CIDADANIA CULTURAL, UMA LÍCITA REINVENÇÃO DA REDE IMAGINÁRIA GLOBAL.pdf

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  • INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao BH/MG 2 a 6 Set 2003

    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    CIDADANIA CULTURAL: UMA LCITA REINVENO DA

    REDE IMAGINRIA GLOBAL

    Maria das Graas Pinto Coelho

    Universidade Federal Do Rio Grande Do Norte

    Resumo: Este estudo introduz a dimenso cultural noo de cidadania. Faz a interseoentre cultura, mdia, conhecimento, cidadania e consumo na inteno de mapear outros espaos fsicose simblicos na rede imaginria global. Registra a lcita presena do cidado nas novas prticas sociaisglobais. Pensa a expanso das formas simblicas na sociedade contempornea. E, em particular,destaca as questes ligadas estilizao da produo, lgica social do consumo, surgimento dascomunidades imaginrias, poltica cultural; direitos e responsabilidades em uma particular esfera dajustia, de igualdade complexa, que d acesso informao sobre a qual todo cidado titular.

    Palavras-chave: Globalizao-Cidadania-Cultura-Consumo-Mdia

    1 Introduo

    No momento em que o Brasil se prepara para iniciar um indito captulo na histria

    das lutas sociais, bem provvel que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si

    prprio em novas prticas cidads. Prticas estas que revisitam as clssicas dimenses da

    cidadania - direitos e deveres civis, polticos e sociais - e agregam diferentes e mltiplas

    extenses para o exerccio cidado no mundo trnsfuga que se constri. A dimenso cultural

    da cidadania, por exemplo, impe status ao direito de informao que todo cidado titular e

    se articula bem com o Programa de Polticas Pblicas de Cultura, divulgado pelo Partido dos

    Trabalhadores - PT, para ser implantado pelo atual governo brasileiro.

    Aparentemente, as diretrizes polticas gravadas no Programa Cultural do PT se

    encontram na socializao dos bens culturais, a partir de um claro processo de normatizao

    social chancelado pelo Estado. Mas ser este um primeiro passo para uma ampla discusso

    sobre cidadania cultural, ou seja: o entendimento de que as diferentes instituies do pas

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    precisam estar articuladas na construo de um novo status cidado enfocado, sobremaneira,

    no consumo dos bens simblicos e na apropriao social dos meios? Na verdade, este um

    caminho difcil de se traar. Por hora, o que precisamos encontrar o seu rito de passagem.

    Um rito que segue as rpidas mudanas socioeconmicas e culturais que acompanham

    um mundo em constante evoluo. Surge da uma nova expresso cidad que deve ser

    confrontada na expanso das tecnologias de comunicao e informao, na reestruturao do

    capitalismo mundial e na reconstruo das identidades; por movimentos disporas que

    influenciam, sobremaneira, os processos produtivos, acarretando desdobramentos scio-

    econmicos, polticos e ticos para o conjunto da sociedade.

    So mudanas que acontecem em um cenrio onde se criou o consenso de que o

    conhecimento, a capacidade de processar e selecionar informaes, a criatividade e a

    iniciativa, so as principais matrias primas do desenvolvimento. Representam a competncia

    que cada localidade dispe para gerar e negociar sentido na busca de sua prpria incluso no

    sistema globalizado. Introduz-se nas agendas sociais dos pases desenvolvidos o

    deslocamento das prioridades de investimento em infra-estrutura e equipamentos para as

    formaes de habilidades cognitivas e competncias sociais da populao. Requisitos cada

    vez mais prioritrios ao exerccio das novas prticas cidads.

    No caso da nfase na formao de habilidades do sujeito contemporneo, consenso

    que as novas idias que se desenvolvem no mundo globalizado para estimular o

    desenvolvimento cognitivo da populao, podem influenciar mudanas polticas e sociais no

    mundo atual. A discusso envolve feminismo, cidadania, ecologia, acesso e decodificao dos

    bens simblicos, liberdade individual, entre outros pressupostos. O todo dessa composio

    pode fundamentar uma outra prtica scio-cultural, sintonizada s mudanas em curso. E na

    medida em que projetos culturais pblicos sejam encarados como de formao social, seus

    desdobramentos inevitavelmente promovero mais humanidade na sociedade global.

