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T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006 59 Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo O CICLO HIDROLÓGICO; AMAZÔNIA- HOMEM-MUNDO RESUMO Este artigo apresenta vários cenários sobre o ciclo hidrológico e suas articulações com o ciclo de calor na Amazônia e em âmbito planetário. Enfatiza os elementos explicativos e compreensivos acerca das propriedades físicas e químicas da molécula de água – unidade básica deste ciclo - e de sua participação em processos atmosféricos de médio e longo alcances. Faz uma síntese sobre a relação do ciclo hidrológico e o clima na bacia amazônica com diversas projeções e tendências em escala mundial. Finalmente, ele apresenta problematizações sobre os atuais modelos hidrológicos e sobre um conjunto de princípios e uma agenda para as políticas públicas mundiais acerca do uso, da proteção e do gerenciamento dos mananciais de águas. Palavras chave: Amazônia-ciclo hidrológico; Amazônia-processos atmosféricos; Amazônia- efeito estufa; Amazônia-socioecologia CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Quais são as principais características e a importância do ciclo hidrológico na Amazônia, região que constitui a principal reserva mundial de recursos hídricos? Como a Amazônia se insere no balanço hidrológico global? Qual é a relação da molécula da água com o efeito estufa? Quais são os nexos entre clima e ciclo hidrológico na Amazônia? Como o ciclo hidrológico se articula com o ciclo de calor na região amazônica? Estas são questões de interesse que analisaremos ao longo deste texto. *Marcílio de Freitas ** Walter Esteves de Castro Júnior

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T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006 59

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

O CICLO HIDROLÓGICO; AMAZÔNIA-HOMEM-MUNDO

RESUMO

Este artigo apresenta vários cenários sobre o

ciclo hidrológico e suas articulações com o ciclo de

calor na Amazônia e em âmbito planetário. Enfatiza

os elementos explicativos e compreensivos acerca

das propriedades físicas e químicas da molécula

de água – unidade básica deste ciclo - e de sua

participação em processos atmosféricos de médio

e longo alcances. Faz uma síntese sobre a relação

do ciclo hidrológico e o clima na bacia amazônica

com diversas projeções e tendências em escala

mundial. Finalmente, ele apresenta

problematizações sobre os atuais modelos

hidrológicos e sobre um conjunto de princípios e

uma agenda para as políticas públicas mundiais

acerca do uso, da proteção e do gerenciamento dos

mananciais de águas.

Palavras chave: Amazônia-ciclo hidrológico;

Amazônia-processos atmosféricos; Amazônia-

efeito estufa; Amazônia-socioecologia

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Quais são as principais características e a

importância do ciclo hidrológico na Amazônia, região

que constitui a principal reserva mundial de recursos

hídricos? Como a Amazônia se insere no balanço

hidrológico global? Qual é a relação da molécula da

água com o efeito estufa? Quais são os nexos entre

clima e ciclo hidrológico na Amazônia? Como o ciclo

hidrológico se articula com o ciclo de calor na região

amazônica? Estas são questões de interesse que

analisaremos ao longo deste texto.

*Marcílio de Freitas

** Walter Esteves de Castro Júnior

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1 Movimento com geometria cônica similar ao realizado pelo eixo de simetria de um pião girante que se move em torno de um eixo vertical.2 1 cal (caloria) é a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de 1 grama (1 g) de água de 14,5oC para 15,5oC.

NO QUE SE REFERE AO AQUECIMENTO

TERRESTRE

A dinâmica do ciclo hidrológico resulta de um

complexo acoplamento de fatores mecânicos,

eletromagnéticos, termodinâmicos, químicos e

biológicos, entrelaçados entre si, em diferentes

escalas espacial e temporal, em forma não linear.

Um elemento imprescindível na configuração

mecânica deste ciclo é a energia solar, de natureza

eletromagnética, que alcança a Terra. O que

justifica, neste contexto, a relevância das

informações que se seguem.

A Terra, planeta do sistema solar, ocupa uma

posição favorável à recepção da radiação solar,

agente indispensável na regulação climática e na

manutenção dos processos vitais à existência da

vida. O seu deslocamento em torno do Sol e sua

simultânea rotação em torno de seu eixo são os

fatores determinantes para a quantidade de energia

solar que alcança o sistema terra-atmosfera (Liou,

1980; Paltridge e Platt, 1976; Kondratyev, 1969;

McCartney, 1976).

Existem 2 parâmetros que influenciam a

variação da órbita terrestre em torno do Sol: a

trajetória da Terra em torno do Sol é do tipo elíptica,

com uma excentricidade média de cerca de 0,017,

e com o seu eixo de rotação fazendo um ângulo de

inclinação de 23,5o com a reta normal ao plano da

elíptica. Este ângulo varia ciclicamente até 1,5o num

período de aproximadamente 4.000 anos;

• devido à atração gravitacional de outros planetas

sobre a Terra, existe um lento mais contínuo

movimento, denominado precessão,1 em direção

oeste dos pontos equinociais ao longo da elipse.

