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GRADUAÇÃO 2014.2 1ª EDIÇÃO CIDADE OLÍMPICA: Desafios jurídicos e políticos AUTORES: GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDT, LUCIANA NERY, PEDRO TEIXEIRA E CARLOS VICTOR NASCIMENTO DOS SANTOS

CIDADE OLÍMPICA: Desafios jurídicos e políticos

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GRADUAÇÃO 2014.2

1ª EDIÇÃO

CIDADE OLÍMPICA:Desafios jurídicos e políticos

AUTORES: GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDT, LUCIANA NERY,

PEDRO TEIXEIRA E CARLOS VICTOR NASCIMENTO DOS SANTOS

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SumárioCidade Olímpica: Desafi os jurídicos e políticos

AULA 1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA. .................................................................................................................. 3

AULA 2. CIDADE SUSTENTÁVEL. .............................................................................................................................. 4

AULA 3. A AUTORIDADE PÚBLICA OLÍMPICA .............................................................................................................. 9

AULA 4. CENTRO DE OPERAÇÕES ........................................................................................................................... 16

AULA 5. PPPS COM SOTAQUE CARIOCA .................................................................................................................... 23

AULA 6. PORTO MARAVILHA ................................................................................................................................ 25

AULA 7. MOBILIDADE URBANA E BRTS. .................................................................................................................. 38

AULA 8. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA ........................................................................................................ 46

AULA 9. HOTELARIA ........................................................................................................................................... 53

AULA 10. SAMBÓDROMO ..................................................................................................................................... 57

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AULA 1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA.

“Cidade Olímpica: desafi os jurídicos e políticos” é uma disciplina que tem como principal objetivo introduzir o aluno no seio da Administração Públi-ca, a fi m de que melhor compreenda não só o seu funcionamento, mas tam-bém as mais diversas variáveis envolvidas no processo de tomada de decisões de responsabilidade do gestor público. Para tanto, a aula terá por base estudos de casos ocorridos no âmbito a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

Para que o Município do Rio de Janeiro pudesse sagrar-se vencedor na disputa com cidades como Madrid, Chicago e Tóquio e pudesse se tornar a primeira cidade sul-americana a sediar os jogos olímpicos, a Prefeitura, por meio do dossiê de candidatura, assumiu uma série de compromissos referen-tes à implantação de novas instalações e de todo um legado para os seus ha-bitantes e, agora, precisa instrumentalizar juridicamente as decisões político--administrativas adotadas.

O curso abordará exatamente os principais projetos e decisões políticas adotadas no seio do processo de candidatura da Cidade do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, bem como as questões e políticas públicas associadas, de alguma forma, à gestão da Cidade do Rio de Janeiro, no período que antecede a realização do evento.

Diferentemente de outras disciplinas, a participação do aluno na eletiva “Cidade Olímpica” pressupõe, necessariamente, conhecimento de determi-nadas disciplinas já adquirido ao longo da graduação, o qual será reforçado nas discussões em sala de aula, no intuito de instigar os alunos ao desenvolvi-mento de respostas possíveis aos compromissos assumidos pela Prefeitura do Rio e pelo Comitê Olímpico Brasileiro para a realização das olimpíadas de 2016 em solo nacional.

Por ser um curso de metodologia diferenciada, em que os alunos apren-derão a instrumentalizar juridicamente decisões políticas passíveis de realiza-ção, sempre de acordo com os princípios basilares da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência), esta será uma disciplina de ensino mais estratégico. As aulas permitirão que os alunos circulem pelas mais diversas searas do direito, verifi cando a adequação e pos-sibilidade da medida a ser tomada, seus efeitos e alcance, segundo o objetivo almejado pela Administração Pública.

Como se disse acima, as aulas serão pautadas na discussão de cases, sempre guiadas pelo Material Didático, com a descrição do caso concreto e uma bre-ve abordagem do que será discutido em sala de aula.

A avaliação será feita da seguinte forma: participação efetiva dos alunos, seguida de uma prova, ao fi nal do semestre.

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AULA 2. CIDADE SUSTENTÁVEL.

TEMAS CENTRAIS

Sustentabilidade. Cidades Sustentáveis.

EXPOSIÇÃO PRELIMINAR

A sociedade brasileira vive no século XXI um de seus maiores paradoxos: o crescimento signifi cativo da população urbana, concentrada em grandes cidades, aliado ao crescimento da renda média, não foram acompanhados de melhora equivalente na qualidade de vida da população. Em todo o mun-do, a realização de grandes eventos internacionais, como Copa do Mundo e Olimpíadas, apresenta-se como oportunidade de investimento em projetos estruturantes, que integrem as necessidades dos eventos às demandas sociais.

Atualmente, entende-se que a cidade, como locus de milhões de pesso-as vivendo em proximidade e interagindo continuamente, deve ser pensada como um todo integrado e articulado. Percebe-se, também, que as principais questões que afetam a qualidade de vida devem ser tratadas no âmbito local; e não regional ou nacional.

O foco na cidade é algo bastante recente. No século XIX, as principais discussões políticas envolviam a formação da Nação: sua gênese, consolida-ção e poderes. O esforço para a construção formal de Nações disseminou-se a partir da França, com as reformas políticas, jurídicas e administrativas de Napoleão Bonaparte. Os Códigos Legais napoleônicos, por exemplo, foram a base dos códigos da maioria das nações europeias. Outras reformas tam-bém foram copiadas e adaptadas, como o estabelecimento de hierarquias e de processos burocráticos, a implantação de modelos de organização técnicos e científi cos, o uso do sistema métrico de medidas e o estabelecimento de secularismo estatal.

As Nações europeias foram forjadas com bases em identidades históricas, étnicas e linguísticas, como nos casos da Itália, da Alemanha, da Grécia, da Sérvia e da Romênia. O Estado tinha uma organização e burocracia ainda frá-geis, e o que predominava na economia era o livre-comércio e o liberalismo. As unidades econômicas eram o indivíduo e a empresa, que agiam conforme seus interesses privados, unindo-se aos governos somente nos momentos de expansão, isto é, na implantação dos colonialismos na América Latina, África e Ásia. Nos Estados Unidos, o Estado se organizava na forma de federação, com o objetivo declarado de descentralizar o poder político. País formado por imigrantes de diversas nacionalidades, os EUA criaram uma identidade

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cultural própria, a exemplo das nações europeias, que almejavam distinguir--se uma das outras por suas culturas, e a partir daí criar e fortalecer os Esta-dos-Nações.

O século XX, por sua vez, caracteriza-se pelo fortalecimento do Estado em todas as esferas: política, econômica, científi ca, ideológica e social. Se-gundo Eric Hobsbawm, o século XX inicia-se com o fi m da Primeira Guerra Mundial, em 1918, e termina em 1989, com a derrubada do Muro de Ber-lim. Estes anos representam o ápice da força dos Estados, agora capazes de mobilizar gigantesco arsenal militar, valendo-se das novas técnicas industriais de mecanização e de padronização dos processos. As ferrovias eram capa-zes de deslocar armas e pessoas rapidamente, levando a outros Estados os exércitos formados a partir de decisões tomadas pela cúpula política de um país. A capacidade de mobilização se dava, também, no campo ideológico: o capitalismo e o comunismo efetivamente dividiram o mundo. O comércio, altamente protecionista, e a cooperação científi ca, que envolviam interesses geopolíticos, se davam somente intra-blocos, e até o tráfego de pessoas sofria restrições. O protagonismo político dos Estados no cenário internacional era absoluto, devido à possibilidade de instituir agendas: economia, meio am-biente, direitos humanos, segurança internacional, etc.

Note-se que, neste momento, até as competições esportivas eram utili-zadas como forma de propaganda de regimes políticos. Estados comunistas investiam pesadamente em seus atletas, de modo a projetar mundialmente imagem de disciplina, força e sucesso. Frequentemente os confl itos políticos tinham refl exos nas Olimpíadas, por exemplo, na forma de protestos e de boicotes (vide as Olimpíadas de Moscou, de 1980). Este apoio objetivava não somente o prestígio internacional, como se dá hoje, mas a propaganda das virtudes e do sucesso de modelo comunista de organização estatal.

Ao fi m do século XX, simbolicamente marcado pela derrubada do Muro de Berlim, a globalização permite que outros atores ganhem espaço no cená-rio internacional, e que reivindiquem para si capacidade decisória e de ação. Grandes corporações, ONGs, movimentos sociais e, inclusive, o indivíduo, ganham poder para infl uenciar seus governos ou para agir por si próprios. Até o terrorismo se constitui força própria, disperso mundialmente. A informa-ção, cada vez mais ágil, aproxima as pessoas e facilita o intercâmbio de ideias, desconhecendo as fronteiras de países. Globalização e novas tecnologias apro-ximam cada vez mais as pessoas, pondo em xeque a ideia de soberania e as próprias fronteiras estatais. O poder fi ca diluído na mão de diversos atores. E a capacidade do Estado, como ente soberano, de gerar qualidade de vida reduz-se drasticamente. A pressão popular age como moderadora do poder político, pulverizado entre Estado, blocos econômicos, corporações, agentes fi nanceiros e indivíduos.

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1 SASSEN, Saskia. The global city: New York, London, Tokyo. Princeton: Prin-

ceton University Press, 2001.

É verdade que as identidades nacionais não deixam de existir, assim como a relevância dos países não desaparece; mas, principalmente nas grandes cida-des, predomina um ambiente multiétnico, multicultural e criativo, e as pes-soas podem manter, simultaneamente, diversas identidades. Vários aspectos da vida de um indivíduo podem, portanto, gerar identidades e, consequente-mente, associações e fi delidades: local de moradia, música, esporte, religião, partido político, preferência por este ou aquele aparelho eletrônico. É nas cidades que tudo acontece e são as decisões tomadas em âmbito local que passam a afetar a qualidade de vida das pessoas.

Cabe destacar que, principalmente a partir da década de 1990, parte sig-nifi cativa de ações concretas e de conscientização relativas ao meio ambiente partiu de ONGs, que tiveram grande destaque a partir da Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92 ou Eco-92. Em todo o mundo, inclusive por meio de ações midiáticas de impacto, como as promovidas pelo Greenpeace, pessoas pas-saram a cobrar ações de seus governantes, e o meio ambiente passou a ter espaço permanente na agenda internacional. As grandes cidades de países desenvolvidos, como a Alemanha e os países escandinavos, adotaram para si uma consciência sustentável, e passaram a investir em tecnologias e há-bitos de consumo com menor impacto no meio ambiente. Estas iniciativas estão sendo hoje adaptadas, expandidas e substituídas por novas práticas em todo o mundo, movidas por novas oportunidades de negócio e pela crescente conscientização das sociedades acerca da necessidade de preservação do meio ambiente.

As grandes cidades concentram não apenas parte dos maiores problemas mundiais, mas também o maior potencial de desenvolvimento de soluções para estes problemas. O capital intelectual e a sua variedade, a concentração de capital, os centros tecnológicos e científi cos, e as indústrias tipicamente urbanas (audiovisual, moda, arte) possibilitam a articulação de redes de co-nhecimento que ensejam ideias, projetos e ações concretas. Violência, polui-ção e pouca mobilidade são problemas urbanos cujas soluções estão partindo, no mundo todo, de governos locais, não mais do poder central do Estado. Atualmente as cidades já se articulam em redes de prefeitos ou em entidades como o C40, que integra mais de 60 grandes cidades mundiais, e que se in-cumbem de implementar e intercambiar soluções para problemas urbanos.

Segundo a socióloga Saskia Sassen1, “A combinação de dispersão espacial e integração global criou novo papel estratégico para as principais cidades. Além de sua longa história como centros de comércio e atividades bancá-rias internacionais, essas cidades agora funcionam em quatro novas formas: primeira, como pontos de comando altamente concentrados na organização da economia mundial; segunda, como localizações-chave para empresas fi -nanceiras e de serviços especializados...; terceira, como locais de produção,

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2 http://esa.un.org/unup/ United Na-

tions Population Division. Acessado

em: 03/08/2012.

3 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

inclusive a produção de inovação nesses importantes setores; e quarta, como mercados para os produtos e as inovações produzidas.” No início da década de 1990, Sassen cunhou o termo “cidade global”, para caracterizar cidades com fl uxos fi nanceiros relevantes e com conexões estabelecidas no conjunto de outras cidades, e que juntas formam a base do capitalismo globalizado.

No que tange ao meio ambiente, percebe-se que as grandes cidades, em-bora tenham enorme potencial de poluir, são mais efi cientes ambientalmente do que um sistema de moradias dispersas, por vários motivos: concentram infraestrutura — linhas de transmissão, dutos, estações de tratamento, etc.; aproximam distâncias — permitem transporte de massa, que é muito melhor do que o transporte individual (e elevador é mais efi ciente ambientalmente do que carros); e aumentam disponibilidade de terra — mais espaço para fl orestas ou terra arável, etc.

Segundo a Divisão de População da ONU2, a população urbana em 2010 era 50,6% do total mundial. A urbanização acelerada durante o século XX não signifi cou apenas o aumento numérico de pessoas em centros urbanos. De fato, as grandes cidades são as principais gestoras do espaço rural, cuja organização econômica e social se subordina às necessidades de consumo e às políticas públicas geradas dentro das cidades. O espaço rural se adapta, se expande, atrai ou expulsa pessoas de acordo com forças políticas e econômi-cas exógenas. As bolsas de valores, as grandes corporações, o comércio inter-nacional, o cenário macroeconômico nacional e mundial, e até os gostos de consumidores, ditam o que vai ser produzido no espaço rural. Por exemplo, uma produção de milhares de toneladas de soja pode viajar o planeta todo a partir das negociações de um trader antes mesmo de a soja ter sido plantada. Todas essas forças interagem em áreas urbanas, para as quais os produtos se direcionam. Por conseguinte, as externalidades negativas desses negócios, como poluição, desmatamento, expulsão de população indígena ou trabalho escravo, são também de responsabilidade dos habitantes de grandes cidades e dos governos respectivos, que devem ser capazes de idealizar e implementar as soluções correspondentes.

Conforme afi rma Manuel Castells3, as megacidades não podem ser vistas apenas em termos de tamanho, mas como uma função de seu poder gravi-tacional em duas direções: o espaço interior de países e as principais regiões do mundo. O espaço se organiza na forma de redes interconectadas, local e globalmente, nas quais as megacidades sofrem e exercem forte infl uência. Por esta defi nição, as megacidades não são um lugar, mas um processo. Para o autor, no livro “A Sociedade em Rede”, as megacidades articulam a economia global, ligam as redes informacionais e concentram o poder mundial.

Em suma, a globalização evidencia a relativa perda de capacidade do Esta-do de lidar com os principais problemas mundiais e de gerar bem-estar à po-pulação. A descentralização do poder, não mais predominantemente estatal,

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e organizado em redes de poder e infl uência, abre espaço para novos paradig-mas de desenvolvimento, de consumo e de comportamento. O século XXI, portanto, inicia-se com o deslocamento do poder para o interior do locus de convívio de maior parte da população mundial: as grandes cidades.

QUESTÕES DE DIRECIONAMENTO DO DEBATE

1) O Século XIX foi o Século das Nações; o Século XX o dos Estados; e hoje se diz que o Século XXI é o Século das Cidades. Por quê?

2) Aponte as razões, se é que existem, que teriam levado à transferência de parte do poder político-decisório dos Estados para as Cidades.

3) O processo de globalização teve algum impacto nisso? E o desen-volvimento de novas tecnologias no setor de telecomunicações e transportes? Como? Por quê?

4) De quais formas o poder das cidades é compartilhado com os go-vernos dos Estados, e como isso pode enfraquecer governos cen-trais?

5) Em sua opinião, isso se refl ete, de alguma forma, no texto da Cons-tituição de 1988? Justifi que a sua resposta, apontando os dispositi-vos constitucionais pertinentes.

6) O que signifi ca a expressão “sustentabilidade”? Houve alguma mu-dança neste conceito nos últimos anos?

