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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública O TRANSPORTE COLETIVO DE JOINVILLE/SC: Aspectos sócio-espaciais perante a centralidade urbana. CHARLES HENRIQUE VOOS Itajaí, Julho de 2009

CharlesTCC - Transporte Coletivo de Joinville Aspectos Socio-espaciais Perante a Centralidade Urbana

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública

O TRANSPORTE COLETIVO DE JOINVILLE/SC: Aspectos sócio-espaciais perante a centralidade urbana.

CHARLES HENRIQUE VOOS

Itajaí, Julho de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Gestão Pública

O TRANSPORTE COLETIVO DE JOINVILLE/SC: Aspectos sócio-espaciais perante a centralidade urbana.

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito à obtenção de título do Curso de Ciências Sociais da UNIVALI, sob orientação da Professora. Ms. Ângela Maria de Souza.

CHARLES HENRIQUE VOOS

Itajaí, julho de 2009

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O TRANSPORTE COLETIVO DE JOINVILLE/SC: Aspectos sócio-espaciais perante a centralidade urbana.

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de

Graduação em Curso de Ciências Sociais e aprovada pelo Curso de

Ciências Sociais, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências

Jurídicas e Sociais.

Itajaí, julho de 2009.

Banca Examinadora:

____________________________ Professora Ms. Ângela Maria de Souza

Orientadora

_________________________________ Professor Dr. Ailton dos Santos Jr.

UNIVALI - CEJURPS Membro

______________________ Professor Ms. Eduardo Guerini

UNIVALI - CEJURPS Membro

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Dedico este trabalho a todos aqueles que compreendem minha trajetória: meus pais e amigos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais e familiares, pelo apoio nesta caminhada.

Minha orientadora, Ângela Maria de Souza, e demais professores do curso

de Ciências Sociais, agradecendo-os em nome do Professor Ailton dos

Santos Junior (orientador do projeto desta pesquisa, elaborado em 2008).

Também agradecer a todos os amigos do curso, especialmente

André, Aura, Bruno e Janaína, que todos os dias discutimos, pensamos e

nos divertimos juntos. Não poderia deixar de agradecer dos amigos “extra-

curso”, também cúmplices da busca incessante pela compreensão que

tenho daquilo que é chamado de espaço urbano.

Sem todos estes elementos, nunca buscaria forças para ler, pensar e

escrever tudo aquilo que construí neste curto período.

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(...) que os nossos esforços desafiem as impossibilidades... Lembrando que as grandes proezas da história foram conquistadas do que se parecia impossível.

(Charles Chaplin)

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RESUMO

Esta pesquisa aborda um serviço público essencial para todo grande centro urbano do Brasil: o transporte coletivo, mais especificamente sobre o sistema presente na cidade de Joinville/SC, que possui aproximadamente 500 mil habitantes. Um viés norteador deste trabalho é o aspecto sócio-espacial que o transporte coletivo produz e reproduz, pois é um agente urbano em constante contato com o espaço urbano e com as pessoas. Para tal objetivo, neste tema de pesquisa tão pouco explorado, buscou-se um levantamento bibliográfico específico na Sociologia, Antropologia, Geografia e Urbanismo para subsidiar as observações participantes como um usuário comum do sistema, o qual está inserido na rotina diária deste pesquisador.

Palavras-chave: transporte coletivo; Joinville; socioespacialidades;

centralidade urbana.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 10

2. JOINVILLE/SC: SUA HISTÓRIA E SUA URBANIZAÇÃO..................... 13

2.1. Período Pré-Colonização de 1851 ................................................. 13

2.2. A origem do núcleo urbano e os primeiros 100 anos da cidade .... 15

2.3. A afirmação econômica do início da década de 1950 e a

conseqüente migração.............................................................................. 20

3. ESPAÇO URBANO E CENTRALIDADE ............................................... 30

3.1. O espaço urbano: reflexos da industrialização brasileira ............... 30

3.2. A centralidade urbana como palco da realização da vida .............. 34

4. A (RE)PRODUÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA CENTRALIDADE DE

JOINVILLE ATRAVÉS DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO............... 41

4.1. Meios de transporte em Joinville até o surgimento do ônibus........ 42

O automóvel.......................................................................................... 44

O trem ................................................................................................... 46

O táxi..................................................................................................... 46

4.2. O surgimento do ônibus em Joinville ............................................. 47

4.3. O ônibus como agente da centralidade urbana ............................. 54

4.4. A integração do sistema em Joinville ............................................. 60

4.5. Os reflexos do crescimento urbano e o surgimento de novas

modalidades do serviço ............................................................................ 67

4.6. A sociabilidade no interior do veículo............................................. 70

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 75

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 78

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1- Ilustração da Barca Colon (dir.). ................................................... 15

Figura 2 - Mapa da área central de Joinville ................................................ 16

Figura 3 - Mancha urbana de Joinville em 1937(branco). Em detalhe, o

núcleo urbano original de 1851. .................................................................. 19

Figura 4 - Evolução da mancha urbana de Joinville de 1966 até 2004. ...... 24

Figura 5 - Praça da Bandeira na década de 1970. Entre as árvores, a

Estação Central de ônibus. ......................................................................... 26

Figura 6 - Praça da Bandeira na década de 1970, ao fundo, antigo Cine

Palácio. ........................................................................................................ 26

Figura 7 - Foto atual da Praça da Bandeira. ................................................ 27

Figura 8 - Colocação de concreto em 2008 na Praça Dario Salles (ao lado da

Praça da Bandeira) ..................................................................................... 27

Figura 9 - Estação Central de ônibus de Joinville, na Rua Nove de Março. 36

Figura 10 - Movimento diurno nas ruas do centro de Joinville. ................... 36

Figura 11 - Ruas centrais de Joinville atendidas pelo sistema de transporte

coletivo. Ao centro, a Estação Central.......................................................... 41

Figura 12 - Calçadas da Rua XV de Novembro num dia de pouco

movimento. .................................................................................................. 58

Figura 13 - Rua Nove de Março, esquina com Rua do Príncipe. Em detalhe,

as lojas e suas entradas voltadas às calçadas. ........................................... 59

Figura 14 - Sistema de estacionamento rotativo de Joinville. ...................... 60

Figura 15 - Sistema integrado de transporte e o mapa de atuação ............. 64

Figura 16 - Usuários acessando a Estação Central pela bilhetagem

automática. .................................................................................................. 65

Figura 17 - O sistema de bilhetagem automática. ....................................... 66

Figura 18 - Transporte para Portadores de Necessidades Especiais. ........ 69

Figura 19 - Ônibus Pega-Fácil na região central de Joinville. ..................... 70

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1. INTRODUÇÃO

A complexidade urbana que a cada dia avança entre as cidades

brasileiras de médio porte tem despertado o interesse de diversos autores,

como Serpa (2007), Spósito (2007), Corrêa (2007), Sobarzo (2007), dentre

outros. Entretanto, a tarefa que se pretende cumprir com esta pesquisa vai

além do termo “cidade média”, ou melhor, analisa os sistemas e relações

internas de uma cidade, principalmente no caso de Joinville/SC, pólo

industrial de Santa Catarina com cerca de 500 mil habitantes (IPPUJ, 2008),

a qual sofreu um forte processo urbanizatório na segunda metade do Século

XX.

Segundo Santos (1994a), analisar a urbanização e o crescimento

sofrido por uma cidade, implica remeter a algumas questões-chave:

a) formação de um mercado de base nacional;

b) integração do território;

c) expansão do consumo e de relações sociais.

Este mesmo crescimento industrial que provocou a urbanização

repentina em Joinville criou novas situações na ordem sócio-espacial da

cidade, as quais foram pouco abordadas até então em estudos basicamente

historiográficos, citando como exemplo Ternes (1981, 1986, 1993) e Thiago

(2009).

Seguindo esta linha de atuação, visando reconhecer as alterações

nas relações sociais das pessoas perante o espaço urbano, delimitou-se a

centralidade de Joinville como o foco territorial da pesquisa. Este fato deve-

se à grande importância histórica e decisória que esta região da cidade

desempenhou ao longo dos anos, desde sua fundação em 1851. Desta

parte da cidade é que surgiram os primeiros núcleos coloniais, as primeiras

ruas, as primeiras praças, os primeiros serviços públicos, e também, os

primeiros passos de um sistema de transporte coletivo urbano.

O transporte coletivo urbano de Joinville, então, torna-se o objeto

desta pesquisa a partir do momento em que ele é condicionante e

condicionado pelo espaço urbano. Este é um recorte social pouco explorado

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por pesquisadores, e temos como exceção neste cenário os trabalhos de

Caiafa (2002) e Duarte (2003).

O transporte coletivo expande as possibilidades de circulação, estende a muitos o exercício da dispersão. E assim pode funcionar como fator de heterogeneização, ao conduzir a população para longe das vizinhas e muitas vezes criar, em seu meio mesmo e ao longo das jornadas, um espaço de contato para os que viajam onde a mistura caracteristicamente urbana já se realiza. (CAIAFA, 2002, p.18)

O sistema joinvilense de transporte sofreu uma grande alteração: a

implantação do sistema integrado no início dos anos 2000, o qual provocou

alterações no modo em que o cidadão se locomovia na região intra-urbana

da cidade. E estes “fatores de heterogeneização” os quais cita Caiafa, é que

norteiam a análise do objeto de pesquisa. As relações do sistema de

transporte (e suas modificações) com o espaço e com as pessoas tornam-se

de grande valia na perspectiva adotada do planejamento público, e de como

a Prefeitura Municipal de Joinville planejou este processo em meio a uma

crescente população urbana.

Para cumprir tais análises no desenvolvimento desta pesquisa,

adotou-se o enfoque qualitativo, uma vez que o objetivo deste estudo não é

conhecer a freqüência de determinados fenômenos, mas, principalmente, a

gênese e a evolução de uma determinada formação sócio-espacial, bem

como os elementos responsáveis por sua configuração atual. Assim, os

dados foram observados, registrados, analisados e interpretados de acordo

com os conceitos teóricos relativos à temática pesquisada, junto com as

novas evidências que surgiram no decorrer da pesquisa.

O enfoque qualitativo permite descrever a complexidade dos

problemas e analisar a interação das variáveis existentes na pesquisa, pois

considera a relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, o vínculo

indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não

pode ser traduzida em números. Desta forma, a interpretação dos

fenômenos e a atribuição de significados serão básicas no processo de

pesquisa de enfoque qualitativo (GIL, 1991).

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a pesquisa

bibliográfica, documental, observação livre e observação participante. A

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investigação cumpriu diferentes etapas nas quais foram analisadas as

principais características da transformação da área objeto da pesquisa

situada no município de Joinville, com destaque para a gênese e a evolução

da organização e das interferências sócio-espaciais do sistema público de

transporte. Cabe destacar ainda que juntamente com as observações

empíricas, foi realizada uma entrevista com um gestor das políticas de

transporte da Prefeitura Municipal de Joinville. O levantamento dos dados da

pesquisa documental realizou-se junto à comunidade, aos órgãos públicos,

tais como: Arquivo Histórico de Joinville, Instituto de Pesquisa e

Planejamento Urbano de Joinville (IPPUJ), Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), Universidades e Bibliotecas.

Toda esta pesquisa foi cercada de muita expectativa, devido ao fato

deste pesquisador ser usuário de longa data do sistema de transportes,

desde a infância; e enquanto tal observa e analisa seu instrumento diário de

locomoção. Para isso, buscou também a historiografia da cidade, sua

evolução urbana, e interpretações da Sociologia, Geografia e Antropologia,

não se focando somente nas situações operacionais e de logística que

envolvem este sistema.

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2. JOINVILLE/SC: SUA HISTÓRIA E SUA

URBANIZAÇÃO

2.1. Período Pré-Colonização de 1851

Joinville, cidade localizada na região nordeste catarinense, situada

entre Curitiba - PR e Florianópolis - SC, tem sua história datada bem antes

de sua fundação oficial em 9 de março de 1851.

O encarte institucional do Museu do Sambaqui de Joinville (2009)

apresenta a região ressaltando a existência abundante de sítios

arqueológicos, principalmente de tipologia sambaqui. Dentro dos limites

atuais do município de Joinville, há 39 sítios arqueológicos, sendo 11 em

área urbana. Os sambaquianos (adjetivação dada aos grupos que viviam em

torno dos sambaquis) viveram entre 7 mil a 1 mil anos atrás em toda a costa

brasileira, com exceção de pontos no Pará e na Bahia. Eram sedentários e

basicamente caçadores, pescadores e coletores. A agricultura ainda não

estava na rotina destes grupos. Caracterizavam-se pela construção de

montes de conchas e moluscos, dando origem à denominação popular dos

“casqueiros”.

No início do século XIX, como relaciona Carlos Ficker, o povoamento

de portugueses e brasileiros na região da futura cidade de Joinville já ocorria

e advinda principalmente da influência que a atual cidade de São Francisco

do Sul1 exercia em toda a região:

Não é exato, pois, afirmar-se que em 1851 as grandes zonas destinadas à colonização européia, seriam ínvio e desconhecido sertão. Eram, ao contrário, bastante habitadas as cercanias. Desde 1826, o coronel Vieira se instalara com grande fazenda e muitos escravos no “Porto do Bucarein” e Itaum. No morro da Boa Vista, fronteiro à cidade, pelo Iririú e pelo Cubatão, havia moradores. (FICKER, 2009, p.38)

E ainda relata presença de nativos entre os moradores daquela

região:

1 São Francisco do Sul, cidade distante 40km de Joinville, é a 3ª localidade mais antiga do País, “descoberta” por franceses em 1504.

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[...] temos conhecimento da existência duma família de sitiantes que em 1843 fora trucidada pelos “índios bravios”, ou bugres, no final da (hoje) Rua do Príncipe e Rua São Pedro. Ao mesmo tempo os bugres assaltaram um morador nas margens do Rio Cachoeira, ao lado do Boa Vista e ponto inicial do “Caminho do Jurapé”, hoje Rua 9 de Março. (idem, p.39)

Vale aqui ressaltar que a obra de Ficker é datada originalmente da

década de 1960, onde os estudos sobre o indígena presente na região de

Joinville ainda eram escassos; por este motivo, as citações referentes a esta

população nativa dar-se-ia de forma pejorativa e agressiva. A mesma

recíproca ao tratamento violento dos colonizadores perante ao nativo, é

pouco retratado oficialmente.

Já Ternes (1993) aponta a temática de forma breve, relatando a vida

dos Carijós, habitantes do litoral catarinense, sem a tônica agressiva e

pejorativa presente na obra anterior. A historiografia de Joinville se contradiz

neste aspecto, pois reconhece a presença de sambaquianos, mas pouco

cita sobre os índios pertencentes a esta região antes das colonizações

européias.

Ainda segundo Ternes (1993), as terras desta região pertenciam ao

Império Brasileiro, ignorando as populações e culturas ali existentes, que as

cedeu em maio de 1843, como parte do dote de casamento da Dona

Francisca Carolina, irmã de Dom Pedro II, com o Príncipe de Joinville

François Ferdinand, filho do Rei da França Luís Felipe.

Em 1848, após o Rei ser destronado na França, François e Francisca

Carolina se refugiaram em Hamburgo, na Alemanha, onde passaram por

sérias dificuldades financeiras, sendo obrigados a vender parte de suas

terras ao Senador Christian Mathias Schroeder, que tinha por objetivo

montar uma Colônia de povoamento com estas terras, transportando

alemães para o Brasil.

Para cuidar de tal empreendimento, o Senador, ao lado de outros

acionistas, formou a Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849,

aproveitando o momento “favorável” para a emigração, visto o excessivo

crescimento populacional alemão desproporcional ao crescimento dos meios

de produção, acarretando em desemprego em massa; elevados impostos;

barreiras alfandegárias entre os estados alemães e grandes propriedades e

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latifúndios concentradas na mão de poucos aristocratas, colocando o

camponês, e o cidadão mais simples em diversas dificuldades

socioeconômicas.

