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Vida, luta e martírio do sargento Manoel Raimundo Soares Mário Maestri e Helen Ortiz Fundada há quase 400 anos na boca do Amazonas, a cidade de Belém domina o norte brasileiro. Hoje, sua região metropolitana supera os dois milhões de habitantes, vivendo em condições que lembram as que ensejaram, há mais de 160 anos, a luminar revolta social cabana. Em fins dos anos 1930, Belém mantinha seu perfil colonial, com seus suntuosos casarões e as mangueiras que, ao longo das ruas

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Vida, luta e martírio do sargento Manoel Raimundo Soares

Mário Maestri e Helen Ortiz

Fundada há quase 400 anos na boca do Amazonas, a cidade de Belém domina o norte brasileiro. Hoje, sua região metropolitana supera os dois milhões de habitantes, vivendo em condições que lembram as que ensejaram, há mais de 160 anos, a luminar revolta social cabana. Em fins dos anos 1930, Belém mantinha seu perfil colonial, com seus suntuosos casarões e as mangueiras que, ao longo das ruas centrais, esforçavam-se para amainar o calor equatorial opressivo. Na época, possuiria pouco mais de cem mil moradores, em geral de pele morena, herdada dos antigos senhores dessas regiões.

 

Em 15 de março de 1936, Etelvina Soares dos Santos pariu Manoel Raimundo, possivelmente em sua

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residência humilde. Como tantas outras mulheres paraenses fortes, criou o menino e seus dois irmãos desejando-lhes um futuro melhor como trabalhadores dignos. Manoel Raimundo mostrou-se logo menino muito inteligente e de fibra. Após concluir o primário no Grupo Escolar Paulino de Brito, cursou estudos técnicos no Instituto Lauro Sodré, enquanto trabalhava em oficina mecânica.

 

Em 1953, com apenas 17 anos, Manoel Raimundo abandonou a pacata Belém para morar com conhecidos na capital federal, então grande palco dos fortes confrontos políticos e sociais que dilaceravam o Brasil. Por se envolver neles, mais e mais, com a galhardia dos velhos guerreiros cabanos, o menino de dona Etelvina conheceria a morte, na luta por seus ideais, aos trinta anos, distante de sua terra natal, nas águas geladas do rio-estuário da capital do Brasil meridional.

 

A crise do nacional-desenvolvimentismo

 

Em 1950, três anos antes de Manoel Raimundo chegar ao Rio de Janeiro, o rio-grandense Getúlio Vargas elegera-se presidente da República, com 48,7% dos

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votos, pelo PSD, PTB e PSB, propondo continuar a industrialização nacional autônoma, apoiada no mercado interno. Durante a campanha eleitoral, atacara a "velha democracia liberal e capitalista" e defendera o "industrialismo" e os "direitos trabalhistas". Seu governo seria varado por graves conflitos e contradições.

 

A valorização do cruzeiro e a desvalorização do preço das matérias-primas no mercado internacional deprimiam o valor das exportações, exigindo o controle governamental das remessas de lucros e de dividendos, necessário à compra de tecnologia, de equipamentos, de petróleo etc. Como no Estado Novo, o getulismo expressava, sobretudo, a burguesia industrial e os proprietários agropastoris voltados para o mercado interno, e, agora, secundariamente, o operariado fabril, mantido na subordinação social, política e ideológica.

 

O governo Vargas iniciou-se com orientação nacional-desenvolvimentista moderada, oferecendo abertura aos capitalistas estrangeiros, desde que associados aos nacionais e respeitosos aos "interesses do país". Então, o Brasil tinha 52 milhões de habitantes. As classes industriais, médias e

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operárias haviam se fortalecido grandemente em relação ao Estado Novo, enquanto decrescera o poder dos exportadores, organizados, sobretudo, na UDN, que expressava igualmente o imperialismo e o capital financeiro.

 

Nova relação de forças

 

O novo governo Vargas ampliou a intervenção do Estado na economia que levara, no Estado Novo, à criação da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Hidroelétrica do Vale do São Francisco. Foram fundados os bancos da Amazônia e do Nordeste; o BNDE e a Eletrobrás. Em 1951, ditou-se o monopólio estatal sobre o petróleo e minerais radioativos. Em 1953, a fundação da Petrobrás galvanizou os sentimentos nacionalistas da população e, a seguir, restringiu a hemorragia das contas públicas com as importações do petróleo.

 

A estreiteza do mercado interno e da poupança nacional emperrava o nacional-desenvolvimentismo. O mercado urbano era limitado e o rural, menor. Os salários fabris aproximavam-se ao mínimo necessário à subsistência. O

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prosseguimento do padrão nacional-desenvolvimentista burguês exigia maiores investimentos e maior consumo, através do fim do latifúndio (sem indenização), da generalização das leis trabalhistas, da elevação dos salários, de maior participação estatal na economia etc.

 

Essas medidas democrático-burguesas sequer interessavam aos industrialistas ligados ao governo, pois fortaleceriam o mundo do trabalho e quebrariam o pacto agrário-industrial, que assegurava a manutenção do latifúndio. Em agosto de 1954, o suicídio de Vargas assinalou o fim da capacidade e disposição do capital industrial nacional de garantir ao país desenvolvimento capitalista tendencialmente autônomo. Nesse momento, ele já abandonara maciçamente a política populista, com a qual subordinara os trabalhadores industriais urbanos aos seus interesses.

 

Rápida progressão

 

Em 1955, meses após a comoção nacional causada pelo suicídio de Getúlio Vargas, Manoel Raimundo Soares, com 19 anos, alistou-se no Exército, alcançando o posto de segundo sargento,

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após quatro promoções. Em 20 de setembro do mesmo ano, após namoro de apenas três meses, casou-se com a jovem Elisabeth Chalupp, mineira de origem humilde, criada por família estranha, trabalhando no Rio de Janeiro como operária industrial. Manoel Raimundo gostava de chamar a esposa de Betinha e Beta.

 

Falta-nos ainda informação mais precisa sobre a precoce e destacada participação do jovem sargento paraense nos conflitos vividos pela sociedade e, junto com ela, pelas Forças Armadas, nesses anos em que o país foi fortemente tensionado por iniciativas golpistas conservadoras, com destaque para a tentativa de deposição de Goulart, em 1961. Ensaio golpista derrotado que transformou o jovem governador sulino Leonel Brizola no principal líder popular-nacionalista e grande referência para o movimento dos suboficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica.

 

Desde o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), Manoel Raimundo começara a despontar como militante de vanguarda da luta pela organização sindical e política dos suboficiais do Exército. Araken Vaz Galvão, seu companheiro de farda e de luta, assinala que, por volta de

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1958, ele vivia em Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e servia, como escrevente, no Batalhão Escola de Saúde, em Magalhães Bastos.

 

Nesse então, Manoel Raimundo exercia o que Araken definiu como "liderança suave, relacionada com os problemas" dos sargentos discutidos no Clube da classe, transformando-se, logo, em um dos "principais fundadores" do "Movimento dos Sargentos", assim batizado por ele. Além de outras reivindicações sindicais e democráticas, os suboficiais do Exército mobilizavam-se pelo direito de progressão ao oficialato; pelo direito de casamento civil, sem autorização do Exército; pela estabilidade após cinco anos de serviço; pela elegibilidade ao parlamento dos suboficiais.

 

Por sua cultura, inteligência e decisão, Manoel Raimundo era referência para seus companheiros de farda. O ex-subtenente pára-quedista do Exército Jelsi Rodrigues descreve-o como homem de estatura baixa e corpo franzino, "cabeçudo", de "bigodinho", de pele levemente morena, habitual do paraense, muito culto e sobremaneira corajoso. O ex-sargento Araken Galvão, seu particular amigo, lembra que era um "grande orador" e "neurótico por cultura", tendo

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procurado intelectuais como o sociólogo Vinícius Caldeira Brant, o filósofo Álvaro Vieira Pinto, entre outros, para ampliar os horizontes do movimento dos sargentos. Antes mesmo do golpe, Manoel Raimundo interessava-se pela literatura marxista, lendo e divulgando Marx, Engels, Lênin.

 

Na ante-sala do golpe

 

No mínimo desde 1963, Manoel Raimundo preocupava-se com a necessidade de organizar resistência ao golpe militar, que se aproximava, tendo procurado preparar as condições para resistência, na Serra do Mar, nas proximidades do Rio de Janeiro, possivelmente inspirado na experiência cubana. O que lhe ensejou inquérito no Exército, por desvio de armas e cooptação de sargentos.

 

Devido à manifestação de sargentos do Exército, em 11 de maio de 1963, no Sindicato dos Comerciários, no centro do Rio de Janeiro, Manoel Raimundo sofreu pena disciplinar e foi transferido, do Rio de Janeiro para Campo Grande, no Mato Grosso, o mesmo ocorrendo com seus companheiros, promotores da reunião, do Comando Geral

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dos Sargentos, enviados para o mesmo estado e para outras destinações.

 

Do manifesto de posições muito duras lido quando da manifestação, faria parte frase de autoria de Manoel Raimundo que dizia: "O martelar das oficinas, o ribombar dos tambores confundir-se-ão com o choro das crianças famintas. O instrumento de trabalho dos sargentos é o fuzil". A repressão afastou da capital da República grande parte do núcleo central do Comando Geral dos Sargentos.

 

O golpe de Estado de 1964

 

Em 1964, as burguesias industrial e financeira nacionais romperam com o projeto nacional-desenvolvimentista autônomo, para impor padrão de acumulação de capitais através de maior integração ao capital mundial; super-exploração do trabalho; orientação do consumo aos segmentos ricos nacionais e ao comércio mundial etc. O golpe iniciou em Minas Gerais, em 31 de março, chefiado por militar ex-integralista, com o apoio dos EUA, que preparou intervenção no Brasil, caso houvesse resistência -

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Operação Brother Sam.

 

Em Porto Alegre, Leonel Brizola tentou reviver a Legalidade, apoiado pelo comandante do 3º Exército, pela Brigada, pelos suboficiais do Exército e da Aeronáutica, por populares. Em 2 de abril, já na capital sulina, João Goulart negou-se a chefiar a resistência, permitindo que o golpismo se instalasse praticamente sem oposição. João Goulart viajou para uma sua estância em São Borja e, dali, para o Uruguai. O PCB, única organização de esquerda com força sindical e popular, subordinara a oposição ao golpismo à direção de Goulart e ao esquema militar organizado em torno de altos membros das forças golpistas.

 

Políticos e historiadores defenderam e defendem a negativa de João Goulart de opor-se ao golpe como ato que impediu "derramamento de sangue" no Brasil, tese proposta pelo próprio ex-presidente. A imposição da ditadura sem resistência ensejou a maior derrota histórica que o mundo do trabalho e da democracia jamais viveu no Brasil, com gravíssimas conseqüências para o país, para a América Latina e para o mundo, que se mantêm até hoje.

 

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Golpismo em marcha

 

Após o golpe e o "Ato Institucional" n.º1, de 9 de abril, ao qual seguiriam outros, a alta oficialidade militar interveio nas associações sindicais e profissionais, no legislativo, no executivo e no judiciário; expurgaram, prenderam, torturaram opositores, que abandonaram comumente o país, quando puderam, sobretudo pelo Uruguai, onde se encontravam João Goulart e Leonel Brizola, com as relações políticas e pessoais cortadas.

 

O golpe militar, apoiado pelas classes proprietárias do Brasil, objetivava relançar o padrão de acumulação de capital, a partir de bases distintas das nacional-desenvolvimentistas, que exigiam, como visto, reformas estruturais não aceitas mesmo pelo capital industrial nacional. A ditadura militar expressava também a necessidade dos capitais externos, sobretudo estadunidenses, de intervenção mais direta no país, onde haviam conquistado maiores posições.

 

Sob a direção do general Castelo Branco, expressão do capital financeiro e imperialista, o governo implementou política liberal e

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recessiva, que estendeu a seguir o descontentamento até mesmo a setores que haviam apoiado o golpe, com destaque para as classes médias, ensejando a primeira tentativa de reunificação de oposição anti-ditatorial política superestrutural, a fracassada Frente Ampla, de 1966, promovida sobretudo por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart.

 

A sub-oficialidade nacionalista

 

A frustração ensejada pela derrota sem resistência e o crescente descontentamento popular levaram a que suboficiais nacionalistas de esquerda das forças armadas, em especial do Exército e da Marinha, presos e reformados em grande número, tenham sido o setor social que se disponibilizou prontamente para a luta antiditatorial direta, no contexto prático e político próprio ao mundo castrense, organizando-se em torno de Leonel Brizola, que seguia no Uruguai disposto a lutar pelas forças das armas pelo fim da ditadura.

 

Manoel Raimundo teve a prisão decretada em abril, e foi expulso do Exército em junho de 1964. Para não ser preso e poder integrar-se à luta antiditatorial, apenas

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estourou o golpe, desertou de seu quartel em Campo Grande, junto ao sargento Araken Galvão, também destacado no Mato Grosso. Manoel Raimundo e Araken viajaram para Juiz de Fora e, a seguir, para o Rio de Janeiro, de onde partiram, mais tarde, para o Rio Grande do Sul. Manoel Raimundo teria declarado à polícia que viajou para Porto Alegre em 26 de janeiro de 1965 à procura de emprego, retornando ao Rio de Janeiro em 6 de março. Em 29 de setembro teria voltado ao Sul, sob promessa de trabalho feita pelo suboficial Leony Lopes, que lhe teria igualmente apresentado Edu Rodrigues, civil pretensamente oposicionista, mas nos fatos informante da polícia, como veremos.

 

Mais de 20 sargentos teriam viajado, como Manoel Raimundo, do Rio de Janeiro a Porto Alegre para integrar-se à resistência. Uma transferência mais do que compreensível, pois desde 1964 o Rio Grande do Sul tornara-se a principal via para alcançar ou manter contatos com o Uruguai, então centro anti-ditatorial. Em 1965, haveria mais de 2.000 brasileiros refugiados naquele país. De 1964 a 1966, o ex-governador Leonel Brizola depositou grande esperança na possibilidade de sublevar Porto Alegre e o Rio Grande do Sul apoiado em oficiais e suboficiais constitucionalistas,

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nacionalistas e de esquerda ainda em serviço.

 

A primeira resposta armada à ditadura

 

Foi precisamente do Uruguai, em 20 de março de 1965, que o coronel do Exército Jéferson Cardin de Alencar Osório e o sargento da Brigada Militar Alberi Vieira dos Santos ingressaram no Rio Grande do Sul para organizar coluna de pouco mais de 20 homens. O grupo armado, após tomar a cidade sulina de Três Passos, em 25 de março, dirigiu-se ao oeste do Paraná, onde no dia 27 foi dispersado após combate desigual com as forças da ditadura. No combate morreu um sargento das forças repressivas. O objetivo da coluna do Movimento Nacionalista Revolucionário, ligado a Leonel Brizola, era sublevar militares oposicionistas no Rio Grande do Sul e a seguir no Brasil.

 

Em Porto Alegre, desde começos de 1965, como assinalado, o sargento Manoel Raimundo, companheiros seus do Comando Geral dos Sargentos e outros resistentes locais participaram ativamente da organização de dois levantes de quartéis da Brigada e do Exército da capital. O primeiro contaria

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com "entre 40 e 70 pessoas prontas para fazer a insurreição", "espalhadas por aparelhos em Porto Alegre", e mais outros suboficiais que chegariam do Rio de Janeiro. O plano teria desandado devido à prisão de Araken Vaz Galvão.

 

Em fevereiro-março de 1966, após o fracasso da chamada "Guerrilha de Três Passos", um segundo projeto de levante em Porto Alegre não prosperou, devido à denúncia do plano ao comandante Osvino Ferreira Alves, um dia antes da sua eclosão por capitão da Brigada Militar envolvido no movimento, com a prisão de oficiais, suboficiais, trabalhadores, estudantes etc. O fracasso do segundo levante fortaleceu a proposta da organização da luta antiditatorial através de focos armados rurais, desejada pelos suboficiais do Exército e Marinha, e à qual Leonel Brizola resistia.

 

A queda de Manoel Raimundo

 

Às 17h35 da tarde de 11 de março, Manoel Raimundo foi preso ao entregar entre 500 e 2.000 panfletos, possivelmente por ele escritos, com os dizeres "Abaixo a ditadura militar", contra a chegada naquele dia a Porto

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Alegre do general-ditador Castelo Branco, e a Edu Rodrigues, um civil alcagüete, em frente ao auditório Araújo Viana. Na distribuição dos manifestos estariam envolvidos funcionários da Carris, empresa pública com antiga tradição de luta sindical e política. Conhecido pelo serviço de informação do Exército como uma das principais lideranças do movimento dos sargentos e, possivelmente, por seu envolvimento nos movimentos de resistência em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, Manoel Raimundo era uma presa valiosa para a repressão, já que, se vergado, causaria baixas duríssimas entre seus companheiros de luta e no movimento de resistência à ditadura.

 

A documentação conhecida assinala que, quando da sua prisão, Manoel Raimundo militava em pequeno grupo reunindo, principalmente, remanescentes da "Guerrilha de Três Passos", denominado Movimento Revolucionário 26 de Março (MR-26). A denominação seria uma homenagem ao primeiro combate armado com a ditadura, quando da chamada "Guerrilha de Três Passos". Praticamente toda a escassa informação disponível publicada sobre Manoel Raimundo reafirma essa militância.

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Jelsi Rodrigues, companheiro de Manoel Raimundo no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, lembra que, naquele então, os suboficiais resistentes reconheciam-se como membros do Comando Geral dos Sargentos. Quando muito, Manoel Raimundo se compreenderia como parte do Movimento Nacionalista Revolucionário, organizado pelos suboficiais do Exército e da Marinha, em associação com Leonel Brizola e seguidores. Jelsi Rodrigues sequer tem conhecimento do MR-26. Araken Galvão, com participação destacada na primeira tentativa de levante em Porto Alegre e um dos companheiros mais próximos de Manoel Raimundo, declarou: "Ao que eu saiba, Soares nunca militou no MR-26. Aliás, nem sei que movimento foi esse (...)".

 

Companheiros de farda

 

Manoel Raimundo foi preso no dia 11 de março por dois militares à paisana, da 6ª Companhia da Polícia do Exército, Carlos Otto Bock e Nilton Aguiadas, sem qualquer determinação judiciária, ao arrepio das próprias leis então reconhecidas pela ditadura, devido à denúncia do informante Edu Rodrigues, como visto. A ordem de

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prisão teria partido de Darci Gomes Prange, capitão da referida companhia. Era o início do longo calvário do jovem paraense, nas mãos dos torcionários do Exército e da Polícia Política.

 

Manoel Raimundo foi levado em um táxi DKV verde à sede da Polícia do Exército, onde, sem delongas, sofreu as primeiras sevícias infligidas por ex-colegas de farda, o sargento Pedroso e os tenentes Nunes e Glênio Carvalho de Sousa. A seguir, foi transferido para o mais experiente Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), no Palácio de Polícia na avenida João Pessoa, para ser duramente torturado e espancado, por longos dias, agora pelos delegados Enir Barcelos da Silva, Itamar Fernandes de Souza, José Morsch, entre outros.

 

Na época, especialmente no Rio Grande, a tortura não se transformara ainda em prática institucionalizada, sobretudo nas forças militares. O ódio acumulado por oficiais golpistas e direitistas contra o destacado líder do Comando dos Sargentos e sua importância na resistência antiditatorial talvez expliquem a violência com que foi interrogado. Sem qualquer resultado. Ainda hoje, os companheiros de Manoel Raimundo lembram-se

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emocionados da decisão com que o jovem enfrentou o interrogatório, não raro cantando o Hino Nacional e a Marselhesa, sem jamais se dobrar, não revelando sequer um nome de companheiros e depósitos de armamentos, prontamente transferidos após a sua queda.

 

Depoimentos incontornáveis

 

Possivelmente a improvisação da repressão na época e a importância e galhardia de Manoel Raimundo ao enfrentar seus algozes tenham ensejado a paradoxal exposição pública das duras torturas a que foi submetido, realidade que se procurou manter sob sigilo, mesmo quando do fechamento do regime, após o Ato Institucional n.º 5, em fins de 1968. São precisas, abundantes e concordantes as declarações de outros presos políticos sobre os maus-tratos sofridos pelo jovem paraense na semana em que permaneceu no DOPS.

 

Em depoimento publicado no jornal gaúcho Zero Hora, de 17 de setembro de 1966, Antônio Giudice, detido no DOPS, de 10 a 15 de março de 1966, relatou "que conversou com Manoel Raimundo, vendo "os hematomas e cicatrizes das

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torturas que vinha sofrendo", pois "era diariamente, torturado, colocado várias vezes no pau-de-arara, sofrendo choques elétricos, espancado e queimado por pontas de cigarros". O pau-de-arara é haste de pau ou ferro, para suspender o prisioneiro durante a tortura, com os pés e as mãos amarrados para trás, de cabeça para baixo.

 

Aldo Alves Oliveira, funcionário da Companhia Carris, preso na DOPS desde 10 de março, testemunhou ter conhecido Manoel Raimundo, que "mostrava vários sinais de sevícias". Na ocasião, viu, quando o ex-sargento "estava sentado no corredor" de "acesso à cela", "sem camisa", "as marcas de queimaduras" e sinais de violência. Tão forte fora o espancamento que ele "não podia engolir alimentos sólidos, razão pela qual" Aldo e outros presos forneciam-lhe "alguma porção" do "leite que lhes era enviado por familiares".

 

As noites e os dias

 

Aldo Alves relatou igualmente que, durante o tempo que esteve preso, "percebia que, quase todas as noites, pela madrugada, o ex-sargento Manoel Raimundo Soares era torturado, o que podia ser comprovado pelos gritos da

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vítima e também pelo aspecto físico que apresentava quando era trazido de volta a sua cela e passava defronte a porta em que se encontrava o depoente [...]".

 

Também presa no DOPS em março de 1966, a advogada Élida Costa afirmou que, ao ouvir "gritos, urros de dor e ruídos de coisas que caíam", um "agente policial" lhe explicara que "se tratava de uma festa em [um] outro andar". Ao deparar-se com "uns seis ou oito presos, todos da Carris", quando ia ao banheiro, ela contou-lhes o que passava, "e o risco que todos (eles) corriam".

 

Élida passou a noite temendo "que o mesmo poderia lhe suceder". Temor acrescido quando, de madrugada, "viu, com os próprios olhos, um rapaz que, pelo estado de seu corpo, que estava inclinado para frente, ia sendo carregado por dois homens". Na ocasião, "ouviu dizer" que o preso estava ferido, sangrava e se encontrava em "coma" e que "fora recolhido a uma cela fechada à chave". Mais tarde, o ex-sargento "foi levado", com dificuldades, "pelos presos", até a advogada, que ouviu do mesmo se chamar Soares.

 

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Na ilha do Presídio

 

Por não se dobrar às exigências dos algozes, Manoel Raimundo foi torturado em forma incessante, por mais de uma semana pelos torcionários à procura de informação sobre seus companheiros de luta e de ideal, sendo recolhido apenas em 19 de março de 1966, nove dias após sua prisão, à ilha do Presídio, no rio Guaíba, destinada desde o golpe militar também ao encarceramento de presos políticos. A ilha contaria com guarnição de mais de 30 policiais.

 

A pequenina ilha do Presídio, com uns 150 metros de comprimento por 30 a 80 de largura, destaca-se por suas grandes pedras de granito, a pouco mais de dois quilômetros da costa de Guaíba. Conhecida inicialmente como ilha das Pedras Brancas, fora ponto estratégico de ataque-defesa de Porto Alegre na Guerra dos Farrapos. Passara a ser denominada de ilha da Pólvora, ao receber duas construções para armazenar munição, em 1857. De 1956 a 1973 e de 1980 a 1983 funcionara como presídio, o que lhe assegurou sua última denominação.

 

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A ilha do Presídio, caracterizada pela forte umidade, era local onde os prisioneiros políticos encontravam-se relativamente protegidos das torturas policiais, devido à estreiteza das instalações, ao elevado número de detidos, às dificuldades dos inquisidores de se deslocarem até ela. Para serem interrogados, os prisioneiros eram habitualmente levados de volta a Porto Alegre, onde ficavam entregues à violência e ao arbítrio dos militares e policiais torturadores. Hoje, as instalações da ilha encontram-se abandonadas e depredadas.

 

Em 1966, o guarda civil Selço José Muller dos Santos permaneceu encarcerado na ilha por dez dias. Mais tarde, declarou que, na ocasião, auxiliou Manoel Raimundo a se mover "até sua cela", pois se encontrava "bastante ferido", com "dificuldade para locomover-se". À noite, Selço preparava "salmoura para passar nas costas e pernas de Manoel", partes do corpo muito feridas devido aos espancamentos, segundo relatou o próprio Manoel. Selço teria aconselhado ao sargento que "pusesse água com açúcar" em "uma espécie de hematoma" que tinha no olho. Devido a ferimento propiciado pelo tenente Nunes durante a tortura, Manoel Raimundo perdera parcialmente a visão de um

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olho.

 

Cartas do cárcere

 

Elizabeth, esposa de Manoel Raimundo, vivera com ele por algum tempo em Porto Alegre, abandonando a seguir a capital rio-grandense para retornar a Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Logo que pôde, Manoel Raimundo arranjou-se para retomar contato com ela através de correspondência. Em 15 de abril de 1966, em carta que chegou às mãos de sua esposa, relatava que fora preso para "averiguações": "Finalmente acabei sendo preso. Caí em uma cilada de um 'dedo-duro' chamado Edu e vim parar nessa ilha-presídio. Fui preso às 16:50 do dia 11 de março, sexta-feira, em frente ao Auditório Araújo Viana. Fui levado para o quartel da PE (Polícia do Exército), onde fui 'interrogado' durante duas horas e depois fui levado para o DOPS. Estou bem. Nesta ilha (do Presídio) me recuperei do 'tratamento' policial. Até o dia em que fui preso estava dormindo em hotéis e pensões variadas".

 

Manoel Raimundo seguia: "Não sei como vou me arranjar no dia em que eu for solto, pois o Leo (possivelmente o já citado sargento Leony Lopes), único

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amigo que eu tinha em Porto Alegre, perdi o contato com ele e eu não sei o endereço. Espero que você esteja bem e que se mantenha em calma. Isto passa. Nos dias seguintes ao que eu for solto, teremos uma nova lua de mel em uma cidade bonita qualquer".

 

No inverno, sem sapatos

 

Manoel Raimundo pedia à esposa que enviasse, se pudesse, "algum dinheiro" através da agência de Porto Alegre do Banco Nacional de Minas Gerais, onde tinha conta, pois precisava de coisas como "aparelho de barba, um sapato 38, escova de dentes, roupa de frio e coisas de comer". O prisioneiro lembrava ter deixado "na gaveta da mesa de cabeceira do Hotel onde dormi a última noite antes da prisão todo o dinheiro que tinha". O fato de ser filho de família humilde, sem relações no Sul, dificultava a já difícil situação do prisioneiro, preocupado igualmente com a sorte de sua esposa.

 

Na mesma carta, Manoel Raimundo avançava sugestão para a esposa: "Você NÃO precisa vir aqui. Isto não ajudará NADA e você não conseguirá ver-me. Não permitirão". Possivelmente temia envolvimento da esposa

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com a repressão. Pedia também para que ela mantivesse a "calma", "pois, nestas horas só a calma ajuda". Sobretudo, instruía a esposa a procurar "o Dr. Sobral Pinto, à rua Debret nº. 39", no Rio de Janeiro, para providenciar "pedido de habeas no Superior Tribunal Militar".

 

Em 5 de maio de 1966, em um momento em que o verão já se despedia do Sul, fazendo a temperatura cair rapidamente, Manoel Raimundo escreveu a quinta carta à esposa, a segunda que ela recebia. Na correspondência, refere-se às suas condições de aprisionamento e às torturas que recebera. "Em meu corpo ficaram gravadas algumas das medalhas com que me agraciaram. Aqui estou sem sapatos, sem roupas de frio, sem cobertas, usando unicamente uma camisa de Nylon e uma calça de lã preta. [...] Não sei bem, mas creio que estou preso à disposição do III Exército. Por isto, só um 'habeas-corpus' do Superior Tribunal Militar poderá libertar-me".

 

Sentimento e esperança

 

A carta era igualmente momento de tentar estreitar sentimentos pela esposa fortalecidos pelo sofrimento:

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"Como vês o papel está acabando, por isto aproveito para lembrar-te que meu pensamento é só para ti; durante todas as horas destes últimos dias não sais do meu pensamento. O banquinho da cozinha, os beijos nos olhos, tudo aquilo que liga meu corpo a tua alma (ou espírito que é mais certo). Recebe mil beijos e um caminhão de abraços do teu Manoel".

 

Manoel Raimundo permaneceu durante cinco meses na ilha do Presídio, incomunicável, privado de notícias da família e do mundo, passou fome e certamente muito frio, ao qual estaria pouco habituado. Nas suas primeiras cartas conhecidas, dos primeiros meses de cárcere, registra sua calma e esperanças. Pensava no futuro, fazia planos de viagem com a mulher amada. Intensificando-se o martírio e a solidão, tentou fortalecer-se, centrando-se também no sentimento que nutria pela esposa.

 

O ex-sargento acreditava que seria posto em liberdade em pouco tempo. Na época, a instituição do habeas corpus ainda vigia. Não sabia que dois pedidos de libertação impetrados junto ao Superior Tribunal Militar (STM) haviam sido negados, já que, em falsas declarações, as autoridades militares e

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policiais afirmavam que não estava preso.

 

Mais tarde, o Exército tentaria negar sua responsabilidade na prisão ilegal e assassinato de Manoel Raimundo, afirmando que respondera ao STM que não tinha Manoel em seu poder, sem informar, logicamente, que ele fora entregue pela Polícia do Exército ao DOPS. Quando o terceiro habeas corpus estava para ser julgado, os torturadores já haviam dado fim a sua vida.

 

"Ainda estou vivo"

 

As duas últimas cartas que Elisabeth recebeu do marido foram escritas em 10 de julho de 1966. Na primeira, afirmava: "Ainda estou vivo. Espero de todo o coração que você tenha recebido as cartas que remeti anteriormente. Esta é a oitava. Nunca pensei que o sentimento que me une a você chegasse aos limites de uma necessidade. Nestes últimos dias, tenho sido torturado pela idéia de que estou impedido de ver teu rosto ou de beijar teus lábios. Todas as torturas físicas a que fui submetido na PE e no DOPS não me abateram. No entanto, como verdadeiras punhaladas, tortura-me, machuca, amarga, este impedimento ilegal de receber uma carta, da mulher,

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que hoje, mais do que nunca, é a única razão de minha vida".

 

Manoel Raimundo contava: "(...) já tenho escova de dente, sabonete e até roupas e sapatos fizeram chegar até aqui. Mas, nada disso pode aliviar a dor que me causa o fato de não poder receber cartas de minha Beta. Acredito que minha situação ainda não mudou muito. Até hoje (amanhã completam-se quatro meses), não fui ouvido em IPMs (Inquéritos Policial-Militares) e desde que mandaram-me para esta ilha não mais saí". Portanto, após os duros primeiros tempos de tortura na Polícia do Exército e no DOPS, o prisioneiro conhecera tranqüilidade relativa na ilha.

 

Mais adiante, insistia com a esposa na necessidade do pedido de habeas corpus perante o Superior Tribunal Militar para libertá-lo e desabafava: "Apesar do sofrimento espiritual a que estou submetido, ainda assim recomendo que você mantenha a calma. (...) Acredito que agora, você já poderia tentar visitar-me aqui em Porto Alegre. O que você acha disto? Espero que você não tenha estado em dificuldades em matéria de dinheiro. Isto seria para mim pior do que a pior coisa que pudesse me acontecer. Não

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podendo abraçá-la com a força do bem que te desejo, deixa que em forma espiritual, te beije ardentemente, este que é até morrer, o teu Manoel."

 

Última carta

 

A segunda das duas cartas escritas por Manoel Raimundo, em 10 de julho, foi a quarta e última que a esposa recebeu. Ele iniciou com a mesma afirmação, que à leitora deveria causar alívio e esperança, mas que parece registrar a consciência do prisioneiro da ameaça sob a qual vivia: "Ainda estou vivo". Em seguida, relatava: "A saúde que havia chegado ao meu corpo, partiu, deixando a normalidade que você tão bem conhece. Fígado, intestinos e estômago. Espero de todo o coração que você tenha recebido as cartas anteriores. Esta é a de número nove. Penso que a estas horas você deve estar chorando. Não quero isso. A jovem senhora, valente, das respostas desconcertantes, deve agora substituir a moça ingênua e humilde com quem tive a felicidade de casar.".

 

Manoel Raimundo seguiu falando de seu amor: "Nestes últimos dias tenho sido torturado pela realidade de estar impedido de ver o rosto da mulher que amo. Eu

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trocaria se possível fosse, a comida de oito dias, por oito minutos junto ao meu amor, ainda que fosse só para ver. Tenho uma fé inabalável de que, os adversários não conseguirão destruir nosso amor. Sei hoje que você tinha razão em muitas de nossas discussões sobre nosso tipo de vida".

 

Manoel Raimundo retomava temas passados, em seu dilacerante diálogo com a esposa distante: "Você ganhou. (...) Tudo passará. A política, a cadeia, os amigos; só uma coisa irá durar até a morte: o amor que tenho por essa mulherzinha que é hoje a única razão de querer viver deste presidiário (...) Só agora avalio o que é estar junto da mulher amada. Com a tranqüilidade da certeza de que apesar de tudo ainda mereço o teu amor remeto um caminhão de beijos, com o calor dos dias mais felizes de nossa vida. Do sempre teu Manoel".

 

Novo interrogatório

 

Em 13 de agosto de 1966, pouco mais de um mês depois de escrever a última carta recebida pela esposa, Manoel Raimundo foi retirado da ilha do Presídio para ser levado outra vez ao DOPS, para novo interrogatório e tortura, agora

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sob as ordens dos tenentes-coronéis Átila Rochester e Luiz Carlos Menna Barreto, chefe do DOPS. Não sabemos as razões precisas para o novo e violento inquisitório de Manoel Raimundo, após longos meses na prisão. Em depoimentos concedidos recentemente, seus companheiros de luta relatam que ele teria escrito clandestinamente também para o Superior Tribunal Militar sobre sua detenção e torturas em Porto Alegre e, com a concessão de habeas corpus, fora subtraído da prisão para revelar, sob tortura, os carcereiros que eventualmente teriam facilitado a correspondência clandestina.

 

Em agosto de 1966, prosseguiam febrilmente os preparativos do MNR para implantar colunas combatentes em Goiás-Maranhão, no Mato Grosso, e em Caparaó, entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Um quarto foco armado deveria nascer no norte do Rio Grande do Sul e sudoeste de Santa Catarina. Nos fatos, tratava-se de ambiciosa articulação anti-ditatorial, envolvendo argentinos, paraguaios e bolivianos. Quando a pequena coluna do MNR instalou-se no alto da serra de Caparaó, em fins de 1966, Che Guevara e seus companheiros organizavam-se também na selva da Bolívia. Manoel Raimundo participara

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ativamente da preparação desses movimentos, após o fracasso do segundo levante em Porto Alegre. Teria escrito até mesmo um "decálogo do guerrilheiro" para as operações.

 

Há alguma divergência sobre as razões do abandono da frente armada no Brasil meridional. Flávio Tavares propõe que a desistência deveu-se à prisão, "no inverno de 1965", do "seu subcomandante, o ex-sargento Manoel Raimundo Soares". Segundo a informação confirmada por Jelsi Rodrigues Correa, envolvido diretamente na iniciativa, apesar da notícia da queda, continuaram os planos para o estabelecimento do núcleo armado na serra do Mar, em Santa Catarina, inclusive com a compra de propriedade e transporte de armas. A desconfiança de camponeses com a perambulação de estranhos na região e a prisão de dois militantes, sob suspeita de assalto a banco, teriam levado ao abandono da proposta.

 

Dos quatro núcleos guerrilheiros planejados pelo MNR, em associação com outras organizações clandestinas nacionais e internacionais, prosperou apenas o de Caparaó, instalado em outubro de 1966 e desbaratado em inícios de

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1967, ensejando com esse tropeço o abandono de Leonel Brizola do projeto de resistência militar à ditadura, insurrecional ou guerrilheira. A seguir, o MNR dividir-se-ia, confluindo seus militantes em outras organizações armadas, como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a VAR-Palmares etc., nas quais os ex-suboficiais desempenharam papel fundamental.

 

Mãos amarradas

 

Talvez a vontade de arrancar rapidamente informações de Manoel Raimundo sobre apoios na ilha do Presídio ou sobre os atos em cursos de seus companheiros tenha levado seus torturadores a transportá-lo, na mesma noite de 13 de agosto, em um jipe do Exército, até ao rio Jacuí, para ser submetido a falsos afogamentos. Essa é uma tortura sobremaneira aterrorizadora, especialmente quando praticada em um rio isolado, de águas revoltas e geladas, sob a ameaça de afogamento definitivo. Nos últimos anos, tal forma de tortura conheceu destaque na imprensa mundial ao ser legalizada pelas autoridades estadunidenses como recurso a ser usado pela CIA nos interrogatórios de prisioneiros políticos.

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Possivelmente jamais saberemos se Manoel Raimundo escapou inadvertidamente das mãos dos seus torcionários ou foi abandonado às águas do Jacuí para morrer. Era habitual militares e policiais torturarem alcoolizados e drogados seus prisioneiros políticos. Até agora, o que sabemos de certo é que, 11 dias mais tarde, Manoel Raimundo foi encontrado, morto, boiando no rio, com os pés atados e as mãos atadas. O corpo de Manoel Raimundo Soares foi descoberto, por volta das 17 horas do dia 24 de agosto de 1966, boiando entre algumas taquareiras, por dois moradores da ilha das Flores, próxima a Porto Alegre, que informaram rapidamente as autoridades policiais. À noite, um guarda civil compareceu ao local para recuperar o cadáver, que foi amarrado com uma corda e rebocado até a ilha da Pintada.

 

Morte por afogamento

 

O policial responsável pela operação de resgate declararia que o cadáver tinha "as mãos amarradas às costas pela própria camisa que vestia, sendo as ataduras cobertas por um suéter banlon que a vítima trajava; os bolsos laterais das calças completamente repuxados para fora [...];

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calças de cor escura; um pé calçado com um sapato marrom e outro descalço".

 

Na madrugada do dia 25, peritos do Instituto de Criminalística analisaram o corpo, determinando que a morte se dera por afogamento, devido à "ausência de lesões traumáticas", "aliada à conclusão do exame histopatológico, acusando a presença de elementos característicos do plâncton mineral no interior dos bronquíolos e raros elementos isolados nos alvéolos pulmonares", o que permitia "afirmar que a vítima respirou dentro da água e que, portanto, a causa imediata da morte foi afogamento".

 

Apesar da situação do cadáver, os peritos concluíram que a vítima estaria embriagada. Destaque-se que Manoel Raimundo era abstêmio, entre outras razões, por problemas com o fígado. Entretanto, mesmo que ele se encontrasse embriagado, quando de sua morte, não significa que se houvesse alcoolizado. Anos após o homicídio, em processo movido pela viúva, os defensores da União alegaram o estado de embriaguez do ex-sargento. Defesa rejeitada pelo juiz, que, irônico, lembrou que "seria realmente uma façanha de Manoel Raimundo Soares: amarrar as

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mãos às costas, e então embriagar-se. Ou então embriagar-se e amarrar suas mãos às costas".

LÍGIA MARIA SALGADO NÓBREGA

Lígia MariaLivro "Dos Filhos deste Solo"

DADOS PESSOAIS

Nasceu em 30 de julho de 1947 em Natal, Rio Grande do Norte. Filha de Georgino Nóbrega e Naly Ruth Salgado Nóbrega, foi a terceira numa família de seis irmãos.

ATIVIDADES

Ainda pequena, Lígia mudou-se para a cidade de São Paulo onde estudou, terminando o curso de Normalista no Colégio Estadual Fernão Dias Paes. Em 1967, entrou no curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo (USP) e se destacou pela sua capacidade intelectual, pela liderança e empenho em abrir horizontes, modernizar métodos de ensino, implicar as pessoas em sua responsabilidade social em uma vida dígna, onde os direitos humanos fossem respeitados e o indivíduo fosse um verdadeiro cidadão. Após a edição do Ato Institucional no. 5, com os canais de participação aberta e legal fechados pela ditadura militar. Em 1970, Lígia se engaja na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-PALMARES) e com outros companheiros, passa à luta armada para enfrentar a violência do regime autoritário vigente no país à época.

CIRCUNSTÂNCIAS DA MORTE

Foi metralhada em 29 de março de 1972, quando a casa em que se encontrava no bairro de Quintino, Rio de Janeiro, foi invadida por agentes do DOI-CODI do I Exército. Com Lígia, foram mortos seus companheiros: Antonio Marco Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo. Seu corpo foi reconhecido por seu irmão Francisco Salgado da Nóbrega, em 07 de abril de 1972, tendo sido sepultada em cemitério de São Paulo.

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MARIA REGINA LOBO LEITE FIGUEIREDO

MILITANTE DA VANGUARDA ARMADA REVOLUCIONÁRIA PALMARES

(VAR-PALMARES).

Ex-integrante da Juventude Universitária Católica, era formada em Filosofia pela

Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Pedagoga,

foi morta aos 33 anos. Casada com Raimundo Gonçalves Figueiredo, morto em 28 de abril

de 1971, deixou duas filhas menores.

Maria Regina foi ferida quando a casa em que se encontrava foi invadida por agentes

do DOI/CODI-RJ no dia 29 de março de 1972. Lígia Maria Salgado Nóbrega e Maria

Regina, juntamente com Antônio Marcos Pinto de Oliveira, foram presos e assassinados.

O corpo de Maria Regina chegou ao IML pelaGuia n° 02 do DOPS, como

desconhecida, vindo da Av. Suburbana, n° 8988, casa 72, Bairro de Quintino (RJ), como

tendo sido morta em tiroteio. Entretanto, há testemunhas que dizem que, após ser baleada,

foi levada para o DOI-CODI, onde veio a morrer horas depois, tendo inclusive sido levada

para o Hospital Central do Exército.

Sua necrópsia, feita em 30 de março de 1972, pelos Drs. Eduardo Bruno e Valdecir

Tagliari confirma a versão oficial. Foi identificada nesse mesmo dia 30, através de ficha do

Instituto Félix Pacheco/RJ.

Maria Regina foi reconhecida por suas irmãs Maria Eulália, Maria Alice e Maria

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Augusta, em 07 de abril de 1972, e sepultada no dia seguinte no Cemitério São João

Batista.

Fotos e laudo de perícia de local (n° 1884/72 e Ocorrência n° 264/72) feitas pelo

Instituto de Criminalística Carlos Éboli/RJ, mostram o corpo de Maria Regina baleado.

O jornal Correio da Manhã� �, de 06 de abril de 1972, publicou a notícia de sua

morte, sob o título Terroristas Morrem em Tiroteio: Quntino� �e capciosamente dá, ao lado

de sua foto, o nome de Ranúsia Alves Rodrigues. No entanto, Maria Regina já havia sido

identificada no IML/RJ.

Eudaldo Gomes da Silva  

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Militante da VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA (VPR).

Nascido a 1 de outubro de 1947, no Estado da Bahia, filho de João Gomes da Silva e Izaura Gomes da Silva.

Estudante de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, membro do Diretório Central dos Estudantes, durante o ano de 1968, e presidente do Diretório Acadêmico de

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sua Faculdade.

Banido do Brasil, em 15 de junho de 1970, por ocasião do seqüestro do embaixador da Alemanha, Von Holleben, com mais 39 presos políticos.

Retornando ao Brasil clandestinamente, foi morto no dia 7 de janeiro de 1973 juntamente com Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva e Soledad Barret Viedma em uma chácara no loteamento de São Bento, no município de Paulista, em Pernambuco. O caso é conhecido como Massacre da Chácara São Bento.

Os torturadores e assassinos crivaram de balas os cadáveres dos seis combatentes, jogaram várias granadas na casa da referida chácara, com o objetivo de aparentar um violento tiroteio, dizendo que lá se realizava um suposto congresso da VPR. Na versão oficial, constava que José Manoel da Silva teria sido preso e conduzido os policiais até o local onde se realizava o congresso, sendo morto pelos próprios companheiros durante a invasão. No tiroteio travado, teria conseguido escapar Evaldo Luís Ferreira de Souza que, no dia seguinte, foi localizado no município de Olinda, numa localidade chamada Chã de Mirueira - Jatobá, e ao resistir à prisão, teria sido morto. Segundo ainda a nota, � �só Jarbas Pereira Marques teria morrido no local, sendo que os outros morreram, em conseqüência dos ferimentos recebidos.

Na realidade, todos foram presos pela equipe do delegado Sérgio Fleury, que os torturou até a morte, na própria chácara.

As prisões e conseqüentes assassinatos foram fruto do trabalho do informante infiltrado na VPR, ex-cabo Anselmo e, para encobrir sua ação, bem como possibilitar que ele pudesse levar à morte outros combatentes, a nota oficial falava da traição de José Manoel que teria possibilitado a localização e aniquilamento dos demais, dando ainda a notícia de que um outro terrorista, não identificado, teria conseguido fugir na hora da � �invasão. Esse fato foi noticiado exatamente para tentar dar cobertura à continuação do trabalho de infiltração do assassino ex-cabo Anselmo.

O Relatório do Ministério da Aeronáutica diz que faleceu em 8 de janeiro de 1973, em �Recife/PE, ao reagir a ordem de prisão, travando intenso tiroteio com agentes dos órgãos de segurança, vindo a falecer em conseqüência dos ferimentos. Mesma circunstância da morte de Pauline Philipe Reischstul. Já o Relatório do Ministério da �Marinha afirma que foi morto em Paulista/PE, em 8 de janeiro de 1973 ao reagir a tiros �à voz de prisão dada pelos agentes de segurança. Do intenso tiroteio resultaram vários feridos. �

Ana Maria Nacinovic Corrêa

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Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).

Nasceu em 25 de março de 1947, no Rio de Janeiro, filha de Mário Henrique Nacinovic e Anadyr de Carvalho Nacinovic.

Depoimento da mãe de Ana Maria:

Teve uma infância feliz, apesar da separação de seus pais quando tinha apenas 7 anos de� idade, vivendo a partir desta época na companhia da mãe, tia e avós, que procuraram suprir, com muito carinho, a ausência do pai.

Fez o primário, ginásio e científico no Colégio São Paulo, de freiras, em Ipanema. Destacou-se sempre durante o seu curso pelo companheirismo e cumprimento de suas obrigações escolares. Simultaneamente, estudava piano com o professor Guilherme Mignone. Possuindo um ouvido privilegiado, era estimulada pelo seu mestre a dedicar-se mais à arte.

Terminou o científico com 17 anos e sua grande inclinação para a matemática levou-a a freqüentar um curso pré-vestibular, com o objetivo de futuramente tornar-se uma engenheira. Um casamento mal sucedido interrompeu seus estudos. Aos 21 anos, ingressou, como 2ª colocada, na Faculdade de Belas Artes.

Para a idealista que era, o que sempre demonstrou no seu dia-a-dia, em atitudes de solidariedade em relação ao próximo, caíram em campo fértil as sementes de rebelião contra o regime autoritário que dominava o país. Era a época aterrorizante do ditador Emílio Garrastazú Médici. Aquela mocinha inexperiente, mal saída dos bancos escolares e de um casamento frustrado, aos poucos se converteria na guerrilheira cujos retratos nos aeroportos, rodoviárias e outros lugares públicos, apontavam como uma

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subversiva perigosa.

Seguiu-se uma época de aflição e angústia para sua mãe e demais familiares, até que chegasse o momento fatal. Momento em que toda a ternura daquele coraçãozinho que só aspirava à igualdade entre os homens, daqueles imensos olhos azuis que só queriam contemplar o lado bom da vida, converteu-se em escuridão e trevas.

Ana Maria foi metralhada e morta na Moóca, em 14 de junho de 1972. Estava com 25 anos de idade. Com ela morreram Marcos Nonato da Fonseca e Iúri Xavier Pereira. �

Enquanto Ana Maria, Iúri, Marcos Nonato e Antônio Carlos Bicalho Lana almoçavam no Restaurante Varella, o proprietário do estabelecimento, Manoel Henrique de Oliveira, que era alcagüete da polícia, telefonou para o DOI/CODI-SP, avisando da presença de algumas pessoas que tinham suas fotos afixadas em cartazes de Procurados,� � feitos na época pelos órgãos de segurança.

Os agentes do DOI/CODI, assim que se certificaram da presença dos quatro companheiros, montaram uma emboscada em torno do restaurante, mobilizando um grande contingente de policiais.

De imediato, foram fuzilados Iúri e Marcos Nonato. Ana Maria, ainda vivia, quando um policial, ouvindo seus gritos de protesto e de dor, impotente perante a morte iminente, aproximou-se desferindo-lhe uma rajada de fuzil FAL, à queima-roupa, estraçalhando-lhe o corpo.

Ato contínuo, os policiais fizeram uma demonstração de selvageria para a população que se aglomerou em volta daquela já horrenda cena. Dois ou três policiais agarravam o corpo de Ana Maria e o jogavam de um lado para o outro, às vezes lançando-o para o alto e deixando-o cair abruptamente no chão. Descobriram-lhe também o corpo ensagüentado, lançando impropérios e demonstrando o júbilo na covardia de tê-la abatido. Não satisfeitos, desfechavam-lhe ainda coronhadas com seus fuzis, como se mesmo morta Ana Maria representasse ainda algum perigo.

Tal cena repetiu-se com o corpo de Iúri e Marcos Nonato, sendo entretanto Ana Maria o alvo preferido.

A população, revoltada com tamanha violência e selvageria, esboçou, dias depois, uma reação de protesto, tentando elaborar um abaixo-assinado que seria encaminhado ao Governador do Estado. Mas, devido ao clima de terror existente no País naquela época, somado ao pânico de que aquelas cenas de verdadeiro horror pudessem se repetir com eles, a iniciativa foi posta de lado. Também as ameaças feitas pelos policiais, na hora do crime, intimidaram os populares.

No entanto, a versão de morte na rua, em tiroteio, não pôdeser confirmada após a abertura dos arquivos do DOPS com informaçõesque indicam a morte sob tortura. O Relatório do Ministério da Aeronáutica contém a falsa versão de que Ana Maria foi ferida após assalto em que resistiu à voz de prisão, "ocasião em que a nominada saiu gravemente ferida, vindo a falecer

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posteriormente". Após o tiroteio, os três foram enviados ao DOI-CODI, quando tiveram fichas abertas, levando a crer que dentre eles estivesse algum vivo após a emboscada, vindo a morrer nos interrogatórios no DOI-CODI.Portanto, não há dados e perícias que possam comprovar a morte em tiroteio, tais como fotos, relação de armas utilizadas, exame de corpo delito nem dos militantes, nem dos policiais feridos na versão oficial. Por outro lado, contrariamente ao alegado à época, os corpos não foram levados para o necrotério, mas sim para as dependências do DOI-CODI do II Exército, onde foram vistos pelo preso político Francisco Carlos de Andrade, conforme seu depoimento:"Fui preso no dia 27 de novembro de 1971 por um grupo de militares subordinados ao II Exército, que atuavam clandestinamente com o nome de Operação Bandeirantes e usavam como sede a delegacia de polícia situada na rua Tutóia, em São Paulo. Fiquei detido nessa delegacia até novembro de 1972, sendo então transferido para a Casa de Detenção de São Paulo. Numa data que não posso precisar ao certo do ano de 1972, devido às condições que nos impunham os carcereiros, vi no pátio dessa delegacia três corpos estendidos no chão. Reconheci, de imediato, tratar-se de Iuri Xavier Pereira e Ana Maria Nacinovic Correa; o terceiro corpo não reconheci. Minha certeza de que se tratava de Iuri e Ana vem de que os conheci muito bem durante meu período de militância na ALN, organização na qual os dois também militavam. Tempos depois, vim a saber que o terceiro corpo estendido naquela delegacia era de um terceiro companheiro que não havia conhecido e que se chamava Marcos Nonato da Fonseca."Além disso, há que se explicar o fato de o tiroteio ter ocorrido ás 14 horas e os corpos só terem chegado ás 17 horas no IML. Onde estiveram durante estas 3 horas? Outra questão que impede a versão de mortos em tiroteio é o fato dos corpos terem chegado ao IML já despidos. Onde teriam sido despidos? De acordo com o relato acima de Francisco de Andrade, os corpos estiveram no DOI-CODI onde foram despidos e, provavelmente, torturados.Em 16 de outubro de 1973, apesar de morta oficialmente, é condenada à revelia a 12 anos de prisão com base no artigo 28 do Decreto lei n° 898/69.

O Relatório do Ministério da Aeronáutica contém a falsa versão de que Ana Maria foi ferida após assalto em que resistiu à voz de prisão, ocasião em que a nominada saiu gravemente ferida, vindo� a falecer posteriormente.�Assinam o laudo de necrópsia os médicos legistas Isaac Abramovitch e Abeylard de Queiroz Orsini.Em 16 de outubro de 1973, apesar de morta oficialmente, é condenada à revelia a 12 anos de prisão com base no artigo 28 do Decreto lei n. 898/69.   

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Carlos Eduardo Pires Fleury  

Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).

Nasceu em 5 de janeiro de 1945, em São Paulo, capital, filho de Hermano Pires Fleury Jr. e Maria Helena Dias Fleury.

Foi morto aos 26 anos. Estudante de Filosofia da Universidade de São Paulo e do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica.

Preso em setembro de 1969 e, banido do Brasil em junho de 1970, juntamente com outros 39 presos políticos, quando do seqüestro do embaixador da Alemanha no Brasil, von Holleben.

Em 1971, retornou ao Brasil clandestinamente e foi morto em condições não esclarecidas, no dia 10 de dezembro do mesmo ano.

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Seu corpo foi registrado no IML/RJ com o nome falso de Nelson Meirelles Riedel, professor, de 26 anos, pela Guia n° 235, da 23ª D.P.

A necrópsia afirma que foi encontrado morto no interior de um �veículo, tendo sido baleado. Foi assinada pelo Dr. Elias Freitas; �não havendo nome do 2° legista.

Fotos de perícia de local do ICE/RJ, mostram Carlos Eduardo baleado no banco traseiro de um carro Dodje Dart CB4495. O laudo de perícia de local indica morte violenta (homicídio), ocorrida na Praça Avaí, n° 11, no Bairro de Cachambi.

O cadáver de Carlos Eduardo foi retirado do IML por seu irmão, Paulo Pires Fleury, sendo sepultado no Cemitério da Consolação, em São Paulo, por seus familiares.

No arquivo do DOPS/SP foi encontrada a seguinte informação, de n° 850, do Ministério da Aeronáutica-4ª Zona Aérea, datada de 2 de dezembro de 1971, oito dias antes de sua morte:

traz ao nosso conhecimento, entre outras coisas, que através de �reconhecimento fotográfico, foram identificados diversos banidos já em atividades no Brasil, entre os quais Carlos Eduardo Pires Fleury. �

A nota oficial divulgada pelos órgãos de segurança dizia que a morte de Fleury, ocorrida em tiroteio no bairro de Caxambi, teria sido por volta de 4 horas da madrugada. Mas, para quem conhecia os hábitos de Fleury, é difícil acreditar nessa possibilidade, principalmente porque estava vivendo em total clandestinidade. A notícia não dava conta da existência de outros militantes no tiroteio, o que não esclarece como estaria Fleury sentado no banco traseiro de um carro (onde ele aparece morto) se não havia ninguém que dirigisse tal carro.

O relatório do Ministério da Aeronáutica mantém a mesma versão dizendo que foi alvejado e faleceu posteriormente no dia 10 de dezembro de 1971.

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CARLOS EDUARDO PIRES FLEURY

Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).

Nasceu em 5 de janeiro de 1945, em São Paulo, capital, filho de

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Hermano Pires

Fleury Jr. e Maria Helena Dias Fleury.

Foi morto aos 26 anos. Estudante de Filosofia da Universidade de São Paulo e do

curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica.

Preso em setembro de 1969 e, banido do Brasil em junho de 1970, juntamente com

outros 39 presos políticos, quando do seqüestro do embaixador da Alemanha no Brasil, von

Holleben.

Em 1971, retornou ao Brasil clandestinamente e foi morto em condições não

esclarecidas, no dia 10 de dezembro do mesmo ano.

Seu corpo foi registrado no IML/RJ com o nome falso de Nelson Meirelles Riedel,

professor, de 26 anos, pela Guia n° 235, da 23ª D.P.

A necrópsia afirma que foi encontrado morto no interior de um �veículo, tendo sido�

baleado. Foi assinada pelo Dr. Elias Freitas; não havendo nome do 2° legista.

Fotos de perícia de local do ICE/RJ, mostram Carlos Eduardo baleado no banco

traseiro de um carro Dodje Dart CB4495. O laudo de perícia de local indica morte violenta

(homicídio), ocorrida na Praça Avaí, n° 11, no Bairro de Cachambi.

O cadáver de Carlos Eduardo foi retirado do IML por seu irmão, Paulo Pires Fleury,

sendo sepultado no Cemitério da Consolação, em São Paulo, por seus familiares.

No arquivo do DOPS/SP foi encontrada a seguinte informação,

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de n° 850, do

Ministério da Aeronáutica-4ª Zona Aérea, datada de 2 de dezembro de 1971, oito dias antes

de sua morte:

traz ao nosso conhecimento, entre outras coisas, que através de�

reconhecimento fotográfico, foram identificados diversos banidos já em atividades

no Brasil, entre os quais Carlos Eduardo Pires Fleury. �

A nota oficial divulgada pelos órgãos de segurança dizia que a morte de Fleury,

ocorrida em tiroteio no bairro de Caxambi, teria sido por volta de 4 horas da madrugada.

Mas, para quem conhecia os hábitos de Fleury, é difícil acreditar nessa possibilidade,

principalmente porque estava vivendo em total clandestinidade. A notícia não dava conta

da existência de outros militantes no tiroteio, o que não esclarece como estaria Fleury

sentado no banco traseiro de um carro (onde ele aparece morto) se não havia ninguém que

dirigisse tal carro.

O relatório do Ministério da Aeronáutica mantém a mesma versão dizendo que foi

alvejado e faleceu posteriormente no dia 10 de dezembro de 1971.

Soledad Barret Viedma

 

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Em 08 de janeiro fez 37 anos que Soledad Barret Viedma foi assassinada. Ela era militante da VPR Vanguarda Popular Revolucionária� e estava grávida de 7 meses. O pai da criança assassinada ainda em seu ventre era o controverso Cabo Anselmo: o próprio delator de seu esconderijo em uma chácara no loteamento de São Bento, no município de Paulista, em Pernambuco. Junto com outros companheiros de guerrilha, Eudaldo Gomes da Silva, Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva, que são torturados e mortos pelo assassino profissional a serviço da ditadura, delegado Sérgio Paranhos Fleury do DOPS Paulista, amigo de Erasmo Dias, que faleceu recentemente sem responder a um processo sequer. O episódio ficou conhecido como massacre da chácara São Bento.� � 

Militante da VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA (VPR).

Nasceu em 6 de janeiro de 1945, no Paraguai.

Casada com José Maria Ferreira de Araújo (desaparecido), tiveram uma filha, que hoje vive no Estado de Santa Catarina.

Foi assassinada sob torturas no Massacre da Chácara São Bento, ocorrido no dia 8 de janeiro de 1973, pela equipe do delegado Sérgio Fleury.

Juntamente com Soledad, que estava com 4 meses de gravidez, foram assassinados Pauline Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva e Evaldo Luiz Ferreira.

As circunstâncias do massacre que vitimou Soledad e seus companheiros estão na nota referente a Eudaldo Gomes da Silva.

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De sua irmã Namy Barret:

Seu nome refletia a ausência de nosso pai, que já nessa época era� perseguido por suas idéias políticas, como o fora também seu pai, nosso avô, o escritor Rafael Barret.

Quando Soledad tinha apenas 3 meses tivemos que fugir para a Argentina, onde passamos a viver num pequeno povoado às margens do Rio Paraná, durante 5 anos; quatro dos quais, nosso pai esteve preso ou perseguido, tanto pela polícia paraguaia como argentina.

Regressamos ao Paraguai e Soledad, com seus cinco anos e sua maneira de ser tão doce, se converteu na adoração de quem a via. Tinha uma forma de falar pausada que lhe valeu o apelido de viejita entre seus irmãos. Era uma criatura formosa, de cabelos � �cor de ouro, macios e longos, pele branca e sobrancelhas de cor castanho escuro, quase negro. Não gostava de caminhar, preferia sentar-se e inventar histórias entre longos suspiros que provocavam o riso e manifestações de carinho de todos que a ouviam...

Adolescente e exilada no Uruguai, dona de uma graça especial para a dança folclórica, se converteu pouco a pouco no símbolo da juventude paraguaia nesse país, tanto que não havia um ato de solidariedade em que ela não era a artista convidada.

Eram tempos de mudanças no Uruguai, a tradição democrática ia perdendo terreno, estava sendo minada. No dia 1° de julho de 1962, Soledad foi raptada por um grupo néo-nazista que a colocou em um automóvel e, sob ameaças de todos os tipos, quiseram obrigá-la a gritar palavras de ordem totalmente contrárias às suas idéias.

Soledad se negou. Então, com uma navalha lhe gravaram na carne uma cruz gamada, símbolo de Hitler e a abandonaram em um local escuro, atrás do parque zoológico de Villa Dolores.

Era o começo das perseguições, prisões e torturas no Uruguai.

Soledad, de vítima passou a ser culpada para a polícia e foi de tal� � forma a perseguição que teve que ir-se. Esteve muitos anos longe de sua família, de sua terra. Um dia conheceu José Maria, se amaram e tiveram uma filha, mas o destino estava traçado, e ele retornou a seu Brasil.

Ela em vão o esperou por mais de um ano e decidiu vir a seu encontro. O fruto desse amor é o mais fiel testemunho do triste destino do nosso Continente. Crianças sem pais, sem o direito de

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serem crianças, sem o direito à felicidade.

(Namy Barret - transcrito do Boletim Hasta Encontrarlos!, � �publicação da Federação Latinoamericana de Familiares de Desaparecidos - FEDEFAM, Ano IX, n° 46, mayo-junio de 1991.)

Os Relatórios dos Ministérios da Marinha e da Aeronáutica dizem que foi morta em Paulista/PE em 8 de janeiro de 1973 ao �reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança. �Fora casada anteriormente com José Maria Ferreira de Araújo, desaparecido e provavelmente assassinado, responsável por sua vinda para o Brasil. Viveu na Argentina e no Uruguai, onde foi raptada por um grupo néo-nazista que a colocou em um automóvel e, sob ameaças de todos os tipos, quiseram obrigá-la a gritar palavras de ordem totalmente contrárias às suas idéias. Ela se negou e então, com uma navalha lhe gravaram na carne uma cruz gamada, símbolo de Hitler e a abandonaram em um local escuro, atrás do parque zoológico de Villa Dolores. Para a polícia uruguaia, também vivendo em época de ditadura, foi considera não vítima, mas culpada. Sua situação era insustentável. Um dia conheceu José Maria, se amaram e tiveram uma filha, mas o destino estava traçado, e ele retornou a seu Brasil. Ela acabou por vir um ano mais tarde. A filha de Soledad vive hoje em Santa Catarina.

Os torturadores e assassinos crivaram de balas os cadáveres dos seis combatentes, jogaram várias granadas na casa da referida chácara, com o objetivo de aparentar um violento tiroteio, dizendo que lá se realizava um suposto congresso da VPR. Na versão oficial, constava que José Manoel da Silva teria sido preso e conduzido os policiais até o local onde se realizava o congresso, sendo morto pelos próprios companheiros durante a invasão. No tiroteio travado, teria conseguido escapar Evaldo Luís Ferreira de Souza que, no dia seguinte, foi localizado no município de Olinda, numa localidade chamada Chã de Mirueira Jatobá, e ao resistir à prisão, teria sido� � �

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morto. Segundo ainda a nota, só Jarbas Pereira Marques teria morrido no local, sendo que os outros morreram, em conseqüência dos ferimentos recebidos.

Na realidade, todos foram presos pela equipe do delegado Sérgio Fleury, que os torturou até a morte, na própria chácara.

Cabo Anselmo foi um dos estopins da revolução de 1964 ao ter sido líder do protesto dos marinheiros. O então ministro de João Goulart prendeu todos os integrantes do motim mas o presidente destituiu o ministro e anistiou os revoltosos. Com a instalação da ditadura, Anselmo, que na realidade era soldado e não cabo, fugiu do Brasil, esteve no Urugai, foi para Cuba aprender táticas militares e retornou na clandestinidade. Em 1970 foi preso pelo mesmo Fleury e, para preservar sua vida, tornou-se (já era) agente duplo, atuando ao lado da guerrilha e fornecendo informações à ditadura, o que causou o assassinato de vários companheiros. Chegou a solicitar reconhecimento como vítima da repressão e solicitou aposentadoria com base em sua patente na Marinha Brasileira.

Época conturbada na qual não haviam direitos. Muito menos humanos. Época que deve ser lembrada. Assassinatos que devem ser investigados e julgados, pois se deram sem direito algum, sem julgamento e com requintes de crueldade.

Hoje, os amigos da ditadura querem que, como no passado, Soledad seja apontada, pela segunda vez, como culpada e não como vítima.

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Um poema-homenagem de Mario Benedetti  

  MORTE DE SOLEDAD BARRET

 

Viveste aqui por meses ou por anos

traçaste aqui uma reta de melancolia

que atravessou as vidas e a cidade

 

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Faz dez anos tua adolescência foi notícia

te marcaram as coxas porque não quiseste

gritar viva hitler nem abaixo fidel

 

eram outros tempos e outros esquadrões

porém aquelas tatuagens encheram de assombro

a certo uruguai que vivia na lua

 

e claro então não podias saber

que de algum modo eras

a pré-história do íbero

 

agora metralharam no recife

teus vinte e sete anos

de amor de têmpera e pena clandestina

 

talvez nunca se saiba como nem por quê

 

os telegramas dizem que resististe

e não haverá mais jeito que acreditar

porque o certo é que resistias

somente em te colocares à frente

só em mirá-los

 

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só em sorrir

só em cantar cielitos com o rosto para o céu

 

com tua imagem segura

com teu ar de menina

podias ser modelo

atriz

miss paraguai

capa de revista

calendário

quem sabe quantas coisas

 

  porém o avô rafael o velho anarco

te puxava fortemente o sangue

e tu sentias calada esses puxões

 

soledad solidão não viveste sozinha

por isso tua vida não se apaga

simplesmente se enche de sinais

 

soledad solidão não morreste sozinha

por isso tua morte não se chora

simplesmente a levantamos no ar

 

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desde agora a nostalgia será

um vento fiel que flamejará tua morte

para que assim apareçam exemplares e nítido

as franjas de tua vida

 

ignoro se estarias

de minissaia ou talvez de jeans

quando a rajada de pernambuco

acabou completo os teus sonhos

 

pelo menos não terá sido fácil

cerrar teus grandes olhos claros

teus olhos onde a melhor violência

se permitia razoáveis tréguas

para tornar-se incrível bondade

 

e ainda que por fim os tenham encerrado

é provável que ainda sigas olhando

soledad compatriota de três ou quatro povos

o limpo futuro pelo qual vivias

e pelo qual nunca te negaste a morrer.

 

 

Mario Benedetti

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Amigos, aquilo que há muitos e muitos anos eu sentia por todos os poros e sentidos, aquilo que meu faro pressentia, que a hora de Soledad Barret Viedma se acercava, agora chegou. Em julho, a Boitempo Editorial publicou o meu, o nosso livro, Soledad no� Recife.� (Urariano Mota)

Sônia Maria de Moraes Angel Jones  

Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).

Nasceu em 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão, Estado do Rio Grande do Sul, filha de João Luiz Moraes e Cléa Lopes de Moraes.

Foi morta aos 27 anos em 1973, em São Paulo.

Estudou no colégio de Aplicação da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e, posteriormente, na Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, mas não chegou a se formar, sendo desligada pelo Decreto nº477, de 24 de setembro de 1969.

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No Rio, trabalhava como professora de Português no Curso Goiás.

Casou-se, em 18 de agosto de 1968, com Stuart Edgar Angel Jones, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

Em 1° de Maio de 1969, foi presa por ocasião das manifestações de rua na Praça Tiradentes/RJ com mais três estudantes, levada para o DOPS e, posteriormente, para o Presídio Feminino São Judas Tadeu. Somente foi libertada em 6 de agosto de 1969, quando foi julgada e absolvida por unanimidade pelo Superior Tribunal Militar. Passou a viver na clandestinidade.

Em maio de 1970 exilou-se na França, onde se matriculou na Universidade de Vincennes e, para se sustentar, trabalhou na Escola de Línguas Berlitz, em Paris, onde lecionava Português.

Com a prisão e desaparecimento de Stuart pelos órgãos brasileiros de repressão política, Sônia decidiu voltar ao Brasil para retomar a luta de resistência. Ingressou na ALN e viajou para o Chile, onde trabalhava como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973, retornou clandestinamente ao Brasil, indo morar em São Paulo. Em 15 de novembro de 1973 alugou um apartamento em São Vicente, junto com Antônio Carlos Bicalho Lana, com quem se unira. Seu apartamento passou a ser vigiado, sendo presa, juntamente com Antônio Carlos, no mesmo mês, por agentes do DOI-CODI/SP, tendo o II Exército divulgado a notícia de que morrera, após combate, a caminho do hospital (O globo 1º de dezembro de 1973).

Foi assassinada sob torturas no dia 30 de novembro de 1973, juntamente com Antônio Carlos Bicalho Lana.

A autópsia assinada pelos legistas Harry Shibata e Antônio Valentine, apenas descreve as perfurações das balas, sem nada mencionar das torturas sofridas. Afirmam que o crânio sofreu corte característico da autópsia e que examinaram detidamente o corpo.

Durante quase vinte anos a família investigou os fatos relacionados à prisão, tortura e assassinato de Sônia e Antônio Carlos.

Como resultado dessas investigações, a família produziu o vídeo Sônia Morta e Viva, dirigido por Sérgio Waismann.� �

A prisão do casal, em São Vicente, foi detalhadamente planejada, como constatou sua família, durante as investigações

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junto aos empregados do prédio em que Sônia e Antônio Carlos moravam. Ela costumava, assim que se mudou, tomar banho de sol numa prainha ligada ao prédio e, desde então era observada de um prédio próximo por agentes policiais, através de uma luneta. Dias depois, os mesmos agentes comunicaram aos empregados do prédio que moravam ali dois terroristas muito perigosos e para justificar tal afirmativa empregaram-se como � �funcionários do prédio e passaram a observá-los mais de perto. Certa manhã, bem cedo, quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir, já havia dentro do ônibus alguns agentes, inclusive uma senhora vestida de vermelho. Ao mesmo tempo, nas imediações da agência do Canal 1, São Vicente, já se encontravam vários agentes à espera de que um deles, pelo menos, descesse para adquirir passagens, pois as mesmas não eram vendidas no ônibus. Até hoje, a família não pôde precisar o dia exato da prisão, possivelmente num sábado, depois do dia 15 de novembro, fato este testemunhado por Celso Pimenta, motorista do ônibus, e Ozéas de Oliveira, vendedor de bilhetes, ambos da Agência Zefir.

Existem duas versões a respeito da prisão, tortura e assassinato de Sônia e Antônio Carlos.

A versão do primo do pai de Sônia, coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOI-CODI de Brasília, amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI de São Paulo: depois de presa, do DOI-CODI de São Paulo foi mandada para o DOI-CODI do Rio de Janeiro, onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangüe, onde recebeu dois tiros.

A versão do Sargento Marival Chaves, membro deo DOI-CODI/SP: Sônia e Antônio Carlos foram presos e levados para uma casa de tortura na Zona Sul de São Paulo onde ficaram de cinco a dez dias, até morrerem, dia 30 de novembro de 73 e foram colocados, no mesmo dia, à porta do DOI-CODI/SP, para servir de exemplo. Ao mesmo tempo, foi montado um teatrinho � � �termo usado pelo sargento para justificar a versão oficial de que �foram mortos em conseqüência de tiroteio, no mesmo dia 30 (metralharam com tiros de festim um casal e os colocaram imediatamente num carro).

Versão oficial publicada dia 1° de dezembro de 1973 em dois jornais: O Globo e O Estado de São Paulo: Morte de Sônia e � � � �Antônio Carlos, a caminho do Hospital, após tiroteio em confronto com os agentes de segurança, na Avenida de Pinedo, no Bairro de Santo Amaro, cidade de São Paulo, altura do n° 836, às 15 horas.

No arquivo do antigo DOPS/SP foi encontrado um documento

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da Polícia Civil de São Paulo-Divisão de Informações CPI/DOPS/SP que diz: Consta arquivado nesta divisão uma �cópia xerográfica do Laudo de Exame Necroscópico referente à epigrafada com data de 20 de novembro de 1973. (Teve o laudo �assinado antes de morrer?).

Apesar de haverem identificado Sônia Maria, os seus assassinos enterraram-na, como indigente, no Cemitério Dom Bosco, em Perús, sob o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. A troca proposital do nome de Sônia, demonstra a clara tentativa dos órgãos de repressão em esconder seu cadáver. A família de Sônia conseguiu obter através de processo de número 1483/79 na 1ª Vara Civil de São Paulo, a correção de identidade e retificação do Registro de Óbito.

Oficialmente morta, a família pôde transladar seus restos mortais para o Rio de Janeiro, em 1981.

Em 1982, na tentativa de apuração das reais circunstâncias da morte de Sônia, através de processo movido contra Harry Shibata, médico do IML/SP que atesta sua morte (inclusive assinando o atestado de óbito sob o nome falso e o laudo com nome verdadeiro), o IML/RJ constatou que os ossos entregues à família, enterrados no Rio de Janeiro, eram de um homem.

Para sepultar dignamente os restos mortais de Sônia, a família teve que fazer várias exumações, que chegaram a seis. A última exumação apresentava um crânio, sem o corte característico de autópsia e a família não aceitou os restos mortais, por desconfiar que seria mais um engano do Instituto Médico Legal de S. Paulo.

Em um de seus depoimentos à CPI realizada na Câmara Municipal de S. Paulo, Harry Shibata declarou que a descrição feita no laudo necroscópico de que houve corte de crânio, não corresponde à verdade, uma vez que essa descrição é apenas uma questão de praxe. Assim declarando, assumiu a farsa com que eram feitos os laudos.

Após serem identificados pela UNICAMP, seu restos mortais, finalmente, foram trasladados para o Rio de Janeiro no dia 11 de agosto de 1991.

De seu pai, o Tenente-Coronel da Reserva do Exército Brasileiro e professor de matemática, João Luiz de Morais:

Sônia Maria Lopes de Moraes, minha filha, teve seu nome �mudado após o seu casamento com Stuart Edgar Angel Jones, para Sônia Maria de Moraes Angel Jones. Ambos foram torturados e assassinados por agentes da repressão política, ele em 1971 e ela em 1973. Minha filha foi morta nas dependências

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do Exército Brasileiro, enquanto seu marido Stuart Edgar Angel Jones foi morto nas dependências da Aeronáutica do Brasil.Tenho conhecimento de que, nas dependências do DOI-CODI do I Exército, minha filha foi torturada durante 48 horas, culminando estas torturas com a introdução de um cassetete da Polícia do Exército em seus órgãos genitais, que provocou hemorragia interna.

Após estas torturas, minha filha foi conduzida para as dependências do DOI-CODI do II Exército, local em que novas torturas lhe foram aplicadas, inclusive com arrancamento de seus seios. Seu corpo ficou mutilado de tal forma, a ponto de um general em São Paulo ter ficado tão revoltado, tendo arrancado suas insígnias e as atirado sobre a mesa do Comandante do II Exército, tendo sido punido por esse ato. Procedi a várias investigações em São Paulo, visando a aferição desses fatos, inclusive tentando manter contato, porém sem êxito, com esse General, tendo tido notícia de que o mesmo sofrera derrame cerebral, estava passando mal e de que sua família se opunha a qualquer contato e a qualquer referência aos fatos relativos a Sônia Maria.

As informações sobre as torturas, o estupro, o arrancamento dos seios de Sônia Maria e os tiros, me foram prestadas pessoalmente pelo coronel Canrobert Lopes da Costa e pelo advogado Dr. José Luiz Sobral. Minha filha, em sua militância política, utilizava o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Em 1° de dezembro de 1973, ao ler no Jornal O Globo vi uma notícia � �sobre Esmeralda Siqueira Aguiar. Viajei imediatamente em companhia de minha mulher Cléa, de minha cunhada Edy, de minha outra filha, Ângela, e de meu futuro genro, Sérgio, para a cidade de São Vicente, dirigindo-me diretamente para a Rua Saldanha da Gama, 163, apto. 301, local onde residia Sônia Maria. Ao chegar a esse local, à noite, encontrei-o ocupado por alguns homens, em torno de 5 (cinco) ao que me recordo, membros das Forças da Segurança. Ao me recusar entregar minha carteira de identidade, cheguei a ser agredido. Após ter sido agredido, ameaçado de ser atirado do 3°andar e de ser metralhado por esses homens, consegui comunicar-me com o superior-de-dia do II Exército, em São Paulo, quando então, após identificar-me como Tenente-Coronel, consegui deste uma determinação por telefone diretamente a um dos 5 membros das Forças da Segurança, que me libertassem, mediante o compromisso de dirigir-me para um hotel em São Paulo, onde fiquei juntamente com minha mulher à disposição do II Exército e no dia seguinte prestei depoimentos no DOI-CODI.

Durante esse depoimento, indaguei aos interrogadores a respeito do paradeiro do corpo de minha filha, sendo que um destes respondeu que o corpo só poderia ser visto com a autorização do

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Comandante do II Exército.

Na tarde desse mesmo dia, viajei para o Rio de Janeiro em companhia de minha mulher para conversar com meu amigo, General Décio Palmeiro Escobar, Chefe do Estado Maior do Exército, já falecido, o qual me deu uma carta para ser entregue ao General Humberto de Souza Mello, carta essa em que o General Décio pedia ao ilustre companheiro e amigo que me � �liberasse, assim como minha mulher, de São Paulo, pois necessitávamos permanecer no Rio, onde dirigíamos um Colégio, bem como fosse liberado o corpo de Sônia para um sepultamento cristão.

Regressando a São Paulo em companhia de minha mulher, no dia seguinte, dirigi-me ao Quartel do II Exército para entregar a mencionada carta, sendo certo que o General Humberto não quis receber-me, e a carta foi levada pelo então Coronel Hugo Flávio Lima da Rocha, que, ao voltar do gabinete do General, deu a seguinte resposta: o General manda te dizer que, por causa desta �carta, você está preso a partir deste momento e, como seu velho �companheiro de Realengo, faço questão de, pessoalmente, levá-lo para o Batalhão da Polícia do Exército. No Batalhão da Polícia do Exército, fiquei preso durante 4 (quatro) dias, vindo a ser liberado, sem maiores explicações mas com a recomendação de que regressasse ao Rio, nada falasse, não pusesse advogado e �aguardasse em casa o atestado de óbito de Sônia que seria remetido pelo II Exército e, quanto ao corpo, não poderia vê-lo pois havia sido sepultado.�

Somente decorridos muitos anos pude entender minha prisão, ou seja, naqueles dias Sônia Maria ainda estava viva e sendo torturada e, na medida em que era mantido preso, era possível evitar minha interferência, ao mesmo tempo que, com essa prisão, buscavam amedrontar toda a família.

Apesar do desespero, das ameaças e do conseqüente apavoramento, a família continuou insistindo em conhecer os detalhes sobre a morte de Sônia Maria e, nessa procura, o referido advogado, José Luiz Sobral, que se dizia amigo comum da família e do General Adir Fiúza de Castro, então Comandante do DOI-CODI do Rio de Janeiro, prontificou-se em obter esclarecimentos diretamente com esse General. O Dr. José Luiz Sobral, ao retornar das dependências do DOI-CODI do I Exército, claudicava um pouco, e insinuava ter levado umas �cassetadas, trazendo-me um presente inusitado: um cassetete da �Polícia do Exército, mandado pessoalmente pelo General Fiúza para a família, com a recomendação que não falasse mais sobre o assunto, pois todos estavam falando demais.� �

Na ocasião, a família guardou o cassetete sem lhe dar maior

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importância e só recentemente, há uns 2 (dois) anos, é que pude fazer a interligação dos acontecimentos, ou seja, conclui estarrecido que o verdadeiro significado desse presente é que o mesmo General Fiúza nos enviava, como advertência, o próprio instrumento que provocara a morte de Sônia Maria. Este cassetete se encontra em meu poder, podendo ser apresentado a qualquer tempo.

A partir da morte de Sônia, todo final de semestre, nas Declarações de Herdeiros que prestava ao Ministério do Exército, colocava Sônia Maria Lopes de Moraes como minha herdeira, assinalando sempre que presumivelmente morta pelas �Forças de Segurança do II Exército, deixo de apresentar a certidão de óbito porque não me foi fornecida ainda pelo II Exército, conforme prometido. Essas declarações causavam mal-�estar entre os militares, tendo sido aconselhado pelo chefe da pagadoria do Exército a requerer a certidão diretamente ao Comandante do II Exército. Apresentado o requerimento, em setembro de 1978, recebi uma correspondência onde o General Dilermando Gomes Monteiro, então Comandante do II Exército, afirmava que não cabe ao II Exército fornecer o atestado �solicitado. No Cartório de Registro Civil do 20° Sub Distrito - Jardim América/SP, foi registrado o óbito de Esmeralda Siqueira Aguiar, filha de Renato A. Aguiar e de Lucia Lima Aguiar. O requerente procure o Cartório em causa, se assim o desejar. O �documento acrescentava, ainda, que mandara retirar do Cartório �referido, por pessoa indiscriminada, uma certidão de óbito registrada, que fora fornecida sem qualquer problema. A referida� correspondência, subscrita pelo Comandante do II Exército, foi o primeiro reconhecimento oficial da morte de Sônia Maria. Apesar de ter requerido o atestado de óbito em nome de Sônia Maria Lopes de Moraes, a resposta do Comandante do II Exército foi a entrega de uma certidão de óbito em nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Tempos depois da entrega desse atestado de óbito, tomei conhecimento de um outro documento, Auto de Exibição e Apreensão, datado de 30 de novembro de � �1973, em cujo verso há uma nota do DOI-CODI do II Exército, onde, no final, consta um em tempo: material encontrado em �poder de Esmeralda Siqueira Aguiar, cujo nome verdadeiro é Sônia Maria Lopes de Moraes.

No Cemitério de Perus, consegui encontrar o registro de sepultamento de Esmeralda Siqueira Aguiar, na Quadra 7, Gleba 2, Terreno 486, com algumas rasuras, em datas principalmente. Nessa oportunidade, os ossos de Sônia não podiam ser exumados porque estava sepultado na parte de cima um outro cadáver. Tivemos que aguardar ainda 3 (três) anos para a pretendida exumação, ocorrida em 16 de maio de 1981. Nessa ocasião reclamei das divergências existentes entre o que constava do laudo assinado pelos legistas Harry Shibata e Antônio Valentine

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e a realidade da ossada retirada, pois, ao contrário do que constava nesse laudo, o crânio que seria o de Sônia não apresentava nenhum orifício de entrada ou saída de projétil de arma de fogo e estava inteiro. Apesar dessas discrepâncias, levamos os ossos para o Rio de Janeiro, sepultando-os no Cemitério Jardim da Saudade, mais precisamente no Lote 18874, Espaço B, Setor IV, e, durante um ano, todos os sábados, juntamente com minha mulher, ia ao Cemitério e levava flores em homenagem a minha filha.

Além da ação proposta na I Vara de Registros Públicos para retificação de identidade, intentamos outra na Auditoria Militar de São Paulo, pleiteando a abertura de IPM para averiguar as verdadeiras causas da morte de minha filha, bem como a falsidade da certidão e laudo assinados por Harry Shibata e Antonio Valentine. Esse processo, na Auditoria Militar, teve seu curso normal até que o Comandante da II Região Militar, General Alvir Souto se negou a cumprir determinação do Juiz para a abertura de IPM, alegando insuficiência de provas.

Nessa ocasião a Juíza Dra. Sheila de Albuquerque Bierrembach determinou a exumação dos restos mortais sepultados no Cemitério Jardim da Saudade, bem como o seu exame pelo IML do Rio de Janeiro, constatando esse Instituto que aquela ossada não pertencia a Sônia, mas sim a um homem, negro, de aproximadamente 33 anos de idade.

Diante do estranho resultado dessa última exumação, a mesma Juíza Sheila Bierrenbach determinou que se fizessem, no Cemitério de Perus, tantas exumações quantas fossem necessárias até serem encontrados os restos mortais de Sônia Maria. Nessa busca, participei juntamente com minha mulher, familiares e amigos ainda de mais 4 exumações nesse mesmo Cemitério de Perus. Terminada a última dessas exumações foi encontrada uma ossada, que poderia ser a de Sônia. Porém, o crânio encontrado também não estava seccionado e os orifícios de entrada e saída de projéteis não coincidiam inteiramente com o laudo. Não tínhamos então a ficha dentária de Sônia, que havia sido perdida por seu dentista no Rio de Janeiro, Dr. Lauro Sued. Não tínhamos elementos de convicção para aceitar aqueles restos mortais como sendo os de Sônia e, por isso, tentamos impugnar as conclusões do IML de São Paulo, apresentando 11 quesitos e 10 fotografias do crânio de Sônia quando esta tinha 11 anos de idade. A juíza, Dra. Sheila, finalmente, aceitou a conclusão do IML de São Paulo, no sentido de que aqueles eram, oficialmente, os restos mortais de Sônia Maria de Moraes Angel Jones. �DEVANIR JOSÉ DE CARVALHO

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UM EXEMPLO DE RESISTENCIA E DE LUTA DE CLASSE OPERÁRIA

Thainá Siudá e Fernanda Toscano

Mineiro, nascido no dia 15 de julho de 1943, na cidade de Muriaé, Devanir era filho de José Carvalho e Esther Campos de Carvalho e irmão de Derli, Daniel, Joel, Jairo e Helena. Na década de 1950, sua família, de origem camponesa, mudou-se para São Paulo, para a região do ABCD. Era a época do início da instalação das indústrias metalúrgicas e automobilísticas na região.Juntamente com seus irmãos Derli, Daniel e Joel, com quem aprendeu o ofício de torneiro mecânico desde a adolescência, trabalhou nas indústrias da região Villares e �Toyota, entre outras. Em 1963, casou-se com Pedrina, com quem teve dois filhos: Carlos Alberto José de Carvalho e Ernesto Devanir José de Carvalho.

A clandestinidade

Em 1963, logo que se empregou, uniu-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, militou por reformas de base e participou de greves, passeatas operárias e outras formas de mobilização. Nesse mesmo ano ingressou no Partido Comunista do Brasil, no qual militou até 1964. Depois do golpe militar, mudou-se para o Rio de Janeiro, devido às perseguições, e lá continuou sua militância na clandestinidade, trabalhando como motorista de táxi.

Em 1967, Devanir uniu-se à Ala Vermelha, dissidência do PCdoB. Em 1969, voltou para São Paulo e, depois de se desligar da Ala Vermelha, fundou o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).

O que foi a Ala Vermelha

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A Ala Vermelha originou-se do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Este, por sua vez, é fruto de uma cisão no Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas considera-se o verdadeiro continuador do partido fundado em 1922. A ruptura deu-se a partir da crítica ao pacifismo do PCB, que se definira por mudar o sistema pela via institucional.

Com o golpe de Estado de 1964, o PCdo B reafirma a Guerra Popular como caminho da luta revolucionária no Brasil, diferenciando-se do pacifismo do PCB e também da via da guerrilha urbana adotada pelas novas dissidências do PCB, a exemplo de Aliança Libertadora Nacional (ALN).A Conferência do PCdoB realizada em 1967 provocou divisões internas, entre as quais se situa a do grupo de militantes oriundos, em sua maioria, do movimento estudantil, e em menor escala de setores operários do ABCD paulista e de integrantes das Ligas Camponesas. Este grupo fundou uma nova organização chamada Ala Vermelha.

A Ala Vermelha fez a crítica do PCdo B, fundamentalmente, em três aspectos:

1) Análise da realidade brasileira, caracterizada como �semifeudal, que exigiria uma etapademocrático-nacional. A Ala tendia a afirmar o caráter capitalista da economia brasileira; 2) relegação, a segundo plano, da preparação da guerra popular. �A Ala se propunha aorganizar um partido de novo tipo em �função da luta armada; �3) autoritarismo dos dirigentes do PCdoB na condução dos �debates relativos àsdivergências internas.

Embora reafirmando a estratégia maoísta da Guerra Popular Prolongada, com o cerco das cidades pelo campo, a Ala Vermelha considerava a necessidade de implantação imediata de um foco guerrilheiro rural como embrião do futuro Exército Popular e a formação de grupos armados na área urbana, para ações de apoio ao campo.

Partiu para a ação e foi o primeiro grupo a realizar ações armadas no Brasil, durante a ditadura militar, já no ano de 1968. Essas ações eram dirigidas pelo Grupo Especial Nacional (GEN), do qual participava Devanir Carvalho.

Uma intensa repressão desencadeada em 69 levou a Direção Nacional a conduzir uma profunda reflexão interna, a qual levou às conclusões contidas num documento de 16 pontos. A autocrítica considerava que a organização vinha tendo uma prática militarista e reorientava a linha política para a realização de trabalho de massa, especialmente no meio operário e nos

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bairros populares.

MRT A hora e a vez das armas �

O Grupo Especial Nacional (GEN) não aceitou a reorientação e, saindo da Ala, criou o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), retomando o nome de uma organização criada por militantes das Ligas Camponesas, que se preparava para desenvolver a luta armada, quando foi dizimada logo após o golpe militar de 1964.

Pequena, mas combativa e eficiente, já em dezembro de 1969, o MRT realizou ações armadas em conjunto com outros grupos guerrilheiros com os quais formou uma Frente (ALN, VPR e REDE). Foram assaltos simultâneos a dois bancos. Essa ação teve grande repercussão porque a ditadura militar vinha alardeando o fim do terror, após o assassinato de Carlos � �Marighella, ocorrido em novembro daquele ano ( V. A Verdade, Ano I nr. 12 ).

O MRT passou todo o ano de 1970, com a Frente, realizando ações armadas de expropriação e o seqüestro do cônsul-geral do Japão em São Paulo para obter a libertação de presos políticos. No início0 de 1971, começou um processo de debates para formulação de sua linha política, mas a repressão se abateu pesada e dizimou seus principais dirigentes (Devanir Carvalho, Joaquim Alencar de Seixas e Dimas Antônio Cassemiro, inviabilizando a continuidade do movimento político-militar.

A prisão

Por volta de 11 horas da manhã do dia 5 de abril de 1971, Devanir chegou à Rua Cruzeiro, n° 1111, Bairro de Tremembé, em São Paulo, onde foi recebido pela polícia com uma rajada de metralhadora, que o deixou imobilizado. Levado para o Deops, passou a ser torturado pelo delegado Sérgio Fleury e sua equipe. Foi assassinado por volta das 18 horas do dia 7 de abril de 1971.

Segundo a versão policial, Devanir foi morto em confronto com a polícia, mas o próprio delegado Fleury fazia questão de deixar claro que pretendia prendê-lo e levá-lo à morte por meio de tortura. Esses avisos eram mandados pelos próprios irmãos de Devanir, que permaneceram presos de 1969 a 1970. Fleury dizia: Avisem ao Henrique (nome de guerra de Devanir) que �encomendei nos Estados Unidos um bastão tranqüilizante para poder pegá-lo vivo e que serei eu, pessoalmente, que o pegarei no pau. A família de Devanir prefere aceitar a versão de que ele �foi morto em confronto com a polícia: É melhor para nós. É �muito difícil pensar que meu pai foi torturado até a morte, diz �Ernesto, seu filho.

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Depois da morte de Devanir, Pedrina chegou a ficar presa durante um mês, passando por torturas e conseguindo ser solta em seguida. Em julho de 1971, refugiou-se no Chile juntamente com seus filhos. Em 1973, Joel e Daniel, irmãos de Devanir que se encontravam no Chile, fizeram uma tentativa de voltar ao Brasil para regressar à luta, mas a partir daí são considerados desaparecidos políticos, não tendo até hoje seus corpos sido encontrados. Pedrina só regressou ao Brasil com seus filhos, três meses antes da anistia, em 1978.

Sem nenhuma fotografia que retrate o pai todas foram levadas �pela polícia , Ernesto, filho de Devanir, diz que tentou formar a �imagem da figura paterna: Tenho uma foto em que ele está com �o rosto coberto para não ser identificado. Há uma outra em que está comigo e meu irmão, mas foi tirada de muito longe e não dá para reconhecê-lo. O que restou foi uma foto 3x4, onde ele está disfarçado, barbeado e de óculos.�

O reconhecimento

Devanir foi muito reconhecido em países como Portugal, Argentina, França e Brasil, onde sua família esteve exilada. Embora a polícia, cão-de-guarda da ditadura militar fascista, tenha feito de tudo para que Devanir fosse conhecido como criminoso, não conseguiu esconder o que ele foi, verdadeiro herói da luta pela libertação da classe operária do jugo da exploração capitalista. Hoje, sua história também é relembrada em uma escola municipal em Diadema, que se chama Devanir José de Carvalho e que comemorou seus 10 anos em outubro, servindo de exemplo para a juventude e a classe operária que ainda sofrem com a opressão do sistema capitalista. ____________________________________________________________________________________________________

FONTES

- Dos Filhos deste solo, Nilmário Mário Miranda e Carlos Tibúrcio- Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964, Comissão de Familiares, Instituto de Estudo da Violência do Estado e Grupo Tortura Nunca Mais.- Perfil dos Atingidos. Projeto: Brasil: Nunca Mais, Arquidiocese de São Paulo.

Frederico Eduardo Mayr

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Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).

Nasceu em Timbó, Santa Catarina, em 29 de outubro de 1948, filho de Carlos Henrique Mayr e Gertrud Mayr.

Foi baleado e preso pelos agentes do DOI/CODI-SP no dia 23 de fevereiro de 1972, na avenida Paulista, em São Paulo.

Levado às câmaras de tortura do DOI/CODI, apesar de ferido com um tiro no abdômen. Frederico foi visto pelos outros presos recolhidos àquele órgão de repressão política, sendo torturado na chamada cadeira de dragão.� �

Vários companheiros, estiveram com ele antes de ser morto pelos torturadores. Entre os quais, José Carlos Gianini, que afirma não haver possibilidades de Frederico ter travado tiroteio com os policiais, nem mesmo se tivesse conseguido fugir, pois estava muito debilitado devido ao ferimento a bala e às torturas.

Segundo os depoimentos desses presos, foi torturado até a morte pelos integrantes da Equipe C do DOI/CODI paulista, � �investigador de Polícia Federal Oberdan, investigador de polícia � �do DEOPS lotado no DOI/CODI Aderval Monteiro, vulgo Carioca, escrivão de polícia Gaeta, vulgo Mangabeira e um � � � �policial conhecido como Caio, da Polícia Civil de São Paulo, � �todos comandados pessoalmente pelo hoje general da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI e pelo vice-chefe, Tenente-Coronel Dalmo Lúcio Muniz Cirillo.

No processo n° 100/72 da 2ª Auditoria Militar de São Paulo, vários presos políticos denunciaram a prisão e morte de Frederico, pois o estavam processando como revel, quando o

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Juiz Nelson Machado Guimarães fez excluir seu nome, extinguindo sua punibilidade por morte, só reconhecida naquele momento. As várias denúncias feitas nunca foram registradas devido à negativa do referido juiz.

Enterrado sob nome falso no Cemitério Dom Bosco, em Perús/SP, seus restos mortais estavam na Vala de Perus. A ossada de n° 246 era de Frederico, sendo identificada, em 1992, no Departamento de Medicina Legal da UNICAMP. Seus restos mortais foram trasladados para o jazigo da família, no Rio de Janeiro, em 13 de julho de 1992.

Todos documentos policiais têm seu nome verdadeiro e na ficha individual (documento do DOPS/SP 30Z-165-124), além do nome verdadeiro, dados de qualificação, ficha datiloscópica e fotos de frente e de perfil, há também os nomes falsos. Portanto, Frederico foi identificado pelos órgãos da repressão. No DOPS/SP foi encontrada ficha individual , feita no dia 24 de fevereiro de 1972, pelo Serviço de Identificação do Exército com fotos de Frederico ainda vivo, catalogada no DOI sob o n° 1112 e que dá como local da prisão a avenida Paulista e data de 23 de fevereiro de 1972. No entanto, sua certidão de óbito foi lavrada em nome de Eugênio Magalhães Sardinha e enterrado como indigente no Cemitério de Perús/SP.

Assinaram o laudo da necrópsia os médicos legistas Isaac Abramovitch e Walter Sayeg.

Um documento encontrado no arquivo do antigo Dops/SP, conta a mesma história afirmada pelo IML. O que impressiona na versão oficial são os detalhes do inacreditável tiroteio, onde ele teria morrido. Diz o documento, que os guerrilheiros, a bordo de um fusca começaram a atirar contra os policiais sem serem �provocados. No combate que aconteceu, só Frederico caiu morto� e os demais ocupantes do veículo não foram mais citados, nem como presos, nem como foragidos.

Dona Gertrud, sua mãe, dá o seguinte depoimento:

O segundo de meus três filhos, Frederico foi educado com muito� amor dentro dos mesmos princípios que eu recebi de meus pais. Em meio aos valores encontrados em Timbó, área de colonização européia, lugar onde eu nasci e fui criada, Frederico cedo aprendeu que todos os homens são iguais e têm o seu valor próprio independente de seu trabalho. Ainda criança, veio para o Rio de Janeiro. Viemos todos. Seu pai, Carlos Henrique Mayr é médico e estabelecido com sucesso na Zona Sul do Rio de Janeiro. Convivendo no meio agitado do Rio, Frederico manteve o ensinamento de como a liberdade de um limita a liberdade do

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próximo, esforço que fiz para prepará-lo a viver harmoniosamente na coletividade. Sempre atento às necessidades dos outros e generoso, demonstrava grande sensibilidade, qualidades próprias que, combinadas com a formação que Ihe dei, o levaram a se preocupar com o próximo. Cursou o primário na escola municipal Dr. Cócio Barcellos, uma escola da rede pública em Copacabana, próxima de nossa casa, ensino igual para todos, princípio que achávamos importante em sua educação. Fez seu curso ginasial e científico no Colégio Mallet Soares, também em Copacabana. Ingressou na Faculdade aos dezoito anos de idade. Foi um escoteiro exemplar, dos sete aos dezesseis, na Tropa Baden Powell. Gostava muito da vida em contato com a natureza, dos acampamentos. Praticou a pesca submarina na adolescência. Era namorador e queria ser arquiteto.

Cursava o segundo ano da Faculdade de Arquitetura da UFRJ e se dedicava às artes plásticas, quando foi forçado, pelas circunstâncias, a sair de casa para viver na clandestinidade. Tinha um futuro promissor pela frente, tanto na arquitetura como nas artes. Seu desempenho foi elogiado tanto por seus professores na faculdade, e entre eles Ubi Bava, como por artistas plásticos com quem se relacionava, Ilio Burrini e Ivan Serpa, os mais próximos. Serpa foi o primeiro que lhe ensinou os segredos das tintas e dos pincéis e como dividir o espaço nas telas. Participou coletivamente de sua primeira exposição apresentando dois trabalhos aos quinze anos. Frederico não foi o filho que eu perdi, mas o meu filho que todos nós perdemos. Quando existe um nascimento, sabemos que vai existir a morte. Mas o que aconteceu comigo, com a minha família e outras em situação semelhante, não segue a lei natural.

O que se passou conosco foi uma afronta à dignidade humana. Frederico Eduardo, julgado e absolvido, no Conselho Permanente de Justiça, em 21 de setembro de 1972, inocência confirmada no STM em 15 de fevereiro de 1974, já não era vivo. Baleado, preso e torturado por agentes do DOI/CODI de São Paulo, Frederico Eduardo havia morrido em 22 de fevereiro de 1972, fato que só vim a saber muitos anos depois.

Em outro depoimento sua mãe conta:

Em 1969, em um dos primeiros processos nas Auditorias �Militares do Rio de Janeiro, meu filho viu-se envolvido em uma ação penal que tinha como co-réus os cidadãos Jorge Raymundo Jr., Carlos Fayal, Carlos Alberto Nolasco e outros, sendo Frederico condenado à revelia à pena de três anos. Essa condenação motivou protesto de Jorge Raymundo em plena sessão de julgamento, quando, aos gritos, disse que Frederico era inocente.

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A partir dessa condenação, meu filho entrou para a clandestinidade. A família recebeu um bilhete dele pedindo para trancar matrícula na Faculdade. Não recebemos mais informações dele.

No final de 1972, em uma outra ação penal na Justiça Militar do Rio de Janeiro, foi juntado por um advogado um recorte de jornal que noticiava a morte de Flávio Carvalho Molina. Embora essa notícia não mencionasse Frederico, a família pediu ao advogado Mário Mendonça que fosse a São Paulo para obter informações. O advogado voltou dizendo que nada constava em São Paulo segundo as informações que recebera das autoridades sobre uma eventual prisão ou morte de Frederico. Foi neste momento que Nelson Lott me perguntou se Frederico ainda estava vivo. A partir desse instante tomei consciência de que meu filho pudesse ter sido preso e eventualmente morto.

Foi somente em 1979, quando da promulgação da Lei de Anistia, que vimos o nome de meu filho ser publicado em listas dos Comitês Brasileiros pela Anistia, ora como morto, ora como desaparecido. Membros do CBA/SP procuraram familiares meus no Rio de Janeiro com cópias de documentos do processo, onde as autoridades judiciárias extinguiam sua punibilidade por ter sido morto por órgãos de segurança e enterrado no Cemitério de Perus sob o falso nome de Eugênio Magalhães Sardinha. Na justiça foi feita retificação do assentamento de óbito, substituindo os dados falsos pelos verdadeiros. Após ter sido encontrado enterrado em Perus, sob o nome falso de Nelson Bueno, o perseguido político Luis Eurico Tejera Lisboa (o primeiro desaparecido político encontrado), em 1979, fui ao Cemitério de Perus para buscar informarções sobre meu filho e naquele registro não constava o nome de Frederico nem se encontrou anotações com o sobrenome Sardinha.

Apesar da informação da morte constar em processo na Justiça Militar, meu filho continuou a responder a outras ações penais em outras auditorias militares. �

Jornal A Notícia/Joinvile - 04/07/03

Outra vítima inocente da cadeira do dragão

"Segundo de meus três filhos, Frederico foi educado com muito amor dentro dos preceitos que recebi de meu pai. Desde cedo aprendeu que os homens são iguais e têm o seu valor próprio independente de seu trabalho. Era namorador, queria ser

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arquiteto. Frederico não foi o filho que eu perdi, mas o filho que todos nós perdemos. O que se passou conosco foi uma afronta à dignidade humana. Frederico, julgado e absolvido, inocência reafirmada no Superior Tribunal Militar em 1974, já não era mais vivo. Baleado, foi preso e torturado até morrer, três dias depois".

(Depoimento da mãe de Frederico, Gertrud Mayr)

Mesmo absolvido em inquérito policial, Frederico Eduardo Mayr foi preso e torturado até a morte em 1972

A cadeira do dragão contabilizava mais uma vítima. O jovem sobre o assento agonizava com o buraco de tiro na barriga, recebido horas antes. A equipe "C" estava a postos. Oberdan, Carioca, Mangabeira e Caio, todos policiais civis paulistanos formados na arte da tortura pela cartilha do hoje general da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, insistiam em protagonizar o sofrimento com choques elétricos e batidas com uma madeira dura nas debilitadas pernas do rapaz. A cadeira era um instrumento de tortura pesado, com zinco em sua base. Na parte posterior havia terminais de choque, aplicados em todas as partes do corpo. Tinha também uma travessa de madeira que empurrava as pernas para trás. A cada espasmo do choque, as pernas batiam na travessa, causando ferimentos. Frederico Eduardo Mayr, 24 anos, pedia clemência a seus sarcásticos algozes. Em vão. Torturado por mais 72 horas ininterruptas, não resistiu e morreu.

Frederico Eduardo Mayr era o do meio de uma família com três filhos. Alegre, comunicativo, tinha inclinação para as artes, principalmente as plásticas. Seus quadros continham cores vivas, mostrando o cotidiano de sua vida. Seu sonho era ser arquiteto. Filho de descendentes alemães e suíços, nasceu em Timbó em 1948 e enfrentou desde cedo uma educação rígida do pai. "Nada do que os filhos faziam era bom", recorda a mãe, Gertrud.

A mãe sempre se preocupou com a educação dos filhos. Sempre que podia, levava as crianças a exposição de artes, concertos musicais e museus. Isso ficou mais freqüente quando a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde o patriarca, Carlos Henrique, médico, iria clinicar. Frederico não tinha intimidade com a música; preferiu a pintura. Ao contrário de sua mãe, que sempre dedilhava canções clássicas no piano recostado na sala de estar da residência da família. Como não tinha muito dinheiro para comprar material, Frederico improvisava. Construía suas próprias telas, o que dava ainda mais originalidade a seu trabalho.

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Convivendo com a agitação cultural do Rio de Janeiro da década de 60, Frederico aos poucos construiu um círculo de amizades onde pôde debater política e sociedade sem constrangimentos. O grupo se reunia de tempos em tempos para discutir a situação do País, ações que pudessem ser feitas para melhorar as condições sociais da maioria da população. Daí para a militância foi um passo. Depois de 1968, integrou-se ao Movimento de Libertação Popular (Molipo) e passou a efetuar ações coordenadas com o grupo. Passou a viver na clandestinidade.

Na versão oficial, teria sido preso em 23 de fevereiro de 1972, na avenida Paulista, quando fazia contatos com companheiros estabelecidos em São Paulo. O inquérito policial militar aponta para um tiroteio entre Frederico e policiais, quando ele foi ferido na barriga. Um documento encontrado posteriormente pela família no Dops dá detalhes do inacreditável tiroteio, em um texto recheado de contradições. Diz o documento "que os guerrilheiros, a bordo de um Fusca, começaram a atirar contra os policiais sem serem provocados". No combate que teria acontecido, só Frederico foi baleado e os demais ocupantes do veículo não foram mais citados, nem como presos, nem como foragidos. Frederico foi enterrado como indigente no cemitério de Perus e seus restos mortais só foram identificados oficialmente em 1992.

"A arte amenizou minha dor"

Blumenau - Demorou longos anos para que Gertrud Mayr convivesse com mais naturalidade com a perda trágica do filho Frederico. O ópio para a dor veio das artes. Foi só depois que começou a pincelar telas que ela conseguiu alento para continuar vivendo. "A arte amenizou minha dor da perda", reconhece Gertrud, enquanto passeia com as mãos pelas obras que faz questão de mostrar num ateliê improvisado na casa de idosos onde vive, em Blumenau. "Agora consigo falar sobre isso e entendo que o sacrifício dele está servindo. Um pouco, mas está servindo".

Gertrud lembra da perseguição que a família teve de suportar enquanto Frederico não era detido. "É quase como morrer aos poucos", relembra, ao contar a revista de policiais na casa da família no Rio de Janeiro. "Um deles chegou a pegar o menino, o Luiz Roberto (outro filho) para interrogar", diz. Outro alívio para dona Gertrud foi encontrar os restos mortais do filho, na vala de Perus, em São Paulo. Foi um peso retirado dos ombros. "Se não tivesse recebido a identidade do meu filho não estaria assim, vivendo. Estaria um caco, talvez até em cadeira de rodas", acredita. No pequeno apartamento do lar onde vive, guarda fotos e quadros pintados por Frederico.

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Os irmãos Carlos Henrique, médico, 56 anos, e Luiz Roberto, arquiteto, 46, continuam sofrendo com a morte de Frederico. "À medida que o tempo vai passando fica ainda mais difícil lidar com tudo isso", reconhece Luiz Roberto. "Essas pessoas foram à luta, atrás de seus ideais. É um exemplo que fica", diz ele. Quando passou a viver na clandestinidade, Frederico perdeu um pouco do contato com a família. Ele foi julgado por participação em assalto a banco e condenado à revelia. O pai se recusou a pagar advogado, deixando o caso para a defensoria pública. "Quando Frederico pediu ajuda ao pai, ele não levou a sério", recorda Gertrud. Foi a partir da condenação que ele passou a viver na clandestinidade, depois de trancar a matrícula na faculdade de arquitetura. (LFA)

Nome Frederico Eduardo Mayr

Nascimento 1948, em Timbó/SC

Profissão Estudante

Militância Movimento de Libertação Popular (Molipo)

Morto em 1972. Corpo localizado na vala de Perus e identificado em 1992. Enterrado no jazigo da família, no Rio de Janeiro

Luís Eurico Tejera Lisboa  

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Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).

Nasceu em Porto União (SC), filho de Eurico Siqueira Lisbôa e Clélia Tejera Lisbôa, o mais velho dentre sete irmãos.

Cedo iniciou sua militância política na Juventude Estudantil Católica. Integrando-se ao PCB, alternava suas atividades entre Santa Maria, onde residia na JUC, e Porto Alegre. Pertenceu à Direção Estadual do PCB até o do VI Congresso, quando passou a integrar a Dissidência/RS.

Estudava, então, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, centro da efervescência do movimento estudantil secundarista.

No Júlio de Castilhos, haviam fechado o Grêmio Estudantil, em meio à intensa agitação provocada pela tentativa da direção de cobrar uma taxa e, ao mesmo tempo, a proibição do uso de mini-saias e cabelos compridos. O Grêmio foi instalado em uma barraca, em frente à escola, concentrando os alunos em assembléias permanentes e de onde saiam freqüentes passeatas que se uniam aos universitários nos protestos contra o acordo MEC-USAID, pelo ensino gratuito, reunindo as forças que protestavam contra a ditadura militar. Luiz Eurico e os integrantes do Grêmio fechado acabaram sendo expulsos do

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Colégio.

Passou a ser membro da Diretoria da União Gaúcha dos Estudantes Secundários.

Ao mesmo tempo, a radicalização da ditadura passou a exigir novos posicionamentos. Luiz Eurico questiona a Dissidência para a concretização de ações armadas, ligando-se à VAR-PALMARES. Permanece na VAR como membro de sua Direção Regional até a realização do Congresso da Organização, em 1969, quando integra a ALN.

Nesse período, foi preso algumas vezes durante manifestações estudantis. Ao tentar, junto aos alunos do Júlio de Castilhos, como membro da UGES, a reabertura do Grêmio fechado, foi mais uma vez preso e indiciado em IPM.

Já casado, trabalhando como escriturário no Serviço Nacional de Indústrias SENAI parecia ter encontrado seu caminho. Fora, � �inclusive, absolvido por unanimidade no IPM, comparecendo à Auditoria Militar no dia do julgamento.

No final de outubro de 1969, foi surpreendido por uma notícia de jornal com sua condenação a seis meses de prisão no referido processo, após grosseira falsificação dos prazos de recurso. Não lhe restou outra alternativa: passou à clandestinidade.

Esteve algum tempo em Cuba, retornando ao País em 1971, estabelecendo-se em Porto Alegre, na tentativa de reorganizar a ALN no Estado.

Foi preso em circunstâncias desconhecidas em São Paulo, na primeira semana de setembro de 1972 e desaparecido desde então.

Somente em junho de 1979, a Comissão de Familiares do CBA, consegue reunir pistas para a elucidação dos desaparecimentos, localizando Luiz Eurico enterrado, sob o nome de Nelson Bueno, no Cemitério Dom Bosco, em Perus. Ao mesmo tempo em que a ditadura pretendia sepultar a luta pelos desaparecidos entregando aos familiares um atestado de morte presumida através da Anistia, apresentava-se à Nação um atestado de óbito de um dos desaparecidos, cuja prisão e assassinato tinham ocultado.

A versão oficial para sua morte era de suicídio e, para corroborá-la, foi inclusive montado Inquérito na 5ª DP de São Paulo, sob o número 582/72.

A farsa do suicídio é desmascarada pelos depoimentos contraditórios das testemunhas arroladas, bem como pela própria

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conclusão do inquérito: Luiz Eurico, deitado na cama do quarto da pensão em que morava, teria disparado alguns tiros a esmo antes de embrulhar uma de suas armas (as fotos mostram um revólver em cada mão) na colcha que o cobria e disparar um tiro em sua própria cabeça, no dia 3 de setembro de 1972. Pelo quarto havia marcas de disparos diversos, inclusive em direção ao próprio Luís Eurico.

Em processo aberto na 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, em 25 de outubro de 1979, foi solicitada a reconstituição da identidade e retificação do registro de óbito, que recebeu o n° 1288/79.

Apesar do pedido inicial ter sido deferido em 7 de novembro de 1980, o inquérito policial de Luís Eurico foi reaberto por ordem do Juiz da 1ª Vara, pois o corpo exumado da sepultura de Nelson Bueno não correspondia ao laudo descrito no processo os ossos �apresentavam fraturas indiscriminadas e não os orifícios correspondentes ao tiro no crânio com que, na versão policial, Luís Eurico teria se suicidado.

O inquérito foi encaminhado pelo Procurador-Geral da Justiqa da 2ª Vara Auxiliar do Júri de São Paulo, e enviada pelo Procurador Dr. Rubens Marchi, para o Departamento de Investigações Criminais DEIC.�

A pedido do Delegado Francisco Baltazar Martins, encarregado das investigações, foram realizadas novas exumações no Cemitério Dom Bosco, em Perus, até ser encontrado um corpo que correspondia às características da morte de Luís Eurico.

Durante a nova fase de investigações, são evidentes as manobras realizadas junto aos moradores da pensão onde Luís Eurico teria sido encontrado morto, chegando até algumas delas a mudar, por completo, o depoimento feito em 1972. Tais fatos não foram, entretanto, suficientes para processar a União pelo assassinato de Luís Eurico e, por falta de provas, o inquérito foi novamente arquivado, ratificada a conclusão de suicídio e entregues seus ossos, que foram trasladados do Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo, para Porto Alegre, em 2 de setembro de 1982, 10° ano de seu assassinato.

Em 1994 foi lançado o livro Condições Ideais para o Amor da � �Editora Tchê e Instituto Estadual do Livro, com poesias e cartas de Luis Eurico Tejera Lisboa e depoimentos de pessoas que o conheceram.

No livro está publicada uma carta de sua mãe, Clélia Tejera Lisbôa, escrita quando soube da descoberta do corpo de seu filho:

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Faz hoje vinte dias que fiquei sabendo dos acontecimentos �relacionados com a morte de meu filho Luiz Eurico Tejera Lisbôa, desaparecido na primeira semana de setembro de 1972 e localizado, há mais ou menos dois meses, no cemitério de Perus, Estado de São Paulo, sob o falso nome de Nelson Bueno.

Por estar em Salvador da Bahia, acompanhando uma fiilha que fora hospitalizada, meus familiares não quiseram comunicar-me logo o que ocorria em relação a Luiz Eurico. Só tomei conhecimento dos fatos após meu retorno a Porto Alegre.

Antes de mais nada, quero deixar bem claro que a versão suicídio, dada por ocasião de seu assassinato, jamais será aceita por mim ou por qualquer pessoa que o tenha conhecido de perto. Quanto às tentativas de enlamear seu nome, são torpes e nojentas demais para que me digne a discuti-las. Partindo de quem partiram, nem sequer me causam surpresa. Os amigos de meu filho, os que de um ou outro modo conviveram com ele, sabem que Luiz Eurico era um jovem idealista e estudioso. Seu único vício era a leitura, numa preocupação constante com o momento político-econômico deste país, indo à raiz dos fatos e buscando entender suas causas.

Releio neste momento a Declaração apresentada no 1° Encontro Estadual de Grêmios Estudantis, realizado de 21 a 23 de junho de 1968, cuja redaçäo esteve a seu cargo. Escrevendo, e lendo alguns trechos em voz alta para que eu pudesse acompanhar seu pensamento, dizia ele a certa altura:

A juventude já não aceita refugiar-se no intelectualismo oco de �outros tempos, mas também recusa-se a compactuar, por assentimento ou omissão, com uma ordem social que desumaniza o indivíduo e destina à fome e à mais completa ignorância quase dois terços da humanidade.

A cultura deve extravasar os círculos limitados do deleite ou realização pessoal para assumir o papel de agente dinâmico na transformação da sociedade.

Este mundo de guerras, de sobressaltos e insegurança, do lucro como motor de desenvolvimento, dos grandes monopólios subordinando aos interesses de uma minoria todos os aspectos da vida social, este mundo dividido em explorados e exploradores, em que a fome elimina anualmente milhares de vezes mais vidas humanas do que a criminosa guerra do Vietnã, este mundo perdeu sua razão de ser, quando se consomem milhões de dólares para matar a outro homem, quando os orçamentos militares são constantemente aumentados em detrimento de necessidades vitais, quando a separação entre humildes e

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poderosos atinge as proporções de um verdadeiro cataclisma, quando as mais ponderadas manifestações de alerta são silenciadas a bala, quando o descontentamento se torna universal e o indivíduo desfalece nas tramas de forças materiais que ele não dirige e muitas vezes não compreende.�

Este era o terrorista Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Seu dizer era claro, firme e coerente com seu modo de pensar e agir. Seus aterrorizados assassinos, com a cabeça vazia de idéias, souberam apenas empunhar uma arma. Qualquer pessoa com inteligência mediana percebe logo que, tanto ele como vários de seus companheiros também assassinados, constituíam realmente um perigo em potencial. Eram inteligentes, estudiosos, sabiam pensar por si mesmos. Haverá razão mais forte para exterminá-los?

Faz hoje vinte dias que venho tentando desviar meu pensamento dessa realidade brutal. Meus olhos estão cansados de chorar. Mas não se enganem. Não choro de pena do meu filho que, onde quer que esteja, deve estar muito bem. É apenas de saudade. Creio numa outra vida. A morte rápida de torturadores me dá a maior certeza disso. Ninguém devendo tanto pode escapar assim ligeirinho se não for pagar em outro lugar.

Os Torturadores Pagarão

Pelas noites de vigília que passei chorando a ausência de meu filho e a incerteza de seu destino;

Pelos dias, horas e minutos que vivi, numa quase obsessão, esperando que alguém chegasse, de repente, ao meu apartamento, para me dizer onde e como ele estava;

Pelos sete anos que passei sem poder me concentrar em nada, porque em minha mente só cabia sua imagem;

Pelo medo, que tantas vezes me assaltou, de tê-lo de volta inútil e deformado pelas torturas;

Pela miséria mais horrível que eu vi neste Brasil de norte a sul;

Pela vergonhosa impunidade dos torturadores e assassinos;

Pela saudade mais cruel que me acompanhou ao longo destes sete anos e que agora há de prolongar-se até o fim dos meus dias;

Por toda a transformação que meu filho tanto desejou ver neste país faminto e esquecido;

Tenho a mais profunda convicção de que uma força, bem maior

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que a capacidade de matar de seus assassinos, há de dar o merecido castigo aos que planejaram e determinaram, aos que, por aceite ou omissão, participaram e aos que executaram todo esse horror que está aí, presente, nas faces e nos olhos de mães, esposas, filhos e irmãos daqueles que foram estupidamente torturados e assassinados e dos que ainda sofrem as prisões!

Se Ele Voltasse...

Não choro de pena de meu filho. E, se fosse possível voltar de onde ele está, eu lhe pediria para continuar pensando e agindo como sempre pensou e agiu. Ainda que isso importasse em ser novamente assassinado. Pois prefiro vê-lo morto, uma e mil vezes, a tê-lo por longos anos a meu lado numa inconsciência inútil, estúpida e criminosa! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, seu espírito há de pairar sobre os justos movimentos reivindicatórios deste país, dando força, lucidez e coragem a seus participantes ! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, onde quer que esteja há de estar pedindo justiça e liberdade para este povo humilde e esquecido que ele tanto amou!

Porto Alegre,10 de setembro de 1979. �

Luís Eurico viveu intensamente a sua época e absorveu os ideais de justiça e liberdade. Sua poesia assim se revela e aproxima-se com sensibilidade à resistência do povo vietnamita em Balada da Ham-li:

Na pequenina aldeia�

de Luang-Dinh

um menino

de pele amarela

e olhos rasgados

está

silencioso

deitado no chão

seu nome

Ham-li

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as mãos

as pequeninas mãos

de Ham-li

estão crespadas

retorcidas

por uma grande dor

os pequeninos braços

fortes de Ham-Li

- menino camponês

estão descarnados

e já se decompõem.

Os pequeninos pés

andarilhos de Ham-Li

- menino soldado -

encolhidos

assemelham-se a uma

terrível garra

A pequenina face

de pele macia

onde brilhavam

os negros olhos rasgados

o menino Ham-Li

escondeu-a no ventre aberto

para que o mundo

não visse tanto horror.

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Mas ao pequenino coração

do menino Ham-Li

o Napalm

não poderá jamais atingir!

Entre os escombros

da pequenina aldeia

de Luang-Dinh

um menino

de pele amarela

e olhos rasgados

está

silencioso

deitado no chão.

O pequenino coração

do menino Ham-Li

pulsa

inalterado

sobre todo o Vietnã. �

Reportagem

Jornal A Noticia/Joinville 30/06/03

"Um guerreiro da pena e da espada"

Há os guerreiros da pena

Há os guerreiros da espada

Há homens que dão um braço

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pelo fragor da batalha.

Eu sou poeta da Revolução

A minha pena é uma espada.

E o meu canto se eu cantoé um canto de guerra".(Poema É Hora, de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, 1967)

"Inquieto e firme, esse era o poeta nascido em Porto União"

Luis Fernando Assunção

"Por quê? Por quê?" Era o que se perguntava o moleque gorducho depois de ver o oldsmobile preto do pai quase ser atingido por uma pedra arremessada com raiva por um menino humilhado de uma vila pobre de Caxias do Sul. Foi o primeiro e o mais marcante contato de Luiz Eurico Tejera Lisbôa com as diferenças sociais, com a pobreza, com a má distribuição de renda. Talvez tenha sido a pedra a catapulta para esse jovem de classe média, nascido em Santa Catarina e crescido no Rio Grande do Sul, largar a vida previsível de uma família classe média pela militância nas ruas e guetos em busca de liberdade.

Luiz Eurico, o Ico, filho de Eurico de Siqueira Lisbôa e Clelia Tejera Lisbôa, nasceu em 19 de janeiro de 1948 em Porto União, Santa Catarina. Pai nascido pobre, mãe dona de casa, foi o primogênito de sete irmãos. "Era verão de 57, Luiz Eurico já tinha quase nove anos e muita estrada por Santa Catarina: Porto União, Caçador, Tubarão, Itajaí e Florianópolis. Em Caxias, a família de classe média se instalou em uma casa confortável, de vasto pátio", escreveu a irmã Noeli, no livro "Condições Ideais para o Amor", em homenagem ao irmão.

Foi quando a família mudou-se para a Capital, Porto Alegre, que Ico entrou definitivamente nas causas comunitárias e políticas. Ainda com uma ingenuidade respaldada por púberes 15 anos, Luiz Eurico elaborou um manifesto contra a ditadura que começava. Acabou acuado por um professor que o ameaçou prendê-lo caso repetisse o gesto. A militância começou a trazer problemas também em casa. Foi expulso pelo pai. Mudou-se para Santa Maria, onde ingressou na Faculdade de Economia.

Em meados de 1967, retornou a Porto Alegre depois da separação dos pais. Fez parte da direção da União Gaúcha de Estudantes Secundários (Uges) e começou a atuar no movimento estudantil, quando se envolveu na reabertura do grêmio do Colégio Júlio de Castilhos. Acabou preso e indiciado em inquérito policial militar. Poeta, Luiz Euricio nunca deixou de lado a ternura em seus escritos e em suas relações pessoais.

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Conheceu Suzana, a companheira ideal. Juntos, até o fim de sua curta existência, intercalaram momentos de paixão avassaladora com tenacidade na resistência contra a repressão.

Em 1969, Luiz Eurico integrou a direção estadual do Partido Comunista Brasileiro e idealizou o primeiro movimento gaúcho para enfrentar a onda de violência gerada pelo regime: o 21 de Abril e o Exército de Brancaleone. Com o aumento da repressão ao movimento estudantil e operário, como opção de enfrentamento ao regime, a luta armada começava a tomar força entre os jovens. Ele ingressou então na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e depois na Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Lamarca.

Mudou-se para São Paulo, já casado com Suzana. Ele 21 anos, ela 18. Como a maioria dos jovens envolvidos na militância da época, começaram a viver na clandestinidade. Mandou escassos bilhetes para a família, por mensageiros desconhecidos. Não revelou seu paradeiro. Em 1971, decidiu retornar a Porto Alegre na tentativa de reorganizar a ALN no Estado. Permaneceu clandestino no Rio Grande do Sul até setembro de 1972, quando viajou para São Paulo, onde desapareceu.

Luiz Eurico era sério, quase tímido. Vez por outra, abria um sorriso irônico, meio de lado. Incisivo nos gestos, decidido nos atos. Seu universo foi amplo demais para a vida familiar. Perambulava pela casa com o mapa do Vietnã, estudando a guerra, os movimentos dos vietcongs. "Fazia isso com a mesma fraternidade, a mesma proximidade e o mesmo interesse de quem discute aspectos importantes da vida nacional, ou mesmo a movimentação dos militantes na luta contra a ditadura", escreve a irmã Noeli. E por quê, tudo isso? Luiz Eurico sempre procurou o homem do povo. Queria saber, tinha essa vontade, explícita no poema "Procuro o homem do povo": "Procuro o homem do povo/para ultrapassar a frieza/do vocabulário político/e ver na "massa oprimida"/nas "contradições sociais"/na "luta de classes"/Nas "análises da realidade"/o homem do povo.

"NomeLuis Eurico Tejera Lisbôa

Desaparecido entre 1972 e 1979

Corpo encontrado na vala de Perus, em 1979. Enterrado em Porto Alegre.

Nascimento1948, em Porto União, Santa Catarina

Profissão Estudante

Militância Vanguarda Armada Revolucionária

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Palmares(VAR/Palmares)

"Renascendo o Ico a cada dia de minha vida"

Porto Alegre - Ela foi até o fim na sua luta. Não parou nem depois de encontrar o corpo do marido soterrado em uma vala comum no cemitério de Perus, em São Paulo. Continuou em busca da verdade, desvanecendo mentiras, humilhando assassinos. Suzana Keniger Lisbôa, 52 anos, funcionária pública, não vai esquecer jamais daquele jovem decidido, sensível e espirituoso. "O amor de Ico era um privilégio. Tinha a doçura de um anjo e a força de um guerreiro", lembra Suzana. "Ele sempre esteve envolvido na luta por justiça e igualdade. Era um vanguardista", garante ela, hoje integrante da comissão de familiares de desaparecidos e mortos políticos.

A família Lisbôa sofreu com o desaparecimento de Luiz Eurico. Passou anos à espera do filho, irmão e marido, que talvez pudesse entrar em casa um dia e dizer que estava escondido pela sobrevivência. O irmão Nei, caçula da família, relembra de momentos que passou perto do irmão, em especial a "pós-graduação na arte de fazer pandorgas" que aprendeu com ele em um encontro clandestino na praia do Pinhal, em 1972. "Nas pandorgas colávamos, em papel de seda, a alça de mira, símbolo da ALN. Algumas vezes atingiam o infinito azul do céu, noutras se despedaçavam entre os fios de luz", conta.

Nei foi muito influenciado pelos ideais revolucionários do irmão. Certo dia, ainda moleque, disse ao irmão que gostaria de ser guerrilheiro, como ele. "O Ico disse então que ele não revelasse esse desejo a ninguém", conta Suzana. Na escola, o pequeno Nei foi indagado pela professora sobre o que pretendia ser quando crescesse. Não contou, apesar da insistência da professora. "Ele lembrou do pedido do Ico e guardou segredo", recorda Suzana. "Todos acabaram vivenciando as experiências do Ico em casa".

Restou para a família uma lembrança forte de Luiz Eurico, que não se apagou com as tentativas sistemáticas de deturpação de sua imagem. "O general Leônidas Pires disse: 'nós também tivemos os nossos mortos'. Vossos, general? E em nome de que Esbórnia se inscreveria o epitáfio nesse par de lápides?", ironiza Nei, hoje cantor e compositor em Porto Alegre. Pela influência do irmão, fez composições em sua homenagem, sempre destacando a luta por justiça. "Luiz Eurico era meu irmão, onze anos mais velho, e com ele aprendi desde o berço a soletrar justiça, liberdade, humanidade", orgulha-se.

Em carta logo depois de saber da morte do filho, Clelia Tejera Lisbôa mostrou consciência e segurança ao escrever sobre o filho. "...Quando a separação entre humildes e poderosos atinge

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proporções de um verdadeiro cataclisma, quando as mais ponderadas manifestações de alerta são silenciadas a bala, quando o descontentamento se torna universal e o indivíduo desfalece nas tramas das forças materiais que ele não dirige e muitas vezes não compreende. (...) Este era o 'terrorista' Luiz Eurico. Seu dizer era claro, firme e coerente com seu modo de pensar e agir. Seus aterrorizados assassinos, com a cabeça vazia de idéias, souberam apenas empunhar uma arma. Ele e seus amigos constituíam realmente um perigo em potencial: eram inteligentes, estudiosos, sabiam pensar por si mesmo. Haveria razão mais forte para exterminá-los?" (LFA)

Joaquim Alencar de Seixas  

 

Dirigente do MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TIRADENTES (MRT).

Nasceu em Bragança, Estado do Pará, em 02 de janeiro de 1922, filho de Estolano Pimentel Seixas e Maria Pordeus Alencar Seixas. Operário, pai de 4 filhos, tornou-se militante político aos 19 anos de idade.

Foi assassinado em 17 de abril de 1971.

Trabalhou como mecânico de aviões em várias empresas, entre as quais Varig, Aerovias e Panair. Perdeu o emprego várias vezes por questões políticas. Na Varig apresentou denúncia contra a empresa, mostrando a ligação que havia entre ela, o Governo Vargas e o Governo Nazista da Alemanha. Os proprietários da empresa eram de origem alemã e estariam colaborando com o governo alemão. Por esta razão perdeu o emprego.

Em 1964 trabalhava na Petrobrás, como encarregado do setor de manutenção e militava no movimento sindical petroleiro, quando

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foi dado o Golpe de Estado. Ele e vários líderes do movimento sindical simularam um acidente para poderem passar pelo cerco armado pelo Exército, que já havia tomado a Refinaria Duque de Caxias, no Rio. Usando tanques de guerra, carros de combates e muitos soldados armados, as forças militares prendiam as lideranças operárias. Para furar o cerco, o setor de segurança da Refinaria acionou o alarme contra acidentes e as ambulâncias passaram com os líderes cobertos com lençóis sujos de sangue (na verdade, era tinta vermelha).

Durante vários meses, Seixas e seus companheiros sindicalistas tiveram suas casas vigiadas por policiais e ficaram escondidos até que a perseguição diminuísse. Quando voltaram para o trabalho foram demitidos sem direito algum. Seus nomes passaram a fazer parte de listas, que não lhes permitiam encontrar emprego. Por essa razão os perseguidos tentaram conseguir saídas para o problema. Muitos se mudaram para outros Estados, na tentativa de furar a perseguição. Seixas e família foram para o Rio Grande do Sul.

Seixas trabalhou como marceneiro durante dois anos, montou postos de gasolina, construindo toda a parte de tanques e tubulações de combustíveis, até 1967, quando foi contratado como encarregado do setor de mecânica, pela Pepsi-Cola de Porto Alegre.

Sem abandonar sua atuação política, participou do movimento de resistência à ditadura militar, no Rio Grande do Sul. Escapou várias vezes de ser preso e viu vários de seus companheiros caírem nas mãos da repressão política. Um deles foi o ex-sargento do Exército, Manoel Raimundo Soares, morto após 3 meses de torturas no DOPS gaúcho.

Por não conseguir emprego, quando foi demitido da Pepsi-Cola, Seixas e sua família se mudaram novamente para o Rio de Janeiro. Até conseguir colocação, teve que trabalhar como motorista de táxi. Seu último emprego foi na Coca-Cola de Niterói, como chefe do setor de mecânica e manutenção.

Mudou-se para São Paulo, onde participou do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), tornando-se um de seus dirigentes. Seixas foi preso junto com seu filho Ivan, na Rua Vergueiro, altura do n° 9000, no dia 16 de abril de 1971. Do local da prisão, ambos foram levados para a 37ª Delegacia de Polícia, que fica na mesma rua Vergueiro, na altura do nº 6000, onde foram espancados no pátio do estacionamento, enquanto os policiais trocavam os carros usados para o esquema de prisão.

De 1á foram levados para o DOI/CODI, que a esta época ainda

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se chamava Operação Bandeirantes-OBAN. No pátio de manobras da OBAN, pai e filho foram espancados de forma tão violenta, que a algema que prendia o pulso de um ao outro rompeu-se.

Dessa sessão de espancamento, ambos foram levados para a sala de interrogatórios, onde passaram a ser torturados um defronte ao outro. Nesse mesmo dia, sua casa foi saqueada e toda sua família presa.

No dia seguinte, 17 de abril de 1971, os jornais paulistas publicavam uma nota oficial dos órgãos de segurança, que dava conta da morte de Joaquim Alencar de Seixas em tiroteio. Em realidade, Seixas estava morto só oficialmente, pois nesta mesma hora se desenrolavam torturas horríveis, o que pôde ser testemunhado por seu fllho Ivan, sua esposa Fanny, e suas duas filhas, Ieda e Iara, presas na noite anterior.

Por volta das 19 horas deste dia, Seixas foi finalmente morto. Sua esposa, Fanny, ouvindo que seu marido acabara de morrer, pôs-se nas pontas dos pés e viu os policiais estacionarem uma perua C-14 no pátio de manobras, forrar seu porta-malas com jornais, e colocarem um corpo que reconheceu ser o de seu marido. Não bastasse o seu reconhecimento, ouviu um policial perguntar a outro: De quem é este presunto? e como resposta, a � �afirmação: Este era o Roque (nome usado por Seixas).� �

No processo a que responderia se estivesse vivo, consta uma fotografia de seu cadáver com os sinais dos sofrimentos passados, e um tiro na altura do coração, que indicaria a causa-mortis.

Os assassinos de Joaquim Alencar de Seixas foram identificados por seus familiares e companheiros como sendo o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, o capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, o delegado Davi Araújo dos Santos, o investigador de polícia Pedro Mira Granziere e vários outros, identificáveis somente por apelidos.

Assinam o laudo de necrópsia os médicos legistas Pérsio José B. Carneiro e Paulo Augusto Queiroz da Rocha, que confirmam a falsa versão oficial da repressão de que Joaquim foi morto em tiroteio e omitem as torturas. Vários presos políticos declararam em Auditorias Militares, à época, as torturas e assassinato de Joaquim na OBAN.

Aurora Maria Nascimento Furtado

(São Paulo, 13 de junho de 1946 � Rio de Janeiro, 10 de

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novembro de 1972) foi uma militante da Ação Libertadora Nacional. Foi morta pelo regime militar no brasil.

São Paulo, 13 de junho de 1946 � Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1972

Biografia

Era filha de Mauro Albuquerque Furtado e Maria Lady Nascimento Furtado e foi morta aos 26 anos de idade, no Rio de Janeiro.

Estudante de psicologia na universidade de São Paulo, era a responsável pela imprensa da união nacional dos estudantes de são Paulo, com ativa militância no movimento estudantil dos anos 1967/68.

Foi presa em 9 de novembro de 1972, na Parada de lucas, no Rio de Janeiro, em batida policial realizada por uma patrulha do 2º setor de vigilância norte, após rápido tiroteio ,em que morreu um policial.

Após correr alguns metros e se esconder em vários lugares, Aurora foi aprisionada ,viva, dentro de um ônibus onde havia se refugiado antes.

Foi torturada desde o momento de sua prisão, inclusive na presença de vários populares que se aglomeravam ao redor da cena. Aurora foi conduzida para invernada de olaria. Lá foi torturada nas mãos dos policiais do DOI/CODI e integrantes do famigerado "esquadrão da morte".

Aurora viveu os mais terríveis momentos nas mãos daqueles carrascos, que além dos já tradicionais pau-de-arara, sessão de choques elétricos, somados a espancamentos, afogamentos, queimaduras, aplicaram-lhe a "coroa de cristo", ou "torniquete", que é uma fita de aço, que vai gradativamente sendo apertada, esmagando aos poucos o crânio.

No dia 10 de novembro, Aurora morreu em conseqüencia dessas torturas. Seu corpo chegou ao IML/RJ como 'desconhecida' pela guia nº 43 da 26ª D.P.

Após prendê-la e torturá-la, jogaram seu corpo crivado de balas na esquina das ruas Adriano com Magalhães Couto, no bairro do méier(RJ). A versão oficial divulgada pelos órgãos de segurança era

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de que a morte de Aurora seria conseqüencia de uma tentativa de fuga, quando era transportada na rádio-patrulha que a prendera. Ao tentar fugir, teria sido baleada e morta.

A necrópsia, feita no IML, em 10 de novembro, foi firmada pelos drs. Elias Freitas e Salim Raphael Balassiano e confirma falsa versão da repressão de morte em tiroteio e assinala "ferimentos penetrantes na cabeça" que dada como a causa mortis. fotos de perícia de local(nº 6507/72) mostram claramente profunda marcas de tortura no corpo de Aurora: percebe-se o aprofundamento do crânio e escoriações nos olhos, no nariz e boca, que não são relatadas na necrópsia. Havia próximo ao corpo um VW DH-4734, marcados de tiros, o que completava a encenação.

Em 11 de novembro de 1972, Aurora foi reconhecida no IML/RJ, por seu pai, Mauro Albuquerque Furtado, sendo transladada para São Paulo. O corpo de Aurora foi entregue á família de caixão lacrado, com ordens expressas para que não fosse aberto. Tal ordem não foi acatada pela família que, com auxilio de seus advogados conseguiu novo exame no IML. O corpo de Aurora, além dos inúmeros sinais das torturas sofridas (queimaduras, cortes profundos, hematomas generalizados) apresentava um afundamento no crânio de cerca de 2 cm, proveniente do uso da "coroa de cristo", e causador de sua morte.

Aurora Maria Nascimento Furtado (1946-1972),  estudava Psicologia na USP e militava na UNE (União Nacional dos Estudantes) e na ALN (Ação Libertadora Nacional).

Conforme o livro,Direito à Memória e à Verdade� ,� Aurora foi �submetida a pau de arara, choques elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras, além da coroa de Cristo, fita de aço que � �vai sendo apertada aos poucos e esmaga o crânio.

Morreu no dia seguinte.�

Seu corpo, porém, foi encontrado no subúrbio do Rio crivado de balas.

José Carlos da Matta Machado

José Carlos Novais da Matta MachadoDirigente da AÇÃO POPULAR MARXISTA-LENINISTA (APML).

Nasceu a 20 de março de 1946 na cidade do Rio de Janeiro, filho de

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Yedda Novais da Matta Machado e de Edgard Godói da Matta Machado.

Texto escrito por Bernardo, irmão de José Carlos, em outubro de 1993, por ocasião dos 20 anos da morte de José Carlos:

"José Carlos freqüentou o curso primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o ginasial no Colégio Estadual de Minas Gerais, onde fez o curso clássico. Durante a adolescência, fundou, junto com amigos do bairro Funcionários, o Youth Clube, grupo de jovens unidos pela convivência em festas, atividades esportivas, namoros e conversas animadas.

Em 1964, entrou para o curso de Direito da UFMG, tendo obtido a primeira colocação no vestibular. Em 1966, concluiu o serviço militar obrigatório no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), sendo sua patente de oficial posteriormente cassada pelo Exército.

Na Faculdade, foi um dos fundadores do Grupo de Alunos da Turma de 1964 (GAT-64) que exerceu muita influência política entre os estudantes. Sua liderança foi-se consolidando até o ponto de seus colegas brincarem dizendo que José Carlos não era mais o filho do �professor Edgard, mas o professor é que se tornara pai do Zé. Em � � �1967, foi eleito presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Nessa época, já integrava os quadros da Ação Popular.

Em outubro de 1968, durante a realização do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), José Carlos foi preso e condenado a oito meses de reclusão nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de Belo Horizonte.

Solto, no segundo semestre de 1969, continua na luta, porém clandestinamente. Em 1970 casou-se com sua companheira de AP, Maria Madalena Prata Soares, e morou, por mais de um ano, numa favela de Fortaleza (CE), exercendo o ofício de comerciário.

Gilberto Prata Soares, seu cunhado e ex-membro da AP, preso em fevereiro de 1973, concordou em colaborar com o CIEx na identificação dos militantes da AP. A partir de março de 73, com a ajuda do informante, os seus passos e de Madalena foram minuciosamente rastreados pelos órgãos de repressão. Em conseqüência, militantes e simpatizantes começaram a cair como num jogo de dominó.

Pressentindo que o cerco se fechava, advogados do escritório de Joaquim Martins da Silva (companheiro de José Carlos na Faculdade de Direito), em São Paulo, fizeram contato com a família. José Carlos e Madalena já haviam confiado aos avós a guarda do filho Dorival, nascido em Goiânia, no dia 19 de fevereiro de 1972.

No dia 18 de outubro, atendendo ao apelo vindo de São Paulo, dois cunhados e um amigo da família foram encarregados de buscar José Carlos e conduzi-lo à fazenda de um tio, no interior de Minas Gerais. Madalena se encontraria com eles num sítio próximo a Belo Horizonte. No dia 19 de outubro, em São Paulo, para onde José Carlos tinha ido com o principal objetivo de providenciar cobertura jurídica para os companheiros presos, encontraram-se no escritório de

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Joaquim Martins da Silva. Ali combinaram novo encontro em um posto de gasolina na saída da cidade. Não percorreram mais do que alguns quilômetros e foram presos por elementos à paisana fortemente armados. Algemados e encapuzados, foram conduzidos provavelmente para o DOI-CODI/SP, onde foram submetidos a interrogatórios durante três dias. No dia 21 foram transferidos, à exceção do José Carlos, para o 12° Regimento de lnfantaria, em Belo Horizonte, onde permaneceram incomunicáveis. Na noite de 22, Madalena e seu filho Eduardo (do primeiro casamento) foram presos no sítio onde se encontravam. Nesse mesmo dia, Gildo Macedo e sua esposa foram presos em Salvador pela Polícia Federal. No dia 31, quarta-feira pela manhã, os representantes da família foram soltos. Na noite do mesmo dia 31, os meios de comunicação transmitiram nota oficial informando sobre a morte de José Carlos e Gildo Macedo Lacerda num tiroteio em Recife. A nota dizia que ambos confessaram, durante interrogatórios, que teriam no dia 28 um encontro com um �subversivo de codinome Antônio. Levados para o local, o referido �Antônio pressentiu alguma anormalidade e abriu fogo contra seus � �companheiros.

A morte dos dois militantes estava repercutindo nacional e internacionalmente (New York Times de 13 de novembro, Le Monde do dia 14 de novembro e Avvenire Dall Italia e Dal Mondo de 15 de �novembro). No dia 7, a denúncia do Prof. Edgard ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana foi lida na Câmara e no Senado pelos líderes da oposição, Deputado Aldo Fagundes e Senador Nelson Carneiro. A repercussão, somada ao esforço dos advogados de Recife, Oswaldo Lima Filho e Mércia Albuquerque, resultou na autorização para a exumação e o traslado do corpo para Belo Horizonte. A condição imposta pelo coronel Cúrcio Neto, comandante militar da 7ª Região, foi a de que não houvesse publicidade. Até mesmo o aviso fúnebre foi proibido.

A Dra. Mércia acompanhou a exumação, realizada no dia 10 de novembro. José Carlos, assim como Gildo, foram enterrados como indigentes num caixão de madeira sem tampa e com fundo de taliscas.

No dia 15 de novembro, após ordens e contra-ordens, o corpo de José Carlos foi finalmente liberado e chegou a Belo Horizonte às 13:15 h, em caixão lacrado. Às 14:30 h foi sepultado no cemitério Parque da Colina.

Embora, já no dia 9 de novembro de 73 tenha sido protocolada uma representação junto à Procuradoria Geral da Justiça Militar requerendo a instauração de um Inquérito Policial Militar, até hoje não foram tomadas providências para apurar os fatos que cercaram a morte de José Carlos. Não se sabe qual a autoridade responsável por sua prisão em São Paulo, nem se conhecem as circunstâncias de sua transferência para Recife.

Sua morte, na madrugada do dia 28, foi testemunhada pela estudante Fernanda Gomes de Matos e Melânia Almeida Carvalho, que estavam presas no DOI-CODI do Recife. Fernanda reconheceu, imediatamente, quando Mata Machado chegou no dia 27 de outubro de 1973, escoltado por agentes, com uma venda nos olhos.

Após várias horas de agonia, pedindo ajuda, porque estava perdendo

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muito sangue, a voz grave de Mata Machado silenciou."

O nome de José Carlos Matta Machado foi dado a uma rua em Belo Horizonte no lugar de sua antiga denominação que era Dan Mitrione, torturador que veio dos Estados Unidos para o Brasil com o objetivo de ensinar "Métodos Modernos de lnterrogatório" aos policiais e militares. Suas cobaias eram mendigos recolhidos nas ruas e seu alvo eram os presos políticos.