FRIAS, Aníbal_Representação Imaginária Da Cidade_texto

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  • 7/25/2019 FRIAS, Anbal_Representao Imaginria Da Cidade_texto

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    Anbal FriasBolseiro da Fundao para a Cincia e a Tecnologia e doutorando da Universidade Paris X Nanterre

    Paulo PeixotoCentro de Estudos Sociais e Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

    Representao imaginria da cidade.Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio

    urbano de Coimbra1

    Il faut que le pass soit mort pour ressurgir esthtiquement

    Edgar Morin

    Introduo

    Na ltima dcada, a procura e o consumo de patrimnio conheceram um crescimentoextraordinrio. No menos impressionante tem sido a expanso da oferta, por via da

    multiplicao de cidades histricas que visam satisfazer essa procura (Ashworth e

    Tunbridge, 2000). A consolidao de um mercado urbano de lazeres e a expanso e

    segmentao da indstria turstica so dois fenmenos indissociveis desta realidade.

    Presentemente, nada parece vender to bem como o passado (Lowenthal, 1989), e muitas

    cidades, tornadas cidades-empresa ou cidades-espectculo pelo poder poltico

    dominante, converteram-no na principal matria-prima para criarem um estilo, um look,

    uma mais-valia econmica, simblica ou poltica com que alimentam o mercado turstico-

    cultural. Esta apropriao e comercializao do passado coloca-nos perante episdios de

    folclorizao vocacionados para a construo de imagens e experincias que, por sua vez,

    configuram novas atmosferas urbanas onde o passado seleccionado e reencantado e o

    futuro aparece, com frequncia, idealizado. Seguindo a citao acima de Morin, diramos

    que o patrimnio est ligado a um passado morto que se tornou um produto estetizado

    para a indstria turstico-cultural instalada nas cidades.

    1Texto elaborado no mbito do projecto de investigao Intermedirios culturais, espao pblico e culturaurbana (Praxis/P/SOC/13151/1998), financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia e executadopelo Centro de Estudos Sociais. Este texto constitui uma verso revista e largamente ampliada de umacomunicao apresentada pelos autores no Encontro Temtico Intercongressos da Associao Portuguesa deSociologia Cidade e Culturas: novas polticas/novas urbanidades(Porto, 27-28 de Setembro de 2001).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    Ao mesmo tempo que assistimos emergncia das polticas de reabilitao e

    requalificao, que visam saciar a procura de patrimnio e afirmar uma alternativa ao

    urbanismo funcionalista do movimento modernista, os espaos urbanos (sobretudo as

    cidades histricas e tradicionais) so redescobertos para fins tursticos e ldicos

    (Dietvorst, 1994). As anlises do turismo contemporneo orientado para o patrimnio

    cultural ou monumental tendem a centrar-se nas suas infra-estruturas, nas suas actividades,

    nos seus itinerrios ou nos seus artefactos (Page, 1995; Fortuna, 1999; Hitchcock, 2000). A

    experincia turstica afecta no apenas as prticas sociais e as suas representaes, mas

    tambm os modos de percepo do espao de uma cidade e os traos da cultura urbana.2Um

    fenmeno complexo como o turismo urbano contemporneo desenvolve-se no mbito de um

    processo de estetizao que disponibiliza crescentemente cenografias que estimulam a

    actividade sensorial dos turistas.

    Este texto procura abordar alguns modos e efeitos da estetizao do espao urbano

    de Coimbra, reportando-os transformao do espao urbano, dimenso patrimonial da

    cidade e ao fenmeno turstico. A anlise desenvolvida parte de duas questes que se

    interpenetram e que, no limite, se confundem. A primeira remete para a reactivao de usos

    passados, para a fabricao de produtos artesanais, para a concentrao de elementos

    culturais e histricos que conduzem constituio de um patrimnio ou a formas de

    musealizao (por exemplo, a Alta ou o Museu Acadmico). A segunda est ligada a um

    fenmeno de folclorizao das tradies urbanas, a uma culturalizao de locais ou de

    centros histricos e a uma transformao da arquitectura em monumentos. Encenados,

    estes aspectos adquirem o estatuto de um signo e de uma imagem destinados a serem

    comprados pelos turistas ou a serem captados pelo seu olhar descomprometido e

    contemplativo ou pelo olho objectivado das suas mquinas fotogrficas.

    Estas duas questes enformam aquilo que designamos por processo de estetizao.

    Este, nos variados contextos urbanos em que se manifesta, traduz-se concretamente num

    embelezamento das fachadas, num ordenamento das cidades, ou atravs da criao de

    eventos atractivos que combinam o tradicional com o festivo. Esse processo revela-se,

    igualmente, no distanciamento que se estabelece entre uma cultura vivida ou um espao

    habitado e a relao de exterioridade (social, geogrfica, cultural ou intelectual) que

    caracteriza a experincia turstica, a exibio folclrica ou at a lgica poltico-tecnocrtica.

    Este distanciamento conduz, nas palavras de Richard Handler (1988), a uma objectivao

    dessa cultura ou espao vividos. Este processo no decorre sem que se manifestem alguns

    paradoxos e efeitos (perversos) em relao prpria cidade, ao quotidiano dos residentes e

    mesmo aos turistas.

    2 Para uma anlise da experincia turstica em contextos urbanos portugueses, ver Fortuna (1999). Aterritorializao da experincia ligada ao consumo de bens tursticos e o fascnio exercido pela temporalidadesimbolizada nos monumentos e na arquitectura constituem, para o autor, factores de estetizao que derivamdos estilos de vida que a indstria turstica promove e comercializa.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    Depois de referenciarmos as modalidades de estetizao, retratamos os seus

    paradoxos e os seus efeitos, analisando o caso de Coimbra a partir de materiais empricos

    onde predominam a observao directa, o recurso imprensa local e a consulta documental.

    Patrimonializao, objectivao, estetizao

    Antes de analisar o caso de Coimbra a partir de uma abordagem contextualizada,

    impe-se esclarecer os sentidos que atribumos aos trs conceitos principais presentes neste

    texto: patrimonializao, objectivao e estetizao. Estes conceitos operam como modos de

    organizao e de produo de cultura e de patrimnio.

    Patrimonializao

    A patrimonializao articula uma dupla dinmica global (Frias, 2001b; 2002a) que,

    no limite, leva a que patrimnio e cultura acabem por se confundir. A primeira remete para

    um acto de legitimao que procura conferir um valor artstico, cultural, ou simblico a uma

    construo, a um objecto, a uma prtica ou a um espao. A segunda refere-se a uma

    valorizao social de uma determinada entidade, reconhecendo-se, por essa via, um

    interesse local, nacional ou global. Este procedimento formal enquadrado, por um lado,

    pela multiplicao de estatutos patrimoniais que, no mbito das polticas locais, se tornam

    alvos estratgicos (Peixoto, 1997) e, por outro lado, por uma lgica de natureza museal.

    Esta, assumindo formas diversas, consiste numa poltica de conservao e numa encenao

    de objectos culturais ou artsticos destinados a ser representados e contemplados. no

    termo de uma operao social desta natureza, onde, umas vezes, se mistura uma carga de

    sagrado e de crena e, outras vezes, um empenho poltico entusistico e ideolgico, que um

    patrimnio definido e tornado visvel. Esta dinmica culturalista aponta, ao mesmo

    tempo, para prticas patrimoniais concretas que supem a existncia de usos, de regras e de

    um olhar afectivo ou estetizante. Por outro lado, esta dinmica transporta consigo um tipo

    de administrao racional dos bens culturais ou materiais, colocando no terreno

    profissionais da construo e da gesto de uma conscincia patrimonial que, para seraceite e socialmente partilhada, justificada atravs de valores, predominando entre estes os

    de natureza afectiva e esttica.

    Encontramo-nos, presentemente, perante um conjunto de aces e discursos que

    tendem a transformar usos populares, edifcios histricos ou paisagens em objectos

    culturais, artsticos ou monumentais, passveis de serem preservados, expostos e

    observados. Neste contexto, uma cultura adquire um valor de autenticidade e torna-se

    objecto de uma estilizao. Alm disso, a dinmica culturalista revela uma poltica, recente

    mas insinuante, do tudo patrimonializvel. Ela estende o campo do patrimonializvel atao infinito e, estimulada pela expanso da economia turstica, regista todos os domnios da

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    memria e da cultura: usos, prticas, saberes, objectos, obras de arquitectura, edifcios,

    fachadas, stios, lugares, paisagens, natureza, jardins, gastronomia, gentica, smbolos,

    lendas, acontecimentos, ideias (Jeudy, 1990; Choay, 1992; Lowenthal, 1996). Uma tal

    patrimomania (Martin-Granel, 1999: 490) no conduz apenas ao crescimento significativo

    do volume de elementos protegidos e restaurados, pois modifica, tambm, a nossa relao

    cidade e ao passado.