Tendo o controle das terras em suas mãos, em 1850 já aportaram

nas terras da Sociedade Colonizadora, engenheiros e representantes do

Senador Schroeder para medir e demarcar a mesma, além de preparar o

solo para as primeiras recepções que ocorreriam, oficialmente, em 9 de

março de 1851, com 118 imigrantes alemães, suíços e noruegueses

advindos da barca “Colon”, o navio que partiu do porto de Hamburgo meses

antes. Assim, as “Terras do Príncipe” começariam a ser colonizadas; dando

surgimento à “Colônia Dona Francisca”, denominada cidade de Joinville uma

década e meia depois. (TERNES,1993)

Figura 1- Ilustração da Barca Colon (dir.). Fonte: Jornal A Notícia, 9 de março de 2000.

2.2. A origem do núcleo urbano e os primeiros 100

anos da cidade

Após chegada a barca “Colon”, mais três navios trouxeram imigrantes

para a então Colônia, fazendo com que 10 meses após a primeira leva de

imigrantes houvesse 389 pessoas que sobreviveram às mais diversas

condições desfavoráveis assim que chegaram, como lama, umidade,

doenças tropicais, com as quais tiveram que se deparar e enfrentar em

terras brasileiras. A previsão da Companhia Colonizadora era de que se

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formasse nesta região a maior colônia agrícola das Américas, entretanto, o

plano não ocorreu com sucesso, devido a problemas financeiros da

Companhia. (TERNES, 1993)

O núcleo urbano da colônia tem por sua origem divisões entre as

nacionalidades dos colonos imigrantes. A ocupação do território se deu em

caráter disperso, e ao longo de caminhos que partiam do núcleo inicial, rumo

ao traçado das atuais vias (Fig. 2) Nove de Março (traçado central), XV de

Novembro (traçado ao oeste), Dr. João Colin (traçado ao norte) e Visconde

de Taunay (traçado ao sudoeste). Vale ressaltar que o núcleo urbano central

mantém-se o mesmo, sem alterações, desde a vinda dos imigrantes

europeus. O sítio adverso e desconhecido aos padrões de colonização da

Europa, fez surgir minifúndios de culturas variadas, lotes grandes e

"residências misturadas com indústrias" (pequenas manufaturas que viriam

posteriormente a serem as principais indústrias do núcleo urbano) numa

densidade baixa e configuração esparsa da malha urbana.

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Figura 2 - Mapa da área central de Joinville

Fonte IPPUJ, 2008b.

Nestas “residências misturadas com indústrias”, é que vieram os

primeiros sinais do futuro crescimento econômico da cidade. As primeiras

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cerâmicas surgiram logo nos anos iniciais da Colônia, que já em março de

1868 Joinville teve sua emancipação de São Francisco do Sul, passando a

ter importância no cenário político-administrativo da Província de Santa

Catarina. (TERNES,1993)

Sem as ajudas estatais e posteriormente a emancipação,

possivelmente Joinville não teria os subsídios para as principais obras

necessárias à cidade, principalmente após a obra que revolucionou todo o

processo econômico: a finalização em 1865 da Estrada Dona Francisca (ou

Estrada da Serra, em construção desde 1853), que ligava Joinville ao

Paraná, via serra, onde atualmente estão os municípios de Campo Alegre,

São Bento do Sul e Mafra.

Com esta ligação importante, Joinville se tornara o principal centro de

distribuição da erva-mate recolhida nas imediações da Estrada Dona

Francisca e, com o capital adquirido, anos mais tarde se tornaria também o

principal centro de beneficiamento de mate, numa expansão comercial

crescente, apoiada na ligação direta da Estrada Dona Francisca com um

importante centro brasileiro, neste caso Curitiba.

A história revela que a maioria das cidades, desde a urbanização mais primitiva, nascem em razão das condições geográficas, pelas imposições das trocas comerciais, pelo cruzamento de grandes estradas ou caminhos, pela proximidade do mar, ou por ocupação de fronteira. Em Joinville o comércio vai determinar o aceleramento da urbanização, com uma crescente redução das atividades agrícolas, ou pelo menos de evolução menor, em relação às atividades essencialmente urbanas. (TERNES, 1993., p.89)

Em vinte anos de existência a cidade já possuía até então um ritmo

grande de crescimento. Possuía uma “boa estrutura de serviços públicos

frente a outros centros urbanos da Província Catarinense, tendo escolas,

igrejas, maçonaria, sociedades culturais, de canto, de teatro, bandas de

música, dois jornais, dezenas de empórios, farmácias, açougues,

alfaiatarias, casas de móveis, oficinas de carroças e hotéis”. (TERNES,

1993, p.103)

Com a diversificação comercial, e o enriquecimento com a indústria

do mate, Joinville tinha no final do Século XIX superado as crises

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econômicas da Companhia Colonizadora – e sua falência na virada para o

século XX - e se afirmado como centro urbano, possuindo 46.347 habitantes

(idem, p.149); acarretando numa “independência” dos proprietários da

Companhia, fazendo com que as reivindicações políticas se fizessem de

forma mais acirrada e direta com o Estado Catarinense.

A infra-estrutura necessária ia alcançando áreas que antes não foram

ocupadas, principalmente as áreas marginais ao Rio Cachoeira, principal rio

de escoamento de carga e transporte de passageiros para São Francisco do

Sul. Assim, o núcleo urbano ao longo da metade do Século XX (Fig. 3) toma

forma mais densa, porém restrito à centralidade da ocupação inicial, sem

grandes expansões urbanas, o que viria a ocorrer somente após o

centenário da cidade, em 1951. Desse núcleo central partiam as vias

arteriais em direção aos bairros residenciais, consolidando-se assim uma

configuração urbana radial.

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Figura 3 - Mancha urbana de Joinville em 1937(branco). Em detalhe, o núcleo urbano

original de 1851. Fonte: IPPUJ, 2008.

2.3. A afirmação econômica do início da década de

1950 e a conseqüente migração

A concentração de capital adquirida com o crescimento comercial da

cidade, abastecendo diversas regiões do Centro-Sul brasileiro com os

produtos manufaturados advindos das pequenas manufaturas, fez com que

alguns empreendedores fossem mais adiante, investindo na produção

destes mesmos produtos para serem revendidos na região.

Assim, o crescimento de Joinville se deu de forma geométrica, pois

nenhuma outra região próxima “alimentava” as outras cidades de Santa

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Catarina e região com peças, artefatos industriais mecânicos e outros

produtos relativos ao abastecimento dos comércios e indústrias, fazendo

com que o fomento das indústrias joinvilenses fosse evidente e mais

acelerado.

A expansão nacional do mercado joinvilense ocorreu a partir de um

momento em que o Sul brasileiro, voltou-se a um novo mercado: o Sudeste.

Não só Joinville, mas cidades de toda a região de Santa Catarina, por

exemplo, beneficiaram-se desta condição e abasteceram um mercado

relativamente novo para seus anseios. Este mercado, por sua vez, pela

influência histórica e política, concentrava a maior densidade de

consumidores do país, fazendo com que as empresas da região não

atuassem somente em um mercado municipal ou regional, transformando-

se, posteriormente, atuantes no Brasil, e mais tarde, no exterior.

(TERNES,1993)

Com a indústria local totalmente integrada com o centro do país e

suas diversas regiões, o crescimento foi inevitável. A cidade de Joinville já

estava consolidada como pólo industrial no final da primeira metade do

século XX.

Passadas as crises com as Guerras Mundiais2, o crescimento foi a

realidade da cidade. Inserida numa fase de integração territorial, não só por

via de rodovias e demais estradas (como a Estrada da Serra), mas também

com a ampliação das comunicações telefônicas, que se alastravam por

todos os segmentos da cidade, integrando e centralizando o grande pólo

regional. Nesse sentido, Ternes (1986, p. 137), frisa que:

Decorridos quatro décadas do séc. XX, Joinville já mantinha um parque industrial bastante diversificado de indústrias, de estabelecimentos comerciais, de serviços, com uma população sempre crescendo não apenas pela evolução demográfica natural, mas também pelo crescente afluxo de famílias de outras regiões de Santa Catarina, em busca de melhores oportunidades de vida [...]

Em 1950 a cidade possuía 325 estabelecimentos industriais, e 534

estabelecimentos comerciais. (TERNES, 1981, p.216). Em 2006, estes

2 Joinville sofrera a partir de 1938 as conseqüências da “Campanha da

Nacionalização”, forçada pelo combate ao regime nazista alemão, onde a língua alemã fora proibida no território nacional, além de vários jornais e revistas joinvilenses serem fechados, como o Kolonie Zeitung. (TERNES, 1981).

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números passaram para 1698 indústrias e mais de 22 mil estabelecimentos

de serviços e comerciais (IPPUJ,2007). É importante lembrar que, desde a

sua fundação, se não fossem os incentivos públicos, aliados ao investimento

privado, Joinville não teria a situação econômica que possui hoje. A

“Campanha da Industrialização” no Governo Juscelino Kubitschek (1956-

1961), além do “milagre econômico” no período militar (1964 a 1985),

impulsionaram de maneira significativa a produção industrial de Joinville.

Ressalta-se também que no início do Século XXI, Joinville já se tornara o 3º

pólo econômico do Sul brasileiro, com aproximadamente 500 mil habitantes,

divididos em 43 bairros, alguns já conurbados com a cidade de Araquari

(IPPUJ,2008).

Para entender-se a complexidade que tomaria os rumos industriais de

Joinville na segunda metade do século XX, recorremos a Milton Santos

(1994a), onde a situação nacional é descrita:

A partir dos anos 1940-1950, que essa lógica da industrialização prevalece: o termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito, isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua mais ampla significação, como processo social complexo, que tanto inclui a formação de um mercado nacional, quanto os esforços de equipamento do território para torná-lo integrado, como a expansão do consumo em formas diversas, o que impulsiona a vida de relações (leia-se terceirização) e ativa o próprio processo de urbanização. Essa nova base econômica ultrapassa o nível regional, para situar-se na escala do País; por isso a partir daí uma urbanização cada vez mais envolvente e mais presente no território dá-se com o crescimento demográfico sustentado das cidades médias e maiores, incluídas, naturalmente, as capitais de estados.

A cidade de Joinville como um todo, sofreu este processo não só

industrial, mas, por conseqüência, um forte processo social, e em constante

modelação. Esta maciça integração fomentou a vinda de trabalhadores (de

todas as regiões do Estado de Santa Catarina, bem como do Brasil) para a

cidade, pois a indústria até então crescia em progressões geométricas,

enquanto a população não acompanhava o mesmo ritmo. Explica-se este

fato à pequena população urbana até então, que não apresentava uma

evolução demográfica que pudesse abastecer as demandas de mão-de-obra

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das indústrias. A solução foi buscar trabalhadores em outras regiões,

principalmente as que estivessem mais próximas a Joinville.

A cada dia que se passava mais pessoas buscavam trabalho,

motivadas pela “empregabilidade fácil”. O caso do crescimento populacional

joinvilense, além da extrema ligação com as políticas nacionais já

abordadas, é relacionado com um processo presente em várias outras

cidades brasileiras impulsionadas pela industrialização, como a região

industrial de São Caetano do Sul (SP), por exemplo. Entretanto, o que

ocorria em Joinville não se podia comparar com outras regiões do estado de

Santa Catarina, pois o movimento migratório “[...] relaciona-se às

transformações econômicas, sociais e políticas que ocorrem nos diferentes

lugares. Por isso, o seu significado e suas motivações variam tanto no

tempo como no espaço.” (SANTOS, 1994b, p.6)

Como exemplo, citamos a capital do Estado de Santa Catarina

(Florianópolis), que sofreu um processo de urbanização ao redor do turismo,

do lazer, do funcionalismo público, do setor de serviços ligados a essas

áreas, e do ensino universitário. Esta variação, conforme citou-se em

Santos, é representada pelo sistema multipolarizado de Santa Catarina, que

teve nas outras regiões do estado uma urbanização pelos mais diferentes

fatores, seja pela economia carvoeira na região de Criciúma, ou pela

economia frigorífica em Chapecó, no Oeste.

Estas mesmas variações de Joinville (sejam de princípios públicos ou

privados) impulsionaram cada vez mais o crescimento populacional da

cidade, multiplicando a sua população ano após ano, provocando o aumento

do consumo e, conseqüentemente, das relações sociais entre os cidadãos,

as instituições, e o Meio Ambiente.

Presentemente, o processo migratório não é mais entendido como fator unicamente positivo, no sentido de eliminar os problemas derivados do surgimento de uma crescente demanda pelo fator trabalho no setor urbano das cidades em desenvolvimento. (MILONE, 1986, p.29).

Esta migração também fez aumentar a malha urbana da cidade, bem

como a extensão territorial que os serviços públicos deveriam atender. A

segunda metade do Século XX foi decisiva para a formação da atual

Joinville.

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Figura 4 - Evolução da mancha urbana de Joinville de 1966 até 2004.

Fonte: IPPUJ, 2008.

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Joinville cresceu demograficamente acima das médias nacionais e

estaduais. Os números também demonstram que na segunda metade do

século XX, Joinville multiplicou sua população cerca de sete vezes (Tabela

1), formando novas localidades e ampliando a mancha urbana,

principalmente na Zona Sul e Leste da cidade, com bairros maciçamente de

base operária (Figura 4).

Tabela 1 - Crescimento Populacional de Joinville entre 1950 e 2008.

ANOS TAXAS MÉDIAS

%

INÍCIO DA

DÉCADA FINAL DA DÉCADA

1950 a 1960 6,07 43.334 69.677

1960 a 1970 6,04 69.677 126.095

1970 a 1980 6,45 126.095 235.812

1980 a 1990 3,54 235.812 347.151

1990 a 2000 2,21 347.151 429.604

2000 a 2008 1,89 429.604 492.101

FONTE: IPPUJ, 2008.

Nota-se então, que o panorama provocado pelo crescimento

populacional passou a produzir cada vez mais bairros, através de

loteamentos, ampliando a extensão urbana do município. Esses novos

bairros impulsionaram o aumento da malha viária, a necessidade do

aumento da frota de veículos e de linhas do transporte público e maior

pressão sobre os recursos naturais, causando impactos negativos ao Meio

Ambiente. Vários bairros de Joinville, como o Adhemar Garcia, Ulysses

Guimarães e Espinheiros foram ocupados em locais desmatados e aterros

em áreas de manguezais.

Outro fator de grande impacto ambiental na cidade é a poluição do

Rio Cachoeira. Esse rio está seriamente comprometido pelos dejetos

industriais e residenciais, pois atravessa o centro urbano da cidade e recebe

águas poluídas de seus afluentes (Mathias, Itaum, Itaum-Mirim, etc). O Rio

Cachoeira deságua na Baía da Babitonga, um grande e belo recinto natural

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de diversas espécies, e grande potencial turístico. Todavia, como a cidade

tinha sua “vocação” voltada para o setor industrial, a cidade “deu as costas”

para este potencial, com um crescimento urbano cada vez mais

interiorizado. A partir da industrialização, a região costeira à Baía foi

amplamente ocupada para acomodar os operários migrantes em busca de

emprego. Assim que surgiram os atuais bairros Comasa e Espinheiros, na

Zona Leste da cidade.

Além das mudanças territoriais, a cidade transformou-se econômica e

culturalmente; a vida bucólica da colônia mudou para o ritmo das indústrias,

dos cartões-ponto e do trânsito com uma grande densidade de veículos3 do

século XXI. Também ocorreu a diminuição dos jardins e da limpeza urbana

(tão característica dos anos iniciais da cidade), principalmente na

centralidade urbana (Fig. 5, 6, 7 e 8).

