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PREFEITURA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SUBSECTARIA DE ENSINO Ciclo de Palestras Escolas, Saberes, Sociedade e Democracia Coordenação: Centro de Pesquisa e Formação Continuada Paulo Freire

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PREFEITURA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

SUBSECTARIA DE ENSINO

Ciclo de Palestras

Escolas, Saberes, Sociedade e Democracia

Coordenação:

Centro de Pesquisa e Formação Continuada Paulo Freire

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“A vida é um ciclo constante de términos e inícios”

Hoje iniciamos mais uma semana, que podemos chamar de SEMANA DO

RETORNO. Começa também aquela explosão de sentimentos – “poxa, poderia ter mais uns

dias” – ao mesmo tempo sabemos que é vida que se segue e o trabalho edifica.

Ninguém voltará do mesmo jeito que saiu. Uns trarão em suas malas as lembranças

dos passeios, outros, a falta dos passeios, inseguranças com problemas que enfrentaram,

alegrias com os problemas que venceram. Enfim, nesta viagem da nossa vida nossa mala é

organizada com aquilo que aceitamos guardar nela.

Que nestes dias, possamos reclamar menos e organizar a nossa mala. Tirar o que

não vale a pena e levar para o grupo apenas o que ajuda a construir, a olhar para esses

novos dias e dizer: VAMOS VENCER ESSE DESAFIO!

Que neste ano possamos nos dedicar assim, não no individual, mas no esforço da

força coletiva, pois juntos somos mais fortes, mesmo que os papéis nesse setor sejam

diferentes.

Autor desconhecido.

2017, a aventura começa agora!

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Apresentação

A Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, através da Subsecretaria

de Ensino e do Centro de Pesquisa e Formação Continuada Paulo Freire, organizou seu 1º

Ciclo de Palestras, intitulado “Escolas, saberes, sociedade e democracia” no decorrer de

2016.

O Ciclo foi pensado, inicialmente, como um espaço de debates acerca das teorias do

currículo e da reformulação curricular no Município. Entretanto, o evento se estendeu a

temas como letramento, infância, relações étnico-raciais e educação para o trabalho, o que

permitiu o aprofundamento das primeiras discussões.

Considerando a relevância desse evento e a importância de compartilhar com a

Rede a síntese das discussões aí realizadas, decidiu-se por publicar os textos que

derivaram das apresentações e distribuí-los às unidades escolares.

O CPFPF entende a formação continuada de professores como uma prática

constante de socialização profissional, com amplitude suficiente para abarcar o espaço

escolar, os fóruns pedagógicos e as atividades formativas e de capacitação. Fundamental

nesta dinâmica é exercitar a capacidade questionadora e abrir possibilidades reflexivas

que gerem mudanças em nosso modo de atuar. Nesse sentido, mais que estabelecer as

bases de um documento curricular, as conferências nos brindaram com a oportunidade de

por em questão nossas referências conceituais e práticas docentes. A própria

Universidade também ganha muito com essa interação, pois encontra o ambiente ideal

para retroalimentar suas investigações e fazer efetiva sua responsabilidade social.

Ao organizar esta publicação, optamos por suprir a ordem cronológica e

redistribuir as palestras por eixos temáticos. São 3 blocos de textos agrupados nos

seguintes grandes temas: Currículo e Trabalho Docente; Infância, Cultura e Letramento;

bem como Escola e Inclusão Sociocultural. Com exceção de dois documentos – dois

pequenos artigos escrito pelas professoras Marize Peixoto e Elaine Constant – os demais

textos são resumos das palestras proferidas durante o Ciclo.

Esperamos que este trabalho seja proveitoso para o engrandecimento profissional

de nossos professores e gestores. Desse modo, a equipe do CPFPF se dispõe a auxiliar nas

discussões participando sempre que solicitada dos encontros de Planejamento Integrado e

oferecendo bibliografia complementar para enriquecer o debate.

Boa leitura!

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SUMÁRIO

1. CURRÍCULO E TRABALHO DOCENTE

1.1 DISCURSOS SOBRE O CURRÍCULO (MARIZE PEIXOTO – FEBEF) .......................................................................................................................... 05

1.2 O CURRÍCULO E AS NECESSIDADES DA ESCOLA CONTEMPORÂNEA (MÁXIMO CAMPOS MASSON – UFRJ) ................................................... 08

1.3 O CURRÍCULO COMO CRIAÇÃO COTIDIANA (INÊS BARBOSA DE OLIVEIRA - UERJ) .......................................................................................... 10

1.4 OS DESAFIOS NAS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR (ELAINE CONSTANT – UFRJ) ............................................................ 14

2. INFÂNCIA, CULTURA E LETRAMENTO

2.1 ALFABETIZAÇÃO: DO PARADIGMA COMPORTAMENTALISTA AO DISCURSIVO (MARIA CRISTINA CORAIS – UNIGRANRIO) .......................... 18

2.2 FAÍSCAS DE LEITURA: IDEIAS PARA ACENDER A VONTADE DE LER NA ESCOLA (SOLIMAR SILVA – UNIGRANRIO) ........................................ 21

2.3 INFÂNCIA E EDUCAÇÃO: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS A PARTIR DOS PARADIGMAS DE PINÓQUIO E KIRIKU (RENATO NOGUERA – UFRRJ) 24

3. ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL

3.1. EDUCAÇÃO, PENSAMENTO CRÍTICO E CRISE DA MODERNIDADE (ALOÍSIO MONTEIRO – UFRRJ) ................................................................ 28

3.2. CENÁRIOS DA EJA (FERNANDA PAIXÃO GOUVEIA - IFRJ) ................................................................................................................................. 30

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CURRÍCULO E TRABALHO DOCENTE

Discursos sobre currículo

Marize Peixoto da Silva Figueiredo – FEBF/UERJ

Com base na Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e ChantalMouffe, alguns autores

têm operado com a ideia de currículo como discurso (Lopes, Macedo, 2011). Tal perspectiva problematiza a ideia de que teorias curriculares representam plenamente a verdade sobre o currículo, sua elaboração e implementação na prática pedagógica.

Nesse sentido, o que temos entendido sobre o currículo são formas hegemônicas que pretendem ser a resposta final a algo que, em determinado contexto histórico, é identificado como o que o currículo não é. Dito de outra forma, os sentidos de currículo com o qual operamos depende do contexto em que se constituem e da possibilidade que tais sentidos têm de agregar o maior número de demandas para o currículo.

Nesse registro, a minha apresentação vai caminhar sobre os principais sentidos de currículo que alcançaram hegemonia na teoria curricular, destacando as demandas (o que se deseja alcançar) e o antagonismo (o que impede que as demandas sejam alcançadas) que possibilitaram a sua emergência.

A teoria curricular se inicia na primeira metade do século XX com o eficientismo e o progressivismo social. Tais perspectivas teóricas se constituem em resposta à educação jesuítica e sua RatioStudiorum, que desde o século XVI preconizava uma formação intelectual clássica vinculada à formação moral. Uma educação significada no discurso como algo que não atendia às demandas que a industrialização colocava para a sociedade. Nesse sentido, a escola e o currículo deveriam voltar-se para o atendimento dos problemas sociais que as mudanças econômicas geravam. Tem-se aqui um sentido de escola e de currículo para o controle social.

No eficientismo social, são centrais a ideia do currículo científico e do controle social como função da escola. Contribuições do comportamentalismo na Psicologia e do taylorismo na Administração são trazidas para o campo do currículo. Franklin John Bobbit em 1918 publica The Curriculum, propondo um currículo formulado por especialistas, voltado para a preparação do aluno para atuar na vida economicamente ativa. Era preciso definir tarefas e objetivos de forma a alcançar a eficácia e eficiência do ensino com economia de recursos.

Na disputa por significar o currículo, em oposição ao eficientismo social, se constitui o progressivismo social. A demanda por uma escola e um currículo para atender às necessidades sociais continua no horizonte. No entanto, afastando-se do eficientismo, a

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função da escola é contribuir para a formação de indivíduos capazes de colaborar para a construção de uma sociedade harmônica e democrática, superando o contexto de desigualdade social gerado pela sociedade urbana industrial. John Dewey é o representante dessa vertente teórica. Opondo-se à função da escola como preparação da criança para a entrada na vida adulta e para a participação no mundo produtivo, esse autor vai destacar os interesses da criança e sua preparação para a resolução dos problemas sociais.

Buscando articular essas duas abordagens, Ralph Tyler propõe um modelo curricular de matriz comportamental que alcançou hegemonia por mais de 20 anos no Brasil e nos EUA. O foco do currículo é a sua avaliação, o que dá centralidade à formulação de objetivos de ensino que sejam capazes de orientar a seleção e organização das experiências de aprendizagem para a eficiência do processo de ensino.

Em resposta às abordagens científicas, uma série de produções em registro marxista se hegemoniza na teorização curricular. Embora denominadas genericamente como teorias críticas, guardam entre si muitas diferenças.

Nos anos de 1970, as teorias da correspondência ou da reprodução apontam para a total determinação entre a economia e a educação. Com Louis Althusser, a escola é identificada como um aparelho ideológico do Estado, contribuindo para a manutenção da estrutura de classes com a formação de mão-de-obra e difusão da ideologia dominante. Christian Baudelot e Roger Establet apontam para o papel do sistema escolar na reprodução da diferença social por não garantir oportunidade a todos. Samuel Bowles e Herbert Gintis destacam a correspondência entre as relações sociais de produção e as relações sociais de educação com a predominância de um discurso meritocrático e individualista no sistema escolar. Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron focam na reprodução das desigualdades sociais pela escola, destacando que as relações do sujeito com a cultura escolar é marcada pela posse do capital cultural dominante. (LOPES, MACEDO, 2011).