    Esta tendncia centrou-se nas tradies rurais e s posteriormente se estendeu ao

    espao urbano. A sua caracterizao, a partir do exemplo rural, fundamental para

    compreendermos como que ela induz os seus efeitos no contexto urbano. Um exemplo que

    nos permite ilustrar a patrimonializao das tradies rurais a poltica do Estado Novo em

    relao ao folclore. A seleco deste exemplo justifica-se tambm porque adiante

    retomamos o folclore para ilustrar as tradies de carcter popular que se manifestam no

    centro histrico de Coimbra. Salientando que a dimenso cultural do Estado Novo no

    pode ser reduzida ao folclore, nem o folclore a uma questo puramente esttica, diramos

    que, em Portugal, desde 1930,3 o poder poltico vigente contribuiu enormemente para

    configurar a cultura popular, procurando convert-la em solo imaginrio da nao e em

    instrumento de imposio da sua ideologia de celebrao da ruralidade (Silva, 1994: 112

    e 377-379). Esta modelizao poltica do popular assenta em vrias operaes.

    Em primeiro lugar, assenta numa reduo do popular ao meio rural considerado mais

    natural e so, limitando-se, por vezes, o meio rural ao seu folclore; ou seja, aos seusmomentos festivos e excepcionais apresentados como exemplo, ao seu carcter alegre

    transmitido pelos cantos e pelas danas ou aos seus elementos coloridos e estereotipados,

    como o xaile, os tamancos e alguns utenslios do trabalho do campo. Em segundo lugar,

    assenta numa seleco do mostrvel, evidenciando-se uma predileco pelos ranchos

    folclricos. Assenta, finalmente, num trabalho sobre a forma, que conduz estilizao de

    uma cultura circunscrita a um folclore destinado a ser representado num cenrio marcado

    pela funo exacerbada do olhar (Alves, 1997: 238). Vrios observadores tm notado que

    as manifestaes folclricas durante o Estado Novo - nos ranchos, nas paradas folclricas e

    nos museus de arte e cultura popular - se orientaram, em geral, para a estetizao e para o

    aprimoramento plstico de quadros etnogrficos (Vasconcelos, 2001: 406).

    Neste contexto, a representao remete para uma distanciao icnica, escrita ou

    esttica das prticas ordinrias do povo, que se torna espectador de si mesmo atravs de

    um jogo de espelhos e de uma imagem que lhe imposta. Esta imagem macia cristaliza,

    3 Note-se que, j desde o fim do sculo XIX, os primeiros folcloristas e etngrafos portugueses seempenharam na procura dos traos arcaicos do Povo e das suas supersties no sentido literal do termo(super stare = o que se conserva alm de), de modo a confirmar as origens remotas que legitimam osfundamentos da portugalidade (Leal, 2000).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    segundo uma expresso de Pierre Bourdieu, um popular positivo.4Aspirando ser real ou

    realista, pelo menos no domnio das intenes ou das referncias, ela sobretudo de

    natureza narrativa e ficcional. Podemos mesmo perguntar-nos, seguindo Michel de Certeau

    (1993: 63), se uma parte da cultura popular no se apreende apenas no processo do seu

    desaparecimento, conduzindo a uma espcie de beaut du mort.5 Isto porque

    determinadas operaes de salvaguarda de objectos ou costumes ocorrem apenas depois da

    sua alterao ou de represses violentas, ou quando j no se sabe escutar ou falar uma

    dada cultura popular. A representao provm, por outro lado, do domnio do espectculo.

    O que se d a ver necessariamente formatado e sublimado atravs do recurso ao palco e ao

    visual, ao reportrio e s repeties, aos papis e s funes, s deslocaes e aos aplausos.

    funo prtica e integrada das danas ou dos cantos6 - aos quais, como evidente, o

    mundo rural no se reduz - substitui-se um quadro campestre de uma sociedade arreigada

    aos elementos do seu passado, fechada sobre si e encarada como cultura-objecto. Por

    outro lado, cingida aos seus traos expressivos (msica, dana, canto, cerimnias) ou

    materiais, esta sociedade reduzida panplia de objectos feitos para serem vistos ou

    admirados, ou simplesmente destinados a preencher uma funo de simbolizao. O mundo

    social assim representado remete para o domnio da figurao porque, no caso de um grupo

    folclrico, os actores que o compem desempenham um papel, e tambm porque uma

    performance de pessoas ou uma exposio de objectos suposto servirem para ilustrar; ou

    seja, resumirem, significarem e mostrarem em imagens uma cultura.

    Objectivao

    O processo de representao da cultura em objectos materiais ou simblicos, atravs

    de uma descontextualizao, de uma transferncia de sentido e mesmo de uma mudana de

    lgica que conduza, particularmente, constituio de um folclore, de um museu ou de um

    patrimnio, designado, de acordo com Richard Handler (1988), por objectivao.

    Com esta noo, o autor procura dar conta de um facto. A cultura passa a ser vista

    como uma coisa: um objecto ou uma entidade natural (1988: 14). Esta transformao

    resulta de um processo no termo do qual ocorre um deslocamento no modo de ser de uma

    determinada sociedade, que dessa maneira passa do domnio do vivido para o domnio do

    representado. Dito de outro modo, de uma cultura-sujeito passa a uma cultura-objecto. Este

    fenmeno complexo, de ordem social, intelectual, econmica e poltica, constitui-se como

    4Se o popular positivo se ope ao popular negativo, ou seja, quilo que tido por no representvel, porser vulgar, ambos so, no entanto, construes sociais.5Esta formulao encontra eco numa outra semelhante, da autoria do historiador Paul Veyne, que, na sua lioinaugural no Colgio de Frana (Inventaire des diffrences), afirma que uma cultura est completamente

    morta quando a defendemos em vez de a inventarmos.6 Estas formas expressivas ajustam-se vida colectiva e aos seus ritmos. A sua dimenso esttica no isolvel dos aspectos sociais, religiosos ou materiais, alm de que dantes as pessoas danavam sem saberemque estavam a danar - estavam a namorar e danavam (Desidrio Afonso apudVasconcelos, 2001: 419).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    um dos emblemas da modernidade. Certos procedimentos lgicos, certas categorias sociais,

    ticas e ontolgicas em uso nas sociedades contemporneas intervm na constituio do

    jogo da identidade e da alteridade dando origem a culturas diferentes, no plano geogrfico

    ou histrico. por isso que o autor, para referenciar uma forma moderna de encenao de

    traos culturais, se refere cultura da objectivao da cultura (Handler, 1988: 195).

    O conceito de objectivao reporta-se aos modos como cada sociedade se relaciona

    com outra sociedade ou com ela prpria enquanto outra (o seu passado ou a suas

    diversidades), s maneiras de encarar esta alteridade, s modalidades de constituio desta

    ltima e do seu tratamento como elemento discursivo, material ou referencial. Para dar um

    exemplo, o contedo expressivo intencionalmente visado por um grupo folclrico (ou seja,

    o que ele d a ver e a escutar) , a priori, to cultural como a forma folclrica; isto , o

    tipo de organizao social escolhida e as modalidades - tcnicas e cognitivas - postas em

    prtica para apresentar as danas ou as canes. por isso que Richard Handler (1993: 67-

    68) precisa que a engrenagem da exibio das danas folclricas to cultural como as

    danas que se exibem. A noo de engrenagem repousa no mecanismo; ou seja, no

    conjunto de operaes sociais, tcnicas e cognitivas, subjacentes exibio de um segmento

    de cultura. Um grupo folclrico , assim, um exemplo desta logstica.

    A objectivao remete para uma cultura que se baseia numa depurao da tradio

    (Silva, 1994: 207). Ela ganha forma atravs de uma refundao etnologizante e folclorizante

    (Silva e Vilaa, 1990). O carcter selectivo e plstico inerente a este processo deobjectivao, a procura obstinada do detalhe, a encenao e a idealizao identitrias e

    representacionais, o ambiente festivo e ldico que o enforma, assim como a mercantilizao

    de objectos e prticas tradicionalmente destinados a uma fruio colectiva e gratuita

    (Pinto, 1985: 419) colocam-nos perante um fenmeno que a sociologia designa como

    folclorizao (Pinto, 1985; Silva, 1994: 477; Costa, 1999: 31 e sgs). Este fenmeno de

    folclorizao, ao apostar na inventariao detalhada das especificidades locais para fins de

    natureza frequentemente ideolgica, adquire dimenses caractersticas dos processos de

    afirmao das comunidades imaginadas de Benedict Anderson (1991).