    Acrescenta-se ainda, discusso sobre incluso social global, outros componentes.

    Paradoxalmente, uma poltica cultural pblica deve ser abordada, preferencialmente, com

    questes relacionadas identidade, pertencimento, noes de responsabilidade civil,

    diferenas comunitrias, etc..., na observao do contexto social em que ela est sendo

    engendrada. Da se articulam as dimenses culturais da cidadania, j incorporadas aos novos

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    espaos democrticos criados no processo de globalizao de bens e servios como, por

    exemplo, as comunidades imaginrias.

    Curiosamente, um dos eixos que mais se entrelaam com as atitudes de cidadania em

    projetos pblicos culturais, o das habilidades bsicas, que tanto servem para facilitar o

    acesso informao - mola propulsora do mundo globalizado - como se acomodam as

    mudanas do mundo do trabalho. O alcance destas habilidades introduz, em seus

    fundamentos, noes de competncias que perpassam toda a sociedade contempornea de

    informao miditica.

    COMPETNCIA DEPENDE DE CONHECIMENTO

    As novas competncias de fato surgem no como mais uma inveno do novo mundo

    do trabalho. Embora estejam presentes nos paradigmas de avaliao escolar e/ou trabalhista,

    elas no so uma escolha organizacional. Se a sociedade de informao miditica projetada,

    as novas competncias surgem como uma escolha pedaggica no mundo atual. A noo

    perpassa todo o imaginrio social e se estabelece em vrias frentes da cultura contempornea.

    Moderniza a lgica consumista internamente, quando troca a antiga frmula direta de

    estmulo seduo pela idia de competncia. Legitima a lgica do consumo ao abrir-lhe uma

    validao formativa diferente. Alis, o desejo deixa pouco a pouco de ser etreo e vai se

    centrando basicamente na cincia da competncia. Os bens simblicos tambm recebem uma

    sobrecarga extra de valores e adquirem outras dimenses. Entender a ampliao da noo de

    competncia no mundo moderno implica em resgatar o significado esttico das coisas,

    inclusive imprimindo condies imateriais a estes significados.

    Do ponto de vista histrico, acontece um conjunto de transformaes na economia

    capitalista, provocando um intenso processo de reorganizao do trabalho, envolvendo a

    introduo das novas tecnologias de comunicao e informao, principalmente de base

    microeletrnica. Embora o consumo esteja presente em todas as sociedades humanas,

    somente agora, no ltimo sculo, que o consumo surge realmente como fundamento social,

    mais do que meramente como uma caracterstica fenomenal da sociedade. Para se falar em

    sociedade de consumo de massas deve se levar em considerao forma como os novos

    processos operacionais e produtivos so concebidos contemporaneamente.

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    VALOR DE TROCA DESLOCA-SE PARA O CONSUMO

    A anlise da dimenso simblica do consumo, como da mdia no mbito da indstria

    cultural, somente possvel ao se considerar o contexto da dinmica da evoluo do

    capitalismo, ou seja, no mbito das relaes de produo-consumo das economias capitalistas

    contemporneas. A nfase no atual incremento e expanso globalizada de mercadorias tanto

    pode ser dada como resultado desse mesmo processo como na reproduo ampliada do

    capital-mundo. Na verdade, o valor de troca das mercadorias na economia de mercado

    diferente. Em alguns momentos as mercadorias so obtidas e removidas, permanentemente ou

    temporariamente, da esfera da relao de troca e os objetos so valorizados do ponto de vista

    do consumidor.

    LURY (1999) sugere que um dos mais significativosdesenvolvimentos nas formas de bens de consumo na ltima dcada a transio na produo dos bens materiais em experimentais. Diz queest acontecendo uma transio na organizao produtiva de bensdurveis mquinas de lavar, geladeira, carro, ente outros para aproduo de bens no-durveis e, em particular, para bensexperimentais que so utilizados tanto como produtos de consumo,como produtos de experimentao, tais como os bens de servios atividades de lazer, viagens de frias, programas educacionais, etc.Tais bens so marcados preferencialmente pelo fator tempo, o que setraduz em imateriais e no pela substncia de sua materializao.

