta etapa

foi retomada a discussão dos textos do início do minicurso, confrontando os mesmos com a

opinião dos alunos e com a atividade da “caixa preta”.

38

Os encontros foram filmados, de modo a permitir uma análise mais detalhada da fala,

postura e inter-relacionamento dos alunos. Com a observação cuidadosa da gravação da

atividade da “caixa preta” e das respostas dadas pelos alunos aos questionamentos presentes

no material impresso, foi possível perceber que estes alunos não tinham uma idéia bem

estruturada sobre o que significa empirismo. Eles afirmaram que a ciência é empirista, mas

durante a discussão defenderam que algumas vezes os cientistas elaboram teorias a partir de

postulados e que essas teorias podem ser verdadeiras mesmo sem comprovação

experimental.

Eles defenderam que a observação e a experimentação têm papel fundamental nas

teorias, por vezes gerando as teorias e por outras as comprovando. Porém percebeu-se certa

confusão sobre o que poderia ser considerado observação.

ALUNO A: “O próprio ato de se questionar sobre um fenômeno desconhecido ocorrido

seria uma forma de observação”.

ALUNO B: ”Os textos tratam do método científico, a ciência é construída com base nesse

método”.

ALUNO C: “Uma teoria só é aceita quando o teste experimental desta é realizado e dá

respostas comprobatórias”. A fala desse aluno se fez presente na de vários outros.

O experimento da caixa preta forneceu importantes dados para análise. Na descrição do

processo seguido para obtenção da resposta final do experimento, todos os grupos disseram

que inicialmente observaram o orifício da caixa, a sacudiram, giraram-a, enfim, a manipularam

para depois lançar hipóteses sobre seu funcionamento. Durante a execução do experimento

um grupo se distinguiu dessa descrição. Esse grupo pegou a caixa fez alguns pequenos

movimentos e partiu para a construção do modelo, fazendo analogias com equipamentos

conhecidos. Esse mesmo grupo ao perceber que seu modelo original não explicava

plenamente o funcionamento da caixa, acrescentou um “elástico” extra para dar conta dos

fenômenos.

Fig. 2: Alunos interagindo com a “caixa preta”.

Durante a apresentação dos modelos para a turma, apenas um grupo desistiu do seu

39

modelo original, admitindo que o de um outro grupo era o melhor. Os demais não entraram em

consenso quanto ao melhor modelo, cada um dos três grupos restantes achou que o seu

modelo era o melhor.

Na análise da filmagem do momento em que os alunos elaboravam seus modelos, foi

percebido que um dos grupos não realizou muitos testes para elaborarem do modelo final. Um

dos alunos, ao observar o movimento de uma das hastes ao passo que girava a outra, afirmou

de imediato que já sabia como funcionava e em seguida partiu para o esboço do modelo.

Mais tarde este aluno afirmou ter usado uma analogia com equipamentos mecânicos já

conhecidos, nesse caso reforçando a idéia que conhecimentos a priori influenciam na criação

da nova teoria sobre a caixa preta.

No segundo encontro, foi retomado o assunto da aula inicial, através da leitura de

algumas das respostas dadas pelos alunos. Nessas leituras, foi possível retomar os pontos de

vista deles mesmos a respeito da experimentação e sobre a observação dando margem a

introdução das idéias de René Descartes e de Francis Bacon sobre a Natureza da Ciência.

Abordando o tema do conhecimento prévio presente em toda observação humana e

dando início às discussões das idéias de Immanuel Kant sobre a não existência de observação

neutra na Ciência, foram utilizadas figuras de interpretação dupla, Fig. 3 e Fig. 4. A Fig. 3

apresenta um rosto de senhora idosa que, se observada com detalhe, se transforma no rosto

de uma jovem simplesmente ao se fazer a rotação da imagem. Já na Fig. 4 tem-se a imagem

de uma paisagem formada por várias outras imagens ocultas. Nessa figura, os alunos são

convidados a determinar os animais que estão ocultos na imagem principal.

Após a primeira tentativa, foi mostrado a eles quais animais encontram-se presentes na

imagem.

Fig. 3: Figura de interpretação dupla.

40

Fig. 4: Múltiplas imagens presentes em um único quadro.

Após esta atividade de interação, foram apresentados alguns fatos históricos para

respaldar a discussão realizada. Assim, foi apresentada a divergência de representação da Lua

observada por Galileu e da mesma Lua observada por seu contemporâneo Thomas Harriot. A

representação de Christoph Clavius, contemporâneo de Galileu e decano de matemática do

Colégio Romano, também foi discutida. Clavius, apesar de ter confirmado as observações de

Galileu, teve dificuldade de aceitar que a Lua tivesse relevo irregular. Ele supôs que a

superfície da Lua era lisa com regiões de densidade variada.

O segundo encontro foi encerrado com uma discussão sobre a posição de David Hume

em relação à indução na Ciência.

Aluno C: Nunca parei para pensar nisso. Para mim se tratava apenas de um processo

lógico. Como se faz em deduções matemáticas.

Durante as discussões travadas ao longo do segundo encontro, os alunos mostraram não

possuir uma idéia clara sobre o significado da indução na ciência. Aparentemente nunca

tinham se conscientizado que uma proposição geral baseada em dados experimentais trata-se

de uma indução cientifica. Quanto às questões referentes à observação neutra na ciência, os

alunos manifestaram um misto de incerteza e não reflexão sobre o tema. Os alunos se

posicionaram de maneira vaga e incerta quanto à observação dos fenômenos ser ou não

neutra e livre de pressupostos. Já quanto à questão do método científico, apenas o aluno B, já

mencionado acima, apresentou estranheza à contestação da existência de um método

científico único. Talvez esse fato seja devido a 7 dos alunos participantes afirmarem, no

questionário preliminar, que já haviam tido contato com história da Ciência, seja em curso ou

em leituras pessoais.

O terceiro encontro se iniciou com a retomada das idéias de Immanuel Kant. Foi

discutido o significado de juízos analíticos e sintéticos11 e que, para Kant, não é possível para o

11 Para Kant juízos analíticos são os conhecimentos que temos antes mesmo da experiência sensível e que não se alteram após a experiência. Sobre eles se estruturam os conhecimentos adquiridos pela experiência, denominados juízos sintéticos.

41

homem conhecer “a coisa em si”, só lhe é acessível “a coisa para nós”. Esta discussão foi feita

a partir de uma citação de Kant.

“Para nós é completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si, independentes de toda receptividade da nossa sensibilidade. Não conhecemos delas senão a maneira que temos de percebê-las; maneira que nos é peculiar; mas que tão pouco deve ser necessariamente a de todo ser, ainda que seja a de todos os homens.” (KANT, 1987, p.59).

Como motivador de reflexão foi proposto aos alunos a seguinte questão: “O elétron em si

é o nosso objeto do conhecimento ou a idéia de elétron desenvolvida por nós mesmos que é o

objeto da Ciência?"

Este questionamento teve o intuito de levá-los a pensar em como o trabalho científico se

auto alimenta de seus modelos teóricos. O objeto real “elétron” é totalmente desconhecido. O

elétron conhecido e que fornece dados à ciência é o modelo idealizado, que obviamente está

de acordo com os dados experimentais, porém não pode ser tomado como realidade na

plenitude da palavra.

Nessa discussão foi abordada as idéias de Kant em torno à “coisa em si” e “a coisa para

nós”. Os alunos ficaram bastante reservados na discussão de se o elétron ou o bóson de Higgs

são objetos que existem e fazem parte do real ou se são criações humanas no sentido de,

como objetos do conhecimento, constituírem-se construções do observador. Os alunos

recusaram fortemente a segunda consideração.

O ALUNO E chegou a afirmar que o elétron existe sim, podendo não ser como o

descrevemos, mas algo real concreto tem que existir para produzir os fenômenos observados.

Após essas discussões foi proposto aos alunos, que a partir de uma lista previamente

apresentada pelo professor, eles apontassem quais palavras mais se adequavam às suas

concepções de ciência.

Objetividade / subjetividade; certeza / incerteza; confirmação experimental / metafísica;

ordem / caos; progresso / estagnação; busca dos por quês? / busca do como?

Foi possível perceber que eles encontraram dificuldades em construir suas opções. Por

exemplo, ficaram um tanto indecisos ao dizer se a ciência deveria ser totalmente objetiva ou se

haveria espaço para a subjetividade.

Nesse momento houve certa relutância em responder qual item seria mais apropriado

para a visão de ciência que eles tinham.

Aluno A: penso que a ciência deve ser objetiva, mas, após ter estudado Mecânica

Quântica no semestre passado, percebi que os conceitos modernos são muito confusos. Para

mim eles não pareceram nada objetivos.

No duelo certeza x incerteza, eles ficaram muito confusos. O aluno D, por exemplo,

declarou que a palavra correta deveria ser certeza, mas que por ter estudado Física quântica

42

ficava em dúvida se não deveria usar a palavra incerteza.

Também manifestaram confusão na dupla caos e ordem. Nenhum dos alunos conseguiu

afirmar qual seria a palavra mais adequada.

Todos defenderam que a ciência trabalha com eliminação da metafísica e que deve se

basear em confirmações experimentais.

Quanto à “busca dos por quês?” ou a “busca do como?” foram unânimes em admitirem

as duas como importantes.

A partir dessa discussão foi apresentado o positivismo de Augusto Comte.

Após essa apresentação foram discutidos o papel da experimentação na ciência,

abordando as características confirmacionista do empirismo e refutacionista de Popper. Nessa

parte do minicurso foram usados, como mecanismos de motivação, vídeos tirados dos

noticiários locais (Entrevistas e matérias da Globo News) sobre a inauguração do acelerador de

partículas inaugurado na fronteira entre França e Suíça, o LHC.

Nessa entrevista ao físico brasileiro Sergio Novaes da UNESP (Universidade do Estado

de São Paulo) são feitos comentários de grande valor para o minicurso, pois tratam

diretamente das noções epistemológicas da comunidade científica representada ali pelo

cientista. Nela, ele fala sobre a importância da detecção do Bóson de Higgs e das

conseqüências de sua possível não observação.

Após esta apresentação foram iniciadas as discussões sobre os temas dessa parte do

minicurso, destacando trechos da entrevista como, por exemplo: “A Física, ao contrário da

matemática e da engenharia, usa a natureza para validar suas teorias.”; “[...] Se a natureza,

dessa vez, não sustentar todas essas teorias que estão envolvidas [...] como fica daqui para

frente? Muda a Física, mudam as teorias?” (Rosana Cerqueira, repórter Globo News, 2008) e

“Hoje em dia tem-se plena confiança que, mesmo que não se descubra essa partícula, vai ter

que se descobrir algum mecanismo que desempenhe o mesmo papel que ela desempenha no

modelo padrão.” (SÉRGIO NOVAIS, GLOBO NEWS, 2008).

Essas frases foram usadas para dar início às discussões a respeito do trabalho de

Thomas Kuhn. Também, debatemos o papel da experimentação na Física atual e introduzimos

a idéia dos Programas de Pesquisa Científica de Irme Lakatos.

A afirmação feita em um dos vídeos de que “A Física, ao contrário da matemática e da

engenharia, usa a natureza para validar suas teorias” (Rosana Cerqueira, repórter Globo News,

2008) causou grande estranheza nos alunos. Todos defenderam que essa afirmação era

equivocada.

Foi usado mais um outro vídeo que tratava da divergência de grupos de cientistas contra

a realização do experimento a que o acelerador se destina, com depoimento do físico André

Sznagder da UERJ (Universidade estadual do Rio de Janeiro).

A principal controvérsia é sobre a possibilidade de criarem-se buracos negros com as

43

colisões. Para o físico, não há motivos para alarde, pois estas reações já acontecem na

natureza a bilhões de anos e o planeta continua sua existência.

Isso mostra bem a não unanimidade da comunidade de cientistas sobre os temas da

ciência. Deste vídeo extraímos a motivação para tratar este mesmo tema, a não unanimidade

da Ciência, afastando a idéia de que, na história da Física, tudo se desenvolveu tranqüila e

progressivamente sem divergências ou sobressaltos.

Para finalizar o terceiro encontro foi lido o texto de Lakatos.

“Um físico da era pré-einsteiniana toma a mecânica de Newton e sua lei da gravidade e cria uma teoria secundária N, como as condições iniciais aceitas, I, e calcula, com sua ajuda, o percurso de um pequeno planeta recentemente descoberto, p. Mas o planeta desvia-se do percurso calculado. Por acaso, nosso físico considera que o desvio era proibido pela teoria de Newton e, portanto que, uma vez estabelecido, refuta a teoria N? Não. Ele sugere que deve haver um desconhecido planeta p’, que perturba o percurso de p. Ele calcula a massa, órbita etc. de seu hipotético planeta e pede então a um astrônomo experimental que teste sua hipótese. O planeta p’ é tão pequeno que mesmo os maiores telescópios disponíveis não podem observá-lo; o astrônomo experimental pede uma verba de pesquisa para construir um ainda maior. Em três anos o novo telescópio está pronto. Se o desconhecido planeta p’ for descoberto será uma nova vitória para a ciência newtoniana. Mas não é. Nosso cientista abandona a teoria de Newton e sua idéia de um planeta perturbador? Não. Ele sugere que uma nuvem de poeira cósmica esconde-nos o planeta. Calcula a localização e as propriedades dessa nuvem e pede uma verba de pesquisa para mandar um satélite testar seus cálculos. Se os instrumentos do satélite registrarem a existência da nuvem conjectura i, o resultado será visto como uma notável vitória para a ciência newtoniana. Mas a nuvem não é descoberta. O nosso cientista abandona a teoria de Newton, junto com sua idéia do planeta perturbador e a idéia da nuvem que o esconde? Não. Ele sugere que há algum campo magnético naquela região do universo que perturbou os instrumentos do satélite. Um novo satélite é enviado. Se o campo magnético for encontrado, os newtonianos celebrarão uma vitória sensacional. Mas ele não é. Isto é visto como uma refutação da Física newtoniana? Não. Uma outra engenhosa hipótese auxiliar é proposta ou a história toda é enterrada nos valores empoeirados de publicações periódicas e a história nunca mais será mencionada.” (LAKATOS, 1974, p. 100-1).

As propostas de Paul Feyerabend, Gaston Bachelard e Edgard Morin foram

apresentadas aos alunos no último encontro. Houve a preocupação de retomar com os alunos

a idéia de que todos os filósofos apresentados viveram num tempo e espaço específicos,

respondendo questões específicas apresentadas naquele contexto.

O ultimo encontro foi iniciado com discussão sobre a Física Quântica, destacando os

“Princípios da Incerteza” e o “Principio de Complementaridade”. Foi feita uma rápida

44

repassagem pelo desenvolvimento histórico da Teoria Quântica e sua evolução para a

Mecânica Quântica.

Ao ser tratado o Principio de Incerteza, foi exposto aos alunos o ponto de vista de

Heisenberg, sobre a realidade ou não do objeto do conhecimento na Física Moderna. Para

Heisenberg, não podemos conhecer o real, mas apenas o resultado de nossa intervenção nele,

pela interferência estrutural do sujeito no objeto em que o próprio ato de observar altera o

comportamento do objeto estudado. Com isto, o princípio da neutralidade entre sujeito e objeto

é desmontado.

Foi lido o texto abaixo, para suscitar discussões no grupo:

“Quando queremos ter clareza sobre o que se deve entender pelas palavras ‘posição do objeto’, por exemplo, do elétron [...], então é preciso especificar experimentos definidos com o auxılio dos quais se pretenda medir a ‘posição do elétron’; caso contrario, a expressão não terá nenhum significado” (HEISENBERG, apud CHIBENI, 2005).

Os alunos apresentaram reações bem significativas a esta abordagem relativa ao objeto

do conhecimento ser encarado como uma criação do próprio observador.

Aluno C: “É difícil compreender como o objeto do conhecimento pode ser criado por mim

mesmo. O elétron tem que existir para que eu o estude. Ou algo que faça os efeitos que ele

faz”.

O Princípio da Complementaridade, também, suscitou questionamentos quanto à questão

da realidade de algo que se mostre de uma maneira ou de outra dependendo do experimento

escolhido.

Na seqüência, foram apresentados os pensamentos de Paul Feyerabend, Gaston

Bachelard e Edgard Morin como visões mais modernas e enquadradas no complexo panorama

da Ciência contemporânea.

A discussão do texto a seguir, de Edgard Morin, causou o interessante impacto nos

alunos. Inicialmente eles estanharam o fato de um pensador realizar aquela afirmação. Depois

acabaram concordando com a idéia contida na frase, talvez influenciados pelas discussões já

travadas durante o curso.

“Uma teoria não é o conhecimento; permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada. É a possibilidade de uma partida. Uma teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema” (MORIN, 2003, p. 256).

A partir desse ponto foi apresentado como as outras áreas do conhecimento humano, a

arte, a história e até mesmo a psicologia e alguns problemas sociais contemporâneos aos

cientistas podem influenciar no seu trabalho e vice-versa.

Esta relação entre as diferentes áreas do conhecimento humano começou pela

apresentação de como artistas levaram para seus trabalhos as questões trazidas pela ciência

45

do início do século XX. .

O surrealismo foi um dos movimentos em que essa questão se colocou de forma muito

clara. Ao apresentar e discutir os quadros surrealistas, percebeu-se que os alunos não se

surpreenderam com a exposição, mas, ao contrário, demonstraram alguma satisfação em ver

estabelecida esta ligação.

Com a obra de Salvador Dali de 1931, “A persistência da memória ou relógios moles”, foi

muito fácil extrair dos alunos a sua ligação com a questão da relatividade do tempo e do

espaço levantada pela Teoria da Relatividade.

Fig. 5: “A persistência da memória ou relógios moles” (19 31) - Salvador.

Para tratar das questões da realidade dos objetos observados e do Princípio da

Complementaridade, foram usadas as imagens das telas de René Magritte, Fig. 6 e Fig. 7.

Fig. 6: “A traição das imagens” (1928-1929). Fig. 7: “O império das luzes” (1954).

Acompanhando a Fig. 6 foi apresentada a curiosa colocação do próprio Magritte a

respeito de sua pintura:

“Já fui suficientemente censurado por causa dele! E afinal... consegue enchê-lo? Não, é apenas um desenho, não é? Se tivesse escrito por baixo do meu quadro ‘isto é um cachimbo’ estaria a mentir” (MAGRITE, 1928-29).

Nessa imagem e no texto de Magrite ele explicita a diferença entre uma representação e

um objeto real. O charuto na imagem é uma representação e não o próprio charuto.

O quadro da Fig. 7 foi utilizado como analogia para falar que o complementar não é

excludente, mas que, apesar de ser usado para falar da complementaridade da Física

46

Quântica, nesta ultima dois fenômenos conceitualmente contrários não ocorrem ao mesmo

tempo, ao contrario do que é representado simultaneamente no quadro do Magrite.

Já a relação entre os problemas específicos dos cientistas e outras áreas do

conhecimento, foi colocada com a leitura de dois textos a respeito do trabalho de Einstein na

questão do sincronismo de relógios distantes e quanto à elaboração do principio da

complementaridade por Bohr (GALISON, 2005).

Primeiro texto:

“[...] defendo a tese de que, ao menos no que concerne a simultaneidade, Einstein a redefiniu a partir de necessidades práticas existentes em seu tempo como, por exemplo, a sincronização dos horários de partida e chegada dos trens”. (GALISON, 2005)

Destacou-se com os alunos, que o mesmo Galison continua em seu texto afirmando que

Einstein era uma pessoa completamente inserida no seu tempo e conhecedor dos

acontecimentos importantes de sua época. O seu trabalho no escritório de patentes o colocava

em contato com os problemas técnicos da época, o que o ajudou em sua jornada e, segundo o

próprio Galison, até na sua maneira de escrever seus artigos.

O outro texto usado foi:

“Bohr teria sofrido profunda influência dos trabalhos do filosofo William James, pela leitura do livro princípios da psicologia, de 1890. James discutiu o problema da consciência em pacientes histéricos. Apresentou experiências psicológicas desenvolvidas com esses pacientes concluindo que quando essas pessoas apresentavam um determinado comportamento, um outro comportamento oposto ficava adormecido, ou seja, os estados de consciência desses pacientes nunca conviviam simultaneamente”. (GUERRA, REIS e BRAGA, 2005).

Com a apresentação desse último texto foi evidenciada a semelhança entre estas idéias

e a do Princípio de Complementaridade de Bohr, em relação aos fenômenos quânticos.

Estas colocações causaram grande interesse nos alunos que inicialmente ficaram

surpresos com os fatos destacados nos textos.

Aproveitando todas as contrariedades, especulações e flutuações nas noções de ciência

que foram abordadas até aqui, foi apresentado um artigo do encarte Ciência Hoje do Jornal do

Brasil de 08 de março de 2009. Essa matéria apresentava uma pesquisa realizada entre 2006

e 2007, sobre a opinião de alunos dos cursos de Biologia, Filosofia, Física, Geografia, História

e Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. Nesse artigo, opinaram

sobre questões relativas a ciência, de onde foi extraída a questões: “A ciência pode dar

respostas confiáveis sobre os fenômenos físicos, químicos e biológicos?”

Os resultados que constavam do artigo eram os seguintes: 70,3% dos alunos de Física

consultados disseram que sim; das ciências biológicas, 61,6% diziam acreditar que a ciência

pode dar essas respostas; dentre os de Geografia, 41,8% disseram que sim; já dentre os de

47

Filosofia, somente 40,3% confiavam nas respostas dadas pela ciência.

Em princípio, os alunos acharam os dados da pesquisa bastante curiosos e disseram que

não haviam pensado nisso. Disseram que acreditam na ciência, mas por vezes ela pode ser

manipulada e gerar resultados que devem ser questionados.

Por fim foram estruturadas concepções que trouxessem uma visão mais moderna sobre a

Natureza da Ciência.

Foram apresentadas e discutidas as seguintes idéias. Em todos os pontos os alunos

foram convidados a discutir e opinar. As proposições apresentados foram:

• É humanamente impossível conhecer a verdade última da natureza.

• Não existe um método que se possa considerar infalível e que seja capaz de conduzir o

homem às verdades universais.

• Todo método apresenta alguma falibilidade, assim como toda verdade se mostra

relativa diante da complexidade da natureza e da existência humana.

• Nem a Ciência é capaz de responder a todas as perguntas sobre a natureza e sobre o

ser, nem a Filosofia da Ciência é capaz de conciliar os conflitos e resolver as

inconsistências da Ciência.

• Ambas as áreas do conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não

alcançarem este intento, diga-se de passagem, impossível.

Avaliação final

Para completar a avaliação do minicurso foram propostas aos alunos, ao final do curso,

quatro questões. O objetivo era de perceber se as colocações manifestadas na pesquisa

preliminar seriam reafirmadas ou não ao final do curso.

Para avaliar os resultados do minicurso, foram propostas questões em que os alunos

dariam suas opiniões sobre as questões:

1) Se uma pessoa lhe pedisse para explicar o que é a ciência? O que você diria a ela?

2) Se essa pessoa lhe perguntasse: O que é método científico? Como você responderia a

essa questão?

3) Ao falar sobre ciência com um aluno, você afirmou que o conhecimento científico é

confiável. Esse aluno ouvira falar que a ciência não apresenta verdades definitivas. Pensando

nessas duas situações, o aluno lhe perguntou: Como pode a ciência ser provisória e confiável

ao mesmo tempo? Crie uma resposta para seu aluno.

4) Você reproduziria a experiência da caixa preta com seus alunos num curso de Física?

Para que tipo de discussão você a usaria?

Ao analisar as respostas podemos destacar que os alunos manifestaram algumas

percepções em relação à ciência diferentes das do inicio do curso.