7) O que é uma cidade sustentável?8) Dê exemplos de cidades globais e de cidades sustentáveis. É possível

que uma cidade global não seja sustentável (e vice-versa)?9) O Rio de Janeiro pode ser considerada uma cidade global? E uma

cidade sustentável?

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AULA 3. A AUTORIDADE PÚBLICA OLÍMPICA

TEMAS CENTRAIS

Administração Pública. Descentralização. Empresa Pública. Sociedade de Economia Mista. Autarquia. Fundações Públicas. Autoridade Pública Olím-pica. Consórcio Público.

LEITURA RECOMENDADA

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009, trechos selecio-nados. P. 26-28; 53-58; 107-111; 131-132; 134-135; 139-140; e 146-148.

ROTEIRO DE AULA

Um dia extraordinário: o dia 2 de outubro de 2009. Ali, em Copenha-gue, na Dinamarca, durante a 121ª Sessão do Comitê Olímpico Internacio-nal, a Cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Uma vitória do Brasil e não apenas da Cidade do Rio de Janeiro.

Passada a emoção da conquista, surge uma enorme responsabilidade: pre-parar a Cidade do Rio de Janeiro para os Jogos da XXXI Olimpíada. As difi culdades são as mais variadas e, para superá-las, há a necessidade de inves-timentos substanciais não apenas na construção e requalifi cação de equipa-mentos esportivos, mas também em setores como mobilidade urbana, sanea-mento básico, saúde, habitação e na própria operação da cidade.

Os investimentos necessários montam algumas dezenas de bilhões de re-ais. Daí, inclusive, que a escolha da Cidade do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016 só foi possível em função dos compromissos assu-midos pelas três esferas de governo. Reconheça-se: à época da candidatura, não tinha o Poder Público Municipal condições orçamentárias de honrar sozinho com tais compromissos.

Vencida a disputa, o passo seguinte era defi nir a quem competiria o plane-jamento e a preparação da Cidade do Rio de Janeiro para os Jogos da XXXI Olimpíada. Uma escolha, sem sombra de dúvida, decisiva para o sucesso do projeto olímpico.

Se, na esfera privada, qualquer erro já seria fatal, considerando a dimen-são de um evento como as Olimpíadas, no setor público a questão é ainda

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mais delicada. Não é de hoje que se reconhece a inefi ciência da máquina administrativa. O Estado Burocrático, conforme idealizado por Max Weber, sabidamente é incapaz de lidar com as necessidades da coletividade, com a celeridade que dele se exige. Os recursos são limitados e as necessidades infi -nitas. Aliado a isso, o princípio da legalidade, elemento nuclear do Estado de Direito, ao mesmo tempo em que serve, para o cidadão, de escudo protetor contra possíveis arbitrariedades, tem como consequência indesejada a criação de amarras para a Administração Pública, burocratizando a sua atuação e tornando-a mais inefi ciente, se comparada com os atores privados.

A proposta do Comitê Olímpico Internacional era a de que, além do Co-mitê Organizador Local (Rio 2016), fosse criada uma Autoridade Pública Olímpica, nos moldes da “Olympic Delivery Authority (ODA)”, constituída para os Jogos de Londres:

“A Olympic Delivery Authority (ODA) é o órgão público responsável pelo desenvolvimento e construção dos novos espaços e infraestrutura para os Jogos e pela sua utilização depois de 2012.

Sobre a ODA

A APD tem a sua sede em Canary Wharf, em conjunto com o Comitê Or-ganizador de Londres 2012 dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos (LOCOG).

Ela é liderada por Sir John Armitt (Presidente) e Dennis Hone (Diretor Geral).

Um parceiro de entrega foi nomeado para trabalhar com a ODA para projetar, gerenciar os espaços e infraestrutura do programa para os Jogos.

Responsabilidades em matéria de ODA

A ODA também é responsável pela:

Construção de novos espaços permanentes para os Jogos e sua posterior utilização: O Estádio Olímpico, Centro Aquático, International Broad-cast Centre / Main Press Centre, Velódromo, Box de cobre, Pista de BMX — todos no Parque Olímpico, e o Centro de Lee Valley White Water, em Hertfordshire.

Construção das arenas temporárias (Instalações que serão desmontadas e/ou transferidas depois dos Jogos: a Arena de Polo Aquático, Arena de Bas-quete, instalações para defi cientes, tênis em Eton Manor, e o local da Royal Artillery Barracks de tiro, tiro com arco e Paraolímpicos).

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4 Disponível em: < http://www.lon-

don2012.com/about-us/the-people-

-delivering-the-games/oda/ >. Acesso

em 10/jul/2012.

Melhoria dos equipamentos desportivos existentes em Eton Dorney e Weymouth e Portland.

Planejamento e execução da infraestrutura de transporte e operações para apoiar os Jogos.

Garantia de que o projeto estabeleça novos padrões de desenvolvimento sustentável.

(...)

A APD trabalhará com a Companhia de Legado do Parque Olímpico para planejar o uso dos jogos em tempo e, ao mesmo tempo, de longo prazo, de modo a garantir que a área seja regenerada, deixando habitação, escolas e unidades de saúde para a comunidade local depois de 2012, juntamente com instalações esportivas de nível internacional.

Estatuto jurídico

A ODA foi concebida para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Lon-dres e recebeu aprovação real em março 2006. A lei foi aprovada para asse-gurar o planejamento necessário e preparação para os Jogos. Ela dá poderes para a ODA:

— comprar, vender e manter a terra;— tomar providências para as obras de construção e desenvolvimento

dos transportes e outras infraestruturas;— desenvolver um plano de transportes para os Jogos, com a qual as

outras agências devem cooperar e fazer pedidos que regulem o tráfego na Estrada Olímpica e na rota de acesso Paraolímpico,

— a autoridade de planejamento local para a área do Parque Olímpico.”4

Foi inspirado neste modelo que as três esferas de Governo decidiram, me-diante consórcio público, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, criar uma “Autoridade Pública Olímpica” (APO), conforme Protocolo de In-tenções assinado pela União, pelo Estado do Rio de Janeiro e pelo Município do Rio de Janeiro:

“Protocolo de Intenções fi rmado entre a União, o Estado do Rio de Ja-neiro e o Município do Rio de Janeiro, com a fi nalidade de constituir con-sórcio público, denominado Autoridade Pública Olímpica — APO.

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Considerando que em 2 de outubro de 2009, a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, após vencer processo eleitoral do Comitê Olímpico Internacional;

Considerando que a referida eleição decorreu dos esforços conjuntos do Governo Federal, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, dos esportistas, das entidades desportivas na-cionais e da sociedade civil, tendo a candidatura brasileira apresentado as inúmeras garantias exigidas para sediar os eventos;

Considerando que, entre as garantias apresentadas, consta a criação de ente que integre os esforços dos governos federal, estadual e municipal para a viabilização dos serviços públicos e da infraestrutura necessários à orga-nização e à realização dos referidos Jogos;

Considerando que a entidade federativa, na forma de consórcio públi-co, denominada Autoridade Pública Olímpica — APO será a instituição responsável pela aprovação e monitoramento das obras e dos serviços que compõem a Carteira de Projetos Olímpicos;

Resolvem os representantes legais da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro subscrever o presente protocolo de inten-ções, composto pelas disposições que se seguem.

CLÁUSULA PRIMEIRA — DA DENOMINAÇÃO

O consórcio público previsto neste protocolo de intenções será denomina-do AUTORIDADE PÚBLICA OLÍMPICA — APO e regido conforme o disposto na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e demais normas espe-cífi cas aplicáveis.”

A intenção das três esferas de Governo, com a constituição da APO, está expressa na Cláusula Quarta do sobredito Protocolo de Intenções:

“CLÁUSULA QUARTA — DO OBJETIVO E DAS FINALIDA-DES

A APO tem por objetivo coordenar a participação da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro na preparação e rea-lização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, especialmente para

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assegurar o cumprimento das obrigações por eles assumidas perante o COI para esses fi ns e, notadamente:

I — a coordenação de ações governamentais para o planejamento e entrega das obras e serviços necessários à realização dos Jogos, incluindo a representação dos entes consorciados perante órgãos ou entidades da ad-ministração, direta ou indireta, e outros entes da Federação nos assuntos pertinentes ao seu objeto;

II — o monitoramento da execução das obras e serviços referentes aos Projetos Olímpicos;

III — a consolidação do planejamento integrado das obras e serviços necessários aos Jogos, incluindo os cronogramas físico e fi nanceiro e as fontes de fi nanciamento;

IV — o relacionamento, em conjunto com os próprios entes consorcia-dos, com o COMITÊ RIO 2016 e demais entidades esportivas, nacionais e internacionais, responsáveis por modalidades olímpicas e paraolímpicas nos assuntos relacionados à organização e realização dos Jogos;

V — o planejamento referente ao uso do legado dos Jogos, com propo-sição de soluções sustentáveis sob os aspectos econômico, social e ambiental;

VI — a elaboração e atualização da Matriz de Responsabilidades junto aos consorciados e ao COMITÊ RIO 2016, visando defi nir obrigações das partes para a realização dos eventos, face as obrigações assumidas perante o COI;

VII — a homologação prévia dos termos de referência, projetos básicos e executivos relativos à preparação e realização dos Jogos com a estrita fi nali-dade de verifi car se atendem aos compromissos assumidos junto ao COI, a serem contratados pelos entes consorciados, inclusive por seus órgãos e enti-dades da administração direta e indireta, nos casos de utilização do regime diferenciado de licitações e contratos para as obras e serviços, estabelecido em lei federal;

VIII — a interlocução, nos casos de impasses relacionados à execução de obras, com órgãos de controle, de licenciamento ambiental e demais órgãos envolvidos.”

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A APO possui natureza jurídica de um consórcio público, dotado de perso-nalidade jurídica de direito público, tal como autoriza a Lei nº 11.107/2005.

Paralelamente a isso, em âmbito municipal, o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro encaminhou Projeto de Lei para a Câmara dos Vereadores, voltado para a constituição da Empresa Olímpica Municipal (inicialmente, Empresa Rio 2016). Nos termos da legislação municipal, a Empresa Olímpica Muni-cipal é pessoa jurídica de direito privado, responsável por:

“I — elaborar o macro-planejamento da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro— PCRJ e estabelecer a articulação necessária com seus Órgãos da Administração Direta e Indireta, no que tange à preparação da Cidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpi-cos e Paraolímpicos de 2016;

II — monitorar a execução dos programas e projetos da PCRJ relacio-nados à preparação da Cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016;

III — monitorar a aplicação dos recursos orçamentários destinados aos programas e projetos estratégicos da PCRJ relacionados à preparação da Cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos e Para-olímpicos de 2016;

IV — estabelecer interlocução com os diferentes agentes envolvidos no processo de preparação da Cidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014e para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016;

V — defi nir, monitorar e divulgar as métricas de Legado da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016;

VI — elaborar e executar a estratégia de comunicação da PCRJ relacio-nada a preparação da Cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpico se Paraolímpicos de 2016;

VII — fi rmar contratos, acordos ou termos de parceria com vistas à realização de obras e serviços de engenharia, aquisição de máquinas e equi-pamentos, bem como para a prestação de serviços de operação e manutenção de infraestrutura;

VIII — prestar serviços à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como à Au-toridade Pública Olímpica — APO, para elaboração e revisão de estudos e

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projetos, e execução de obras e serviços necessários à preparação da Cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.”

Conforme se vê da mensagem encaminhada à Câmara dos Vereadores pelo Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, caberia à Empresa Rio 2016 (atual Em-presa Olímpica Municipal) “o gerenciamento e comando municipal de todo o processo de criação das condições materiais e/ou imateriais para o sucesso dos Jogos de 2016.” A intenção do Chefe do Poder Executivo Municipal era constituir “entidade gestora ágil, transparente e consentânea às modernas técnicas de gestão pública (v.g., necessária sindicabilidade administrativa — accountability), pos-sibilitando a bem-sucedida realização dos Jogos de 2016”.

Tendo em conta o quadro acima descrito, prepare-se para a discussão em sala de aula, de preferência respondendo às questões abaixo relacionadas.

QUESTÕES DE DIRECIONAMENTO DO DEBATE

1) Qual é a entidade pública responsável pelo planejamento, organi-zação e execução dos projetos relacionados aos Jogos Olímpicos de 2016?

2) Por que e como tal(is) escolha(s) foi(ram) feita(s)?3) O planejamento, organização e preparação da cidade para os Jogos

Olímpicos de 2016 poderiam ter fi cado a cargo, exclusivamente, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (Administração Direta)? Quais seriam as vantagens e desvantagens de uma decisão como essa?

4) O que é a Autoridade Pública Olímpica?5) Qual é a natureza jurídica (e regime jurídico) aplicável à Autoridade

Pública Olímpica? Poderiam os entes da Federação ter optado por algum outro regime jurídico?

6) O que é e como se constitui um consórcio público?7) Qual é o papel da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro no plane-

jamento, organização e preparação da cidade para os Jogos Olímpi-cos de 2016?

8) Em termos conceituais, qual é a entidade que tende a ser mais efi -ciente no planejamento e preparação de uma cidade para sediar grandes eventos?

9) Se você tivesse sido consultado sobre o tema, qual seria o modelo de gestão dos Jogos Olímpicos de 2016 que você teria proposto?

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CIDADE OLÍMPICA: DESAFIOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

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AULA 4. CENTRO DE OPERAÇÕES

1. CHUVAS DE ABRIL: A CIDADE E SUAS VULNERABILIDADES

Um dos temas mais relevantes na agenda ambiental contemporânea é a mudança climática. Diversas investigações científi cas constataram que, em todo o planeta, os fenômenos climáticos estão se tornando mais frequentes e extremos. Muitos dos modelos tradicionais de previsão do tempo, tanto de curto quanto de longo prazo, estão sendo revistos ou abandonados, por-que muitas das premissas usadas deixaram de ser verdadeiras. No Brasil, por exemplo, o furacão Catarina, ocorrido em março de 2004, foi o primeiro ci-clone tropical do Atlântico Sul ofi cialmente registrado, e os ventos atingiram 176km/h. Um ciclone tropical se formou em 2010, também na região Sul, demonstrando que o fenômeno, até então inédito, não seria isolado.

No Rio de Janeiro, em abril de 2010, uma chuva de intensidade recorde paralisou a cidade, deixando 42 mortos no município e 2600 desabrigados. Foi a chuva mais forte no estado desde 1964, mas seus impactos negativos foram vastamente superiores, devido à ocupação desordenada do solo e à maior densidade demográfi ca. Além da tragédia humana, a tempestade cau-sou deslizamentos e quedas de árvores que bloquearam as principais vias da cidade, a interrupção da energia elétrica em muitos bairros, atrasos em trens e metrôs, aulas suspensas e prejuízo ao comércio e à indústria, pois, por reco-mendação das autoridades municipais, muitas pessoas não se deslocaram até o local de trabalho.

Na ocasião, os gestores dos principais órgãos da Prefeitura reuniram-se na sede da CET-Rio a fi m de concentrar as informações, estabelecer prioridades, orientar a população, traçar as linhas de ação e acompanhar os resultados. Tudo isto, porém, se deu em local inadequado, que não dispunha de sistema de monitoramento em tempo real. E dali tinham que partir várias medidas de emergência: evacuação de casas atingidas, acomodação em abrigos, dis-tribuição de feridos por hospitais, reabertura de escolas, retirada de entulho das ruas, desobstrução de bueiros, contenção de encostas, redirecionamento de tráfego, entre outras. Ficou mais do que evidente a necessidade não só de local mais adequado, mas a difi culdade de acesso imediato a diversos tipos de informação importantes para tomada de decisões em situações de emergência e, também, de rotina.

Embora tempestades fortes signifi quem transtornos para qualquer cidade grande do mundo, essa em particular, por sua dimensão, expôs diversas vul-nerabilidades para a população local.

