CHÂTELET, François. Hegel. (Em Português)

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    HEGELPara explicar e analisar a obra de um f i lsofocomplexo como Hegel , nada melhor do que aclareza e a lucidez de Franois C htelet. Con-sidera-se usualmente que a apresentao deum f i lsofo requer um relato de sua vida. Masapresentar Hegel desse modo poderia parecerinadequado. No s a vida de H egel foi relati-vamente tranqila e rotineira, como ele prpriomostrava-se avesso, por temperamento e porconvico, a permitir que as pecul iar idades desua vida e personalidade se intrometessem emseu pen samento f i losf ico.Em outras palavras, o que este l ivro expe aobra do inven tor da dialt ica, ou seja, do in-signe assassino da filosofia. Isso significa queChtelet atribui mais significado inter-pretao lgica dos textos do que destaca seualcance existencial e humano. Sobre o homem,muito se tem falado desde a mo rte de Hegel.Mas pou co se disse do Espr i to, da cultura (oudo pensamento) como sistema, como real idadeterica que em sua realizao esgota suanatureza real e produz seu s efeitos prprios. importante interrogar-nos sobre at ondeHegel fo i nesse em preendimento insensato(para o senso comum): realizar a Cincia, odiscurso absoluto.Um dos objetivos precfpuos deste l ivro esta-belecer o que na concepo heg eliana a dialtica, e mostrar que no , nem p oderiaser, seno num sentido deturpado, um mtodo.Essa a ti tude signif ica, de sada, que se exclui,a possibil idade de "resumir" o hegelianismo,pois, no que se refere a Hegel, toda exposiosimpli ficadora se baseia na idia de qu e a dia-l tica um mtodo, uma via de acesso (tantoa Hegel como ao Ser) , um procedimento dopensamento (o m elhor, dentre outros).

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    Franois Chtelet

    H E G E LTraduo:Alda Porto

    Reviso tcnica:Geraldo Frutuosomestrando em Filosofia, IFCSNFRJ

    Jorge Zahar EditorRio de Janeiro

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    Sumrio

    Traduo o r ig inal:HegelTraduo autorizada da sevntla edio francesa,publicada em 1992, por t itions du Seuil,de Paris, Frana, na .coleo tcrivains de TcujoursCopyright O 1968 e junho de 1994, duma du SeuilCopyright O 1995 da edio em lngua portuguesa:Jorge Zahar Ed i to r Ltda .rua Mxico 31 sobreloja20031-144 Rio de Janeiro, RjTel.: (021) 240-0226 / Fax: (021) 262-5123Todos os d ire i tos reservados.A reproduo no-autorizada desta publicao, no todoou em pane, constitui violao do copyright (Lei 5.9881Capa: Gustavo MeyerMarmorizao: Mariana Zahar

    CIP-Brasil, Gtalgaaoasfwaekto Naciona Aos (domesde LiNm, RI .Chalrei, Danceis, 1925- Io333C437h Ilegel 1 Porfio'. Chibas; (sedoso Ada Pano ra-risotcnira, Geraldo F rutuoso- Ris de Janeiro:Jage 2ahar Ed., IP25.209p. - (alMlokca de filosofia)

    Tradb de: MeteiContm dados biogrficosInclui biblbpaluIS9N.85-1119-33 3-81. Nego', Gexg 5N51hen FrbdkM1, 11704193 1. 2.f ilosofia abona. 1. Titulo. II. SNie.

    coU 19395-1666 .DU1 (4 3 1 Introduo 71. A CONSTITUIO DO SISTEMAO s trabalhos de juventude 2 1Hegel, a m etaflsica e a histria 2 3O contexto inte lectual 26O projeto m etaf s ico 3 5Questionamento e teal izaeo da metafsica 5 52 . O SISTEMA: Da Conscincia ao Espir i toExperincia e nacional idade 69Da "Consc inc ia" ao Esp ir i to 7 23. O SISTEMA: O Saber absoluto 8 14. O SISTEMA: A Vida histriaA atividade flsia 1 0 1As "C inc ias human as" 1 0 3A atividade anistia 1 0 8As at iv idades rel ig iosas 1 1 2A faml ia, a sociedade e o Estado 1 2 3Racional idade e his tr ia 1 3 8O "fim da Histria" 1 5 2Concluso 1 5 5Cronologia 1 7 2Notas 1 8 9Bibliografia 19 5

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    Introduo

    Trataremos aqui de Hegel, ou seja, do triunfo e da consumao daf i losofia clssica, ou, caso se prefira, da m etafisica. Vale dizer queo objeto a ser evocado de tal importncia que convm espec if icarantes de tudo o que pretende o texto a seguir e o que deve esperaro l e it or .Falaremos pouco da biografia de Georg Wilhelm FtiedrichHegel. nascido a 27 de agosto de 1770, em Stuttgart, morto dec lera aos sessenta e um anos, am igo na pr imeira juventude do poe ta Heilderl in, af iccionado pela carreira universitria, discpuloexa l tado nos pr imeiros anos de aprend izagem do jovem S cbel ling ,corrigindo os originais de su a primeira grande obra quando troavamos canhes de Iene, professor bem-suc edido e bastante dogmticoem Berl im apacomple tar c inqenta anos. No tentaremos recons-t i tu i r o devir de uma subjet iv idade s vol tas com as palavras e o sfatos. A emprei tada, claro, no deixa de ser in teressante estu-diosos apaixonados a realizaram com sucesso , mas tem umobjetivo demasiado restrito quando se trata de um pensamentofundamental. A pacincia e o ardor do pesquisador podem semdvida remediar a cont ingncia da informao. Alm disso, no quese refere a Hegel, Ar istte les, Spinoza ou Kant e, ma is em geral ,a todo ter ico que pretendeu por mot ivos inconfessos e ta lvezinconfessveis const i tu ir -se como ta l , o essencia l est no n asmot ivaes pessoais, mas nos textos. o discurso e. - mais exata-mente , os es c r i to s , que permanecem. e que devem ser compreen -d idos como m om entos dec i s ivos da cu l tu ra .Esta anl ise, portanto, no ter por ob jeto He gel como "alma' ,aquela alma definida no Resumo da enciclopdia das cincias/luifcas como sendo a inda apenas o sono do espirita"'; tam-

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    8EGEL I NTRODU O 9pouco se situar no nvel da simples "conscincia"; tentar colo-ca r -se imed ia tamen te na pe rspec t iva do que H ege l chama de Es -pirito, isto permitamo-nos, nesta in t roduo, uma aprox imao na perspect iva da cu l tura conceb ida com o tota l idade s is temt icadas obras .Tampouco insistiremos nas etapas da formao do sistemaObras notve i s e con te s tve is f o ram co nsagradas a e sse a ssun topor G. Lukcs, J, Wahl, J. Hyppolite, para citar apenas os maissignificativos', que mostram em funo de qual curricula n intel-lectualis vitae se for jaram progress ivamente os concei tos em tomodos quais se e stabeleceu o d iscurso c ient f ico de Hegel . Sem dvidava le a pena t ratar do assunto: impor tante que sejam determinadasas ques tes efet ivas s qua is o jovem He gel ju lgou ter de responder ,e quais respostas lhe pareceram pert inentes, e este texto no deixarde reme ter -se aos es tudos que a cabam de se r c i tados . Mas no sedeter n isso. H dois mot ivos para essa negl ignc ia voluntr ia: opr imeiro de ordem formal as d imenses des ta obra n o permitemque se r e f l it a sob re uma gnese que s t em sen t ido quando po s taem relao com seu resultado, a Cincia, cincia cuja amplitudeex ige a quase tota l idade do presente t rabalho; o segundo refere-seao contedo: o pensamento do "jovem" Hegel, comado "jovem"Marx ou 'do "jovem" ICant, equivoco: aceita tributo pago poca um a expresso l rica, toma e mprestadas um a terminolog iae uma temt ica nem sempre dominadas; por isso se presta a in ter-pretaes mlt ip las e tambm bastante cont ingentes. E l eg i t imo, c l a ro , cons ide ra r que o in te re sse em Hege l e s t nas -pesquisas que ele fez antes de saber-se o pensador que fazia apassagem da filosofia Cincia, e de ver nele, por exemplo, uminvestigador romntico presa dos dramas da existncia (ou umc r i sto pouco seguro de sua vocao te r ica , ou u m " revo luc ion -rio" que a influncia da poca logo fez. recair na tradio). Nofoi o caminho que escolhemos aqui: vamos tentar compreenderHegel como o ter ico que escreveu A cincia da lgica, que elevouao mais alto grau a vontade de nacionalidade sistemtica, e queno hes i tou em deduz i r de la todas a s conseqnc ia s nos d ive rsosdomn ios do pensamento, da estt ica pol t ica.Em o ut ra s pa lavra s , o que ten ta remos ap resen ta r a ob ra doinventor da d ia lt ica, ou seja, do respei toso assa ss ino da f i losof ia.Isso s ignif ica confessar que atr ibuiremos mais s ignif icado inter-pretao lgica dos textos do que s que destacam seu alcance

    ex i s tenc ia l e human o. Sob re o hom em e do homem , mu i to se temfalado desde a morte de Hegel. Do Espirito, da cultura (ou dopensamento) como sistema, como realidade terica que em suareal izao esgota sua natureza real e produz seu s efe i tos prpr ios ,pouco, enf im, se d isse. importante in terrogar-nos sobre at ondefo i Hegel nesse empreend imen to louco ( louco para o senso comum ,que sabe o que falar e escrever no querem dizer) realizar aCinc ia, o d iscurso absoluto. Muito in teressantes , sem dvida, soas c i rcunstnc ias in te lec tuais que deram a He gel o projeto e o m eiode constituir-se como pensador do Absoluto. Mais interessantea inda o s i s tema des se pensam en to que se pre tende pensamen todo Absoluto, e que como tal define teoricamente as moda-lidades de sua elaborao.. A Plis grega, o Deus dos judeus, aRevoluo Francesa: so apenas acontec imentos, is to , vest g iosideo lg icos . O impor tan te sabe r como se t rans f ormam em con -ceitos.A obra hegeliana a da maturidade , que versa sobredomnios que desfrutam de um interesse maior para ns hoje(sobretudo a Arte, a Religio, o ptado), tem uni duplo carter osdesdobramentos part icu lares so muitas vezes de grande d i f icu lda-de ; e no en tan to a a r t i cu la o dos con jun tos dem ons t ra t ivos deex t rema c l a reza: o rgan iz a a d i ve r sid ade de seu con tedo segundouma o rdem r igo rosa que se a f irma e l eg it ima cons tan temen te . Da iser grande a tentao do resumo, um resumo d o qual sabemos queta lvez peque por om isso, mas que no perder de v is ta o essencia l.Temos v ontade de s imp l i f ica r o que Hege l d i s se de m ane i ra com-p l ic ada , mas num d i s cu rso bem amar rado . Es sa t em s ido , desde oexce lente Augusta Vera ' , a t rad io f rancesa, a t .1. Wahl soar ovibrato ex is tenc ia l . Essa t rad io se apresentou e m inm eros l ivrosdidticos e teses universitrias: Hegel at aparece como o criadorde um m todo para t oda ob ra , o manco pas sando a perneta , a po rdem ais clebre t r i log ia d ia lt ica: tese-ant tese-s ntese.Um dos objetivos deste livro ser estabelecer o que- naconcepo hegeliana a dialtica, e mostrar que no , nempoder ia ser , seno num sent ido deturpado, um mtodo. Essa at i tude que ser preciso embasar significa, de salda, que se exclu ia possibil idade de "resum ir" o hegelianismo, pois, no que se referea Elegei, toda exposio simpl i f icadora se baseia na idia de q uea d ia l t ica um m todo, uma v ia de acesso ( tanto a Hegel quantoao Ser), um procedim ento do pensame nto (o melhor, entre outros).

