180
CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioética Delci Gomes CÉLULAS-TRONCOEMBRIONÁRIAS: implicações bioéticas e jurídicas São Paulo 2007 13

CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

  • Upload
    phamque

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO

Mestrado em Bioética

Delci Gomes

CÉLULAS-TRONCOEMBRIONÁRIAS: implicações bioéticas e jurídicas

São Paulo2007

13

Page 2: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO

Mestrado em Bioética

Delci Gomes

CÉLULAS – TRONCO EMBRIONÁRIAS: implicações bioéticas e jurídicas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Bioética do Centro do Centro

Universitário São Camilo como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Marcos de Almeida

Co-Orientador: Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari

São Paulo 2007

14

Page 4: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Pe. Inocente Radrizzani

Gomes, Delci Células-tronco embrionárias: implicações bioéticas e jurídicas /Delci Gomes. -- São Paulo : Centro Universitário São Camilo, 2007. 187p.

Orientação de Marcos de Almeida e Dalmo de Abreu Dallari

Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário São Camilo, Mestrado em Bioética, 2007.

1. Células-Tronco 2. Bioética 3. Biossegurança / Legislação & Jurisprudência. I.Almeida, Marcos de II.Dallari, Dalmo de Abreu III. Centro Universitário São Camilo IV. Título.

15

Page 5: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Delci Gomes

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS: implicações bioéticas e jurídicas

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________Prof. Dr. Marcos de Almeida

_____________________________________________

______________________________________________

DATA: ___/___/___

16

Page 6: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

SÃO PAULO2007

AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores Prof. Dr. Marcos de Almeida e Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari pelo apoio nessa

árdua missão de discutir um tema tão fascinante e praticamente impossível que é a definição do

momento em que nos tornamos uma pessoa moral.

17

Page 7: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

SUMÁRIO

I. Introdução.............................................................................................................13

II. Desenvolvimento

1. Reprodução Assistida: o elo entre as células-tronco e o limite da ciência.....18

1.1 Regulação da Reprodução Assistida................................................19

1.2 Técnicas de Reprodução Assistida...................................................20

1.3 Fertilização in vitro............................................................................22

1.4 Transferência de Embriões................................................................23

1.5 Fatores de Influência na Fertilização in vitro.....................................24

1.6 Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides..............................26

1.7 Diagnóstico Genético de Pré-Implantação........................................27

2. Desenvolvimento do Embrião no Ser Humano..............................................28

2.1 Primeira Semana do Desenvolvimento Humano...............................28

2.2 Segunda Semana do Desenvolvimento Humano..............................31

2.3 Terceira Semana do Desenvolvimento Humano...............................33

2.4 Fatores Interferentes na Implantação do Embrião............................33

2.5 Questões Bioéticas a Serem Refletidas.............................................35

3.Células-Tronco ..............................................................................................37

3.1 Células-tronco Embrionárias..............................................................38

3.2 Células-tronco Germinais...................................................................42

3.3 Terapia Celular com Células-tronco Pluripotentes.............................43

3.4 Células-tronco Adultas.......................................................................44

3.5 Células-tronco Mesenquimais............................................................47

3.6 Comentários Finais............................................................................48

4. Uso de Células-tronco Embrionárias à Luz da Legislação Brasileira...........50

4.1 Contexto Histórico da Lei de Biossegurança....................................50

4.2 Lobbys para a Aprovação e Rejeição da Lei.....................................51

4.3 Lei de Biossegurança ......................................................................53

4.4 Cadastro Nacional de Embriões....................................................... 62

18

Page 8: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

4.5 Células-tronco Embrionárias e o Direito Brasileiro............................64

5. Células-tronco Embrionárias e os Referenciais em Bioética ......................71

5.1 O Nascer da Bioética ........................................................................71

5.2 Teoria Principialista ..........................................................................72

5.3 Paradigma Casuístico ......................................................................81

5.4 Paradigma Utilitarista .......................................................................82

5.5 Princípio do Respeito da Dignidade Humana ..................................82

5.6 Princípios Éticos e Utilização de Células-tronco Embrionárias .......84

6. Aspectos Bioéticos no Uso de Células-tronco Embrionárias ......................85

6.1 O Uso do Embrião Humano à Luz da Bioética ................................86

6.2 Estatuto do Embrião ........................................................................86

6.3 Porque Determinar o Status do Embrião? .......................................90

6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da Igreja Católica.......92

6.5 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão Judaica...................... 94

6.6 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão do Islamismo............. 94

6.7 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão do Budismo............... 95

6.8 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão do Hinduismo............ 95

7. Uso de Células tronco e a Legislação Internacional....................................96

7.1 Células-tronco no Reino Unido........................................................96

7.2 Células-tronco nos Estados Unidos.................................................97

7.3 Células-tronco na França.................................................................98

7.4 Células-tronco na Holanda..............................................................100

7.5 Células-tronco na Itália...................................................................101

7.6 Células-tronco na Alemanha..........................................................105

7.7 Células-tronco na Espanha............................................................108

7.8 Células-tronco em Portugal............................................................110

7.9 Células-tronco na Austrália............................................................114

7.10 Células-tronco na Suíça................................................................115

8. O Estado da Arte no Uso de Células-tronco..............................................116

8.1 Estado da Arte na Terapia com Células-tronco..............................116

8.2 Células-tronco Hematopoética.......................................................116

19

Page 9: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

8.3 Células-tronco Embrionárias Adultas em Cardiologia....................117

8.4 Células-tronco em Neurologia........................................................120

8.5 Células-tronco no Diabetes melito...................................................123

8.6 Células-tronco no Tratamento de Doenças Autoimunes.................124

8.7 Células-tronco em Doenças Genéticas...........................................125

8.8 Células-tronco em Fibrose Cística..................................................126

8.9 Células-tronco em Cirurgia Plástica................................................127

8.10 Engenharia Celular........................................................................127

8.11 Considerações Finais....................................................................128

9. Aspectos Sócio-econômicos no Uso de Células-tronco Embrionárias......129

III. Conclusão .....................................................................................................132

Referências Bibliográficas ..................................................................................136

Anexos

1. Lei de Biossegurança ...............................................................................144

2. Resolução nº 1358/92 do CFM ................................................................157

3. Decreto 5591 de 22/11/05.........................................................................162

5. Consulta Pública nº 41 de julho de 2006..................................................169

4. Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos.......................177

20

Page 10: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

RESUMO

21

Page 11: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

A pesquisa e terapia com as células-tronco embrionárias, reguladas no Brasil pela Lei

de Biossegurança são fontes de questionamentos controversos nos aspectos bioético,

moral e jurídico porque resultam na destruição de embriões. Os embriões excedentes

resultantes das técnicas de reprodução assistida podem ser utilizados desde que

inviáveis e congelados há mais de três anos. Nessa discussão, a Bioética aparece

como um oásis no deserto, um ponto de apoio importante para o homem no

desenvolvimento científico, não impondo verdades absolutas hoje, pois amanhã

poderão ocorrer mudanças. Com seus princípios e paradigmas, a Bioética contribui

para a compreensão de eventuais benefícios que a terapia celular poderá trazer para a

medicina. As grandes questões bioéticas nas pesquisas com as células-tronco recaem

sobre o status do embrião humano, isto é, a partir de que momento no seu

desenvolvimento o embrião pode ser considerado moralmente uma pessoa. As teorias

do surgimento da personalidade do embrião são arbitradas conforme julgamento

moral, religioso, biológico ou legal e desse julgamento decorre a recusa ou aceitação

das pesquisas com as células-tronco embrionárias. Uma outra questão é que existe

distinção entre o status do embrião criopreservado em laboratório, resultante da

fertilização in vitro, e o status do embrião implantado no útero materno, pois o embrião

mantido em congelador só terá chance de se tornar pessoa se for implantado. As

religiões apresentam posições diferentes com relação à utilização do embrião em

pesquisas, sendo que a Igreja Católica defende que a vida é inviolável desde a

concepção. A dimensão jurídica da utilização das células-tronco embrionárias é

analisada através das diferentes legislações que regulam a matéria no Brasil e em

outros paises. O estado da arte nas pesquisas utilizando células-tronco demonstra que

ainda não existe resultado prático quando se trata de células-tronco embrionárias

enquanto que as pesquisas com células-tronco adultas apresentam vários resultados

promissores. Com todo esse desenvolvimento biotecnológico a Bioética não têm

respostas para os dilemas dos limites da ciência, mas pode dar suporte para resolvê-

los.

Palavras chave: Células-tronco; Bioética; Lei de Biossegurança

22

Page 12: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

ABSTRACT

23

Page 13: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Embryonic stem cells research and therapy, regulated by Biosecurity Law in Brazil are

sources of controversial debates in bioethical, moral and legal aspects because

involves the embryos’ destroy. Proceeding spare embryos of assisted reproduction

techniques can be used since they are unviable and cryopreserved for more than three

years. In this question, the Bioethics appears as an oasis in the desert, an important

point of support for man in the scientific development, not imposing absolute truths

today, therefore changes can will be able to occur. The Bioethics with its principles and

paradigms, contribute for the understanding of eventual benefits that the cellular

therapy will be able to bring for the medicine. The great bioethical questions of stem

cell research turns over to the moral status of human embryo, that is, from when in the

embryo development we can be morally considered a person. The theories of the

appearance embryo’s of personality are decided through moral, religious, biological or

legal judgement and because these reasons, most of people can refuse or accept the

embryonic stem cell researchs. There is another question on distinction between the

moral status of embryo cryopreserved in laboratory resulting from fertilization in vitro

and the moral status of the embryo implanted in the maternal uterus, therefore the

embryo kept in freezer only will have chance of to become person if it will have been

implanted. The religions present different positions with relation to the use of the

embryo in research, however the Roman Catholic Church defends that the life is

inviolable since the conception. The legal dimension to the use of the stem cell

embryonic for research and therapy is analyzed through the different legislation that

regulates the matters in Brazil and other countries. The state of the artin the stem cell

research demonstrate even if does not exist practical results when it is about

embryonic stem cells, while that adult stem cell research present some promising

results. With all this biotechnological development, the Bioethics does not have

answers for the questions about the limits of science, but can give support to decide

them.

Key words: Stem cell; Bioethics; Biosecurity Law

24

Page 14: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

I. INTRODUÇÃO

25

Page 15: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Nos últimos tempos, o uso de células-tronco embrionárias tem sido tema de

grandes debates bioéticos no mundo todo. No Brasil, esse debate se tornou mais

intenso principalmente após a aprovação, em março de 2005, da Lei de

Biossegurança que entre outros temas, permite o uso de células tronco-embrionárias

para fins terapêuticos e de pesquisas. Para isso, foi autorizado o uso de embriões

inviáveis ou que estejam congelados há mais de três anos da data da publicação da

lei, com o consentimento dos genitores para a utilização. Essa pesquisa permitirá aos

milhares de pacientes que sofrem de doenças degenerativas como diabetes, lesões

cardíacas ou neurológicas e muitas outras possibilidades, terem uma esperança de

cura ou de melhora de sua doença.

Com essa permissão houve discussão de vários segmentos da sociedade como

bioeticistas, cientistas, religiosos, juristas, políticos e a comunidade como um todo,

sobre essa medida ser ética ou não, pois o embrião, se implantado, teria a

potencialidade de se tornar um ser humano.

Os embriões considerados “excedentes” são aqueles embriões oriundos do

desenvolvimento técnico da reprodução assistida, resultante da necessidade de

resolver as angústias dos casais que queriam muito constituir sua família e não

conseguiam ter filhos. Desde os primórdios da civilização, o modelo de família de

nossa sociedade é constituído por pai, mãe e filhos e os casais que não estão dentro

desse padrão acabam sendo cobrados por isso, principalmente as mulheres que

acabam se frustrando quando não realizam o sonho da maternidade. Para tornar este

sonho em realidade, os médicos, após anos de pesquisa, conseguiram em 1978,

realizar o primeiro parto de um ser humano formado através de fertilização

extracorpórea. O bebê ficou conhecido como o primeiro “bebê de proveta”.

As técnicas de fertilização in vitro foram se aprimorando e os cientistas, ao

utilizarem a hiper estimulação ovariana na mulher, conseguiram obter um maior

número de oócitos para a sua fertilização e conseqüentemente uma maior produção de

embriões para o implante. Pela regulamentação do Conselho Federal de Medicina

(Resolução 1358/92) pode-se implantar até quatro embriões no útero materno, o que

aumenta a possibilidade de casos de gemelaridade nas gestações. Como podem ser

produzidos mais de quatro embriões, os embriões considerados excedentes são

26

Page 16: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

mantidos congelados em laboratório a espera de uma nova tentativa de implantação

que pode ou não acontecer. O grande dilema surgiu: O que fazer com esses embriões

excedentes?

Com o desenvolvimento da biotecnologia, descobriu-se a capacidade de

transformação das células-tronco adultas e posteriormente as embrionárias, podendo

essas, serem utilizadas para a regeneração de órgãos e tecidos lesados. Como a

maior capacidade de diferenciação das células-tronco é encontrada nas células-tronco

oriundas dos embriões, as possibilidades de utilizar esses embriões excedentes

criopreservados em laboratórios geraram questionamentos de ordens ética, moral e

religiosa no mundo todo. Com o avanço das pesquisas e a verificação de que, doenças

que atingem milhões de pessoas no mundo todo poderão ser curadas utilizando a

terapia celular com células-tronco embrionárias, muitos paises, após muitos debates,

autorizaram a sua utilização criando leis para essa permissão.

No Brasil não aconteceu diferente e o governo brasileiro autorizou o uso das

células-tronco. A discussão sobre a validade da Lei de Biossegurança, ao permitir o

uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapêutico, está pautada

nos benefícios que a ciência pode trazer. Porém, debates acalorados são travados nos

planos ético, moral, filosófico e legal, influenciados principalmente por convicções

religiosas. Embora as pesquisas em andamento tragam perspectivas de tratamento de

diversas doenças consideradas incuráveis até o momento, se discute atualmente quais

os limites que devem ser impostos à ciência e como a bioética avalia a questão.

A análise de aspectos bioéticos no uso de células-tronco embrionárias para a

pesquisa científica justifica-se na medida em que pode contribuir na objetivação e

desmistificação do tema. Pode também trazer luz a questões como a da destinação de

embriões criopreservados, viáveis e que não serão doados pelos seus genitores. Ou

então embriões cuja utilização não foi prevista na Lei de Biossegurança, pois a lei

limitou a permissão para os embriões que estivessem “congelados até a dia de 28 de

março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu

congelamento”. O destino dos embriões congelados após essa data e não utilizados

para a reprodução assistida é um tema de rica exploração para a Bioética.

27

Page 17: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

A lei de Biossegurança condiciona também a permissão do uso dos embriões

para a pesquisa à inviabilidade dos mesmos e para tanto discorreremos sobre o

conceito de embrião inviável, seus limites e suas contradições. Podemos considerar

inviável o embrião que permanece em laboratório, criopreservado e sem nenhuma

perspectiva de implantação no útero materno? Ou inviável é o embrião que, por

características morfológicas, se implantado não geraria gravidez?

O objetivo do trabalho é discutir o status do embrião e a partir de quando ele tem

importância como pessoa e também fazer uma análise da legislação vigente no Brasil e

no mundo, assim como discutir os referenciais bioéticos adotados em pesquisas de

células-tronco que utilizem embriões. Sabemos que existem milhares de embriões

congelados em tanques de nitrogênio líquido pelo mundo e que a grande maioria

jamais será utilizada com fim de gerar um novo indivíduo. Sabemos também que na

sociedade atual em que os casamentos não têm mais uma longa duração e que muitos

casais se separam e abandonam seus embriões nas clínicas de reprodução assistida,

ficam as grandes questões: O que fazer com esses embriões órfãos? Devemos

continuar produzindo embriões excedentes?

A Bioética surgiu para discutir esses temas tão controvertidos. Hans Potter,

considerado o “pai da Bioética” quando pediu o reconhecimento dessa nova ciência

pretendia discutir o desenvolvimento do saber em relação à vida, associado com os

valores humanos. E com a evolução das pesquisas e a utilização do homem como

cobaia humana nas pesquisas surgiu a necessidade de se criar paradigmas onde fosse

necessário criar limites.

Esses embriões que jamais serão utilizados para gerar um indivíduo poderão ser

utilizados em pesquisa e com isso beneficiar uma quantidade imensa de doentes, é o

que defende a corrente utilitarista da Bioética. A Igreja Católica defende que a vida é

inviolável a partir de sua concepção, seja natural ou artificial. Os juristas simpatizantes

da teoria concepcionista defendem que os embriões possuem direitos a partir da

concepção. A Constituição Federal em seu artigo 5º diz que o direito à vida é inviolável.

A dimensão jurídica no uso de células-tronco embrionárias é apresentada com a

análise das legislações de diferentes países e a legislação no Brasil.

28

Page 18: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Muitos dizem que o século XXI será o século da terapia celular. Existem

esperanças que a evolução da engenharia genética permita criar tecidos e órgãos a

partir de células-tronco e com isso salvar muitas vidas de pacientes que ficam em fila

de espera para a realização de um transplante. Avaliaremos então, através de

resultados publicados, o estado da arte das pesquisas com as células-tronco adultas e

embrionárias e os benefícios que acarretam ou vão acarretar no mundo científico com

as novas perspectivas de tratamento para doenças consideradas incuráveis até o

momento.

Não podemos ignorar que no Brasil, assim como no mundo inteiro, existem

milhares de embriões criopreservados em laboratórios de clínicas de reprodução

assistida. Essa constatação traz à tona um problema ético e legal que precisa ser

enfrentado e que não pode ser postergado indefinidamente. A solução está longe de

ser fácil, mas cedo ou tarde, uma atitude política e jurídica terá que ser tomada

enfrentando todos os questionamentos éticos decorrentes da decisão.

29

Page 19: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

II. DESENVOLVIMENTO

30

Page 20: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

1. Reprodução Assistida: o elo entre as células-tronco e os limites da ciência

A Reprodução Assistida utilizando a técnica de Fertilização in vitro teve

inicialmente o seu desenvolvimento voltado para resolver os problemas apresentados

por casais inférteis na constituição de sua família. No entanto, com a evolução da

biotecnologia, as técnicas aplicadas tiveram seu impacto no mundo todo devido ao

efeito familiar e social ao ter o poder de mudar a constituição da família, assim como

modificar o papel representado pela mulher e pelo homem na maternidade e

paternidade.

Hoje, utilizando as novas tecnologias reprodutivas conceptivas, são permitidas

variadas possibilidades à mulher e ao homem: os casais considerados estéreis podem

gerar um filho com ou sem a utilização de gametas doados; quando o problema for de

ordem uterina e não permitir levar uma gestação até o final, utilizar a chamada “barriga

de aluguel”, situação essa permitida ou não pelas normas do país de origem do casal;

as mulheres solteiras podem gerar um filho utilizando gametas de doador anônimo;

homens vasectomizados que mais tarde ao resolverem ser pais novamente utilizam o

seu sêmen congelado; homem ou mulher que se submetem a um tratamento

quimioterápico e congelam seus gametas anteriormente para, após a cura, terem seus

filhos com a inseminação artificial; mulheres que ficam viúvas e depois utilizam o

sêmen congelado do seu marido para gerar um filho que já nasce órfão de pai.

Todas essas situações, que nos anos 50 não ousaríamos imaginar, mudaram

completamente o panorama da reprodução humana que conhecíamos e os aspectos

éticos, morais, jurídicos e socialmente aceitos se apresentam como desafios para a

sociedade atual.

Além de sua importância sociológica na constituição da família, a reprodução

assistida permitiu a possibilidade de utilização de biotecnologia na manipulação do

embrião. Diversas possibilidades como a produção do embrião extra-útero em bancada

de laboratório, sua implantação, a possibilidade de redução embrionária, o diagnóstico

pré-implantacional para verificação de doenças genéticas graves, o congelamento e

criopreservação dos embriões excedentes, a utilização de células-tronco embrionárias

31

Page 21: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

para pesquisa e terapia visando à regeneração de tecidos ou órgãos, a clonagem

reprodutiva ou com fins terapêuticos, a destruição dos embriões congelados, todas elas

levam à reflexões bioéticas difíceis de se chegar a um consenso.

Com toda essa gama de perspectivas vieram os dilemas dos limites da ciência e

da intervenção do homem no embrião resultante da fertilização in vitro.

1.1 Regulação da Reprodução Assistida

No Brasil, a Resolução nº 1.358 de 1992, do Conselho Federal de Medicina

estabeleceu as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida

nos casos de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outros

métodos utilizados não obtiveram sucesso. Nos outros países, o Direito se encarregou

diretamente de regulamentar essa atividade através de lei enquanto no Brasil, ela está

inserida como procedimento médico e sujeita ao Código de Ética Médica.

Justificando a regulamentação, o Conselho Federal de Medicina vê a infertilidade

humana como um problema de saúde levando o casal a ter implicações médicas e

psicológicas, além de achar necessário harmonizar o uso das técnicas de fertilização

com os princípios éticos médicos.

A resolução 1.358 do Conselho Federal de Medicina definiu que toda mulher,

capaz nos termos da lei, casada ou em união estável, pode ser a receptora das

técnicas de RA desde que ela e o seu cônjuge ou companheiro concordem de maneira

livre e consciente através de consentimento informado. O número de ovócitos e pré-

embriões a serem transferidos para a receptora não poderá ser superior a quatro

sendo que o excedente deverá ser criopreservado, não podendo ser descartados ou

destruídos. No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem

expressar suas vontades por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-

embriões criopreservados em situações diversas como divórcio, doenças graves ou de

falecimento de um deles ou de ambos, ou quando desejarem doá-los.

32

Page 22: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

1.2 Técnicas de Reprodução Assistida

Passos (2005), em seu artigo “História da Reprodução Assistida”, refere que a

evolução das técnicas de reprodução assistida teve seu marco no ano de 1978,

quando nasceu o primeiro ser humano resultante de fertilização extra-corpórea, sendo

o fato relatado por Steptoe e Edwards. A menina, chamada de o primeiro “bebê de

proveta”, recebeu o nome de Louise Brown e hoje já é mãe de uma criança concebida

por método natural. Muitos estudos ocorreram até a obtenção deste sucesso da

técnica, uma vez que a possibilidade de cultivo de oócito foi reconhecida desde o final

do século 19 e a partir da década de 30, houve relatos de experimentos com animais.

Relata também que os modelos animais foram a base para os experimentos

realizados e os pesquisadores utilizaram espécies animais como ratas, camundongos

e hamster para a fertilização in vitro e que Edwards em 1965, fez os primeiros relatos

de observação in vitro de oócitos humanos em diferentes estágios de maturação.

Depois, foi em 1974, que Toyoda e Chang completaram o ciclo de fertilização com a

transferência de embriões, resultando o experimento em gestação de nove das

quatorze receptoras animais com a obtenção de 43 fetos nascidos. Steptoe e

Edwards, em 1976, relataram obtenção de quatro oócitos após estimulação ovariana e

fertilização de um deles com 16 células, que foi introduzido na cavidade uterina

obtendo uma gravidez ectópica, sendo o feto removido após 13 semanas. Finalmente

em 1978, nascia o primeiro ser humano resultante de técnica de fertilização in vitro e

transferência de embrião no estágio de oito células.

A partir desse feito onde o homem modificou a história da reprodução humana,

foram publicados vários trabalhos aprimorando a técnica. Com o surgimento da ultra-

sonografia, que permite a identificação da ovulação e a facilitação da punção folicular,

esses fatos resultaram em diminuição do desconforto na mulher e em diminuição nos

custos do procedimento.

O desenvolvimento da técnica de reprodução assistida passou a se confundir

com o próprio desenvolvimento da ultra-sonografia permitindo auxiliar no controle dos

ciclos de ovulação induzidos além das habituais dosagens hormonais. Posteriormente,

com a evolução das técnicas de reprodução assistida surgiram novos protocolos que

33

Page 23: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

utilizavam fármacos com a finalidade de indução da multiovulação, permitindo assim a

retirada de um número maior de oócitos para serem fertilizados e conseqüentemente,

a produção de um maior número de embriões para a implantação.

A técnica desenvolvida resultando em multiovulação trouxe por um lado

benefícios para a mulher, pois esta não precisa se submeter novamente aos riscos de

síndrome de hiperestimulação ovariana se não houver a implantação do embrião.

Como existe embrião disponível congelado, essa mulher pode tentar uma nova

implantação em seu útero. Porém se a gravidez tiver já ocorrido na primeira tentativa,

ela pode desejar ter um segundo filho utilizando, para esse fim, seu embrião

congelado.

Por outro lado, a multiovulação estimulada por medicamentos permite a

fertilização de todos os oócitos aspirados e com isso haverá a produção de vários

embriões, sendo que quatro é o número máximo permitido para implantação,

conforme Resolução do Conselho Federal de Medicina. Ocorre que, a implantação

de até quatro embriões aumenta a incidência de gravidez de gemelares nas mulheres

utilizadoras dessa técnica de reprodução assistida e trazem conseqüências de

implicações biológicas e sócio-econômicas, além de dilemas bioéticos. É sabido que

gravidez gemelar aumenta o risco tanto para as mulheres quanto para o

desenvolvimento fetal, podendo ser necessário, nesses casos, a utilização de

redução embrionária.

Os embriões excedentes são então criopreservados e mantidos nas clínicas de

reprodução humana gerando o dilema bioético em face da incerteza do seu destino.

Podemos sintetizar a fertilização in vitro nas seguintes etapas:

• triagem e preparação das pacientes.

• estimulação ovariana para a captação de um número maior de ovócitos e

conseqüentemente um número maior de embriões.

• coleta de ovócitos por aspiração guiada por ultra-som.

• fertilização com o sêmen coletado e desenvolvimento dos embriões.

• transferência de embriões.

34

Page 24: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Se antes o homem infértil ficava de fora do processo da reprodução assistida,

hoje, através da técnica da injeção intra-citoplasmática de espermatozóide (ICSI), é

possível realizar a fertilização do óvulo mesmo com um número baixo de

espermatozóides ou através de espermatozóides recuperados através de punção ou

biópsia testicular.

1.3 Fertilização in vitro

A técnica mais conhecida e aplicada é a técnica de fertilização in vitro (FIV) em

que a fertilização e o desenvolvimento inicial do embrião são realizados em laboratório

e posteriormente o embrião é transferido para o útero materno.

A fertilização in vitro é indicada na disfunção ovulatória moderada e severa, na

obstrução da tuba uterina e em déficit leve da qualidade do sêmen. A mulher é

submetida a uma hiperestimulação hormonal controlada do ovário por 1 a 2 semanas

e monitorada com exames laboratoriais e de ultra-sonografia. Quando 3 a 8 folículos

por ovário atingem 17 mm, ocorre a indução da maturação folicular por administração

de hormônios hCG com os folículos atingindo até 20 a 30 mm de diâmetro. Cada ciclo

bem sucedido de estimulação ovariana fornece cerca de 3 a 16 ovócitos para

fecundação. Após 36 horas da etapa de administração hormonal realiza-se a

aspiração dos folículos guiada por ultra-sonografia transvaginal. A coleta dos

espermatozóides é feita por masturbação, procedendo a seguir, a lavagem e

purificação do sêmen colhido, sendo posteriormente colocados em líquido de cultura

especial e incubados a 37º C. Após 1 hora os espermatozóides com melhor

mobilidade e morfologia migram para a superfície do frasco e são coletados por

aspiração. Se o sêmen é de um doador e se encontra congelado, a amostra é

descongelada e processa-se da mesma forma acima descrita. Nos casos em que

houver falha na coleta do sêmen por masturbação no laboratório tenta-se a coleta em

casa e se não der, obtém-se os espermatozóides por punção aspirativa do epidídimo

ou do testículo.

Após a coleta de espermatozóides, esses são colocados juntamente com os

folículos em um recipiente de laboratório e a seguir, folículos e espermatozóides são

35

Page 25: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

colocados em uma incubadora para ocorrer a fecundação. Este momento é

considerado o momento zero da fertilização in vitro.

O quadro a seguir na figura 1, mostra o esquema da fertilização in vitro:

fig. 1 : Esquema mostrando a técnica da fertilização in vitro.

Disponível em www.feliccita.com.br.

1.4 Transferência de Embriões

Os embriões são transferidos para a cavidade uterina através de um cateter,

guiados por ultra-sonografia. Eles são inseridos a 1 cm abaixo do fundo do útero na

saída das trompas e, após a transferência, o cateter é avaliado para confirmar que os

embriões foram corretamente inseridos na cavidade uterina. A transferência intra-

uterina é um processo rápido e indolor que demora cerca de cinco minutos.

No tratamento da fertilização in vitro, esta é a etapa mais crítica para obtenção

de sucesso na gravidez e a implantação embrionária ocorrerá naturalmente em torno

do 8º dia de gravidez. A qualidade e o número de embriões transferidos também são

essenciais para o sucesso da técnica.

36

Page 26: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

1.5 Fatores de Influência na Fertilização in vitro

Segundo a Associação Portuguesa de Infertilidade, as taxas de maturação

ovocitária, de fertilização e de desenvolvimento embrionário extra-útero não são

dependentes das técnicas de fertilização in vitro e sim de fatores individuais, como a

qualidade dos ovócitos e espermatozóides e da qualidade dos embriões fertilizados.

Os dados abaixo fornecidos, referem-se às taxas médias de maturidade ovocitária, de

fertilização e de desenvolvimento embrionário encontrados na reprodução assistida:

Maturidade ovocitária: 80% dos ovócitos aspirados

Fecundação (12-18 h pós-inseminação ou pós-microinjeção, de dia 1: embrião de 1 célula,

estádio de pró-núcleos ou zigoto): 70%

Embriões AB ao dia 2 (com 2-4 blastómeros): 60%

Embriões AB ao dia 3 (com 6-12 blastómeros): 50%

Embriões AB ao dia 4 (64 blastómeros: mórula: 40%

Embriões AB ao dia 5 (250 células: blastocisto): 30%

Embriões AB ao dia 6 (blastocisto eclodido): 25%

Qualidade embrionária

Embriões de dia 2-4

Excelente (grau A): embriões com blastómeros de diâmetro similar e 0% de fragmentos.

Boa (grau B): embriões com <25% de fragmentos.

Insuficiente (grau C): embriões com 25-50% de fragmentos. Só se devem transferir embriões C na

ausência de embriões A/B, porque contêm uma maior percentagem (93%) de anomalias

genéticas

Má (grau D): embriões com >50% de fragmentos. Não devem ser transferidos, porque possuem

(100%) anomalias genéticas.

Embriões de dia 5-6

Excelente (grau A): massa celular interna atinge pelo menos 2/3 do raio com ausência de células

degenerativas; presença de trofoblasto contínuo e fino sem células degenerativas; presença de

zona pelúcida fina.

Boa (grau B): massa celular interna 1/3-2/3 do raio com ausência de células degenerativas;

presença de trofoblasto contínuo e fino sem células degenerativas; presença de zona pelúcida

fina.

37

Page 27: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Insuficiente (grau C): massa celular interna 1/3-2/3 do raio e/ou presença de algumas células

degenerativas; trofoblasto mal diferenciado (descontínuo, ou espesso ou com algumas células

degenerativas); zona pelúcida espessa.

Má (grau D): massa celular interna <1/3 do raio; presença de múltiplas células degenerativas;

trofoblasto mal diferenciado (descontínuo, ou espesso ou com múltiplas células degenerativas);

zona pelúcida espessa.

Dia da transferência dos embriões

Dia 1: opcional.

Dia 2: se há ≤4 zigotos

Dia 3: se há pelo menos 5 zigotos

Dia 5: se há pelo menos 6 zigotos

Número de embriões a transferir

Embriões de dia 1: 3-4 se <35 anos, 4-5 se ≥35 anos ou se já efectuou 2 ciclos FIV sem gravidez.

Embriões de dia 2: 2-3 se <35 anos, 3-4 se ≥35 anos ou se já efectuou 2 ciclos FIV sem gravidez.

Embriões de dia 3: 2 se <35 anos, 3 se ≥35 anos ou se já efectuou 2 ciclos FIV sem gravidez.

Embriões de dia 5: 1 se <35 anos, 2 se ≥35 anos ou se já efectuou 2 ciclos FIV sem gravidez.

Taxas de gravidez

Mulher <39 anos de idade:

6% (embriões de dia 1: ovócitos fecundados, embrião de 1 célula ou zigoto).

19% (embriões de dia 2, com 4 células).

27% (embriões de dia 3, com 4 células).

35% (embriões de dia 4, com 64 células ou mórula).

42% (embriões de dia 5, com 250 células ou blastocisto)

Mulher ≥39 anos de idade: 10-15% menos.

Taxas de gravidez gemelar. 20-25%. Pode ser nula se só se efectuar transferência de 1

blastocisto ou de 1-2 embriões (de dia 2 ou de dia 3).

Observando os dados, a melhor taxa de gravidez ocorre nas mulheres com

idade inferior a 39 anos, utilizando embriões com 5 dias de desenvolvimento e na

forma de blastocisto. Nessas condições, utilizando os melhores embriões, 42% das

implantações resultam em gravidez.

38

Page 28: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

1.6 Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides – ICSI

A técnica da ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozóides) está indicada

nos problemas de infertilidade masculina como alteração moderada ou severa do

sêmen, diminuição da produção de espermatozóides, problemas na ejaculação e para

o diagnóstico genético pré-implantação (DGPI).

A ICSI também está indicada nos casos em que se realizou uma FIV onde não

houve a fecundação; onde ocorreram duas FIV sem resultar gravidez; onde se

conseguiu um número de ovócitos menor que quatro após estimulação ovariana; onde

não se conseguiu maturidade ovocitária após estímulo; em mulheres com idade igual

ou superior a 35 anos e nos diagnósticos genéticos de pré-implantação.

A figura 2 mostra a técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozóides:

fig.2 : ICSI – a figura mostra a técnica de introdução do espermatozóide no ovócito através de agulha apropriada

Esquema disponível em www.feliccita.com.br

A técnica de coleta de espermatozóides dependerá do problema apresentado

pelo homem, podendo ser feita por aspiração testicular, por aspiração do epidídimo,

por isolamento na urina, por vibração ou por eletroejaculação. Após a obtenção do

39

Page 29: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

espermatozóide injeta-se um espermatozóide em cada ovócito obtido com a mesma

técnica utilizada pela FIV.

1.7 Diagnóstico Genético de Pré-Implantação (DGPI)

O diagnóstico genético de pré-implantação consiste em utilizar embriões com 6 a

12 blastômeros, número alcançado no dia 3 após a fertilização, e retirar uma ou duas

dessas células para diagnosticar doenças importantes em casais que são portadores.

As células removidas vão para a análise genética e os embriões são colocados em

cultura, isolados. Após a confirmação da normalidade dos embriões, é efetuada a

transferência para o útero da mulher.