A aproximação da tempestade, por exemplo, não foi detectada por qual-quer radar. O radar mais próximo estava localizado no topo da serra e não

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foi capaz de alertar sobre a aproximação de uma massa de ar frio vindo em baixa altitude. Concluiu-se, portanto, que este tipo de tragédia poderia se repetir, e que novamente a cidade não teria como se preparar para uma nova tempestade.

Pior: apesar da grande quantidade de encostas habitadas, não havia mape-amento recente das áreas de risco. As ações de urbanização de favelas tiveram início em 1995, mas não impediram o crescimento do número de casas, nem a progressiva ocupação das encostas (e algumas favelas já urbanizadas, como Morro dos Prazeres, Borel, Formiga e Rocinha, sofreram grandes deslizamen-tos). Não havia, por isso mesmo, sistema de alerta nas comunidades situadas em áreas de risco. Especialistas consideram que, entre as principais medidas para se mitigar os impactos de intempéries como a ocorrida, está a criação de um mecanismo de aviso que alerte os moradores e autoridades sobre a imi-nência de fenômenos naturais extremos.

Ademais, na ausência de levantamente atualizado, era impossível identi-fi car quais áreas eram de altíssimo risco e deveriam ser desocupadas, e quais deveriam ser evacuadas imediatamente em caso de chuva forte. Apesar de intervenções pontuais de contenção de encostas e dragagem de rios, qualquer planejamento de longo prazo era impossível sem este mapeamento.

2. O CENTRO DE OPERAÇÕES

A necessidade de criação de um mecanismo permanente de gerenciamen-to de crise foi a base da concepção do Centro de Operações Rio (COR). O COR foi idealizado como núcleo de integração de 30 órgãos da Prefeitura, que juntos pudessem agir no antes, durante e depois de crises na cidade. Ao longo dessa concepção, o conceito se expandiu, de forma que o COR se tornasse um instrumento permanente de gerenciamento da cidade, a partir de uma visão integrada. A proximidade de grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, também reforçava essa necessidade. Durante o Pan 2007, por exemplo, foi desenvolvido um centro de gerenciamento de crise de caráter provisório.

Umas das principais fontes de informação do COR é o radar meteorológico instalado em 2010, a 700 metros de altura, no Morro do Sumaré. Por ser capaz de detectar nuvens baixas, o radar é peça-chave do sistema Alerta-Rio, que com o apoio de softwares especializados, pode determinar com precisão quais bair-ros terão maior índice pluviométrico e quais dessas áreas deverão ser alertadas imediatamente para a evacuação de moradores. Para determinar quais áreas apresentavam risco, e em que grau, foi desenvolvido pela Geo-Rio em 2011 um levantamento aprofundado dos morros e rios da cidade. Os moradores de locais mais vulneráveis foram transferidos para habitações populares.

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Nos locais de risco médio estão sendo instaladas sirenes, a exemplo de cidades na Europa, nos EUA e na Ásia, que as utilizam com diversos propó-sitos: tempestades, furacões, tornados, tsunamis, erupções vulcânicas, trans-bordo de rios e reservatórios e até ataques militares. No Rio de Janeiro, ao soar a sirene, os moradores devem evacuar suas casas e se dirigir a um ponto de apoio pré-determinado. Até meados de 2012, 101 comunidades já tinham recebido o Sistema de Alerta e Alarme, com 330 pontos de apoio, alcançando 19.900 famílias. Além disso, líderes comunitários podem ser avisados da imi-nência de desastre por SMS via celulares cedidos pela Prefeitura. Com apoio do novo radar meteorológico, é possível saber previamente em quais locais a chuva será mais forte, e a sirene alerta a população da necessidade urgente de proteção. Em todo o mundo as pessoas escolhem locais suscetíveis a riscos para morar (próximos a vulcões, áreas passíveis de inundação, furacões, etc.) e, na impossibilidade de remover moradias, aos governos cabe empreender ações de proteção à vida humana, em primeiro lugar, e de proteção a bens materiais sempre que possível.

Além do radar, diversas outras tecnologias são utilizadas na rotina de tra-balho do Centro de Operações Rio, que dispõe de 400 pessoas que se re-vezam em três turnos, e que acompanham a cidade a partir de um telão de 80 metros quadrados que transmite imagens de 560 câmeras. O principal sistema é da IBM e integra o projeto Smarter Cities de gerenciamento de ci-dades. Várias cidades já utilizam este conceito da IBM, com diversos escopos — gerenciamento do Sun Life Stadium na Flórida, de distribuição de água em Washington D.C. e de energia elétrica (smart grid) em Malta. O Rio de Janeiro, porém, é a cidade que mais aprofundou o conceito, e que é case de sucesso da IBM, devido à extensão e à profundidade da adesão ao sistema.

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A utilização dos softwares e do conceito da IBM integra-se não só a novas tecnologias, mas a informações já existentes dentro de órgãos, e que eram subaproveitadas, e a novos levantamentos e estudos, como o já citado levan-tamento de áreas de risco da Geo-Rio. Isto signifi ca que todo o sistema pode ser utilizado para atividades mais rotineiras — controle de sinais de trânsito, controle de tráfego (com apoio de operadores da CET-Rio), diminuição do tempo de resposta em casos de obstrução de trânsito e acidentes com vítimas e monitoramento de eventos de todo tipo, de pequenos blocos de Carnaval a manifestações no Centro do Rio.

Durante a Rio +20 o COR atuou durante o planejamento da passagem de comitivas e no momento dos deslocamentos, garantindo a segurança dos percursos e a fl exibilidade de alterá-los caso necessário, com o mínimo de transtorno. Este tipo de experiência é bastante valioso como preparação para a Copa do Mundo e os Jogos 2016, mas também é útil para situações de emergência, como o recente caso dos prédios que desabaram no Centro do Rio. Em casos como esse, é fundamental o deslocamento ágil de ambulâncias e caminhões de bombeiros, situações para as quais uma cidade cada vez mais congestionada por carros precisa se preparar.

O COR também dispõe de uma Sala de Crise que pode reunir gestores presencialmente ou por contato remoto, e que é local adequado para tomadas de decisões em conjunto e divulgação de medidas e esclarecimentos para a população.

Ao fi nal de abril de 2010, havia uma certeza no âmbito da Prefeitura. Algo tinha que ser feito para impedir que tragédias como aquela se repetissem. Foi constituído um grupo de trabalho para defi nir o caminho a ser adotado. A proposta formulada ao Prefeito englobava:

a) a construção de um centro de operações, reunindo os mais diversos órgãos da Prefeitura num só local, de modo a permitir que decisões sejam tomadas ali mesmo, em tempo real;

b) aquisição de software e contratação de solução tecnológica de úl-tima geração que permitisse a identifi cação de possíveis desastres naturais com a antecedência necessária a preservar a vida de pessoas residentes em áreas de risco; e

c) aquisição de equipamentos de última geração, em especial o har-dware e os telões necessários a permitir que fosse possível acompa-nhar, num mesmo ambiente, tudo o que acontece na Cidade do Rio de Janeiro em tempo real.

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A pergunta era: como realizar a construção do prédio, adquirir tais equi-pamentos e contratar o desenvolvimento do software e da solução tecnoló-gica necessária à implantação do Centro de Operações em tempo hábil para preparar a Cidade do Rio de Janeiro para as antecipadas chuvas que se avizi-nhavam no ano de 2011?

3. A CONSTRUÇÃO DO PRÉDIO

A questão mais imediata era, sem sombra de dúvida, defi nir a quem cabe-ria a construção do prédio do Centro de Operações Rio.

A solução encontrada teve por base os arts. 133 e 134 do Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro, que dispõem:

“Art. 133 — A licença para construção de grupamentos de edi-fi cações com 500 (quinhentos) ou mais unidades residenciais de-penderá da cessão gratuita ao Município de lote e de escola a ser construída, atendendo ao seguinte:

I — grupamento de edifi cações com 500 (quinhentas) ou mais uni-dades residenciais e menos de 1.000 (um mil) unidades residenciais: uma escola de acordo com os padrões estabelecidos pela Secretaria Mu-nicipal de Educação e Cultura, relacionados com o número de unida-des residenciais desse grupamento;

II — grupamento de edifi cações com 1.000 (um mil) ou mais uni-dades residenciais: uma escola, conforme o disposto no inciso I, mais uma escola nos padrões da primeira, para cada 1.000 (um mil) uni-dades residenciais ou fração que exceder as 1.000 (um mil) unidades iniciais;

III — a cada escola corresponderá um lote obedecendo às disposi-ções dos incisos I, II, V e VI e dos parágrafos do artigo anterior e tendo área superior a 2% (dois por cento) da área total do terreno, com um mínimo de 2.000m2 (dois mil metros quadrados) e testada mínima de 25m (vinte e cinco metros).

§ 1 º. — A obrigação de cessão gratuita de área e de construção e cessão gratuita de escola, de que trata este artigo, se estende aos conjun-tos integrados de grupamentos de edifi cações projetados em áreas de terrenos contínuas, objeto de loteamento ou desmembramento e que, embora isoladamente apresentem menos de 500 (quinhentas) unidades residenciais, na sua totalidade ultrapassem esse limite.

§ 2 º. — Nos casos referidos no parágrafo anterior, a escola terá ca-pacidade correspondente ao número total de unidades residenciais do respectivo conjunto integrado, obedecidas as condições dos incisos I e

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II deste artigo, e poderá ser construída, se for o caso, na área de terreno destinada para esse fi m no loteamento.

§ 3 º. — A obrigação de que trata este artigo constará do visto no projeto e do alvará de licença para a construção do grupamento.

§ 4 º. — O projeto de construção da escola poderá ser apresentado após a concessão da licença do grupamento residencial.

§ 5 º. — O “habite-se” parcial de grupamento residencial fi ca limi-tado ao máximo de 50% (cinqüenta por cento) das unidades, antes do cumprimento da obrigação da construção e cessão gratuita da escola, da aprovação do desmembramento do respectivo lote e da sua cessão.”

“Art.134 — A construção e cessão gratuita de escolas, conforme o disposto no artigo anterior, poderá ser dispensada, total ou par-cialmente, mediante a construção e cessão gratuita de outro equi-pamento urbano comunitário público, por decisão do Prefeito e de acordo com as prioridades estabelecidas pela Administração Muni-cipal, com custo equivalente ao das referidas escolas e atendidos os padrões recomendados pelo órgão público competente.

Parágrafo único — A obrigação de construção e de cessão gratuita de escola ou outro equipamento urbano comunitário público poderá, excepcionalmente, por decisão do Prefeito e de acordo com as priorida-des estabelecidas pela Administração Municipal, ser cumprida em ou-tro local (próprio municipal), mantida, entretanto, a obrigatoriedade da cessão do lote prevista no art. 133.”

Equipamentos comunitários, a teor do art. 132, § 4º, do Regulamento de Zoneamento, são, “além daqueles destinados à Educação e Cultura, os que se destinam à Saúde, à Recreação, ao Lazer e aos Esportes, à Administração, ao Abastecimento, à Ação Social e à Segurança Pública.”

Coube à Secretaria Municipal de Urbanismo identifi car, à época, constru-tora responsável por empreendimento em andamento na cidade com mais de quinhentas unidades residenciais e ao Prefeito, de acordo com as prioridades estabelecidas pela Administração Municipal, determinar que fosse construí-do o Centro de Operações, ao invés de uma escola ou de algum outro equi-pamento público.

Ali surgia o Centro de Operações Rio.

4. QUESTÕES DE DIRECIONAMENTO DO DEBATE

1) Qual era o procedimento mais adequado à construção do prédio que serviria de sede ao Centro de Operações Rio?

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2) Era possível a contratação da obra sem licitação?3) Poderia a Administração Municipal dispensar a licitação, sob o fun-

damento de que havia a necessidade de contratação por emergên-cia?

4) E se fosse possível concluir as obras no prazo de cento e oitenta dias previsto no art. 25, IV, da Lei nº 8.666/93?

5) Qual foi a solução encontrada pelo Poder Público Municipal?6) Qual seria, na sua opinião, a melhor forma de contratar empresa es-

pecializada em desenvolvimento de software e de solução tecnológi-ca de alta complexidade, voltada para o gerenciamento de inciden-tes provocados por fortes chuvas, como, por exemplo, enchentes, inundações, alagamentos e deslizamentos de terra?

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AULA 5. PPPS COM SOTAQUE CARIOCA

PPPS COM SOTAQUE CARIOCA

No dia 2 de outubro de 2009, enquanto os brasileiros festejavam a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, para os gestores municipais começava um desafi o à altura da conquista histórica: realizar as obras destinadas ao megaevento e, o mais importante, aproveitar a oportu-nidade para executar as mudanças necessárias para melhorar o dia-a-dia do cidadão. Construir equipamentos esportivos, sim; mas também investir em mobilidade urbana, recuperar áreas degradadas, equipar hospitais, urbanizar favelas e melhorar a educação.

A eleição do Rio para sediar a XXXI Olimpíada ajudou, sem sombra de dúvida, a catapultar o volume de investimentos públicos na cidade. Ainda assim, os recursos públicos são escassos. O cobertor é curto e as necessidades da população são múltiplas. É preciso inovar.

Para captar recursos sufi cientes sem sacrifi car o Tesouro municipal, a Prefeitura do Rio lançou mão da criatividade. Pôs em prática um instru-mento utilizado há décadas em diversos países, as parcerias público-pri-vadas (PPPs), mas que aqui ganhou características singulares, inovadoras, tipicamente cariocas.

O modelo tradicional de PPP funciona como uma espécie de fi nancia-mento. O parceiro privado antecipa os investimentos de interesse do Poder Público e recebe o valor desembolsado, acrescido de uma taxa de retorno, ao longo do período estipulado no contrato. Na Europa, essa ferramenta serviu para impulsionar importantes investimentos em projetos de infraestrutura, como aeroportos e estradas. No entanto, o que era solução se transformou em problema quando veio a crise econômica de 2009. Em países como Por-tugal e Hungria, os compromissos assumidos, no longo prazo, geraram dí-vidas imensas e muito contribuíram para a crise fi scal em que tais países se encontram. Na avaliação de especialistas, houve um descontrole no uso das PPPs como indutoras do crescimento.

No Brasil, onde as PPPs foram institucionalizadas em 2004, pela Lei 11.079, o risco de provocarem um rombo nas contas governamentais é bem mais reduzido, pois a verba destinada às parcerias não pode ultrapassar o teto de 5% das respectivas receitas correntes líquidas. O limite, contudo, pode no curso do tempo inibir investimentos.

No Rio, com a pressão adicional de uma extensa agenda de obras, coube aos gestores públicos a identifi cação de alternativas inovadoras que pudessem viabilizar os investimentos almejados pela sociedade. Foi assim que surgiu a PPP do Porto Maravilha, a maior do país, responsável pela revitalização da

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Zona Portuária, um investimento de R$ 7,6 bilhões em que nenhum centavo sai dos cofres do município.

Símbolo do renascimento da cidade, o início do processo de requalifi cação da região portuária só foi possível graças a uma sofi sticada engenharia fi nan-ceira. Em linhas gerais, a Prefeitura do Rio negociou no mercado de títulos e valores mobiliários o direito de construir acima de um pavimento, observa-do o limite máximo permitido pela legislação, mediante a realização de um leilão de Certifi cados de Potencial Adicional de Construção — CEPACs. A Caixa Econômica Federal adquiriu em um só lote todas as CEPACs e, com isso, garantiu R$ 4,1 bilhões em obras de infraestrutura e R$ 3,5 bilhões em serviços e manutenção, ao longo de 15 anos, conforme o contrato de con-cessão.

Não foi a única solução encontrada pelos gestores municipais para tirar do papel projetos relevantes por meio de PPPs. Para erguer o futuro Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, a Prefeitura do Rio ofereceu, como parte do pagamento devido ao consórcio vencedor, parcela do terreno aonde os equi-pamentos esportivos serão construídos. Ali, poderá o parceiro privado exe-cutar empreendimentos habitacionais e comerciais, sendo remunerado pelos investimentos feitos. O valor total da PPP é de R$ 1.350 milhões. O mu-nicípio, contudo, terá que desembolsar apenas R$ 500 milhões, parcelados em 15 anos. O restante já foi pago com o imóvel. Proprietária de milhares de imóveis na cidade, a Prefeitura pode utilizar estes ativos para impulsionar futuras iniciativas de grande porte.