Ainda na perspectiva crítica ao papel da escola na reprodução da estrutura social, Michael Young lança as bases para o movimento conhecido como Nova Sociologia da Educação (NSE), destacando o papel do currículo na legitimação da cultura e dos conhecimentos da classe dominante. O foco se coloca no poder envolvido na seleção e na organização dos conhecimentos escolares. Com Michael Apple são retomados os conceitos de hegemonia e ideologia para analisar a reprodução das desigualdades sociais pela escola, destacando o currículo como espaço de disputas e de manutenção da desigualdade da distribuição do capital cultural.

Paulo Freire, teórico identificado em uma matriz fenomenológica, produz uma crítica às abordagens técnicas do currículo, mas também ao determinismo da estrutura social, presente nas perspectivas críticas, que deixa pouco espaço para a ação do indivíduo. Nesse sentido, propõe uma pedagogia que seja dialógica, onde a vida dos sujeitos seja integrada às decisões curriculares.

Com a centralidade da linguagem na constituição do social, perspectivas pós-estruturais vão identificar o currículo e o conhecimento como discursos onde alguns sentidos (e não outros) alcançam hegemonia por um ato de poder. Tais sentidos são

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permanentemente reiterados e recriados, não sendo possível acessar a significação última. Nesse registro, o currículo é identificado como texto que constrói realidade e projeta identidades.

Buscou-se sintetizar, nessa breve apresentação, perspectivas hegemônicas na produção teórica no campo do currículo. É preciso destacar que tais perspectivas coexistem na atualidade, fixando provisoriamente e parcialmente sentidos e construindo a realidade escolar.

Referências bibliográficas: ANDRADE, F. R., VARES, S. F. O “Princípio de Correspondência” em Samuel Bowles e HebertGintes: uma reflexão em torno da relação educação-trabalho. Revista da Faculdade de Educação. ano VIII, n.14, Jul./Dez. 2010. Disponível em: http://www2.unemat.br/revistafaed/content/vol/vol_14/artigo_14/117_139.pdf. Acesso em: 17/05/2016. KLIEBARD, H. M. Burocracia e teoria de currículo. Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, pp.5-22, Jul/Dez 2011. LACLAU, E., MOUFFE, C. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. Trad. de Joanildo A. Burity. São Paulo: Intermeios, 2015. LOPES, A. C., MACEDO, E. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011. NOGUEIRA, C. M. M., NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & Sociedade, ano XXIII, n. 78, Abril/2002.

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O currículo e as necessidades da escola contemporânea

Máximo Campos Masson - UFRJ

A terceira palestra de nosso ciclo foi proferida pelo professor Prof.

Dr.MáximoMasson, que iniciou sua fala delimitando a temática sobre a qual iria se debruçar: o currículo e as necessidades da escola contemporânea. Considerando estes objetos de análise, o conferencista pôs em debate duas questões iniciais: 1) o que se entende efetivamente por currículo; 2) quais as características definidoras da escola contemporânea.

De acordo com sua perspectiva, para pensar a relação do currículo com a escola também temos que avaliar que escola queremos e, sobretudo, que escola precisamos. Não é produtivo, para os interesses de professores e alunos, partir de uma concepção abstrata de escola, já que as necessidades expressas pelas situações concretas são as melhores medidas para as intervenções político-pedagógicas.

No caso de Duque de Caxias, a escola está inserida em um espaço dotado de particularidades sociais muito precisas, e, portanto, se nós queremos refletir sobre currículo, temos que avaliar não somente o ambiente restrito da instituição, mas também a relação entre esta escola e a comunidade na qual ela se localiza. Isso nos leva a algumas perguntas importantes: que tipo de escola a comunidade caxiense, incluída em uma região como a Baixada Fluminense, demanda? E, por extensão, quais necessidades devem ser atendidas por um projeto de educação direcionado à sociedade brasileira? Tais questionamentos, somados ao conhecimento da clientela que a Rede Municipal atende, nos permitirá avançar nas considerações sobre currículo, seja em sua dimensão formal ou informal.

De um modo geral, a população que atendemos busca a escola por vê-la como um instrumento de ascensão social. Não se trata apenas de uma crença espontânea, e sim de uma construção discursiva que nos influencia há várias gerações. A busca de conhecimento, portanto, não é a motivação final do público escolar, mas sim a promessa de mobilidade. Dito isto, resta-nos interrogar se tal instituição, nos moldes em que se apresenta hoje, é capaz de produzir o resultado esperado por seus integrantes. Nossa escola pode se constituir efetivamente num instrumento de desenvolvimento para a sociedade em que estamos inseridos? O que ensinamos ou pretendemos ensinar na escola trabalha para tais objetivos? Esta estrutura disciplinar que nós temos, de conhecimento fragmentado, tem sido eficiente?

Isso envolve outra discussão, relativa ao modo como nós procuramos trabalhar e educar. Apesar de todos os avanços já existentes, ainda seguimos tradições muito marcadas pelos padrões do ensino formal, onde acabamos cobrando dos alunos aquilo que convencionalmente transmitimos, sem necessariamente estimular ou promover o desejo de conhecimento. Estamos diante de um problema que é enfrentado cotidianamente pelos

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professores, o de conseguir fazer com que esses estudantes passem a ter o anseio de conhecer, e não realizar mecânica e formalmente as tarefas que exigimos deles.

O diaadia da escola muitas vezes negligencia um elemento chave, que é exatamente a questão da criatividade. Nós logramos ser criativos e, sobretudo, nós conseguimos empreender dentro da escola o estímulo à reflexão? Porque para pensarmos em uma estrutura curricular formal, temos que considerar antes em a dimensão informal dos saberes. O fundamental em toda prática educativa é não só transmitir formação, conhecimento, mas sobretudo fazer com que as pessoas com quem estamos trabalhando, crianças e adolescentes, sejam capazes também de desenvolver reflexão, enfim, que sejam capazes de ter uma leitura do mundo que seja fundamentalmente crítica.

E o esforço de desenvolver nos alunos um potencial reflexivo nos coloca outro grande desafio. Se olharmos para os últimos 30, 40 anos, vamos perceber que o Brasil deu um salto grande em termos de acesso e permanência na escola. Conseguimos, durante a década de 1990, matricular 96% dos brasileiros em idade escolar. Chegamos à condição de praticamente universalizar o acesso à escola, embora ainda tenhamos uma enorme defasagem idade/série. A mesma coisa no ensino superior. Conseguimos romper durante muitos anos a barreira dos 11%, estamos com aproximadamente 17, 18% da população entre 18 e 25 anos inserida no ensino superior, porcentagem pequena se comparada a países como os da Europa Ocidental ou a Coréia do Sul, que ultrapassam os 50%.

Trata-se de um elemento essencial para teorizar sobre educação nos dias de hoje, porque estamos diante de um mundo completamente tomado pela informação. Nenhum professor consegue informar com tantos detalhes e rapidez e competir com todo o instrumental colocado sobretudo pela Internet, que é utilizada por um percentual muito grande de nossos estudantes. Isso agrava o estado crítico da nossa realidade, que já conta com um índice de evasão escolar assustador. O professor que atua como transmissor de informação pode rapidamente ser substituído pelas inúmeras ferramentas existentes.No entanto, esse acesso à informação não necessariamente vem acompanhado de uma compreensão abrangente, e aí entra o papel central da escola, o papel central dos docentes: o de desenvolver a capacidade de superar o senso comum. As redes sociais são o império do senso comum, e isso faz com que a escola ganhe uma nova dimensão. A escola já não é o único grande elemento de informação, nem o currículo escolar. No entanto, a escola e seus agentes, e isso passa necessariamente pela posição e importância do professor, são fundamentais no sentido de buscar a reelaboração crítica e a formulação de pensamento sistemático sobre a sociedade.

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O currículo como criação cotidiana

Inês Barbosa de Oliveira - UERJ

A palestra proferida pela ProfªDra. Inês Barbosa de Oliveira, foi intitulada “O

currículo como criação cotidiana”, e abordou o exercício permanente de construção curricular praticado por professores e alunos em sala de aula. Inês Barbosa é professora associada na Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ-Maracanã), Presidente da Associação Brasileira de Currículo (ABdC), e membro do GT Currículo da ANPEd. Na instrutiva e estimulante conversa que travou com os profissionais da Rede Municipal, fez questão de enfatizar sua larga experiência como professora de educação básica, a maior parte vivida no Colégio Pedro II, onde lecionou em todos os anos do primeiro segmento.

Inicialmente a palestrante alertou para a necessidade de colocar a teoria e a reflexão sobre Educação em contato com a realidade social do País.Nesse sentido, procurou contextualizar historicamente diferentes concepções de currículo, mostrando como se formaram e como operam sobre a produção curricular e sobre a ideia geral de currículo adotada pela gestão pública e aplicada por nós, profissionais envolvidos com o labor de ensino/aprendizagem.

Como intelectual crítica, comprometida com a democratização do campo no qual atua, Inês Barbosa defende que o currículo não se restringe ao que está escrito nos documentos curriculares, mas abarca tudo aquilo que acontece na escola.Portanto, é recriado cotidianamente na prática pedagógica de cada professor, o que não repercute, embora devesse repercutir, nas concepções que orientam a elaboração de propostas curriculares formais. De acordo com a pesquisadora, ou se reconhece o papel ativo dos sujeitos envolvidos no cotidiano escolar, ou vamos seguir trabalhando com propostas que não são possíveis de serem implementadas, pois estas partem de percepções alheias à realidade das escolas.