O aluno A respondeu a questão 1 da seguinte forma – “É uma forma humana de produzir

conhecimento à respeito do mundo real, tal como são também a Filosofia, a religião e a arte”.

48

Para a questão 2 o mesmo aluno A respondeu – “É o procedimento adotado pelo

cientista no seu processo de produção do conhecimento”.

Já o aluno D respondeu – “Diria que não existe tal método, existem diferentes maneiras

de se chegar a uma teoria científica”.

As respostas dadas a questão 3 foram bem interessantes e demonstraram a mudança de

concepção proporcionada pelo curso:

Aluno A – “Ser confiável é diferente de produzir verdades definitivas. Uma verdade

definitiva, como o termo diz é definitiva, impossível de alteração, diferentemente do que é

confiável, um cão é confiável até que ele morda alguém”.

Aluno B – “A ciência produz respostas que nos dão uma aproximação do que se quer

conhecer. Essas respostas valem e funcionam para uma série de aplicações e objetivos

teóricos, entretanto para outras perguntas, pode ser que as respostas não satisfaçam a

segunda pergunta, ainda que para a primeira pergunta funcionem”.

Aluno C – “A ciência não é a busca da verdade absoluta. Ela procura adequar-se a

necessidade humana e esta muda de tempos em tempos. Em geral, quando uma teoria é

construída ela dá conta das necessidades de conhecimento dos homens, porem quando a

necessidade de conhecimento é maior, uma nova teoria pode aparecer, substituindo ou

englobando a anterior”.

Aluno B – “Ela é confiável dentro do contexto social, histórico e temporal em que estamos

inseridos, e é valida até que seja provado que ela não é válida”.

Aluno D – “A ciência tem um modelo de algo que, de fato, funciona aplicado ao mundo

prático, mas a qualquer momento pode mudar”.

Aluno E – “A ciência cria modelos para explicar o mundo e esses modelos são válidos até

surgirem modelos melhores, por isso é provisória. O fato de ser confiável é que ela procura

definir coerentemente os seus modelos”.

Para a questão 4 foi separada a seguinte resposta:

Aluno D – “sim. Mostraria a dificuldade que é chegar a uma teoria em que mais de um

modelo pode servir para explicar o fenômeno”.

Num balanço geral, o minicurso proporcionou significativos debates sobre a ciência com

os alunos. Percebe-se que os conceitos e conteúdos abordados não eram de todo

desconhecidos por eles, mas havia uma grande confusão na articulação entre os conceitos e

as concepções de ciência ainda fortes neles. Estas concepções são o fruto de todo o processo

de formação de que os alunos são produto.

Percebe-se que os alunos apenas reproduzem o que foram ensinados durante todos os

anos de formação básica. Eles apresentam exatamente a idéia de uma ciência objetiva,

descontextualizada e formada por grandes gênios que aparecem repentinamente e mudam o

rumo das coisas.

49

CAPÍTULO V

COMENTÁRIOS FINAIS

As impressões dos diferentes momentos do minicurso mostram que aqueles alunos não

desconheciam totalmente os termos epistemológicos e o nome de alguns filósofos. Porém esse

conhecimento era apenas superficial e de origem informal, mostrando-se confuso nas suas

falas.

O desconhecimento efetivo ou formal desses assuntos se mostrou como um entrave para

que eles pudessem formular idéias mais claras e apropriadas do trabalho científico. A

relutância que apresentaram em aceitar que os resultados obtidos com o estudo do elétron são

devidos ao modelo teórico e não confirmam que o elétron de fato existe e que é como

imaginamos é um exemplo de como os conhecimentos apropriados da natureza da ciência

poderiam gerar idéias menos ingênuas da ciência.

Com o conhecimento das idéias dos autores trabalhados, assim como, do significado de

conceitos como empirismo, indução, dedução entre outros, pode-se perceber que uma nova

consciência do trabalho científico começou a se formar nas mentes desses alunos. O minicurso

deu um suporte melhor à visão de ciência deles. Obviamente eles não se tornaram

conhecedores profundos de Filosofia da Ciência, mas certamente pensaram sobre a ciência e

problematizaram sua visão. Um dado posterior ao minicurso confirma essa avaliação. Um

alunos enviou um e-mail fazendo um convite para que o minicurso fosse apresentado em uma

escola de Ensino Médio na qual ele estava estagiando. Afirmara, também, que os professores

dessa escola haviam acolhido bem a sua idéia de aplicação do curso, porém de forma bem

menos profunda, pois seria para alunos secundaristas. Nesse e-mail ele menciona:

“Acho que ela (referindo-se a aula de Filosofia da Ciência) poderia ser bem interessante para os alunos (secundaristas), pois eles ainda têm uma visão de que a Física é uma coisa extremamente "exata" e imutável (eu sei porque eu também tinha isso muito forte até o seu curso, e, confesso, ainda tenho um pouco) e também para eles entenderem um pouco do processo de "construção" da Ciência e das teorias”.(ALUNO D, 2009)

O desenvolvimento do minicurso mostrou que o trabalho sistemático com temas de

epistemologia, junto ao debate em torno aos trabalhos dos filósofos da Ciência selecionados,

possibilitou a construção de um rico espaço de reflexão em torno ao processo de construção

do conhecimento científico.

As impressões obtidas são bastante positivas quanto às reflexões e questionamentos

provocados nesses alunos. Conforme o minicurso se desenvolvia, os alunos se envolviam cada

vez mais nas discussões trazidas pelo professor. Alguns, inclusive, o procuravam ao final dos

encontros, para continuarem algumas das questões lançadas durante o curso.

50

Na avaliação final do minicurso, quatro alunos explicitaram que durante as discussões

sobre o trabalho dos filósofos da Ciência eles lembraram do experimento da “caixa preta”.

Todos afirmaram que essa foi a atividade mais interessante do minicurso e que os momentos

mais enfadonhos foram aqueles em que o professor/pesquisador apenas apresentava

conceitos sem colocar questões para eles debaterem.

Esta argumentação dos alunos quanto aos encontros em que foram apresentados

conceitos com pouca interação são muito procedentes, porém se fez necessário que alguns

conceitos fossem assim apresentados. A extensão do curso e o reduzido tempo de sua

aplicação não permitiram uma total interação entre assuntos e opiniões dos alunos, como seria

desejável e importante.

Outra questão importante a ser destacada é que, o último dia, em que foram abordados

os princípios da Mecânica Quântica, assim como idéias de Paul Feyerabend, Gaston

Bachelard, Edgard Morin, também foi avaliado pelos alunos como uma ótima aula. Eles

justificaram essa afirmação dizendo que foram abordadas idéias bastante novas para eles,

como a realidade ou não dos objetos do conhecimento da Ciência e da apresentação das

influências não-científicas nas elaborações de teorias.

O fato de criar-se ambiente favorável às discussões foi apontado pelos alunos como um

ponto muito positivo do minicurso. E o fato de, no último dia, tentar-se levantar os pontos

importantes para se ter uma visão mais coerente do trabalho científico foi muito elogiado pelos

alunos.

Aluno C: “Considerei muito interessantes as questões colocadas no último dia de curso e

que nos fez pensar sobre como definiríamos ciência, e como ela poderia ser provisória e

confiável ao mesmo tempo. Nunca tinha pensado nisso”.

Aluno E: “O ultimo dia foi muito interessante por ter abordados os difíceis conceitos da

Mecânica Quântica e por ter feito um fechamento entre os conceitos atuais de ciência.

Confesso que até este resumo final eu me encontrava um pouco confuso. Agora acredito ter

entendido”.

O minicurso pode não ter trazido novidades radicais, como um dos alunos afirmou na

avaliação final, mas ajudou os alunos a organizar alguns conhecimentos confusos e

desordenados. Também aprofundou um pouco mais algumas noções do trabalho científico e

criou um ambiente pouco comum aos graduandos de Física, que é o da discussão da Ciência

em suas características de base filosófica e ontológica.

Apesar do sucesso do minicurso, foram detectados alguns problemas. Primeiro, como já

foi citado, a relação entre conteúdo e tempo do minicurso, outra é a pouca leitura realizada

pelos alunos dos textos indicados, talvez por ser um curso informal em meio às disciplinas

51

árduas que estavam exigindo o tempo e dedicação deles, e por último o fato de algumas aulas

terem sido expositivas, tornando-as um tanto cansativas.

Considerando que apesar das falhas, o minicurso apontou para a importância do estudo

de epistemologia da Ciência por parte dos alunos, propõe-se que haja disciplinas especificas

de epistemologia da Ciência nos cursos de formação de professores.

Seria importante que houvesse duas disciplinas obrigatórias de epistemologia da Ciência

na grade curricular dos cursos de Física. Estas duas disciplinas poderiam ser seqüenciadas,

epistemologia da Ciência I e II, por exemplo, e serem oferecidas nos mesmos períodos em que

os alunos estivessem cursando as práticas de ensino.

De maneira geral, o minicurso mostrou a relevância do ensino de História e Filosofia da

Ciência para os graduandos em Física, o que pode ser estendido para os alunos das demais

áreas de ciências em geral.

52

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APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO PRELIMINAR DE LEVANTAMENTO DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA.

Caro aluno!

Este questionário tem por finalidade fazer um levantamento do grau de compreensão que os estudantes de Física têm sobre a natureza do trabalho científico, das questões relativas à capacidade de conhecimento humano e dos critérios de validade do conhecimento adquirido pela ciência.

Marque com um X a opção que melhor expressa a sua opinião em cada item, de acordo com as opções: (CF) Concordo fortemente; (C) Concordo; (I) Indeciso; (D) Discordo; (DF) Discordo fortemente. Evite marcar muitas vezes Indeciso.

1 As afirmações científicas e os enunciados científicos são necessariamente verdadeiros e definitivos. CF C I D DF

2 As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência, ou seja, a experiência é a fonte do conhecimento científico.

CF C I D DF

3 O conhecimento científico é algo objetivo e confiável, pois sempre está apoiado em fatos que o comprovam. CF C I D DF

4 As leis da Ciência representam a realidade do mundo físico por isso seus enunciados são definitivos CF C I D DF

5 A elaboração de Leis e Princípios científicos dispensa obrigatoriamente a criatividade, a intuição e a imaginação do pesquisador.

CF C I D DF

6 Existem investigações científicas que dispensam a realização de experimentos. CF C I D DF

Nome: __________________________________________________________ nº. __________

Formação em que está inscrito:

� Licenciatura

� Licenciatura e Bacharelado

Previsão de término

(ano): ______________

Já trabalha atualmente no magistério?

� Sim

� Não

Teve em sua graduação alguma disciplina de Filosofia e História da Ciência?

� Sim � Não

Você já leu e/ou costuma ler sobre História e Filosofia da Ciência?

� Sim � Não

60

7 Todo conhecimento científico é provisório. CF C I D DF

8 Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos teóricos para só depois realizar uma testagem experimental.

CF C I D DF

9 Quando dois cientistas observam os mesmos fatos, eles devem chegar obrigatoriamente às mesmas conclusões. CF C I D DF

10 A evolução da ciência ocorre principalmente pelo desenvolvimento e proposição de novos modelos, teorias, concepções.

CF C I D DF

11 Tudo aquilo que não é passível de comprovação experimental não pode receber a designação de conhecimento científico. CF C I D DF

12 Leis e Princípios que entram em conflito com observações ou resultados experimentais devem ser rejeitados imediatamente, CF C I D DF

13 Através da ciência e de seu método pode-se responder a todas as questões. CF C I D DF

14 Idéias metafísicas ou não-científicas podem, por vezes, direcionar a pesquisa cientıfica para resultados relevantes. CF C I D DF

15 A Ciência não trata da realidade do mundo, mas da funcionalidade de seus modelos explicativos. CF C I D DF

16 O conhecimento científico se distingue do não-cientıfico pelo fato de usar o “método científico”. CF C I D DF

Fontes do questionário: MOREIRA, Marco Antonio; MASSONI, Neusa Teresinha; OSTERMANN, Fernanda, “História e Epistemologia da Física” na Licenciatura em Física : Uma Disciplina que Busca Mudar Concepções dos Alunos Sobre a Natureza da Ciência , Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 29, n. 1, p. 127-134, 2007. KÖHNLEIN, Janete F. Klein; PEDUZZI, Luiz O. Q. Uma Discussão Sobre a Natureza da Ciência no Ensino Médio: Um Exemplo com a Teoria da Relatividade Restrita , Cad. Brás. Ens. Fís., v. 22, n. 1: p. 36-70, abr. 2005.

61

APÊNDICE B

RELATÓRIO DE ATIVIDADE DO EXPERIMENTO CAIXA PRETA. 16/04/2009 1ª Aula

Experimento “Caixa preta”

Atividade:

Desenvolver um modelo teórico capaz de fornecer uma boa compreensão do universo “Caixa Preta” e que forneça uma explicação satisfatória de seus “fenômenos”.

Tempo: __30 min____ Nome da equipe: _ _

Grupo de pesquisa: (Nome dos participantes, num máximo de 5.)

1__________________________________________________________________________

2__________________________________________________________________________

3__________________________________________________________________________

4__________________________________________________________________________

5__________________________________________________________________________

Orientações:

1. De posse do experimento, elaborem um modelo explicativo para o experimento que

seja capaz de reproduzir os “fenômenos” que o experimento apresenta;

2. Pensem nas diversas características apresentadas pelo experimento e eliminem de

seu modelo todas as imperfeições que perceberem;

3. Façam no papel quadriculado um esboço simples do modelo;

4. Não se preocupem se o modelo é ou não exatamente igual ao que pode ser o

mecanismo intrínseco do experimento, pensem apenas se ele é capaz de reproduzir

os “fenômenos” apresentados por ele.

Procedimentos: (Enumere os passos seguidos pela equipe no processo de investigação)

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

62

Esquema teórico: (Esboce o seu modelo nesse espaço)

63

APÊNDICE C

MATERIAL DIDÁTICO USADO NOS ENCONTROS

1º dia, 16/04/2009.

1) Os recortes de textos a seguir foram retirados de livros didáticos conhecidos de Física para o ensino médio e tratam da natureza da investigação científica. Leia-os atentamente e coloque, nos espaços reservados, a sua interpretação sobre do que cada um deles trata, ou seja, interprete-os.

v. O estudo da natureza é realizado: “1o) pela observação cuidadosa e crítica do fenômeno

no seu local de ocorrência; 2o) pela experimentação, que consiste na observação do fenômeno em condições preestabelecidas e cuidadosamente controladas, por exemplo, em laboratório, na ausência de ar. O método experimental de análise nos leva a encontrar certas relações denominadas leis físicas [...]”. (ROBORTELLA et al 1985, p.207)

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____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

vi. “Em resumo, o método da apreensão do conhecimento da Física é o seguinte: a) observação dos fenômenos, b) medida de suas grandezas, c) indução ou conclusão de leis ou princípios que regem os fenômenos. Esse método de conhecimento é denominado método experimental”. (RAMALHO et al, 1997, p.13)

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

vii. “O método científico é a combinação de três operações que visam descobrir as regras que regem os fenômenos naturais: observação, experimentação e raciocínio. A observação é o primeiro passo para o entendimento de um fenômeno. É um exame cuidadoso dos fatores e circunstâncias que parecem influenciá-lo.” (PENTEADO, 1998, p.4)

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

viii. “Observação e experimentação são o ponto de partida e ao mesmo tempo o teste crucial na formulação das leis naturais. A Física, como ciência natural, parte de dados experimentais.

64

Por outro lado, o bom acordo com a experiência é o juízo supremo da validade de qualquer teoria científica.” (NUSSENZVEIG, 2003, 4ª ed, p. 3)

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2) De que tratam, em especial, os textos apresentados?

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____________________________________________________________________________

3) Quis são suas impressões quanto aos aspectos do trabalho da ciência que foram observados nesses recortes de livros didáticos? Você acha que a ciência é bem representada pelos aspectos apresentados nesses textos? Explique.

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4) Há algum deles que você não concorda? Qual ou quais e por quê?

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65

2º dia, 30/04/2009.

1) É possível ao homem conhecer os mecanismos intrínsecos da natureza, ou seja, conhecer a verdade última das coisas?

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2) Como podemos nos certificar de que um determinado conhecimento científico é verdadeiro e confiável?

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____________________________________________________________________________

MÉTODO RACIONAL- DEDUTIVO DE DESCARTES:

1ª. Regra da evidência - Receber escrupulosamente as informações, examinando sua racionalidade e sua justificação. “Não aceitar como verdadeira alguma coisa sem a reconhecer evidentemente como tal”. 2ª. Regra da análise - Dividir cada uma das dificuldades que se examina em tantas partes quanto possível e necessário para reduzir variáveis e melhor resolver o problema. 3ª. Regra da síntese - Começar do mais simples, daquele que não passível de divisão, ao mais complexo. 4ª. Regra da verificação - Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista. Através da ordem alcança-se um conhecimento verdadeiro.

MÉTODO EMPÍRICO-INDUTIVO DE BACON:

1ª. Observação pura e livre de pressupostos e preconceitos;

2ª. Formulação de uma hipótese a partir das observações;

3ª. Teste experimental a ser realizado inúmeras vezes até obter um número confiável de

dados.

4ª. Divulgação ou difusão dos dados obtidos para que a comunidade de pesquisadores possa

testar a hipótese;

5ª. Formular uma teoria e extrapolar seu alcance, por indução, a uma lei natural.

Obs.: Descartes acreditava na capacidade individual dos filósofos naturais, em especial dele mesmo, para alcançar as verdades escondidas. Já Bacon acreditava que o conhecimento só seria possível se toda a comunidade de pesquisadores participasse das investigações. Para ele os conhecimentos universais eram um encargo além da capacidade individual de cada um, mas possível para uma coletividade. 3) O racionalismo ou o empirismo poderiam isoladamente dar solução à busca de conhecimento confiável?

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____________________________________________________________________________

66

4) É realmente possível realizar observações com uma mente livre de conhecimentos a priori?

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____________________________________________________________________________

5) Se determinado fenômeno se apresenta sempre que certas condições são estabelecidas, poderemos daí extrapolar uma lei natural? O que você pensa do principal mecanismo de desenvolvimento de leis e teorias da ciência, a indução?

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____________________________________________________________________________

PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:

Francis Bacon (1561–1626)

• Novun organum, (1620).

Galileu Galilei (1564-1642)

• O Ensaiador, (1623);

• Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, (1632);

• Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências, (1638).

René Descartes (1596–1650)

• Discurso do Método, (1637).

Isaac Newton (1642–1727)

• Principios matemáticos da filosfia natural, (1687);

• Óptica, (1704).

David Hume (1711–1776)

• Tratado da Natureza Humana, (1740);

• Investigação sobre o Entendimento Humano, (1748).

Immanuel Kant (1724–1804)

• Crítica da razão pura, (1781).

Bacon Galileu Descartes Newton Hume Kant 1620 1623 1637 1687 1748 1781

67

3º dia, 07/05/2009.

1) Quais destes Aspectos você considera relevantes ao trabalho científico? Enumere-os: Objetividade / Subjetividade; Certeza / Incerteza; Confirmação experimental / Metafísica; Ordem / Caos; Progresso / Estagnação; Busca pelo Por quê? / Busca pelo como?

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O POSITIVISMO

► Renuncia a procura da origem e o destino do universo;

► Renuncia a busca pelas causas íntimas dos fenômenos;

► Preocupa-se unicamente em descobrir as leis e relações invariáveis da natureza;

► Dá excepcional importância aos dados experimentais;

► Recusa fortemente o uso de idéias não comprováveis experimentalmente nas explicações cientificas;

► Torna o determinismo científico uma das questões decisivas para a legitimidade das

proposições da ciência. FALSIFICACIONISMO

► Defende que os cientistas não deveriam se preocupar com a justificação de suas teorias, mas com o levantamento de possíveis refutações das mesmas.

► Entende as teorias científicas com conjecturas provisórias que, enquanto resistirem às

tentativas de refutação, permanecerão apenas como as proposições mais aceitáveis. ► Defende ainda que não seria possível confirmar a veracidade de uma teoria

simplesmente pela constatação de que suas previsões se verificaram. ► Determina que as teorias devem ser eliminada, caso ela seja negada por algum teste

experimental ou lógico. 2) Qual aspecto do trabalho experimental você considera mais relevante, a busca pela confirmação de teorias ou da refutação das mesmas? Explique?

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

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68

PARADIGMA KUHNIANO

► Um paradigma na ciência nada mais é que uma “macroteoria” aceita de forma geral por toda a comunidade científica, ou por grande parte dela e que se mostrar eficiente e abrangente o suficiente para responder o maior número de questões possíveis.

► O estado de Ciência normal é aquele em que o paradigma vigente é bem sucedido em

todos os casos em que é solicitado. ► O estado de crise é aquele em que problemas sérios, ou uma grande quantidade de

anomalias, compromete a credibilidade da teoria/paradigma. Nessa etapa é que, a comunidade cientifica envolvida no paradigma, em geral, tenta de todas as formas salvar tal teoria.

► A última fase representa a etapa de quebra do paradigma vigente, o que Kuhn chamou

de revolução científica, nela se estabelece uma nova teoria mais abrangente, capaz de responder às questões antigas e àquelas que a anterior havia falhado, ou seja, estabelece-se um novo paradigma.

3) Como você acha que a ciência se desenvolve, por crescimento de um paradigma científico já existente ou pelo surgimento de teorias inovadoras que desbancam os anteriores? Explique?

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____________________________________________________________________________

PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:

Comte (1798–1857)

• Curso de filosofia positiva, em 6 volumes, (de 1830 à 1842).

Albert Einstein (1879-1955)

• Sobre a eletrodinãmica dos corpos em movimento, (junho, 1905);

Karl Raimund Popper (1902-1994)

• Conjecturas e Refutações. O crescimento do conhecimento científico, (1963);

Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)

• A estrutura das revoluções científicas. (1962);

Imre Lakatos (1922-1974)

• Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970);

69

4º dia, 14/05/2009.

1) Se uma pessoa lhe pedisse para explicar o que é a ciência? O que você diria a ela? 2) Se essa pessoa lhe perguntasse: O que é método científico? Como você responderia a essa questão? 3) Ao falar sobre ciência com um aluno, você afirmou que o conhecimento científico é confiável. Esse aluno ouvira falar que a ciência não apresenta verdades definitivas. Pensando nessas duas situações, o aluno lhe perguntou: Como pode a ciência ser provisória e confiável ao mesmo tempo? Crie uma resposta para seu aluno. 4) Você reproduziria a experiência da caixa preta com seus alunos num curso de física? Para que tipo de discussão você a usaria?

CONCEPÇÕES ATUAIS DE CIÊNCIA

• É humanamente impossível conhecer a verdade última da natureza.

• Não existe um método que se possa considerar infalível e que seja capaz de conduzir o homem às verdades universais.

• Todo método apresenta alguma falibilidade, assim como toda verdade se mostra

relativa diante da complexidade da natureza e da existência humana.

• Nem a Ciência é capaz de responder a todas as perguntas sobre a natureza e sobre o ser, nem a filosofia da ciência é capaz de conciliar os conflitos e resolver as inconsistências da ciência.

• Ambas as áreas do conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não

alcançarem este intento, diga-se de passagem, impossível. A FILOSOFIA DA CIÊNCIA E A PRÓPRIA CIÊNCIA SÃO REAL IZAÇÕES HUMANAS IMPRESCINDÍVEIS

• Se não são capazes de nos mostrar as verdades absolutas, são muitíssimo valiosas para o crescimento humano na sua relação com o universo.

• Se não nos fornece a verdade, nos dá meios de nos aproximarmos dela cada vez mais.

• Mais importante que os resultados obtidos é o processo de progressão da Ciência. Os

resultados se encontram em constante mudança e são, por isso, provisórios.

• A filosofia da ciência nos mostra que o reconhecimento da verdade ou não é inacessível ao homem.