Não se pode esquecer, por fi m, da PPP que vai permitir a implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) do Centro, com custo estimado em R$ 1,1 bilhão. O governo federal é responsável por R$ 500 milhões de recursos. A diferença será custeada mediante o pagamento de tarifa pelos usuários. No-vamente, o gasto público será muito inferior ao tamanho do investimento.

As PPPs implementadas no Rio mostram que as obras que estão transfor-mando a cidade não são fruto apenas de uma grande soma de verbas públi-cas. A criatividade para identifi car ativos que possam servir como pagamento parcial ou total de empreendimentos importantes para a população refl ete o perfi l da atual gestão municipal. Há quatro anos a inovação é a marca de um novo modelo de administração pública, menos burocrática e mais gerencial, focada sobretudo no resultado, com o objetivo de garantir a melhoria na qualidade de vida do povo da cidade.

Gustavo da Rocha Schmidt.

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AULA 6. PORTO MARAVILHA

TEMAS CENTRAIS

Parcerias Público-Privadas. Operação Urbana Consorciada.

ROTEIRO DE AULA

O Porto Maravilha é o projeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, que envolve reformulação do modelo de mobilidade e ampliação do potencial residencial, comercial e turístico da região, com adensamento demográfi co e melhora da qualidade de vida da população local. O projeto se espelha em iniciativas semelhantes no mundo todo, como Buenos Aires, Barcelona e São Francisco, em que a revitalização da zona portuária trouxe grandes benefícios estéticos e econômicos para a cidade. No Rio de Janeiro esses ganhos poderão ser maximizados, considerando a beleza da Baía de Guanabara, o patrimônio histórico e cultural da região, e as novas oportuni-dades de investimento.

Para coordenar o processo de implantação do Porto Maravilha, foi criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), sociedade de economia mista, controlada pela Prefeitura, nos termos da Lei Complementar Municipal nº 102, de 23 de novembro de 2009. Sua principal função é implementar e gerir a concessão (PPP, na modalidade de concessão administrativa) de obras e serviços públicos na re-gião, além da administrar os recursos patrimoniais e fi nanceiros referentes ao projeto. Nesse sentido, dispõe o art. 1º da Lei Complementar nº 102/2009:

“Art. 1.° Fica o Poder Executivo municipal autorizado a constituir pessoa jurídica, sob a forma de sociedade por ações, na modalidade socie-dade de economia mista, a ser controlada pelo Município e denominada Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro—CDURP, para o fi m específi co de:

I — promover, direta ou indiretamente, o desenvolvimento daAEIU da Região do Porto do Rio de Janeiro;

II — coordenar, colaborar, viabilizar ou executar, no âmbito de com-petência do unicípio do Rio de Janeiro, a implementação de concessões, em quaisquer das modalidades previstas nas Leis Federais n.° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e n.° 11.079, de 30 de dezembro de 2004, ou outras formas de associação, parcerias, ações e regimes legais que contribuam ao desenvolvimento da AEIU, em conformidade com os estudos de viabilida-

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de técnica, legal, ambiental e urbanística aprovados pela CDURP e pelos demais órgãos e autoridades públicas competentes;

III — disponibilizar bens, equipamentos e utilidades para a Adminis-tração Pública, direta ou indireta, para concessionários e permissionários de serviço público, ou para outros entes privados, mediante cobrança de adequada contrapartida fi nanceira;

IV — gerir os ativos patrimoniais a ela transferidos pelo Município ou por seus demais acionistas, ou que tenham sido adquiridos a qualquer título.

Parágrafo único. Fica autorizado o Poder Executivo a delegar à CDURP, por meio de Decreto, a gestão de serviços de interesse local e serviços públicos de competência municipal, como paisagismo, limpeza urbana, coleta de resíduos sólidos, drenagem de águas pluviais, iluminação pública, restaura-ção e reconversão de imóveis, conservação de logradouros e de equipamentos urbanos e comunitários, dentre outros, na AEIU da Região do Porto do Rio de Janeiro, respeitadas as competências legalmente estabelecidas e os contratos administrativos em vigor.”

Por sua dimensão, o projeto “Porto Maravilha” foi divido em duas fases. A primeira fase, contratada nos termos da Lei nº 8.666/93 e que já se encontra concluída, envolveu a construção de novas redes de água, esgoto e drenagem nas avenidas Barão de Tefé e Venezuela e a urbanização do Morro da Concei-ção, além da restauração dos Jardins Suspensos do Valongo.

A segunda fase, contratada na forma da Lei nº 11.079/2004, sob a mo-dalidade de concessão administrativa, engloba a reurbanização completa da região — 50 milhões de m2 — até 2015, a redefi nição do sistema viário local (com a polêmica demolição da Perimetral), a construção de prédios residen-ciais e a reurbanização de 70km de vias e calçadas. E tem por marco regula-tório a Lei Complementar Municipal nº 101, de 23 de novembro de 2009.

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O escopo ambicioso do projeto envolvia um desafi o: como fi nanciá-lo, e como garantir que os investimentos feitos seriam aproveitados ao máximo? Considera-va-se que, para o sucesso do projeto, seria fundamental a participação da iniciati-va privada, com investimentos de vários tipos: prédios residenciais e comerciais, hotéis, comércios em sobrados restaurados, etc. Porém, havia o risco de os inves-timentos privados não se concretizarem, e de a região permanecer vazia ou crescer muito lentamente, como se deu com a região da Cidade Nova, requalifi cada ao fi m da década de 1990 e que só nos últimos anos está sendo adensada. Enfatize--se que, na etapa de planejamento do Porto Maravilha, no início de 2009, o Rio ainda não havia sido eleito cidade-sede das Olimpíadas de 2016.

1. A MAIOR PARCERIA PÚBLICO PRIVADA DO PAÍS

A segunda etapa do projeto está sendo executada pela Concessionária Por-to Novo S/A, em parceria com a CDURP (que é o poder concedente), por meio da maior Parceria Público-Privada já realizada do país, no valor de R$ 7,6 bilhões, sob a modalidade de uma concessão administrativa.

Esse consórcio, liderado pela construtora Norberto Odebrecht, é respon-sável pelas obras e investimentos necessários à revitalização de toda a região portuária e a oferta e manutenção dos serviços, como limpeza e iluminação pública, no período de duração da PPP.

1.1. REQUALIFICAÇÃO URBANA

Até 2020, a Região Portuária do Rio dará um salto dos atuais 30 mil habi-tantes para 100 mil. Esse adensamento é positivo, pois não só amplia a oferta de residências na cidade, como disponibiliza moradias perto dos locais de trabalho. Isso diminui a necessidade de deslocamentos, diminuindo o tráfego e a emissão de gases poluentes.

A requalifi cação urbana da área envolve as seguintes obras e serviços:

• Reconstrução de 700 km de redes de infraestrutura urbana (água, es-goto, drenagem);

• Revitalização de 650.000 m² de calçadas;• Plantio de 15.000 árvores;• Construção de três novas estações de tratamento de esgoto.• Manutenção e reparo de iluminação pública e praças;• Manutenção da rede de drenagem e de galerias universais;• Instalação e conservação de bicicletários;• Manutenção e conservação de pontos e monumentos turísticos, histó-

ricos e geográfi cos.

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Para que os investimentos na qualidade de vida dos cidadãos sejam dura-douros, foram estabelecidos novos parâmetros urbanísticos e ambientais, aos quais todas as novas construções deverão se adequar:

• Afastamento e recuo adequados entre as novas construções;• Economia de consumo de água e reaproveitamento de águas pluviais

e servidas;• Economia e/ou geração local de energias limpas;• Uso de aquecimento solar;• Uso de telhados verdes e/ou refl exivos do aquecimento solar;• Maximização da ventilação e iluminação natural;• Uso de materiais com certifi cação ambiental;• Facilitação de acesso e uso de bicicletas.

A concessionária Porto Novo deu início, ainda, à implantação na região do Coleta+Rio, sistema de coleta seletiva da cidade com uso de contêineres subterrâneos. Além de promover a reciclagem a um custo muito baixo — e inferior à coleta de rua tradicional, o sistema evita contato direto com os re-síduos, diminui mau cheiro e a proliferação de ratos e baratas.

Além disso, os investimentos a serem realizados têm por objetivo mudar radicalmente a malha viária da região e, mais do que isso, oferecer ao cidadão carioca um novo padrão de mobilidade urbana.

1.2. Malha viária e mobilidade

O projeto Porto Maravilha tem como um de seus pilares um conceito de mobilidade mais moderno e sustentável. Este novo modelo privilegia o trans-porte público, a integração entre os meios de transporte, as ciclovias e as áreas de circulação, garantindo maior fl uidez ao trânsito.

Diversos estudos indicam que a demolição da Perimetral melhorará o trânsito na região, a exemplo de outras experiências de demolição de viadu-tos: 17 centros urbanos no EUA, Europa e Ásia já obtiveram sucesso. Em São Francisco, por exemplo, a demolição de um elevado, também em contexto de revitalização de área portuária, gerou muito protestos à época. Atualmente, o Embarcadero é um dos pontos turísticos mais visitados da cidade.

No projeto Porto Maravilha, entre as principais medidas para mobilidade, destacam-se:

• Obras de infraestrutura para 30Km de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT)

• Construção de 4 km de túneis;

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• Demolição do Elevado da Perimetral (4 km);• Implantação de 17 km de ciclovias;• Transformação da Av. Rodrigues Alves em via expressa;• Criação de nova rota — o Binário do Porto (Av. Oscar Niemeyer);• Manutenção da sinalização de trânsito;• Reurbanização de 70 km de vias;• Integração entre os diversos modais de transporte público, facilitando

a acessibilidade e a comunicação com outras áreas.

1.3. Desenvolvimento socioeconômico e cultural

O programa Porto Maravilha Cidadão, parceria da CDURP com o Se-brae, atuará para que as empresas se adequem à nova economia local. A par-ceria prepara a região para receber esse crescente fl uxo de moradores e fre-quentadores, focaliza estratégias de desenvolvimento para os que apostaram na região mesmo antes da requalifi cação e mapeia oportunidades de explo-ração comercial. O primeiro mapeamento alcançou 5 mil empresas. Mais de 2 mil aceitaram consultoria gratuita a fi m de acompanhar o movimento de reurbanização.

A presença de moradores na área garante a circulação contínua de tran-seuntes e a viabilidade econômica do pequeno comércio. Para que isso acon-teça são oferecidos vários estímulos, tais como:

• Criação de habitações de interesse social e de prédios para a classe média;

• Instalação de creches, UPAs (Unidades de Pronto Atendimento, de saúde) e escolas que atendam à densidade populacional prevista;

• Recuperação da qualidade ambiental da área;• Geração de empregos diretos e permanentes na região;• Regularização e formalização das atividades econômicas;• Formação profi ssional;• Criação dos Programas Porto Cultural e Porto Cidadão;• Apoio a iniciativas de desenvolvimento comunitário;• Museu do Amanhã;• Museu de Arte do Rio (MAR).

A teor do art. 36, § 7º, da Lei Complementar Municipal nº 101, de 23 de novembro de 2009, pelo menos 3% dos recursos da venda dos CEPACs serão obrigatoriamente investidos na valorização do Patrimônio Material e Imaterial da área e em programas de desenvolvimento social para moradores

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e trabalhadores. O objetivo é valorizar a cultura já existente na região e am-pliar o espaço para novos trabalhos artísticos e criativos.

Segundo o historiador Milton Teixeira, o Rio de Janeiro foi fundado por seu potencial portuário, e desde então toda a história da cidade se desenvol-veu a partir das ligações econômicas com o porto. Por isso, não surpreendem as muitas descobertas arqueológicas que estão sendo feitas recentemente na Gamboa, no porto do Valongo e no Cais da Imperatriz (pedras fundamen-tais, medalhas, fragmentos de ossos, etc.) As descobertas mais importantes até o momento são um cemitério de escravos, descoberto sob o piso de uma residência, e um sambaqui (sítio arqueológico), com resquícios de sociedades indígenas que viveram há 3 a 4 mil anos. Este é o primeiro sambaqui desco-berto na cidade do Rio.

Desde o Império já se considerava que o a região portuária era a porta de entrada da cidade e, portanto, um local de muito prestígio, que teria que im-pressionar os visitantes. Em sua forma atual, o Porto do Rio foi inaugurado em 1910 e manteve o seu dinamismo até a década de 1960, quando começou a esvaziar e a entrar em decadência, tornando-se local de passagem.

1.4. A fórmula encontrada: emissão de CEPACs

A emissão de Certifi cados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC) foi a forma encontrada para viabilizar a obtenção dos recursos necessários e, ao mesmo tempo, garantir que um número grande de prédios e empresas se estabelecessem no local, gerando a massa crítica necessária para efetivamente revitalizar a região portuária.

Antes de serem emitidas as CEPACs, foi necessário alterar os padrões ur-banísticos da região. Para isso, por iniciativa do poder executivo, a Câmara dos Vereadores aprovou a Lei Complementar Municipal nº 101 de 2009, que possibilitou a Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha. Ato seguinte, foi editado o Decreto nº 32.666, de 11 de agosto de 2010, que em seus arts. 1º e 2º estabelece o seguinte:

“Art. 1º O Município do Rio de Janeiro emite, pelo preço de R$ 400,00 (quatrocentos Reais) cada, seis milhões, quatrocentos e trinta e seis mil se-tecentos e vinte e dois CEPAC, em forma escritural, para serem utilizados como potencial adicional de construção na Área de Especial Interesse Urba-nístico da Região do Porto do Rio de Janeiro — AEIU.

Art. 2º Os CEPAC serão integralizados no capital social da companhia e poderão ser objeto de distribuições públicas ou privadas, na forma da lei.

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Parágrafo único. As distribuições públicas serão realizadas em bolsa de valores ou em entidades de mercado de balcão organizado, utilizando-se o sistema de distribuição de valores mobiliários a que se refere a Lei Federal nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, conforme instruções aplicáveis pela Comissão de Valores Mobiliários — CVM.”

Ato seguinte, houve a necessidade de aprovar o modelagem econômica delineada na CVM, para assim ofertar os Certifi cados de Potencial Adicional de Construção — CEPACs no mercado.

Potencial construtivo é a quantidade de metros quadrados que se pode construir em determinado terreno, representada nos andares e na altura do prédio e metragem. A referida Lei defi niu os novos parâmetros, de acordo com os fi ns projetados de cada região do Porto, e com o valor econômico de cada tipo de utilização. Imóveis residenciais, por exemplo, requerem menos CEPACs do que imóveis não-residenciais, de forma a garantir ocupação mis-ta. Em áreas preservadas com patrimônio arquitetônico e morros não haverá potencial adicional de construção, e a altura dos prédios continuará limitada.

Em 2011 as CEPACs foram vendidas em leilão para o FGTS da Caixa Econômica Federal e, com isso, a Prefeitura obteve recursos para investir em todas as obras e serviços no Porto Maravilha: R$3,5 bilhões. A Caixa Econô-mica Federal adquiriu todo o lote de CEPACs.

1.5. O processo de implementação do projeto Porto Maravilha

Para a implantação do Projeto Porto Maravilha, havia a necessidade de aprovação de Projeto de Lei Complementar na Câmara dos Vereadores, ins-tituindo a Operação Urbana Consorciada, de modo a criar as condições ne-cessárias para a sua implementação. Cabe destacar, a esse propósito, trecho esclarecedor da justifi cativa ao projeto de lei apresentado pela Prefeitura Mu-nicipal do Rio de Janeiro sobre o projeto Porto Maravilha:

“A Cidade do Rio de Janeiro possui um grande potencial de reno-vação de sua Área Central, em ampla área do tecido urbano na área plana do setor correspondente ao Cais da Gamboa da Região portuária, atualmente inadequado para o uso industrial e de armazenagem em razão da modernização das atividades do Porto. Esta parte dos bairros da Saúde, da Gamboa e do Santo Cristo poderá atender às crescen-tes demandas para a construção de prédios corporativos, comerciais e habitacionais, fato que estimulou o estudo para a implantação destas funções, em uma possível expansão do bairro do Centro.