    Este processo envolve claramente o crescimento do conhecimento esttico na linha de

    produo, requerendo apurados julgamentos de gosto e valores estticos no design do

    produto. No entanto, at os bens durveis ao agregarem os novos valores estticos so

    desenvolvidos e produzidos igual a qualquer bem de consumo. LURY (idem) reconhece nesse

    processo uma intensificao obsoleta da esttica, que muito rapidamente transformada em

    mudana de estilo.

    Ele argumenta que a desmaterializao dos produtos a ligao que permite a

    flexibilizao nas prticas de trabalho, s novas tecnologias e ao aumento dos significados de

    distribuio. Todas essas mudanas resultaram no que ele denomina de fluidizao do

    consumo: o resgate da antes esttica, fixa, espacial e temporal dimenses das relaes sociais.

    Essas mudanas podem contribuir para se entender a estilizao do consumo da sociedade

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    contempornea e estabelecer uma ligao entre a estilizao e as mudanas nas organizaes

    da base produtiva.

    Para LURY (idem), o consumismo contemporneo no estaria saturado apenas por

    imagens, mas tambm por representaes, especialmente por representaes com

    significados. Citando APPADURAI, LURY (idem), sugere que o movimento dos bens de

    consumo dentro e entre as sociedades modelado pela distribuio combinada do

    conhecimento tcnico, social e esttico em trilhas bem delineadas atravs dos quais eles se

    expandem e flutuam.

    A distribuio de tais conhecimentos a chave que determina o tipo de valor atribudo

    aos objetos e como eles circularo atravs das trilhas. Por outro lado, a esttica, ou qualquer

    outro tipo de conhecimento agregado, vem sendo disseminado de forma bastante desigual ao

    longo dos caminhos traados na distribuio dos produtos. Essa relao coloca a sociedade

    diante de um impasse que envolve conhecimento, informao e ignorncia, que no est

    restrito to somente aos plos de produo e consumo na trilha percorrida pela distribuio

    dos bens, mas se caracteriza tambm no processo de circulao e troca como um todo.

    COMPRO, LOGO EXISTO... OU A LGICA DO CONSUMO

    So reconhecidos o poder educativo da cultura da informao e o direcionamento dela

    lgica social do consumo, o que registra vrios autores, entre eles BAUDRILLARD (1995).

    Da porque este estudo procura esticar o trip: mdia, cidadania e consumo na inteno de

    melhor entender o acesso aos bens simblicos na sociedade de informao.

    Segundo BAUDRILLARD (idem), o processo de consumo deve ser analisado sob dois

    aspectos essenciais: primeiro, como processo de significao e comunicao e o segundo,

    como processo de classificao e de diferenciao social.

    A lgica social do consumo no a da apropriao individualdo valor de uso dos bens e dos servios lgica de produodesigual, em que uns tm direito ao milagre e outros apenas smigalhas do milagre-; tambm no a lgica da satisfao, masa lgica da produo e da manipulao dos significantessociais BAUDRILLARD (1995: p.59).

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    O processo de significao da lgica social do consumo entendido como uma

    instituio de classe, igual que a escola, porque na prtica social nem todos tm as mesmas

    possibilidades escolares, assim como nem todos tm o mesmo discernimento para a compra.

    Existe desigualdade na aquisio de objetos e enquanto a compra regulada pelo poder de

    compra, o grau de instruo depende da ascendncia de classe. Ou seja, apesar de todos

    aparentemente terem acesso aos objetos e ao saber, existe, no entanto uma discriminao

    radical no sentido de que s alguns ascendem lgica autnoma e racional dos elementos

    do ambiente - uso funcional, organizao esttica, realizao cultural (Idem: p.58).

    O romantismo e a tica do consumo defendida por CAMPBELL apud CORRIGAN

    (1998) mapeia as origens do comportamento consumista nos finais do sculo 18.

    CAMPEBELL (idem) traa um paralelo entre o clssico de Max Weber, - A tica Protestante

    e o Esprito do Capitalismo - e o fundamento consumista moderno. Neste sentido, o

    romantismo surge como um movimento propulsor de uma nova ordem de consumo na

    modernidade. A produo em massa de romances e folhetins e o aburguesamento da vida

    familiar permitiram o tempo ocioso e a introverso necessria leitura silenciosa, incio da

    verdadeira vida imaginativa. O idealismo consumista pessoal seria uma tica forjada no

    sentimentalismo, na comoo, nas lgrimas, na delicadeza, no bom gosto e por fim at em

    roupas e alimentos refinados. E ao contrrio da tica protestante, que rendia suas obrigaes

    de produo e acumulao a Deus, a tica do consumismo glorificava o indivduo.

