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RIVAIL VANIN DE ANDRADE
O PROCESSO DE PRODUO DOS PARQUES E BOSQUES PBLICOS DE CURITIBADissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre, pelo Curso de PsGraduao em Geografia - rea Produo do Espao Urbano Regional, do Setor de Cincias da Terra da Universidade Federal do Paran. Orientador: Prof. Dr. Francisco A. Mendona
CURITIBA 2001
TERMO DE APROVAO
RIVAIL VANIN DE ANDRADE
O PROCESSO DE PRODUO DOS PARQUES E BOSQUES PBLICOS DE CURITIBA
Dissertao aprovada como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre no Curso de Ps-Graduao em Geografia, Setor de Cincias da Terra, Universidade Federal do Paran, pela seguinte banca examinadora:
Orientador:
Prof. Dr. Francisco de Assis Mendona Departamento de Geografia, UFPR
Prof. Dr. Yara Vecentini Departamento de Arquitetura, UFPR
Prof. Dr. Leonardo Jos Cordeiro Santos Departamento de Geografia, UFPR
Com obteno do conceito A, nota 10 (dez), com meno de distino.
Curitiba, 15 de agosto de 2001. 1
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco de Assis Mendona, pelas crticas que propiciaram uma nova abordagem sobre o assunto, pelo acompanhamento e pela reviso do estudo sem, contudo, interferir de forma a descaracterizar meu texto, sabendo respeitar a minha individualidade e forma de pensar. Aos meus amigos que souberam compreender os encontros a que no pude ir, as festas a que faltei e a minha freqente ausncia nos encontros. A minha famlia que sempre me incentivou e, principalmente, a minha me pelo lanchinhos quando as horas j avanavam madrugada a dentro. No entanto, devo agradecer de forma muito especial a minha futura esposa, Adriana Rita Tremarin, a quem dedico este trabalho. Sem os seus constantes incentivos, a sua sempre freqente ajuda, os seus conselhos, o seu apoio e, acima de tudo, o seu amor, no teria sido possvel chegar ao trmino deste trabalho.
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SUMRIO
Introduo................................................................................................................ Fundamentos tericos.................................................................................... Caracterizao da rea de estudo................................................................. CAPTULO 01........................................................................................................... 1. O VERDE E A CIDADE.............................................................................. 1.1 Consideraes iniciais sobre o meio ambiente urbano.................. 1.2 reas verdes: uma abordagem conceitual..................................... 1.2.1 Conceito de reas verdes a partir do Plano Preliminar de Urbanismo............................................................................. 1.3 A funo das reas verdes nos centros urbanos........................... CAPTULO 02........................................................................................................... 2. O PAPEL DE PARQUES E BOSQUES NA HISTRIA DA PRODUO DO ESPAO URBANO DE CURITIBA.......................................................... 2.1 O processo de produo de parques e bosques pblicos em um perodo de concepes sanitaristas..................................................... 2.2 O processo de produo de parques e bosques pblicos em um perodo de administrao tecnocrata................................................... 2.3 O processo de produo de parques e bosques pblicos em um perodo de promoo do City Marketing.............................................. CAPTULO 03........................................................................................................... 3. PARQUES E BOSQUES PBLICOS DE CURITIBA/PR: DISTRIBUIO ESPACIAL, VALORIZAO IMOBILIRIA E CRIAO DE IDENTIDADE CULTURAL.............................................................................. 3.1 Diferenas entre o adensamento espacial de parques e bosques pblicos da regio norte e da regio sul de Curitiba............................ 3.2 Parques e bosques pblicos de Curitiba/Pr: os cursos dgua como definidores de localizao........................................................... 3.3 A valorizao imobiliria no entorno dos parques e bosques pblicos de Curitiba/Pr.............................................................................. 3.4 A relao entre agentes privados e a criao dos parques e bosques pblicos de Curitiba/Pr........................................................... 3.5 Apropriao da imagem dos parques e bosques pblicos de Curitiba/Pr por parte das administraes polticas.................................... 3.6 Manipulao dos ndices de reas verdes de Curitiba/Pr.............. Consideraes finais.............................................................................................. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................
1 4 12 18 18 18 20 22 26 30 30 33 40 60 84
84 84 98 101 105 107 112 117 123
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Roteiro metodolgico............................................................................ Figura 02 Localizao de Curitiba em relao ao Brasil, ao Paran e Regio Metropolitana.........................................................................................
11 13
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LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Tabela 02 Tabela 03 Tabela 04 Tabela 05 Tabela 06 Tabela 07 -
Linha cronolgica dos mandatos polticos e data da implantao dos parques e bosques em Curitiba............................................................ Perfil dos parques e bosques pblicos de Curitiba............................... rea, populao e densidade populacional por bairros da poro norte de Curitiba.................................................................................... rea, populao e densidade populacional por bairros da poro sul de Curitiba............................................................................................. Renda mediana do chefe de famlia em salrios mnimos por bairros de Curitiba............................................................................................. reas e percentuais dos parques e bosques pblicos de Curitiba...... rea total dos parques e bosques pblicos de Curitiba em relao as pores norte e sul de Curitiba........................................................
32 76 89 90 93 95 96
iii
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 Mapa 02 Mapa 03 Mapa 04 mapa 05 Mapa 06 Mapa 07 Mapa 08 Mapa 09 Mapa 10 -
Rede hidrogrfica de Curitiba............................................................... Plano Agache........................................................................................ reas de Proteo Ambiental............................................................... Localizao espacial dos parques e bosques pblicos de Curitiba..... Proposta de diviso de Curitiba em pores norte e sul...................... Populao por bairros de Curitiba - 1996............................................. Densidade populacional por bairros de Curitiba - 1996........................ Renda mediana do chefe de famlia em salrios mnimos por bairros de Curitiba - 1991.................................................................................. Monitoramento das reas verdes de Curitiba Parques e bosques pblicos e rede hidrogrfica de Curitiba...............
16 36 52 77 88 91 92 94 97 100
iv
LISTA DE PRANCHAS
Prancha 01 Prancha 02 Prancha 03 Prancha 04 Prancha 05 Prancha 06 Prancha 07 Prancha 08 -
Portais de logradouros pblicos de Curitiba......................................... Rplicas de igrejas em parques e bosques pblicos de Curitiba......... Formaes lacustres em parques pblicos de Curitiba........................ Alguns memoriais culturais de Curitiba................................................. Alguns elementos em estrutura de madeira da identidade arquitetnica de Curitiba...................................................................................... Alguns elementos em estrutura metlica da identidade arquitetnica de Curitiba............................................................................................. Tipologia construtiva antes e aps a implantao do Parque Tingi... Logomarcas da Prefeitura Municipal de Curitiba e do Governo do Estado do Paran, durante administraes do grupo poltico de Jaime Lerner..............................................................................................
78 79 80 81 82 83 104
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SIGLAS
APA............................ rea de Proteo Ambiental ARENA....................... Aliana Renovadora Nacional BADEP....................... Banco de Desenvolvimento do Estado do Paran BNH........................... Banco Nacional da Habitao CIC............................. Cidade Industrial de Curitiba CODEPAR................. Companhia de Desenvolvimento Econmico do Paran COMEC...................... Coordenao da Regio Metropolitana de Curitiba COPLAC.................... Comisso de Planejamento de Curitiba ETA............................ Estao de Tratamento de gua ETE............................ Estao de Tratamento de Esgoto IBGE.......................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IPARDES................... Instituto Paranaense de Desenvolvimento IPPUC........................ Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IPTU........................... Imposto Territorial Urbano MDB........................... Movimento Democrtico Brasileiro PAVOC...................... Parque Aqutico e Vila Olmpica de Curitiba PMC........................... Prefeitura Municipal de Curitiba PMDU........................ Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano SAGMACS................. Sociedade de Anlises Grficas e Mecanogrficas Aplicadas aos Complexos Sociais SMCS......................... Secretaria Municipal de Comunicao Social SMMA........................ Secretaria Municipal do Meio Ambiente OMS........................... Organizao Mundial da Sade ONU........................... Organizao das Naes Unidas URBS......................... Companhia de Urbanizao e Saneamento de Curitiba
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Em 1854, o presidente dos Estados Unidos fez uma oferta aos ndios para a compra de uma grande extenso de suas terras, oferecendo, em troca a concesso de uma outra reserva para o povo indgena. A resposta do chefe ndio, um dos mais belos pronunciamentos j feitos em defesa do meio ambiente. Sua antiguidade - data de mais de um sculo - converte-a em uma pea de sabedoria proftica sobre os problemas ecolgicos. Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou mesmo o calor da terra? Essa idia desconhecida para ns. Se no somos donos do frescor do ar nem do fulgor das guas, como podero ser comprados? Cada poro desta terra sagrada para o meu povo. Cada brilhante mata de pinheiros, cada gro de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada colina e at o som de cada inseto, tudo sagrado memria e ao passado de meu povo. Os mortos do homem branco esquecem seu pas de origem quando empreendem seus passeios entre as estrelas; nossos mortos, no entanto, nunca podem esquecer esta bondosa terra, pois que a me dos peles vermelhas. Somos parte da terra, assim como ela parte de ns. As flores perfumadas so nossas irms; o veado, o cavalo, a grande guia, estes so nossos irmos. Os escarpados penhascos, os midos prados, o calor do corpo do cavalo e o homem, todos pertencemos mesma famlia. Por tudo isso, quando o grande chefe de Washington nos envia a mensagem de que precisa comprar nossas terras, nos est pedindo demasiado. Tambm nos diz o Grande Chefe que nos reservar um lugar no qual possamos viver confortavelmente entre nosso povo. Ele se converteria em nosso pai e ns em seus filhos. Por isso consideremos sua oferta para comprar nossas terras. Se lhe vendermos as terras, devem ensinar a seus filhos que so sagradas. Os rios so nossos irmos e tambm so seus, portanto, devem trat-los com a mesma doura com que se trata um irmo. Sabemos que o homem branco no compreende nosso modo de vida. Ele no sabe distinguir entre um pedao de terra e outro, j que um estranho que chega de noite e toma da terra o que necessita. A terra no sua irm e sim sua inimiga. No sei, mas nossa forma de vida diferente da de vocs. A simples vista de suas cidades aflitiva aos olhos do ndio. Mas isso talvez seja porque o ndio um selvagem e no compreende nada. No existe um lugar tranqilo na cidade do homem branco nem um lugar onde ouvir como se abrem as folhas das rvores na primavera ou como adejam os insetos. O barulho somente parece insultar nossos ouvidos. E depois de tudo, para que serve a vida se o homem no pode escutar o grito solitrio do noitib. Ns preferimos o murmrio do vento na superfcie do lago e o seu perfume identificado pela chuva do meio dia, O ar tem um valor inestimvel para o pele vermelha, j que todos os seres compartilham o mesmo,alento; a besta, a rvore, o homem, todos respiramos o mesmo ar. O homem branco parece no ter conscincia do ar que respira; como um moribundo que agoniza durante muitos dias, insensvel ao ftido odor. Mas se lhe vendermos nossas terras, devem recordar que para ns o ar inestimvel. Sou um selvagem e no compreendo outra forma de vida. Vi milhares de bfalos apodrecendo nos prados, mortos a tiros pelo homem branco de um trem em marcha. Sou um selvagem e no compreendo como uma mquina fumegante pode importar mais do que bfalo, que no matamos somente para sobreviver. Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem tambm morreria de uma grande solido espiritual. Porque o que quer que suceda aos animais, tambm suceder ao homem. Tudo est entrelaado. Tudo quanto ocorre terra ocorrer aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, cospem sobre si mesmos. A terra no pertence ao homem: o homem pertence a terra. Tudo est entrelaado. Tudo o que ocorrer a terra ocorrer aos filhos da terra. O homem no teceu a trama da vida. Ele somente um fio. O que ele faz com a trama ele o faz a si mesmo. Onde est a floresta espessa? Destruda. Onde est a guia? Desapareceu. Termina a vida e comea a sobrevivncia.