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Estima-se em mais de quatro milhões de metros quadrados o po-tencial para a implantação de novos empreendimentos imobiliários na região, que demandará uma série de serviços de melhorias urbanísticas. Serão necessárias ações de reurbanização, com a implantação de novo desenho de logradouros, praças, ciclovias, iluminação pública, meso e micro drenagem, arborização, transformando uma paisagem tipica-mente voltada para o apoio retro portuário em tecido urbano tradicio-nal, de uso diversifi cado.

Entretanto, o volume de recursos necessários para a empreitada comprometeria atual capacidade de investimentos da Prefeitura, que deve distribuir seus recursos por toda a Cidade. Para fi nanciar o plano de requalifi cação urbana, optou-se pela realização de uma Operação Urbana Consorciada-OUC como alternativa mais adequada para o de-senvolvimento de um processo dinâmico e efi ciente de requalifi cação urbana da Região Portuária, uma demanda da sociedade carioca há mais de vinte e cinco anos. A OUC adotará os princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor Decenal do Rio de Janeiro e será desenvolvida até que todas as ações previstas para a região estejam concluídas, em um prazo máximo previsto de até trinta anos. Este ins-trumento permitirá a captação da maior parte dos recursos necessários junto à iniciativa privada.

A captação ocorrerá mediante venda de Certifi cados de Potencial Adicional de Construção — CEPAC, em uma antecipação de parte dos ganhos futuros, contando-se com a valorização da região requalifi cada, uma vez que os recursos advindos dessa Operação Urbana serão obri-gatoriamente investidos em sua área de abrangência.

As diversas ações que estão defi nidas no Plano de Operação Urbana e no Programa Básico de Ocupação da área serão a base das interven-ções a serem desenvolvidas nas próximas décadas e se estabelecerá um novo perfi l para região, inserindo-a novamente na dinâmica da Cidade. Trata-se de um processo complexo que demandará todas as ferramentas necessárias para o seu sucesso, mediante parcerias com as diversas insti-tuições governamentais e o setor privado e a utilização de instrumentos do mercado de capitais.

O Projeto de Lei Complementar encaminhado para essa Egrégia Casa tem com o objetivo defi nir os princípios que nortearão esse pro-cesso que, pela sua dimensão e complexidade, demandará o apoio e a contribuição de todos os cariocas.”

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Os recursos privados para angariar as obras, como já se disse, originam-se da venda de Cepacs (Certifi cados de Potencial Adicional Construtivo) àque-les que possuem interesse em construir algo acima dos parâmetros urbanísti-cos (ex.: Gabarito) previstos para a área.

A modelagem adotada encontrou inspiração nos artigos 32 e 34 da Lei n.º 10.257/2001, que dispõem sobre a Operação Urbana Consorciada e a criação das áreas de especial interesse urbanístico, respectivamente:

Art. 32. Lei municipal específi ca, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.

§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de in-tervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área trans-formações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

§ 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas:

I — a modifi cação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilí-cias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;

II — a regularização de construções, reformas ou ampliações execu-tadas em desacordo com a legislação vigente.

Art. 34. A lei específi ca que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certifi cados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

§ 1o Os certifi cados de potencial adicional de construção serão livre-mente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamen-te na área objeto da operação.

§ 2o Apresentado pedido de licença para construir, o certifi cado de potencial adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação

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do solo, até o limite fi xado pela lei específi ca que aprovar a operação urbana consorciada.

Os dispositivos acima mencionados permitiram a edição da Lei Com-plementar Municipal n.º 101, de 2009, que instituiu a Operação Urbana Consorciada da Área de Especial Interesse Urbanístico da Região do Porto do Rio de Janeiro. Por fi m, para facilitar a gestão e execução das operações necessárias à implementação do projeto, foi criada uma sociedade de eco-nomia mista — CDURP. Vejamos trecho da justifi cativa do Projeto de Lei responsável pela sua criação:

“Para coordenar o processo de execução de obras de infra-estruturar e o reaproveitamento dos imóveis da Região do Porto será necessária a criação constituí deda uma Empresa de Economia Mista, a Companhia de Desenvolvimento Urbanístico da Região Portuária — CDURP, en-tidade autônoma que deverá ter como propósito específi co o desenvol-vimento da Região Portuária.

Fundamental destacar a possibilidade de associação da União Fede-ral, do Governo do Estado e da Prefeitura na participação acionária da nova Companhia, que pela natureza das suas ações deverá ser munici-pal, cabendo a cada ente:

• União — cessão de terrenos e imóveis federais, e fi nanciamento de projetos de infra-estruturar, transporte e imobiliários por intermédio de seus agentes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico So-cial — BNDES, Caixa Econômica Federal — CEF e Banco do Brasil — BB);

• Governo do Estado — cessão de terreno se imóveis e participação em projetos de infra-estruturar de saneamento (Companhia Estadual de Águas e Esgotos — CEDAE);

• Prefeitura — cessão de terrenos e imóvel aporte dos recursos ad-vindos dos leilões de CEPAC.

A CDURP obedecerá a padrões de governança corporativa operará mediante o regime de capital social autorizado, podendo assumira for-ma de companhia aberta e será a responsável pela gestão do processo de requalifi cação urbana, com a participação dos demais entes públicos, tendo como fi ns específi cos:

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I. Promover, direta ou indiretamente, o desenvolvimento da área, no âmbito de operação urbana consorciada;

II. Coordenar, colaborar, viabilizar e executar a implementação de concessões ou outras formas de associação, parcerias, ações e regimes legais que contribuam com o desenvolvimento da região;

III. Disponibilizar bens, equipamentos e utilidades para a Admi-nistração Pública, direta ou indireta, para concessionário se permis-sionários de serviço público, ou para outros entes privados, mediante cobrança de adequada contrapartida fi nanceira;

IV. Gerir os ativos patrimoniais a ela transferidos pelo Município ou por seus demais acionistas, ou que tenham sido adquiri dosa qualquer título;

V. gerir serviços de interesse local e serviços públicos de competência municipal, como vigilância, paisagismo, limpeza urbana, coleta de resí-duos sólidos e conservação de logradouros e de equipamentos urbanos e comunitários.

Caberá, enfi m, à CDURP promover todas as ações necessárias para o desenvolvimento da Operação Urbana, podendo celebrar contratos e convênios, participar como quotista de fundos de investimentos ne-cessários, contraírem fi nanciamentos, prestarem garantias, promover as desapropriações, integralizando, se necessário, os imóveis nos fundos de investimentos explorarem onerosamente os bens integrantes do seu patrimônio.”

2. A PPP DO PORTO MARAVILHA

Nas palavras de Carlos Ari Sundfeld, as PPPs devem ser entendidas sob dois enfoques:

“Em sentido amplo, “PPPs” são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e parti-culares para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade des-tes, de atividades com algum coefi ciente de interesse geral (concessões comuns, patrocinadas e administrativas; concessões e ajustes setoriais; contratos de gestão com OSs; termos de parcerias com OSCIPs; etc.) Seu regime jurídico está disciplinado nas várias leis específi cas.

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5 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico

das Parcerias Público-Privadas. In Par-

cerias Público-Privadas. Coord. Carlos

Ari Sundfeld. Malheiros Editores: São

Paulo, 2005, p. 22-23.

Em sentido estrito, “PPPs” são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão administrativa, tal qual defi nidas pela Lei federal 11.079/2004. apenas esses contratos sujei-tam-se ao regime criado por essa lei.”5

As parcerias público-privadas têm como objetivo incentivar o aumento dos investimentos do setor privado em infraestrutura de modo a viabilizar, com a união de esforços entre o setor público e o setor privado, a sustentabili-dade e o crescimento do desenvolvimento econômico brasileiro. Esta parceria seria capaz de viabilizar a elaboração de projetos de grande interesse públi-co, mas que ofereceriam pouca atratividade ao parceiro privado caso fossem remunerados somente por tarifa pública, em função de uma rentabilidade insufi ciente ou de difícil projeção. Procedendo-se a parceria público-privada, torna-se possível somar investimentos privados aos públicos, podendo-se re-duzir signifi cativamente o tempo que, apenas com recursos públicos, se leva-ria para realizar tais investimentos.

A PPP do Porto Maravilha é uma PPP em sentido estrito, nos termos da Lei nº 11.079/2004, contratada sob a modalidade de concessão administra-tiva.

Algumas especifi cidades da PPP do Porto Maravilha são:• É uma concessão administrativa (Art. 2º, §2º da Lei 11.079/04);• Valor do Contrato: R$ 8,8 bilhões (Art. 5º, inciso IV da Lei

11.079/04);• Prazo do contrato: 15 anos (Art. 5º, inciso I da Lei 11.079/04);• Cronograma de Obras: Jul/2011 a Dez/2015;• Já executado: R$ 1,5 bilhões;• Órgão Gestor da PPP: CDURP (Lei Complementar 102/2009);• Entidade Executora: Consórcio Porto Novo, formado por OAS, Ode-

brecht e Carioca Engenharia;• Garantias Especiais: estoque de CEPACs (Certifi cados de Potencial

Adicional de Construção) da Operação Urbana Porto Maravilha (De-creto 32.666/2010);

• Investimento Inicial: Os CEPACs foram comprados pela Caixa Eco-nômica Federal por R$ 3.508.013.490;

• Para garantir a rentabilidade dos títulos e cumprir com compromis-so de fi nanciar a Operação Urbana Consociada durante os 15 anos, a Caixa Econômica Federal negocia os títulos (Cepacs) com o setor privado que demonstra interesse em investir na região. No Pátio da Marítima, a Caixa fechou parceria com a Tishman Speyer. Outro exemplo é o Porto Atlântico, empreendimento da Odebrecht; e o Trump Towers Rio, consórcio de investidores estrangeiros; além de outros empreendimentos já previstos para a região. Todos consomem

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Cepacs. O Cepac é exigido segundo o volume de área construída do novo empreendimento;

• Os indicadores de desempenho estão claramente defi nidos no con-trato através de um sistema de categorias e notas, diferenciado para serviços e obras. No caso de notas abaixo de 80, num máximo de 100, a concessionária passa a ser penalizada. No caso de reincidência de um mesmo tipo de falha, a CDURP pode rescindir o contrato e cobrar a multa rescisória (Art. 5º, inciso VII da Lei 11.079/04);

• Possibilidade de adoção da arbitragem (Art. 11, inciso III da Lei 11.079/04);

• Compartilhamento de riscos e obrigações (Art. 5º, inciso III da Lei 11.079/04).

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AULA 7. MOBILIDADE URBANA E BRTS.

TEMAS CENTRAIS

Licitação. Parceria Público Privada (PPP). Concessão.

LEITURA OBRIGATÓRIA

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2009, trechos seleciona-dos. p. 256-268;

ROTEIRO DE AULA

1. TransOeste

A TransOeste é uma via expressa exclusiva para BRTs (Bus Rapid Transit), que liga a Barra da Tijuca, desde o Jardim Oceânico, até os bairros de Santa Cruz, Campo Grande, Guaratiba e Recreio dos Bandeirantes. Trata-se de uma das principais obras previstas no dossiê para as Olimpíadas, e estima-se que atenderá a 220 mil passageiros/dia.

O primeiro sistema de BRT do mundo, a Rede Integrada de Transportes, foi implementado em Curitiba e já foi replicado em centenas de centros ur-banos. O sistema atualmente considerado modelo, por sua efi ciência e exten-são, é a TransMilênio, inaugurada em Bogotá em 2000.

Bus Rapid Transit é um modal de transporte de alta capacidade, que uti-liza ônibus articulados, bi-articulados ou com dois andares, com forte iden-tidade visual, para transportar passageiros por vias urbanas segregadas, com bilhetagem fora dos veículos e estações modeladas como estações de trem. O custo de implantação é, em geral, bastante inferior ao de um veículo leve sobre trilhos ou linha de metrô, e é mais fl exível em termos de expansão e adaptável às constantes mudanças nos tecidos urbanos (Londres, por exem-plo, tem mais de 40 estações de metrô abandonadas).

A obra foi dividida em três lotes que foram executados simultaneamente, sendo os dois primeiros sob responsabilidades da Odebrecht e o terceiro da Sanerio, conforme resultados das respectivas licitações. Inaugurada em junho de 2012, 45 estações estão em funcionamento, e 85 ônibus articulados já circulam, dos 110 previstos.

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Seu principal objetivo é diminuir o tempo de deslocamento dos mora-dores da Zona Oeste, que muitas vezes levam quase 3 horas para chegar ao local de trabalho. Pesquisa de opinião de julho de 2012 indica que 86% dos usuários consideram que a velocidade é o melhor aspecto do serviço. De fato, o último investimento em via expressa na cidade havia sido a Linha Amarela, inaugurada em 1997.

Concebida para ser uma via expressa, a Avenida das Américas encontrava--se sobrecarregada e incapaz de escoar o fl uxo de veículos, impactando e sen-do impactada negativamente pelas principais vias de toda a Zona Oeste. Pa-ralelamente, havia a reclamação de moradores sobre o longo tempo de espera por ônibus, cuja quantidade era sempre insufi ciente para atender à demanda, especialmente em algumas localidades de Santa Cruz e Campo Grande.

A concepção da TransOeste envolveu diversos desafi os, dentre os quais:

• Defi nição do traçado, considerando questões como: maximização da utilidade para passageiros, desapropriações e demolições de constru-ções irregulares, áreas de interesse ambiental, integração com outros modais de transporte, impacto no trânsito durante as obras, questões geotécnicas (estudo do solo) e custos totais da obra.

• Localização das estações, considerando integração com a futura Linha 4 do metrô (o que, na prática, estendeu a via até o Jardim Oceânico), com as vias alimentadoras, a Linha 2, a linha férrea e a Av. Brasil.

• Projeto das estações, considerando as características do ônibus articu-lado e o grande fl uxo de passageiros, acessibilidade, bicicletários.

A obra mais importante da TransOeste é o Túnel Vice-Presidente José de Alencar, na Serra da Grota Funda, que liga o Recreio à Guaratiba, com 1.100 metros de extensão. O túnel utiliza recursos modernos como iluminação a LED, pintura especial anti-sujeira, asfalto antiderrapante, cabeamento sus-penso e telas de proteção contra deslizamentos em ambas as saídas. Os cen-tros de apoio para emergências também estarão localizados ao lado de cada saída, para assegurar atendimento rápido, contando com câmeras 24h nas galerias do túnel e geradores próprios. O percurso pela Serra da Grota Fun-da, que em horário de rush podia levar até 2:30h, agora pode ser feito em 5 minutos. Por ter pista exclusiva para BRT e também pistas para veículos, a diminuição do tempo de viagem se aplica a todos os motoristas que antes precisavam trafegar pela serra.

Os ônibus dos BRTs têm capacidade para 140 passageiros, ar condiciona-do e acesso por elevador hidráulico para defi cientes. Apesar de ser articulado, pode fazer as mesmas manobras que um ônibus comum, por ter eixo central. Há dois tipos de linhas no BRT: as expressas (que funcionam de 2a. a 6a., das 5h a 1h, e aos sábados, das 5h às 14h), e as paradoras (diariamente, 24 horas).