Figura 5 - Praça da Bandeira na década de 1970. Entre as árvores, a Estação Central de

ônibus. Fonte: http://www.skyscrapercity.com

3 Joinville possui a maior frota de veículos de Santa Catarina, com 215 mil veículos

em 2007. Fonte: A Notícia, 3 de setembro de 2007.

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Figura 6 - Praça da Bandeira na década de 1970, ao fundo, antigo Cine Palácio.

Fonte: http://www.skyscrapercity.com

Figura 7 - Foto atual da Praça da Bandeira.

Fonte: http://an.com.br

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Figura 8 - Colocação de concreto em 2008 na Praça Dario Salles (ao lado da Praça da

Bandeira) Fonte: http://www.clicrbs.com.br/rbs/image/6215623.jpg. Acesso em 29/04/2009

Os traços coloniais deram lugar à miscelânea de costumes, idéias e

formas, presente em qualquer lugar da espacialidade urbana, seja no

surgimento de prédios a partir da década de 1960, ou na rotina de cada

cidadão.

A cidade, através do trabalho humano, transforma-se constantemente e, como decorrência, modifica a cidade do cidadão, seu cotidiano, suas perspectivas, desejos e necessidades, transforma as relações com o outro e suas relações com a cidade redefinindo as formas de apropriação e o modo de reprodução do espaço. (CARLOS, 1992, p.91).

Baseando-se em Simmel (1979), onde “os conteúdos e formas de

vida mais extensivos e mais gerais estão intimamente ligados aos mais

individuais”, busca-se uma compreensão de um elemento importante neste

processo de urbanização da cidade de Joinville: o transporte coletivo

urbano, mais precisamente, o ônibus urbano.

Poucos serviços possuem uma ligação tão estreita com a

comunidade como o transporte coletivo urbano. Ele é o agente que dá

suporte ao crescimento de uma cidade, em função de possibilitar o

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deslocamento de sua população. Permite, quando bem planejado, induzir e

direcionar a expansão ordenada da área urbana; sem planejamento na

ocupação do solo, o transporte coletivo se torna escravo de interesses

específicos, que acabam comprometendo e onerando todo o sistema. O

transporte coletivo, independente de ser privado ou não, tem, ainda, um

forte apelo social. Mesmo perseguindo o lucro, sua operação deve ter em

vista a cidade como um todo, não fazendo distinção entre linhas rentáveis e

deficitárias (pelo menos esse deveria ser o objetivo do Estado no

oferecimento dos serviços à população).

A partir deste agente urbano que é o ônibus, forma-se uma visão

diferente das relações sócio-espaciais em uma cidade, devido ao fato de

que as divisões técnico-científico-informacionais(SANTOS, 1994a) as quais

o urbano provoca refletem diretamente nas ações do ser humano, por isso,

os conteúdos mais extensivos dependem de demandas individuais. O que

parece ser comum num primeiro momento – o ato de andar de ônibus –

reflete numa configuração urbana pouco vislumbrada pelas Ciências Sociais

num todo. “Estranhar o conhecido” (DA MATTA, 1978) é o que pretende ser

executado a seguir, numa interlocução com diversas áreas do

conhecimento, considerando todo o histórico industrial e da explosão

demográfica da segunda metade do século XX em Joinville e suas

conseqüências para a implantação e uso do transporte coletivo na cidade.

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3. ESPAÇO URBANO E CENTRALIDADE

3.1. O espaço urbano: reflexos da industrialização

brasileira

O processo de urbanização brasileira se aprofunda a partir de

meados do século XX. É a partir desse momento que a questão urbana

torna-se objeto de estudos em vários campos das Ciências, pois as

mudanças provocadas pela industrialização tardia (em comparação com a

Revolução Industrial européia) refletiram diretamente no indivíduo urbano, e

principalmente na nova categoria de análise que surgira: o espaço urbano.

Para Santos (1997a) o espaço é a categoria estrutural de um lugar,

pois ali que acontecem todas as relações entre indivíduos e materialidade

construída, resultando assim numa síntese que as últimas décadas

acolheram como uma nova realidade: a vida nas cidades, superando

numericamente a vida rural, maioria até então.

Castrogiovanni (2001, p. 24) afirma que:

O espaço deve ser visto como um fator de evolução social, portanto, produzido e reproduzido constantemente. O movimento histórico é que constrói o espaço, que é uma instância da sociedade, portanto, como instância, contém e é contido pelas demais instâncias. As cidades são partes representativas da complexidade que é o espaço geográfico.

Como cada sociedade produz o seu espaço, de acordo com suas

necessidades ou com os interesses dominantes na mesma, as várias

configurações espaciais irão refletir organizações sociais diversificadas. Por

isso, o espaço é uma construção social, ou seja, ele é formado não só pelos

objetos geográficos, naturais e artificiais, mas pela sociedade.

Sobre a configuração do espaço, é oportuno recorrer mais uma vez a

Milton Santos, pois ele esclarece que:

Temos, paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado, o que dá vida a esses objetos, seu princípio ativo, isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento. (SANTOS, 1985, p. 1-2).

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Neste sentido é que se dão origem às relações socioespaciais,

formadas principalmente a partir de uma conjuntura, a qual se faz presente

no espaço, palco da relação entre todos os processos sociais presentes

numa coletividade. O espaço urbano enquanto objetivação apresenta,

simultaneamente, segundo Corrêa (1997), várias características: é

fragmentado e articulado, reflexo e condição social, e campo simbólico e de

lutas.

O espaço urbano apresenta-se fragmentado na medida em que é

constituído pela justaposição de diferentes paisagens, modeladas pelos

diversos agentes sociais que produzem e consomem o espaço. A dinâmica

de construção do espaço não cessa, haja vista que ele vai sendo modificado

de acordo com a dinâmica das relações sociais de produção e dos conflitos

de classes que permeiam o espaço, “de forma que novos padrões de

fragmentação do espaço urbano emergem, desfazendo total ou

parcialmente os antigos e criando novos padrões no que diz respeito à

forma e ao conteúdo” (CORRÊA, 1997, p. 146).

Ao mesmo tempo em que é fragmentado, o espaço urbano é

simultaneamente articulado, pois os diversos conjuntos precisam manter

relações entre si para fazer circular bens, mercadorias, pessoas, idéias, etc.,

sendo que “essas relações espaciais são de natureza social, tendo como

matriz a própria sociedade de classes e seus processos” (CORRÊA, 1997,

p. 147), como é o caso de Joinville, município situado estrategicamente

entre duas capitais estaduais – Curitiba e Florianópolis – que passou por um

intenso processo de urbanização decorrente do processo de industrialização

ocorrido a partir de meados do século XX, exigindo ações de planejamento e

ordenamento do espaço.

A condição de o espaço ser simultaneamente fragmentado e

articulado reflete os processos sócio-econômicos que são produzidos pela

sociedade. Assim, os espaços urbanos de uma cidade capitalista são

certamente divididos em função do poder econômico, uma vez que a própria

estrutura do capitalismo é um agente segregador das estruturas

econômicas. O espaço produzido por essas classes sociais irá refletir sua

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segregação econômica, deste modo temos bairros luxuosos e bairros

carentes de infra-estrutura básica, áreas restritas às classes mais

favorecidas e áreas onde a população de baixa renda não tem acesso aos

bens produzidos por esta mesma sociedade. Na realidade “o espaço é um

produto da sociedade e, numa sociedade de classes, alguns grupos

adquirem maior ascendência sobre a configuração do espaço, em razão de

terem maiores influências econômicas e políticas do que outros”

(CASTROGIOVANNI, 2001, p. 24-25).

Outra característica significativa do espaço para Corrêa (1997) é ser

condicionante social. “O condicionamento se dá através do papel que as

obras fixadas pelo homem, as formas espaciais, desempenham na

reprodução das condições de produção e das relações de produção”

(CORRÊA, 1995, p.8-9). Deste modo, enquanto as estruturas construídas

para uma atividade produtiva mantiverem-se unidas, possibilitam a

perpetuação das condições e relações de produção.

O espaço urbano, ainda conforme Corrêa (1997), ao ser concebido

por diferentes grupos sociais que nele vivem e se reproduzem, projetam

seus valores, crenças, mitos e ideais através das formas espaciais, torna-se

um campo simbólico. A maneira como as pessoas vivenciam e valoram o

espaço determina que tipo de forma ele vá abrigar, assim sendo,

monumentos, igrejas, favelas, lugares de lazer, etc são formas simbólicas de

uma determinada sociedade, que expressam importância diferenciada entre

seus indivíduos, dependendo do grau de identificação cultural e/ou

emocional que os mesmos consigam estabelecer com elas (as formas).

Logo, podemos entender que a “sociedade possui um sistema de valores,

normas e relações sociais, uma especificidade histórica e uma lógica própria

de organização e transformação” (CASTELLS, 1983, p. 100).

Outra característica significativa do espaço para Corrêa (1995) é o

fato de também ser cenário e objeto das lutas sociais, inserindo neste

contexto as classes populares e suas ações enquanto movimentos sociais:

greves, saques, mutirões, ocupações de terras, sindicatos, partidos políticos,

ONGs etc. Esta diversidade se expressa na fragmentação do espaço, que

para o autor, reflete as diferenças econômicas e políticas da sociedade.

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Logo, os conflitos sociais desencadeiam ações que visam “à igualdade de

direito à cidade, à cidadania plena e igual para todos” (CORRÊA, 1997,

p.151).

Assim sendo, o espaço é tomado pela dinâmica social, cujos fluxos

correspondem ao movimento de pessoas, mercadorias, idéias, que, no

entanto, é minimizado pela força da inércia dos fixos, representados pelos

objetos materiais socialmente produzidos. Esta dinâmica entre fixos e fluxos

expressa uma realidade geográfica onde as formas estão sempre sendo

alteradas, num movimento que produz novas dimensões aos conteúdos.

Este movimento dialético que aparece somado nos espaços é também um

movimento da totalidade social que se revela através da realidade

possuindo não só dimensões sociais e temporais, mas também espaciais.

Santos (1997b, p. 71) também adota essa linha de raciocínio

caracterizando o espaço como um resultado de ações humanas, onde:

O espaço seria um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos; não entre estes especificamente, mas para os quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais.

E são por estas relações que esta pesquisa se encaminha. Explanar

sobre relações sócio-espaciais é remeter a discussões de autores clássicos

da sociologia urbana, como os membros da Escola de Chicago, dentre

outros autores que retratam a vida urbana, e suas particularidades.

E, conforme Simmel (1979) e Wirth (1979), o estabelecimento de

novos espaços implica no surgimento de uma nova forma de cultura,

caracterizada por papéis altamente fragmentados, predominância de

contatos secundários sobre os primários, isolamento, superficialidade,

anonimato, relações sociais transitórias e com fins instrumentais,

inexistência de um controle social direto, diversidade e fugacidade dos

envolvimentos sociais, afrouxamento nos laços de família e competição

individualista, provocando uma concepção de transitoriedade provisória do

espaço público, o qual vai perdendo o valor por não ser um espaço em que

as pessoas se identifiquem como seus. As discussões destes autores

referem ao início do Século XX, o qual começava a sentir as transformações

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que a urbanização provocara em todo o Século XIX. Entretanto, muitos

aspectos ainda devem ser discutidos e trazidos para a realidade urbana de

uma cidade, neste caso, a centralidade de Joinville.

Mais especificamente, o transporte coletivo e a centralidade urbana

são os palcos destas manifestações, enraizados em uma cidade possuidora

de um processo catalisado de crescimento e desenvolvimento, que é

Joinville. A centralidade urbana é o palco da realização da vida (CARLOS

apud SOBARZO, 2007), área urbana de maior intensidade de sociabilidade4,

mais especificamente, algumas formas de sociabilidades, como as forjadas

nas relações de trabalho, negócio, políticas, de estudo e na formação de

grupos de lazer, amizade, moradia, entre muitos outros, e

conseqüentemente o espaço de maior transitoriedade do transporte coletivo.

3.2. A centralidade urbana como palco da realização

da vida

A importância da análise de qualquer nível de transformação que um

espaço urbano apresenta ao longo de sua jornada histórica começa no

reconhecimento da sua característica: o fomento de possibilidades de

encontros impessoais e anônimos, os quais devem ser entendidos como

instâncias de co-presença, sem um contato profundo com os outros, ou seja,

a possibilidade de compartilhar os mesmos territórios com outras pessoas

sem a compulsão para conhecê-las em profundidade (SOBARZO, 2007)

A área central de uma cidade é o espaço onde ocorrem as principais

atividades administrativas estatais, e em muitos casos, o núcleo das

atividades econômicas. O estudo destes locais é o primeiro passo para

4 É importante refletir-se aqui, segundo SIMMEL (2002), como esta ocorre: “Por una

parte, están los indivíduos en su existencia inmediatamente perceptible, los que llevan a cabo los procesos de asociación, quienes se encuentran unidos por tales procesos dentro de una unidad mayor que uno llama “sociedad”; por outra parte, se encuentran los intereses que, habitando em los indivíduos, motivan tal unión: intereses econômicos o ideales, bélicos o eróticos, religiosos o caritativos. Para satisfacer tales impulsos y para alcanzar tales propósitos, resultan las innumerables formas de la vida social: todos los com-um-outro, para-um-outro, em-um-outro, contra-um-outro y por-um-outro; e, portanto, a sociabilidade é conseqüência deste processo. (pp. 196-197)

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entender a formação de uma cidade, e os primeiros passos de seu

crescimento.

De fato, a área central constitui-se no foco principal não apenas da cidade, mas também de sua hinterlândia. Nela concentram-se as principais atividades comerciais, de serviços, da gestão pública e privada, e os terminais de transportes inter-regionais e intra-urbanos. Ela se destaca na paisagem da cidade pela sua verticalização. (CORRÊA, 1995, p.38). (...) os centros urbanos são a um só tempo forma e receptáculo, vazio e plenitude, super-objeto e não-objeto, supra-consciência e totalidade das consciências. (LEFEBVRE, 1999, p.112) A centralidade deve ser entendida a partir dos fluxos que geram de pessoas, de automóveis, de capitais, de decisões, de informações e, sobretudo, de mercadorias (SILVA, 2001, p. 108).

Através da ótica destes três autores, o centro é o espaço onde as

maiores intermediações ocorrem, principalmente quando se trata dos

serviços públicos, o que não é diferente com o transporte coletivo urbano.

Entretanto, pensar numa centralidade, não é somente considerar

geograficamente o ponto central entre a delimitação territorial oficial, mas

também considerar suas particularidades e acepções perante o espaço

natural e transformado.

Segundo Horwood e Boyce (apud CORRÊA,1995) a área central de

uma cidade, na segunda metade do século XX, é caracterizada pelos

seguintes aspectos:

1. Uso intensivo do solo;

2. Ampla escala vertical;

3. Limitada escala horizontal;

4. Limitado crescimento horizontal;

5. Concentração diurna, durante as horas de trabalho, sobretudo de

pedestres;

6. Foco de transportes intra-urbanos;

7. Área de decisões.

E estes aspectos também estão presentes na centralidade de

Joinville. Seja no movimento dos pedestres diurnamente, ou na

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concentração de órgãos públicos, bem como na grande especulação

imobiliária presente devido ao limitado espaço para crescimento ou na

Estação Central de ônibus presente na Rua Nove de Março; esta

centralidade, mesmo que impulsionada por um crescimento de maneira

geométrica, como já visto, reproduziu-se na segunda metade do Século XX

através destas condicionantes e variáveis, influenciando diretamente na vida

das pessoas que por ali transitam e/ou habitam.

Figura 9 - Estação Central de ônibus de Joinville, na Rua Nove de

Março. Fonte: Arquivo Pessoal.

Figura 10 - Movimento diurno nas ruas do centro de Joinville.

Fonte: http://an.com.br Acesso em 1/06/2009.