70

• O que podemos concluir quanto à Ciência é que ela não é um conhecimento verdadeiro, provado através de observações e experimentos. Ela é um processo contínuo de busca por um aumento do valor científico do conhecimento humano.

PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES:

Gaston Bachelard (1884 1962) • O novo espírito científico, (1934); • A formação do espírito científico, (1938) Imre Lakatos (1922-1974) • Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970); • Provas e refutações. (1976); • A Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, (1977); • Matemática, Ciências e Epistemologia, (1978); Paul Karl Feyerabend (1924-1994) • Contra o Método, (1975); Mário Augusto Bunge (1919) • Ciência, o seu método e filosofia, (1960); • Filosofia da Física (1973); • Epistemologia, (1980); • Mitos, fatos e as razões, (2004); Edgar Morin (1921) • Introdução ao Pensamento Complexo, (2005); • Os Sete saberes necessários a educação do futuro, (2000).

A1

ANEXO I

PARADIDÁTICO ELABORADO PARA O MINICURSO

A2

HHHÁÁÁ FFFIIILLLOOOSSSOOOFFFIIIAAA NNNAAA FFFÍÍÍSSSIIICCCAAA!!!???

UUUmmmaaa iiinnntttrrroooddduuuçççãããooo dddaaa FFFiii lllooosssooofff iiiaaa dddaaa

CCCiiiêêênnnccciiiaaa pppaaarrraaa gggrrraaaddduuuaaannndddooosss eeemmm ccciiiêêênnnccciiiaaasss

nnnaaatttuuurrraaaiiisss...

A3

INTRODUÇÃO

A FILOSOFIA DA CIÊNCIA E O ENSINO DE FÍSICA

Os estudantes de Ciências em geral não conseguem vislumbrar uma ligação entre o

estudo de filosofia da Ciência e o próprio estudo das Ciências. Como entender que há

relevância em estudar Filosofia, em meio a tantas derivadas, integrais, teorias e postulados

Físicos? Além do fato de, algumas vezes, estes estudantes não saberem diferenciar História da

Ciência de Filosofia da Ciência.

“Qual a capacidade do homem de conhecer?”, “Qual o real valor das teorias ditas

científicas?”, “Qual o papel da ciência na sociedade?” essas questões surgem no dia-a-dia do

trabalho científico e na rotina de sala de aula, nos cursos das áreas de Ciências naturais. Seja

na graduação ou nos cursos de ensino médio, a Natureza da Ciência é algo que, mesmo que

indiretamente ou desapercebidamente, é passado e transpassado de professor para aluno

através da “fala”, do discurso e das idéias defendidas por ele na sua prática cotidiana.

Ao afirmarmos que Galileu descobriu sua teoria da queda dos corpos abandonando

esferas de diferentes massas do alto da torre de Pisa, estamos assumindo a visão de um

Galileu empirista que usa da experimentação como base de trabalho para o desenvolvimento

de teorias.

Segundo Mário Bunge12, mesmo quando dizemos que não nos interessamos por Filosofia

estamos assumindo uma Filosofia implícita, e por isso mesmo, imatura e incontrolada.

O próprio Albert Einstein reafirma a importância que ele mesmo sempre percebeu no

estudo de Filosofia, afirmando:

“Foi dito freqüentemente e com certeza não sem razão que o

cientista seria um mau filósofo. Por que não haveria então de ser o mais

correto também para o físico deixar o filosofar para os filósofos? Isto

talvez se aplique em épocas nas quais os físicos crêem possuir um

sólido e inquestionável sistema de conceitos e leis fundamentais, mas

não nos dias atuais, quando os fundamentos da Física como um todo se

tornaram problemáticos. Nestas épocas, nas quais a experiência o

obriga a buscar uma base nova e mais sólida, o físico não pode

simplesmente relegar `a Filosofia a análise crítica dos fundamentos,

uma vez que apenas ele sabe e sente melhor que ninguém onde o

sapato lhe aperta; na busca por novos fundamentos é mister que ele

12 Mário Augusto Bunge, físico e filósofo argentino, foi professor de Física teórica e de Filosofia de 1956 à 1966 em La Plata, em seguida, trabalhou na Universidade de Buenos Aires e atualmente leciona na McGill University no Canadá como professor de Lógica e Metafísica.

A4

procure se esclarecer o melhor possível acerca da necessidade e

legitimidade dos conceitos por ele usados”( Einstein, 2006, p. 9).

O propósito deste livro/texto é de discutir como a Filosofia da Ciência (Epistemologia)

está presente no dia-a-dia do ensino de Física, mesmo que passando despercebido pelos

professores. Também tem-se como objetivo abordar alguns temas da Natureza da Ciência,

utilizando-se alguns filósofos da ciência que se mostraram mais convenientes para a proposta

deste trabalho.

Buscamos abordar os temas usando exemplos da historia da Física como pontos de

apoio ao entendimento dos assuntos e para despertar maior interesse dos leitores, fugindo de

detalhamentos extensos das idéias dos Filósofos e dando mais ênfase à representatividades

das suas idéias no trabalho científico.

A5

CAPÍTULO I

A FILOSOFIA PODE RESPONDER AS QUESTÕES BÁSICAS COLO CADAS SOBRE A CIÊNCIA E SOBRE O CONHECIMENTO?

Devido ao distanciamento que existe entre o estudo de Ciências naturais e o estudo da

natureza da Ciência nos cursos de graduação das áreas de Física, Química, Matemática e

Biologia, muitas questões importantes não são sequer pensadas pelos graduandos destas

disciplinas, no que diz respeito aos processos usados na busca do conhecimento e quanto aos

objetivos e implicações deste conhecimento.

Questões como: O que deveria ser a Ciência para melhor servir a sociedade? (questão

ética); O que deveria ser a Ciência para melhor alcançar seus objetivos? (questão de

metodologia) são os tipos de questões tratadas pela Filosofia, e que pertencem à Ciência e

devem ser amplamente discutidas por todos, principalmente por aqueles que estão inseridos

em carreiras ligadas a Ciência.

Outra questão importantíssima levantada pela teoria do conhecimento – epistemologia13 –

é “o que é realmente possível do ponto de vista da capacidade do conhecimento humano?”.

No intuito de introduzir estes assuntos, colocamos nesse capítulo inicial apenas uma idéia

geral de algumas visões de ciência. Ao final deste trabalho encontram-se dicas de leituras para

o devido aprofundamento.

O REALISMO E O INSTRUMENTALISMO

Ao longo da história da Filosofia foram desenvolvidas várias posições diferentes sobre a

própria capacidade da epistemologia de responder a problemas como o da capacidade do

homem de conhecer a “verdade” e sobre a própria definição de verdade.

Duas maneiras de se pensar a Ciência são as que tomam o viés realista ou o

instrumentalista14.

O realismo admite que o mundo existe independentemente de nós conhecedores, e é da

forma que é independentemente de nosso conhecimento teórico. Para o realista, a Ciência visa

descrições de como o mundo realmente é. O realismo envolve tipicamente a noção de

verdade.

Do ponto de vista realista, a teoria cinética dos gases, por exemplo, descreve os

fenômenos das partículas como realmente são. A teoria cinética é interpretada como afirmando

que os gases são realmente feitos de moléculas em movimentos aleatórios colidindo uma com

a outra e com as paredes do recipiente que os contém.

13 Área da Filosofia que trata da natureza do trabalho científico e do conhecimento humano. 14 Definição adotada por Alan F. Chalmers em “O que é Ciência afinal?” (2001).

A6

Já o instrumentalismo envolve também uma noção de verdade, mas de forma mais

restrita. As descrições do mundo observável serão verdadeiras ou falsas se descritas

corretamente ou não. As elaborações teóricas, no entanto, são projetadas para nos dar um

controle instrumental do mundo observável e não devem ser julgadas em termos de verdade

ou falsidade, mas antes em termos de sua utilidade como instrumentos.

O instrumentalismo envolve uma distinção clara entre os conceitos aplicáveis a situações

observáveis e os conceitos teóricos. O objetivo da Ciência é produzir teorias que sejam

esquemas ou instrumentos convenientes para ligar um conjunto de situações observáveis com

outro. As descrições do mundo que envolvam entidades observáveis descrevem realmente

como o mundo é, mas as descrições de sistemas que envolvam conceitos teóricos não o

fazem. Estes últimos devem ser entendidos como ficções úteis que facilitam nossos cálculos.

Formas mais radicais dessas duas maneiras de se pensar a Ciência surgiram com o

desenvolvimento científico e, também, com as ideologias surgidas nos círculos opositores a

certas posturas filosóficas adotadas em decorrência deste desenvolvimento.

O MECANICISMO E O NATURALISMO

O naturalismo é uma doutrina que preconiza a volta à natureza e à simplicidade primitiva,

quer nas instituições sociais, quer na maneira de viver. É uma escola filosófico-literária

conhecida por ser a radicalização do realismo, baseando-se na observação fiel da realidade e

na experiência, mostrando que o indivíduo é determinado pelo ambiente e pela

hereditariedade.

O mecanicismo é uma teoria filosófica que surge impulsionada pelo desenvolvimento das

mecânicas de Galileu e Newton. Segundo essa proposta todos os fenômenos que se

manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados. Esta doutrina admite que

determinado conjunto de fenômenos, ou mesmo toda a natureza, se reduz a um sistema de

determinações mecânicas. O movimento é concebido como algo determinado por lei causal

rigorosa, onde para toda causa se sucede um efeito previamente determinável.

FORMAS DE COMPREENDER O CONHECIMENTO

Varia formas de encarar o problema da natureza do conhecimento foram criadas através

dos tempos, como o:

• Relativismo que assume a existência de várias opiniões diferentes, todas igualmente

válidas;

• Dogmatismo onde pode haver várias opiniões, porém, só há uma correta;

• Ceticismo na qual existem várias opiniões, mas nenhuma é digna de crédito;

• Ecletismo em que há diversas opiniões, mas nenhuma é completa então faz-se um misto

entre o que cada uma tem de melhor.

A7

Quando, em algumas situações, nos é exigido o posicionamento quanto a assuntos que

dizem respeito à Natureza da Ciência, muitas vezes nos colocamos de acordo com uma

dessas formas, diretamente, indiretamente ou até mesmo confusamente, assumindo opiniões

contraditórias de um momento para o outro devido ao desconhecimento de epistemologia.

Há alguns problemas em se adotar uma ou outra das possibilidades apresentadas

anteriormente.

O ecletismo, por exemplo, constrói um emaranhado de idéias de posições filosóficas

diferentes que, ao serem unidas em uma, podem agrupar em um único arcabouço teórico,

ideologias incompatíveis.

O ceticismo por sua vez não proporciona resposta alguma.

O dogmatismo e o ecletismo impedem cada uma a sua maneira, a discussão filosófica

efetiva.

Com tantas idéias divergentes, fica difícil encontrar respostas coerentes sobre a natureza

do conhecimento humano. Há, porém um critério importante descoberto pela Filosofia da

Ciência, através de sua história. É este o chamado “principio de impotência” (MARTINS, 1999).

Para entendermos esse principio, vamos recordar o princípio de conservação, na Física.

A lei de conservação das massas, por exemplo, afirma que é impossível criar ou destruir a

matéria; a de conservação de energia determina que é impossível construir um moto perpétuo,

a lei de conservação das cargas elétricas deixa claro que é impossível criar ou destruir uma

carga elétrica e assim por diante.

O principio de impotência epistemológico determina que:

• O ser humano não possui a capacidade de reconhecer, intuitivamente a verdade.

• É impossível se construir uma Ciência puramente dedutiva.

• A indução não tem justificativa lógica (problema da indução de Hume)15.

Os “princípios de impotência” são parâmetros muito importantes para se ter uma noção

menos ingênua do trabalho científico. Pode-se perceber que algumas idéias de senso comum

tornam-se questionáveis, como a idéia de que se pode alcançar a verdade sobre a natureza e

a questão da indução de teorias gerais de conclusões experimentais particulares. Sendo assim,

ao tentarmos responder a questão levantada pelo titulo deste capítulo, concluímos que o que é

possível à Filosofia é determinar o que é impossível ao homem alcançar. O que se tem para o

momento de mais “sólido” na Filosofia sobre o tema é o “principio de impotência”.

Ao contrário do que se possa pensar, ele é muito valioso para o estudo do conhecimento.

Para o homem, saber o que não lhe é possível alcançar é algo muito importante e o coloca,

atualmente, em grande vantagem com relação aos seus antecessores.

15 O problema da indução será discutido no capítulo III, onde detalharemos melhor o trabalho de David Hume. Adiantando a discussão, podemos dizer simplificadamente que há um problema lógico, apontado por Hume, em se partir de conclusões de experiências pontuais e, daí, tirar leis gerais da ciência.

A8

CAPÍTULO II

O ENVOLVIMENTO ENTRE FILOSOFIA E FÍSICA

A ligação entre Filosofia e Ciência é muito antiga. Temos como berço de nossa Filosofia,

assim como de nossa Ciência, a Grécia. Todo o nosso modo de pensar e agir em termos

filosóficos e científicos tem como referência o pensamento grego.

Para os antigos gregos, Filosofia e Ciência eram coisas indissociáveis. Em princípio o que

predominava entre os povos gregos era a consciência mítica, bastante marcante nos poemas

de Homero e Hosíodo que por volta de 700 a.C. registraram por escrito grande parte da

mitologia antiga. Porém tal situação muda e a consciência racional começa a dominar o

pensamento grego. Esta importante mudança na maneira de pensar ocorreu por vários fatores

em que os principais foram: a passagem da Grécia tribal para a Pólis (cidade-estado grega)

aumentando o convívio entre os indivíduos, facilitando as trocas e vendas de produtos e com

isso diminuindo o tempo dedicado ao trabalho rural; o aparecimento da escrita e da moeda

devido à expansão comercial. Estas transformações culminaram com o surgimento da figura do

cidadão e do filósofo.

O filósofo era aquele que refletia sobre todas as questões da existência humana. A

Ciência era uma delas.

Filósofos como Tales, Pitágoras e Aristóteles eram, à luz da divisão atual de disciplinas,

também matemáticos, astrônomos, físicos.

OS FILÓSOFOS NATURAIS

Os primeiros filósofos gregos que, modernamente, receberam o nome de pré-socráticos

por serem anteriores a Sócrates e também por terem projetos filosóficos diferentes dos que

surgem com Sócrates e Platão, foram os primeiros “filósofos naturais” de que se tem registro.

Seu interesse era de desvendar a natureza e os processos naturais pelo uso da razão e não

mais através do mito e da crença religiosa como seus antecessores haviam feito. Esta

nomenclatura de filósofos da natureza foi usada até o século XIX, quando passou-se a chamar

estes pesquisadores de cientistas.

A principal questão para os filósofos naturais era saber o que estava por trás da

constituição de todas as coisas e como ocorriam todas as transformações que eles

observavam na natureza. O que constitui toda a matéria que conhecemos?

Por algum motivo eles tinham em mente que nada surge do nada e que algo primordial

deveria existir. Algo elementar que dava origem a tudo e era responsável por todas as

transformações que ocorrem na natureza.

Os três filósofos de Mileto, colônia grega na Ásia Menor, atual Turquia.

A9

• Tales (625 – 580 a.C.) – Foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o

marco inicial da filosofia ocidental. Considerava a água como substância elementar, aquela que

dava origem a todas as coisas. È possível que ele tenha chegado a esta conclusão devido a,

em suas muitas viagens, ter visto que após as cheias do rio Nilo a terra se renovava, a

vegetação crescia e tudo prosperava (GAARDER, 1995).

Deixou um legado muito importante para a geométrica, como: as demonstrações de que

os ângulos da base de dois triângulos isósceles são iguais; do teorema que diz que se dois

triângulos são iguais, quando têm dois ângulos e um lado respectivamente iguais entre si; de

que todo diâmetro divide um círculo em duas partes iguais; de que ao unir-se qualquer ponto

de uma circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo retângulo em

C, Fig. 1; também chamou a atenção de seus conterrâneos para o fato de que se duas retas se

cortam, então os ângulos opostos pelo vértice são iguais e que quando duas retas transversais

cortam um feixe de retas paralelas, as medidas dos segmentos correspondentes determinados

nas transversais são proporcionais, o que hoje chamamos de Teorema de Tales, Fig. 2.

Fig. 1: Segmentos em uma circunferência. Fig. 2: Proporcionalidade entre os segmentos.

• Anaximandro (610 – 547 a.C.) – Acreditava que o nosso mundo era apenas mais um

dos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nessa alguma coisa que é o infinito16.

Acreditava em um elemento primordial, mas não definiu que elemento era este, talvez por

acreditar que fosse algo completamente diferente do que dele se criava, logo, não poderia ser

um elemento tão trivial como a água.

• Anaxímenes (550 – 526 a.C.) – Para ele o ar era a substância primordial que dava

origem aos demais elementos, água (quando mais comprimido), terra (se comprimido ao

extremo) e fogo (se rarefeito ao máximo).

Estes filósofos embora discordassem quanto à “substância primordial” (que constituía a

essência do universo), concordavam no que dizia respeito à existência de um “princípio único"

para essa natureza primordial.

16 Não sabemos o que Anaximandro entendia por infinito.

A10

• Pitágoras de Samos (570 – 497 a.C.) – Foi um filósofo e matemático grego, fundou

uma escola mística e filosófica, o pitagorismo, cujos princípios foram determinantes para

evolução geral da matemática e da filosofia ocidental. Os principais enfoques, dessa escola,

eram: harmonia matemática, doutrina dos números e dualismo cósmico essencial. Aliás,

Pitágoras foi o criador da palavra "filósofo". Segundo o pitagorismo, a essência, que é o

princípio fundamental que forma todas as coisas é o número. Os pitagóricos não distinguem

forma, lei e substância, considerando o número o elo entre estes elementos. Para esta escola

existiam quatro elementos: terra, água, ar e fogo.

• Parmênides da ilha de Eléia. (540 – 480 a.C.) – Para ele, o mundo sempre existiu e

considerava qualquer transformação real das coisas como impossível. As transformações

aparentes que vemos seriam “ilusões dos sentidos” que, ele como filósofo, deveria desvendar.

Pode-se classificá-lo como um racionalista, pois, apesar de todas as impressões que tinha do

mundo, acreditava unicamente em sua capacidade de raciocínio, em sua razão.

• Heráclito de Éfeso (540 – 480 a.C.) – Ao contrário de Parmênides, ele acreditava na

fluidez da natureza. Tudo está em constante transformação no mundo, “tudo flui”.

Existiria, assim, uma razão universal que a tudo dirige, o logos (razão). Para Heráclito

tudo está colocado no mundo aos pares antagônicos: claro e escuro, bem e mal, fome e

plenitude, sede e saciedade, sendo que tais opostos se complementam.

• Empédocles (494 – 434 a.C.) – Acreditava que tanto Parmênides quanto Heráclito

tinham razão. Um único elemento não poderia se transformar em outro. Para ele, haviam

quatro elementos básicos. As diferentes combinações deles teriam dado origem a tudo que

existe. Havia ainda duas forças básicas: o amor17 que une e a disputa que afasta.

Ele diferencia Elementos básicos de forças básicas da natureza, da mesma forma que

fazemos até hoje.

• Anaxágoras (500 – 428 a.C.) – Admita diversas partículas elementares e invisíveis ao

qual denominava germens. Para ele todas as coisas podem ser divididas em elemento cada

vez menores e, até mesmo nas menores coisas, “Há um pouco de tudo em tudo”.

Afirmou que a Lua não tem luz própria e que o Sol não era um deus e sim uma massa

incandescente.

• Demócrito (460 – 370 a.C.) – Para ele, as partículas elementares eram como pedrinhas

minúsculas, indivisíveis e eternas que ele chamou de “átomos” (indivisíveis), isto pois: 1º - se

fossem divisíveis a matéria se diluiria eternamente até sumirem completamente; 2º - se não

fossem eternas, haveria a possibilidade de algo surgir do nada. Para possibilitar as diversas

transformações percebidas na natureza, essas partículas tinham que ser de várias formas,

possibilitando assim diversas combinações.

17 Não entender por amor o sentimento que hoje conhecemos por este nome, mas como uma força de coesão da natureza.

A11

Com sua teoria atômica, Demócrito coloca, temporariamente, um ponto final na filosofia

natural grega. Com isso concordou com Heráclito de que na natureza “tudo flui”, devido às

diversas transformações que observamos, ao mesmo tempo que, em parte, aceitou

Parmênides no sentido de que há algo que permanece eterno e imutável, os átomos.

Apesar de toda evolução científico-tecnológica alcançada nos dias de hoje, ainda

procuramos uma partícula elementar, o “átomo de Demócrito”, só que agora com nomes e

características diferentes como quarks, bósons etc., ou seja, ainda buscamos o elemento

responsável pela criação de todas as coisas. A idéia de um mundo formado por partículas

elementares ainda domina nossa mente, até a energia e a luz são constituídas de pacotes

(“partículas”) de energia, os quantum.

Com Demócrito, a proposta filosófica dos filósofos naturais dá uma pequena pausa,

retornando após Sócrates e Platão com Aristóteles, que teve uma atuação filosófica muito

vasta e que abrangia, além das pesquisas da natureza, os estudos sobre a ética, política,

metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, entre outros temas. Nesse período em que

surgem Sócrates e Platão havia se iniciado em Atenas um novo foco de atenção dos filósofos

que é o próprio homem e sua posição na sociedade.

SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES, OS PILARES DA FILOS OFIA OCIDENTAL.

Atenas se tornou o centro cultural grego. Com o desenvolvimento paulatino de uma

democracia onde o povo era chamado a participar de assembléias e tribunais, tornou-se cada

vez mais necessário instruir ido povo porém , na democracia Grega (demo = povo e kracia =

governo), nem todos podiam participar. A participação política era restrita a 10% dos habitantes

da cidade. Ficavam excluídos da vida pública, entre outros, estrangeiros residentes em Atenas

(os chamados metecos), escravos e mulheres.

É nesse novo aspecto social que surgem os grandes representantes da filosofia

Ateniense:

• Sócrates (470 – 399 a.C.) – Filósofo ateniense, um dos mais importantes ícones da

tradição filosófica ocidental, e um dos fundadores da atual Filosofia Ocidental. Ele foi

moralmente, intelectualmente e filosoficamente diferente de seus contemporâneos atenienses.

Enquanto os filósofos pré-Socráticos procuravam responder à questões do tipo: "O que é

a natureza ou o fundamento último das coisas?" Sócrates, por sua vez, procurava responder à

questão: "O que é a natureza ou a realidade última do homem?"

Sócrates chegou a conclusão de que o homem é a sua alma - psyché, é a sua alma que o

distingue de qualquer outra coisa, dando-lhe, em virtude de sua história, uma personalidade

única. E por psyché Sócrates entende nossa sede racional, inteligente e eticamente operante,

ou ainda, a consciência e a personalidade intelectual e moral. Esta colocação de Sócrates

acabou por exercer uma influência profunda em toda a tradição européia posterior, até os dias

de hoje.

A12

O CONFLITO ENTRE HERÁCLITO E

PARMÊNIDES

Os pontos de vista de Heráclito e

Parmênides quanto a natureza intima das coisas

eram diametralmente oposto. Para Heráclito o ser

é a mudança, tudo está em constante movimento

e a estaticidade é uma ilusão, ele acreditava na

percepção dos sentidos; já na visão de

Parmênides o movimento é que é uma ilusão, pois

algo que é não pode deixar de ser e algo que não

é não pode passar a ser. Sendo assim, não há

mudança no real, apenas no mundo ilusório dos

nossos sentidos.

Sócrates defendeu a imortalidade da alma e que teria recebido, em certo momento de

sua vida, uma missão especial do deus Apolo, a defesa do logos18 apolíneo "conhece-te a ti

mesmo".