O DPGI tem sua indicação em doenças genéticas hereditárias dos progenitores

que tenham risco de transmissão ao feto maior ou igual a 25%. Entre as aplicações

estão: determinação do sexo do embrião para que doenças ligadas ao sexo possam

ser determinadas e evitadas; anomalias cromossômicas parentais como

translocações, síndrome de Klinefelter; em mulheres com idade materna avançada

reduz ou elimina o risco de gerar uma criança com Trissomias como a Trissomia do

cromossomo 21 (Síndrome de Down); defeito genético envolvendo um único gene,

como fibrose cística, anemia falciforme, hemofilia, doença de Tay-Sachs, doença de

Huntington e outras.

Pode ser utilizado também na gestação de um irmão ou irmã com doença

hematológica que necessita de um transplante de medula óssea e não encontra

doador compatível. A seleção é feita realizando a tipagem dos genes HLA de

histocompatibilidade e selecionando o embrião HLA compatível.

O diagnóstico genético de pré-implantação é passível de discussão entre o limite

do que é eticamente aceito e o que é tecnicamente realizável.

40

Page 30: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

2. Desenvolvimento do Embrião no Ser Humano

Neste tópico iremos examinar o desenvolvimento embrionário do ser humano

nas primeiras três semanas, período esse em que se discute o início da vida e o

momento que o embrião é considerado um ser humano.

Os embriologistas dividem o desenvolvimento humano em dois períodos: o

período inicial, chamado período embrionário que vai até a 8ª semana de gestação e o

período fetal que se inicia a partir da 8ª semana até o nascimento. Esses períodos

demarcados demonstram a seqüência do desenvolvimento na qual a fase que se inicia

com a formação de uma única célula, alcança a forma tridimensional com a presença

de órgãos e tecidos, vindo a seguir a fase de crescimento e maturação dos sistemas

corporais para após o nascimento, cada um desempenhar suas funções.

O período embrionário se subdivide em dois períodos: o primeiro, chamado pré-

embrionário, começa quando o óvulo é fertilizado e vai até a segunda semana; a partir

daí, inicia o período embrionário propriamente dito indo até a oitava semana de

gestação. No período entre a quarta e oitava semana, os sistemas de órgãos mais

importantes iniciam a sua formação, embora ainda apresentem uma função mínima.

Nesse período, o formato do embrião vai se alterando e na oitava semana apresenta

uma aparência distintamente humana.

O período fetal vai da nona semana até o nascimento. A transição do embrião

para feto não ocorre abruptamente, e a mudança de nomenclatura de embrião para

feto é significativa, pois indica que o embrião evoluiu para um ser humano

reconhecível como tal.

2.1 Primeira Semana do Desenvolvimento Humano A primeira semana do desenvolvimento humano começa na fertilização com a

formação do zigoto e vai até a fase de blastocisto onde no 6º dia, o blastocisto inicia

41

Page 31: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

sua implantação no endométrio uterino. Esse período de desenvolvimento está

representado na figura 3, abaixo:

Na fig.3 está representado o desenvolvimento embrionário na primeira semana de desenvolvimento desde a

fertilização até a implantação na cavidade uterina.

Fonte: imagem disponível em http://www.bioscience.org/atlases/fert/htm

A fertilização é o marco inicial do período pré-embrionário (figura 4). Ela se inicia

com o contato entre um espermatozóide e um ovócito e termina com a fusão do núcleo

42

Page 32: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

das duas células e a mistura dos cromossomos paternos e maternos. Esse processo

de fertilização dura cerca de 24 horas.

Até o período de 24 horas após a sua formação, o zigoto inicia a primeira das

séries de divisões mitóticas em células filhas cada vez menores sem aumentar o

volume citoplasmático total. Esse processo de divisão é denominado clivagem

formando células denominadas blastômeros (figura 5), e cerca de 50 horas após a

fecundação temos quatro blastômeros.

fig. 4: fertilização do fig. 5: zigoto dividido em 2

óvulo pelo espermatozóide blastômeros

Fonte: imagens disponíveis em http://www.bioscience.org/atlases/fert/htm

As divisões subseqüentes continuam se processando para formar blastômeros

cada vez menores. Quando o zigoto atinge a fase com oito células, os blastômeros

ainda estão frouxamente organizados podendo ser visualizados como estruturas

individuais, se compactando na transição para 16 células, fato que ocorre no 3º dia de

desenvolvimento, formando a mórula (do latim morus, amora).

A organização dos blastômeros dentro da mórula já apresenta duas populações

celulares, sendo que na mais externa, as células são denominadas de trofoblastos,

adquirindo características epiteliais e irão originar a parte embrionária da placenta e a

massa celular interna (ICM, Inner Cel Mass). A ICM será a precursora das células-

tronco pluripotentes, cuja progênie formará o embrião propriamente dito, o saco

vitelínico, o alantóide e o saco amniótico, sendo denominado também de embrioblasto.

43

Page 33: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Na fase inicial a mórula possui sua estrutura estabilizada por meio de formação

de diferentes tipos de junções celulares entre as duas populações resultantes da

compactação.

Durante o quarto dia desenvolvimento, a mórula, que no início se apresenta

morfologicamente maciça (figura 6), começa a acumular líquido em seu interior e

transforma-se em blastocisto (figura 7), com a formação de uma cavidade interna

chamada de blastocele e compressão do embrioblasto contra o anel externo de

células trofoblásticas, formando o pólo embrionário. A fase de transição, de mórula

para blastocisto ocorre normalmente no percurso da tuba uterina, impulsionada

lentamente pelos movimentos sincronizados dos cílios da parede tubária. Este trajeto

dura cerca de quatro dias.

fig. 6 : mórula fig. 7: blastocisto

Fonte: imagens disponíveis em http://www.bioscience.org/atlases/fert/htm

A implantação do blastocisto ao endométrio do útero se estabelece normalmente

no 6º dia após a fertilização estando normalmente encerrada no fim da segunda

semana após a fertilização. Para ocorrer a implantação, o endométrio uterino sofre

mudanças morfológicas e funcionais sob a ação do hormônio progesterona que o

torna propício para a implantação do blastocisto.

2.2 Segunda Semana do Desenvolvimento Humano

A segunda semana do desenvolvimento humano apresenta como característica

a proliferação rápida e diferenciação do trofoblasto. Estes processos ocorrem durante

44

Page 34: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

o processo de implantação do blastocisto no endométrio e as várias transformações

endometriais são conhecidas como reação decidual. As células em divisão, em

contato direto com o epitélio endometrial perdem suas membranas limitantes formando

uma massa multinucleada que cresce rapidamente, denominada sinciotrofoblasto. A

camada mais interna do trofoblasto que se encontra em contato direto com o

embrioblasto formando o restante da parede da cavidade blastocística, denomina-se

citotrofoblasto.

fig. 8: blastocisto pronto fig. 9: implantação

para ser implantado

Fonte: imagens disponíveis em http://www.bioscience.org/atlases/fert/htm

A implantação completa do blastocisto (figura 8) no endométrio uterino acontece

normalmente no 9º dia após a fertilização (figura 9). Nesta fase, o embrião é envolvido

completamente pelo sinciotrofoblasto que envolve também pequenas cavidades, as

lacunas trofoblásticas que rapidamente se enchem de sangue materno. Essas

estruturas vão dar o aporte de nutrientes para o embrião, assim como realizarão

também, as excreções provenientes de seu metabolismo originando os primórdios de

uma circulação uteroplacentária. Com o desenvolvimento embrionário, posteriormente,

essas lacunas aumentam em número e tamanho para formar o espaço interviloso da

placenta.

O embrioblasto vai se desenvolvendo concomitante ao desenvolvimento do

trofoblasto. Entre o 7º e 8º dia, a massa celular interna se subdivide em hipoblasto

com uma camada de células cubóides e epiblasto com camada de células de aspecto

colunar, separadas por uma membrana basal formando o disco embrionário bilaminar.

Até o 14º dia o embrião ou concepto se apresenta com o disco bilaminar e seus

anexos, circundado pelo mesoderma extra-embrionário externamente, pendente no

interior da cavidade coriônica e conectado à parede desta pelo pedículo.

45

Page 35: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

2.3 Terceira semana do Desenvolvimento Humano

Durante a terceira semana há um rápido desenvolvimento do embrião e as

transformações se iniciam com o aparecimento a partir do 15º dia da linha primitiva,

um sulco longitudinal inicialmente mal definido, com início próximo à borda e

prolongando-se até a região central do disco embrionário. Após 24 horas, nesta parte

do sulco, forma-se o nó primitivo. A linha primitiva divide simetricamente o disco

embrionário em duas populações celulares responsáveis pelas partes direita e

esquerda do corpo. A região do disco embrionário anterior ao nó primitivo irá originar

estruturas cefálicas enquanto que as células mais próximas à linha primitiva formarão

estruturas mais dorsais. Por volta do dia 18 do desenvolvimento embrionário, a placa

neural se transforma no tubo neural que é o primórdio do SNC. Para muitos o início da

vida se inicia na formação do sistema nervoso no embrião.

2.4 Fatores Interferentes na Implantação do Embrião

Para ocorrer a implantação do blastocisto é necessário que a parede do útero, o

endométrio, esteja preparada para que isso aconteça. Alguns fatores que alteram o

equilíbrio entre os hormônios estrógeno e progesterona interferem na preparação do

endométrio para que ocorra a implantação.

2.4.1 Pílula do Dia Seguinte

A implantação do embrião pode ser inibida com doses relativamente grandes de

estrógenos (“pílulas da manhã seguinte”) durante vários dias, iniciando logo após uma

relação sexual não protegida. Essas doses estrogênicas altas geralmente não

impedem a fertilização, mas com freqüência impedem a implantação do blastocisto por

haver um desarranjo hormonal no endométrio uterino, tornando-o inadequado para a

implantação do embrião em fase de blastocisto.

46

Page 36: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Quando a pílula do dia seguinte foi posta à venda nas farmácias italianas em

2000, a Pontifícia Academia para a Vida se posicionou contra:

...3. É claro, então, que a comprovada ação “anti-implantação” da pílula do dia seguinte é

realmente nada mais do que um aborto quimicamente induzido. Não é intelectualmente

consistente nem cientificamente justificável dizer que não estamos tratando da mesma

coisa. Além disso, parece suficientemente claro que aqueles que pedem ou oferecem

essa pílula estão buscando a interrupção direta de uma possível gravidez já em

progresso, da mesma forma que no caso do aborto, A gravidez, de fato, começa com a

fertilização e não com a implantação do blastocisto na parede uterina, que é o que tem

sido implicitamente sugerido.

4. Conseqüentemente, do ponto de vista ético, a mesma absoluta ilegalidade dos

procedimentos abortivos também se aplica à distribuição, prescrição e uso da pílula do

dia seguinte. Todos os que, compartilhando ou não a intenção, cooperam diretamente

com esse procedimento, são também moralmente responsáveis por ele.

2.4.2 Dispositivo Intra-uterino

O DIU, dispositivo intra-uterino, geralmente interfere na implantação do

blastocisto por provocar uma reação inflamatória local. Alguns DIUs contêm

progesterona, que é liberada lentamente e interfere com a evolução do endométrio,

fazendo com que usualmente não ocorra a implantação.

2.4.3 Aborto Espontâneo

O aborto é definido comumente como o término de uma gravidez antes de 20

semanas de gestação, período esse, que o feto ou embrião não é viável fora do útero

materno.

Durante as três primeiras semanas após a fecundação, a maioria dos abortos

ocorre espontaneamente. A freqüência desses abortos de embriões iniciais é difícil de

ser determinada, pois quando ocorre, a mulher normalmente não sabe que engravidou

47

Page 37: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

e devido ao tamanho muito reduzido do embrião, fica muito difícil sua visualização no

fluxo menstrual.

Moore & Persaude (1993) citam que estudos realizados com abortos

espontâneos iniciais indicam que os embriões eram em sua maioria anormais, ou seja,

inviáveis. Hertig, em 1967, calculou que de 70 a 75% de blastocistos que se

implantam, 58% sobrevivem ao fim da segunda semana. Em outro estudo (Boué et al.,

1975), foi verificada que a incidência de anormalidades cromossômicas em abortos

espontâneos iniciais era cerca de 61%. Comparando os dados de vários estudos, Carr

e Gedeon, em 1977, calcularam que 50% de todos os abortos espontâneos

conhecidos resultam de anormalidades cromossômicas e que um terço a metade de

todos os zigotos nunca chegam ao estágio de blastocisto nem se implantam.

2.5 Questões Bioéticas a Serem Refletidas

Com a reprodução humana assistida pelo homem que mudou o curso natural da vida

surgiram os dilemas bioéticos relacionados com o tema que deve ser tratado de forma

a preservar a dignidade humana:

O início da vida pode ser demarcado?

O momento do encontro do espermatozóide com o óvulo é com certeza o marco inicial

de um longo processo que pode resultar em uma pessoa?

fig.10: fertilização fig.11: embrião com 2 células fig.12: feto com 38 semanas

Fonte: imagens disponíveis em http://www.bioscience.org/atlases/fert/htm

48

Page 38: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

As figuras 10, 11 e 12 mostram o desenvolvimento do ser humano em estágios

diferentes: Podemos dar o mesmo status de pessoa a essas diferentes fases?

Devemos dar ao embrião congelado no freezer, o mesmo status ao embrião que está

na tuba uterina, no mesmo estágio de desenvolvimento?

Devemos usar o mesmo critério legal de morte utilizado no transplante para o início da

vida no embrião?

Devemos continuar congelando embriões?

49

Page 39: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

3. Células-tronco

Foi fato marcante para o desenvolvimento revolucionário da biologia

celular, o nascimento da ovelha Dolly divulgado em 1997, primeiro mamífero clonado a

partir de uma célula somática adulta, por meio de técnicas de reconstrução

embrionária por transferência nuclear. O artigo relatando o feito foi publicado na

revista Nature em fevereiro de 1997, liderado pelo cientista escocês Ian Wilmut. Foi

possível pela primeira vez que o material genético presente em uma célula adulta,

diferenciada, somática, servisse como fonte para orientar o desenvolvimento de um

novo embrião, a partir da fusão entre o núcleo daquela célula adulta e um óvulo

enucleado. Um ano depois, em 1998, os cientistas norte-americanos Thomson e

Gearhart, independentes, publicaram a obtenção de células embrionárias pluripotentes

humanas nas revistas Science e Proceedings of the National Academy of Sciences,

respectivamente. Rapidamente o mundo científico vislumbrou a combinação das duas

tecnologias recém-descobertas, a clonagem e as células-tronco humanas. A partir

dessa possibilidade surgiu um novo conceito, a clonagem terapêutica, método onde

seria possível reconstruir ou reparar os tecidos danificados por doenças ou por

acidentes, a partir de novas células idênticas às células dos tecidos afetados e com a

mesma identidade genética do paciente.

Com a evolução das pesquisas, foram descobertos e caracterizados diversos

tipos de células-tronco, encontradas tanto em estágios embrionários como em tecidos

fetais e em vários tecidos adultos.

As células-tronco possuem duas características fundamentais: são capazes de

se autoperpetuarem dividindo-se para darem origem a outras células com

características idênticas e podem em determinadas circunstâncias, diferenciarem-se

em outros tipos celulares de qualquer órgão de nosso corpo. Essa capacidade de

diferenciação varia de acordo com o tipo de célula-tronco. As células-tronco de origem

embrionária podem originar todos os tipos celulares presentes no organismo adulto,

enquanto as células-tronco presentes em tecidos adultos possuem uma capacidade de

diferenciação aparentemente mais limitada.

50

Page 40: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

3.1 Células-tronco Embrionárias

Ao iniciar a divisão celular, na fase denominada mórula, as células que a

compõem têm as características de células-tronco totipotentes, que podem em

princípio originar, cada uma delas, tecidos extra-embrionários, um embrião e todos os

tecidos e órgãos pós-embrionários. Como o embrião na fase pré-implantatória chega

ao desenvolvimento de blastocisto, as células que os constituem perdem a totipotência

e passam a ser pluripotentes. Portanto ao falarmos de células-tronco embrionárias

estamos falando de células-tronco pluripotentes.

As células-tronco embrionárias são células originadas de embriões mamíferos no

estágio de blastocisto durante o desenvolvimento embrionário. Nesta fase do embrião,

células da massa celular interna vão dar origem a todos os tecidos do indivíduo adulto.

Essas células retiradas e colocadas em cultura podem originar uma linhagem de

células-tronco embrionárias pluripotentes. Devido a essa capacidade se multiplicar em

cultura mantendo sua pluripotência e também de ter a possibilidade de se diferenciar

em tipos celulares específicos por meio de indução, as células-tronco se tornaram uma

fonte promissora e importante de meio para a regeneração de tecidos.

As células-tronco pluripotentes são células capazes de dar origem aos diferentes

tipos de tecidos adultos. Essas células são obtidas a partir do embrião em sua fase

inicial de desenvolvimento, no estágio de blastocisto e presentes na chamada massa

celular interna (MCI). Essas células derivadas da MCI integram os critérios de células-

tronco: células com proliferação prolongada e auto-renovação, e com capacidade de

diferenciação em diferentes linhagens.

Desde a sua descoberta, foram as células-tronco de ratos que formaram o

modelo experimental na embriologia molecular e na modificação genética dirigida.

Neles, foram verificadas as propriedades pluripotentes das células-tronco

embrionárias, injetando-as em outros embriões em estágios embrionários de mórula

ou blastocisto equivalentes, dando origem a organismos de duas origens distintas,

seja do embrião que atua como receptor, seja das células-tronco injetadas,

51

Page 41: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

verificando-se a capacidade das últimas de produzir todas as linhagens celulares que

formam um organismo adulto.

As células-tronco embrionárias têm como característica principal, sua

pluripotência, pois quando elas são reintroduzidas no blastocisto retomam o seu

desenvolvimento normal colonizando diferentes tecidos do embrião, incluindo a linha

germinativa.

José, 2005, cita que em 1998 dois grupos comunicaram a obtenção de células-

tronco humanas embrionárias. O primeiro grupo, de James A. Thomson, do Centro de

Pesquisa Regional sobre Primatas da Universidade de Winsconsin nos Estados

Unidos, publicou na revista Science que obteve uma linhagem de células-tronco

pluripotentes a partir de blastocistos obtidos em procedimentos de fertilização in vitro,

aplicando métodos semelhantes aos utilizados na obtenção das primeiras células-

tronco de ratos. Nestas células demonstrou-se a existência de uma série de

marcadores específicos de células-tronco embrionárias pluripotentes, assim como a

expressão da telomerase, enzima normalmente silenciosa na linhagem celular

somática e ativa em células germinais. Estas células foram injetadas via intramuscular

em ratos observando-se depois sua pluripotência ao ser constatada uma grande

variedade de tipos celulares correspondentes a múltiplas linhagens nos teratomas

formados.

O segundo grupo citado por José, foi o grupo liderado por John D. Gearhart,

da Faculdade de Medicina da Universidade John Hopkins em Baltimore, Estados

Unidos. Esse grupo obteve a linhagem de células-tronco embrionárias humanas a

partir de blastemas germinais de fetos resultantes de abortos terapêuticos. Foi

pesquisada também a presença de marcadores de célula-tronco embrionária

pluripotente similar ao grupo citado anteriormente. Para verificar a pluripotência

dessas células-tronco germinais humanas, o grupo de pesquisadores optaram por

gerar corpos embrióides que possuíam as três camadas embrionárias: ectoderma,

mesoderma e endoderma. Posteriormente, foi demonstrado também nos corpos

embrióides a presença de células diferenciadas in vitro com marcadores de tipo

neuronal, hematopoiético, muscular, endotelial e de origem endodermal, a partir de

cultura dessas células-tronco germinais humanas.

52

Page 42: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Após 1998, pesquisas realizadas em países como Austrália, Israel, Cingapura e

Suécia tiveram êxito na obtenção de linhagens de células-tronco humanas

embrionárias e germinais. José, p. 31, cita ainda que:

a pluripotência dessas células-tronco embrionárias/germinais humanas foi majoritariamente

avaliada in vitro, por meio do estudo pormenorizado do efeito de diversos fatores de crescimento

na diferenciação dessas células-tronco rumo a determinados tipos celulares somáticos. Este

provavelmente seja um dos campos mais promissores e para o qual os maiores esforços de

pesquisa estão confluindo: a capacidade de controlar o até agora relativamente imprevisível

processo de diferenciação in vitro das células-tronco humanas de origem embrionária ou

germinal.

Apesar disso, já existem as primeiras versões de protocolos experimentais

especificamente projetados para a conversão, em laboratório, de células-tronco humanas

embrionárias em linhagens neuronais, um dos tipos celulares com maiores expectativas

terapêuticas para o possível tratamento de doenças neurodegenerativas (Parkinson, Alzheimer,

esclerose múltipla etc.). Em 2001, a equipe americana de Thomson e o consórcio formado pelas

equipes australiana e israelense propuseram, simultaneamente, mas de forma independente,

métodos para fazer células-tronco humanas embrionárias se diferenciar em tecido neural,

formado por seus três tipos celulares constituintes (neurônios, astrócitos e oligodendrócitos),

validando suas propostas in vivo em experimentos nos quais estas células de tipo neuronal eram

implantadas no cérebro de ratos (em alguns casos imunossuprimidos, para limitar a rejeição) e a

sua evolução posterior observada, constatando-se o estabelecimento de conexões neuronais

funcionais. Não foi observado o aparecimento de teratoma nem de derivados celulares não-

neuronais. Estes resultados tão promissores também foram confirmados com a utilização de

protocolos de diferenciação de células-tronco embrionárias de rato (células ES) rumo a neurônios

dopaminérgicos, os quais foram usados para implante em modelos animais experimentais da

doença de Parkinson, observando-se melhoras manifestas nos sintomas característicos dessa

patologia neurodegenerativa.

Além da derivação para tipos celulares neuronais, conseguiu-se a conversão de células-

tronco humanas em cardiomiócitos, hepatócitos, células endoteliais e células-tronco

hematopoiéticas.

Uma outra expectativa de uso de células-tronco embrionárias está no tratamento

para o diabetes, especialmente o diabetes tipo I, de origem auto-imune, em que

desaparece a maior parte das ilhotas de células β do pâncreas que possuem a

capacidade de sintetizar insulina.

53

Page 43: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O primeiro trabalho relacionado com a diabete foi publicado pela equipe do

professor Bernat Soria da Espanha, que comunicou em 2000 a obtenção de células

secretoras de insulina produzidas a partir de células-tronco embrionárias de rato,

segundo José. Nesse trabalho, Soria reimplantou essas células diferenciadas em

modelos animais com diabete induzida experimentalmente, conseguindo restaurar a

hiperglicemia dos ratos diabéticos.

Um ano após, em 2001, dois grupos de pesquisadores americanos

apresentaram em seus trabalhos a possibilidade de gerar, a partir de células-tronco

embrionárias de rato, estruturas semelhantes às das ilhotas pancreáticas de células β,

produtoras de insulina. No trabalho da equipe de Ron McKay foi demonstrada a

melhora da expectativa de vida dos ratos diabéticos induzidos experimentalmente. O

outro trabalho, liderado por S. Kim, conseguiu níveis de secreção de insulina

superiores aos dos experimentos anteriores e demonstrou a normalização da glicemia

nos camundongos diabéticos nos quais haviam sido implantadas as estruturas

semelhantes às ilhotas pancreáticas. Em vista desses resultados, os primeiros

protocolos experimentais para produzir células secretoras de insulina a partir de

células-tronco embrionárias humanas começaram a aparecer. Porém, um trabalho

publicado pela revista Science em 2003, liderado por Douglas Melton, acendeu uma

luz de cautela e prudência e forçou a reavaliação das conclusões anteriores e a

revisão das expectativas. Melton concluiu em seu trabalho, que apenas uma em cada

100.000 células tem a capacidade de síntese de insulina e 10 a 30% delas tem a

capacidade de secreção, e que essa capacidade de secreção não é observada

quando o meio de cultura não contém insulina. Essa observação sugere que a origem

provável da insulina secretada é do meio de cultura. Mais estudos são necessários

para demonstrar os efeitos do meio de cultura utilizado nos experimentos,

demonstrando que a terapia celular com células-tronco embrionárias está em franca

evolução.

A capacidade das células-tronco embrionárias de se diferenciarem em diversos

tipos celulares permite que elas sejam vistas como uma fonte quase ilimitada na

terapia celular regeneradora de tecidos ou órgãos.

54

Page 44: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Pereira, in Zago e Covas (2006) cita que até 2005 diversos trabalhos

demonstram que as células-tronco embrionárias humanas já foram diferenciadas in

vitro, em uma variedade de tipos celulares derivados dos três folhetos embrionários e

também em células germinativas. Refere que essas células, em cultura podem formar:

neurônios e pele (derivados do ectoderma); sangue, músculo, cartilagem, células

endoteliais e cardíacas (derivadas do mesoderma); e células pancreáticas do

endoderma, entre outras. Por essa capacidade de diferenciação, as células-tronco

embrionárias humanas, além de terem o potencial de serem utilizadas na medicina

regenerativa, podem ser fonte de tecidos para transplantes. Porém, para isso

acontecer é necessário que as pesquisas utilizem um modelo animal mais semelhante

ao ser humano para testes in vivo que possam avaliar a segurança e eficácia dessas

terapias e neste sentido o macaco rhesus poderá ser o modelo adequado.

Porém, existe o risco das células-tronco no seu processo de diferenciação,

gerarem tumores quando utilizadas no ser humano, havendo um longo caminho a ser

percorrido antes de sua utilização, com protocolos seguros em terapias médicas.

3.2 Células – tronco Germinais

As células-tronco germinais são as células pluripotentes derivadas de células

precursoras germinais e podem ser obtidas a partir de tecidos oriundos de fetos de

abortos terapêuticos, sendo por isso uma fonte de células onde não suscita tanto a

questão bioética.

Nos embriões pré-implantatórios, em fase de blastocistos, a linha germinal é

representada pelas células-tronco embrionárias pluripotentes. Após a implantação do

embrião, no curso da embriogênese, aparentemente a linha germinal desaparece

durante um período e volta a se tornar patente em uma estrutura denominada crista

genital, onde vão originar as células gonadais do adulto, no período entre a 5ª e 9ª

semana de gestação. As células do blastema germinal são células-tronco pluripotentes

germinais e os fetos de abortos desse período podem ser fontes dessas células.

55

Page 45: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

3.3 Terapia celular com Células-tronco Pluripotentes

A terapia celular com as células-tronco embrionárias ou germinais apresenta

vantagens e desvantagens. Entre as vantagens, destacam-se a pluripotência, a

capacidade de cultivo e proliferação resultando em linhagens indefinidamente, além de

serem fáceis de isolar. Por sua vez, as desvantagens no seu uso se encontram na

dificuldade de dirigir a sua diferenciação para o tecido celular desejado e com isso

podem gerar tumores, além do problema imunológico de rejeição devido à introdução

de material genético estranho ao seu organismo. Mas o fato causador de maior

polêmica é que a origem das células-tronco embrionárias ou germinais é de

blastocistos humanos excedentes provenientes da FIV ou de blastemas germinais de

fetos humanos abortados, acarretando uma rejeição de ordem ético-moral ao causar a

sua destruição.

A dificuldade maior na estratégia de utilizar as células-tronco embrionárias é

resolver o problema da identidade imunológica. Para não ocorrer problema de rejeição

haveria a necessidade de histocompatibilidade entre as células-tronco e o paciente a

ser tratado. A clonagem terapêutica proposta resolveria fundamentalmente o conflito

de identidade genética entre doadores e receptores. A clonagem terapêutica

consistiria em combinar a técnica de transferência nuclear com a capacidade de

diferenciação das células-tronco embrionárias pluripotentes utilizando um ovócito

humano enucleado e um núcleo de célula somática do paciente que se pretende tratar

com a terapia celular regenerativa. O embrião resultante de transferência nuclear seria

mantido em cultura até o estágio de blastocisto, momento em que seriam retiradas as

células-tronco da massa celular interna e colocadas em cultura, células essas que

teriam a identidade genética do paciente. Em etapa posterior, essas células seriam

induzidas a se diferenciar no tipo celular do tecido a ser regenerado.

Essa técnica está distante de ser utilizada, pois a clonagem terapêutica está

proibida na maioria dos países. Além disso, supondo ser possível reproduzir embriões

humanos por transferência nuclear e que estes pudessem ser cultivados até o estágio

de blastocisto, e que nesta fase pudessem ser retiradas e cultivadas em cultura, as

56

Page 46: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

células-tronco pluripotentes embrionárias, ainda assim seria necessário verificar a

possibilidade de alterar um determinado gene para restituir sua função normal. Essa

técnica ainda não está validada na forma experimental.

Em síntese, apesar das expectativas terapêuticas baseadas no desenvolvimento

de protocolos de diferenciação de células-tronco embrionárias, a realidade é que ainda

estamos distante de uma aplicação imediata na biomedicina. Existem hoje,

impedimentos técnicos e falta de conhecimento biológico que poderão ou não serem

superados com maior pesquisa e desenvolvimento de projetos científicos.

3.4 Células-tronco Adultas

As células-tronco adultas ou células-tronco somáticas (soma=corpo) se

encontram provavelmente em todos os tecidos humanos, com a função de repor

células maduras desgastadas ou quando ocorre lesão ou reparação de tecido. Como a

capacidade de diferenciação é limitada ao tecido de origem, elas são classificadas

como células-tronco unipotentes, oligopotentes ou multipotentes.

Já foram identificadas células-tronco adultas no sangue, no cérebro, na córnea,

na retina, no epitélio olfativo, na polpa dentária, nos pulmões, nos músculos

esqueléticos, nos músculos cardíacos, no fígado, na mucosa intestinal, na gordura e

na pele. É objeto de controvérsias se existem células-tronco de ilhotas pancreáticas.

Somente a presença destas células nos tecidos não determina que elas

cumpram sua função regeneradora na lesão ou na substituição de células velhas, fato

que ocorre aparentemente no tecido nervoso. As células-tronco presentes na medula

óssea, no sangue e cordão umbilical são o exemplo clássico de atividade de

regeneração de células no organismo.

Mas, essas células-tronco podem em determinadas circunstâncias ter

comportamento ou transformar-se em células pluripotentes? Ou seja, uma célula-

tronco hematopoiética retirada da medula óssea pode transformar-se em uma célula

do tecido cardíaco para recuperação da musculatura cardíaca? Ou em célula do tecido

nervoso para recuperação de área atingida por um acidente vascular cerebral? Como

57

Page 47: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

essa célula predestinada a formar tecido sanguíneo, uma célula multipotente, pode

adquirir pluripotência e transformar-se em outro tecido? Caso esse fenômeno

aconteça, pode-se denominá-lo de transdiferenciação, que seria a capacidade de uma

célula transformar-se em outro tipo celular distinto do que essa célula-tronco adulta

com sua multipotência produz.

José, in Ferrer (2005) relata que em abril de 2001, as expectativas de terapia

com células-tronco adultas ganharam um novo impulso quando foi publicado um

trabalho coordenado pelo cardiologista de Nova York, Piero Anversa. Nesse trabalho,

o experimento foi realizado em ratos e foi observada uma possível transdiferenciação

de células-tronco hematopoiéticas em fibras musculares cardíacas a fim de regenerar

o tecido cardíaco infartado experimentalmente. As células-tronco dos ratos doadores

foram marcadas com proteína fluorescente verde, denominada GPP. Dos ratos

infartados laboratorialmente, 40% deles tiveram seu tecido muscular regenerado com

fibras musculares cardíacas novas que apresentavam fluorescência proveniente das

células doadoras. Os autores fizeram duplo rastreamento ao utilizar células-tronco de

ratos machos doadores em receptoras fêmeas tendo como marcador nesse caso o

cromossoma Y masculino. O resultado obtido de 40% de ratos com a área cardíaca

regenerada, foi justificado pelos autores pela dificuldade técnica no manuseio de um

pequeno coração que bate cerca de 600 vezes por minuto. Os estudos histológicos do

experimento demonstraram que os miócitos que apareciam em torno da zona infartada

eram provenientes das células doadoras. Esse experimento não foi reproduzido por

outro grupo e não ficaram isentos de questionamentos. A partir daí, tentou-se realizar

uma série de operações equivalentes em seres humanos infartados utilizando células-

tronco extraídas de sua própria medula óssea e foi observado algum sucesso nessa

nova terapia experimental.

Ainda José, cita que o trabalho de uma equipe de cientistas americanos e

italianos, coordenado por Margaret Goodell e publicado em 2002 demonstrou que as

células-tronco adultas musculares com aparente capacidade hematopoiética na

realidade já eram hematopoiéticas na sua origem e não musculares. Esse trabalho

veio demonstrar que as células-tronco hematopoiéticas não são encontradas somente

na medula óssea, mas também podem ser encontradas em fibras musculares. Outros

58

Page 48: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

trabalhos demonstraram que a capacidade de transdiferenciação aparentemente

adquiridas pelas células-tronco adultas, na realidade era obtida a partir de fusão

celular, pois as células aparentemente transdiferenciadas apresentavam-se com o

dobro ou mais do conteúdo genético habitual da célula somática. Jose pergunta-se

como

era possível que algo tão óbvio como a fusão celular tivesse passado desapercebido aos

pesquisadores de trabalhos anteriores? A resposta residia no projeto experimental. O

rastreamento das células descendentes das transplantadas era feito verificando-se apenas a

existência ora de marcadores genéticos (o gene ou o produto do gene lacZ ou o gene GFP) ou

cromossômicos ( o cromossomo Y das células doadoras), sem levar em consideração que essa

forma de seguir a pista das células não eliminava a possibilidade de que estas tivessem sido

geradas por fusão com células do animal receptor (e, portanto, carentes de marcadores gênicos

ou cromossômicos), que continuariam passando desapercebidas. Em outras palavras, os

experimentos não tinham sido mal construídos, simplesmente havia uma nova interpretação mais

plausível com os novos dados que começavam a ser acumulados. Que dados eram estes? Em

primeiro lugar, comprovou-se, in vitro, que as células-tronco hematopoiéticas podiam se fundir

com células-tronco embrionárias, gerando células com duplo cariótipo (duplo número

cromossômico), e podiam adotar o fenótipo (ou o potencial de diferenciação) das células com as

quais se fundiam. Essa aparente capacidade de fusão celular espontânea, associada ao ganho de

pluripotência, também foi demonstrada em um trabalho do grupo britânico de Austin Smith, no

qual se fundiam células-tronco embrionárias e células-tronco somáticas neuronais para a

obtenção de células tetraplóides (morfologicamente distinguíveis, com duplo número de

cromossomos), as quais foram usadas para a colonização de um blastocisto e para a derivação

de embriões que demonstravam, por meio de marcadores genéticos, sua capacidade de

integração em múltiplos tecidos do organismo em desenvolvimento e até mesmo de derivar em

quimeras adultas. Essas fusões celulares, observadas inicialmente em procedimentos de cultura

em laboratório, dispararam o alarme na comunidade científica e recomendaram o uso de cautela

na utilização imprudente de protocolos terapêuticos baseados na aparente capacidade

pluripotente de células-tronco somáticas.