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As linhas que saem do interior dos bairros e alcançam as estações de BRT são denominadas de alimentadoras. Uma linha de ônibus convencional já foi eliminada, e outras três serão em breve, a fi m de evitar sobreposição com o BRT. Até o momento foram inauguradas cinco novas linhas alimentadoras da TransOeste:

855A >> Bangu x Magarça (via Av. Santa Cruz)879A >> Campo Grande x Magarça (via Av. Santa Cruz)896A >> Pedra de Guaratiba x Pingo d’Água897A >> Alvorada x Ayrton Senna (via Barra Shopping)899A >> Alvorada x Joatinga

O sistema segregado usado pelos BRTs permite tráfego estável, sem pos-sibilidade de engarrafamentos. Os sinais de trânsito dos cruzamentos têm sensores que percebem a aproximação de um “Ligeirão” e, com isso, mantêm a luz verde, dando prioridade ao transporte de massa. Em caso de pane, o Ligeirão pode ser retirado através das 55 áreas de escape (“bypasses”) espa-lhadas na via, que lhes dão espaço para sair da via segregada. Caso a via esteja bloqueada, os Ligeirões que vêm atrás podem ser avisados e desviar a tempo, utilizando a via de veículos de passeio até poderem retornar à via segregada. Nas estações os passageiros veem a localização dos ônibus no mapa e o tempo de espera.

A tarifa do BRT TransOeste é de R$ 2,75, a mesma dos ônibus conven-cionais, com direito às integrações do Bilhete Único Carioca. Dentro do pe-ríodo de duas horas, o passageiro pode realizar até três viagens de ônibus ao custo de uma passagem se o BRT for o segundo deslocamento. A integração com os trens da Supervia é de R$ 3,95, com direito ao uso de uma linha ali-mentadora do BRT; e a integração com os ônibus de linhas intermunicipais tem tarifa de R$ 4,95, incluindo ainda uma viagem em linha alimentadora do BRT.

A preocupação com o meio ambiente esteve presente durante toda a obra. Ao longo da construção da via foram removidas 1.533 árvores. Como me-dida compensatória, a Prefeitura plantou 19.592 mudas nas proximidades. No caso do Maciço da Pedra Branca, as rochas obtidas a partir das explosões para construção do túnel da Grota Funda foram reaproveitadas para aterro de áreas alagadiças na região.

A TransOeste está sendo fi nanciada inteiramente pelo tesouro municipal. As empresas operadoras das linhas troncais do BRT TransOeste são a Auto Viação Jabour e a Expresso Pégaso, integrantes do Consórcio Santa Cruz, ven-cedoras da licitação para operação da zona 5, correspondente à Zona Oeste.

A manutenção da infraestrutura viária e da drenagem será feita por uma empresa, a ser licitada, no valor de R$10,2 milhões, nos 56Km da via, por 2

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anos. A manutenção da via prevê atendimento de pronta resposta, 24 horas, 7 dias da semana, e visa garantir perfeitas condições de funcionamento da via, prolongamento da vida útil da infraestrutura e dos equipamentos urbanos.

Estão previstos aplicação e fornecimento de asfalto de alta qualidade, ma-nutenção dos pavimentos, substituição de mobiliário urbano, serviços de pintura, manutenção da sinalização horizontal, conservação dos serviços de drenagem e equipamentos de sinalização. Além disso, será feita limpeza me-cânica com hidrojato, instalação e substituição de defensas metálicas contra impacto.

TransOeste

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2. TransOlímpica

A TransOlímpica é uma via de 33km de extensão, com 3 faixas para veícu-los e 2 exclusivas para BRTs. A via faz parte dos compromissos da cidade para os Jogos Olímpicos Rio 2016. A previsão é que a via expressa e o corredor BRT ejam usados por 400 mil pessoas por dia. A via expressa terá capacidade para 90 mil veículos por dia, mas inicialmente espera-se um fl uxo de 55 mil veículos/dia.

Ao contrário da TransOeste, que foi inteiramente fi nanciada pelos co-fres municipais, a TransOlímpica custará R$470 milhões para o consórcio vencedor da licitação, e a Prefeitura custeará R$1,072 bilhão. O consórcio “Rio Olímpico”, formado por Invepar, Odebrecht e CCR, poderá explorar a concessão por 35 anos e o valor da tarifa será o mesmo da Linha Amarela, de R$4,70. O consórcio foi o que ofereceu maior contrapartida fi nanceira, diminuindo os gastos públicos na obra, que tinham o limite estabelecido de R$1,130 bilhão.

Durante os Jogos, o corredor ligará dois dos quadros núcleos de com-petições. Na Barra, atenderá ao Parque Olímpico e à Vila dos Atletas. Na outra ponta, a nova estrada desembocará em Deodoro, onde será construído o Parque Radical, que sediará as provas de pentatlo moderno, sgrima, tiro e mountain bike, entre outras, em áreas militares às margens da Avenida Brasil.

O corredor de BRT que usará as pistas centrais da Transolímpica terá 18 estações e dois terminais. Ele fará integração com o corredor Transcarioca na Taquara e com o corredor Transbrasil em Deodoro, onde haverá ainda inteli-gação com os trens da Supervia.

Dos 23km previstos, somente 20km serão administrados pelo consórcio. Os outros três quilômetros correspondem à Avenida Salvador Allende, que integrará a TransOeste e a TransOlímpica na altura do Terminal Alvorada, e que deverá fi car parecida com a Avenida das Américas. Embora este trecho esteja fora da concessão, nem vá ter pedágio, o consórcio se comprometeu a fazer obras na via, alargando-a, a fi m de permitir novas faixas de BRT. Dos atuais 30m de largura e quatro faixas de rolamento (duas por sentido), a Al-lende passará a ter 80m de largura e dez faixas (cinco por sentido).

Um estudo feito para a elaboração do edital de licitação estima o núme-ro de desapropriações necessárias para tirar a Transolímpica do papel. Essa quantidade ainda é provisória e poderá mudar de acordo com o detalhamen-to do projeto. Ao todo, estão previstas desapropriações em Bangu (3); Rea-lengo (80); Magalhães Bastos (143); Sulacap (114); Taquara (146); Estrada do Outeiro Santo (402); Condomínio Bosque do Paradiso (24), em galpões industriais na Taquara (6) e em Curicica (353).

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CIDADE OLÍMPICA: DESAFIOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

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3. Caso Gerador

Com vistas à implementação do projeto que se destina à criação da Tran-sOlímpica, a Administração Pública procedeu à realização de consórcio entre algumas empresas, por meio de edital devidamente publicado, a fi m de exe-cutar as obras do corredor expresso de 13km, incluindo os sistemas de ope-ração e manutenção. Estão previstas duas faixas por sentido e duas faixas por sentido para o BRT (Bus Rapid Transit); um túnel de 1,53km de extensão e 48 pontes e viadutos.

A construção e a operação da via será feita por meio de uma parceria público-privada. A concessão da operação do sistema BRT será por 35 anos e o vencedor será responsável pela aquisição dos ônibus, sistemas de controle, construção de garagens, construção e manutenção das estações e operação de todo o sistema. O projeto prevê um pedágio, ainda sem valor defi nido. A previsão para a conclusão da via é de 48 meses, com inauguração prevista no primeiro semestre de 2015.

Já na TransOeste o capital investido nas obras foi 100% público. No edital de licitação das obras não havia previsão para cobrança de pedágio. Isto sig-nifi ca que não há como gerar recursos à constante manutenção das rodovias. Neste sentido, responda às questões abaixo como fonte inicial do direciona-mento ao debate, a partir da existência ou não da cobrança de pedágio em cada um dos projetos narrados acima, bem como das peculiaridades de cada um e as razões que motivam a sua realização de uma ou outra forma.

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4. Questões de direcionamento do debate

1) Que tipo de política mais se enquadraria a uma efi ciente mobilida-de urbana?

2) Por que a TransOlímpica foi feita por meio de concessão, diferente-mente da TransOeste?

3) Haverá cobrança de pedágio na TransOlímpica? Por quê?4) Por que na TransOeste não tem cobrança de pedágio? Quase os

motivos e as implicações desta medida?

5. Questões de concursos

Uma das características dos contratos administrativos é a “instabilidade” quanto ao seu objeto que decorre

(A) do poder conferido à Administração Pública de alterar, unilate-ralmente, algumas cláusulas do contrato, no curso de sua execução, na forma do artigo 58, inciso l da Lei n. 8.666/93, a fi m de adequar o objeto do contrato às fi nalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado.

(B) da possibilidade do contratado (particular) alterar, unilateralmente, a qualquer tempo, algumas cláusulas do contrato, no curso de sua execução, de forma a atender aos seus próprios interesses em face das prerrogativas da Administração Pública.

(C) do poder conferido à Administração Pública de alterar, unilateralmen-te, algumas cláusulas do contrato, no curso de sua execução, na forma do artigo 58, inciso l da Lei n. 8.666/93, a fi m de adequar o objeto do contrato aos interesses do contraído (particular) em face das prerrogativas da Admi-nistração Pública.

(D) de não haver qualquer possibilidade de alteração do objeto do con-trato administrativo, quer pela Administração Pública, quer pelo contratado (particular), tendo em vista o princípio da vinculação ao edital licitatório, do qual o contrato e seu objeto fazem parte integrante; e o princípio da juridici-dade, do qual aquele primeiro decorre.

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6 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e

o Direito Constitucional Internacional,

2ª Edição, 1997, Max Limonad: São

Paulo, p. 200.

AULA 8. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA

TEMAS CENTRAIS

Reserva do possível. Mínimo existencial. Políticas Públicas.

ROTEIRO DE AULA

A Constituição Federal, no caput de seu art. 6º, apresenta dentre outros direitos sociais, o direito constitucional à moradia: “São direitos sociais a edu-cação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos de-samparados, na forma desta Constituição.”

Apesar de ser uma norma defi nidora de direito que, de acordo com art. 5º, §1º da Carta Magna, possui aplicabilidade imediata, ainda são insufi cientes as políticas públicas capazes de dar efetividade a este dispositivo.

Segundo Flávia Piovesan, “a violação aos direi tos sociais, econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção gover-namental, como da ausência de pressão internacional em favor dessa inter-venção”6.

As favelas existem no Rio de Janeiro desde o século XIX, mas tiveram cres-cimento acelerado na década de 1980 por vários motivos, dentre os quais, o grande crescimento demográfi co do período (média de 4,5 fi lhos por mulher ao fi m da década de 1970) e paralisação da indústria civil com a crise da dí-vida externa.

Segundo o Censo do IBGE de 2010, quase um quarto da população ca-rioca mora em favelas — são 1.393.314 habitantes, ou 22% do total.

Esses “aglomerados subnormais” carecem de infraestrutura urbana básica, como saneamento, limpeza urbana, iluminação, áreas de lazer, entre outros. Se, no passado, até se negava a existência de favelas — em 1937 uma lei che-gou a proibir que constassem em mapas — hoje se admite que a existência de muitas pessoas nessa situação requer ações de mitigação de condições opostas à dignidade humana.

Diante desta realidade, a política habitacional da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro se estruturou em três frentes distintas: o reassentamento de fa-mílias em área de risco para novas residências, pelos programas Minha Casa, Minha Vida e Bairro Carioca; a reurbanização de favelas, objeto do programa Morar Carioca; e medidas variadas de contenção do crescimento, com ações das Secretarias de Ordem Pública e de Urbanismo.

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1. Minha Casa, Minha Vida 2

Em 2009, a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou termo de adesão ao pro-grama Minha Casa Minha Vida 2, um programa do governo federal.

Em 2012 estavam contratadas 43 (quarenta e três) mil unidades habita-cionais junto à Caixa Econômica Federal, sendo 23 (vinte e três) mil desti-nadas para famílias com renda de até três salários mínimos; 9 (nove) mil para famílias que ganham entre três e seis mínimos; e 11(onze) mil para famílias com renda entre seis e dez salários. Outras 18 (dezoito) mil unidades habi-tacionais já tinham sido licenciadas pela Prefeitura e estavam em processo de contratação junto à Caixa.

Coordenado pela Secretaria Municipal de Habitação, o programa tem como meta a construção de moradias para famílias que ganham até R$ 5 mil, com prioridade para os que ganham até R$ 1.600,00, faixa que concentra 90,9% do défi cit habitacional.

A prioridade da seleção, feita com base na Loteria Federal, é para famílias que possuam pessoas com mais de 60 anos ou portadores de defi ciências. O prazo do fi nanciamento é de 30 anos e as prestações têm valor mínimo de R$50,00 e máximo de 10% do valor da renda familiar bruta.

Os atuais benefi ciários deste programa no Rio de Janeiro são as famílias que ocupavam áreas de alto risco de desabamento ou que fi caram desabriga-das após as chuvas de 2010.

2. Morar Carioca

O Morar Carioca é um programa da Prefeitura cujo objetivo é urbanizar todas as favelas cariocas até 2020, tornando a cidade uma referência mundial em melhoria de índice de desenvolvimento humano (IDH). O projeto prevê a construção de equipamentos públicos, a urbanização de espaços e a oferta de serviços públicos, e será um dos principais legados dos Jogos Olímpicos de 2016.

O projeto está sendo implementado em 91 assentamentos distribuídos pe-las cinco áreas de planejamento da cidade, após concurso público de escritó-rios de arquitetura liderado pelo IAB/RJ. No total, estão sendo benefi ciados 89 mil domicílios.

Para evitar novas ocupações ou a expansão das existentes, estão sendo to-madas várias medidas de fi scalização que envolvem fotos aéreas e imagens de satélites tiradas anualmente (antes as imagens eram tomadas a cada quatro anos) e fi scalização ativa da Secretaria de Ordem Pública.

O programa baseia-se no reconhecimento de favelas como locais legítimos de moradia, fora do modelo convencional, mas aptas a se tornarem parte da

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cidade com algumas adaptações. O estilo anárquico das moradias eviden-cia processo histórico de adição de infraestrutura própria da comunidade e de governos. Aproveitar, quando possível, os recursos já existentes, permite manter as características distintivas de cada comunidade e, ao mesmo tempo, dotá-la de maior qualidade de vida, aproximando-a da cidade formal.

A primeira fase do programa, até 2012, custará R$2 bilhões, provenientes da Prefeitura, do governo federal e do Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID). Até sua conclusão, o valor total será de R$8 bilhões, chegando a 260 mil domicílios.

Dentre as comunidades benefi ciadas, destacam-se a Providência, primeira favela da cidade, formada por refugiados de Canudos, e o complexo Babilô-nia Chapéu-Mangueira, no Leme.

No Morro da Providência está sendo construído um teleférico com 3 es-tações, que além de aumentar a mobilidade dos moradores, será uma nova atração turística da cidade, e que se integra ao projeto do Porto Maravilha. A cultura única do lugar, a bela vista da Baía e a proximidade com o Porto proverão novas fontes de renda aos moradores, ligada ao turismo.

No complexo Babilônia Chapéu-Mangueira o destaque é o refl orestamen-to, a contenção de encostas e a criação de limites contra o crescimento desor-denado. As moradias com condições insalubres estão sendo demolidas para dar lugar a prédios com baixo impacto ambiental. A praia do Leme também se benefi ciará com o fi m da língua negra, proveniente de dejetos da comuni-dade. O projeto foi destaque na conferência Rio +20 devido a seus aspectos de sustentabilidade.

3. Bairro Carioca

O Bairro Carioca é um projeto da Prefeitura que consiste na construção de um condomínio, destinados a desabrigados das chuvas de 2012, que agrega diversos serviços públicos, como Clínica da Família, Praça do Conhecimen-to e Espaços de Desenvolvimento Infantil e internet sem fi o gratuita, entre outros.

O projeto se insere em um plano de revitalização da zona Norte, com re-aproveitamento de espaços. Embora a zona Norte seja bastante densa demo-grafi camente, existiam em Triagem grandes espaços mal ocupados, o que se confi gurava um grande desperdício da infraestrutura existente de transporte (inclusive metrô e trens), drenagem, saneamento, iluminação, etc. Portanto, no local, a Prefeitura utilizou uma área subutilizada de um antigo complexo da Light para implantar o Bairro Carioca.