Com muita frequência ouvimos ou lemos discursos de estudiosos e autoridades que afirmam de modo categórico o que a escola “deveria”, “teria” ou “precisaria” fazer, sem considerar o que a escola “pode” fazer. Uma das maiores urgências com a qual nos deparamos na reflexão acerca da Educação no Brasil é a necessidade de aprender a dialogar com que é possível e, as reais potencialidades da escola só são apreendidas em sua vivência diária. Tal instância forja os chamados “currículos pensados-praticados”, conceito formulado por pesquisadores contemporâneos para dar conta da conexão entre prática e reflexão.

Admitir que o professor pensa currículo em sua prática cotidiana significa, necessariamente, pôr em questão um programa restritivo como a Base Nacional Curricular (BNC), que visa a amarrar, por via de protocolos rígidos, o que os professores “devem” fazer, ou seja, tutorear o trabalho docente partindo do pressuposto de que o profissional necessita ser direcionado em suas funções. O argumento de Inês Barbosa é

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que currículos construídos cotidianamente não são simples produtos de uma adaptação das diretrizes oficiais à prática do diaadia, pois isso que chamam “adaptação”, por si só, requer diálogo e reflexão, mesmo que de modo espontâneo e improvisado. Nesse caso, a definição de currículo como uma lista organizada de conteúdos, ideal colocado em xeque pelo pensamento pós-crítico, tem um lugar histórico bem demarcado: surgiu e se desenvolveu, de acordo com a trajetória descrita por Tomáz Tadeu da Silva no livro Documentos de identidade, como uma reflexão dos primeiros teóricos do campo curricular. Se toda conjectura a respeito de currículo pressupõe um entendimento acerca do processo de aprendizagem, uma concepção de conhecimento e dos caminhos que conduzem até ele, na visão tradicional o saber escolar é algo que se adquire como produto, um conjunto de dados acumulados pela humanidade disponível para o acesso e reprodução, mas não aberto a uma apropriação autônoma.

Por outro caminho, as teorias contemporâneas do currículo defendem que tais conteúdos só se tornam efetivamente conhecimentos quando incorporados, apropriados ou reaplicados pelo sujeito que aprende. Toda esta nova formulação parte de um juízo crítico em relação ao modelo taylorista de educação, no qual os procedimentos escolares são vistos como etapas de uma linha de montagem. O que se coloca em questão é a visão de ensino/aprendizagem como um processo fechado que demanda aceitação, submissão, por parte de quem está sendo “treinado”. Do mesmo modo, o que políticos e acadêmicos pensam sobre o que a escola deve fazer muitas vezes desconsidera o papel ativo dos sujeitos, sua capacidade inquestionável de pensar. A própria ideia de transmissão envolve necessariamente uma relação dialógica entre emissor e receptor, então, a proposta tradicional trata unicamente da “emissão” de informações, pois silencia e neutraliza os atores envolvidos nesta dinâmica.

De acordo com as teorias críticas - pensamento de base marxista formulado na década de sessenta que vê no currículo escolar um campo onde se travam lutas sociais -, a composição curricular não tem apenas a pretensão de transmitir os conhecimentos adquiridos pela humanidade, mas também está envolvida com a reprodução da estrutura social de classes. O modo de organizar a escola e a escolha dos métodos de ensino favorecem a reprodução de ideologias hegemônicas, sendo o sucesso ou o fracasso escolar critérios de hierarquização dos saberes e de classificação de ofícios e profissões. Portanto, se a educação formal é por definição burguesa, quem tem um registro alternativo a tal disposição são as classes populares, grupos geralmente identificado com a derrota escolar por não terem suas demandas e formas de socialização respondidas pela instituição tradicional.

Nas palavras de Inês Barbosa, “a universalização do acesso à educação básica levou as classes populares para a escola, mas não levou a escola para as classes populares, por isso o fracasso escolar recai, sem surpresa, sobre as crianças pobres, mais que sobre as burguesas”. O problema estaria, segundo a palestrante, na lógica de funcionamento do sistema educacional, lógica com a qual, como professores, estamos permanentemente em conflito, paradoxalmente aceitando-a e rejeitando-a. “Se por um lado a estrutura

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hegemônica permanece, existe em todas as escolas, em cada prática docente, elementos que burlam, que subvertem, que criam novas possibilidades na prática curricular”.

O terceiro bloco de teorias curriculares, bloco no qual Inês Barbosa se localiza, é o das chamadas “teorias pós-críticas”. Tais estudos buscam questionar não apenas a estrutura acadêmica, mas o conhecimento burguês que se ensina nas escolas. O que se coloca em debate é a origem e a natureza desse conhecimento, e os critérios de seleção utilizados para decidir sobre o que deve ser ensinado e o que deve ser ignorado pela educação formal. A perspectiva do pensamento pós-crítico é basicamente culturalista, ou seja, a trajetória pessoal dos alunos, a história cultural da comunidade escolar e o perfil econômico das famílias atendidas pela escola devem ser considerados na formulação de programas pedagógicos, para além da universalização das matrículas. Esta mesma universalização foi o que reuniu as diferenças e pluralidades do mundo no espaço escolar.Entretanto, o que poderia ser um fator de democratização termina por reforçar preconceitos e desigualdades, pois os diálogos e relativizações não encontram espaço nos sistemas de educação formal. Por isso se tornou fundamental pensar sobre “a quem interessa manter a escola racista, machista, heteronormatizada, com seus currículos eurocêntricos, formalistas, tecnicistas, etc?” A padronização de conhecimentos e comportamentos é o que temos como modelo de educação, e isso não é gratuito.

Em relação a conteúdos escolares, o arcabouço disponível para ensino geralmente não cabe nas horas letivas anuais, o que torna a seleção contínua inevitável. No entanto, a decisão sobre o que é ou não imprescindível não é primordialmente técnica, mas política. Esta é uma reflexão central da área curricular. A naturalização do que veio a ser considerado conhecimento elementar e do modo de chegar a ele tem fundamentação social e parte, como nos explicou Inês Barbosa, de um imaginário cientificista que não tem sustentação real:

Nós aprendemos que o conhecimento vai do mais básico para o mais complexo, do mais concreto para o mais abstrato, o que justifica que quanto maior a sua formação, melhor você ganha, porque você sabe mais. Isso cria uma hierarquia entre os conhecimentos que faz com que, por exemplo, a matemática seja melhor valorada que geografia. Que hierarquia é essa e de onde ela vem? Não tem nenhuma base que não seja o modo como o pensamento moderno constituiu os campos de conhecimento e os escalonou. A mesma lógica orienta os critérios meritocráticos de avaliação interna e externa.

O mérito se impôs como categoria absoluta para ranquear as escolas e os gestores, avaliar os professores e definir sua remuneração, além de categorizar os estudantes. Num outro raciocínio, determinar sobre o que efetivamente é importante para nossos alunos depende do que a gente pensa sobre o que a escola deve e pode fazer. Nós, professores, somos o melhor instrumento de medida da possibilidade, considerando que atuamos permanentemente como mediadores de saberes e conhecimentos, apreendendo o universo dos alunos e ampliando seus horizontes, pois, como conclui Inês Barbosa, “o

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velho Paulo Freire dizia que nós temos que partir do conhecimento das crianças para trabalhar com elas. Eu gosto muito de lembrar que partir não é ficar.”

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Os desafios nas práticas de avaliação no cotidiano escolar

Elaine Constant – UFRJ

Para iniciar o debate proposto no título desse trabalho, considero fundamental apresentar algumas indagações importantes sobre os desafios, para professores e alunos, de lidarem, inicialmente, com o conhecimento escolar. Assim, pergunto: Como estabelecer uma perspectiva dialógica com os alunos? Como sistematizar e contextualizar o conhecimento escolar? Será que há pouco conhecimento profissional entre os professores sobre as práticas avaliativas significativas? Como garantir a participação dos alunos na aprendizagem? Como lidar com a ideia de processo?

Essas inquietações costumam marcar o cotidiano de alguns professores das escolas públicas, pois lidar com as práticas avaliativas não é algo fácil. Essas exigem certo conhecimento sobre “novas” possibilidades de acompanhar a aprendizagem dos alunos. Para exemplificar, trago a “voz” de uma professora alfabetizadora dedicada a consolidar a apropriação do código escrito nos anos iniciais do ensino fundamental. Eis o que ela diz:

Para que eu obtenha resultados com esses pequenos aprendizes, dialogo e deixo-os falarem o que pensam, racionarem, descobrirem a resposta de suas dúvidas. Não digo que estão errados, em nenhum momento e sim que podemos ver novamente, que ele é capaz. E foi assim que comecei a desenvolver com eles o caderninho que intitulei “Do meu Jeito”. Esse caderno fica comigo na escola e sempre está à disposição de cada um para escrever “do seu jeito” (Professora do 3º ano do ensino fundamental).

Percebe-se que a professora considera que o “resultado” está atrelado à autonomia do aluno para se apropriar do conhecimento escolar. Para isso, não há “erro”, mas possibilidades de investigações sobre os saberes entre os alunos. Assim, a professora está atenta à necessidade de que a prática avaliativa seja tanto diagnóstica quanto mediadora e dialógica. Essas perspectivas pressupõem a inclusão e a importância da diversidade nos processos, porque ultrapassa a ideia de aprovação ou reprovação, pois a avaliação da aprendizagem se constituiu pela compreensão adequada sobre as necessidades reais dos alunos. Significa uma “nova cultura” sobre a avaliação que possa partir de novas decisões pedagógicas.