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RESUMO
A partir da Revoluo Industrial do sculo XVIII, as cidades tornaram-se elementos cada vez mais constantes, ampliando sua rea ocupada e seus impactos sobre a natureza. Com a urbanizao, e a conseqente diminuio das reas verdes, houve o aparecimento de inmeros problemas decorrentes da ausncia desses espaos e, conseqentemente, regies que contavam com maior cobertura vegetal comearam a ser associadas maior qualidade de vida. As reas verdes, conforme seu volume, distribuio, densidade e tamanho, podem interferir no entorno imediato de diversas maneiras. Dentro dos centros urbanos, as reas verdes tm por finalidade a melhoria da qualidade de vida pela criao de reas de lazer, paisagismo, preservao ambiental, preservao das reas de fundo de vale, dos recursos hdricos e da qualidade da gua, encontros sociais, atenuao da paisagem urbana, disciplinarizao do uso do solo, valorizao imobiliria, manuteno e regulao do equilbrio climtico, minimizao da poluio, proteo acstica, conforto psicolgico, atuao sanitria e preservao da fauna e flora entre outros. Tendo em vista a associao entre qualidade de vida e reas verdes, a prefeitura da cidade de Curitiba tem adotado, durante os ltimos trinta anos, um modelo de gesto municipal que explorar a imagem de cidade-ecolgica. Como resultado desse projeto, Curitiba tida pela mdia nacional e internacional, como a cidade brasileira que melhor equacionou o binmio desenvolvimento urbano/meio ambiente e como tal, detentora do ttulo de cidade modelo, principalmente pela criao de parques e bosques. Embora Curitiba possua uma grande quantidade de parques e bosques, e uma boa relao entre rea verde/populao, existem aspectos que devem ser levados em considerao na anlise da poltica ambiental da cidade: 1. Quase a totalidade dos parques e bosques pblicos esto localizados na poro norte de Curitiba, enquanto que a poro sul, mais populosa e mais carente, quase no conta com reas verdes. 2. A maior parte dos parques possui lagos em seu interior objetivando a amenizao dos impactos das enchentes. Essa caracterstica, fornece implantao dessas reas um carter sanitrio. 3. Os terrenos localizados no entorno dos parques e bosques vm recebendo inmeros empreendimentos imobilirios de alto padro, que acabam seletivizando essas reas e promovendo segregao scio-espacial pela valorizao dos imveis. 4. O grupo poltico que tem predominado desde a dcada de 70 vem utilizando intensamente a poltica ambiental para a sua promoo e da cidade. Os parques recebem elementos arquitetnicos e temticos que visam associar Curitiba com as cidades do Primeiro Mundo. A venda dessa imagem de cidade bem resolvida, atrai investimentos nos mais diversos setores e uma unanimidade e complacncia de seus cidados perante os produtos ofertados. Desse modo, a criao de reas verdes em Curitiba possui alguns elementos marcantes, presentes em quase todos os parques e bosques pblicos, so eles: a grande interferncia dos agentes imobilirios, a valorizao do entorno, o carter esttico e de marketing, o uso para promoo do grupo poltico e da cidade e o aspecto sanitarista.
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ABSTRACT
Since the Industrial Revolution in the century XVIII, the cities had become more frequent elements each time, extending its area and its impacts on the nature. With the urbanization, and the consequent reduction of the green areas, many problems occurred due to the absence of these spaces and, consequently, regions that counted on bigger vegetal covering started to be associated to the biggest quality of life. The green areas, as its volume, distribution, density and size, can intervene with immediate environment in diverse ways. Inside urban centers, the green areas have the purpose of improving the quality of life, through creation of pleasure areas, landscaping, ambient preservation, preservation of the areas of deep of valley, of the hydric features and the water quality, social meeting, attenuation of the urban landscape, disciplining the ground use, real estate valuation, maintenance and regulation of the climatic balance, minimization of the pollution, protection acoustics, psychological comfort, sanitary performance and preservation of the fauna and flora among others. In view of the association between quality of life and green areas, the city hall of Curitiba has adopted, during last the thirty years, a model of municipal management that explore the picture of an ecological city. As result of this design, Curitiba is known by the national and international media, as the Brazilian city that better equated the binomial surrounding urban/environment development. It is also known as having the city heading model, mainly for the creation of parks and forests. Although Curitiba possesses a great amount of parks and forests, and a good relation between green area/population, aspects exist that must be taken in consideration in the analysis of the ambient politics of the city: 1. Almost all of the parks and public forests is located in the north portion of Curitiba, while that the south portion, more populous and more devoid, almost does not count on green areas. 2. Most of the parks possess lakes in its inward objectifying the amenization of the impacts of floods. This feature, supplies to the implantation of these areas a sanitary character. 3. The lands located in neighborhood of the parks and forests receive innumerable high standard real estate investment, causing a selective increase of value, concentrating richer people in those areas. 4. The politician group that has predominated since the decade of 70 intensely used the ambient politics for its self-promotion and the citys. The parks receive architectonic thematic elements and that they aim associating Curitiba to First World cities. This picture of well decided city marketing, attracts investments in the most diverse sectors and also creates an unanimity and agreement of its citizens to the offered products. This way, the creation of green areas in Curitiba displays some outstanding elements, present in almost all the parks and public forests. They are: the great interference of the real estate agents, the valuation of surrounding areas, the aesthetic character and of marketing, the use for promotion of the group politician and the city, and the sanitarist aspect.
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1Introduo
Como principal produto da transformao da natureza pelo homem esto as cidades, que geram impacto direto e imediato no meio ambiente, consistindo na mudana paisagstica, substituindo o cenrio expressivo da cobertura vegetal pelo do casario e ruas com aglutinao de um contingente populacional (CHRISTOFOLETTI, 1994 p. 131). As cidades, habitat do ser humano, so construdas inicialmente de forma a tentar criar espaos mais propcios para a sociedade humana. No entanto, as conseqncias indiretas dos impactos no meio ambiente no so planejadas nem previstas, sendo catalogadas como indesejveis tanto social como economicamente (CHRISTOFOLETTI, 1994 p. 132). A interveno do homem sobre o meio ambiente acelerou em progresso geomtrica a partir da Revoluo Industrial do sculo XVIII, quando as cidades tornaram-se elementos cada vez mais constantes, ampliando sua rea ocupada e seus impactos sobre a natureza. J no sculo XX, houve a transformao definitiva de um mundo rural em um mundo urbano. Os interesses dos agentes econmicos, sociais, culturais e polticos transformaram as cidades em espaos hostis natureza, afetando a estabilidade do ecossistema do qual depende a sobrevivncia humana. Os impactos ambientais, promovidos pelas cidades, no se do de forma igual na sua distribuio geogrfica, na sua intensidade ou nos seus efeitos. Cidades mais industrializadas tero um consumo maior de energia e, conseqentemente, sofrero mais com a poluio dos derivados desse consumo, tais como gases e resduos slidos. Cidades com ocupao em reas de mananciais e leitos de rios, e com baixa rea de permeabilizao, tero constantes problemas com o abastecimento de gua e inundaes. Enfim, os impactos ambientais sero diferenciados conforme o stio em estudo, mas eles sempre existiro em maior ou menor escala. Face aos problemas ambientais promovidos pelas cidades, e considerando a dependncia do homem ao ecossistema, torna-se impretervel que as aes de planejamento urbano-regional considerem as caractersticas do meio fsico e da produo
2 humana atravs de estudos cientficos que forneam elementos para os programas de desenvolvimento econmico e social de forma sustentvel.Parece evidente que a funo do planejamento na gesto ambiental absolutamente necessria para orientar a localizao das atividades produtivas no territrio e ordenar a utilizao dos recursos naturais com a perspectiva de no exaurir estes recursos e inviabilizar as condies para a continuidade da expanso econmica e a busca da qualidade de vida (BARONI apud MENEZES, 1996 p. 24).
Ainda em MENEZES (1996 p.15), encontra-se a citao de SACHS-JEANTEL que diz que o planejamento urbano-regional deve Encontrar formas concretas de harmonizar os critrios de eqidade social, sustentabilidade ecolgica, eficcia econmica, aceitabilidade cultural e distribuio espacial equilibrada das atividades e dos assentamentos humanos. De acordo com os autores acima, as reas verdes, dentro dos centros urbanos, tm por finalidade a melhoria da qualidade de vida pela criao de reas de lazer, preservao ambiental, preservao das reas de fundo de vale, preservao da qualidade da gua, encontros sociais, atenuao da paisagem urbana, disciplinarizao do uso do solo, valorizao imobiliria, manuteno e regulao do equilbrio climtico, entre outros. Geralmente a produo desses espaos est mais subordinada a questes tcnicas, econmicas e polticas do que a questes sociais e naturais, como aponta PEREIRA LEITE (1993, p.140) as prticas do urbanismo, porm, de modo geral no fazem uso desse conjunto de caractersticas naturais e sociais de um lugar - da natureza desse lugar - para avaliar, selecionar, emitir juzo ou implantar concepes de organizao urbana, mas parecem procurar perpetuar, numa atitude temerria, a reproduo de modelos parciais, generalizantes e dogmticos. As relaes entre a natureza e a cidade tornam-se cada dia mais interdependentes; alteraes na produo urbana atingem diretamente a natureza, que responsvel pelo fornecimento de energia e matria-prima para as atividades urbanas. No entanto, a maior parte dos planos urbanos elaborados perpetua a dissociao entre a cidade e o natural. Essas interaes do meio urbano com o meio natural, e a desarticulao desses sistemas nas propostas de planejamento urbano, seja por questes econmicas,
3 polticas ou tcnicas, conduzem ao objetivo central desta pesquisa, que analisa como ocorreu o processo de produo das reas verdes na cidade de Curitiba-PR que , provavelmente, a capital brasileira que mais explora a imagem da qualidade de vida associada ao planejamento de reas verdes. Considerada Cidade Modelo, Curitiba tem sua imagem repercutida em mbito nacional e internacional como a capital brasileira que superou os problemas urbanos conseqentes da concentrao populacional dos grandes centros. Com algumas idias inovadoras, que revolucionaram as formas urbanas e a estruturao espacial da cidade, a partir da elaborao do atual Plano Diretor nos anos 60, Curitiba passa a ser reconhecida como uma cidade de sucesso em planejamento urbano. Durante a implantao do novo modelo urbanstico, uma das preocupaes bsicas foi equipar a cidade com reas de lazer tais como parques, bosques, praas e reas pblicas ajardinadas, objetivando criar espaos que refletissem qualidade de vida urbana. A partir da dcada de 70, comeam a ser criados na cidade inmeros parques e bosques. A questo ambiental ganha status e passa a ser incorporada ao discurso poltico. Em sua posse como prefeito municipal, em 1971, Jaime Lerner afirmava: Realce especial ser dado recreao (...) construo de novas praas e de grandes parques, preservao das reas verdes expressivas, execuo de um plano de arborizao da cidade e uma poltica de ocupao de solo, destinada a coibir o processo de intensificao da poluio do ar e da gua (LERNER apud MENEZES 1996, p. 102). Se os primeiros parques de Curitiba tinham uma funo primordialmente estrutural, como a conteno de enchentes, a partir da terceira administrao do prefeito Jaime Lerner (1989-92), e da administrao do prefeito Rafael Greca (1993-96) na seqncia, os parques passam a ter, principalmente, um carter emblemtico, smbolos arquitetnicos a favor da promoo poltica. Nos anos que seguiram implantao do Plano Diretor, a forma de produo da cidade foi, gradualmente, sofrendo mudanas; hoje o marketing um importante elemento definidor de polticas urbanas, caracterizando a supremacia da imagem sobre a funo.