    Estetizao

    As noes de patrimonializao e de objectivao ajudam a compreender o sentido e

    o alcance do processo de estetizao que, de resto, as engloba.7Trata-se de um fenmeno de

    alcance geral, caracterstico da modernidade, e que diz respeito ao conjunto dos diversos

    aspectos da sociedade: um estilo de vida, uma maneira de modelar e de viver a cidade, uma

    produo de objectos locais ou uma certa percepo do mundo (social). O seu carcter

    transversal ajuda a compreender as razes pelas quais este processo transporta consigo um

    7A estetizao, tal como a concebemos aqui, um processo e uma tendncia global. Existem, contudo, formaspatrimoniais ou culturais que escapam, pelo menos em parte, a este fenmeno.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    novo modelo de reencantamento da cidade caracterizado por uma espectacularizao da

    cultura. O fenmeno actual da hiperestetizao no pode, na verdade, deixar de ser pensado

    fora do contexto de uma estratgia econmica voltada para o mercado do lazer e do turismo

    histrico e patrimonial.

    Procurando desenhar o quadro do processo de estetizao contempornea, Wolfgang

    Welsch (1997) sublinha que este movimento se estende do estilo individual ao design

    urbano e da economia teoria. O autor refere-se a uma estetizao que opera superfcie,

    que compreende o embelezamento dos centros comerciais, das fachadas, das ruas ou das

    praas, incluindo ainda a animao de cidades e espaos comerciais que se tornam

    atractivos, e at da prpria natureza que se quer bela e limpa.8As duas ltimas dcadas do

    sculo XX ficam marcadas, ao nvel urbano, pelo modos intencionais e espectacularizantes

    que as cidades pem em prtica para irradiarem seduo. Neste contexto, a estilizao e o

    tratamento plstico do espao pblico ganham uma acuidade inusitada. Por outro lado, tudo

    deve transformar-se numa experincia: cada boutique, cada caf hoje em dia concebido

    para ser uma experincia activa, em cada dia samos de um escritrio-experincia para

    um shopping-experincia, relaxamos com uma gastronomia-experincia e finalmente

    chegamos a casa para gozarmos uma residncia-experincia (Welsch: 1996: 3). A este

    respeito, Dean MacCannell (1998) faz corresponder figura contempornea do turista um

    modelo de homem moderno que percorre o mundo com o objectivo de recolher signos, de

    viver experincias, de procurar a verdade fora do seu ambiente caseiro e que faz da sua

    casa um museu ntimo. Neste contexto de transformao da vida quotidiana em actividade

    ldica, o imperativo hedonista torna-se a nova matriz cultural e a cidade parece converter-

    se numa espcie de hipermercado de modos de vida (Ascher, 1998). Esta economia de

    experincias (Pine II e Gilmore, 1999), forma de evoluo da economia de servios que

    encontra os seus consumidores no mercado urbano de lazeres, extrai do efmero e da

    acelerao inusitada das mutaes os seus principais recursos. O ritmo frentico das

    mudanas enfraquece a representao da durao e da continuidade e o patrimnio ou as

    runas milenares so uma soluo possvel para responder a essa impondervel fuga do

    tempo e para fixar uma continuidade temporal (Simmel, 1985; Lowenthal, 1996; Fortuna,1999). A animao dos espaos patrimoniais que alimenta esse mercado de experincias

    permite manter uma relao relativamente harmoniosa entre o efmero e a durao. Mesmo

    quando esses espaos (promovendo a folclorizao) acabam por se converter em palcos de

    verdadeiras redes de simulacros desligados da vida quotidiana, o seu valor patrimonial

    utilizado para difundir uma atmosfera de prazer e de encanto que, oferecendo experincias,

    procura transcender o ordinrio e produzir permanentemente exemplaridade e

    fascinao (Jeudy, 1996). Do mesmo modo, os grupos folclricos agem como

    8 Para uma anlise da estetizao dos espaos comerciais na cidade de Coimbra e da sua influncia noscomportamentos dos consumidores ver Peixoto (1995).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    animadores da cidade ou de bairros, acrescentando um suplemento de alma ao espao

    funcionalizado ou transferindo vida para o seio dos monumentos.

    Mas o processo de estetizao no se liga apenas forma das coisas, beleza das

    fachadas ou indstria do divertimento, j que ele igualmente operante no domnio dasinfra-estruturas, nomeadamente as dos equipamentos materiais do processo de produo. As

    novas tecnologias favorecem as simulaes criadoras e adquirem uma capacidade de

    reformatao e criao da realidade. A nossa conscincia e a nossa apreenso da realidade

    encontram-se, por essa via, irremediavelmente sitiadas. No limite, a sociedade na sua

    totalidade que se encontra modelizada e tambm as formas culturais de existncia

    individual. Retomando o exemplo do patrimnio popular e rural, Joo Vasconcelos (2001)

    mostra que os grupos folclricos em meios rurais se encaixam, grosso modo, em dois

    paradigmas sucessivos que caracterizam o pr e o ps 25 de Abril de 1974. Trata-se,

    respectivamente, do paradigma da estilizao, que recorre a adaptaes e se baseia numa

    lgica de representao (no sentido da imagem e do espectculo), e do paradigma da

    reconstituio, fundado na autenticidade e alimentado por uma pesquisa etnogrfica no

    acadmica. Podemos no entanto questionar-nos se, para l desta distino lgica, o segundo

    paradigma no uma variante do primeiro. Por um lado, porque, como afirma o autor, no

    h objectos nem prticas, no h espaos nem tempos autnticos (2001: 429). Por outro

    lado, porque a ideologia da autenticidade nos remete para o mito da pureza e das origens, ou

    at mesmo para a pureza das origens, mais bela e mais verdadeira que qualquer outra.

    Podemos retirar da noo de estetizao vrios significados que ilustraro, na

    sequncia do texto, o universo turstico urbano, os seus usos, os seus objectos e as suas

    modalidades e efeitos. Desde logo, as ideias de purificao e de depurao que conduzem a

    uma idealizao do real, do espao, da histria, dos edifcios ou das prticas fazem com que

    a funo artstica substitua a funo social prtica. Por outro lado, as ideias de estilo (de

    vida) ou de forma (arquitectural) introduzem um hiato em relao, respectivamente, s

    urgncias da vida quotidiana e ao espao habitado. Da resulta uma atitude

    descomprometida, uma espcie dejocund distance, como diz Wolfgang Welsch (1996).9

    Aqui, a estetizao consiste em acrescentar um pouco de arte existncia

    quotidiana, nomeadamente em contextos tursticos (Adler, 1989) ou ento refere-se ao devir

    esttico de coisas, de espaos ou de usos. Se a esttica designa, de Plato a Kant, um campo

    semntico que se estende da realidade sensvel experincia concreta, passando pela

    9 Insistindo na importncia da esttica que opera ao nvel da sensorialidade e do sensual, Harrison (2001)mostra, a partir da experincia turstica dos canadianos pertencentes classe mdia-alta, que a vivnciaturstica irredutvel a um olhar simples e que, sobretudo, a percepo esttica destes actores rompe com adistncia contemplativa para entrar num estado liminide que conduz a uma implicao paradoxal, aomesmo tempo desligada e comprometida, pronta a fazer emergir um sentido extraordinrio no quotidiano.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    percepo sensorial,10 a estetizao, por seu lado, ao adquirir um valor negativo quando

    estimula excessos de refgio no passado, na folclorizao ou no etnocentrismo, parece agir

    ao contrrio. Na verdade, ela traduz uma ruptura com o lugar da realidade, o que anuncia,

    desde logo, as noes tardias kantianas de belo e de gosto.

    Em resumo, o processo de estetizao refere-se, ao mesmo tempo, s transformaes

    reais que procuram tornar a sociedade ou a cidade mais bela e virtual e s

    modalidades de percepo desta mesma realidade. Este movimento societal conduz, com

    frequncia, a uma reduo ideolgica e ontolgica da diversidade social, limitando a

    transversalidade dos fenmenos sua dimenso esttica. Reduo que visvel, por

    exemplo, no modo como so muitas vezes utilizadas a expresso cultura do povo, ou

    termos paradoxalmente vazios e homogeneizantes (vida popular, homem rstico), ou

    ainda predicados desrealizantes (beleza, alegria, simplicidade, autenticidade).

    O reencantamento da cidade?

    Coimbra actualmente, em Portugal, o exemplo mais acabado de desencantamento de

    uma cidade por fora do desgaste da sua imagem de marca. Ao nvel discursivo, quando

    comparada a outras cidades portuguesas, aparece frequentemente como uma urbe que

    esgotou a sua energia simblica e a sua capacidade de representao imaginria, como se

    fosse governada por acontecimentos que no controla (Fortuna e Peixoto, 2002). Numa

    crnica, sugestivamente intitulada A morte de Coimbra, Boaventura de Sousa Santosafirma:

    Coimbra tem vindo a atravessar nos ltimos 30 anos um processo de decadnciaque os mais pessimistas - entre os quais me no conto - consideram irreversvel.Dotada de uma mitologia invejvel - a cidade dos doutores que tem maisencanto -, no soube transform-la em capital simblico e peso poltico junto dogoverno central. Pelo contrrio, usou-a como antolho para no se confrontarcom os sinais crescentes (cada vez mais evidentes) da sua estagnao. Coimbra, de todas as cidades do pas a que mais dramaticamente mudou de escala nasltimas dcadas. Durante sculos foi uma cidade demasiado grande para o seutamanho. A cidade universitria de projeco nacional e internacional, pdeocultar eficazmente a fragilidade do seu tecido urbano e da sua base econmica.Hoje, uma cidade demasiado pequena para as potencialidades que aindaalberga em si, uma cidade descrente, sem auto-estima, onde o desenvolvimentourbano e a melhoria da qualidade de vida so apenas factos polticos,

    protocolos, notcias de jornal sem qualquer traduo concreta no quotidiano daspessoas (2001: 361).

    O desencantamento que este excerto veicula pauta os discursos de alguns intelectuais

    e de sectores do meio acadmico, e resume uma retrica generalizada sobre a cidade que10 No que respeita questo do sensvel, e particularmente da cidade sensvel a partir de um registo dasensorialidade corporal e da experincia urbana, ver Frias (2001a) e Fortuna (1999).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    tende a adquirir a fora de um esteretipo. certo que Coimbra, quando comparada a outras

    cidades portuguesas, uma das que mais tem estado sujeita a um processo de reproduo de

    imagem e que isso se deve quase inexistncia de novas dinmicas urbanas relevantes e

    afirmao de novos actores e smbolos capazes de projectar uma imagem moderna da

    cidade.11Mas no menos verdade que os smbolos e actores emergentes noutras cidades,

    que acabam por reforar essa imagem de estagnao a que Coimbra parece estar sujeita, se

    destacam atravs de um processo de emulao em que a cidade do Mondego serve de

    referente. Como mostrmos noutro lugar (Fortuna e Peixoto, 2002), sintomtico que

    cidades como Braga e Aveiro, que so aquelas que mais recorrentemente so apontadas

    como exemplos quando se fala da estagnao de Coimbra, sejam representadas pelos seus

    habitantes como centros universitrios. Convidados a indicar os dois tipos de

    centralidade que melhor identificam a cidade que habitam, foi essa a representao

    dominante entre os residentes em Aveiro (49%) e a terceira mais escolhida pelos habitantes

    de Braga para caracterizar a cidade (32% contra 50% que escolheram centro de comrcio

    e 56% que indicaram centro histrico).

    A perda da aura de capitalidade e do capital simblico, que Coimbra deteve durante

    sculos de monoplio do ensino universitrio em Portugal, lanou recentemente a cidade na

    escalada das identidades regionais. Coimbra, como muitas outras cidades, entrou neste jogo

    pela porta mais fcil: a do marketingurbano. A procura de uma nova base de capitalidade -

    Coimbra Capital da Sade (Peixoto, 2000) - operacionalizou-se, assim, atravs da

    organizao de um evento meditico (a Expovita), da instalao de um canal televisivo

    especializado na rea da sade, distribudo via cabo (TV Sade), e de uma insidiosa

    campanha publicitria e iconogrfica. Por outro lado, o discurso do desencantamento de

    Coimbra resulta, em parte, de um excesso de retrica sobre a cidade que , ele prprio, um

    legado do peso secular da Universidade. Uma das razes que leva a que os habitantes de

    Coimbra sejam mais crticos que os de outras cidades relativamente evoluo recente da

    urbe deve-se ao facto de o seu grau de escolaridade ser, em mdia, mais elevado (Fortuna e

    Peixoto, 2002). Acresce que o nmero de associaes cvicas locais , em Coimbra, bastante

    numeroso12e que a centralidade da Universidade (ao ponto de se confundir com a cidade)sempre foi, como notou Miguel Torga, um factor de reproduo de discursos

    desencantatrios. Uma vez que no tem capacidade formativa, a Universidade desperta,

    por isso mesmo, uma presente necessidade de reaco. E negativamente que acaba por

    11Uma dinmica e uma imagem modernistas que, no entanto, enfrentamos, por exemplo, quando penetramosem Braga pela sua circular, onde somos como que aprisionados pela vertigem do fluxo dos veculos e dospees, e confrontados com a sensao de nos estarmos a mover no seio de um organismo urbano em plenocrescimento - horizontal e vertical.

    12Destacamos aqui a Associao de Amigos da Margem Esquerda; a Associao para o Desenvolvimento eDefesa da Alta de Coimbra; o Frum Praa Velha; o Grupo Al Medina - Comisso para a Defesa da Qualidadedo Ambiente, Espao Urbano e Patrimnio de Coimbra; o Grupo de Arqueologia e Arte do Centro; oMovimento Artstico de Coimbra e a Associao Cvica Pro Urbe.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    fazer chispar a centelha criadora em todos aqueles que por ela passam e, desiludidos, a

    abandonam ou guerreiam (Torga, 1950). A conjugao destes factores contribui, sem

    dvida, para aumentar a capacidade auto-reflexiva da cidade.

    Um processo de racionalizao como o que acabamos de descrever no contradiz(chegando mesmo a favorecer), no domnio das representaes estudantis, uma estetizao

    da vida acadmica desde h um sculo e, sobretudo depois da dcada de 1980, da prpria

    cidade, atravs de uma estratgia de difuso de imagens positivas (Frias, 2001b).

    Podemos ento perguntar quais os efeitos do processo de estetizao no caso de

    Coimbra? E qual o seu contributo para o reencantamento da cidade? Na resposta a estas

    questes possvel referenciar trs tipos de efeitos: o primeiro remete para uma retrica

    urbana povoada de cones e de mensagens; o segundo para uma cultura, quer popular

    (folclore), quer letrada (Praxe acadmica), orientada para o espectacular; finalmente, oterceiro, remete para uma inveno das diferenciaes locais e de uma identidade regional

    competitiva. No seu conjunto, estes trs elementos parecem concorrer, de um modo sui

    generis, para o reencantamento do espao urbano.

    Retrica urbana

    O turismo , ao mesmo tempo, um fenmeno de ordem social, econmica,

    geogrfica e cultural. A partir dos anos 60 tornou-se um fenmeno global massificado. Se o

    turismo urbano ficou inicialmente margem desta massificao, a cidade , hoje em dia (apar do litoral e do campo, e antes das montanhas), um dos quatro grandes destinos das

    frias. No domnio das estadias de curta durao (menos de 4 noites), as cidades assumem-

    se como o principal destino escala europeia, concentrando 50% da procura (Merlin, 2001:

    197).

    Em Portugal, os fluxos tursticos engrossaram significativamente nos ltimos dez

    anos (DGT, 2001), assumindo uma relevncia crescente, em anos mais recentes, o turismo

    cultural e patrimonial. Cidades mdias portuguesas, como vora, Braga, Coimbra e

    Guimares, ou cidades mais pequenas, como Tomar, ou mesmo aldeias, como as aldeiashistricas, conheceram transformaes variadas que as converteram em destinos

    privilegiados desta modalidade turstica. No caso de Coimbra h que assinalar um conjunto

    de transformaes que, no estando exclusivamente relacionadas com o turismo, so

    factores que a favorecem. As modificaes urbanas ocorreram ao nvel econmico

    (hotelaria, restaurantes, venda de produtos locais ou de lembranas), ao nvel da

    reconcepo do espao (pedonalizao do centro, concepo de instrumentos de suporte e

    aplicao de mobilirio urbano),13 no domnio da informao (postos tursticos, panfletos

    13O espao pedonalizado estende-se desde a Praa 8 de Maio ao Largo da Portagem, passando pelas ruas daBaixinha, o Quebra Costas e o eixo principal na Alta universitria. Entre os instrumentos de suporte salientam-

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    publicitrios e informativos e site internet com informao em ingls), ou no domnio da

    elaborao de medidas e regulamentos (proteco, restauro e vigilncia de monumentos).

    A tudo isto deve acrescentar-se um registo de produo de imagens de natureza

    visual, discursiva e sonora que contribui para forjar um cenrio urbano singular. Diramosmesmo um cenrio atractivo, onde os valores e os objectos de um passado autntico

    encontram finalmente as promessas de um futuro idealizado. Este registo visvel, em

    Coimbra, atravs de uma srie de cartazes de grande dimenso, elaborados em 2001 pela

    Cmara Municipal (em perodo pr-eleitoral), e estrategicamente expostos nas principais

    entradas da cidade e nos locais das intervenes de modernizao. A composio destes

    cartazes recentes , por si s, reveladora que a funo destes objectos se estende muito para

    l da mera inteno de informar ou da vontade de comunicar.

    Em cada um desses cartazes publicitrios esto reproduzidas duas fotografias detamanho assimtrico. Enquanto a fotografia mais pequena a preto e branco mostra situaes

    supostamente antigas (de edifcios, de espaos, de equipamentos ou de infra-estruturas), a

    segunda exibe o projecto ou a maquette da mesma situao renovada ou refeita de novo

    (Mercado D. Pedro V, Convento de So Domingos, Estdio Municipal, Praa dos Olivais,

    Baixa, Ponte Europa, Ecovia). A particularidade dessas duas imagens reside no facto de a

    situao antiga ser figurada por uma fotografia verdadeira, mas intencionalmente

    envelhecida, incrustada num dos cantos do cartaz; a sua colorao (a preto e branco) com

    tonalidades acastanhadas, prprias das fotografias amarelecidas pelo tempo, contrasta demodo berrante com os tons coloridos das imagens contguas. Acontece que essas fotografias

    so recentes e que os edifcios a retratados ainda existem e esto em funcionamento (o

    Estdio Municipal, por exemplo). Outros, tendo deixado de existir h muito pouco tempo,

    como o Mercado D. Pedro V, mas no tendo ainda no seu lugar uma infra-estrutura

    modernizante, que est representada no cartaz atravs da maquette, parecem ser objectos de

    um passado longnquo e dormente. A justaposio das duas fotografias, atravs de uma

    montagem, representa duas realidades voluntariamente contrastadas pelo poder poltico

    local e pelos seus servios de comunicao. De um lado, temos um presente triste e inerte

    que remete para um passado digno de ser esquecido, mas que pode ser utilizado para

    enaltecer um futuro projectado. De outro lado, o retrato claro e colorido, com as linhas

    cuidadas e depuradas de um edifcio futuro, ou at mesmo futurista (pro-jecto), ostenta

    largas aberturas em vidro espelhado para o espao exterior (Estdio Municipal, Mercado D.

    Pedro V). Ou afirma a sua imponncia atravs de uma elevao conquistadora sobre a

    paisagem circundante (Ponte Europa). Se estes quadros urbanos remetem para uma

    realidade virtual, eles so, contudo, de ordem performativa porque fazem acontecer aquilo

    que anunciado. Estes edifcios utpicos (ao mesmo tempo inexistentes e dando forma a

    se o elevador panormico e os parques de estacionamento. Relativamente ao mobilirio urbano destacam-se ailuminao e a sinaltica.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    uma projeco imaginria de uma cidade) difundidos atravs de imagens - virtuais - actuam

    como smbolos e como metonmias de uma cidade idealizada pelo poder poltico-

    tecnocrtico e funcionam como metforas modernistas da urbe.

    Imagem 1Cartaz publicitrio do Estdio Municipal

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    Imagem 2Cartaz publicitrio daPonte Europa

    O aspecto moderno e o estilo funcional do novo mercado D. Pedro V, desejado porpolticos e pensado por arquitectos, contrasta, na realidade, com o seu uso pelos vendedores.

    No obstante a esttica e os signos modernistas de operaes de fachada, ele parece

    apresentar-se na prtica mal adaptado venda de certos produtos como o peixe, por

    exemplo. Este hiato, observado no decurso de uma visita oficial do presidente da Cmara ao

    local transformado, visita que foi bastante mediatizada, visvel na crtica de um vendedor

    que, depois de ter enumerado ponto por ponto a falta de espao, a ausncia de acessrios

    indispensveis e outras aberraes de concepo, conclui: pois, sr. presidente, sr. vereador,

    srs. arquitectos e srs. engenheiros, de poltica e esttica talvez entendam os senhores, mas de

    mecnica e funcionalidade da comercializao de peixe fresco entendo eu e os meus colegas

    e ns devamos ter sido consultados no planeamento da nossa rea... (Dirio de Coimbra,

    2001c). Outro testemunho, depois de dar conta que o Mercado se assemelha mais a um

    centro comercial, refere-se a uma previsvel multiplicao de intermedirios entre

    produtores e vendedores, o que conduzir a um aumento de preos e a uma baixa da s

    qualidade dos produtos: o que se passa que aquilo que se ganha em embelezamento,

    perde-se em qualidade de vida (Dirio de Coimbra, 2001d).

    A mensagem que acompanha os cartazes urbanos: Coimbra Histria com Futuro,

    posteriormente completada por uma outra, Coimbra Futuro com Histria, circulando pela

    cidade inscrita nos autocarros dos Servios Municipais, pode ser vista como uma sntese da

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    retrica urbana. Esta amlgama de espaos e de tempos faz do passado consagrado e

    estetizado um instrumento de inovao e de modernizao, ao mesmo tempo que, atravs do

    recurso a uma cosmtica de imagens, converte o presente em passado distante e o futuro

    anunciado num presente que est por chegar.

    Imagem 3Autocarro entre a Faculdade de Cincias e a Faculdade de Medicina

    Folclore ePraxe acadmica

    No chamado centro histrico de Coimbra exibem-se recorrentemente tradies de

    dois tipos. As tradies de carcter popular so representadas por grupos folclricos ou

    por associaes culturais que animam e reactivam os usos de outrora, procurando valorizaro patrimnio ou a histria da cidade. Por outro lado, as tradies ligadas vida estudantil e

    acadmica com as suas cerimnias, as suas festas e rituais, constituem a Praxe acadmica.

    Determinadas componentes da vida acadmica possuem uma dimenso patrimonial

    reconhecida. o caso dasRepblicas, que so casas de estudantes auto-administradas onde

    predomina um modus vivendicomunitrio (Frias, 2002c).

    Entre a cultura popular e a cultura universitria existem cruzamentos e pontos

    comuns. A Associao Acadmica de Coimbra (AAC) dispe de um organismo autnomo

    denominado Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC). OGrupo Folclrico de Coimbra (GFC) constitudo por funcionrios da Universidade, sendo

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    o seu presidente Professor doutor. Vrios estudantes e docentes da Universidade so

    membros do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro (GAAC) e da Associao de Defesa e

    de Desenvolvimento da Alta de Coimbra. Os membros destas duas organizaes esto

    empenhados em fazer reviver determinados usos festivos e vestimentrios, previamente

    seleccionados, assim como saberes artesanais14 ou gastronmicos dos futricas ou dos

    Salatinas, esses habitantes da Alta expulsos na sequncia da construo da Cidade

    Universitria pelo Estado Novo. O GAAC, apoiado pelo contedo erudito e militante da sua

    revista (Munda) e pelos artigos frequentes que o seu director (vereador municipal da

    cultura, a partir do incio de 2002) publica no Dirio de Coimbra, assume o triplo papel de

    uma associao orientada para a defesa e a valorizao do patrimnio cultural e

    arqueolgico da regio, para a difuso de informaes de carcter cientfico e, finalmente,

    para o reconhecimento da Alta como patrimnio mundial.

    O campo folclrico, em pleno desenvolvimento desde os anos 1980, no visa apenas

    a valorizao dos traos populares que ele d a conhecer ou a apreciar. Ele adquire tambm

    uma importncia notria no domnio do mercado turstico. As operaes de seleco e os

    arranjos diversos que esto na base da constituio dos seus reportrios, levam a que este

    fenmeno resulte, em larga medida, de processos de estilizao. Por razes de estratgia

    econmica, a estilizao , neste caso, menos uma operao de alterao de um original

    do que a condio de viabilidade do folclore (Vasconcelos, 2001: 409). Uma parte

    significativa das prticas que estruturam o campo folclrico so concebidas mais por

    referncia a pblicos (os turistas, por exemplo) e menos por questes identitrias.

    Este procedimento baseia-se, muito particularmente, na encenao, que permite o

    florescimento de uma aura cultural ou de um halo sagrado e que conduz a um

    reencantamento do povo. O Grupo Folclrico da Universidade (GFC) organiza

    anualmente na Alta, em Abril, quando a actividade turstica retoma os seus fluxos mais

    significativos, um mercado secular que tinha desaparecido: a Feira dos Lzaros. Organiza

    ainda, em pleno corao da Alta, no Largo da S Velha, em Junho, uma feira medieval e, no

    final do mesmo ms, as fogueiras de S. Joo e de S. Pedro. Durante a Feira dos Lzaros de

    2000, os membros do GFC instalaram-se na Praa D. Dinis, aos ps da esttua do Rei

    fundador da Universidade. Convertida em palco da sua actuao, esta praa central

    ponto obrigatrio de passagem para quem se dirige Universidade e a que chegam, de

    autocarro, uma grande parte dos mais de 200 mil turistas que anualmente visitam a

    Biblioteca Joanina.15O cartaz que anuncia o acontecimento reproduz uma fotografia antiga

    14 Presentemente a organizao de feiras de produtos artesanais, onde se misturam arte popular e saberartesanal, recorrente e imediatamente associada ideia de festa, que , frequentemente, animada pela

    actuao de grupos folclricos. Exemplos concretos podem ser consultados no Dirio de Coimbra (2000 e2001a).15 A importncia econmica do patrimnio universitrio da cidade, pelo menos para os comerciantes,evidencia-se no grito de alarme dos operadores tursticos de Coimbra contra a deciso da Universidade de

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    da Alta, tal como era antes das demolies de 1940-60. A fotografia revela uma Coimbra do

    passado, ou at mesmo passadista: a Rua Larga desaparecida ladeada de velhos edifcios. Os

    actores do grupo folclrico vestem trajes de antanho, representando cada um deles um

    tipo popular: desde a vendedora de doces vendedora de brinquedos tradicionais feitos de

    madeira.

    A Alta, tornada centro histrico, confunde-se praticamente com a totalidade do

    espao acadmico. Ela presentemente o suporte de uma valorizao urbana e de um

    marketingturstico centrados em imagens e slogansque se relacionam directamente com a

    Universidade de Coimbra e as suas tradies acadmicas.16 Os rituais que a ocorrem

    (praxes de curso, praxes de trupe, doutoramentos), e as festas que a se realizam (Queima

    das Fitas,Latada), ou mesmo as cerimnias oficiais (como aAbertura solene do ano lectivo

    ou os doutoramentos honoris causa) atraem sistematicamente um nmero infindvel de

    fotgrafos profissionais. Durante a Queima das Fitase aLatadaos fotgrafos chegam a ser

    contratados pela Associao Acadmica, e os milhares de fotografias que expem em frente

    s faculdades acentuam a dimenso folclrica e objectificante de um ritual com uma grande

    vertente consumista. Ainda que vivos, os aspectos mais tradicionais dessas tradies foram

    transportados para um Museu acadmico (fundado em 1951), sob a forma de objectos,

    cartazes, trajes, numa poca em que, paralelamente, as tradies populares j tinham

    iniciado o seu processo de folclorizao. Aos antigos estudantes da Universidade de

    Coimbra foi solicitado, atravs da Rua Larga - Revista dos antigos estudantes de Coimbra,

    que cedessem ao Museu acadmico as suas pequenas coleces particulares. Em 1959, A.

    Soares (1959: 83) insistia que se deve reconhecer a importncia do museu acadmico tanto

    para os estudantes, como para a Universidade, como tambm para a cidade ( inegvel o

    interesse turstico desta espcie de museus).

    A AAC, organizadora dos grandes momentos festivos do ano acadmico, recorre

    cada vez com mais frequncia imprensa escrita e televiso para publicitar o contedo e

    as datas dos acontecimentos estudantis. Com o montante das despesas a tornar-se cada

    vez mais pesado, todos os meios so empregues para captar fundos, desde o patrocnio

    (nomeadamente das marcas de cerveja) at aos contratos de exclusivos de certos servios.

    Tornados elementos estticos, reificados e reproduzveis17, as tradies-objectos so

    restringir o acesso de visitantes Biblioteca Joanina, por razes que tm a ver com a preservao dopatrimnio (Dirio de Coimbra, 2002c).16As imagens da Universidade, quer como instituio, quer como monumento, e das tradies acadmicas soobjectos seleccionados. A iconografia patrimonial da Universidade est representada pelos retratos dos reis oudos antigos reitores, pelas esttuas alegricas do saber ou de Minerva. Essa iconografia contrastaparticularmente com os graffitipoluentes e efmeros dos estudantes, que no podem deixar de ser vistoscomo referentes de valores acadmicos em conjunto com as suas tradies pblicas e espectaculares (Frias e

    Peixoto, 2001).17 Benjamin (2000) mostra que a reprodutibilidade tcnica da arte transforma a sua funo social (ritual,mgica, religiosa...). Libertando-se da sua fora crtica, ela contribui para uma estetizao da existncia;atravs da banalizao da arte de massa em lembranas, produtos artesanais ou arte local, a sua aura, ou

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    consumidas pelos turistas - ou at mesmo por uma grande maioria dos prprios estudantes,

    convertidos em clientes -, que andam em busca de coisas pitorescas, sob a forma de fotos,

    de postais, de cartazes ou de brochuras. Esses usos objectificados so mantidos distncia

    do seu contexto social mais significante e do dia-a-dia das prticas, chegando a ser

    controlados e perenizados de forma original por razes tradicionalistas (pelo Conselho de

    Veteranos) ou por razes mediticas, como o caso da Serenata Monumentalinterpretada

    meia-noite na S Velha debaixo dos focos das cmaras da televiso, ou dos finalistas que

    vo ao jornal local apresentar as suas homenagens com a capa e batinarasgada para

    que a sua fotografia aparea nesse quotidiano. Como foi dito acima, as Repblicas esto

    excludas da lgica turstica, pelo menos no que respeita ao acesso ao seu interior. Todavia,

    a Repblica Corsrio das Ilhas tem em curso um projecto, tornado pblico por via

    meditica, para montar uma verdadeira Repblica-museu (aberta aos turistas?) onde possa

    expor os seus vastos arquivos, uma grande parte dos quais foi recentemente disposta nas

    paredes interiores da casa para atrair o olhar dos visitantes. No vero de 2001, as passagens

    muito frequentes de turistas frente daRepblica dos Kgados, e face curiosidade audvel

    suscitada pelo nome da casa ou por uma figura representando um praxista pendurado (um

    vestgio da ltima Queima das Fitasque resultou de uma afirmao pblica anti-praxe,

    em jeito de brincadeira, por parte dessa Repblica), osKgadosresponderam com um riso

    defensivo. Esta atitude, balanando entre a rejeio e a indiferena, caracterstica de

    populaes autctones que se sentem incomodadas ou incompreendidas pelos turistas - ou

    qualquer outro aliengena - que estabelecem um contacto superficial e invasor, comoacontece entre os ndios Pueblo estudados por J. D. Sweet (1989).

    O folclore e as tradies acadmicas parecem combinar-se para que o mercado

    turstico no sinta, numa cidade histrica e tradicional, a ausncia dos factores de

    tipicidade de que anda procura ou que lhe foram prometidos. Assim, na altura em que

    a cidade v os estudantes partirem para frias e as actividades acadmicas entrarem num

    perodo de hibernao que as tradies populares, dada a suspenso daPraxe acadmica,

    mais se manifestam.18s j referidas fogueiras populares, realizadas nos finais de Junho,

    seguem-se, em Julho, as Festas da Cidade, em Agosto, a Feira das Cebolas e, no princpiode Outubro, a Feira Distrital do Mel Protegido e da Castanha. A actuao de ranchos

    folclricos e as mostras etnogrficas esto entre as iniciativas mais emblemticas e visveis

    destes eventos. Esta opo , em larga medida, feita na presuno de que os turistas que

    seja, a autenticidade da obra - monumento ou objecto - alterada, uma vez que ela acaba por ser como quedesmultiplicada, perdendo nessa operao o seu elemento sagrado. Notemos, contudo, que ocorre umreencantamento parcial por via da presena do turista, que posto em contacto directo com o exotismo,frequentemente no seio de um grupo ou acompanhado pela famlia, aproveita a sua presena no local pararecolher um testemunho na sua bagagem ou na sua mquina fotogrfica sob a forma de um fragmento de

    cidade ou de um elemento estereotipado da cultura local (Frias, 1999).18Para uma anlise do fenmeno de recuperao e de instrumentalizao de tradies populares no centrohistrico de Lisboa, atravs das marchas populares do ms de Junho, ver Graa Indas Cordeiro (1997) eAntnio Firmino da Costa (1999).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    visitam a cidade so particularmente apreciadores deste tipo de iniciativa. Quando, no ano

    de 2000, o Portugal dos Pequenitos, que um dos locais mais visitados da cidade (e de

    Portugal), comemorou o seu 60 aniversrio, a Fundao Bissaya Barreto (proprietria do

    monumento) decidiu animar aquele espao, durante todo o ms de Setembro, com uma

    mostra etnogrfica da regio do Mondego. Isabel Horta e Vale, da referida Fundao,

    declarou ao Jornal de Coimbra, que a opo pelo folclore no foi feita por acaso. Nesta

    altura do ano, o Portugal dos Pequenitos sobretudo visitado por estrangeiros e emigrantes

    que sero aqueles que mais apreciam este tipo de iniciativa. Uns porque ficam a conhecer as

    tradies e outros porque uma forma de recordarem (Jornal de Coimbra, 2000). Este

    argumento recorrente mesmo quando esto em causa outros tipos de iniciativas de

    animao do centro histrico. Em conferncia de imprensa destinada a apresentar o III

    Festival Internacional de Teatro de Tema Clssico, e para justificar a utilizao de espaos

    de valor monumental (o Ptio da Universidade e os Claustros do Mosteiro de Santa Cruz),

    Ribeiro Ferreira, da comisso organizadora, frisou que as pessoas que vm de outros pases

    so as que revelam mais interesse, porque o teatro ganha outro tipo de atractivo. O que vale

    o visual e o significado histrico dos espaos (Dirio de Coimbra, 2001b). Nota-se, neste

    discurso e nestas iniciativas, uma vontade de transformar o espao pblico urbano, e

    nomeadamente os seus stios histricos, numa espcie de cenografia para uma aco cultural

    e artstica, desta forma difundida e tornada pblica. A Feira das Cebolas, realizada na Praa

    do Comrcio ou Praa Velha, durante uma semana no ms de Agosto, exemplifica o

    fenmeno de multiplicao das tradies reificadas. Esta iniciativa foi retomada h 16anos pelo grupo folclrico Os camponeses de Vila Nova de Cernache, que assim

    recuperaram uma tradio muito antiga. Mais do que funcionar como mercado para a

    venda de cebolas, aposta na animao atravs de tasquinhas de comes e bebes, nela

    actuando todas as noites inmeros grupos folclricos. Embora o mote da XV edio,

    realizada em 2000, fosse queremos ver os turistas de cebolas s costas (Dirio de

    Coimbra, 2000), a verdade que, segundo os testemunhos de quem vende, os turistas

    apenas se mostram interessados em disparar as mquinas fotogrficas para captar o outro

    extico que Coimbra representa.Por fim, o fenmeno recente das visitas tursticas, que consiste em levar os

    caloiros a passear, pela mo dos doutores, nos locais mais emblemticos de Coimbra19

    durante aspraxesde Outubro, reflecte a interseco das tradies estudantis (renovadas), do

    patrimnio urbano a descobrir e da inscrio de prticas num lugar carregado de histria(s).

    19Segundo o testemunho de um dos organizadores dapraxe de cursoda Faculdade de Psicologia do ano 2000(Frias, 2002b).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    A inveno do lugar

    O patrimnio, o folclore e as tradies acadmicas de Coimbra contribuem para a

    ancoragem de uma identidade local. Na verdade, so aqueles elementos que ajudam a

    territorializar esta identidade material ou cultural. Ambos os plos, o da identidade e o daterritorialidade, acabam por se apoiar e se reforar mutuamente. A imagem de territrio(s)

    forjada aqui e acol ao mesmo tempo elaborao de uma auto-imagem e um

    empreendimento de comunicao: o territrio torna-se estilo, no duplo sentido de uma

    caracterizao [...] e de estratgia de comunicao (Poulot, 1992: 31). O estilo de uma

    cidade ou de uma regio , hoje em dia, conferido, de um modo muito ntido, pela

    valorizao ou inveno de um patrimnio. O ritmo frentico da patrimonializao

    caracteriza-se por uma reinveno semntica e funcional de uma tradio (Hobsbawm e

    Ranger, 1983; Lowenthal, 1996; Lamy, 1996). Este processo de destradicionalizao supe

    que a marca de tradio do patrimnio se converte em capital de inovao (Fortuna,

    1997). Esta inovao fica, contudo, frequentemente limitada aos episdios e exemplos de

    retrica urbana que fazem dos centros histricos palcos de sociabilidade e que convertem

    a vida quotidiana numa actividade comemorativa. Por isso, pode dizer-se que os centros

    urbanos no seu esplendor ps-moderno so algo assim como as imponentes cenografias

    opersticas em que s a contraluz ( revelia da orientao dos focos de iluminao) deixa

    ver a urdidura catica da trama (Baptista e Pujadas, 2000: 302).

    Nos anos 30 do sculo XX, a arquitectura e o folclore regionalistas ligados sformas, aos costumes ou s danas, produto da diviso do pas em reas culturais (Leal,

    2000). Desde ento regionalizadas, so estas diferenas e estas especificidades locais

    que os turistas vm descobrir. Estes traos possuem, de resto, todas as aparncias do

    particularismo do lugar, assegurando mesmo a sua unidade atravs da continuidade

    temporal. Uma naturalizao que os guias tursticos e os actores-promotores de costumes e

    tradies (desde as associaes aos organismos estatais) reproduzem e acentuam (Frias,

    1991). A ideia de lugar no remete, neste contexto, apenas para as coordenadas do local.

    Ela veicula a ideia - e o ideal - de razes e de um enraizamento contido na noo de

    gnio, que significa ao mesmo tempo singularidade e continuidade. Como observa

    Raphal Rosseleau (2001: 99), para a realidade francesa, aos olhos dos regionalistas do

    incio do sculo XX, existe uma identidade regional, um gnio da raa ou um esprito

    dos lugares - segundo a expresso de Maurice Barrs - que impregna todos os aspectos da

    paisagem e da vida local. A tarefa dos militantes, municiada por estas constataes

    impressionistas, consistia em recensear, e mesmo em conservar, todos os elementos que

    para eles se apresentavam como constituintes desta essncia.

    Em Coimbra, as numerosas aces do GAAC, desde h duas dcadas, contriburam

    para modificar o olhar dos habitantes e, sobretudo, das autoridades polticas e culturais. Esta

    influncia nas mudanas de percepo do lugar remete para a natureza social do espao

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    arquitectural, que passa de um lugar que apenas investido enquanto espao da vida

    comum, praticado (no sentido que lhe atribui Michel de Certeau), a um lugar de

    memria20 exposto. Um lugar destes, lugar culturalizado e patrimonializado,

    regulamentado e estetizado, supe que lhe sejam extrados, pelo menos normativamente, o

    conjunto de rudos, de odores e de lixos que tornam pouco atraente a paisagem da Alta. Por

    outro lado, ocorre uma modificao na mudana de escala: a toponmia circunscrita ao

    centro histrico21 imbrica-se sucessivamente na zona urbana local, no territrio regional

    (o Centro), para alcanar, atravs de um jogo de imagens e de reivindicaes, o nvel

    nacional e mundial. Isto porque o GAAC uma associao de utilidade pblica conhecida e

    reconhecida que, desempenhando uma funo de intermedirio cultural, oferece

    comunidade saberes e clichs de um passado revisitado e mitos de origem22(Lowenthal,

    1998: 111). Mas tambm porque a produo destes conhecimentos passa pelo estudo de

    objectos e de costumes que se confundem com a abordagem etnolgica e arqueolgica. E

    ainda pelo facto de a fase de produo ser seguida por uma fase de valorizao, que se

    caracteriza pela exposio dos testemunhos indiciais e folclricos de um passado idealizado

    para fazer emergir uma identidade local largamente imposta por notveis letrados. Por estas

    razes, esta etnologia e esta arqueologia no so apenas regionais, mas podem ser

    classificadas de regionalistas. Os usos populares, os objectos, as especialidades

    gastronmicas ou os trajes, exibidos pelos grupos folclricos so, evidentemente, de

    Coimbra porque a documentao etnogrfica ou a memria dos mais velhos, desde h

    muito contaminada (Vasconcelos, 2001) pelo folclorismo, est a para o atestar. Por outrolado, a Praxeacadmica de Coimbra , evidentemente, nica porque a Universidade a

    mais antiga do pas. Estas verdades inquestionveis so tanto mais recebidas como

    evidentes quanto elas so incarnadas, e mesmo reivindicadas, por actores implicados, no

    plano social e emocional, naquilo que se torna a nossa cidade ou as nossas tradies.

    Sobretudo quando essas reivindicaes se convertem em elementos constitutivos de uma

    identidade; ou melhor, de uma identificao. O paradoxo, ou a ironia, como observa

    20Esta expresso retirada de Nora (1997: 23-43). Ela diz respeito a toda a unidade significativa, de ordemmaterial, ou ideal, cuja vontade dos homens ou o trabalho do tempo tornou um elemento simblico dopatrimnio memorvel de uma qualquer comunidade. E refere-se, ainda, a uma realidade tangvel eapreensvel, por vezes material, inscrita no espao, o tempo, a linguagem, a tradio, e uma realidadepuramente simblica, portadora de uma histria.21 A Alta constitui simbolicamente, se assim se pode dizer, o centro do centro - o que evoca a expressocentro histrico e tambm o facto de a colina permitir uma viso panormica e o domnio, atravs de umamesma unidade visual, de uma paisagem urbana heterognea.22Entre os feitos histricos ou os usos fundadores de outrora, mitificados no presente, podemos citar asreferncias tragdia da Quinta das Lgrimas, Rainha Santa Isabel, ao Rei D. Dinis, mas tambm aosantigos costumes locais reactivados, como a Feira dos Lzaros, as Fogueiras de S. Joo ou, mais recentemente,a Procisso dos Nus, tambm chamada Campainha da Burra, que data, supostamente, do sculo XIV. Apropsito desta ltima tradio popular reanimada desde 1998 e instrumentalizada pelo Grupo Regional deDanas e Cantares do Mondego, com o objectivo de colher donativos (Dirio de Coimbra, 2002a), o autorde um artigo no Dirio de Coimbra, e Presidente da Associao de Folclore e Etnologia da Regio doMondego, conclui, numa espcie de profecia que se auto - concretiza: Ser que no prximo ano j teremosCampainha da Burra em Santa Cruz, no dia de Reis? A ver vamos!... (Dirio de Coimbra, 2002b).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    Richard Handler (1988: 195), que o reforo da identidade local precisamente um dos

    modelos culturais globais mais homogeneizados.

    Os fenmenos de inveno do lugar revelam que as cidades so cada vez menos

    definidas em termos de propriedades materiais (densidade da populao, transportes, fluxos,etc.), para passarem a ser descritas a partir das suas propriedades simblicas. O carcter

    urbano da cidade, aquilo que a constitui na sua urbanidade, no redutvel sua morfologia

    ou sua concentrao de actividades econmicas, pois depende dos discursos que sobre ela

    so produzidos e que, circulando em redes cada vez mais extensas, se sedimentam em

    representaes e na prpria materialidade (Mondada, 2000: 38-39). Ao inventarem lugares,

    penetrando nas formas arquitecturais e nas estruturas econmicas das cidades, os discursos

    institucionais conferem existncia quilo que anunciam, marcando e delimitando territrios

    tpicos. Neste contexto, o espao urbano configurado como um objecto esttico que,

    atravs da difuso de uma cultura visual, permite fabricar uma satisfao antecipada que

    facilita o consumo (Featherstone, 1992).

    Na mesma linha de argumentao, Sharon Zukin (1997) sustenta que os poderes

    econmicos dominantes controlam o design urbano, dando origem a uma economia

    simblica que, ao inscrever os seus smbolos na paisagem e na arquitectura, funciona como

    indicador das principais transformaes em curso. A regenerao urbana, recuperando e

    estetizando tempos mortos e espaos mortos da cidade (Bianchini, 1993), ps em

    marcha uma verdadeira economia simblica do patrimnio. Esta consagra materialmente ainveno do lugar, uma vez que, utilizando o patrimnio e a sua panplia de artefactos

    como dcor, aposta na criao de um espao cnico de fruio esttica e na afirmao de

    uma identidade caracterizada pelo esprito de lugar que esse patrimnio suposto

    representar.

    Se o reencantamento das cidades tem sido levado a cabo por uma retrica urbana23e

    por uma estilizao e um tratamento plstico inusitados do espao pblico, a verdade que,

    em Coimbra, esta segunda dimenso desse modo de estetizao tem estado, at hoje,

    particularmente ausente. Existem, porm, alguns exemplos da economia simblica dopatrimnio, sendo talvez o mais evidente o que se manifesta no eixo pedonal que vai do

    Arco de Almedina ao Largo da S Velha passando pela Rua de Quebra Costas. Quem

    percorre este eixo (ponto de passagem obrigatrio para qualquer turista) depara-se, debaixo

    do Arco de Almedina, com uma loja de alfarrabista, como que a simbolizar a vetustez da

    cidade. O patrimnio sonoro de Coimbra faz-se ouvir atravs de uma msica de fundo,

    audvel a quem passa na rua, que reproduz incessantemente fados de Coimbra. Dentro da

    loja (e em expositores colocados na rua), para l de exemplares antigos de livros, alguns

    deles ligados vida acadmica coimbr, encontram-se venda, sob a forma de postais e de

    23O marketingurbano, enquanto tcnica de gesto estratgica das imagens das cidades, um dos elementosrecentes mais caractersticos desta retrica urbana (Peixoto, 2000).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    azulejos, as marcas mais estereotipadas do pas e da cidade: imagens de caravelas, de

    elctricos, dos bairros tpicos de Lisboa, de Sintra, do Galo de Barcelos, da Torre da

    Universidade e dos estudantes com capa e batina. Subindo para a S Velha, na Rua de

    Quebra Costas, encontramos um nmero crescente de lojas de artesanato. A sua instalao

    relativamente recente, tendo ocorrido, na maioria dos casos, nos ltimos 10 anos, e os

    produtos que comercializam restringem-se quase exclusivamente s cermicas

    tradicionais de Coimbra.

    Imagem 4Casa de venda de artesanato no eixo pedonal Arco da Almedina-S Velha

    a que os turistas que demandam Coimbra podem finalmente encontrar os objectos

    tradicionais e nicos que permitem testemunhar a sua passagem pela cidade. Muitas

    destas lembranas so feitas para parecerem antigas. A cermica, particularmente os painis

    de azulejos, imita a azulejaria barroca portuguesa que est representada em muitos

    monumentos da cidade. Mas, no contexto da experincia turstica, a simplificao torna-se

    fundamental. A percepo dos turistas relativamente aos habitantes locais tende a ser

    estereotipada e as lembranas acabam por ser vises condensadas e simplificadas das suas

    vidas (Hitchcock, 2000). por isso que os motivos dos azulejos so frequentemente signos

    facilmente identificveis: a Torre da Universidade, o estudante de capa e batina ou a

    caravela.24 Por outro lado, os ornamentos e o colorido abundante da cermica,

    comercializada sob a forma de produtos diversos, constituem elementos fundamentais para

    24A produo de lembranas para o mercado turstico no tem apenas a ver com as expectativas dos turistasrelativamente s caractersticas mais salientes da cidade e s imagens generalizadas da cultura. Essa produo levada a cabo num contexto em que a natureza do produto artesanal (a fragilidade e o peso da cermica)obriga a limitaes de tamanho e de peso. A miniaturizao dos produtos , assim, uma das caractersticasrecentes mais marcantes da sua produo.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    criar uma mais-valia simblica, uma vez que o artesanato no representa apenas tradies

    antigas, mas tambm o extico encantatrio.25Os objectos artesanais, fazendo parte da vasta

    panplia das lembranas, oscilam entre uma ambiguidade que resulta do seu carcter

    hbrido de produtos abastardados da era ps-industrial e entre aspectos locais,

    identitariamente instrumentalizados por actores envolvidos na criao de um esprito de

    lugar para criar diferenas face a uma globalizao vista como factor nivelante (Hitchcock,

    2000; Appadurai, 1996: cap. VIII).

    Imagem 5Aglomerao de turistas numa das casas de artesanato do Largo da S Velha

    Concluso

    Monumentos, tradies, paisagens, trilogia de beleza regional e universal,momentnea e eterna, como a vida, construram dentro da alma colectiva um altar votivo a

    Coimbra (Correia, 1946: 379). Nesta frase, Verglio Correia associa claramente os trs

    registos abordados neste estudo, remetendo todos eles para a questo da estetizao

    (beleza). Esta trilogia completa-se com polaridades estrategicamente reivindicadas. Um

    plo de ordem espacial, ou seja, uma pertena ao lugar (regional) e um anncio

    premonitrio do actual desejo de ver a cidade reconhecida como patrimnio mundial

    (universal), recorta o plo de ordem temporal, onde o presente (momentnea)

    reinscrito numa continuidade cronolgica que desemboca num tempo cosmolgico imvel

    25Para uma anlise das lgicas mais complexas do consumo de artesanato relativamente ao caso portugus verHelena Santos e Augusto Santos Silva (1988).

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

    (eterna). O conjunto d forma a uma identidade espiritual (alma colectiva) que confere

    uma sacralidade (altar votivo) cidade de Coimbra.

    Se considerarmos os elementos de reencantamento abordados neste texto (a retrica

    urbana; o folclore e a Praxe acadmica; e a inveno do lugar) verificamos que elestransportam consigo componentes de um processo de estetizao marcado pela

    patrimonializao e pela objectivao da cultura. Algumas das formas de reencantamento

    contam-se, alis, entre os factores de descrena que, segundo os seus crticos, mais

    contribuem para o marasmo e o decadentismo da cidade. Na verdade, analisar factores como

    as imagens da cidade, a reactivao das tradies urbanas e a construo de diferenciaes

    locais obriga a reconhecer a diversidade de actores e de estratgias que actuam nesses

    terrenos. O que significa que as representaes da mesma realidade, longe de serem

    homogneas, chegam a ser contraditrias e at conflituosas. A segmentao social dos

    factores de encantamento e de desencantamento revela que as cidades so realidades

    socialmente apropriadas e imaginadas que ganham forma para alm de qualquer retrica ou

    estratgia identitria dominante empreendida em seu nome. Neste contexto, o

    reencantamento da cidade, no domnio do imaginrio, tambm o seu desencantamento ao

    nvel da realidade urbana. Uma estetizao que ocorre, precisamente, aps a destruio

    massiva da Alta, depois da restaurao da Praxe acadmica em 1980 e a inveno-

    reactivao, desde h duas dcadas atrs, das tradies populares de Coimbra. Contudo,

    nem isolados, nem no seu conjunto, estes factores parecem conseguir contrariar

    completamente a imagem desvalorizada que a cidade de Coimbra difunde ao nvel local e

    nacional.

    Como bem notou Walter Benjamin (2000), no limite, o processo de estetizao no

    flui necessariamente em sentido contrrio do processo de racionalizao. Estamos antes

    perante duas linhas - vectoriais e de fora - que se encontram para se unirem numa s no

    seio da mesma modernidade. A estetizao pode constituir, se no o culminar do

    desencantamento, pelo menos a sua acelerao, ainda que isso possa parecer paradoxal.

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    Representao imaginria da cidade. Processos de racionalizao e de estetizao do patrimnio urbano de Coimbra

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