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É também na centralidade urbana que, conforme Caldeira (2000, p.

302-303) está presente o “ideal moderno da vida pública urbana”: ruas

abertas, circulação livres, encontros impessoais e anônimos, presença dos

diferentes grupos sociais consumindo, observando-se, participando da

política, divertindo-se, etc.

Todos estes aspectos formam uma “força” condicionante da vida

social. A partir dessas observações podemos depreender que “o centro

urbano, como a cidade, é produto: por conseguinte, ele exprime as forças

sociais em ação e a estrutura de sua dinâmica interna” (CASTELLS, 1983,

p. 274).

Como o espaço urbano é o berço da essência das relações sociais,

das diferenças, dos conflitos e um espaço multifacetado, as transformações

sócio-espaciais presentes no meio urbano são um meio importante da

compreensão da vida humana, pois são na cidade e principalmente em

sua(s) centralidade(s) que ocorrem estes fenômenos que formam a vida,

totalmente condicionados pelas mais diferentes alterações, perfilando-se em

uma

[...] construcción social permanente, inacabada e inacabable debido a que los materiales a partir de la que se genera se encuentran no solo em movimiento, sino em el proceso de transformación constante del que depende para su sobrevivência; llevaría a entender las relaciones sociales proprias de la modernidad como aquellas hechas (o haciendose y rehaciendose a cada instante) a partir de situaciones, de negociaciones fugaces y efimeras. (PEÑA, 2004, p.7)

Uma importante contribuição neste sentido é construída pelo enfoque

de Ana Fani Alessandri Carlos (2001, p.12) que propõe três níveis de

análise para a produção do espaço urbano num geral: dominação política,

acumulação do capital e realização da vida humana, auxiliando na tarefa de

apreensão da complexidade do real.

Esta ótica de análise potencialmente ganha a dimensão de cidade em

seu conjunto e evitam transposições diretas de dinâmicas próprias de outras

realidades urbanas, já que sempre serão contextualizadas nas

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particularidades sociais, culturais, econômicas e políticas locais, na sua

relação com processos mais amplos, sejam regionais, nacionais ou globais.

Por outro lado, as análises não se esgotam na forma, abordando os

conteúdos ao considerar as práticas socioespaciais, como tentamos

demonstrar em todos os níveis de análise até então. Conforme Santos

(1994a, p.97), este exercício de apreensão que se traz “revela um problema

estrutural, cuja análise sistêmica permite verificar como todos os fatores

mutuamente se causam, perpetuando a problemática”. Daí a importância de

observar todas as particularidades.

É neste palco de realização da vida, principalmente o da centralidade

das cidades é que se encontram os meios de consumo coletivo

(SPÓSITO,1996) referentes aos bens necessários à vida urbana de todos os

habitantes de uma cidade, seja nas áreas de lazer5, na infra-estrutura

urbana, nos meios de comunicação, serviços públicos, transporte coletivo

urbano e na aquisição de tecnologias de ponta. É também nesta região da

urbe em que as sociabilidades se potencializam e se entrelaçam através das

decisões econômicas e políticas que alteram toda uma cidade. Porém, como

salienta Serpa (2007, p.268) :

As centralidades vão funcionar de modo diferenciado para as diferentes classes sociais, já que estas consomem de maneira diversa os bens e serviços oferecidos pelos diferentes centros e sub-centros, seja na escala regional, seja na escala intra-urbana.

A oferta de trabalho numa centralidade é essencial para a sua

circulação econômica interna. Muitas pessoas se utilizam dos produtos e

dos recursos de um determinado núcleo central por apenas trabalharem no

local, pela proximidade de fato que a centralidade exerce. Vale salientar que

este fator só vai influenciar os núcleos com uma capacidade de absorção de

mão-de-obra relativamente maior. As relações e oportunidades do habitante

típico da cidade grande costumam ser tão variadas e complicadas, e,

sobretudo: “mediante a acumulação de tantos homens, com interesses tão

diferenciados, suas relações e atividades engrenam um organismo tão

5 Não se trata do objetivo principal deste trabalho analisar as áreas de lazer de uma

centralidade, porém, importantes estudos sobre esta temática podem contribuir para a interpretação da individualização do espaço público de lazer, como os presentes em Frugoli Jr. (1989, 1992) sobre a influência dos shoppings centers na produção do espaço urbano.

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complexo que, sem a mais exata pontualidade nas promessas e realizações,

o todo se esfacelaria em um caos inextricável”(SIMMEL,1995).

O que aconteceria, por exemplo, se a organização temporal de uma

centralidade urbana fosse totalmente ignorada? Ou ainda, não houvesse

pessoas para se relacionarem entre si? Uma centralidade, como já visto,

deve ser o local da compressão de homens e coisas, que estimula o

indivíduo ao seu máximo de atuação nervosa. E esses estímulos nos

remetem à atitude blasé e de reserva social, teoria clássica de Simmel.

(...) Essa atitude mental dos metropolitanos um para com o outro, podemos chamar, a partir de um ponto de vista formal, de reserva. (...) Como resultado dessa reserva, frequentemente nem sequer conhecemos de vista aqueles que foram nossos vizinhos durante anos. E é esta reserva que, aos olhos da gente da cidade pequena, nos faz parecer frios e desalmados. Na verdade, se é que não estou enganado, o aspecto interior dessa reserva exterior é não apenas a indiferença, mas, mais frequentemente do que nos damos conta, é uma leve aversão, uma estranheza e repulsão mútuas, que redundarão em ódio e luta no momento de um contato mais próximo, ainda que este tenha sido provocado. (SIMMEL, 1979, p. 17-18)

A cidade é um palco de diversos atores. Atores que muitas das vezes

se vêem, mas não se reconhecem. Se fosse o contrário, o espaço não seria

tão fragmentado e segmentado. O reconhecimento parte daquilo que é

comum para si. Neste sentido, para introduzir as discussões sobre o papel

do transporte coletivo urbano neste processo de formação sócio-espacial,

traz-se a conclusiva intervenção Wirth (1979) sobre este grande palco de

realização da vida que é a cidade e, mais potencialmente, a centralidade

urbana:

(...) a cidade se caracteriza mais por contatos secundários do que primários. Os contatos da cidade podem na verdade ser face a face, mas são, não obstante, impessoais, superficiais, transitórios e segmentários. A reserva, a indiferença e o ar blasé que os habitantes da cidade manifestam em suas relações podem, pois, ser encarados como instrumentos para se imunizarem contra exigências pessoais e expectativas de outros. (p.101)

Com base no conceito de “atitude blasé” de Simmel, é possível

perceber esta “reserva” que se interpõe aos contatos, esta quase

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“indiferença” que faz o habitante da cidade vivenciar seu espaço urbano.

Impossível dar atenção e sermos receptivos a todos os estímulos que as

cidades nos apresentam. Mas, por outro lado, convivendo com a “atitude

blasé”, este mesmo espaço urbano é o cenário de importantes relações de

sociabilidade. Neste a convivência social é permanente e determinante de

nossa circulação por estes espaços. É possível afirmar que somos guiados

por estas sociabilidades nos percursos que traçamos na cidade.

Neste cenário em que se resenhou a cidade, o transporte coletivo se

apresenta como uma das formas mais completas para compreender as

relações sociais. Para isso, equacionar o transporte com o espaço urbano e

com as pessoas (usuárias ou não) torna-se de grande valor através de uma

perspectiva focada nestas relações socioespaciais, e não somente em

planilhas de custos, valores de passagem e também nas questões de

mobilidade urbana que o envolve.

Page 41: CharlesTCC - Transporte Coletivo de Joinville Aspectos Socio-espaciais Perante a Centralidade Urbana

41

4. A (RE)PRODUÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA

CENTRALIDADE DE JOINVILLE ATRAVÉS DO

TRANSPORTE COLETIVO URBANO

Um sistema de transporte de qualquer cidade não surge a partir de

uma aglomeração de veículos, muito menos em cidades onde não há

demandas para tal implantação. A necessidade parte do momento em que a

capacidade de locomover-se cede ao crescimento populacional e territorial,

seja nas ligações intraurbanas ou interubanas, a partir da centralidade, a

qual é o ponto convergente de todas estas ações dos atores sociais; espaço

de (re)produção sócio-espacial constante. Não foi muito diferente do sistema

de transporte coletivo de Joinville, como pretende-se mostrar a seguir, com

o auxílio dos relatos transcritos do Arquivo Histórico de Joinville, dos sites

das atuais concessionárias de transporte coletivo de Joinville (Gidion e

Transtusa) e também de Ficker (2009).

Figura 11 - Ruas centrais de Joinville atendidas pelo sistema de transporte coletivo. Ao

centro, a Estação Central. Fonte: http://www.ippuj.sc.gov.br. Acesso em 20/06/2009.

Page 42: CharlesTCC - Transporte Coletivo de Joinville Aspectos Socio-espaciais Perante a Centralidade Urbana

42

4.1. Meios de transporte em Joinville até o surgimento

do ônibus

6Nas primeiras décadas após a fundação da Colônia Dona Francisca,

até por volta de 1880, a ligação externa fazia-se por precárias embarcações

de pequeno porte. As canoas, transportando pessoas e cargas, faziam o

percurso entre São Francisco do Sul e Joinville em viagens de até quatro

horas.

Praticamente durante toda a segunda metade do século XIX, ao longo

dos primeiros 50 anos de crescimento de Joinville, o transporte manteve

nítido caráter individual. Nessa época, bicicletas, carroças e troles

compunham a paisagem urbana da colônia, igualmente pontilhada pelo meio

de transporte mais utilizado até então: o cavalo. O único trajeto que não era

feito por transporte individual era a ligação marítima até São Francisco do

Sul, feita por barco. Nos primórdios da colonização, como opção de

transporte individual, existiam as pequenas embarcações: canoas e barcos,

responsáveis por apreciável "trânsito" pelo Rio Cachoeira em direção a São

Francisco do Sul, na periferia da colônia e nos inúmeros ribeirões e rios.

O cavalo constituía-se em uma grande opção de transporte. Servia

para deslocamentos rápidos no pequeno núcleo urbano existente nas

primeiras quatro décadas e para viagens mais distantes ao redor do centro

ou pela chamada "área rural".

Desde os primeiros anos, existiam locais para se amarrar o cavalo no

centro. Mais adiante, as principais casas comerciais, os empórios, também

reservavam espaços para o "estacionamento", geralmente em terreno ao

lado do estacionamento. Simultaneamente ao crescimento do número de

cavalos, foram surgindo as carroças com o fim de permitir o transporte da

família e dos produtos da lavoura. E foram evoluindo em número de

parelhas e em tamanho. Chegaram a ter 8 cavalos-puxadores e podiam

deslocar razoável volume de mercadorias. Os chamados "Sãobentowagen"

6 Importante ressaltar novamente as fontes consultadas e transcritas para a

composição de todo este subcapítulo sobre a história do Transporte Coletivo em Joinville, como Ternes (1983), Ficker (2009), relatos transcritos do Arquivo Histórico de Joinville, e de informações repassadas pelas atuais concessionárias do sistema joinvilense: Transtusa e Gidion.

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eram carroções enormes, que deslocavam do planalto norte de Santa

Catarina para Joinville apreciável quantidade de erva-mate, matéria-prima

que se tornou importante instrumento de acumulação de capital, a partir de

década de 1870, em Joinville.

Adiante, por volta de 1870, instalou-se um serviço de transporte mais

eficiente, com embarcações de maior porte. Rebocadores que realizavam a

travessia em até duas horas e com freqüência regular, transportavam, num

fluxo cada vez maior, produtos que chegavam do exterior ou pessoas que

migravam dos centros maiores como Rio de Janeiro e São Paulo. Desses

tempos são os vaporezinhos "Oscar", "Babitonga" e "Dona Francisca", este

último destruído por um incêndio no ano de 1911 (FICKER, 2009). Carlos

Bennack, o "comandante", por 32 anos seguidos foi o responsável pelo

tráfego das embarcações pelo Rio Cachoeira.

Somente no século XX, a partir de 1906, com a inauguração da

estrada de ferro entre Joinville e São Francisco do Sul, em memorável

acontecimento que contou com a presença do presidente do Brasil, Afonso

Pena, é que o transporte fluvial foi se extinguindo, depois de meio século de

absoluto predomínio no transporte dos joinvilenses e de seus produtos pelo

Rio Cachoeira.

Só no século XX, por volta da década de 30, outro meio de

transporte, a bicicleta foi adquirindo importância em Joinville. Estatística do

Arquivo Histórico de Joinville dá conta que existiam 88 bicicletas em Joinville

em 1913. Ë preciso acrescentar que a urbanização no Brasil, nessa época,

ainda era bastante tímida e inexistia, ao que se sabe, fábrica desse veículo

no país.

No entanto, a partir do final da Segunda Grande Guerra, em razão do

acelerado processo de urbanização do país, Joinville acompanha este

crescimento. De 1945 em diante, o núcleo urbano recebe, a cada ano, um

fluxo maior de desenvolvimento fabril, concomitante com rápida expansão

populacional. Ainda por problemas de escassez de combustível, a bicicleta

adquire maior presença a cada ano. Na década de 1960, quando a

população somava cerca de 120 mil habitantes, Joinville contava com perto

de 60 mil bicicletas, o que equivalia a uma bicicleta para cada dois

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moradores. Foi nessa época, então, que Joinville ficou nacionalmente

conhecida como a Cidade das Bicicletas.

O automóvel

O primeiro automóvel que circulou em Joinville, importado por

empresa local, no dia 17 de maio de 1907 (TERNES, 1983), causou espanto

e grande curiosidade popular. As pessoas tinham medo e não foram poucas

as que, assustadas, correram para suas casas. O primeiro automóvel

pertencia à firma Trinks & Sucessores, da importante família que, direta ou

indiretamente, estava sempre ligada aos grandes negócios, como comércio,

fundição, concessão para a exploração de energia elétrica e de telefones na

cidade. Ao que se sabe, o automóvel de Sr. Trinks era o segundo que se

introduzia no Estado de Santa Catarina, constituindo, assim, não só uma

novidade, mas um atestado da riqueza e do prestígio de Joinville. E tão

importante fato, claro, teria imediata exploração comercial.

Os viajantes desse primeiro "carro" que chegava a Joinville eram

ilustres curitibanos, dentre os quais, o senador Cândido de Abreu e o major

Felinto Braga. Ao longo da viagem, contaram depois, com ampla

repercussão em Joinville, puderam presenciar fatos estranhos. Os

moradores das margens da "rodovia", embrenhavam-se no mato quando

davam conta de um "bicho" diferente na estrada, que produzia um "ronco"

estranho e se deslocava com rapidez.

Normalmente, as pessoas só se aproximavam do veículo depois de

se certificarem que, de fato, estava parado e que não corriam o risco de

serem "atropelados" pela estranha máquina. Muitos, conta o senador Abreu,

atiravam-se ao mato ou saíam em disparada quando o automóvel se

aproximava. Era a primeira vez que viam uma "coisa" correr mais do que um

cavalo.

O Jornal "A Notícia", de Curitiba, de 29 de maio de 1907, publicou

longa reportagem sobre as peripécias da "grande viagem", inclusive

descrevendo o impacto positivo que a colônia provocou nos ilustres

visitantes. Diz a publicação:

[...] o aceio da cidade relembra as páginas do grande Ramalho a descrever as cidades flamengas; é

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irreprehensível, quer no que diz respeito à Municipalidade, quer no que toca aos particulares que se esmeram em conservar suas vivendas bem cuidadas e encantadoras, com seus jardinzinhos floridos e risonhos. Está a cidade dotada de um magnífico mercado, de um bello e hygiênico Hospital e de um Grupo Escolar bem espaçoso.

Surgiram, em fevereiro de 1911, os bondes puxados a burro. Esse

tipo de veículo foi o primeiro que a cidade adotou como meio de transporte

de pessoas e de carga do perímetro urbano. Foram importados da Europa

pela Empresa Ferro-Carril Joinvillense, tendo como sócios os senhores

Gustavo Grossembacher, Adolf Trinks, Luiz Ritzmann e Bernhard Olsen. Os

trilhos de ferro, igualmente importados da Europa, como os bondes,

perfaziam 4,5 quilômetros.

Os "carros", adquiridos em número de 8, permitiam o transporte de 16

pessoas, distribuídas em 6 bancos, mais o carroceiro. A primeira linha foi

inaugurada na presença de autoridades, empresários e grande "massa

popular", informou a imprensa, no dia 29 de janeiro de 1911, e que virou um

marco da história de Joinville.

Segundo Ficker (2009) constitui um dos aspectos mais curiosos e

pitorescos a longa fila de bondinhos percorrendo as ruas dotadas de trilhos,

vistosamente enfeitados e decorados com flores e bandeiras conduzindo a

banda de música e convidados. O público que assistiu das ruas e de suas

casas à passagem do cortejo de bondes, "ficou sobre a mais alegre

impressão". A primeira linha possuía o seguinte itinerário: rua do Norte (João

Colin), rua Cachoeira (Princesa Isabel), rua do Porto (9 de Março), rua do

Meio (15 de Novembro), rua do Príncipe, rua Boussingault (7 de Setembro),

trecho da rua do Mercado (Av. Coronel Procópio Gomes), rua Conselheiro

Mafra (Abdon Batista), rua Santa Catarina (Av. Getúlio Vargas), até a

estação da estrada de ferro.

Outra linha cumpria roteiro um pouco diferente, passando pelas atuais

Visconde de Taunay, Pedro Lobo, Padre Carlos, seguindo, a partir dali, o

mesmo percurso da linha número 1. As linhas tinham uma extensão de sete

quilômetros, e os bondes transitavam das seis horas da manhã às nove da

noite, em viagens intercaladas de 20 em 20 minutos. A passagem custava

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100 réis, da rua do Norte até o Porto (mercado) e, dali, mais 100 réis até a

estação ferroviário.

Nos primeiros meses, a empresa conseguiu bastante movimento com

o interesse da população nos passeios tranqüilos pela cidade. Como o

passar do tempo e o surgimento de mais automóveis, o movimento foi

reduzindo. A empresa passou a enfrentar déficits e entrou em falência no dia

10 de abril de 1917.

O trem

A partir de agosto de 1906, Joinville passou a contar com o transporte

de trem. Com a honrosa presença do presidente do Brasil, Afonso Pena, foi

inaugurado o primeiro trecho de via férrea, ligando São Francisco a Joinville.

No Canal do Linguado, ainda não aterrado, uma grande ponte de ferro

permitia a passagem do trem. A implantação da estrada de ferro continuou

ao longo da primeira década do século, ligando Joinville ao planalto

catarinense, nas localidades de Hansa (Corupá), São Bento e Rio Negrinho.

O táxi

Os pioneiros de transporte coletivo em ônibus, em 1926, foram

também os primeiros a desenvolver o serviço de "carros de aluguel",

exatamente 13 anos antes, em meados de 1913. Os Vogelsanger

constituem uma das famílias mais antigas e tradicionais de Joinville.

Invariavelmente, desde 1852, quando aqui chegaram os primeiros

Vogelsanger, vindos da Suíça, sempre estiveram envolvidos em ativa

participação comunitária.

Como se multiplicaram as necessidades e as oportunidades, os

Vogelsanger foram diversificando suas atividades. João, filho de Jacob, o

pioneiro, chegou com apenas 4 anos de idade. Por muito tempo foi o

responsável pelo "Correio", como transportador de correspondência entre

Joinville e Jaraguá do Sul. João casou e teve oito filhos. Desses, um de

nome Adolpho, aos 20 anos de idade, como aprendiz de tipógrafo, deslocou-

se de Joinville para São Bento e de lá para Curitiba, onde se empregou na

Impressora Paranaense.

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Novamente segundo relatos do Arquivo Histórico de Joinville, nas

tardes de domingo, por volta de 1912, Adolpho circulava pelo centro de

Curitiba e, por longo tempo, ficava parado diante de um ponto de carros de

aluguel, fascinado com a última grande novidade do "século do progresso".

Presenciava, com indisfarçada emoção, os motoristas que ficavam horas a

lustrar e a embelezar as suas tão fascinantes geringonças. E foi então que

teve a idéia: "aquilo" poderia ser um bom negócio em Joinville, que não tinha

nenhum "carro de aluguel". Conseguiu com o pai um capital inicial para

adquirir o seu primeiro automóvel e, no dia 28 de março de 1913, na atual

rua São Paulo, defronte à residência da família, nas imediações da atual

Vogelsanger & Cia., instalava-se o primeiro ponto de carro de aluguel de

Joinville.

De imediato, o negócio prosperou, pois a população estava ansiosa

para desfrutar a novidade até então de circular naqueles velozes veículos.

Nas ocasiões especiais, como casamentos, aniversários, piqueniques para o

interior, como para o Piraí ou Estrada da Ilha, tudo justificava o aluguel de

um automóvel. Para atender a clientela, os Vogelsanger foram ampliando a

frota a cada ano, com os irmãos de Adolpho sendo convocados a participar

do negócio. Emílio, Henrique e Gustavo foram mais quatro dos oito irmãos

que se transformaram em motoristas de carro de aluguel. Por volta de 1920,

os Vogelsanger já tinham 10 carros de aluguel e empregados que ficaram

como os primeiros motoristas, como Fruit e Licetti, que depois

permaneceram com seus próprios carros de aluguel por mais de trinta anos.

4.2. O surgimento do ônibus em Joinville

O início do transporte urbano por ônibus em Joinville, em 1926,

ocorreu em razão da bancarrota de um padeiro. O padeiro Sanz, que tinha

seu estabelecimento na então rua São Pedro, atual Rua Ministro Calógeras,

nas imediações das instalações do Sesi, era um próspero negociante. Sua

padaria atendia grande parte da população central, bem como os soldados

do 13o Batalhão de Caçadores, atual 62o Batalhão de Infantaria, instalado

na mesma rua. Naqueles tempos, os padeiros atendiam os seus fregueses

em domicílio. Como o padeiro Sanz tinha uma grande freguesia, logo

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transformou um caminhão de sua propriedade em ônibus com carroceria de

madeira, como eram todas as carrocerias O pão era entregue no portão das

casas, com um sistema de troles, equipados com uma espécie de carroceria

especialmente montada para esse tipo de transporte. (Fonte: Arquivo

Histórico de Joinville)

Num determinado momento do ano de 1926, o padeiro Sanz fora

surpreendido com a perda de um faturamento mensal de pães fornecido ao

exército. O responsável pela tesouraria dera um golpe no próprio exército,

deserdando e fugindo com os mil réis reservados para o pagamento dos

fornecedores do batalhão. Em crise financeira, Sanz teve que vender seu

veículo de transporte de carga.

O comprador do "ônibus do padeiro" foi Gustavo Vogelsanger, que

adaptou o veículo para transportar passageiros e constitui a primeira

empresa de transporte coletivo urbano de Joinville, em meados de 1926.

Gustavo, irmão de Adolpho, já trabalhava, desde 1913, com os carros de

aluguel, pois, como o irmão também conhecera em Curitiba os primeiros

carros e iniciara, no mesmo ano, em Joinville, o serviço de transporte em

associação a Adolpho.

Em 1926, depois de treze anos e de boa expansão dos negócios com

viagens para cidades próximas, com uma frota de dez automóveis, os

irmãos Vogelsanger encerraram a sociedade. Adolpho, Emílio, Max e

Henrique fundaram uma pequena malharia, a atual Campeã, enquanto

Gustavo iniciava um novo tipo de empresa: a de transporte coletivo com

linha de ônibus. A primeira linha de ônibus da cidade tinha um percurso da

rua do Norte, a atual João Colin, até a Estação Ferroviária, passando por

várias ruas do centro da cidade. Inicialmente, as viagens eram de hora em

hora, com a última ocorrendo depois da chegada do último trem, às 20

horas, da estação até a garagem, na rua do Norte, atual João Colin.

Esses tempos pioneiros, de 1926 a 1935, quando se desfez a

empresa dos Vogelsanger, foram difíceis, precários e improvisados. Gustavo

não era apenas o proprietário, mas também o motorista, o cobrador, o

mecânico. As jornadas iniciavam ao amanhecer e, quase ininterruptamente,

se estendiam todos os dias até pouco depois das 21 horas. Uma pequena

pausa para o almoço e alguns minutos de descanso entre uma viagem e

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49

outra. Tempo que mal chegava para um rápida passagem pelo banheiro,

como relatam as informações do Arquivo Histórico de Joinville, os filhos de

Gustavo, que, quase desde o começo, estiveram participando das

atividades. Carrocerias de madeira, insuficiência de combustível, que vinha

em latas de 18 litros pelo porto de São Francisco do Sul, extrema dificuldade

para a reposição de peças, estradas ruins, mesmo as urbanas, já que,

nessa época, Joinville não tinha uma única rua pavimentada. O primeiro

pequeno trecho que conheceu paralelepípedos foi a rua do Príncipe,

pavimentada no ano de 1937, pelo prefeito Aristides Largura. Buracos ou

lama, poeira e valas nas laterais, assim eram as ruas da Colônia Dona

Francisca, disputadas por uma maioria de carroças e troles, bicicletas, raros

automóveis ou caminhões.

Mesmo assim, a evolução do transporte urbano foi relativamente

rápida já nos primeiros anos. Em pouco tempo, os Vogelsanger adquiriram

um segundo ônibus, cuja carroceria foi adaptada na oficina da empresa, à

rua do Norte. O número de passageiros aumentava e os moradores já

começavam a adquirir o hábito de se deslocar de ônibus circular. "Ficava

tudo mais rápido", explicavam os usuários, já nesses começos da

modernidade e da urbanização de Joinville. Gustavo Vogelsanger ficou

nesse negócio exatos dez anos. Em meados de 1936, já com três ônibus e

dois empregados, além dos filhos, ainda pequenos, vendeu a empresa para

dois novos interessados.

A partir de 1 de outubro de 1945, os Vogelsanger, com os filhos,

Gustavo, Valdemar e Mario, voltaram ao negócio de transporte coletivo,

iniciando uma nova empresa e uma nova linha, de caráter intermunicipal, de

Joinville a São Francisco do Sul e praias. Foram os tempos da Viação

Vogelsanger & Filho, que se estenderam até os anos de 1964 e já com frota

de 11 ônibus, vendida, nesse ano, para a Auto Viação Catarinense, de

Blumenau.

No período da Segunda Grande Guerra, praticamente paralisaram os

serviços de transporte coletivo em ônibus. As viagens intermunicipais, em

regiões atendidas por estrada de ferro, foram desativadas por imposição do

governo. A escassez de combustível fez com que as empresas praticamente

desaparecessem. O mesmo quase aconteceu com o transporte coletivo

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urbano de Joinville. Por isso, logo nos primeiros anos da década de 1940,

muito antes do término da guerra, Ernesto Krause afastou-se da empresa,

vendendo sua participação para Ernesto Lucht, que manteve circulando,

com extrema dificuldade, algumas linhas em Joinville, com somente três

ônibus, todos em precaríssimo estado.

A fase moderna e de acelerado crescimento de todo o sistema de

transporte urbano de Joinville começa mesmo no ano de 1948. Os tempos

difíceis da Segundo Guerra estavam vencidos e já não havia a extrema

dificuldade de se obter combustível e peças. Os ônibus, contudo,

continuavam com suas carrocerias de madeira, eram poucos e já se

prenunciava o início dos tempos em que o volume de passageiros

aumentaria dia a dia, em completo descompasso com a frota, não só

pequena em número de veículos, mas também de acomodação de

passageiros por ônibus, que ainda mantinham a capacidade para apenas 20

viajantes, em média. Ernesto Lucht enfrentava cada vez mais dois grandes

problemas: administrar sozinho a empresa e incapacidade financeira para

novos e urgentes investimentos. Foi assim que, aos poucos, desde 1946, foi

estimulando um cunhado para o negócio.

Casado com uma irmã de um telegrafista da Rede Ferroviária, que

trabalhava na cidade de Mafra, Lucht insistia com Abílio Bello para que se

associasse, transferindo-se para Joinville. Nas férias regulares, desde 1946,

Abílio vinha para ajudar Lucht, em Joinville. Depois, obtendo licença não-

remunerada de seis meses, trabalhou na empresa por meio ano,

conhecendo o negócio e sentindo que as perspectivas, de fato, eram boas.

Foi isso que, finalmente, em 1948, fez com que Abílio Bello vendesse uma

confortável casa que tinha em Mafra e aplicasse todo o capital numa

associação com o cunhado, ficando com 50%. Em pouco tempo, Abílio foi

adquirindo novas cotas do cunhado, que, finalmente, no início dos anos 50,

se afastou da empresa, deixando Bello como o único dono.

Acompanhando o ritmo cada vez mais veloz de crescimento da

cidade, bem como o início da explosão demográfica que ocorreu ao longo

da década, Abílio Bello redimensionou a Empresa de Ônibus Santa

Catarina. Foi ampliando a frota, investindo maciça e integralmente todos os

lucros por mais de dez anos. Já em 1957, começou a circular o primeiro

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ônibus de carroceria metálica, produzida na empresa joinvilense Irmãos

Nielson, que, desde 1946, se dedicava ao ramo de carrocerias, inicialmente

de madeira, depois metálicas, com chapas galvanizadas.

Em 1957, a empresa, que mantinha oficinas, garagens e escritórios

na agora chamada rua Dr. João Colin, imediações da concessionária

Chevrolet, de Waldemar Koentopp, já tinha frota de 12 ônibus. A cada ano,

conseguia incorporar um novo veículo e, por imperiosa necessidade de

atender à expansão urbana de Joinville, teve que iniciar novas linhas,

cumprindo itinerários especiais, atendendo a novo núcleos habitacionais,

que começavam a se multiplicar pela periferia da cidade. Assim, em fins da

década de 50, as linhas se estendiam de norte a sul e de leste a oeste da

cidade. Os ônibus circulavam até a rua Santa Catarina, quilômetro 02;

Estrada do Braço; Boa Vista e Anita Garibaldi. No ano de 1959, a frota era

constituída por 15 ônibus, e a empresa já chegava a pouco mais de 30

empregados.

Abílio Bello não só dedicou cada centavo de lucro na expansão da

frota, mas dedicou cada minuto de seu tempo na administração dos

negócios, enfrentando, sozinho, um dos períodos de maior expansão dos

transportes coletivos de Joinville. Em jornadas de trabalho que iniciaram nas

primeiras horas da manhã até às 19 ou 20 horas, foi um empresário que

multiplicou as linhas e expandiu a frota para 15 carros até o ano de 1960,

quando exausto, com pouco mais de dez anos dedicados à empresa,

vendeu-a para um empresário de Florianópolis, Osmar Salomé Vieira.

Nesse ano, a empresa de Ônibus Santa Catarina, com 15 ônibus e

única detentora da exploração do transporte urbano municipal, passou às

mãos de um negociante da capital do Estado, que até então não tinha

nenhuma experiência nesse tipo de serviço público. Sua base empresarial,

na capital, era uma padaria e uma revenda de automóveis. Como parte do

pagamento, Abílio Bello recebeu 11 automóveis, a padaria em Florianópolis

e o restante em dinheiro.

O negociante de Florianópolis assumiu o controle integral da empresa

joinvilense no início de 1960. Sem experiência no setor, desde o início

enfrentou muitas dificuldades. Tanto para a manutenção da frota de ônibus,

quanto na administração geral dos negócios, num tipo de empresa que

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envolve controle, organização e sincronização de todas as áreas de apoio.

Em razão dessas dificuldades, Salomé Vieira não pôde ampliar a frota de

acordo com as crescentes necessidades de uma Joinville que então

começava a sentir os efeitos acelerados de sua crescente industrialização.

Sem condições de repor peças e recuperar alguns ônibus mais velhos da

frota, o novo proprietário de Santa Catarina se viu obrigado a desativar

alguns carros, reduzindo o que já não conseguia atender à demanda.

Dessa forma, com pouco mais de dois anos de comando do negócio,

Antônio Salomé Vieira sentiu que não conseguiria vencer os múltiplos

desafios. Voltou a conversar com Abílio Bello e também com José Loureiro.

Este último, que tivera presença na gerência da empresa nos tempos de

Bello, desde o ano de 1954, depois de dois anos nas funções de engraxeiro

e motorista, não só conhecia a administração de uma empresa de ônibus,

como, então, em 1963, era o responsável por alguns carros que pertenciam

à Fundição Tupy. A triangulação que permitiu a volta de Abílio Bello ao

comando da empresa, segundo relata José Loureiro, foi a seguinte: a

Fundição Tupy, em 1963, emprestaria 25 milhões de cruzeiros com prazo de

dois anos e sem juros para que a empresa voltasse ao comando dos dois.

Abílio só aceitava a proposta se ficasse com dois terços e Loureiro com um

terço do capital, ou da pequena frota reduzida a apenas 12 ônibus. Nesses

termos, a empresa voltou ao comando de Abílio Bello, agora sob nova

denominação: Transporte e Turismo Santo Antônio Ltda.

No ano de 1967, quando o ex-diretor da Fundição Tupy, Nilson

Wilson Bender, foi eleito prefeito de Joinville, houve a necessidade de se

criar noas linhas de ônibus, especialmente para atender áreas mais

distantes, como Vila Nova. Ali, dezenas de estudantes necessitavam de

transporte para a cidade para freqüentar colégio de segundo grau. O prefeito

Bender, pressionado pela população, convidou José Loureiro a explorar

novas linhas. Para facilitar as coisas e estimular Loureiro, o prefeito acenava

com o custeio da parte das despesas de manutenção dos carros. Reunindo

economias, Loureiro comprou, em Curitiba, a prazo, três velhos ônibus,

motor Volvo ano 1952. Dessa forma, com apenas três carros com 15 anos

de uso, nasceu a Empresa de Ônibus Gidion, de propriedade de José

Loureiro, que ainda mantinha um terço da empresa Santo Antônio. Suas

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linhas atendiam a região de Vila Nova, rua XV de Novembro, Otto Boehm e

laterais.

No ano de 1968, com 28 ônibus na Santo Antônio e 3 na Gidion,

Abílio Bello, pressionado pela imperiosa necessidade de ampliar os

investimentos na renovação e ampliação da frota, mais uma vez desiste do

negócio de transporte coletivo de Joinville. Foi então que José Loureiro, que

continuava com um terço da empresa, consegue convencer um pequeno

negociante de peças de automóveis, estabelecido à rua Dr. João Colin com

a loja "Automotriz", a entrar no setor. Relutante, em razão da inexistência de

capital para enfrentar o negócio, Reinoldo Harger decidiu arriscar. E, em

sociedade com Loureiro, assume 50% da empresa Transporte e Turismo

Santo Antônio Ltda, em 1969.

Para facilitar a administração e permitir a urgente renovação e

ampliação da frota, então com 50 veículos, Harger e Loureiro, de comum

acordo, com a concordância do poder público municipal, que dá a

concessão para a exploração dos serviços, desmembraram integralmente as

duas empresas: Gidion e Santo Antônio. A cidade, igualmente, foi repartida

em duas áreas distintas: zona Sul seria de José Loureiro, que ficaria

também com 24 dos 50 ônibus existentes nas duas empresas, e Reinoldo

Harger ficaria com 26 ônibus. Todas as linhas da região Norte e Boa Vista

passariam ao controle integral da Santo Antônio. Garagens, oficinas e

escritórios da rua Dr. João Colin seriam da família Harger, enquanto

oficinas, garagens e escritórios da Gidion localizados à rua São Paulo

seriam de Loureiro. Este, juntamente com a esposa, Maria da Glória, com

10% e Satiro Loureiro, irmão, com mais 10%, totalizariam os 100% do

controle da Gidion.

Assim, a partir de 1o de janeiro de 1971, Joinville passaria a contar

com uma divisão territorial de exploração do transporte coletivo. A empresa

Transporte e Turismo Santo Antônio Ltda (Transtusa), sob a direção de

Reinoldo Harger, passaria a explorar a zona Norte, com as seguintes linhas:

distrito de Boa Vista, Iririú, João Colin, Dona Francisca, vila de casas

populares Comasa, rua 15 de Novembro e Vila Nova. A Empresa de

Transporte e Turismo Gidion, sob a direção de José Loureiro, com sede na

rua São Paulo, cobrindo a zona Sul, com as seguintes linhas: Avenida

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Getúlio Vargas, Anita Garibaldi, Santa Catarina, km-2 e km-4, Itaum e

Floresta.

Em abril de 1978, José Loureiro também decide sair do setor de

transportes coletivos, passando a negociar a transferência da Gidion para a

família Bogo, de Blumenau, que já tinha experiência no ramo.

Os irmãos Elmo, Antenor, Tibúrcio, Juvenal e Carlinho Bogo com os

demais sócios - Walter e Emendino Roza, Moacir Luiz Bogo e Ilmar Schmitz

- adquirem o controle da Gidion e, oficialmente, a partir de 1o de junho de

1978, assumem os negócios, mantendo os mesmo registro social da Gidion.

A empresa contava com uma frota de 65 ônibus todos da marca Mercedez

Benz. A administração da empresa sempre esteve a cargo de três sócios,

distribuídos nas áreas de Tráfego, Manutenção e Administrativa-Financeira-

Comercial. O sócio Carlinho, que havia se transferido de Blumenau para

Joinville, retornou à sua cidade para a atividade industrial, de forma que a

diretoria instalada passou a ser composta pelos sócios Antenor Bogo,

Emendino Roza e Moacir Luiz Bogo. Mais tarde, afastaram-se da sociedade

Tibúrcio Bogo e Ilmar Schmitz.

Desde 1978 até hoje, não se registrou outra mudança no controle das

duas empresas, que, juntas, com frota superior a 300 ônibus7, atendem a

todo o município, mantendo basicamente a divisão das linhas estabelecidas

no ano de 1971. A última renovação de concessão destas duas empresas

ocorreu em 1998, por um período de 15 anos, contemplando a regularização

do transporte coletivo de passageiros, criada pela Lei Municipal 3806/98.

4.3. O ônibus como agente da centralidade urbana

O termo centralidade provoca nos estudiosos sobre espaço urbano

uma grande busca por concepções que atendam todos os agentes

envolvidos acerca do termo, assim como no caso desta pesquisa, mais

específicamente sobre o Transporte Urbano da cidade de Joinville. Pátio da

acessibilidade inicial dos imigrantes de 1851, a centralidade urbana de

Joinville tem no ônibus um de seus principais agentes de transformação. 7 Fonte: Secretaria de Infra-Estrutura Urbana de Joinville.

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55

Apesar desta constatação, o ônibus não transforma o espaço

sozinho, num reducionismo tecnológico condicionante da organização do

espaço, mas sim em relação com todos os elementos técnicos-científicos-

informacionais (SANTOS, 1996) que convergem na sociabilidade das

pessoas na urbe.

A estruturação do espaço regional é dominada pelo deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral — eventualmente até da mercadoria força de trabalho. O espaço intra-urbano, ao contrário, é estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho — como no deslocamento casa/trabalho— seja enquanto consumidor — reprodução da força de trabalho, deslocamento casa-compras, casa-lazer, escola, etc. Exatamente daí vem, por exemplo, o enorme poder estruturador intra-urbano das áreas comerciais e de serviços, a começar pelo próprio centro urbano. (VILLAÇA apud DUARTE, 2003, p.92)

A investigação de uma cidade a partir das concepções de

centralidade e relações sócio-espaciais provoca diferentes perspectivas de

análise do que realmente seja o espaço urbano regional. Esta idéia é

atrelada à afirmativa de que o espaço intra-urbano é diretamente

condicionado pelas políticas de transporte, as quais impactam diretamente

sobre os subespaços da centralidade e das respectivas interações sociais

presentes nesta faixa da cidade em análise.

Entretanto, para consolidar esta centralidade como espaço de

socioespacialidades, a acessibilidade é o principal fator para o não-

surgimento de novas centralidades, num processo de descentralização do

núcleo central original das cidades (DUARTE, 2003) e o fomento constante

das relações entre os indivíduos.

Segundo o Guia de Planejamento de Transportes Coletivos

publicado pelo Ministério das Cidades em 2008, em parceria com o Institute

of Transportation & Development Police de Nova Iorque, esta acessibilidade

e a conseqüente interação do transporte coletivo nas centralidades urbanas

se dá através da atenção em forma de políticas públicas para 4 situações:

conectividade, caminhabilidade, desenho local e gerenciamento de

estacionamentos. Todas estas situações dosadas de maneira equilibrada

incentivam o cidadão das cidades a priorizar o transporte coletivo, e o

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56

veículo particular não ser usado nas tarefas diárias, mas somente para

momentos esporádicos. Priorizando o transporte coletivo, todos os agentes

urbanos se relacionam, como já citado.

A área central de Joinville até o início da década de 90, enquanto a

cidade era estritamente industrial, mantinha-se como a principal

conectividade entre todas as regiões da cidade. Antes da integração do

início dos anos 2000, todos os ônibus partiam do bairro para o centro.

Atualmente, a área central lentamente vem possuindo uma conectividade

temporária, porque a cidade cresceu ramificadamente no setor de serviços

por todos os bairros e a integração proporcionou viagens sem

necessariamente partir em direção ao centro, mas sim em direção à

Estações de bairros, como explica o Diretor-Executivo do Instituto de

Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville (IPPUJ), Sr. Vladimir

Constante8:

Nestes 10 anos aproximados após a integração do sistema, a Estação Central, que em 1997 recebia 63% de todos os passageiros diários do sistema, após a integração, em 2005, recebia então 51%, demonstrando a lenta descentralização que Joinville vem sofrendo ao longo da primeira década do século XXI. (Entrevista concedida em 02/06/2009)

Além disso, a região central possui eixos de ligação rápida norte-sul,

como a Avenida JK e Rua João Colin, transpondo a região central e suas

ruas centrais, que cada vez mais passam a atender somente os

trabalhadores e empresas da própria região central (exclui-se desta análise

os shoppings da centralidade, esta é uma abordagem diferenciada9).

Para a caminhabilidade, Joinville ainda precisa de um plano municipal

nesta área e de investimentos maciços. As calçadas da região central são

estreitas, e muitas vezes nos horários de pico as pessoas facilmente se

esbarram umas nas outras, provocando sensações de mal-estar e

desconforto, bem como possuem pouca acessibilidade para idosos,

cadeirantes e gestantes. Quanto mais o ato de caminhar é incentivado,

menos o automóvel particular precisa ser utilizado para locomoção, fazendo

8 Vladimir Constante, funcionário de carreira da Prefeitura Municipal de Joinville

desde 1996. Participou ativamente do planejamento do transporte coletivo municipal. 9 Ver em Frugoli Jr. (1989, 1992) as discussões sobre a influência dos shoppings

centers na produção do espaço urbano.

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57

com que as pessoas possam utilizar o ônibus até o centro, e terão serviços

conectados, e de fácil acessibilidade. Entretanto, em Joinville não há

nenhuma rua exclusiva para pedestres, com o impedimento do tráfego de

veículos. A única rua que permitia passagem exclusiva de pedestres era

parte da Rua do Príncipe, aberta ao tráfego veicular no início dos anos 2000.

Figura 12 - Calçadas da Rua XV de Novembro num dia de pouco movimento. Fonte: http:\\www.skyscrapercity.com

A centralidade de Joinville possui um desenho local10 muito particular

em comparação a outros centros urbanos. Os prédios da área central são

interligados facilmente com pequenas caminhadas e as entradas das lojas

são voltadas em direção ao pedestre. Há vários serviços públicos próximos

uns dos outros, sejam da União, Estado, ou Município. O incentivo para tal

movimentação dos pedestres é a pouca oferta de pontos de ônibus fora da

Estação Central: um em frente à Prefeitura; um em frente ao Shopping

Mueller; dois em frente ao Shopping Cidade das Flores; dois na Avenida JK

10

Segundo o Guia de Planejamento de Transportes Coletivos(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008), desenho local “se refere a como os prédios são desenhados e posicionados em relação às ruas, calçadas e estacionamentos. Prédios com entradas que se conectam diretamente a calçada, em vez de escondidas atrás de um enorme pátio de estacionamento, tendem a encorajar caminhadas”.

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(em cada sentido da via); um na Rua Nove de Março (em Frente à

Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional) e um na Rua Visconde

de Taunay.

Figura 13 - Rua Nove de Março, esquina com Rua do Príncipe. Em detalhe, as lojas e suas entradas voltadas às calçadas. Fonte: http://www.clicrbs.com.br

A última situação que merece a atenção na forma de políticas

públicas, complementando todo um sistema eficiente de transporte coletivo,

encontra-se no eficaz gerenciamento de estacionamento da área central de

uma cidade. Citando novamente o Guia de Planejamento de Transportes

Coletivos:

[...] se refere a como o estacionamento é oferecido, regulamentado e cobrado. A oferta generosa de estacionamento cria padrões de uso do solo mais dispersos e que são menos atraentes para caminhar e para o acesso por transporte público. Estacionamentos gratuitos representam um subsídio para dirigir que aumenta a propriedade e o uso de veículos. A fiscalização ineficiente de regulamentações de estacionamento pode levar motoristas a estacionar nas calçadas, criando obstáculos ao movimento de pedestres. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008)

Em Joinville, o atual modelo de gestão do estacionamento rotativo

existe desde o fim da década de 1990, administrado por uma empresa

denominada CARTÃO JOINVILLE COM E SERV DE ESTACIONAMENTO

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59

LTDA, que recebeu a concessão para, em conformidade com a lei, fiscalizar

aquilo que lhe compete: o trânsito. Não cabe aqui analisar este sistema em

si, mas fazem-se algumas considerações: a) duas horas no sistema custa

menos que 2 passagens de ônibus diárias (R$ 1,25 na Zona Azul - Figura 14

-, equivalente a uma hora; R$ 2,30 preço da tarifa do transporte coletivo); b)

aumento das áreas cobertas pela rotatividade sem critérios de implantação;

c) sistema deixa cada vez mais de atender o usuário para atender interesses

da concessionária “Cartão Joinville” na forma de pouca orientação de uso e

muitas cobranças de multas. Também não há um detalhamento sobre os

impactos diretos desta rotatividade no sistema de transporte coletivo,

entretanto, somente o fato de haver uma política que incentive as pessoas a

não usarem veículos particulares no trajeto até o centro da cidade ajuda

para o não congestionamento, e a maior fluidez dos veículos do transporte

coletivo.

Figura 14 - Sistema de estacionamento rotativo de Joinville.

Fonte: http://an.com.br

Juntas, estas políticas públicas de uso do solo complementares ao

transporte coletivo urbano podem ter um grande efeito no comportamento de

viagens:

Pesquisas, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, indicam que uma combinação de maior densidade, combinação de uso do solo [desenhos locais e gerenciamentos de estacionamentos], conectividade de vias e caminhabilidade aumentam as viagens de transporte público e não motorizadas, e reduzem as viagens de automóvel per capita (Kenworthy e Laube, 1999; Ewig,

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60

Pendall e Chen, 2002; Mindali, Raveh e Salomon, 2004; e Litman,2004b apud MINISTÉRIO DAS CIDADES,2008. Grifo nosso.)

A partir destas situações, percebe-se como o transporte coletivo é um

agente da socioespacialidade urbana e de como se pode a partir de políticas

públicas conjuntas nesta área, reduzir-se drasticamente os impactos ao

meio ambiente (emissão de poluentes), numa configuração de não-

incentivos ao veículo particular para locomoção intra-urbana, principalmente

até o centro da cidade. Com elementos congruentes a si, o sistema

transforma e é transformado pela paisagem e pelas pessoas, agentes de

(re)produção direta do espaço. A integração ocorrida no começo dos anos

2000 representa o maior marco da história de todo o transporte coletivo de

passageiros de Joinville. E é esta mudança um dos referenciais de análise

desta pesquisa, principalmente no que se refere às relações do veículo do

sistema coletivo com o espaço urbano e as pessoas, usuárias ou não.

4.4. A integração do sistema em Joinville

A cidade de Joinville demorou a pensar em Políticas Públicas de

Transporte, mesmo após o Plano Diretor de 197311, que já regia

generalidades sobre o assunto. Somente em 1984, no Governo do Prefeito

Wittich Freitag é que houve a primeira discussão ampla sobre o tema,

criando-se um departamento de transportes na então Secretaria de

Planejamento.

A partir de então, fiscalizações sobre as empresas concessionárias

se davam de forma mais constante, visto que a frota estava sucateando-se

rapidamente. A primeira ação da Secretaria, segundo o Arquiteto Sérgio

Gollnick, em sua página pessoal na internet:

Numa estratégia de recuperar o sistema e não sucumbir ao “modismo da estatização” do sistema (que mostraram-se inviáveis nas cidades que fizeram esta opção), criamos um fundo de renovação e frota, acrescentando na planilha um adicional de 5% do valor da tarifa para este fim. Nasceram então os ônibus amarelões. Todos os veículos comprados

11 Disponível em http://www.ippuj.sc.gov.br/index.php?goto=conteudo&menu=3&submenu=29. Acesso em 14/06/2009.

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com este fundo tinham a cor amarela para identificá-los. A Carrocerias Nielson (hoje Busscar) foi quem produziu as unidades, as primeiras da linha de transporte público produzidas pela empresa. Foi uma decisão acertada que resultou numa imediata recuperação e confiabilidade do sistema. ( Fonte: http://gollnick.blog.terra.com.br )

O Prefeito subseqüente, Luiz Gomes, deu o maior passo no

planejamento do transporte joinvilense. Foram contratados consultores de

Curitiba/PR para desenharem o atual modelo integrado de transporte da

cidade. A 1ª etapa de todo o processo ocorreu em 1991, com a construção

de 3 terminais além da Estação Central, localizados na Zona Leste (Estação

Tupy), Zona Sul (Estação Vera Cruz) e Zona Norte (Estação Dr. João Colin),

formando 65% de total integração do traçado do sistema. Assim, segundo

Vladimir Constante, esta mudança acabou sendo muito confusa para os

usuários: “ o então Prefeito resolveu implementar a mudança no dia 31 de

dezembro, seu último dia de mandato. As pessoas voltavam de férias, em

janeiro, e não encontraram nenhuma explicação”. Todavia, as linhas com

maior número de passageiros ainda transportavam as pessoas diretamente

para o centro, sem o transbordo ocorrido nestas outras estações já

construídas. Assim, muitas linhas se deslocavam ao mesmo tempo até a

Estação Central, onerando o usuário que iria de um ponto a outro da cidade

por várias vezes.

No decorrer da década de 1990 o ônibus ganhou dois fortes

concorrentes: o automóvel e as motocicletas. As políticas econômicas

liberais e individualizantes facilitavam cada vez mais a classe média possuir

seu veículo próprio para os afazeres do dia-a-dia, e principalmente,

deslocamentos até a região central da cidade. Como o sistema não estava

totalmente integrado, até o final desta década o cidadão era “obrigado” em

muitas das vezes se deslocar até o centro, compensando em muitos dos

casos o veículo próprio.

O ônibus urbano acabou impulsionando o comércio da área central,

que por sua vez, era alimentado diretamente pelos ônibus, como se fossem

verdadeiros “táxis”. Para exemplificar, um usuário que se deslocasse da

Zona Sul (em uma linha não atendida pela integração) até a Zona Oeste

(área sem Estação) tinha que aguardar por vários minutos entre uma viagem

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62

e outra porque o sistema também não era integrado temporariamente. E

como o interior do terminal tinha livre acesso, devido ao fato de que a tarifa

era cobrada a cada viagem, longas filas organizadas se formavam na

espera no local determinado para a “parada” do ônibus. Muitos neste

intervalo de tempo aproveitavam para ir às compras, ou fazer o serviço

especializado que até então só existira na região central da cidade e

voltavam para embarcar minutos antes do ônibus partir.

O sistema ficou estagnado até 1997, quando assumiu Luiz Henrique

da Silveira como Prefeito de Joinville e decide pôr em prática o restante do

projeto iniciado por Luiz Gomes, buscando financiamentos do BNDES

(Banco Nacional de Desenvolvimento). Aprovados tais financiamentos, criou

em Lei as seguintes estações:

• Lei 3910 de 30/04/1999 – Iririú (Estação da Cidadania Oswaldo

Roberto Colin)

• Lei 4001 de 04/10/1999 – Pirabeiraba (Estação da Cidadania Gustavo

Vogelsanger)

• Lei 4001 de 04/10/1999 – Vila Nova (Estação da Cidadania Professor

Benno Harger)

• Lei 4001 de 04/10/1999 – Nova Brasília (Estação da Cidadania Abílio

Bello)

• Lei 4001 de 04/10/1999 – Itaum (Estação da Cidadania Governador

Pedro Ivo Figueredo Campos)

• Lei 3996 de 04/10/1999 – Guanabara (Estação da Cidadania

Deputado NagibZattar)

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Figura 15 - Sistema integrado de transporte e o mapa de atuação das linhas.

Fonte: Arquivo IPPUJ.

Joinville então possuía 10 estações integradas (Figura 15, em

detalhes, nas circunferências). O sistema só ficou 100% integrado a partir de

2007, devido a algumas linhas não poderem ser remetidas a alguma

estação de bairro, por causa das longas distâncias, e nem ser remetidas ao

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centro, por falta de espaço dentro da limitada área da Estação Central

(existente desde 1981, porém reformada para o início da integração). Em

2000, ano do início da integração da Estação Central com alguns terminais

(a Integração completa da Estação Central ocorreu somente em 2004) o

jornal A Noticia de 11 de março destacava a grande confusão que o sistema

provocara nas maneiras de se utilizar o serviço:

O primeiro dia de funcionamento da nova Estação Central da Cidadania dividiu opiniões e confundiu os passageiros. Poucos sabiam exatamente quais as linhas que já estavam integradas e o entra-e-sai da estação durante os horários de pico foi intenso. As empresas tiveram de deslocar motoristas para dar informações à população e evitar a entrada de passageiros na estação. "A estação está muito bonita e tem que ser parabenizada, mas isso está uma bagunça", diz o frentista Wilson Tamanini, 38 anos. "É uma questão de costume", informavam os motoristas de ônibus em frente ao terminal, tentando dar esclarecimentos aos usuários. As explicações não acalmaram os passageiros.

Figura 16 - Usuários acessando a Estação Central pela bilhetagem

automática. Fonte: http://primeirapautadigital.wordpress.com Acesso em 16/05/2009

Neste panorama, as compras no comércio ao redor da Estação

Central antes do ônibus partir, diminuiram, juntamente com o livre acesso ao

interior da Estação. Só se acessava o local pagando a passagem (Figura

15). Isto mudou a reprodução sócio-espacial da centralidade joinvilense de

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65

maneira tal, em reflexo à cidade e às linhas que se expandiram em direção

aos bairros (de forma que toda a extensão da cidade fosse atendida como

se conferiu na Figura 15), tornando a área central a cada ano que passa,

numa localidade de transbordo cada vez maior, e em conseqüência, os

bairros são os lugares que atendem as necessidades de compras e serviços

dos cidadãos. Inverteram-se as funções sociais e as “utilidades” desta faixa

da urbe. O Diretor-Executivo do IPPUJ, Vladimir Constante relata algumas

destas mudanças:

O comércio e a oferta de serviços em torno da quadra da Estação Central se transformaram. A única continuidade foi nos bares, lanchonetes, e no banco Bradesco, que ainda continuam ali. O cinema foi para o shopping e ali se instalou uma igreja. A Câmara de Vereadores também saiu. O que predomina no entorno do terminal ainda são pequenos e médios comércios, com exceção de uma grande rede de eletrodomésticos. Os grandes se localizam um pouco depois deste entorno.

Figura 17 - O sistema de bilhetagem automática.

Fonte: http://an.com.br

Condicionante à integração estava a implantação da bilhetagem

automática (Figura 17), onde o usuário utiliza um cartão magnético, seja ele

de papel, ou de plástico. O velho e bom “passe” e a figura do cobrador

acabaram. Tudo virou eletrônico, e o único funcionário era o motorista.

Alegações da Prefeitura e das empresas concessionárias era de que 70%

dos cobradores não iriam ser demitidos, mas sim realocados em outras

funções dentro das Estações, como relata o mesmo A Notícia de 11 de

março de 2000:

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66

Na avaliação do empresário Moacir Bogo, dos 500 cobradores empregados na Transtusa e Gidion, 70% seriam remanejados para outras atividades. "A oscilação no quadro de funcionários não seria representativa", considera. "A bilhetagem eletrônica não seria geradora de desemprego, mas traria facilidades aos usuários", continua Valdir Harger. As empresas vêm estudando a implantação das catracas eletrônicas e o remanejamento de funcionários desde 1996.

De fato, várias destas novas atividades surgiram. Entretanto, o ônibus

urbano perdeu um de seus personagens mais importantes: o cobrador. Se

algo acontecesse de errado na viagem (desconhecimento dos pontos de

parada, etc) era o cobrador a salvação de qualquer passageiro. Isso tornou

a viagem muito mais impessoal, pois só restou o motorista do outro lado da

catraca, distante dos demais, o que dificulta a comunicação entre este

funcionário e o usuário do transporte.

Outra situação que mudou completamente na utilização do sistema é

o embarque na Estação Central, principalmente em horários de pico. Como

anteriormente citado, o embarque antes da integração era organizado,

através de longas filas, pois cada viagem era cobrada uma tarifa. A entrada

que era pela porta frontal do veículo, passou a ser liberada pelas portas

traseiras, caracterizando a integração. A partir de então, o embarque é

totalmente desorganizado, sem filas, e quem entra primeiro sai ganhando,

pois a chance de pegar um banco para sentar é grande. Isso é apenas um

pequeno reflexo perante a socioespacialidade que a integração provocou.

Ocorrendo que a circulação de pessoas é muito menor, as

individualidades se convergem menos, pois as pessoas não podem mais

sair e entrar a qualquer momento da Estação sem usar a mesma tarifa para

tal. Quem perde com isso é o próprio centro num todo, que sofre a partir de

2000, o estopim de um longo processo, que é a perda de sua hegemonia, e

sua descaracterização sócio-espacial, devido à descentralização que

avança em grandes proporções; e a Prefeitura é a grande responsável por

isto, propositalmente ou não, fomentando o avanço territorial e econômico

dos bairros. Segundo a entrevista com Vladimir Constante, ficou bem claro

em sua narrativa que a Prefeitura sabia desta conseqüência de

descentralização, de modo que incentivou a concentração de serviços

públicos perto das Estações de bairros criadas em 1999. O Bairro Iririú é um

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67

exemplo desta descentralização e do surgimento de um novo sub-centro; o

bairro possui vários serviços (órgãos públicos, bancos, grandes lojas) e é

hoje a principal via de ligação com os bairros da Zona Nordeste de Joinville,

como o Aventureiro, Jardim Iririú e Comasa. A tendência, segundo Vladimir

Constante, é essas áreas serem mais facilmente identificadas à medida que

os anos passarem.

4.5. Os reflexos do crescimento urbano e o

surgimento de novas modalidades do serviço

O transporte coletivo de Joinville, com suas linhas regulares e com

várias paradas, não atendia mais as demandas em horários de pico. No

início dos anos 2000, surgiram vários benefícios para tentar diminuir a

espera de atendimento pelo sistema, evitando (no caso de alguns destes

serviços) também com que todos os ônibus ficassem “presos” no trânsito da

área central. A partir da integração do sistema surgiram os seguintes

serviços, segundo informações recolhidas em balcão de atendimento das

empresas:

• LINHA DIRETA: Serviço operado por linhas de conexões diretas e

semi-diretas (poucas paradas) de estação com estação. A diferença

no tempo de viagem chega a quase 40% em relação às linhas

normais.

• VIZINHANÇA: Serviço de quatro linhas, ligando diversos bairros da

Zona Sul com três linhas e ligando bairros da Zona Norte/Leste com

uma única linha. Cada uma delas é integrada em uma Estação nos

bairros. Geralmente operando com microônibus, o serviço opera das

até as 22h30min de segunda a sexta-feira e até as 18h25min nos

sábados.

• EFICIENTE: Serviço operado por microônibus adaptados com

elevador para cadeirantes, o serviço faz o transporte exclusivo de

Portadores de Necessidades Especiais de sua residência ao local

desejado pagando tarifa comum. Dos usuários deste sistema, com

direito ao passe livre não é cobrado tarifa. Alguns ônibus das linhas

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68

regulares possuem elevadores adaptados para estes usuários,

porém, raramente são usados.

Figura 18 - Transporte para Portadores de Necessidades Especiais.

Fonte: Aquivo Pessoal.

• MADRUGADÃO: Criado em 2008, o serviço com um horário de

Domingo a Sexta e três horários nas madrugadas de Sexta para

Sábado e de Sábado para Domingo. O serviço opera com linhas

circulares operadas por microônibus partindo do Terminal Central

com destino a doze locais com itinerários diversos, atendendo

demandas da região central da cidade.

• UNIVERSITÁRIAS: Criado no início de 2009, as Linhas Universitárias

darão mais agilidades aos alunos do Campus Universitário, são

dezesseis linhas, sendo algumas com característica Linha Direta,

essas linhas fazem a ligação do Campus Universitário aos terminais

Norte, Sul, Tupy, Iririú, Guanabara e Itaum, sem passar pela Estação

Central, como acontecia até então.

Entretanto, vários problemas apareceram nestes sistemas

complementares, principalmente no Linha-Direta e no Pega-Fácil,

modalidades de serviço que circulam frequentemente pelo centro. A

Transtusa criou a Linha Circular Centro, onde percorria-se somente as ruas

centrais da cidade. Pouco tempo após, a linha foi tirada de circulação,

devido ao alto preço do serviço Pega-Fácil, e principalmente pela pequena

extensão territorial da centralidade da cidade, visto que desde a origem do

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69

núcleo central em 1851, a extensão territorial do centro não aumentou. O

cidadão consegue tranquilamente andar a pé vários trechos do centro, às

vezes até mais rápido que o transporte coletivo, devido às complicações do

trânsito. Já o Linha-Direta não se torna eficaz enquanto está nas

delimitações da área central, também devido ao trânsito. É eficaz somente à

medida que se aproxima do bairro atendido.

Desde 24/12/2008, Joinville passou a contar com um serviço

complementar excluso do sistema. O serviço Pega-Fácil foi excluso por falta

de demanda em 6 de suas 7 linhas. A linha mais importante do serviço era a

CIS/Campus Universitário que ligava a Zona Sul com a Zona Norte, tendo

sua maior demanda de estudantes.

Figura 19 - Ônibus Pega-Fácil na região central de Joinville.

Fonte: Arquivo Pessoal.

O que se percebe neste surgimento de novas modalidades do serviço

é a mudança de paradigmas perante a sociedade joinvilense. Por exemplo,

a concepção de que todos são trabalhadores de horários comerciais e de

que não há demanda nenhuma para utilização do transporte nas

madrugadas, mudou apenas em 2008, após 82 anos do início da prática de

transportar pessoas em ônibus. Outro exemplo são os jovens que saem das

danceterias. Anteriormente a este período, ou se pegava o ônibus na

Estação Central as 1:30h, senão somente após as 4h. Decorridas várias

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70

reivindicações, esta modalidade entrou em circulação e é muito utilizada,

conforme observações.

4.6. A sociabilidade no interior do veículo

Até aqui discutiu-se o transporte urbano coletivo da cidade de

Joinville a partir de sua utilidade enquanto um serviço público que atende

uma necessidade da cidade, atentando para os aspectos que conformam

esta urbanidade da cidade. A seguir, busca-se apresentar alguns aspectos

norteadores para pensar as sociabilidades que este serviço acaba

possibilitando. Usar os ônibus, não só como uma meio de transporte, mas

também de estabelecer relações é um aspecto que pode passar

despercebido para um usuário esporádico, mas a frequência de seu uso,

implica em outros olhares e outras percepções.

Andar pelos ônibus urbanos de Joinville não é uma tarefa difícil,

porém, dependendo do horário, torna-se algo desagradável. É comum as

pessoas não refletirem sobre o espaço que estão usando, e, como a maioria

dos usuários, são influenciadas pelo tipo de carro utilizado, pelo horário, e

principalmente pela quantidade de pessoas ao redor. São estas pessoas

que fazem a viagem de aproximadamente 15 minutos tornar-se algo de

tanta validade para o pesquisador, sendo o ônibus, portanto, “um lugar onde

o quotidiano da cidade aparece com nitidez, fazendo-se um recorte

interessante da vida social.” (CAIAFA, 2002, p.42).

Por exemplo, a linha 0800 – Iririú-Centro, que parte às 00h01min

todos os dias da Estação Central é sempre vazia, mas sempre com alguém

no interior do veículo. Numa primeira impressão, o pesquisador pode achar

que nada de interessante possa sair nesta análise de campo, entretanto, é

tão valioso como se fosse uma viagem no horário de pico, porque algumas

particularidades só ocorrem neste tipo de viagem (nas madrugadas), como o

sono da maioria dos passageiros; a alta velocidade que o motorista conduz

o veículo. Neste horário os amigos podem conversar livremente, e com tom

de voz mais alto. É comum encontrar neste horário o uso do transporte

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coletivo em grupos ou seja, sociabilidades formadas em outros espaços

passam a ter continuidade neste espaços de transporte. Neste mesmo

ônibus, todos os dias têm um senhor de aproximadamente 50 anos que

cumprimenta um por um dizendo “Jesus salva, amigo!”.

Estas são algumas peculiaridades que fazem desta linha e horário ser

ímpar a partir das relações que estabelece e de seus usuários, muitos dos

quais já se conhecem a partir do uso que fazem desta linha.

Devido ao horário, outras peculiaridades estão reservadas a linha

0801 – Iririú-Centro – Linha direta12, as 07h50min da manhã dos dias úteis.

A Linha Direta serve para as pessoas chegarem mais rápido ao trabalho, por

isso, quase ninguém olha para ninguém. Estão todos com olhares fixos,

aparentando um estado “hipnótico”, numa “atitude blasé” (Simmel, 1979,

2002, 2004) localizada. Os olhares dos usuários estão fixos num horizonte

que não existe do lado de fora da janela. Alguns escutam música em volume

altíssimo, outros cochilam em pé, conversam com os conhecidos do dia-a-

dia (porém em tom baixíssimo, ao contrário da situação da 00h01min citada

anteriormente). O desafio é adivinhar o que cada pessoa pensa nestes

trajetos, mas como a pesquisa no interior do veículo se deu de modo

observante-participante, sem entrevistas, é algo impossível de se imaginar.

Mas que o horário nos sugere pensar num processo de despertar que ainda

está em processo.

Este estado “hipnótico” e distante das pessoas é comum em todas as

linhas, horários e dias da semana, com pouquíssimas exceções, como se

discutirá adiante. É incrível notar como as pessoas estão tão próximas

umas das outras, mas ignoram-nas de modo quase que total, sejam

homens, mulheres, jovens, e, infelizmente também as crianças. Como já

citado, olham para a janela, e negam-se a virar a cabeça para o outro lado,

no máximo em olhares rápidos com o canto do olho. Isto mostra valores de

sociabilidade (e neste caso de indiferença) das pessoas, principalmente

observando-se isto num espaço limitado, o qual é o ônibus:

Na realidade, esta indiferença seria tão pouco natural como a difusão das sugestões mútuas sem discriminação e, destes dois perigos típicos da metrópole, a antipatia protege-nos, assim como a fase de latência que antecede o

12 Linha com o mesmo itinerário que a 0800, porém, sem paradas.

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antagonismo declarado; ela produz distâncias e evitamentos sem os quais, afinal, não poderíamos ter este tipo de vida; e as suas dimensões e os seus componentes, o ritmo do seu surgimento e do seu desaparecimento, as formas sob as quais lhes é dada satisfação – tudo isso, juntamente com as forças da unificação em sentido restrito, forma um todo inseparável da configuração da vida na grande cidade: o que aí parece imediatamente dissociação não é, na realidade, senão uma das suas formas elementares de socialização. (SIMMEL, 2004, p. 83-84).

Justificando, é justamente essa combinação de inconsciência (o

estado “hipnótico” das pessoas), rapidez (a viagem é de apenas alguns

minutos) e mudança (o espaço após o fim da viagem é totalmente diferente

da limitação de um ônibus) que provoca uma alteração psicológica ou

comportamental na pessoa, a qual acaba vendo o ônibus como um veículo

transitório e obrigatório para suas necessidades diárias13. Provoca, portanto,

essa indiferença de ninguém olhar para ninguém, “escondendo” as suas

qualidades pessoais e demais particularidades, exceto quando se está com

um amigo ou uma situação conhecida, aí que se rompe tudo isto, pois o

indivíduo encontra algo “para se identificar” com aquele espaço limitado, o

que acontece, por exemplo, com os ônibus que levam grande quantidade de

universitários, principalmente nos horários entre as 18 e 19h, e 22 e 23h.

Além de um falatório gigantesco, o ônibus se transforma numa

danceteria ambulante. É uma mistura de sons de aparelhos de música, de

troca de olhares, de flertes, e de diálogos que surpreendem qualquer

pesquisador, além do pouco espaço disponível, pois a lotação geralmente

está repleta de jovens, esbarrando-se uns nos outros, como uma grandiosa

festa noturna e sem se incomodarem com este contato físico. Tudo o que

acontece nas linhas nos outros horários não acontece nestes. Poucos ficam

no “estado hipnótico” justamente por estar ali algo que o identifica naquele

espaço, como o amigo de faculdade, a garota ou garoto que se está “de

flerte”, ou simplesmente uma hora para descontrair após as seguidas aulas

noturnas. O que mais impressiona, é o cheiro que fica neste ônibus. Uma

13 Assim explica-se a vontade excessiva das pessoas em quererem subir ou descer do ônibus. Os embarques parecem um aglomerado de pessoas, como se fosse uma saída de emergência num prédio em chamas. O mesmo ocorre com a falta de paciência das pessoas em quererem descer, pois, como visto, o espaço é tão transitório, que poucas pessoas se sentem bem dentro do espaço do veículo, e pensam somente no “entrar” ou no “sair”, da maneira mais rápida possível.

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mistura de odores de perfumes, que confundem qualquer especialista.

Justamente pelo fato de que o jovem gosta de “marcar presença”, e o ônibus

apresenta-se como um ótimo lugar para isto. Quantas histórias de amizades

e de amores já começaram talvez numa brincadeira, ou numa troca de

olhares dentro de um ônibus? Este horário das linhas, além de ser o mais

“perfumado” é também o mais rico no quesito sociabilidade, pois a interação

entre os passageiros é totalmente diferente.

Algo muito semelhante, para justificar esta mudança de

comportamento num espaço definido, não é só apenas com universitários,

mas muito forte com os funcionários de uma fábrica. Numa das pesquisas,

na linha 0802 – Iririú-Centro Via Castro Alves, que parte 16h06min do

Terminal Iririú com apenas três pessoas e encontra na Rua Castro Alves a

saída das funcionárias de uma malharia. O ônibus que era silêncio total

encontra a partir dali uma mistura de vozes e risadas. As cerca de 20

mulheres que ali entraram encontraram algo comum, ou seja, estar saindo

do local de trabalho. Aqui a indiferença encontrada em outros horários não

existe. Ela é totalmente preenchida com as relações amistosas entre estas

mulheres que ocorre através do local de trabalho. Assim como entre os

universitários ou quem frequenta o madrugadão em grupo, estas mulheres

que utilizam esta linha de ônibus estão apresentando ao pesquisador outras

relações de sociabilidade.

Partindo para uma discussão relacionada ao espaço físico em si, o

passageiro também sofre com o que lhe é oferecido de estrutura interna do

veículo. Há vários tipos de ônibus “rodando” nas linhas pesquisadas, e, em

todos eles, a interação é diferente. Desde a lotação de passageiros (cerca

de 70 para os ônibus padrões e 120 para os articulados) até a qualidade do

mesmo, pois, a média de idade dos veículos é de 9 a 10 anos de uso.

Exemplificando, pessoas mais idosas sofrem na hora do embarque.

Há modelos de veículos que possuem uma entrada muito alta, dificultando e

atrasando o decorrer da viagem. Crianças se “misturam” às outras pessoas

em viagens de lotação completa, agarrando-se nas pernas dos pais ou

parentes, devido ao fato que o ônibus não possuir lugares específicos para

as crianças se segurarem. O que ocorre também é a preferência de certos

tipos de assentos por categorias de pessoas diferentes. Crianças adoram os

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bancos altos, principalmente quando estes são em cima das rodas ou do

motor (quando o ônibus possui motor traseiro), mulheres preferem os

bancos individuais quando estão sós e homens são indiferentes, mas

dominam a parte traseira do ônibus, principalmente os jovens, como se

fosse uma sala de aula, onde os rapazes geralmente sentam no fundo.

Outro grande problema ocorre quando os modelos de veículos mais

velhos possuem sua estrutura interna danificada, comprometendo o bem-

estar dos passageiros. Numa das pesquisas, aproximadamente 08h da

manhã, na linha 0800, um dos ferros que sustentam o corrimão da porta

traseira se soltou em sua base, justamente quando uma pessoa o segurava,

e acabou se machucando. São detalhes – pequenos - como este que

propiciam uma viagem agradável ou não aos usuários.

Nesta pesquisa inúmeros aspectos podem ser ressaltados, a infra-

estrutura dos ônibus, a funcionalidade dos mesmos e de suas linhas, a

eficiência , ou seu contrário, do transporte coletivo, a busca por melhorias,

enfim. Em todos estes pontos busca-se pensar o transporte coletivo a partir

da função que este se propõe a cumprir, porém, este vai muito além quando

paramos para pensar no que nos reservam os interiores destes veículos,

mais especificamente as relações que neles podemos observar.

As pesquisas sobre meios de transporte, em grande parte, estão

sempre apontando para sua funcionalidade, muito pouco se discute sobre

seus usos e as relações que nestes são estabelecidas. Tendo em vista o

tempo destinado para a realização deste trabalho, fica aqui a proposta para

aprofundar a pesquisa sobre as sociabilidades nos meios de transporte

urbano, assunto tão relevante quanto o próprio transporte, dependendo dos

olhares de quem observa.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário relatar aqui a grande demanda em que esta pesquisa

está inserida, principalmente pela relevância social que um transporte

coletivo tem perante os usuários (ou não-usuários). Dificuldades no

levantamento de dados e no cruzamento destes; pouca disponibilidade de

tempo para a execução da pesquisa; e a escassa produção acadêmica

sobre a temática semelhante ao demonstrado nesta pesquisa são fatores

essenciais para a continuação deste trabalho em etapas posteriores.

Compreender nesta continuação, por exemplo, o papel dos meios

alternativos de transporte coletivo de passageiros, no caso de Joinville, os

moto-táxis, as vans e os táxis. Todos estes são elementos, que assim como

o ônibus, provocam mudanças sensíveis em toda a estrutura espacial

urbana e também nas relações sociais em seu dia-a-dia.

Entretanto, esta pesquisa avançou no sentido de dar novas faces à

discussão de transportes coletivos num geral, pois, deixou-se de ter como

norteadora da discussão as reflexões sobre a operacionalização do sistema,

muito abordada pelo Urbanismo e Administração Pública. Trouxe então,

uma nova perspectiva: a das relações sócio-espaciais, as quais são

extremamente importantes para o bom funcionamento deste sistema

coletivo, tanto quanto a operacionalização, planilhas, custos, etc.

Neste eixo, cumpriram-se alguns dos objetivos iniciais desta

pesquisa, bem como alguns ainda ficaram suscetíveis a uma abordagem

mais aprofundada. Por exemplo, a importância que o poder público deu ao

sistema de transporte, que começou após as grandes transformações

econômicas e urbanas da cidade. Apenas no primeiro governo Freitag

(1983) é que o poder público interferiu de maneira direta na então nova

necessidade de massa que surgira, até então dominada pela infra-estrutura

urbana, saúde e educação.

Mesmo com um Planejamento tardio, o processo foi bem controlado

com as integrações sofridas em 1991 e no início dos anos 2000. Mas o que

pouco se percebeu no início desta implantação, foram os impactos que tais

integrações trariam aos cidadãos e ao sistema urbano de Joinville. Bairros

cresceram ao redor das Estações integradas, fazendo com que a

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centralidade aos poucos perca sua hegemonia de atração das

necessidades, tanto econômicas (compras, serviços), de lazer (shoppings,

cinemas, lojas para a família, praças, etc), e de locomoção (Estação

Central).

O que antes era considerado um espaço de referência, lentamente

vem ganhando ares uma centralidade que não dá mais a sensação da

resolução dos problemas diários, bem como o lugar em que encontraremos

amigos, parentes e parceiros de atividades formais. Nestas funções os

bairros cada vez mais ganham força. As sociabilidades, que antes eram

intensas, atualmente se apresentam e habitam a centralidade de Joinville

cada vez com menor intensidade. E é a partir deste referencial que as

políticas públicas de transporte coletivo da cidade influenciaram. Como a

própria entrevista com o Diretor Vladimir Constante relatou, o número de

passageiros diários na Estação Central vem diminuindo após a integração,

bem como as transformações em vias da centralidade.

E estas transformações do espaço, também implicam nas relações

interpessoais no interior e no entorno do veículo. O surgimento de

corredores especiais nas vias públicas; embarques e desembarques, que

antes eram caracteristicamente organizados, atualmente viraram

competições entre as pessoas, cada uma querendo garantir seu lugar; a

bilhetagem automática (o único referencial de informações sobre o serviço

dentro do veículo tornou-se o motorista); as indiferenças sociais e o não-

reconhecimento do outro no interior do veículo; condições de viagem (ônibus

com lotação superior à permitida); e tantas outras questões levantadas por

esta pesquisa, nos remetem a continuar na busca do entendimento deste

receptáculo humano e formal que é a cidade, praticamente o “habitat oficial”

do homem moderno após a Revolução Industrial, num recorte social bem

definido, ao qual se tornou o sistema de ônibus urbano perante este

trabalho.

Claro que outras linhas devem ser consultadas, principalmente para

confirmar o que foi relatado no decorrer dos resultados de pesquisa.

Entretanto, os ganhos sociais destes resultados são grandes, pois abrem

horizontes para futuras análises, não só das efetividades dos serviços

públicos, mas sim de como eles interferem no comportamento das pessoas,

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e também, neste caso, no espaço urbano. É momento de continuar as

perguntas, para mais respostas se obterem.

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