4 Para esmiuar a investigao e delimitao do problema principal desta pesquisa, que avaliar como os parques e bosques pblicos se inserem no processo de produo do espao urbano de Curitiba, sero analisados vrios aspectos histrico, poltico, econmico e espacial abordados na seqncia: O captulo 01 serve de base terica conceitual. Inicialmente so feitas consideraes gerais sobre o meio ambiente urbano e discutidos conceitos sobre reas verdes, em seguida so explicitadas algumas funes das reas verdes nos centros urbanos. O captulo 02 avalia como as reas verdes foram inseridas nos sucessivos modelos urbano-polticos da cidade de Curitiba, identifica os principais agentes atuantes na sua produo e os fatores determinantes de sua criao. Partindo do pressuposto que o principal agente na produo dos parques e bosques o poder pblico, resgatada parte da histria poltica da cidade, avaliando como cada administrao pblica se apropriou do verde em sua gesto. O captulo 02 um resgate histrico, descreve as diferenas que ocorreram no processo de produo dos parques e bosques pblicos da cidade. O captulo 03 analisa as reas verdes de uma forma global, identificando elementos padres na produo dos parques e bosques pblicos. So apresentados fatores que determinaram as diferenas de espacializao e adensamento dos parques e bosques pblicos de Curitiba nas regies norte e sul, tambm analisada a relevncia dos cursos de gua para a definio do local de implantao dessas reas verdes, bem como, a valorizao imobiliria ocorrida no entorno desses espaos e os grupos beneficiados.
Fundamentos tericos Para que se atinja este objetivo adotada uma fundamentada no materialismo histrico. Essa linha filosfica tem como um dos seus principais pilares a anlise histrica, ou seja, todo o fenmeno ou evento s pode ser compreendido por meio da percepo crtica do seu processo de formao (como surgiu, que agentes contriburam para sua formao, qual era o contexto econmico-poltico-social, que foras antagnicas atuaram no seu surgimento etc), pois segundo MORAES (1994 p. 52) o marabordagem metodolgica
5 xismo: alm da lgica dialtica e da postura materialista, o marxismo trabalha com a anlise histrica, isto , para ele qualquer fenmeno s pode ser explicado quando apreendido em sua gnese, em seu desenvolvimento. ABREU, (1994, p.270), refora a importncia do resgate do processo histrico pelos gegrafos. a partir desses pressupostos tericos, e atrados pelas transformaes radicais por que tm passado as cidades brasileiras (e em especial as metrpoles nacionais) nos ltimos 100 anos, que alguns gegrafos tm dedicado especial ateno recuperao do processo histrico subjacente a essas mesmas transformaes, pretendendo com isto resgatar toda a complexidade subjacente ao processo de produo contnua do espao urbano (ABREU, 1994 p. 270).
Na Geografia Crtica, o espao geogrfico compreendido como um produto de relaes contraditrias da acumulao de capital, isto , a forma como a sociedade interage que vai definir o espao. Portanto o espao dinmico e se altera conforme se alteram as relaes entre os agentes produtores (Estado, proprietrios de terra, incorporadores, trabalhadores, sociedade civil e outros). O espao acaba incorporando as contradies das classes em determinado momento, na medida em que condio e resultado das atividades sociais. Como esclarece MORAES (1994 p.57) nosso objetivo dever ser um processo social referido ao espao terrestre, logo, nossa teorizao dever se inscrever dentro de uma teoria geral da sociedade. Em outras palavras, a Geografia Crtica no aceita a autonomia do espao, o espao materialidade social, produzido pelo trabalho do homem e pela sociedade da qual faz parte. ABREU (1994 p.257) refora essa opinio:J que produto da sociedade, o espao geogrfico ir refletir, obviamente, tanto a sua estrutura como a sua dinmica. Em outras palavras, como da sociedade que espao geogrfico recebe sua forma e seu contedo, a sua compreenso total s ser possvel se estiver acoplada a compreenso da sociedade. Esta, por sua vez, no imutvel . Da, toda a compreenso que obtenhamos do espao ser sempre (e necessariamente) historicamente determinada, isto , estar sempre relacionada ao grau de desenvolvimento a que chegaram, nesta sociedade, as foras produtivas, as relaes de produo e a cultura (ABREU, 1994, p. 257).
No caso de Curitiba, a grande articulao da municipalidade com os principais grupos econmicos da cidade tem conseguido elaborar polticas que visam atender, principalmente, aos interesses de promoo poltica do grupo no poder, aos interes-
6 ses econmicos dos setores imobilirios e de transporte e tecnocracia de uma pequena parcela de urbanistas. Talvez poucas administraes pblicas tenham conseguido articular com tamanha maestria um projeto poltico que atende aos anseios das elites e, simultaneamente, tem apoio to intenso da populao. Tem-se, em Curitiba, um processo de produo do espao geogrfico onde os agentes produtores pouco conflitam entre si; de um lado as elites que se beneficiam com as polticas de valorizao imobiliria, e de outro a populao civil que, sem perceber que prejudicada, acaba por apoiar e perpetuar no poder os grupos que to bem articulam estas relaes. Exemplo notvel dessa articulao entre o poder pblico e a iniciativa privada pode ser observado no processo de produo dos ltimos parques de Curitiba, como ser visto nos captulos 2 e 3. Para uma melhor compreenso desse processo so abordadas algumas reflexes tericas para compreender como os chamados espaos livres, entre eles as reas verdes pblicas, so incorporados pelo modo capitalista. Na concepo do filsofo e socilogo francs Henri LEFEBVRE, o espao, produzido pelas relaes sociais, guarda uma contradio que prpria do sistema capitalista, por isso, identifica nele duas dimenses: a primeira, que denomina espao abstrato, a exteriorizao das prticas econmicas e polticas entre as classes com o Estado; a segunda, denominada espao social, o espao dos valores de uso produzido pelas interaes da vida cotidiana (GOTTDIENER, 1977 p. 131). Segundo o prprio LEFEBVRE:O espao no apenas econmico, onde todas as partes so intercambiveis e tem valor de troca. O espao no apenas um instrumento poltico para homogeneizar todas as partes da sociedade. Ao contrrio... O espao continua sendo um modelo, um prottipo permanente do valor de uso que se ope s generalizaes do valor de troca na economia capitalista sob a autoridade de um Estado homogeneizador. O espao um valor de uso, mas ainda assim tempo ao qual ele est, em ltima anlise, vinculado, porque tempo nossa vida, nosso valor de uso fundamental. O tempo desapareceu no espao social da modernidade (apud GOTTDIENER, 1977 p. 132).
Segundo esta formulao, o espao reproduz os conflitos sociais gerados pelos interesses econmicos de acumulao, que so inerentes ao capitalismo, em detrimento dos interesses coletivos. Desse modo, o espao social torna-se, historicamente, fragmentado e segregado.
7 Apesar desta constatao, LEFEBVRE defende a autonomia do espao, em contraposio ao pensamento estruturalista de Manuel CASTELLS. Para o primeiro, a apreenso da lgica de produo do espao pode servir ao movimento de revoluo social. Para LEFEBVRE, segundo GOTTDIENER (1977):A questo do controle sobre as relaes e o desing espaciais, portanto, tem para a sociedade a mesma importncia revolucionria que a luta pelo controle dos outros meios de produo, porque tanto as relaes de posse quanto as de exteriorizao material isto , a produo do espao esto unidas nas relaes de propriedade que formam a essncia do modo de produo capitalista (p. 129).
Fundamental na teorizao de LEFEBVRE a considerao pelo tempo histrico na produo do espao, principalmente do espao urbano, sendo os processos histricos responsveis pela materializao espacial das relaes sociais:A cidade tem uma histria; ela a obra de uma histria, isto , de pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa obra nas condies histricas. [...] Se se considera a cidade como obra de certos agentes histricos e sociais, isto leva a distinguir a ao e o resultado, o grupo (ou os grupos) e seu produto. Sem com isso separ-los. No h obra sem uma sucesso regulamentada de atos e de aes, de decises e de condutas, sem mensagens e sem cdigos. Tambm no h obra sem coisas, sem uma matria a ser modelada, sem uma realidade prtico-sensvel, sem um lugar, uma natureza, um campo e um meio (LEFEBVRE, 1991 p. 47 e 48).
A partir dessa concepo da cidade como obra histrica das relaes sociais, possvel considerar o modo como os espaos livres, resqucios de uma natureza sem transformaes antrpicas diretas, so inseridos na atual lgica de produo do espao urbano. Segundo Milton SANTOS (1997 p. 188): Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exerccio da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condies naturais que constituam a base material da existncia do grupo. No perodo primitivo da histria, conforme a citao, a natureza dominava amplamente a superfcie terrestre e era, por isso, abundante em recursos. No entanto, medida que a tcnica evoluiu, a natureza passou a sofrer transformaes em ritmo crescente, mais ainda quando o desenvolvimento levou industrializao e urbanizao como formas de acumulao de capital.
8Assim o homem, circunscrito neste contexto (capitalismo e modernidade), se definiria pela razo, a razo pela tcnica, a tcnica pela produo, a produo pelos objetos, os objetos pelo consumo e o consumo pela necessidade. Portanto, neste contexto e nesta lgica, se o homem possui necessidades, necessita produzir e logicamente se utiliza da fonte ltima dos seus bens: a natureza (SCARIM, 1999 p. 172-3).
Ainda segundo SCARIM (1999), o meio natural, que antes era dominante, a partir deste perodo, em que as cidades ressurgem e se expandem por causa das fbricas, tornar-se cada vez menos extenso: Durante as primeiras fases da industrializao, no feita nenhuma aluso aos elementos livres (gua, ar), pois abundantes, eles no tinham valor de troca, no tinham trabalho incorporado. Hoje, a pureza e a qualidade destes elementos livres esto se tornando raros (p. 175). Atualmente essa raridade, que no possua valor para o mercado capitalista, na paisagem urbana-industrial adquire valor de troca pelo acesso restrito e torna-se mercadoria para o consumo, conforme SANTANA (1999):O que abundante e o que passa a ser raro se redefine sob a lgica da acumulao capitalista enquanto necessidade de reproduo do capital. Deixando de ser bem livre, disponvel a todos, as desigualdades sociais so reforadas, pois passa a ser regido por leis de propriedade. Quanto mais raro um bem, e mais demandado for, maior seu valor de troca, assim mais diferenciada ser a apropriao deste bem. As novas raridades so adotadas estrategicamente. [...] A condio da dignidade do homem e da vida na cidade como um todo acaba sendo desigual. Uma desigualdade estabelecida pelas desigualdades sociais em termos de apropriao para o uso e pelos conflitos sociais, econmicos e polticos (p. 178).
Nessa condio, os bens naturais so restritos ao uso de quem pode assumir seu valor de troca. No caso especfico das reas verdes pblicas, que propriamente no podem ser adquiridas pelo capital privado, esses interesses podem ser exemplificados pela negociao dos lotes do entorno de um parque ou bosque, ou pela apropriao que as vantagens locacionais da proximidade com uma destas reas pode oferecer, ou ainda pela explorao de seus atrativos pelo turismo local. No caso especfico do mercado imobilirio, tais vantagens so incorporadas ao valor dos imveis como renda diferencial, que corresponde parcela de valor agregado pela instalao de algum equipamento ou realizao de alguma benfeitoria pelo poder pblico (VILLAA, 1998). Nesta condio, grupos sociais so segregados num movimento que corresponde teoria marxista de renda da terra e localizao.
9 A mercantilizao dos espaos livres no meio urbano refora a idia do quarto domnio das relaes sociais sobre o espao, identificado por LEFEBVRE, segundo GOTTDIENER (1997 p. 127), aquele que seria, alm da produo, do consumo e da troca, o conjunto dessas atividades e localizaes que resultam na forma ou design espacial. O design espacial, segundo LEFEBVRE, uma das foras produtivas da sociedade. Assim, a forma como reas verdes pblicas so arranjadas no tecido urbano pode servir para a acumulao de capital. Como bens negociveis pelo mercado capitalista, os elementos que remetem ao passado, ao meio natural na paisagem urbana, so, muitas vezes, transformados em marcos referenciais da cultura da cidade e emblemas de qualidade ambiental. Para LYNCH (1997 p. 88), marcos referenciais so elementos singulares da paisagem urbana, por isso, fceis de serem identificados e memorizados, tm destaque justamente pelo contraste, agradvel ou no, com os demais elementos do conjunto, em termos de escala, beleza, funcionalidade, localizao, etc. Numa cidade, os marcos referenciais podem ter diversas utilidades, desde servir para orientao dos transeuntes e at como atrativos simblicos para a construo de uma imagem de qualidade urbana, como vem ocorrendo com muitas administraes municipais que passaram a adotar o modelo de planejamento estratgico em sua cidade. O planejamento estratgico, detalhado na crtica de VAINER (1999), alm de outros pressupostos, tem como principal objetivo recriar a imagem urbana para atrair investimentos. Para tanto, prega a criao de marcos ou smbolos que sejam amplamente incorporados no iderio popular como sendo a imagem da qualidade de vida que a cidade oferece. Alm disso, esses marcos ou smbolos devem estabelecer um sentimento na populao de orgulho da cidade, de identidade e pertencimento a esse espao, de valorizao cultural. Desse modo, a administrao municipal pretende que a populao passe a valorizar sua cidade e a acatar as transformaes no gerenciamento e nas prioridades do investimento pblico. A criao de uma identidade com o espao e sua valorizao pela incorporao de espaos livres ao meio urbano avaliada positivamente por LYNCH (1997):Uma boa imagem ambiental oferece a seu possuidor um importante sentimento de segurana emocional. Ele pode estabelecer uma relao harmoniosa entre ele e o mundo sua volta. Isso o extremo oposto do medo que decorre da desorientao; significa que o doce
10sentimento da terra natal mais forte quando no apenas esta familiar, mas caracterstica (p. 5).
No entanto, referindo-se ao consumo do que chama signos e espetculos no espao urbano, LEFEBVRE (1991) denuncia:O signo comprado e vendido; a linguagem torna-se valor de troca. Sob a aparncia de signos e de significaes em geral, so as significaes desta sociedade que so entregues ao consumo. Por conseguinte, aquele que concebe a cidade e a realidade urbana como sistema de signos, est entregando-as implicitamente ao consumo como sendo objetos integralmente consumveis: como valor de troca em estado puro. Mudando os lugares em signos e valores, o prtico-sensvel em significaes formais, essa teoria tambm muda em puro consumidor de signos aqueles que os percebem (p. 64).
Esses signos e marcos adquirem uma grande importncia no processo de produo dos parques e bosques pblicos de Curitiba e, de acordo com GARCIA (1997), ajudam na criao de uma cidade espetculo onde h a supremacia da imagem sobre o objeto. Os conceitos tericos at aqui abordados encontraro nos prximos captulos inmeros exemplos. A importncia dos signos fica evidenciada nas inmeras edificaes de carter simblico, como o pera de Arame, o Jardim Botnico ou os memoriais. A questo de valorizao imobiliria encontra no processo de produo dos parques Tingi e Tangu ricos exemplos e a segregao espacial fica evidenciada pelas diferenas de acesso e concentrao espacial dos parques e bosques entre as pores norte e sul da cidade.
11 Figura 01 Roteiro metodolgicoProblema Como os parques e bosques pblicos se inserem no processo de produo do espao urbano de Curitiba? Introduo - Definio da metodologia Materialismo histrico Introduo - Caracterizao da rea de estudo Curitiba/Pr Captulo 01 - Conceituao sobre reas verdes e meio ambiente urbano
Captulo 02 Dimenso temporal Anlise do processo de produo dos parques e bosques pblicos nos sucessivos modelos urbano-polticos de Curitiba.
Captulo 03 Dimenso espacial Anlise dos parques e bosques pblicos no momento atual, avaliando a sua distribuio espacial, as mudanas ocorridas no seu entorno aps a sua implantao, os ndices de rea verde por habitante e a influncia dos cursos de gua para definio dos locais de implantao. Fontes: Mapas, visitas in loco, fotografias, tabelas e documentos diversos alm dos utilizados no captulo 02.
Fontes: Jornais, revistas, reportagens diversas, documentos histricos, livros, decretos, dissertaes, teses e outros documentos que forneam as informaes sobre um determinado perodo histrico. Produto: Texto com anlise do processo de produo dos parques e bosques pblicos nos sucessivos modelos urbano-polticos de cada poca
Produto: Texto contendo elementos comuns no processo de produo dos parques e bosques pblicos de Curitiba. Mapas, Tabelas e fotografias
Consideraes finais - Correlacionar as anlises anteriores para a elaborao de uma sntese contendo consideraes finais sobre como as reas verdes se inserem na produo do espao urbano de Curitiba.
12 Caracterizao da rea de estudo
No sculo XVII, transpondo a barreira da Serra do Mar, mineradores da cata de ouro de aluvio do litoral chegaram ao Primeiro Planalto Paranaense. Nesta terra, tiveram contato com ndios tingis que habitavam a regio. Constituram arraiais e, mais tarde, fundaram a Vila de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais. Quando o ciclo decaiu, as tropas de bois e muares, a erva-mate e a explorao da madeira sustentaram a povoao que, elevada condio de cidade em 1842, tornouse capital da nova provncia, desmembrada de So Paulo, em 1853. Neste sculo, chegaram ao Brasil muitos povos imigrantes da Europa, que tambm contriburam para a formao tnica do Paran e da ento denominada cidade de Curitiba (em lngua indgena, lugar de muito pinho) (IPPUC; IPEA, s/d). Curitiba, capital do estado do Paran, localiza-se na poro leste do estado, entre as coordenadas geogrficas mdias de 25 25 48 de latitude sul e 49 16 15 de longitude oeste de Greenwich (Ver Figura 02). Com uma altitude mdia de 908 m acima do nvel do mar, o municpio de Curitiba ocupa, atualmente, uma rea de 432.418 m, sendo sua extenso de 20 Km na direo leste-oeste e de 35 Km na direo norte-sul. Seu stio urbano encontra-se sobre terrenos suavemente ondulados do Primeiro Planalto Paranaense que, leste, delimitado pela Serra do Mar; ao norte, pelos terrenos acidentados da Regio Serrana do Aungui; oeste, pela Escarpa Devoniana, no trecho da Serra de So Luiz do Purun, e pelo Segundo Planalto (Campos Gerais ou Planalto de Ponta Grossa) e, ao sul, por grandes extenses planas e suaves ondulaes (IPPUC; IPEA, s/d p. 01). De acordo com HARDT (1994), ocorre em Curitiba uma predominncia das vertentes voltadas s direes leste e oeste. Juntamente com outros 24 municpios, forma a Regio Metropolitana de Curitiba (RMC), da qual o municpio plo. Seus municpios limtrofes so: Campo Magro, Almirante Tamandar, Colombo, Araucria, Campo Largo, Fazenda Rio Grande, So Jos dos Pinhais e Pinhais.
Figura 02 Localizao de Curitiba em relao ao Brasil, ao Paran e Regio Metropolitana400000
700000
600000
500000
00000
REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA (RMC) ESTADO DE483500SO PAULODR. ULISSES 1990
Escala aproximada 1:4.200.000
ADRIANPOLIS 1960
100000TUNAS DO PARAN 1990
CERRO AZUL 1897
250000
Escala aproximada 1:50.800.000 200000 CURITIBA 1693
BOA VISTA
SANTA FELICIDADE MATRIZ CAMPO COMPRIDO252548
300000
RIO BRANCO DO SUL ITAPERUU 1871 1990 BOCAIVA DO SUL 1871 CAMPINA ALMIRANTE GRANDE TAMANDAR DO SUL COLOMBO 1890 1883 CAMPO CAMPO 1890 LARGO QUATRO MAGRO 1870 BARRAS 1986 PINHAIS 1961 1992 PIRAQUARA 1890 BALSA NOVA 1961 ARAUCRIA SO 1890 JOS DOS FAZENDA PINHAIS RIO GRANDE 1852 1990 CONTENDA 1951 MANDIRITUBA 1960 QUITANDINHA TIJUCAS 1961 DO SUL 1951 AGUDOS DO SUL 1960
491615
BRASIL
CAJURU
523000
500000
ESTADO DE SANTA CATARINA
PORTO BOQUEIRO
Trpico de Capricnio 232700
PINHEIRINHO
250000
UMBAR
CURITIBAADMINISTRAES REGIONAIS
Escala aproximada 1:7.100.000
ESTADO DO PARAN
Escala aproximada 1:330.000
ELABORAO: ANDRADE, R. V.
14 Segundo os resultados preliminares do Censo de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Curitiba possui uma populao de 1.586.848 habitantes, com uma taxa de crescimento de 1,82% ao ano. De acordo com a classificao de MONTEIRO (apud MENDONA, 2001 p. 129-33), Curitiba est na faixa dos climas Mesotrmicos Controlados por Massas de Ar Tropicais e Polares, no subgrupo CW Tropical de Altitude com Inverno Seco e Chuvas de Vero e do tipo Cfb, com vero fresco. A temperatura mdia anual de 16,5 C Durante o ms mais frio, a temperatura mdia de 12,6 C e no mais quente de 20,1 C A variao mdia da temperatura diria da ordem de 11 C (BONGESTABS, 1983 s/p). Em Curitiba, a umidade relativa do ar de 80%; segundo MAACK (1981), essa umidade sempre elevada se deve proximidade do oceano, altitude e situao topogrfica da regio. Durante o vero, os dias mais longos compensam o efeito da latitude; no entanto, durante o inverno, os dias mais curtos reduzem a carga trmica do sol e incrementam os efeitos da localizao sobre a temperatura do ar. Outros elementos, como a altitude, a nebulosidade e as condies atmosfricas, exercem grande influncia sobre a insolao local (BONGESTABS, 1983 s/p). A nebulosidade, relao entre reas abertas por nuvens e cu limpo, alta em Curitiba. Durante o inverno, o nmero de horas de sol maior que no vero, o que de certa forma, ajuda a compensar a distribuio anual da energia solar e da luminosidade do cu (BONGESTABS, 1983 s/p). O regime pluviomtrico de Curitiba no permite que se defina estao seca e mida, embora haja certo predomnio de chuvas no vero. A precipitao mdia anual de 1.413 mm (Prefeitura Municipal de Curitiba s/d). Sobre o regime dos ventos, BONGESTABS (1983 s/p) afirma que: (...) o sistema de circulao atmosfrica na regio sul do pas tem uma grande influncia sobre o clima regional, sendo responsvel pelas freqentes e inesperadas variaes do tempo atmosfrico, tanto no que se refere mudana de temperatura, ocorrncia de chuvas e ao padro dos ventos locais. Os ventos setentrionais so predominantes. Ainda de acordo com BONGESTABS (1983 s/p) a proximidade do mar tem uma notvel influncia sobre o clima de Curitiba, mas os corpos de gua da regio tm pouco
15 significado, porque estando situada nas cabeceiras de bacias hidrogrficas, os nossos rios tm pequeno porte e a disponibilidade de gua na regio pequena, embora por aqui nasa o mais importante rio do estado: o Iguau. O fato de Curitiba estar posicionada nas cabeceiras de bacias hidrogrficas tem grande influncia na criao dos parques e bosques da cidade como ser abordado mais adiante. Curitiba drenada pela bacia do Rio Iguau, principalmente pelos seus afluentes da margem direita: Rio Bacacheri, Rio Atuba, Rio Ira, Rio Belm, Rio gua Verde, Ribeiro dos Padilhas, Rio Ponta Grossa, Arroio da Prensa, Arroio Andrada, Rio Passo do Frana, Rio Formosa, Rio Tangu e Rio Barigi, entre outros (Ver Mapa 01). De acordo com a Prefeitura Municipal de Curitiba (s/d), o arranjo dos cursos fluviais da regio, apresenta um padro de drenagem do tipo radial com configurao centrpeta, pois os rios convergem para o Rio Iguau nas direes sul e sudeste. (...) Os rios de Curitiba tm suas nascentes nos municpios limtrofes e possuem uma rea de drenagem de 1.550,7 Km. Sobre sua configurao fisiogrfica, Curitiba est assentada no Primeiro Planalto Paranaense, que composto por rochas cristalinas, rochas duras e antigas. Grande parte do municpio possui, sobre o embasamento cristalino, uma camada de sedimentos denominada Formao Guabirotuba (SALAMUNI, 1969 p. 03).O Municpio de Curitiba, genericamente, pode ter sua geologia dividida em trs compartimentos distintos: o embasamento cristalino, constitudo por um complexo de rochas metamrficas; assentado sobre o mencionado embasamento, h ocorrncia de depsitos do quaternrio antigo, formao Guabirotuba, ou Bacia de Curitiba e, finalmente, ocorrem depsitos de sedimentos bem mais recentes, resultantes das atividades de rios que ainda hoje sulcam o Municpio. (...) O relevo mais suave corresponde poro central da cidade de Curitiba, apresentando vales muito abertos e vastas plancies aluviais que se desenvolvem ao longo dos rios Passana, Barigi e Belm. (Prefeitura Municipal de Curitiba s/d) .
Os nveis hipsomtricos mais elevados aparecem nas pores norte, noroeste e oeste e coincidem com as reas de maior declividade. As regies sul e sudeste caracterizam-se por serem mais baixas, principalmente na rea de vrzea do Rio Iguau, onde observa-se tambm reas de declividades mais suaves.
Mapa 01 Rede hidrogrfica de Curitiba
ESCALA
1:150.000
APROXIMADA
17 De acordo com VELOSO (apud HARDT, 1994 p. 37), Curitiba est situada na regio de ocorrncia da Floresta Ombrfila Mista e da Estepe-Gramneo-Lenhosa. Segundo a Prefeitura Municipal de Curitiba (s/d), pode-se classificar, de forma geral, a cobertura vegetal da regio como pradaria de altitude, campos entremeados por pequenos bosques de araucria. A cobertura vegetal original apresentava campos limpos, capes e matasgaleria, que se formavam devido maior umidade do solo nos afloramentos do lenol fretico. Nas pores oeste e noroeste, que so reas de relevo suave, encontrava-se a mata das araucrias cobrindo um denso sub-bosque composto por diversas outras espcies vegetais. A vegetao caracterstica de vrzea tinha predomnio nas pores sudeste e sudoeste, na regio formada por um relevo de plancies aluvionares e com solos fortemente influenciados pelas guas freticas. Na regio sul, de relevo mais baixo, assim como nas pores centro e nordeste, a vegetao era de campos entremeados de arbustos e matas ciliares (Prefeitura Municipal de Curitiba s/d).
18 Captulo 01
1. O VERDE E A CIDADE Neste captulo so levantados alguns conceitos sobre o meio ambiente urbano e reas verdes, bem como as funes dessas reas dentro das cidades.
1.1 Consideraes iniciais sobre o meio ambiente urbano
Com o grande crescimento populacional mundial, torna-se cada vez mais difcil encontrar locais onde no tenha havido, em alguma escala, interferncias danosas ao meio provenientes de atividades humanas. Muitas vezes, atividades realizadas em uma determinada regio expandem suas conseqncias a quilmetros de distncia. A extrao mineral irregular aumenta os ndices de mercrio em rios afetando espcies nas reas mais densas da floresta tropical, onde dificilmente o homem tem acesso; a poluio gerada pelas indstrias se propaga com os ventos atingindo outras regies. A cidade se expande e se une com outras por meio de rodovias, ferrovias, sistemas de comunicao e informtica. J no mais to simples encontrar reas isentas da influncia da ao do homem. Aparentemente tornou-se invivel dissociar cidade e meio ambiente, pois o processo de urbanizao influencia e influenciado pelo entorno de sua rea de ocupao, so meios integrados que no podem ser desvinculados. No entanto, necessrio extrema cautela para que no se reduza tudo ao urbano/antropizado, pois cada meio tem sua dinmica prpria e as influncias que um exerce no outro so diversas. Inicialmente faz-se necessrio conceituar meio ambiente urbano. Pode-se considerar o meio ambiente urbano como a articulao e a interdependncia do sistema natural e do sistema cultural, sendo o primeiro constitudo de fatores biticos (fauna e flora) e de fatores abiticos (subsolo, solo, gua, ar, clima), enquanto que o segundo sistema constitudo pelo homem e suas atividades (uso e ocupao do solo, demografia, distribuio espacial). Para TRINDADE (1998, p.40), o meio ambien-
19 te possui inmeras definies (...) pode-se entend-lo como: Os fatores biticos e abiticos existentes em um espao qualquer. Entende-se de uma maneira simples, os fatores biticos como os componentes do reino vegetal e animal e os fatores abiticos como todos os outros elementos atuantes. Nas cidades, a energia transformada e o resduo da transformao dessa energia no , em grande parte, absorvido ou reaproveitado pelo sistema urbano; so sistemas que consomem oxignio, gua, alimento, combustvel e geram, como subproduto, gases poluentes e dejetos orgnicos. Essa ausncia de reaproveitamento dos resduos gerados faz com que as cidades tenham uma dependncia de elementos externos a ela. Pode-se defini-la como um sistema consumidor sem reposio. Esse fluxo de energia unidirecional faz com que haja um menor aproveitamento nas cidades do que nos sistemas naturais, logo, enquanto nos sistemas naturais a estabilidade aumenta com a complexidade, nos meios urbanos esta estabilidade diminui com a complexidade.(...) considera-se, stricto sensu, que as cidades esto estressando severamente o ecossistema global, necessitando cada vez mais de matria-prima, energia e desenvolvimento econmico para superar problemas econmicos e sociais bsicos. O impacto sobre a natureza se traduz em reduo da complexidade biolgica, pondo em risco a sobrevivncia dos sistemas naturais. O conceito de limite e renovabilidade do meio ambiente tem sido superado pela cidade: os efeitos benficos da mesma possuem limites, os quais parecem estar sendo atingidos (MELLO, 1993 p. 61).
O processo de urbanizao vem crescendo continuamente, e torna-se cada vez mais difcil encontrar reas onde no haja seqelas da presena das atividades humanas. A dicotomia rea natural/rea construda vai sendo substituda pela dicotomia rea com grande impacto da ao humana/rea com baixo impacto da ao humana. Pode-se concluir que a estabilidade ambiental vai reduzindo na medida em que as reas naturais vo sendo substitudas pelas reas urbanas. Como parece pouco provvel a conteno do crescimento de reas antropizadas, faz-se mister uma mudana de mentalidade na relao extrao, consumo e reposio nos meios antropofizados. Houve um tempo onde se associava a cidade ao progresso e o campo estagnao. Dentro dessa viso era necessrio retirar das cidades elementos que reme-
20 tessem ao campo; assim, imponentes prdios e largas rodovias foram substituindo os remanescentes das reas verdes dentro dos centros urbanos e o gramado dos quintais das casas modificados com largas extenses de lajotas. Essa atitude eliminou enormes reas verdes, principalmente nos centros das cidades, e o custo de reimplantao dessas reas, uma vez eliminadas, tornaram-se economicamente inviveis. Logo, tm-se cidades como So Paulo que, mesmo j tendo percebido a necessidade econmica da implantao de reas naturais, no consegue mais implant-las pela total ausncia de espao fsico. Portanto, essas reas devem ser implantadas desde o incio do processo de produo da cidade, destinando reservas espalhadas por diversos pontos da malha urbana. As cidades so a expresso mxima do impacto do ser humano sobre a natureza, so uma tentativa de organizao funcional do espao, onde cada objeto tem sua forma e funo e est estrategicamente posicionado dentro da estrutura urbana, e submetido ao processo de especulao econmico-social. Assim, as reas verdes dificilmente ocupam posies privilegiadas dentro das cidades.
1.2 reas verdes: uma abordagem conceitual
Diversos autores como MILANO (1991), HARDT (1994) e CAVALHEIRO (1992), entre outros, ao estudarem o tema, divergem no enfoque, mas, de forma genrica, conceituam reas verdes urbanas como reas livres da cidade, com caractersticas predominantemente naturais, independente do porte da vegetao; ou seja, so predominantemente reas permeveis, podendo possuir apenas vegetao rasteira ou grande cobertura arbrea. No entanto, no chegam a um consenso se a rea mnima, se deve ser contgua ou no, ou se devem entrar, para efeitos de clculo, os corpos de gua. Alguns desses autores como OLIVEIRA (1996) e LIMA (1991), classificam como reas verdes os espaos de recreao pblica, tais como: largos, jardinetes, praas, bosques, parques, eixos de animao, jardins ambientais, ncleos ambientais, centros esportivos e ruas arborizadas. Ainda segundo esses autores, as reas verdes tambm podem ser classificadas como:
21 Particulares: reas de propriedade particular, tais como: lotes no ocupados, quintais de casas, chcaras e jardins; Potencialmente coletivos: reas de propriedade particular, no entanto de uso coletivo ou pblico, tais como: clubes e campos esportivos (golfe, tnis, futebol); Pblicas: reas de propriedade pblica, tais como praas, bosques e parques. As reas particulares apresentam maior facilidade de manuteno, porm tendem a ser eliminadas por construes de maior uso individual ou econmico, enquanto as reas pblicas, embora requisitadas pela maioria da populao, atingem rapidamente um processo de degradao por falta de comprometimento da populao em sua implantao ou manuteno, deixando que a preservao fique delegada exclusivamente ao descaso do poder pblico. Como afirma PEREIRA LEITE (1993):Ao longo do tempo, a evoluo dos povoados, vilas e cidades brasileiras assistiu a um lento, porm irreversvel, processo de indefinio sobre a propriedade privada e a de uso coletivo. (...) Com o adensamento das cidades e seu conseqente avano sobre as reas circundantes instalaram-se, simultaneamente, os processos de renncia ao espao pblico urbano e de privatizao da natureza. (...) A cidade responde a essa rejeio recproca entre classes sociais e poder pblico, exibindo uma paisagem fragmentada e desorganizada: espaos privados fortemente defendidos e espaos pblicos abandonados e deteriorados (p. 141).
consenso entre os autores que os parques e bosques pblicos se inserem dentro das reas verdes, mas no correspondem ao seu total. Os objetos de estudo desta dissertao sero os parques e bosques de uso pblico reconhecidos oficialmente pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Curitiba, sendo eles: Passeio Pblico, Parque da Barreirinha, Parque So Loureno, Parque Barigi, Parque Iguau, Parque lber de Mattos (Bacacheri), Parque das Pedreiras, Parque do Passana, Jardim Botnico, Parque dos Tropeiros, Parque Caiu, Parque Diadema, Parque Tingi, Parque Tangu, Bosque Boa Vista, Bosque Joo Paulo II, Bosque Capo da lmbuia, Bosque Gutierrez, Bosque Reinhard Maack, Bosque do Pilarzinho, Bosque Zaninelli, Bosque de Portugal, Bosque da Fazendinha, Bosque Alemo, Bosque Italiano, Bosque do Trabalhador e Bosque So Nicolau.
22 1.2.1 Conceito de reas verdes a partir do Plano Preliminar de Urbanismo
At o Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba, que posteriormente transformou-se no Plano Diretor (1966), no havia uma definio regulamentada pela prefeitura sobre reas verdes. No Plano Preliminar de Urbanismo, na prancha 1.2, so feitos levantamentos sobre reas de recreao descoberta, no entanto o termo reas verdes utilizado com bastante freqncia como pode-se observar na seguinte citao:As reas verdes dentro do contexto urbano Neste estudo foram consideradas como reas verdes todas as reas municipais destinadas a esse fim. Equipadas ou no (h 15 reas num total de 55 que so simples terrenos baldios). As reas menores de 1.000 m foram consideradas aproveitveis para recreao de criaas de 0 a 5 anos; as reas de 1.000 a 30.000 m para crianas de 0 a 15 anos. Para Jovens de 15 a 25 anos foram consideradas as reas maiores de 30.000 m, que correspondem ao Passeio Pblico, Parque Municipal, Horto da Barrerinha e Horto do Matadouro. Foram considerados os seguintes raios de influncia: Crianas de 00 - 05 anos - 500 m Crianas de 05 - 15 anos - 1.000 m Jovens de 15 - 25 anos - 5.000 m (SERETE, 1965 p. 133-4)
Um pouco mais para frente o documento da SERETE (1965) alega que as funes das reas verdes no esto bem definidas, havendo pouqussimas reas equipadas para recreao ativa 7 reas de um total de 55 possuem playgrounds e alguns deles mal equipados. (p.138). Fica claro que o Plano Preliminar de Urbanismo considerava como reas verdes todos os tipos de praas e jardinetes, mesmo os que eram simples terrenos baldios e inclua ainda nesta relao os dois parques municipais (Passeio Pblico e Municipal) e os dois hortos (Barrerinha e do Matadouro). No entanto na pgina 147 do documento da SERETE (1965) sugerida uma reconceituao de reas verdes como recreao passiva ou contemplativa, traduzida por considerveis reservas nas reas de expanso. O Plano Preliminar de Urbanismo (1965, p. A69-71) classificou as reas verdes da seguinte forma:
24Ainda em 1988, o decreto n 471, normatizou o uso dos parques pblicos, definindo-os como: Setores especiais constitudos por reservas de reas de interesse pblico, criados visando a proteo e conservao dos recursos naturais existentes, a formao e manuteno de bens de uso comum, aliados promoo de atividades cientficas, educacionais, lazer contemplativo, recreativos e culturais (UNILIVRE, 1997 p. 101).
Por intermdio da Lei n 9.804, de 03 de janeiro de 2000, a PMC criou o Sistema de Unidades de Conservao, que classificou as reas verdes do municpio. De acordo com a lei n 9.804 (PMC, 2000), as Unidades de Conservao so: reas no Municpio de propriedade pblica ou privada, com caractersticas naturais de relevante valor ambiental ou destinadas ao uso pblico, legalmente institudas, com objetivos e limites definidos, sob condies especiais de administrao e uso, as quais aplicamse garantias de conservao, proteo ou utilizao pblica. A PMC, atravs da Lei n 9.804/00, classificou as unidades de conservao em nove tipos distintos: reas de Proteo Ambiental (APA), Parques de Conservao, Parques Lineares, Parques de Lazer, Reservas Biolgicas, Bosques Nativos Relevantes, Bosques de Conservao, Bosques de Lazer e especficas.I - REAS DE PROTEO AMBIENTAL (APA): so reas de propriedade pblica ou privada, sobre as quais se impem restries s atividades ou uso da terra, visando a proteo de corpos dgua, vegetao ou qualquer outro bem de valor ambiental definido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente SMMA; II - PARQUES DE CONSERVAO: so reas de propriedade do Municpio destinadas proteo dos recursos naturais existentes, que possuam uma rea mnima de 10 ha (dez hectares) e que se destinem manuteno da qualidade de vida e proteo do interesse comum de todos os habitantes; III - PARQUES LINEARES: so reas de propriedade pblica ou privada, ao longo dos corpos dgua, em toda a sua extenso ou no, que visam garantir a qualidade ambiental dos fundos de vale, podendo conter outras Unidades de Conservao dentro de sua rea de abrangncia; IV - PARQUES DE LAZER: so reas de propriedade do Municpio, que possuam uma rea mnima de 10 ha (dez hectares) e que se destinem ao lazer da populao, comportando equipamentos para a recreao, e com caractersticas naturais de interesse proteo; V - RESERVAS BIOLGICAS: so reas de propriedade pblica ou privada, que possuam caractersticas representativas do ambiente natural do Municpio, com dimenso varivel e que se destinem preservao e pesquisa cientfica;
25VI - BOSQUES NATIVOS RELEVANTES: so os bosques de mata nativa representativos da flora do Municpio de Curitiba, em reas de propriedade particular, que visem a preservao de guas existentes, do habitat da fauna, da estabilidade dos solos, da proteo paisagstica e manuteno da distribuio equilibrada dos macios vegetais, onde o Municpio impe restries ocupao do solo; VII - BOSQUES DE CONSERVAO: so reas de propriedade do Municpio, destinadas proteo dos recursos naturais existentes, que possuam rea menor que 10 ha (dez hectares), e que se destinem manuteno da qualidade de vida e proteo do interesse comum de todos os habitantes; VIII - BOSQUES DE LAZER: so reas de propriedade do Municpio com rea inferior a 10(dez hectares), destinadas proteo de recursos naturais com predominncia de uso pblico ou lazer; IX - ESPECFICAS: so unidades de conservao criadas para fins e objetivos especficos, tais como: Jardim Botnico, Pomar Pblico, Jardim Zoolgico e Nascentes. (CURITIBA, Lei n 9.804/00, Art. 3)
De acordo com a lei, a definio de outros espaos como praas, jardinetes, jardins ambientais, largos, eixos de animao e ncleos ambientais ainda ser objeto de regulamentao especfica. Segundo funcionrios da PMC, essa legislao foi realizada visando padronizar os conceitos de parques e bosques e, para isso, levou-se em considerao os aspectos considerados em outros municpios que j possuem essa regulamentao. At a elaborao dessa legislao, no havia nenhuma documentao oficial que distinguisse parques e bosques, e os critrios para a classificao eram muito subjetivos. Como exemplo disso, o Parque Man Garrincha, foi planejado para ser uma praa, no entanto, conforme funcionrios da PMC, o ento prefeito Rafael Greca achou que, com a vinda da esposa de Garrincha para a inaugurao, seria necessrio dar mais importncia ao espao, que acabou recebendo a denominao de parque. Embora aparea nos mapas da cidade como Parque Man Garrincha ele no aparece nos documentos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) como tal. Uma mesma unidade de conservao pode se enquadrar em mais de uma classificao; o Parque Regional do Iguau, por exemplo, enquadra-se como rea de Proteo Ambiental (APA), como parque de lazer, como parque de manuteno ou como unidade especfica em funo do zoolgico e dos pomares.