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    IN TRODUO I Ill N E G O .Este texto no de Hegel; remete-se a ele, nele repousa e, aomesmo tempo, ne le se defende.Ter pois bastante lacunas, e quem ju lgar, lendo-o, que podedeixar de ler Hegel, ou que encontrar aqui um "guia" que lhepermit i r move r-se a legremente por ent re os mi lhes de pginasque o filsofo de Berlim nos legou, se enganar redondamente.Este livro no visar sequer a ser uma "introduo leitura deHegel" , tarefa cump r ida de sobra pelo adm irvel e surpreendentelivro de A. Kojve: tentar, de modo mais simples, e talvez, nfundo, mais audacioso, determinaro lugar que ocupa o hegelianismona constituio da racionalidade contempornea, compreendidoaqui o termo consl i trdo no s como noo h istrica, mas tambmcomo conceito genealgico. Isso quer d izer : a lgum pode ser he-geliano hoje, e que significa na verdade um tal compromissoterico?De qualquer modo, esse com promisso signif icat ivo: atesta-otoda a h istr ia do pensam ento desde 1831. Hege l pretendeu-se opensador da modern idade. Ju lgou com ou sem razo que suapoca era "propicia elevao da Filosofia Cincias ". Essaconcepo, temos de lev- la a sr io aqui, e us- la como hiptesede trabalho. E bem verdade, mesm o se recusamos a interpretaoque lhe d Hegel, que esse perodo de quarenta anos, do mom entoem que o es tudan te comea a compreender , em Tb ingen , a im-portncia dos acontecimentos que se produzem ento, e aquele emque m orre em Ber l im, de um a r iqueza histrica excepcional . NaFrana, o povo, del iberadamente, se const i tu i como nao, mataseu rei e, matando-o, realiza o holocausto instaura a Rep-bl ica na Inglaterra, a mquina indust r ia l , posta em movim ento halguns decnios, ace lera-se e . impe efe t ivamente ao homem umanova imagem da sua at iv idade; na Alemanha, na I tl ia, o tormentoda unidade. nacional deixa de ser um sonho e comea a tornar -seuma reiv indicao que os fatos legi t imam .Logo a parania napolenica lana sobre esses m ovimentosexplosivos ou subterrneos; sempre dispares, sua luz ofuscante: oEstado, com sua adm inistrao, pol c ia, exrci to, poderes de con-t ro le e cent ra l izao, ergue-se c omo referncia l t ima. O xi to daorganizao napolenica tal que preciso, caso se qu eira fazeroposio a e la ef icazmente, imit-la de alguma maneira. Mais queo Reino Unido, protegido por sua insularidade, a Prssia, depoisde lena, cede tentao. Paradoxa lmente, a Revo luo Francesa.

    que queria libertar os individuos, suscita uma organizao maisracional izada, isto , de out ro modo repressiva, da existncia. Debom ou mau grado, compondo-se desa je i tadamente com suas t ra-d ies, os re inos tornam-se Estados e obedecem enf im ao m odelojacobino, composio brutal de robespierrismo e napoleonismo(deixemos de lado o bonapartismo, que ho je quer d izer a lgo tota l-mente d i ferente e que no tem nada a ver ) .Enquanto esses dramas jogam os povos cont ra os povos e oshussardos con tra as searas, a tradio intelectual, subvertida de altoa ba ixo, mantm sua vontade de e luc idao. De Smith a Schel l ing ,passando por Kant e pelos discpulos polticos de Rousseau eGoethe, o pensamento, instruido pela Idade das Luzes, obst ina-seem nada perder , nem do acontecimento nem do concei to. Diantede uma nov idade que o arrebata e , ao mesmo tempo, o a terroriza ,inventa novas perspe ct ivas, expresses or ig inais, domnios inex-plorados.. . ulklarer extremado, Hegel nada querer perder do quese passa nessa profuso de acontecimentos, ideologias e pensamen-tos. Ser seu arquivista genial. E isto eta necessrio? No teriavalido mais a pena ser um desses inventores originais que, atendo-sea um determinado campo, tentam esgotar suas signif icaes? .Porhumildade talvez, ou pelo sent imento de imp otncia mal conscienteque lhe dava sua si tuao de professor -a lemo de f i losofia, Hegelpreferiu ser coletor, no apenas das ideologias de seu tempo e dosacontecimentos no s quais elas pretendem encontrar sua justif icativa,mas tambm das raizes ant igas dessas ideologias mlt iplas.Seja ou no inventor da dia lt ica, Hegel , de qualquer mo do,uma testemunha e xtraordinria. Nada do quetevesent ido e alcance,em seu tempo de pensamento, escapa ao seu saber. A extenso epreciso de sua informao quer se trate de qumica, filosofiapoltica ou histria da arte so admirveis. Mesmo que fosseapenas esse coletor cientifico, teramos a obrigao ns, queaceitamos to facilmente a idia de que o saber compilao cien-tifica de compreender em tomo de que princpios se organizae rene a coleo hegeliana Em outras palavras: mesmo que H egelfosse um f i lsofo entre outros, aquilo pelo que se interessou foradopelo seu tempo o situa numa ptica que faz dele um filsofodiferente dos outros.Alis a posteridade imediata ou quase im ediata no se engano unesse ponto. Em vida - pelo menos a partir de 1818. Hegel erabastante clebre. E cont inuou sendo, aps sua mor te, ao menos

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    12 HEGEL I N T R O D U O 1 3durante dez anos, at impor-se, com a ascendo de Frederico Gui-lherme IV ao trono da Prssia, a reao dirigida por Schelling. De1831 a 1840, o ensino oficial da Alemanha reivindica o hegelia-nismo. Victor Cousin, aps uma visita a Heidelberg, mantm como filsofo uma copiosa correspondncia, em que pede explicaessobre um sistema que ele no compreende e que o fascina. Porm,mais importante que a sensibilidade dos professores (muito maistributria da moda do que eles crem; foi preciso, por exemplo,um sculo para que houv esse de novo um interesse srio por Hegelna Frana, e em 1945, apesar das obras e das tradues de A.Kojve e 1. Hyppolite, o ensino de Histria da Filosofia, na Sor-bonne, parava em Kant), a atitude dos pensadores.Pelo menos trs dos tericos que esto na base da pesquisacontempornea tomam o hegelianismo como referncia principal.Foi contra a pretenso hegeliana de reduzir a subjetividade a ummomento da constituio finita do Esprito infinito que se construiuo protesto de Kierkegaard; para ele, Hegel foi o professor publ icasord i nar i us ' que, por seu desregramento dialtico, trapaceou nosdados, tornou impensvel e invivel a existncia vivida, conside-rando-a apenas abstratamente e sub spec ie ae tern i, eliminou o valorexaltante do desespero, compreendendo-o como simples momentoparcial e'provisrio no caminho do Saber absoluto, fez a idia deimortalidade perder seus recursos mais belos, identificando-a coma onitemporalidade da Idia, e que destruiu, com sua obstinaoem estabelecer o imprio da Razo, a necessria e perturbadoratenso que est no corao do hom em, ou seja do Ser, a tenso doFinito e do Infinito. Hegel o professor que tudo pensou e que,finalmente, acreditou que tudo se acabava, aps a dura semana,nos "domingos da. Histria". Retoma sempre, no entanto, cadams, cada ano, o tom cinzento das "segundas-feiras existenciais".Mas q uem teria ento podido viver o reencontro com a segunda-feirase no se houvesse apresentado primeiro uma t eor i a da semana edo seu desenrolar? A pendia de J se alimenta da riqueza intelectualde Hegel. tambm a pletora terica que o jovem M anr condena emfuno dela que ele se situa e desenvolve a critica que, muitosanos depois, o levar 'a definir essa cincia da histria que omaterialismo histrico. Provavelmente justo dizer, com L. Alt-husser. que Marx jamais foi, propriamente falando. hegelianor.Numa primeira etapa, ele foi, com seus amigos que se diziam

    "hegelianos de esquerda", kantiano, ou pelo menos discpulo deum voluntarismo moral e poltico herdado da Idade das Luzes;mm segundo momento, crtica feuerbachiana que ele se apega;e s quando realmente se liberta Os o ter feito algum dia comple-tamente?) dos a priori ideolgicos da filosofia da histria hegeliana.d que pode tarar-se marxista.Nem por isso menos verdade que quando ele se inscrevena perspectiva de Feuerbach, quando critica, por referncia rea-lidade social efetiva, a sistemtica hegeliana, que prepara a rupturadecisiva. Refletindo como leitor instrudo pelo realismo bege-limo sobre a interpretao ennes e moralizante que seuscompanheiros no-hegelianos do aos Pr i nc4nos da f i l osof i a dod i re i t o , descobre os conceitos, graas aos quais vai elaborar suateoria revolucionria do Estado... E, cima, simples "coquetismo"de Marx forar a marcha dialtica begeliana do C a p i t a l . Mas,mesmo sendo "coquetismo", bastante significativo. Implica como lembrar Lenin, nem sempre to feliz em suas formulaesterico que toda anlise cientfica, toda produo de conceitosque garante uai efeito de conhecimento legitimo e eficaz passapela lgica hegeliana', mesmo que seja apenas para ultrapass-la(ou mesmo ir contra).Mais sria, mais significativa, mais eloqente ainda parece arelao negativa, tambm ela que Nietzsche introduz; tudose passa, no tirado, como se um dos princpios de avaliao talvez omais importanteadotado porNietnehe seja-o julgamentoque se deve Cear sobe Scrata-PWBo, de um lado, e sobre oidealismo kantiano e soba Hegel, do outro. O platonismo primeiro elo da carente e o hegelianismo e seus epgonos o ltimo so os elementos determinantes desse devir que levam advento do niilismo. G. Delemd tem muita razo ao salientar:"O aati-hegelianismo atravessa a obra de Nietzsche, como o fioda agressividade." Na obra hegeliana, realiam-se e organizam-selogicamente os meios de_fazer triunfar o ressentim ento, as forasCativas e equalizadoras que esto na origem da vontad e filosfica:melhor que todos os idealistas, Hegel, para o autor da Gaia Cincia,ps em ao as fraudes que presidem os exerccios rituais dostaumaturgos da razo dominadora.A dialt ica, como estrutura do discurso, o procedimentopelo qual o filsofo julga assegurar a integral transparncia doSer, dialtica que tem a mgica virtude de estabelecer a corres,-

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    '1 4 HEGft INTRODUO . 15pendncia correta entre os momentos do pensamento e a diver-s idade s is temt ica da ex is tnc ia Desempenha o papel da t ragd ia,i n s i st indo na p re sena das con t rad i es : - no passa de um j ogo,que no tem nem mesmo a seriedade dos jogos infantis, poislogo retorna ao ot imismo or ig inr io dos pregadores morais , cer tosem sua suf ic inc ia un iversal de que tero sempre a l t ima palavra,aqu i chamada : s n te se . E la , que p re tende e l im ina r todos os p re s -supostos, pressupe a realidade (isto , a possibilidade) de umacomp le ta reve la o d a ve rdade da ex i s tnc ia . Deus com preendeuoutrora que, se queria : sobreviver, devia descer terra: fez-seRazo. Com Plato, com o cristianismo, falou grego; com Hegel,emprega o jargo dialtico.Ora, Deus sempre es teve m or ta p o fantasma f inalmente am-vel de Deus que o Saber absoluto hegeliano veicula. A oposiode Nietzsche a Heg el bruta l, sem m eios- termos; e cer tamen te no observando a nalog ias terminolg icas e as ressonnc ias nac ionaisque poderemos reduz i- la . Ma is que Kierkegaard, e tanto quanto oMarx da m atur idade, N ietzsche es t em ruptura com o hegel ianismo.Poderamos dizer -de uma forma esquemtica, e utilizandoo prprio vocabulrio da Cincia da lgica que a tica deKierkegaard a negao abstra ta da de Hege l: o que e la nega, of a z com os me ios tomados empres tados concepo que re j e it a ;por i s so , o sub j e t i v i smo do Tratado do desespero corre o r isco deser apenas apesar da profundidade e verdade de sua co ntes tao um elemento do sistema a que se ope: o filsofo hegelianoestar sempre em seu direito, porque Isso faz parte da lgica dadoutrina admitir, integrar, isto , reduzir o protesto do indivduoinebriado de infinito: no demonstre o sistema que est precisa-mente na na tu reza do ind i v duo pro tes ta r , e des sa mane i r a?A negao de N ie t z sche como a que a ob ra de Ma rx imp l i ca efetiva. Situa-se del iberadamente fora dos valores que estona or igem do d i s cu rso hege l i ano. Cons t i tu i e s te l timo no comoerro ou af i rmao, m as com o to l ice, aberrao ou v io lnc ia (acei tae inacei tvel) . Contudo; essa m esm exter ior idade rad ica l , def in idapor e la, e cu jas conseqnc ias desenvolve, no pode deixar de tera ver com o que nega. No que as teor ias de Marx ou de Nietzscheno possam se r com preend idas jama is como e lemen tos da t eo r iahegel iana. E las no depende m log icamente do sa ber como o def ineHegel: es to l igadas a e le ideologicamente ou; caso se pref i ra, his-tericamente.

    Em sum a, Hegel nos interessaporque provocou a c lera ingnuade Kierkegaard, mestre pensador de tudo que h de ex istenc ia l ehuman is ta na pesqu isa con tempo rnea : In te re ssa -nos m a is a indaporque s i s tema t i zou os conce i tos segundo os qua i s e sses " inven-tores" que so Marx e N ietzsche ju lgaram ter de def in i r sua vontadede i r a lm, a lm dessa repe t i o en f adonha que a h i s t r ia con-ceb ida segundo as normas da rac ional idade-rnetaf is ica.Hege l no apenas a ocas io, para K ierkegaard de se qu eixar, para Marx de realizar, para Nietzsche de recusar: ele determinaum horizonte, uma lngua, um cdigo dentro do qual ainda nose n con t r a mos hoje. Hegel, portanto, nano Plato: aquele quedelimita ideolgica ou cientificamente, positiva ou negativa-mente as possibilidades tericas da teoriaDepois de evocar essas re laes de terminantes , nos perm it ire-mos deixar de lado as 'filiaes propriamente filosficas. certoque a obra hegeliana leve uma grande influncia: sobre Taine,Bradley, Craca, entre outros..Isso no nos interesse. O que interessae nos d vontade de ir mais adiante de outra ordem. -A recusaabstra ta de Kierkegaard, as recusas efet ivas de Marx e Nietzscheass ina lam um problema, cuja com preenso essencia l no somentepa ra o en tend im ento da evo luo in te le c tua l no scu lo XIX, mastambm da s i tuao contempornea do pensamen to; Hegel rea l i zou sonho do Saber a bsoluto. Expl ic i temos: real izou-o, no se l imitoua vis-lo, esper-lo ou promet-lo. O discurso hegeliano englobas i s tema t i camente o con jun to dos conhec imentos te s tados , ana l i sasua autent ic idade, fundam enta suas re laes e jus t i fi ca , a cada etapado percurso, seu prprio estabelecimento. O ideal cartesiano demathesis universolir a tua l izou-se num a ob ra , num a teor ia , que ao mesmo tempo uma prtica, pois se constitui como teoria daprt ica e se constr i , ass im, como prt ica ter ica legit imada.Poder amos ter , c laro, dvidas sobre a pretenso e a ser iedadedo em preendimento e, de qua lquer modo, sobre o sucesso. Ml t ip losi nd c i o s , s e p res ta rmos a teno , bem de pres so nos desv iam dessecet ic ismo. Trata-se, pr imeiro, de que essa pretenso n o nova: inerente prpria deciso filosfica e j Plato achava que possvel ser sbio- ou seja articular um sistema de respostas atodas as perguntas essencia is que um hom em pode se colocar. Semadmitir as virtudes de um devir cumulat ivo do pensamento, pode-mos supor como no absurda a idia de que Hegel elaborou talsistema. Observemos tambm qu e pelo menos dois tericos fora

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    INTRODUO 1716 HEGEIPlato e Hegel tambm pensaram que possuam o Saber sufi-ciente: Aristteles e Spinoza. E notemos que o autor de A cinciada lgica, se no pra de pensar em Plato, no cessa de referir-sea esses dois mestres do classicismo metafisico.Um devaneio acrescentado a outros trs no prova, diro.Ainda assim, a vontade filosfica no se desmentiu durante vintee quatro sculos, e , com. muita exatido, coextensiva a essa civi-lizao ocidental na qual sabemos que ela , hoje, direta ou indi-retamente dominante. Tambm devemos rejeitar como fteis as;objees daqueles que alegam e diversidade, a especializao e a'positividade das cincias para invalidar a noo de um Saberabsoluto. As disciplinas experimentais mesmo quando militam,em nome de suas m odalidades de desenvolvimento, contra a tcnicademonstrativa adotada pelo filsofo permanecem situadas natica dessa razo metailsica, cujas categorias e fundamento Heg elquis (e talvez soube) Jetenninar. O Sab er absoluto no da ordemdo devaneio:. corresponde a uma deciso. Essa deciso, outroratomada pelo ateniense Plato, teve uma oportunidade excepcional;conjugou-se com outras decises, as de Cristo e dos cristos, emparticular. Assentou-se na racionalidade contempornea. No sepoderia rejeitar suas conseqncis em nome de "Mos" que ascoutradistessem, pois o estabelecimento desses "fatos" funoprecisamente da deciso intelectual constituindo-os como tais.A obra de Hegel articula-se sobre a de Plato. sua culminao.Ora, o que ela realiza teoricamente, a civil izao contempornea,em sua atividade cientifica, tcnica, administrativa, efetua pratica-mente. Evidentemente, do mais alto interesse, para ns, cotejarrealizao terica e efetividade prtica, determinar as. correspon-dncias e as discordncias entre a representao que a "cincia"d da "realidade" e esta, de modo a podermos de fato compreen-d-la Esse relacionamento que impe a obra hegeliana, e sobre oqual precisaremos discutir aqui, ser, cada vez menos, um meiode provar a validade.de does hipteses conexasf aquela seg undo aqual o estado industrial ama conseqncia atravs de vriasmediaes genealgicas de filosofia (isto , do idealismo pla-tnico), e a que pretende que o hegelianismo seja, ao mesmo tempo,a realizao (terica) da filosofia e o pensamento da modernidade em sua essncia.Assim, tentar compreender o que Hegel quis, como falar doque quis Plato (num outro sistema referencial), falar da origem,

    da significao, do destino de racionalidade, no seu devir contin-gente e bizarro, que o pe de frente ora a uma coisa a prdicade Cristo , ora a outra o desejo de conhecer e dominar o quese denomina a natureza , ora a ainda essa outra coisa darvalor ao fragmento biolgico que o homem. Mas h a obrarealizada. Atravs dela, essa vontade se manifesta; mas sem d vida,nela, aparece outra coisa, que temos de reexplorar e cuja indicaopode ser preciosa.Sejamos precisos: quando evocamos a possibilidade de umtexto com pleto ou com lacunas que, entre as linhas da escritahegeliana, seria dado ao leitor atento, no queremos de modo algumfalar de um material oculto que mostraria, uma vez revelado, asmotivaes profundas do escritor (conscientes ou inconscientes).No se trata de uma pseudopsicanlise, mas de um fato r r dsiamo-lgico. Tomemos um exemplo: os Princpios da filosofia do d ireitodo a descrio do Estado moderno um Estado monrquico,burocrtico e tcnico, do qual somos obrigados a reconhece r, comosalientou ric Weil 1 0 , e qualquer que seja o desdm que por eletenhamos, que essa descrio tinha ento um valor "prospectivo".Os Estados contemporneos menos mal organizados realizam, maisou menos habilmente, mais ou menos canhestrameme, a "realidadepoltica" como a compreendia Hegel. Em certo sentido, podemosdizer que "Hegel tinha razo" uma razo que recorreu ao mesmotempo s normas da cincia filosfica aos critrios da positividadeemprica , pois ele descreveu o que devia advir (historicamente)e determinou por que razes (lgicas) no podia deixar de serassim.Essa "razo", que os fatos confirmam, ns no podemos sim-plesmente tom-la como tal. Na verdade, a concepo hegelianado Estado faz parte de um sistema; em relao a este que elaencama sua legitimidade. Os "fatos" evocados que em simesmos, como fatos, nada provam adquirem seu significadoapenas de sua integrao a um conjunto conceitua) mais amplo. Aidia do Estado, mesmo que se visse revelada pelas realidadesnapolenica e prussiana (e, para ns, pela estrutura dos pasesmodernos), extrai sua eficcia terica sua legibilidade apenasda referncia a outros conceitos, o do trabalho, da propriedade, dodesejo, do reconhecimento, do sentido da histria, entre outros..Ora, no absolutamente certo que os "fatos" que atestam a va-lidade da anlise hegeliana da essncia poltica confirmem esses

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    18 HEGEL INTRODUO 19conceitos, sem os quais esta corre o risco de cont inuar sendo umaretrica vaz ia promovida p osio de teor ia. o cont rr io o que,aos poucos, se assegura: em relao ao d esejo ou ao trabalho, paranos atermos apenas a esses dois exemplos, a pesquisa hegel ianafica no horizonte do classicismo renovado, caracterst ico da Idadedas Luzes que chegava a o f im; mas francamente inovadora qua ndoref lete sobre a natureza do Estado.. .Talvez esteja ai a lacuna do discurso sustentado pelo f i lsofo.Estamos diante de um sistema, ou seja, um conjunto onde tudodeveria se manter e onde tudo, realmente, segundo a exignciaterica mnima, se mantm. Ora h elementos dessa totalidadediscursiva cuja validade se impe empiricamente (queremos dizer:seqncias conceituais cuja legit imidade nossa experincia tericaatual nos permite reconhecer), e outros cujas carncias fcilaval iar . Pode um a boa resposta pergunta "Que o Estado?" viracompanhada de uma resposta zombeteira a uma pergunta malcolocada sobre a essncia do trabalho? Como podem coexistirteor icamente com problemas e solues fa lsas as perguntas boase ruins, eis um dos enigmas que a tentativa de compreender osent ido da f i losofia hegeliana deve aceitar salientar, sem esperan ata lvez de deci f rar .O sistema terico de Hegel parece um pouco truncado. Oque acabam os de dizer da questo pol t ica se apl ica, sem dvida Ar te ou 8 Rel ig io. O discurso que tudo quer dominar se pe rdeem sua loucura imperialista: acaba confundindo o argumento ea prova, a informao e a razo, o encadeamento (lgico) e acausa (epistemolgica). Assim, no texto, insinuam-se lapsos qu eteremos de desvendar e que sero significativos da natureza edos limites no apenas do pensamento de Hegel, mas talveztambm da f i losofia especulat iva em geral . E, nessa operao delevantamento de pistas, os trs pensadores que acabamos 'delembrar nos fornecero muitas indicaes. Na verdade, Marx emseu per odo de formao no fez out ra coisa seno apontar o quea teoria hegeliana do Estado implica e o que ela no v opapel real da propriedade privada; Kierkegaard, por seu lado,insistindo na funo da subjetividade, destacou o carter diale-ticamenre insuficiente da tentat iva de reduo efetuada por Hegel;Nietzsche, enfim, revelou o que o sistema no fala o que calae no pode deixar de calar: a vontade que est na origem doprpr io sistema e da sntese dia lt ica.

    H pelo meno s, ao que parece, um interesse tr iplo em ler Hegel.Herdeiro do Aufklrang, ele pensa tambm uma poca em que sedesenvolveram as condies determinantes de nossa atualidade, emque se const ituram a "sociedade civil" (que chamaremos de "mun-do da produo") , o Estado nacional, a C incia ( l iber tada por Kantda dupla hipoteca dogmtica e ctica), a Tcnica, administrandocokas e pessoas. Filsofo, ele recolhe, com a vontade de no deixarescapar nenhum fio da tradio da metafisica ocidental, e constri,audaciosamente e com uma espcie de fervor lgico, a' cinciasistemt ica que real iza essa t radio. Pensador , veicula com ocontra a vontade as perguntas, prat ica os deslocamentos con-ceituais, produz os lapsos (ou o lapso) que indicam a signi f icao,a essncia e a carncia da lgica da f i losof ia; como real iza p lena-mente uma vontade, Hegel nos permite apreender o sent ido de la eapreci-la. Dissemos desde a pr imeira f rase deste ensaio: quandose trata de Hegel, da natureza e do destino do ato de filosofar(e de suas conseq ncias) que se trata. pois a idia da f i losofia como a co ncebe Hegel sobretudonessa obra de maturidade que A cincia da lgica que tenta-remos apreender em pr imeiro lugar , compreendendo-a como m o-mento decisivo do devir da racionalidade ocidental: tentaremosmostrar que a d ia lt ica hegel iana o m odo discursivo que impl icanecessar iamente a real izao da f i losof ia. Examinaremos em se-guida as conseqncias do "sucesso" de Hegel: acompanharemos,recor rendo a a lguns exemplos pr iv ilegiados, o t rabalho dia lt ico esua fora expressiva. Indicaremos, enfim, no que culmina essaexpresso.

    Numerosas, sem dvida, so as concep es f i losficas atuaisque ignoram o hegel ianismo, seja porque endossam o em pir ismolgico ou um naturalismo cientista, seja porque se entregam sressalvas husser l ianas. Esto na fa lsa signi ficao dos com eosabsolutos e, ademais, se privam de um bom ponto de apoio. melhor como Marx e Nietzsche comear por Hegel, vistoser ele um fim.Quanto a saber o que existe de vivo e mono em Hegel", tarefa de u m esq uar te jador , no de um f i lsofo.

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    A constituio do sistema

    Os trabalhos de juventudeFala-se da rvore da liberdade, que, dizem, Hegel e seu jovemcomp anheiro de universidade, Schel l ing, p lantaram em Tubingenpara celebrar a Revoluo Francesa. Isso pode ser urn comeo: emtodo caso, lendr ia ou no, jamais o a utor de A cincia da lgicaa renegou ou negou.Has pesquisas apaixonadas d o jovem professor que se conferiua tarefa de "pensar a vida' r". Dos vinte e trs aos trinta e um anos quando preceptor em Berna, e depois em Frankfurt Hegel,ainda inteiramente mergulhado em seus estudos d e teologia, esfor-a-se por definir a significao do cristianismo e compreender,atravs dele, a essncia do mundo modera. A questo logo seampl ia. No se t rata mais apenas de apreender o sent ido da v idade Jesus, mas de elucidar a profunda re lao que une C r isto e odestino do povo judeu. Em termos mais amplos, impe-se o pro-blema filosfico e histricoda passagemdo mundo pago para ouniverso cristo, da Plis harmoniosa e livre, mas limtada pelohorizonte de sua finitude, subjetividade, inquieta e portadora doinfinito, s voltas comos atalhos da histria conquistadora. Maisamplamente anda, h enquanto atuamas mltiplas e anda macontroadas influncias de Montesquieu, Obbon, Rousseau, AdamSmth, Steuart, Herder, da Revoluo Francesa e de seu inimgodeclarado, !Judie a vontade de capturar na armadilha da inteli-gibilidade essas foras profundas que movema humandade, e queno poderiamser nemas decises contingentes dos indivduosempricos nemos desgnios da razo fria. J existe a descobertada8/1tlichkeir dessa rede complexa e muitas vezes pouco cons-

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    2 2 HEGEL A CONSTITUIO fio SISTEMA 23ciente de valores, motivaes e recusas, que animam, numa deter-minada poca, a tradio se mesclando novidade, a vontade deumpovo, e lhe conferemseu "esprito" Sttlichket mas pode-rosa, de fato, que a moraidade, cujo idea os filsofos julgaramter de determinar. Aos resultados que obtm ento, Hegel ser fiel.Ele os integrar Fenomenologia do esprito e s Lies sobre afilosofia da h istria.H, a partir de 1801, o ingresso na arena terica, comapublicao emjulho desse ano do texto sobre aD iferena entreos sistemas filosficos de Fichte e Schelling em relao a umaviso de c onjunto mais livre sobre o estado da filosofia no comeodo sculo XIX, com a fundao, com Schelling, do Jornal Crticode Filosofia, onde apareceram, em 1802 e 1803, artigos importantes,entre os quasF e Saber, como subttulo Filosofia da reflexoda subjetividade na integralidade de suas formas, enquanto filosofiade Kant, Jacobi e Fichte. Hegel apresenta-se ento como defensore dscpulo de Scheling. Uma letura atenta escarecda peosescritos posteriores revea no entanto que a adeso do masveho ao mas novo no. tota. J aparecemumoutro mtodo eum outro rigor. klegel no deixar de apoiar a crtica radical a Kante a Fichte (que acredita ser seu continuador) e o questionamentoa Schelling . que se tomar, pouco depois, uma oposio aberta.Como testemunha o prefcio da Fenomenologia do espirito, ele e continuar sendo o adversrio deciddo ao mesmo tempo dafilosofia crtica, para a qua "o que se denomna medo do erro sefaz antes conhecer como medo da verdade, e da intuio ro-mntica, que impe, brutalmente e sem prova, o sentimento neces-srio do Absouto.H os clebres textos do outono de 1806 e do inverno de1806-1807; a carta a Niethammer: "Vi o imperador essa abrado mundo sair da cidade para fazer reconhecimento: realmenteuma sensao maravilhosa ver um tal indivduo qu e, concentradoaqui nu m ponto, montado num cavalo, se estende sobre o mundoe o domina!': a carta a Zelmann: -G raas ao banho de su a revolu o. a noo francesa nofoi libertadaapenas de instituies q ue o espirito humano sado da infinda haviaultrapassado, e que por conseguinte pesavam sobre ela, como sobreas outras, como absurdos grilhes; mas alm disso o individuo sedespojou do medo da morte e do ritmo habitual da vida. ao qual a

    mudana de c ircunstancias retirou toda a solidez; eis o que lh eproporciona a grande fora da qual ela d prova diante das outras.Ela pesa sobre a estreiteza do esprito e a apatia desses ltimos que,obrigados enfim a abandonar sua indolncia em favor da realidade,sairo de uma para entrar na outra, e talvez (como a profundidadeIntima do sentimento se conserva na a o exterior) v enam seu se-nhor."A. Kojve compreende Afenomenologia daespirito e, a partirdela, toda a obra de Hegel, como um panegrico no sentido deIscrates do heri Napoleo, executor das mais elevadas obrasdo Esprito e admnstrador, at na derrota e pea marca que lhedexou, do devr da Idia. E temrazo. O Estado burgus, revo-lucionrio e napolenico, em sua essncia e evoluo continuarsendo ummodeo at o fimpara o professor dasLies sobre afilosofia do direito.

    Hegel, a metafsica e a histriaE no entanto, mesmo que escarecesse nossa letura, nenhumadessas referncas a doutrinas ou acontecmentos, prximos oudstantes, nos permte chegar a uma boa compreenso do queconstitui o gno especifico de Hege. Ele encontra suas razesemoutra parte, numlugar cuja determnao remete ao destinomesmo da metafisica, isto . do pensamento no Ocidente (ou,caso se prefira, da Lgica, no sentido forte e precso do termo).No que dz respeto s doutrinas, Lucien Herr observou clara-mente "A evouo (de Elege) fo autnoma e interamentepessoal. Mostram-no habitualmente como continuandd e concluin-do o pensamento de Scheling, que continuou e desenvoveu adoutrina de Fchte, continuador ee prprio do pensamento deKant. Talvez essa concepo do valor sucessivo dessas doutrinastenha uma verdade esquemtica: certo que no uma verdadehistrica. Quando Hegel deixa Tbingen, conhece superficialmen-te o kantismo moraista e vulgar; ma se conhecemos escritosde Kant. A formao e o desenvovimento de seu espirito, in-ciados em Rema , quase sem l i v ros , comp le tam-se em F rank fu r t :lemos mais ou menos certeza do que ele conhecia da doutrinade Fichte e da produo filosfica de Schelling; essas leituras

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    24 HEGELes t imu la ram, mas no d i r ig i r am a m archa de seu esp r it o . Quandochega a lenta, tem trinta anos, e j redigiu todo um sistema quedenota uma clara conscincia da estrutura essencial e definitivade seu pensamento. A adeso completa e refletida que deu sidias de Schelling foi para ele uma oportunidade de receberuma disciplina tcnica e metdica que seu esprito ainda noconhecera. Foi para ele um exerccio dialtico e um jogo til; aFenomenologia prova que o con tedo dc seu pensamento no f o ipor i s so nem m od i f icado p ro f undamente nem obs t ru do por m u i totempo. Mais tarde, foi prec iso que e le acred itasse e demonstrasseque seu sistema supunha, absorvia e conclua o de Schelling;sem dvida, jamais . imaginou que descendesse dele por gnesedireta '^." Renunciemos, j que os textos a isso nos obrigam, idia, clssica na Frana, segundo a qual Hegel foi uma espciede super-Kant, integrando e fazendo frutificar, sua maneirad ia l t i ca , a s duas pa r te s da h e rana do pensad or de Koen igsbe rgque o idealista Fichte e o romntico Schelling haviam utilizado,cada um ao seu m odo e co n t rad i to r iamente . Hege l no "conc i li a "nem "ultrapassa" mais Fichte e Schelling do que Plato disperetrospectivamente as relaes de Parmnides e Herclito, ouKant a s de Wol f e Hum e. te r i co e , com o ta l , e s f ora -se te r i cae empiricamente para resolver problemas dispostos na tradioe no presente, e que vo alm, de qualquer modo, de disputasdoutr inais .Quanto experincia pessoal, quer se trate da experinciaintelectual de .um jovem fascinado pela tragdia da "conscinciain fe l iz" ou pela imagem da c idade grega, quer de sua reao d iantedas perturbaes de sua poca, a inda Mo da ordem do sa ber. E lamanifesta mot ivaes e no razes; def ine uma rea l idade, no umaverdade. interessante, mas no dem onst ra nada. Interessa a Regei que est morto no ao hegelianismo, que est vivo. Almd isso, por mais surpreendentes que tenham s ido as capac idades does tudante de Tbingen e do docente particular de Iene, ela pertenceao domnio do lugar comum. Mais precisamente, s ganha seuve rdade i ro a l cance quando un ida a um a expe r inc ia ma is amp la ,que no mais prpria de Hegel, a experincia da intelligentsiaalem quela poca.Esquematizemos mais um pouco: esse gnio especifico deHegel, a que nos consagramos, tem um lugar preciso; o que de-termina esse lugar o encontro, a interseco de uma situao

    A CONSTITUIO DO SISTEMA 2 5claro, histrica e de um hbito da cultura. Essa tradio a da metafisica, geradora tanto da racionalidade grega e dodiscurso teolgico quanto da revoluo cientfica, cujos arautosforam Galileu e Descartes; ela definiu, apesar de sua aparentedispar idade, no apenas o espao da at iv idade ter ica, mas tam bmsuas moda l id ades de func ionamen to e o seu f im . Vo lt a remos a e l ait situao a da Alemanha que, depois de Lutem, se tornouempiricamente terica, que se debate entre conce itos admirve isde rigor e profundidade, de ideologias plenas de seduo ou dearrogncia, e uma prtica que, aqui e ali, resplandece por umaao notvel ou um personagem exemplar, mas no consegueorganizar-se como prtica ordenada, eficaz e significativa. AAlemanha, nostlgica e inquieta, integrou a Idade das Luzes: eo fez to bem que lhe deu seu patronmico oficial, AuJkldrung.Res is t ir to bem a uma out ra nov idade, a que Impem a revo luoindustrial dos ingleses e a revoluo poltica dos franceses, no-v idade que se m an i f e s ta nas p r t ica s que todo pensador m a is oumeno s a ten to p re ssen te no se rem desp rov ida s de conce i tos?Ad ian temos nossa h ip te se de pesqu isa : Hege l pensou que atradio por ele escolhida a da metafsica - devia permitir-lhe,desde que e le a conc lu sse e superasse, "reduz ir a s i tuao, com-preend'-la, no duplo sentido desse verbo: tom-la inteligvel edomin-la de fato, indicando que atitude legitima e inteligenteadotar para seu objetivo". Hegel a metafsica, compreendidaenfim em sua essncia, ou seja, como lgica rigorosa do Esprito(ou do Ser); erguida contra as revolues inglesa, americana e.f rancesa, a rac ional idade consc iente de seu verdadeiro ob jet ivo,co lh ida en t re seus p rp r ios p rodutos , con t ra os qua i s se insu rge ,despreza e teme , e uma patern idade cujas conseqnc ias no podeelud ir . Como se pode, ao mesmo tempo, acred i tar que com Plato,Ar is tte les , Spinoza e Leibn iz , progress ivamente, a humanidade serealizou, e aceitar, como pertencendo mesma necessidade, aindstr ia manufaturei ra, Robespierre e Napoleo inspec ionando ospos tos avanados? a quad ra tu ra hege l i ana . Esse p rob lema , naaparncia insolvel, Hegel o resolveu na Cincia da lgica, etambm nas Lies sob re a filosofia da h istria.Como conseguiu? Para tentar sab-lo (e, ao mesmo tempo,ver i f icar essa h iptese de pesqu isa) , vejamos em primeiro lugar deque modo se apresen ta a situao alem como fo i dado a Hege lapreend-la.

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    2 6 HEGH A CONSTITUIO DO SISTEMA 27O contexto intelectualOutubro de 1818. A Europa est pac i f icada e a Santa A l iana impesua organizao. A Alemanha, que foi profundamente convulsio-nada, reencon t ra sua ordem, seus son hos , e a rea l idade. Na Prss ia ,a trad io, sol idamente re insta lada, re integra as " l iberdades" co mque teve de consent i r no momen to de per igo. Das margens do Neva embo cadura do Te jo , em toda pa r te , restaura-se. Hegel quebe ira os c inqenta anos j est de posse de seu s is tema DeixouHe ide lbe rg , onde f o i p ro f e ssor duran te do i s anos , e a t inge a con-sagrao. Acaba de ser chamado a Berlim, para a ctedra defilosofia, a mais cobiada da Alemanha. Pronuncia seu discursoinaugural:Ao me apresentar hoje pela primeira vez nesta Universidade naqualidade de professo- de filosofia funo para a qual fui chamadopelo favor de S.M . o R ei, permitam-me dizer neste prlogo o quanto,no qu e me diz respeito, considero particularmente desejvel e agro-dvel dedicar-me a uma atividade acadmica mais importante, exa-tamente neste momento e neste lugar. Quanto ao momento, pareceterem-seprodhaido circunstancias em fav or das quais a filosofia podede novo prometer despertar a ateno e a simpatia, e essa cincia,quase reduzida ao silncio, pode ter esperanas de novamente elevara voz. Na verdade, ha pouco tempo ainda, era, de um lado, a misriada poca q ue atribula grande importdncia aos interesses mesquinhosda vida c otidiana e, de outra parte, eram os grandes Interesses darealidade, o interesse e as lutas para restabelecer antes de mais nadae salvar em sua totalidade a vida poltica do povo e do E stado, quese apoderavam de todas as faculdades do esprito, das foras de todasas classes, assim como dos meios exteriores, a tal ponto que a vidainterior do esprito no podia ter um pouco de tranqilidade. O espritodo universo, t o ocupado c om a realidade, atrado para o exterior,via-se impedido de recolher-se ao interior e a si prprio, para devol-ver-se sua ptria'e nela usufruirde si mesmo. Hoje, quando essatorrente de realidade se partiu e a na o alem sahma de maneirageral, sua nacionalidade, fundamento de toda vida verdadeiramentevivente, c hegou tambm a h ora do livre imprio do pensamento flo-rescer no Estado, da maneira que lh e prpria, ao lado do gov ernodo mundo real. E a pujana do espirito se fez valer nessa poca, atal ponto que s as idias individuais, e o qu e lhes c onforme, so

    o qu e pode hoje, de maneira geral, se manter, e o q ue qu er ter algumvalor deve justificar-se diante da whndoria e do pensamento. Foiespecificamente este Estado que me acolheu que por sua preponde-tia intelectua{ se elevou impondncia q ue lhe convm no mundoreal e poltico, tornando-se igual em poder eindeperdncia a Estadosque lhe teriam sido superiores por seus meios externos.N este Estado, a cultura e o florescimento das cincias so umelemento dos mais essenciais na vida do Estado. preciso tambmque nesta Universidade a U niversidade do centra o centro da culturado esprito, de toda ci ncia e de toda verdade, a Fi losof ia , encontreseu espao e seja por excel ncia um objeto de estudo.N o apenas de uma maneira geral, a vida esprito qu econstitui um elemento fundamental da existncia deste Estado, pormmais precisamente, ess grande luta do povo unido a seu prncipepor sua independncia, pela ruiva de uma tirania estrangeira e bdbat ina. Foi a fora moral do esprito que, tendo sentido sua energialevantou sua bandeira e deu ao seu sentimento o valor de um podere fora reais. D evemos considerar como um bem I nestimv el quenossa gerao tenha vivido, agido e obtido resultados que t m essesentimento, sentimento em que se concentra tudo que direito, morale religioso. N uma a o profunda e universalmente abrangentedesse gnero, o esprito eleva-se em si mesmo at sua dignidadeprpria; a trivialidade da vida e a banalidade dos interesses desapa-recem, e a superficialidade da Intelignc ia e das opinies revela-seem suanudez e se dissipa Essa seriedade profunda qu penetrou aalma o verdadeiro terreno da /R gialosdfia. O que, por um lado, se ope filosofia, a atitude do esprito que mergulh a nos interesses e nanecessidade cotidiana, e por outro, a vaidade das opinies; a almaque sofre essa influncia no tem lugar algum para a razo, que nobusca o interesse particular. Essa frivolidade deve dissipar-se em seunada, quando para o homem tornou-se uma necessidade esforar-sep e l o s u b s t a n c ia l , e q u a n d o s e c h e g o u a o p o n t o e m q u e s e s s e e l e m e n t osubstancial pode se fazer valer. O ra, vimos nosso tempo concentrar-senesse elemento, vimos formar-se a semente cujo desenvolvimento pos-terior, sob todos os pomos de v ista, poltico, moral, religioso. cienirico, foi confiado a nossa poca.Nossa misso e nossa tarefa consistem em consagrar nossosesforos ao desenvolvimento filosfico desse fundamento substancial,atualmente rejuvenesc ido e fortificado.

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    A CONSTITUIO DO SISTEMA 2 98 HEGELSem dv ida , t ra ta -se de um d i scu rso so lene . Hege l o com pecom os hb itos un ivers i tr ios . Nem por isso d iz menos e xatamen teo que quer dizer em tais circunstncias'. E o que quer dizer, oque quer def in i r , sua prpr ia at i tude is to , a a t i tude do ter icoque e laborou o sabe r que pe rm i t iu f i loso f ia tomar -se C inc ia diante da "realidade dos fatos". Assim, indica no apenas que,segundo e le, ou seja, segundo o saber conseqente, se estabeleceentre a at iv idade ter ica e a s i tuao h is tr ica uma relao neces-s ri a , mas t ambm dete rm ina como compreende es sa s i tuao emseu con tedo . es se o pon to no qua l devemos , no mom en to , nosdeter. A situao de 1818, em Berlim, na Prssia, na Alemanha,

    mas tamb m em toda a Europa (Europa que aos o lhos de Hege l ,numa demons t rao que t e remos de ana l i s a r, a A lemanha " s imbo-liza"), entendida cmo resultado. E o que rendia, a p s umatenso dramtica, um apaziguamento. O apaziguamento, se lermosbem, es tende-se a do i s dom n ios , que a l i s r emetem um ao ou t ro .Num primeiro sentido, a `realidade" est agora acalmada: noapenas legitimo devolver trivialidade aqueles que se deixaml e va r pe los d ramas e desv ios da ex i s tnc ia cot id iana , mas j us toreconduzir s suas propores nonnais aqueles que, dedicados sa lvao de seu povo ou do Es tado, se consagraram s necess idadesque, por serem hericas, nem por isso eram menos particulares.Em segundo luga r , e ao mesmo tempo, a op in io se apaz iguou , ei s so na medida em que no pde d e ixar de mani fes tar a s impl ic idadede sua na tu reza pro funda: quase no po de m a i s negar , ago ra queo curso do mundo se tomou sensato, que sua essncia se diluiupor entre os clcu los do in teresse pessoa l e os capr ichos da paixosubjet iva.Em sum a, a s i tuao no permite m ais levar a sr io a prodigiosatormenta ideo lgica que aba lou o pensam ento a lemo desde o Stunnund Drang, ta lvez mais a inda desde. 1789. Entenda-se: no levara srio no significa aqui no levar em considerao - Hegel,segundo toda evidncia, a leva em considerao e dela se nutre, s ign i f ica no crer que no se io dessa ideolog ia d iscordante tenhapod ido despon ta r a f lo r da verdade. verdade de ix emos He ge lprovisoriamente - que o quase meio sculo alemo desde a re-presentao do drama de Kl inger, em 1777, at o trmino das guerrasnapolen icas , ferv i lha de gn io. A inveno ter ica e pot ica ta lvezj ama is tenha s ido to d ensa , to d ive rsa e, ao mesm o tempo, toestre i tamente l igada aos prob lemas soc ia is e pol t icos.

    H sobretudo esseSuorund Drang que se ergue contra ouniversalismo abstrato da Idade das Luzes, que nega Frana e lngua francesa o direito de administrar a razo e organizar ofuturo da humanidade. O movimento pr-romntico: exalta,tanto a props i to da forma l i terr ia quanto do contedo das obrase dos atos, os d ire i tos da subjet iv idade cr ia t iva , ao mesmo tempoaqum e a lm da Razo rac ional , da in te l ignc ia polemica. Porm,mais profundamente, faz valer o gnio especifico dos povos edas l nguas , in t e rpre ta a evo lu o da hum an idade , no como umasucesso mecn ica de opes boas ou ru ins , mas como um a f lo -rao imprevisvel, e no entanto compreensvel, de foras pro-fundas que, como as do cosmos, despontam, brilham, avanam,depois esmaecem, dando lugar a novas cores. Apaixona-se pelad ive rs idade do m undo e dos h omen s . Apega -se a toda nov idade ,Seja e la h is tr ica, geolg ica ou geo grf ica. Ocupa-se em pesquisarPacientemente provas, experincias e documentos, e manifestaessas descobertas poet icamente em construes grand iosas e semcontro le.Mais vigorosamente ainda, inicia uma polmica contra a in-terpretao inte lectua l is ta que a Idade d as Luzes d re l ig io. Aodesmo, s d iversas var iedade s de re l ig ies naturais , ope a so l idezda tradio, quer se refira tradio do Norte a luterana - ou do Sacro Imprio romano-germnico. Contra as dedues doentend ime nto que tema red uz ir a t ranscendnc ia e leg i t im- la pon-do-a ao a l c ance do homem , t ende a r es tau ra r os d i r e it os do sen t i -mento e a f o ra do sagrado. Torna a m ergu lha r a ss im n o. an t igomago mstico da metafsica alem, e reencontra, alm do com-. prometimento do sculo XVIII, uma filiao essencial.Essa orientao de pensamento, no entanto, s adquire seu.va lo r p leno e de scob re seus t emas fundamen ta i s com a Revo lu oFrancesa Esta i r for- la ao rad ica l ismo e, com su as reviravol tas,p rogre ssos e d ramas , i r submet - la a p rovaes que no dem o-ram muito a revelar seus verdadeiros objetivos. Os intelectuaisalemes acolhem 1789 com entusiasmo. significat*a, a esterespeito, a atitude de Klopstock, que l, por ocasio do primeiro.aniversrio da tomada da Bastilha, uma ode, da qual eis aquialguns t rechos:

    Tivesse eu mi l vozes , L iberdade dos Gauleses-E ate poderia cantar-te:

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    A CONSTI7("AODO SISTEMA 310 HEGELMeus tons con t inuariam dem asiado fracos, Divina!Que no fez ela? Mesmo de todos os monstros,O mais odioso, a guerra, foi por ela acorrentado.Crbero tinha ires goelas, e a Guerra milQue uivam no rudo, Deusa, de seus fenos!Ai! b meu pas! Quantos maes sobre a terra!Mas o tempo os curou: no sangraro mas.Uma nca dor que ee no pode aiviarAnda sangrar, mesmo que renascesse mnha vida!A! No s Tu, Tu no, 6 mnha ptria!A primera a gagarOs cumes da Liberdade,Exemplo radiante aos povos em volta!Foi a Frana, e tu, tu no matasteTua sede saboreando a honra mais jubilam,E o ramo sagrado de uma glr ia eternaNo foste tu que a colhe ste!"A admirao grande, mas percebe-se que evocaum certopesar (alm disso Klopstock no hesita. na cont inuao do poema,em fazer da Reforma luterana, gerada na ptria alem, a condioda R evoluo Francesa) . Bastar que aumentem as v io lncias naFrana, e que os franceses responda m mil i tarmente coalizo, paraque se opere um a comp le ta mudana de a t it ude . Ouamos ma isuma vez Klopstock, a lguns anos depois:Ai! Infelizes de ns! Os que outrora dom aramA besta monstruosa destronam eles mesmosA mais santa das leis, a deles: em suas batalhasTomaram-se conquistadores!Se conheces palavras para am aldioar, palavrasJamais ouvidas: amaldioa-os!Nenhum a outra lei a essa lei seassemelhava:Mais terrvel que tudo seja tambm o antem aAos transgressores da lei santaAos traidores da humanidade!E vs. proferi-as em v ossas lgrimas de sangue,Que chorais agora por terdes sabido preverOu chorareis amanh quando o destino bater.Minha bem -amada est mo a e meu nico f i lho, -O ct ico deixou d e julgar-se imortal. '

    No fundo, a m aioria dos intelectuais alemes que no podiamdeixar , a pr incp io, de acolher favoravelmente um a contecimentoque anunciava a renovao pe la qua l e les c lamavam com todos osseus votos e vozes esperava apenas uma oportunidade paratomar distanciamento tanto da Frana quanto de um dinamismopol t ico to profundamente marcad o, ao menos no aspecto externo,delas Luzes. Essa oportunidade lhes foi fornecida pela polticajacobina e pelo imper ia l ismo da Repbl ica Com exceo de Kant- que, apesar de sua inquietao, continuou indefectivelmentel igado obra e signif icao da Revoluo, mesm o que ela fossea expresso anedt ica de um "doce sonho 3 " e Fichte queao menos at o Discurso nao alem considerou 1789 a terceiraetapa, e talvez a mais importante, depois de Jesus e Lutero, nocaminho que leva emancipao da Humanidade"' , o pensa-mento alemo, sob a bandeira do Romantismo, se lana ao ataqueda Frana revolucionria*Essa reao ant i jacobina m as ta lvez seja tambm legi t ima-mente compreendida como reao ant ifrencesa, ant i-Aujkldrrmg (esua concepo da religio natural) ou antiimperialista no sedesenvolve i lg ico, de m aneira ordenada. Mas pode-se, ao esque-matiz-la, indicar suas linhas de fora. Quer ela se ligue porintermdio do ensino de Hamman, "o mago do norte" aopensamento luterano, quer retome, por um movimento de regressoainda mais decidido, tradio catlica e romana do Sacro Imp rio,acaba exa l tando, em todos os domnios, a v ir tude germn ica. Osdesvarios da Revoluo Francesa, as violncias que ela exerceinterna e externamente, os reveses que no deixa de sofrer, so aconseqncia de um erro fundamental: o do sculo XVIII. Assimcomo a experincia profunda exige que se subst itua o racionalismode inspirao matem tica pela pujana da vida, o combinatrio quepassa por pensamento pela espontaneidade subjet iva, o mtodoanal t ico e suas falsas clarezas pelo esforo cr iador do gnio indi-vidual, a vontade de sistema pelo dinamismo eternamente inacabadoda inspirao pot ica, tambm assim a real idade histr ica prova ainutilidade do humanismo abstrato que as tropas da Repblicaexportam com a ponta de suas baionetas e impe o reconhec imentode uma real idade determinante: o Povo.Ora s os alemes constituem um povo, no sen t ido r igorosodo termo. noo d e Estado c omo fato cont ratual , que jur istas etericos polticos tentavam definir, iluso da Nao qual o

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    32 HEGELfanatismo francs tenta dar, pela fora, uma consistncia, ope-sea evidncia concreta do povo. Pois os ingleses e os franceses n oformam realmente povos: eles romperam com suas tradies pro-fundas, no compreenderam a essncia histrica delas, e aboliramto lamente o passado, em favor de um presente mal dominado;estilo, desde ento, como cortados de suas razes e seguem ao sabordos acontecimentos. Assim, no povo alemo, que se manteve p r-ximo de suas origens apesar de Frederico o Grande, e graas lembrana sempre efetiva do Sacro Imprio, graas prdica lu-terana e religiosidade interior que ela engendrou , deposita-sea esperana da humanidade.O nacionalismo de Herdar, do Athenaeum, dos irmos Schlegel,de Arndl, de Novalis no tem ainda a vocao imperial ista que iradquir ir mais tarde: a Alemanha exemplar tem de servir huma-nidade, mas no d omin-la; ela resguarda um destino que, nasoutras daes, se desfia; e dessa assuno faz uma p romessa, a darealizao de uma humanidade superior:Vejo em todas as grandes aes dos alemes, sobretudo no domniodo saber, o germe de uma grande poca qu e se aproxima, e creio quese passaro no interior de nosso povo c oisas como nenhuma gera oM imam; jamais viu. A tividade sem descanso, aptido para penetrarprofundamente no dmago dar col gas, multa disposio para a mora-lidade e a liberdade, eis o q ue encontro em nosso povo. Por toda aparte, vejo os vestgios de alguma coisa que se prepara22

    1806. A derrocada do exrcito prussiano radicaliza a ideologiaromntica. Desta vez, no mais o sentimento que reivindica, adura exigncia da sobrevivncia que se impe. Os foscos acampa-mentos do ex rcito francs i luminam com ou tro luar o sonho dagrandeza alem. As Lies sobre a histria universal, expostas em1807 por Fr Schlege l, os Elementos da arte poltica, de AdemMuller, publicados em 1809, os art igos de A. von Am im manifes-tam, entre outros, com os escr i tos de Amd t, essa vontade demobilizar e realizar as potencialidades germnica contra a estre-pitosa, absurda e irrisria vitria napolenica Sem dvida o povoalemo o primeiro; mas, no momen to, no nivel dos conflitosentre Estados que ele de ve com bater . A atualidade obr iga-o amodernizar-se, a romper com os hbitos polticos tranqilos, cujaat iv idade de C ante, ministro em W eimar, serve como mode lo:Bonaparte relegou Frederico o Grande ao m useu. O romantismo

    A CONSTITUIO DO SISTEMA 33entra em sua fase de at ivismo polaco: apstolo em breve de urnarenovao catlica, esboa o desenho, cujos traos Bismarck, eaps ele m uitos outros, ainda m ais monstruosos, acentuaro.Nesse concerto, uma voz concordante e que, no entanto, vemde outra parte e visa um outro objet ivo. Manifesta-se aquele doqual os romnticos se apoderaram para torn-la seu terico, e queno tardara a tomar distncia. De 13 de dez embro de 1807 a 20de maro de 1 808,1-G. Fichte, diante de um pblico essencialmente.mundano, profere seus quatorze D iscursos nao alem. O textodessas conferncias contm uma p olmica --furiosa c ontra abanalidade do Aufkldnag e uma crt ica no menos furiosa da exaltao romntica; contesta a pretenso francesa de administraro destino do homem; faz valer os mltiplos direitos do povo alemoa pretender-se U rvo povo originrio, povo por excelncia ,contanto que saiba no que est se empenh ando ao assumir suatarefa regeneradora. Entre os idelogos romnticos que se entregamAs furiosas ingenuidades do ressentimento e a agressividade autn-t ica do terico Fichte, h uma comp leta ruptura de tom. De umlado, o sentimento que, ferido, se rebaixa propaganda, do outro,a filosofia que, deliberadamente, se recosa a deixar-se superar pelofato e esfora-se para definir uma inteligibilidade que permita umaprtica efetiva...Os D iscursos nao alem cuja platia imediata, afinal,era medocre serviram de pretexto a muitas operaes, dentreas quais a do socialista Lassalle, que os utilizou, meio sculo depois,para destacar a funo diretora do proletariado alemo na emanci-pao da hum anidade. Eles traduzem, mais profundamente, umestado de espir ito em que se entremeiam, num conjunto onde difcil distinguir a lgica e a retrica, as contingncias polticas ea exigncia conceituai. Hegel, d iretor de ginsio em Nuremb erg,teve sem dvida algum a relao direta com esse estado de esprito.Devemos crer que, para o autor da Fenomenalog la do espirito, issoera ensino. E podemos com preender um pouco m elhor a signifi-cao terica que ele d, em 1818, a esse apaziguamento histrico,apaziguamento que a seu s olhos a condio emprica no apenasda elaborao da Cincia, mas tambm de sua inteleco.O. pensamento alemo terico no mais profundo de si acaba de ser aprisionado num a tormenta. histrica que autorizoutodas as perveises especulativas. Enquanto oAujkldrung, em Kante em Fichte, manifestava, juntamente com verdades essenciais, seu

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    34 HEOEL A CONSTITUIO DO SISTEMA5erro profundo, o Romantismo, do qual Schelling iria revelar-se opensador mais profundo, confessa, pelo l ir ismo descontrolado e asescolhas puer is, sua leviandade ter ica Ent re Napoleo, adm inis-t rador da R evoluo, vencido, e a Prssia i r risor iamente v i toriosa,entre a Alemanha filha de Lutero e a Alemanha neta do SacroImprio,, entre o romantismo, dedicado ao pseudoconcreto e sfantasmagorias da intuio, e a filosofia da reflexo coagida banal idade por seu p rpr io v igor cr i tico, no h o que escolher . preciso ir alm e definir um novo tipo de inteligibilidade.'O drama histrico foi necessrio: nele, e graas a ele, surgiramnovas formas da exis tncia e da conscincia M as preciso rompercom os debates ideo lg icos que gerou, se qu isermos compreendero presente (e o passado que o originou), se desejarmos pensarcorretamen te o futuro. Agora as colheitas brotam. A noite cai sobreos campos de batalha. A coruja de Minerva pode alar seu vo,segura de no ser m ais ofuscada pela falsa luminosidade dos acon-tecimentos e das paixes.Mas a ca lma dos t ra tados e a ordem das a l ianas no bastam:para compreender o recente tumulto das armas e opinies, dar-lheseu sent ido total e remet-lo ao seu lugar, para entend er, de modomais profundo, essa torrente de lgrimas, sangue, discursos e gritosque h sculos oprimem a hum anidade e a conduzem para si mesm a,para conceber a R evoluo, as guerras napolenicas, o nascimentodo Estado moderno (ao mesmo tempo princpio, povo e nao),no como acontecimentos brutos, mas como m anifestaes da duranecessidade, preciso um instrumento. Esse instrumento, Hegel oescolhe, e essa escolha decisiva: para si, isto , para ns que ten-tamos captar quais pode riam ser as mo tivaes tericas do f i lsofoHegel, e em si, ou seja, para ns que no podemos deixar dein terpretar a obra hegel iana como mo mento da racional idade eu-ropia. O meio que Hegel ut i l iza pare pensar o me smo qu e lheoferece a tradio ocidental: a metafsica. a essa dec iso que conduzem suas medi taes de juventude:a ref lexo sobre a v ida de Jesus o convence e a ns de quea viso teolgica insuficiente; os estudos sobre o espirito docr istianismo (e do judasmo) ou sobre a essncia da Cidade gregao obrigam a encarar uma viso do devir mais sistemtica e maiscoesa, onde o concei to circula como em seu lugar pr iv i legiado; aanlise dos filsofos contemporneos Fiche, Schelling, Rein-hold, Jacobi permite-lhe constatar que, onde o conceito esta

    presente, o t ratamen to que lhe inf l igem o toma teor icamen te ine-f icaz: ser que lhe apresentam o dilema, caro poca, dos respec-t ivos direitos do saber e da f? Reco nhecemo s rapidamente que osdo is fa tos no so ser iamente pensados pe los que se aventuraramdessa polmicaOs pol t icos (e os mi l i tares) perderam a par t ida: a m ediocr i -dade ca lcul ista de M et ternich que acaba t r iunfando. Os jur istas seesfal fam para fundam entar em dire i to o que se impe de fato. Oseconomistas descrevem, mas no sabem ao que sua descrio, f m-damentalmente, remete. Os poetas,. alquebrados, tomados surdoss suas vocaes, poetizam na "contingncia" do verbo. Os fil-sofos ensinam, os historiadores descobrem , os f sicos experimentame "inventam" planetas, dos quais, com bom senso, poderamosprescindir. Quanto prtica comum, sufocada na interpretaoideolgica que tem de si mesma, continua a ignorar aquilo paraque tende, aqui lo que quer profundamente.Bastaria uma metaf sica adequada para que essas autenticidadese essas carncias parciais se organizassem e, destruindo-se mutua-mente, se completassem. O m odelo metafsico legado pela tradioMo poderia, contudo, ter essa funo: Ele est inteiramente im-pregnado de divagao e incerteza. preciso definir uma novametafsica que, precisamente. no seja metafsica

    O projeto metafsicoO que antes s e chamava m etafisica foi radicalmente extirpado edesapareceu da srie das cincias. Onde pois s e poderia perceberainda os ecos da antiga ontologia, da psicologia racional, da cosm o-logia, e mes mo da velha teologia racional? Com o pesqu isas sobre aimaterialidade da alma as causas mecnicas e as causas finais,despertariam algum interess e? Paralelamente, as provas tradicionaisda existncia de Deus quase no s o mais m encionadas. a no ser at l lulo histrico, ou pelas neces sidades de enallecimento e elevaoda sentimento. indiscutvel que o interesse dado forma, ao contedoda amiga meaf is ica, ou at aos dois ao mes mo tempo, s e perdeuInteiramente. /..JA velha metafsica tinha, a ess e respeito, um conceito de pensa-mento mais elevado que o que se tornou corrente hoje. Dizia naverdade que o que o pensamento conhecia das coisas e nas coisas

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    A CONSTITUIO DO SISTEMA 3 73 6 HEGELo qu e h de verdadeiro nelas, na medida em que no s o maisapreendidas em sua imediatidade, m as elevadas forma do pensa-mento, tornando-se portanto alguma coisa de pensado. E ssa metafsicajulgava que o pensamento e suas determinaes fundamentais noeram estranhos ao objeto, mas sim constituam a sua essncia; q ueas coisas e o pensamento das coisas como de resto o indica nossalinguagem concorda em si para st; e que o pensamento, emsuas determinaes imanentes, forma com a natureza v erdadeira das'coisas um nico e mesmo contedo.[...]A lg ica objetiva toma o lugar da velh a metafsica, qu e formavaum coreus angico c onsagrado ao mundo e jeito apenas de pensa-mentos Se lanamos um olhar fase ltima que essa cinciaatingiu, temas Imediatamente que a lgica objetivo toma primeiro olugar da ontologia ramo da metafsica -que devia examinar anatureza do eu ; o eis compreende tanto o Ser quanto a Gssmtapara os quais nossa lngua muito oportunamente conservou opressesbastante distintas. M as a lgica obj etiva compreende igualmenteas outras partes da metrglsica, na medida em qw esta buscava al-canar, com os foras puras do penummnto, substratos paladares,tomados de emprstimo acima de tudo representao, como a almao m u n d o e D e u s , e n a m e d i d a e m q u e as determinaes do pensamentocons t ru ram o essencia l & sua forma de considerar as coisas. A lgicaestuda essas formas sem se referir aos substratos e aos sujeitos darepresentao, e examina a natureza e valor delas e m si e para si A'metafsica, pie desprezava esse exame, atraa com justa razo acensura de utilizar suas formas sem cr itica, sem pesquisar previamentese, e como, elas podiam ser determinaes da coisa-em-si (segundoa expresso kantiana), ou apenas determinaes da reo. A lgicaobjetiva , conseqentemente, a verdadeira crtica dosas determina-es, uma crtica que no as considera de um ponto de vista abstrataopondo o a priori ao a po steriori, mas antes se liga a das em seuc o n t e d o p a r t ic u l a r .2 3 m

    Estes trs trechos foram extrados do primeiro Prefcio e daIntroduo da Cincia da lgica. Aparentemente no se conc i l iam:no p r ime i ro , Rege i cons ta ta o des in te re sse do pensam ento de seutempo pelos prob lem as e ob jetes dos quais se ocupava a m etaf is icat rad ic ional; no segundo, enfat ize a excelnc ia dessa mesma meta-f i s ica pe lo men os quanto sua perspect iva de conjunto; no terce i ro ,def ine sua lg ica como c inc ia que, real izando mais ser iamente osob je t ivos do t raba lho m e ta f is i co , deve l eg i timame nte subs t i tu i -l o .Em suma, a metafisica caiu em desuso; no entanto, constitui a

    fo rma m ais e levada da c incia , e chegada a h ora de sua rea l i zaocorretaNo poderamos compreender o que significam exatamenteessas f rmu la s se no nos l embra rmos , an te s de tudo, do sen t idoque tomou a vontade metaf is ica no mago do pensam ento ocidenta l ,e que obstculos seu desenvolvimento teve de enfrentar. Pois,deve-se repet i - lo , na re lao com e ssa vontade que se d eterminao p ro j e to hege l iano; a p rops i to de la que se co loca o p rob lemada m ode rn idade de Hege l : t ambm p rec i so l embra r p re l im ina r -mente sua na tu re za p ro f unda . E no e squeamos a lgumas b ana l i-dades essenciais: a primeira e a mais importante, sem dvida, que a metaf is ica no , jamais fo i , durante todo o seu tempode vida, uma parte da filosofia, aquela que vem no fim, depoisque se fa lou de tudo, que se tocou em tudo, e a inda h a lgo a d izerou alguma realidade a apreender. Ela um modo, uma mane i r a ,r igorosamente determinada em seu ob jet ivo, d ivers i f icada, segundoseu devir, ein seus mtodos de exposio e suas interrogaess ingu lares , de t ratar a f i losof ia, de co locar e reso lve r os prob lem aspelos quais esta se interessa Ser metafisico decidir filosofar deum a determinada maneira, por achar que no se r nem bom nemjust filosofar de outro modo.A partir dai, do problema da metafsica, somos remetidos aoda f i losof ia, ou m elhor , dec iso de f i losofar . No mago do s is temahegeliano e de seus desmembramentos mltiplos, a esttica e apoticaem part icu lar , surge constantemente toda uma inqu ietaooculta, a inquietao de que a filosofia no tenha sua vez, comose diz, que a lgica da filosofia para retomar a expressoadmirvel de ric Weil seja um delrio bem organizado, e avontade de filosofar uma fraude. Que vontade esse ento, e oque v isa? ela que a obra platn ica de f ine, pele pr imeira vez na h is tr iada cu l tura oc idental , de urna forma inequvoca: dela que se t reta,sempre quando u m tex to qualquer se inscreve del iberadamen te soba rubr ica "f i losof ia". sobre e la que todo hege l iano deve re f le t i r ,acima de tudo. Plato parte de duas constataes - a carta VII oatesta, pelo menos simbolicamente : a primeira a de que osseres huma nos , joguetes de seus interesses e capr ichos , so. presasda violncia, que se entregam apaixonadamente a essa dialticados conf l i tos e com bates que parece e x ig i r toda sua e nerg ia e todasas suas e spe ranas , mas que , no f undo, so f rem desse m a l rad ical

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    A CONSTEI UIA() DO SISTEMA 393 8 HEGELque o medo, o medo de perder a vida ou a dignidade, que nosabem rea lmen te o que querem e desconhecem sua t endnc ia p ro -funda ordem e paz lanam-se no "seja o que for" dosimpu l sos ind iv idua i s ou co le ti vos ; a segunda a de que no magodessa con fuso se p ro j e ta um r igor con te s tador e ine lu tve l , o dal inguagem, do d iscurso, as conversas que um ser huma no, segundosua s i tuao e von tades con f e ssa s , no pode de ixa r de te r com ov iz inho, com esse out ro com quem fa la , que o escuta, e que tambml h e fa l a , quando nada para man i fes t a r sua conco rdnc ia , com umas p alavra. ..A violncia e a palavra: a partir dessa ambgua bipolaridade,inst i tu i-se a de c iso de f i losofar. O f i lsofo apo sta que a e x ignciada palavra e a necessidade do discurso so capazes de eliminar,ou pelo m enos reduz ir e canal izar , a real idade da v io lnc ia. Vejamoso senso comum e aqueles que o instituem polticos, poetas,retricos e sofistas e o tratamento que infligem linguagem:es ta no passa para e les de ref lexo e ins t rumento; expr ime, no d izerdes te, o que e s te acredi ta e quer (ou acredi ta querer), e lhe permite,contanto que seja hb i l no uso que dela faz , levar vantagem sobreoutros nesses certames de oratria em que implica a sociedadepol t ica . O senso comum est , parc ia lmente, no verdade iro: o d is-curso pode ser apenas o m eio cul to , at mesm o ref inado, de exercera v io lnc ia e impor, por processos m ais sut is que o s imples recurso fora bruta, capr ichos, in teresses ou as paixes daquele que fa la.No entanto , "o v io lento" que se pe a fa lar (ou que ju lga engenh osofaz- lo) se desarma no momento em que pensa adquir i r uma foranova. Ele no sabe, quando comea a dialogar para dizer o quequer, que j procura legitimar, fazer valer perante os demais o objeto e a ordem de sua vontade (seu capricho, paixo einteresse). No sabe, faa o que f izer, ao menos que tenha o estranhodom de Caneles, ltimo interlocutor de Gdrgias, que se ofereceaos golpes do filsofo.Esses golpes so modestos , mas ef icazes e prec isos. Scrates ,no in c io, no dec lara nada de pos i t ivo. Contenta-se em interrogar ,em pe rgun ta r aos que d is cu tem com e le o que que rem d i ze r ,exa -temente, e se so capazes de legit imar as op in ies que proferem,em ge ra l , com m u i ta p re suno. E, pouco depo is , vo-se ev iden-c iando a incons is tnc ia de seus d iscursos , as contrad ies que elesdesaje i tadamente ocul tam, as d is tores que se impem, as lacunasencobertas pela falsa plenitude de seus discursos. Ironicamente,

    Scrates submete seus interlocutores a um novo exam e; na verdade,condena -os a no m a is f a la r , a no ma is f a la r a t sabe rem o ques ign i fica fa lar . Encerra-os num a al ternat iva s imples: ou reconhecemque as opinies de que se prevalecem exprimem, com mais oumenos habi l idade, suas pa ixes e interesses; ou confessam que al inguagem tem out ro sen t ido , e que a t en to no d i s se ram nadaque valha a pena. No primeiro caso a eventualidade queC l ic l e s a ce i ta cora j osamente , e le s p re f e rem a f o ra como juizde l t ima instnc ia; no segundo, no neg am m ais que necessr iauma out ra educao e que um a nova d i s c ip l ina se im pe , aque la sque o filsofo define...Que d i z o f i l so f o? Apenas que , com o d i logo, se o f e rece aohomem, fascinado e torturado pela violncia e pelo medo, umasada. Quando se estabelece o desprezo das opin ies , quando nadamais resta a lm das ru nas incoordenve is de op in ies contrad it-r ias . subs is te a palavra. No su lco dessa ex trema pobreza, encontraseu curso o gran de r io que far desabrochar todas as co lhe i tas : es terio se chama Cincia; sua tor ren te o d is cu rso. Com o o hom emfa la e quer fa la r , que cons inta em pretender-se, de l iberadamente,e independentemente d a d i f i cu ldade ou pe r igo que en f ren te , umanimal cuja essncia falar, isto , dirigir-se a ou t rem; que sei n s ta l e na pa lav ra como em seu bem e que se es fo r ce a ob te r de lao que espera: no mais ter medo.Este o sentido da aposta filosfica: no dilogo, graas aopoder de exal tao que susc i ta, va i-se i r tss t i tu indo pouco a pouco,apesa r dos o bs tcu los engendrados pe la vo l ta dos in te re sses , umt ipo de d iscurso que cada um , seja qual for sua s i tuao de or igeme o que tenha sub jet ivamente, seja obr igado, enf im, a acei tar comoo nico d iscurso que se pode sus tentar cor retamente, sobre esse ououtro assun to. Esse d iscurso fo i qual if icado, mais tarde, de univer-sal. A universalidade, que recebeu ou tras (e mais prec isas) deter-m inaes quando , m a i s t a rde , no dev i r d a cu l t u ra , s e de f in ir am a snormas do- rac ional ismo exper imental , ac ima de tudo: o fato deque, de rplica em rplica todo interlocutor real e logo, possvel,deve conv i r que no pode d i z e r de ou t ro modo o que acabe de serd ito. esse dito que. desde logo, se torna texto ou , ca so se prefira,cincia. Sobre esse aspecto, a universa l idade a categoria funda-mental ou'quase fundamental. De qualquer modo. na ordem dacompreenso, an te r io r da verdade. que a metaf s ica clssica

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    40 HE-GEL A CONSTITUIO DO SISTEMA 41erigiu como seu principio. Ser talvez preciso convir que, aindamais profundo que o ro iverSal, existe o sentido? Que signi f icar ia,na verdade, essa exigncia de acei tao, se no houvesse, comole ito originrio, essa realidade da ordem hum ana, vida por fazer-sereconhecer como tal, com e co ntra os deuses, com e con tra a physis,com e co ntra a transcedncia ou a histria? Mas isso , precisamente,um tema hegel iano, e retornaremos a e le.O impor tante para ns agora, ao tentarmos recu perar a idiaor ig inria do projeto f i losf ico mom ento pr imeiro da m etaf s icaocidental , definir a prtica que tem as . melhores chances deatual izar esse objet ivo ter ico do discurso u niversal . Essa prt ica4 a da legitimao, e seu ato ,. precisame nte, o dilogo. Aparen-temente, no dilogo se exerce um poder restrit ivo. A argumentaono se organiza mais em tomo de lugares comuns, em tomo dabanalidade de experincias reduzidas a seu menor m lt iplo comum.Na verdade, no $ma go do m ais medocre intercmbio, assinala-sealguma coisa mais profunda, que vai se tornar o mtodo da cincia.Com efeito, aquele que argumenta no poder contentar-se emexpr imir seu pensamento; em af i rm-lo; a f rase que enuncia deve,em seu prprio enunciado , explicar por que se enuncia assim, nessevocabulrio, nessa sintaxe, e, ao mesmo tempo, por que vale maisque toda out ra f rase enunciada sobre o mesmo assunto. Donde:no por acaso nem por motivos estilsticos contingentes que opensamento f i losfico, senhor de si, se manifesta pela primeira vezcomo dilogo. Este (e a dialtica que ele implica) , por assimdizer, a forma necessria na e pela qual se con stitui a universalidade.Eis a filosofia, mais elaborada forma da cultura, organizadaem funo de sua teoria. e da prtica terica que ela exige. Dodiscurso universal, o f i lsofo espera no se t rata, no mome nto,de saber se esse p ro je to t em chances de se r bem-suced ido of im da v io lncia, ou seja, a def in io de uma organizao socia l emoral que proporcione a satisfao natural qual o ser humanoaspira, atravs de suas paixese apesar delas. Graas a esse discurso,o louco, o criminoso; o brbaro ("aqueles que do ser humano stm o aspecto exterior") podem ser comodamente assinalados,compreendidos e reduzidos. Mas, na verdade, do que fala essediscurso? Qual , no fundo, seu objeto? Na or igem das questesque e le co loca h sem dvida as mot ivaes dos homens que nopodem m ais exercer ou suportar a sua v io lncia ; mas sobre o que,na verdade, f inda suas respostas? No poderia ser na experincia,

    desigual e contingente. Esta , na verdade, o material de que senutrem as opin ies c ont radi trias, e onde se al imentam os fa lsosdilogos nos quais cada um s faz reafirmar aquilo em que acreditaOs fatos como os en tendemos bana lmente no podemser evocados como testemunhos: seu sent ido depende da interpre-tao, isto , das paixes e interesses daquele que os evoca. Adeciso de filosofar consiste exatamente em jamais admitir semcritica a eficcia terica do fato: no h prova que no possa serintegrada ao sistema do discurso universalmente admissivel. Tam-bm convm, de salda, recusar o emprico e suas lies. Aindaassim, discernimos mal, nessa perspectiva, o alcance de uni discursoque tem como nica justificativa a adeso que lhe concede oin terlocutor . Um ta l d iscurso tem pouc a chance de ser sustentadose apenas pode opor s opin ies quantas a l imentadas de refe-rncias empr icas e exemplos o simples fato de que o ouvintede boa f no pode n egar sua cor reo. Basta decid ir no ser deboa f, ou dar mais importncia ao silencio que palavra, ou, maismediocremente a inda, considerar a l inguagem um inst rumento queesgota em seu uso todo o seu signi ficado, que tudo desmorona!Clicles ao dizer que as considera es de Scrates (que, nadisputa dialtica, o venceu) no mais lhe interessam, e que sereserva um outro t ipo de dominao obriga o f i lsofo a tornar-semetafisico, a passar da idia da universalidade para a da verdade.Este mun do, aquele de que fa la o homem J ia opin io e que se dna percepo, no , nem po deria ser, o mundo real: o senso comumest dilacerado por contradies, ref lete a disparidade, a con fuso,a desordem esse ncia l dos fenmenos. preciso supor que existeout ro mundo alm desse, um transmundo, objeto do discurso uni-versal. Alis o ser humano, quando consegue livrar-se de suaspaixes, o exper imenta . Mas o que toma sua exis tncia necessr ia m enos uma exper incia que um a exigncia preciso que, a lmdessa realidade que se mos tra espontaneamente, exista uma reali-dade estvel e ordenada, qual no se ch ega, sem dvida, faci l -mente, mas cujo peso de ser confere consistncia ao discursof i losf ico: caso con t rrio, s nos resta ent regarmo-nos in just iae violncia.Assim desenvolve-se a lgica da deciso f i losfica: ela conduzpor unia reflexo sobre o status da palavra da recusa violncia. afirmao metafsica. O discurso que, acarretando aadeso de cad a um. consegue reconci liar . os homens e organizar

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    42EGEL A CONSTITUIO DO SISTEMA 43suas condutas, extra sua eficcia do fato de ser verdadeiro, deexprimr corretamente o que. Sua unversaidade umindcoo indicio de que rompemos com o mundo da percepo e da paixo,de que compreendemos seu falso ser e de que estamos abertos aum outro mundo, cuja estabilidade, transparncia, harmonia e con-sistncia prpria permtem enunciar julgamentos claros, distintos,e que permanecem vlidos sejam quais forem as circunstncias.Como j dissemos: a descoberta desse transmundo exige umamudana radical, no apenas do pensamento, mas tambm da con-duta. Aeducao platnca, por exemplo, que continuar sendoummodelo, obriga o filsofo aprendiz a pr seu corpo e afetividadeem xeque, a exercitar-se na pesquisa com a disciplina das "cinciasdespertadoras", emsuma a operar uma completa perverso datendnca natura. possve ser umbommdco e ficar doente.um excelente psiclogo especializado na ateno e ser mais dis-trado que Casino:. defeitos desta ordem, nesses campos, no sosinais de carncia intelectual; no entanto no possvel ser filsofoe inusto, isto , destitudo de bomsenso. Esta peo menos aexignca filosfica origina...A metafisica posa Cincia. Constri umdscurso unver-salmente admissivel que, dizendo exatamente o que tal como ,permte a cada ume a todos definr, indvdua e coetivamente, aprtica correspondente promessa mais profunda da humanidade,embora a menos confessada: a realizao da Razo. A racionali-dade: at agora fizemos apenas aluso a esta categoria. que defato ea vemdepos das desentido, universalidade, legitimao ,verdade. Mas graas a ela os conceitos anteriores tomam-se maisclaros. A razo , na filosofia grega, logos, que significa, antes detudo, a palavra e o conjunto das palavras agrupadas que tm umsentido odiscurso.Mas sgnfica tambmrazo. Aindcao preciosa, sublinha a necessidade dessa implicao: no poderamossustentar um discurso digno desse nome se no fssemos capazesde explicar a razoo, legitimar a seqncia de seus enunciados. Maslogo a razo se hipostasia: ordem e obrigao imanentes ao exercciodaquele que fala (e quer falar seriamente). no tarda a ser tida contouma propriedade real que o ocutor possui.Aisttees que, de modo gena, quer atrar o homemda ex-perinca para o terreno da filosofia-metafsca, brinca comessaambigidade, ao definr ahumanidadecomo uma espce que"possui o logos". primeira vista, faz uma constatao simples:

    o ser humano fa la mas indica, mais profundamente, que esse atoo const it u i na o rdem na tu ra l como umser parte, possuindo umaquaidade especifica que lhe confere privilgios. A metafsica pos-terior reforar mas