A sua grande máxima, “tudo que sei é que nada sei”, expressa o seu saber de que, por

mais que tenha conhecimento, há sempre muito mais a se aprender.

Diz-se que Sócrates acreditava que as idéias pertenciam a um mundo que somente os

sábios conseguiam entender, fazendo com que o filósofo se tornasse o perfeito governante

para um Estado. Essa mesma idéia seria posteriormente modificada e utilizada por seu

discípulo Platão.

A atuação de Sócrates se realizava nas praças e locais públicos de Atenas, onde se

dedicava ao que ele próprio chamava de “dar a luz às idéias”. O método socrático consistia de

uma prática baseada em perguntas, respostas e mais perguntas em que, utilizando um

discurso caracterizado pela maiêutica (levar uma pessoa, por seu próprio raciocínio à solução

de sua dúvida) e pela ironia, levava o seu interlocutor a entrar em contradição, para levá-lo a

chegar à conclusão de que o seu conhecimento é limitado.

Podemos imaginar que, com isso, ele tenha irritado muitos pseudo-sábios de sua época,

fato que culminou com a sua condenação à morte por envenenamento.

• Platão (427 – 347 a.C.) – Filósofo grego, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles,

fundador da Academia, escola fundada por volta de 387 a.C. junto a um jardim a noroeste de

Atenas em que segundo a tradição pertencera a uma personagem mitológica, o guerreiro

Academos. Lá eram debatidos todos os temas do saber até então conhecidos: matemática,

geometria, história, música, astronomia, além da própria filosofia e se praticava também

exercícios físicos regularmente.

Sua filosofia é de grande importância e

influência para o mundo ocidental. Platão

ocupou-se com vários temas, entre eles

Ética, Política, Metafísica e Teoria do

Conhecimento.

O problema que Platão propôs-se a

resolver foi a tensão entre as idéias de

Heráclito e Parmênides. Em linhas gerais,

Platão desenvolveu a noção de que o

homem está em contato permanente com

dois tipos de realidade: a inteligível e a

sensível. Para Platão, o mundo concreto

percebido pelos sentidos, mundo sensível, é

18 Razão.

A13

uma pálida reprodução do mundo das Idéias, mundo perfeito, abstrato que seria a morada da

alma. Cada objeto concreto que existe está no mundo sensível e é apenas uma cópia

imperfeita do que se encontra em perfeição no mundo das idéias. Por exemplo, existem

diversos cavalos diferentes no mundo sensível, porém todos são reconhecidos como cavalos

por existir, no mundo das idéias, o ideal de cavalo imutável, perfeito e que independe de

qualquer outra característica física mutável.

Para Platão o formato, cavalo é o que há de eterno e imutável e que reside no mundo das

idéias. Já as diversas aparências, cores, defeitos etc. representam a parte fluida e mutável do

mundo sensível. Ele não elege um elemento físico como básico. Eterno e imutável são os

modelos espirituais ou abstratos, a partir dos quais todos os fenômenos são formados.

• Aristóteles (384 – 322 a.C.) – Aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é

considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico.

Ele deixou contribuições fundamentais em diversas áreas do conhecimento humano,

destacando-se: Ética, Política, Física, Metafísica, Lógica, Psicologia, Poesia, Retórica,

Zoologia, Biologia, História Natural.

A pesar de discípulo de Platão, Aristóteles discordou de muitas das idéias de seu mestre.

Ele não acreditava em um mundo das idéias e outro mundo do sensível. Para ele, a “forma” era

o que garantia a essência de cada ser ou objeto. A “forma” cavalo é aquilo que confere a este

ser as características de relinchar, galopar e ter o formato que tem. Já as demais diferenças

que existe entre os cavalos estão ligadas ao que ele chamou de “substância” ou “matéria”.

Para ele, as “formas” ou “idéias”, se usarmos o termo platônico, não se encontram em um

mundo especial, à parte, mas dentro do próprio objeto ou ser formado por esta “forma” e

“substância”. Ou seja, ele acreditava que tudo está inevitavelmente unido, “forma” e

“substância”, assim como alma e corpo.

Outro ponto importante da Filosofia de Aristóteles é que a experiência sensível,

observação, seria o grau máximo de realidade para compreender a natureza, ao contrario de

Platão que vê na razão o grau máximo de realidade para este intento.

Aristóteles, ao lado de Sócrates e Platão, figura entre os mais influentes filósofos gregos.

Transformou a filosofia e mesmo o olhar da Ciência de seu tempo construindo um dos

principais fundamentos da filosofia ocidental. Suas idéias foram acolhidas pelo ocidente por

volta do Século XII19, e perduraram até o Séc. XVII, quando ocorre a revolução metodológica

iniciada por Galileu que promove a autonomia da Ciência e o seu desligamento da Filosofia

tornando-se uma área independente e com princípios próprios.

19 Os escritos de Aristóteles foram descobertos pelos europeus, através dos árabes, nos conflitos ocorridos durante as cruzadas. Com traduções muito impregnadas com as ideologias panteístas, doutrina segundo a qual o mundo é um conjunto de manifestações ou emanações de Deus, esses textos só foram aceitos pelo ocidente após as traduções feitas diretamente do grego por São Tomas de Aquino, obviamente adaptados às idéias do cristianismo (ARANHA E MARTINS, 1994).

A14

Ao apresentar uma nova forma de estudar a natureza, através de especulações que se

mostrem verificáveis experimentalmente, Galileu une a área do conhecimento conhecida como

técnica (Guerra et al, 1997), com o conhecimento teórico especulativo e a descrição

matemática de suas teorias.

FILOSOFIA DA CIÊNCIA OU EPISTEMOLOGIA

As especulações sobre a Ciência continuaram a fazer parte da filosofia, porém o seu

interesse recaiu sobre questões em torno à natureza do conhecimento, as limitações do

homem quanto a aquisição de conhecimento e como o homem deveria proceder para alcançar

este conhecimento. Mas, é somente no Século XX que se constituiu uma disciplina acadêmica

independente com um corpo profissional de investigadores. Esta é a área da Filosofia que

conhecemos como Teoria do conhecimento ou Epistemologia da Ciência e que se desenvolve

rapidamente com o surgimento de nomes como, Karl Popper, Thomas Kuhn e outros.

Epistemologia é uma palavra que vem do grego epistéme (‘Ciência’; ‘conhecimento’), + o

+ logia, (‘estudo’) e estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.

Pode-se dizer que a epistemologia se origina em Platão quando ele opõe a crença ou opinião

ao conhecimento. A crença é um determinado ponto de vista subjetivo. O conhecimento é

crença verdadeira e justificada. Este conhecimento consiste em descrever, explicar e predizer

uma realidade, isto é, analisar o que ocorre, determinar porque ocorre dessa forma e utilizar

tais conhecimentos para antecipar uma realidade futura. Este é um dos assuntos a ser

abordado nos próximos capítulos.

A15

CAPÍTULO III

O RACIONALISMO CARTESIANO E O EMPIRISMO BACONIANO

No período que conhecemos como Idade Média (Séc. V até o Séc. XV), todo

conhecimento científico estava vinculado à religião. A filosofia aristotélica ganhou força entre os

eclesiásticos até se tornar a única maneira aceitável de compreender a natureza. Isso ocorreu

porque esta filosofia apresentava características que favoreciam a manutenção da fé religiosa.

Aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, diversas

transformações em várias áreas da vida humana assinalam o final da Idade Média e o início da

Idade Moderna (a partir do sáculo XVI). A esse período deu-se o nome Renascimento ou

Renascença marcado por transformações bem evidentes na cultura, sociedade, economia,

política e religião, e significou uma ruptura com as estruturas medievais.

Em geral, o termo "Renascimento" é mais empregado para descrever seus efeitos nas

artes, na filosofia e nas ciências, em virtude da redescoberta e revalorização das referências

culturais da Antigüidade Clássica, que direcionou o movimento para um ideal humanista e

naturalista. Mas neste período há fortes mudanças econômicas devido às grandes

navegações, Mercantilismo, que trouxe tanto desenvolvimento comercial e expansão territorial,

quanto descobertas e novidades vindas das novas terras, além de uma grande necessidade de

desenvolvimento técnico.

Frente a tantas descobertas e mudanças, os intelectuais questionavam a antiga maneira

de pensar, que já não fornecia explicações satisfatórias para o novo mundo que começava a

florescer. Ocorre ainda a valorização da classe profissional dos “Práticos“ (Engenheiros) que

eram os responsáveis pelo grande desenvolvimento técnico desde a Idade Média. As práticas

técnicas destes homens começaram a despertar grande interesse dos intelectuais que viam a

necessidade de um conhecimento da natureza que fosse mais prático e útil à sociedade.

Impulsionados por este ideal surgem importantes pensadores como Francis Bacon

(1561–1626) e René Descartes (1596–1650).

Bacon e Descartes, ambos fortemente influenciados pelo grande desenvolvimento técnico

ocorrido em seu tempo e desapontados com a ineficiência do velho modo de pensar da filosofia

natural de sua época, elaboraram, cada um à sua maneira, as suas resposta às questões que

os afligiam.

A16

Francis Bacon (1561–

1626), político e filósofo

inglês, destacou-se com

uma obra onde a Ciência

era exaltada como

benéfica para o homem.

Em suas investigações,

ocupou-se especialmente

da metodologia científica e do empirismo, sendo

muitas vezes chamado de"fundador da Ciência

moderna".Sua principal obra filosófica é o Novum

Organum onde apresenta uma nova maneira de

se fazer Ciência.

FRANCIS BACON

Bacon acreditava que ao se afastar

todos os preconceitos, dogmas e “ídolos” do

trabalho de investigação, seria possível

realizar uma investigação pura e neutra,

única capaz de propiciar explicações

verdadeiras da natureza. Para ele, os

homens dedicados a estudar a natureza

deveriam seguir um método único em seus

trabalhos. Seguir rigorosamente esse

método proporcionaria as condições ideais

para o ’descortinar’ da natureza.

O método proposto por Bacon se

baseia em observações e registros dos

fenômenos onde, dos dados colhidos pelos

sentidos, elaboram-se as hipóteses sobre a natureza de determinado fenômeno. Após

elaboração e execução de experimentação e confirmação das hipóteses levantadas, de forma

reta e ordenada, chega-se aos princípios de máxima generalidade, conforme Fig. 3.

Bacon defendia que era fundamental que todos os resultados das pesquisas fossem

difundidos, assim outros pesquisadores poderiam tanto testar as proposições levantadas,

quanto prosseguir com trabalho já iniciado. Para Bacon, as leis universais capazes de explicar

a natureza só seriam alcançadas após longo e árduo trabalho coletivo. Algo tão importante não

poderia surgir de apenas um investigador solitário, mas da coletividade de pesquisadores.

Fig. 3 : Diagrama do método Científico Baconiano.

Caso as hipóteses não se confirmassem, voltaria-se a elaborar novas hipóteses que

seriam testadas experimentalmente.

Bacon argumentava que a experiência sensível da natureza era a principal e única fonte

A17

René Descartes (1596–

1650), filósofo, físico e

matemático francês.

Tornou-se reconhecido

sobretudo por seu trabalho

revolucionário na filosofia e

na Ciência, mas também

obteve reconhecimento matemático por sugerir a

fusão da álgebra com a geometria,fato que gerou

a geometria analítica e o sistema de coordenadas

que hoje leva o seu nome. Por fim, ele foi uma

das figuras-chave na Revolução Científica.

confiável de conhecimento. Apesar de valorizadas, a razão e a lógica, ocupavam um papel

secundário, seriam úteis apenas na análise e formulação teórica posterior às experimentações.

RENÉ DESCARTES

Em contrapartida temos a proposta de

Descartes. Esse pensador acreditava que o

conhecimento puro e perfeito só seria

possível por meio de dedução lógica, o uso

de uma razão treinada (ARANHA e

MARTINS, 1994). Assim como Bacon,

Descartes percebeu a necessidade de um

método que possibilitasse a descoberta dos

princípios que regem os processos naturais.

O método elaborado por Descartes,

inspirado em sua filosofia racionalista,

estava ligado às regras e preceitos da razão

treinada, necessárias ao desenvolvimento

lógico que possibilitaria alcançar o conhecimento último por detrás da realidade.

O seu método, chamado de racional-dedutivo, considera que a partir dos pressupostos

básicos estabelecidos a priori (anteriormente) pode-se conhecer a Natureza. O objeto da

investigação não precisa ser deduzido de nenhuma outra coisa senão da razão pura.

Ele desenvolveu regras para que não houvesse engano no processo dedutivo. O

‘substrato material’ que dá suporte a este empreendimento seria a matemática (aritmética e

geometria) (KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002).

Simplificadamente, podemos apresentar o método cartesiano de investigação com os

seguintes passos ou preceitos:

1. Primeiro preceito: Regra da evidência - Receber escrupulosamente as informações,

examinando sua racionalidade e sua justificação. Em principio, duvida-se de tudo o que

é percebido, de forma a possibilitar a verificação da boa procedência daquilo que se

investiga. “Não aceitar como verdadeira alguma coisa sem a reconhecer evidentemente

como tal.”

2. Segundo preceito: Regra da análise - Dividir cada uma das dificuldades que se examina

em tantas partes quanto possível e necessário para reduzir variáveis e melhor resolver

o problema.

3. Terceiro preceito: Regra da síntese - Começar do mais simples, daquele que não é

passível de divisão, ao mais complexo.

4. Quarto preceito: Regra da verificação - Enumerar e revisar minuciosamente as

conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista. Através

A18

da ordem alcança-se um conhecimento verdadeiro.

Para Descartes, a experimentação não tem a mesma importância primordial e geradora

das leis e teorias, como o era para Bacon. Fundamentalmente, o papel dela é corroborar as

tais teorias.

PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE BACON E DESCARTES

Apesar das divergências fundamentais entre as filosofias de Bacon e Descartes, é

possível traçar paralelos entre ambas. Tanto Bacon como Descartes acreditavam na

capacidade humana de conhecer a verdade última por detrás da natureza e que era realmente

possível ao homem desvendar os mecanismos intrínsecos do funcionamento do mundo. Para

ambos, a palavra verdade era encarada na sua forma absoluta.

O conhecimento, para eles, deveria se mostrar útil à humanidade. O receio de que novos

enganos, como os cometidos no passado, voltassem a ocorrer fizeram com que esses

pensadores vissem a necessidade da existência de “um método” que garantisse que o

conhecimento adquirido, pelo empirismo para um e pela razão para o outro, fosse correto e

confiável. A principal divergência deles está justamente na questão do método e na maneira

como cada um acredita que o conhecimento se revela ao homem.

CRÍTICAS ÀS DUAS FILOSOFIAS

Tanto o empirismo-indutivo de Bacon como o racionalismo-dedutivo de Descartes

apresentam problemas cruciais na sua aceitação como regra de procedimento para o trabalho

da Ciência. Obviamente, esses problemas só foram percebidos pelos Filósofos da Ciência

posteriores a eles.

Começando pelo racionalismo dedutivo, quando se quer provar as proposições de uma

teoria, cai-se necessariamente em um de três casos: em uma regressão infinita, em um círculo

vicioso ou em proposições indemonstráveis.

Para podermos provar uma teoria de forma dedutiva ela deve ser deduzida a partir de

premissas. Se quisermos basear a teoria em premissas que não pertencem à própria teoria, o

que seria desejável, essas poderiam ser provadas ou não. Para provar uma premissa sempre

precisaremos de alguma outra que justifique esta, sendo assim sempre existirá algo a ser

provado (regressão infinita).

Podemos pensar em uma teoria em que todas as premissas são aprovadas a partir de

outras já existentes dentro da própria teoria. Sendo assim não há como confirmar a validade

desta teoria que se baseia em si mesma (ciclo vicioso). Do contrário teremos que elaborar uma

teoria apoiada em premissas indemonstráveis. Nesse caso não há como confirmar a validade

dessas premissas para avaliar a coerência dessa teoria.

Essa analise nos mostra que é impossível chegar a conclusões totalmente confiáveis,

logicamente falando, através de métodos unicamente dedutivos. Contrariando assim o que

A19

David Hume (1711-1776)

filósofo e historiador

escocês. Foi juntamente

com Adam Smith e

Thomas Reid, entre outros,

uma das figuras mais

importantes do chamado

iluminismo escocês. É visto por vezes como o

mais radical dos chamados empiristas

britânicos. A influente filosofia de Hume é

famosa pelo seu profundo ceticismo.

acreditava Descartes não se pode chegar às “verdades universais” pelo simples uso da razão.

Já o empirismo indutivo de Bacon, também apresenta problemas. Primeiro na questão da

indução como meio de se obter leis universais e segundo na impossibilidade de se ter uma

investigação experimental neutra, imparcial e livre de pressupostos teóricos, uma vez que o

próprio processo de isolar variáveis para controlar um fenômeno necessita de algum

conhecimento a priori por parte do pesquisador.

Começando pela questão do indutivismo,

David Hume (1711-1776), grande defensor do

empirismo, toma como ponto principal da critica

que faz à indução a impossibilidade de inferir

qualquer coisa que transcenda ao produto da

experiência.

Para ele, do ponto de vista lógico, não é

possível assegurar a validade de um enunciado

geral a partir de enunciados singulares, pois

sempre pode existir a possibilidade de uma

refutação futura, não considerada.

Por mais comprovado que seja um

enunciado científico não se pode provar sua veracidade, pois, com toda certeza, este pode

mostrar-se falível futuramente e ser objeto de correção, ou descarte (SILVEIRA, 1996). Para

ele,

“[...] embora não exista meio de demonstrar a validade dos

procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal

que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de

tais procedimentos indutivos. Como estes procedimentos parecem ter

legitimidade prática, o homem os adota. Sem embargo, isto não quer

dizer que falte fundamentação racional para as leis científicas, que elas

não se apóiem na lógica e na experiência, embora ultrapassem tanto

uma como outra, dado seu caráter de generalidade irrestrita.” (MAGEE,

1973, p.23, apud, KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2002, p.3).

Por exemplo, só porque todos os pombos que vimos durante a vida são brancos

(observações pontuais) não podemos dizer que só existem pombos brancos (enunciado geral),

pois sempre poderá surgir um pombo negro em algum momento.

A questão da causalidade é uma noção muito criticada por Hume. Segundo ele é possível

dizer que uma pedra cai ao solo por força da gravidade, porém nunca experimentamos esta lei,

A20

o que experimentamos é o fato de as coisas caírem e não as causas que as fazem cair. O que

nos é cabível perceber é o fato de um acontecimento se suceder temporalmente ao outro, mas

não podemos estabelecer o nexo causal entre o segundo e o primeiro. Daí a sua tese de que a

indução, na verdade se deve a questões psicológicas humanas e não a realidade dos fatos

(HUME, 1973).

Já quanto à questão da neutralidade na investigação cientifica, podemos dizer que toda

observação investigativa já está impregnada de idéias a priori. Quando realizamos uma

observação com intuito da descoberta, a fazemos dentro de certos parâmetros controlados, por

exemplo, se formos analisar a queda de um corpo, o faremos tentando minimizar a resistência

do ar, usaremos um cronômetro, já nos preocuparemos com o sincronismos entre os

detectores. Todas essas preocupações representam conceitos estabelecidos previamente,

anteriores a experiência realizada.

Na História da Ciência, temos alguns bons exemplos de como as interpretações de

observações científicas estão impregnadas de conceitos e concepções a priori.

A representação feita por Galileu Galilei (1564-1642) de suas observações da superfície

lunar, com o auxilio de sua luneta, apresenta uma clara distinção daquelas feitas por um de

seus contemporâneos. O Astrônomo inglês Thomas Harriot,(1560-1621) realizou as mesmas

observações que Galileu apenas poucos meses antes, no entanto, a sua representação da Lua

é claramente distinta das dele. Observemos as Figs. 4 e 5 a seguir.

Fig. 4 : Representação da Lua feita por Galileu. Fig. 5 : Representação da Lua feita por Harriot.

A Fig. 4 mostra claramente as crateras da lua, já a Fig. 5 apresenta algo mais parecido

com manchas no solo da Lua. Para o historiador Samuel Y. Edgerton Jr., “[...] Harriot não

dispunha de condições para interpretar a geografia da Lua sem o treinamento artístico que teve

Galileu” (REIS et ali, 2006).

Ainda a respeito da Lua de Galileu, Christoph Clavius (1538-1612), decano de

matemática do Colégio Romano, não teve a mesma interpretação que Galileu quanto à

superfície irregular da Lua. Embora Clavius tivesse confirmado as observações de Galileu, ele

divergia de suas interpretações para os fatos observados. “Em especial, Clavius ainda estava

A21

fortemente ligado às idéias de Aristóteles e não conseguia aceitar que a Lua tivesse relevo

irregular. Em vez disso supunha que sua superfície era lisa e tinha regiões de densidade

variada” (MACLACHLAN, 2008, p.54).

Outro exemplo simples é o dos trabalhos de investigação das ondas eletromagnéticas

realizado por Heinrich Hertz, em 1888. Se ele estivesse totalmente livre de preconceitos ao

fazer suas observações, então seria obrigado a:

“[...] registrar não apenas as leituras nos vários medidores, a

presença ou ausência de faíscas nos vários locais críticos nos circuitos

elétricos, as dimensões do circuito etc., mas também a cor dos

medidores, as dimensões do laboratório, a meteorologia, o tamanho de

seus sapatos e todo um elenco de detalhes “claramente irrelevantes”,

isto é, irrelevantes para o tipo de teoria na qual Hertz estava interessado

e que estava testando” (CHALMERS, 2001).

Um dos motivos pelo qual a concepção empirista-indutivista parece ter ficado tão

profundamente arraigada à investigação científica é que os cientistas a utilizaram como critério

de demarcação entre Ciência e não Ciência. Criou-se o mito de que o conhecimento científico

derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e confiável porque é provado.

Conforme vimos, o uso da palavra “provado” não é muito apropriada, pois, logicamente, não há

como comprovarmos a validade universal de nenhum enunciado, seja por indução ou pelo uso

da razão.

Sendo assim o que nos resta é o que chamamos de “princípios de impotência”

epistemológicos que, conforme mencionado no capitulo I, são parâmetros muito importantes

para se ter uma noção menos ingênuas do trabalho científico (MARTINS, 1999).

Ao percebermos que as leis físicas de conservação são princípios de impotência, fica

muito mais simples de se perceber a importância dos princípios de impotência epistemológicos.

Relembrando os princípios de impotência epistemológicos, temos que:

1. O ser humano não possui a capacidade de reconhecer, intuitivamente a verdade;

2. É impossível se construir uma Ciência puramente dedutiva;

3. A indução não tem justificativa lógica.

Não há no homem nenhum sentido que garanta a este o conhecimento da verdade ou o

reconhecimento da falsidade de uma proposição. Assim como não há, segundo Hume,

nenhuma base filosófica que apóie generalizações a partir de uma série de observações.

Podemos citar como uma confusão resultante das idéias ingênuas da ciência, o “rótulo”

empirista que muitos livros trazem do trabalho de Galileu.

Ele se colocou claramente contra o caráter da filosofia Aristotélica vigente à sua época

A22

propondo uma pesquisa científica baseada em experimentações e em formulações

matemáticas para descrever suas idéias. Apesar disso, ele não baseava seu trabalho nos

moldes experimentais de Bacon, que foi seu contemporâneo, assim como Descartes. Galileu:

“Não acreditava que a natureza seria revelada ao homem

exclusivamente por meio de exaustivas experiências. Seu modo de

estudá-la era um pouco mais complexo. Ao pensar em realizar

experimentos, Galileu não desejava simplesmente coletar dados.

Procurava também analisar o fenômeno estudado de forma a elaborar

uma analise quantitativa que mostrasse relações matemáticas entre as

diferentes grandezas escolhidas para a investigação” (BRAGA et al,

2004).