Outros autores como Zago, 2006, apresentam uma postura cautelosa de apoio à

continuidade das pesquisas que visem confirmar ou rejeitar essa capacidade de

transformação de células-tronco adultas em células de tecidos distintos de sua origem.

A probabilidade maior, é que o fenômeno de plasticidade fique restrito a poucos tipos

59

Page 49: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

de células-tronco somáticas, com eficiência e aplicações médicas limitadas. Um

exemplo dado por ele é que em mulheres que receberam transplantes de células

hematopoéticas oriundas ou da medula óssea ou de sangue periférico, de um doador

de sexo masculino, a participação dessas células doadas em vários tecidos da

receptora é nula ou pouco expressiva. O modo de verificação foi baseado em análise

do cromossomo Y. Zago cita que no trabalho realizado por Alvarez-Dolado, 2003, foi

demonstrado que células derivadas da medula óssea fundem-se espontaneamente

com células progenitoras neurais in vitro. E que em transplante de medula óssea, as

células-tronco adultas fundem-se in vivo com hepatócitos, neurônios de Purkinje no

cérebro e músculo cardíaco, resultando na formação de células multinucleadas. Não

foi observada nesses tecidos, nenhuma evidência de transdiferenciação.

3.5 Células-tronco Mesenquimais

As células-tronco mesenquimais, CTMs, são células presentes em pequena

quantidade na população celular da medula óssea e podem ser isoladas e expandidas

em meio de cultura além de serem induzidas a se diferenciarem em linhagens

múltiplas.

Além da medula óssea as células-tronco mesenquimais, CTMs, como cita

Covas, 2006, já foram obtidas do sangue de cordão umbilical, da veia umbilical, da

veia safena, da parede de artérias, do fígado e do pâncreas fetais, da placenta, do

tecido adiposo e da polpa dentária. Em trabalhos realizados por ele e cols., isolaram

também CTMs do subendotélio da veia umbilical e da veia safena, da carótida fetal, da

artéria umbilical, do fígado,das gônadas, da fáscia muscular e da pele fetal e do adulto

e dos periclitos retinianos do adulto. Todas as células isoladas apresentaram as

mesmas características morfológicas e imunofenotípicas e a grande maioria

apresentou diferenciação em osteócitos, condrócitos e adipócitos.

José, in Ferrer, cita que Catherine Verfaillie, pesquisadora da Universidade de

Minnesota e cols., demonstraram a plasticidade das células-tronco mesenquimais

presentes na medula óssea de humanos, de camundongos e de ratos. Essas células

foram denominadas com a sigla em inglês MAPC (Mesenchymal Adult Pluripotent

60

Page 50: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Cells). Esse trabalho demonstrou a capacidade de diferenciação das células MAPC in

vivo, através da colonização da massa celular interna de bastocistos, convertendo-se

posteriormente na maior parte dos tecidos presentes no embrião em desenvolvimento.

Essas células possuem capacidade de serem expandidas por mais de 80 duplicações

in vitro, e após transplante. Elas diferenciam-se in vitro, não apenas em tecidos

mesodérmicos (ósseo, cartilaginoso, adipócitos, mioblastos), mas também em

endotélio e endoderma. O transplante de células MAPC para animais não irradiados

gerava células hematopoiéticas, do intestino, do fígado e dos pulmões. Essa

proliferação se intensificava em animais irradiados. As características dessas células

MAPC (de rato e humanas) se assemelham às células embrionárias pluripotentes de

rato. Uma característica favorável das células MAPC é o fato que elas podem ser

utilizadas em protocolos de autotransplante em adultos sem o inconveniente de

rejeição imunológica, visto que elas podem ser extraídas do próprio paciente e depois

serem submetidas ao processo de cultivo e multiplicação em laboratório para posterior

transplante nos órgãos afetados.

Covas, 2006, a respeito das células-tronco mesenquimais, CTM, cita que a

característica fundamental das CTMs em cultura é a sua capacidade de se diferenciar

em osso, cartilagem e gordura e também são capazes de se diferenciar em células

vasculares ou contribuir para a formação de vasos sangüíneos no indivíduo adulto. Foi

demonstrado também que as células do estroma da medula óssea autóloga

promovem a melhoria da isquemia vascular periférica em modelos animais. As CTM

podem também se diferenciar em células com fenótipo endotelial, cardiomiócitos,

periclitos vasculares e células musculares lisas após a injeção direta no coração.

3.6 Comentários Finais

As células-tronco, tanto embrionárias quanto somáticas, possuem um inegável

potencial de possibilidades de utilizações e somente as pesquisas que estão sendo

realizadas, poderão trazer respostas para todas as expectativas.

61

Page 51: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Pelos dados atuais, ainda não há possibilidade de opção entre os vários tipos de

células-tronco que conhecemos e que essa opção poderá resolver todos os

questionamentos que surgem na regeneração dos tecidos. A era da terapia celular

baseada na utilização das células-tronco, especialmente as embrionárias,

possivelmente se concretizará neste século XXI e se acontecer será uma conquista,

das mais importantes no campo da Biomedicina. Será necessário, no entanto, muita

cautela e observar nesse andamento das pesquisas, os limites bioéticos dessa

utilização.

62

Page 52: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

4. Uso de Células-tronco Embrionárias à Luz da Legislação Brasileira

A pesquisa com células-tronco embrionárias não era permitida no Brasil até a

promulgação da Lei de Biossegurança em março de 2005. A Lei 11.105 de 24 de

março de 2005, denominada de Lei de Biossegurança,

estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam

organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de

Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e

dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB,

além de dar outras providências. Esta lei, que estabelece a política nacional de

biossegurança apresenta definições sobre regras de pesquisa, plantio e

comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM), incluiu no seu

artigo 5º, a autorização para a pesquisa com células-tronco embrionárias.

4.1 Contexto Histórico da Lei de Biossegurança

Para entendermos por que questões tão diversas são tratadas na mesma lei,

vamos rememorar o histórico da plantação de soja transgênica no Brasil. Segundo

Beiguelman (2000), as discussões sobre plantio de vegetais transgênicos se iniciaram

no Brasil, após um movimento de oposição à tentativa de se introduzir em nosso país

a soja RR (Roundup Ready), uma soja geneticamente modificada para resistir ao

herbicida Roundup em 1998. Porém, os agricultores do estado do Rio Grande do Sul

iniciaram a plantação de soja transgênica a partir de sementes de soja

contrabandeadas da Argentina e apesar de sua comercialização se encontrar proibida

no Brasil, a produção já era uma realidade. A plantação de soja transgênica era

realizada em alguns estados e o governo se viu pressionado pelos agricultores e pela

63

Page 53: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

bancada política ruralista no Congresso, para liberar a sua comercialização. E assim o

fez, através da edição de Medidas Provisórias.

A empresa Monsanto, a maior transnacional do setor biotecnológico e uma das

cinco maiores transnacionais de química agrícola é a empresa detentora das

sementes patenteadas da soja transgênica, assim como é a produtora do herbicida

Roundup. Por essa razão, o vínculo estabelecido entre ela e o agricultor, através de

contrato, obriga este a comprar as sementes a cada safra detendo o monopólio do

negócio. Para a Monsanto interessava a aprovação da lei que permitisse o plantio e a

comercialização da soja transgênica, visto que o Brasil é o segundo maior produtor de

soja no mundo e a fatia desse mercado geraria lucros fabulosos, de milhões de

dólares para os seus cofres. Segundo o Deputado federal Edson Duarte, do Partido

Verde, que denominou a Lei de Biossegurança como a “Lei Monsanto”,

para obter a vitória, a Monsanto conseguiu um aliado inesperado, mas fundamental: os deficientes

físicos que acreditam nas pesquisas com células-tronco para solucionar seus problemas. Então, a

liberação de pesquisas de células-tronco, que não tem nada a ver com produtos transgênicos, foi

incorporada estrategicamente ao projeto de lei, por sugestão da multinacional. A estratégia

funcionou: o tema foi um dos principais argumentos emocionais e científicos para a aprovação da

proposta. Ao final, já não se discutiam transgênicos ou os efeitos da soja, mas células-tronco.

Também aí funcionou a estratégia da Monsanto.

O projeto de lei enviado ao Congresso em outubro de 2003 teve o seu trâmite

sob “fogo cerrado” durante 14 meses. Do outro lado, os ambientalistas que eram

contrários à plantação de transgênicos e as organizações religiosas, capitaneadas

pela Conferência Nacional dos Bispos, CNBB, em luta pela defesa da vida dos

embriões e contra a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias.

4.2 Lobbys para a Aprovação e Rejeição da Lei

No período antecedente à aprovação da lei, houve um trabalho intenso de

convencimento dos defensores e críticos dos dois temas a serem votados: a

permissão das pesquisas com células-tronco embrionárias e a regulamentação do

plantio e comercialização dos produtos transgênicos. Dentro do grupo dos favoráveis

64

Page 54: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

às pesquisas com as células-tronco embrionárias, estavam os integrantes do

Movimento em Prol da Vida, liderados pela geneticista Mayana Zatz, coordenadora do

Centro de Estudos do Genoma Humano da USP e presidente da Associação Brasileira

de Distrofia Muscular. Mayana realizou um trabalho intenso de orientação e

convencimento aos parlamentares, no sentido de ser necessária a aprovação do

projeto de lei. Esse trabalho foi acompanhado de uma carga emocional muito grande,

onde adultos e crianças com distrofia muscular, em cadeiras de rodas compareceram

à Câmara Federal para pedir a aprovação da lei, pois as pesquisas com células-tronco

embrionárias eram suas esperanças de cura. Contra o artigo 5º do projeto de lei,

estavam os representantes da Conferência Nacional dos Bispos e leigos católicos que

pediam a não aprovação com o argumento que a morte dos embriões para a retirada

das células-tronco era um golpe contra a vida. A Igreja Católica considera existir vida

humana desde a concepção. (Fonte www.abrasem.com.br)

A aprovação da Lei de Biossegurança foi noticiada dessa maneira pelo Editorial

do O Estado de São Paulo de 04/03/2005, com o título de “Vitórias da democracia”

(Fonte www.unicamp.br):

Sob pressão – que é como nas sociedades democráticas os parlamentos votam projetos

polêmicos de grande interesse e os políticos tomam as suas decisões – a Câmara dos Deputados

aprovou por surpreendente maioria (352 a 60) uma versão próxima da proposta original da Lei de

Biossegurança que o governo enviou ao Congresso em outubro de 2003. A lei aprovada autoriza

o uso de células embrionárias humanas em pesquisas para fins terapêuticos, sob condições

estritas, e regulamenta os estudos, o plantio e o comércio de produtos transgênicos.

Após a aprovação da lei, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil continuou

a sua luta fazendo campanha pelo veto presidencial à Lei de Biossegurança. Em

entrevista a ADITAL em 10/03/05, o presidente da CNBB, cardeal Geraldo Majella

Agnelo, declarou que “o debate a respeito das células-tronco foi conduzido no plano

emocional, envolvendo pessoas doentes que, justamente, se apegam a qualquer

esperança de cura”. Já o geneticista Carlos Moreira-Filho do Hospital Albert Einstein

declarou: “As células-tronco embrionárias têm uma longa caminhada pela frente. Mas

o primeiro passo precisa ser dado, que é permitir as pesquisas com essas células.

65

Page 55: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Sem isso, a caminhada nunca terá início”. Apesar da pressão da Igreja Católica, o veto

presidencial não aconteceu e a lei sobre Biossegurança foi promulgada em 24 de

março de 2005.

4.3 Lei de Biossegurança

No capítulo I, nas disposições preliminares e gerais, em seu artigo 1º, a Lei nº 11.105,

promulgada em 24 de março de 2005, sobre Biossegurança, dispõe:

Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a

construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a

exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio

ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo

como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a

proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução

para a proteção do meio ambiente.

Nesse artigo 1º, o legislador traçou os objetivos que a lei pretende alcançar, ou

sejam, as pesquisas, cultivo e fiscalização com os organismos geneticamente

modificados – OGM. E dentre esses objetivos não estão previstas as pesquisas com

as células-tronco embrionárias que aparecem no artigo 5º e que talvez fosse

merecedora de uma legislação específica para tratar só dela. O fato é que a

regulamentação aconteceu e foi um importante passo no desenvolvimento das

pesquisas biotecnológicas podendo trazer curas para muitas doenças e esperanças

para muitos doentes.

O artigo 5º dispõe:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias

obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo

procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

66

Page 56: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei,

ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos,

contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com

células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação

dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua

prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

A redação do artigo 5º permite a utilização de células-tronco embrionárias

provenientes de embriões excedentes, ou seja, produzidos pela reprodução assistida

utilizando a técnica de fertilização in vitro (FIV) e não utilizados para implantação no

útero materno. Essa permissão dependia de publicação de um decreto

regulamentador conforme previsto no artigo 33, o que foi feito em novembro de 2005

com a edição do Decreto 5591.

“Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data de

sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte)

dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar”.

A permissão para a utilização de células-tronco embrionárias deve obedecer

algumas condições previstas nos incisos I e II. O inciso I do artigo 5º da lei 11.105

dispõe que para utilização desses embriões é necessário que eles sejam considerados

inviáveis.

4.3.1 Conceito de Embrião Inviável

Como podemos classificar um embrião como inviável? Segundo a Assembléia

Parlamentar do Conselho da Europa, entende-se por Embrião Inviável, “aquele

embrião que possui as características biológicas que possam impedir o seu

67

Page 57: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

desenvolvimento”, conforme transcrito no parecer da Sociedade Portuguesa de

Bioética. Como o conceito de embriões inviáveis que expressa a lei não ficou claro,

posteriormente o Decreto 5591 de 22 de novembro de 2005, regulamentou seus

dispositivos e considerou em seu artigo 3º, inc. XIII:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

XIII - embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré

implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que tiveram

seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a

vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que

comprometam o pleno desenvolvimento do embrião;

O conceito de viabilidade contido na lei tem uma interpretação biológica e

Donadio (2005), em seu artigo publicado pela Rev. Bras. de Ginecologia e Obstetrícia,

procurou estabelecer as características morfológicas que definem um embrião como

inviável, condição para a doação destinada à pesquisa com células-tronco. Se a

interpretação da inviabilidade resultasse em parada completa de desenvolvimento do

embrião, acarretando a morte embrionária e o conseqüente descarte do embrião. Essa

interpretação não caberia na lei, pois com a morte do embrião não haveria fonte de

célula-tronco. Então, se pode dizer que o conceito cabível de inviabilidade não seria

do embrião e sim da impossibilidade de obtenção de uma gestação viável a partir

deste embrião. Ou então, pode ocorrer a inviabilidade genética em que estariam

presentes alterações do embrião comprovadas pelo diagnóstico pré-implantacional,

incompatíveis com a vida, ou a inviabilidade evolutiva em que o embrião implantado

não resultaria em gravidez.

A seleção de embriões para implantação é feita comumente baseada em

critérios morfológicos, padronizados por vários trabalhos científicos através de

observação de tempo de clivagem, fragmentação, simetria, multinucleação e aspectos

citoplasmáticos dos blastômeros, além da avaliação precoce dos pró-núcleos.

Donadio refere que quanto à clivagem ou divisão, embriões com 48 horas de

evolução devem apresentar quatro ou mais blastômeros, e com 72 horas, seis ou mais

68

Page 58: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

blastômeros. Quando não ocorre nova clivagem por um período superior a 24 horas

acontece a parada evolutiva do embrião.

A classificação de embriões desenvolvida por Veeck, em 1986, é baseada na

fragmentação dos embriões, alteração morfológica essa considerada a mais

importante da avaliação do embrião. Veeck denominou quatro tipos de embriões

quanto à fragmentação usando letras do alfabeto: tipo A, tipo B, tipo C e tipo D.

Embrião do tipo é A aquele sem fragmentação e simétrico; do tipo B é aquele

assimétrico e com 25% de fragmentação; o tipo C apresenta 25 a 50 % de

fragmentação e tipo D com 50% ou mais de fragmentação. As outras classificações

existentes incluem outros parâmetros além da fragmentação, mas mantém esta como

principal critério. Dentro dessa classificação, o embrião D é considerado o de pior

morfologia e quanto pior a morfologia do embrião, menor é a chance de ocorrer a

implantação e conseqüentemente a gravidez.

Nesse estudo, na primeira etapa, foi observada a taxa de gravidez, de

implantação e de perda gestacional entre os embriões tipo A, B, C e D com o intuito de

avaliar a capacidade destes de proporcionar gestações viáveis de acordo com sua

morfologia. Em cada grupo de mulheres foram implantados de 1 a 4 embriões que

possuíam a mesma morfologia, fazendo o total de quatro grupos com as morfologias

A, B, C e D. Os dados analisados compreenderam um período de 10 anos de todos os

procedimentos de fertilização in vitro do Centro Biológico de Reprodução Humana da

Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e do Pró-embryo, Centro de técnicas

avançadas em Reprodução Assistida.

A segunda etapa teve por finalidade avaliar a sobrevida e a viabilidade de

embriões tipo A, B, C e D criopreservados, comparando com os resultados obtidos

sem a criopreservação. A transferência foi realizada de 2 a 4 horas após o

descongelamento e somente daqueles embriões com integridade de pelo menos 50%

de seus blastômeros e os embriões com mais de 50% de blastômeros inviáveis foram

considerados como taxa de perda embrionária. Do mesmo modo da primeira etapa, os

quatro grupos foram divididos em embriões com morfologia A, B, C e D, morfologia

essa da data de congelamento. Foram calculadas as taxas de gravidez, de

implantação e de perda gestacional.

69

Page 59: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Donadio concluiu no seu estudo que, os embriões, mesmo de má qualidade, tipo

D, a fresco, podem resultar em gravidez viável, embora com percentual baixíssimo de

êxito e probabilidade maior de aborto e malformação fetal. Porém esses embriões

criopreservados quando implantados após o descongelamento, além de resultar em

uma baixa taxa de implantação (0,8%), todas as gestações involuiram, portanto foram

considerados inviáveis.

Alguns trabalhos, cita Donadio, como o de Giorgetti et al., que obteve somente

3,8% de nascimentos, apesar de embriões tipo D serem capazes de iniciar uma

gravidez, as chances de nascimento são baixas. Outros trabalhos como o de Thomas

Ebner et al. contra-indicam a transferência de embriões muito fragmentados, devido às

taxas de malformações fetais de 13,3% para o tipo C e de 36,4% para o tipo D,

devendo solicitar a assinatura do consentimento informado dos pais para fazê-la.

Qual o comportamento desses embriões de escore baixo utilizados em

pesquisa? O autor cita ainda que estudos feitos por Chen et al. realizados em 2005,

demonstram que embriões de baixos escores morfológicos, que não seriam utilizados

para implantação e gestação, quando frescos e com 72 horas de evolução, podem ser

utilizados para pesquisa porque evoluem até a fase de blastocistos podendo originar

linhagem de células-tronco. Esse fato dificilmente ocorre com os embriões congelados.

Quando ocorre a fertilização in vitro, no momento da implantação, o médico

escolhe o embrião com a melhor morfologia para aumentar a chance de gravidez.

Embriões com pior morfologia, tipo D, só serão utilizados se não houver formado

outros com morfologias melhores, A. B e C. Portanto, quando a lei permite que se

utilizem os embriões inviáveis, estes são certamente os de tipo D, cuja morfologia é

tal, que se implantado, a gravidez se torna impossível.

Ao definir embrião inviável, definição contida no inc. XIII do Decreto 5591, o

legislador incluiu aquele embrião com alteração genética comprovada por diagnóstico

genético pré-implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo

Ministério da Saúde. Esse diagnóstico suscita angústias do ponto de vista ético, pois a

seleção do indivíduo ainda em fase de embrião não é uma seleção de um ser humano

sem defeitos?

70

Page 60: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Para tentar responder a essas indagações, o Conselho Nacional de Ética para as

Ciências da Vida de Portugal, CNECV, publicou em 10 de abril de 2007, um parecer

sobre o Diagnóstico Genético Pré-Implantação com o seguinte conteúdo:

O CNECV é de parecer que:

1. O DGPI é uma técnica de investigação diagnóstica e, enquanto tal, a sua realização não viola

princípios éticos fundamentais.

2. As decisões tomadas com base no resultado da aplicação de técnicas de DGPI podem

conduzir a situações de valor ético distinto.

3. O recurso ao DGPI põe em confronto valores éticos que, em determinadas circunstâncias,

podem entrar em conflito. Quando seja possível evitar o desenvolvimento de um ser humano

que tenha alta probabilidade de nascer ou vir a desenvolver doença grave, que origine morte

prematura e sofrimento prolongado e irreversível, o recurso ao DPGI pode ser positivamente

valorizado do ponto de vista ético.

4. Assim, o recurso ao DGPI pode ser eticamente aceito, a título excepcional quando, após

avaliação médica, se demonstre que pelo menos um dos progenitores é portador de alteração

genética hereditária causadora de doença grave.

5. A utilização do DGPI deverá obedecer sempre ao princípio do consentimento informado, o

qual deve ser precedido de aconselhamento genético. Este deverá fornecer, de modo claro e

compreensível, toda a informação necessária para a tomada de decisão pelos progenitores,

nomeadamente sobre os procedimentos, taxas de êxito, conseqüências e alternativas

disponíveis, assim como de avaliação e acompanhamento psicológico.

6. A utilização de técnicas de DGPI é eticamente inaceitável em doenças de determinação

genética complexa, devendo limitar-se a sua utilização para aquelas cujo diagnóstico tenha

um valor preditivo elevado.

7. A utilização do DGPI para a seleção de embriões em função de características físicas que

não estão associadas a qualquer patologia, designadamente para escolha ou melhoramento

de características consideradas normais, é também eticamente inaceitável, por ser contrário

ao princípio da não instrumentalização.

8. A utilização do DGPI para selecionar embriões dadores de células estaminais com o fim de

tratar doença fatal de familiar configura um complexo dilema ético em que se considera poder

sobrelevar-se o princípio da solidariedade.

A sua resolução supõe a análise ponderada das possibilidades terapêuticas oferecidas pelas

tecnologias disponíveis, atende à manifestação da vontade dos progenitores e deve ser

sempre sujeita à apreciação positiva, caso a caso, por comissão especializada.

71

Page 61: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

9. Aos embriões excedentários resultantes do processo de DGPI deverão ser aplicadas as

disposições constantes do Parecer nº 44/CNECV/2004, nomeadamente as contidas nos

números 19 a 26.

O parecer nº 44/CNECV/2004, item 22, prescreve que:

a investigação científica em embriões humanos apenas é eticamente legítima quando procede em

benefício do próprio embrião. Poderão ser consideradas derrogações a este enunciado geral

quando o único destino alternativo for o da destruição do embrião. Nesta situação, os embriões

poderão ser utilizados para investigação científica que, não actuando em benefício dos próprios,

resulte em benefício da humanidade.

Assim, o DGPI, que tem sua indicação em doenças genéticas hereditárias dos

progenitores que tenham risco de transmissão ao feto maior ou igual a 25%, pode ser

utilizado como fonte de células-tronco embrionárias.

A outra definição de embrião inviável contida no inciso XIII do art. 3º do Decreto

5591 é o embrião que teve o seu desenvolvimento interrompido por ausência

espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da

fertilização in vitro. Teoricamente esse embrião também é inviável para a pesquisa,

pois não conseguirá se desenvolver até a fase de blastocisto, fase em que se retiram

as células-tronco embrionárias.

4.3.2 Tempo de Criopreservação

Uma outra condição para a utilização de células-tronco obtidas de embrião

humano está contida no inciso II da Lei de Biossegurança e condiciona a utilização do

embrião criopreservado ao tempo de congelamento. Assim dispõe o inciso:

“II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação

desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de

completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.”

72

Page 62: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O decreto regulamentador 5591 no art. 13, inciso XIV, definiu a data de

congelamento e considerou que os embriões congelados disponíveis são:

“XIV - embriões congelados disponíveis: aqueles congelados até o dia 28 de

março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da data do seu

congelamento;”

O legislador liberou o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa e terapia

utilizando embriões excedentes, porém limitou essa liberação para os embriões que já

estavam congelados até o dia 28 de março de 2005 e depois de completados 3 anos

de congelamento. Portanto os embriões que foram congelados no dia 29 de março de

2005 em diante não poderão ser utilizados para pesquisa, a menos que o artigo da lei

seja revogado. Essa limitação de período pode ser vista como um freio em uma

possível geração de mais embriões que o necessário para a fertilização in vitro, além

do que a obtenção de linhagens de células-tronco em laboratório através de cultura é

ilimitada devido à sua pluripotência.

Outros aspectos a serem analisados em relação ao tempo de congelamento

seriam: se a viabilidade desses embriões para gerar uma gravidez seria ou não

prejudicada após 3 anos ou mais de congelamento; se o prazo de três anos seria o

suficiente para que os pais desses embriões tivessem esgotado o desejo de gerar

mais um filho; e se esse período prejudicaria ou não a potencialidade de obtenção de

células-tronco embrionárias.

Estudos demonstram que a viabilidade dos embriões diminui com o tempo de

congelamento, mas atualmente já existem crianças nascidas de embriões que

permaneceram congelados por até dez anos, segundo Telöken em artigo publicado na

revista AMRIGS, 2002.

A lei nº 11.105 não permitiu o uso de embriões a fresco se viáveis e sim, liberou

o uso de embriões viáveis criopreservados após três anos de congelamento, prazo

esse em que além da viabilidade ter diminuído, os casais já teriam amadurecido a sua

decisão de tentar uma nova gestação ou doá-los para pesquisa, segundo Ferriani, em

artigo publicado na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia em 2005. Assim

como a viabilidade do embrião congelado diminui com o tempo de congelamento, o

73

Page 63: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

mesmo ocorre com a obtenção de células-tronco, fato demonstrado por Hoffman et al.

em trabalho publicado em 2003. Isso ocorre porque os embriões com melhor

morfologia são utilizados para a fertilização e o tempo e a técnica utilizada no

congelamento resulta em perda embrionária dificultando a obtenção de uma linhagem

tronco-embrionária.

4.3.3 Autorização dos Genitores

Outra condição necessária para a utilização do embrião excedente

criopreservado é a autorização dos genitores do embrião, expresso no § 1º do art. 5º

da lei de Biossegurança:

“§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.”

O decreto 5591, em seu art 3º, inciso XV, o legislador considera genitores,

como os “usuários finais da fertilização in vitro” e explicita no artigo 66 que as doações

dos embriões devem ser feitas mediante assinatura de um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

Art. 66. Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco embrionárias

humanas obtidas em conformidade com o disposto neste Capítulo, deverão assinar Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do Ministério da Saúde.

Sobre o consentimento dos genitores, Ferriani em seu artigo, coloca que a Lei de

Biossegurança afasta a possibilidade de produção de embriões com fim único de

pesquisa e que em um estudo apoiado pelo Conselho Regional de Medicina de São

Paulo, puderam avaliar as opiniões de algumas mulheres sob a ótica bioética na

reprodução assistida. Ele refere que,

cerca de 24% das mulheres aceitavam doar seus embriões excedentes para fins de pesquisa,

mesmo a fresco. Dado interessante foi a disponibilidade em congelar os embriões. Houve

diferença significativa de opinião quando se compararam mulheres férteis (41%) com mulheres

74

Page 64: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

inférteis (23%) e, mais surpreendente, um número menor ainda aceitou o congelamento quando

tinha conhecimento técnico sobre o assunto (médicas e acadêmicas de medicina de último ano,

12%). Esses dados ilustram como as situações individuais, assim como o conhecimento sobre o

assunto, podem influenciar a opinião das mulheres.

Na doação dos embriões para pesquisa, o fator que mais influencia a opinião dos

casais é a convicção religiosa e varia de acordo com a religião seguida.

4.4 Cadastro Nacional de Embriões

O Decreto 5591 prevê no artigo 64 e parágrafos a criação de um cadastro

atualizado de embriões humanos excedentes.

Art. 64. Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro atualizado

de embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

§ 1o As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e armazenamento

de embriões humanos deverão informar, conforme norma específica que estabelecerá prazos, os

dados necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e

dos embriões congelados disponíveis.

§ 2o O Ministério da Saúde expedirá a norma de que trata o § 1o no prazo de trinta dias da

publicação deste Decreto.

Para isso a ANVISA publicou no D.O.U. a Consulta Pública nº 41 de 26 de julho de 2006

para a avaliação dos interessados com o seguinte teor no seu artigo 1º:

Art. 1º Fica aberto, a contar da data de publicação desta Consulta Pública, o prazo de 30 (trinta)

dias para que sejam apresentadas críticas e sugestões relativas à proposta de Resolução que

determina regulamento técnico para a identificação e cadastro de embriões humanos produzidos

por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, em anexo.

A Resolução, com seu texto final, não foi editada até o final do mês de abril. A

publicação dessa consulta pública para sugestões tem gerado debates e suscitado

questionamentos éticos e jurídicos.

75

Page 65: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Em resposta à ANVISA, a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, SBRA,

enviou suas críticas, dúvidas e sugestões à ANVISA como no item B, letra i da

Consulta Pública:

i) Embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré

implantacional, conforme legislação específica, que tiveram seu desenvolvimento

interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro

horas a partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o

pleno desenvolvimento do embrião.

A SBRA entende que o conceito de embrião inviável é dúbio, quando relata ser

“aquele que teve seu desenvolvimento espontâneo interrompido por ausência

espontânea de clivagem, após 24 horas da fertilização in vitro”, pois alguns embriões

podem fazer a primeira clivagem após um período superior a essas 24 horas. Por isso,

sugere alterar a definição de embrião inviável como:

1. os embriões que não apresentem a primeira clivagem após 36 horas da fertilização.

2. os embriões que não apresentem divisão celular em um período de 24h a 48 h em cultura

após a primeira clivagem.

A SBRA refere que estes embriões que perderam a capacidade de se dividir,

perderam a capacidade de gerar uma vida, portanto nem seriam congelados e nem

poderiam ser utilizados em pesquisas de células-tronco embrionárias. Uma outra

contradição referida pela SBRA é a inclusão nesta mesma terminologia de embrião

inviável, aquele que apresenta alteração genética comprovada a partir de um

diagnóstico genético pré-implantacional, DGPI. O DPGI pode identificar a condição

genética patológica e esta pode ser compatível com a vida, portanto não pode ser

considerado um embrião inviável, podendo ser destinado à pesquisa de células-tronco

embrionárias e devendo, portanto ser incluído no item h, como embrião congelado

disponível.

A SBRA também questiona que o cadastramento dos embriões “altera toda a

relação de anonimato que envolve as doações e até a própria característica das

76

Page 66: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

adoções realizadas no país”. Que a resolução acaba adotando “um registro civil do

próprio embrião, caracterizando-o como indivíduo não podendo ser utilizado para

nenhum outro fim (o que está contemplado na lei de Biossegurança)”.

Uma outra questão que a SBRA indaga é se o Sistema Nacional de Cadastro de

Embriões pode criar esta obrigatoriedade se o casal não autorizar? Esses

questionamentos ainda estão pendentes aguardando a edição da Resolução que cria

o Sistema Nacional de Cadastro de Embriões.

4.5 Células-tronco Embrionárias e o Direito Brasileiro

As novas perspectivas derivadas do progresso científico e tecnológico, no âmbito

da engenharia genética e da biologia molecular, suscitaram e continuam a suscitar

novas perguntas de natureza ética além de fomentarem a discussão jurídica.

Como se trata de um campo de pesquisa que continua se desenvolvendo dia a dia,

a falta de clareza sobre o estado atual e sobre as perspectivas concretas das

pesquisas científicas é uma das principais causas do atraso da instituição de normas

explícitas nesse campo.

A discussão primordial e controversa no uso das células-tronco embrionárias

remete ao estatuto do embrião do ponto de vista moral, jurídico e antropológico. A

contraposição de pensamentos acontece entre aqueles que pensam que o embrião é

um “objeto” de direito, portanto sem atribuição de “sujeito” até uma certa fase de seu

desenvolvimento e os partidários da posição que o embrião é sim, desde o início, um

sujeito de direitos, pois a vida, já na fase inicial do desenvolvimento traz a identificação

do ser único e com dignidade.

As principais questões biojurídicas estão relacionadas com a origem e o modo

de obtenção das células-tronco humanas, sendo que as principais fontes seriam as

extraídas de embriões excedentes, de fetos abortados e células-tronco adultas.

O início da existência do ser humano gera discussões controversas no mundo

jurídico e as possibilidades decorrentes da fertilização in vitro dificultaram essa

77

Page 67: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

compreensão. A possibilidade de existir um hiato de tempo entre o momento da

fecundação e o início da gravidez que pode acontecer em um momento incerto; a

possibilidade de gestação por mulher que não seja a mãe biológica, ou seja, a

utilização de um gameta feminino doado; a possibilidade de gestação pela mãe

biológica, porém utilizando sêmen de um doador que não será o pai biológico; a

possibilidade da gestação ocorrer em um útero que não o da mãe biológica, a

chamada barriga de aluguel; a existência de embriões excedentes ou excedentários,

criopreservados resultantes da fecundação em laboratório, que não serão mais

utilizados para o fim que foi produzido e o questionamento qual o momento que se

pode considerar a existência do embrião, são todas situações que hoje podem se

apresentar no nosso Direito.

Antes da fertilização in vitro, os primeiros momentos de divisão celular no

embrião, não eram acompanhados pelo homem, a terminologia não era uma

preocupação, mas fato diferente ocorre hoje. A embriologia denomina zigoto a célula

resultante da fusão do gameta feminino com o gameta masculino que a partir daí sofre

divisões celulares até a formação completa do ser humano. A partir da formação em

duas células o termo embrião é utilizado até a oitava semana, sendo que a partir daí

se passa a utilizar o termo feto, onde o embrião evoluiu para um ser humano

reconhecível como tal. Na legislação espanhola, o termo pré-embrião é utilizado até os

primeiros quatorze dias de desenvolvimento, termo esse, causa de controvérsias por

diminuir a condição de ser humano no embrião. O Conselho Federal de Medicina

(CFM) também utiliza o termo pré-embrião na Resolução 1358 de 1992 que

regulamenta a Reprodução Assistida no Brasil. Nessa resolução, no item 6, o CFM

recomenda que “o número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a

receptora não deve ser superior a quatro”, termo esse utilizado quando se refere ao

embrião em estado de congelamento, fora do útero materno.

4.5.1 A Proteção do Embrião no Direito Brasileiro

As discussões jurídicas referentes ao uso de células-tronco provenientes do

embrião humano excedente convergem para o direito à vida, disposto no artigo 5º da

78

Page 68: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Constituição Federal. E baseado nesse direito, após a promulgação da Lei de

Biossegurança, o procurador Geral da República entrou com um pedido de Ação de

Direta de Inconstitucionalidade no Superior Tribunal Federal contra a utilização de

células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias.

A proteção à pessoa também está inserida no Código Civil Brasileiro que estipula

nos artigos 1º e 2º:

Art. 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei

põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

As definições de quando se inicia a vida e quando o ser humano se define como

pessoa são essenciais para a discussão. Desde a antiguidade se discute o início da

vida, e a principal questão jurídica é a caracterização do indivíduo como pessoa e

quando esta se torna um sujeito de direitos.

A definição de vida inserida no dicionário novo Aurélio significa:

[Do lat. vita.] 1. Biol. Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao

contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantém em contínua atividade,

manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a

estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência. 2. Estado ou condição dos

organismos que se mantém nessa atividade desde o nascimento até a morte; existência.

O embrião ao ser preservado congelado mantém-se em estado latente, o seu

desenvolvimento cessa e só retornará se, ao ser descongelado, encontrar um meio

propício para retornar ao seu desenvolvimento. Esse meio pode ser natural como o

útero materno ou meio artificial produzido em laboratório com seus fatores limitantes.

Por essa razão existe a teoria que o embrião extra-corpóreo tem a potencialidade de

se tornar um ser humano.

E como definir pessoa: a palavra pessoa é originada do latim, persona, que

significava personagem. No sentido filosófico e jurídico, o dicionário novo Aurélio

define que pessoa é:

79

Page 69: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5. Filos. Cada ser humano considerado na sua individualidade física ou espiritual, portador de

qualidades que se atribuem exclusivamente à espécie humana, quais sejam, a racionalidade, a

consciência de si, a capacidade de agir conforme fins determinados e o discernimento de valores.

6. Jur. Ser ao qual se atribuem direitos e obrigações.

Tanto no sentido filosófico como no jurídico, podemos atribuir ao embrião

criopreservado em laboratório, o status de pessoa? Nesse estado, o embrião possui a

potencialidade de se transformar em pessoa se for implantado em um útero materno e

seguir o processo de desenvolvimento da vida. Mas a racionalidade, a consciência de

si e o discernimento de valores, o ser humano só adquire após o nascimento. Assim

também entende o Código Civil, no art. 4º, quando define que a personalidade civil do

homem começa do nascimento com vida.

Os direitos de filiação do embrião resultante de reprodução assistida também

estão assegurados no capítulo II, da Filiação, art. 1.597, incisos III a V do Código Civil

Brasileiro:

Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de

concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Nesse artigo 1597, o Código Civil protege o embrião desde a sua concepção,

ainda que ela foi realizada artificialmente, ou que ele tenha sido criopreservado ou que

tenha sido utilizado o sêmen de um doador, desde que o marido tenha consentido.

Essa proteção somente cabe se o embrião for implantado no útero materno, pois está

prevista na segunda parte do art. 2º que diz: “a lei põe a salvo desde a concepção o

direito do nascituro”. Segundo o dicionário novo Aurélio, nascituro significa “Jur. O ser

humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro certo”. Sendo

assim, o nascituro é considerado como tal quando está em desenvolvimento no útero

materno.

80

Page 70: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

No direito penal, também há tipos penais claros nos crimes de aborto constantes

do Código Penal, no capítulo dos Crimes Contra a Pessoa, considerando o feto já

como pessoa.

4.5.2 Teorias do Surgimento da Personalidade

Barboza, 2005, refere que apesar de não haver consenso em relação à sua

natureza jurídica, o Direito sempre conferiu proteção jurídica ao nascituro,

apresentando várias teorias: a teoria natalista, onde seus partidários sustentam que a

personalidade começa a partir do nascimento com vida; a teoria da personalidade

condicionada ou concepcionista imprópria, segundo a qual, a personalidade se inicia

com a concepção, com a condição que o nascimento seja com vida; a teoria

concepcionista que considera o início da personalidade a partir da concepção.

Apesar das diversas correntes doutrinárias, o ser humano goza de tutela jurídica

sendo-lhe atribuído direitos desde a fase de embrião que se materializará a partir do

nascimento com vida. Porém não se pode dizer o mesmo dos embriões excedentários

criopreservados e sem qualquer perspectiva de serem transferidos para um útero

materno. Para estes, existe o silêncio da lei.

Barboza cita Cifuentes, que entende inadequado os conceitos éticos e jurídicos

existentes, rejeitando a tese dos que sustentam haver uma agressão à dignidade do

zigoto porque esse é uma base de dados de um futuro indivíduo não o sendo, não

sendo um ente personificado e sim um conglomerado de células indiferenciadas. “É

algo mais do que um tecido, porém menos que uma pessoa, podendo nunca chegar a

cumprir seu potencial genético”.

Por sua vez, Mantovani, coloca duas teses contrapostas sobre o problema do

início do ser humano, citado ainda por Barboza:

a) a tese do momento da fecundação e b) a tese das fases sucessivas. De acordo com a

primeira, de cunho personalista, o “ser humano tem início no momento da fecundação, tendo em

vista a racionalidade biológica, já que a fusão representa o verdadeiro e único salto de qualidade

que não se repete”, gerando uma individualidade humana nova e autônoma. Segundo o autor,

nessa tese “há mais garantia e mais fidelidade ao perfil de tutela global da vida humana [...].”

81

Page 71: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Nas teses utilitaristas, “o início do ser humano se pospõe, convencionalmente, a fases sucessivas

do desenvolvimento embrionário”, correspondendo no plano filosófico aos denominados

“indicadores de humanidade”. Nessa última tese haverá uma fase em que o concebido pode ser

considerado “coisa” e, por conseguinte, disponibilizado para experimentação.

4.5.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade

Diante de tantas opiniões controversas, foi realizada recentemente no Supremo

Tribunal Federal brasileiro, a primeira audiência pública de sua história, para o debate

sobre o início da vida em função da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510,

que contesta o uso de células-tronco em pesquisas científicas, com base na Lei de

Biossegurança. A página eletrônica do STF, www.stf.gov.br, noticiou todos os

acontecimentos da audiência pública. O ministro Carlos Ayres Brito, relator da ADI

3510 afirmou que eles, ministros do STF, “estão em busca de um conceito jurisdicional

para o vocábulo vida” pois na Constituição não existe um conceito claro de quando

começa a vida. A Audiência contou com a participação de 22 cientistas que foram

ouvidos pelos ministros do STF, sendo que a metade tinha posição favorável ao uso

de células-tronco embrionárias permitidas pela lei de Biossegurança e a outra metade

tinha posição contra. A atitude dos ministros do STF vai de encontro aos princípios

contidos na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que em seu

artigo 18 declara:

Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas

a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na

tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no

devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do

melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão

das questões bioéticas.

b) Os indivíduos e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar incluídos

regularmente num processo comum de diálogo.

82

Page 72: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a

manifestação de todas as opiniões relevantes.

Na Europa, a discussão para a aprovação da utilização de células-tronco

embrionárias não teve centralização em quando inicia a vida, mas sim em não permitir

clonagem ou experimentos genéticos no embrião humano. Nos Estados Unidos, a

discussão seguiu o mesmo rumo do Brasil sobre o início da vida. A antropóloga

Débora Diniz, convidada pelo STF, disse em sua palestra que é muito importante se

avaliar a questão sobre o marco ético da pesquisa científica com humanos e partes do

corpo humano. Refere que sobre o marco religioso, a pergunta-guia diz mais respeito

ao debate político sobre aborto e direitos reprodutivos. “Uma possível resposta do

Supremo à tese da ADI poderia trazer implicações para o debate político e sanitário

sobre o aborto, com repercussões imediatas para a garantia de direitos reprodutivos

promoção de saúde das mulheres”, Diniz encerrou assim o ciclo de palestras da

audiência pública.(Fonte: site do STF)

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade da lei de Biossegurança

está previsto para o segundo semestre. O ministro relator Carlos Ayres Britto disse

que “pode suceder que esse debate deságüe numa perplexidade: é impossível dizer

quando a vida começa” e que “ambos os grupos defendem pontos de vista protegidos

pela Constituição: de um lado, o direito á vida e, do outro lado, o direito à saúde e ao

livre exercício da pesquisa científica”.

83

Page 73: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5. Células-Tronco Embrionárias e os Referenciais em Bioética

5.1 O Nascer da Bioética

A Bioética, entendida como a ética aplicada à vida, surgiu como uma resposta

para questões suscitadas pela sociedade frente às novas questões que surgiram com

o desenvolvimento técnico – científico no último século.

Van Rensselaer Potter, cancerologista americano, lançou o termo “bioética” em

1970, em um artigo com o titulo “Bioethics, the Science of Survival”. Potter retomou o

tema em 1971 em seu livro, “Bioethics: Bridge to the Future”, e pediu a criação de uma

nova ciência que denominou de ciência da sobrevivência, baseada na aliança do

saber biológico (bio) com os valores humanos (ética). Durand, 2003, cita que o campo

de aplicação para a bioética, segundo Potter, seria vasto. Esse campo englobaria o

controle da população, a paz, a pobreza, a ecologia, a vida animal, o bem-estar da

humanidade e conseqüentemente a sobrevivência da espécie humana.

Posteriormente, essa visão ampla da bioética se limitou, para muitos autores e

praticantes, às questões surgidas do desenvolvimento das ciências biológicas e sua

aplicação na medicina.

A década de 60 revela a consciência e a reivindicação pelos direitos individuais e

civis, principalmente dos grupos minoritários como negros, pobres, pessoas com

deficiência mental, pessoas presas, alvo das pesquisas biomédicas. Outra influência

foi o movimento de defesa pelos direitos dos consumidores em relação ao tratamento

de saúde, onde o paciente reivindicava o direito de participar na decisão do tratamento

que antes só cabia ao médico. A autodeterminação do paciente foi então valorizada e

marcou o movimento bioético no seu início.

A Bioética inicialmente tinha como base a teoria principialista de Beauchamp e

Childress. Como não havia resposta para todos os questionamentos que surgiam,

foram propostos outros paradigmas bioéticos em que a ação humana no

desenvolvimento científico pode se basear.

84

Page 74: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Anne Fagot-Largeault, citada por Durand, indica que os princípios e teorias

usados na bioética saem da deontologia médica, das tradições judaico-cristãs e outros

da ética filosófica:

Essa doutrina internacional é produto de uma história da humanidade, e de um aprendizado

freqüentemente doloroso, como o que se deu em 1947 no processo de Nuremberg. Encontram-se

nesse conjunto doutrinal os traços depositados da reflexão moral dos séculos passados, e a

contribuição de diversas famílias culturais. O princípio do respeito à pessoa em sua autonomia

formou-se na tradição judeu-cristã, inspirou o nascimento das democracias modernas, encontrou

sua expressão filosófica mais elaborada em Kant em uma moral do dever, da obrigação

incondicional de respeitar em seu próximo o sujeito livre, a fonte da moralidade. O princípio de

que é preciso maximizar o bem minimizando o mal tem origens, sem duvidam mais pagãs que

cristãs; ele encontrou sua formulação filosófica no utilitarismo, no qual o direito se funda não na

obrigação e sim no desejo de não frustrar inutilmente a necessidade de desenvolvimento do ser

vivo. O princípio de busca do verdadeiro talvez remeta ao prodígio grego, à reflexão sobre os fins

do ser humano, à idéia de que o fim humano mais alto está no conhecimento.

5.2 Teoria Principialista

Com Beauchamp e Childress houve o surgimento da teoria principialista da

Bioética a partir do Relatório Belmont, publicado em 1978 nos Estados Unidos, a fim

de guiar as questões éticas relativas à pesquisa científica nas áreas de biomedicina e

de ciências da saúde. Neste relatório foram citados três princípios gerais

fundamentais: respeito pela pessoa, beneficiência e justiça.

O princípio contemplado no Belmont Report, como o respeito às pessoas apóia-

se em duas convicções morais fundamentais: consiste em tratar os indivíduos como

seres autônomos e deve-se tutelar os direitos das pessoas cuja autonomia está

diminuída ou comprometida. O reconhecimento da autonomia do indivíduo e o respeito

pela sua opção implicam em que não haja prejuízo da autonomia e os direitos de

terceiros.

A Bioética principialista teve então como base o princípio da autonomia, o

princípio da beneficência, o princípio da não maleficência e o princípio da justiça.

85

Page 75: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5.2.1 Princípio da Autonomia

Do respeito pela pessoa surgiu o princípio da autonomia. Marcos de Almeida in

Pessini e Barchifontaine diz que “autonomia é a capacidade de pensar, decidir e agir,

com base em tal pensamento e decisão, de modo livre e independente.” Esse

conceito deve ser distinto do princípio da autonomia que em sua essência “é o

requisito moral do respeito pela autonomia dos outros”. Almeida cita John Stuart Mill,

fundador da escola utilitarista, onde salienta que o respeito pela autonomia dos outros

é indispensável, desde que não resulte em danos aos demais.

Beauchamp e Childress citado por Ferrer e Alvarez (2005) exigem três condições

para um agente moral agir de forma autônoma: 1] intencionalidade 2] compreensão 3]

ausência de influências externas que determinem ou controlem sua ação. Eles opinam

que a intencionalidade não admite grau, só deve estar presente na ação humana,

enquanto que a compreensão e a liberdade de controle devem ser razoáveis, levando-

se em conta o contexto particular da decisão.

Cohen e Marcolino in Segre e Cohen (2002) citam que para Kant, o respeito pela

autonomia reconhece que todas as pessoas têm um incondicional valor, sendo que

cada uma tem a capacidade para determinar seu próprio destino traçado pela razão.

Citam ainda que:

Violar a autonomia é tratar as pessoas como meios e não como fim. Esse desrespeito consistiria

em tratá-las de acordo com os valores próprios, sem resguardar os objetivos daquelas pessoas.

Rejeitar os objetivos e julgamentos pessoais ou restringir a liberdade de agir de acordo com os

próprios objetivos e julgamentos é falhar no respeito à autonomia.

O exercício da autonomia pode sofrer restrições. Não dá liberdade absoluta. E

essas restrições devem estar apoiadas em outros princípios morais como o da

beneficência e justiça.

Em relação a pesquisas com embriões excedentes permitida pela Lei de

Biossegurança, o exercício da autonomia é conferido aos genitores do embrião que

podem ou não doá-lo através do consentimento livre e esclarecido. Os genitores

podem decidir livremente se desejam doar seus embriões baseados em suas

86

Page 76: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

convicções morais ou religiosas. A decisão da doação envolve também o princípio da

beneficência, uma vez que essas pesquisas poderão beneficiar inúmeros outros

doentes. Em relação ao embrião criopreservado não se pode falar em exercício da

autonomia, pois este só possui uma potencialidade de vida dependente de muitos

fatores, e a autonomia é exercida pelos seus genitores.

5.2.2 Princípio da Não Maleficência

O princípio da não-maleficência se baseia na obrigação de não causar dano

intencionalmente. Esse entendimento remonta ao “primum non nocere” de Hipócrates,

sendo fundamento da ética médica.

O dano referido nesse princípio significa frustrar ou prejudicar o interesse de

alguém, sem que constitua necessariamente uma ofensa ou injustiça ao prejudicado,

pois ainda que ações danosas sejam incorretas prima facie, podem ser justificadas em

determinadas circunstâncias. Pode-se dizer que o princípio de não-maleficência não

proíbe qualquer dano, somente aqueles que constituem uma ofensa, um injusto

prejuízo aos direitos e interesses fundamentais das pessoas. Por outro lado, quando

se inflige injustamente graves lesões corporais ou se prejudicam seriamente outros

interesses fundamentais das pessoas, estamos diante de exemplos paradigmáticos de

danos que são moralmente proibidos pelo princípio de não maleficência.

5.2.3 Diferença entre Beneficência e Não-maleficência

O princípio da não maleficência se compõe de obrigações negativas, ou seja,

nos proíbe de causar dano e são distintas das obrigações positivas presentes no

princípio da beneficência. Ferrer e Alvarez em “Para fundamentar a Bioética”, citam

que Beauchamp e Childress sustentam

que na maior parte dos casos as obrigações de não maleficência vinculam com maior força que

as obrigações de beneficência. Mais ainda, a não maleficência pode prevalecer sobre a

beneficência, mesmo nas situações nas quais um cálculo utilitário pareceria favorecer com toda

clareza a segunda. Os autores ilustram essa afirmação com o seguinte exemplo: Ainda que um

87

Page 77: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

cirurgião pudesse salvar dois pacientes inocentes, matando um preso sentenciado a morte para

retirar seus órgãos (para os transplantar aos dois inocentes), a ação não seria justificada

moralmente, mesmo que fosse a alternativa que produzisse o melhor balanço utilitarista neste

caso. Portanto, para Beauchamp e Childress, não basta qualquer consideração utilitarista para

ultrapassar as exigências do princípio de não-maleficência.

Quando reunidos, os princípios de não maleficência e de beneficência contêm

quatro obrigações gerais: 1) Não se deve fazer mal ou causar dano 2) Deve-se

prevenir o mal ou o dano 3) Deve-se eliminar o mal ou o dano 4) Deve-se fazer ou

promover o bem.

5.2.4 Princípio da Beneficência

Beneficência por definição, segundo o novo dicionário Aurélio é o ato, hábito ou

virtude de fazer o bem. Beauchamp e Childress definiram beneficência como qualquer

ação humana levada a cabo para beneficiar outra pessoa. Como no campo da

biomedicina as ações beneficentes incluem custos e riscos, Beauchamp e Childress

introduziram o princípio de utilidade necessário para pesar os custos e benefícios de

uma ação. Não deve ser confundido com o princípio utilitarista clássico. Esse princípio

poderia ser chamado também de princípio de proporcionalidade, pois a beneficência

exige de um modo geral, que as ações realizadas produzam uma quantidade de

benefícios suficiente para contrabalançar os danos ou incômodos que eventualmente

resultem de nossa intervenção.

Muitos autores sustentam que a beneficência é um ideal moral, significando que

os agentes morais são dignos de louvor quando agem de modo beneficente, porém

não apresentam deficiência moral quando não o fazem. Existe a beneficência

específica que obriga-nos a agir de modo beneficente seja por relações familiares, de

amizade, por contrato e a beneficência geral que nos obriga a agir de modo

beneficente com todas as pessoas.

Ferrer e Alvarez referem ainda, que Beauchamp e Childress colocaram critérios

para determinar quando existe uma obrigação de beneficência geral:

88

Page 78: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Quando não existem relações particulares (contratos, deveres profissionais, amizade, relações

familiares [...], uma pessoa [X] está obrigada a agir de modo beneficente em favor de outra [Y]

somente se se satisfazem as seguintes condições:

1. Y corre um risco significativo de perda ou de dano que afetaria sua vida, sua saúde ou

qualquer outro interesse seu que seja fundamental e importante.

2. A ação de X (só ou em união com outros) é necessária para prevenir perda ou dano de Y.

3. Existe uma grande possibilidade de que a ação de X tenha êxito, ou seja, que consiga

prevenir eficazmente o dano ou a perda que ameaça Y.

4. A ação de X não lhe traria riscos, custos ou encargos significativos.

5. O benefício que Y obteria ultrapassa os possíveis danos, custos e encargos que a ação

pudesse supor para X.

Os autores afirmam que quando se dão essas cinco condições, todas e cada uma delas, dá-se

uma obrigação de beneficência, mesmo na ausência de relações particulares, ou seja, mesmo

quando não existem obrigações de beneficência específica.

A beneficência é uma exigência principalmente das ações dos profissionais da

saúde e sempre há o questionamento sobre as exigências éticas em relação à vida e à

saúde. Durand cita que a questão dos meios a serem utilizados para se atingir um

determinado fim colocou-se desde sempre. Quando se quer chegar a um objetivo, se

faz uso de todos os meios, mas todos eles estão de acordo com a ética? Na Bioética

nem todos os fins justificam os meios. Refere ainda que uma ação pode produzir dois

efeitos, um bom, o outro mau. Cita como exemplo se a pessoa pode se jogar de um

trem para evitar ser roubada ou violentada? Um médico pode arriscar sua vida para

tratar de feridos no campo de batalha? Uma mulher grávida pode tomar um remédio

que colocaria em risco a vida do feto?

Trata-se do princípio do ato com duplo efeito, ou seja, é moral empreender um

ato do qual se prevê que decorrerá um efeito bom e um efeito ruim. É, em nome dessa

regra que o papa Pio XII admitiu como legítimo dar analgésicos para diminuir o

sofrimento de doentes, mesmo que dessa ação resultassem efeitos indesejáveis como

a diminuição da consciência ou aceleração da morte. Durand refere ainda que os

moralistas elaboraram quatro condições, para evitar falsa interpretação dessa regra:

89

Page 79: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

- que o ato seja, ele próprio, bom (ou ao menos indiferente), por exemplo: dar um remédio a uma

mulher grávida doente, tratar os ferimentos no campo de batalha, retirar um útero canceroso;

- que a intenção do agente (seu desejo) diga respeito exclusivamente ao efeito bom previsto: por

exemplo, a cura da mulher doente, a sobrevivência dos feridos. O mau efeito previsto não deve

ser desejado, ele pode apenas ser tolerado;

- que o efeito bom decorra imediatamente do ato e não do mau efeito, por exemplo, a saúde da

mãe decorre diretamente da ablação do útero canceroso e não da morte do feto. O efeito bom,

portanto, não deve ser atingido por intermédio do mau efeito: o que equivaleria a dizer que o fim

justifica os meios;

- que haja uma razão para realizar o ato proporcional à importância do risco corrido. É preciso,

portanto, que o motivo do ato seja tanto mais sério quanto mais o efeito mau seja grave, imediato

e certo. Em certos casos é preciso que não haja outro meio disponível para atingir o mesmo

resultado.

Pode-se aplicar o princípio do ato com duplo efeito no uso de células-tronco

embrionárias? Ao utilizar as células desse embrião inviável ou do embrião excedente

para pesquisas e terapia e curar ou melhorar a qualidade de vida de muitos doentes

temos os dois efeitos: o mau efeito é utilizar um embrião, que teria uma possível

potencialidade de vida, em pesquisa, para atingir um bom efeito que é patrocinar a

cura ou melhora da qualidade de vida de muitos doentes. Com o objetivo atingido

estaria se aplicando o princípio da beneficência.

5.2.5 Equilíbrio entre as Vantagens e os Inconvenientes

Outra forma de avaliar eticamente, um ato que por si só comporta o bem e o mal,

é examinar o equilíbrio e a preponderância do ato. É comum que uma intervenção ao

ser no geral benéfica, traga alguns efeitos não desejados, devendo o benefício ser

compensatório ao paciente, com equilíbrio entre as vantagens e os inconvenientes,

entre os benefícios e os riscos e entre as vantagens e o risco.

90

Page 80: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5.2.6 Princípio da Justiça

O princípio da justiça na Bioética se refere ao âmbito da justiça distributiva com a

distribuição eqüitativa dos direitos, benefícios e responsabilidades ou encargos na

sociedade. A justiça distributiva se aplica aos recursos para as diversas necessidades

sociais do indivíduo como saúde e educação em face da escassez de recursos.

Em Bioética, a justiça se refere mais à justiça distributiva e Durand cita diversas

concepções de justiça sustentadas por antropologias e valores diversos onde são

distinguidas as correntes utilitaristas, libertária ou liberalista e a igualitarista:

1. O mérito pessoal

2. O valor social de um indivíduo

3. O bem do maior número

4. O respeito da livre escolha

5. A prioridade aos mais desfavorecidos

6. Os tratamentos fundamentais de cada um

7. A igualdade de tratamento em casos similares

8. A referência ao acaso

1. O mérito pessoal – A cada um, a parte que merece. Essa teoria privilegia o

indivíduo e seu papel na sociedade. A sua aplicação no setor da saúde fica mais

complicada no que se refere à repartição de recursos, pois os problemas de saúde

que aparecem não são previsíveis e quando o são devido a um comportamento de

vida, como determinar a responsabilidade de cada um? Essas situações são vistas em

indivíduos que mantém comportamentos nocivos à saúde, em relação ao consumo de

bebidas, fumo e alimentos e que ao longo da vida fatalmente levará a uma patologia

previsível.

2. O valor social – A cada um, de acordo com sua contribuição social ao bem-estar

dos cidadãos. Essa teoria utilitarista da justiça privilegiaria aqueles que se sobressaem

na função pública e segmentos da sociedade, que fazem a economia andar, a cultura,

91

Page 81: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

o esporte, enfim todos aqueles que são notoriedade na imprensa em detrimento dos

menos favorecidos. E como aplicar isso em prol da Bioética da saúde sem causar

grandes injustiças. “Mais profundamente, ela tende a reduzir o indivíduo à sua força de

produção: um meio a serviço de um fim”, segundo Durand.

3. O maior bem para o maior número de pessoas – A justiça pode ser vista também a

partir do interesse geral, do bem para o maio número de pessoas possível. No

entanto, se for aplicada em seu sentido estrito, deixa de lado as pesquisas sobre

doenças raras ou de baixa incidência na população, o tratamento de doenças

complexas e de custo elevado.

4. O respeito à livre escolha – A justiça nesse caso, respeita a autonomia de cada um

em um contexto de livre mercado. É preciso reduzir ao mínimo a intervenção do

Estado. Cada um tem que decidir sobre os tratamentos que quer receber, arcar com

os custos, prever seguros privados com esse fim. Nesta concepção de justiça, as

necessidades dos desfavorecidos seriam deixadas de lado.

5. A prioridade dos mais desfavorecidos – Ao contrário das interpretações anteriores, a

justiça consiste em procurar restabelecer livremente as injustiças e as desigualdades

produzidas pela natureza e pela sorte. Em nossas sociedades, os fortes, os ricos

podem se sair bem; portanto o papel do Estado é o de privilegiar os mais

desfavorecidos, tratando de estabelecer a igualdade de oportunidades.

6. As necessidades fundamentais – A cada um de acordo com suas necessidades.

Com relação à saúde e doença, as necessidades são muito desiguais e limitadas aos

recursos existentes. Se a justiça limita-se ao conceito de satisfazer as necessidades

fundamentais, como determiná-las?

7. Igualdade de tratamento – Alguns propõe uma interpretação mais formal da justiça:

esta exigiria um tratamento semelhante para casos similares. Essa interpretação é

bastante difícil de colocá-la em prática, pois nenhuma situação é totalmente similar à

92

Page 82: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

outra se vista de uma maneira global. Existem fatores interferentes como as distâncias

geográficas, o meio ambiente diferente de cada região, além das características

culturais da população de cada região.

8. A referência ao acaso – Jacqueline Fortim, citada por Durand diz que “a justiça

consiste em recusar-se a fazer uma escolha entre indivíduos considerados iguais e de

deixar o acaso decidir, seja por um sistema de sorteio, seja adotando a regra do

primeiro a chegar, primeiro a ser atendido”. É o caso das listas de espera em

consultas, exames complementares complexos e lista de espera de transplantes. Esse

conceito não leva em conta a necessidade mais urgente de cada um baseado na

gravidade de sua doença, ocorrendo distorções na aplicação da justiça.

O princípio da justiça sob cada uma dessas interpretações pode dar origem a

uma teoria específica. Na Bioética não se devem impor essas teorias como absolutas

e sim como princípios orientadores das decisões e segundo Durand “o julgamento

ético, ao mesmo tempo em que presta atenção ao bem comum, freqüentemente

identificado ao bem da maior parte, também deve levar em conta as necessidades

particulares fundadas em sua igualdade fundamental”.

Além da alocação de recursos, certas aplicações particulares da justiça

interessam consideravelmente à Bioética, como a não discriminação em razão do

sexo, cor, religião, raça e idade e a não exploração na pesquisa de grupos

considerados vulneráveis como crianças, prisioneiros, minorias étnicas e certos tipos

de doenças, etc. A eqüidade exigirá na prática, medidas de compensação em favor de

certas pessoas ou categorias excluídas, frágeis ou portadoras de deficiências.

Pelo princípio da justiça, a distribuição dos tratamentos de saúde deve ser feita

em função das necessidades de cada um e dando oportunidade para todos.

Transportando o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos ao princípio

da justiça, por este princípio, deve ser garantido o tratamento quando estiver

disponível, a todos aqueles que dele necessitem. Por se tratar de tecnologia cara, o

governo deverá dar acesso aos mais necessitados.

93

Page 83: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5.3 Paradigma Casuístico

Além do principialismo, a Bioética se vale de alguns paradigmas como o

paradigma casuístico que seria a arte de aplicar aos casos concretos qualquer tipo de

princípios morais que se tenham à mão quando não se acha a solução ética para uma

situação problemática. Recorre-se a casos análogos onde uma solução já é aceita.

São os chamados casos paradigmáticos, não esquecendo de dois pontos: um, em que

não se pode simplesmente transferir a solução de um caso para outro, porque o novo

é análogo e não unívoco em relação ao paradigma e outro, que o método casuístico

não nega o valor dos princípios e das normas morais existentes, procura sim aplicar os

princípios a essa nova situação, avaliando as possíveis soluções.

A análise dos casos particulares é um dos elementos essenciais da reflexão

ética obrigando o aprimoramento das nossas análises morais. A teoria ética não pode

ser algo acabado e fechado, pois sempre haverá situações novas a serem analisadas.

Ferrer, p.176, afirma que:

os casos têm de ser classificados e interpretados e em sua interpretação e classificação, os

princípios e as normas morais exercem um papel crucial. São precisamente as normas gerais as

que nos permitem, pelo menos em parte, elaborar taxonomias significativas para a análise moral:

casos relacionados com o aborto, com o segredo profissional, com o consentimento informado,

com a justiça na distribuição de encargos e benefícios. Cada caso é único, mas também tem

elementos comuns com outros. Por isso, é possível classificá-los e oferecer soluções válidas para

mais de um caso (ou seja, formular normas morais prescritivas e princípios técnicos).

Ferrer acrescenta que a metodologia casuística deve ocupar um lugar

privilegiado em Bioética, pois não deve haver uma ética clínica que possa se manter

alheia aos novos desafios dos casos concretos. Pode-se definir o dilema do uso de

células-tronco embrionárias como um caso novo, concreto e diante dele podemos

utilizar a metodologia casuística, partindo dos princípios gerais da bioética à procura

de uma solução válida.

94

Page 84: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5.4 Paradigma Utilitarista

A corrente utilitarista tem como idéia central que a moralidade tem sua origem na

obtenção máxima de felicidade e mínima de sofrimento. A ação pode ser considerada

boa na medida que tende para esse fim e má quando diminui a felicidade e aumenta o

sofrimento.

A aplicação do princípio consiste em fazer um balanço entre as vantagens e

desvantagens obtidas de uma ação, em escolher a ação que produza a maior

vantagem possível em relação às desvantagens para todas as pessoas envolvidas na

ação.

Para os defensores dessa escola, a moralidade das ações será julgada, nesse

modelo ético, pela bondade ou maldade das conseqüências alcançadas. Logo,

segundo esse princípio, a pesquisa e utilização das células-tronco embrionárias é

moralmente aceita se beneficiar e trazer vantagens para as pessoas que a utilizarem.

5.5 Princípio do Respeito da Dignidade Humana

A palavra dignidade, citada por Patrick Verspieren e referida por Durand, possui

quatro sentidos: um sentido social que reflete a expressão da pessoa na sociedade;

um sentido moral em que reconhece a dimensão da pessoa, seu valor moral; um

estado da pessoa, que corresponde à imagem ideal da pessoa humana na sociedade

e um atributo essencial que diz respeito à humanidade da pessoa.

A dignidade humana significa expressão da pessoa, dimensão da pessoa onde o

corpo e suas partes participam da dignidade da pessoa. Durand refere que essa

dignidade da pessoa estende-se, finalmente, ao embrião e ao cadáver, mesmo que

agora as aparências com a pessoa ainda não existam, ou não existam mais e

reproduz a citação do Relatório Seve, p. 43, do CCNE francês:

A dignidade é essa luz que sobre todo ser humano a liberdade do sujeito moral projeta por trás do

horizonte ainda durante muito tempo depois de seu ocaso e bem antes de seu raiar. É essa

95

Page 85: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

qualidade corporal que é preciso vincular rigorosamente ao corpo do homem se se quer traçar em

tudo o que se refere a ele a linha ascendente do humanismo.

O princípio do respeito à dignidade humana é evocado em documentos

universais, na Constituição Federal, pelas igrejas e em tudo quando se fala no que é

mais intrínseco ao homem: a sua dignidade. A Declaração Universal sobre Bioética e

Direitos Humanos, adotada em outubro de 2005 pela UNESCO reforça o respeito à

dignidade do ser humano principalmente quando trata de seus objetivos, no artigo 2,

incisos iii e iv:

Artigo 2 – Objetivos

Os objetivos desta Declaração são:

(iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o

respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com

a legislação internacional de direitos humanos;

(iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos

desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de

que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta

Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;

Dallari, em seu artigo “A vida humana como valor ético” defende que a vida

humana é muito mais que uma simples sobrevivência física, “é a vida com dignidade,

sendo esse o alcance da exigência ética de respeito à vida, que, como observa

Cranston, por corresponder, entre outras coisas, ao desejo humano de sobrevivência,

está presente na ética de todas as sociedades humanas”. Dallari cita ainda a

Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina, adotada em 19 de novembro de

1996 pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa, que em seu conteúdo, fica

claro que não se pretende criar obstáculos ao desenvolvimento biotecnológico,

impedindo os avanços em nome da preservação dos padrões éticos ideais, mas que

esse desenvolvimento ocorra com o absoluto respeito à pessoa humana.

96

Page 86: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5.6 Princípios Éticos e Utilização de Células-tronco Embrionárias

O parecer nº 15 do Grupo Europeu de Ética das Ciências e das Novas

Tecnologias sobre os “Aspectos éticos da investigação e utilização de células

estaminais humanas”, publicado em 14 de Novembro de 2000 evidencia os seguintes

princípios éticos fundamentais na investigação das células-tronco embrionárias

humanas:

• O princípio do respeito da dignidade humana.

• O princípio da autonomia individual (implicando o consentimento informado e o

respeito da privacidade e confidencialidade dos dados pessoais).

• O princípio da justiça e beneficência (nomeadamente em matéria de melhoria e

de proteção da saúde).

• O princípio da liberdade de investigação (a ponderar contra outros princípios

fundamentais).

• O princípio da proporcionalidade (entre outros aspectos, que os métodos de

investigação sejam necessários para os fins em vista e que não existam

métodos alternativos mais aceitáveis).

A reflexão que deve ser feita sobre a aplicação dos paradigmas bioéticos na

utilização das células-tronco embrionárias não é a procura de uma justificativa para

uma ação que realizada nos traz angústia, mas uma reflexão, citada por Durand,

p.310, que diz:a pessoa não pode ser reduzida à sua biologia, à sua química, à sua fisiologia, à sua aparência, à

sua força de trabalho. Ela é uma interioridade socializada, ela é um processo de amadurecimento

que se dá por meio de aprendizagens múltiplas e através de redes de relações diversificadas,

sempre condicionada pela corporeidade, sem que possam ser fixados limites determinantes.

97

Page 87: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

6. Aspectos Bioéticos no Uso de Células-tronco Embrionárias

A discussão se o uso de células-tronco provenientes de embrião, é ético ou não,

envolve além dos referenciais utilizados na Bioética, a discussão sobre o início da vida

e o estatuto moral do embrião na fase de pré-implantação, quais os atributos que

conferem ao embrião o caráter de um ente moral e ou qual o momento em que ele se

afirma como tal.

O início da vida é bastante controverso e a Biologia provavelmente jamais

conseguirá demarcá-la com exatidão, mas é consenso entre os cientistas que a vida

começa quando se inicia a formação do tecido nervoso, a partir do décimo quarto dia

de desenvolvimento embrionário. Por isso, um embrião criopreservado, ainda sem a

formação do tubo neural, para essa corrente, não pode ser considerado pessoa. Essa

questão que trata do início da vida deve ser estudada dos pontos de vistas biológico,

religioso, filosófico e jurídico.

Segundo Daniel Serrão, um embrião in vitro, deve ser mantido em condições

ótimas de criopreservação, mas o seu destino é perecer, pelo qual é impossível dar

proteção total à sua vida. Usá-lo para pesquisa, da qual possa resultar benefícios para

outros embriões, para o processo de reprodução assistida ou para a saúde humana é

eticamente aceitável segundo o principio da proporcionalidade, porque sendo sua

morte inevitável, a morte em prol da pesquisa produz um beneficio.

Quando foi publicada, a Lei sobre Biossegurança, já existia nas clínicas de

reprodução humana assistida, um estoque de embriões congelados com menos e

mais de três anos de congelamento e que poderiam ser utilizados em pesquisa, porém

a lei omite o que fazer com os embriões que estavam congelados há menos de três

anos. O decreto 5.591 de novembro de 2005 regulamentou os seus dispositivos e no

artigo 3º, inc. XIV definiu que “embriões congelados disponíveis: aqueles congelados

até o dia 28 de março de 2005, depois de completados três anos contados a partir da

data do seu congelamento”. E os embriões que continuam sendo congelados após

essa data, qual será o seu destino? E aqueles embriões que não serão doados pelos

98

Page 88: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

genitores, definidos pelo mesmo decreto como “usuários finais da fertilização in vitro”,

para pesquisa ou para implantação, ficarão congelados até quando? Seria necessário

rever a Lei ou quem sabe impedir o congelamento de embriões?

6.1 O Uso do Embrião Humano à Luz da Bioética

É senso comum que não é eticamente aceitável que se produzam embriões

somente para fins de pesquisa, mas como as técnicas de reprodução assistida

produzem embriões excedentes, e estes são criopreservados, o uso deles para

experimentos com fins terapêuticos é muito polêmico e provavelmente não se chegará

a um consenso.

Inicia-se aí o dilema bioético: o uso do embrião, previsto pela Lei de

Biossegurança, é aquele embrião ainda não implantado e considerado inviável para

implantação, que seria descartado pela clínica de fertilização e que, mesmo se fosse

implantado em um útero de uma mulher, dificilmente resultaria em uma gravidez. Ou

então seria aquele embrião excedente, criopreservado há três anos ou mais e que

seria doado pelo casal porque já tinham tido o filho planejado e a doação para

pesquisa seria uma alternativa mais nobre que uma destruição futura. A Lei garante a

legalidade do uso desses embriões para a produção de células-tronco, mas perante a

Bioética é lícito?

Segundo Guy Rocher, citado por Durand em seu livro Introdução Geral à

Bioética, a ética está escorregando rumo ao direito, pois são os legisladores que estão

ditando respostas sobre o aborto, a eutanásia e agora sobre células-tronco. Sustenta

que, “o que constitui a terrível força do direito é que ele é simples em comparação com

a ética. Ele não exige uma reflexão profunda, ele não tem preocupações ontológicas,

ele não tem dúvidas metafísicas”.

6.2 Estatuto do Embrião

99

Page 89: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

A utilização das células-tronco embrionárias induz todos a um dilema bioético

porque não se chega a um consenso o que é um embrião fora do útero materno: no

estágio inicial, seriam células que se multiplicam após a união do espermatozóide com

o ovócito em uma placa de Petri de laboratório? Ou um pré-embrião congelado e

armazenado dentro de um cilindro de nitrogênio por tempo incerto? Qual a diferença

entre embrião e pré-embrião?

Se o embrião já estiver sido implantado no útero de uma mulher, de maneira

natural ou artificialmente através da reprodução assistida, ninguém questiona o seu

status de um novo ser humano em formação.

Esses questionamentos se aprofundaram com a evolução da reprodução

assistida, quando se percebeu que o homem podia interferir na criação de um novo

ser através de técnicas científicas utilizadas na fertilização in vitro. A partir daí, a

necessidade de estabelecer o status do embrião foi ampliando, pois o homem

alcançou a capacidade de alterar a ordem natural na formação de um novo ser ao

poder realizar a concepção do embrião em laboratório, podendo alterá-lo

artificialmente, destruí-lo ou podendo impedir que nasça.

Com o avanço da biotecnologia e as possibilidades de tratamentos terapêuticos

com as células-tronco embrionárias, se pergunta hoje: podemos utilizar as células-

tronco de um embrião inviável ou congelado há mais de três anos? Qual é o status do

embrião?

Anne Fagot Largeault, psiquiatra e filósofa, em artigo publicado em 2004, diz

que:

O coração do problema é que no domínio cultural ocidental, a sacralização do ato humano

procriador, ligada a uma cultura judaico-cristã (ou a seus componentes mais fundamentalistas),

induziu fortes resistências à interrupção da gravidez, a todas as técnicas de fertilização assistida e

à instrumentalização do embrião humano, todas elas consideradas como faltas ao respeito devido

ao ser humano na medida em que sua existência responde a um projeto divino: “Desde o ventre

de minha mãe, pronunciou o meu nome”, diz a Bíblia (Isaias, 49, 1).

100

Page 90: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo promoveu um

simpósio em 2002, coordenado por Marco Segre, sobre o Destino dos Pré-Embriões.

Nesse simpósio, Miguel Kottow Lang entende que existem três caminhos para

entender esse status do embrião ante a possibilidade de interferir artificialmente:

status no sentido absoluto, pelo conceito evolutivo e pela relação com os outros.

6.2.1 Status no Sentido Absoluto

No sentido absoluto, “o sinônimo de status ontológico é status de ser moral, do

que se pode – ou se deve – fazer ou não fazer.” Esse status é anterior ao

desenvolvimento do embrião e surge no momento da concepção. E dentro do conceito

absoluto de existência não há razão para imaginar outro momento, portanto desde a

concepção tem o status moral de qualquer pessoa. Esse conceito é metafísico, não

pode ser demonstrado e segundo ele, “necessariamente é artigo de fé, algo em que se

pode crer ou não”. E como introduzir esse conceito como consenso, em sendo artigo

de fé em uma sociedade secularizada, visto que a fé varia entre as pessoas e entre as

culturas?

Pelo conceito absoluto de existência, o momento do início do ser humano não

pode ser outro que não o do momento da concepção. Esse momento não pode ser

demonstrado quando acontece de forma natural, quando um casal pratica sexo. Esse

momento pode acontecer ou não, e na grande maioria das vezes não acontece. Só um

tempo depois é que poderá existir na mulher, a percepção de que há um novo ser em

formação e essa percepção é só dela. O contrário acontece na fertilização in vitro:

quando a união do espermatozóide com o ovócito no laboratório é acompanhada pelo

microscópio, é a equipe técnica do laboratório de reprodução assistida que participa

desse momento “mágico” da concepção de um novo ser.

Para quem adota essa postura absoluta, um embrião não está disponível para

nenhuma possibilidade, pois desde o momento da concepção existe um ser humano.

6.2.2 Status no Conceito Evolutivo

101

Page 91: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O segundo caminho passa pela avaliação do conceito evolutivo, de modo que no

período da evolução embrionária, em algum momento, o embrião pode ser

denominado ser humano, ontológico e moralmente completo e não mais um pré-

embrião em fase de desenvolvimento.

O critério para determinar tal momento é arbitrário e como conseqüência,

variável. O fato é que, dependendo do olhar de quem está avaliando o embrião como

pessoa, ora ele se apresenta como um conjunto de células em desenvolvimento, ora

como pré-embrião, e também ora como embrião. Em algum momento não preciso,

entre a fecundação até o nascimento, ele se torna uma pessoa.

Nesse caminho evolutivo, o momento de determinar o status do embrião passa

pela potencialidade de vir a ser, esse momento deve ser factível. As primeiras células

clivadas têm a potencialidade de se tornar uma pessoa? O pré-embrião ou o embrião

tem a potencialidade de se tornar um ser humano?

Uns fixam o momento da implantação do blastocisto na parede uterina materna

como o marco para o embrião ser considerado um ser humano, pois se esse momento

não acontecer não haverá condições para o seu desenvolvimento. Ou será quando

aparece a crista neural? Ou ainda quando poderia ser viável se retirado do útero

materno?

O conceito evolutivo do embrião para a formação de uma pessoa é frágil do

ponto de vista moral, segundo Lang, porque é arbitrário e também porque se reporta à

potencialidade, que por sua vez, é um argumento frágil. E que a ““tal “potencialidade”

possui duas “caras”: a cara do 15º dia, quando se diz: “agora existe”, e a do 14º dia,

quando se diz: “ainda não existe””. Como aceitar o argumento que um dia o embrião

não existe como pessoa e no dia seguinte existe?

Diferente do argumento absoluto, na postura evolutiva, o pré-embrião ou outra

denominação dada, enquanto não atingir aquele momento definido para adquirir status

como pessoa ou como ser humano podemos descartá-lo, doá-lo, congelá-lo, vendê-lo,

pois não há um delineamento bioético definido.

6.2.3 Status no Argumento da Relacionalidade

102

Page 92: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Outro posicionamento é de que o ser humano existe quando ele começa a se

relacionar com outra pessoa.

Lang cita no seminário, um artigo escrito por um grupo de intelectuais, entre eles

teólogos franceses, onde afirmam: “assim como o ser humano não existe sem corpo,

tampouco é humanizado sem a relação com os outros. Este momento, então, marcaria

a humanização de um ser. Alguém sem qualquer qualificação prévia, mas que se

converte em humano ao estabelecer contato”.

Levando a afirmação ao caso concreto do embrião extracorpóreo oriundo da

fertilização in vitro, o embrião só se afirmaria como um ser quando a mãe que o

carregasse no útero, se relacionasse com ele. E qual seria esse momento? Pode

variar, pois depende do sentir da mulher em questão, podendo ser o momento da

consciência que a sua gravidez está confirmada, após a implantação na cavidade

uterina ou talvez mais tardiamente. Esse sentir não pode ser medido, sendo, portanto,

um dado subjetivo e só sente quem participa diretamente dele.

O argumento da relacionalidade de um ser humano não é um argumento novo,

pois vivemos em sociedade e nela temos um status que pode variar conforme

mantemos as nossas relações interpessoais. A Bioética só existe na relacionalidade

entre duas pessoas no mínimo, assim como o direito.

Nesse argumento, o pré-embrião extracorpóreo não desperta ainda interesse

pois ele não se relaciona ainda com a mãe, podendo portanto ser disponibilizado para

doação, descarte ou congelamento.

6.3 Porque Determinar o Status do Embrião?

Em meio à discussão de estabelecer o status do embrião, temos além do

envolvimento deste, o envolvimento da mulher e de terceiros. Na posição da teoria

absoluta não há interesse porque não é aceita nenhuma interferência no embrião, mas

nas outras duas há benefícios, tanto para o embrião que por intervenção humana se

transformará em um ser, como para a mulher que se submete a um processo de

fertilização in vitro visando satisfazer o seu desejo de constituir uma família, e os

benefícios para terceiros através de terapias com as células embrionárias.

103

Page 93: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Na posição absoluta o bem mais precioso é o embrião, intocável e produto de

ordem divina, portanto sem permissão de manipulação. Nem o interesse da mulher e

nem a utilização do embrião para benefícios de terceiros são considerados.

A proteção ao embrião na posição evolutiva também ocorre, mas somente a

partir do momento em que é considerado um ente moral, portanto digno de proteção.

Antes desse período existe a preocupação com a mulher e terceiros.

Na postura relacional, os interesses da mulher são mais levados em conta

porque depende dela estabelecer o momento relacional como início desse ser. Nesse

caso, é questionável eticamente a utilização de embriões produto de aborto para fins

terapêuticos.

Lang chama a relacionalidade entre mãe e filho de existencial, pois neste

momento da aceitação da mãe, “o status moral desse filho que ainda não nasceu, é

absolutamente idêntico ao de qualquer ser humano”.

Os debates sobre o estatuto do embrião originam, segundo Salem citando

Warnock em artigo publicado em 1997, três posições onde cada uma delas revela uma

determinada concepção sobre o estatuto do embrião em geral e do embrião resultante

da fertilização assistida. Elas revelam posturas diferentes frente à questão de sua

manipulação. Em posição extrema, seus adeptos alegam que o embrião é um ser

moral desde a sua concepção, com direito à vida e se opõem tanto a que sejam

criados em laboratório como não aceitam que sejam objetos de qualquer experimento.

Essa posição é a mesma do conceito absoluto do status moral do embrião exposto por

Lang.

Uma outra posição, continua Salem, “consente com a fertilização in vitro, se – e

somente se – todos os ovos fertilizados forem transferidos para o útero”. Outros

sustentam que não há diferença significativa entre o embrião e outros tecidos

humanos, sendo por isso sua manipulação legítima e que “quaisquer limites impostos

à pesquisa, além de carecerem de sentido, pecam por comprometer o progresso da

ciência”. Outros ocupam uma posição intermediária que entendem que o embrião

extracorporal, embora não tenha o mesmo estatuto de uma criança ou adulto,

merecem respeito devido ao seu caráter de pessoa humana potencial. Ressalvam,

porém, que este respeito não deve ter sentido absoluto, mas sim avaliado em função

104

Page 94: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

dos benefícios que possam resultar das pesquisas com as células-tronco para outros

indivíduos.

O problema moral é gerar mais embriões que serão implantados.

Arthur Caplan, bioeticista norte americano disse, em entrevista ao Centro de

Bioética do CREMESP a respeito do status moral do embrião:

Se existir um “status moral” dos embriões estocados este se deve à sua potencialidade de se

transformar em pessoas. Só que eles não SÃO realmente pessoas. Então concordo que destruir

potencialidades para salvar uma vida chega a ser uma decisão moral difícil, mas não deve ser

considerado o mesmo que matar alguém para salvar outro alguém.

Segundo Anne Fagot-Largeault, o respeito, no sentido kantiano, destina-se ao

agente moral que é capaz de se autodeterminar, de se comportar segundo a

representação que ele tem do imperativo moral. Para ela, um embrião no estado de

blastocisto não tem autonomia moral. E que cabem aos especialistas de filosofia moral

e política propor balizas que possam orientar sobre estes assuntos delicados, ficando

clara a questão: o que o ser humano pode permitir-se a fazer sem perder o respeito

por si próprio?

6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da Igreja Católica

A Igreja Católica tem a sua doutrina contida em inúmeros documentos e o

principal dos documentos elaborados pelas congregações romanas sobre a origem da

vida humana, é a instrução Donum Vitae, publicada em 1987 pela Congregação para a

Doutrina da Vida. A primeira parte do documento fala sobre o respeito merecido pelo

embrião humano desde o momento da fecundação.

O Congresso promovido pela Pontifícia Academia para a Vida, em fevereiro de

2006, teve como tema “O embrião humano na fase do pré-implante. Aspectos

científicos e considerações bioéticas”. Após o Congresso, algumas considerações

destinadas à comunidade eclesial e à sociedade civil, foram emitidas para reflexão. A

questão fundamental debatida foi: “Quem ou o que é o embrião humano”?

105

Page 95: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

A Declaração Final da XII Assembléia Geral da Pontifícia Academia para a Vida

relata que no desenvolvimento biológico, o zigoto já pode ser interpretado como “um

organismo primordial (organismo monocelular), que exprime coerentemente as suas

potencialidades de desenvolvimento através de uma integração contínua”. Para

compreender o valor que possui cada ser humano, mesmo no estágio de embrião tem

de se enfrentar a questão fundamental do status moral do embrião. E, entre as várias

propostas hermenêuticas que fazem parte do debate bioético atual, foram atribuídos

aos vários momentos do desenvolvimento embrionário o seu status moral. Essas

atribuições fundamentam-se em elementos convencionais e arbitrários.

Segundo a declaração final da Assembléia Geral, incluída na página da Internet

do Vaticano:

Para poder formular um juízo mais objetivo acerca da realidade do embrião humano e, em

seguida, chegar a deduzir indicações éticas, é necessário ter em consideração sobretudo os

critérios “intrínsecos” em relação ao próprio embrião, a começar precisamente pelos dados que o

conhecimento científico coloca à nossa disposição. A partir deles, podemos afirmar que o embrião

humano na fase do pré-implante é: a) um ser da espécie humana; b) um ser individual; c) um ser

que possui em si mesmo a finalidade de se desenvolver como pessoa humana e, ao mesmo

tempo, a capacidade intrínseca de realizar tal desenvolvimento.

De tudo isto, podemos concluir que o embrião humano, na sua fase de pré-implante, já é

verdadeiramente uma “pessoa”? É óbvio que, tratando-se de uma sua interpretação filosófica, a

resposta a esta interrogação não é de “fé definida” e, de qualquer maneira, permanece aberta a

ulteriores considerações.

Nesta Assembléia o papa Bento XVI assim se pronunciou:

o magistério da Igreja proclama constantemente, o caráter sagrado e inviolável de toda vida

humana, desde a sua concepção até seu fim natural. Esse juízo moral vale desde o início da vida

de um embrião, antes ainda de ser implantado no seio materno, que o protegerá e nutrirá por

nove meses até o momento do nascimento: A vida humana é sagrada e inviolável em todo

momento de sua existência, inclusive no momento inicial que precede o nascimento.

A postulação do respeito ao embrião como pessoa humana também foi

constante nas numerosas ocasiões em que o papa João Paulo II incluiu em seus

106

Page 96: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

escritos, suas reflexões e exortações sobre o aborto voluntário. Por essas

considerações a Igreja Católica é contra o uso de células-tronco embrionárias para

qualquer fim.

6.5 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão Judaica

A tradição judaica aceita a utilização de meios naturais e artificiais para superar a

doença. Eles acreditam, segundo Dorff, que os médicos são agentes e parceiros de

Deus no ato de cura e as terapias não naturais criadas pelos seres humanos, são

consideradas legítimas. Consideram que existe, diante de Deus, o dever de

desenvolver e usar todas os tratamentos que auxiliem a cuidar do corpo.

Como as células-tronco podem ser obtidas de fetos abortados, a posição judaica

em relação ao aborto é que ele é permitido por razões legítimas sob os parâmetros da

lei judaica. Dorff considera ainda que o feto não possui o estatuto de um ser humano

pleno e os materiais genéticos fora do útero, como os embriões não são considerados

parte do ser humano até serem implantados no ventre materno; e mesmo assim,

durante os primeiros quarenta dias de gestação, seu status é “algo semelhante como a

água”, de acordo com o Talmude Babilônico. Nesse período, o aborto não é permitido,

exceto com fins terapêuticos, porque intraútero, existe a potencialidade do embrião se

tornar um ser humano, possibilidade essa inexistente fora dele. Por essa razão, os

embriões congelados podem ser descartados ou usados para finalidades de pesquisa.

Sob a perspectiva judaica, existe o dever de prosseguir com a pesquisa de

células-tronco à luz do mandato divino de manter a vida e a saúde.

6.6 A Pesquisa com as Células-tronco sob a Visão do Islamismo

Para o islamismo, o início da vida acontece quando Alá sopra a alma no feto,

cerca de cento e vinte dias após a fecundação. Porém, existem opiniões divergentes e

muitos estudiosos islâmicos acreditam que a vida tem início na concepção. Os

mulçumanos condenam o aborto, exceto quando a gestação oferece risco para a mãe

107

Page 97: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

e tendem a apoiar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Essas são

permitidas desde que não haja venda delas, nem uso inadequado e que a experiência

tenha grande possibilidade de dar certo. (Fonte: revistagalileu.globo.com)

6.7 A Pesquisa com as Células-tronco sob a Visão do Budismo

Para a budista monja Coen Sensei,

a ciência é que vai facilitar a melhor qualidade de vida no planeta. Acho que ninguém sabe

exatamente quando começa a vida humana. Para mim isso é um contínuo. Não é quando o óvulo

e o esperma se unem, mas já existia nos avós, bisavós, tudo está interligado. Há mais idéias além

da teoria de Darwin e da idéia de que Deus criou tudo, o criacionismo. Mas o budismo não tem

um conceito de Deus, um criador. Nós dizemos que nós somos o processo da vida do Universo

com uma lei de causalidade, o que nós chamamos de origem dependente. E nós não temos a

forma de vida que depende das outras formas de vida. Assemelha-se mais ao darwinismo do que

à criação divina. (fonte: revistagalileu.globo.com)

6.8 A Pesquisa com as Células-tronco sob a Visão do Hinduismo

Swami Krisnaprlyananda, da Sociedade da Vida Divina Brasil, linhagem Smarta

do hinduismo, refere que a filosofia do hinduismo é ampla e variada. “As Escrituras

(Vedas) falam que o semideus Senhor Brahmaa, primeiro ser humano criado pelo

Supremo, criou o mundo material e todas as criaturas que nele vivem”. Ele refere que

não existe conflito com a teoria da evolução de Darwin, que se fixam na evolução

objetiva, enquanto o Vedas defende a evolução subjetiva da consciência do supremo.

O hinduismo não proíbe a pesquisa genética e as pesquisas que envolvam células de

embriões humanos e outras espécies, que essas deverão ter um fim de bem-comum

onde o bom senso deve prevalecer. (Fonte: revistagalileu.globo.com)

108

Page 98: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

7. Uso de Células-tronco e a Legislação Internacional 7.1 Células-tronco no Reino Unido

A criação de embriões humanos para fins de pesquisa se tornou legal no Reino

Unido após a promulgação da Lei de Fecundação e Embriologia Humana (Human

Fertilization and Embriology Act, ou lei HFE) de 1990.

A lei HFE foi um marco internacional na regulamentação da pesquisa com os

embriões humanos e seguiu o relatório do Comitê Warnock, que havia sido formado

para examinar as implicações sociais, éticas e legais dos avanços científicos no

campo da reprodução humana. Essa lei tinha como objetivo: “Assegurar o futuro dos

embriões humanos e seu posterior desenvolvimento, proibir certas práticas em relação

aos embriões e à genética; estabelecer a HFEA” (The Human Fertilization and

Embriology Authority), uma agência reguladora dotada de poderes para executar e

assegurar o cumprimento da lei, autorizando o funcionamento de clínicas que

realizassem tratamento com a FIV, realização de pesquisas com embriões humanos

criados in vitro e procedimentos para mover, armazenar ou utilizar gametas e

embriões humanos in vitro.

A experimentação com embriões humanos é permitida pela lei HFE sob estritos

controles legais. Qualquer projeto que implique em criação, uso ou preservação de

embriões humanos resultantes de fertilização in vitro tem de ser autorizado pela

HFEA. Plomer, 2005, cita que a não observância dessas normas constitui delito cuja

pena é de até 10 anos de prisão. A HFEA, quando a lei foi aprovada, tinha o poder de

autorizar a experimentação com os embriões

apenas se os experimentos fossem necessários e desejáveis para um dos seguintes propósitos

legítimos: promover avanços no tratamento da infertilidade, incrementar o conhecimento das

causas das doenças congênitas e das causas dos abortos espontâneos, desenvolver técnicas

contraceptivas mais eficientes ou desenvolver métodos para a detecção de anomalias de genes

109

Page 99: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

ou cromossomos nos embriões pré-implantatórios. A pesquisa fora desta lista de objetivos era

proibida.

Em 2001, uma emenda à lei HFE, ampliou as possibilidades para realização de

pesquisa com seres humanos introduzindo a pesquisa com células-tronco destinada

ao benefício de doentes que sofriam, por exemplo, de Parkinson ou Alzheimer. O uso

de técnica de clonagem com fins terapêuticos foi permitido, e o governo se

comprometia em editar uma legislação declarando ilegal a clonagem com fins

reprodutivos, conduta já adotada pelo HFEA.

A pesquisa com células-tronco embrionárias no Reino Unido conta com um

Banco de Células-tronco do Reino Unido desde setembro de 2002.

7.2 Células-tronco nos Estados Unidos

Os Estados Unidos não possuem uma lei federal regulamentado as pesquisas

com células-tronco embrionárias. A Comissão Consultiva Nacional de Bioética, NBAC,

durante o governo Clinton, elaborou um documento denominado Ethical Issues in

Human Stem Cell Research que embora muitos temas continuassem controversos por

razões éticas, poderia haver consenso em relação às fontes de obtenção de células-

tronco. Nesse relatório havia a constatação que muitos se opunham à criação de

embriões para obtenção de células-tronco para fins de pesquisa, mas aceitavam

eticamente que se utilizassem os embriões excedentes ou tecidos de feto morto como

fonte dessas células. O relatório, portanto recomendava a utilização de fundos federais

nessa pesquisa.

Porém o novo presidente dos Estados Unidos, Bush, não colocou em prática

essa política e congelou as verbas federais para a pesquisa com células-tronco por

pressão de integrantes do Partido Republicano, permitindo as pesquisas com fundos

federais somente para linhagens de células já existentes obtidas de embriões

excedentes. Por outro lado, Bush substituiu a NBAC por novo corpo consultivo, o

Conselho de Bioética da Presidência dos EUA (The President`s Council on Bioethics)

sob o comando de um Bioeticista contrário à clonagem independentemente de seus

fins, Leon Kass.

110

Page 100: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O Conselho de Bioética da Presidência ficou dividido em relação às pesquisas

com as células-tronco embrionárias pedindo uma moratória de quatro anos, conforme

o sumário executivo transcrito a seguir:

Solicita e provê tempo para posterior deliberação democrática sobre a pesquisa clonativa e

biomédica, uma matéria sobre a qual a nação está dividida e em torno da qual ainda persiste uma

grande incerteza. Um debate de âmbito nacional sobre esse assunto não ocorreu em sentido

pleno, e uma moratória, que torne impossível para cada uma das partes fechar a questão,

obrigaria essas mesmas partes a defender o seu caso no foro público. Proibindo qualquer

clonagem durante um certo tempo, ela nos permitiria buscar um consenso moral sobre se

deveríamos ou não ultrapassar uma fronteira moral importante (criar vida humana clonada

unicamente para fazer pesquisas) e impedir que ela seja cruzada sem uma anterior decisão

baseada em uma deliberação.

O papel do Conselho de Bioética é orientar o presidente, mas não conta com o

poder de criar políticas de saúde nos EUA.

O estado da Califórnia foi o primeiro a introduzir a proibição da clonagem

humana reprodutiva, incluindo a venda de embriões e gametas para fins de clonagem

com aplicação de penas cíveis e penais correspondentes. A clonagem terapêutica não

foi proibida.

Outros cincos estados – Louisiana, Rhode Island e Virginia também proibiram a

clonagem humana para fins reprodutivos, enquanto Iowa e Michigan proibiram a

clonagem tanto para fim reprodutivo, como para fim terapêutico.

Em janeiro de 2007, conforme anunciado pela UOL Notícias, a câmara de

representantes americana aprovou por ampla maioria, uma legislação para suspender

as restrições impostas pelo presidente George W. Bush ao financiamento das

pesquisas com células-tronco. Pode acontecer o veto presidencial.

7.3 Células-tronco na França

O embrião humano para a reprodução assistida estava regulamentado na França

pela lei nº 94-654 de 1994. Essa lei permitia a criação de embriões in vitro com fim

111

Page 101: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

somente de gerar gravidez, sendo proibida a criação para fins comerciais ou

industriais e inclusive com fins de estudo, pesquisa e experimentação.

A lei também contemplou o diagnóstico pré-implantatório dos embriões,

permitido apenas se o casal tem probabilidade constatada pelo médico de gerar um

filho vítima de uma doença genética grave e reconhecida como incurável no momento

do diagnóstico.

A doação dos embriões a um casal diferente de seus progenitores foi

regulamentada pela lei. Ela é permitida após análise pelo juiz das condições de

acolhimento do casal receptor nos aspectos familiar, educativo e psicológico,

semelhante ao processo de adoção de uma criança.

Os embriões considerados excedentes que não serão implantados e nem

doados poderão ser destruídos conforme previsto na lei, em seu artigo 9. Porém esse

dispositivo nunca foi regulamentado permanecendo letra morta e não aplicável.

Em 2002, segundo a jornalista Catherine Alemu,

(www.ambafrance.org.br/), a França revisou a lei que rege a bioética, de 1994. Em

seu artigo ela refere que a partir de 2003, a nova lei autorizará os programas de

pesquisa com células-tronco embrionárias e que o governo prevê a criação de um

órgão regulador dessas atividades, como a Apegh (Agência da Procriação, da

Embriologia e da Genética Humana).

Finalmente em 2004, após muitas discussões a França promulgou em 8 de

agosto, a nova lei de Bioética. As “pesquisas utilizando embriões são autorizadas

quando não houver outro método alternativo de pesquisa que possa ser realizado, e

que alcance o mesmo nível de eficácia comparável com o conhecimento científico

existente”. A Agência de Biomedicina francesa será responsável pelas autorizações,

controle e andamento das pesquisas. A Agência será constituída por especialistas,

representantes do Parlamento, de Associações e Instituições que formará um

“conselho de orientação”.

Em 7 de fevereiro de 2006 o governo francês publicou um decreto que

regulamenta a lei de 2004 autorizando as pesquisas sobre embriões e células-tronco,

conforme noticiado pela Folha Online de 08/02/2006. Estima-se que na França

existem atualmente, 120.000 embriões congelados nos centros franceses de

112

Page 102: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

assistência médica à reprodução, dos quais 40% são descartados e poderiam ser

doados para pesquisa.

Os embriões congelados poderão ser utilizados para pesquisa em três situações:

a primeira é quando um casal que já possui família e não quer mais ter filhos doa os

embriões, através de consentimento por escrito e sem receber compensação

financeira.

A segunda situação é quando os embriões não podem ser mais implantados no

útero. Neste caso, também é necessário o consentimento dos doadores permitindo a

utilização das células.

Por último, é quando se trata de embriões que apresentam anomalia genética,

detectada através de um diagnóstico anterior a uma implantação uterina com

autorização dos doadores.

A nova legislação suspendeu a proibição da pesquisa com as células-tronco a

partir de embriões humanos excedentes de fertilização in vitro por cinco anos. Neste

período serão avaliados os benefícios alcançados que poderão ser utilizados em

tratamentos de doenças crônicas como diabetes, doenças cardíacas e

neuromusculares. A clonagem humana continua proibida com um aumento de pena,

agora a punição é prisão de 30 anos e multa de 7,5 milhões de euros. A lei também

proíbe a clonagem com fins terapêuticos e técnicas utilizadas em pesquisas

embrionárias com pena prevista de sete anos de prisão e multa de 100 mil euros na

transgressão. (Fonte : Terra Notícias – Ciência e Meio Ambiente - Genética)

7.4 Células-tronco na Holanda Nos Países Baixos, a lei dos embriões estabelece os limites de uso dos gametas

e embriões humanos com base na dignidade humana e no princípio do respeito pela

vida humana. Essa lei permite, sob determinadas condições, a obtenção de células-

tronco de embriões excedentes para pesquisa desde que estes recebam a proteção

adequada. A pesquisa científica com embriões excedentes pode ser realizada após

aprovação de um protocolo de pesquisa aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa

113

Page 103: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

da entidade encarregada da avaliação das propostas de pesquisa. Essa comissão de

caráter regional está sob a supervisão da Comissão Central de Pesquisas Humanas.

Para a aprovação da pesquisa é necessário que esta abra caminho para novos

conhecimentos no campo da ciência médica e que esses conhecimentos não possam

ser obtidos por nenhuma outra técnica conhecida até aqui.

A lei dos embriões também preconiza que os embriões excedentes devem ser

doados pela pessoa de quem provém o embrião através de consentimento livre e

esclarecido.

Nos países baixos não é permitida a produção de embrião com fim de pesquisa.

7.5 Células-tronco na Itália

A discussão jurídica sobre a licitude ou a ilicitude no uso de células-tronco

embrionárias na Itália, assim como nos outros países, envolve inevitavelmente o

estatuto jurídico, moral e antropológico do embrião humano.

Não existe uma legislação específica sobre as células-tronco embrionárias na

Itália, porém existem regulamentações paralegislativas, oriundas na sua maioria de

decretos ministeriais.

Em relação aos embriões, existe um decreto editado pelo Ministério da Saúde

em junho de 2002, prorrogando a proibição e a comercialização e propaganda de

gametas e embriões humanos, além da proibição da importação e exportação de

gametas e embriões humanos: “Ministero della Salute, Ordinanza 18 giugno 2002.

Proroga dell` efficacia dell` ordinanza concernente il divieto di commercializzazione e

publicità di gameti ed embrioni umani e dell` ordinanza concernente il divieto di

importazione e di esportazione di gameti e di embrioni umani (G. U. nº 162, 12-7-

2002)”.

Um outro decreto do Ministério da Saúde em relação aos embriões proíbe a

prática da clonagem humana: “Ministero della Salute, Ordinanza 4 dicembre 2002:

Prorroga dell`efficacia dell` ordinanza concernente il divieto di pratiche di clonazione

uman (G. U. nº 304, 30-12-2002).”

114

Page 104: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Como fonte pré-legislativa, a Comissão Nacional de Bioética, elaborou o Parecer

sobre a Técnica de Reprodução Assistida em 1994 com reflexão unânime contra a

clonagem humana e a produção de embriões com fins unicamente experimentais e

sua comercialização: é o Parere sulle techniche di procreazione assistita.

A Comissão Nacional de Bioética elaborou também em 1996, sem um consenso

unânime, um parecer sobre a Identidade e Estatuto do Embrião Humano, (Identitá e

statuto dell`embrione umano):

COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA, Identità e statuto dell`embrione umano,

1996. Admite-se, portanto, no plano geral, o respeito e a tutela devidos ao embrião

humano (pelo respeito que devemos ter por cada ser humano ou pela regra de ouro que

impõe tratar o embrião como nosso “semelhante”, como “um dos nossos”), embora no

plano particular se registre uma falta de consenso entre quem considera que esse dever

“é absoluto” e quem sustenta que é um dever prima facie. Reconhece-se unanimemente

a ilicitude da produção ou do congelamento de embriões humanos com fins unicamente

experimentais ou para usos comerciais e industriais, assim como também são

consideradas ilícitas a clonagem, a criação de quimeras, a hibridação e a gestação

interespecífica. A posição sobre a produção e o tratamento de embriões excedentes ou

em “estado de abandono” é diferente: há conclusões unânimes sobre o dever de garantir

aos embriões excedentes a possibilidade de viver e de se desenvolver (tirando do casal

que se submete à fecundação artificial sua disponibilidade na medida em que não

aceitem a implantação no útero, colocando-os à disposição de casais que estejam

dispostos a “adotá-los”), divergentes sobre o destino dos embriões que não sejam aptos

para a implantação (há quem considere que devem deixar que eles morram; outros que

devem ser utilizados para a experimentação). São necessárias: a garantia de que o

pessoal e as instituições nas quais são produzidos e congelados os embriões não

estejam implicados em seu uso com fins experimentais; a validade científica da pesquisa

e a irrenunciabilidade de aplicá-la ao embrião; a publicidade e o controle da pesquisa e

dos resultados; a objeção de consciência por parte dos pesquisadores envolvidos.

Esse parecer sobre a identidade e o estatuto do embrião humano não encerra as

controvérsias sobre o estatuto pessoal, principalmente referente à individualidade do

embrião, reconhece que o embrião não é uma coisa, mas um ser humano.

115

Page 105: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O Comitê Nacional para a Bioética, em fevereiro de 2000, por solicitação da

Ministra da Saúde, elaborou uma “Declaração sobre a possibilidade de patentear

células com origem embrionária humana” devido à concessão por parte do European

Patent Office de Munique à Universidade de Edimburgo, colaboradora da sociedade

americana Bio Transplant, da patente de isolamento, cultivo e possível modificação

genética das células-tronco de embriões e tecidos adultos de animais, especialmente

mamíferos, incluída a espécie humana. O Comitê se posicionou fortemente contra à

produção e a utilização de embriões humanos com fins unicamente experimentais e

contra a redução da vida biológica a um objeto de propriedade intelectual patenteável.

Essa posição já havia sido tomada anteriormente no documento Rapporto sulla

brevettabilitá degli organismi viventi (Documento sobre a patenteabilidade de

organismos vivos) de 19 de novembro de 1993.

Outro parecer foi editado pelo Comitê: o Parere sull’ impiego terapeutico delle

cellule staminali (Parecer sobre o uso terapêutico das células estaminais) de 27 de

outubro de 2000. Esse parecer contém as posições comuns relativas à proibição da

clonagem reprodutiva e à licitude do uso das células-tronco oriundas de fetos

abortados e das células-tronco oriundas de adultos com os objetivos exclusivos de

pesquisa e terapia. Ocorre divergência no uso de células-tronco embrionárias

humanas. Outro consenso é a afirmação da ilicitude na produção de embriões por

clonagem para fins unicamente experimentais e a ilicitude da comercialização e do

patenteamento de células-tronco humanas. Alguns membros do Comitê entendem que

é lícito o uso de células-tronco embrionárias com fins terapêuticos provenientes de

embriões excedentes da fertilização in vitro ou não implantáveis, desde que

consentido previamente pela mulher ou casal; essa posição é defendida com a

finalidade de que os benefícios decorrentes desse tratamento poderão atingir milhares

de doentes que necessitam dessa técnica atual para cura ou melhora de seus

sintomas lhes proporcionando uma vida mais digna; já outros membros entendem que

mesmo o uso de embriões congelados e não implantáveis ocorre em ilícito grave.

Outro ponto abordado pelo parecer é que se evite otimismos excessivos sobre a

terapêutica com células-tronco porque há ainda um longo caminho a percorrer e que

116

Page 106: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

os resultados terapêuticos devem estar acessíveis a todos sem discriminação alguma

e com indicações clínicas específicas.

Tendo como base a Constituição italiana, Pallazani cita que alguns autores

reconhecem que o embrião é um sujeito titular de direito tendo como base o artigo 2

que reconhece e garante os direitos invioláveis do homem; o artigo 3 afirma que todos

os cidadãos tem a mesma dignidade social e o artigo 31 evidencia o dever de

proteção da maternidade e da infância, assim como no artigo 32 reconhece a

liberdade de pesquisa e o direito à saúde dos indivíduos.

Já a lei nº 194 de 1978 sobre a interrupção voluntária da gravidez admite o

aborto em caso de risco grave para a saúde psicofísica da mulher garantindo que a

direito de autodeterminação da mulher é superior aos direitos do embrião e do feto e

na mesma lei, em seu artigo 1 afirma a obrigação do Estado de tutelar a vida humana

desde o seu início. Por sua vez, o Código Civil italiano, em seu artigo 1, reconhece

que o sujeito de direito inicia a sua capacidade jurídica no momento do nascimento.

Atualmente, a Itália não possui uma legislação específica que regulamente o

início da vida, e atualmente existe no Congresso o Projeto de lei S 1514, cuja última

versão teve o texto aprovado em 18 de junho de 2002, cujo texto prevê dispositivos

relativos à tutela do embrião e do feto. No artigo 13 desse projeto de lei está previsto:

Experimentação com embriões humanos: 1. É proibido qualquer tipo de experimentação com

qualquer embrião humano; 2. Permite-se a pesquisa clínica e experimental com embriões

humanos desde que sejam perseguidos objetivos exclusivamente terapêuticos e de diagnóstico

relacionados com ela e com o fim de tutelar a saúde e o desenvolvimento do próprio embrião,

sempre que não existam métodos alternativos disponíveis; 3. É totalmente proibido: a) produzir

embriões humanos com fins de pesquisa ou experimentação ou com fins distintos dos previstos

por esta lei; b) clonar por meio de transferência de núcleo ou por cisão precoce do embrião.

7.5.1 Referendo sobre Reprodução Assistida

Em junho de 2005, foi realizado um referendo para modificar a lei sobre a

reprodução assistida no país, onde quatro questões deveriam ser respondidas pelo

117

Page 107: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

povo italiano, conforme a reportagem da Folha Online de 13 de junho de 2005 com o

título “Fracassa referendo italiano sobre reprodução assistida”. As quatro questões do

referendo eram:

1. Deve-se retirar do texto da campanha as referências ao embrião nas quais é

considerado um ser humano completo?

2. É preciso suprimir a limitação de três com relação ao número de embriões

produzidos e imediatamente implantados sem possibilidade de um diagnóstico

preliminar?

3. Deve-se anular as limitações com relação à pesquisa com embriões?

4. É preciso retirar a proibição de recorrer a um doador estrangeiro?

Esse referendo tinha como objetivo deixar o povo italiano escolher se abrandava

ou não as limitações do uso das técnicas de reprodução assistida e se concordava

com as pesquisas com os embriões para posterior mudança nas regulamentações

sobre o assunto. Porém o Vaticano, através do papa Bento XVI, conclamou o povo

para boicotar o referendo que necessitaria de 50 % mais um dos eleitores para se

tornar válido. A campanha papal deu certo e somente 24,1% do povo compareceu

para votar, revelando a forte influência da Igreja no país de maioria católica.

Enfim, a questão do uso das células-tronco embrionárias continua em debate na

Itália existindo fortes pressões para que essas pesquisas sejam legitimadas em vista

das enormes possibilidades terapêuticas. Contrapondo essa posição também existem

fortes pressões contrárias.

7.6 Células-tronco na Alemanha

Na Alemanha, em 1990 foi criada a lei de proteção do embrião que tratava da

fertilização in vitro (FIV) e do embrião excedente resultante dessa técnica. Essa lei

118

Page 108: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

visava somente permitir ao casal impossibilitado de gerar filhos pelo método natural ter

a sua descendência e proibia qualquer pesquisa com embriões.

Plettenberg, 2005, p. 192, refere que

a discussão e o sentimento alemães sobre a legislação que diz respeito ao embrião humano e à

sua carga genética são fruto de uma especial sensibilidade que se deve à história do nacional-

socialismo alemão e seu desprezo ideológico pelo fraco e às políticas de eugenia do regime

nacional-socialista a serviço de uma raça “melhor”: a Constituição ou “lei fundamental” alemã se

inicia com uma solene proclamação da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana em seu

artigo 1, seguida pela proclamação do direito à vida.

Por isso, com o desenvolvimento biotecnológico e as possibilidades de

pesquisas descobertas com o isolamento das primeiras linhagens de células-tronco

embrionárias, a sociedade alemã verificou a necessidade de regulamentação do

assunto através de amplo debate no período anterior à aprovação da lei sobre células-

tronco embrionárias. As novas possibilidades da biogenética humana que interferem

na origem do ser humano e na sua compreensão como indivíduo levaram todos os

setores da sociedade a uma reflexão intelectual e filosófica para compreender a nova

realidade.

A lei sobre células-tronco embrionárias (Stammzellgesetz) de 28 de junho de

2002 proíbe o isolamento dessas células provenientes de embriões sacrificados para

esse fim, mas permite o isolamento de células-tronco germinais, adultas ou neonatais

sem que isso configure uma ilegalidade.

Para não ferir o princípio constitucional alemão que protege a liberdade da

ciência e pesquisa, permitiu a importação de outros países de linhagens já existentes

de células-tronco embrionárias e com algumas condições. Dessa forma, o direito do

embrião é contraposto com o direito incondicionado à liberdade de pesquisa.

A Exposição de motivos da lei, segundo Plettenberg, indica que se houvesse

uma proibição total do uso de células-tronco embrionárias abrangendo a linhagens já

existentes, essa proibição não estaria coberta pela Constituição visto que se oporia

radicalmente à liberdade de pesquisa. A importação de linhagens já existentes de

células-tronco embrionárias para fins de pesquisa não entraria em confronto com

119

Page 109: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

outros bens já protegidos pela Constituição, pois sua aquisição não suporia a morte de

novos embriões.

A lei aprovada prevê no seu artigo 4º que as células-tronco embrionárias

poderão ser importadas sob algumas condições:

• as células-tronco deverão ser sido isoladas antes de 1º de janeiro de 2002,

conforme normas vigentes do país de origem. A finalidade desse limite de data

é evitar que seja gerada uma nova demanda por células-tronco e com isso o

sacrifício de novos embriões.

• as células-tronco devem ter sido fruto de uma fertilização in vitro realizada com

a finalidade de obter uma gestação e que esses embriões não mais seriam

utilizados para esse fim; uma outra condição é que os embriões não podem ter

sido destacados por razões inerentes às células-tronco como doenças, ficando

clara a rejeição ao diagnóstico pré-implantacional ou a qualquer finalidade

eugênica.

• o embrião fonte da linhagem de células-tronco deve ter sido doado por seus

genitores com finalidade de pesquisa.

O conteúdo do artigo 5 da lei refere que a pesquisa com as células-tronco, só

poderá ser autorizada somente se for demonstrado com argumentos científicos de sua

importância no avanço de desenvolvimento diagnóstico ou terapêutico em pessoas

humanas e que esse ganho científico só poderia ser realizado usando as células-

tronco embrionárias humanas.

A solicitação de importação de linhagem de células-tronco deverá ser submetida

a uma comissão para autorização. Como resultado da lei, no final de 2002, foi

autorizada a primeira importação de uma linha de células-tronco embrionárias

provenientes do Estado de Israel.

A lei também prevê penas de prisão ou penas pecuniárias para as pessoas que

importarem células-tronco embrionárias sem permissão prévia ou que forneceram

dados falsos para obter a permissão.

Com a promulgação da lei, a Alemanha, ao permitir a pesquisa com células-

tronco embrionárias importadas de outro país, tentou preservar o princípio da

120

Page 110: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

dignidade humana e da vida em favor do embrião, ao mesmo tempo em que preserva

a liberdade de pesquisa. Os legisladores alemães discutiram, até que ponto a

utilização de linhagens de células-tronco importadas estava incluída na teoria vedada

da doutrina do fruit of the poisonus tree (teoria do fruto envenenado) uma vez que a

Alemanha, não querendo instrumentalizar os embriões para fins de terceiros, aceita

que outros paises o façam e ela se torna beneficiária disso.

Os adeptos da utilização dos embriões excedentes na Alemanha com finalidade

de pesquisa com as células-tronco embrionárias consideram que a proteção excessiva

aos embriões oriundos da FIV é incoerente com a proteção ao embrião se comparada

com a lei do aborto alemã. O argumento se baseia na falta de lógica que o embrião

dentro do útero não goze de qualquer proteção previamente à sua implantação, com

utilização do DIU e pílula do dia seguinte, como também na proteção reduzida nas

primeiras doze semanas em que o aborto é permitido, quando na situação in vitro goza

de uma proteção desde o momento da fertilização. Esses adeptos questionam

também por que não liberar o uso de embriões excedentes, uma vez que a lei permite

que se fertilize até três ovócitos formando três embriões e que dois estão condenados

a morrer se a sociedade, na lei do aborto, dá apenas uma proteção parcial ao

embrião?

Plettenber, cita Habermas, p. 214, que diz:

o que está por trás de todo debate é, na verdade, uma abordagem moral da vida do homem, de

sua dignidade, da autocompreensão ética de nós mesmos como espécie. Habermas observa que

“com a instrumentalização da vida pré-pessoal estamos jogando com nossa autocompreensão

ética como espécie, jogo no qual se está decidindo se poderemos continuar nos entendendo com

seres que julgam e que atuam moralmente”.

7.7 Células-tronco na Espanha

Em maio de 2006, o Congresso de Deputados Espanhol aprovou a lei de

Reprodução Assistida modificando a Lei 35 de 1988 que tratava do assunto. A

121

Page 111: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

modificação da Lei se fez necessária para resolver o problema dos embriões

excedentes acumulados em clínicas de reprodução humana.

Em 2003, ó Comitê Assessor de Ética subordinado à Fundação Espanhola para

a Ciência e a Tecnologia, elaborou um relatório sobre “A pesquisa sobre células-

tronco” a pedido do Ministério de Ciência e Tecnologia. A finalidade do relatório era

analisar o estado atual das pesquisas com as células-tronco, o destino dos pré-

embriões humanos excedentes da FIV e sua possível utilização com fins de pesquisa.

O Comitê se mostrou contrário à criação de pré-embriões humanos com a

finalidade exclusiva de pesquisa; declarou-se favorável à utilização dos pré-embriões

excedentes nas pesquisas, desde que não pudessem ser implantados e diante da

alternativa de destruição; que essa utilização para as pesquisas obedecesse a normas

rígidas de controle; que os genitores fornecessem seu consentimento informado e que

os projetos tenham uma finalidade terapêutica clara de diminuição do sofrimento

humano e que não pudessem se desenvolver por outro meio de pesquisa alternativa.

O Comitê também se posicionou a favor da de reduzir ao mínimo o número de

pré-embriões excedentes da FIV e da possibilidade de doação dos mesmos a outros

casais com o consentimento de seus progenitores. A posição do Comitê Assessor de

Ética na elaboração do relatório, era coincidente com a da Comissão Nacional de

Reprodução Humana Assistida.

A modificação da Lei 35/1988 sobre técnicas de reprodução assistida, no seu

artigo 4, autoriza a transferência de um máximo de três pré-embriões em uma mulher

em cada ciclo e permite a fecundação de um máximo de três oócitos, exceto nos

casos em que hajam impedimento devido à patologia dos progenitores. Nesses casos

será permitida a fecundação de um maior número de oócitos, especificados em

protocolo a ser elaborado pelo Ministério da Saúde e Consumo com assessoria e

parecer prévios da Comissão Nacional de Reprodução Humana Assistidas.

O artigo 11 dessa lei diz que quando forem gerados pré-embriões

supranumerários, estes serão criopreservados durante o período equivalente à vida

fértil da mulher para que possam ser transferidos a ela posteriormente se ela assim o

desejar. O casal ou a mulher assinará um Termo de Responsabilidade sobre seus pré-

122

Page 112: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

embriões criopreservados e se os pré-embriões não forem implantados no prazo

previsto, eles serão doados com fins reprodutivos como única alternativa.

A Lei cria o Centro Nacional de Transplantes e Medicina Regenerativa

subordinado ao Ministério da Saúde, que será o órgão responsável pela promoção e

coordenação da pesquisa com tecidos e células de origem humana de acordo com a

legislação vigente e os convênios internacionais assinados no campo da biomedicina,

além de outra atribuições.

O Dispositivo final primeiro trata do destino dos pré-embriões crioconservados

com anterioridade à entrada em vigor desta lei.

7.8 Células-tronco em Portugal

7.8.1 Histórico da Reprodução Assistida em Portugal

Desde 1986 os médicos portugueses utilizavam as técnicas de reprodução

assistida para ajudar os casais que não conseguiam ter filhos de forma natural. Até a

promulgação da lei 32/2006, Portugal era um dos raros países na Europa que ainda

não tinha uma legislação que disciplinasse as referidas técnicas, embora o tema fosse

discutido em fóruns e houvesse pareceres do Conselho Nacional de Ética para as

Ciências da Vida.

Segundo Paula M. Silva, jurista e membro do Conselho Nacional de Ética para

as Ciências da Vida, “tudo o que se centre em torno do começo da vida, do estatuto do

embrião não pode ser consensual. Nem num continente nem num país”.

Silva cita ainda que apesar do “vazio legislativo” que ocorria em Portugal havia

vários dispositivos que norteavam a utilização das técnicas de reprodução assistida

como o artigo 67, n° 2, e, da Constituição da República que estava expresso “...

incumbe ao Estado, para proteção da família .... regulamentar a procriação assistida,

em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana...”. A Lei nº 3 de 24 de

março de 1984 também colocava no art. 9º, nº 5, Tratamento da esterilidade e

inseminação artificial, uma previsão de regulamentação: “O Estado aprofundará o

estudo e a prática da inseminação artificial como forma de suprimento da esterilidade”.

123

Page 113: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

O Código Penal em seu art. 168 prevê que “Quem praticar ato de procriação artificial

em mulher, sem o seu consentimento, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos” e o

Código Civil Português, no art. 1.839, nº 3, trata da impugnação da paternidade “ Não

é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial

ao cônjuge que nela consentiu”.

7.8.2 Livro Branco

Devido à existência de numerosos embriões criopreservados em Portugal, o

Ministério da Ciência e do Ensino Superior solicitou em 2003, ao professor de Ética e

Bioética da Faculdade de Medicina do Porto, Daniel Serrão, um estudo sobre o uso de

embriões humanos em investigação científica.

O investigador reuniu a opinião de mais 28 peritos nacionais sobre o assunto e

compilou as variadas posições sobre o estatuto que o embrião excedentário ocupa e a

forma mais adequada para se criar uma legislação sobre o assunto. Dessa maneira foi

criado o “Livro Branco” sobre o uso de embriões em investigação científica.

Daniel Serrão lembrou que o caminho a ser seguido pela legislação portuguesa é

uma questão sócio-cultural e que a futura lei deveria corresponder às expectativas da

sociedade civil sobre o destino dos embriões excedentes da reprodução assistida.

7.8.3 Parecer nº 01 da Associação Portuguesa de Bioética

A Assembléia-Geral da Associação Portuguesa de Bioética aprovou em 19 de

julho de 2005 o Parecer nº P/01/APB/05 Sobre a Utilização de Embriões Humanos em

Investigação Científica.

Esse parecer foi relatado por Rui Nunes, da Associação Portuguesa de Bioética:

A arbitragem entre aquilo que é passível de uma escolha autônoma, individual, e aqueles actos

que devem ser restringidos por imperativos sociais deve decorrer de um referencial baseado na

124

Page 114: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

norma moral prevalecente. Esta norma moral, por sua vez, não é estática e vai-se modificando

com o evoluir da sociedade;

Um destes pressupostos morais, que não pode ser negligenciado, até por ser constitucionalmente

protegido, é o direito à liberdade de pensamento e de investigação, desde que este direito não

entre em conflito com outros ainda mais valorizados socialmente;

A experimentação em embriões humanos pode trazer importantes benefícios no campo

terapêutico, no atinente ao desenvolvimento de novas técnicas de Procriação Medicamente

Assistida e de novos métodos de contracepção mas, também, no que respeita à investigação de

novas modalidades de tratamento, designadamente em articulação com a técnica da clonagem

por transferência somática nuclear;

A investigação em embriões excedentários encontra maior legitimidade ética se for efectuada

para seu próprio benefício dado que, ainda que o embrião humano não seja uma “pessoa” no

sentido filosófico do termo, deve estar sob a esfera protectora da dignidade humana, de acordo

com o princípio da solidariedade ontológica;

As equipas envolvidas em programas de Procriação Medicamente Assistida devem tentar limitar

ao máximo a criação de embriões excedentários, designadamente através da fertilização dos

ovócitos necessários e suficientes para uma única transferência in útero;

A investigação em embriões criados para fins experimentais – fora de qualquer projecto parental –

deve ser considerada ilegítima porque viola o princípio básico do valor intrínseco, não-

instrumental, do ser humano;

A investigação em embriões inviáveis – tal como o embrião triplóide – é legítima dado que este

tipo de embrião ainda que resulte da fusão dos gâmetas dos progenitores, e portanto disponha de

um patrimônio genético inovador, não tem o potencial de se desenvolver numa pessoa;

A investigação em “entidades humanas que decorrem da clonagem por transferência somática

nuclear” pode encontrar a sua legitimidade no princípio ético da beneficência, se estiver em causa

a procura de tratamento para doenças graves, incuráveis, sem alternativa terapêutica;

Caso venha a ser aprovado qualquer tipo de investigação em embriões humanos esta deve ser,

sempre, precedida:

125

Page 115: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

a) De uma revisão sistemática efectuada por uma comissão pluri-disciplinar e independente –

especificamente constituída para o efeito – e distinta das Comissões de Ética para a Saúde (CES)

em funcionamento na maioria dos hospitais portugueses;

b) Da obtenção de consentimento informado, livre e esclarecido junto dos dadores de gâmetas de

uma forma expressa, de preferência por escrito, não sendo razoável a sua presunção.

7.8.4 Lei da Procriação Medicamente Assistida

A lei nº 32/2006 da Procriação Medicamente Assistida (PMA) foi publicada em

Portugal em 26 de julho de 2006 no Diário da República, com prazo de 180 dias para

aprovar a regulamentação.

O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, em mensagem enviada à

Assembléia da República, a propósito da lei que regula a Procriação Medicamente

Assistida comentou:

Trata-se de uma matéria complexa do ponto de vista biomédico, social e jurídico, e de implicações

muito sensíveis no âmbito da investigação científica, da qual podem resultar significativos

benefícios e renovadas esperanças para um número crescente de doentes, aspectos que devem

ser conjuntamente ponderados. Envolve, em todos esses domínios, questões éticas que, numa

sociedade democrática e pluralista, exigem amplo debate público.

Continuando a mensagem, o Presidente chamou a atenção para dois pontos:

- por um lado, para a necessidade de regulação complementar no domínio da protecção efectiva

da vida humana embrionária - um imperativo tanto mais relevante quanto se dá o caso de o

objecto do diploma transcender o âmbito estrito da procriação medicamente assistida;

- por outro, para a composição e condições de funcionamento do Conselho Nacional de

Procriação Medicamente Assistida.

Cavaco Silva também salientou que na regulação complementar seriam pontos

particularmente sensíveis:

126

Page 116: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

i) O imperativo de se garantir uma protecção efectiva de embriões criopreservados e qualificados

como viáveis nos termos da presente lei, relativamente aos quais se verifique, antes de passados

três anos, simultaneamente uma quebra do compromisso do beneficiário em utilizá-los em novo

processo de transferência e a sua recusa em consentir na doação a outro casal;

ii) A necessidade de eventuais lacunas e disposições normativas de sentido indeterminado

constantes da lei, e respeitantes à matéria disciplinada pela Convenção para a Proteção dos

Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina,

e pelo seu Protocolo Adicional que Proíbe a Clonagem de Seres Humanos, deverem ser,

respectivamente, integradas e especificadas em conformidade com essas normas internacionais;

iii) A preocupação de se assegurar, em intervenções legais subsequentes que incidam em

matérias como a transferência nuclear somática e a investigação científica em células estaminais,

que, mesmo quando a lei permita a investigação em embriões “in vitro”, fique garantida a

dignidade do embrião excluído de um projecto parental.

Foi criado também o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida

com a função de regulamentar as matérias constantes da lei tendo a responsabilidade

de avaliar as questões éticas, legais e sociais que a reprodução assistida gera, assim

como tem a responsabilidade de analisar os projetos de pesquisa em embriões

excedentes assegurando que estes possam resultar em benefícios para a

humanidade. Fonte: Página Oficial da Presidência da República Portuguesa.

7.9 Células-tronco na Austrália

A Austrália foi mais um país que em 2006 aprovou a pesquisa com células-

tronco embrionárias. A decisão foi recomendada por um comitê científico encarregado

de estudar o assunto concluindo seu parecer favorável à pesquisa em 2005. A lei foi

inicialmente aprovada pelo Senado em 07 de novembro e em 06 de dezembro passou

pela aprovação pelo Parlamento. A nova lei começará a vigorar em junho de 2007.

127

Page 117: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

7.10 Células-tronco na Suiça

A Suiça aprovou em novembro de 2004, uma lei que permite a pesquisa com

células-tronco obtidas de embriões humanos excedentes, desde que os embriões não

ultrapassem sete dias de desenvolvimento. Foi proibida a clonagem terapêutica e o

comércio de embriões continua proibido. (Fonte: www. swissinfo.org)

128

Page 118: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

8. O Estado da Arte no Uso de Células-tronco

8.1 Estado da Arte na Terapia com Células-tronco

Os Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia anunciaram, logo após a

aprovação da Lei de Biossegurança, o investimento de R$ 11 milhões de reais em

diversas linhas de pesquisa que utilizem células-tronco embrionárias e adultas,

derivadas da medula óssea, de cordões umbilicais e de outros tecidos.

Os estudos in vitro devem pesquisar, entre outros aspectos, como as células-

tronco se transformam em tecidos, como elas podem ser isoladas e induzidas para

que sejam utilizadas para fins terapêuticos e como se expandem. Os testes com

animais, pesquisa pré-clínica e seres humanos, pesquisa clínica, abrangem estudos

do sistema nervoso como os acidentes vasculares cerebrais, as lesões raqui-

medulares, as doenças neurovegetativas, a paralisia cerebral e retinopatias; do

sistema cardiovascular, dos sistemas endócrinos, digestório, respiratório, locomotor e

outras patologias, como doenças auto-imunes, genéticas e lesões de pele.

Antes da aprovação da lei de Biossegurança, o governo já estava investindo em

terapia celular. Em fevereiro de 2004 foi anunciado o início do maior estudo em

células-tronco adultas para o tratamento de cardiopatias já realizado no mundo com o

investimento de R$ 13 milhões de reais para o tratamento de 1.200 (um mil e

duzentos) pacientes com patologias cardíacas.

8.2 Células-tronco Hematopoéticas

As células-tronco hematopoéticas são as células que têm a propriedade de

diferenciar-se em todos os elementos do sangue, (leucócitos, plaquetas e hemácias),

conservando a capacidade de auto-renovação destes elementos figurados durante

toda a vida do indivíduo. Nos últimos tempos, foi verificado que as células-tronco

129

Page 119: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

hematopoéticas poderiam em determinadas circunstâncias, diferenciar-se também em

outros tipos celulares, com vários estudos em andamento.

Essas células encontram-se na medula óssea, no sangue periférico e no sangue

de cordão umbilical. O uso terapêutico do transplante de células-tronco

hematopoéticas (TCTH) já é utilizado há quatro décadas e consiste na infusão de

células com o fim de restabelecer a hematopoese no receptor. As células-tronco

transplantadas possuem uma sobrevida por longo tempo mantendo suas

propriedades. O transplante atualmente é utilizado para o tratamento de diversas

doenças neoplásicas como leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, e de doenças não

neoplásicas como aplasia medular, hemoglobinopatias, distúrbios metabólicos ou

imunológicos e doenças auto-imunes. As células-tronco podem ser obtidas do próprio

paciente (denominado transplante autólogo ou autogênico) ou de um doador

compatível (denominado transplante alogênico).

8.3 Células-tronco Embrionárias e Adultas em Cardiologia

Estudos com células-tronco embrionárias obtidas de camundongos permitiram

observar a diferenciação espontânea destas células em cardiomiócitos, além de ser

possível induzir esta diferenciação in vitro, alcançando uma pureza final de 70%. As

células embrionárias humanas apresentam características semelhantes às células do

camundongo, apresentando, porém, uma maior capacidade de proliferação e

recentemente foram testadas em animais atímicos para evitar rejeição, para

recuperação cardíaca pós-infarto. No experimento foi obtida a comprovação

histológica de diferenciação e foi observado o aparecimento de focos ectópicos de

condução eletrofisiológica nos locais de injeção sugerindo a integração funcional

destas células, porém despertando o temor de surgimento de arritmias. (Gowdak e

cols., 2006)

O Brasil, ao lado da Alemanha, é uma das referências internacionais na pesquisa

clínica utilizando células-tronco da medula óssea dos próprios pacientes para tratar

seus problemas cardíacos. O Ministério da Saúde lançou em fevereiro de 2004, um

130

Page 120: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

projeto de R$ 13.000.000,00 (treze milhões de reais) para pesquisar em três anos a

eficácia do emprego das células extraídas da medula óssea contra as disfunções

cardíacas. O estudo será para os pacientes que tiverem isquemia crônica,

cardiomiopatia dilatada, mal de Chagas e vítimas do infarto do miocárdio. Esse projeto

conta com a participação de trinta centros entre universidades e hospitais de norte a

sul do país e será testado em 1.200 pacientes, divididos de acordo com seu problema

cardíaco em quatro grupos de 300 indivíduos. Todos receberão o tratamento

convencional para o seu problema cardíaco e serão acompanhados por um ano.

Metade dos pacientes receberá doses de injeção de células-tronco e a outra metade

receberá doses de placebo. O estudo será duplo-cego, ou seja, nem médico nem

paciente saberá quem recebeu células-tronco ou placebo.

Se no final do estudo for comprovado que a terapia celular é mais eficiente que

as terapias convencionais o procedimento será adotado pela rede pública de hospitais.

8.3.1 Células-tronco Adultas em Miocardiopatia Chagásica

No Brasil, tem-se estudado o uso de células-tronco adultas extraídas de medula

óssea para o tratamento de insuficiência cardíaca provocada pela doença de Chagas.

Em um trabalho publicado em agosto de 2006 por Vilas-Boas e cols., os autores

avaliaram os efeitos do transplante de medula óssea para o miocárdio em 28

pacientes com insuficiência cardíaca de origem chagásica.

Esse estudo baseou-se na capacidade das células-tronco de medula óssea se

diferenciarem em cardiomiócitos, capacidade essa demonstrada em modelos

experimentais de infarto do miocárdio muito embora os resultados geraram

controvérsias quanto à plasticidade ou não dessas células, levantando dúvidas se o

processo que ocorria era de diferenciação celular ou de fusão celular.

Sendo a doença de Chagas uma das causas principais de insuficiência cardíaca

no Brasil e que existem cerca de oito a nove milhões de brasileiros infectados pelo

Trypanosoma cruzi, 30 a 40% destes podem ter comprometimento cardíaco e o êxito

com a terapia de células-tronco adultas beneficiaria um número importante de

pacientes.

131

Page 121: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Os mecanismos da etiologia e fisiopatologia que propiciam a doença de Chagas

tornam a terapia com as células-tronco promissoras. Como ocorre uma miocardite

persistente e produção aumentada de citocinas pelo miocárdio de pacientes com

insuficiência cardíaca produzida pelo mal de Chagas, este ambiente se torna atrativo

para a fixação das células-tronco. Ao contrário das outras patologias que afetam o

coração, onde o processo inflamatório é pequeno, na cardiopatia chagásica presume-

se que células-tronco circulantes migrem para o miocárdio, orientadas pelos sinais

inflamatórios difundidos por todo o órgão.

Nesse estudo, pacientes de ambos os sexos, com idade entre 20 e 70 anos, com

insuficiência cardíaca crônica de origem chagásica, fração de ejeção do ventrículo

esquerdo menor que 40%, foram submetidos ao transplante de medula óssea com as

células retiradas de suas próprias cristas ilíacas e injetadas no sistema coronariano

direito e esquerdo. Os resultados parciais observados até o segundo mês após o

transplante de células-tronco adultas revelam a melhora de qualidade de vida e da

capacidade funcional do paciente abrindo novas perspectivas para o tratamento de

doenças cardíacas.

8.3.2 Células-tronco na Doença Isquêmica do Coração

O uso de células-tronco adultas obtidas da medula óssea para o tratamento em

pacientes apresentando doença isquêmica grave do coração, associada com

insuficiência cardíaca, foi proposto por Perin e cols. em trabalho publicado em 2003,

utilizando 14 pacientes na terapia. Esses pacientes foram submetidos à injeção

transendocárdica de células-tronco em áreas viáveis, mas com isquemia e guiada por

mapeamento eletromecânico e após um seguimento de quatro meses, foi observada

uma melhora da função cardíaca com redução significativa.

132

Page 122: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

8.3.3 Riscos da Terapia Celular em Cardiologia

Os principais riscos da terapia celular em medicina cardiovascular, citados por

Gowdak, 2006, são: lesão do miocárdio e formação de aneurismas a curto ou longo

prazo, observados em modelos animais; risco de alterações neoplásicas locais nas

áreas de lesão cardíaca ou vascular cardíaca; instabilidade de lesão aterosclerótica,

aumentando o risco coronariano e aparecimento de arritmias cardíacas.

O uso de terapia celular em doenças cardíacas sem dúvida é uma grande

promessa, mas estudos em andamento com maior número de pacientes ainda

deverão ser observados e os resultados finais é que concluirão se a terapia é eficaz ou

não.

8.4 Células-tronco em Neurologia

8.4.1 Esclerose Lateral Amiotrófica

Uma das doenças neurodegenerativas em que está sendo pesquisada a

utilização de terapia celular com células-tronco é a Esclerose Lateral Amiotrófica

(ELA). A ELA é uma doença com progressão rápida com o aparecimento dos

primeiros sintomas na meia-idade e evolução fatal em um período médio após 5 anos.

Nessa doença há degeneração e morte dos neurônios motores levando à perda

progressiva da função motora. A terapia celular é utilizada para repor esses neurônios

motores.

Nagahashi Marie (2006) cita que em estudos com camundongos, os

motoneurônios espinais podem ser obtidos in vitro a partir de células-tronco

embrionárias. Cita também que experimentos recentes realizados com células-tronco

embrionárias humanas sugerem que elas também podem gerar motoneurônios a partir

de células-tronco neurais in vitro. Em estudos preliminares com células-tronco adultas

do sangue periférico, três pacientes com ELA foram submetidos à injeção intra-tecal

133

Page 123: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

sem apresentação de nenhum efeito colateral, mas não foi observada melhora clínica

após seis a doze meses de seguimento; em outro estudo, sete pacientes sofreram

injeção de células-tronco retiradas de suas próprias medulas-ósseas, na medula

espinal e também não houve relato de melhora na qualidade de vida desses

pacientes.

8.4.2 Doença de Parkinson

A doença de Parkinson é causada pela degeneração de neurônios

dopaminérgicos nigroestriatais. Pesquisas prévias com transplante de tecido

mesencefálico fetal humano, rico em neurônios dopaminérgicos, demonstraram o

princípio de que a reposição neuronal pode funcionar em cérebro humano sendo

capazes de normalizar a liberação de dopamina e reverter a alteração da ativação

cortical causadora da acinesia. Como é improvável que o transplante de tecido

mesencefálico humano fetal possa ser incorporado a um protocolo de rotina, o

emprego de células-tronco para gerar grande número de neurônios dopaminérgicos

seria o ideal.

Estudos realizados em modelo animal com Parkinson, demonstraram que as

células dopaminérgicas derivadas de células-tronco embrionárias podem reinervar e

restaurar a neurotransmissão dopaminérgica, tendo sido observadas a liberação de

dopamina, a correção do comportamento motor e a integração funcional destas células

transplantadas no córtex cerebral. O uso das células-troncos é mais vantajoso que os

transplantes fetais por oferecerem a possibilidade de modificação genética, com o

objetivo de aumentar a sobrevida e direcionar a diferenciação e função das células-

filhas.

A terapia celular para tratar a doença de Parkinson necessita de avanços na

geração de quantidade suficiente de neurônios dopaminérgicos, melhor critério dos

pacientes a serem tratados, melhora da eficácia funcional do transplante com respeito

à dose e à localização do transplante, estratégias para evitar efeitos colaterais como

dicinesias induzidas pelo transplante e risco de formação de teratomas.

134

Page 124: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

8.4.3 Acidente Vascular Cerebral

No acidente vascular cerebral a oclusão de artérias cerebrais causa isquemia

focal em regiões restritas do cérebro. A terapia celular com células-tronco de

diferentes fontes tem sido utilizada em animais após isquemia cerebral e observa-se

que embora as células possam sobreviver e os déficits sejam parcialmente revertidos,

os mecanismos envolvidos não são totalmente elucidados e há poucas evidências de

reposição de neurônios. Células derivadas da medula óssea podem originar

neurônios, teoria essa contestada por demonstração que o que ocorre é o mecanismo

de fusão celular das células transplantadas com as células hospedeiras.

8.4.4 Esclerose Múltipla

A Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória desmielinizante crônica,

apresentando múltiplos focos de perda da mielina, morte das células oligodendrócitos

e degeneração do axônio. Em estudos realizados com camundongos, modelo animal

com esclerose múltipla, células-tronco neurogênicas foram injetadas e verificou-se que

havia uma diferenciação das células precursoras em células formadoras de mielina,

melhorando significativamente a função motora. O grande desafio nesta terapia de

transplante celular é encontrar um mecanismo para as células transplantadas

alcançarem os sítios de desmielinização em todo o neuroeixo incluindo a medula

espinhal.

8.4.5 Lesão Medular

Muitos pacientes com lesões medulares resultantes de acidentes podem ser

beneficiados com a terapia de células-tronco. A maioria dos estudos experimentais em

animais usou a injeção de células-tronco diferenciadas em células-tronco neuronais,

diretamente no local da lesão medular havendo relatos de diferenciação para células

neuronais e gliais, com verificação de regeneração. No modelo do trabalho de

McDonald e cols.em 1999, após nove dias do trauma produzido em laboratório, foram

135

Page 125: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

injetadas as células embrionárias diferenciadas e feita uma análise histológica

posterior encontrando as células diferenciadas em astrócitos, oligodendrócitos e

neurônios. Os resultados obtidos permitiram a verificação de uma melhora na função

motora desses animais em comparação com o grupo controle que se submeteram

somente a procedimento cirúrgico.

8.4.6 Degeneração Muscular

As miopatias hereditárias degenerativas como a distrofia de Duchenne, poderão

ser tratadas futuramente com a terapia celular. Em estudos realizados com as células

estromais obtidas de medula óssea foi verificado que elas podem ser diferenciadas em

fibras musculares esqueléticas e após o transplante em camundongo, elas mostraram-

se eficientes na recuperação funcional de músculo degenerado.

8.5 Células-Tronco no Diabetes melito

Temos no mundo todo, aproximadamente 350 milhões de pessoas diabéticas,

número estimado pela Organização Mundial de Saúde ao fazer projeções partindo de

dados em 2000. Devido ao crescimento acelerado do número de pacientes considera-

se por isso, o diabetes melito um problema de saúde pública.

Os indivíduos portadores de diabete tipo I têm uma destruição das células

produtoras de insulina, as células beta pancreáticas. O transplante de ilhotas

pancreáticas produtoras de insulina, através de doação de órgãos, seria uma

alternativa ao tratamento desses doentes, porém a falta de doadores de órgãos e a

terapia imunossupressora para evitar a rejeição são fatores limitadores desse

tratamento. Outra alternativa seria a terapia celular com células-tronco de origem

embrionária ou adulta que se baseia em repovoar o pâncreas para o desenvolvimento

normal das ilhotas pancreáticas produtoras de insulina.

Na diabete tipo II, forma mais freqüente da doença, os pacientes apresentam

graus de resistência à insulina associada a uma deficiência relativa ou absoluta na

produção do hormônio. Em ambas formas de diabetes quando não controladas, ocorre

136

Page 126: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

uma taxa alta de glicose no sangue com alterações estruturais e funcionais de órgãos

como olhos rins e sistema nervoso.

Em 2001, dois grupos de pesquisadores, Lumelsky e cols. e Assady e cols.,

demonstraram que células-tronco embrionárias de camundongos e humanas podem

ser tratadas para se diferenciarem em células beta-produtoras de insulina. No Brasil,

as células-tronco adultas da medula óssea vêm sendo utilizadas no tratamento de

diabete tipo I em fase precoce de diagnóstico em estudo pioneiro iniciado em

dezembro de 2003 no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão

Preto.

Para Voltarelli, pesquisador responsável do estudo:

o racional do protocolo era o bloqueio da destruição auto-imune das células betapancreáticas com

imunossupressão em altas doses, permitindo a preservação e, talvez regeneração endógena, da

massa de células produtoras de insulina. A infusão de CTH autólogas, em seguida da

imunossupressão, permitiria a reconstrução do sistema imunológico do paciente sem as

características auto-agressivas da doença.

O pesquisador Júlio Voltarelli, líder do grupo dessas pesquisas, publicou seu

trabalho na revista médica americana JAMA, edição de 11 de abril de 2007. Os

resultados obtidos demonstram que 14 de 15 pacientes com diabetes tipo 1, usando o

transplante de suas próprias células-tronco da medula óssea, estão livres de insulina

por um período de 36 meses de acompanhamento. Os resultados são encorajadores,

mas ninguém ainda pode utilizar a palavra cura, além do que não ficou claro

exatamente como as células-tronco atuaram. Esse trabalho foi alvo de crítica de

cientistas americanos no próprio editorial da revista JAMA que criticam a falta de grupo

controle e não deixa claro o mecanismo ocorrido na melhora da diabete.

8.6 Células-tronco no Tratamento de Doenças Autoimunes

O tratamento das doenças auto-imunes graves como lúpus eritematoso

sistêmico foi desenvolvido com diversos protocolos. Essas doenças evoluem com

137

Page 127: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

baixa qualidade e expectativa de vida que justificam o uso de terapias bastante

agressivas como a quimioterapia, a imunoterapia e ou a radioterapia em altas doses,

com ou sem transplante de células-tronco de medula óssea.

Muitas doenças autoimunes são de espectros multisistêmicos como a artrite

reumatóide, o lúpus eritematoso sistêmico, a febre reumática, a esclerose sistêmica, a

dermatopolimiosite e as vasculites. Os resultados dos transplantes de células-tronco

em centenas de pacientes com doenças reumatóides graves e refratárias às terapias

convencionais revelam o potencial desta terapia para induzir remissão prolongada na

maioria desses pacientes com exceção da artrite reumatóide do adulto.

8.7 Células-tronco em Doenças Genéticas

As doenças genéticas atingem 2 a 3% da população entre adultos e crianças,

correspondendo no Brasil a um número de mais de cinco milhões de pessoas

afetadas.

A mais comum dessas doenças genéticas musculares é a Distrofia Muscular de

Duchenne, de herança recessiva ligada ao cromossomo X, com uma incidência de um

em cada três mil nascimentos de sexo masculino. O aparecimento de sintomas ocorre

em torno dos 3 a 5 anos de idade e até os 12 anos de idade, devido à progressão da

atrofia muscular, o paciente fica confinado a uma cadeira de rodas, não sobrevivendo

após os 30 anos de idade. O tratamento dessa doença é bastante limitado, não

existindo uma terapia específica e o uso prolongado de corticóides pode diminuir o

ritmo da doença. Por isso a terapia celular vem despontando como uma esperança

para tratamento com o objetivo de substituir o tecido muscular degenerado.

A terapia celular poderá ser utilizada nas neuropatias ou doenças do neurônio

motor que são um grupo de doenças degenerativas caracterizadas pelo

comprometimento primariamente do corpo celular do neurônio motor. A forma infantil

mais comum é a atrofia espinhal progressiva (AEP) e nos adultos temos a atrofia

muscular progressiva (AMP), a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a paralisia bulbar

progressiva (PBP) e a esclerose lateral primária (ELP).

138

Page 128: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Os tratamentos para as doenças do neurônio motor não são eficazes, podendo

ser utilizado o uso de antioxidantes, os bloqueadores do canal de cálcio, agentes

antivirais, plasmaférese, inibidores de excitoxicidade e imunossupressores, porém

todos não mudam o curso da doença.

Nunes e Zatz relatam que uma outra abordagem terapêutica é a

utilização de células-tronco, tanto para promover reposição das células como para reduzir a

velocidade de degeneração neuronal. Nesse sentido, injetaram células-tronco autólogas

derivadas da medula óssea na medula espinhal de sete pacientes com ELA. A pesquisa ainda

não foi concluída, contudo, o sucesso da terapia celular para ELA, assim como nos demais casos

mencionados, dependerá dos dados e das evidências provenientes dos ensaios pré-clínicos,

tendo em vista a complexidade funcional que precisa ser restaurada nos neurônios motores em

degeneração. Possivelmente, a terapia celular deverá ser associada a outros tratamentos como o

uso de drogas específicas, antioxidantes e infusão de fatores tróficos para ser efetiva.

De fato, o mecanismo por meio do qual as células-tronco produzem subtipos específicos de

neurônios permanece desconhecido. Contudo, alguns grupos de pesquisa têm estabelecido

linhagens de células-tronco embrionárias que se diferenciaram em neurônios. Essas células foram

inicialmente diferenciadas em células neuroepiteliais, e a análise morfológica e o padrão de

expressão gênica revelaram múltiplos estágios de diferenciação em células do neuroectoderma.

Para induzir a diferenciação das células em neurônios motores, foi utilizado ácido retinóico,

sugerindo uma capacidade restrita das células-tronco embrionárias de gerar neurônios

específicos de diferentes regiões do sistema nervoso central mesmo durante estágios mais

precoces do desenvolvimento.

8.8 Células-tronco em Fibrose Cística

A fibrose cística é uma doença que ocorre infecção pulmonar crônica,

insuficiência de atividade pancreática exócrina e infertilidade em pacientes do sexo

masculino. É uma doença genética autossômica recessiva, possui uma incidência de

1: 2.500 nascimentos, mais comum em caucasianos e nos heterozigotos a freqüência

é de 1:20 indivíduos.

Nunes e Zatz citam que em 2005, estudos realizados por Wang e cols.

demonstraram que eles obtiveram células do epitélio respiratório a partir de células-

tronco mesenquimais da medula óssea. E em 2004, cientistas britânicos tiveram êxito

139

Page 129: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

na produção das primeiras culturas de células-tronco embrionárias portadoras de

mutações no gene da fibrose cística. A partir daí é importante estudar o

comportamento das células in vitro e promover sua diferenciação em células

endoteliais típicas do revestimento do endotélio do sistema respiratório, para no futuro

utilizá-las no tratamento tanto da fibrose cística como de outras doenças pulmonares,

como o enfisema.

8.9 Células-tronco em Cirurgia Plástica

As células-tronco mesenquimais oriundas de medula óssea também estão sendo

testadas na cirurgia plástica restauradora que utilizam retalhos cutâneos, miocutâneos,

musculares, de diferentes porções do organismo para outra região. A utilização dessas

células poderia permitir uma revascularização melhor no enxerto transplantado. Na

cirurgia plástica estética estão sendo testadas células-tronco obtidas de tecido

gorduroso e injetadas em face, lábios e dorso da mão para rejuvenescimento.

8.10 Engenharia celular

Como as células-tronco embrionárias têm uma capacidade de se diferenciar em

qualquer tipo de tecido do corpo humano, teoricamente será possível fazer qualquer

órgão completo humano futuramente. Em 20 de novembro de 2006, o site da

swissinfo em um artigo intitulado “As células-tronco também têm um coração”

anunciou a criação de válvulas cardíacas humanas a partir de células-tronco extraídas

de líquido amniótico para a correção da válvula cardíaca do próprio bebê, defeito

verificado em exame de ultra-sonografia. Os pesquisadores pretendem corrigir o

defeito cardíaco antes mesmo do bebê nascer. Uma outra notícia veiculada na Folha

Online em 18 de fevereiro de 2007, com o título “Cientistas criam dentes de rato em

laboratório”, anuncia a criação de dentes de rato a partir de células-tronco

mesenquimais da medula óssea e células epiteliais. O artigo diz que segundo os

140

Page 130: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

autores, “o estudo apresenta a primeira prova de uma regeneração bem-sucedida de

um órgão completo através da implantação de material obtido mediante

bioengenharia”. Até o momento, no material pesquisado, não foram apresentados

resultados de trabalhos com células-tronco embrionárias.

8.11 Considerações finais

A terapia com células-tronco tem originado muitos estudos nessa área. Uma das

dificuldades para o sucesso dessa terapia é o pouco conhecimento dos sinais exigidos

para induzir a diferenciação das células-tronco em uma linhagem ou um tipo celular

específico e em quantidades adequadas para a reparação de um tecido ou de um

órgão. Do mesmo modo, estudos referentes ao direcionamento (homing) de células-

tronco adultas para diferentes microambientes serão imprescindíveis para determinar

qual a via ideal para essas células serem capazes de originar diferentes linhagens

quando injetadas. Também ainda é desconhecido se a sinalização do local injetado ou

lesado será suficiente para mediar a diferenciação celular ou se a diferenciação

deverá ocorrer in vitro antes de sua introdução para que ocorra a reparação tecidual.

Enfim, muitos estudos ainda são necessários para provar a eficácia e a

segurança da terapia celular.

141

Page 131: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

9. Aspectos Sócio-econômicos no Uso de Células-tronco Embrionárias

Embora as pesquisas com as células-tronco provenham na grande maioria do

meio acadêmico de investigação, o desenvolvimento dessa tecnologia em nível de

produtos terapêuticos necessita do apoio dos setores industriais e comerciais. À

medida que as pesquisas se desenvolverem, a participação industrial será

imprescindível para a produção de linhas celulares em grande escala, para o apoio à

experimentação multicêntrica, para a comercialização e distribuição.

O decreto 5.591 de 22 de novembro de 2005, em seu capítulo VII, artigo 63, § 3º,

veda a comercialização das células-tronco embrionárias em nosso país, mas o mesmo

não ocorre em outros países. Tem sido foco de noticiários recentes, que o século 21 é

o século da célula e por isso, muitos países disputam esse setor lucrativo, haja vista

que o Consórcio Europeu EuroStemCell irá receber 50 bilhões de euros para a

pesquisa no período de 2007 a 2013, conforme noticiário do Globo on line de

25/07/06. Esse programa de pesquisa exclui clonagem humana com fins reprodutivos,

criar embriões com fins de pesquisa ou obtidos através da transferência nuclear de

células somáticas, sendo a obtenção de células tronco-embrionárias proveniente de

embriões excedentes de clínicas de fertilização. A Califórnia irá investir 300 milhões ao

ano e as companhias americanas investem tanto na pesquisa com células-tronco

adultas como em embrionárias sendo que, a Advanced Cell Technology (ACT) realiza

a clonagem terapêutica para evitar rejeição criando um embrião clonado que é depois

destruído, conforme mostra a reportagem realizada por Maureen McDonough, da Bio-

IIWorld para o IDG Now publicada em 09/03/06. No texto, Thomas Okarma, CEO da

Geron, companhia instalada na Califórnia e com programas de pesquisa de células-

tronco embrionárias, diz: “vamos vender essas células em uma pílula”, revelando o

forte interesse comercial.

Embora o gasto com as pesquisas são bastante consideráveis, atualmente os

resultados comerciais ainda são incertos, pois a grande parte dos trabalhos científicos

está em fase inicial, sem resultados concretos. Apesar da intenção dos investidores

comerciais ser alcançar o maio lucro possível, a incerteza das perspectivas da

142

Page 132: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

pesquisa, das probabilidades terapêuticas e da regulamentação jurídica em face das

questões éticas que envolvem o tema, esse objetivo de lucro não se tem como certo.

Um outro ponto a ser considerado é a discussão de saber se os genitores do

embrião têm direito à linhagem de células-tronco obtidas com o seu embrião e se eles

teriam direito de vender para a indústria e tirar proveito financeiro com isso. No Brasil

essa possibilidade é vedada por lei e punida com penas de detenção ou reclusão,

previstas nos artigos 24 a 26 da lei de Biossegurança, conforme o crime praticado na

utilização do embrião humano:

Dos Crimes e das Penas

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião

humano:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Sabemos que as pesquisas científicas têm como motor a evolução da tecnologia

em diagnóstico e surgimento de medicamentos novos no tratamento das doenças

gerando lucros fantásticos para as indústrias, assim como tem também como motor o

orgulho e a vaidade do pesquisador gerador do saber novo. O papel da Bioética é

fundamental no equilíbrio dessas inovações e como cita Barchifontaine em

Fundamentos da Bioética, a tarefa da Bioética é orientar o saber biomédico para

promover e proteger a vida e não manipulá-la.

143

Page 133: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

III - CONCLUSÃO

144

Page 134: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

As pesquisas com células-tronco provenientes do embrião humano apresentam

problemas éticos complexos. As opiniões sobre a legitimidade das pesquisas se

baseiam na diversidade das tradições éticas, filosóficas e religiosas de cada cultura e

por isso concluir ser ou não ser eticamente aceitável é uma missão árdua, pois estão

em jogo diversos valores conflitantes.

A reprodução humana assistida tem ajudado milhares de casais a formarem

suas famílias no mundo todo e a conseqüente produção de embriões excedentes

acaba se tornando inevitável e geradora de angústias. O Brasil, trilhando o mesmo

caminho seguido por muitos outros países, editou a Lei de Biossegurança permitindo a

pesquisa com as células-tronco provenientes de embriões inviáveis e de embriões

excedentes da fertilização in vitro, criopreservados e não utilizados para reprodução,

que fossem doados pelos seus genitores, até a data definida em lei, 28 de março de

2005.

O desenvolvimento biotecnológico alcançado poderá permitir que muitas

doenças consideradas incuráveis até o momento, possam ser tratadas com as células-

tronco embrionárias, permitindo que milhares de pacientes tenham uma perspectiva de

vida melhor. E daí surge o grande questionamento para muitos: a que preço? Pois

utilizar as células-tronco provenientes de um embrião significa tirar a potencialidade

dele se tornar um ser humano. Outros acham que essa potencialidade de se tornar ser

humano não existe, pois eles se tornaram “excedentes” porque jamais serão

implantados em um útero materno extinguindo qualquer chance de continuar o

processo da vida que se iniciou com a fertilização em laboratório. Então, a discussão

fundamental que se impõe é: quando o ser humano é considerado pessoa? Existirá

uma verdade absoluta para essa pergunta?

O marco “zero” do início da vida sem dúvida é a fertilização. O entendimento de

quando o embrião é considerado pessoa é que gera dilemas e varia com a cultura, a

religião e a moral de cada um. Será o momento da concepção ou durante o seu

desenvolvimento? A Bioética, como sugeriu Potter, é a ponte para esse entendimento.

O fato é que determinar esse momento em que o embrião pode ser considerado uma

pessoa, e a partir daí ser intocável, parece ser uma tarefa impossível de se realizar,

145

Page 135: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

pois se feito, quem será o detentor da verdade? A bioética, a biologia, o direito ou a

religião?

A legislação de outros países sobre a utilização de células-tronco embrionárias

reflete não só o elemento técnico jurídico, mas também as questões culturais, éticas,

políticas e religiosas de cada Estado. No Brasil, a lei de Biossegurança que permitiu a

utilização dos embriões excedentes em pesquisas e terapia não contemplou o destino

dos embriões que fossem congelados após a lei e nem aqueles que não serão doados

pelos seus pais indicando que posteriormente essa lei necessitará de uma revisão.

Até o momento, as pesquisas com células-tronco embrionárias não têm revelado

resultados práticos em terapia para qualquer doença no ser humano. A dificuldade

consiste em direcionar a diferenciação celular no tecido desejado sem a formação de

tumores e muitos anos de estudos e pesquisas serão necessários para se obter ou

não, os resultados esperados para a cura de muitas doenças consideradas até o

momento, intratáveis com os métodos conhecidos. Muitos trabalhos têm demonstrado

resultados positivos após o tratamento de várias doenças com células-tronco adultas,

embora ainda não se saiba com exatidão, o mecanismo de atuação dessas células,

inicialmente baseado na capacidade de diferenciação semelhante às células de

origem embrionária e sem as implicações éticas decorrentes do uso. Posteriormente,

foi verificado que não houve diferenciação e sim fusão celular.

Podemos concluir que referenciais bioéticos podem ser aplicados na utilização

de células-tronco embrionárias? Para os que se posicionam a favor da inviolabilidade

do ser humano a partir da concepção não há como aplicar qualquer referencial

bioético nessa utilização, pois estaria violando a vida do ser humano em potencial

existente no embrião. Para os que se posicionam a favor das pesquisas, os

referenciais bioéticos da beneficência, do respeito à dignidade humana, da justiça, da

autonomia e da proporcionalidade podem ser aplicados em face dos benefícios que as

pesquisas podem trazer para os doentes.

Os defensores das pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias

invocam, sobretudo os princípios da beneficência e do respeito à dignidade humana

do indivíduo doente que pode ter nessa terapia sua única chance de sobrevivência e

de ter uma vida digna. Outro argumento é que os genitores dos embriões

146

Page 136: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

criopreservados podem usar a sua autonomia e doar aquele embrião que não será

utilizado para gerar mais um filho, podendo com isso auxiliar na cura de pessoas que

necessitem desta terapia celular. Aplicando o princípio da justiça e da

proporcionalidade podemos relacionar que os doentes que serão beneficiados pela

terapia com as células-tronco estarão recebendo um tratamento correspondente às

suas necessidades, uma vez que não haveria outro similar para ser utilizado.

O nosso posicionamento diante da polêmica do uso de células-tronco

embrionárias é a de aceitação da utilização, tendo em vista as eventuais

possibilidades terapêuticas que poderão trazer cura ou melhora de qualidade de vida

de números incontáveis de pacientes. Tal posição decorre do fato de entendermos que

o embrião passa a ter o status de pessoa no momento da implantação no útero

materno, momento esse que permitirá a partir daí, o seu desenvolvimento e

transformação em um ser humano.

A questão se o Brasil deve continuar permitindo a produção de embriões

excedentes está relacionada com a continuidade da própria técnica de fertilização in

vitro e da dignidade humana da própria gestante, uma vez que o sucesso na geração

de uma gravidez está na produção de vários embriões por hiperestimulação ovariana.

Submeter uma mulher novamente aos riscos dessa estimulação em caso de insucesso

da técnica ou no caso de tentativa de mais uma gestação não seria uma atitude

antiética e uma falta de respeito à dignidade da própria mulher que deseja ser mãe?

Além de tudo, a Lei de Biossegurança que autorizou o uso de células-tronco

embrionárias no Brasil está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que

julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 nos próximos meses e a

sentença definitiva determinará o rumo das pesquisas no Brasil: se os ministros do

STF acolherem o pedido de inconstitucionalidade, e declararem que o uso de células-

tronco embrionárias é inconstitucional porque fere o direito à vida previsto na

Constituição Federal, a pesquisa no Brasil está definitivamente proibida; se a decisão

definir que as pesquisas não ferem o preceito fundamental do direito à vida e

demarcar o período em que o indivíduo adquire o status de pessoa e deva ser

protegido, as pesquisas e terapias com as células-tronco embrionárias poderão

continuar.

147

Page 137: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Todo o debate em torno das pesquisas com as células-tronco embrionárias

incide sobre dois pontos: existe uma posição contrária à utilização dos embriões para

a pesquisa porque defende os conceitos biológicos da vida, que se inicia na

fecundação e existe a posição favorável às pesquisas que defende o conceito da vida

com todos os atributos à pessoa humana, como dignidade, racionalidade, liberdade e

relação com os outros. Não podemos afirmas qual posição é a correta, porque elas

nascem do íntimo das pessoas baseadas em seus dogmas de fé e seus conceitos

éticos inerentes à sua existência.

148

Page 138: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almeida, M. em Comentários sobre os princípios fundamentais da Bioética –

Perspectiva Médica in Pessini e Barchifontaine (org.). Fundamentos da Bioética. Ed.

Paulus. 2005. p. 56-67.

Assady, S.; Maor, G.; Amit, M. et al. Insulin production by human embryonic stem cells.

Diabetes. 2001; 50:1691-7.

Associação Portuguesa de Infertilidade. Técnicas de Reprodução Medicamente

Assistida. http://www.apinfertilidade.org. Acessado em 25/03/2007.

Barboza, H. H. Proteção jurídica do embrião humano in Casabona; Queiroz, J.F C. M.

R. Biotecnologia e suas Implicações Ético-Jurídicas. Ed Del Rey. Belo Horizonte.

2005. p. 262-264.

Beiguelman, Bernardo; Preocupações relacionadas à soja transgênica. História,

Ciências, Saúde. Manguinhos. v.7, n.2. Rio de Janeiro. jul./out. 2000.

Decreto 5591 de 22 de novembro de 2005

Dallari, D. A. Bioética e Direitos Humanos - A vida humana como valor ético.

Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/dalmodallari bio.html . Acesso

em 17/01/2007.

Donadio, N. F.; Donadio, N.; Celestino, C. O. et al. Characterization of unviable

embryos suitable for donation to stem-cell research. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., nov.

2005. vol. 27 nº 11, p. 665-671.

149

Page 139: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Dorff, E. N. A pesquisa com células-tronco – Uma perspectiva judaica in Holland S.,

Lebackz K., Zoloth L. As Células-tronco embrionárias humanas em debate. Ed. Loyola.

São Paulo. 2006. p. 97-101.

Duarte, Edson; Como surgiu a “Lei Monsanto” – A estratégia da Monsanto para a

aprovação em 2 de março de 2005, da Lei de Biossegurança.

http://www.ensp.fiocruz.br/radis/web/LeiMonsanto.pdf ; acesso em 17/02/07.

Durand, G. Introdução Geral à Bioética – História, Conceitos e Instrumentos. Edições

Loyola. São Paulo. 2003. 431p.

Fagot-Largeault, Anne. Embriões, células-tronco e terapias celulares: questões

filosóficas e antropológicas. Estud. av. São Paulo. v. 18, n. 51. 2004.

Ferreira, A.B.H. novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa – Século XXI. Ed.

Nova Fronteira. 4ª impressão.

Ferrer, J.J.; Alvarez, J.C. Para fundamentar a Bioética – Teorias e paradigmas

teóricos na bioética contemporânea. Edições Loyola. 2005. p.119 -138.

Ferriani, R. A. Pesquisas com células embrionárias e reprodução assistida. Rev. Bras.

Ginecol. Obstet., Nov. 2005, vol. 27, nº 11, p. 639-641.

Gearhart, J. D.; Shamblott, M.J.; Axelman, J.; Wang, S.; Bugg, E.M.; Littlefield, J. W.;

Donovan, P.J.; Blumenthal, P.D.; Huggins, G.R. Derivation of pluripotent stem cells

from cultured human primordial germ cells. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 95, 1998,

13.726-13.731.

Gowdak LRW; Schettert IT; Krieger JE; Uso de Célula-Tronco em Cardiologia in Zago,

M. A.; Covas, D. T. Células-tronco A nova fronteira da medicina Ed. Atheneu. 2006.

245p.

150

Page 140: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Hoffman, D.I.; Zellman, G.L.; Fair, C.C.; Mayer, J.F.; Zeitz, J.G.; Gibbons, W. E., et al.

Cryopreserved embryos in the United States and their avaliability for research. Fertil.

Steril. 2003; 79(5): 1063-9.

Lang Miguel Kottow ; Simpósio sobre Reprodução Assistida – O Destino dos Pré-

Embriões coordenado por Marco Segre – CREMESP- São Paulo 24 de maio de 2002.

Lei nº 11.105 de 24/03/2005 sobre Biossegurança.

Lumelsky, N.; Blondel, O.; Laeng, P. e al. Differentiation of embryonic stem cell to

insulin-secreting structures similar to pancreatic islets, Science 2001; 292:1389-94.

Marie Nagahashi, S.K., Oba-Shinjo S.M. Células-Tronco no Sistema Nervoso Central:

Potencial Terapêutico in Zago MA; Covas DT Células-tronco A nova fronteira da

medicina Ed. Atheneu. 2006. p. 145-155.

Mello. R. A.; Embriologia Humana. Ed. Atheneu. 2000. São Paulo. P 30-37

José L. M.– Células-tronco humanas: aspectos científicos in Martínez, J.L. (org.)

Células- tronco humanas – aspectos científicos, éticos e jurídicos. Ed. Loyola. São

Paulo. 2005 p. 22, 29-34; 48-49.

Martínez, J.L. Células- tronco humanas – aspectos científicos, éticos e jurídicos. Ed.

Loyola. São Paulo. 2005. p. 68.

Moore, K.L.; Persaud, T.V.N.; Embriologia Clínica. 6ª Edição. Ed. Santuário. p. 28-88.

Nunes, V.A.; Zatz, M. Doenças Genéticas: Como Tratá-las? in Zago, M.A; Covas, D.T.

Células-tronco A nova fronteira da medicina. Ed. Atheneu. 2006. p 200-209.

151

Page 141: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Página Oficial da Presidência da República Portuguesa. Mensagem do Presidente da

República à Assembléia da República, a propósito da lei que regula a Procriação

Medicamente Assistida. Acesso em 18/03/07.

http;//www.presidencia.pt/?id_categoria=10&id_item=1172&action=7.

Parecer nº P/01/Associação Portuguesa de Bioética/05 Sobre a Utilização de

Embriões Humanos em Investigação Científica de 19 de julho de 2005.

Palazzani, L. O debate sobre as células-tronco na Itália: problemas biojurídicos e

desenvolvimento normativo in. Martínez, J.L.(org.). Células- tronco humanas –

aspectos científicos, éticos e jurídicos. Ed. Loyola. São Paulo. 2005. p. 167-189.

Passos Eduardo Pandolfi – História da Reprodução Assistida: Lições aprendidas e

desafios futuros – disponível em http://www.sbra.com.br/publicacoes.asp Acesso em

20/06/2006.

Pereira, L. V. Células-tronco embrionárias e clonagem terapêutica in Zago, M.A.;

Covas, D,T, Células-tronco A nova fronteira da medicina Ed. Atheneu. 2006 p. 27.

Pessini, L.; Barchifontaine, C. P. Fundamentos da Bioética. São Paulo. Ed. Paulus.

2005. p 164.

Plomer, A. Direito, ética e política em relação à pesquisa com células-tronco no Reino

Unido e nos Estados Unidos in Martínez, J.L.(org.). Células- tronco humanas –

aspectos científicos, éticos e jurídicos. Ed. Loyola. São Paulo. 2005. p. 119-166.

Ramos,R. G. P. Desenvolvimento Embrionário in Zago, M.A.; Covas, D.T. Células-

Tronco A Nova Fronteira da Medicina. Ed. Atheneu.2006. p 67-75

152

Page 142: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Relatório sobre a investigação das células estaminais embrionárias humanas

Documento de trabalho dos serviços da comissão – Comissão das Comunidades

Européias – Bruxelas, 3/4/2003.

Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina – Normas Éticas para a

Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida.

Salem, Tânia. As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de

pessoa. Mana vol. 3 n.1 Rio de Janeiro. Abril 1997.

Segre, M.; Cohen, C. Bioética . EDUSP. São Paulo. 2002. p. 41-54.

Serrão D. Grupo de Trabalho do Conselho da Europa – Protocolo para a Proteção do

Embrião e do Feto.

Silva, P. M. Perspectivas jurídicas portuguesas e européias sobre a reprodução

assistida. Acesso em16/02/2006.

http://www.portalmedico.org.br/revista/bio11v2/simposio12.htm.

Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Resposta à ANVISA. www.sbra.com.br

Acesso em 16/02/2006.

Telöken, C.; Badalotti, M. Bioethics and assisted reproduction. Rev. AMRIGS, jul.-dez.

2002, 46 (3,4), p. 100-104.

Thomson, J.A.; Itskovitz-Eldor, J.; Shapiro, S.S.; Warnitz, M.A.; Swiergiel, J.J.;

Marshall, V.S.; Jones, J.M. Embryonic stem cell lines derived from human blstocysts.

Science. 282. 1998, 1145-1147.

Wilmut, I.; Schnieke A.E.: Mcwhir, J.; Kind, A.J.; Campbell, K.H. Viable offspring

derived from fetal and adult mammalian cells, Nature 385, 1997, 810-813.

153

Page 143: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Vieira, S.; Hossne, W.S. Metodologia Científica para a Área de Saúde. Ed. Campus.

2003. p 135-139.

Vilas-Boas, F.; Feitosa, G.S.; Soares, M.B.P.; Mota, A.; Pinho-Filho, J.A.; Almeida,

A.J.G.; Andrade, M.V.; Carvalho, H.G.; Oliveira, A.D.; Santos, R.R.; Resultados Iniciais

do transplante de células de medula óssea para o miocárdio de pacientes com

insuficiência cardíaca de etiologia chagásica. Arq. Bras. Cardiol. V.87 n.2 São Paulo.

Ago.2006.

Voltarelli JC, Couri CEB, Oliveira MCB et al. Autologous hematopoietic stem cell

transplantation for type 1 diabete melito. Blood (ASH Annual Meeting Abstracts) 2004;

104: Abstract 5224.

Voltarelli, J.C. The Journal of the American Medical Association, April 11, 2007; vol

297: p. 1568-1576.

Zago, M.A.; Covas, D.T. Células-tronco A nova fronteira da medicina .Ed. Atheneu

.2006. p. 16-18.

http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/O,,OI340515-EI297,00.html – acesso em

10/3/2007.

www.abrasem.com.br/informativo/2005/anexo/Inf25.doc - acesso em 17/02/07.

www.ambafrance.org.br/abr/label/label49/dossier/04.htlm.

http://www.bioetica.org.br/noticias/destaques/destaques_integra.php?id=26 Acesso em

12/1/2007

www.feliccita.com.br. Acesso em 31/03/2007.

154

Page 144: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u16023.shtml Acesso em 21/03/2007.

http://revistagalileu.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/1,39

16,10... Acesso em 31/03/07

www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/marco2005/clipping050304_estado...

Acesso em 17/02/02.

http://www.oecumene.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=68250

Acesso em 22/3/2006.

http://www.swissinfo.org/por/swissinfo.html?siteSect=105&sid=7267592

Acesso em 21/03/07.

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_academies/acdlife/documents/rc_pont-

acd_1... Acesso em 29/3/2007.

155

Page 145: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

ANEXOS

156

Page 146: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

1. Lei de Biossegurança

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.

Mensagem de veto

Regulamento

Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da

Constituição Federal, estabelece normas de segurança

e mecanismos de fiscalização de atividades que

envolvam organismos geneticamente modificados –

OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de

Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão

Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe

sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB,

revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a

Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de

2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no

10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a

seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a

construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a

exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio

ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como

diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e

à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio

ambiente.

§ 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em laboratório, regime

de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de

avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a

construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o

armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus derivados.

157

Page 147: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

§ 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus derivados a

que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação,

do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento,

do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais.

Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com

manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção

industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis

pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais

conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento.

§ 1o Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os

conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da

entidade.

§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação

autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas

jurídicas.

§ 3o Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão requerer autorização à

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em

regulamento.

§ 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras

ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a

apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se

tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua

regulamentação.

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive

vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;

II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém

informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas

mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em

158

Page 148: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se

também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN

recombinante;

V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN

tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de

replicação ou que não contenha forma viável de OGM;

VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas

glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;

VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um

único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;

IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo;

X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias

para utilização terapêutica;

XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se

transformar em células de qualquer tecido de um organismo.

§ 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta,

num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de

ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução,

transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.

§ 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida,

obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN

recombinante.

Art. 4o Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das seguintes

técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:

I – mutagênese;

159

Page 149: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;

III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida

mediante métodos tradicionais de cultivo;

IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias

obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo

procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que,

já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir

da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-

tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos

respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática

implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n o 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 6o Fica proibido:

I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu

acompanhamento individual;

II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou

recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

IV – clonagem humana;

160

Page 150: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as

normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art.

16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação;

VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa,

sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico

favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a

CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a

aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele

avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação;

VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias

genéticas de restrição do uso.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do

uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente

modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação

genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por

indutores químicos externos.

Art. 7o São obrigatórias:

I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia

genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a

contar da data do evento;

II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e

do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados;

III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às

autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à

coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a

que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso

de acidentes com OGM.

CAPÍTULO II

161

Page 151: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS

Art. 8o Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado à Presidência da

República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e

implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB.

§ 1o Compete ao CNBS:

I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com

competências sobre a matéria;

II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade

socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus

derivados;

III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e,

quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei, no âmbito de suas

competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus

derivados;

IV – (VETADO)

§ 2 o (VETADO)

§ 3o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada,

encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização referidos no art. 16

desta Lei.

§ 4o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua

manifestação à CTNBio para informação ao requerente.

Art. 9o O CNBS é composto pelos seguintes membros:

I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá;

II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;

III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;

IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

162

Page 152: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

V – Ministro de Estado da Justiça;

VI – Ministro de Estado da Saúde;

VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente;

VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores;

X – Ministro de Estado da Defesa;

XI – Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.

§ 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da

Presidência da República, ou mediante provocação da maioria de seus membros.

§ 2 o (VETADO)

§ 3o Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes do

setor público e de entidades da sociedade civil.

§ 4o O CNBS contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da

República.

§ 5o A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de seus membros e as

decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta.

CAPÍTULO III

Da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio

Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada

multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao

Governo Federal na formulação, atualização e implementação da PNB de OGM e seus derivados, bem

como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à

autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com

base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente.

163

Page 153: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e

científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua

capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de

Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de

reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor

e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde

humana e animal ou meio ambiente, sendo:

I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional,

sendo:

a) 3 (três) da área de saúde humana;

b) 3 (três) da área animal;

c) 3 (três) da área vegetal;

d) 3 (três) da área de meio ambiente;

II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares:

a) Ministério da Ciência e Tecnologia;

b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

c) Ministério da Saúde;

d) Ministério do Meio Ambiente;

e) Ministério do Desenvolvimento Agrário;

f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

g) Ministério da Defesa;

h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República;

i) Ministério das Relações Exteriores;

164

Page 154: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça;

IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde;

V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente;

VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento;

VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário;

VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego.

...............................................................................................................................................................

CAPÍTULO VII

Da Responsabilidade Civil e Administrativa

Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao

meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral,

independentemente da existência de culpa.

Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas

nesta Lei e demais disposições legais pertinentes.

Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento

desta Lei, independentemente das medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda

de produto e embargos de atividades, com as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa;

III – apreensão de OGM e seus derivados;

IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;

V – embargo da atividade;

VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;

165

Page 155: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

VII – suspensão de registro, licença ou autorização;

VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;

IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;

X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de

crédito;

XI – intervenção no estabelecimento;

XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco) anos.

Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei,

definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e

quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da infração.

§ 1o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções previstas neste

artigo.

§ 2o No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 3o No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão

inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem

prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou

empresa responsável.

Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e entidades de registro e

fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio Ambiente e

da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, referidos no art. 16 desta

Lei, de acordo com suas respectivas competências.

§ 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e entidades

de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, que aplicarem a multa.

§ 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão celebrar

convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de serviços relacionados à

atividade de fiscalização prevista nesta Lei e poderão repassar-lhes parcela da receita obtida com a

aplicação de multas.

166

Page 156: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

§ 3o A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio.

§ 4o Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao

consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apuração das

responsabilidades administrativa e penal.

CAPÍTULO VIII

Dos Crimes e das Penas

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião

humano:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas

pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1 o (VETADO)

§ 2o Agrava-se a pena:

I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;

II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;

III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;

IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.

167

Page 157: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do

uso:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus

derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos

órgãos e entidades de registro e fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

CAPÍTULO IX

Disposições Finais e Transitórias

Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação

comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e comercializados, salvo

manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta

Lei.

Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei,

deverão rever suas deliberações de caráter normativo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a fim de

promover sua adequação às disposições desta Lei.

Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em Biossegurança, comunicados e

decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem como, no que não contrariarem o disposto nesta Lei, os

atos normativos emitidos ao amparo da Lei n o 8.974, de 5 de janeiro de 1995.

Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data de sua

publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da

publicação do decreto que a regulamentar.

[..........................................................................................................................................

........]

Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 42. Revogam-se a Lei n o 8.974, de 5 de janeiro de 1995 , a Medida Provisória n o 2.191-9, de 23

de agosto de 2001, e os arts. 5 o , 6 o , 7 o , 8 o , 9 o , 10 e 16 da Lei n o 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

168

Page 158: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos

Celso Luiz Nunes Amorim

Roberto Rodrigues

Humberto Sérgio Costa Lima

Luiz Fernando Furlan

Patrus Ananias

Eduardo Campos

Marina Silva

Miguel Soldatelli Rossetto

José Dirceu de Oliveira e Silva

169

Page 159: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

2. RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358, DE 1992

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30

de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações

médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de

infertilidade humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas

circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética

médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de

Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;

RESOLVE

Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO

ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992.

IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉPresidente

HERCULES SIDNEI PIRES LIBERALSecretário-Geral

Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053.

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

170

Page 160: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

I - PRINCÍPIOS GERAIS

1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de

infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido

ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.

2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se

incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os

aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão

detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a

técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e

econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo

com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.

4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra

característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho

que venha a nascer.

5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a

procriação humana.

6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser

superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.

7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de

procedimentos que visem a redução embrionária.

II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA

1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites

desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre

e conciente em documento de consentimento informado.

2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro,

após processo semelhante de consentimento informado.

171

Page 161: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças

infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico

humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:

1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será,

obrigatoriamente, um médico.

2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte

competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, provenientes

das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos

laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões.

3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que

será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de

doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial.

2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões,

assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação

médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do

doador.

4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um

registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular

dos doadores.

5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha

produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.

6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o

doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade

172

Page 162: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

com a receptora.

7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes

da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de

RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES

1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.

2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que

se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado,

não podendo ser descartado ou destruído.

3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por

escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio,

doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕESAs técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou

hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.

1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade

que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o

consentimento informado do casal.

2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não terá outra finalidade que

tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o

consentimento informado do casal.

3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a

situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça

ou contra-indique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco

173

Page 163: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

174

Page 164: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

3. DECRETO Nº 5.591, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2005.

Regulamenta dispositivos da Lei no 11.105, de 24

de março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV

e V do § 1o do art. 225 da Constituição, e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI,

alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 11.105, de 24 de março de 2005,

DECRETA:

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS

Art. 1o Este Decreto regulamenta dispositivos da Lei n o 11.105, de 24 de março de 2005 , que

estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a

produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento,

a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos

geneticamente modificados - OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço

científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e

vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente, bem como

normas para o uso mediante autorização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos

produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa e

terapia.

Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com

manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção

industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis

pela obediência aos preceitos da Lei n o 11.105, de 2005 , deste Decreto e de normas complementares,

bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento.

§ 1o Para os fins deste Decreto, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os

conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da

entidade.

§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação

autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas

jurídicas.

175

Page 165: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

§ 3o Os interessados em realizar atividade prevista neste Decreto deverão requerer autorização à

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em norma

própria.

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - atividade de pesquisa: a realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte

do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus

derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte,

a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio ambiente e o

descarte de OGM e seus derivados;

II - atividade de uso comercial de OGM e seus derivados: a que não se enquadra como atividade

de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da

comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do

descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais;

III - organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético,

inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;

IV - ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém

informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

V - moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas

mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético e que possam multiplicar-se em

uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se

também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

VI - engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN

recombinante;

VII - organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético - ADN/ARN

tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

VIII - derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de

replicação ou que não contenha forma viável de OGM;

IX - célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas

glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;

176

Page 166: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

X - fertilização in vitro: a fusão dos gametas realizada por qualquer técnica de fecundação

extracorpórea;

XI - clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um

único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;

XII - células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se

transformar em células de qualquer tecido de um organismo;

XIII - embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré

implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que tiveram seu

desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e

quatro horas a partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno

desenvolvimento do embrião;

XIV - embriões congelados disponíveis: aqueles congelados até o dia 28 de março de 2005, depois

de completados três anos contados a partir da data do seu congelamento;

XV - genitores: usuários finais da fertilização in vitro;

XVI - órgãos e entidades de registro e fiscalização: aqueles referidos no caput do art. 53;

...............................................................................................................................................................

CAPÍTULO II

DA COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA

Art. 4o A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada

multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao

Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de

Biossegurança - PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de

segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e

uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde

humana e ao meio ambiente.

Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e

científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua

capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

.........................................................................................................................

177

Page 167: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

CAPÍTULO VII

DA PESQUISA E DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO

EMBIONÁRIAS HUMANAS OBTIDAS POR FERTILIZAÇÃO

IN VITRO

Art. 63. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias

obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo

procedimento, atendidas as seguintes condições:

I - sejam embriões inviáveis; ou

II - sejam embriões congelados disponíveis.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-

tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos

respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma de resolução do Conselho Nacional de Saúde.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo, e sua prática

implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n o 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 64. Cabe ao Ministério da Saúde promover levantamento e manter cadastro atualizado de

embriões humanos obtidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

§ 1o As instituições que exercem atividades que envolvam congelamento e armazenamento de

embriões humanos deverão informar, conforme norma específica que estabelecerá prazos, os dados

necessários à identificação dos embriões inviáveis produzidos em seus estabelecimentos e dos

embriões congelados disponíveis.

§ 2o O Ministério da Saúde expedirá a norma de que trata o § 1o no prazo de trinta dias da

publicação deste Decreto.

Art. 65. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA estabelecerá normas para

procedimentos de coleta, processamento, teste, armazenamento, transporte, controle de qualidade e

uso de células-tronco embrionárias humanas para os fins deste Capítulo.

Art. 66. Os genitores que doarem, para fins de pesquisa ou terapia, células-tronco embrionárias

humanas obtidas em conformidade com o disposto neste Capítulo, deverão assinar Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, conforme norma específica do Ministério da Saúde.

178

Page 168: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Art. 67. A utilização, em terapia, de células tronco embrionárias humanas, observado o art. 63,

será realizada em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde para a avaliação de novas

tecnologias.

CAPÍTULO VIII

DA RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA

Art. 68. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na Lei n o 11.105, de 2005 , e neste

Decreto, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por

sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

Seção I

Das Infrações Administrativas

Art. 69. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas

na Lei n o 11.105, de 2005 , e neste Decreto e demais disposições legais pertinentes, em especial:

I - realizar atividade ou projeto que envolva OGM e seus derivados, relacionado ao ensino com

manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção

industrial como pessoa física em atuação autônoma;

II - realizar atividades de pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados sem autorização da

CTNBio ou em desacordo com as normas por ela expedidas;

III - deixar de exigir a apresentação do CQB emitido pela CTNBio a pessoa jurídica que financie ou

patrocine atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados;

IV - utilizar, para fins de pesquisa e terapia, células-tronco embrionárias obtidas de embriões

humanos produzidos por fertilização in vitro sem o consentimento dos genitores;

V - realizar atividades de pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas sem

aprovação do respectivo comitê de ética em pesquisa, conforme norma do Conselho Nacional de

Saúde;

VI - comercializar células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por

fertilização in vitro;

VII - utilizar, para fins de pesquisa e terapia, células tronco embrionárias obtidas de embriões

humanos produzidos por fertilização in vitro sem atender às disposições previstas no Capítulo VII;

179

Page 169: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

VIII - deixar de manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em

desenvolvimento que envolva OGM e seus derivados;

IX - realizar engenharia genética em organismo vivo em desacordo com as normas deste Decreto;

X - realizar o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante em desacordo com as normas

previstas neste Decreto;

XI - realizar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

XII - realizar clonagem humana;

......................................................................................................................................................

XVII - utilizar, comercializar, registrar, patentear ou licenciar tecnologias genéticas de restrição do

uso;

XVIII - deixar a instituição de enviar relatório de investigação de acidente ocorrido no curso de

pesquisas e projetos na área de engenharia genética no prazo máximo de cinco dias a contar da data

do evento;

XIX - deixar a instituição de notificar imediatamente a CTNBio e as autoridades da saúde pública,

da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de

OGM e seus derivados;

XX - deixar a instituição de adotar meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às

autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais

empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os

procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM e seus derivados;

XXI - deixar de criar CIBio, conforme as normas da CTNBio, a instituição que utiliza técnicas e

métodos de engenharia genética ou realiza pesquisa com OGM e seus derivados;

XXII - manter em funcionamento a CIBio em desacordo com as normas da CTNBio;

XXIII - deixar a instituição de manter informados, por meio da CIBio, os trabalhadores e demais

membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões

relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;

180

Page 170: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

XXIV - deixar a instituição de estabelecer programas preventivos e de inspeção, por meio da CIBio,

para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas

de biossegurança, definidos pela CTNBio;

XXV - deixar a instituição de notificar a CTNBio, os órgãos e entidades de registro e fiscalização, e

as entidades de trabalhadores, por meio da CIBio, do resultado de avaliações de risco a que estão

submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a

disseminação de agente biológico;

XXVI - deixar a instituição de investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades

possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à

CTNBio;

XXVII - produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM e seus

derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos

órgãos e entidades de registro e fiscalização.

Art. 93. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização deverão rever suas deliberações

de caráter normativo no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação deste Decreto, a fim de

promover sua adequação às disposições nele contidas.

...............................................................................................................................................................

Art. 94. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 95. Fica revogado o Decreto n o 4.602, de 21 de fevereiro de 2003 .

Brasília, 22 de novembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Roberto Rodrigues

Saraiva Felipe

Sergio Machado Rezende

Marina Silva

181

Page 171: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

4. Consulta Pública nº 41 de julho de 2006

Agência Nacional de Vigilância Sanitáriawww.anvisa.gov.brConsulta Pública nº 41, de 26 de julho de 2006.D.O.U de 28/07/2006

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso das atribuições que lhe

confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da ANVISA aprovado pelo Decreto nº 3.029, de 16 de abril

de 1999, c/c o art. 111, inciso I, alínea “e” do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 593, de 25 de

agosto de 2000, publicada em 28 de agosto de 2000 e republicada em 22 de dezembro de 2000, em

reunião realizada em 24 de julho de 2006, adota a seguinte Consulta Pública e eu, Diretor-Presidente

Substituto, determino a sua publicação:

Art. 1º Fica aberto, a contar da data de publicação desta Consulta Pública, o prazo de 30 (trinta) dias

para que sejam apresentadas críticas e sugestões relativas à proposta de Resolução que determina

regulamento técnico para a identificação e cadastro de embriões humanos produzidos por fertilização in

vitro e não utilizados no respectivo procedimento, em anexo.

Art. 2º Informar que a proposta de Resolução da Diretoria Colegiada estará disponível, na íntegra,

durante o período de consulta no sítio http://www.anvisa.gov.br/divulga/consulta/index.htm e que as

sugestões deverão ser encaminhadas, por escrito, para o seguinte endereço: Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, SEPN 515, Bloco “B”, E. Ômega, Asa Norte, Brasília, DF, CEP 70.770-502 ou Fax:

(061) 3448-1052, ou e-mail: [email protected]. 3º Findo o prazo estipulado no artigo 1º a Agência Nacional de Vigilância Sanitária poderá

articular-se com os órgãos e entidades envolvidas e aqueles que tenham manifestado interesse na

matéria, para que indiquem representantes nas discussões posteriores, visando à consolidação de texto

final.

FRANKLIN RUBINSTEIN

ANEXO

Resolução RDC nºXXX, de XXX de XXXXX.Aprova o Regulamento técnico para a identificação e cadastro de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não

utilizados no respectivo procedimento.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária no uso de sua atribuição que lhe

confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da ANVISA aprovado pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de

1999, c/c o art. 111, inciso I, alínea “b”, §1º do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 593, de 25

182

Page 172: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

de agosto de 2000, republicada no DOU de 22 de dezembro de 2000, em reunião realizada em

XXX.de.XXXX.de.XXX.

considerando a competência atribuída a esta Agência, a teor do art. 8o, § 1o, VIII da Lei nº 9.782, de 26

de janeiro de 1999;

considerando o disposto no § 4o do Art. 199 da Constituição Federal de 1988 que veda todo o tipo de

comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e

tratamento;

considerando o art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que permite, para fins de pesquisa e

terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por

fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento;

considerando os artigos 63, 64 e 65 do Decreto no 5.591, de 22 de novembro de 2005, que

regulamentam os dispositivos da Lei no 11.105, de 24 de março de 2005;

considerando a Portaria no 2.526, de 21 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a informação de dados

necessários à identificação de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e atribui

competência à ANVISA para elaborar e manter o cadastro dos embriões produzidos por fertilização in

vitro e não utilizados no respectivo procedimento;

considerando a RDC/ANVISA nº 33, de 17 de fevereiro de 2006, que aprova o regulamento técnico para

o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos;

considerando a necessidade de estabelecer um padrão nacional para identificação dos embriões

produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento;

considerando a necessidade de regulamentar o funcionamento do sistema de cadastro dos embriões

humanos disponíveis e embriões humanos inviáveis produzidos por bancos de células e tecidos

germinativos para fins terapêuticos reprodutivos,

adota a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente determino a sua publicação:

Art. 1º Instituir procedimentos relativos à identificação e cadastramento dos embriões humanos

produzidos por técnicas de fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

Art. 2º Determinar que a identificação e o cadastramento de embriões humanos produzidos por técnicas

de fertilização in vitro devam ser realizados por Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG).

Parágrafo único. O BCTG deve seguir este Regulamento e o descrito na RDC/ANVISA nº 33, de 17 de

fevereiro de 2006, ou o que vier substituí-la.

Art. 3º Instituir o Sistema Nacional de Cadastro de Embriões-SisEmbrio.

Art. 4º Aprovar, na forma dos Anexos desta RDC, o Regulamento Técnico para a identificação e

cadastro de embriões humanos produzidos por técnicas de fertilização in vitro e não utilizados no

respectivo procedimento e o SisEmbrio.

Art. 5º Estabelecer o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data de publicação desta RDC, para que

os BCTGs, atualmente em funcionamento, se adeqüem ao Regulamento Técnico aqui estabelecido.

Art. 6º O não cumprimento do disposto nesta RDC configurará infração sanitária, sujeitando o infrator às

penalidades previstas na Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, ou a que vier substituí-la.

183

Page 173: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Art. 7° Esta Resolução de Diretoria Colegiada e seu Anexo devem ser revistos, no mínimo, a cada dois

anos.

Art. 8º Esta Resolução de Diretoria Colegiada entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º Ficam revogados os itens 5.j.9 e 5.j.10 da RDC/ANVISA n° 33, de 17 de fevereiro de 2006.

DIRCEU RAPOSO DE MELLO

ANEXO 1

REGULAMENTO TÉCNICO PARA IDENTIFICAÇÃO E CADASTRO

DE EMBRIÕES HUMANOS PRODUZIDOS POR FERTILIZAÇÃO in vitro

E NÃO UTILIZADOS NO RESPECTIVO PROCEDIMENTO

A. NORMAS GERAIS

1 A identificação, o cadastro e o armazenamento de embriões humanos produzidos por técnicas de

fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento é de responsabilidade do Banco de

Células Tecidos Germinativos (BCTG).

1.1 O BCTG deve atender às exigências legais para a sua instalação e funcionamento, incluindo as

descritas na RDC/ANVISA nº 33, de 17 de fevereiro de 2006, que determina Regulamento Técnico para

o seu funcionamento, ou o que vier substituí-la.

1.2 Toda clínica de reprodução humana assistida deve possuir um registro no Cadastro Nacional de

Estabelecimentos de Saúde-CNES.

2 A criação e manutenção do Sistema Nacional de Cadastro de Embriões - SisEmbrio é de

responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

2.1 A ANVISA disponibilizará em prazo máximo de 30 dias, a partir da data de publicação desta RDC, o

SisEmbrio em sitio eletrônico a ser divulgado no momento da sua publicação.

3 O preenchimento e a atualização do SisEmbrio é de responsabilidade do BCTG.

4 O BCTG terá o prazo de 90 (noventa) dias para começar a fornecer os dados descritos no item 11 e

no Anexo 2 à vigilância sanitária local, vigilância sanitária estadual e à Gerência Geral de Sangue,

outros Tecidos, Células e Órgãos / GGSTO da ANVISA.

5 Para efeito desta RDC, fica definido como:

a) BCTG de origem: aquele BCTG que produziu o embrião através de técnicas de fertilização in vitro e o

armazena até a sua liberação para utilização.

b) BCTG de destino: aquele BCTG que, por necessidade de se transportar o embrião para outro local

de armazenamento, recebe o embrião já produzido pelo BCTG de origem, e passa a armazená-lo até

sua liberação para utilização.

184

Page 174: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

B. TERMINOLOGIA e DEFINIÇÕES

6 Serão consideradas, para efeitos dessa RDC, a terminologia e as definições que se seguem, incluindo

as já adotadas pela Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, e pelo Decreto nº 5.591, de 22 de

novembro de 2005:

a) Banco de células e tecidos germinativos - BCTG: serviço destinado a selecionar doadore(a)s, coletar,

transportar, registrar, processar, armazenar, descartar e liberar células e tecidos germinativos, para uso

terapêutico de terceiros ou do(a) próprio(a) doador(a).

b) BCTG de destino: BCTG que, por necessidade de se transportar o embrião para outro local de

armazenamento, recebe o embrião já produzido pelo BCTG de origem, e passa a armazená-lo até a sua

liberação para utilização.

c) BCTG de origem: BCTG que produz o embrião através de técnicas de fertilização in vitro e o

armazena até a sua liberação para utilização.

d) Células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em

células de qualquer tecido de um organismo.

e) CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.

f) Código nacional do embrião: código alfanumérico, gerado pelo SisEmbrio a partir de dados do BCTG

de origem, que identifica o embrião em todo território nacional; este código é único e acompanha o

embrião até a sua utilização.

g) Fertilização in vitro: a fusão dos gametas realizada por qualquer técnica de fecundação

extracorpórea.

h) Embriões congelados disponíveis: aqueles congelados até o dia 28 de março de 2005, depois de

completados três anos contados a partir da data do seu congelamento.

i) Embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré

implantacional, conforme legislação específica, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por

ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da fertilização in

vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do embrião.

j) SisEmbrio: Sistema Nacional de Cadastro de Embriões.

C. NORMAS ESPECÍFICAS

7 Os embriões produzidos por técnicas de fertilização in vitro e não utilizados no respectivo

procedimento, receberão um código nacional do embrião, que representa sua identificação única em

todo o território nacional.

7.1 O código nacional do embrião será composto por:

a) 02 letras, correspondendo a sigla da unidade da federação onde o BCTG de origem está localizado.

b) 07 algarismos, correspondendo ao registro do CNES da clínica de reprodução humana assistida a

qual o BCTG de origem está vinculado.

185

Page 175: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

c) código de identificação do embrião no BCTG de origem, em uma codificação que pode ser

alfanumérica.

7.2 O código nacional do embrião será gerado automaticamente pelo SisEmbrio a partir dos dados

fornecidos pelo BCTG de origem, conforme descrito no Anexo 2.

8 O código nacional do embrião deve ser único e acompanhar o embrião até a sua utilização.

8.1 O código nacional do embrião deve acompanhar a documentação do embrião por um período de

pelomenos 20 anos após a sua utilização, seja utilização devido a sua implantação ou devido a

liberação para pesquisa com células-tronco embrionárias.

8.1.1 Para utilização em pesquisa com células-tronco embrionárias, o embrião só poderá ser liberado

desde que respeitada a legislação específica em vigor.

9 Nos casos onde houver necessidade de transporte do embrião de um BCTG para armazenamento em

outro banco, o mesmo código nacional do embrião deve ser mantido no BCTG de destino.

9.1 Quando da necessidade de se transportar um embrião de um BCTG para armazenamento em outro

banco, este transporte deve ser comunicado à Gerência Geral de Sangue, outros Tecidos, Células e

Órgãos/ GGSTO da ANVISA.

D. OPERACIONALIZAÇÃO

10 O BCTG deverá obter no sítio eletrônico da ANVISA o programa do SisEmbrio a ser preenchido.

10.1 Para obter o programa no sítio eletrônico da ANVISA, o BCTG deve acessar endereço eletrônico a

ser divulgado com a publicação desta RDC.

11 O SisEmbrio deve ser preenchido com as seguintes informações:

a) Dados do BCTG de origem:

- unidade da federação e município de localização do banco.

-CNPJ e nome fantasia da clínica de reprodução humana a qual ele está vinculado.

- número de registro no CNES da clínica de reprodução humana assistida a qual está vinculado.

- código do embrião no BCTG de origem.

b) Dados do embrião:

- data do congelamento.

- classificação do embrião quanto a ser inviável ou disponível.

- dados sobre a liberação do embrião para implantação ou para pesquisa.

- informação sobre transporte do embrião, quando necessário, para armazenamento em outra

instituição.

11.1 No caso de transporte do embrião do BCTG de origem para ser armazenado por outro banco, o

BCTG

de origem deverá informar também os dados relacionados ao BCTG de destino:

- unidade da federação e município de localização do banco de destino.

- CNPJ e nome fantasia da clínica a qual o BCTG de destino está vinculada.

186

Page 176: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

- número do registro no CNES da clínica de reprodução humana assistida a qual o BCTG de destino

está vinculado.

- data do transporte.

11.1.1 No caso do embrião ser transportado, o BCTG de origem deve enviar todas as informações

necessárias sobre o embrião para o BCTG de destino.

11.1.2 No caso de transporte, o BCTG de destino deve manter o mesmo código nacional do embrião,

originado a partir do BCTG de origem.

11.2 Informações para o preenchimento do SisEmbrio são fornecidas no Anexo 2.

12 O BCTG ao preencher o SisEmbrio, deve enviar os formulários de acordo com os seguintes prazos:

12.1 O BCTG terá o prazo de 90 (noventa) dias, a partir da data de publicação desta RDC, para enviar

os formulários referentes a todos embriões produzidos por fertilização in vitro até o dia 28 de março de

2005, e que não tenham sido utilizados no respectivo procedimento.

12.2 O BCTG terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data da publicação desta RDC, para

enviar os formulários referentes ao embriões produzidos por fertilização in vitro até 30 de novembro de

2006, e que não tenham sido utilizados no respectivo procedimento.

12.3 A partir de 30 de novembro de 2006, o BCTG deve atualizar o SisEmbrio semestralmente,

enviando os formulários referentes a todos embriões produzidos por fertilização in vitro e que não

tenham sido utilizados no respectivo procedimento.

13 A ANVISA disponibilizará em seu sítio eletrônico os dados por Estado, em um período de até 30 dias

após o recebimento das informações dos bancos.

ANEXO 2

SISTEMA NACIONAL DE CADASTRO DE EMBRIÕES

A. NORMAS GERAIS

1 O Sistema Nacional de Cadastro de Embriões-SisEmbrio estará disponível para preenchimento no

sítio eletrônico da ANVISA, quando da publicação da RDC.

1.1 A instalação, preenchimento e operação do SisEmbrio estará descrita no “Manual do Usuário do

SisEmbrio”, que será disponibilizado com a publicação da RDC.

2 O formulário do SisEmbrio para cada embrião produzido por fertilização in vitro e não utilizado no

respectivo procedimento, deverá ser preenchido com as seguintes informações:

a. UF de origem: sigla da unidade da federação correspondente ao BCTG de origem (Ex: AM, PE, BA).

b. Município de origem: município de localização do BCTG de origem.

c. CNES de origem: número do registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)

da clínica de reprodução humana assistida a qual o BCTG está vinculado.

d. CNPJ de origem: número no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da clínica de reprodução

187

Page 177: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

humana assistida a qual o BCTG de origem está vinculado.

e. Nome fantasia do BCTG de origem: escrito por extenso.

f. Código do embrião no BCTG de origem: código que é conferido ao embrião de acordo com os

Procedimentos Operacionais Padrão - POP do BCTG de origem. Colocar os caracteres idênticos ao

código utilizado no BCTG. (Ex. 1234abc.56/2006; 123.456-AB; 0987654321; abcdefghi).

g. Código Nacional do Embrião: código alfanumérico, gerado automaticamente pelo SisEmbrio a partir

da “UF de origem”, do “CNES de origem” e do “Código do embrião no BCTG de origem”. Este

código é a identificação do embrião em todo território nacional, sendo único e acompanhando o embrião

até a

sua utilização. Esta variável não pode ser editada pelos usuários do SisEmbrio.

h. Data de congelamento: data na qual o embrião foi criopreservado.

i. Este embrião é inviável?: resposta deve seguir o padrão “SIM” ou “NÃO. A definição de embriões

inviáveis está descrita no item 6.i do Anexo 1.

j. Este embrião está disponível?: resposta deve seguir o padrão “SIM” ou “NÃO. A definição de

embriões disponíveis está descrita no item 6.h do Anexo 1.

k. Este embrião foi liberado?: a resposta refere-se a liberação do embrião para implantação ou para

pesquisa com células-tronco embrionárias. A resposta deve seguir o padrão “SIM” ou “NÃO.

l. Se sim, qual o motivo?: deve-se selecionar ou “IMPLANTAÇÃO” ou “PESQUISA”.

m. Qual a data da liberação?: data na qual o embrião foi liberado ou para implantação ou para pesquisa

com células-tronco embrionárias.

n. Se liberado para pesquisa, qual o número do processo da CONEP?: identificação da autorização

fornecida pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/CNS/Ministério da Saúde), para que

o projeto de pesquisa ao qual o embrião foi liberado possa ser executado.

o. Este embrião foi transportado?: resposta deve seguir o padrão “SIM” ou “NÃO.

p. UF de destino: sigla da unidade da federação correspondente ao BCTG de destino (Ex: AM, PE, BA).

q. Município de destino: município de localização do BCTG de destino.

r. CNES de destino: número do registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)

da clínica de reprodução humana assistida a qual o BCTG de destino está vinculado.

s. CNPJ de destino: número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da clínica de reprodução

humana assistida a qual o BCTG de destino está vinculado.

t. Nome fantasia do BCTG de destino: escrito por extenso.

u. Data do transporte: data na qual o embrião deixou o BCTG de origem.

3 Conforme descrito nos itens 5.a e 5.b do Anexo 1, BCTG de origem é aquele que realizou a

fertilização in vitro e deu origem ao código nacional do embrião, e BCTG de destino é aquele que

recebeu o embrião do BCTG de origem e passará a realizar o seu armazenamento até sua liberação

para utilização.

4 Quando não houver transporte do embrião de um BCTG para outro, os campos referentes ao BCTG

de destino não serão preenchidos.

188

Page 178: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

5 Quando houver transporte do embrião do BCTG de origem para o BCTG de destino, o BCTG de

destino passará a atualizar o formulário do SisEmbrio relativo ao embrião recebido.

5.1 Para preencher o formulário relativo ao embrião recebido, o BCTG de destino deve preencher todos

os dados do BCTG de origem, de forma a manter o mesmo Código Nacional do Embrião.

6 A responsabilidade pela atualização do formulário, quando houver alteração na condição do embrião,

é do BCTG que o está armazenando.

6.1 No caso de transporte do embrião, tanto o BCTG de origem quanto o BCTG de destino devem

preencher o formulário relativo ao embrião transportado, informando o transporte.

7 A responsabilidade pelos dados disponibilizados no formulário é do BCTG que o está preenchendo.

189

Page 179: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 180: CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO Mestrado em Bioéticalivros01.livrosgratis.com.br/cp040308.pdf · 6.2 Estatuto do Embrião ... 6.4 A Pesquisa com Células-tronco sob a Visão da

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo