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C M Y K C M Y K C6 C6 DIARIOd d de e e P P P E E E R R R N N N A A A M M M B B B U U UC C C O O O - Recife, quarta-feira, 13 de março de 2013 vida urbana IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII N o topo do morro, três pedras negras gi- gantes rasgam a paisagem dominada por um amontoado de casebres popu- lares. A primeira imagem que um visitante tem quando chega na comunidade de Santo Domin- go, em Medellín, choca. E não é para menos. A edificação rompe com o meio não só estetica- mente, mas cultural, social e urbanisticamen- te. Foi esse tipo de intervenção que as gestões municipais decidiram fazer nas áreas mais po- bres da cidade. Modelo igual ao de Bogotá. As pedras são, na verdade, o centro do Parque Bi- blioteca España, um conceito de biblioteca de alta qualidade inserida em parques públicos e com serviços, que atendem diretamente as ne- cessidades dos seus usuários. As bibliotecas em Bogotá e Medellín fazem par- te de uma rede municipal de bibliotecas com o objetivo de resgatar e promover a cidadania nas áreas mais vulneráveis. O que as gestões fi- zeram foi redesenhar o modelo desses equipa- mentos públicos a fim de aproximar as pessoas da leitura e oferecer a elas atividades e serviços de formação cultural e social. A fórmula, inclu- sive, é brasileira. Os colombianos dizem que, para elaborar o modelo deles, inspiraram-se no projeto Farol do Saber, de Curitiba, que é uma rede de pequenas bibliotecas distribuídas em bairros da capital do Paraná. “Na Colômbia, eles decidiram fugir do simplório e criaram verda- deiros símbolos sociais para não haver dúvidas de que a sociedade resol- veu tomar um caminho diferente”, traduz o dire- tor de gestão da informa- ção da Universidade Fe- deral de Pernambuco, Marcos Galindo. As bibliotecas dos siste- mas de Bogotá e de Me- dellín oferecem à popu- lação cinemateca, audi- tório, ludoteca, audiote- ca, salas para cursos pro- fissionalizantes, acesso livre à internet, emprés- timo de livros e de com- putadores e salas de leitura. Todas foram dese- nhadas por renomados arquitetos colombia- nos. Em Santo Domingo, as três pedras que es- tão no centro do Parque España representam o saber, a ciência e o conhecimento. Na prática, são parte de um projeto urbanístico integrado que deu à população a oportunidade de inclu- são que ela tanto esperava. O estudante Alexsander Medina, 18 anos, é um beneficiário dessa proposta. Ele vai à bibliote- ca ao menos duas vezes por semana para fazer as tarefas da escola e pesquisas em livros e na internet. “É bem satisfatório ter uma bibliote- ca perto de casa com essa qualidade. É uma op- ção que dão aos jovens que poderiam estar com as drogas”, opina. Para Alexsander, o equipa- mento só contribuiu para a melhoria social do bairro, que foi urbanizado e ganhou saneamen- to, calçamento, espaços de convivência e tele- féricos. A mesma transformação aconteceu em SanJavier, onde há o Parque Biblioteca Presbí- tero José Luís Arroyave. “Os jovens fazem da bi- blioteca seu ponto de encontro. Quando parti- cipam de atividades culturais, no clima de co- laboração e respeito, ficam livres do vício”, ga- rante a professora Martha Lucía Castilho, 46, que ensina numa escola pública do bairro. Em Bogotá, a biblioteca Manuel Zapata Oli- vella foi erguida no local do antigo lixão do bairro de El Tintal. O edifício, que foi totalmen- te recuperado e adaptado às novas funções, an- tes recebia caminhões que depositavam nele os resíduos sólidos da cidade. A estudante de pe- dagogia María Silva, 36,vai a cada oito dias pe- gar livros para ela e os filhos Juán, 6, e Catali- na, 2, e sempre aproveita para participar de al- guma atividade com eles. “Esse é um espaço de socialização que está permitindo que meus fi- lhos cresçam com vontade de aprender”, avalia. No Recife, as duas únicas biblio- tecas municipais que são abertas ao público geral - e não apenas a estudantes, já que a maioria está dentro de escolas - estão agonizan- do. As unidades de Afogados e Ca- sa Amarela possuem infraestrutu- ras física e de gestão ultrapassa- das. Para se ter uma ideia do aban- dono a que estão relegadas, a últi- ma vez que essas bibliotecas rece- beram livros novos foi em 2007. Os sintomas do descaso são tão fortes que o policial civil Ander- son de Almeida Guerra, 26, traba- lha em Afogados e nunca tinha en- trado na biblioteca . “Passo na fren- te todos os dias e pensei que esta- va desativada pelo mau estado de conservação”, testemunha. A uni- dade de Afogados, por sua vez, re- cebeu 12 computadores, em 2009, para a criação de um telecentro. As máquinas chegaram, mas a popu- lação nunca teve acesso a elas. Na avaliação de Marcos Galin- do, que também é professor do cur- so de biblioteconomia da UFPE, nossas bibliotecas municipais não cumprem uma função social. “O papel da biblioteca mudou. Antes, era apenas uma sala de leitura. Ho- je, é um aparelho de convivência social, um local onde as pessoas vão trocar experiências. Ela tem que oferecer serviços ao cidadão e estar conectada a escolas e à co- munidade”, explica. As bibliotecas colombianas es- tão alinhadas a essa lógica. Não por acaso, enquanto uma única unidade de Bogotá recebe 80 mil usuários por mês, as bibliotecas de Casa Amarela e Afogados, jun- tas, recebem 60 mil visitantes/ano. Uma renovação desse sistema pode começar por iniciativa do go- verno do estado. No ano passado, a secretaria de Agricultura e Re- forma Agrária confirmou que pre- tende transformar o Parque de Ex- posições do Cordeiro, na Zona Oes- te do Recife, em Espaço de Cidada- nia Parque do Cordeiro. Os 14,8 hectares do terreno serão dotados de infraestrutura que vai priori- zar a formação cidadã dos usuá- rios sem, no entanto, interferir na identidade do lugar. O projeto, ins- pirado na Colômbia, começa a sair do papel este ano. No alto do bairro de Santo Domingo, em Medellín, a biblioteca é um cartão-postal Em Bogotá e Medellín, bibliotecas de alta qualidade estão inseridas em parques públicos da periferia. No quarto dia da série Cidades possíveis, um passeio pela rede municipal de bibliotecas que, nessas cidades, levam cidadania à população de baixa renda cultura e lazer nas áreas mais vulneráveis Se tiram os Se livros de nós, li pegamos as p armas" ar Frase pichada em mur a o em S em an Javier, Medellín bibliotecas municipais agonizam no Recife Em Bogotá, uma biblioteca recebe 80 mil usuários por mês; A unidade de Afogados, 23 mil por ano Todos os meses, cada biblioteca de Bogotá e Medellín recebe de 300 a 400 livros novos. No Recife, o último repasse de livros que a prefeitura fez às duas bibliotecas populares foi em 2007 Somente em Medellín, o sistema abriga 30 bibliotecas. No Recife, existem apenas 2 bibliotecas públicas municipais ANA CLÁUDIA DOLORES [email protected] TEXTO e FOTOS: EDIÇÃO: LYDIA BARROS JULIO J A C OBINA /DP /D . A PRE SS

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No topo do morro, três pedras negras gi-gantes rasgam a paisagem dominadapor um amontoado de casebres popu-

lares. A primeira imagem que um visitante temquando chega na comunidade de Santo Domin-go, em Medellín, choca. E não é para menos. Aedificação rompe com o meio não só estetica-mente, mas cultural, social e urbanisticamen-te. Foi esse tipo de intervenção que as gestõesmunicipais decidiram fazer nas áreas mais po-bres da cidade. Modelo igual ao de Bogotá. Aspedras são, na verdade, o centro do Parque Bi-blioteca España, um conceito de biblioteca dealta qualidade inserida em parques públicos ecom serviços, que atendem diretamente as ne-cessidades dos seus usuários.

As bibliotecas em Bogotá e Medellín fazem par-te de uma rede municipal de bibliotecas como objetivo de resgatar e promover a cidadanianas áreas mais vulneráveis. O que as gestões fi-zeram foi redesenhar o modelo desses equipa-mentos públicos a fim de aproximar as pessoasda leitura e oferecer a elas atividades e serviçosde formação cultural e social. A fórmula, inclu-sive, é brasileira. Os colombianos dizem que,para elaborar o modelo deles, inspiraram-se noprojeto Farol do Saber, de Curitiba, que é umarede de pequenas bibliotecas distribuídas embairros da capital do Paraná. “Na Colômbia, elesdecidiram fugir do simplório e criaram verda-deiros símbolos sociais para não haver dúvidas

de que a sociedade resol-veu tomar um caminhodiferente”, traduz o dire-tor de gestão da informa-ção da Universidade Fe-deral de Pernambuco,Marcos Galindo.

As bibliotecas dos siste-mas de Bogotá e de Me-dellín oferecem à popu-lação cinemateca, audi-tório, ludoteca, audiote-ca, salas para cursos pro-fissionalizantes, acessolivre à internet, emprés-timo de livros e de com-

putadores e salas de leitura. Todas foram dese-nhadas por renomados arquitetos colombia-nos. Em Santo Domingo, as três pedras que es-tão no centro do Parque España representam osaber, a ciência e o conhecimento. Na prática,são parte de um projeto urbanístico integradoque deu à população a oportunidade de inclu-são que ela tanto esperava.

O estudante Alexsander Medina, 18 anos, é umbeneficiário dessa proposta. Ele vai à bibliote-ca ao menos duas vezes por semana para fazeras tarefas da escola e pesquisas em livros e nainternet. “É bem satisfatório ter uma bibliote-ca perto de casa com essa qualidade. É uma op-ção que dão aos jovens que poderiam estar comas drogas”, opina. Para Alexsander, o equipa-mento só contribuiu para a melhoria social dobairro, que foi urbanizado e ganhou saneamen-to, calçamento, espaços de convivência e tele-féricos. A mesma transformação aconteceu emSan Javier, onde há o Parque Biblioteca Presbí-tero José Luís Arroyave. “Os jovens fazem da bi-blioteca seu ponto de encontro. Quando parti-cipam de atividades culturais, no clima de co-laboração e respeito, ficam livres do vício”, ga-rante a professora Martha Lucía Castilho, 46, queensina numa escola pública do bairro.

Em Bogotá, a biblioteca Manuel Zapata Oli-vella foi erguida no local do antigo lixão dobairro de El Tintal. O edifício, que foi totalmen-te recuperado e adaptado às novas funções, an-tes recebia caminhões que depositavam nele osresíduos sólidos da cidade. A estudante de pe-dagogia María Silva, 36,vai a cada oito dias pe-gar livros para ela e os filhos Juán, 6, e Catali-na, 2, e sempre aproveita para participar de al-guma atividade com eles. “Esse é um espaço desocialização que está permitindo que meus fi-lhos cresçam com vontade de aprender”, avalia.

No Recife, as duas únicas biblio-tecas municipais que são abertasao público geral - e não apenas aestudantes, já que a maioria estádentro de escolas - estão agonizan-do. As unidades de Afogados e Ca-sa Amarela possuem infraestrutu-ras física e de gestão ultrapassa-das. Para se ter uma ideia do aban-dono a que estão relegadas, a últi-ma vez que essas bibliotecas rece-beram livros novos foi em 2007.

Os sintomas do descaso são tãofortes que o policial civil Ander-son de Almeida Guerra, 26, traba-lha em Afogados e nunca tinha en-trado na biblioteca . “Passo na fren-te todos os dias e pensei que esta-va desativada pelo mau estado deconservação”, testemunha. A uni-dade de Afogados, por sua vez, re-cebeu 12 computadores, em 2009,para a criação de um telecentro. Asmáquinas chegaram, mas a popu-lação nunca teve acesso a elas.

Na avaliação de Marcos Galin-do, que também é professor do cur-so de biblioteconomia da UFPE,nossas bibliotecas municipais nãocumprem uma função social. “Opapel da biblioteca mudou. Antes,era apenas uma sala de leitura. Ho-je, é um aparelho de convivênciasocial, um local onde as pessoasvão trocar experiências. Ela temque oferecer serviços ao cidadão eestar conectada a escolas e à co-munidade”, explica.

As bibliotecas colombianas es-tão alinhadas a essa lógica. Nãopor acaso, enquanto uma únicaunidade de Bogotá recebe 80 milusuários por mês, as bibliotecas

de Casa Amarela e Afogados, jun-tas, recebem 60 mil visitantes/ano.

Uma renovação desse sistemapode começar por iniciativa do go-verno do estado. No ano passado,a secretaria de Agricultura e Re-forma Agrária confirmou que pre-tende transformar o Parque de Ex-posições do Cordeiro, na Zona Oes-te do Recife, em Espaço de Cidada-nia Parque do Cordeiro. Os 14,8hectares do terreno serão dotadosde infraestrutura que vai priori-zar a formação cidadã dos usuá-rios sem, no entanto, interferir naidentidade do lugar. O projeto, ins-pirado na Colômbia, começa a sairdo papel este ano.

No alto do bairro de SantoDomingo, em Medellín, abiblioteca é um cartão-postal

Em Bogotá e Medellín, bibliotecas de alta qualidadeestão inseridas em parques públicos da periferia. No

quarto dia da série Cidades possíveis, um passeio pelarede municipal de bibliotecas que, nessas cidades,

levam cidadania à população de baixa renda

cultura e lazernas áreas mais

vulneráveis

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bibliotecas municipaisagonizam no Recife

Em Bogotá, uma biblioteca recebe 80 mil usuáriospor mês; A unidade de Afogados, 23 mil por ano

Todos os meses, cada

biblioteca de Bogotá

e Medellín recebe de

300 a 400 livros

novos. No Recife,

o último repasse

de livros que a

prefeitura fez às duas

bibliotecas populares

foi em 2007

Somente em

Medellín, o sistema

abriga 30 bibliotecas.

No Recife, existem

apenas 2 bibliotecas

públicas municipais

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