    Mergulhado na vida imaginria um consumidor exigente estaria revelando tanta virtude, tanta

    santidade de alma, que merecia a salvao igual a qualquer industrial calvinista.

    As personagens dos folhetins romnticos que inspiravam o leitor a desejar objetos

    antes desconhecidos do incio a um processo que seria repetido exausto pelos

    consumidores modernos que, bem se sabe, no compram um produto pelo seu valor de uso,

    mas por despertarem sonhos e iluses. O day dream criado pelo idealismo consumista fruto

    de uma estimulao insuficiente, redimida no consumo compulsivo de roupas, amantes e

    badulaques. Da porque o consumista moderno parece ser passional e no passivo.

    BOURDIEU (1999), tambm coloca o idealismo consumista no plano da estimulao

    mental e examina com bastante propriedade a ligao entre prticas de consumo e classe

    social, quando desenha uma distino entre dois tipos de capital. Desloca a discusso que

    reflete o capital no campo puramente econmico para o plano cultural. Para BOURDIEU

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    (idem) existe outro tipo de capital que s vezes pode ser transformado em capital econmico,

    embora tambm possa se opor a este, que agrega valor ao sujeito e facilita a sua insero

    social. Este seria o capital cultural. A educao, segundo ele, explicaria os valores atribudos

    ao campo cultural.

    As elites que freqentam as escolas costumam criar um mundo de palavras e signos

    que constituem um senso de realidade particular, combinando objetos de consumo com

    maneiras exclusivas de consumo. Um exemplo disso o jornal dirio que um mesmo grupo

    social l, transformando essa prtica em uma marca de classe. Em outras palavras, o capital

    cultural permite que as mais fundamentais diferenas sociais possam ser expressas. Essa

    expresso indica que cada ato de consumo considerado um signo de diferena social, ou

    uma distino de classe.

    A abordagem de BOURDIEU (idem) recoloca a questo do consumo no espao social

    e enfatiza que o saber e a cultura podem tambm ser uma dissimulao social para criar mais

    diferenas. Ele defende a idia de que o capital cultural ao ser apropriado por uma

    determinada elite, cria uma segregao social mais aguda entre aqueles que possuem a chave

    da educao, o cdigo que permite o seu acesso legtimo, racional e eficaz aos bens

    simblicos e aqueles que apenas consomem esse saber sem participar de seu processo

    produtivo.

    Para BOURDIEU apud CORRIGAN (1998: p.29), somente o sujeito educado em

    determinados circuitos, onde se permite o cultivo do esprito e da mente, capaz de se

    apropriar da difcil arte de decifrar cdigos estticos. A educao, quando provida de capital

    cultural, garante a capacitao esttica do sujeito. O cdigo que lhe permite aprender a

    contemplao e a avaliativa distncia das coisas. A escolha esttica do indivduo define sua

    classe social, mas dependendo da escolha feita tambm lhe permite alcanar o cdigo que o

    diferencia. atravs da esttica kantiana que BOURDIEU (idem) imprime suas idias. E

    buscando um pouco da base filosfica de Immanuel Kant (1724-1808) encontra-se

    CORRIGAN (idem), citando Daniel MILLER, para quem a esttica kantiana resume-se na

    seguinte idia:

    A esttica kantiana uma recusa, preceder da satisfao imediata, dosensual e do evidente em favor da cultivada e abstrata apropriao das coisasatravs de um elevado entendimento. (...) A antiesttica kantiana a esttica

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    da cultura popular, a preferncia por divertimento imediato, satisfao, ogosto estreito, a estima pelo sensual e pelo representacional. MILLER apudCORRIGAN (1988: p. 29).

    Entretanto, apesar das abordagens filosficas, ou no, para explicar o cerne da lgica

    consumista, consenso entre os pensadores da rea que existe uma mudana fundamental nos

    modos como os bens de consumo so usados simbolicamente. Na modernidade, existia uma

    relativa relao entre consumo e classe social. Os bens de consumo eram usados para indicar

    uma condio de classe. E tendo em vista que na sociedade atual os macros modelos

    analticos que envolviam uma clara distino de classe declinaram, a indicao de classe na

    lgica consumista est sendo substituda por uma preferncia individual que mais indica um

    estilo de vida diferenciado ou a apreciao da estilizao dos objetos.

    Com efeito, existem vrias abordagens histricas que explicam a ascenso ou a

    sacralizao da sociedade de consumo de massas. Onde os objetos no so meramente

    funcionais, onde os seus significados no podem apenas ser invocados pelo seu valor de troca.

    Identifica-se uma tipologia consumista que, sem sombra de dvidas, comunica significado e

    produz distines sociais. H ainda a contabilizar o fato de que o preenchimento das

    necessidades concretas de consumo desperta estmulos e conhecimentos tcnicos, sociais e

    estticos, o que aproxima a anlise da cultura de consumo da anlise da sociedade de

    informao miditica.

    Por outro lado, projetando-se, por exemplo, uma discusso sobre atitudes de cidadania,

    inconcebvel que a discusso exista sem o seu atrelamento rubrica do consumo. J o

    entendimento da sociedade de consumo se torna possvel quando se projeta a sociedade de

    informao miditica, as novas formas simblicas, entre as quais o conhecimento esttico, que

    emana na comunicao social. Est a a trifurcao que aponta para uma direo de mo

    nica, a esfera simblica, que permite a introduo da dimenso cultural no conceito de

    cidadania.

    SURGE UMA NOVA CLASSE DE CIDADOS

    Uma nova prtica cidad interage diretamente com a cultura de consumo de massas e

    suas alegorias. Com os conhecimentos tcnicos, estticos e sociais, requisitados na expanso

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    globalizada. Ao se reconhecer a sociedade de informao como a sociedade de cultura de

    consumo de massas, que abriga a midiatizao em todas as suas instncias, inclusive a

    estrutura de classes em dimenses simblicas, reconhece-se tambm a criao de uma nova

    categoria de cidado. Os novos protagonistas dessa cidadania emergem nos movimentos

    sociais de 1968. Os movimentos estudantis e os protestos contra a guerra do Vietn no eram

    movimentos contra uma objetiva forma de opresso, mas pela transformao das relaes

    sociais na vida cotidiana, HABERMAS (1987).

    Esta atitude, alm de introduzir novas sociabilidades, contribuiu para a renovao dos

    espaos urbanos. A partir da dcada de 70 muitos espaos foram recriados para reproduzirem

    o cotidiano de determinada poca, povos, ou lugares. Ao mesmo tempo em que se expandia, o

    movimento da globalizao gerava uma determinada presso para que os Estados-naes

    reconstitussem suas identidades coletivas. Os Estados deveriam preservar uma linha

    pluralista e multicultural, que levasse em conta as diferenas tnicas, regionais e as

    diversidades.

    O experimento dissimula a consumao do espao local, combalido no processo de

    expanso do capital-mundo, na expanso dos meios de comunicao de massa; ou pela

    abrangncia da cultura do consumo. Esta mesma cultura que utiliza os meios para reconstituir

    o seu sentido de localidade. O processo de globalizao contemporneo ajudou na redefinio

    dos espaos e introduziu novas prticas culturais de convivncia.

    Assim, a reorganizao do espao urbano cotidiano carrega consigo uma carga

    simblica mais poderosa do que pressentiam os jovens de 68. At mais do que alguns

    tericos ps-modernistas apostaram ao dar nfase caracterizao abstrata do espao. Na

    reconstruo espacial, impulsionada pelo processo de globalizao econmico, so exaltadas

    s caractersticas do populismo; as mltiplas codificaes, a rejeio s hierarquias simblicas

    e o fim do senso do progresso; como forma de se introduzir novas sociabilidades no convvio

    urbano. As novas sociabilidades tornam-se, ento, signos sociais concebidos no

    desenvolvimento do processo de globalizao de bens e servios.

    Os espaos criados na esteira da globalizao encorajam, ainda, as pessoas a

    recuperarem o sentido de um lugar perdido. Reconstroem comunidades estticas temporrias,

    como museus interativos, parques temticos, praas futuristas. So espaos modelados em

    mosaicos de estilos e tradies, que reproduzem sensaes tteis, olfativas e imaginrias

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    muito prximas s experincias de natureza miditicas e ao tirocnio propiciado pela auto-

    estimulao consumista.