26 1.3 A funo das reas verdes nos centros urbanos
Com o crescimento das cidades e a diminuio das reas verdes, houve o aparecimento de inmeros problemas decorrentes da ausncia dessas reas e, conseqentemente, regies que contavam com maior cobertura vegetal comearam a ser associadas maior qualidade de vida. As reas verdes, conforme seu volume, distribuio, densidade e tamanho, podem interferir no entorno imediato de diversas maneiras. Essa qualidade de vida, associada s reas verdes, reflete-se pela(o): amenizao climtica, minimizao da poluio, proteo acstica, paisagismo, conforto psicolgico, atuao sanitria, opo recreativa, valorizao imobiliria, preservao dos recursos hdricos e preservao da fauna e flora. Sobre a primeira funo, os revestimentos artificiais das superfcies no meio urbano (concreto, asfalto), conciliados distribuio espacial dos edifcios e poluio atmosfrica, fazem com que a incidncia dos raios solares, no microclima nos centros urbanos, sejam processados de forma muito diversa das reas naturais. H, assim, uma grande diferena de temperatura entre os centros urbanos e seu entorno. As reas verdes nas cidades possibilitam que os vegetais interceptem, reflitam, absorvam e transmitam radiaes solares possibilitando reduo na temperatura. Um fator relevante nesse processo a evapotranspirao dos vegetais e sua distribuio espacial, que ir contribuir para direcionar ou barrar o vento (MILANO, 1984; TRINDADE, 1998; LIMA, 1991). Os centros urbanos tambm so geradores de uma quantidade significativa de poluio produzida pelas indstrias, automveis e gerao de eletricidade (oznio, xido de nitrognio, fluorados, nitratos e dixido sulfrico). Quando essa poluio no de nvel permanentemente txico pode ser absorvida pelos vegetais. Alm de reter e minimizar a ao de gases txicos, a vegetao tambm auxilia na reteno de partculas suspensas (MILANO, 1984). Outra funo das reas verdes urbanas refere-se ao adensamento populacional, que faz com que a maioria das edificaes permanea muito prxima s vias de circulao e outros elementos geradores de barulho, como fbricas e bares. A utilizao correta da vegetao pode fazer com que ela funcione como uma barreira fsica,
27 fazendo com que um percentual das ondas sonoras seja absorvido e outro seja refletido (MILANO, 1984; TRINDADE, 1998). A vegetao possibilita, tambm, a criao de ambientes esteticamente agradveis, que atuam como elementos amenizadores de estresse e valorizam uma rea (MILANO, 1984; TRINDADE, 1998). A funo paisagstica, quando aliada ao sistema virio, possibilita que a ateno do condutor do veculo seja despertada por elementos vegetais que podem, por exemplo, avisar a existncia de uma rtula ou de uma curva fechada (LIMA, 1991). Uma outra funo pode ser identificada quando a distribuio adequada da vegetao, dentro do paisagismo nos quintais, contribui para o aumento de privacidade, impossibilitando que pessoas na rua observem o que se passa dentro das casas (LIMA, 1991). As atividades intensas e aceleradas das cidades geram elevados ndices de estresse e irritabilidade. As reas verdes esto associadas vida no campo, ao lazer e segurana. O contato com a natureza proporciona a sensao de paz e calma, remete o homem s suas origens de integrao com a natureza (LIMA, 1991). A funo mais comumente associada s reas verdes sem dvida a funo recreativa. Elas funcionam como reas de encontro onde so ofertados diversos tipos de atividades (caminhadas, jogos e relaxamento). So reas de refgio na cidade, o contraponto rea construda/rea natural. Essas reas geralmente recebem equipamentos da prefeitura e sua utilizao varia conforme o carter social e cultural do usurio (LIMA, 1991). Outra importante funo das reas verdes urbanas est relacionada ao mercado imobilirio. Obviamente se as reas verdes esto associadas qualidade de vida, normal que as regies prximas a esses aglomerados vegetais apresentem maior valorizao. Portanto, a implantao de parques e bosques pode definir ou alterar o perfil da populao de uma determinada rea, ou seja, alterar o uso por segregao scio-espacial decorrente do valor agregado por renda diferencial aos imveis (TARNOWSKI, 1991). Renda diferencial um conceito analisado e redefinido por VILLAA (1998) como sendo aquela parcela do valor atribuda pelas vantagens locacionais que o im-
28 vel apresenta, neste caso a proximidade a um parque ou bosque. Nestas situaes, diz-se que ocorre segregao branca, j que promovida pelo Estado:Os estudos at agora realizados tm destacado amplamente o papel exercido pelo Estado, que se transformou ultimamente (seja por ao direta, por ao indireta, ou por simples omisso) um dos principais agentes indutores (seno principal) do crescimento urbano das cidades brasileiras, especialmente daquelas de porte mdio. E isso se deve principalmente ao efeito imediato que as polticas pblicas tm sobre a planta de valores do solo urbano. Com efeito, por ser mercadoria que gera rendas queles que a possuem, e por ser tambm fixa no espao, a terra urbana extremamente sensvel a qualquer variao que ocorra no seu entorno. Isso porque a renda que ela aufere a seu proprietrio diferencial, isto , varia em funo dos mais diversos fatores, como, por exemplo, a presena ou ausncia de bens urbansticos os mais diversos. por essa razo que os proprietrios de terra iro tentar, pelos mais variados meios, influenciar a tomada de decises do Estado a seu favor, atraindo para as reas onde possuem terras as polticas que aumentem a sua capacidade de apropriao de renda territorial e afastando delas qualquer deciso que possa resultar numa diminuio dessa capacidade (ABREU, 1994 p. 268).
Esse fenmeno em que a populao que deveria ser beneficiada pela implantao do equipamento levada a mudar sua residncia pelo aquecimento do mercado imobilirio local com a implantao do parque ou bosque, tambm ocorre em Curitiba:Hoje, trs anos mais tarde, a mesma rea faz parte do parque Tangu, um dos mais belos da cidade, e os terrenos vizinhos, do loteamento construdo pela famlia, tiveram uma valorizao de pelo menos 40%. (...) No caso do Parque Tangu os proprietrios da rea doaram 45% do terreno e construram um loteamento na rea remanescente.(...) alm da valorizao dos terrenos, o que aumentou tambm foi liquidez, a facilidade de vender os imveis com um parque ao lado (GAZETA DO POVO, 02/05/99 p. 11).
A explorao turstica dessas reas verdes ainda possibilita, como outra funo desses espaos, a criao de uma nova fonte de renda e arrecadao para a municipalidade (MILANO, 1984). H ainda a relao das reas verdes com a drenagem das micro-bacias e a qualidade da gua, pois as cidades apresentam altos ndices de impermeabilizao e inmeras edificaes em reas imprprias, acarretando o aparecimento freqente de enchentes e a perda de qualidade na captao da gua que abastece a cidade. As reas verdes possibilitam maior absoro da gua no solo pela vegetao e, conciliando a presena de lagos, possibilitam a amenizao das enchentes (TRINDADE, 1998).
231 Classificao das reas verdes segundo funes: Monumental Recreao Ativa Recreao Passiva 2 - Classificao das reas de recreao ativa segundo as idades dos usurios Crianas de 00 a 05 anos Crianas de 05 a 15 anos Jovens de 15 a 25 anos 3 - Definio de raio de influncia e rea de influncia de uma rea verde Raio de influncia r de uma rea verde a distncia mxima razovel a ser percorrida pelo usurio, de acordo com a sua idade, para atingi-la. rea de influncia S de uma rea verde o crculo cujo raio o de influncia r da mesma 4 - Consideraremos como razoveis os seguintes raios de influncia: 00 - 05 r1 = 500m 05 - 15 r1 = 1.000m 15 - 25 r1 = 5.000m 5 - A experincia mostra que o nmero mximo de usurios simultneos das reas verdes : 00 - 05 1/3 do nmero total de crianas residentes na rea de influncia da rea verde 05 - 15 1/3 do nmero total de crianas residentes na rea de influncia da rea verde 15 - 25 1/4 do nmero total de jovens residentes na rea de influncia da rea verde 6 - Os ndices utilizados para clculo da rea verde de recreao necessria foram: 6,25 m/usurio para crianas de 0 a 5 anos 12,50 m/usurio para crianas de 5 a 15 anos 60,00 m/usurio para jovens de 15 a 25 anos 7 - Para o clculo da rea verde total para toda a cidade, considerando toda a populao, utilizamos o ndice de 5 m de rea verde por habitante, no mnimo. (SERETE, 1965 p. A69-71)
Esses estudos do Plano Preliminar de Urbanismo se aplicavam principalmente a praas e jardinetes e pouco falavam sobre bosques e parques. Vale ressaltar que na poca eram consideradas reas verdes somente as reas pertencentes ao poder pblico e classificadas como praas, jardinetes, parques ou bosques, enquanto hoje so consideradas reas verdes todas aquelas com caractersticas predominantemente naturais com vegetao de qualquer porte passvel de ser identificada por softwares de gerenciamento ambiental. Embora o ndice oficial da PMC supere em onze vezes o recomendado pelo Plano Preliminar de Urbanismo necessrio perceber que houve uma grande mudana na definio do critrio para mensurar reas verdes. Em 1988 foi institudo o decreto n 471 definindo os parques pblicos, no entanto no aparecia o termo bosque, gerando dvidas quanto s diferenas entre eles.
29 Os parques e reas de proteo impedem que construes (indstrias ou residncias) ocupem reas prximas aos mananciais e reas de vrzea, procurando preservar a qualidade da gua captada (TRINDADE, 1998). Por fim, as reas verdes urbanas tambm contribuem para a preservao da vida biolgica, tendo em vista que as cidades so o expoente mximo da ao humana sobre o meio ambiente. Ao desenvolver uma cidade, o homem elimina ou altera a maior parte dos elementos naturais do stio urbano. Via de regra, so introduzidas inmeras espcies exticas e exterminadas grande quantidade das nativas. As reas verdes, como bosques nativos, possibilitam a preservao de algumas espcies nativas de plantas, alm de pequenos animais e insetos (LIMA, 1991).
30Captulo 02
O PAPEL DE PARQUES E BOSQUES NA HISTRIA DA PRODUO DO ESPAO URBANO DE CURITIBA Para responder aos objetivos desta pesquisa, que como os parques e bosques pblicos de Curitiba se inserem no processo de produo do espao urbano da cidade, este captulo est divido em trs perodos histricos visando identificar os elementos que definiram a produo dos parques e bosques de Curitiba. Estes perodos foram definidos a partir das concepes que fundamentaram a criao dessas reas pblicas, bem como pela forma e funes que passaram a ter em cada momento da histria da cidade. Essa periodizao um exerccio para auxiliar na distino entre os diferentes modelos de produo de parques e bosques adotados em cada momento histrico da cidade, para tanto criou-se um modelo experimental baseando-se principalmente nas leituras de MENEZES (1996), OLIVEIRA (1995) e GARCIA (1996): Perodo de concepes sanitaristas: definido como o momento histrico compreendido entre a emancipao poltica do Estado do Paran, em 1853, at a posse do prefeito Ivo Arzua, em 1962. Durante este perodo apenas um parque foi implantado, o Passeio Pblico, visando sanear uma rea alagadia e pantanosa s margens do Rio Belm que propiciava a proliferao de agentes vetores de doenas. Esse o momento em que se delineiam as primeiras diretrizes para a implantao de reas verdes a partir do Plano Agache, de 1943, que previa a implantao de quatro parques e de um cemitrio parque. Esses projetos de reas verdes eram guiados sob a tica do sanitarismo. Perodo de administrao tecnocrata: inicia-se em 1962, com a posse do prefeito Ivo Arzua que encomenda o Plano Diretor da Cidade de Curitiba para as empresas paulistas Sociedade Serete de Estudos e Projetos Ltda e Jorge Wilheim Arquitetos Associados, e se encerra em 1988 com o trmino do mandato de Roberto Requio na prefeitura. Como prefeito entre 1971 e 1974, Jaime Lerner, ex-presidente do IPPUC, conseguiu pr em prtica as diretrizes previstas pelo Plano Diretor que ele
31 havia acompanhado, as secretarias municipais e demais rgos executivos, em sua maioria comandados por pessoas ligadas ao Plano Diretor, compartilhavam de uma mesma linguagem o que facilitou para que a implantao do Plano ocorresse de forma rpida e sem grandes conflitos. Este perodo foi caracterizado pela presena predominante de tcnicos, e no polticos, nos cargos decisrios da prefeitura. Os parques tinham como funo primordial servirem como elementos contentores de enchentes e preservar as nascentes dos rios. Perodo de promoo do city-marketing: tem seu incio em 1989, quando o recm reeleito prefeito Jaime Lerner constri o Teatro pera de Arame, e perdura at o momento. um perodo marcado pela implantao de parques com a forte presena de construes arquitetnicas emblemticas (Jardim Botnico, pera de Arame, Unilivre, Parques Tingi e Tangu entre outros). A funo principal dos parques deixa de ser a preservao de fundos de vale, conteno de enchentes e preservao e passa a ser a mitificao, a criao de smbolos que associem a cidade cultura europia dos seus imigrantes e, portanto, com qualidade de vida de primeiro mundo. As reas verdes passam a ser produtos a serem consumidos, perde importncia o seu valor de uso e passa a ser mais significativo o valor de troca que confere ao seu entorno, com isto bairros mudam de nome visando valorizao e imobilirias cooperam com a prefeitura no intuito de valorizar determinadas reas. A seguir, a Tabela 01 demonstra o perodo dos mandatos polticos dos prefeitos, governadores e presidentes da repblica. Embaixo aparece uma lista de parques e bosques criados nos respectivos perodos, a populao de Curitiba de acordo com os Censos e outros acontecimentos relevantes para o tema. vlido ressaltar que Jaime Lerner, Rafael Greca de Macedo e Cssio Taniguchi pertencem a um mesmo grupo poltico, enquanto que Maurcio Fruet e Roberto Requio pertencem a um grupo antagnico.
Tabela 01 Linha cronolgica dos mandatos polticos e data de implantao de parques e bosques em Curitiba1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Joo Goulart Ney Braga Ivo Arzua Castello Branco Costa e Silva jun ta Emlio Garrastazu Ernesto Geisel Mdici Leo Parigot Eml Jaime Canet Jr. n de Souza io Jaime Lerner Bosque Boa Vista Bosque Boa Vista Rua XV de Novembro Parque Barigui / So Loureno / Barrerinha Saul Raiz Parque Regional do Iguau Joo Batista de Oliveira Figueiredo Nov Ney Braga Jos Richa aes Jaime Lerner Zoolgico Bosque Capo da Imbuia Bosque Joo Paulo II Fruet Bosque Gutierrez Fernando Imp Collor eac Itamar Franco Ma Requio rio Fernando Henrique Cardoso Jaime Lerner 2000 Populao em 2000 1.586.898 Bosque So Nicolau
PRESIDENTE GOVERNADOR PREFEITO
Jos Sarney Jo o lvaro Dias Requio Parque Bacacheri Reinhard Maack
F.H.C. Jaime Lerner
Paulo Pimentel Omar Sabbag
Jaime Lerner Parque das Pedreiras (Opera de Arame) Jardim Botnico/ B. Populao em 1991 Pilarzinho/ Passana 1.315.034 Bosque Zaninelli (Universidade Livre do Meio Ambiente)
Rafael Greca Tropeiros / Diadema / Caiu / Portugal/ Tingui Bosque Alemo / Parque Tangu / Bosque do Trabalhador Bosque do Fazendinha/ Bosque Italiano
Taniguchi
Populao em 1960 361.309
Populao em 1970 624.821
PRESIDENTE Fernando Henrique Cardoso Fernando Henrique Cardoso Itamar Cautiero Franco Fernando Collor de Mello Jos Sarney Joo Baptista de O. Figueiredo Ernesto Geisel Emlio Garrastazu Medici Junta Militar Formada por Arthur da Costa e Silva Humberto de A. Castello Branco Pascoal Ranieri Mazzilli Joo Belchior Marques Goulart Jnio da Silva Quadros Juscelino Kubitschek de Oliveira
INCIO 01 janeiro, 1999 01 janeiro, 1995 29 setembro, 1992 15 maro, 1990 15 maro, 1985 15 maro, 1979 15 maro, 1974 30 outubro, 1969 31 agosto, 1969 15 maro, 1967 15 abril, 1964 01 abril, 1964 07 setembro, 1961 31 janeiro, 1961 31 janeiro, 1956
FIM 31 dezembro, 2002 31 dezembro, 1998 01 janeiro, 1995 28 setembro, 1992 15 maro, 1990 14 maro, 1985 14 maro, 1979 14 maro, 1974 29 outubro, 1969 30 agosto, 1969 14 maro, 1967 14 abril, 1964 31 maro, 1964 25 agosto, 1961 30 janeiro, 1961
GOVERNADOR Jaime Lerner Jaime Lerner Mario Pereira Roberto Requio lvaro Dias Joo Elisio Campos Jos Richa Jos H. Novaes Ney Braga Jaime Canet Jr. Emlio Gomes Joo Mansur Parigot de Souza Aroldo Leon Perez Paulo Pimentel Algacir Guimares Ney Braga
INCIO 01 janeiro, 1999 01 janeiro, 1995 02 abril, 1994 15 maro, 1991 15 maro, 1987 09 maro, 1986 15 maro, 1983 14 maio, 1982 15 maro, 1979 15 maro, 1975 11 agosto, 1973 07 julho, 1973 23 novembro, 1971 15 maro, 1971 31 janeiro, 1966 20 novembro, 1965
Populao em 1980 1.024.980
Elaborao do I Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano (I PMDU)
Surge o APPUC que mais tarde se torna no IPPUC
Plano Diretor
Golpe Militar
FIM 31 dezembro, 2002 31 dezembro, 1998 31 dezembro, 1994 01 abril, 1994 14 maro, 1991 14 maro, 1987 08 maro, 1986 14 fevereiro, 1983 13 maio, 1982 14 maro, 1979 14 maro, 1975 10 agosto, 1973 06 julho, 1973 22 novembro, 1971 14 maro, 1971 30 janeiro, 1966 19 novembro, 1965
PREFEITO Cassio Taniguchi Cassio Taniguchi Rafael Greca Jaime Lerner Roberto Requio Maurcio Fruet Moacir Tosin Jaime Lerner Saul Raiz Donato Gulin Jaime Lerner Edgard Dantas Omar Sabbag Acyr Hafez Jos Ivo Arzua
INCIO FIM 01 janeiro, 2001 31 dezembro, 2005 01 janeiro, 1997 31 dezembro, 2000 01 janeiro, 1993 31 dezembro, 1996 01 janeiro, 1989 31 dezembro, 1992 01 janeiro, 1986 31 dezembro, 1988 04 abril, 1983 31 dezembro, 1985 03 abril, 1983 17 maro, 1983 26 maro, 1979 16 maro, 1983 25 maro, 1979 08 abril, 1975 25 maro, 1975 07 abril, 1975 24 maro, 1971 24 maro, 1975 16 maro, 1971 23 maro, 1971 22 maro, 1967 15 maro, 1971 14 maro, 1967 21 maro, 1967 15 novembro, 1962 13 maro, 1967
FONTES: CASA DA MEMRIA, 2001; PALCIO IGUAU, 2000; ALMANAQUE ABRIL Cd Rom, 1997; SMMA, 2000; IBGE, 2001
33 2.1 O processo de produo de parques e bosques pblicos em um perodo de concepes sanitaristas
Desde a emancipao poltica da Provncia do Paran em 19 de dezembro de 1853, a cidade de Curitiba, em funo de ter sido designada para ser a futura capital do estado, teve preocupao com a organizao do espao urbano e o controle do uso do solo. Assim, em 1855, com o chamado Plano Taulois, surge a primeira tentativa de transformaes estruturais no cenrio urbano. dessa poca a criao do Cinturo Verde. O governo provincial, seguindo a orientao assumida por D. Pedro II, e visando suprir a demanda de produtos alimentcios bsicos, criou uma poltica imigratria que estimulou a criao de colnias agrcolas das mais variadas origens tnicas ao redor da cidade: Inicialmente os maiores contingentes foram de alemes, poloneses e italianos (...) Calcula-se que aproximadamente 30 mil imigrantes chegaram a Curitiba entre 1872 e 1900 (...) em 1872 a cidade contava com 12.651 habitantes, em 1900 com 49.755 (MENEZES, 1996. p. 58). Pode-se observar que entre 1872 e 1900, a populao curitibana aumentou em quatro vezes, sendo que cerca de 60% da populao passou a ser formada por imigrantes, sabendo-se, contudo, que poca, negros e ndios no eram contados. No obstante, a prefeitura se apossa destes dados tentando convencer a populao que a interao entre esses diversos grupos tnicos criou um sincretismo cultural que a base da personalidade da Curitiba de hoje. Os imigrantes vieram da Europa, de pases como Alemanha, Itlia, Polnia e Ucrnia, dentre outros. Ao chegarem, assentaram-se principalmente no norte de Curitiba j que no sul havia confluncia dos principais rios da regio o que tornava a rea propcia a inundaes:Nesse perodo [final do sc XIX], chegam as primeiras grandes levas de imigrantes e a cidade passa, no final do sculo, pelo primeiro surto de desenvolvimento. Alm dos alemes, reimigrados de Santa Catarina, que j povoavam o espao urbano e arredores desde a dcada de 1830, outros grupos de imigrantes de composio bastante heterognea tambm se estabeleceram nas colnias ao redor de Curitiba a partir da segunda metade do sculo XIX. A poltica imigratria no Paran, notadamente a partir de Lamenha Lins, procurava, com a instalao desses imigrantes camponeses nos arredores da cidade, solucionar o problema de abastecimento, incrementando a agricultura de subsistncia e a produo de hortigranjeiros. Entre eles estavam italianos, poloneses e ucranianos e, em menor nmero, russos, franceses, austracos, holandeses e suos. Esses grupos se estabeleceram, princi-
34palmente na regio norte da cidade, em antigos quarteires (Pilarzinho, Ahu, Mercs e Bacacheri) e em colnias criadas especialmente para abrig-los (Abranches, Santa Cndida, Dantas, Orleans e Santa Felicidade), (BALHANA apud CASA DA MEMRIA, 04/01/01).
Entre as colnias dos imigrantes ao norte e a rea urbanizada de Curitiba haviam reas vazias dentre as quais uma situada s margens da Estrada da Graciosa, no trecho onde hoje se encontra a Av. Joo Gualberto, que era utilizada como via de acesso ao litoral e pelos colonos quando queriam ir cidade. Em 1885 surge o primeiro parque da cidade. o Passeio Pblico, que hoje passa por um processo de revitalizao em funo do alto ndice de criminalidade, era a principal opo de lazer da elite curitibana. O Passeio Pblico foi uma obra de carter nitidamente higienista. De acordo com SEGAWA (1996), o terreno onde ele foi implantado era foco de proliferao de doenas, sua rea alagadia e pantanosa era propcia ao surgimento de inse