Sendo assim, Galileu desenvolveu uma metodologia completamente diferente de Bacon e de

Descartes, uma vez que não se baseou apenas na experimentação ou na razão, mas em

ambas.

A23

CAPÍTULO IV

DO MECANICISMO AO CIENTIFICISMO

Desde os antigos gregos até Newton, a busca da filosofia natural era alcançar a

compreensão sobre a verdade última da Natureza. Neste intuito, os filósofos tinham como

questão principal a ser respondida: como tornar possível ao homem alcançar a verdade?

Em busca desse propósito trabalharam, dentre muitos outros filósofos da Natureza:

Bacon, Descartes, Galileu e o próprio Isaac Newton (1642–1727). Todos desenvolveram

maneiras ou metodologias para descortinar os princípios intrínsecos da Natureza.

Bacon e Descartes desenvolveram filosofias que restringiam o trabalho de pesquisa a um

único e fundamental princípio, respectivamente, o empirismo e o racionalismo. Já os trabalhos

de Galileu e Newton apresentam maneiras diferenciadas de investigar e compreender esta

mesma Natureza.

Galileu, como já foi mencionado no capítulo anterior, Não era um empirista como Bacon e

nem um racionalista como Descartes. Ele acreditava que estas ideologias filosóficas

isoladamente não eram capazes de realizar o intento da ciência.

Assim como Galileu, Newton baseou seu trabalho tanto na coleta de dados, quanto na

análise racional do fenômeno, procurando elaborar relações matemáticas entre as diferentes

grandezas escolhidas para a investigação.

Os Principia20 (1687) possuem um caráter mais teórico-matemático com características

bem mais racionalistas que em sua outra grande obra intitulada Óptica (1704). Nessa obra

percebemos um Newton mais experimental e bem menos matemático (BRAGA et al, 2004).

Nos Principia, Newton estabelece um novo método de trabalho por meio das “Regras de

Raciocínio em Filosofia”, estabelecendo parâmetros para que o trabalho de investigação da

natureza se mostre frutífero e confiável. As regras são:

• Não se devem atribuir à natureza mais causas do que as que sejam verdadeiras e

bastem para explicá-la21;

• Os efeitos naturais de mesma espécie têm as mesmas causas;

• As qualidades corporais que se verificam dentro da nossa experiência devem ser

julgadas como qualidades universais aplicáveis a todos e quaisquer corpos;

• Proposições que se baseiam em experiências devem prevalecer sobre aquelas que não

20 Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. Escrito em latim por Newton, por isto chamamos apenas de Principia. 21 Percebemos aqui o princípio de parcimônia que já encontramos no Século XIV em William de Ockha (1285–1347), Monge Franciscano, filósofo da lógica e teólogo escolástico inglês. Este princípio é conhecido como princípio de Ockhan ou Navalha de Ockhan que afirma que “Dentre duas hipóteses distintas que explicam bem um mesmo fenômeno devemos escolher sempre a mais simples.”.

A24

Immanuel Kant (1724–1804)

Filósofo alemão considerado

como o último grande filósofo

do princípio da era moderna,

indiscutivelmente um dos

seus pensadores mais

influentes.

Realizou numerosos trabalhos sobre ciência.

Operou, na epistemologia, uma síntese entre o

Racionalismo continental de René Descartes e a

tradição empírica inglesa de Francis Bacon e

David Hume.

se basearam.

Estas regras são tão importantes quantos as suas quatro leis da Física clássica (as três

leis da mecânica mais a lei de gravitação universal) e que tem servido de parâmetro para o

estabelecimento de metodologias de investigação em diversas ciências.

A sua obra influenciou decisivamente gerações de filósofos e cientistas que se seguiram

dando o arcabouço teórico que faltava ao conhecimento de filosofia natural de sua época. O

grande sucesso de suas teoria fez crescer ainda mais a certeza no poder da razão humana,

que já vinha se desenvolvendo desde o início da Idade Moderna.

A culminância dessa nova maneira de ver o homem e sua relação com ele mesmo e com

a natureza aconteceu no Século XVIII, que ficou conhecido como o Século das Luzes ou

Iluminismo.

A marca característica do Iluminismo é a vitória da razão sobre os dogmas religiosos que

limitavam o conhecimento humano. O racionalismo e o empirismo dão o substrato filosófico

dessa reflexão. A justificativa do poder da razão veio das idéias claras e distintas de Descartes

e a valorização da experimentação foi levantada por Bacon, Galileu e Newton entre outros.

Essas duas concepções foram capazes de dar aos pensadores desta época a “certeza” de que

é possível ao homem conhecer.

Mas nem tudo eram Luzes, o problema do indutivismo colocado por Hume, fez com que

um dos filósofos mais importantes do Iluminismo, Immanuel Kant (1724-1804), ficasse

profundamente inquieto. Ele considerava as ponderações de Hume irrefutáveis, porém não as

podia aceitava.

IMMANUEL KANT

Por volta de 1770, com 46 anos, Kant

leu a obra de David Hume. Ficou tão

intrigado com as argumentações dele que,

durante 10 anos não publicou nada. Mas,

em 1781, apresentou a solução de sua

dúvida na obra "Crítica da Razão Pura", um

dos livros mais importantes e influentes da

moderna filosofia.

O trabalho filosófico de Kant foi

influenciado pelo racionalismo francês

(Descartes), pelo empirismo inglês (Francis

Bacon e David Hume) e pela ciência físico-

matemática de Isaac Newton. As questões

que preocupavam Kant eram a dicotomia

criada entre o racionalismo e o empirismo, que disputavam o título de única maneira confiável

A25

de se alcançar a verdade sobre a natureza e o ceticismo criado por Hume quanto à capacidade

de conhecer do homem.

Perceberemos que, a partir de Kant, o foco do trabalho dos filósofos da ciência, deixou de

ser a busca do melhor “método” para se alcançar o conhecimento. Eles passaram a se

preocupar com o próprio conhecimento. Suas questões mais fundamentais passam a ser: “Qual

o verdadeiro valor do conhecimento? O que é conhecimento?”. A própria idéia de conhecer a

verdade última dos fenômenos, nutrida pelos filósofos da natureza desde a Grécia antiga,

também cai por terra com Kant.

Para Kant, nenhum conhecimento precede a experiência, mas nem por isso todo ele se

origina da experiência. O nosso conhecimento é um composto daquilo que recebemos por

impressões e daquilo que temos em nossa própria faculdade de conhecimento. Tanto os

sentidos como a razão fazem parte do processo de investigação e, portanto, não há sentido na

experiência sensível sem conhecimento a priori.

Kant antecipou um tema recorrente entre os filósofos da ciência do século XX: qualquer

experimento é antecedido por pressupostos; o cientista está sempre armado com teorias.

"Todo o nosso conhecimento é impregnado de teoria, inclusive nossas observações" (Popper,

1975, p. 75).

Para Kant existem juízos analíticos, que são os conhecimentos que temos a priori, antes

mesmo da experiência sensível e que não se alteram após a experiência. A idéia de tempo e

de espaço são exemplos de juízos analíticos.

Exemplo: Os corpos são extensos; O conceito de extensão já faz parte do conceito de

corpo, portanto, é um juízo analítico.

Para ele a própria geometria euclidiana também representava um conhecimento direto

sendo, portanto, a priori ou juízo analítico (DAHMEN, 2006).

É nos juízos analíticos de espaço, tempo e na geometria euclidiana que Kant se apoiava

para, sobre estes parâmetros, estruturar os conhecimentos adquiridos pela experiência,

denominados juízos sintéticos.

Exemplo: Os corpos têm peso; o conceito de peso não está contido no de corpo.

Concluindo, todo juízo analítico é a priori e todo juízo sintético é a posteriori.

Kant acreditava que não é possível para o homem compreender a realidade por trás dos

fenômenos, a coisa-em-si (noumenon). Apenas é dado ao homem condições de perceber o

que os fenômenos mostram, a coisa-para-nós. Ao pensar desta forma ele estava concordando

com Hume no que tange ao problema de não termos a capacidade de induzir leis gerais de

experiências sensíveis pontuais. Porém, ao afirmar que o conhecimento é obtido através da

elaboração racional do homem, concordava com o racionalismo. O conhecimento nasce com a

experiência, porém é formatado pela razão humana.

A26

Seguido este raciocínio, conclui-se que ao observarmos um fenômeno, o que nos chega

aos nossos sentidos não é um retrato fiel da realidade, mas apenas o que nossa razão é capaz

de interpretar, dentro das formas da sensibilidade que são o tempo e o espaço. Sendo assim,

não é dado ao homem condições de conhecer a tão procurada verdade última por trás dos

fenômenos naturais.

Notas de aula (Braga, 2007)

Fig. 6 : Esquema simplificado da visão de Kant sobre a aquisição de conhecimento.

No diagrama da Fig. 6 observamos o nomenon ou a-coisa-em-si, o conhecimento

intangível ao homem, a natureza como ela é realmente. Esta natureza se apresenta aos

nossos sentidos e é interpretada de acordo com os nossas formas da sensibilidade. De posse

dessas observações e interpretações formulamos nossos conceitos e princípios donde criamos

a-coisa-para-nós, ou seja, concluímos o que é aquele fenômeno e a que classificações do

conhecimento o enquadramos.

Fazendo uma analogia simples, para Kant, a razão age como um óculos de lente

vermelha que nos faz ver os objetos com coloração avermelhada. Ao tentarmos interpretar o

que vemos, iremos dizer que os objetos são vermelhos, a coisa-para-nós. Porém eles não o

são, mas o que eles são, a coisa-em-si, não nos é possível perceber.

Dessa forma, podemos pensar em Kant como um filósofo relativista na medida em que

este não se debruça sobre idéias absolutas e imutáveis do conhecimento, mas sim em

conceitos adquiridos na experiência sensível de uma realidade em constante transformação.

Nessa categoria colocamos também o empirismo de Hume, uma vez que suas idéias sobre a

indução é que influenciaram Kant em seu Criticismo lógico.

Com isso chegamos ao Século XIX, período marcado por um desenvolvimento técnico e

científico nunca visto antes.

No século anterior, a certeza de que a razão iria levar a humanidade à superação de seus

problemas e ao desenvolvimento dominava o mundo acadêmico. No Século XIX, esta fé na

capacidade humana toma as ruas e domina a sociedade.

A27

Isidore Auguste Marie

François Xavier

Comte (1798–1857) filósofo

francês, propositor da

Sociologia e o fundador do

Positivismo.

Seu interesse pelas ciências

naturais era conjugado pelas questões históricas e

sociais. Ele pensou a ciência de forma objetiva,

clara e livre de qualquer subjetividade ou idéia que

não fosse passível de comprovação experimental.

A revolução industrial ocorrida no Século XVIII foi marcada pelo desenvolvimento técnico

do homem em dominar os fenômenos térmicos em seu proveito. Este domínio ocorreu de

maneira puramente empírica, todo o conhecimento teórico sobre o funcionamento das

máquinas térmicas só veio a ocorrer 100 anos depois do início da mesma.

Já o século XIX é marcado por uma inversão total nesta ordem de acontecimentos. Este é

um período de grande fertilidade científica e, como a indústria era a grande alavanca de

crescimento, o desenvolvimento dos modelos teóricos para as maquinas térmicas e as grandes

descobertas ocorridas no campo da eletricidade e do magnetismo, rapidamente se revertiam

em melhorias técnicas e novos equipamentos para a indústria.

Apenas um ano após Michael Faraday (1791-1867) apresentar sua teoria da indução

eletromagnética à Royal Institution, os primeiros motores elétricos já eram fabricados.

É neste meio que surge outro pensador que marcaria fortemente o pensamento ocidental.

AUGUSTE COMTE

Desde o Século XVII que os filósofos

imaginavam uma ciência livre de

explicações que envolvessem causas ou

agentes ocultos, impossíveis de serem

experimentalmente testados. Um dos

primeiros filósofos naturais a se preocupar

com essas questões foi Newton, que

afirmava não tecer hipóteses que não

fossem comprovadas pela experimentação.

Os filósofos iluministas tomaram posse

dessa idéia e a transformaram em

“bandeira” ideológica para as ciências.

Nesse período, a fé na razão e no conhecimento científico era tão grande que se desenvolveu

o que ficou conhecido como cientificismo, concepção segundo a qual a ciência é a única capaz

de fornecer conhecimento legitimo e o seu “método” o único capaz de possibilitar a obtenção

desse conhecimento.

Mas ainda faltava uma reflexão filosófica mais elaborada. Foi nesse sentido que Auguste

Comte, na primeira metade do Século XIX, desenvolveu uma filosofia que abordava

fundamentalmente este aspecto da ciência. No Curso de Filosofia Positiva, série de 6 volumes

de livros escritos entre1830 e 1842, Comte desenvolveu a filosofia positivista.

A28

O termo positivo designa o real em oposição ao ilusório, a certeza em oposição à

indecisão, ou seja, aquilo que se opõe ao modo teológico ou metafísico22 de explicar o mundo.

Segundo o positivismo o espírito humano deve reconhecer a impossibilidade de obter

noções absolutas, renunciando a procura da origem e o destino do universo ou a conhecer as

causas íntimas dos fenômenos e preocupar-se unicamente em descobrir suas leis e suas

relações invariáveis e semelhanças sucessivas entre eventos particulares. O positivismo

retoma o trabalho desenvolvido pelos empiristas do século XVII. Admite a critica feita por Kant

ao uso da metafísica nas explicações cientificas, no século XVIII, e leva às últimas

conseqüências o papel reservado à razão na busca das leis invariáveis que regem os

fenômenos. E, nesse ponto, torna o determinismo científico23 uma das questões decisivas para

a legitimidade de uma teoria ou proposição da ciência.

Para Comte, a ciência deveria zelar e garantir a marcha progressiva da sociedade. O

progresso humano dependeria diretamente da questão de ordem e de sistematização dos

saberes.

É curioso perceber que, mesmo sendo influenciado pelo pensamento iluminista, a sua

idéia de ordem e progresso pode ser considerada como uma reação conservadora a revolução

francesa, onde o lema era liberdade, igualdade e fraternidade.

Partindo da percepção histórica do progresso humano, Comte formulou a Lei dos Três

Estados. Observando a evolução das concepções intelectuais da humanidade, percebeu que

esta evolução passa por três estados teóricos diferentes: o estado 'teológico', o estado

'metafísico' ou 'abstrato' e o estado 'positivo', onde:

• No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, deuses;

• No segundo, já se encontra o uso da razão, mas ainda há a presença do sobrenatural

nos fundamentos das explicações científicas, metafísica;

• No terceiro, os fatos são explicados segundo leis gerais de ordem inteiramente positiva

sem o uso de idéias que não sejam comprovadas através da experiência.

Nesse período histórico, vivia-se uma época de classificações e especializações no

conhecimento humano. Comte idealizou então, para o conhecimento humano, a existência de

apenas seis áreas da ciência e determinou que cada uma delas, como eram criações

humanas, estavam sujeitas as três etapas da evolução.

De maneira ordenada, indo da menos complexa para a de maior complexidade temos: a

Matemática, a Astronomia, a Física, a Química, a Biologia e a Sociologia.

22 O filósofo Andrônico de Rodes (~ 130 - 60 a.C.) que ao organizar os escritos de Aristóteles (65 a.C.), o fez de forma que, espacialmente, aqueles que tratavam de temas relacionados à Física (Physis) viessem antes dos outros temas relacionados à ética e à política, entre outros semelhantes. Assim, eles vinham além da física (Meta = depois, além). Neste sentido, a metafísica é algo intocável, que só existe no mundo das idéias sem existência real no mundo físico. Aristóteles mesmo nunca utilizou esta palavra. 23 Um dos critérios de avaliar a validade de uma teoria é a capacidade de prever novos fenômenos ou novos aspectos relacionados a esta teoria.

A29

Notas de aula (Braga, 2007)

Fig. 7: Diagrama de aumento do grau de complexidade das Ciências, segundo Comte.

Observemos a Fig. 7. Para Comte, quanto mais complexa a área da ciência menos ela

está ligada a deduções lógicas para seu desenvolvimento e mais necessita da indução para o

seu avanço. Dessa forma a matemática seria a ciência menos complexa, por ser puramente

dedutiva, já a sociologia representa a mais complexa das ciências, uma vez que trabalha com o

intricado mundo do próprio ser humano e suas relações interpessoais.

Tomando como exemplo a Física, temos o período teológico marcado pela determinação

do deus Sol, deus Lua etc. na explicação dos fenômenos naturais. O estágio metafísico é bem

representado pela ciência grega, onde as explicações dos fenômenos eram dadas pelos

elementos da natureza e por tendências naturais dos corpos de irem a seu lugar natural, teoria

aristotélica dos movimentos naturais (reveja o capítulo 2).

A etapa positiva da Física se iniciou com o espírito de pesquisa de Galileu. Galileu não se

ocupou de explicações infrutíferas da origem dos fenômenos, se atendo apenas em explicar o

seu funcionamento, as leis que regem tais eventos.

Podemos perceber claramente a influência positivista em nossa maneira de pensar e agir

ainda hoje. A própria forma com que somos educados é uma maneira positivista de ver a

educação das ciências. O modo linearmente ordenado e progressivo com que são

apresentados os conhecimentos, eliminando os percalços históricos e filosóficos do

desenvolvimento cientifico, a eliminação de quaisquer idéias subjetivas nas elaborações das

teorias e a idéia de uma ciência neutra política e socialmente são exemplos da herança

positivista no ensino de ciências.

Diferentemente das ciências humanas, os alunos de áreas cientificas podem formar-se e

trabalhar com ciências sem nunca ter lido uma só linha de um livro escrito pelos fundadores de

tal ciência. Quantos alunos de graduação em Física já leram alguma coisa escrita pelo próprio

Newton ou por quaisquer outros cientistas?

Estudamos em livros didáticos preparados especialmente para que não tenhamos

conhecimento de todos os erros cometidos, de todas as incertezas, e da utilização de conceitos

A30

metafísicos por estes cientistas. Perpetua-se, assim, a idéia ingênua de que a ciência é

objetiva, imparcial e livre de idéias de caráter não racional.

Uma rápida analise histórica da vida desses cientistas nos mostra claramente que o

trabalho da ciência é cheio de altos e baixos, de abstrações, erros, acertos e, sim, de idéias

inventivas e criativas, nem sempre fáceis de serem comprovadas experimentalmente.

A31

CAPÍTULO V

A CIÊNCIA NA VIRADA DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX

No Século XIX o conhecimento científico-tecnológico desenvolveu-se com uma

abrangência e velocidade nunca antes vista. É nesse século que a Ciência desenvolvida por

Galileu, Descartes e Newton se consolida e atingem o seu auge. Se os séculos XVII e XVIII

foram os séculos do desenvolvimento da mecânica, a ponto da natureza ser imaginada como

uma máquina, o Século XIX foi o século do eletromagnetismo.

Graças aos trabalhos do dinamarquês Hans Christian Ørsted (1777-1851), do francês

André-Marie Ampère (1775-1836) e, principalmente, dos britânicos Michael Faraday (1791-

1867) e James Clerk Maxwell (1831-1879) a luz, a eletricidade e o magnetismo foram

unificados na teoria eletromagnética, o que levou o desenvolvimento tecnológico a níveis

impensáveis no período da primeira revolução industrial. É nesse momento histórico que nasce

o conceito de campo (elétrico, magnético, eletromagnético) que encontrou forte resistência

entre aqueles que defendiam a ação à distância.

As áreas da Física também apresentaram descobertas e desenvolvimentos

extraordinários. A questão da natureza intrínseca da matéria era um dos temas que mais

intrigavam os físicos do final do Século XIX. Curiosamente, após tantas discussões filosóficas a

respeito de não se buscar as causas últimas das coisas e sim se ater à descrição de como o

mundo funciona, os físicos desse século voltam a fazer às mesmas perguntas que os antigos

gregos se faziam.

Nessa tentativa de descobrir a natureza da matéria, muitos trabalhos foram realizados. O

alemão Wilhelm Roentgen (1845-1923), investigando os raios catódicos, anunciou, em 1895, a

descoberta de uma nova radiação, que denominou raios X, o francês Henri Becquerel (1852-

1908) descobridor do fenômeno da radiatividade, 1896. Outros feitos importantes foram à

descoberta do elétron pelo inglês Joseph John Thomson (1856-1940) em 1897.

A crença na Ciência, ao final do Século XIX era tão grande que permitiu ao renomado

físico britânico William Thompson, Lorde Kelvin (1824-1907), afirmar que quase todas as

questões já haviam sido respondidas, apenas algumas “nuvens” pairavam no céu da Física.

Na realidade, havia mais problemas a serem resolvidos do que a fé pretensiosa do Lorde

Kelvin permitia aceitar. As grandes dúvidas existentes ao final do século XIX e início do século

XX estavam relacionadas: à estrutura da matéria, à radiação (onda ou partícula), ao efeito

fotoelétrico, à interação entre matéria e radiação, à questão da luminescência, e ao espectro de

emissão luminosa (MARTINS, 2001).

A32

No final do século XIX, o estudo de alguns desses problemas e as tentativas de continuar

a unificar a Física desencadearam novos campos de pesquisa, como a Física Relativística e

Física Quântica.

“O primeiro passo no desenvolvimento da teoria quântica foi dado

por Max Planck, há cem anos - mais exatamente, em 1900. Nos

primeiros anos do Século XX, a teoria quântica começou a resolver

diversos problemas: a radiação do corpo negro foi explicada por

Planck; Einstein utilizou a teoria quântica para explicar o efeito

fotoelétrico e o calor específico dos sólidos; e Bohr desenvolveu um

modelo atômico quântico que explicou o espectro descontínuo emitido

pelos átomos. Mas esses primeiros passos eram apenas um início.

Apenas na década de 1920 a teoria quântica se transformou na

Mecânica Quântica, com uma compreensão mais profunda da

dualidade onda-partícula, graças a De Broglie, Schrödinger,

Heisemberg, Bohr e outros. A teoria quântica nos permitiu

compreender muitos fenômenos importantes, como a estrutura de

átomos e moléculas (que forma a base de toda a química), a estrutura

de sólidos e suas propriedades, a emissão e absorção de radiações.

Apenas através da teoria quântica podemos compreender alguns dos

mais importantes fenômenos da Física” (MARTINS, 2001).

Ambos as campos de pesquisa surgidos dessas “nuvens” de dúvidas do final do século

XIX, foram responsáveis por uma verdadeira revolução científica e filosófica que mudaria toda

a visão de mundo das gerações seguintes.

A idéia da relativização do tempo e do espaço com relação a velocidade de

deslocamento, a descontinuidade da matéria, a desconstrução das certezas na visão de uma

Ciência probabilística influenciaram, além do meio científico, a filosofia e as artes.

EINSTEIN E A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA EM SUA OBRA

O relacionamento de Albert Einstein (1879-1955) com a filosofia já é bem conhecido e

está relatado em inúmeros trabalhos (KARAM, 2006; DAHMEN, 2006; LUIZ O.Q. PEDUZZI,

2008). Já aos 16 anos ele havia lido as três principais obras de Kant. Na universidade, leu os

principais trabalhos de Mach (1838-1916), Schopenhouer (1788-1860) entre outros. Depois da

graduação, montou com dois amigos a “Academia Olympia”, um pequeno “círculo” de estudos

e debates científico-filosóficos em que eram discutidas as obras de Hume, Mach, Pearson

(1857-1936) e Poincaré (1854-1912) além de diversos temas contemporâneos que os

interessavam (KARAM, 2006).

A33

Ernst Mach (1838-1916)

físico e filósofo austríaco. De

1864 a 1867 foi professor de

matemática em Graz. Depois

(1867-95) lecionou física na

Universidade de Praga.