    FEATHERSTONE (1997), chama a ateno para um segmento social especfico, a

    classe mdia, sobretudo aqueles que tiveram acesso educao superior, como sendo o

    segmento que mais vivencia as experincias que visam reconstituir a localidade.

    Paradoxalmente, ao menos para ele, as diferentes fraes de classe, idade e de identidades

    regionais, que consomem os mesmos programas de televiso e os mesmos bem simblicos,

    por possurem diferentes sentimentos de afiliao s localidades, no se constituem em um

    elo capaz de se engajar na construo de espaos lcitos para o exerccio da cidadania cultural.

    As comunidades imaginrias, que emergem na sociabilidade da vida cotidiana, em

    espaos concretos onde se produz e se negocia estruturas simblicas e imaginrias, se

    diferenciam das cibercomunidades que surgem na socialidade das redes cibernticas. A

    convivncia virtual nas redes de informao tem peculiaridades que residem na fuso do

    social com o tecnolgico. Segundo LEMOS (s/d), a cultura digital de natureza complexa e

    agrega vrios elementos que compem uma outra sociabilidade, um convvio mpar, que

    remodifica experincias no cotidiano.

    O modelo de convivncia apresentado gera um outro paradigma de cidadania, a

    cidadania digital, parte da nova dimenso cultural, j agregada ao conceito. As redes de

    informao digitais tm uma natureza diferente dos outros meios jornais, tevs, rdio da

    indstria cultural porque nelas a fuso entre o social e a tcnica gera uma forma de circulao

    de informaes diferenciada, que propicia a transformao do receptor em produtor. Ao

    contrrio da complexidade estrutural dos meios de comunicao social, que apenas

    intermediavam as informaes, detendo o monoplio das narrativas sobre o pblico receptor,

    o ciberespao, quebra os cdigos secretos de circulao de informaes e adota sistemas

    pblicos de criptografia de mensagens.

    A atuao de grupos que se expande atravs das redes em discussessobre globalizao, meio ambiente, cultura, etc., cria comunidades polticasvirtuais que participam ativamente em espaos geopolticosdesterritorializados. So grupos que se formam ao longo das redes e quedividem sociabilidades virtuais. As manifestaes contra a globalizao queacontecem nos encontros do Frum Econmico Mundial que renerepresentantes dos pases desenvolvidos e em desenvolvimento paradiscutirem uma agenda econmica comum -, por exemplo, so pautadas,

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    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    discutidas e organizadas atravs das redes. Espaos urbanos de contestaespolticas so criados neste ambiente.

    tambm a partir da anlise das novas comunidades imaginrias, sejano mbito dos novos espaos urbanos ou cibernticos, que se torna possvel interpretao das atitudes cidads no processo da globalizao de bens eservios. preciso levar em considerao que esses grupos possuemdiferentes sentimentos de afiliao a localidades. Eles utilizam os bensdisponveis e as experincias de diferentes maneiras e criam, inclusive,novas articulaes sociais.

    A REDIMENSO DO CONCEITO

    O conceito de cidadania moderno mais aceito atribudo ao socilogo ingls T.H.

    MARSHALL (1967) e est dividido em trs dimenses. A primeira d conta dos direitos civis

    (direito de propriedade, acesso justia, etc) e foi largamente desenvolvida durante o

    sculo 18. O prximo sculo, 19, estabelece a dimenso da cidadania atravs do

    desenvolvimento dos direitos polticos na forma do direito ao voto em eleies democrticas e

    direito livre associao. Finalmente, no sculo 20 surge lado a lado com o Estado Social,

    direitos que protegem contra a pobreza, o desemprego e ms condies de sade, falta de

    escolaridade, entre outros. Esses direitos automaticamente implicam em algumas obrigaes e

    estabelecem, por outro lado, uma hierarquia ou um certo status cidadania.

    Portanto, o conceito de cidadania vem sendo cotejado ao longo do tempo atravs de

    trs dimenses: civil, poltico-social. No entanto, a maneira como se formaram os Estados-

    naes no ocidente condicionou a construo real do exerccio da cidadania tal qual se pratica

    atualmente. Essa relao aponta para um complicador que surge hoje em dia com muita fora:

    o consenso a respeito da idia de que o Estado-nao est em crise diante da expanso e da

    transnacionalizao do capital, dos costumes, dos bens e dos produtos. O deslocamento da

    atuao do Estado-nao produz, entre outras prticas sociais, uma reviso aprimorada dos

    componentes que indicavam o exerccio da cidadania.

    Cidadania cultural baseia-se em necessidades universais, mas procura destacar,

    sobretudo, as identidades culturais locais para fazer fase a globalizao. Busca, ainda, rejuntar

    uma forte fragmentao de identidades culturais na programao dos sistemas de

    comunicao de massas. Seja no espao cultural recriado, seja atravs das redes de

    informao e comunicao, a cultura de consumo atua no sentido de rejuntar os fragmentos

  • INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao BH/MG 2 a 6 Set 2003

    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    cotidianos de uma identidade cultural distante. Paradoxalmente, o cidado cultural o

    produto da livre mobilidade de bens e pessoas, mais do que a formulao legal de direitos e

    obrigaes, o que permite ligar o trfico global de bens e smbolos s questes de consumo.

    Direitos e deveres nos meios de comunicao de massa devem ser aplicados nos

    termos que alguns estudiosos da rea chamam de particular esfera da justia. A noo central

    que emana dessa idia a de igualdade complexa. Na forma simples de igualdade somente se

    pode considerar iguais queles que tiverem acesso mesma fonte de informaes, ou

    possurem o mesmo nmero de televisores, rdios, videocassete, satlites, acessando o mesmo

    nmero de servios. Porm, uma contradio emana na premissa quantitativa. Em uma

    sociedade onde existem plurais opes de bens e servios, ningum pode almejar possuir ou

    acessar o ltimo modelo de tecnologia ou a mesma quantidade de servios.

    A diferena entre os pases desenvolvidos, aqueles que detm a propriedade da ltima

    tecnologia e as naes que no desenvolveram o ltimo modelo, bastante complexa e reside

    exatamente na alta qualidade da informao que produzida e se faz circular. Isto porque nas

    sociedades em desenvolvimento, e desenvolvidas, a questo do acesso informao passa a

    ser relativizada j que a quase todos os cidados o acesso permitido.

    Diante da facilidade de acesso, o critrio de cidadania comea a ser discutido mediante

    a igualdade complexa da qualidade da informao acessada. Nas sociedades democrticas o

    sistema de informao deve prover o cidado de uma larga escala de produtos de

    entretenimento e informaes polticas, que requerem formas culturais plurais, confluindo as

    necessidades e os desejos do conjunto de cidados.

    Por ltimo, o que se apreende dos novos paradigmas que norteiam a discusso da

    cidadania, mediante a abrangente presena dos meios, a inteno de se articular um discurso

    conectado entre as necessidades humansticas da sociedade e as necessidades do cidado.

    Neste cenrio, os temas sociais adquirem importncia mxima.

    O cidado gerado no conceito de MARSHALL (idem) estaria apto, em tese, para

    reconhecer seus direitos fundamentais. A partir desse reconhecimento saberia discernir, ainda,

    o universo miditico e as novas formas de convivncias que so geradas a partir da cultura de

    consumo de massas.

    Um outro movimento tambm surgiria no circuito miditico: o monitoramento,

    fiscalizao e acompanhamento por parte de organizaes no-governamentais da cobertura

  • INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao BH/MG 2 a 6 Set 2003

    1 Trabalho apresentado no Ncleo de Comunicao Educativa, XXVI Congresso Anual em Cincia daComunicao, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

    miditica sobre as agendas sociais conduzidas pelos poderes pblicos, entre elas, a agenda

    cultural, ou o Programa de Polticas Pblicas de Cultura do PT, por exemplo. Diante dessa

    premissa o cidado cultural estaria, tambm, interagindo com o direito informao de

    qualidade. Registra-se, portanto, uma nova e lcita presena na rede imaginria do sistema de

    expanso global, a partir da observao de que existem novas dimenses territoriais que

    abrigam fsica, e simbolicamente o cidado na sociedade contempornea.

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