Essa perspectiva exige uma transformação profissional, e assim é necessário trazer outros eixos que possam contribuir com o debate sobre as práticas avaliativas, em especial, cito: 1. A participação social e cultural; 2. O conhecimento e encaminhamento para a problematização; 3. A formação profissional do professor; 4. A cena e o cenário para a aprendizagem. 5. Aprendizagem e “experienciação”. 6. Trabalhos “coletivos”: professores e alunos; 7. A avaliação tanto diagnóstica como dialógica. Esses eixos são oriundos de novas demandas no cotidiano dos professores a partir

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da sociedade contemporânea. O conhecimento escolar vem exigindo o aprofundamento sobre questões sociais e culturais, bem como a problematização sobre os sentidos de “aprendizagem”. Nota-se que “aprender” e “ensinar” não se caracterizam mais por relações verticais, mas horizontais. Professores e alunos vivenciam e compartilham, na mesma sala de aula, um espaço no qual acontecem trocas culturais, sociais e simbólicas. Nesse sentido, a avaliação sugere identificar se os alunos estão compreendendo as experiências histórico-sociais e pessoais para assim poder transformá-las, ampliá-las ou praticá-las, porque todos estão envolvidos em um processo e avaliam tudo o que está acontecendo. Isso nos remete aos estudos de François Dubet (2004) e ao questionamento sobre os princípios da escola meritocrática, uma característica também presente na escola brasileira e republicana. O autor mostra que os conceitos de igualdade e de justiça social ainda não são claros se consideramos o mérito. Para Dubet, há o desejo de tê-los no projeto de uma escola melhor, mas as maneiras de defini-los ainda é marcada por várias significações. Isso gera conflitos e desconfortos, porque a meritocracia escolar vem favorecendo as desigualdades e a confirmação de destinos de alguns alunos. Trata-se de um tipo de escola que só valoriza o “mínimo”, arriscando-se somente à valorização de talentos, como também a preocupação somente com a singularidade dos alunos ignora a cultura comum, e, para Dubet, essa última transmite a forma de justiça. Nesse sentido, Dubet (idem) alerta que:

Se compararmos a justiça meritocrática a uma espécie de competição esportiva, seria preciso garantir que todos os competidores conhecessem as regras do jogo, o que não é o caso da escola, em que muitas famílias as ignoram; seria preciso que o terreno fosse igual para todos, ou seja, que o sistema fosse transparente e que os juízes não fossem parciais. Ainda estamos longe disso, apesar da igualdade de oportunidades alardeada em todos os discursos [...]. Portanto, é preciso procurar outros princípios de justiça para reformar esse modelo. Mas não podemos ignorar que essa igualdade de acesso supõe, na contramão da escola, uma grande redução das desigualdades sociais; nenhuma escola pode, sozinha, criar uma sociedade mais igualitária [...]. A justiça não consiste apenas em aliviar o trabalho dos professores nas áreas mais difíceis, e sim em tornar esse trabalho mais eficaz (p.544).

Enfim, as práticas classificatórias de avaliação e a valorização da meritocracia se fazem presentes nos cotidianos escolares de maneira enraizada e naturalmente desenvolvidas, em especial, com apoio governamental a partir das políticas em larga escala. Contudo, a avaliação da aprendizagem difere dos sentidos das avaliações em larga escala. Nesse caso, é necessária a defesa de mudanças nas escolas e nos discursos no campo da educação. Contudo, mudar não é somente alterar as práticas avaliativas, pois essas se mostram como um eixo fundamental para professores e alunos, mas alterar os sentidos dados para a avaliação da aprendizagem. Esses sentidos precisam de um cunho formativo, auxiliando o professor na percepção de um aluno em processo. Justamente a compreensão sobre práticas avaliativas formativas, como diagnósticas, mediadoras e dialógicas, podem mostrar um novo caminho para as novas gerações de estudantes

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lidarem com o conhecimento escolar. Neste sentido, é fundamental intensificar os estudos pertinentes sobre a continuidade das aprendizagens dos alunos, principalmente porque uma “base” formativa na educação pode permanecer em ações cotidianas, tanto desses como de professores. É a expressão da democracia na escola, porque se assenta na relação de confiança e cumplicidade entre professores e alunos. Também representa, conforme Esteban (2001), uma perspectiva democrática de avaliação, uma vez que representa a dimensão ética que favorece a lógica de inclusão e cruzamentos das culturas como saberes importantes na convivência em sociedade.

A perspectiva formativa suscita melhor entendimento sobre os instrumentos de avaliação como provas, testes e afins. Esses se tornam materiais que se destinam a analisar somente o “êxito” e o “erro” e suas potencialidades e possibilidades como trabalho pedagógico? É fundamental ressaltar que as “respostas” dos alunos também são pistas para que os conhecimentos sejam repensados, discutidos e reelaborados, com o objetivo de real apropriação, criando possibilidades de outras “descobertas” para os alunos. Tal perspectiva difere da memorização passiva exigida por avaliação classificatória e meritocrática.

A perspectiva de avaliação formativa procura investigar os saberes já adquiridos pelos alunos e intervir, por meio de ações pedagógicas específicas, em proporcionar uma aprendizagem efetiva. Logo, o professor considera a apropriação do conhecimento como ponto de partida para o desenvolvimento de novos saberes. De acordo com Luckesi (2011):

O ato de avaliar tem como função investigar a qualidade do desempenho dos estudantes, tendo em vista proceder a uma intervenção para a melhoria dos resultados, caso seja necessária. Assim, a avaliação é diagnóstica. Como investigação sobre o desempenho escolar dos estudantes, ela gera um conhecimento sobre o seu estado de aprendizagem e, assim, tanto é importante o que ele aprendeu como o que ele ainda não aprendeu. O que já aprendeu está bem; mas, o que não aprendeu (e necessita de aprender, porque essencial) indica a necessidade da intervenção de reorientação [...], até que aprenda (p. 62).

Sendo assim, a avaliação do conhecimento realiza um diagnóstico sobre o que o

aluno já sabe para que o professor atue sobre esse de maneira contextualizada. Desse modo, evita-se a classificação do aluno, pois o trabalho pedagógico pauta-se em seus saberes e experiências a fim de impulsionar novos desafios na aprendizagem.

É importante destacar que o processo de apropriação do conhecimento não se dá sem conflitos. Da mesma forma, importa ressaltar que práticas avaliativas percorrem um caminho marcado por necessidades e interesses que se originam dos percursos de alunos, da formação dos professores e das vivências entre eles na sala de aula. Essa é uma questão instigante que não se esgota nessa breve análise. Afinal, Clarice Lispector nos lembra:

Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa. O que

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também é um prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes, quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos.

Referências bibliográficas: DUBET, “O que é uma escola justa?” Em: Cadernos de Pesquisa, v.34, n. 123, set./dez. 2004.

ESTEBAN, M.T. A avaliação no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

LUCKESI, C.C. Avaliação da aprendizagem escolar: Estudos e Proposições. São Paulo: Cortez, 2001.

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INFÂNCIA, CULTURA E LETRAMENTO

Alfabetização: do paradigma comportamentalista ao discursivo

Maria Cristina Corais – UNIGRARIO/Rede Municipal de Educação de Duque de Caxias

Na manhã do dia 17 de setembro, no auditório do Colégio Pedro II, Maria Cristina

Corais, professora dos Cursos de Pedagogia do ISERJ e da UNIGRANRIO, iniciou sua fala comentando o ensaio fotográfico “Salas de aula pelo mundo” (2015), realizado pela agência de notícias Thomson Reuters. A intenção era observar as diferenças presentes nas imagens que exibem alunos da educação formal nos mais variados países, e utilizar tais exemplos para apontar o despropósito da padronização do ensino quando considerada a riqueza das diversidades humanas. Para a Corais, não faz sentido formular métodos ou modelos de ensino uniformizados para sujeitos que têm a vida e a consciência assinaladas pelas especificidades socioculturais que os rodeiam. Por outro caminho, é imperativo pensar sobre o que é ser aluno sob cada uma dessas condições, além de considerar as marcas que as histórias de vida imprimem na experiência escolar.

Através desta entrada, a palestrante convidou a plateia, formada em sua maioria por professores alfabetizadores da Rede Municipal, a avaliar e discutir os paradigmas que orientaram, nas últimas décadas, as propostas de letramento mais utilizadas no Brasil. À pergunta “por que refletir sobre alfabetização em Duque de Caxias?”, Corais respondeu apostando na dimensão humanista que envolve esse trabalho e destacando a necessidade de enfrentar as dificuldades e propor vias de superação de obstáculos com o apoio da fortuna crítica publicada sobre o tema.

Um primeiro passo seria olhar para os casos mais desafiadores como um impulso para evoluir como profissionais da educação. De acordo com sua análise, muitas vezes nos prendemos em uma visão restrita acerca do que é ter êxito em nossos objetivos como alfabetizadores, e, pondo em debate a base conceitual dos procedimentos que adotamos, podemos reavaliar os mais variados processos de aprendizagem. O método, nessa perspectiva, fica em segundo plano, já que o fundamental é buscar um sentido, um princípio para a tarefa da alfabetização, por isso Corais organiza sua reflexão em torno da concepção de “sujeito da aprendizagem”, o que a coloca na situação de interrogar, permanentemente, quem é esse sujeito, o que se espera dele, e que relação podemos construir nesse exercício de mergulho na linguagem.