Suas obras filosóficas e científicas exerceram

profunda influência no pensamento do Séc. XX.

Mach defendeu uma concepção positivista onde

nenhuma proposição das Ciências naturais é

admissível se não for verificável empiricamente.

Estas discussões filosóficas influenciaram o jovem Einstein na elaboração de seus artigos

de 1905. A influência empirista é muito marcante no trabalho de Einstein, levando-o a rejeitar a

existência do Éter, uma substância que a tudo permeia e que seria responsável pela

propagação das ondas eletromagnéticas. Essa substância apresentava uma característica

muito peculiar e se mostrava como um elemento metafísico para aqueles que se esforçavam

em expurgar da ciência tais idéias sem comprovação empírica.

Encontramos em textos escritos por

Einstein uma grande importância dada às

obras de Hume e Mach. Hume o influenciou

fortemente com a questão da causalidade

onde, empiricamente, experimentamos os

efeitos ou fenômenos, mas não as leis que

descrevemos como causas desses

fenômenos. Já Ernst Mach, ao afirmar que

um cientista não deve tentar explicar o

mundo, mas apenas descrevê-lo e que todo

conhecimento científico é constituído de

abstrações construídas pelos cientistas,

baseadas em suas percepções sensoriais. A

obra de 1905 de Einstein está muito claramente ligada às idéias desses dois pensadores. Ao

descrever os fenômenos da luz fazendo uso da idéia da constância da sua velocidade, que era

algo impensável em termos de postulado na época, Einstein acolhe as críticas de Mach sobre a

livre abstração na criação das teorias, aceitando apenas a utilização de conceitos possíveis de

serem observados.

Em sua maturidade Einstein começa a apresentar uma postura de ruptura com o

Empirismo. É possível fazer a diferenciação filosófica de suas primeiras obras, onde assume o

empirismo positivista como ideologia de trabalho e abandonando especulações inobserváveis,

com seus últimos trabalhos.

“[...] Já foi sugerido que a negação clara do empirismo por

Einstein foi uma reação psicológica às pesadas críticas à relatividade

escritas por Mach e publicadas após a sua morte” (MARTINS, 1981, p.

106, tradução nossa).

O próprio Einstein tece criticas a aspectos da filosofia de Mach que em sua juventude

aceitava como inspiradores. Em uma carta escrita a seu amigo Michel Besso ele aponta sua

opinião quanto ao principal erro de Mach:

A34

“Mach defendeu que todos os conceitos, mesmo os mais

fundamentais, só poderiam existir se viessem de nosso conhecimento

empírico, ou seja, eles nunca seriam logicamente necessários... Eu

vejo um erro neste ponto de vista, uma vez que ele crê que a Ciência é

uma mera ordenação de material empírico; dessa forma, ele não

reconhece a liberdade presente na construção e formação dos

conceitos científicos. Mach acredita que estes sejam descobertos e não

inventados. Ele foi tão longe que chegou a considerar as “sensações”

não apenas como material a ser investigado, mas como se elas

mesmas fossem os tijolos do mundo real; dessa forma ele acreditou

que poderia superar a diferença entre Física e Psicologia. Se ele fosse

até às últimas conseqüências de seu pensamento, deveria não só

rejeitar o atomismo como a própria idéia de realidade física”

(EINSTEIN, 1948, apud KARAM, 2006, p. 4).

Também tece criticas a David Hume afirmando:

“Aquilo que vou dizer torna-se então mais claro: Hume, por sua

crítica lúcida, possibilita um progresso decisivo da filosofia. Mas causa,

sem responsabilidade de sua parte, um real perigo, porque esta crítica

suscita um “medo da metafísica” errado, por realçar um vício da

filosofia empírica contemporânea. Este vício corresponde ao outro

extremo da filosofia nebulosa da antiguidade, quando ela pretendia

poder dispensar os dados sensíveis, ou até mesmo desprezá-los”

(EINSTEIN, 1998, p. 47).

Einstein também critica o racionalismo de Platão e o de Descartes e afirma que é na

filosofia de Kant que identifica um nítido progresso para resolver o clássico embate entre

racionalismo e empirismo. Apesar dessas considerações, ele também apresenta suas críticas à

filosofia kantiana.

Para Einstein, transformar conceitos do campo empírico em conceitos necessários cria o

risco de dar a eles uma existência independente e a ilusão de que devem ser vistos como

imutáveis, o que pode vir a representar um sério perigo para o progresso da Ciência.

Com o advento da teoria da relatividade, a epistemologia de Kant recebeu um forte golpe.

As bases da estruturação do conhecimento de Kant, conhecimentos a priori ou juízos analíticos

deixam de ser conhecimentos universais e se mostram como características relativas ao estado

de movimento do observador.

A35

O espaço e o tempo absolutos de Newton, que formavam as bases seguras para Kant,

passam a ser um conceito unificado de espaço-tempo que se mostra relativo. Logo, ambos não

são idéias universais e não podem servir de base a priori para a compreensão do

conhecimento empírico. Além disso, o universo não mais é representado pela geometria

euclidiana, o “senso comum” não é mais capaz de interpretar as novas idéias sobre a natureza,

o que colocou em xeque as bases da filosofia kantiana.

Einstein era um realista, acreditava na existência de um mundo externo independente de

nossa percepção. Para ele, as teorias da ciência seriam livres invenções do pensamento em

que se pode chegar a uma resposta correta em meio a inúmeros modelos teóricos, mas estes

devem representar a realidade e a ela se adaptarem.

“Conceitos nada mais são que construções livres, associadas

intuitivamente a complexos de experiências sensíveis com um grau de

segurança suficiente para uma dada aplicação, de modo a não restar

dúvidas quanto à aplicabilidade ou não de uma lei para um particular

caso vivenciado (experimento)... Com esta liberdade não se vai porém

muito longe; não se trata aqui de algo semelhante a liberdade de um

romancista,mas sim muito mais a liberdade de um homem a quem foi

proposto um bem concebido jogo de palavras cruzadas. Ele pode, na

realidade, sugerir qualquer palavra como solução, mas só há uma que

realmente soluciona a charada como um todo” (EINSTEIN, 2006).

Curiosamente podemos perceber uma postura filosófica inconsistente de Einstein ao

tratar a mecânica newtoniana e a mecânica quântica (DAHMEN, 2006). Einstein, em sua crítica

à mecânica newtoniana, censura sua incapacidade de se livrar de conceitos absolutos de

espaço-tempo, crítica inicialmente lançada por Mach. Porém, em relação à mecânica quântica

ele censura, justamente, sua incapacidade de fazer previsões determinísticas.

Talvez por assumir uma posição ainda presa às idéias determinísticas tal como

imaginadas por Laplace24 (1749-1827), é que alguns autores vêem Einstein não como o

primeiro dos físicos modernos, mas como o último dos físicos clássicos.

Talvez possamos afirmar, correndo o risco de sermos levianos, que o maior legado

deixado por Einstein em termos filosóficos seja a visão relativística de tempo e espaço. A

postura assumida por Einstein no final de sua carreira nos remete a pensar se realmente

24 Seguindo a tradição mecanicista instaurada por Galileu e Newton, Laplace via na ciência de seu tempo a possibilidade de vislumbrar todas as ocorrências passadas ou futuras do universo estando de posse das suas condições iniciais apresentando uma forma extrema de causalidade mecanicista, o determinismo. Veja o box sobre “O Demônio de Laplace”.

A36

O DEMÔNIO DE LAPLACE

Experimento mental concebido pelo físico Pierre Simon Laplace que representa sua crença em

um determinismo absoluto nas leis científicas. Nesse experimento, ele imaginou um intelecto

superior, um semideus onisciente e onipresente que possui a habilidade de fazer cálculos incríveis e

têm acesso às variáveis que determinam o estado inicial do universo em um instante inicial t0.

Segundo a teoria de Laplace, esse ser, posteriormente denominado de “O Demônio de

Laplace”, seria capaz de prever o comportamento futuro e passado, os movimentos dos maiores

corpos do universo e dos menores átomos; para tal intelecto nada seria incerto. Passado e futuro

seria presente perante seus olhos.

existe um padrão de trabalho que faça com que os pensadores das diversas Ciências

alcancem o conhecimento sobre a natureza.

De certa forma, podemos fazer um paralelo da trajetória filosófica de Einstein e

Newton no que tange à irregularidade epistemológica. Guardadas as devidas diferenças,

ambos não se prenderam a uma metodologia “engessada”. Ambos se mantiveram fiéis aos

princípios científicos que particularmente acreditavam.

Nos próximos capítulos veremos que ainda há muito a se discutir sobre este assunto.

A37

Karl Raimund Popper

(1902-1994) filósofo da

ciência austríaco

naturalizado britânico. É

considerado por muitos como

o filósofo mais influente do

Século XX a tematizar a

ciência.

Foi também um filósofo social e político de

estatura considerável, um grande defensor da

democracia liberal e um oponente implacável do

totalitarismo. Ele é talvez melhor conhecido pela

sua defesa do falsificacionismo como um critério

da demarcação entre a ciência e a não-ciência, e

pela sua defesa da sociedade aberta.

CAPÍTULO VI

PRINCÍPIOS DE VERIFICABILIDADE DAS TEORIAS CIENTÍFI CAS E OS CRITÉRIOS DE DEMARCAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E NÃO-CIÊNCIA

Com o advento da teoria da relatividade de Einstein e a revolução quântica, início do

Século XX, o positivismo recebe um duro golpe e se instaura um estado de insegurança no

campo do conhecimento e a necessidade de reavaliação do conceito de ciência, dos critérios

de certeza, da relação ciência-realidade e da validade dos modelos científicos (ARANHA e

MARTINS, 1994).

Nessa tentativa de repensar a ciência, surgem pensadores que voltam seus olhares para

esse sentido, como é o caso dos participantes do Círculo de Viena. Esse grupo foi formado em

1928, tendo como principal integrante Carnap (1891-1970). A proposta central dos integrantes

do grupo era que a experiência deve ser transcrita em forma de proposições que são

verdadeiras enquanto exprimíveis e possuem significado enquanto mensuráveis. Os autores do

Circulo de Viena representam a tendência neopositivista ou do empirismo lógico.

A partir desse momento histórico-filosófico a epistemologia muda de direção indo em

busca de critérios de demarcação entre o que é científico e o que deve ser considerado não-

científico. Além da determinação de parâmetros que avaliem, dentre duas ou mais teorias

rivais, aquela que apresenta maior cientificidade.

Um autor de grande importância para a epistemologia do Século XX, e que sofreu

inicialmente grande influência de Carnap, foi Karl R. Popper.

KARL POPPER

Popper defendia que os cientistas não

deveriam se preocupar com a justificação de

suas teorias, mas com o levantamento de

possíveis refutações das mesmas. Para ele,

as teorias científicas sempre serão

conjecturas provisórias que, enquanto

resistirem às tentativas de refutação,

permanecerão apenas como as proposições

mais aceitáveis.

Ele defendia ainda que não seria

possível confirmar a veracidade de uma

teoria simplesmente pela constatação de

que suas previsões se verificaram. Uma

A38

teoria que possui experimentos que a confirmam deverá permanecer apenas como uma teoria

ainda não contrariada pelos fatos. Porém deverá ser eliminada, caso ela seja negada por

algum teste experimental ou lógico. Conforme já visto, não é possível chegar a leis e teorias

universais por deduções lógicas apenas com base em observações pontuais verdadeiras. Por

outro lado, é possível realizar deduções lógicas partindo de proposições singulares como

premissas, para chegar à falsidade de leis e teorias universais por dedução lógica.

Por exemplo, “Todos os planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do Sol” é uma

proposição científica, universal porque afirma que os planetas de fato se movem em elipses e

elimina órbitas que sejam quadradas, por exemplo. No momento que uma órbita diferente da

elíptica é observada, observação pontual, a proposição de Kepler torna-se falsa.

O valor científico de uma teoria é avaliado por Popper através de sua abrangência e pelo

grau de falsificabilidade apresentada pela mesma. Quanto mais geral for a teoria, maior o seu

poder explicativo, além disso, o fato de ser mais abrangente a torna mais facilmente refutável,

ou seja, seu valor científico aumenta. Por exemplo, ao avaliarmos as duas proposições que se

seguem, exemplo usado por A. Chalmers (2001), a proposição 2 apresenta uma amplitude de

atuação muito maior que a proposição 1, e também se apresenta muito mais facilmente

passível de ser contestada.

1) Não há vida em Marte

2) Não há vida fora do planeta terra

Ao afirmarmos que não há vida fora da Terra estamos tirando a possibilidade de vida em

qualquer outro planeta, o que torna a proposição mais abrangente que a 1. Porém, ao mesmo

tempo, a proposição é mais vulnerável. Se for detectada a vida em qualquer outro planeta que

não a Terra, esta proposição será refutada, sendo assim, a proposição 2 apresenta maior

“valor” científico que a 1.

Popper utiliza, ainda, a refutabilidade como critério de demarcação entre o que é científico

e o que não passa de especulação, ou seja, a possibilidade de refutação de uma teoria

determina sua validade como científica. O que não pode ser refutado não deve ser entendido

como proposição de valor para a ciência.

Embora não se considerasse um positivista, podemos identificá-lo claramente mais

próximo desta via de pesquisa do que da tradição metafísica ou dedutiva. Ele mesmo cunhou o

termo "Racionalismo Crítico" para descrever a sua filosofia. Esta designação é um indício da

sua forte crítica e rejeição do empirismo clássico e do indutivismo na ciência.

Para Popper a verdade última da natureza é inalcançável. No entanto devemos nos

aproximar dela por tentativas e o estado da ciência sempre será provisório, pois ela é feita por

A39

teorias que podem ser refutadas futuramente, colocando em cheque todo o conhecimento

adquirido.

CRITICAS AO FALSIFICACIONISMO

A ciência não repousa sobre um sólido leito firme de pedras. A estrutura de suas teorias

se encontra erguida sobre terreno arenoso em que fincamos estacas o mais firme que

podemos para que resistam, ao menos por algum tempo. A base empírica de uma ciência

objetiva não é, exatamente “absoluto” (CHALMERS, 2001).

Sabemos que uma teoria deve ser experimentalmente testada, porém há algo mais

envolvido no processo, algo além daquelas afirmações que constituem a própria teoria. Ela, a

experiência, terá que ser auxiliada por conhecimentos anteriores a ela, tais como leis e teorias

governando o uso de qualquer instrumento usado, por exemplo. É exatamente o fato de as

proposições de observação serem falíveis e sua aceitação apenas temporárias e aberta à

revisão, que derruba a posição falsificacionista.

“Às teorias não podem ser conclusivamente falsificadas porque as

proposições de observação que formam a base para a falsificação

podem se revelar falsas à luz de desenvolvimentos posteriores.

Falsificações conclusivas são descartadas pela falta de uma base

observacional perfeitamente segura da qual elas dependem”

(CHALMERS, 2001, p.92).

Um bom exemplo histórico, usado por Chalmers (2001), é a observação de Galileu e a

sua descrição quanto às luas de Júpiter. Os opositores de Galileu insistiam em que as

manchas que ele tinha interpretado como Luas eram aberrações atribuíveis ao funcionamento

do telescópio. Contra estas acusações ele se defendeu argumentando que, se as luas fossem

aberrações, então deveriam aparecer luas perto dos outros planetas também.

Outro exemplo, também apresentado por Chalmers (2001), diz respeito à questão das

órbitas da Lua e posteriormente a de Mercúrio.

“Nos primeiros anos de sua vida, a teoria gravitacional de Newton

foi falsificada por observações da órbita lunar. Levou quase cinqüenta

anos para que essa falsificação fosse desviada para outras causas que

não a teoria. Mais tarde em sua vida, a mesma teoria foi tida como

inconsistente com os detalhes da órbita do planeta Mercúrio, embora

os cientistas não abandonassem a teoria por essa razão. Concluiu-se

que nunca foi possível explicar essa falsificação de um modo que

protegesse a teoria de Newton” (CHALMERS, 2001, p.97 e 98).

A40

Thomas Samuel Kuhn

(1922-1996) físico

Americano cujo trabalho

tornando-se um marco

importante no estudo do

processo que leva ao

desenvolvimento científico.

Formou-se em Física em 1943, em Harvard.

Recebeu desta mesma instituição o grau de

Mestre em 1946 e o grau de Doutor em 1949,

ambos na área de Física. Após o Doutoramento

lecionou uma disciplina de Ciências para alunos

de Ciências Humanas em Harvard, disciplina que

o obrigou a familiarizar-se com História da

Ciência. Este fato o levou a se interessar pela

historia e pela filosofia da ciência.

Uma teoria não pode ser conclusivamente falsificada, porque há possibilidade de que

alguma parte da complexa situação do teste seja responsável por uma previsão errada e não a

teoria em teste (CHALMERS, 2001).

THOMAS KUHN

Segundo Kuhn, a ciência se

desenvolve percorrendo determinadas

fases. A primeira representa o

estabelecimento de um paradigma25, uma

teoria que se mostrar eficiente e abrangente

o suficiente para responder o maior número

de questões possíveis sobre os fenômenos

estudados. Seria nada mais que uma

“macroteoria” aceita de forma geral por toda

a comunidade científica, ou grande parte

dela, e a partir do qual se realiza a atividade

científica, onde o objetivo seria ampliar esta

teoria ao máximo possível.

A segunda fase é o estado de ciência

normal, em que o paradigma vigente é bem

sucedido em todos os casos em que é

solicitado. Podem ocorrer pequenas falhas em alguns casos, o que Kuhn chama de anomalias

que, porém, não comprometem o paradigma.

A fase de crise é aquele em que problemas sérios, ou uma grande quantidade de

anomalias, compromete a credibilidade da teoria/paradigma. Nessa etapa é que, a comunidade

científica envolvida no paradigma, em geral, tenta de todas as formas salvar tal teoria.

A última fase representa a etapa de quebra do paradigma vigente, o que Kuhn chamou de

revolução científica, onde se estabelece uma nova teoria mais abrangente capaz de responder

às questões antigas e àquelas que a anterior havia falhado, ou seja, estabelece-se um novo

paradigma. Em geral, a nova teoria nasce de indivíduos ou grupos que não compartilham

diretamente da comunidade científica do paradigma que está em decadência.

Dentro da idéia de paradigma e ciência normal de Kuhn, a passagem do paradigma

newtoniano para o einsteniano pode ser tomada como exemplo. Einstein se encontrava fora da

comunidade acadêmica quando estabeleceu sua teoria revolucionária.

25 Podemos tomar como referências de paradigmas científicos, a Mecânica Newtoniana, a Relatividade de Einstein e a teoria quântica.

A41

Para Kuhn existe uma "incomensurabilidade" entre os paradigmas. A natureza diversa de

cada paradigma os faz incompreensíveis mutuamente se tentarmos entender a segunda em

termos da primeira. Não se pode entender plenamente a Mecânica einsteniana se nos

mantivermos presos ao tempo e espaço absolutos da teoria de Newton.

Segundo ele a ciência não é apenas um jogo entre razão e experiências sensíveis.

Existem questões sociais e ideológicas, há diálogo, debate, tensões e lutas entre os

defensores de distintos paradigmas. As mencionadas revoluções, como o nome já nos faz

imaginar, não ocorrem pacificamente, pois a aceitação de um novo paradigma em substituição

ao anterior é muito difícil e demorada.

Tal fato demonstra que os cientistas não são só racionais, objetivos, pois nem a eles é

possível afastar-se de todos os paradigmas e compará-los de forma objetiva. Tais cientistas

sempre estão imersos em um paradigma e interpretam o mundo conforme os princípios do

mesmo.

Thomas S. Kuhn percebeu que o estudo das ciências estava atrelado a uma perspectiva

formalista, que apenas levava em conta a lógica do desenvolvimento científico.

Havia uma outra perspectiva, a historicista em que a ciência é entendida como uma

atividade concreta que se dá ao longo do tempo e que em cada época histórica apresenta

peculiaridades e características próprias.

Apesar de defender que a ciência se constrói historicamente, Kuhn proclamou que um

bom ensino de ciências seria aquele pautado no fortalecimento dos jovens no paradigma

vigente e no treinamento dos mesmos na resolução de problemas já solucionados pela ciência.

Ele chegou a afirmar que o ensino de Historia e Filosofia da Ciência só deveria ser ministrado

às mentes já maduras no conhecimento científico, pois ao colocar os neófitos em ciência em

contato com as controvérsias, erros, confusões e oscilações da historia científica poderia

enfraquecê-los em suas convicções.

Kuhn mencionou alguns critérios que poderiam ser usados para avaliar se uma teoria é

melhor que uma teoria rival. Eles incluem:

• Precisão de previsão, especialmente da previsão quantitativa;

• Equilíbrio entre os assuntos esotéricos (conhecidos apenas pelos especialistas) e os

cotidianos;

• Número de problemas diferentes resolvidos;

• Simplicidade, escopo e compatibilidade com outras especialidades.

Estes critérios constituem os valores da comunidade científica e representam, em última

análise, valores psicológicos ou sociológicos.

A42

CRITICAS A TEORIA KUHNIANA

Kuhn é bastante criticado em suas teorias, por contemporâneos como o próprio Popper.

Algumas das criticas direcionadas a ele dizem respeito ao caráter relativista de suas

idéias, onde os critérios demarcatórios da ciência estão atrelados a cada comunidade científica

em particular, ao caráter sociológico e psicológico da mesma.

Outra critica forte diz respeito à aparente parcimônia com que Kuhn descreve as quebras

de paradigma, sem mencionar o embate que ocorre entre a nova e a antiga teoria, até que se

estabeleça a melhor. Enquanto análise sociológica, que é básica dentro do relato de Kuhn, ele

oferece pouca coisa à guisa de teoria e não oferece qualquer sugestão de como distinguir as

formas aceitáveis e as inaceitáveis de ciência para se alcançar um consenso.

A43

Irme Lakatos (1922-1974)

filósofo da matemática e da

física, formado pela

Universidade de Debrecen

em 1944. Ele se tornou um

communista ativo durante a

Segunda Guerra Mundial.

Depois da guerra continuou seus estudos

doutorando-se na Universidade de Debrecen em

1948. A filosofia da matemática de Lakatos foi

inspirada por Hegel, pela dialética de Marx, pela

teoria do conhecimento de Karl Popper bem como

o trabalho do matemático George Polya.

CAPÍTULO VII

OS PROGRAMAS DE PESQUISA E O PLURALISMO METODOLÓGIC O

Como vimos no Capítulo V, a teoria de Popper traz a idéia de que os cientistas deveriam

eliminar imediatamente uma teoria quando provas inegáveis de refutação surgissem contra ela,

ou seja, assim que ela fosse comprovadamente negada deveria ser substituída por outra teoria

mais completa. No entanto, para Kuhn, a ciência consiste de períodos de ciência normal, em

que os cientistas trabalham seguindo um paradigma, grande teoria, buscando expandi-la ao

máximo até que, com o surgimento de dificuldades conceituais graves, é abandonada e

substituída por uma outra tão diversa desta primeira que ambas sejam mutuamente

incomensuráveis26.

IRME LAKATOS

A grande contribuição de Lakatos para

a filosofia da ciência foi a harmonização

desses dois pontos de vista contraditórios,

resolvendo o conflito entre a percepção

falsificacionista de Popper e a estrutura da

ciência revolucionária de Kuhn.

Para Lakatos, o que chamamos de

"teorias" são na verdade grupos de teorias

ligeiramente diferentes que compartilham

algumas idéias que são sua base, o que

chamou de núcleo forte. A mecânica

Newtoniana é um exemplo de núcleo forte

em que diversas outras teorias menores se

apóiam.