O novo condomínio tem 112 prédios de cinco andares, totalizando 2.240 apartamentos distribuídos entre ruas arborizadas, circundadas por uma ci-

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clovia, ao lado do metrô de Triagem. O projeto benefi cia cerca de 10 mil moradores, entre famílias com renda de até três salários mínimos. Por R$ 50 mensais, ou até 10% de sua renda, elas poderão comprar seus apartamentos de sala, dois quartos, banheiro, cozinha e área de serviço.

Diferentemente de outros projetos do Programa Minha Casa, Minha Vida, o Bairro Carioca oferece uma ampla gama de serviços, com o objetivo de integrar as pessoas ao condomínio. Haverá um mercado popular, numa área dividida em diversos boxes, distribuídos por meio de concessões a pesso-as interessadas. Consta ainda do projeto um ginásio esportivo com arquiban-cadas e um palco para pequenos espetáculos, peças e shows. Tudo adaptado, inclusive, para usuários portadores de necessidades especiais.

Sem esta intervenção, o processo de favelização do espaço era inevitável, já, que, por estar praticamente desocupado, o complexo carecia de segurança.

O projeto priorizou a garantia de um vínculo com a memória do lugar, por meio da manutenção dos antigos prédios da Light, valorizando sua arqui-tetura. A edifi cação onde agora está a Praça do Conhecimento, por exemplo, é do século 19, estilo inglês.

Com a inauguração do Bairro Carioca, a expectativa é de que esse novo dinamismo contamine também o entorno, que nos últimos anos havia sido sacrifi cado pelo processo de abandono do complexo. Toda a região sofreu com o início do processo de desertifi cação e favelização, e as pessoas foram abandonando o local. Com o Bairro Carioca, o fl uxo de pessoas voltará a ser intenso como antes. Com uma rede integrada de transportes coletivos — com destaque para o metrô Triagem e a rede de trens, localizadas ao lado do condomínio —, o morador do novo bairro poderá deslocar-se ao Centro do Rio em apenas 20 minutos.

A fase já inaugurada do empreendimento (lotes 1 e 3), em julho de 2012, custou R$ 23,8 milhões aos cofres municipais e contou também com recur-sos do Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.

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Construção do século 19, futura Praça do Conhecimento, no Bairro Carioca em Triagem.

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MARCO REGULATÓRIO

A lei federal n.º 11.977, de 07 de julho de 2009, dispõe sobe a política habitacional que implementou o Programa Minha Casa, Minha Vida.

De acordo com o art. 1º, o PMCMV “tem por fi nalidade criar mecanis-mos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalifi cação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais)”.

A fi m de implementar esta grande política habitacional, a lei dispõe que União, Estados e Municípios devem atuar de forma conjunta, quer imple-mentando o referido Programa em suas cidades ou cooperando para tanto, conforme o seu art. 3º:

§ 1o Em áreas urbanas, os critérios de prioridade para atendimento devem contemplar também:

I — a doação pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municí-pios de terrenos localizados em área urbana consolidada para implanta-ção de empreendimentos vinculados ao programa;

II — a implementação pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios de medidas de desoneração tributária, para as construções destinadas à habitação de interesse social;

III — a implementação pelos Municípios dos instrumentos da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, voltados ao controle da retenção das áreas urbanas em ociosidade.

De acordo com as disposições acima, e o objetivo de transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma cidade Sustentável, o Município do Rio de Janeiro passou a adotar determinadas políticas habitacionais, criando inclusive pro-jetos de lei que contribuíssem à sua correta implementação.

A Lei Municipal n.º 97/2009 tem por objetivo estabelecer normas relativas a edifi cações e grupamentos de edifi cações aplicáveis a empreendimentos de interesse social vinculados a política habitacional municipal, estadual e federal.

E a 5066/2009 que concede remissão de créditos tributários do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana — IPTU — para imóveis destinados a programas habitacionais de interesse social.

Importante destacar que o marco regulatório desta importante política ha-bitacional surgiu tão somente no ano de 2009, ano em que as autoridades brasileiras se mobilizaram mais conjuntamente com fi to à sua implementação.

A política habitacional gerada pelo PMCMV tem proporcionado a grande parcela da população a possibilidade de compra de seus imóveis em lugares que aumentem a sua qualidade de vida a um preço que caia em seu orçamento.

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CASO GERADOR

A escolha da política pública que vai ser a responsável por diminuir o défi cit habitacional sempre foi alvo de muitas discussões. No Rio de Janei-ro não foi diferente. O Bairro Carioca é um projeto modelo de Programa Habitacional que vem rendendo efeitos positivos. A opção adotada por este programa foi a de proporcionar à população local infraestrutura com desen-volvimento, a fi m de gerar aumento de qualidade de vida aos moradores da região e, consequentemente, possibilitar que o Rio de Janeiro se torne uma Cidade sustentável. Muitos consideram que este seria o mínimo necessário à população para que tenham uma vida digna.

Apesar dos benefícios gerados pelo programa, muitos questionam a sua efetividade, principalmente devido à pouca disponibilidade de recursos or-çamentários da Prefeitura do Rio de Janeiro para a implementação desses projetos. A difi culdade de escolha da política habitacional mais adequada à população carioca é assunto discutido há muitos anos. Basta nos lembrarmos do bairro da Cidade de Deus, que fora desmembrado de Jacarepaguá, fruto de um conjunto habitacional situado na Zona Oeste, no Rio de Janeiro.

O bairro da Cidade de Deus foi construído na década de 1960 pelo então Governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda, tendo por objetivo uma política de remoção de favelas para outras cidades. Atualmente, a Cida-de conta com mais de 38 mil habitantes e apresenta um dos menores indica-dores sociais do Rio de Janeiro.

• Foi acertada a decisão do Prefeito Carlos Lacerda?• Indique as principais diferenças entre os modelos de programa habi-

tacional do Bairro Carioca e do bairro da Cidade de Deus construído na década de 1960.

QUESTÕES DE DIRECIONAMENTO DO DEBATE

1) A quem cabe a correção de erros históricos causados por políticas habitacionais mal escolhidas?

2) De que forma o exemplo da Cidade de Deus poderia infl uenciar na política pública escolhida para diminuir o défi cit habitacional na cidade do Rio de Janeiro?

3) Como implementar projetos como o Bairro Carioca e o Morar Ca-rioca com pouca disponibilidade de recursos orçamentários?

4) Por que a Prefeitura municipal optou por escolher uma política habitacional mais cara aos seus cofres?

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CIDADE OLÍMPICA: DESAFIOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

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AULA 9. HOTELARIA

TEMAS CENTRAIS

Hotelaria. Aumento do número de acomodações. Incentivos. Mudanças dos Parâmetros Urbanísticos. Benefícios Fiscais.

ROTEIRO DE AULA

Durante o processo de seleção da cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016 foi identifi cada uma fragilidade relevante na candidatura da Cidade do Rio de Janeiro: a insufi ciência de quartos de hotel para atender à demanda do evento.

Apesar de ser uma cidade com grande potencial turístico, o défi cit de quartos foi calculado em 10.000. De fato, praticamente nenhum hotel havia sido inaugurado nas últimas três décadas no Rio de Janeiro, e muitos foram abandonados, como o Hotel Nacional e o Hotel das Paineiras. Foram vários os motivos da estagnação do setor hoteleiro:

• Estagnação no número de turistas domésticos e internacionais, de la-zer ou de negócios. Em alguns anos da década de 2000 houve até queda na entrada de turistas em comparação aos anos anteriores. Esta tendência se reverte a partir de 2008, com a divulgação nacional e in-ternacional de imagem mais positiva da cidade na mídia, com a queda nos índices de violência e eleição da cidade para as Olimpíadas;

Taxa de Ocupação Hoteleira, média por ano, 2001-2011. Fonte: ABIH-RJ/Fecomércio-RJ.

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7 Turismo bate recorde na cidade com

novos e repaginados hotéis. http://

www.cidadeolimpica.com/turismo-

-bate-recorde-na-cidade-com-novos-

-e-repaginados-hoteis/ Acesso em:

30/11/2011.

• Legislação urbanística restritiva impedia construção de hotéis em cer-tos pontos da cidade com potencial turístico, ou limitava o gabarito de hotéis de forma a tornar o investimento inviável fi nanceiramente;

• Retorno fi nanceiro mais rápido em outros investimentos imobiliários, como edifícios residenciais e comerciais, cujo retorno inicia-se com o imóvel ainda na planta. No caso de hotéis, a compensação fi nanceira só se inicia com o prédio inaugurado e o serviço de hotelaria já em pleno funcionamento. Por esta razão, os melhores terrenos da Zona Sul já tinham sido ocupados por empreendimentos residenciais e co-merciais, em alta demanda, e não havia mais espaços que atraíssem o interesse de investidores.

Esta necessidade de aumentar o número de quartos de hotel no Rio de Janeiro impulsionou a Prefeitura do Rio a elaborar políticas públicas de in-centivo a investimentos privados em novos hotéis, por meio de regras urba-nísticas específi cas e de benefícios fi scais temporários direcionados especifi ca-mente a novas construções hoteleiras.

Com este objetivo, o Poder Executivo municipal encaminhou à aprecia-ção da Câmara dos Vereadores dois projetos de lei, denominados de “Pacote Olímpico”.

Os empresários de hotelaria indicaram à Prefeitura, em reuniões frequentes com gestores municipais, quais incentivos e prazos seriam bem recebidos pelo mercado e que de fato promoveriam investimentos novos em hotelaria. Da mesma forma, debateram com a Secretaria Municipal de Urbanismo quais seriam os parâmetros aos quais teriam que se adequar de forma que pudessem estar aptos a receber os benefícios. Esta parceria foi confi rmada pelo presi-dente da ABIH-RJ em entrevista à imprensa em 17 de outubro de 207:

“A Prefeitura editou um pacote olímpico, que foi elaborado de for-ma cirúrgica pela Secretaria de Urbanismo, com a participação da ini-ciativa privada, atingindo perfeitamente as metas. Nós já temos hoje cerca de 4.800 quartos licenciados para início imediato e praticamente 6.500 quartos em análise. Então, nós esperamos até superar essa marca de 10 mil quartos para as Olimpíadas.”

O “Pacote Olímpico” possibilitou a construção de hotéis em áreas da cidade onde antes não era permitido, como a Avenida das Américas na Barra da Tiju-ca, desde que se respeitasse o gabarito máximo de seis pavimentos. Este limite foi objeto de intensa negociação entre Prefeitura e a rede hoteleira, que preten-dia construir hotéis mais altos, inclusive para compensar a escassez de terrenos.

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CIDADE OLÍMPICA: DESAFIOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

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8 Operação interligada é a alteração de

parâmetros urbanísticos vigente, me-

diante contrapartida dos interessados,

calculada proporcionalmente à valo-

rização acrescida ao empreendimento

projetado.

Além dos quartos novos confi rmados ou planejados, diversos hotéis sofre-ram ou estão sofrendo reformas signifi cativas, como o Windsor Atlântica (ex--Meridién, fechado por muitos anos), e os hotéis Nacional, Glória e Othon, entre outros.

A Zona Sul realmente não dispõe atualmente de terrenos adequados para a hotelaria, mas outras áreas da cidade estão agora disponíveis, como o Porto Maravilha, que poderá ter hotéis com até 30pavimentos, e a Avenida Ser-nambetiba, com gabarito de 6 andares.

A Lei Complementar nº 108/2010, parte do “Pacote Olímpico”, defi ne parâmetros urbanísticos e normas de uso e ocupação do solo, autoriza ope-ração interligada8, estabelece incentivos para a ampliação da capacidade de hospedagem e autoriza a alienação de imóveis específi cos (inclusive a antiga fábrica da Brahma), tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Os benefícios desta lei abrange hotéis, resorts, pousadas e albergues, com condições específi cas para cada região da cidade, inclusive as não tradicional-mente turísticas, como Realengo, Guaratiba e o Porto Maravilha.

A Lei 5.230/2010, de 25 de outubro de 2010, também parte do “Pacote Olímpico”, institui incentivos e benefícios fi scais para a construção e o fun-cionamento de instalações destinadas a hotéis, pousadas, resorts e albergues.

As medidas principais são isenção de ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos, Realizada Inter Vivos, por Ato Oneroso) até 2012; isenção de IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) durante a obra até a emissão de “habite-se”; alíquota de 0,5% de ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) para serviços relacionados à construção e à reconversão de hotéis, pousadas, resorts e alber-gues, entre outras medidas de incentivos específi cas para negócios e serviços direcionados para a Copa do Mundo de 2016 e os Jogos Olímpicos de 2016.

CASO GERADOR

Como se disse acima, durante o processo de seleção da cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, foi identifi cada uma fragilidade relevante na can-didatura da cidade do Rio de Janeiro: a insufi ciência de quartos de hotel para atender à demanda do evento. Para se sagrar vencedora na disputa, a Pre-feitura do Rio de Janeiro assumiu o compromisso a aumentar a capacidade hoteleira da cidade em mais de 10.000 quartos. Pergunta:

a) O que poderia Prefeitura fazer para vencer este desafi o?b) Quais seriam as mudanças na legislação urbanística que você, na

qualidade de consultor jurídico do Prefeito, recomendaria?

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c) Quais seriam os benefícios fi scais que você implementaria e como você poderia fazer isso?

d) Alguma dessas mudanças poderia ser promovida por Decreto?e) Você teria alguma sugestão adicional a fazer?

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AULA 10. SAMBÓDROMO

TEMAS CENTRAIS

Tombamento. Desapropriação. Construção e revitalização do espaço. Operação Urbana Interligada. Estatuto da Cidade. Plano Diretor.

LEITURA OBRIGATÓRIA

FILHO, José dos Santos Carvalho. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 233 — 241.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Pau-lo: Editora Atlas, 2003, p. 131 — 134; 141 — 142; 153; 163 — 164; e 170 — 172.

ROTEIRO DE AULA

O Sambódromo, cujo nome ofi cial é Passarela Prof. Darcy Ribeiro, foi inaugurado em 1984, após construção que durou apenas 120 dias. Esta ra-pidez foi possível devido ao uso de técnicas de construção pré-moldada em concreto armado. A pista da Passarela do Samba tem 700 metros de extensão e 13 metros de largura, e os camarotes do setor ímpar funcionam como escola municipal durante o ano letivo.

Foi de Darcy Ribeiro a ideia de criação de uma parte mais larga da passa-rela, cercada por arquibancadas ao seu fi nal, bem como a concessão de nome de “Praça da Apoteose”. Atualmente, o local é mundialmente conhecido por ser o principal local de desfi le do carnaval carioca.

Na época de sua construção, o Projeto de Oscar Niemeyer teve de ser mo-difi cado devido à existência de uma unidade industrial da Cervejaria Brah-ma no local. Em 2002 a Fábrica da Brahma foi tombada pela Lei do Estado do Rio de Janeiro n.º 4.001, transformando-a em patrimônio histórico-cul-tural do Estado do RJ). A fábrica da cervejaria estava abandonada e afetava negativamente a ambiência do Sambódromo.

Com os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 a serem realizados aqui no Rio de Janeiro, cogitou-se a possibilidade de utilizar o local como sede de algumas atividades e jogos, como o tiro ao alvo, maratona, lançamento de dardos etc. No entanto, a capacidade do sambódromo não estaria ade-quada aos padrões estabelecidos pelo Comitê Olímpico Internacional, que

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CIDADE OLÍMPICA: DESAFIOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

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necessitaria de uma capacidade maior de espectadores. Pensou-se, então, em retomar o projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer, que permitiria o uso irrestrito do local para as atividades mencionadas. Entretanto, um entrave difi cultava o procedimento: a Lei n.º 4.001, de 30 de outubro de 2002, que tornava a antiga Fábrica da Brahma, localizada à Av. Marquês de Sapucaí, um bem tombado.

Sambódromo, projeto de Oscar Niemeyer, 1984.

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9 Acesso em: 28/11/2011

10 Disponível em: <http://www.oesta-

dorj.com.br/?pg=noticia&id=6341>.