Em desdobramento, quando a Terra encontra-se

mais próxima do Sol, os intervalos de tempo

avançam cerca de 25 minutos em cada ano,

resultando num período de precessão com período

de 21.000 anos.

A conjugação dos efeitos decorrentes da

dinâmica desses dois fatores, variação da inclinação

do eixo de rotação da Terra e o seu movimento de

precessão, são determinantes nas possíveis

configurações mecânicas associadas à recepção

da energia solar pelo sistema terra-atmosfera. Um

caso típico são as variações das estações anuais

decorrentes do movimento de rotação da Terra em

torno do Sol e da inclinação de seu eixo.

O Sol emite uma quantidade de 9x104cal/

min.cm2 2 e de acordo com a Lei de Conservação

de Energia, esta quantidade de energia, que

permanece constante para qualquer distância

computada a partir do mesmo, é distribuída

isotropicamente em todas as direções do espaço.

A energia solar que alcança o topo da atmosfera

para uma distância média entre o Sol e a Terra

denomina-se constante solar, e possui um valor

dado por S = 1,94cal/min.cm2. Das ondas

luminosas que transportam esta energia,

aproximadamente 50% possuem comprimentos de

ondas maiores que os correspondentes ao espectro

visível (0,4 a 0,7?m; 1 ?m = 10-6m); 40% situam-se

no espectro visível e os 10% restante na região

anterior ao visível. Após esta radiação ingressar na

atmosfera, ela é submetida a múltiplos processos

de espalhamento e absorção pelos diversos

constituintes atmosféricos, permanentes e variáveis,

com uma fração da mesma gerando os processos

evaporativos na superfície terrestre (Sagan, 1999).

Os padrões das configurações climáticas

resultam de desequilíbrios dinâmicos de naturezas

mecânica, termodinâmica e química sendo

originados pelas interações entre a radiação solar,

os solos (incluindo a biota), as águas e as camadas

atmosféricas. A distribuição não-uniforme dessa

radiação solar sobre a superfície terrestre possibilita

a existência de um fluxo vertical contínuo de vapor

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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de água para a média e alta atmosfera, enquanto

as forças mecânicas, entre regiões atmosféricas

com diferentes pressões, asseguram, continua e

periodicamente, o transporte de grandes

quantidades desse vapor de água para os locais de

altas latitudes através de complexas circulações

meridionais.

Em geral, fluxos mais intensos de energia solar

incidem sobre as regiões tropicais, com o ar mais

quente e úmido dessas regiões ascendendo e

liberando calor latente (com o correspondente

aumento em sua densidade), e circulando em

direções norte e sul e descendo gradualmente em

direção à superfície terrestre através de uma célula

de circulação atmosférica.

Enquanto o ar tropical se aquece intensificando

a sua umidificação, nas regiões de maior latitude

têm-se uma incidência de raios solares em direções

mais inclinadas em relação à direção vertical à

superfície terrestre, diminuindo o aquecimento

dessa superfície o que a deixa mais fria. O ar em

contato com estas superfícies também se torna frio

e mais denso, e como ele contém poucas moléculas

de vapor de água, após dias ou semanas de

imobilidade devido à prevalência de condições

climáticas associadas à vigência de alta pressão

atmosférica, começa a mover-se,

preferencialmente, em direção às regiões de baixas

latitudes. Em desdobramento, têm-se

deslocamentos das duas massas de ar em sentidos

opostos; a polar, fria, densa e seca, e a tropical,

quente e úmida. À medida que a massa polar

desloca-se para latitudes mais baixas ela se adere

à superfície terrestre, deslizando por baixo do ar

quente que avança, fazendo com que este se eleve

para uma região onde predomina temperaturas mais

baixas que as dos trópicos. Nestas condições, as

moléculas de água evaporadas das regiões tropicais

agregam-se em torno de pequenas partículas

denominadas aerossóis e se condensam, com cada

grama de água condensada liberando

aproximadamente 500 calorias para o ar vizinho.

Este calor que o vapor de água transporta para

regiões situadas em grandes latitudes é

imprescindível para o desencadeamento de vários

processos atmosféricos em escala planetária.

O CICLO HIDROLÓGICO PLANETÁRIO:

PROJEÇÕES NUMÉRICAS

O processo periódico de circulação da água, em

diferentes fases, da atmosfera aos oceanos e aos

solos, e à atmosfera novamente, denomina-se ciclo

hidrológico.

Anualmente, evaporam-se em torno de 380.000

quilômetros cúbicos de água da Terra, sendo

320.000 quilômetros cúbicos provenientes dos

oceanos e o restante, 60.000, oriundos dos rios,

lagos e das superfícies dos continentes. Após esta

massa de água ser armazenada na atmosfera, ela

precipita-se em forma de chuva ou neve, não

uniformemente sobre o globo terrestre. Uma maior

quantidade retorna para os oceanos, sendo que

aproximadamente, 96.000 quilômetros cúbicos caem

sobre as superfícies dos continentes suficientes para

cobrir o Brasil com uma profundidade de 11,3 metros.

Parte dessa água escorre diretamente sobre as

superfícies sólidas para os rios e posteriormente,

em diferentes escalas temporais, são transportadas

até os oceanos. Outra parte, após absorver em torno

de 540 calorias de energia solar por grama de água,

evapora-se, retornando para a atmosfera. O restante

de água precipitada, infiltra-se nos solos

desempenhando papel imprescindível na

manutenção dos processos físico-químico-

biológicos vitais para a vida vegetal assim como na

formação de reservatórios e rios subterrâneos,

retroalimentando, rápida ou lentamente, os cursos

e as fontes superficiais de águas (Davis e Day,

1961).

A presença de grandes quantidades de água

líquida é uma das características mais importantes

do planeta Terra, distinguindo-o dos demais planetas

do sistema solar; o transporte e a distribuição de

água constituem um fator fundamental em sua

estabilidade climática. A existência de diferentes

temperaturas e pressões na atmosfera e na

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superfície terrestres possibilita a constante mudança

de fase da água, entre os estados sólido, líquido e

gasoso, criando as condições necessárias para a

existência da vida no planeta (Graedel e Crutzen,

1993).

O ciclo hidrológico é um produto integrado do

clima e dos atributos biogeofísicos da superfície

terrestre e, simultaneamente, exerce uma influência

sobre o clima que transcende as interações entre

a umidade atmosférica, a precipitação e o

escorrimento superficial (Hartmann, 1994). Este

ciclo é a principal fonte de calor para a atmosfera,

liberado em forma de calor latente, principalmente

nos trópicos, através da condensação da umidade

atmosférica na formação das nuvens.

A Terra contém um volume de água em torno de

1,35x1018m3, sendo que cerca de 97% deste volume

encontra-se nos oceanos (Tabela 1). Os continentes

armazenam 33,6x1015m3 com destaque para as

regiões do Ártico e da Antártida. A atmosfera contém

0,013x1015m3 o que representa centésimos de

milésimos do conteúdo da água de todo o sistema

climático terrestre ou aproximadamente 0,001% do

total,3 e que corresponde a uma lâmina uniforme de

água com 2,5cm de altura por toda a superfície

terrestre, ou seja, aproximadamente 1 parte em 105.

Para cada cem mil moléculas de água que existem

na Terra (em quaisquer de seus estados físicos),

apenas uma molécula, encontra-se na atmosfera

(Peixoto et al., 1990).

Como anualmente precipita-se na superfície

terrestre uma quantidade de água equivalente a uma

lâmina de água com 100cm de altura, distribuída

uniformemente sobre toda a superfície da Terra, são

necessárias 40 precipitações de toda a água contida

na atmosfera por ano para se obter este valor.

Portanto, em média, a cada 9 dias, toda a água

contida na atmosfera retorna à superfície por meio

de precipitações (Hartmann, 1994).

A quantidade de água transportada por

intermédio do ciclo hidrológico a cada ano, entra

na atmosfera através da evaporação e da

evapotranspiração, e retorna à superfície através da

precipitação. Uma vez na atmosfera, o vapor de água

pode ser transportado horizontalmente e

verticalmente por

grandes distâncias através da circulação geral da

atmosfera. Estes movimentos do vapor de água são

críticos para o balanço de água em áreas terrestres,

pois aproximadamente 1/3 da precipitação que cai

sobre estas áreas é água que foi evaporada nos

oceanos e transportada para estas regiões através

da atmosfera. O excesso de precipitação sobre a

evaporação nas áreas terrestres tem como resultado

o retorno da água aos oceanos por meio dos rios e

seus tributários (idem, 1994).

Como ilustrado na Tabela 1, a quantidade de

água existente na terra/atmosfera corresponde a

uma lâmina de água com altura de aproxi-

madamente 2.730m na superfície da Terra, a maior

parte nos oceanos. Como toda a água contida na

atmosfera fornece uma lâmina de 2,5cm, então uma

molécula de água deve permanecer um longo tempo

dentro dos oceanos, de uma camada de gelo, ou

dentro de um aqüífero subterrâneo, até fazer sua

breve excursão na atmosfera.

O vapor de água é o único constituinte

atmosférico que pode mudar de estado em

condições naturais sendo, portanto, o componente

que apresenta maiores variações espaciais e

temporais. As suas mudanças de fase são

acompanhadas por liberação ou absorção de calor

latente que, associadas com o transporte de vapor

de água pela circulação atmosférica, atuam na

distribuição do calor sobre o planeta.

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3 De acordo com a Tabela 1 o valor correto é 0,0009% .

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A MOLÉCULA DA ÁGUA; PROPRIEDADES E

EFEITO ESTUFA

Em comparação com outras substâncias, a

água tem uma extraordinária capacidade térmica,4

podendo absorver uma grande quantidade de calor

sem apreciáveis variações de temperatura.

Associados com essa característica da água estão,

os seus calores latentes, de fusão e de evaporação,

igualmente anômalos, características que lhe

atribuem um relevante papel sobre as temperaturas

na superfície terrestre. A energia absorvida pela água

permanece estocada, sendo liberada em forma de

calor quando a temperatura ambiente diminui.

Na região amazônica, a alta disponibilidade de

vapor de água na atmosfera faz com que a variação

da amplitude térmica entre o dia e a noite, devido

ao ciclo diurno de aquecimento e resfriamento, seja

pequena (em torno de 10oC), enquanto em áreas

desérticas, onde há pouca quantidade de vapor de

água na atmosfera, as diferenças de temperatura

entre o dia e a noite podem alcançar 40oC (ou mais).

Quando a temperatura de uma substância sólida

é elevada até o ponto de fusão ou quando uma

substância líquida encontra-se no ponto de ebulição,

ocorre uma transição durante a qual, as duas fases,

sólida e líquida, ou, líquida e vapor, coexistem.

Durante esse intervalo de tempo, que termina

4 A capacidade térmica é o grau de medida da quantidade de calor que deve ser fornecido a um elemento (substância) para elevarsua temperatura de uma unidade.

5 A energia de translação (K), denominada energia cinética, em geral, está associada ao movimento dos corpos ou das molécu-las. Para uma temperatura T = 30oC, típica de regiões tropicais, a energia translacional de uma molécula de vapor de águaassume um valor aproximado de K = 1,48 x 10-23calorias.

quando o sólido está completamente liqüefeito ou

o líquido totalmente vaporizado, o calor é absorvido

sem produzir nenhuma mudança na temperatura

da substância. O valor desta medida de calor,

denominada “calor latente”, depende da substância

considerada.

Tratando-se da água, no ponto de fusão, uma

grama (1g) de água absorve 79,7 calorias (cal) sem

aumento de temperatura, enquanto durar o processo

de fusão. No ponto de vaporização, o grama de água

absorve 539,4 calorias antes da temperatura

aumentar novamente.

Sob o ponto de vista mecânico, uma molécula

pode utilizar a energia armazenada em três formas

distintas. A energia que é utilizada pela molécula

para assegurar os seus movimentos translacionais,

recebe o nome de energia translacional e possibilita

informações acerca do grau de agitação molecular

do sistema.5 Da mesma forma, a fração da energia

que possibilita às moléculas girarem em torno de

seus eixos, recebe o nome de energia rotacional,

sendo, em geral, muito menor que a energia

translacional. As moléculas, também podem vibrar,

com um gasto de energia vibracional da mesma

ordem da translacional.

Nos processos físicos de interação da radiação

solar com a matéria, ocorre absorção e/ou

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

Tabela 1 – Quantidade de água na Terra. Adaptada de Hartmann (1994), p.12.

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espalhamento da mesma. A absorção e a emissão

de energia se fazem presentes quando os átomos

ou moléculas sofrem transições de um estado

energético eletrônico para outro. Em geral, as

transições possíveis são determinadas por regras

de seleção que dependem de diversos fatores em

escala atômica. As transições vibracionais e

rotacionais das moléculas da água ocorrem na

região espectral do infravermelho. Esta é a razão

do vapor de água ser o principal constituinte

atmosférico absorvedor das radiações infravermelha

(ou termal) própria das radiações solar (ondas curtas)

e das emitidas pela superfície terrestre (ondas

longas); por esta razão, apesar de sua pequena

quantidade na atmosfera, o vapor de água é o

responsável por aproximadamente metade do efeito

estufa natural presente nessa região.

O efeito estufa natural é responsável pela

elevação da temperatura na superfície da Terra

acima da temperatura de equilíbrio radiativo; o

balanço energético envolvendo a radiação solar

recebida pelo planeta com aquela irradiada pela sua

superfície em forma de radiação infravermelha, prevê

uma temperatura terrestre efetiva de -18oC. Nesta

temperatura toda superfície da Terra estaria coberta

de gelo. Entretanto, constata-se que a temperatura

média na superfície da Terra é 33oC mais alta, ou

seja, 15oC. Essa diferença se deve ao efeito estufa

natural e resulta da presença na atmosfera de

gases denominados gases-estufa (gases

atmosféricos com concentrações variáveis), que

são transparentes à radiação de ondas curtas

provenientes do Sol, mas absorvem (e reemitem)

radiação de ondas longas emitidas pela superfície

terrestre. Portanto, a atmosfera atua como um

termostato, regulando o calor que a superfície

terrestre recebe e emite.

Os principais gases-estufa são o dióxido de

carbono (CO2), o metano (CH

4), o vapor de água, o

óxido nitroso (N2O), o ozônio (O

3), os

clorofluorcarbonetos (CFCs) e outros gases

derivados de processos naturais e/ou

antropogênicos, com destaques para o CO2, o CH

4

e o vapor de água, responsáveis, em ordem, por

50% , 15% e 10% do total desse efeito. Como a

concentração do CO2 tem aumentado desde o início

da revolução industrial devido ao crescente uso de

combustíveis de origem fóssil, os especialistas têm

associado o aumento da emissão de CO2 com

projeções analíticas que prevêem um planeta mais

quente no futuro.

A questão central que consiste em determinar a

relação exata entre a ação humana e a elevação

do aquecimento médio da Terra, tem sido motivo

de muita controvérsia. Os cenários projetados

mostram que aumentos, da ordem de 1 a 2oC, na

temperatura média do planeta mudariam os atuais

padrões de circulação, alterando as estações de

chuva e estiagem e impactando vários setores

produtivos, em especial, toda a matriz agrícola,

através de mudanças no ciclo hidrológico.

A evaporação da água a partir da superfície da

Terra é responsável por metade do resfriamento da

superfície, contrabalançando o aquecimento por

absorção de radiação solar. Quando o vapor de água

ascende na atmosfera ele eventualmente se

condensa e precipita com a energia liberada durante

a condensação do vapor de água contribuindo para

os sistemas de circulação atmosféricos.

A água também pode alterar a capacidade de

reflexão de calor de uma superfície (albedo) pela

deposição de neve e gelo (que possuem um albedo

grande), influenciando o total de energia disponível

para os processos bióticos e abióticos. Por

exemplo, durante uma era glacial, período em que

uma parte da superfície terrestre fica coberta por

camadas de gelo, há uma diminuição do total de

energia disponível na superfície devido ao aumento

do albedo.

ELEMENTOS DO CICLO HIDROLÓGICO NA

AMAZÔNIA

O desenvolvimento do ecossistema amazônico

resulta da história geológica e do clima entrelaçada

à ação cultural dos povos que milenarmente ocupam

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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essa região. A Amazônia abriga o sistema fluvial

mais extenso e de maior massa líquida da Terra,

sendo coberta pela maior floresta pluvial tropical. É

delimitada ao norte e ao sul, respectivamente, pelos

maciços das Guianas e do Brasil Central; a oeste

pela jovem Cordilheira dos Andes, e aberta a leste

onde é acessível a plena entrada dos ventos alísios.

O rio Amazonas, principal hidrovia da região,

drena mais de 7 milhões de km2 de terras e possui

uma vazão anual média de cerca de 176 milhões de

litros por segundo (176.000m3/s), o que lhe confere

a posição de maior rio em volume de água da Terra,

superando o rio Congo na África (o segundo rio em

volume de água) em cerca de quatro vezes, o rio

Mississipi umas dez vezes, e as quedas de Niágara

em 28 vezes. Na época das águas baixas, o

Amazonas conduz para o mar cerca de 100 milhões

de litros por segundo (100.000m3/s); na época das

enchentes, mais de trezentos milhões de litros por

segundo (300.000m3/s) (Sioli, 1991). Como ilustração

tem-se que a vazão média do rio Amazonas

representa 176.000 caixas de água de 1.000 litros

que seriam enchidas a cada segundo. Como o

consumo mundial anual de água em 1995 foi 3.000

quilômetros cúbicos, cerca de 1.370 litros por

pessoa e por dia (Shiklomanov, 2000, p. 121), esta

mesma vazão do rio Amazonas é suficiente para

suprir as necessidades básicas de abastecimento

de mais de 6,6 bilhões de pessoas, número de

pessoas maior que a atual população mundial,

incluindo nessas projeções o gasto de água com a

agricultura. Ou ainda, a vazão do rio Amazonas em

1 segundo é suficiente para suprir o consumo diário

de uma cidade com cerca de 128.470 habitantes.

Constata-se que as larguras médias do Rio

Amazonas, medidas durante o período de águas

baixas, passam de 2km, próximo à fronteira do Peru

com o Brasil, para mais de 4km, próximo à Óbidos

(Estado do Pará); e as profundidades médias

correspondentes, variam progressivamente de 10 a

20 metros (Mertis et al., 1996, In: Filizola et al.,

2002). Experimentos mais recentes também

comprovam que durante o período de águas altas,

as larguras médias deste Rio variam de 1 km em

Tabatinga a 7km em Almeirim (Pará) para

profundidades que variam de 30 metros (Tefé –

Amazonas) até 100 metros em Itacoatiara

(Amazonas) (Guyot et al., 1998, In: Filizola et al.,

2002). Filizola e colaboradores (2002) também

registraram as amplitudes das cotas máximas e

mínimas do Solimões-Amazonas, encontrando um

valor de 12 metros em Terezinha (fronteira Peru-

Brasil), 15 metros em Manacapuru (cerca de 94 km

de Manaus) e finalmente 3 metros em Macapá (foz

do Amazonas).

Os ventos alísios que trazem para a região

amazônica o vapor de água proveniente do oceano

Atlântico têm barreiras naturais especialmente no

semicírculo andino, o que impõe a precipitação do

vapor de água através de chuva ou de neve. Assim,

as características geomorfológicas e a existência

de fatores regionais que contribuem para a

interceptação dos ventos quentes e úmidos da

circulação geral da atmosfera e da Zona de

Convergência Intertropical6, resultaram numa

tendência ecológica que explicam a existência de

um clima quente e úmido na Amazônia possibilitando

o desenvolvimento de uma floresta equatorial (Salati

e Ribeiro, 1979).

A Região Amazônica é uma das regiões de mais

altos índices pluviométricos do planeta, com totais

médios da ordem de 2200 mm/ano – 1mm/dia

corresponde à queda de 1 litro de água por dia em

cada metro quadrado da região em questão. Isto

representa um volume total de água na forma líquida

de aproximadamente 12.000 trilhões de litros

(12x1012m3) que a bacia amazônica recebe a cada

ano, resultando na maior bacia hidrográfica do

mundo, que representa 16-20% da água doce na

fase líquida na superfície do planeta. A água doce

6 Zona de Convergência Intertropical é um mecanismo meteorológico responsável pela máxima precipitação sobre as áreascosteiras da Amazônia.

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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constitui somente 2,95%, aproximadamente, do

volume total de água sobre a Terra sendo que 3/4

deste total estão nos glaciares e calotas de gelo

(Postel et al., 1996).

Para efeito de comparação, a precipitação média

em regiões continentais é de cerca de 800 mm/

ano, a qual se reparte em quantidades

correspondentes ao escoamento (? 315-320 mm/

ano) e à evapo-transpiração (? 485-480 mm/ano).

Sobre as regiões oceânicas, a precipitação média

é de 1.270 mm/ano resultando numa precipitação

média anual sobre o globo terrestre, igual a cerca

de 1.100 mm/ano.

Os estudos registram grandes variabilidades nos

índices pluviométricos locais, com situações

peculiares. As análises feitas por Marajó (1992, p.

37-38), referindo-se à cidade de Belém, capital do

Estado do Pará, relatam que as medidas realizadas

em 1856, já confirmavam, à época, que a antiga

regularidade das chuvas no estado do Pará, tão

repetida por muitos escritores, não mais existia.

Continuando, Marajó (idem), afirma: “... eu tive

ocasião de marcar no dia 21 de Dezembro de 1856,

em uma só pancada de água, uma coluna de 66mm;

e no dia 6 de março de 1857, em uma só pancada

que durou das 6 da manhã á 1 da tarde sem

interrupção, uma coluna de 102mm.” (Freitas e Castro,

2004)

Ainda são polêmicos os modelos que descrevem

os processos físico-químico-biológicos que

explicam os mecanismos de formação, transporte

e reciclagem de vapor de água na bacia amazônica,

assim como o grau de importância dos

ecossistemas amazônicos nas configurações

climáticas local, regional e mundial.

No que se refere à pluviosidade regional, como

o total de água que precipita na bacia amazônica

em forma de chuva é da ordem de 12.000 trilhões

de litros por ano (12x1012m3/ano), e sendo a vazão

do rio Amazonas da ordem de 176 milhões de litros

por segundo (176.000m3/s), o que representa uma

perda total de água pela rede fluvial de cerca de

5.500 trilhões de litros por ano (5,5x1012m3/ano,

conclui-se que o restante da água, 6.500 trilhões

de litros (6,5x1012m3/ano), deve retornar à atmosfera

na forma de vapor. A origem primária do vapor de

água é o oceano Atlântico, com os ventos alísios

transportando este vapor para essa região. Diversos

estudos têm indicado que há uma recirculação do

vapor de água na região, sendo que provavelmente

50% das precipitações são devidas a esse

mecanismo, o que coloca a cobertura vegetal como

tendo um papel relevante no total observado de

precipitação. As plantas que no passado foram

selecionadas e se desenvolveram em função das

condições iniciais do ecossistema em evolução, no

presente são partes integrantes fundamentais para

o equilíbrio hidrológico estabelecido, fornecendo

através da evapotranspiração os outros 50% de vapor

necessários para gerar o atual nível de precipitação

(Salati e Ribeiro, 1979). A baixa declividade da

planície amazônica, 1-2 cm.km-1 (Filizola et al., 2002)

contribuiu para a retenção de água nesta região,

criando as condições necessárias para a

emergência de um ciclo hidrológico entrelaçado com

todos os demais ciclos biogeoquímicos existentes

na mesma, matriciando a vida em forma pujante,

complexa e integrada em diversas escalas espaciais

e temporais, do local ao mundial.

O ciclo hidrológico na bacia amazônica é

fortemente influenciado pelos sistemas atmosféricos

que afetam a região, principalmente por aqueles que

causam a convecção e precipitação associada.

Molion (1993), classificou os sistemas dinâmicos

que influenciam a precipitação na Amazônia em

cinco escalas espaciais: 1) Sistemas de grande

escala (ou escala continental), como a Zona de

Convergência Intertropical (ZCIT), o ramo ascendente

7 A célula atmosférica de Hadley circula no sentido norte-sul e a de Walke rno sentido leste-oeste formando a circulaçãogeral de Hadley-Walker.

8 Alta da Bolívia é um fenômeno atmosférico que ocorre na região do antiplano boliviano que interfere na distribuiçãoespacial e temporal da precipitação na região amazônica.

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006 67

da célula de circulação de Hadley-Walker7 e a Alta

da Bolívia8; 2) Sistemas de escala sinótica, como a

formação de aglomerados convectivos associados

com as frentes frias, com extensão da ordem de

1.000km; 3) Sistemas sub-sinóticos, formados

principalmente pelos aglomerados de nuvens

cúmulo-nimbos associados às linhas de

instabilidade e extensão da ordem de 500km; 4)

Sistemas de mesoescala, como os aglomerados

de nuvens cúmulo-nimbos da ordem de 100km de

extensão; e, 5) Sistemas de pequena escala, como

uma célula isolada de nuvem cúmulo-nimbo com

extensão em torno de 1km.

Um dos mecanismos que tem origem em

regiões distantes da Amazônia e que influenciam a

precipitação na região é o fenômeno El Niño. Durante

o El Niño ocorre um aumento dos fluxos de calor

sensível e de vapor de água (calor latente) da

superfície do oceano Pacífico equatorial para a

atmosfera provocando mudanças nos processos de

circulação atmosférica com impactos nos índices

de precipitação em várias regiões do planeta,

inclusive na Amazônia. Moura e Shukla (1981)

discutem sobre um mecanismo que pode causar

modificações no ciclo hidrológico na Amazônia e

que também se origina no oceano Atlântico. Quando

a temperatura à superfície do mar está acima da

média no Atlântico Norte e abaixo da média no

Atlântico Sul, e a ZCIT encontra-se mais ao norte

de sua posição normal, resulta uma redução na

precipitação nas porções central e leste da

Amazônia.

Os bloqueios atmosféricos que ocorrem em

alguns anos no sul da América do Sul (à sudeste

do Pacífico e à sudeste da América do Sul), podem

impedir o avanço das frentes frias vindas do sul do

continente e que eventualmente alcançam a

Amazônia, ocasionando redução de precipitação

nessa região.

Uma outra hipótese refere-se à influência remota

da possível relação entre os aumentos de

precipitação e a presença de aerossóis vulcânicos

na estratosfera sobre as regiões de baixas latitudes.

A ausência de medidas das concentrações de

aerossóis na estratosfera, associados com as

erupções vulcânicas, durante a estação chuvosa na

Amazônia, tem dificultado a verificação desta

hipótese (Molion, 1993).

Estudos mais recentes têm enfatizado a questão

das alterações irreversíveis sobre o ciclo hidrológico

provocadas pelo desmatamento. A disponibilidade

de água é importante para a manutenção da floresta

e nos processos de reciclagens. Modelagens

analíticas e experimentos sobre aspectos do ciclo

hidrológico na bacia amazônica comprovam e têm

reafirmado que 50% da precipitação nesta região é

de origem local, sendo 40% devido ao processo de

transpiração da biomassa viva acima do solo e à

evaporação no solo, e os demais 10% devido à

evaporação da água interceptada pela floresta (Salati,

1987; Ubarana, 1993).

Um aspecto importante do ciclo da água em

florestas, é o que se refere ao retorno de nutrientes

ao solo através de precipitações. Experimentos

mostram que um fluxo anual de 166kg/hectare de

nutrientes é transportado pela precipitação até aos

solos na floresta de Oak-Hickory, Estados Unidos

da América. Deste total, a precipitação direta

contribui com 38%, a precipitação-sob-dossel com

35%, e o escorrimento ao longo dos troncos com

27% do total (Rolfe et al., 1978). Estes valores devem

ser maximizados em regiões tropicais, em especial,

naquelas com coberturas vegetais de grande porte,

como na Amazônia.

Em geral, existem três tipos de modelos

hidrológicos: 1) os fundamentados nos princípios

da mecânica; 2) os conceitualmente simples e que

se baseiam em arranjos e articulações teóricas que

expressam tendências gerais dos diversos

elementos constituintes do mesmo, e, 3) os modelos

tipo “box”, que dependem de dados de entrada e de

saída para a calibração dos parâmetros assim como

para a determinação de sua própria estrutura e

consistência teórica interna (Dooge, 1982).

Por outro lado, diversas dificuldades permeiam

a construção desses modelos hidrológicos, dentre

as quais destacamos: 1) Problemas de escalas

espacial e temporal. Muitas vezes faz-se necessário

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 200668

modelar a dinâmica hidrológica associada às

variações temporais de minutos, horas, dias,

semanas, anos e longos tempos, e às variações

espaciais de um sítio, uma região, um continente,

e em escala global; 2) Dificuldades metodológicas

associadas a interdisciplinaridade e ao

entrelaçamento entre os diversos mecanismos físico-

químico-biológico envolvidos na dinâmica não linear,

desse ciclo; e finalmente, 3) A ausência de bancos

de dados mais amplos e consistentes.

ÁGUA E POLÍTICAS SOCIOECONÔMICAS

MUNDIAIS E AMAZÔNIA

A desigualdade social exacerbada e a

depreciação exacerbada dos recursos da natureza

constituem questões que tensionam os processos

civilizatórios em curso. A rapidez em que o

capitalismo intensifica a precarização socioecológica

nas regiões periféricas compromete sua própria

dinâmica.

A síntese dos indicadores sociais mundiais no

ano 2000 é uma referência emblemática: 1,3 bilhão

de pessoas não tem acesso a água potável; mais

de 5 milhões de pessoas morrem anualmente devido

às doenças provocadas pela água imprópria ao

consumo; 1 bilhão de pessoas habitam em moradias

precárias; 100 milhões não tem moradia; 790

milhões de pessoas passam fome e não dispõem

de segurança alimentar; 2 bilhões de pessoas estão

anêmicas com insuficiência alimentar; 35 mil

crianças morrem diariamente por carências

alimentares; 880 milhões não tem acesso aos

serviços de saúde; 2,6 bilhões não tem saneamento

básico e 2 bilhões não tem acesso à eletricidade. A

morbidez deste quadro intensifica-se quando

considera-se que: 1,2 bilhão de pessoas vivem com

menos de 1 dólar por dia; 1 bilhão de pessoas não

podem satisfazer suas necessidades básicas de

consumo; mais de 850 milhões são analfabetas;

27% das crianças em idade escolar não estudam

por falta de escola, das quais 260 milhões não tem

acesso à educação primária; 145 milhões de

pessoas vivem fora de seus países; 900 milhões

são subempregadas; 150 milhões estão

desempregadas e 250 milhões de crianças em idade

escolar estão trabalhando (Gómez, 2000). Este é o

quadro social forjado e cristalizado pelo processo

de globalização, liderado pelos conglomerados

econômicos e pela hegemonia política dos países

desenvolvidos do mundo ocidental. Em nível mundial

86% do consumo privado total é privilégio de 20%

da população humana, e os 15 principais países

exportadores em 2000, liderados pelos Estados

Unidos da América do Norte (12,3%), foram

responsáveis por 71,8% das exportações mundiais

realizadas em 2000.

Neste contexto a democratização e o uso

racional da água constitui um dos principais

problemas do século 21. Na Conferência

Internacional sobre Água e Ambiente realizada em

Dublin, em 26-31 de janeiro de 1992, construiu-se

uma Agenda sócio-ecológica mundial baseada nos

princípios de que: a água fresca é finita e essencial

para a vida; o manejo e o uso da água devem ser

feitos em forma coletiva; a água é um bem público

insubstituível em todos as dimensões econômicas

e sociais da humanidade. Esta Agenda estabeleceu

a necessidade de: viabilizar o acesso à água, comida

e condições sanitárias adequadas a mais de ¼ da

humanidade que ainda não dispõe desses serviços;

garantir proteção a amplo setor da população

mundial que se encontra sujeito aos desastres

naturais, decorrentes do ciclo da água; criar

condições para a conservação e a eliminação do

desperdício da água; construir as condições técnicas

para a realização do desenvolvimento sustentável

em ambientes urbano e rural; proteger os sistemas

aquáticos e garantir o suprimento adequado ao meio

rural e às produções agrícolas; resolver os conflitos

locais, regionais e internacionais por causa das

fontes e dos suprimentos de água; e, formar recursos

humanos para a realização de estudos avançados

sobre o adequado uso, conservação e manejo da

água pelas diferentes comunidades e sociedades

([email protected], 2002).

Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo

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T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006 69

A existência de cerca de 16-20% da água doce

mundial em superfície sólida na bacia amazônica e

de uma área próxima de 1,2x106km2, periódica ou

permanentemente coberta por água nessa região,

a credencia como estratégica nas políticas mundiais

do ciclo hidrológico. As projeções de um

crescimento do consumo mundial anual de água,

de 3.000 quilômetros cúbicos em 1995 para mais

de 5.000 quilômetros cúbicos em 2025 (Shiklomanov,

2000, p. 121), fortalece a importância geopolítica

da Amazônia.

Contraditoriamente, o acesso a água potável

ainda constitui uma utopia para ampla parcela das

populações amazônicas. Recentemente o Prefeito

de Manaus, Serafim Corrêa, em debate público sobre

os problemas de abastecimento de água nesta

cidade afirmou que: “...cerca de 15% da população

(aproximadamente 250 mil habitantes) não recebem

água em casa; 230 mil recebem por menos de 12

horas diárias; mais de 90% da população (1.440.000

de pessoas) não têm tratamento de esgoto, e o preço

da água é elevado...” (Alves, 02/08/2006).

A história dos estudos da inter-relação dos

ecossistemas amazônicos com o ciclo hidrológico

e do papel social da água, em escala local, regional

e planetário, ainda é muito recente. Este é um

trabalho para várias gerações.

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Espaciais, São José dos Campos, SP.

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<[email protected]>.

*Marcílio de Freitas é Professor da

Universidade Federal do Amazonas e Diretor do

Centro de Estudos Superiores do Trópico Úmido da

Universidade do Estado do Amazonas

([email protected]).

**Walter Esteves de Castro Júnior é Professor

do Depto. de Física da Universidade Federal do

Amazonas ([email protected])

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