A esses grupos ele deu o nome de Programas de pesquisa. Os cientistas que

participaram de um programa tenderão a proteger o núcleo teórico forte, de todas as tentativas

de refutação. Eles desenvolvem, então, o chamado cinturão protetor, formado por teorias

auxiliares que protegem o núcleo forte de ataques. Dessa forma, são as teorias do cinturão

protetor que ficam sujeitas as críticas, desviando a atenção para elas e isolando o núcleo forte.

Em vez de perguntar se uma hipótese é verdadeira ou falsa, Lakatos perguntava se um

26 A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de compará-los objetivamente de maneira a concluir que um é melhor do que o outro.

A44

programa de investigação é progressivo ou degenerativo. Um programa de investigação

progressivo é marcado pela sua capacidade de crescimento, juntamente com a descoberta de

novos fatos. Um programa degenerativo de investigação é marcado pela falta de crescimento,

com estagnação teórica, o que a leva a não geração de novos fatos.

Lakatos, também, apresentou "regras metodológicas" que orientam sobre a heurística

negativa, caminhos a serem evitados no processo de investigação e sobre a heurística positiva,

instruções sobre os caminhos que os cientistas participantes devem seguir para o sucesso do

programa de pesquisa.

Se um programa de investigação se mostra degenerativo e enfrenta perigo de ser

refutado, ele pode ser substituído por outro mais progressivo. Para Lakatos, é isto que

acontece nos períodos de revolução, na epistemologia de Kuhn, porém não de maneira

imediata como este último deixa transparecer.

Da mesma forma, podemos perceber com clareza alguns pontos de semelhança das

idéias de Popper na epistemologia de Lakatos, obviamente guardadas as devidas modificações

conceituais. A idéia de refutação também existe em Lakatos, porém de forma distinta à do

falsificacionismo. Ele admite que as teorias não são abandonadas imediatamente após uma

refutação.

Na verdade, para Lakatos, a comunidade científica envolvida em um programa de

pesquisa tenta proteger ao máximo o núcleo forte do programa e não será uma simples

refutação isolada que os fará abandoná-lo. Para ele, um programa de pesquisa nunca é

abandonado pelos seus seguidores sem antes um esforço imenso para tentar salvá-lo.

Lakatos criou uma alegoria para exemplificar esta idéia:

“A história é sobre um caso imaginário de mau comportamento

planetário. Um físico da era pré-einsteiniana toma a mecânica de

Newton e sua lei da gravidade, N, como as condições iniciais aceitas, I,

e calcula, com sua ajuda, o percurso de um pequeno planeta

recentemente descoberto, p. Mas o planeta desvia-se do percurso

calculado. Por acaso, nosso físico considera que o desvio era proibido

pela teoria de Newton, e, portanto, que, uma vez estabelecido, refuta a

teoria N? Não. Ele sugere que deve haver um desconhecido planeta p’,

que perturba o percurso de p. Ele calcula a massa, órbita etc. de seu

hipotético planeta e pede então a um astrônomo experimental que teste

sua hipótese. O planeta p’ é tão pequeno que mesmo os maiores

telescópios disponíveis não podem observá-lo; o astrônomo

experimental pede uma verba de pesquisa para construir um ainda

maior. Em três anos o novo telescópio está pronto. Se o desconhecido

A45

Paul Karl Feyerabend

(1924-1994) filósofo da

ciência austríaco. Tornou-se

famoso pela sua visão

anarquista da ciência e por

sua suposta rejeição da

existência de regras

metodológicas universais.

É uma figura influente na filosofia da ciência, e

também na sociologia do conhecimento científico.

Para alguns uma grande mente da epistemologia,

para outros um perigo às convicções da ciência.

planeta p’ for descoberto será uma nova vitória para a ciência

newtoniana. Mas não é. Nosso cientista abandona a teoria de Newton

e sua idéia de um planeta perturbador? Não. Ele sugere que uma

nuvem de poeira cósmica esconde-nos o planeta. Calcula a localização

e as propriedades dessa nuvem e pede uma verba de pesquisa para

mandar um satélite testar seus cálculos. Se os instrumentos do satélite

registrarem a existência da nuvem, o resultado será visto como uma

notável vitória para a ciência newtoniana. Mas a nuvem não é

descoberta. O nosso cientista abandona a teoria de Newton, junto com

sua idéia do planeta perturbador e a idéia da nuvem que o esconde?

Não. Ele sugere que há algum campo magnético naquela região do

universo que perturbou os instrumentos do satélite. Um novo satélite é

enviado. Se o campo magnético for encontrado, os newtonianos

celebrarão uma vitória sensacional. Mas ele não é. Isto é visto como

uma refutação da Física newtoniana? Não. Uma outra engenhosa

hipótese auxiliar é proposta ou a história toda é enterrada nos valores

empoeirados de publicações periódicas e a história nunca mais será

mencionada” (Lakatos, 1974, p. 100-101).

Na alegoria criada por Lakatos, percebemos que as leis de Newton são preservadas a

todo custo e para isso criam-se diversas teorias auxiliares, que formam o cinturão protetor.

A força do programa de pesquisa é muito grande no íntimo dos cientistas que nele estão

envolvidos e abandonar velhos conceitos é algo extremamente difícil. Outro pensador que

também apresenta o trabalho científico como estando intimamente influenciado pelas

concepções arraigadas dos seus integrantes é Paul Feyerabend.

PAUL FEYERABEND

Feyerabend inicia seu trabalho com a

suposição de que historicamente não existe

um método científico universal, uma vez

que os pontos de vista científicos não

garantem conclusões completamente

confiáveis que surjam de um método

universal. A idéia de uma metodologia

rígida a ser seguida, limita as atividades

dos cientistas e dessa maneira restringe o

progresso científico.

A46

Para ele o sucesso dos cientistas está tradicionalmente envolvido com elementos não-

científicos, tais como inspiração que tem como ponto de partida pensamentos míticos ou fontes

religiosas.

Feyerabend defendeu ser a ciência uma atividade humana anárquica em sua essência.

Não há uma única regra metodológica que, mesmo coerente e bem fundamentada

epistemologicamente, não tenha sido quebrada em algum momento da História da Ciência.

Essas violações são necessárias para o progresso da Ciência. Os grandes saltos que se

verificam na história da Física só aconteceram porque alguém decidiu transgredir regras

metodológicas (MASSONI, 2005).

Ele defende o que chamou de “anarquismo epistemológico” como a oposição a um

princípio único, absoluto e fechado para o trabalho científico, se colocando contrário a tradições

rígidas que determinam padrões universais de validade para as teorias científicas. Para ele, a

única abordagem que não inibe o progresso é “tudo vale”. Esta expressão determina sua

postura de concordância com uma metodologia pluralista onde o cientista em operação decide

a melhor maneira de proceder para o tipo de trabalho que pretende realizar.

Feyerabend propõe que a ciência deve optar pela contra-indução, no lugar da indução.

Feyerabend admitiu, assim como Lakatos, que por vezes para a manutenção de uma

teoria os cientistas lançam mão de hipóteses secundárias à teoria central, que ajudam a

preservá-la de possíveis complicações.

Para Feyerabend, a ciência é puramente uma elaboração da mente humana na tentativa

de compreender o mundo real. Quanto mais evoluímos no conhecimento, menos conteúdo

empírico está envolvido nas teorias e quando encontramos uma teoria que, aparentemente não

apresenta problemas, possivelmente ela sofreu aproximações capazes de sustentá-la.

Utilizando a Teoria Quântica como exemplo, Feyerabend afirmou que:

“Com base em nossas considerações, também se torna evidente

que o êxito aparente não pode ser visto como sinal de verdade e de

correspondência com a natureza. Muito ao contrário, surge a suspeita

de que a ausência de dificuldades maiores se deve a uma redução do

conteúdo empírico, provocada pela simples eliminação de alternativas

e dos fatos passíveis de se verem descobertos com o auxílio de tais

alternativas” (FEYERABEND, 1975, p. 55).

Segundo Feyerabend uma teoria estabelecida poderia influenciar a interpretação natural

dos fenômenos observados. O que o faz concordar em parte com Kant no que tange a

existência de idéias a priori, porém para ele estas idéias são os proprios preconceitos,

ideologias e idéias religiosas do cientista.

A47

Feyerabend atacou algumas idéias epistemológicas como a do critério de consistência,

que determina que toda nova teoria deve ser consistente com as anteriores. Ele parte da tese

de que, sendo compatível com as velhas teorias, não haverá acréscimo de validade ou de

verdade à nova teoria, uma vez que esta última não pode fornecer possibilidades alternativas.

Se dentre duas teorias de igual poder explicativo, escolhermos como sendo a melhor aquela

que apresenta maior capacidade de se compatibilizar com as teorias antigas, estaremos

fazendo mais uma escolha estética do que racional. Esta será também uma escolha

conservadora, pois, dessa forma, os cientistas não terão de abrir mão de certos preconceitos

tão fortemente estabelecidos.

Feyerabend criticou também o falsificacionismo, argumentando que nenhuma teoria

interessante é completamente consistente com todos os fatos relevantes da ciência. Dessa

forma, nenhuma teoria da ciência sobreviveria.

A posição de Feyerabend é geralmente vista como radical, pois implica que a filosofia não

consegue prover uma descrição geral da ciência, nem possibilita descobrir um método de

diferenciação entre ciência e não-ciência. Isso também implica em que as recomendações

filosóficas podem ser ignoradas pelos cientistas, se o seu objetivo é o progresso.

A48

CAPÍTULO VIII

IMPLICAÇÕES FILOSÓFICAS DA MECÂNICA QUÂNTICA

Nos capítulos anteriores, apresentamos diferentes concepções de ciência, de método

científico e do conceito de verdade no decorrer do desenvolvimento científico. Dessas diversas

mudanças, talvez o golpe mais violento tivesse sido o das idéias trazidas a público por Albert

Einstein em seus artigos de 1905. Porém a Teoria da Relatividade não era a única inquietação

no mundo físico e filosófico que os homens do início do Século XX se defrontariam.

O SURGIMENTO DA MECÂNICA QUÂNTICA

Com o surgimento da Mecânica Quântica (MQ) na década de 1920, a Filosofia da Ciência

se deparou com teses e teorias que impulsionaram alguns filósofos a repensarem suas bases,

gerando, talvez, mais mudanças e desconforto que qualquer outro acontecimento em toda a

história da ciência.

As implicações físicas e epistemológicas da MQ são enormes e suas questões de

divergências entre seus fundadores bastante complexas. O princípio de toda essa história pode

ser datado de 1900 com a proposta do quanta de Max Planck (1858-1947).

A proposta de Planck ganhou um reforço, quando, em 1905, Einstein a utilizou para

interpretar os fenômenos apresentados no efeito fotoelétrico. Ele defendeu que aquele

fenômeno era o resultado de uma colisão de quantuns de luz com os elétrons da placa

metálica, e, dessa forma, considerou que a luz naquele experimento se comportava como

formada de pacotes de energia, os fótons. Esta tese foi extremamente polêmica, pois desde a

experiência da dupla fenda de Thomas Young (1773-1829), havia sido estabelecido que a luz

era formada por ondas.

Com Einstein, a antiga controvérsia para a natureza da luz (composição corpuscular x

ondulatória) foi reformada, porém de uma maneira muito intrigante. A tese de Einstein implicava

em pensar que a luz tinha um comportamento dual. Era extremamente difícil para as mentes

clássicas dos físicos do início do século XX aceitar que a luz poderia ser representada por

modelos tão divergentes como os de onda e partícula. Analisando esse período da historia da

Física ficamos tentados a interpretá-lo à luz do paradigma kuhniano, porém não podemos

esquecer das considerações de Lakatos, quanto à vitória de um programa de pesquisa sobre o

outro. O próprio Planck não aceitou de imediato as suas conclusões. Por mais dez anos ele

permaneceu interpretando a constante h como um artifício matemático. Apenas em 1910

passou a defender a descontinuidade da energia. (Guerra e al, 2005).

A49

“Uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus

oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus

oponentes finalmente morrem e uma nova geração cresce familiarizada

com ela” (Popper, 19..., apud KUHN, 1991).

A questão se complica ainda mais quando Louis De Broglie (1892-1987), em 1924,

imagina que, se a luz pode se mostrar como onda e partícula, porque não um elétron, até então

visto apenas como partícula, não pode se apresentar como onda? Esse foi um feito

especialmente valioso para a Física, pois trouxe à tona uma idéia que mudaria totalmente os

rumos da teoria quântica, dando origem a sua segunda fase de desenvolvimento; a Mecânica

Quântica. Em suas deduções matemáticas De Brogie associou um comprimento de onda ao

momento de uma partícula, em uma relação inversa, conforme box a seguir.

Fortemente influenciado por esta idéia, o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961),

apenas dois anos após a publicação do artigo de De broglie, pública na Annalen der Physik:

"Quantisierung als Eigenwertproblem", um artigo onde trouxe a público sua equação de

mecânica ondulatória. Essa equação tem uma importância capital na Teoria da Mecânica

Quântica, de tal forma que talvez possamos dizer que seu papel é similar ao da segunda Lei de

Newton na Mecânica Clássica.

A mecânica ondulatória de Schrödinger foi um grande sucesso. Sua equação foi capaz de

reproduzir os resultados de De Broglie, de explicar a famosa fórmula empírica de Balmer

(1825-1898) que determina o comprimento das linhas espectrais do átomo de hidrogênio e

ainda resolver o problema das órbitas quantizadas do átomo de Niels Bohr (1885-1962) ,

proposto em 1913. Além do fato de conseguir reproduzir todos os resultados anteriores da

teoria quântica (Filho, 2002).

DEDUÇÃO DE BROGLIE

Partindo da equação relativística de energia e a equação de Planck:

2mcE = e fhE .=

onde, após a substituição, temos:

fhmc .2 =

De Broglie utiliza ainda a equação clássica da velocidade de uma onda fv .λ= . Nela,

considerando c a velocidade de propagação de ondas eletromagnética no vácuo, a equação anterior

fica λc

f = .

λc

hmc .2 = → ( )λh

mc = → Por fim: p

h=λ

Momento P

A50

Na verdade, a mecânica ondulatória de Schrödinger foi a segunda formulação da MQ a

surgir. Ela se baseava em um posicionamento clássico diante da natureza associando noções

matemáticas com conceitos físicos familiares, o que agradou bastante aos físicos mais

conservadores da época.

A primeira formulação da MQ aconteceu em 1925, um ano antes da apresentação da

equação de Schrödinger, pelo físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) e foi chamada de

Mecânica Matricial. Foi o físico alemão naturalizado britânico Max Born (1882-1970) que pela

primeira vez usou a denominação de Mecânica Quântica, atribuindo este nome ao formalismo

desenvolvido por Heisenberg (Guerra e al, 2005).

Devido à complexidade matemática da mecânica matricial, que contava com operações

utilizando o formalismo matricial além de elementos de números complexos, a mecânica

ondulatória de Schrödinger passou a ser amplamente utilizada e a formulação de Heisenberg

gradualmente abandonada.

Heisenberg foi aluno de Bohr no Instituto de Física Teórica de Copenhague, que veio a se

tornar o principal centro de debates sobre Física quântica do século XX. Seu formalismo da

mecânica matricial foi uma idéia amplamente aceita por Bohr.

No cerne do formalismo de Heisenberg estava a idéia de que não era interessante limitar

seus cálculos às analogias com o mundo macroscópico, então ele eliminou a idéia de órbitas e

se concentrou na descrição puramente matemática das partículas atômicas. Na visão quântica

de Heisenberg, um elétron passou a ser visto apenas como uma matriz de números complexos

sem interpretação física. Para ele, o que podemos fazer é descrever relações matemáticas que

nos dão acesso ao comportamento da natureza (Guerra e al, 2005).

Apesar da aparente “vitória”, a mecânica ondulatória de Schrödinger sofreu duras críticas

e um dos críticos mais contundentes foi Niels Bohr.

Alguns físicos, como Max Born, passaram a interpretar as funções de onda que

resultavam da equação diferencial de Schrödinger com um caráter probabilístico. É nesse

momento que a Mecânica Quântica assume de vez o seu caráter estatístico. Embasados nessa

nova visão probabilística da MQ é que Bohr e Heisenberg trouxeram a público o que ficou

conhecido como a interpretação de Copenhague da MQ. Esta interpretação tem como pilares

principais o Princípio da Incerteza de Heisenberg e o Princípio da Complementaridade de Bohr.

O PRINCÍPIO DA INCERTEZA

Formulado inicialmente em 1927, o Princípio da Incerteza impôs restrições à precisão

com que podemos efetuar medidas de posição e velocidade de uma partícula. Ou seja, o

produto da incerteza associada ao valor de uma coordenada x i com a incerteza associada ao

correspondente momento linear p i não pode ser inferior à constante de Planck normalizada.

A51

EXEMPLIFICANDO O PRINCÍPIO DA INCERTEZA

Para se encontrar a posição de um elétron é necessário fazê-lo interagir com algum

instrumento de medida, direta ou indiretamente. Faz-se, então, incidir sobre ele algum tipo de

radiação. É necessário que a radiação tenha comprimento de onda da ordem da incerteza com que

se quer determinar a posição. Neste caso, quanto maior a freqüência da radiação, menor

comprimento de onda, maior será a precisão.

Isso implica em maior energia cedida ao elétron, conforme lei de Planck.

ν.hE =

Esse elétron, em virtude do efeito Compton, sofrerá um recuo tanto maior quanto maior for essa

energia. Ao contrário da mecânica clássica, a conseqüência será uma alteração não totalmente

previsível na velocidade desse elétron, e consequentemente do seu momento linear.

2h≥∆∆ ii px

Não existe aqui uma relação de igualdade entre as grandezas. Não se trata de uma

equação fechada, mas uma inequação com infinitas possibilidades de solução.

Resumidamente, o enunciado do princípio de incerteza pode ser: quanto maior a precisão

ao se medir uma das grandezas, forçosamente mais imprecisa será a medida da grandeza

conjugada.

Podemos perceber que, com a concepção de mundo mecanicista clássica, este tipo de

raciocínio seria impensável. É bastante difícil imaginar a Física, desde Galileu até Einstein, sem

a presença de idéias determinísticas na sua forma ampla.

Para que tal mudança conceitual fosse possível foi necessária uma radical mudança

filosófica na maneira como os cientistas vêem a natureza, a própria ciência e o seu papel

individual no desenvolvimento científico.

Tanto a Teoria da Relatividade de Einstein como a Física Quântica e a posterior

Mecânica Quântica apresentaram fatos que derrubaram vários axiomas da ciência moderna.

Como ficam as idéias da neutralidade dos resultados empíricos, da realidade desses

resultados, da objetividade das observações, da relação entre os dados experimentais e dos

conceitos teóricos e a relação sujeito objeto em uma experimentação com as novas teses da

Física Quântica?

A idéia de sistema isolado ficou totalmente prejudicada com as novas propostas da Física

Quântica, pois não é só a questão do equipamento, do erro experimental ou do erro sistemático

do observador que estão influenciando na experimentação. Considera-se, com o Princípio da

Incerteza, que o próprio ato de observar altera o comportamento do objeto estudado. Com isto,

o princípio da neutralidade entre sujeito e objeto é desmontado. Heisenberg defendeu, por

A52

exemplo, que não podemos conhecer o real, mas apenas o resultado de nossa intervenção

nele pela interferência estrutural do sujeito no objeto.

“Quando queremos ter clareza sobre o que se deve entender

pelas palavras ‘posição do objeto’, por exemplo, do elétron

(relativamente a um dado referencial), então é preciso especificar

experimentos definidos com o auxılio dos quais se pretenda medir a

‘posição do elétron’; caso contrario, a expressão não terá nenhum

significado” (HEISENBERG, apud CHIBENI, 2005).

Assim, a noção de Lei passa aos poucos a ser substituída pelas noções de sistema,

estrutura, modelo e processo, uma vez que já não mais nos encontramos no campo das

certezas em termos de inferências universais sobre o funcionamento da natureza.

Na nova Mecânica Quântica, os estados das partículas são definidos por meio das

funções de onda probabilísticas, ou seja, elas determinam probabilidades de posição e de

velocidade de uma partícula, nunca valores exatos. O determinismo Laplaciano em sua

totalidade, conforme citamos anteriormente, não é possível na Física Quântica. O demônio de

Laplace é exorcizado de vez da Física Moderna pelo Princípio da Incerteza de Heisenberg.

O PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE

O princípio da complementaridade foi enunciado por Niels Bohr em 1927, porém pouco

antes do anuncio de Heisenberg sobre a incerteza. Bohr pretendia com esse Princípio colocar

um ponto final na dúvida a respeito da dualidade onda-partícula.

O Princípio da Complementaridade assevera que as naturezas da matéria e da energia

são duais e os aspectos ondulatório e corpuscular não são contraditórios, mas sim

complementares. Esses aspectos nunca se manifestariam simultaneamente em um

experimento, mas sempre em perfeito acordo com o tipo de instrumento de medição a ser

usado. Dessa forma, na experiência da dupla fenda a natureza evidenciada da luz é

ondulatória, ao passo que no experimento do efeito fotoelétrico, a natureza ressaltada é a

corpuscular,

Esse princípio foi primeiro enunciado em um congresso na Itália, em homenagem a

Alessandro Volta inventor da pilha, e depois discutido na Conferência de Solvay, em Bruxelas.

Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928), que presidia a conferência, e Einstein ficaram

extremamente indignados com a possibilidade de transformar em princípio o indeterminismo

proposto por Bohr.

A53

Fig. 8: Congresso de Solvay, 1925.

A INTERPRETAÇÃO DE ESCOLA DE COPENHAGUE E SEUS OPOS ITORES

Podemos entender por idéias da escola de Copenhague, Basicamente, como idéias de

Bohr e Heisenberg sobre a MQ.

Resumidamente, a interpretação de Copenhague defende que só podemos conhecer as

características do corpo estudado no momento da interação com o mesmo, ou seja, no instante

da medição. Para Bohr, as partículas não possuem propriedades bem definidas, mas, ao

contrário, assumem as propriedades apenas no momento em que são observadas. Sem um

instrumento para realizar as medições de posição e velocidade, estas características

simplesmente não existem. Outra questão defendida por Bohr é o da não localidade de

eventos, uma vez que não trabalhamos com posicionamentos locais, como na Física clássica,

mas com probabilidades de um objeto estar em certa região do espaço em estudo.

Apesar das grandes polêmicas filosóficas geradas pela MQ, é espantosa a sua

concordância com os resultados experimentais e o avanço tecnológico proporcionado. Quanto

à questão de ser uma teoria probabilística, Bohr esclarece que não é resultado de uma ciência

incompleta, mas que é uma característica da própria natureza (Guerra et al, 2005).

Essas características da natureza defendidas pela Interpretação de Copenhague foram

alvo de diversas criticas com respeito às descrições ontológicas27 e epistemológicas, assim

como em termos de descrições físicas dos fenômenos.

Tomando como exemplo a relação sujeito-objeto,

27 Ontologia é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes.

A54

[...] o deslocamento da explicação das peculiaridades dos

fenômenos quânticos para o ato de medição traz o risco latente de

subjetivização da Física. Como a historia do debate sobre a Mecânica

Quântica bem testemunha, por essa ladeira muitos efetivamente

escorregaram, puxados pelo próprio Heisenberg e por Bohr, que

facilmente passavam da tese física, em princípio defensável, de um

distúrbio físico entre o aparelho de medição e o objeto medido para a

tese filosófica duvidosa de uma interferência mútua entre este último e

os “agentes de observação”, no sentido do sujeito cognitivo, com a

suposta implicação de uma ruptura essencial, pela Mecânica Quântica,

da distinção geral entre sujeito e objeto.” (CHIBENI, 2005).

Em termos físicos podemos tomar como tentativa de contestação à interpretação de

Copenhague a experiência mental desenvolvida por Albert Einstein, Boris Podolsky (1896-

1966), e Nathan Rosen (1909-1995) conhecida como EPR que pretendia mostrar que

caracteristicas quânticas de uma partícula são definidas antes da medição e não no exato

momento da medição como pretendia a interpretação de Bohr.