Indo além da questão hoteleira, a Lei Complementar nº 108/2010, parte do “Pacote Olímpico”, autorizou a alienação de imóveis específi cos (inclusive a antiga fábrica da Brahma), tendo em vista a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, possibilitando, assim, a expansão do Sambódromo, de 60.000 para 78.840 lugares, com a implosão da antiga fábrica da Brah-ma9 (veja: http://www.ambev.com.br/pt-br/imprensa/noticias/2011/02/01/projeto-sambodromo-ambev-e-parceira-da-prefeitura-do-rio).

A alteração nos padrões urbanísticos permitiu que a Ambev construísse três torres de até onze andares, e outra de até 80 metros. Em contrapartida, a Ambev custeou a construção de novos setores de arquibancadas, camarotes e frisas, fi nalizada em janeiro de 2012.

Estas intervenções ampliaram a infraestrutura do Sambódromo, que se-diará a largada e a chegada da Maratona Olímpica da prova de Tiro com Arco nos Jogos Olímpicos Rio 2016, e que depois de décadas corresponderá ao projeto originalmente concebido por Oscar Niemeyer.

NOTÍCIA DO JORNAL ESTADÃO, VEICULADA NO DIA 08 DE JANEIRO DE 2011

Projeto de ampliação do Sambódromo retoma o traçado original de Niemeyer10

(Por Alice Moura — [email protected])

“A Prefeitura do Rio apresentou, no dia 14 de dezembro, em frente ao Setor 2, o projeto de reforma e ampliação do Sambódromo, que retoma o traçado original, desenhado por Oscar Niemeyer, e prepara o espaço para abrigar competições dos Jogos Olímpicos, como provas de tiro com arco e a maratona. A previsão é de que as intervenções comecem logo após o Carnaval de 2011 e sejam concluídas a tempo para o Carnaval de 2012. As obras de complementação da Passarela do Samba estão incluídas no pacote legislativo para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016, de autoria do poder executivo e sancionado pelo prefeito Eduardo Paes, no fi m de novembro de 2010.

O pacote de leis permite, entre outras coisas, mudança de regras urbanís-ticas na área da antiga fábrica da Brahma, na Cidade Nova, o que vai garantir a expansão do Sambódromo. A medida permitirá que a Ambev faça um me-lhor aproveitamento comercial da área e, em troca, fi cará responsável pela construção de um novo conjunto de arquibancadas e camarotes na Marquês de Sapucaí, como previsto no projeto das Olimpíadas.

O conjunto de leis garante benefícios fi scais e urbanísticos para o setor hoteleiro, facilitando a construção de hotéis, pousadas e albergues na cidade.

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Hoje, o Rio conta com 29 mil acomodações e, com a nova legislação, a ex-pectativa é de que sejam construídas pelo menos mais 8 mil até 2016.

O Secretário Municipal de Turismo e Presidente da Riotur, Antonio Pedro Figueira de Mello, fala sobre os benefícios do projeto. “Com esse projeto, não são apenas os espectadores do Carnaval e das Olimpíadas que sairão ganhando, a população também se benefi cia através das melhorias que serão realizadas no entorno do Sambódromo”, comenta.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, ressalta que a obra fi cará como legado para a cidade. “É o resgate de uma obra arquitetônica fantástica da cidade. O templo do carnaval vai fi nalmente ser concluído, ganhando o traçado originalmente pensado pelo mestre Oscar Niemeyer, há quase 30 anos. Com isso, avançamos para iniciar tudo o que assumimos para as Olim-píadas de 2016. É mais uma intervenção para os Jogos que vai fi car de legado para o Rio de Janeiro. Com essa obra, vamos requalifi car a região, dar mais viabilidade econômica e gerar emprego, além de tornar a festa do Carnaval ainda mais bonita, lucrativa e de qualidade”, afi rma.

(continua)Sambódromo ganhou novas instalações e novos lugares

No local da antiga fábrica, no Setor 2, foi construído um novo bloco, com três módulos de arquibancadas, camarotes e frisas, incluindo áreas para a ins-talação de banheiros públicos, acessos para portadores de defi ciências, postos médicos, sala de segurança, áreas de serviço e um espaço destinado para os jurados. Ao Sambódromo foram adicionados cerca de 17.800 lugares para arquibancadas, camarotes e frisas. Os novos blocos foram erguidos com um afastamento de cerca de dez metros das estruturas atualmente existentes, per-mitindo que o usuário observe de qualquer ponto da pista os arcos da Praça da Apoteose, que são um cartão-postal do Rio. O projeto também prevê mais conforto para os usuários. “Em cada camarote, haverá um banheiro privativo. Os módulos de arquibancadas também contarão com elevadores para o pú-blico”, destacou o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, citando recursos que não estavam disponíveis nos módulos existentes.

De acordo com Sérgio Dias, a obra permitiu um aumento na lotação da Passarela do Samba, que hoje tem capacidade para 60 mil lugares. “Essa de-molição resgata o conceito original do projeto, que não foi possível executar na época, porque a fábrica da Brahma existia em pleno funcionamento. E agora, de acordo com o projeto de Niemeyer, os módulos da direita serão der-rubados para a construção de módulos idênticos aos da esquerda, permitindo uma capacidade maior, um aumento de aproximadamente 17.800 lugares, distribuídos entre arquibancadas, camarotes e frisas,” explica.

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Sandro Bassilli, diretor de relações socioambientais da Ambev, afi rma que a companhia apoia os projetos de revitalização da cidade, principalmente no Sambódromo. “É com muito orgulho que cedemos o terreno de nossa antiga fábrica para a ampliação da passarela do samba, melhorando ainda mais o carnaval do Rio”, diz.

No empreendimento, aprovado pela prefeitura, para a antiga Fábrica da Brahma, foi projetado também um estacionamento subterrâneo de dois pa-vimentos, com capacidade para mais 1.932 vagas. A área deverá ser compar-tilhada com os usuários da Sapucaí durante o carnaval.

Segundo a bancária Patrícia Matos, que desfi lou este ano pela primeira vez na Vila Isabel, esse projeto vai ajudar não só os moradores da região, como também as escolas de samba. “Esse ano eu desfi lei pela primeira vez, na Vila Isabel. Foi uma emoção muito grande. Se o Sambódromo já dá essa emoção pelo porte que tem, imagina com a ampliação. Com certeza, isso vai benefi -ciar muito as escolas e os moradores da região”, aposta Patrícia.

Passarela Professor Darcy Ribeiro

O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) também apóia a ampliação do Sambódromo, e a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro explica que o projeto foi apreciado pelo Conselho Estadual de Tombamento, integrante da estrutura da Secretaria de Estado de Cultura. O órgão entendeu que a iniciativa proposta é de relevante interesse público e considera positiva a sua implantação, uma vez que irá contribuir para a renovação da área.

A reforma do Sambódromo em 2011 teve a total aprovação de Oscar Nie-meyer. Segundo o arquiteto, a retomada do traçado original do Sambódromo trará benefícios tanto para a realização do Carnaval quanto para os Jogos de 2016, por permitir ao público visibilidade perfeita, com uma forma mais simétrica. Além disso, o arquiteto ressalta que a obra é importante por ser dirigida ao povo, em um local de prazer, para as pessoas se divertirem.”

MODIFICAÇÃO DE UM BEM TOMBADO

A reforma do Sambódromo passou a depender, portanto, da solução do problema relativo ao tombamento de um imóvel.

Conforme o Decreto-lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937:

“A palavra tombamento pode ser tomada como fato ou como ato administrativo. Como fato, é a operação material de registro do bem no Livro do Tombo correspondente, como ato, é a restrição imposta

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11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Admi-

nistrativo Brasileiro. São Paulo: Editora

Malheiros, 2005, p. 501.

12 Art. 37, XXI. ressalvados os casos

especifi cados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão

contratados mediante processo de lici-

tação pública que assegure igualdade

de condições a todos os concorrentes,

com cláusulas que estabeleçam obri-

gações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos

termos da lei, o qual somente permitirá

as exigências de qualifi cação técnica e

econômica indispensáveis à garantia do

cumprimento das obrigações.

pelo Estado ao direito de propriedade, com a fi nalidade de conservá-la em razão do valor artístico, paisagístico, arqueológico, etnográfi co ou bibliográfi co que representa para a coletividade, a fi m de evitar o seu perecimento (...) podem ser tombados os bens públicos ou privados, móveis ou imóveis, obras de natureza ou do homem, preciosidade do passado ou do presente, se ligados a fatos memoráveis da história brasi-leira ou se portadores de um excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfi co, bibliográfi co ou paisagístico (...) outros existem que são in-tombáveis, porque estrangeiros ou por não se revestirem dos requisitos necessários para integrar o patrimônio histórico e artístico nacional.”

O objetivo central do tombamento de um bem é a sua proteção. Deve-se ter o cuidado de não confundir o tombamento com a desapropriação, pois o tombamento não altera a propriedade de um bem, apenas cria limitações para que este não venha a ser descaracterizado ou destruído. Diferentemente, a desapropriação, nas palavras de Hely Lopes Meirelles11:

“(...) é a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para o superior) para o Poder Pú-blico ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edifi cada, subutilizada ou não utili-zada (CF, art182, §4º,III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de reforma agrária, por interesse social.(CF, art.184)...”

Estabelecida a diferença, e retomando o ponto inicial, todo o procedimen-to que envolve o tombamento de um bem ou, posteriormente, sua possível modifi cação, deve passar pelo crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN. Além disso, as modifi cações de bens públicos que são tombados devem seguir o princípio da licitação pública12, salvo as exceções constantes na própria Lei Federal n.º 8.666/93, como a dispensa e inexigibilidade de licitação.

OPERAÇÃO URBANA INTERLIGADA

No Município do Rio de Janeiro, a Lei Complementar n.º 16, de 04 de junho de 1992 instituiu a sua política urbana, prevendo entre os instrumen-tos de aplicação do correspondente Plano Diretor Decenal, a criação de ope-rações interligadas, consoante o disposto em seus art. 28 e 29:

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13 TÁCITO, Caio. As operações interliga-

das no sistema municipal. Ver. Direito,

rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez, 2000,

p. 35-38.

At. 28. Constitui operação interligada a alteração pelo Poder Públi-co, nos limites e na forma defi nidos em lei, de determinados parâme-tros urbanísticos, mediante contrapartida dos interessados igualmente defi nida em lei.

Art. 29. Para efeito da utilização das operações interligadas serão estabelecidas as contrapartidas dos interessados, calculadas proporcio-nalmente à valorização acrescida ao empreendimento projetado, pela alteração de parâmetros urbanísticos, sob a forma de:

I — recursos para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano;

II — obras de infra-estrutura urbana;

III — terrenos e habitações destinados à população de baixa renda;

IV — recuperação do meio ambiente ou do patrimônio cultural.

E, regulando o instituto da operação urbana interligada no Município do Rio de Janeiro, de acordo com as lições de Caio Tácito13:

(...) a Lei ordinária estadual b.º 2.128, de 18 de abril de 1994, em seu art. 6, caracteriza as modalidades de valorização acrescida ao em-preendimento projetado, a ser considerada como base da contrapartida a ser exigida do benefi ciário e, para efeito da respectiva avaliação, clas-sifi ca em três categorias as operações interligadas, a saber:

a) propostas que se caracterizam como de interesse do Poder Pú-blico;

b) propostas que se caracterizam como de interesse particular e não causem inconveniente ao interesse do Poder Público;

c) propostas que se caracterizam como de interesse particular e, existindo, possa ser removido eventual inconveniente ao interesse do Poder Público.

Diante das três espécies de propostas de operações interligadas ofe-recidas pelos interessados, o art. 7º da Lei n.º 2.128/94 distingue a competência de sua autorização, no sentido de que será feita:

I — por lei ou ato do Prefeito, nos casos do item I do artigo anterior;II — exclusivamente por lei, dos demais casos.

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Diante do regramento acima, a Prefeitura Municipal negociou a possibi-lidade de realização de uma operação urbana interligada com a Ambev para fi ns de construção e revitalização do entorno do Sambódromo. Esta medida, cuja prioridade é a promoção do interesse público, deveria apresentar con-trapartida sufi ciente para que o projeto fosse fi nanceiramente atraente para o principal ente privado envolvido, a Brahma.

A operação urbana interligada no sistema municipal já foi alvo de grandes controvérsias jurídicas. Em 1996, O Hospital Samaritano construiu seu ane-xo seguindo a legislação de hotel. Legalizou a obra em 1996, graças ao recurso de operação interligada, e pagou à prefeitura cerca de R$ 67.500,00. No ano seguinte, foi a vez do Condomínio da Barra, operação bastante polêmica à época. Em 1997, a Prefeitura autorizou o aumento no gabarito de cinco para quinze andares do número 4600 da Av. Sernambetiba. A operação rendeu ao município 4,5 milhões de reais. E, em 1998, a necessidade de revitalização do Parque Penhasco resultou em acordo entre a prefeitura e a empresa que faria dois prédios e um hotel no morro Dois Irmãos. Neste caso, a empresa desistiu em troca de um gabarito maior na Barra.

QUESTÕES DE DIRECIONAMENTO DO DEBATE

1) Como retomar o projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer, considerando que um imóvel tombado ocupava um espaço signifi -cativo às margens da Passarela do Samba?

2) Quais são as limitações de uso geradas pelo tombamento?3) É possível a modifi cação de um bem tombado? Se possível, quem

poderia fazê-la?4) O que é uma operação urbana interligada?

QUESTÕES DE CONCURSOS

Prova: CONSULPLAN — 2012 — TSE — Analista Judiciário

1) Acerca do tombamento, como uma das formas de o Estado intervir na propriedade privada, os proprietários passam a ter obrigações negativas que estão relacionadas nas alternativas a seguir, à exceção de uma. Assinale-a.

a) Os proprietários são obrigados a colocar os seus imóveis tomba-dos à disposição da Administração Pública para que possam ser

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utilizados como repartições públicas, quando da necessidade imperiosa de utilização, a fim de suprir a prestação de serviços pelo Estado de forma eficiente.

b) Os proprietários são obrigados a suportar a fiscalização dos ór-gãos administrativos competentes

c) Os proprietários não podem destruir, demolir ou mutilar o bem imóvel e somente poderão restaurá-lo, repará-lo ou pintá-lo após a obtenção de autorização especial do órgão administrati-vo competente.

d) Os proprietários não podem alienar os bens, ressalvada a possibi-lidade de transferência para uma entidade pública.

OAB/ DF/ Exame de ordem 2006.1/ Prova objetiva

2) Qual a forma de intervenção do Estado na propriedade privada, gerando uma restrição parcial sem impedimento do exercício dos direitos próprios do domínio, voltada para a proteção do patrimô-nio histórico e artístico?

a) desapropriação;b) servidão administrativa;c) tombamento;d) requisição.

3) A desapropriação, a ocupação temporária e o tombamento apresen-tam, respectivamente, as seguintes características necessárias:

a) transferência compulsória da propriedade; limitação gratuita do imóvel particular e proteção dos bens ambientais.

b) constituição de servidão administrativa; não atribuição de direito à indenização e restrição integral do direito de propriedade.

c) atribuir direito à indenização prévia em dinheiro; constituir prer-rogativa exclusiva da Administração Pública direta e conferir direito à indenização.

d) gerar a perda do bem pelo particular; afetar a exclusividade do direito de propriedade do particular e impor restrições ao exer-cício pleno do direito de propriedade pelos prédios vizinhos.

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OAB/ DF/ Exame de ordem 2004.1/ Prova objetiva. Adaptada

4) A instituição de direito real de natureza pública que estabelece para o proprietário a obrigação de suportar um ônus parcial sobre imóvel em favor de um serviço público ou de um bem afetado a um serviço público é denominada:

a) desapropriação;b) servidão administrativa;c) tombamento;d) N.D.A.

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GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDTLL.M pela New York University School of Law. Bacharel em Direito na Puc-RJ. Procurador do Município do Rio de Janeiro.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO