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01-05-2017 1.º DE MAIO CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem resultados ao Governo CGTP quer mais resultados e a UGT sublinha que “ainda há muito por fazer”. Será que o clima de romance entre o Governo e os sindicatos está ameaçado? Função pública será um sector determinante É certo que neste 1.º de Maio não se erguerão cartazes a pedir a demissão do Governo ou a exigir o fim da austeridade, mas o clima de romance que tem pautado a relação entre o Executivo de António Costa e as duas centrais sindicais pode estar Raquel Martins comprometido. Do lado da CGTP, que até aqui tem valorizado a reposi- ção de direitos em curso, começam a surgir sinais de impaciência, exigem- se resultados e há greves marcadas em vários sectores. Na UGT, ganha força a ideia de que “ainda há mui- to por fazer” e o congresso aprovou uma greve na função pública, caso o Governo não abra uma mesa negocial com os sindicatos do sector. “Valorizamos a reposição de direi- tos e as matérias que já foram sendo resolvidas, mas estamos numa fase em que se começa a verificar que o Governo está a patinar”, avisa Armé- nio Carlos, secretário-geral da CGTP que, nesta segunda-feira, estará na Alameda, em Lisboa, para a tradi- cional manifestação do 1.º de Maio promovida pela central sindical. Em alguns sectores, “há sinais cla- Emprego retoma crescimento em 2016 e trava no último trimestre População Empregada por duração do trabalho Em milhares Por idade Em milhares, 4.º Trim. 2016 Em milhares População empregada 4643,6 4250 4500 4750 2016 2011 2016 4.º Trim: 2015 2014 2013 2012 2011 4.º Trim 2016 2377 2267 Homens Mulheres 14,4% Em 2014, as mulheres a trabalhar por conta de outrem com horário completo ganhavam menos 14,4% do que os homens Em 2016, os trabalhadores a tempo completo trabalhavam em média 42 horas semanais. 12,7% trabalhavam mais de 50 horas e 15,7% menos de 40 41,3% Do total de trabalhadores a tempo parcial gostaria de trabalhar mais horas Tempo completo Tempo parcial 4001 631,5 4090 553,5 15 - 24 25 - 34 35 - 44 45 - 64 55 ou + 265 243,1 1905,1 919,8 1310,6 Fonte: INE Retrato do emprego em Portugal Comemorações do 1.º de Maio da CGTP ros de que o espaço de diálogo aberto por esta solução governativa está a ter uma lacuna significativa”. “Fala- se muito e resolve-se pouco”, atira, dando como exemplo a greve anun- ciada pela Soflusa e pela Transtejo ou a da função pública, marcada para 26 de Maio. No privado, “todas as hipó- teses estão em cima da mesa”. “A nossa paciência está condicio- nada pela capacidade do Governo ouvir e procurar resolver os proble- mas”, desafia. Do lado da UGT, que este ano cele- bra o Dia do Trabalhador em Viana do Castelo, também surgem avisos de que é preciso ir mais longe. “Foram repostos um conjunto de direitos, mas não todos”, diz Carlos Silva, lí- der da central. “A Administração Pública teve o último aumento salarial em 2009, es-

CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

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Page 1: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

01-05-2017

1.º DE MAIO

CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem resultados ao GovernoCGTP quer mais resultados e a UGT sublinha que “ainda há muito por fazer”. Será que o clima de romance entre o Governo e os sindicatos está ameaçado? Função pública será um sector determinante

É certo que neste 1.º de Maio não

se erguerão cartazes a pedir

a demissão do Governo ou a

exigir o fi m da austeridade,

mas o clima de romance que

tem pautado a relação entre

o Executivo de António Costa e as

duas centrais sindicais pode estar

Raquel Martinscomprometido. Do lado da CGTP,

que até aqui tem valorizado a reposi-

ção de direitos em curso, começam a

surgir sinais de impaciência, exigem-

se resultados e há greves marcadas

em vários sectores. Na UGT, ganha

força a ideia de que “ainda há mui-

to por fazer” e o congresso aprovou

uma greve na função pública, caso o

Governo não abra uma mesa negocial

com os sindicatos do sector.

“Valorizamos a reposição de direi-

tos e as matérias que já foram sendo

resolvidas, mas estamos numa fase

em que se começa a verifi car que o

Governo está a patinar”, avisa Armé-

nio Carlos, secretário-geral da CGTP

que, nesta segunda-feira, estará na

Alameda, em Lisboa, para a tradi-

cional manifestação do 1.º de Maio

promovida pela central sindical.

Em alguns sectores, “há sinais cla-

Emprego retoma crescimento em 2016 e trava no último trimestre

População Empregada por duração do trabalhoEm milhares

Por idadeEm milhares, 4.º Trim. 2016

Em milhares

População empregada

4643,6

4250

4500

4750

2016 2011 20164.º Trim: 20152014201320122011

4.º Trim 2016

2377 2267

Homens Mulheres

14,4%Em 2014, as mulheresa trabalhar por conta

de outrem com horáriocompleto ganhavam

menos 14,4% doque os homens

Em 2016,os trabalhadores

a tempo completotrabalhavam em média

42 horas semanais.

12,7% trabalhavam maisde 50 horas e

15,7% menos de 40

41,3%Do total de

trabalhadores a tempoparcial gostaria

de trabalharmais horas

Tempocompleto

Tempoparcial

4001

631,5

4090

553,5

15 - 24

25 - 34

35 - 44

45 - 64

55 ou +265243,1

1905,1919,8

1310,6

Fonte: INE

Retrato do emprego em Portugal

Comemorações do 1.º de Maio da CGTP

ros de que o espaço de diálogo aberto

por esta solução governativa está a

ter uma lacuna signifi cativa”. “Fala-

se muito e resolve-se pouco”, atira,

dando como exemplo a greve anun-

ciada pela Sofl usa e pela Transtejo ou

a da função pública, marcada para 26

de Maio. No privado, “todas as hipó-

teses estão em cima da mesa”.

“A nossa paciência está condicio-

nada pela capacidade do Governo

ouvir e procurar resolver os proble-

mas”, desafi a.

Do lado da UGT, que este ano cele-

bra o Dia do Trabalhador em Viana

do Castelo, também surgem avisos de

que é preciso ir mais longe. “Foram

repostos um conjunto de direitos,

mas não todos”, diz Carlos Silva, lí-

der da central.

“A Administração Pública teve o

último aumento salarial em 2009, es-

Page 2: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

Por qualificaçãoEm milhares, 4.º Trim. 2016

Por sectorEm milhares, 4.º Trim. 2016

Trabalhadores por conta deoutrem por tipo de contratoEm milhares, 4.º Trim. 2016

Taxa de pobrezaEm %

2003 2015

77%Trabalhadores porconta de outremabrangidos por

modalidades flexíveisde organização

do tempo detrabalho

63,1%Em 2015, a maioriados trabalhadores

afirmavam ter autonomiapara escolher as tarefas

que desempenham ea forma como as

organizam

51% ou +Trabalhadores que

diziam demorar menosde 15 minutos para

fazer o trajectoentre a casa e

o trabalho

Superior

Secundário epós-secundário

Até ao 3.º ciclodo básico

Empregados

2218

1192 1234

Serviços Indústria, construção,

energia e água

Agricultura, produçãoanimal e pesca

307,3

1159,2 3177,1

Contrato com termoe outras situações

Contratosem termo

765,4 2878

21% 79%

Desempregados

12,4

32,0

10,9

52,0

PÚBLICO

MIGUEL MANSO

no ano passado em Lisboa

tamos em 2017 e ouvimos o Governo

dizer que eventualmente só em 2020

ou em 2022 é que poderá haver au-

mentos. Isso é inaceitável”, destaca

em declarações ao PÚBLICO.

Sinais de impaciênciaO Governo do Partido Socialista,

apoiado no Parlamento pelo PCP e

pelo BE, “trouxe um espaço de aber-

tura completamente diferente do Go-

verno anterior e houve uma reposi-

ção de direitos”, reconhece Arménio

Carlos. “Agora entramos na segunda

fase. Há um conjunto de problemas

estruturais que ainda não tiveram

resposta e que precisam de respos-

ta, sob pena de sermos confrontados

com a manutenção de leis que esti-

veram associadas à acentuação das

desigualdades e da pobreza laboral”,

precisa, em declarações ao PÚBLICO.

CGTP em todo o país. UGT em Viana do Castelo

A CGTP assinala o Dia do Trabalhador com iniciativas festivas e de protesto em 40 localidades, em defesa

da “valorização do trabalho e dos trabalhadores”, enquanto a UGT escolheu Viana do Castelo para assinalar a data.

Em todas as capitais de distrito e muitas outras localidades do continente e das ilhas vão realizar-se iniciativas que evocam os 131 anos dos acontecimentos de Chicago, que levaram à criação do Dia do Trabalhador. A Intersindical salienta que a luta dos trabalhadores contribuiu para derrotar e afastar o Governo do PSD-CDS e para alcançar objectivos como o aumento do salário mínimo ou a recuperação dos quatro feriados. O ponto alto do dia será a manifestação de Lisboa

e do Porto. As comemorações em Lisboa, começam de manhã, com a Corrida Internacional do 1.º de Maio e para a tarde está marcado o desfile entre o Martim Moniz e a Alameda D. Afonso Henriques, onde Arménio Carlos, líder da CGTP, irá intervir. No Porto, durante a tarde, haverá um desfile pela Baixa que terminará na Avenida dos Aliados.

A UGT optou por comemorar o 1.º de Maio em Viana do Castelo sob o lema “Crescimento, Emprego, Mais Justiça Social”. As comemorações iniciam-se com uma marcha solidária durante a manhã. As intervenções do secretário-geral da UGT, Carlos Silva, e da presidente, Lucinda Dâmaso, estão agendadas para o início da tarde no centro cultural da cidade. Lusa

O ponto que está a criar maior fo-

co de tensão é a intransigência do

Governo em rever a legislação labo-

ral e em ceder a duas bandeiras que

para a CGTP são determinantes: o

fi m da caducidade dos contratos co-

lectivos e a reposição do tratamento

mais favorável.

A função pública é outro ponto

problemático que no último conse-

lho nacional da CGTP gerou um aceso

debate entre a tendência minoritária

ligada ao BE, que defende a impor-

tância de os sindicatos participarem

na solução para os trabalhadores

precários do Estado, e dirigentes da

tendência comunista que colocam

dúvidas quanto à participação nas

comissões que vão decidir quem

poderá aceder ao programa de re-

gularização extraordinária e onde os

sindicatos estão em minoria.

Função pública e legislação laboral são alguns dos pontos de confronto

c

Page 3: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

1.º DE MAIO

A central acabou por não tomar qual-

quer decisão, remetendo-a para os

sindicatos da função pública congre-

gados na Frente Comum.

Esta situação exemplifi ca bem os

tempos que se vivem dentro da CG-

TP, central que tradicionalmente as-

sume uma posição de contestação e

que agora, perante um Governo com

o apoio do PCP e do BE, se vê impeli-

da a adoptar uma posição mais mo-

derada, “para evitar quebrar a base

social de apoio ao Executivo”. Quem

o diz é Carlos Trindade, líder da ten-

dência socialista da CGTP, que con-

sidera que a central sindical está nu-

ma posição delicada entre o apelo da

rua e a necessidade de assumir uma

acção “com conta-peso e medida”.

O próprio líder da CGTP que

reconhece que no actual contex-

to “o papel dos sindicatos é mais

desafi ante”.

Na UGT, o clima é de maior tran-

quilidade, principalmente depois de

ter percebido que o Governo conti-

nuava apostado em levar à concerta-

ção social — lugar onde a UGT capita-

liza a sua infl uência — temas laborais

como a contratação colectiva ou o

salário mínimo nacional, o que já deu

origem a dois acordos.

O problema, neste momento, re-

side na função pública. Foi este o

sector que criou alguma agitação no

congresso morno que decorreu em

Março, no Porto, com a aprovação

de uma moção que prevê uma greve,

caso o Governo não abra a porta a

um processo negocial para discutir o

descongelamento das carreiras.

Sem beliscar a “geringonça”Apesar da pressão, “nem a UGT, nem

a CGTP vão ser factores para abrir

uma crise política”, como alerta o

antigo presidente do Conselho Eco-

nómico e Social, Silva Peneda

“A prioridade do PCP, do BE e da

CGTP é garantir que a direita não vol-

ta ao poder. Vão protestando, mas

daí até abrirem uma crise política.

Não vejo que isso aconteça, o que di-

fi culta a vida à oposição”, sublinha.

Na verdade, acrescenta o sociólo-

go do ISCTE, Alan Stoleroff , as duas

centrais “têm actuado com bastan-

te cuidado”. Em particular a CGTP

que, embora continue a reivindicar,

adoptou uma postura mais cautelo-

sa, “para não estorvar o entendimen-

to político estabelecido entre o PS/

Governo e os partidos à esquerda”.

Silva Peneda usa como medida da

paz social que se vive, os pedidos de

arbitragem de serviços mínimos que

chegam ao Conselho Económico e

Social maioritariamente com origem

no sector dos transportes. Em 2012,

eram 83, em 2016 já só foram 13. Os

números mais recentes, até ao fi nal

de Abril dão conta de sete pedidos, o

últimos a dar entrada dizem respeito

às greves da Sofl usa e da Transtejo,

responsáveis pelo transporte fl uvial

entre as duas margens do Tejo.

Menos sindicalizadosSe por uma lado a solução governa-

mental condiciona a actuação das

centrais sindicais, há outros facto-

res a ter em conta e que não são de

agora, como a desmobilização da

sociedade. Os sindicatos têm vindo

a perder fi liados e a crise da contra-

tação colectiva também lhes retira

capacidade de intervenção.

Os números mais recentes mos-

tram que nenhuma das duas centrais

sindicais pode cantar vitória. Entre

2012 e 2016, período que coincidiu

parcialmente com a permanência da

troika em Portugal e com taxas

de desemprego nunca antes

registadas, os que saíram

dos sindicatos foram me-

nos do que os que entraram.

Os dados mais recentes

mostram que em quatro

Fim da caducidade e tratamento mais favorávelÉ uma reivindicação das duas centrais, mas é na CGTP que o tema ganha maior relevância. Para a Intersindical não é suficiente o compromisso do Governo não publicar avisos de caducidade até meados do próximo ano e é determinante que a negociação colectiva fique nas mãos das empresas e dos representantes dos trabalhadores, sem que a “espada” da caducidade condicione o processo. UGT e CGTP Defendem ainda a reposição do princípio do tratamento mais favorável, para que as convenções não possam ter normas abaixo do que a lei prevê. O Governo reconhece que a caducidade é um problema, mas ainda não revelou até onde admite ir.

Revisão das normas laborais da troikaPara a CGTP é preciso rever as normas que facilitam os despedimentos e reduzem das indemnizações pagas aos trabalhadores, aprovadas durante o período da troika. O mesmo acontece com os instrumentos de flexibilização do tempo de trabalho (em particular os bancos de horas individuais), bandeira também da UGT. O Governo promete

rever o banco de horas, mas não será no imediato, propostas

de revisão da lei laboral só devem chegar em 2018. O Livro Verde sobre as Relações Laborais dá conta de que 77% dos trabalhadores por conta de outrem tinham modalidades flexíveis de organização do tempo de trabalho.Combate à precariedadeÉ outro tema que une as duas centrais sindicais: resolver o problema da precariedade na Administração Pública, onde existem mais de 100 mil precários, mas também no sector privado, onde mais de 30% dos trabalhadores têm contratos a termo, temporários ou outros vínculos precários.

Carreiras e salários da função públicaA UGT lembra que a Administração Pública teve o último aumento salarial em 2009 e considera inaceitável que o Governo atire para 2020 novos aumentos. O descongelamento das carreiras é uma reivindicação tanto da UGT como da CGTP, algo que acabará por se reflectir nos salários. As novidades nesta área só deverão chegar em 2018 e o Governo já disse que o descongelamento será progressivo e poderá não chegar a todos.Política fiscal mais progressivaA distribuição da riqueza, o aumento dos salários (uma das bandeiras da CGTP

para o 1.º de Maio é um aumento de 4%) e uma política fiscal mais progressiva também são comuns às duas centrais. “É inaceitável continuarmos com

uma carga fiscal tremenda”,

alerta a UGT.

As bandeiras das duas centrais sindicais anos a CGTP perdeu 63.588 sindi-

calizados. Em Janeiro de 2016, a

central representava 550.500 tra-

balhadores, menos 10,5% do que em

2012 e o número mais reduzido das

últimas décadas.

Os números, justifi ca a central,

refl ectem a perda de emprego, o

encerramento de empresas e o pico

de saídas de pessoas para o estran-

geiro vivido durante o período da

troika. Ainda assim, o líder da CG-

TP, garante que em 2016 já se notou

uma inversão, dando conta novas

sindicalizações.

A UGT, que no fi nal de 2016 re-

presentava 458.000 trabalhadores,

registou também uma perda de sindi-

calizados embora em menor escala.

De 2012 para 2016 verifi cou-se um

recuo de 20 mil pessoas. O relatório

do secretariado nacional, destaca

que apenas o sector da Administra-

ção Pública registou acréscimo de

fi liados, com as restantes áreas a so-

frerem reduções.

Novas causasPara a socióloga e investigadora,

Maria da Paz Campos Lima, “hou-

ve passos positivos [na reposição de

direitos] que justifi cam que não se

venha para a rua” e é isso que jus-

tifi ca a paz social que se vive. Isso

não signifi ca que “não haja questões

concretas e sectores com uma agen-

da reivindicativa”.

Alan Stoleroff vai mais longe e aler-

ta que num sentido mais lato não se

pode falar em paz social, numa al-

tura em que “as transformações no

mundo laboral são para muitos traba-

lhadores de uma violência constran-

gedora”. A questão é que as opor-

tunidades para a acção ainda não

surgiram ou, como alertam outros

especialistas, os trabalhadores ainda

não encontraram quem os possa re-

presentar nessas preocupações.

Elísio Estanque, sociólogo de

Coimbra, considera que “é funda-

mental” os sindicatos mostrarem

abertura para questionar a forma

como o campo laboral está a ser re-

formulado, assente no individualis-

mo, na fl exibilidade, na pluralidade

de vínculos.

“Os próprios sindicatos deviam

promover um grande debate públi-

co sobre a evolução tecnológica” e

não ter receio de abordar o tema sem

preconceitos.

A prioridade do PCP, do BE e da CGTP é garantir que a direita não volta ao poder. Vão protestando, mas daí até abrirem uma crise. Não vejo que isso aconteça, o que dificulta a vida à oposiçãoSilva PenedaAntigo presidente do Conselho Económico e Social

458A UGT representava 458 mil trabalhadores no final de 2016. Menos 20 mil sindicalizados que em 2012

550A CGTP tinha em Janeiro de 2016, pouco mais de 550 mil sindicalizados. Uma quebra de 10,5% face a 2012

[email protected]

há outros facto

que não são de

mobilização da

catos têm vindo

crise da contra-

bém lhes retira

venção.

recentes mos-

as duas centrais

ar vitória. Entre

o que coincidiu

permanência da

com taxas

nca antes

saíram

am me-

traram.

centes

quatro

individuais), bandeira tambémda UGT. O Governo promete

rever o banco dehoras, masnão será no imediato,propostas

Page 4: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

1.º DE MAIO

O sociólogo Alan

Stoleroff , que há várias

décadas estuda o

movimento sindical

português, reconhece

que a actual solução

governativa obriga a CGTP e a UGT

a actuarem com cuidado para

não estorvarem o entendimento

político entre PS, BE e PCP. Mas,

refere numa entrevista por escrito

ao PÚBLICO, as duas centrais

estão condicionadas por outros

motivos, em particular as suas

capacidades reais de mobilização e

a descompressão que o país está

viver face ao período da troika.

Como vê a forma como a CGTP

e a UGT se têm posicionado

perante o Governo?

Actualmente, na medida em que

os sindicatos estão constrangidos

quanto às suas capacidades

reais de mobilização (quer nos

locais de trabalho, quer para

acções de protesto), torna-

se cada vez mais importante

o papel das confederações

enquanto representantes de

classe ao nível político. Ambas as

confederações têm confrontado

os jogos políticos com cuidado,

em função das suas orientações

ideológicas e programáticas.

A UGT tem sido consistente ao

apostar fundamentalmente na

concertação. A CGTP procura jogar

na dependência que o Governo

tem em relação aos arranjos com

a esquerda, mas procura esticar

as possibilidades na medida que

pode. Têm actuado com bastante

Solução de Governo “constrange a acção das confederações”

Alan Stoleroff , sociólogo do ISCTE, avisa que por trás da aparente paz social, o mundo laboral está a sofrer transformações que para muitos trabalhadores são de “uma violência constrangedora”

Entrevista Raquel Martins e Sónia Sapage

cuidado, mas estão constrangidas

pelas suas capacidades reais de

mobilização e pela descompressão

que o país ainda está a viver com o

alívio em comparação com os anos

de tensão terrível sob a troika e o

Governo PSD-CDS.

A CGTP está menos

reivindicativa?

Não diria menos reivindicativa,

mas muito cautelosa, como

tem de ser, para não estorvar o

entendimento político estabelecido

entre o PS-Governo e os partidos à

esquerda. Com cuidado, procura

esticar as possibilidades para

conseguir algo. Pela primeira vez

talvez desde 1975 não aparece a

palavra de ordem “Governo para

a rua.” As coisas estão melhores

agora (ou pelo menos, menos

mal) do que quando o PSD-CDS

estava no Governo. Mas a CGTP

está a lutar para conseguir repor

as medidas que eram as alavancas

para o modelo de contratação

colectiva que tínhamos. Basta

ver as suas reivindicações para

o 1.º de Maio. Por não avançar

com as palavras de ordem que

usou contra o Governo da troika,

não quer dizer que seja menos

reivindicativa. De maneira

nenhuma. As suas reivindicações

(talvez com excepção dos 4% de

aumento salarial) são realistas

dadas as possibilidades da

situação.

A UGT perdeu espaço na

concertação social a favor do

Parlamento?

Nesta conjuntura, a concertação é

que perdeu algum espaço em

relação aos processos

legislativos, mas a

concertação mantém

a sua importância

para os processos de legitimação

no domínio laboral. Simplesmente

já não é the only game in town.

Como é que avalia as estratégias

sindicais de cada central?

Não avalio tanto. Os

constrangimentos são reais

para ambas. Dados estes

constrangimentos relativos ao

poder negocial nas empresas

e na contratação colectiva e à

mobilização, a actuação “política”

das confederações quer em

relação ao Parlamento, quer em

relação à concertação tornou-

se fundamental. Se calhar, de

momento, temos que relativizar o

que entendemos por estratégias.

A actual solução de Governo

compromete ou neutraliza o

movimento sindical português?

Não neutraliza mas,

evidentemente, constrange a acção

das confederações.

O facto de os partidos com base

sindical (PCP e BE) se sentarem

à mesa com o Governo tem

servido melhor para atingirem

os seus objectivos do que a

pressão dos sindicatos?

Em primeiro lugar, o PS e mesmo o

PSD têm aderentes no movimento

sindical! Por outro lado, nesta

conjuntura a pressão dos sindicatos

está atenuada pelas perdas na

sindicalização e pela perda de

poder negocial na contratação

colectiva. Portanto, a actuação

política das confederações

em relação ao Parlamento

e à concertação tornou-se

fundamental. Desde a instauração

do Governo PS, os sindicatos têm

tido pequenas vitórias, mas este

Governo não está a ceder a todas

as reivindicações, nomeadamente

em relação à legislação laboral e à

Desde a instauração do Governo PS, os sindicatos têm tido pequenas vitórias, mas este Governo não está a ceder a todas as reivindicações, nomeadamente em relação à legislação laboral e à contratação colectiva

contratação colectiva.

Podemos dizer que vivemos

tempos de paz social em

Portugal? Ou estamos apenas a

ressacar dos tempos da troika e

de muita austeridade?

Por um lado, sim, estamos a

ressacar. O tempo da troika e do

Governo PSD-CDS foi traumático.

As feridas ainda não cicatrizaram.

Ninguém quer regressar

àquele tempo. Mas também há

constrangimentos à acção sindical

que derivam do enfraquecimento

que sofreu na crise e as

transformações subsequentes

da economia e do mercado de

d cações

o dos 4% de

o realistas

es da

ço na

a favor do

concertação é

paço em

s

m

Page 5: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

RUI GAUDÊNCIOA UGT comemorou o 1.º de Maio de 2014 em Belém, Lisboa

trabalho. De toda a maneira, paz

não há num sentido profundo. As

transformações no mundo laboral

são para muitos trabalhadores de

uma violência constrangedora.

Mas as oportunidades para acção

colectiva destes trabalhadores

ainda não apareceram.

A “geringonça” está a travar

outros movimentos sociais?

A “geringonça” não está a travar

a emergência de movimentos

sociais. Com o aumento de

representação do BE, em

particular, no Parlamento, certos

movimentos até conseguiram

obter uma voz no Parlamento. O

que está a descansar de momento,

em parte devido à “geringonça”,

é o protesto político popular. A

reposição de algum rendimento, a

aparência de reposição de alguns

direitos, a percepção de algum

alívio em relação ao que foi uma

ofensiva brutal contra a classe

trabalhadora estão a condicionar

o protesto político; isso sim.

Mas não se deve confundir

movimentos sociais com o

protesto político que se exprime

em nome da classe trabalhadora.

[email protected]@publico.pt

Prevalece na opinião

pública um sentimento

de menor atenção ou

mesmo de descrédito em

relação aos sindicatos.

Existiria um divórcio

entre trabalhadores e sindicatos

que conduziria à morte lenta

do movimento sindical. A taxa

de sindicalização nas empresas

privadas teria baixado muito,

só se aguentando em empresas

de capital público. As portarias

de extensão tornariam rígido o

mercado laboral e levariam ao

encerramento de empresas e ao

desemprego. Tudo conduzindo a

uma perda de popularidade dos

sindicatos, em comparação com as

confederações patronais.

Desmontemos este maniqueís-

mo: o “divórcio” entre trabalhado-

res e sindicatos não se deve a qual-

quer comportamento unilateral;

tem como razão de ser o Estado

Social ter universalizado benefícios

pelos quais se batiam os sindicatos

há cem anos — condições de tra-

balho dignas, carreiras, reformas,

apoio no desemprego, saúde e

apoios sociais.

A diminuição das taxas de

sindicalização é acentuada

pelo número de trabalhadores

precários, relutantes em se

sindicalizar para não serem

vistos como agentes de intenção

reivindicativa. A validade da

negociação coletiva para cada setor

não foi uma criação constitucional,

vem de sempre. É justo tratar

como igual tudo o que seja igual. A

suposta rigidez da contratualização

coletiva está hoje atenuada:

comissões de trabalhadores já

celebram contratos coletivos ou

“acordos de empresa”, associando

salário e emprego numa base de

massa salarial e não de apenas

salário.

As portarias de extensão,

vistas como o principal fator

de rigidez, foram severamente

restringidas nos seus efeitos em

2012, mas foi atenuado o efeito

em 2014. O mercado de trabalho

desregulou-se de forma abusiva,

segmentando-se ainda mais.

Salários mais baixos, gerados pela

caducidade dos antigos acordos

e difícil extensão dos seguintes,

levaram a precarização e pobreza

e também a concorrência desleal

entre empresas. O repúdio

foi bilateral: não apenas dos

sindicatos, também das empresas,

perturbadas pelo desaparecimento

das regras de jogo e pelos riscos de

desagregação associativa. Signifi ca

isto que se deve voltar ao antigo

regime? Não. O papel do Estado

será essencial, ao acelerar prazos

para aprovação das portarias de

extensão.

Foi divulgada uma sondagem

demonstrando que as

confederações empresariais seriam

mais populares que as sindicais.

Não há motivo para admiração. Se

a sondagem foi representativa, o

eleitor médio tende a considerar a

classe dominante com olhos mais

Mitos urbanos sobre sindicalismo

OpiniãoAntónio Correia de Campos

tolerantes. Temos menos paciência

para os erros dos que estão ao

nosso nível e falta de caridade para

aceitar os mais dependentes. É da

natureza humana.

Estará então tudo bem?

Certamente que não. Os sindicatos

que menos aderentes perdem,

ou mais ganham, são os que

prestam serviços diretos aos seus

associados: saúde, incluindo

saúde ocupacional, seguros

complementares de desemprego,

complementos de reforma,

sistemas de poupança-reforma,

escolas profi ssionais e educação

permanente de boa qualidade,

bem como apoio na procura de

emprego.

Os sindicatos ganham em se

aproximarem das comissões de

trabalhadores. Será essencial

para passarem a contratos e

convenções que associam salário

e emprego, em vez de se baterem

exclusivamente por salários. Os

sindicatos têm que prestar mais

atenção real, não apenas retórica,

a desempregados e precários.

Têm os sindicatos que moderar

a sua presença nacional, na rua,

em manifestações, em protestos?

Toda agente respeita o esforço

que mobiliza os trabalhadores

retirando-os ao descanso. A

confraternização pública é

indissociável do sentido de

pertença. No 1.º de Maio, muitos

trabalhadores desvinculados de

sindicatos e muitos outros que

nunca pensaram em se sindicalizar

sentem simpatia pela descida à rua

dos que militam.

O diálogo social aproxima as

partes. Abre-as à compreensão

das posições antagónicas, permite

um entendimento pessoal que

facilita o negocial. É um fenómeno

de aprendizagem mútua. Os

sindicatos são parceiros adultos,

bem preparados e responsáveis.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

Presidente do Conselho Económico e Social

“O ‘divórcio’ entre trabalhadores e sindicatos não se deve a qualquer comportamento unilateral; tem como razão de ser o Estado Social ter universalizado benefícios pelos quais se batiam os sindicatos há cem anos”

Page 6: CGTP e UGT dão sinais de impaciência e exigem …...go do ISCTE, Alan Stolero , as duas centrais têm actuado com bastan-te cuidado . Em particular a CGTP que, embora continue a

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Cáritas mais do que duplicou assuas poupanças nos anos da criseCáritas de Lisboa amealhou quase 1,3 milhões de euros, mais do que duplicando as poupanças entre 2007 e 2015 • Comprou loja em Setembro por 320 mil euros sem pedir espaço à Câmara de Lisboa • Cáritas recusou esclarecer as questões colocadas pelo PÚBLICO • Investigação de José António Cerejo Sociedade, 12/13

Marcado novo protesto parahoje, mas também haverá apoio ao regime nas ruas p20

Do Bloco ao CDS, nem o PS deixou de enviar questões ao ministro das Finanças p10

Nem o Papa faz recuar oposição a Maduro na Venezuela

Mário Centeno inundado com perguntas sobre balcões da CGD

Rui Rio “Há sorte, há criatividade e há mérito neste Governo” p8

1.º de Maio CGTP e UGT exigem resultados ao GovernoCorreia de Campos desmonta os “Mitos urbanos sobre sindicalismo”Destaque, 2 a 7

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Edição Lisboa • Ano XXVIII • n.º 9874 • 1,20€ • Segunda-feira, 1 de Maio de 2017 • Director: David Dinis Adjuntos: Diogo Queiroz de Andrade, Tiago Luz Pedro, Vítor Costa Directora de Arte: Sónia Matos

Investigação O que descobriu a portuguesa que foi estudar o lado negro do poderCiência, 26/27

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Concerto comOrquestra Sinfónica

do Porto Casa da Música Maestro Martin André

06 Maio · 21h30