Em 1962, John Stewart Bell (1928-1990) criou uma formula matemática que possibilitaria

a realização de um experimento para resolver o paradoxo do EPR, esta ficou conhecida como

desigualdade de Bell e foi derivada do pressuposto de que existem variáveis escondidas e não

existem "efeitos não-locais". Em 1982, Alain Aspect (1947) levou a cabo a experiência de EPR

e descobriu que a desigualdade de Bell era violada, rejeitando as interpretações que

postulavam variáveis escondidas e efeitos locais e, de certa forma, comprovando a

interpretação de Copenhague.

A alternativa principal à Interpretação de Copenhague é a Interpretação de Hugh Everett

III (1930-1982) dos mundos paralelos, porém a primeira continua sendo a mais aceita.

Todas as discussões surgidas em conseqüência da Mecânica Quântica elevaram em

muito os questionamentos a respeito da natureza do trabalho da Ciência. As contribuições dos

diversos pesquisadores envolvidos foram fundamentais para a retificação de inconsistências

epistemológicas e ontológicas presentes em sua elaboração, porém a possibilidade de

desenvolvimento de uma interpretação mais realista ainda se mostra bastante distante em

conseqüência da própria complexidade da teoria.

A55

Gaston Bachelard

(1884-1962) filósofo e poeta

francês que estudou

sucessivamente as ciências

e a filosofia, focando

principalmente as questões

referentes à filosofia da

ciência. Bachelard defendia

que o desenvolvimento do conhecimento humano

ocorria de forma descontínua, por rupturas

epistemológicas. Combatendo aqueles que

defendiam o continuísmo, ou seja, que defendiam

a idéia de que entre a ciência e o senso comum

não existe mais que uma diferença de

profundidade, portanto, continuidade

epistemológica.

CAPÍTULO IX

O PANORAMA ATUAL DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA

Depois do advento da Física Quântica a fronteira entre observador e observado se tornou

dinâmica, instável e mutável. As teorias científicas não mais se limitam à simples descrições

dos fenômenos observados, elas participam dos fenômenos devido a não separação da

relação sujeito-objeto, além de não mais revelarem o comum das observações, mas o

incomum. A interação entre o mundo e o homem passa a ser muito mais abrangente e estes

dois passam a ser dois elementos de um só fato sendo, portanto, uma nova abertura na visão

da realidade.

Se na Ciência Clássica o mundo era concebido como perfeito e que a ciência tinha o

intuito de desvendar suas verdades, com a Física Quântica ficou mais do que patente que essa

possibilidade inexiste. A Física Quântica revelou um mundo em que a natureza pode se mostra

mais complexa do que as mentes mecanicistas dos Séculos XVII e XVIII haviam pensado.

GASTON BACHELARD

O filósofo Gaston Bachelard (1884-

1962), acreditava que o pensamento

científico contemporâneo tem se ocupado

em assimilar as leis do acaso, das ligações

probabilísticas dos fenômenos sem ligação

com o real.

Com Bachelard (1985), despontou a

idéia da complexidade essencial dos

fenômenos. Com isso ele estabeleceu que o

ponto de ruptura entre as duas visões de

ciência se encontra justamente entre a

Física newtoniana e a relatividade

einsteiniana.

Bachelard construiu sua obra no

contexto das mudanças científicas

promovidas no início do século XX pela

Teoria da Relatividade.

A "ruptura epistemológica" entre a ciência contemporânea e o senso comum é uma das

marcas da teoria bachelardiana. Para ele, o "novo espírito científico" representa uma

descontinuidade, uma ruptura, com o senso comum. O empirismo-indutivo ingênuo dos

primeiros tempos da ciência moderna já não se aplica à nova Física.

A56

Para Bachelard, o cientista aproxima-se do objeto, na nova ciência, não mais por

métodos baseados nos sentidos, na experiência comum, mas através da teoria. Isso significa

que o método científico já não é direto, imediato, mas indireto, mediado pela razão.

Ao contrário de Karl Popper e de Imre Lakatos, o objetivo de Bachelard não é dizer aos

cientistas como devem proceder em seu trabalho. A epistemologia histórica de Bachelard

problematiza a possibilidade de definirmos de forma permanente e universal o que é ciência.

Dessa forma, a ciência é vista como uma área do conhecimento construído socialmente, cujos

critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentes ciências (LOPES, 1996).

Outro ponto marcante em Bachelard é sua defesa de que precisamos errar em ciência,

pois o conhecimento científico só se constrói pela retificação desses erros.

“Como seu objetivo não é validar as ciências já prontas, tal qual

pretendem os partidários das correntes epistemológicas lógicas, o erro

deixa de ser interpretado como um equívoco, uma anomalia a ser

extirpada. Ou seja, com Bachelard, o erro passa a assumir uma função

positiva na gênese do saber e a própria questão da verdade se

modifica” (LOPES, 1996, p.252).

Uma possível explicação para essa maneira de compreender o papel do erro como uma

fonte de aprendizado na ciência está, possivelmente, associada a sua passagem como

professor de escola secundária. Esse fato o fez um filósofo constantemente preocupado com o

ensino. Não há textos exclusivamente voltados para a educação em sua obra, mas

freqüentemente ele pontuava suas análises filosóficas com interpretações a respeito do

conhecimento científico na escola.

A preocupação com o ensino das ciências também se reflete em outro filósofo moderno

de relevância.

EDGARD MORIN

Em 1999 Edgard Morin (1921-) lançou Os Sete Saberes Necessários à Educação do

Futuro, além de outros três títulos sobre educação. Neles defendeu a incorporação dos

problemas cotidianos ao currículo e a interligação dos saberes. Criticou o ensino fragmentado e

afirmou que o ser humano é reducionista por natureza e, por isso, é preciso esforçar-se para

compreender a complexidade da natureza.

A57

Edgard Morin (1921-)

sociólogo e filósofo francês

de origem judaico-espanhola.

graduou-se em Economia

Política, História, Geografia e

Direito.

Em sua filosofia defende que

o conhecimento humano não

pode ser fragmentado e

admite que a complexidade da natureza não pode

ser simplificada. Para ele a incorporação dos

problemas cotidianos ao currículo escolar e a

interligação dos saberes são fundamentais para o

conhecimento humano, combatendo a

fragmentação e simplificação para compreender a

complexidade da natureza.

Em termos epistemológicos, a idéia da

Ciência Complexa aparece nas suas obras,

principalmente em Introdução ao

Pensamento Complexo (2005), como o

paradigma da complexidade. A Ciência

Complexa representa uma “escola” filosófica

que vê o mundo como um todo

indissociável, dessa forma, propõe uma

abordagem transdisciplinar dos fenômenos,

abandonando o reducionismo, para dar

lugar à criatividade e ao caos28.

Para Morin, a interligação de todos os

conhecimentos, combate o reducionismo e

valoriza o complexo. Admitindo que o

mundo é complexo, afirma que qualquer

tentativa de um entendimento isolado e

simplista não levará ao conhecimento da realidade. A simplificação não exprime a unidade e a

diversidade presentes no todo. Para tanto, deve-se articular os elementos da Ciência que estão

separados e unir os que estão dissociados, deve-se explorar e não ocultar as ligações de

interdependências e as complexidades da natureza.

Para ele, a ciência ainda vive imersa no maior de todos os paradigmas do ocidente que é

o cartesianismo (MORIN, 2000). O cartesianismo retomou e reforçou as idéias platônicas da

dicotomia de sujeito-objeto, corpo-alma, sentimento-razão e instaurou-se a prática reducionista

de análise da natureza, fazendo com que essas dicotomias estivessem presentes em todas as

epistemologias da ciência surgidas posteriormente.

Morin nega Descartes, ao defender que o estudo em separado de cada parte de um

sistema não levará ao entendimento do todo. Para ele, o todo é mais que a soma das partes.

Por outro lado o todo é também menor que a soma das partes, uma vez que a visão do todo

pode inibir a percepção de determinadas qualidades das partes.

Se o paradigma da Ciência Clássica apresenta uma acentuada separação entre o sujeito

e o objeto, a vida e a natureza, reduzindo o complexo ao simples, eliminando a incerteza, a

ambigüidade, a contradição dentro de um pensamento simples e de uma razão fechada, num

28 Entende-se caos não como desordem generalizada, mas a impossibilidade de determinados fenômenos ocorrerem de forma pré-determinada. Relações deterministas, às vezes muito simples, podem gerar, após muitas interações, divergências significativas partindo de condições iniciais muito próximas. Porém, muitas vezes há um padrão estatístico com relação à distribuição de probabilidade das ocorrências, o que permite alguma inteligibilidade e tratamento científico do caos.

A58

discurso estruturalista e dicotômico, o paradigma da complexidade busca uma não dualidade

desses aspectos, mas uma relação: complementar, concorrente e antagonista (MORIN,1977).

Surge, então, uma realidade indeterminada onde tudo pode acontecer. A única coisa que

pode ser prevista é a probabilidade. Probabilidade, portanto, assume o lugar da certeza.

A certeza passa a ser produzida pela incerteza e pela probabilidade. Com isso, uma

teoria científica não se limita mais à simples descrição do que é comum. Ela revela o incomum.

E este incomum tem apelado cada vez mais para uma nova racionalidade. Nas palavras do

próprio Edgard Morin:

“Uma teoria não é o conhecimento; permite o conhecimento. Uma

teoria não é uma chegada. É a possibilidade de uma partida. Uma

teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema”

(Morin 1990, p. 256).

Para Edgard Morin, o desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de

detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, a ciência está limitada pelos

paradigmas que a controlam e que podem desenvolver seus próprios erros e ilusões.

Nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro e a ilusão. Conforme

podemos observar historicamente, diversas teorias, fortemente fundamentadas na lógica e na

razão de determinado modelo de pensamento, se provaram errôneas ou ilusórias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários outros pensadores importantes deram suas contribuições para a estruturação do

conhecimento cientifico e epistemológico nesses vários séculos de desenvolvimento da ciência.

Correndo o risco de sermos injustos com diversos nomes importantes que não

exploramos nesse trabalho como Ludwik Fleck (1896-1961), Mário Bunge (1919), Stephen

Toulmin (1922), Humberto Maturana (1928), Larry Laudan (1945) entre outros, nos ateremos a

esta relação de grandes nomes da filosofia da ciência na qual viemos discutindo até aqui.

Nomes que contribuíram grandemente para o desenvolvimento do conhecimento humano.

Ao passarmos por mais de dois mil anos de Filosofia Natural ocidental, podemos começar

a tirar algumas conclusões quanto a atual noção sobre a natureza da Ciência.

Acreditamos que o que ficou patente nesse estudo é que não é humanamente possível

conhecer a verdade última da natureza, utilizando a concepção mais ampla desse termo.

Também é notório que não existe um método que se possa considerar infalível e que seja

capaz de conduzir o homem às verdades universais. Todo método apresenta alguma

falibilidade, assim como toda verdade se mostra relativa diante da complexidade da natureza e

da existência humana.

A59

Se no passado a ciência foi tida como capaz de responder a todas as perguntas sobre a

natureza e sobre o ser, a filosofia da ciência também foi interpretada como capaz de conciliar

os conflitos e resolver as inconsistências da ciência. Na verdade, ambas as áreas do

conhecimento são falíveis e humanas o suficiente para não alcançarem este intento, diga-se de

passagem, impossível.

Ainda assim, a filosofia da ciência e a própria ciência são realizações humanas

imprescindíveis para a humanidade. Se não são capazes de nos mostrar as verdades

absolutas, são muitíssimo valiosas para o crescimento do ser humano na sua relação com o

universo. Se não nos fornece a verdade, nos dá meios de nos aproximarmos de um

conhecimento mais coerente com o que percebemos do mundo.

Fazendo uma analogia quase poética com a noção de limite do cálculo diferencial

poderíamos dizer que a filosofia da ciência, assim como a própria ciência, nos faz tender

infinitamente ao valor limite, porém sem nunca alcançá-lo de fato.

O que podemos concluir quanto à Ciência é que ela não é uma ciência verdadeira,

provada através de observações e experimentos. O reconhecimento da verdade ou não é

inacessível ao homem.

O que a epistemologia da ciência nos diz é que ela é um processo contínuo de busca por

um aumento do valor científico do conhecimento humano. Dessa forma, mais importante que

os resultados obtidos, é o processo de progressão da Ciência. Os resultados se encontram em

constante mudança e são, por isso, provisórios.

A60

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PEDUZZI, L. O. Q.. A relatividade einsteiniana: uma abordagem conceitual e epistemológica.

2008. (Material didático ou instrucional - Texto de Física em nível universitário básico).

REIS, J. C.; GUERRA, A.; BRAGA, M; Ciencia e Arte: relações improváveis?; História, Ciência,

Saúde-Manguinhos. v.13, (suplemento),p.71-87, outubro, 2006.

SANDOVA, Julia Salinas de, CUDMANI, Leonor Colombo. Epistemologia e Historia de la Física

en la Formación de los Profesores de Física. Revista Brasileira de ensino de fisica vol. 15, n. (1

a 4), 1993

SILVEIRA, Fernando Lang, Filosofia da Ciência de Karl Popper: O Racionalismo Crítico,

Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

A64

CRONOLOGIA DOS PRINCIPAIS TRABALHOS

Francis Bacon (1561–1626)

• Novun organum, (1620).

Galileu Galilei (1564-1642)

• O Ensaiador, (1623);

• Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, (1632);

• Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências, (1638).

René Descartes (1596–1650)

• Discurso do Método, (1637).

Isaac Newton (1642–1727)

• Princípios matemáticos da filosofia natural, (1687);

• Óptica, (1704).

David Hume (1711–1776)

• Tratado da Natureza Humana, (1740);

• Investigação sobre o Entendimento Humano, (1748).

Immanuel Kant (1724–1804)

• Crítica da razão pura, (1781).

Nikolai Lobatchevski (1793-1856)

• Geometriya, (1829).

Comte (1798–1857)

• Curso de filosofia positiva, em 6 volumes, (de 1830 à 1842).

Lord Kelvin (1824–1907)

• Apresentação do trabalho sobre a teoria dinâmica do calor, (1851);

• Formulação da teoria dos circuitos oscilantes, (1853).

Georg Riemann (1826-1866)

• Sobre as hipóteses nas quais se fundamenta a geometria, (1854).

André-Marie Ampère (1775-1836)

• Memoir on the Mathematical Theory of Electrodynamic Phenomena, Uniquely Deduced

from Experience, (1826).

Hans Christian Ørsted (1777-1851)

• Comprovação dos efeitos magnéticos da corrente elétrica, (1820),

Michael Faraday (1791-1867)

• Comprovação de que uma barra de ímã girava em torno de um fio eletrizado e que um fio

suspenso eletrizado girava em torno de um ímã fixo, (1821).

James Clerk Maxwell (1831-1879)

• Tratado sobre Eletricidade e Magnetismo, (1873).

Ernst Mach (1838-1916)

A65

• A História e a Origem do Princípio da Conservação da Energia, (1872);

• A Ciência da Mecânica, (1883);

• Contribuição à Análise das Sensações, (1886);

• Princípios da Termologia, (1896);

• Conhecimento e Erro, (1905).

Wilhelm Roentgen (1845-1923)

• "Ueber Eine Neue Art von Strahlen - Sobre uma nova espécie de Raios", (1895).

Henri Becquerel (1852-1908)

• Investigação sobre a fosforescência, ( 1882-1897 )

• Descobrimento da radiação invisível emitida pelo urânio, ( 1896-1897 ).

Joseph John Thomson (1856-1940)

• Modelo atômico, (1876).

Ernest Rutherford (1871-1937)

• Radioatividade (1904);

• A estrutura elétrica da matéria (1926) .

Gaston Bachelard (1884 1962)

• O novo espírito científico, (1934);

• A formação do espírito científico, (1938).

Louis-Victor-Pierre-Raymond, 7.º duque de Broglie, (Louis de Broglie) (1892-1987)

• Os princípios físicos da teoria dos quanta, (1930);

• A Física dos núcleos atômicos, (1943);

• Física e filosofia, (1959);

• A parte e o todo, (1971);

Niels Henrick David Bohr (1885-1962)

• Sobre a constituição de átomos e moléculas, (1913);

• Anuncio do principio da complementaridade, Solvay, (1927)

Albert Einstein (1879-1955)

• O quantum e o efeito fotoelétrico, (março, 1905);

• Uma nova determinação das dimensões moleculares, (abril, 1905);

• O movimento Browniano, (maio, 1905); (o 2º artigos sobre o tema sai em dezembro, 1905);

• Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento, (junho, 1905);

• A inércia de um corpo depende de sua energia?, (setembro, 1905);

• O fundamento da Teoria Geral da Relatividade, (novembro, 1916).

Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887-1961 )

• Quantisierung als Eigenwertproblem, “Avaliando o problema da quantização”, (1926).

Werner Karl Heisenberg (1901-1976)

• Os princípios físicos da teoria dos quanta, (1930);

A66

• Física e Filosofia, (1959).

Karl Raimund Popper (1902-1994)

• Lógica da Descoberta Científica, (1934);

• Conjecturas e Refutações. O crescimento do conhecimento científico, (1963);

• Conhecimento Científico. Um Enfoque Evolucionário, (1973);

Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)

• A estrutura das revoluções científicas. (1962);

• Reconsiderando os paradigma, (1974);

Imre Lakatos (1922-1974)

• Críticismo e Crescimento do Conhecimento. (1970);

• Provas e refutações. (1976);

• A Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica, (1977);

• Matemática, Ciências e Epistemologia,(1978);

Paul Karl Feyerabend (1924-1994)

• Contra o Método, (1975);

Mário Augusto Bunge (1919)

• Ciência, o seu método e filosofia, (1960);

• Filosofia da Física (1973);

• Epistemologia, (1980);

• Mitos, fatos e as razões, (2004);

Edgar Morin (1921)

• Introdução ao Pensamento Complexo, (2005);

• Os Sete saberes necessários a educação do futuro, (2000).

A67

LEITURAS RECOMENDADAS

BACHELARD, Gaston. O Direito do Sonhar. São Paulo, Difel, 1985.

BRAGA, Marco, GUERRA, Andréa, REIS, José Cláudio. Breve Historia da Ciência Moderna, Vol. 1, 2, 3 e 4. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005.

BUNGE, M. Filosofia da Física, Edições 70, O Saber da Filosofia, Lisboa, 1973.

CHALMERS, A.F. O que é Ciência Afinal? São Paulo: Editora Brasiliense, 2001.

EINSTEIN, A. Como Vejo o Mundo. São Paulo: Círculo do Livro Ltda, 1998.

FEYERABEND, Paul. Contra o Método, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989. Título Original:

GAARDER, Jostein; O Mundo de Sofia; São Paulo, Cia. das Letras, 1995.

HEISENBERG, Werner; Física e Filosofia, Coleção pensamento científico, 2ª ed., Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1987.

KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991.

LAKATOS, I, Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes, in Crìticism and the Growth of Knowledge, 1974, p. 100-101.

MARTINS, Roberto de Andrade. O que é a ciência, do ponto de vista da epistemologia? Caderno de Metodologia e Técnica de Pesquisa, n.9, 5-20, 1999.

MORIN, E. O método I: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2003.

MORIN, Edgar. Os Sete saberes necessários a educação do futuro (2000).

PEDUZZI, L. O. Q. Sobre a utilização didática da história da ciência. In: PIETROCOLA, M. (org.). Ensino de Física. Florianópolis: Ed da UFSC, p. 151-170, SC 2001.

PEDUZZI, L. O. Q., Física Aristotélica: Por que não considerá-la no ensino da Mecânica?; Cad. Cat. Ens. Fís., v. 13, n. 1: p. 48-63. Abr. 1996.

A68

FILMES INTERESSANTES RELACIONADOS

EM NOME DA ROSA

Com 130 minutos de duração, o filme conta a história do

monge franciscano William de Baskerville (Sean Connery) que é

encarregado de investigar uma série de estranhas mortes que

ocorrem em um remoto mosteiro no norte da Itália por volta do

ano de 1327.

O personagem vivido por Sean Connery tem seu nome

derivado do escolástico William de Ockham (1285–1347), um

importante monge Franciscano, filósofo da lógica e teólogo

escolástico inglês. Este personagem trabalha como um detetive,

procurando evidências para corroborar suas hipóteses sobre

quem é o assassino dos monges. Em oposição à percepção metafísica dos monges, que

relacionavam as mortes ao livro do Apocalipse e à chegada do fim do mundo, Baskerville

procura nos fatos observáveis o apoio para sua investigação.

Fortemente influenciado pela filosofia aristotélica, que na época começava a ganhar

espaço na filosofia ocidental cristã, Baskerville utiliza claramente o que hoje se convencionou

chamar de raciocínio hipotético-dedutivo, que parte de premissas gerais, as quais orientam a

busca por evidências, que auxiliarão no desenvolvimento e no aperfeiçoamento das hipóteses

iniciais.

CONTATO

Dirigido por Robert Zemeckis e Escrito por James V. Hart e

Michael Goldenberg, o filme, com tempo de duração de 150

minutos, é Baseado em uma novela escrita em 1985 por Carl

Sagan.

No filme a doutora em astrofísica Ellie Arroway (Jodie

Foster), após grande batalha em busca de fundos para manter o

projeto de procura por sinais de vida extraterrestre, descobre e

decodifica uma mensagem enviada à Terra por seres que habitam

um sistema planetário em Vega, a 26 anos-luz de nós.

A mensagem recebida pela Dra. Ellie, quando finalmente é

decodificada, dá instruções detalhadas de como construir uma enorme máquina alienígena que

custaria algumas centenas de bilhões de dólares. Vários países do mundo se juntam para

realizar tal máquina.

A69

O filme retrata os bastidores da busca por subsídios para a pesquisa científica, as

batalhas e desavenças entre cientistas sobre determinadas linhas de pesquisa e o grande

envolvimento entre ciência, sociedade e política, além da eterna discussão entre ciência e

religião. Há ainda importantes falas das personagens que nos remetem aos meandros da

pesquisa científica moderna ficando patente que o trabalho da ciência está inequivocamente

atrelado aos fatores sociais, políticos e econômicos. O filme mostra que muitas vezes o

direcionamento das pesquisas é distorcido e deturpado por interesse outros que não os

gerados pela busca do conhecimento.

EFEITO BORBOLETA

Dirigido e roterizado por Eric Bress e J. Mackye, Efeito

Borboleta é um filme de 113 minutos em que a personagem Evan

(Ashton Kutcher), um jovem dotado da capacidade de retornar

mentalmente a seu corpo em períodos passados de sua vida,

podendo até interferir em acontecimentos passados.

Tentando resolver problemas de sua vida atual ele interfere

nos eventos passados de sua vida eliminando as origens de seus

problemas. Porém ao tentar consertar seus antigos problemas ele

acaba por criar outros novos e mais complicado, já que toda

mudança que realiza gera conseqüências em seu futuro.

É um filme envolvente que apresenta de maneira muito interessante a incapacidade do

homem de controlar todas variáveis de um acontecimento ao ponto de poder prever com

precisão as conseqüências de seus passos.

A pesar de não ser um filme sobre ciência, a idéia de imprevisibilidade do filme foi

influenciado pela moderna teoria científica conhecida como teoria do caos que está ligada a

esta imprevisibilidade dos acontecimentos, derrubando de vez o antigo dogma da causalidade

na ciência. Existe uma matéria no DVD do filme que explica, em linhas gerais, a teoria do caos.

Acesse a seção de Extras → Por trás da cena → Explicando a teoria do caos e assista.

Efeito borboleta é um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos.

Este efeito foi analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz (1917-2008). Segundo a

teoria, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas

e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.

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