Trata-se de um esforço que visa a não somente conduzir à compreensão da língua escrita, mas, para além disso, levar o sujeito a “constituir-se através da palavra”. Entretanto, uma variedade considerável de concepções de alfabetização ainda vigoram no cotidiano escolar. Muitas vezes, paradigmas e métodos contraditórios convivem numa mesma prática educativa, e denunciam o conflito permanente entre diferentes concepções de linguagem e de mundo. O próprio discurso dos alfabetizadores denuncia tais contradições,

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embora, como reforça Corais, “por trás de cada fala eu tenho um professor com desejo de que as crianças aprendam”, pelo incentivo à repetição ou na aceitação dos ritmos diversos, acompanhando os desenvolvimentos individuais ou focando na dimensão processual. Nesta análise é possível concluir que as perspectivas inatista, comportamental, o behaviorismo, o paradigma da Gestalt e até o construtivismo se mesclam na busca por resultados positivos.

Para colocar em discussão nossas práticas educativas cotidianas, nossos vícios e tradições, a palestrante propõe que se entenda a alfabetização como processo dinâmico que envolve a cultura e as histórias de vida, adotando a concepção de “vivência” de Vygotsky para destacar a capacidade de resiliência que se impõe, apesar dos obstáculos enfrentados pelas crianças.

A conversa girou em torno de 4 paradigmas ou conjuntos de perspectivas teóricas que balizam a prática profissional do professor-alfabetizador. Segundo Corais, tais fundamentos estão implícitos em nossa atuação mesmo que de modo imperceptível. O primeiro modelo analisado foi o comportamentalista, que toma o sujeito da aprendizagem como um indivíduo passivo que deve repetir para aprender a codificar e decodificar. Já o paradigma fonológico trabalha com o domínio gradativo dos fonemas, dos mais simples aos mais complexos, entendendo a leitura/escrita como um aprendizado progressivo que culmina com o domínio completo dos textos. A proposta construtivista pressupõe um sujeito “ativo” ou “cognitivo” que reconstrói o conhecimento para se apropriar da escrita, e a perspectiva discursiva, ainda não consolidada como paradigma, insere a dimensão político-social na análise dos processos de letramento. Quando vistas a partir da sala de aula, essas teorias ganham corpo e revelam seus propósitos. Nas palavras de nossa convidada, aprende-se a ler e escrever com qualquer método, mas a discussão que se faz é “aprende como?; ou o quê?; e como lidar com esse objeto de conhecimento tão importante que é a escrita?”

Sobre o paradigma comportamentalista, também conhecido como “empirismo”, ele parte da premissa de que o sujeito aprende por meio da influência do meio externo. A maioria dos métodos de alfabetização surgem quando as teorias inatistas são superadas pelas teses do comportamento. Tanto o behaviorismo quanto a Gestalt usavam a repetição para garantir o aprendizado.Nesses processos, a criança apreende inclusive a concepção que está por trás do método.Sabe, por exemplo, que segundo tal lógica é necessário seguir o modelo para assimilar.

Na teoria comportamentalista, a psicologia é vista como uma ciência natural, desvinculada das relações sociais. A aprendizagem depende em grande parte do condicionamento permanente, e se baseia na crença do desenvolvimento paralelo e simultâneo dos alunos, independentemente de suas diferenças, e no mito da transferência imediata de conhecimentos. Nessa perspectiva, os alunos são silenciados, isolados, submetidos à autoridade do saber dos professores, dos conferencistas, dos textos, dos livros, das instruções programadas e das normas da instituição, tudo isso para chegar a um único resultado: ao falso conhecimento e à subordinação.

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Fernando Becker, autor construtivista, defensor da teoria piagetiana, diz que por mais que já tenhamos avanços em teoria, as visões moderna e pós-moderna ainda não foram capazes de superar esse modelo. Qual foi o grande esforço do Vygotsky quando tentou criar uma psicologia baseada no materialismo histórico-dialético? Tanto ele quanto Bakhtin buscaram, a partir da teoria da linguagem, pensar o homem em sua dimensão relacional, intersubjetiva, contradizendo a psicologia natural, fundamentada na constituição biológica dos seres humanos.

A partir da década de 1980, temos uma virada de paradigma. Os estudos de Emília Ferreiro, também baseados no trabalho de Piaget, apresentaram um grande avanço no sentido de considerar o papel ativo do sujeito de aprendizagem, entendendo-o como alguém que recebe o conhecimento, se apropria dele e o reelabora. Como lemos na obra Psicogênese da Língua Escrita:

O sujeito que conhecemos na teoria de Piaget é um sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele por um ato de benevolência, mas um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias categorias de pensamento, ao mesmo tempo em que organiza o mundo. Com isso, o trabalho com os textos em sua dimensão social ganhou destaque

definitivo, não apenas no que diz respeito ao letramento, mas numa direção mais ampla de imersão no mundo das narrativas, desde o momento em que a criança começa a lidar com a escrita. O sujeito aprende numa relação de troca constante com o meio e com o objeto de conhecimento, ou melhor, em permanente relação de equilibração e desequilíbrio com o aprendido, o que chamamos “conflito cognitivo”. Essa perspectiva construtivista dá conta de um momento do aprendizado, do ponto de vista individual do sujeito que constrói conhecimento e que coloca sua vivência a serviço deste processo. Como afirmou Piaget, “o papel da história vivida pelo sujeito, isto é, a ação da experiência passada na experiência atual, pareceu-nos considerável durante os estágios sucessivos que estudamos”.

Sendo assim, o caráter discursivo do processo de aprendizagem abarca não apenas o domínio da língua como sistema abstrato, mas também e talvez principalmente a relação do conteúdo apreendido com as experiencias de vida dos sujeitos e com o contexto social no qual estão inseridos. Daí vem a crítica aos programas de alfabetização que desconectam as unidades linguísticas de suas funções socioculturais. Na perspectiva discursiva, as palavras se articulam como parte de um modo de colocar-se no mundo, e os alunos são elementos atuantes nesta dinâmica. A função central do alfabetizador é criar as condições para que tais consciências se manifestem.

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Faíscas de leitura: ideias para acender a vontade de ler na escola

Solimar Silva – UNIGRANRIO/ Rede Municipal

de Educação de Duque de Caxias

Os temas relacionados à leitura literária e cotidiano escolar foram introduzidos em nosso Ciclo de Palestras durante o workshop da escritora Solimar Silva. Docente da Rede Municipal de Duque de Caxias e do curso de Letras da Unigranrio, a palestrante partiu de sua história pessoal e dos conhecimentos acerca da realidade das escolas públicas na Baixada Fluminense para defender que a escola deve apresentar condições mínimas para o desenvolvimento do interesse pela literatura, já que, considerando o contexto familiar de nossos alunos, na maioria dos casos a escola é o único espaço onde os estudantes têm acesso à cultura leitora. De acordo com Silva, o professor tem por obrigação assumir o papel de mediador entre as crianças e adolescentes e os textos, num exercício constante de estímulo à curiosidade e ao raciocínio crítico.

Sabemos que em nossas instituições a implementação de atividades de incentivo à leitura se dá em geral de modo precário e assistemático, daí a necessidade proeminente de criar um programa pedagógico que coadune a formação continuada do professor, sua capacitação para atuar como estimulador de leitura e a manutenção de um ambiente leitor minimamente estruturado no espaço escolar.

A autora, que acaba de ter aprovada a publicação de seu livro Faíscas de leitura: 150 ideias para acender a vontade de ler, pela Editora Vozes, aproveitou a oportunidade para apresentar, através de análises coletivas de textos de diversos gêneros, algumas das sugestões presentes na obra. A metáfora utilizada no título serviu de mote para iniciar o debate acerca da importância de manter aceso o “desejo leitor” entre nossos alunos e de participar de suas descobertas, tornando-nos, também nós professores, leitores assíduos e apaixonados.

Nesse sentido, vários estudos acadêmicos podem ser apropriados como fundamento teórico no esforço de fazer mais efetivo o trabalho do docente-leitor. Ezequiel Theodoro da Silva, no livro Formação de leitores literários: o professor-leitor, para cunhar o conceito de “mediação-leitora” investiga os hábitos de leitura dos professores da Educação Básica em São Paulo e constata que, apesar de terem em seu histórico, por conta da formação acadêmica, uma bagagem considerável de títulos, tais profissionais, quando se veem envolvidos com a carga intensa de trabalho, passam a negligenciar a prática da leitura, principalmente quando se trata de obras literárias. De acordo com a pesquisa, muitos não possuem mais que 50 exemplares em suas bibliotecas pessoais, e costumam se concentrar em textos técnicos ou direcionados para concursos, em detrimento da leitura por fruição. A escola, como local de trabalho, não oferece espaço físico ou horário determinado para prática de leitura.Portanto, o professor não lê e não propaga motivos para que se leia. Isso nos leva a concluir que o entusiasmo pelos livros deve ser reacendido

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inicialmente no próprio universo docente, e que o aprendizado que deriva da leitura interessada forma conjuntamente professores e alunos.

De Ensinando a gostar de ler, de Raquel Villardi, a palestrante retira a constatação de que a leitura crítica do mundo não deve ser exercitada unicamente por meio da abordagem de textos escritos, mas também através da análise de materiais como fotografias, imagens publicitárias, obras de arte, narrativas sonoras, etc. Uma concepção ampla de leitura conduziu as atividades propostas por Solimar Silva aos professores presentes em sua palestra. Foi pedido que refletissem sobre signo, símbolo e significado, metáfora, discurso e ideologia, abordando um conjunto variado de textos cotidianos que naquele momento adquiriram função pedagógica.

O trabalho com imagens pode ser extremamente rico em uma cultura tão ligada ao audiovisual como a nossa. De acordo com Silva, ao trabalharmos a publicidade em atividades de leitura, por exemplo, colaboramos para pôr em questão os significados comuns e promovemos a percepção do aspecto ideológico deste material. Os signos só ganham sentido no interior de um contexto narrativo e de um universo cultural determinado.Sendo assim, as atividades propostas pela autora incluem a discussão prévia de conceitos e a análise dos discursos corroborados ou subvertidos por tais representações.

No decorrer da palestra os métodos para empreender a leitura crítica foram ganhando destaque. Uma das principais conclusões tiradas da conversa com a professora Solimar é a de que o acesso ao livro ou a qualquer outra mídia literária não leva necessariamente a um aproveitamento frutífero da leitura, ou seja, não tem como garantia um avanço na formação intelectual desses leitores. Somos desafiados a ensinar a ler criticamente, desencadeando inclusive o questionamento do próprio conteúdo dos livros. Aqui podemos contar com os apontamentos de Maria Helena Martins no livro O que é leitura. Nele são identificados três níveis de leitura: o primeiro, chamado “sensorial”, apela para os sentidos; o segundo, “emocional”, diz respeito aos sentimentos de identificação desencadeados no leitor; o terceiro, “racional”, está ligado ao esforço de apreensão lógica do texto. Nossa função como mediadores é explorar de modo didático estas três dimensões.

Solimar Silva identificou ainda três formas de aprendizado para levarmos em consideração na hora de eleger as estratégias pedagógicas às quais vamos recorrer: a “educação” programada, ou seja, o ensino regular; o “exemplo”, que neste caso implica cultivar o hábito leitor em casa e na escola; e a “experiência”, adquirida pela vivência de situações concretas. No livro de Raquel Villardi, podemos encontrar também uma metodologia atualizada para a escolha de livros literários destinados ao trabalho em sala de aula. Geralmente, o que nossos alunos costumam ler está distante de nossas escolhas pessoais, mas o importante é que a leitura seja uma prática cotidiana para eles.Por isso a autora atenta para a necessidade de buscar uma escrita que se aproxime da linguagem da criança e do adolescente.

Outra sugestão valiosa é a de não submeter a leitura a alguma espécie de “exame” ou “pontuação”. Se o livro é lido em casa para responder a uma atividade esquemática de avaliação, o aproveitamento termina sendo incompleto ou parcial. Devemos contar com

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um programa que inclua recursos a serem utilizados antes, durante e depois da leitura, e não nos limitarmos a uma discussão posterior. Nossa palestrante utilizou o estudo de João LuisCeccantini em “Leitores iniciantes e comportamento perene de leitura” para alertar aos riscos do utilitarismo quando se trata de práticas de leitura. Na compreensão do autor, “nunca se leu tanto no Brasil, porém, antigamente a leitura era mais elitista, portanto, lia-se mais literatura. Hoje, a literatura tem um caráter mais utilitário e talvez ‘de menor qualidade’ por seu aspecto não-literário”.

Na última edição dos Retratos da leitura no Brasil (2016), pesquisa que se debruça sobre os hábitos de leitura dos brasileiros para fornecer informações ao mercado de livros, lemos quea média anual é de 4,7 livros por pessoa, o que seria um bom número se esta distribuição fosse equitativa. Os gêneros que predominam são os de autoajuda e religiosos, o que não é necessariamente um dado negativo, mas é importante destacar que os títulos literários costumam ser preteridos. Daí vem o empenho de Solimar Silva em oferecer orientação aos professores-mediadores no sentido de colaborar para a promoção da literatura entre crianças e jovens. Em Faíscas de leitura a autora apresenta sugestões de atividades introdutórias com o objetivo de cativar os alunos, tarefas de discussão e interpretação e, posteriormente, de aplicação, recriação e ampliação dos conhecimentos adquiridos com a leitura.

Para concluir sua exposição, a palestrante propôs diversas táticas de conscientização e estímulo, como: assumir e transmitir a paixão pela leitura, planejar as atividades e traçar estratégias, disponibilizar tempo de aula para a literatura, estruturar o espaço físico para o bom andamento das atividades, disponibilizar resenhas e comentários, promover intercâmbios de livros, utilizar as redes sociais, entre muitas outras. Nessa dinâmica os mediadores de leitura são de suma importância, sejam eles professores, pais, escritores ou youtubers, por exemplo. No que diz respeito ao contexto escolar, docentes de qualquer disciplina podem e devem se tornar mediadores, pois o mínimo de incentivo que oferecemos aos nossos alunos já é um diferencial na conjuntura em que trabalhamos.

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Infância e educação: práticas pedagógicas a partir dos paradigmas de

Pinóquio e Kiriku

Renato Noguera – UFRRJ

Renato Noguera é Professor Adjunto de Filosofia do Departamento de Educação e Sociedade (DES), do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Leafro) e do Laboratório Práxis Filosófica de Análise e Produção de Recursos Didáticos e Paradidáticos para o Ensino de Filosofia (Práxis Filosófica), dedica-se ao estudo da Infância associada a questões antirracistas e decoloniais. Em suas investigações, procura adotar as perspectivas apresentadas por Paulo Freire e Boaventura de Souza Santos de pensar nossa sociedade a partir de referenciais contra-hegemônicos. Entre as revisões propostas por Noguera, está a abordagem da infância no interior do campo multifacetado das culturas afro-brasileiras e indígenas, e não mais a por uma aproximação eurocêntrica.

Nesse sentido, recupera o histórico de transformações da concepção de infância descrito por Philippe Ariès, no livro História social da criança e da família. Segundo o autor, há indícios do delinear de uma noção de infância no século XVII, momento em que a criança é descoberta como um ser que necessita de cuidados especiais e de uma formação humanística, cívica, espiritual, ética e intelectual. Antes a criança era concebida como um adulto em miniatura, como se pode observar pela análise dos escritos de Rousseau, por exemplo. Como contraponto, De Mause rejeita a tese do surgimento da infância, sobretudo por acreditar que a prática dos adultos em relação aos primeiros cuidados era brutal e violenta, e que a infância teria sido sempre a mesma, pois foram os adultos e suas práticas que a mudaram. Linda Pollock responde a essa tese com o argumento de que em algumas classes sociais as crianças tinham um lugar específico. A burguesia, por exemplo, tratava as crianças de um modo diferenciado apesar de agir com violência.Por outro lado, entre as classes desfavorecidas as crianças eram alvos constantes de violência e não havia tratamento diferenciado.

O palestrante acrescenta ainda que RégineSirota, a partir da Sociologia, traz um novo olhar sobre a infância e tenta desfazer a ideia de que a criança é um “não ser”.Ou seja, de alguma forma a autora esvazia a projeção do que a criança vai ser quando crescer, pois esta não tem que tornar-se adulto para ser algo. Com isso é possível começar a pensar o protagonismo da criança nas relações sociais. Já o filósofo MogobeRamose cunhou dois termos para a infância: ubunbane e ubuntoná. O ubunbane define a infância, enquanto período, nos moldes formulados por Piaget. E o ubuntana se refere à infância como estágio de desenvolvimento dos sentidos (olfato, audição, paladar) que nos torna aptos a lançar um olhar inaugural sobre o mundo.

As pesquisas de Renato Noguera se encaminham para uma observação das

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percepções desenvolvidas durante a infância e do modo como as crianças são socializadas, considerando principalmente as categorias de “gênero” e “raça”. Outra linha trabalhada pelo professor é a formação voltada para a consciência ecológica e para a preservação do meio ambiente. Sua estratégia para descolonizar a infância é refletir sob duas perspectivas: a educação como superação da infância e a educação para cultivar a infância. Trata-se de uma reflexão exterior às teorias desenvolvimentistas e teleológicas, que são ideologias de avanço e progresso. Por outro caminho, Noguera afirma que não é necessário tornar-se adulto para realizar-se como indivíduo.Ao contrário, somente um estado de infância possibilitaria o aprendizado constante.

Dois filmes foram tomados como metáforas na construção de sua linha argumentativa: Pinóquio e Kirikue aFeiticeira. Pinóquio é um filme de 1940 dirigido por Norman Ferguson e desenvolvido a partir de uma história do Carlo Collodi, um escritor italiano, enquanto Kiriku é um filme de 1998, de Michel Ocelot, um francêsque morou na Guiné Bissau e que, quando era criança, ouviu histórias que são comuns ao Império Mali e ao Império Songai. Essas narrativas marcaram a infância de Michel e daí ele retirou o roteiro de Kiriku, um dos seus trabalhos como diretor de animação.

Carlo Collodi foi um homem da literatura imbuído de um projeto de educação. A história do Pinóquio passa-se em uma família onde a mãe é uma fada e, essa família acredita na educação escolar,tanto que o pai troca um casaco por um caderno, e o filho, que é um boneco de madeira, só ganha humanidade quando passa a estudar. Pinóquio passa por várias intempéries até chegar à escola: ele vai para o país dos brinquedos e quase se transforma em burro, depois é engolido por uma baleia. Passada a experiência, resolve obedecer ao pai e reconhece que precisa estudar para crescer e virar gente, ou seja, tornar-se um menino de “verdade”. A conclusão é que a humanidade de um indivíduo está submetida ao estudo. Na lógica do filme, estudar é um ato muito importante e, a escola tem um papel central em nossas vidas. Temos aqui um mote útil para pensarmos o que seria uma superação da infância, a ideia de que temos que deixar de ser criança e amadurecer. Essa é a versão piagetiana/vygotskiana da infância.

Já o filme Kiriku segue outra linha, e se passa na África Ocidental. Aqui o palestrante chama atenção para a diversidade cultural do continente africano, pois apesar de ser possível identificar alguns elementos comuns, não é razoável tentar homogeneizar a 55 países. Estamos falando do território onde foi o Império de Songai. Kiriku e a Feiticeira é a história de um menino que nasce falando em um povoado onde reina uma feiticeira que come os humanos. Ele pergunta por que a Feiticeira come as crianças e tenta salvar os meninos de serem devorados. Kiriku é a menor criança da aldeia e também a mais esperta, ou seja, é o mais infantil e o que mais pergunta e resolve problemas. E é por aí que esse pequeno consegue entrar onde ninguém entra. Sendo assim, ser pequeno, ser menor, é uma qualidade. Chega um momento que a mãe diz que quem sabe porque a feiticeira come as pessoas é o seu avô, o velho sábio da montanha. Então ele vai até lá e descobre porque a feiticeira é má, e aí temos uma metáfora sobre gênero. A feiticeira é má porque alguns homens colocaram espinhos na base da coluna dela, e esses espinhos produzem a dor que ela sente e lhe dá poderes mágicos. Isso nos leva a perceber que a violência é uma

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reação direta de quem sofre violência. O avô de Kuriku diz para ele como é bom ser pequeno, ser criança e, por ser criança Kuriku consegue se esconder e chegar até Karabá (a feiticeira), retirar o espinho dela a acabar com seu sofrimento. Karabá dá um beijo em Kuriku e assim ele vira um adulto. O que se revela é que Kuriku tem a infância nele, e justamente por isso é capaz de resolver problemas. Infância aqui significa aquilo que nos faz capazes de reinventar o mundo, é a invenção versus o erro. Se em Pinóquio nos tínhamos a verdade como antônimo da mentira, em Kuriku o que se encena é a produção de sentido.

Assim, o problema não fica mais na ordem do verdadeiro e do falso, o que está em debate é: como nós podemos construir novas possibilidades? Kiriku nos convida a pensar que educação é resistir ao esquecimento da infância. Como diz Walter Cohn, é o esquecimento da infância que nos torna incapazes de reinventar a própria vida. Neste sentido, o educar parece muito mais um exercício de cultivo da infância do que superação e amadurecimento.

Isso contradiz a tese do amadurecimento, porque: A verdade pode se transformar em totalitarismo, as crianças podem fornecer as respostas oportunas e necessárias para uma vida produtiva e eficiente, é preciso aproveitar o tempo e otimizar a informação, tornar as estratégias mais eficientes. Assim, com sua finalidade pervertida o sistema contemporâneo destrói a escola, que já não pode mais preservar a infância na infância, lembrança do outro esquecido. A infantia é o que o sistema exige que esqueçam os que estão mais próximos do nascimento.

A infância é nome de um milagre: o da interrupção do ser das coisas pela entrada de seu outro, o outro do ser, a condição de toda e qualquer diferença. Nessa concepção, a escola deve ser um território de manutenção da infância

entendida não só como um período da vida, mas como modo de atuar, como capacidade questionadora. Talvez para ser professora ou professor, nós não podemos perder a infância.

Há uma tese que defende que alguns povos exercitam mais a infância que outros. Sociedades da Roda, por exemplo, sociedades que têm a roda como o recurso de intervenção, como a roda de samba, a roda de capoeira, a roda de candomblé. Esses círculos significam que a gestão daquelas sociedades não opera em linha reta. Algumas culturas africanas e indígenas operam com a roda. Tem a ver com a ciranda, que é uma brincadeira, ou seja, tem sociedades que são mais brincantes do que outras. O argumento é que as sociedades mais brincantes conseguem gerenciar melhor seus conflitos. Assim, Renato Noguera defende a criação de escolas-aldeia, escolas-quilombo como modalidades que possam reintegrar, reconstruir a sociedade em que vivemos. Tais instituições podem ser mais interessantes porque reintroduzem a concepção de brincante e reestabelece na escola o espaço da brincadeira, da brincagogia: juntar brincadeira, tecnologia e arte.

Quando perdemos a infância travamos debates não para aprender, mas para vencer o outro que discute conosco. Debatemos com novas convicções e certezas. O milagre (a

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infância) é justamente aceitar o inesperado, o mistério, e talvez só a infância ofereça essa possibilidade. O inesperado do mistério significa que podemos fazer as coisas de maneira completamente diferente, inclusive as configurações de sociedades podem ser outras. Significa a instalação de um outro radical, que nos libera de encaixotar o mundo do modo como o encaixotamos.

Por essas questões, em algumas sociedades os adolescentes entram em crise, porque a ruptura com a infância é uma coisa muito radical. Há comunidades indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais nas quais não existe a crise adolescente, porque os adolescentes não têm o problema de abandonar a infância. Povos tradicionais são os povos que se organizam pelos movimentos cíclicos da natureza. São povos que não se orientam pelo relógio, mas pelas estações do ano, pelos fenômenos da natureza. O que pode ser pensado como utopia é uma forma de tornarmos nossa cidade mais próxima de uma aldeia. Talvez isso seja uma alternativa possível de gestão política. Por exemplo, os Kao, são um grupo indígena que fazem competição colaborativa, onde ninguém vence. É outro formato de sociedade. Nessas sociedades não há prisões, não há manicômios. Por que não há? São perfeitos? Não. Mas a forma como são socializados não criam necessidade de prisões e nem de manicômios, nem asilos, nem orfanatos. As sociedades ocidentais produzem a necessidade do sistema prisional. Podemos criar sistemas educacionais que visem produzir comunidades humanas que não precisem de sistemas prisionais. Talvez seja possível socializar as pessoas de outras maneiras. Não se trata de pedir que os professores façam milagres, mas de apostar um pouco mais nessa infância.

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ESCOLA E INCLUSÃO SOCIAL Educação, pensamento crítico e crise da Modernidade

Aloísio Monteiro – UFRRJ

Aloísio Monteiro é professor adjunto da Faculdade de Educação da UFRRJ, e se

dedica ao estudo da educação étnico-racial em sociedades indígenas e comunidades rurais no sul do estado do Rio de Janeiro. Na palestra oferecida aos profissionais de nossa Rede, apresentou uma leitura sócio-crítica acerca do sistema educacional brasileiro, demonstrando em retrospectiva qual o trajeto histórico que nos conduziu à situação em que nos encontramos hoje.

Segundo Monteiro, não é frutífero discutir um tema fundamental como a Educação sem lançar mão de uma abordagem temporal. Somente ao contextualizar nossas análises e situar politicamente o momento que estamos vivendo podemos compreender por que, com tantos séculos de história, os benefícios conquistados na modernidade ainda estão longe do alcance de todos. Os contrastes entre grupos sociais se traduzem no nível diferenciado de disfrute de serviços básicos como energia elétrica, rede de telefonia ou saneamento, por isso o palestrante identifica como “crise da Modernidade” o colapso de valores corroborado pelo discurso do progresso e pela demanda por um tipo de desenvolvimento que atropela a dignidade humana.

Nesse contexto, o Estado também se coloca como parte do projeto excludente, já que os governos muitas vezes se imbuem da função de administrar a crise do capital. Trata-se de um esquema de poder que tem como razão de ser a manutenção das contradições entre as classes sociais. Assim, o avanço tecnológico promovido pelo capitalismo instaura a automação do trabalho e gera exclusão, pois quanto maior o desenvolvimento tecnológico, maior o índice de desemprego e o nível de individualização das relações, se tomarmos por individualização o processo que desmonta a coletividade e inviabiliza a solidariedade de classe.

Adotando a crítica de Karl Marx como referência, Monteiro desenvolveu sua exposição acerca dos mecanismos de alienação intelectual e cultural das classes trabalhadoras a partir dos três pilares identificados por Marx como bases do sistema capitalista. O pensador alemão nos oferece uma visão objetiva do que formaria a coluna vertebral de nossa ordem econômica e social e observa que, na lógica desse sistema, só deveria defender o capital os que são donos dos meios de produção, ou seja, os proprietários das estruturas por meio das quais os produtos se materializam. Todo produto que se oferece ao consumo abriga em si três elementos: 1) matéria-prima; 2) meio de produção; 3) mão de obra. Este último item, que se define pela ação do trabalhador sobre a matéria-prima, demanda conhecimento técnico, e é aí que a educação popular se apresenta como fator fundamental.

Nossa função como professores das classes trabalhadoras é conduzir este público

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ao domínio do pensamento crítico. E o que seria esse pensamento crítico? A educação para o trabalho forma um operário com competências técnicas, mas não oferece capacidade reflexiva. Deparamo-nos aqui com uma necessidade urgente de inverter valores para enfrentar a crise da Modernidade e o projeto de “educação bancária”. Ao reavaliar nossos referencias teóricos e metodológicos, podemos redirecionar nossa atuação profissional no sentido de promover a autonomia de nossos alunos, além de confrontar a política de pauperização do professor.

A qualificação e a formação continuada, por exemplo, têm sido alguns dos pontos centrais de nossas reivindicações. Também nós docentes somos submetidos a uma dinâmica que impede o desenvolvimento cultural e intelectual, o que não está desconectado da desvalorização salarial e da precariedade das condições de trabalho. No fim das contas, aprofundar o conhecimento da categoria docente significa abrir possibilidade de pensamento crítico para os estudantes, o que não interessa ao sistema.

No que diz respeito aos modelos pedagógicos adotados, vivemos, desde o momento de instauração da educação pública, a reprodução dos marcos colonizadores fundados pelas missões jesuítas. A homogeneização cultural e a imposição do pensamento europeu foram absorvidas e naturalizadas pelas instituições modernas. Tal padrão somente poderá ser rompido quando incorporarmos com profundidade os ensinamentos de Paulo Freire e compreendermos que nossa incumbência é abrir o campo motivacional dos alunos para o aprendizado, aproximando conhecimento e cotidiano, o que não significa de modo algum implementar um ensino utilitário voltado para o fazer do trabalho. Por outro caminho, a educação crítica é fundamental para que conheçamos o limite da nossa exploração e suas condições.

O que vemos hoje é a compartimentação declarada da educação por classes, com diferenças radicais entre a formação da classe dominante e a dos grupos subordinados em termos de estrutura e serviço oferecido. A Meta do IDEB também é distinta se consideradas instituições públicas e privadas, e nada disso é casual. A proposta oficial sempre foi a de preparar para a produção, transportando a lógica da fábrica para o sistema educacional. De acordo com o paradigma neoliberal, os conhecimentos e os papéis sociais devem estar compartimentados em categorias técnicas e intelectuais, e os saberes serão valorizados conforme sua predominância na produção de mais-valia. Um exemplo recente é o “Movimento escola sem partido”, que na prática apregoa a hegemonia da classe dominante, pois, ao reivindicar a universalização de uma pedagogia utilitária, pretende negar aos trabalhadores o acesso à cidadania aberto pela consciência crítica.

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Cenários da EJA

Fernanda Paixão Gouveia – IFRJ

A doutoranda Fernanda Paixão Gouveia, professora do Instituto Federal do Rio de

Janeiro (IFRJ), fundamentou sua exposição a respeito dos alicerces que sustentam os programas de Educação de Jovens e Adultos numa perspectiva histórica e num posicionamento teórico crítico. Membro do Grupo THESE - Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde (UERJ/UFF/EPSJV), a palestrante tem como temas de pesquisa as políticas públicas para a juventude e a qualificação profissional.

Além de apontar para as bases oligárquicas da sociedade brasileira como origem das exclusões a que foram submetidos os grupos menos favorecidos, relacionou estas exclusões às hierarquias reproduzidas pela educação escolar, em particular no âmbito dos programas direcionados à formação do trabalhador. De acordo com Gouveia, a escola não é um espaço originalmente pensado para instrução das classes populares, por isso mesmo, a ampliação do acesso à educação formal que abarcou os grupos marginalizados encontrou resistência entre os integrantes de nossa elite conservadora. Ou seja, se levarmos em consideração uma história marcada pela dependência econômica e cultural, e um passado colonial de subordinação à hegemonia europeia, vamos compreender que a escolaridade no Brasil não poderia estar imune às consequências desta ordem.

Por isso se faz necessário recorrer a uma análise estrutural, para compreender o que está por trás das estatísticas. Os números apresentados pelas palestrante apontam para 17 milhões de brasileiros analfabetos acima de 15 anos de idade (mais da metade corresponde a pardos e negros) e para 1,7 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos que permanecem fora da escola. A isso se soma o fato de que apenas pouco mais da metade dos jovens do País conclui o ensino médio na idade regular, enquanto uma massa de indivíduos é repelida pela escola por sua inadequação aos modelos de ensino ou pela inconformidade da própria instituição às necessidades de trabalho e subsistência destas pessoas. Portanto, não é possível considerar a construção do sujeito da EJA sem avaliar esse quadro, ou sem atentar para a condição de classe.

Apesar dos avanços conquistados pelos movimentos sociais, e da pressão popular por acesso à educação formal, a universalização real de uma escola de alto nível contradiria os interesses do capital, tanto em sua dimensão nacional quanto nas instâncias internacionais, já que um Brasil ou uma América Latina educada e emancipada significaria uma ameaça ao poder constituído e uma contra-narrativa à ideologia do capitalismo. Negar o direito integral à uma educação pública, gratuita e de qualidade é parte da dinâmica que movimenta tal sistema desde sua fundação até a atualidade.

No que diz respeito à Educação de Jovens e Adultos, suas funções estão descritas no parecer 11 de 2000, que institui as diretrizes curriculares. Nele vemos materializadas as conquistas dos últimos 14 anos, quando tivemos um avanço claro na formulação de

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políticas públicas para a educação de trabalhadores, justamente pela maior abertura dos últimos governos às demandas dos movimentos sociais. O que vem acontecendo após a assunção do governo atual, primeiro de forma interina, e agora de forma efetiva, é o desmonte sistemático de instituições e programas através dos quais as questões ligadas à educação de trabalhadores eram tratadas, e isso repercute nas políticas estaduais e municipais.

O progresso representado pelo parecer 11 está em superar a perspectiva supletiva desta modalidade de ensino estabelecendo as 3 funções básicas para a EJA: Função Reparadora (reparar um processo de alijamento histórico por parte desses sujeitos em relação aos espaços de integração social); Função Equalizadora (dar condições equiparadas de inserção profissional e social aos que sofreram interrupção escolar forçada); Função qualificadora ou permanente (que propicia a todos a atualização do conhecimento). Entretanto, apesar dos avanços, ainda vivenciamos a manutenção da lógica da subalternidade na educação voltada para adultos trabalhadores, que em última instância visa a atender as necessidades do capital, adotando uma perspectiva pulverizada e compensatória e, em acordo com as recomendações dos documentos internacionais, mantendo o foco em grupos de extrema pobreza com o intuito de conter o desequilíbrio das correlações de força e preservar a ordem instituída.

Entre as inovações que se apresentaram nas últimas duas décadas destaca-se a LDB, a inclusão da EJA no FUNDEF e, no campo da educação profissional, o decreto 5154, que permite que se implemente o ensino integrado, inclusive na modalidade de jovens e adultos, e a própria criação POROEJA, que integra educação básica e profissional. Ao mesmo tempo, há programas como o Brasil Alfabetizado, PBA, que consumiu 330 milhões no biênio 2003-2005 e só conseguiu reduzir em 0,3% o índice de analfabetismo. Investiu-se muito sem grandes retornos porque a constituição do programa e a forma como se instaurou nas periferias não garantiu sua eficácia.

De acordo com Gouveia, o crescimento da EJA como modalidade de educação básica ganha espaço no plano formal, mas não tem sido traduzido no plano político concreto. Ainda se trabalha com a ideia de “campanhas”, numa perspectiva higienista que, sob a bandeira de erradicação do analfabetismo, marcou boa parte da história da educação de jovens e adultos. Não há integração, a EJA funciona como programa paralelo ao sistema educacional regular e, mesmo dentro dos novos programas, ainda imperam velhas concepções como as de reorganização do capital, controle social, competitividade, empregabilidade e empreendedorismo. Essa formação se limita à capacitação para funções simples, que geralmente não exigiriam alta qualificação, embora a concorrência criada pelo mercado tenha alterado tal realidade. Os alunos do EJA voltam para a escola pela pressão do mercado, mas os sistemas educacionais, mesmo trabalhando com a promessa de inclusão social, não são capazes de garantir um retorno seguro.

A esse respeito, Sonia Rummert afirma que “a favor da tese da inclusão, podem ser apresentados argumentos que enumeram exemplos de indivíduos ou de pequenos grupos que obtiveram algum tipo de êxito em seus esforços de inserção num sistema em particular a partir ações de caráter formativo, mas casos confirmam a constatação de que

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o sistema capital necessita de certa permeabilidade que lhe assegure a situação de hegemonia aqui referida. Nessa perspectiva podemos afirmar que pequenos eventos de caráter inclusivo não promovem transformações substantivas das condições de vida do conjunto da classe trabalhadora que, submetida cada vez mais a intensos processos de precarização das condições de existência, se torna objeto de ações focais, de medidas assistenciais ou de caráter filantrópico.”

Ou seja, apesar de conhecermos histórias de êxito que nos deixam bastante felizes como professores, nossos alunos se inserem no mercado numa situação ainda muito restrita, e tais inserções se configuram como exceção. No que isso nos implica enquanto profissionais da educação? Se nos colocamos como intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano do termo, nossa atuação pode trazer à luz simulacros que dão sustentação ao sistema e que podem contribuir para o desencadeamento de mudança substantivas na realidade da classe trabalhadora. Temos elementos para diagnosticar, compreender e avaliar de perto os diferentes contextos, com condição de propor e de ser ativo no processo de transformação. Quando já não há dúvidas acerca das características do público para o qual estamos trabalhando e do propósito de tal trabalho, torna-se bem mais frutífera a ação de relacionar conteúdos e modos de fazer com reivindicações políticas e sociais.

Ainda tomando como referência o pensamento de Antonio Gramsci, a escola pode assumir um potencial para a construção da contra-hegemonia, mesmo sendo este o espaço da reprodução das relações de poder, ou justamente por conta dessa característica. Já vivemos muitas experiências de engajamento que demonstram ser possível construir outro tipo de caminho. A ocupação das escolas estaduais de ensino médio, movimento construído com o apoio de professores atuantes, é um exemplo completo do comprometimento deste intelectual com a classe social da qual provém. O especialista que se coloca como organizador das bases gera novas maneiras de pensar e produzir conhecimento, ciência e cultura, agora sob a perspectiva da classe trabalhadora. É assim que nós professores temos que nos apresentar, como intelectuais orgânicos envolvidos na militância pela educação popular.