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www.pwc.com/br ceo Brasil Ano 8. Nº 24. 2013 Perfil Luiza Helena Trajano, uma trajetória de equilíbrio entre gestão e empreendedorismo Pesquisa Nove iniciativas que encurtam o caminho até a classe média emergente Entrevista Sandra Lima, da Telefônica Vivo, e a experiência de ser RH atuante em uma fusão Artigo A era dos relatórios integrados está só começando Personalidade Nelson Motta e o poder das relações

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ceoBrasil

Ano 8. Nº 24. 2013

PerfilLuiza Helena Trajano, uma trajetória de equilíbrio entre gestão e empreendedorismo

PesquisaNove iniciativas que encurtam o caminho até a classe média emergente

EntrevistaSandra Lima, da Telefônica Vivo, e a experiência de ser RH atuante em uma fusão

ArtigoA era dos relatórios integrados está só começando

PersonalidadeNelson Motta e o poder das relações

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editorial ceo 21 ceo editorial

O foco em pessoas, nesta edição, não é tema exclusivo do Perfil; ele é abordado também na seção Entrevista, com Sandra Lima, diretora de Recursos Humanos da Telefônica Vivo. Ela compartilha conosco os meandros e aprendizados do processo de integração das duas gigantes das telecomunicações, justamente ancorado nas pessoas.

Certamente, os talentos de uma organização estarão mais visíveis no novo conceito de relatório corporativo apresentado na seção Artigo: trata-se da elaboração dos denominados relatórios integrados, aqueles que combinam informações financeiras e estratégicas, oferecendo um retrato mais fiel tanto do presente de uma organização como de suas perspectivas de futuro. Isso permitirá que os mais diversos stakeholders conheçam uma empresa e saibam o que esperar dela no futuro.

A seção Ensaio desta edição também ajuda a visualizar o futuro, apresentando uma visão para o Brasil de 2050 desenhada durante a Conferência Rio+20, da qual a PwC foi uma das participantes. O tema é forte candidato a item prioritário na agenda gerencial.

Por fim, na seção Personalidade, nosso diálogo foi com Nelson Motta, um personagem difícil de definir; embora tudo nele remeta à música, trata-se de um profissional múltiplo – escritor, compositor, produtor, jornalista etc. –, com uma notável capacidade de se manter contemporâneo. O elemento singular que mais o caracteriza talvez seja sua habilidade de se relacionar.

Boa leitura!

A rede varejista Magazine Luiza tem seu nome atrelado não a uma Luiza, mas a duas: a primeira, marcadamente empreendedora, fundou a loja pioneira, em 1957, na cidade de Franca, no interior paulista; a segunda, sobrinha da primeira e uma gestora confessa, transformou o negócio no que ele é hoje, em que pesem os fortes competidores existentes no setor: uma empresa com 734 lojas, que fatura acima de R$ 7 bilhões por ano e emprega 22 mil pessoas em todo o Brasil. Há muitas explicações para tamanho êxito e a seção Perfil, protagonizada pela líder Luiza Helena Trajano, revela-as. Entre elas, a sistemática quebra de paradigmas, o atendimento da classe média emergente com conhecimento de causa e um foco autêntico em pessoas.

No que diz respeito a quebras de paradigmas, podemos inferir que a queda da taxa de juros representa isso para o Brasil? De certa maneira, sim. No entanto, sobram expectativas e incertezas em torno do movimento. Sabe-se que os juros foram reduzidos com o propósito da retomada do crescimento, o que, espera-se, será materializado por um natural incremento do consumo; porém isso bastará? Haverá efeitos colaterais indesejáveis? Convidamos para o debate Paulo Skaf, presidente da FIESP, e Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista e ex-secretário de Política Econômica, na seção Opinião.

Entre os maiores beneficiários dos juros menores estão os consumidores da classe média emergente. Na seção Pesquisa, a PwC estudou esse mercado na Índia e descobriu quais os vetores de proposição, de modelos e de mentalidade para criar diferenciação nesse mercado ascendente.

editorial

Fernando Alves

Sócio presidente da PwC Brasil

Piti R

eali

CEO Brasil é uma publicação da PwC Brasil

Conselho EditorialFernando Alves, Henrique Luz, Otavio Maia, Jorge Manoel, Carlos Iacia,João Cesar Lima, Júlio César dos Santos e Ana Elorrieta.

Projeto Gráfico Wolff Olins

Projeto EditorialEstação; Coordenação: Renata Wolf; Direção de Arte: Adriana Campos; Texto: Mariana Marcolini (MTb 05891) e Lizandra M. Almeida (MTb 23.006); Diagramação: Tamy Ponczyk; Revisão: Marcia Menin; Impressão: Stilgraf.

Copyright: PricewaterhouseCoopers – Brasil

CEO Brasil é uma publicação trimestral

A PricewaterhouseCoopers – Brasil não se responsabiliza pelas opiniões de terceirospublicadas nesta revista.

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Na CEO nº 24

aixo Custo

Desempenho

Necenão a

PresConve Laz

Entrevista. A maior integração da história do setor de telecomunicações no Brasil ainda não completou dois anos e teve o departamento de Recursos Humanos como um dos protagonistas. Sandra Lima, diretora de RH da Telefônica Vivo, conta os detalhes.

Case. O setor de saúde suplementar do Brasil não está deitado em leito esplêndido. Embora o fenômeno esteja encoberto por um momentâneo gap, ele vem amadurecendo, o que é comprovado por movimentos como concentração e profissionalização gerencial.

Pesquisa. Nove iniciativas podem ajudar as empresas a conectar-se com a classe média emergente, conhecida pela sigla CME. Foram detectadas em um estudo da PwC Índia e talvez diferenciem fracasso e sucesso na próxima década.

Personalidade. Como ser um “rei Midas” contemporâneo, que transforma em sucesso tudo que toca? Nelson Motta, artista e produtor multimídia, compartilha seus segredos, que incluem um grande poder de relacionamento.

Perfil. Ela é mais associada a empreendedorismo, mas seu prazer mesmo está em gerenciar – e, especialmente, em gerenciar pessoas. Conheça a trajetória empresarial de Luiza Helena Trajano, a líder da rede varejista Magazine Luiza, desde que era uma menina em Franca, no interior de São Paulo, até hoje. E saiba como suas decisões, e as influências que sofreu de fontes diversas, moldaram seu estilo de liderança único.

Artigo. A crise mundial está fazendo o Brasil prestar atenção a um relatório corporativo de última geração: o relatório integrado. Ao combinar dados financeiros e estratégicos, ele oferece uma visão sistêmica do negócio aos stakeholders.

30Ensaio. A Rio+20 teve desdobramentos mais importantes do que se noticiou: o documento Visão Brasil 2050 fornece diretrizes práticas sobre desafios e oportunidades para as empresas no campo da sustentabilidade.

40

18

4424

34

4Opinião. A redução da taxa de juros a seu menor nível histórico vai alavancar o crescimento econômico do país? Segundo o economista e ex-secretário de Política Econômica Júlio Sérgio Gomes de Almeida, sim, porque impulsionará investimentos produtivos e corrigirá distorções como o mercado de crédito segmentado. Para Paulo Skaf, presidente da FIESP, que representa o empresariado, a medida é boa, mas insuficiente; outras mudanças urgem.

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perfil

Luiza Helena Trajanoe seu Magazine BrasilNo comando de uma rede de 734 lojas de varejo, espalhadas por 16 estados brasileiros e que empregam 22 mil pessoas, Luiza Helena Trajano é sinônimo de Magazine Luiza e tem transformado, ao longo de sua trajetória, seu Magazine em sinônimo de Brasil

Ela nasceu gestora em uma família de empreendedores, mas o usual roteiro de rejeição ao diferente não se aplica ao caso. Ao contrário, seu talento diferenciado foi percebido como complementar, acolhido e incentivado e, em pouco mais de 25 anos, ela transformou uma pequena cadeia de lojas localizada em Franca, no interior de São Paulo, em uma das maiores redes varejistas do país – com força suficiente para concorrer com gigantes do segmento. Estamos falando da “Luiza do Magazine Luiza”, que ergueu um império de R$ 7,6 bilhões com base em sua capacidade de gerenciar os clientes (sobretudo os de baixa renda), os funcionários, os produtos e o negócio.

Luiza Helena Trajano teve seu tino gerencial detectado quando ainda era menina, por conta de uma vontade inesgotável de aprender e pelo prazer particular na “lida” com as pessoas – tanto que, em seu dicionário, por

exemplo, o melhor sinônimo para “liderança” é “relacionamento”. Apoiada em forte intuição – amálgama de seu modelo mental com o aprendizado processado em experiências e decisões profissionais e pessoais – e em valores explicitamente ligados ao arquétipo feminino e à brasilidade, Luiza desenvolveu um modelo de gestão que ela classifica como humanista e subversivo em relação a paradigmas.

A empresária recebeu a equipe da CEO Brasil em sua sala de vidro transparente na sede da companhia, em São Paulo, e abordou desde princípios de gestão e como eles foram desenvolvidos até temas mais delicados, como sucessão. Como ela mesma frisou, os acionistas da empresa, que nasceu familiar, mas desde 2011 é negociada em bolsa de valores, sempre souberam que não se deve matar a galinha dos ovos de ouro.

Depois de Luiza Trajano, o dito popular “querer é poder” precisa ser reformulado para “aprender é poder”

Luiza Trajano

líder e acionista do Magazine Luiza

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Tudo tem um gatilhoUm fundo para presentes“Sou filha e sobrinha única e credito minha entrada no negócio da família principalmente a minha mãe. Quando menina, eu gostava muito de dar presentes para todo mundo no Natal e, se minha mãe tivesse me dito para não fazer isso porque eu gastava demais, provavelmente, meu destino seria outro.

“Só que minha mãe disse outra coisa: ‘Você quer fazer isso? Então, que tal trabalhar no final do ano, 20 dias na loja, para ganhar seu próprio dinheiro e comprar os presentes que quer dar no Natal?’. Eu fui trabalhar e vi que gostava de lidar com pessoas e de vender... Eu tinha 12 anos de idade.”

Sobre o que se aprende e o que nos ensinamSer empresária e empreendedora“O empreendedorismo é uma vocação familiar; minha família é de pessoas que sempre acreditaram em crise como sinal de oportunidade e que sempre quiseram crescer e gerar empregos. Minha mãe e meus tios são todos empreendedores. Um tio, por exemplo, montou uma empresa de ônibus com apenas 18 anos de idade – e em uma cidade do interior de Minas Gerais. Com certeza, eu herdei também esse espírito empreendedor em meu DNA.

“A diferença é que minha tia sempre foi ótima empreendedora e eu sempre fui melhor gestora. Esse gosto pela gestão era um dom que eu já tinha e que fui aprimorando ao longo da vida com a educação, a troca de experiências e o trabalho em si. “Brinco que tenho uma capacidade de ‘fuçar’ muito ativa, ou seja, quero estar aprendendo sempre. Esse espírito eu desenvolvi ao longo da vida e tento passar para as pessoas com quem convivo.”

Umbigo no balcão“Venho de uma geração que não fazia estágio para conhecer o negócio da família; a gente ia direto trabalhar. Como tínhamos poucas lojas e a cultura era de trabalhar na linha de frente, passei muito tempo em loja – como vendedora, gerente, encarregada, compradora. Conforme meu trabalho ia dando certo nas áreas por onde eu passava, eu era chamada para outras. Conhecer o ‘chão da fábrica’ foi a melhor ‘faculdade’ que eu poderia ter tido.”

Aprender é poder“Para mim, a capacidade de aprender tem de ser desenvolvida; sempre digo isso para meus filhos. Se prestarmos atenção, veremos que podemos aprender a todo momento e com as mais diferentes pessoas. Por isso, temos de

presença em

estados brasileiros

a empresa passou a negociar seus papéis em bolsa de valores em

lojas

6 categorias no mix oferecido: eletro, eletrônicos, móveis, presentes, brinquedos e informática

mil

funcionários

faturamento de R$

centros dedistribuição

bilhões *

16

2011

734

22

7,6

8

Magazine Luiza em números

* Dados divulgados pela empresa, 2011.

ser responsáveis por nossa capacidade de aprender, um processo que começa na infância, ainda na escola. Não é certo ficar culpando professores e colegas por nossas dificuldades de aprendizado, por exemplo. Talvez aprender tenha a ver com eu ser muito intensa naquilo que faço; gosto sempre de dar o melhor de mim e isso exige que eu aprenda.”

Relação entre autoestima e desafios“Não gosto de postura de coitadinho. Aliás, essa é uma postura que pode ser cultivada ou desestimulada desde cedo, na família: nunca tratei meus filhos como coitadinhos; eu costumo brincar que, lá em casa, só meu cachorrinho pode ser coitadinho... [risos]

“Ser filha única nunca me atrapalhou porque não fui mimada; ao contrário, sempre fui bastante desafiada e, hoje, eu mesma me desafio o tempo inteiro. Devo isso a minha mãe e a minha tia, que nunca me deixaram ficar na zona de conforto, apesar de acreditarem muito em mim e na minha capacidade. Com elas aprendi que é assim que fazemos as pessoas acreditarem em si e terem o que chamo de ‘autoestima operante’.”

Movimentos “impossíveis”Virtual antes da internet“Numa época de crise, em que muitas lojas grandes estavam fechando no interior de São Paulo, porque o tamanho das cidades não comportava grandes varejistas, encontramos uma oportunidade ‘impossível’. Achamos uma forma viável de atender esses mercados e decidimos implantar nossa ideia.

“Para crescer em cidade pequena, com custos baixos e sem perder a nossa alma, devolvendo pra cidade aquilo que ela nos oferecia, quebramos dois paradigmas sagrados do comércio: produtos expostos e produtos em estoque.

“Foi preciso todo um processo de aculturamento dos consumidores; até redação nas escolas locais nós promovemos em cima do tema ‘Tá chegando uma loja que não tem produto’. Tivemos o cuidado de fazer.

“Na época, todos acharam a iniciativa ‘muito louca’. Como o consumidor tinha contato com os produtos? Por pôster, vídeo e conversa, porque nem recursos

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multimídia havia no mercado. Muita gente tinha convicção de que não ia dar certo mesmo, mas deu.

“Apesar de sermos virtuais, sempre tivemos o cuidado de recolher o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) relativo aos produtos físicos aos cofres das cidades onde instalávamos lojas virtuais. Faz parte da nossa missão não ‘tirar’ nada de uma cidade em que atuamos; ao contrário, ‘acrescentamos’.

“Um dos motivos para comprarmos as lojas do Baú da Felicidade no ano passado foi expandir esse modelo de loja virtual. Como a tecnologia sempre esteve presente na operação, não tivemos dificuldades em absorver novos sistemas; tudo era muito familiar. E, quando se disseminou a internet, nós estávamos acostumados a vender virtualmente: já tínhamos em torno de 20 lojas dessas, com mais de 18 mil produtos gravados.

“E hoje a venda na internet só comprova que todo esse histórico foi um caminho para o sucesso virtual do Magazine Luiza, que no primeiro semestre de 2012 ampliou a participação do e-commerce nas vendas totais de 12,4% para 14% considerando o mesmo período do ano anterior.

“E apenas nos dois primeiros trimestres de 2012 o Magazine Luiza já arrecadou R$ 512 milhões nas vendas pela internet, registrando um aumento de 44% em relação ao ano passado.”

Trazer Franca para São Paulo“Instalar-se na capital foi um case excepcional, porque as lojas vieram antes do escritório e quase todas ao mesmo tempo. Sabe lá o que é isso?

“Marcamos uma data e, dois meses antes, vim para São Paulo trabalhar em tempo integral em tudo que era necessário para conseguir abrir 50 lojas de uma só vez. Fiz de tudo, até passei pela burocracia fiscal, e com o orgulho de não pedir nada a ninguém.

“E conseguimos! Abrimos no mesmo dia, simultaneamente, 44 das 50 lojas, o que foi um recorde. Chegamos a ter 13 construtoras trabalhando em todos os cantos da cidade, diversas empresas de documentação, contratamos 2.000 pessoas que tínhamos de treinar.

“Um desafio foi recrutar essas pessoas sem gastar muito; eram cerca de 200 mil pessoas concorrendo a 2.000 vagas. Para divulgar o resultado da seleção, fizemos uma lista que parecia a de aprovados do vestibular. Depois, tivemos o cuidado de criar um hotsite para dar o feedback a quem não entrou, explicando qual era o critério e qual o perfil de profissional que procurávamos. Assim os profissionais sabiam as habilidades a desenvolver para uma próxima chamada. Dar essa satisfação não foi nada comum, nem foi fácil de fazer, mas estava alinhado com aquilo em que acreditamos, com nosso DNA e com nossa maneira de chegar a uma nova cidade, que não podia ser mudada só porque era a capital do estado. Eu e a diretora de RH redigimos pessoalmente os feedbacks; nós nos sentimos com o dever de responder àquelas pessoas cheias de expectativas.

“A instalação em São Paulo precisou, em primeiro lugar, de um foco claro sobre aonde queríamos chegar e, depois, de um grande alinhamento entre as pessoas envolvidas e o complexo planejamento. Complexo, porque esse planejamento não podia ser estático; ele nos exigia jogo de cintura a todo momento, para redirecionar as decisões conforme as oportunidades surgiam. Acho que mulheres na liderança fazem isso especialmente bem.

“Uma parte da implementação foi inusitada: a mudança de 300 famílias de funcionários do Magazine Luiza de Franca para a nova sede em São Paulo. Foi um enorme esforço logístico. Demos o apoio necessário não só para o funcionário, como para os outros membros de sua família, o que incluiu até ajuda para escolher a casa para alugar.”

“A gente entendeu a importância da comunicação. Temos vários canais eficientes para isso, para que toda a empresa esteja informada ao mesmo tempo e o tempo todo, e, além disso, investimos no contato físico e nos encontros de pessoas, que continuam a ser cruciais – ou até são mais cruciais do que antes.

“Trabalhamos para mudar o modelo mental do nosso pessoal. Só se quebram paradigmas – que era o que a mudança exigia – mudando o modelo mental de dentro para fora. Um modelo mental fechado aprisiona uma empresa. Desde aquela época até hoje, apostamos muito em aprendizado: trazemos professores aqui ou levamos a equipe para cursos e treinamentos fora.

“Assim, conseguimos estabelecer que os problemas devem ser resolvidos imediatamente e por todos, o que reduziu o tempo que as pessoas perdem na resolução de problemas operacionais e aumentou o tempo para que criem o futuro. Isso também permite que a gente faça as coisas sem muitos manuais e normas, mais ‘olho no olho’, o que, por tabela, deixa os funcionários menos incomodados

com a burocracia e cria um ambiente de trabalho mais bem-humorado.”

Humanismo“Nunca acreditei muito nessa história de que, para a empresa ser feliz, as pessoas têm de ser infelizes, e vice-versa. Ambas podem ser felizes ao mesmo tempo.

“Não acredito também na desculpa de ser ‘uma pessoa no escritório e outra em casa’. Misturo as duas coisas naturalmente e não exijo dos outros que as separem. Se um colaborador tem algum problema privado, deve trazê-lo para que possamos ajudá-lo a resolver. Eu também já passei por dificuldades, como minha viuvez ou a cirurgia bariátrica que fiz em 2010; a empatia é natural. Deve-se parar de alimentar essa mentira sobre ‘profissionalismo’: se a pessoa tiver uma preocupação séria, ela não consegue ficar bem; o ser humano não é fragmentado.

“Agimos assim há muito tempo e ficamos felizes ao ver que hoje, cada vez mais, essa gestão humana, que mistura vida pessoal e profissional, vem prevalecendo como a mais correta. Foi mais uma quebra de paradigma nossa.”

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A empresária Luiza Trajano não nega o DNA empreendedor de sua família, mas soma a isso um fundamental talento de gestão. Organizando a ação coletiva, ela mantém o que foi conquistado e prepara o terreno para novas conquistas

LegadosUm modelo de gestão“Quando assumi a superintendência em 1991, eu já era superintendente de fato, mas não de direito. Então, aprendi a diferença que faz um título oficial. As lojas ainda faturavam R$ 100 milhões por ano, mas minha família criou uma holding para cuidar da continuidade do negócio e eu tinha de lhes prestar contas.

“Como eu já tinha muitos anos de estrada, tanto na área de compras como na de vendas, acho que isso me fortaleceu a intuição. O fato é que, nessa administração exigida para a prestação de contas, percebi antes de muita gente que o mercado estava prestes a mudar radicalmente suas regras – e que esse seria um caminho sem volta.

“Foi quando eu entendi claramente que a gente só poderia ter velocidade, qualidade e rentabilidade se contasse com uma equipe alinhada e comprometida com o negócio.

“Então, em 1991 mesmo, a gente já aboliu as salas individuais e criamos um plano de carreira no varejo, algo que não existia. Com o tempo, criei o tripé coração-cabeça-bolso, que significa que a empresa deve tratar o funcionário com o coração, mas deixá-lo também participar do negócio com a cabeça e permitir que se beneficie disso no próprio bolso.

“Eu já nasci achando que sempre posso tornar as pessoas melhores do que elas são e tenho como missão contribuir para o país melhorar também, mas tudo isso se converteu em uma mudança maior do que minha vontade e na qual me encaixei bem.

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Faturamento bruto do Magazine Luiza (em R$ bilhões)

0

1,5

3,0

4,5

6,0

7,5

0,5

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

0,6 0,7 0,91,4

1,92,2

2,63,2

3,8

5,3

7,6

Fonte: Dados divulgados pela empresa, 2012.

Evolução do número de lojas

100

200

300

400

500

600

700

96 111 127174

253

351 346391

444 455

604

728

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

São Paulo – Interior:

+ 5 lojas

São Paulo –

Campinas:

+ 20 lojas

Rio Grande do Sul:

+ 51 lojas

Santa Catarina:

+ 100 lojas

São Paulo – Capital:

+ 50 lojas

Nordeste:

+ 136 lojas

Fonte: Dados divulgados pela empresa, 2012.

Conhecimento do cliente“A classe C gosta das nossas lojas porque elas não são simples lojas; são centros de convivência social, com vários serviços que interessam a eles, como cursos de inglês, por exemplo. Hoje mesmo (no dia da entrevista, em setembro) visitei a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, onde vamos abrir uma loja. Vi lá uma classe média muito diferente do que se costuma pensar, fruto de um novo Brasil: é um consumidor exigente, que deseja produtos e serviços mais sofisticados.

“Produtos como TV e geladeira já têm mais de 90% de penetração nesse público; sua demanda será para trocar o bem atual por aparelhos mais modernos. Foi por isso que eu disse pessoalmente ao presidente da Whirlpool no Brasil, João Carlos Brega, em nome dos moradoras da favela: ‘Precisamos lhes dar geladeiras com duas portas, em aço inox e com a função frost free’; temos de correr, porque estamos perdendo vendas!”

Sucessão como seleção natural“Éramos uma família muito pequena: dois tios com um filho e meus pais, que tinham a mim. Então, aprendemos desde cedo a nunca brigar por dinheiro ou poder. Podíamos brigar, isto sim, para ver quem ia pegar mais trabalho. Lógico que tivemos confrontos, mas sempre pela causa, não pelas pessoas.

“Quanto a dinheiro, nunca esperamos que a companhia sustentasse as aquisições pessoais da família; nosso sistema de governança sempre separou com clareza benefícios pessoais e profissionais. Isso quer dizer que nunca a família ficou devendo para a companhia; tudo que a gente compra é com nosso salário do mês.

“Com relação ao poder, não houve nenhuma disputa pelo meu lugar, pois a família sempre me apoiou, e continua sendo assim, mesmo com a profissionalização.

“Nossa geração foi muito saudável nesse aspecto de sucessão e é o que desejo que as próximas continuem – meu filho e meus sobrinhos trabalham na empresa, mas minhas filhas não. Digo sempre aos mais novos que eles até podem ter dinheiro, mas poder só terão se aprenderem a se relacionar com as pessoas, pois elas é que geram resultados.”

Cidadania No varejo nacional“Como o setor é marcado pelo imediatismo, antigamente não atraía trainees; era a última opção de qualquer estudante de administração. Acho que isso mudou, e o Magazine Luiza contribuiu para a mudança ao incorporar o plano de carreira, benefícios adequados, bolsas de estudos etc. Alongamos o que era imediato.

Crescimento“Fizemos aquisições em várias partes do Brasil, comprando redes regionais de norte a sul, e isso é algo que a gente faz muito bem. Sabemos entrar no novo negócio não com a arrogância de quem comprou, mas com a humildade de quem quer aprender sobre aquilo. Sempre que compramos, temos muito carinho pelas pessoas que recebemos. Respeitamos ao máximo o que elas pensam; jamais chegamos querendo mudar tudo. Um exemplo? Na rede de lojas Arno, do Rio Grande do Sul, levamos dois anos para mudar.

“Foi para continuar crescendo que abrimos o capital em 2011. Como disse na cerimônia de abertura do pregão, ‘nós representamos a classe C na bolsa’. Deu orgulho, embora também tenha dado trabalho: fiz road shows tanto no interior do Brasil como nos Estados Unidos e na Europa – e atraímos 60% de investidores estrangeiros. Em tempos de cortes da taxa básica de juros pelo Banco Central, o varejo como um todo tem sido visto como ótima opção para os investidores.

“A ideia é continuar crescendo, mas não faço questão de ser a número um ou número dois do mercado (posições ocupadas, respectivamente, por Globex, que reúne Pão de Açúcar, Ponto Frio e Casas Bahia, e Máquina de Vendas, fruto da união da Ricardo Eletro e Insinuante). Quero é cumprir nosso planejamento.”

“A soma de QIs sempre é maior que o seu QI individual, por mais elevado que ele seja”Luiza Trajano

Uma melhor prática: comunicação

O pensamento gerencial e o estilo de liderança de Luiza Helena Trajano normalmente são associados ao binômio “atendimento e inovação”, aspectos bem abordados neste Perfil e de grande inspiração para executivos e empresários. Nosso objetivo neste quadro, contudo, é destacar algo menos óbvio, que, no caso, é a admirável habilidade de comunicação da gestora (podemos inferir que seja fruto de sua experiência de vendedora ou, então, de sua formação em direito, que, embora nunca exercida, facilitou-lhe a oratória).

Desde que Júlio César decidiu distribuir, Roma afora, as primeiras folhas manuscritas repletas de informações sobre suas conquistas e os desafios a enfrentar, em torno do ano 59 a.C., os líderes são avaliados por sua habilidade de se comunicar – e é nesse aspecto que muitos continuam tropeçando até hoje.

Luiza Helena Trajano e sua equipe estruturaram um modelo de comunicação, institucional e pessoalmente, formal e informalmente, que consegue ser frequente, dirigir-se a um público abrangente e fazer as mais pertinentes escolhas nas mensagens a transmitir. Ele não visa apenas repassar informações sobre “onde estamos” e “para onde vamos”; também se comunicam os valores essenciais que direcionam e facilitam a ação de todos nas situações mais diversas.

Percebe-se isso tanto nos inúmeros veículos de comunicação existentes na organização como no Hino Nacional cantado uma vez por semana nas lojas (essa identificação ostensiva com o Brasil é uma comunicação por si) e na disposição da líder de conversar diretamente com clientes e funcionários (para não mencionar colegas gestores, fornecedores e parceiros, os representantes governamentais). Sem falar que a rede de lojas tem um hino próprio, cujo refrão diz “ML quer dizer Minha Luta e também o Meu Lar” e que foi cantado pelos funcionários no dia da IPO na Bovespa.

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perfi l ceo 1312 ceo perfi l

Uma cronologiaGrandes decisões de Luiza Trajano à frente de seu Magazine

1957• O casal Luiza Trajano e

Pelegrino José Donato,

tios de Luiza, compram

uma pequena loja

chamada A Cristaleira,

em Franca, SP, e a

rebatizam em um

concurso, em rádio local,

com a participação da

população.

2005• As Lojas Arno, do

Rio Grande do Sul,

entram para a rede.

2004• Com outros presidentes de

empresas, funda o Instituto

para Desenvolvimento do

Varejo (IDV).

2009 • Começa a profissionalização,

com a contratação no mercado

de um novo superintendente,

Marcelo Silva.

• Luiza torna-se presidente

do Magazine Luiza e do IDV.

2012• Luiza é convidada a integrar

o Comitê Olímpico da Rio

2016 e aceita participar

como membro voluntária.

2010• Mudança de sede

para São Paulo e

aquisição de mais

140 lojas no Nordeste.

1992 • Duas grandes inovações

são feitas: a primeira loja

eletrônica, em Igarapava,

SP, e o cheque-mãe, para

funcionárias com filhos de

até 10 anos de idade.

1974• O Magazine Luiza

reinaugura a chamada

Loja Número 1 – que se

torna a primeira grande

loja de departamentos

Magazine Luiza, com mais

de 5.000 m2.

1983• Começa a expansão

para fora do estado

de São Paulo, com a

abertura de filiais em

Araxá e Uberaba, MG.

1976• O Magazine Luiza

adquire as Lojas

Mercantil, o que

marca pela primeira

vez seu crescimento

para fora de Franca.

1993• Luiza lança a Liquidação

Fantástica, uma inovação no

varejo brasileiro – um saldão

pós-festas de fim de ano,

com descontos de até 70% e

grandes filas de consumidores.

2001• Entendendo o peso

do crédito, Luiza fecha

sociedade com o Unibanco

na financeira Luizacred;

dividem meio a meio lucros

e custos de inadimplência.

Parceria é renovada com o

Itaú em 2009, por 20 anos.

2008 • São abertas 50 lojas

na cidade de São Paulo.

1991• Luiza assume

oficialmente o

cargo de diretora-

-superintendente.

1997• É adquirida a rede de

lojas Felipe, no Paraná.

2011• A empresa abre o capital na Bovespa,

com captação no valor de R$ 952

milhões, e faz sua 13ª aquisição de

redes, comprando 121 lojas Baú da

Felicidade, do Grupo Silvio Santos.

“Durante muito tempo as empresas do varejo não eram unidas e não tinham voz; elas nem sabiam de sua importância para o país. Hoje, não. Eu faço parte, com mais 39 presidentes, do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) e conseguimos, apesar de toda a competição inerente à atividade, discutir os rumos do segmento e o que podemos fazer para ajudar o Brasil.

“O varejo está cada vez mais sério, cada vez mais importante e cada vez mais comprometido com o desenvolvimento.”

Na brasilidade“Entendemos muito cedo que, ao contribuir para o desenvolvimento do país, contribuíamos para o nosso negócio. Assim como é preciso olhar o mundo com foco nas pessoas, deve-se olhar uma empresa com foco no Brasil – um precisa do outro para melhorar.

“Então, há mais de 15 anos, oferecemos bolsas de estudos para qualquer curso universitário, não apenas administração, porque colaborar com a educação é colaborar com o Brasil. Nunca exigimos do

funcionário o compromisso de permanecer na empresa; ele tem de mostrar boas notas e manter produtividade aqui, porque não somos ‘maternalistas’. Apenas isso.

“Para mim, desenvolver um espírito de cidadania no Brasil é uma missão. Toda segunda-feira, há mais de 20 anos, nós cantamos em toda a empresa o Hino Nacional. Não faço isso por ser boazinha. Meu negócio sairá no lucro também: hoje apenas 45% da população consome aqui; temos muito para crescer.

“E essa atitude está nas mínimas coisas. Não vamos ser o foco de 200 países na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada de 2016? Então, vamos aprender a olhar o lado cheio do copo. Em vez de temer pelo pior nos megaeventos, é melhor pensar em como ajudar para que sejam os melhores que o mundo já viu. Eu, por exemplo, sou integrante voluntária do Comitê Olímpico Brasileiro. Não fico esperando o governo cuidar de tudo.

“Precisamos fazer com o Brasil o que fizemos no Magazine com a loja eletrônica: inverter a equação.”

No espaço feminino“Às mulheres foi permitido desenvolver muitas caraterísticas que hoje o mundo exige do profissional, como a capacidade de interação, vivenciar as emoções, capacidade de ensinar, fazer muita coisa ao mesmo tempo, flexibilizar etc. Esse foi um processo histórico, aconteceu ao longo dos muitos anos que elas foram mantidas fora do mercado de trabalho. Essa é uma grande vantagem competitiva das mulheres hoje.

“O poder em mãos femininas continua representando uma impressionante quebra de paradigma, por mais que aumentem as ocorrências nesse sentido. Mas é preciso tomar cuidado: não é porque a mulher ainda tem de provar mais competência do que os outros no começo da carreira que ela pode perder as características femininas que a diferenciam. Não se deve nunca querer ser um homem no ambiente profissional; eu nunca quis, sou uma líder feminina. Com autoridade e força, mas passando tudo – sempre – pelo feminino.

“O Magazine Luiza é um dos únicosnegócios do varejo brasileiro comandados por uma mulher e, mesmo em outros segmentos, ainda são relativamente poucas as mulheres no topo. Por incrível que pareça, em quase todos os lugares a que vou, sou só eu de mulher.

“Esse processo de ascensão é extremamente necessário, até urgente, para o maior equilíbrio das organizações, mas confesso que estou mais preocupada com a mulher operária do que com a executiva. Esta conta com estrutura de apoio em casa para poder lutar pelo que deseja; aquela está em situação bem mais delicada. Por isso, toda mulher que trabalha no Magazine Luiza e tem filho de até 10 anos de idade, não importa o nível, recebe o cheque-mãe, de até R$ 400, para ajudar a pagar uma creche ou alguém que cuide das crianças.

“Enfim, como mulher, acredito nas mulheres. E digo: contrariando o que reza a lenda, que mulheres não torcem por mulheres. Eu recebo torcida de A a Z de todo tipo de mulher. É uma vibração

incrível. E, para ser justa, os homens também torcem a seu modo: quando uma mulher demonstra respeito pelo papel deles também, como eu demonstro, eles têm carinho por nós.”

Luiza Helena por Luiza HelenaCalmaria e caos“Se fosse escolher uma característica minha de gestora, além das que já discutimos, eu diria que sou mais calma, centrada e tranquila nos momentos de crise do que quando estamos em ‘céu de brigadeiro’.

“Quando há uma crise, de qualquer natureza, o líder tem de ser sereno; eu aprendi a ser assim no dia a dia. Já vivi muitos momentos de estresse, hoje mais raros, e eu tinha uma estratégia: buscava me equilibrar lá fora para poder manter a calma aqui dentro da empresa.

“Na verdade, minha abordagem é ser ‘do contra’. Na crise, eu trago a calma, e, na calma, eu trago a crise! [risos] Tiro as pessoas da zona de conforto, como minha mãe e minha tia fizeram comigo.” ■

1984• Primeiro grande

desafio: abertura

simultânea de três

novas lojas em

Ribeirão Preto, SP.

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opinião ceo 1514 ceo opinião

Os juros e o crescimento

Quando se fala sobre as perspectivas da Europa, há um consenso: o arsenal de política econômica esgotou suas ferramentas ali. Alterações de política monetária, fiscal, de rendas ou externa parecem ser inócuas durante a atual crise. No Brasil, contudo, o governo vem trabalhando um dos mais clássicos instrumentos de política econômica – a taxa de juros – para direcionar a economia e, principalmente, retomar o crescimento. Isso está correto? Funcionará bem?

opinião

fundamento econômico para manter a taxa no nível mais elevado do planeta. Há anos a FIESP luta para reduzir essa taxa.

Júlio Sérgio Gomes de Almeida: Acredito que a crise econômica mundial foi a principal razão que levou o Banco Central, desde agosto do ano passado, a baixar a taxa de juros. O mundo está dividido entre a recessão, no caso da Europa, e o baixo crescimento, no caso dos Estados Unidos, e até mesmo a China tem seu crescimento desacelerado. O Banco Central certamente levou isso em conta para iniciar o processo de redução da taxa de juros aqui no Brasil, que, por contaminação, tem também sua economia fragilizada nesse contexto.

A menor taxa de juros da história do Brasil garante a retomada do crescimento econômico?Skaf: Embora seja a medida correta, essa redução não basta para garantir uma retomada de forte crescimento da economia. É necessário aliá-la a um sólido planejamento e a uma visão global de crescimento para o Brasil – como fez a Coreia do Sul.

O governo sul-coreano adotou estratégias comuns de planejamento visando a ampliação da competitividade, destacando-se: a simplificação tributária, políticas governamentais voltadas ao setor industrial, ampliação da eficiência do gasto educacional, financiamento de baixo custo à atividade produtiva, incentivos tributários e subvenção econômica a atividades de pesquisa e desenvolvimento.

Debate virtual de opiniões entre um líder empresarial e um economista busca responder: o novo modelo de taxa de juros brasileiro terá consequências positivas para uma retomada econômica sustentável?

Júlio Sérgio: Estamos, sim, mais claramente no caminho do crescimento. A China, um país que pratica uma política de taxa de juros real parecida com a do Brasil, é conhecida por ter uma visão global de crescimento sustentável, de longo prazo. Os chineses vêm obtendo sucesso com sua prática de colocar a inflação em um nível razoável, às vezes aumentando os juros, às vezes diminuindo-os. Esse exemplo do outro lado do mundo confirma, a meu ver, o acerto da política do Banco Central brasileiro de reduzir os juros.

Deve ser o consumo, realmente, o principal impulsionador do crescimento de uma economia?Skaf: O acesso ao crédito para consumo, com taxas de juros razoáveis, é um importante instrumento de crescimento do país, sim, e deve ser ampliado e aperfeiçoado. O crédito respondia por 25% do PIB em 2005 e subiu para algo próximo a 50% em 2012, mas pode crescer mais.

O problema do modelo adotado é que ele incentiva o consumo, mas não a produção nacional. A consequência é que o consumidor priorizará o produto importado, já que a produção nacional não terá condições de abastecer a demanda.

As vendas do comércio cresceram 74,4% desde 2005, mas a produção da indústria de transformação aumentou apenas 10% no mesmo período – nos últimos 12 meses, inclusive, a produção da indústria de transformação apresentou uma variação negativa de 2,5%. O desequilíbrio é imenso.

A PwC convidou, para um debate a distância, dois especialistas no assunto que historicamente estão em lados opostos – Paulo Skaf preside a mais poderosa entidade empresarial do país, enquanto Júlio Sérgio Gomes de Almeida integrou o governo atual. Eles receberam as mesmas perguntas, responderam e, surpresa, há alinhamento de visão em muitos casos, embora com algumas discordâncias. Isso pode significar que o Brasil está, sim, no caminho certo.

Qual é o real motivo da decisão de reduzir os juros?Paulo Skaf: Creio que a crise, mundial e doméstica, pode ter facilitado a condução dessa taxa para níveis um pouco mais civilizados, condizentes com a situação econômica do país. Porém, apesar de haver uma circunstância específica para isso, acredito que não há mais volta nessa medida. A mudança do patamar dos juros brasileiros será permanente.

Do ponto de vista técnico, em 2005, os juros já podiam ter caído. Nesse ano, a FIESP mostrou não haver consistência ou

“A crise facilitou a condução da taxa para níveis um pouco mais civilizados. Mas, do ponto de vista técnico, em 2005, os jurosjá podiam ter caído”

Paulo Skaf Empresário e político brasileiro, é presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), do Serviço Social da Indústria (SESI-SP), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-SP) e do Instituto Roberto Simonsen (IRS).

“Eu acredito que a redução da taxa de juros incentiva o consumo, sim, mas afeta mais, principalmente, o investimento”

Júlio Sérgio Gomes de Almeida Economista e doutor pela Unicamp, foi secretário de Política Econômica de maio de 2006 a abril de 2007, durante a gestão de Guido Mantega no Ministério da Fazenda do governo Lula.

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opinião ceo 1716 ceo opinião

Por outro lado, o coeficiente de importação calculado pela FIESP e divulgado no último dia 13 de agosto atingiu o maior nível da série histórica: 22,6% do total do consumo aparente da indústria de transformação é atendido por importações.

Júlio Sérgio: Acredito que a redução da taxa de juros incentiva o consumo, sim, mas afeta mais ainda o investimento. É uma medida que tende a acelerar o investimento em relação ao consumo e, por tabela, é uma forma evidente de aumentar a capacidade de produção do país.

Os empresários brasileiros só têm a ganhar com a redução da taxa de juros.

O Brasil não deve declinar o aumento de consumo decorrente dos juros menores, porque isso aumenta os investimentos que naturalmente aquecem a economia e levam ao crescimento. O aumento do endividamento das famílias brasileiras, incessantemente noticiado na imprensa, preocupa?Skaf: Havia uma demanda reprimida, por conta do crédito inacessível, e, por isso, a evolução foi explosiva em todos os aspectos, mas a inadimplência já está caindo. Não é o fator mais preocupante no momento. A redução das taxas de juros e o alongamento dos prazos, associados à manutenção das condições favoráveis do mercado de trabalho, corrigirão naturalmente o aumento recente das dívidas.

Júlio Sérgio: Há um sinal de alerta sobre o endividamento de nossas famílias, porque o comprometimento com os pagamentos já alcançou um nível um pouco superior a 20% da renda familiar. Mas esse comprometimento elevado é fruto da taxa de juros alta de antes e, assim, a redução de agora amenizará a situação e beneficiará a economia como um todo.

A mudança das regras da poupança foi correta?Skaf: Pesquisa recente realizada pela FIESP mostrou que 63% dos aplicadores de caderneta de poupança concordaram com

as mudanças das regras de remuneração dessa aplicação. Ter mudado as regras da poupança foi extremamente importante, porque possibilitará ao Banco Central continuar a trajetória de redução da taxa básica de juros, a Selic.

Júlio Sérgio: O governo brasileiro adotou uma regra mais equilibrada e responsável para o rendimento da poupança, vinculando-a aos juros. Fez isso no momento certo e, principalmente, da forma correta. Para o aplicador antigo, nada mudou, porque a regra anterior foi mantida. O novo aplicador, por sua vez, saiu beneficiado, porque hoje a poupança paga mais do que um investimento de curto prazo. A regulação pela Selic – que susbtituiu a fórmula dos 6% fixos ao ano mais TR – deixou o rendimento na faixa de 7,5% ao ano, contra os 7% ao ano de antes. E, como foi mantida a isenção do imposto de renda, continua sendo uma aplicação atraente.

O fantasma da inflação voltará a ameaçar o Brasil com os juros mais baixos e as prováveis alterações cambiais? Skaf: A inflação brasileira está absolutamente sob controle em 2012. As expectativas do mercado apontam um IPCA próximo ao centro da meta, mesmo com a desvalorização cambial em torno de 18% ocorrida entre o início de março e meados de agosto, mesmo que a desvalorização do real continue a acontecer e mesmo que os juros sigam caindo.

Em 2012, a questão que merece preocupação é outra: a atividade econômica ainda se encontra muito fraca, com as projeções apontando crescimento de PIB abaixo de 1,5%.

Júlio Sérgio: O que mantém a situação inflacionária “favorável” é a combinação do instrumento da taxa de juros, que é o principal instrumento da economia para conter a inflação, com o orçamento fiscal e as chamadas “medidas macro” prudenciais na área do crédito. Na prática, significa que temos alguma regulação e algum controle do crédito. Isso é o que o governo tem procurado fazer desde 2011 e constitui, aliás, uma novidade no Brasil.

Para nós, o câmbio como instrumento de controle da inflação não é o melhor caminho. Nossa moeda está, sim, em um nível de supervalorização, mas isso se explica pelo fato de que lá fora as coisas não estão boas. De qualquer modo, creio que o Brasil está bem equipado para combater a inflação, embora saibamos que ainda é um pouco elevada, de mais de 5% ao ano.

Como avaliar a competitividade de nossas empresas? Skaf: Se alguém pegar a empresa mais competitiva do mundo, colocar no Brasil e impuser a ela a somatória de custos que temos, incluindo a falta de competitividade decorrente da baixa qualidade da educação e da mão de obra do país, ela terá reduzida sua competitividade. O problema não está da porta para dentro das empresas, mas da porta para fora: está no custo elevado da energia e na logística cara, na carga tributária, nos juros elevados – a taxa Selic está baixando, mas isso ainda não chegou a nós, porque os spreads continuam altos; a indústria toma dinheiro emprestado a um custo ainda alto.

Para ter uma ideia do impacto disso, estudos do Departamento de Competitividade e Tecnologia da FIESP mostraram que os juros básicos e spread bancário custaram R$ 156 bilhões em financiamento para capital de giro da indústria de transformação em 2011. Esse custo representou 7,5% do preço dos produtos industriais na porta da fábrica.

Quanto às deficiências da infraestrutura logística, elas representam 1,8% do preço dos produtos. E os custos anuais, apenas da burocracia montada para pagar os tributos existentes no país – não dos tributos em si –, totalizaram 2,6% do preço dos produtos industriais.

Não restam dúvidas de que isso tudo constitui um grande obstáculo ao pleno desenvolvimento do país. A FIESP defende que haja uma série de reformas visando o aumento da competitividade de nossa indústria e da economia como um todo. Aí a população poderá nos cobrar essa competitividade.

Júlio Sérgio: Não pode haver simplificação: as causas que prejudicam nossa competitividade são variadas. A carga tributária pesada e complexa é uma delas, sim, mas eu citaria ao seu lado – em um nível mais baixo, mas ainda assim importante – as deficiências de infraestrutura, os custos de energia elétrica e os custos de capital de terceiros. Para se financiar, uma empresa paga uma taxa muito elevada.

As empresas do Brasil, sejam indústrias, agronegócios ou serviços, têm um bom nível gerencial, não se pode responsabilizá-las. Com exceção das pequenas e médias, que podem e precisam melhorar sua gestão empresarial.

Nossa competitividade tem a ver com isso que chamamos de custos sistêmicos. E com a melhoria do padrão de gerenciamento das pequenas e médias empresas.

O que falta para os investimentos produtivos decolarem? Viveremos bem sem os investimentos financeiros?Skaf: A redução da taxa de juros para níveis mais próximos aos vigentes nos mercados internacionais estimula os investimentos produtivos e diminui a atratividade dos investimentos financeiros.

O grande entrave atual ao investimento no país é a falta de perspectiva de retorno, principalmente nos setores ligados à indústria de transformação, que representa, sozinha, cerca de 50% da formação bruta de capital fixo brasileira.

Júlio Sérgio: Não haverá fuga de dinheiro para fora do país, por exemplo; o dinheiro vai permanecer no Brasil movimentando a economia. Com a redução da taxa de juros, esses recursos permanecerão em nosso sistema de financiamento, incluindo um movimento de buscar também maior rentabilidade em aplicações de longo prazo.

O mercado de crédito do Brasil tem a sofisticação necessária para atender bem as empresas?Skaf: O que se vê ainda é a inexistência de um mercado de crédito privado de longo prazo e, diante disso, a atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é fundamental para a realização dos grandes investimentos da economia brasileira. Por outro lado, é importante que reformas sejam realizadas com o objetivo de estimular o crescimento das linhas de crédito com maior horizonte temporal também no setor privado.

Júlio Sérgio: O mercado de crédito no Brasil é segmentado, mas isso é consequência e não causa de nossos problemas. Pelo histórico que temos de economia inflacionária e de juros muito elevados, precisou haver um sistema de crédito especializado em cada área, como, por exemplo, na agricultura, na habitação, no financiamento de investimentos de longo prazo – representado pelo BNDES – etc.

À medida que caminhamos para uma economia de menor inflação e menor taxa de juros, essa segmentação automaticamente se diluirá. Portanto, a solução do problema estrutural está próxima; dependerá da própria redução da inflação e da taxa de juros.

Uma vez que esse ritmo de redução continue, a taxa de juros básica do BNDES, por exemplo, tenderá, assim como a poupança, a ser regulada pelo mercado. E, portanto, será substituída por outra fórmula que ainda desconhecemos, mas com referência nos movimentos de mercado.

Os juros continuarão mesmo a cair?Skaf: Há uma conjunção de fatores que permitem a continuidade do atual ciclo de redução da taxa de juros real: a crise internacional e o fraco crescimento doméstico. Associando isso à necessidade de gerar maior taxa de crescimento econômico, chega-se à conclusão de que a taxa de juros real continuará a diminuir, sim, ainda mais.

Júlio Sérgio: O Banco Central anunciou que desacelerará a redução das taxas de juros, mas eu penso que, no médio prazo, o Brasil deve perseguir dois objetivos: reduzir um pouco seu padrão de inflação e caminhar para um processo de redução ainda maior e mais profundo da nossa taxa de juros. ■

Acesse www.pwc.co.uk/economic-services/global-economy-

watch/index.jhtml para acompanhar as previsões da PwC sobre

o desempenho da economia global.

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1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008

Dívida pública bruta

(em % do PIB)

Taxa de juros real

Tendência da taxa bruta

de juros (em % do PIB)

Tendência da taxa

de juros real

Dívida pública bruta X taxa de juros real

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pesquisa ceo 1918 ceo pesquisa

pesquisa

Os próximos 4 bilhões e a próxima década

No ano 2021, a classe média emergente deve movimentar, apenas na Índia, o equivalente a US$ 1 trilhão. Todos os chás, xampus e biscoitos que hoje lá são vendidos em sachês para facilitar o acesso da população rural com renda máxima de US$ 5 por dia passam, assim, a constituir uma mera amostra do boom de negócios em potencial. Se somarmos a Índia a países como China, Indonésia e vários da África e da América Latina – um contingente de 4 bilhões de pessoas, mais de 60% dos 7 bilhões que habitam o planeta –, descobriremos que, na próxima década, o crescimento das empresas deve depender fundamentalmente dessa classe afluente.

Entretanto, como os gestores podem fazer negócios com esse segmento de mercado considerando a distância que os separa dele? Seus integrantes estão dispersos em zonas rurais e, quando urbanos, vivem em clusters de alta densidade populacional e desconectados da economia formal. Se conhecê-los já não é tarefa fácil, quanto mais alcançá-los.

A PwC realizou uma pesquisa com líderes de grandes corporações e membros de famílias da classe média emergente na Índia, que traz insights valiosos para as empresas que desejam construir uma ponte com esse público. “As mudanças de comportamento identificadas servem de parâmetro para as empresas brasileiras se adaptarem ao novo mercado de consumidores em ascensão, especialmente ao propor ajustes no modelo de negócio”, diz Sachin Mehta, sócio da PwC Brasil e líder de estratégia. Ele faz o alerta, no entanto, de que as diferenças sociais profundas existentes entre os dois países não podem ser ignoradas no processo.

Estudo desenvolvido pela PwC na Índia identifica elementos que permitirão redirecionar os negócios para atender os promissores consumidores da classe média emergente dos países em desenvolvimento. Entender o que valorizam é o primeiro dos desafios que transformarão radicalmente a maneira de fazer negócios na próxima década

Segundo Mehta, o nível de exigência do novo consumidor brasileiro é mais alto e seu consumo, mais aspiracional do que o de seu par indiano. “Na Índia, muita gente comprou lava-roupas pela primeira vez em sua vida, pois sua região nem era servida de energia elétrica até há pouco, enquanto aqui a classe ascendente está trocando seus aparelhos velhos por outros mais modernos”, exemplifica o consultor.

As companhias pioneiras bem-sucedidas concentraram ações em três frentes, conforme indica a pesquisa intitulada Profitable growth strategies for the Global Emerging Middle – Learning from the ‘Next 4 Billion’ markets:

•Novas proposições de valor – entender demandas específicas.•Modelos de negócio inovadores – criar ofertas adequadas.•Mudança de mentalidade – alinhar consumidor e empresa.

Em cada uma dessas frentes, identificamos três iniciativas que capacitam as empresas a incorporar a nova e promissora classe de consumo. Assim, formatamos uma estrutura de nove elementos diferenciadores para as empresas, detalhada a seguir.

I. Novas proposições de valorA diver sidade de consumidores é mais desafiadora do que sua renda discricionária menor. Portanto, entender os reais problemas a resolver é o passo que precede todos os outros:

1. Compreender as concessões aspiracionais (ilógicas)Foi a abertura econômica da Índia, em 1991, que desencadeou a ascensão dessa nova classe média e, desde então, cerca de 20% dos gastos de consumo migraram de bens e serviços essenciais para não essenciais, incluindo roupas, bebidas, cosméticos e bens de consumo duráveis, como linha branca, eletrônicos e automóveis. No entanto, a chave para compreender as decisões desse segmento de consumo não parece ser suas aspirações, mas as concessões que têm de ser feitas. Por mais que seus integrantes desejem produtos e serviços próprios das camadas de renda mais alta – o que, de fato, acontece –, eles devem comprá-los conforme o dinheiro disponível, abrindo mão de algo, e essas concessões estão no cerne de boa parte das escolhas.

É verdade que todos os consumidores fazem escolhas com base em sua realidade econômica, mas o consumidor típico dessa nova classe social faz escolhas aparentemente ilógicas. Se a sobrevivência representa boa parte de suas preocupações (mais de 60%), detectamos que prestígio, conveniência, entretenimento e educação dos filhos ocupam espaço desproporcionalmente grande na lista de prioridades. Compreender essa desproporcionalidade é essencial para entender a lógica da nova classe afluente.

Novas proposições de valor

Modelos de negócio inovadores

Mudança de mentalidade

Desafio de posicionamento na proposição de valor

Baixo custo

Desempenho

Aspirações

Necessidades não atendidas?

Prestígio, conveniência e lazer

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2. Não se limitar à lógica dos preços baixosPor mais que sejam fundamentais para o segmento, preços baixos não bastam. Segundo nossa pesquisa na Índia, se quiserem obter êxito, as empresas precisam também posicionar as soluções oferecidas em torno de desempenho, aspirações e necessidades não atendidas – ou seja, em torno de outras fontes de valor.

Em geral, há uma grande quantidade de produtos alternativos à disposição dos consumidores em ascensão e concorrer com eles apenas em função do custo pode ser suicídio; é preciso agregar outras dimensões de valor, o que começa com a definição da “função” do produto ou serviço, uma abordagem que muito frequentemente leva à criação de uma categoria nova de produtos ou serviços.

A precificação precisa é ainda mais fundamental nesse segmento de consumo com baixo “fluxo de caixa”. Se o preço alto é um repelente natural, o preço baixo demais transmite a percepção de uma oferta sem qualidade. A definição de preço deve levar particularmente em conta as “tarefas” oferecidas pelos produtos e serviços não encontradas nas concorrentes.

3. Construir plataformas customizáveisNão importa se a plataforma será de produto, tecnologia ou solução; o crucial é que se siga uma visão de plataforma, em prol da customização da oferta – eventualmente, até com a ajuda de parceiros e/ou da comunidade usuária. A natureza da classe emergente é que exige essa customização, com relação custo-benefício positiva para o consumidor.

Uma ligeira adaptação à localização do consumidor, no entanto, é insuficiente; em geral, a customização pede um redesenho completo. Como recriar uma oferta segundo diferenças culturais e sociais tende a elevar demais os custos e a dificultar a gestão do processo, a solução inteligente é a plataforma.

II. Modelos de negócio inovadoresAlém de desenvolver novas proposições de valor, as empresas devem reinventar seus modelos de negócio para atingir essa classe com ofertas que lhe sejam realmente adequadas. Isso implica, inclusive, reavaliar constantemente a tecnologia usada para chegar a esse público. Para tanto, três iniciativas são fundamentais:

4. Montar um ecossistema colaborativoConstruir uma rede de fornecedores e parceiros pode levar as empresas a identificar, preencher e superar as lacunas institucionais e de mercado. Trata-se de lacunas relativas à legislação, logística e transporte, crédito e mercado de capitais, maturidade da cadeia de suprimento e mercado de trabalho, entre outras. Por exemplo, a ausência de marcos regulatórios para determinada operação e a infraestrutura precária são frequentemente apontadas como impeditivo para o crescimento em economias emergentes como a da Índia.

Quem pode compor esses ecossistemas colaborativos? Os agentes da economia informal tendem a ser os mais capacitados para isso, por entenderem melhor as necessidades da nova classe média local. Na Índia, inclusive, eles constituem maioria, já que mais de 80% da força de trabalho atua no mercado informal, respondendo por cerca de 60% do PIB. Assim, um modelo colaborativo que os envolva formalmente pode ser bastante eficaz e ajudar a conquistar a confiança do consumidor. E a parceria com eles tem o benefício adicional de reduzir a ameaça dos produtos substitutos, especialmente os falsificados.

Além de trabalhar com agentes locais, é importante também que o ecossistema inclua o governo, em parcerias público-privadas (PPPs), embora isso nem sempre seja fácil. Na Índia, observam-se modelos bem-sucedidos de PPPs em áreas como saúde pública, educação, treinamento e infraestrutura.

5. Fazer um design modularO ecossistema colaborativo ajuda a atingir economias de escala nesse mercado – algo que deve acontecer desde o início –, mas uma boa medida revelada pela pesquisa na Índia é a adoção do modelo de negócio modular, em que os participantes vão sendo acrescentados conforme a necessidade. Suas vantagens começam pela redução de custos de entrega e logística, não só para a companhia, como também para o consumidor (já que upgrades e substituições se tornam mais fáceis para este).

Em especial, no entanto, a arquitetura modular aumenta o alcance e a proximidade com o consumidor final, alavancando as possibilidades de crescimento lucrativo. Como o tamanho de uma transação individual com a classe média emergente será inevitavelmente menor do que o desejável, agregar novas demandas é o que permite determinar suas flutuações, estabelecer planos de fornecimento e tomar decisões quanto a riscos.

6. Maximizar o alcance com inteligênciaA imensa diversidade regional da nova classe média exige que se tenha, na distribuição, uma abordagem em cluster. O agrupamento pode basear-se em critérios variados, de orientação econômica a fluxos de comércio, passando por padrões de migração, renda e demografia. O importante é que o trabalho em cluster gerará muitos insights sobre o comportamento e as preferências dos consumidores, por meio de análise de marketing, distribuição, finanças, demanda e tecnologia e de outras informações necessárias, reduzindo custos e ampliando o alcance.

O melhor caminho para isso é a colaboração com redes de distribuição locais, que tende tanto a ampliar o alcance como a resolver o desafio de fornecer produtos e serviços com baixo custo. Em mercados de consumidores ascendentes, a distribuição pelos próprios canais da empresa costuma ter alcance restrito e custos proibitivos. O instrumento de microcrédito tem facilitado o alcance na distribuição, aprofundando a confiança entre as partes, mas a pouca flexibilidade para os pagamentos ainda faz com que muitos devedores recorram a financiadores informais locais. Isso é ruim? A pesquisa da PwC conclui que não; um financiador local fortalecido é uma boa opção, pois estabelece regras adequadas a essa classe e lhe flexibiliza os pagamentos.

1. Concessões aspiracionais – compreender o que o consumidor mais valoriza

2. Mais do que preço baixo – entregar alta qualidade (no que realmente importa), obviamente com custo baixo

3. Plataformas customizáveis – desenvolver uma plataforma de produto e customizá-la para atender à diversidade

4. Ecossistema colaborativo – desenvolver a colaboração como forma de suprir as lacunas do mercado

5. Design modular – pensar em módulos desde o início

6. Alcance inteligente – distribuição inovadora e mecanismos de financiamento

7. Endosso de confiança – estabelecer a confiança de consumidores potenciais

8. Pensamento disruptivo – abraçar a ideia de ruptura

9. Valores e métricas – desenvolver os valores e métricas corretos

É importante ainda utilizar uma ferramenta tecnológica apropriada, como a comunicação pela internet. A tecnologia permite a customização desejada pelos consumidores, entregando-lhes as características que demandam. Frise-se, porém, que sempre deve haver uma estrutura física apoiando a operação, pois é ela que constrói relações de confiança e que consegue oferecer experiência e informação aos consumidores. A combinação online/offline é crucial.

III. Mudança de mentalidadeOrganizações e gestores devem esquecer o velho paradigma de servir a população de renda mais baixa derivado da percepção de seu restrito poder de compra; ela consegue comprar.

Requerem-se deles mudanças de mentalidade que lhes permitam compreender tanto as maneiras singulares de ação e adaptação desse segmento ao mercado como as das próprias empresas. Com base no estudo, identificamos três áreas-chave de ação:

Matriz PwC: Premissas para conquistar os próximos 4 bilhões

Mudança de mentalidade Alinhe a mentalidade de sua organização (e de seu sistema de avaliação) à da classe média emergente para ganhar o mercado dos próximos 4 bilhões

Nova proposição de valorProcure saber: a que os próximos 4 bilhões de consumidores aspiram e o que valorizam além do preço baixo?

Modelos de negócio inovadoresCrie ofertas para otimizar a satisfação dessa demanda crescente

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Saiba mais sobre a pesquisa

O estudo da PwC Índia focalizou as estratégias adotadas por líderes que buscaram lucratividade com a classe média emergente. Baseou-se em entrevistas com 30 CEOs e outros líderes de grandes empresas, conversas com especialistas em inovação e pesquisa com consumidores.

A Índia foi escolhida para o estudo porque costuma ser considerada a linha de frente da inovação nesse segmento, mas o estudo foi validado para outros países emergentes em entrevistas com líderes globais da rede da PwC.

Quem é a classe média emergente

Uma mudança demográfica está em andamento em todos os países em desenvolvimento, e isso promete afetar profundamente as sociedades desses países nos próximos dez anos, assim como as empresas que atuam neles: uma quantidade enorme de consumidores está saindo dos níveis mais baixos da pirâmide econômica para formar a chamada “classe média emergente”.

Apesar de ainda ganharem somas modestas – US$ 1,70 a US$ 5 per capita por dia na Índia, por exemplo –, esses consumidores juntos têm um poder de compra que chegará a US$ 6 trilhões por ano no início da próxima década. E os números ainda estão crescendo, graças às altas taxas de natalidade e às economias aquecidas de muitos países.

8. Gerir a mentalidade da inovação de rupturaA inovação é o que conectará uma empresa a seus consumidores nesse mercado, pois o que eles querem de um produto geralmente não lhes é oferecido. Assim, as empresas devem incrementar sua habilidade de inovar, identificando lacunas em sua cultura e em seus processos para refazer suas ofertas. Como qualidade e preço acessível são indissociáveis nesse mercado, é preciso avançar pulando etapas, a partir de mudanças disruptivas.

9. Gerir a mentalidade organizacionalUma vez que as empresas compreendam as proposições de valor para a classe média emergente, vão dar-se conta de quão diferentes elas são das de outros segmentos. Em paralelo aos desafios relativos a entrega, maturidade do mercado e pressão constante para atingir escala, as proposições de valor radicalmente distintas exigem que as organizações repensem valores e métricas.

O desafio não é apenas aprender a acompanhar o progresso com métricas pouco convencionais; inclui também adaptar os próprios valores organizacionais às necessidades especiais do grupo. Entres as mudanças exigidas nesse sentido estão uma ênfase renovada em assumir riscos, a orientação ao consumidor e a colaboração com players externos. As empresas também precisam reconhecer que as métricas até hoje utilizadas para avaliar o desempenho em clientes de alta renda não podem ser aplicadas a esse mercado.

Fontes: Análise PwC, Banco Mundial, FMI.

De maneira global, esse segmento está maduro para a mudança – é o maior mercado ainda não explorado e pronto a aceitar um pensamento novo. O desafio para os negócios é capitalizar a oportunidade mudando a forma como se vê esse mercado – não a da base da pirâmide vista por lentes sociais, mas como uma classe média emergente muito diferente, vista por lentes baseadas em valor, não em custo.

SaudadesOs avanços dos países emergentes estão acontecendo em níveis que os países desenvolvidos lembram com saudades. Os horizontes são extremamente promissores. Para Sachin Mehta, no Brasil, isso se tornará ainda mais verdadeiro se as empresas concentrarem esforços para se adaptar em três focos prioritários: distribuição, comunicação e serviços. ■

Acesse www.pwc.com/gx/en/corporate-strategy-services/

profitable-growth-strategies/index.jhtml para conhecer na íntegra

a pesquisa da PwC Profitable growth strategies for the Global

Emerging Middle.

População Classe altaClasse média

tradicional

Classe média

emergenteClasse baixa

Nível de renda mensal

(em US$)

Mais que

12.19612.195-3.946 3.945-996 Menos que 995

Anos de educação 14,5 13,8 10,3 7,9

População urbana (%) 78 74 41 27

Celulares

(por 100 pessoas)106 92 47 22

Usuários de internet

(por 100 pessoas)68,3 29,9 13,7 2,3

Carros

(por 1.000 pessoas)435,1 125,2 20,3 5,8

Alvo da pesquisa

7. Gerir a mentalidade do consumidorAs empresas precisam receber um voto de confiança dos consumidores desse segmento, o que deve ser construído a partir de porta-vozes e parceiros da marca. Isso é essencial para atender adequadamente às aspirações e entregar valor adicional.

Estabelecer confiança entre o consumidor emergente e uma marca, porém, é um processo muito diferente do que funciona para conexões com pessoas de maior renda. Para emitir um julgamento sobre determinado produto, o cliente que pertence a essa classe costuma confiar em formadores de opinião e fontes de informação locais. Se quiserem destacar as qualidades de seus produtos, portanto, as organizações devem ter credibilidade com os influenciadores e formar parcerias com eles. Esse relacionamento exige habilidades distintas das requeridas para vender produtos a compradores de maior renda.

Conhecer as percepções desses clientes é um desafio particular. O marketing exige uma abordagem de baixo para cima, envolvendo uma combinação de boca a boca, mídia convencional e parcerias. A apresentação dos produtos também é fundamental, o que se reflete na embalagem e no design.Deve-se atentar especialmente às dimensões dos produtos, que precisam levar em conta o tamanho das residências.

A classe média emergente é um grupo de consumidores nada homogêneo. Diferenças baseadas em geografia, idade, emprego, religião, idioma e gênero estabelecem desafios enormes para os negócios

A Índia terá um mercado de 570 milhões de pessoas com renda ascendente, em 2021

Os consumidores da classe média emergente aspiram a produtos e serviços destinados às classes de renda mais alta, mas têm um orçamento extremamente apertado e mais de 60% de sua renda é gasta em itens essenciais

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entrevista

A integração, as pessoas e o caminho do meio

A executiva Sandra Lima é uma das responsáveis por um dos processos de integração mais desafiadores dos últimos tempos no Brasil. Seus segredos? Estabelecer relações de confiança e conduzir o processo com a máxima leveza possível

Como você descreveria o modo como conduziu a integração entre Telefônica e Vivo em sua essência?Conduzi o processo baseada na máxima “quanto mais você planeja, melhor é o resultado”. Tive o privilégio de participar de vários movimentos de integração em minha carreira e aprendi muito com eles. Por isso, também busquei focar as outras três premissas que, eu sei, fazem enorme diferença: conhecer com muita antecedência as práticas de gestão das empresas envolvidas, ser ágil – tanto na tomada de decisões como nas ações – e promover um processo de comunicação intenso em todos os níveis da corporação.

Como se organizaram para isso? No começo, o RH se organizou em duas áreas: operação fixa e móvel. Eu, então na Vivo, fiquei responsável pela operação móvel e a Françoise Trapenard, hoje diretora da Fundação Telefônica, respondeu pela operação fixa.

Poderia detalhar o planejamento?Houve etapas bem distintas e específicas. O primeiro movimento concreto foi um programa de retenção dos talentos que precisaríamos ter ao

longo da integração. Depois, fizemos uma ação, inusitada, de contratação, para fortalecer o negócio nos segmentos em que víamos oportunidades de crescimento. Então, efetivamos movimentos de desligamentos, que, por sua vez, aconteceram em duas etapas. Mas a integração ainda está em andamento. Não se faz isso em um ano e meio, como também não se integram as operações técnicas e os sistemas tão rapidamente.

Em qualquer processo de mudança, o papel da área de Recursos Humanos é crucial, mas isso nem sempre é reconhecido na prática. Como foi o caso de vocês?Aqui o RH foi uma das primeiras áreas envolvidas no processo. E já de saída começamos a pensar na retenção das pessoas, para manter o conhecimento existente e para valorizar o melhor de cada uma das duas organizações.

Trabalhamos no programa de retenção de agosto a dezembro de 2010 e posso dizer que foi um sucesso: na fase crítica da integração, 100% das pessoas-chave permaneceram.

Os dois RHs diferiam muito?Não, as empresas até podiam agir de modo distinto, mas suas premissas eram muito parecidas. As duas tinham como práticas o envolvimento do colaborador e a comunicação de todo tipo de informação que impacte a vida dele diretamente, seja estratégia do negócio, seja processo de trabalho.

A análise das práticas de gestão de pessoas das duas empresas, aliás, foi nosso segundo trabalho conjunto após o programa de retenção. Tratou-se de um momento muito rico de aprendizado e reflexão,

Sandra Lima

Diretora de Recursos Humanos

Telefônica Vivo

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em que compartilhamos modelos de avaliação e desenvolvimento, remuneração, programa de bônus e até procedimentos em questões trabalhistas. O importante é que não adotamos o padrão Vivo ou o padrão Telefônica; criamos um terceiro padrão, pensando no que seria mais adequado para a nova empresa.

Comenta-se no mercado que a Vivo era mais atenta à cultura organizacional e a intangíveis em geral, e a Telefônica, menos.Tem um pouco de mito aí. Ambas as empresas eram atentas à cultura organizacional e aos intangíveis, como as práticas semelhantes nos mostraram. O que acontecia, na minha visão, é que a Vivo tinha uma cultura de marca muito forte, comercial e institucional, e, por isso mesmo, muito internalizada pelos colaboradores. A Telefônica possuía uma cultura de valorização de pessoas igualmente forte, só que a marca institucional e as diferentes marcas comerciais coexistentes impactavam menos a cultura interna, e isso pode ter passado para o mercado uma percepção distinta.

Um dos momentos cruciais é o redesenho da estrutura. Como fluiu isso na Telefônica Vivo?A estrutura de primeiro nível foi definida na Espanha, antes mesmo de a integração começar a ser divulgada no Brasil; apenas um petit comité foi envolvido. A partir daí, iniciamos um trabalho com uma consultoria externa especializada em processos de integração.

E, antes mesmo de divulgarmos o novo primeiro escalão, foi criado um escritório de projetos com representantes de Planejamento, Finanças, Negócios e RH.

Pronto o desenho do primeiro nível, passamos a definir uma proposta para o segundo nível. À medida que trabalhávamos mais intensamente na estrutura organizacional, mais áreas foram sendo envolvidas.

Qual a velocidade do redesenho?Levamos apenas três meses. Quanto mais rápido se define a estrutura organizacional, mais rápido tranquilizam-se as pessoas, que assim já começam a trabalhar com foco nos novos objetivos.

Para acelerar, quando começamos a trabalhar as diretorias de segundo nível, envolvemos quem já estava nomeado. Apresentávamos um esboço de proposta e pedíamos que desenhassem conosco a nova estrutura de pessoas da área.

Foi possível evitar aquela insatisfação residual normalmente verificada em integrações? Há quem diga que funcionários da Vivo ficaram mais satisfeitos do que os da Telefônica, por exemplo.Posso dizer que, no primeiro momento, não tivemos quase nenhuma saída no primeiro nível, até porque o desenho da estrutura favoreceu isso. De maio de 2011 até fevereiro de 2012, praticamente mantivemos toda a diretoria, o que é raro.

Agora, um nível de insatisfação zero é impossível em qualquer integração de qualquer setor. Em alguns casos, a insatisfação é natural, porque contraria interesses; a chegada do “novo” pode fazer, por exemplo, com que expectativas de carreira sejam adiadas. O nível de satisfação de cada um depende de cada um enxergar a mudança como crise ou como oportunidade.

Quão eficaz foi a comunicação?Ela foi priorizada. Envolvemos muitas pessoas para as tomadas de decisão e isso facilitou a amplificação do que estava acontecendo. E o tempo todo procuramos levar o presidente para falar com as pessoas. O Antonio Carlos Valente, presidente-país da Telefônica Vivo, fez um road show em todas as regionais, onde ele falava do futuro da nova empresa a todos os colaboradores.

Trabalhamos muito com os líderes também, para que fizessem as informações importantes descer em “cascata” para suas equipes. E usamos bastante os canais internos de comunicação, como intranet, TVs internas e comunicados online, para agilizar e para garantir a informação uniforme.

O RH tinha acesso direto ao CEO?Sim, nós tínhamos um canal completamente aberto com o presidente. Parece-me impossível fazer um movimento desses sem que haja um alinhamento direto entre RH e presidente, e, eu acrescentaria, até uma relação de confiança e cumplici dade.

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Vencendo a guerra, por João Lins

Esta década já está sendo marcada pela guerra por talentos, como nossas pesquisas vêm antecipando há algum tempo, e isso, naturalmente, pressiona os custos de gestão de pessoas. E, se esse contexto faz com que seja mais importante do que nunca a capacidade organizacional de reter talentos, uma circunstância adicional, como uma fusão ou aquisição, torna o desafio particularmente complexo.

Pois é a habilidade – e até a humildade, eu diria – com que essa complexidade está sendo enfrentada que salta aos olhos no caso Telefônica Vivo, percebida, em especial, no protagonismo assumido pelo departamento de Recursos Humanos. Qual o resultado? Se meus colegas da área de deals da PwC costumam dizer que 25% do capital intelectual deixa a empresa no início de um processo de integração, ou até antes, o movimento de Sandra Lima e sua equipe representou uma grande conquista: nos momentos mais delicados, houve uma retenção de 100% dos gestores seniores. O conhecimento foi preservado.

Situações extremas como a de uma integração constituem uma prova de fogo para as empresas no que diz respeito ao capital humano. No mínimo, ensinam que políticas e princípios de RH regulares não mais bastam para garantir o êxito na gestão de pessoas; é preciso rumar para novos modelos organizacionais fidelizadores dos colaboradores, cujos contornos ainda se estão estabelecendo.

Pode ser que a Telefônica Vivo esteja nesse caminho – ela certamente parece estar fazendo a lição de casa, com processos de tentativa e erro, sem medo de correr riscos (como se percebe na aparentemente esquizofrênica etapa de contratação). Uma coisa é certa: se a retenção de talentos ainda não está entre as três prioridades de um CEO, que muitas vezes contrata mais fora do que faz promoções internas, isso vai mudar.

* João Lins é sócio da PwC e líder de organização e capital humano.

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Quais os critérios utilizados para desligamento e manutenção?Nossa estratégia era manter pessoas das duas origens, Vivo e Telefônica, em todos os negócios, para conservar o conhecimento adquirido. Agora, a competência e o perfil do profissional prevaleceram na hora de escolher os nomes. Em uma integração, é preciso manter pessoas preparadas que estejam fortalecidas para os desafios. Os gestores diretos e nós, do RH, fizemos, juntos, a escolha de quem seria demitido.

É possível um desligamento indolor?Acho que não, mas tomamos o máximo possível de cuidado. Demos condições financeiras muito boas e fomos além – havia até médicos disponíveis para uma emergência. Contratamos também um serviço externo de outplacement.

Os gestores que fariam as demissões foram bem preparados. O dia seguinte é tão importante quanto o Dia D, porque você tem de passar confiança e sinais de estabilidade para quem permaneceu, e o fato de tratar bem quem saiu gera esse efeito positivo. E em nenhum momento subestimamos a inteligência das pessoas.

“Confiança se constrói mostrando neutralidade e isenção. Se o percebem como tendencioso para um ou outro lado, acabou-se a confiança. Nossa obrigação, como área de Recursos Humanos, é manter essa neutralidade entre os dois lados – o negócio e os colaboradores – e fazer prevalecer o caminho do meio quando isso for necessário”

Você disse que houve duas levas de desliga mento. Por quê? No primeiro momento, em agosto de 2011, praticamente mantivemos a inteligência dos negócios fixo e móvel como no original, integrando o mínimo possível. Tínhamos consciência da complexidade: quase tudo da integração em telecom depende de sistemas e qualquer equívoco que se faça pode impactar milhões de clientes. Até fizemos contratações, como eu disse, para reforçar os segmentos de negócio que não tínhamos, como PMEs [pequenas e médias empresas] de telefonia fixa fora de São Paulo. Criamos uma estrutura para atender o novo segmento, contratando novos profissionais. O negócio de PMEs teve uma alavancagem grande, tanto em termos de crescimento como de satisfação do cliente e ampliação regional.

Quatro meses após as novas contratações, partimos para a otimização, no primeiro trimestre de 2012, que já era prevista por todos em função das naturais sinergias. Isso representou um desafio adicional para o processo: quando esperavam redução de pessoas, houve contratação, na contramão, e, agora, haveria demissões.

estreamos na 18a posição da lista das cem organizações dos diversos setores.

Somado a isso, somos também uma das melhores empresas para trabalhar pela pesquisa FIA-Revista Você S/A e destaque em RH, pela complexidade do processo de integração.

Os momentos difíceis pesaram muito para você e sua equipe?Esse é um processo que exige muito das pessoas, especialmente do RH, não só em termos de carga de trabalho e dedicação, mas no aspecto emocional. As energias são sugadas. Sentia minha equipe exausta e nem todos tinham maturidade emocional para lidar com isso. Como eu lidei com isso? Tentei levar de forma leve e nos apoiamos uns aos outros nos momentos mais difíceis. É preciso levar as coisas com leveza, minimizando os problemas e acreditando que tudo dará certo no final.

O que foi mais difícil para você? Conduzir a fase de contratações sabendo que depois haveria demissões. Tive de me convencer de que essa etapa do processo era necessária para poder

Tivemos de estabelecer uma comunicação clara sobre os dois movimentos.

Alguns dizem que, nos processos de due diligence das integrações, as pessoas mal são citadas...Minha experiência mostra o contrário. Em todos os due diligences que as empresas onde trabalhei fizeram, o papel do RH nunca foi só passar o valor de folha de pagamento e o número de pessoas, mas explicar a cultura, o clima, as práticas de reconhecimento e a importância de levar tudo isso em conta. Acho que depende da empresa.

Como está o clima organizacional hoje na Telefônica Vivo?Uma pesquisa de clima feita em 2011 registrava um índice de satisfação de 86%, altíssimo em qualquer empresa e em qualquer fase do ciclo de vida. Em uma empresa que está em pleno processo de integração, então, esse é um percentual impensável. Resultado? A Telefônica Vivo foi reconhecida como uma das melhores empresas para trabalhar no Brasil pela pesquisa do Great Place to Work (GPTW) em conjunto com a revista Época. E já

convencer os outros. Precisava dar coerência àquilo, em prol do negócio e das pessoas; elas não podiam ver inconsistência nas decisões da direção. Enfim, foi um momento difícil, mas a gente superou.

Você conseguia relaxar?Até um certo momento, o que me relaxava era fazer pilates. Também passei a estar mais com a família e a viajar mais nos finais de semana. Nem sempre era possível, mas quando acontecia me fazia muito bem; eu esquecia os problemas.

Sandra Lima se orgulha do que fez? Foi uma conquista que impacta qualquer carreira. Você faria tudo outra vez ou mudaria algo?Viver esse processo foi muito gratificante pra mim. Cheguei a ouvir de um alto executivo da operação fixa que ele nunca imaginou conseguir firmar uma relação de confiança com o RH tão rápido – em 15 dias – como estabeleceu com minha equipe. Relações de confiança são algo de que me orgulho. Confiança é fundamental para fazer um processo de integração e para quase tudo nos negócios. E a confiança na área de RH, eu arrisco dizer, é mais essencial ainda.

Como se constrói confiança? Minha receita é mostrar neutralidade e isenção. Se o percebem como tendencioso, para um ou outro lado, acabou-se a confiança. Nossa missão, como área de Recursos Humanos, é manter essa neutralidade entre os dois lados – o negócio e os colaboradores – e fazer prevalecer o caminho do meio quando isso for necessário. ■

Acesse www.pwc.com/gx/en/deals/

doing-deals-in-growth-economies/

index.jhtml?query=delta&live=1 para ver

os vídeos de especialistas da PwC sobre

integração pós-fusão.

Desconstruindo Sandra Lima

Com formação acadêmica em psicologia e especialização em gestão de negócios e de pessoas, Sandra Lima tem 30 anos de carreira em recursos humanos, 25 dos quais em posições gerenciais e de direção de RH, nos setores financeiros e de telecomunicações. No grupo Telefônica Vivo, foi diretora de RH da Telesp Celular, diretora-geral de RH da Vivo e, em 2011, assumiu a diretoria de Recursos Humanos da Telefônica Vivo, respondendo pela integração das operadoras que compuseram a joint venture no que se refere a todas as frentes de RH: apoio ao desenho da nova

estrutura organizacional e à alocação das pessoas nas novas posições, uniformização das políticas, processos e programas de RH, relacionamento com sindicatos, ações de comunicação interna e endomarketing, gestão do orçamento de pessoal, pesquisas de percepção sobre o processo de integração e clima organizacional, entre outras ações.

Indagada sobre o desafio que mais a estimula atualmente, ela diz que são vários, mas destaca a criação de uma identidade cultural Telefônica Vivo que oriente toda a organização para a satisfação dos clientes e dos colaboradores.

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A era dos relatórios integrados

A maioria das empresas ainda se perde no emaranhado de números históricos em vez de traduzir a estratégia na prática e, assim, falha em apresentar uma visão convincente

Mais do que compliance, eles devem tornar-se uma ferramenta de competitividade

Além da comunicação Há tempos os CEOs concordam que as informações disponibilizadas dos relatórios voltados ao público externo estão longe de cumprir seus objetivos; elas não descrevem com fidelidade a real situação das empresas. Trabalhou-se muito na solução desse desalinhamento e o resultado veio: é o “relatório integrado” (integrated report, em inglês).

Esse modelo de relatório para a divulgação de informações corporativas ao mercado é mais moderno e, sobretudo, mais abrangente: ele reúne informações relevantes sobre estratégia, governança, desempenho e perspectivas de uma empresa de modo a refletir os contextos comercial, social e ambiental nos quais ela opera.

Era uma vez uma árvore que estava morrendo sem semear descendentes, pois nunca conseguira dar um fruto sequer. Um dia, pediu a uma anciã que se dirigia à casa do Sol que o consultasse sobre a razão de seu fracasso em reproduzir-se. O sábio Sol respondeu: sempre que uma árvore não pode gerar frutos, há moedas de ouro enterradas em suas raízes.

Há muito se sabe que apenas bens materiais não garantem toda a prosperidade que se deseja, isto é, somente a riqueza gerada não torna um negócio bem-sucedido, principalmente no longo prazo.

Não à toa, cresce o número de investidores e outros stakeholders que buscam ir além dos indicadores financeiros na hora de avaliar uma empresa. Ao lado de um retrato de curto prazo, eles querem entender as decisões que definirão seus frutos futuros.

Esse olhar mais amplo vem-se firmando especialmente depois que eclodiu a crise econômica internacional; é o atual e complexo contexto do mercado, com setores em baixo crescimento, riscos sistêmicos e uma série de mudanças comportamentais, que contribuem para que prevaleça. Assim, despertam cada vez mais o interesse dos analistas as informações referentes às questões estratégicas de uma empresa, como a capacidade de inovação, a mentalidade que molda a gestão do capital humano e a engenhosidade na utilização dos ativos intangíveis – marca, patentes e know-how. Há um novo foco em aspectos que trazem exposição positiva e credibilidade a um negócio.

Para a empresa analisada, isso representa, em primeiro lugar, um desafio de comunicação. Ela deve passar a transmitir tanto informações de curto prazo como decisões de longo prazo. No entanto, mesmo as corporações bem estruturadas, que desenvolvem há anos relatórios sociais, de sustentabilidade e de equity de marca, mostram dificuldade em fazê-lo. A maioria se perde no emaranhado de números históricos em vez de traduzir a estratégia na prática, falhando em apresentar uma visão convincente. O que fazer a respeito?

O relatório é novo, mas já foi implementado com sucesso em alguns países pioneiros, com destaque para Inglaterra e África do Sul. Na prática, vem sendo considerado, além de uma eficaz ferramenta de comunicação, uma ferramenta valiosa para o próprio negócio: com ele, uma empresa evidencia seu posicionamento estratégico, pode embasar a captação de crédito, diferenciar-se na atração de talentos e, principalmente, consolidar sua imagem e sua reputação no mercado.

Já se registram práticas exemplares a seguir nesse modelo de relatório, porém também foi criada, em 2010, uma entidade com o objetivo de estabelecer padrões internacionais para fazer isso: o International Integrated Reporting Committee (IIRC).

Jorge Manoel

Sócio da PwC Brasil e líder de auditoria

PrincípiosComo uma empresa pode implementar seu relatório integrado? Nas próximas páginas, oferecemos um modelo PwC, baseado em vasta experiência com investidores e empresas, mas, de qualquer modo, os gestores precisam partir de alguns princípios. O primeiro deles é que as informações ali contidas devem ser rigorosamente as mesmas apresentadas nos informes à diretoria e ao conselho de administração. Alinhamento e transparência não mais podem ser um slogan para o público nesse caso; são itens obrigatórios em relatórios integrados, que materializam uma busca constante, e sincera, pela reputação.

O segundo princípio diz respeito ao objetivo do relatório integrado. Ao lê-lo, um grupo de interesse, seja de investidores, de órgãos de governos ou da comunidade em geral, tem de ser capaz de afirmar: “Conhecemos essa empresa. Sabemos o que está fazendo e aonde quer ir”.

Vai-se revelar algo sigiloso? Não. As informações ali contidas são bem conhecidas; a inovação está na visão de conjunto apresentada.

Por Jorge Manoel e Mauricio Colombari,

sócios da PwC Brasil e especialistas em auditoria

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“Um relatório integrado possibilita à empresa evidenciar seu posicionamento estratégico, embasar melhor a captação de crédito, diferenciar-se na atração de talentos e, principalmente, consolidar sua imagem e sua reputação no mercado”

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A seleção de informações e a integração

Uma habilidade diferenciadora

Em anos de trabalho de pesquisa com investidores e empresas, a PwC selecionou algumas informações que sua empresa precisa ter à disposição para elaborar uma nova e mais sustentável maneira de fazer negócios a partir dos insumos de seus relatórios corporativos

EconomiaMeio ambiente

TecnologiaSociedade

Geopolítica

ConsumoContribuição social

FinanciamentosCriação de riqueza

Valores-chavePerformance

GovernançaObjetivosEstratégiasRemuneraçãoRiscos

Modelo de negócioRecursos financeiros e não financeirosRelacionamentosIndicadores-chave de performance

Recursos e relacionamentosAtuação e perform

ance

Estratégia

Drive

rs ex

ternos

1. Drivers externos• As crises econômicas internacionais

reforçaram a necessidade de as empresas monitorarem os riscos e oportunidades vinculadas a seu negócio.

• Conhecimento de regulamentações e entraves políticos que podem influenciar o mercado local e alterar a performance.

• Entendimento das “megatendências” da sustentabilidade e os impactos sobre seu modelo de negócio.

2. Estratégia• Ter uma estratégia clara de negócio

que direcione o desenvolvimento dos relatórios.

• Estratégias eficazes devem estar alinhadas com as core competencies de sua empresa e com as políticas de remuneração e os riscos assumidos.

• A compreensão da cultura e governança é cada vez mais importante

para determinar como uma estratégia é incorporada à empresa e a seu apetite de risco para perseguir o sucesso estratégico.

3. Recursos e relacionamentos• Para que haja maior colaboração entre

as empresas dentro da cadeia de valor, é fundamental maior compreensão do modelo de negócio.

• O acesso ao capital natural em um

mundo com recursos naturais limitados terá profundas implicações na definição de novos modelos de negócio.

• É crucial que se conheça a importância relativa dos recursos (financeiros, humanos e de capital natural) e dos relacionamentos (clientes, funcionários, fornecedores etc.), e como eles estão sendo geridos e protegidos em sua empresa.

• Essa informação deve ir além das declarações qualitativas; deve construir

um conjunto claro de dados, financeiros e não financeiros, que vão ajudar na gestão e controle do progresso.

4. Atuação e performance• As informações de responsabilidade

social precisam ser somadas aos dados de desempenho financeiro, criando um quadro completo e holístico de seu negócio.

• Expectativas de mudanças na sociedade vão exigir uma avaliação mais equilibrada da contribuição das empresas. Consumo de recursos, criação e distribuição de riqueza devem fornecer uma visão real de sustentabilidade, em longo prazo, de seu negócio. ■

Acesse www.pwc.com/gx/en/corporate-

reporting/integrated-reporting/index.jhtml

para conhecer a publicação da PwC referente

ao tema deste artigo.

“Não há dúvida: os relatórios de performance corporativa vão depender cada vez menos dos números financeiros e cada vez mais da execução da estratégia”

Pela nossa experiência, descobrimos que a habilidade das empresas em utilizar informações integradas é o caminho para diferenciá-las das demais e evidenciar quem está no caminho certo, no sentido de estar sendo bem gerida e com estratégias de longo prazo sustentáveis.

Para tanto, não basta a empresa reunir um volume enorme de informações internas e incluí-las nos relatórios integrados. Entendemos que é necessário engajar as

pessoas-chave nesse processo e garantir uma compreensão top-down na definição das informações.

Muitos conhecem as informações necessárias para análise do negócio, como já foi dito. O desafio da empresa não é esse; o desafio está em adaptar-se à profunda transformação do contexto social e ambiental no qual opera e se reportar adequadamente a seus pares, a seus clientes e à sociedade. Isso exigirá um passo além em seu modelo de gestão

Novas influências, novos desafios de informações

Macroin-fluências

Estratégia e modelo

de negócio

Relatóriosintegrados

• econômica

• ambiental

• demográfica

• social

• tecnológica

• regulatória

e avaliação, o que pode testar, inclusive, as empresas mais avançadas.

O objetivo da empresa deve ser apresentar um kit de informações integradas que seja flexível o suficiente para acompanhar as mudanças inerentes ao negócio, ao mesmo tempo que traga insights significativos para a estratégia e operação e atenda às demandas de um grupo amplo de stakeholders, tanto internos como externos.

Outputs

• Aprimorar os insights de mercado

• Definir a estratégia de longo prazo

• Apresentar a governança corporativa

• Determinar como o modelo de

negócio opera

• Repensar os indicadores e formas

de apresentação

Mauricio Colombari

Sócio da PwC Brasil e

especialista em auditoria

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Retrato do setorquando maduroOs players da saúde privada brasileira vivem um processo de amadurecimento gerencial inédito: consolidação, verticalização, choque de gestão e investimentos são os movimentos que comprovam o fenômeno

Com 22 anos de atuação no mercado de Belo Horizonte, o Hospital Mater Dei tem muito a celebrar. Em 2014, inaugurará uma segunda unidade, com 65 mil m2 de área construída, o que acrescentará 320 leitos aos 309 da capacidade já instalada. O novo Mater Dei Contorno estará habilitado a atender a emergências, fazer cirurgias de alta complexidade e realizar os tratamentos mais diversos, de doenças oncológicas a crônicas, passando pelas degenerativas. E vem resolver um problema grave e recorrente: em várias situações, a procura tem superado a oferta de leitos existente na instituição. Assim, o investimento de mais de R$ 250 milhões na expansão pode gerar retorno até mais rapidamente do que se espera.

Henrique Salvador, presidente do Hospital Mater Dei e ex-presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), que reúne 45 hospitais de referência, mostra-se bastante otimista e garante que esse é apenas um dos muitos exemplos

do fortalecimento gerencial e da consequente recuperação financeira vividos pelo setor.

A crise vinha sendo cada vez mais sentida pelos usuários, seja nas longas filas dos prontos-socorros, seja na dificuldade de conseguir vagas em unidades de terapia intensiva, embora só tenha ganhado as manchetes de jornais de 2011 para cá. O número de leitos cresceu 50% em cinco anos, porém foi insuficiente: a demanda ampliou-se além disso e a taxa de ocupação está no limite do aceitável – entre 80% e 90%. O fato é que tanto a estabilidade da economia (que fez subir os empregos com carteira assinada e a concessão de benefícios) como a ascensão econômica da classe C aqueceram a procura por planos de saúde privados e pegaram a indústria desprevenida, pouco preparada gerencialmente para enfrentar o fenômeno.

Superados os sustos, essa situação pode ficar no passado. Embora a sociedade ainda não os esteja percebendo, movimentos articulados – principalmente os de consolidação, verticalização, parcerias, choque de gestão e investimentos – vêm redesenhando o cenário e, no médio prazo, os resultados tendem a ser notados pelos consumidores.

Os players da saúde privada estão amadurecendo como gestores e, se realmente levarem a cabo seus planos, as empresas do setor encontrarão oportunidades de negócios imensas para aproveitar. Em junho de 2012, o mercado de saúde suplementar brasileiro atingiu a marca de 48,6 milhões de beneficiários, mais de 25% da população do país. No mínimo, outros 25% são potenciais clientes.

Uma crise ou um gap?

Para o médico Carlos Suslik, diretor da PwC Brasil e especialista em consultoria em gestão no setor de saúde, não há a crise do setor de saúde privada tão alardeada pela grande imprensa. A concentração e a profissionalização que se veem hoje no mercado de saúde são movimentos de mercados em evolução, não em crise, seja qual for o setor de atividade. “Não existe crise; o que aconteceu com o mercado de saúde foi um gap.” Como ele explica, a diferença é significativa: enquanto a crise remete ao longo prazo e tem raízes mais profundas, o gap reflete uma dificuldade momentânea, explicada por circunstâncias específicas.

Essas circunstâncias remontam a 2002 e 2003, quando, em face do não crescimento do mercado, seus players decidiram frear investimentos. Ocorre que, em 2004, houve o boom mundial das commodities provocado pela elevada demanda chinesa, o PIB brasileiro passou a crescer e o setor de saúde retomou os investimentos em expansão de capacidade. O que se sente agora é o reflexo do intervalo entre a decisão de não investir e a de voltar a investir.

Para eliminar o gap, não há mágica, diz o consultor. “Ou o país para de crescer e a demanda cai, ou o setor investe em construir a infraestrutura necessária, o que requer paciência. Esperamos que prevaleça a segunda opção.”

População com plano de saúde

Total Capitais InteriorRegião metropolitana

de capitais

25,0%

Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

44,0% 37,9% 19,0%

10,8% 26,9% 23,2% 4,9%

17,4% 27,3% 23,2% 11,5%

Sul

Brasil

Norte

Centro-Oeste

Nordeste

Sudeste

11,5% 31,5% 25,5% 6,0%

38,3% 58,8% 48,2% 31,3%

23,9% 51,1% 33,9% 19,9%

Carlos Suslik

Diretor da PwC Brasil e especialista em saúde

Cada vez mais players setoriais se organizam

em torno da medicina baseada em evidências

Isto

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Indicadores de desempenho e qualidade assistencial – 2007 a 2011

ConcentraçãoMais de 1.600 operadoras possuem registro ativo na ANS, mas o movimento de novos registros é decrescente de 2001 para cá, o que evidencia a concentração. Essa é uma tendência mundial, como explica Marcio Serôa de Araujo Coriolano, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa as operadoras de assistência médica. Tradicionalmente, no mundo todo, o setor de seguros é concentrado por haver necessidade de uma larga escala de negócios para cobrir o elevado potencial de riscos, a alta frequência de ocorrências e custos médios vultosos. Não à toa, alguns especialistas preveem até que a tendência de consolidação se acentue e que, no futuro, a atividade não conte com mais de 1.000 empresas atuantes no Brasil.

A concentração tende até a aumentar, como explica Coriolano, a fim de lidar com os fenômenos de maior longevidade da população e da transição epidemiológica (o processo de mudança na incidência ou prevalência de doenças e de causas de morte). Isso requer empresas bem capitalizadas e com reservas técnicas adequadas, para que não quebrem, prejudicando os clientes. Não significa, contudo, que um oligopólio substituirá a desejável livre concorrência; vários competidores de peso conseguirão se manter. Há quem enxergue nessa consolidação até um paradoxal aumento

A Amil Assistência Médica Internacional, maior operadora de saúde do Brasil em número de beneficiários, notabilizou-se por realizar 18 aquisições em uma década – incluindo a compra da principal concorrente, a Medial. A empresa, cujo controle acaba de ser adquirido pela norte-americana UnitedHealth em uma negociação que aqueceu ainda mais esse mercado, afirma que o crescimento orgânico é sua prioridade atual, mas não descarta novas aquisições. “Nosso foco é o crescimento orgânico com rentabilidade. Quanto a mais aquisições, se encontrarmos uma oportunidade interessante, vamos avaliar”, diz Erwin Kleuser, diretor corporativo e de relações com investidores da Amil.

VerticalizaçãoAtualmente, as atenções da Amil estão voltadas para a construção de dois hospitais: o Hospital das Américas, no Rio de Janeiro, com 500 leitos e tecnologia de ponta, que inclui a cirurgia robótica, e o TotalCor, em São Paulo, com 200 leitos, que juntos estão demandando investimentos de cerca de R$ 550 milhões. Esse é um excelente exemplo da verticalização em curso no setor.

da concorrência, antes muito diluída e indireta. De qualquer modo, não deve haver aumento significativo da fatia de mercado detida hoje por cada competidor, que não ultrapassa 8% do total de beneficiários, de acordo com Coriolano.

O atual movimento de concentração do setor não abarca só as operadoras – seguradoras ou empresas de medicina de grupo –, mas também corretoras de planos de saúde, serviços hospitalares e de diagnósticos, indústria farmacêutica e clínicas médicas.

O que ocorre nas clínicas é ilustrado pelo Centro Paulista de Oncologia (CPO), com três unidades próprias e responsável pela gestão de serviços em hospitais privados. Com certa liberdade poética, pode-se dizer que ele pratica uma “concentração orgânica”, incorporando cada vez mais médicos associados que antes atuavam em consultórios independentes.

Dados operacionais e assistenciais 2007 2009 2010 20112008

76,0% 76,6% 76,8% 78,7% 78,5%

4,3 4,2 4,2 4,4 4,5

– – – 83,6% 79,9%

5,3 5,5 5,5 5,4 5,3

– – – 78,1% 65,9%

Taxa de ocupação

Taxa de ocupação operacional – UTI adulto

Taxa de ocupação operacional – UTI neonatal

Taxa de ocupação operacional – Semi-intensiva

Média de permanência em dias

Índice de giro

– – – – 82,4%

Especialistas preveem que a tendência de concentração se acentue e que o Brasil não tenha mais de 1.000 operadoras atuantes no futuro, ante as 1.600 de hoje

Fonte: Observatório ANAHP – edição 4/2012.

A Amil não está só. Várias operadoras têm preferido incorporar os serviços hospitalares para aumentar o controle de custos, principalmente quando não é possível desenvolver uma relação de transparência e confiabilidade com um hospital. O maior custo para as operadoras são os gastos hospitalares: as receitas dos 45 hospitais associados à ANAHP, por exemplo, correspondem a cerca de 14% das despesas assistenciais das operadoras de planos privados de saúde do país, que em 2011 corresponderam a quase R$ 67 bilhões, conforme o Caderno de Informações de Saúde Suplementar, da ANS.

Embora as operadoras ganhem com a redução de custos de sinistralidade ao verticalizar seus negócios, ficam sujeitas a outros riscos ao assumir a administração de hospitais, cujas complexidade de gestão e demanda de investimento são enormes.

Controlar os custos inerentes à verticalização pressupõe, ainda, um compromisso ético redobrado da operadora, pois o risco de conflito de interesses para ela é permanente: a cada decisão técnica contrapõem-se, de um lado, a qualidade assistencial oferecida ao paciente e, de outro, o custo de executá-la (que, se reduzido, vai converter-se em maior lucro para o acionista). Esse é um trade-off que, pendendo para a redução de custos, pode ser interessante para o negócio no curto prazo, mas pernicioso no longo.

A Amil, por exemplo, acredita que esse paradoxo não se confirma quando o gestor leva em conta um intervalo de tempo maior. Como afirmou recentemente a uma revista seu acionista majoritário e presidente do conselho de administração, Edson de Godoy Bueno, “é a medicina de alta qualidade que gera os melhores resultados financeiros”, o que se ilustra, entre outros, com o fato de que reduzir infecção hospitalar reduz custos.

A verticalização não se justifica só pela eficiência de custos; ela também prova ser uma importante estratégia de proteção de mercado e de manutenção do atendimento ao público, uma vez que a “guerra” que se via até recentemente entre planos de saúde, clínicas e hospitais levou a uma deterioração inegável das redes assistenciais terceirizadas pelos planos nas diversas regiões do país.

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Choque de gestãoO chamado “choque de gestão” que vem sendo registrado na saúde suplementar se revela em duas tendências: as parcerias e a profissionalização administrativa. Por exemplo, a FenaSaúde destaca que, em paralelo à verticalização, há grandes seguradoras ampliando a atuação conjunta com os hospitais privados independentes, o que é outro indicativo de amadurecimento gerencial. Seguradoras e hospitais enxergam as parcerias como uma oportunidade de se fortalecer diante dos sistemas verticalizados.

E quanto à profissionalização? É Leandro Fonseca, diretor-adjunto de Normas e Habilitação de Operadoras da ANS, que explica o fenômeno. Segundo ele, com a consolidação, a verticalização e as parcerias em curso, a ANS começou a avaliar todos os elos da cadeia de valor setorial e a exigir não apenas a qualidade do atendimento dos usuários, mas também o cumprimento das boas práticas de mercado no que tange a remuneração, ambiente de trabalho e governança corporativa. Isso está fazendo com que o mercado de saúde busque profissionais de gestão de outros segmentos. Exemplos bem conhecidos disso são o executivo Luiz Koiti, com experiência em empresas de siderurgia e TI, contratado pelo Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e Irlau Machado Filho, ex-executivo do banco Santander, que lidera mudanças no Hospital A.C. Camargo, de São

“Não podemos esquecer que estamos tratando de vidas. Na saúde, o processo é padronizado, mas a entrega é customizada de acordo com o paciente” Henrique Salvador, ANAHP e Hospital Mater Dei

Fonte: SINHA/ANAHP 2011.

Ano Receita total

(em R$ mil)

Nº de hospitais

2006 4.923.800 33

2007 5.195.410 33

2008 5.979.304 34

2009 6.473.692 32

2010 7.826.826 31

2011 9.435.777 30

Paulo. “Está surgindo uma geração mais capacitada e diversificada de profissionais”, afirma Salvador. E não se trata apenas de contratar executivos no mercado, mas também de formá-los.

O “choque de gestão” pelo qual os hospitais estão passando inclui ainda a criação de métricas e de processos para que a gestão seja feita por meio de dados em escala, não mais caso a caso. Muitos, como o próprio Mater Dei, fazem acreditações que avaliam a implantação e a padronização de procedimentos. Para o especialista médico Carlos Suslik, da PwC, o aspecto artesanal da área de saúde está sendo subvertido, no bom sentido. Cada caso continua sendo um caso, porém, observando cem casos aleatórios aqui e outros cem ali, encontra-se um desenvolvimento médio padrão, que se torna uma métrica válida para processos de tratamento similares. “A medicina não trabalhava com processos, apenas com casos isolados, mas hoje estamos caminhando para uma medicina baseada em evidências, diferente dessa medicina baseada em vivências”, esclarece Suslik.

Isso vem acontecendo no mundo inteiro, mas no Brasil ganhou impulso mais recentemente. “Pegue como exemplo o tratamento de diabetes: há trabalhos científicos que cruzam a faixa etária do paciente e seu perfil genético e, desse modo, já projetam como a doença evoluirá e quais serão os remédios mais indicados. Nisso consiste a medicina baseada em evidências”, afirma Suslik. Segundo ele, é só a partir de evidências que se consegue trabalhar com processos, que, por sua vez, viabilizam a mensuração de desempenho e também o gerenciamento com eficiência. Assim, com processos, mensurações e gerenciamento, o setor de saúde amadurece.

InvestimentosTodos concordam: os investimentos da rede privada foram retomados nos últimos anos. De 2007 a 2011, apenas entre os hospitais associados à ANAHP, houve um crescimento de 79,7% na oferta de leitos, que passaram de 5.047 para 9.071. Desses, 1.312 são de UTI adulto e 322, de UTI neonatal, que requerem um investimento mais elevado.

Isso pode ser percebido também na comparação das taxas de procedimentos de alta complexidade com a rede pública: somente entre as operadoras afiliadas à FenaSaúde, por exemplo, a taxa de exames de ressonância nuclear magnética por 1.000 habitantes, em 2011, foi de 108,4, enquanto no SUS ficou em 4,2.

Mais expressivo, contudo, é o fato de que o dinheiro não vem apenas de reinvestimento de lucros ou de financiamentos, mas de interesse crescente despertado em investidores, geralmente oriundos de fundos mútuos de investimento.

E agora?O amadurecimento gerencial parece nítido e é ele, sem dúvida, que preparará o terreno para a saúde suplementar poder crescer no Brasil, atendendo a uma demanda que já cresceu e fazendo-o com qualidade. Parafraseando um título do escritor James Joyce, Retrato do Artista Quando Jovem, estamos vendo ser elaborado, no caso da saúde, o “retrato do setor quando maduro”. ■

Acesse www.pwc.com.br/pt/publicacoes/

setores-atividade/saude.jhtml para conhecer as

publicações da PwC sobre o setor.

Henrique Salvador

Presidente do Hospital Mater Dei e

ex-presidente da ANAHP

O paradigma da integração

Nesta nova fase de amadurecimento de mercado, todos os agentes envolvidos estão tendo de repensar urgentemente as formas de integrar atividades sem comprometer a rentabilidade das respectivas operações. Quem ainda não começou a fazê-lo iniciará em breve.

Desarmar espíritos e construir, de modo colaborativo, modelos operacionais sinérgicos é essencial para que o crescimento seja viável daqui para a frente. Em outras palavras, não há mais espaço para a rivalidade, a desconfiança e os boicotes entre os players.

A boa notícia é que a nova geração de profissionais da saúde parece ser mais aberta ao outro e começa a incorporar esses conceitos em suas relações, como diz Henrique Salvador, presidente do Hospital Mater Dei.

Div

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ação

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Internalização das externalidades

Conheça o que pode ser uma economia sustentável para o Brasil em 2050 e entenda o papel das empresas nesse processo, suas oportunidades e riscos

Carlos Rossin

Diretor da PwC Brasil e

especialista em sustentabilidade

número crescente de empresas que, preocupadas com o assunto, investem em relatórios de sustentabilidade sinaliza prontidão suficiente para mudar.

A afirmação parece um tanto drástica, uma vez que em alguns modelos de relatório, como o Global Reporting Initiative (GRI), os indicadores visam contabilizar os impactos, positivos e negativos, gerados pelas operações das empresas. Só que, apesar dos dignos esforços, a realidade é que ainda pouco se valoram as relações corporativas com o meio em que atuam. Há um impasse. Falta a visão sistêmica.

Hoje, porém, o mercado tem se mostrado mais otimista do que pessimista nessa matéria. O motivo? Um novo modelo de relatório corporativo, o relatório integrado (veja o artigo na página 30), deve ser um ponto de ruptura a favor da visão sistêmica. Ele é uma representação do desempenho da empresa em ambos os aspectos, financeiros e não financeiros, e, assim, contabiliza os impactos ambientais do negócio – “internaliza as externalidades”. Dois desafios precisarão ser superados, contudo, para que isso se concretize: (1) identificar e mapear todas as relações do processo produtivo, considerando o ciclo de vida do produto e os ecossistemas com os quais este interage, e (2) conseguir contabilizar todas as questões intangíveis que afetam as empresas – além dos impactos ambientais, há o capital intelectual, a marca etc.

É preciso levar em conta, ainda, que muitas das iniciativas em prol da sustentabilidade oferecem um ciclo de retorno de longo prazo, o que dificulta ainda mais sua valoração. O conceito “longo prazo”, essencial à visão sistêmica, não é fácil para o universo corporativo. De acordo com Ernst Ligteringen, do GRI, “as empresas continuam com dificuldade de visualizar o longo prazo, não apenas nas questões socioambientais, mas também para os próprios aspectos operacionais do negócio”. No entanto, lembrando a lógica dos subsistemas interdependentes, a floresta garante os recursos hídricos no longo prazo e é no longo prazo que deve haver reconhecimento e retribuição dos usuários da água.

Uma dúvida: será que tudo tem de ser mesmo traduzido em termos monetários? Afinal, esse é um exercício extremamente complicado. Porém cada vez mais especialistas afirmam que seria essa a única maneira de equacionar a complexa conta do equilíbrio da sustentabilidade.

Se houver um desastre ambiental, o PIB do Brasil avançará ou recuará? O Produto Interno Bruto, um dos principais indicadores de crescimento de um país, deveria baixar, mas o fato é que ele sobe, porque o socorro aos danos gera uma série de atividades econômicas interpretadas como positivas. O mesmo vale para indústrias poluentes, que, normalmente, têm boa influência sobre o PIB.

Tamanha distorção não pode ser atribuída apenas à metodologia utilizada no cálculo do PIB, no entanto; para a PwC, ela é um reflexo do paradigma maior da visão cartesiana, que dificulta a transformação das relações entre a economia, a sociedade e o meio ambiente em prol da sustentabilidade. Seria preciso substituí-lo pelo paradigma da visão sistêmica, cujo princípio máximo é o de que vivemos em um grande

Uma visão para o Brasil de amanhãAlgo que deve entrar em qualquer conta é o fato de que ecossistemas não são substituíveis; ao contrário, são finitos e indivisíveis. Assim, metas e intervenções governamentais se mostram indispensáveis na determinação dos limites de exploração que garantem a regeneração desses sistemas.

Foi disso que tratou, entre 13 e 22 de junho de 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro, que ficou conhecida como “Rio+20”. O evento foi considerado o maior encontro entre chefes de Estado e delegações já promovido pela ONU para divulgar temas ligados à sustentabilidade – estiveram presentes representantes de nada menos do que 180 países e de todos os principais organismos internacionais.

A PwC participou ativamente da Conferência, realizando dois dos eventos da agenda e marcando presença em vários encontros da ONU. E, embora a mídia tenha conferido um tom desesperançado à cobertura da Rio+20, foi de extrema relevância a redação da Visão Brasil 2050, publicação do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) que sintetizou os desafios e as oportunidades para o Brasil rumo a uma economia sustentável (a íntegra do documento pode ser conferida na web em www.cebds.org.br/media/uploads/pdf/visao_brasil_2050_-_vfinal.pdf).

O documento foi além da mera tropicalização da publicação global Vision 2050, lançada em 2010. “Os principais desafios do Brasil em relação à degradação ambiental ficaram bem mais claros ao serem divididos em nove áreas, por exemplo, que foram as identificadas como as mais relevantes para nossa realidade”, explica Carlos Rossin, diretor da PwC Brasil e especialista em sustentabilidade. As áreas são: valores e comportamento; desenvolvimento humano; economia; biodiversidade e florestas; agricultura e pecuária; energia e eletricidade; edificações e ambiente construído; mobilidade; e materiais e resíduos (veja quadro na página 42).

O intérprete atento verá emergir, nas nove áreas, inúmeras oportunidades de inovação, em tecnologia e em gestão, para as corporações brasileiras, assim como formas inovadoras de fazer negócios e de planejamento estratégico para a sustentabilidade. Entre elas, merecem destaque as geradas pela valorização – e pela valoração – da biodiversidade, bem como o investimento em negócios inclusivos e na produção de energia limpa, sempre considerando a eficiência dos processos. O Brasil responde pela conservação de um dos biomas de maior importância para o equilíbrio ecossistêmico mundial, a Amazônia, e o fato de a economia crescer consistentemente permite que sejam criados outros modelos de negócio inclusivos.

O custo real do produto

A tarefa de trazer a sustentabilidade para a gestão de negócios tem uma premissa lógica, segundo Carlos Rossin, diretor da PwC Brasil e especialista em sustentabilidade: deve-se chegar ao custo real de um produto ou serviço. Para isso, é preciso valorar os impactos socioambientais das operações que os envolvem e incorporá-los aos números financeiros da empresa.

“Esse é o processo que denominamos ‘internalização das externalidades’ – um momento em que sustentabilidade e contabilidade se cruzam”, explica Rossin.

sistema composto de subsistemas e estes têm relações entre si – um servindo ao outro – e obedecem a ciclos naturais. Por exemplo, o subsistema “florestas” ajuda a preservar o subsistema “recursos hídricos” (a mata protege o solo para que absorva as chuvas e regenere as bacias hidrográficas).

Com a visão cartesiana predominante, esse serviço é prestado, mas não contabilizado, pelo subsistema dos usuários da água, que, assim, não lhe dão retribuição. Recorrendo à metáfora do futebol, pode-se dizer que a visão sistêmica estaria perdendo de goleada para o cartesianismo. Embora cada vez mais pessoas admitam ser impossível manter as riquezas naturais do planeta com a maneira como produzimos e consumimos atualmente, quase ninguém concorda que tem de mudar seu jeito de fazer as coisas. Nem o

Co

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• Abertura e esforço de todos os setores organizacionais para inovar e liderar o processo.

• Superação da dificuldade de analisar positivamente a relação entre desempenho econômico empresarial e responsabilidade socioambiental.

• Inserção de novas lideranças no processo, formadas já na nova lógica da sustentabilidade.

As disparidades do BrasilSem dúvida, o Brasil vive uma fase de crescimento econômico e de aumento do poder de consumo, porém, ao mesmo tempo, não se pode ignorar que o enorme e diversificado território brasileiro contém muitas disparidades socioeconômicas e ambientais a enfrentar. A PwC sabe que, se as decisões de gestão das próximas décadas não as levarem em consideração, as consequências para o desenvolvimento do país tendem a ser nefastas. “O colapso dos recursos naturais poderá conduzir ao próprio colapso da sociedade, a exemplo do que já aconteceu em outros momentos da história”, alerta Rossin. Não parece haver escolha: aproveitando a Visão 2050, o Brasil tem de acertar o passo rumo ao desenvolvimento sustentável e fazer disso um caminho sem volta.

E o ponto de partida está em redefinir o que é riqueza e o que é crescimento econômico: pelas contas atuais, os alimentos correspondem a 3% do PIB mundial anual e a água, a menos de 1%. Dois dos recursos mais essenciais à sobrevivência da humanidade constituem, somados, menos de 4% da renda do planeta. Até uma criança sabe que esse valor está subestimado, não?

Ao morrer, em 1650, aos 54 anos de idade, o filósofo francês René Descartes não podia prever que seu modo de pensar se converteria em um paradigma que, apesar de seus muitos méritos, ameaçaria comprometer o futuro da humanidade. Senão, em sua incessante jornada de busca pela verdade, certamente ele tentaria fazer algo para modificá-lo. ■

Acesse www.cebds.org.br/media/uploads/pdf/visao_

brasil_2050_-_vfinal.pdf para ler na íntegra a publicação

Visão Brasil 2050.

Acesse www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/

consultoria-negocios/pwc-sustainability-valuation.

jhtml para conhecer a publicação da PwC sobre avaliação

da sustentabilidade nas empresas.

Os nove desafios do Brasil para alcançar a Visão 2050

Até

2020

• Fortalecimento da cultura

tradicional e uso sustentável

da biodiversidade

• Valorização dos

ativos ambientais

• Disseminação do

conhecimento sobre

ecossistemas

• Preservação dos

diferentes biomas

• Investimento em

transferência tecnológica

para smart grids

• Diversificação de

fontes de energia limpas

• Abertura da rede

elétrica para compra

de energia de matriz

energética limpa

• Políticas públicas para

incentivo a novas fontes

de energia renovável

• Regulamentação para

smart grids e projetos

de eficiência energética

• Conscientização sobre

o consumo de energia

• Sistema de informação

nacional único para o

transporte urbano

• Órgãos metropolitanos

de planejamento único

• Rede integrada nacional

de multimodais

• Foco no planejamento

urbano para melhor

qualidade de vida

• Investimento em

transportes coletivos

e na integração

• Subsídio para

tecnologias de baixo

carbono e taxação

de externalidades

• Incentivo a inovações

em ecodesign

• Comunicação mais ética e

transparente entre empresas

e consumidores

• Ampliação de pesquisas

para maior aproveitamento

de materiais

• Implementação da gestão

integrada dos resíduos sólidos

• Consolidação da

análise do ciclo de vida

e da logística reversa

• Investimento na

educação ambiental

• Redução do desperdício

na produção

• Revisão do conceito

de progresso, levando

em consideração

o desenvolvimento

• Precificação de produtos

e serviços pelo valor

real, levando em conta

externalidades

• Modelos de

financiamento verdes

• Investimento em

inovação tecnológica

e logística

• Ajustamento

socioambiental das

cadeias produtivas

• Formação do

empreendedor rural

• Adesão da

agroindústria aos

programas de

desenvolvimento

sustentável

• Valorização de

ecossistemas com

sistemas agroflorestais

• Incentivo à agricultura

familiar e sustentável

• Transformação da

construção civil em uma

cadeia produtiva sustentável

• Consolidação

de certificações e

regulamentação para a

construção sustentável

• Adequação das

edificações para maior

eficiência energética

• Marco regulatório para

a construção sustentável

• Pesquisa de novos

produtos com menos

impacto ambiental

e reciclagem

• Cumprimento dos

objetivos do milênio

• Combate à corrupção

• Diminuição das

desigualdades sociais

• Melhoria das condições

de saúde e da qualidade

de ensino para todas

as faixas etárias

• Transparência na

gestão da empresa

• Qualidade de vida da

população e respeito

às culturas locais

• Conscientização e

educação sobre consumo

• Transformação do sistema

de educação

Valores e

comportamento

Desenvolvimento

humano

Economia Agricultura

e pecuária

Edificações e

ambiente construído

Biodiversidade

e florestas

Energia e

eletricidade

Mobilidade Materiais

e resíduos

Nas nove áreas da Visão Brasil 2050, identificam-se inúmeras oportunidades de inovação tecnológica e de gestão para as corporações brasileiras

Com relação ao setor energético especificamente, já há aqui métodos de produção alternativos consolidados e um enorme potencial para a expansão de fontes renováveis, como as usinas eólicas e a produção de biocombustíveis – duas grandes apostas mundiais nas próximas décadas. “Não é exagero afirmar que a introdução de novas tecnologias para melhoria do controle de consumo e aumento da eficiência nos possibilitará suprir com folga a demanda nacional”, afirma Rossin.

O documento Visão Brasil 2050 conseguiu ainda identificar, por meio da esquematização das nove áreas, riscos e ameaças com os quais o país terá de lidar se quiser vencer esses desafios e, assim, alcançar um grau mais sustentável de desenvolvimento em 2050.

2020

a 2050

• Fomento à educação para

o protagonismo social

• Garantia da preservação

das culturas tradicionais

• Formalização de princípios

de sustentabilidade nas

políticas públicas

• Eliminação da miséria

• Acesso a saneamento

básico e educação

para todos

• Incentivos legais para

o empreendedorismo

• Padrões, diretrizes e

metas pautados em uma

economia sustentável

• Incentivos fiscais

para estimular práticas

sustentáveis

• Investimento em

tecnologias limpas

• Fomento ao modelo

de negócio que incorpore

a biodiversidade

• Ampliação dos corredores

de biodiversidade

• Controle do desmatamento

O papel das empresasPara que a visão se materialize, não há dúvida: tanto o setor público proativo como a sociedade civil exigente devem empenhar-se nisso, seja no combate à corrupção (com a instalação de mecanismos de controle social, transparência e acesso à informação), seja na construção de cidades mais sustentáveis e ecoeficientes que possam reduzir a desigualdade social existente no país (com mecanismos de incentivo ao setor privado para que o faça).

Vale a pena destacar, no entanto, o papel específico do setor produtivo. As empresas contam com uma gama de ferramentas que lhes possibilita estabelecer a relação entre suas atividades e as questões sociais e ambientais, e conseguem ter uma visão orientada ao desenvolvimento de modelos de negócio com menor impacto ambiental e que tragam, ao mesmo tempo, benefícios e longevidade para os negócios.

As empresas precisarão, contudo, estruturar-se para essa nova era. Sua transição para o modelo mais sustentável pode ser facilitada por algumas iniciativas:

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personalidade ceo 4544 ceo personalidade

personalidade

O rei Midas da cultura pop

Autor do polêmico livro A Primavera do Dragão: a Juventude de Glauber Rocha (Objetiva), lançado em 2011, Nelson Motta é sem dúvida uma das figuras mais influentes da cultura pop brasileira. Com carreira plural, quase pós-moderna, ele circula entre as atividades de produtor musical, crítico, jornalista, compositor, escritor, roteirista e palestrante

Nelson Motta é uma espécie de rei Midas da cultura pop brasileira. Em vez de transformar em ouro tudo que toca, como o personagem da lenda grega, ele “faz acontecer” tudo de que se aproxima – o que, traduzido na linguagem gerencial, significa uma capacidade invejável de implementar inovações. Entre as 300 músicas que Motta compôs, há hits absolutos como Dancin’ Days e Como uma Onda. Entre os 14 livros que escreveu, veem-se best-sellers como Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia (Objetiva, 2007). Entre os movimentos culturais de que participou (muitos dos quais protagonizou), encontram-se a Bossa Nova, os festivais de música dos anos 1960, a Tropicália, o rock da década de 1980. Entre os eventos que organizou, o Hollywood Rock. Entre os artistas que lançou, Marisa Monte. Entre os programas de TV que idealizou, Armação Ilimitada (1985) e Chico e Caetano (1986). A lista é longa e ainda está longe de se completar. Quais os segredos de tamanha produtividade?

Escolha Como se administra uma carreira tão plural como a de Nelson Motta? Ele admite sem pudor que há muito tempo fez uma escolha: em vez de mergulhar profundamente em um assunto, prefere navegar superficialmente por vários.“Se fosse obrigado a fazer uma só coisa

a vida inteira, enlouqueceria de tédio. Sou um homem de superfície, o que não é nem bom nem ruim, é apenas uma característica.”

Para Motta, a chave está em se permitir fazer várias coisas ao mesmo tempo e deixar que suas experiências se complementem. As letras de música ajudam na escrita; a faculdade de design, na formulação de projetos; a vivência como crítico musical auxilia na produção de discos; a literatura ajuda na dramaturgia. Ter escrito Armação Ilimitada e O Brado Retumbante ajuda no roteiro para cinema em que trabalha no atual momento. Animar-se com desafios e novidades é uma segunda chave dele.

“Não tenho medo de desafios; fico excitado quando vou trabalhar numa linguagem nova para mim”

CompromissoSão o ouvinte, o leitor, o espectador os clientes de Nelson Motta, não o crítico ou outro tipo de formador de opinião. “Rezo sempre para que meu trabalho possa alegrar, divertir, emocionar e ajudar a esclarecer um pouco as pessoas; é minha ambição máxima. Se conseguir fazer isso, estou feliz. Nada me alegra mais do que ver um estranho, num saguão de aeroporto, lendo um livro meu às gargalhadas. Ou ver alguém chorando de emoção num show como o Tim Maia – Vale Tudo, o Musical.”

As críticas são aceitas por ele, sim, se feitas de forma educada e tranquila. Se forem por conta de erros, Motta diz assumir a responsabilidade sem problemas – e sem se sentir diminuído. Se forem uma questão de

Nelson Motta

Jornalista, compositor, escritor, roteirista,

produtor musical e letrista brasileiro

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“Tenho rigoroso espírito (auto)crítico, não me dou mole nem passo a mão na minha cabeça. Sempre acho que posso melhorar. E melhoro!”Nelson Motta

RelacionamentosNelson Motta tem a vantagem competitiva de saber relacionar-se, como o conector descrito na literatura gerencial e cada vez mais valorizado pelas empresas? O paulistano Motta afirma que foi o ambiente do Rio de Janeiro nos anos 1960 e 1970 que o fez assim, facilitando muito sua abertura para o outro. “Lá tive uma ótima formação na arte da conversa civilizada e inteligente, no exercício da simpatia e da tolerância, no ‘papo furado cheio de humor’, na capacidade de superar diferenças.” Vale acrescentar que Motta conseguiu transferir o know-how carioca para cidades como Nova York, onde morou por nove anos, e Roma, onde ficou por cinco.

Outra explicação? Motta brinca que não se pode subestimar a vantagem competitiva dos “baixinhos simpáticos” como ele. Três características ausentes em sua personalidade também contribuiriam muito para o domínio da arte do relacionamento, segundo ele próprio: “Não sou fofoqueiro nem invejoso – mesmo sendo jornalista, nunca perdi um amigo por causa de uma notícia – e nunca fiz parte de ‘panelinhas’; ao contrário, sempre frequentei todos os caldeirões”.

SorteUma sucessão de decisões felizes marca a vida de Nelson Motta. Como ele a explica? “Sempre estive diante de várias opções e fiz uma escolha. E, com o tempo, todas as minhas escolhas mostraram ser as únicas possíveis.”

Poeticamente, Motta arremata: “Minha sensação é a de que fui sendo conduzido como uma onda no mar, algumas vezes surfando nela, outras levando ‘caldo’. Não sou pessoa de ‘determinação cega’; fui, isto sim, pulando de galho em galho, entrando pelas portas que se abriam, em vez de ficar reclamando das que estavam fechadas. Além disso, sou um homem de fé; rezo, agradeço, peço proteção, humildade, aceitação”. ■

A arte de relacionar-se é um ponto forte de Nelson Motta, que a atribui à “escola” da conversa civilizada carioca, à vantagem competitiva dos “baixinhos simpáticos”, ao fato de não ser invejoso ou fofoqueiro e também à recusa em fazer parte de “panelinhas” – ao contrário, ele sempre frequentou todos os caldeirões

gosto, ele respira fundo e pede a si mesmo paciência. “Para mim não mudará nada.” Nelson Motta garante que, antes de qualquer outro, ele é o crítico implacável de si mesmo. “Conheço meus truques e preguiças, mas não me dou moleza. Sempre acho que posso melhorar.”

Estilo conciliador, gosto pelas diferenças, loucura por aprenderComo se explicam sua participação em diversos momentos criativos da MPB e o fato de ter estado ao lado de várias gerações e estilos musicais? Motta credita a versatilidade a seu jeito curioso, ao temperamento conciliador e tolerante, ao gosto pelas diferenças.

“Amigos, artistas e empresários chamam-me de ‘harmonizer’, por minha capacidade de levar um bom clima a shows e gravações – nunca, nenhuma vez, tive brigas ou bate-bocas com qualquer artista que produzi. Eu me coloco a serviço deles. Nunca deixo de dar minha opinião, uma vez que me pagam para isso, mas acredito em argumentar com inteligência e delicadeza, como você pode conferir com qualquer artista que trabalhou comigo.”

Aos 15 anos de idade, Nelson Motta preferia sair com os pais e os amigos deles. Achava que suas conversas eram muito mais interessantes do que as dos adolescentes de sua turma. “Sempre convivi bem com gente mais velha; gostava de aprender com eles. [O poeta] Vinicius de Moraes, [o dramaturgo] Nelson Rodrigues, [o jornalista] Paulo Francis eram muito mais velhos do que eu e convivíamos numa boa”, conta.

Aos 67 anos, Motta se vê do outro lado da equação: é o veterano que se relaciona com os jovens artistas – e estes o tratam muito bem, com respeito e até com carinho. “Fui muito ajudado pelos mais velhos e, em retribuição, tento sempre ajudar os mais novos que me procuram.”

“Rezo sempre para que meu trabalho possa alegrar, divertir, emocionar e ajudar a esclarecer um pouco as pessoas”

Também foi com os pais que Motta cultivou o gosto pelo futuro e a loucura por aprender – eles constantemente o estimulavam a buscar o novo onde quer que estivesse, nas artes, na política ou no comportamento. Com suas filhas e seus netos, continua aprendendo do mesmo jeito. “Se os pais pudessem fazer os filhos à sua imagem e semelhança, o mundo andaria para trás; são os filhos que transformam os pais e assim empurram o mundo para a frente. Quem me lembra disso sempre é meu pai, que tem 92 anos de idade.”

A música e a Marca Brasil

Se há um estilo artístico associado à Marca Brasil internacionalmente, este é a bossa nova. Alguns temem que esteja em decadência, mas Nelson Motta não acredita nisso. Ao contrário, diz, “a bossa nova já se integrou à paisagem sonora mundial, é história viva, sempre renovando-se, misturando-se com novas linguagens, inspirando outros estilos, identificada com a elegância do cool jazz”. Segundo ele, toda a cultura pop constitui uma commodity, que em breve será servida nas residências em assinaturas como se fosse TV a cabo, com o usuário pagando conforme o consumo, e a bossa nova certamente integrará esse cardápio, pois, além de ter fãs no mundo todo, artistas das mais variadas gerações e nacionalidades se inspiram nela.

A música popular brasileira decaiu? Para Motta, a música como um todo perdeu importância, pois não tem mais a ambição de transcender e fazer cultura. Agora, está em toda parte, banalizada como água corrente e energia elétrica. Outras formas artísticas novas – muitas com música – são mais interessantes.

Nelson Motta, com o poeta e compositor Vinicius de Moraes

e o humorista e produtor musical Luiz Carlos Miele

A invejável coleção de discos de vinil convive

com pilhas de livros tão invejáveis quanto

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Publicações

Inovação na gestão públicaNesse livro são descritos diversos desafios vividos pela administração pública, selecionados pelo Public Sector Research Center da PwC. São relatos precisos de projetos implementados com sucesso nas esferas federal, estadual e municipal, e combinam a visão técnica do consultor com a prática do gestor público. Podem funcionar como fonte de inspiração para todos os gestores, tanto públicos quanto privados.

O Conteúdo Local nos empreendimentos de petróleo e gás natural – Sondagem PwCEssa sondagem revela como os fornecedores de bens e serviços para a indústria naval, de óleo e gás e operadoras de blocos exploratórios estão reagindo aos códigos da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) nos empreendimentos de petróleo e gás natural. O trabalho também buscou mapear as vantagens e desvantagens da legislação, assim como os principais requisitos de uma fiscalização eficaz. A pesquisa completa está disponível no endereço www.pwc.com.br.

Business resilience in an uncertain, resource-constrained world – CDP Global 500 Climate Report 2012 Esse relatório fornece dados relevantes sobre como executivos do mundo inteiro estão gerenciando os riscos ligados às mudanças climáticas, atualiza os números das emissões de gases de efeito estufa e mostra as estratégias utilizadas pelas maiores companhias mundiais em resposta ao fenômeno (incluindo as de capital aberto), entre outras informações. O relatório completo está disponível no endereço www.cdproject.net/en-US/Pages/HomePage.aspx.

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Business resilience in an uncertain, resource-constrained world

CDP Global 500 Climate Change Report 2012

On behalf of 655 investors

with assets of US$ 78 trillion

Global Advisor and Report Writer

www.pwc.com.br

O Conteúdo Local nos empreendimentos de petróleo e gás naturalSondagem PwC

bro de 2012

O processo de obtenção de certidões negativas e os impactos na atividade empresarial brasileiraEm sua terceira edição, a pesquisa apresenta as dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras na obtenção de certidões negativas de débito e o que poderia ser feito para melhorar o processo. A burocracia se confirma como um dos maiores empecilhos, impactando diretamente o crescimento da economia. Os detalhes do levantamento e sugestões de medidas para aperfeiçoar o modelo estão no link www.pwc.com.br.

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