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CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros Roberto Pereira Medeiros Dissertação apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como exigência parcial do Curso de Pós-Graduação para obtenção do título de Mestre junto ao Departamento de Jornalismo e Editoração. Orientador: Profº Dr. Jair Borin São Paulo 1996

CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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Page 1: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

CIÊNCIA e IMPRENSA

A fusão a frio em jornais brasileiros

Roberto Pereira Medeiros

Dissertação apresentada à Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo como exigência parcial do Curso de

Pós-Graduação para obtenção do título de Mestre junto ao

Departamento de Jornalismo e Editoração.

Orientador:

Profº Dr. Jair Borin

São Paulo

1996

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3

A

Sonia, mulher admirável,

a quem peço desculpa pelos momentos de azedume e a

desarrumação permanente do escritório.

A

Bruno e Bernardo, meus filhos,

por cederem graciosamente espaço na memória

do computador, suficiente para arquivar material da dissertação.

À

memória de Quincas Jorge,

bisavô paterno, um mestre-escola na

Província do Rio de Janeiro.

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4

“Na verdade, as coisas mais fundamentais da Ciência

não são muito acessíveis, pois se o fossem

não seriam fundamentais.”

Mário Schenberg (1914-1990)

in “Pensando a Física”, 1984, p. 29

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Resumo

Esta dissertação tem o objetivo de mostrar como a Ciência é coloca-da ao alcance do conhecimento do público leigo, por meio de textos jorna-lísticos veiculados na Imprensa escrita.

Para realizar tal intento, partimos de um fato científico, ocorrido em1989, que repercutiu em todo o mundo, provocando uma celeuma ainda nãototalmente encerrada entre os cientistas: a anunciada fusão de núcleos deátomos em condições até então não usuais em laboratórios que buscam rea-lizar este acontecimento no âmbito da Física.

Buscamos verificar quais os argumentos utilizados pela Imprensa, emespecial por quatro periódicos representativos no contexto brasileiro, osjornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e OGlobo.

A partir da identificação desses argumentos, verificamos até queponto eles estão previstos em literatura que procura ditar os contornos deuma prática adequada de Jornalismo Científico. Também procuramos veri-ficar se com a leitura do conjunto de textos publicados no período de 24 demarço a 30 de junho de 1989 nos jornais mencionados, é possível ao leitorobter uma compreensão generalizada sobre o processo científico.

Abstract

This dissertation intends to demonstrate how Science is placed withinthe reach of the lay public by way of journalistic texts disseminated in thePress.

To achieve this intent, we began with a scientific fact which ocurredin 1989 and caused repercussions in the entire world, provoking a commoti-on which is still not completely resolved among scientists: the announcedfusion of the nuclei of atoms in conditions not yet used in laboratoriesattempting to achieve it in the ambit of Physics.

We have tried to verify the arguments used by the Press, in particularfour daily newspapers which are representative in the Brazilian context,Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil and O Globo.

After identifying these arguments, we have verified to what pointthey are foreseen in literature aiming to establish the contours of an ade-quate practice of Scientific Journalism. We have also tried to verify if, inreading all of the texts published between March 24 and June 30 of 1989 inthe newspapers mentioned, it is possible for the reader to obtain a generali-zed comprehension of the scientific process.

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Sumário

PARTE 11. INTRODUÇÃO - 71.1 - Justificativas - 151.2 - O Contexto da Pesquisa - 161.3 - Metodologia - 201.4 - Corpus - 22

PARTE 2CAPÍTULO 1 - CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO1.1 - Ciência e Sociedade - 401.2 - Valores, Normas e Práxis da Ciência - 411.3 - Comunicação Científica - 481.4 - Comunicação Pública da Ciência - 511.5 - Jornalismo e Jornalismo Científico - 581.6 - Conceitos do Jornalismo Científico - 601.7 - Críticas ao Jornalismo Científico - 65

CAPÍTULO 2 - UMA NOTÍCIA QUENTE2.1 - Uma Entrevista Coletiva e seus Desdobramentos - 722.1.2 - Esforços para Reproduzir a Experiência - 782.1.3 - A Imprensa Amplificando o Fato - 802.1.4 - Um Tema Inquietante - 832.2 - Dos Gregos à Física Quântica - 842.3 - Os Acontecimentos em Seqüência Jornalística (Análise Descritiva)-92

CAPÍTULO 3 - A FUSÃO A FRIO NOS JORNAIS BRASILEIROS3.1 - Comentários Necessários - 1573.2 - Análise Qualitativa - 1673.2.1 - Relação da Ciência com as Aplicações - 1673.2.2 - Observância ao Ritual Científico - 1743.2.3 - Contextualização do Fato - 1813.2.4 - Analogias como Recurso - 1863.2.5 - Descrições de Métodos e Processos - 187

3.3 - Conclusões3.3.1 - Respostas para as Hipóteses - 1913.3.2 - Comentários Pertinentes - 1943.3.3 - Livre Reflexão - 197

BIBLIOGRAFIA GERAL - 199ANEXOS

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P A R T E 1

1. INTRODUÇÃO

Nesta dissertação estuda-se o comportamento da Imprensa diante de

um fato científico que teve repercussão mundial, a possível realização de

fusão de núcleos de átomos na Universidade de Utah, EUA, em torno do

qual se estabeleceu uma longa controvérsia - ainda não encerrada - centrada

no fato propriamente dito e, também, na participação ostensiva da Imprensa.

A partir desse fato, coloca-se em análise o Jornalismo, e, mais especifica-

mente, a cobertura de Ciência e Tecnologia.

O recorte do universo jornalístico que lastreia a pesquisa desta dis-

sertação é constituído por quatro jornais considerados como os de maior

influência da imprensa brasileira: O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.

Paulo e O Estado de S. Paulo. O período de estudo vai de 24 de março a

30 de junho de 1989, totalizando 222 matérias, sob forma de reportagens,

notas, editoriais e artigos.

Olhado em seu conjunto, o corpus de análise constitui um momento

raro no Jornalismo Científico, pois todos os textos estão vinculados a um só

tema, abordado sob os diferentes enfoques de uma história em construção.

Esta característica é fundamental para empreender a busca por confronta-

ções entre o Jornalismo Científico, que se acredita possível, e o Jornalismo

Científico, que na prática se faz.

O fato motivador da ampla cobertura jornalística ocorrida em 1989,

no Brasil e em outros países, foi a entrevista concedida por dois pesquisado-

res vinculados a uma universidade americana. Nesta entrevista, os dois pes-

quisadores anunciaram ter conseguido fundir núcleos de átomos, num pro-

cesso denominado “fusão a frio” (cold fusion). Isto é, os pesquisadores dizi-

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am ter conseguido realizar fusão em temperatura ambiente, contrariando a

linha tradicional de pesquisa nesta área, que utiliza temperatura na escala

dos milhões de graus centígrados, para induzir a fusão dos núcleos atômi-

cos.

No dia 23 de março de 1989 - mediante a convocação para uma en-

trevista coletiva - jornalistas acorreram à Universidade de Utah1, no estado

de mesmo nome, na região oeste central dos Estados Unidos, e ali ouviram

Stanley Pons e Martin Fleischmann relatar que haviam conseguido dominar

o processo de fusão de núcleos de átomos, por mecanismo diferente do que

vem sendo tentado há mais de quatro décadas, por diversos grupos científi-

cos. A Universidade de Utah, por meio do Serviço de Relações Públicas,

preparou alentado release sobre o assunto, previamente distribuído com em-

bargo para divulgação até a hora da entrevista coletiva.

Nas semanas seguintes o tema "fusão a frio" passou a ter uma cober-

tura grandiosa da Imprensa, com desdobramentos pouco comuns para as-

suntos científicos, normalmente tratados longe dos olhos e ouvidos dos

meios de comunicação. A repercussão se devia ao fato em si mesmo, que, se

comprovado nos moldes anunciados por Fleischmann e Pons, abriria uma

perspectiva de desenvolvimento tecnológico sem precedentes no setor

energético. E, também, à polêmica surgida nos meios científicos, com ques-

tionamentos diversos ao trabalho dos cientistas da Universidade de Utah.

A notícia oferecida por Fleischmann e Pons produziu efeito imediato

em círculos científicos, motivando experimentos de igual teor, em diversos

laboratórios, inclusive no Brasil, especialmente em instituições de pesquisa

situadas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

1- The University of Utah, fundada em 1850. Não deve ser confundida com a Utah State

University, fundada em 1888, e também situada em Salt Lake City, capital do estado americano

de Utah.

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Tal procedimento - buscar reproduzir uma experiência, visando com-

provar ou refutar os resultados apresentados - é usualmente utilizado por

grupos científicos, em especial nas Ciências Físicas. Neste caso específico,

chamou a atenção o tratamento público da questão (não só no Brasil, mas

também no Exterior), com o acompanhamento permanente da imprensa,

lembrando, de certo modo, as coberturas jornalísticas de um campeonato

desportivo ou de um rumoroso julgamento.

Estas características - um fato científico de repercussão mundial e seu

acompanhamento jornalístico - foram os vetores que deram origem a idéia

de desenvolver esta dissertação como corolário dos estudos realizados na

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo visando

obter o grau de Mestre em Comunicação.

A dissertação abrange duas partes:

A PARTE 1 compõe-se desta Introdução e mais quatro tópicos, a sa-

ber: a) Justificativas para o desenvolvimento do trabalho; b) Contexto da

pesquisa, com um rápido panorama sobre os estudos acadêmicos que têm

procurado enfocar questões de divulgação e jornalismo científico; c) Meto-

dologia adotada para permitir a adequada análise do material em estudo; d)

Corpus, com a descrição sumária dos textos para leitura e análise.

A PARTE 2 da dissertação divide-se em três capítulos.

O Capítulo 1 - Ciência e Comunicação - é formado por sub-temas

nos quais se procura informes e contextualização para o vínculo entre a Ci-

ência e a Sociedade e como a comunicação se torna parte intrínseca do pro-

cesso de produção científica, quer em sua vertente orientada para a obriga-

toriedade da informação destinada ao próprio estamento científico, quer em

sua vertente orientada para o público leigo.

No Capítulo 1 buscamos argumentar que as relações entre Ciência e

Imprensa são, de certo modo, motivadas por interesses convergentes, origi-

nados em pelo menos dois diferentes vetores, em tempos distintos: a busca

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por legitimação junto à Sociedade, e a necessidade (esta mais recente) de

angariar simpatia e apoio para buscas de financiamento.

O Capítulo 1 trata também das questões relacionadas ao fato de que o

Jornalismo é apontado como uma das vertentes privilegiadas da divulgação

científica. Deve-se, desde já, esclarecer que tal relação vem sendo há algum

tempo objeto de análises em nível acadêmico. É falsa a idéia de que não há

bibliografia sobre a questão, concepção errônea que leva em conta apenas o

que se encontra disponível em língua portuguesa. Entretanto, quando se

alarga a pesquisa em busca de novas fontes de referência encontra-se mate-

rial bastante amplo, sobretudo em espanhol, francês e inglês.

São tantas as possibilidades que se oferecem para trabalhar esta

questão que uma das grandes angústias vividas para circunscrever esta dis-

sertação foi a de não ceder à tentação de explorar vários caminhos que se

colocavam diante de nós. Assim, optamos por trabalhar apenas aqueles as-

pectos que tenham alguma relação direta com a proposta de análise qualita-

tiva que se empreende no Capítulo nº 3.

Deve-se registrar, até mesmo por dever de justiça, que em 1995 com-

pletou dez anos que, na Escola de Comunicações e Artes da USP, Wilson

da Costa Bueno apresentou tese de doutoramento enfocando o conceito e a

prática do Jornalismo Científico.2

A tese de Bueno consolidou inúmeras informações que se encontra-

vam em bibliografia esparsa e passou, desde então, a ser citada obrigatoria-

mente em trabalhos voltados para as questões da Divulgação Científica e do

Jornalismo Científico. Pensamos que seria ocioso repetir algumas dessas

informações (em especial se elas não contribuem para o desenvolvimento

das respostas às hipóteses que foram arroladas nesta dissertação).

2- BUENO, W. da COSTA - Jornalismo Científico, uma prática dependente. São Paulo:

ECA/USP, 1985 (Tese de Doutoramento).

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No Capítulo nº 2 - Uma notícia quente - tratamos de recuperar os

bastidores da entrevista. Para realizar este objetivo buscamos informações

na Universidade de Utah, tentando recompor o caminho percorrido pela

informação a partir de sua fonte primária de emissão. É interessante verifi-

car, pela análise desta documentação, como a Imprensa "compra" da fonte

determinada informação, inclusive incorporando enfoques.

Ainda no Capítulo nº 2, apresentamos, em seqüência cronológica, os

textos publicados nos quatro jornais pesquisados, no período de 24 de mar-

ço a 30 de junho de 1989, resumindo o conteúdo do noticiário sobre a fusão

a frio. Este tópico acima mencionado (2.3 - Os acontecimentos em seqüên-

cia jornalística) é a análise descritiva, apresentada de maneira autônoma,

separada da análise qualitativa, opção metodológica que julgamos mais

adequada.

Com relação a este aspecto, acreditamos ter seguido uma orientação

proposta por LOPES3ao afirmar que “a descrição faz a ponte entre a fase de

observação dos dados e a fase de interpretação e, por isso, combina igual-

mente em suas operações técnicas e métodos de análise”.4

Também no Capítulo nº 2 incluímos um resumo sobre a evolução do

pensamento filosófico e científico, desde os gregos até a Física Quântica.

Trata-se de um curto repositório, cuja intenção é apenas dar uma visão pa-

norâmica sobre o desdobramento da Ciência, em especial na Química e Fí-

sica.

O Capítulo nº 3 - A Fusão a Frio nos Jornais Brasileiros - constitui

o núcleo central da dissertação. Aqui está a análise do material e a busca

dos elementos para subsidiar as respostas para as hipóteses formuladas (H1

e H2).

3- LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa em Comunicação - formulação de um

modelo metodológico. São Paulo: Loyola, s. d. p. 129 a 132.

4- Opus cit. p. 129.

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Esta foi, sem dúvida, uma longa busca neste trabalho: que ferramenta

usar para empreender uma análise de conteúdo?

O projeto de pesquisa submetido à ECA/USP como parte dos proce-

dimentos para ingresso na pós-graduação deixou claro que não nos interes-

sava simplesmente fazer uma análise quantitativa do material publicado e

uma análise comparativa entre os quatro jornais. Julgamos que este tipo de

estudo, de conformação essencialmente funcionalista, já cumpriu um papel

desbravador em passado recente no contexto da pesquisa em comunicação e

não oferece resultados satisfatórios como instrumento para entender certas

questões.

O que buscamos foi correlacionar a prática concreta do Jornalismo,

no caso o jornalismo especializado em Ciência e Tecnologia, com referên-

cias pragmáticas que lhe dão os contornos de ordem específica, no sentido

de orientar a produção de textos. Trata-se, portanto, de abordagem sobre

uma base material concreta (os textos dos quatro jornais), estudados em

confronto com uma base de normas aplicáveis que vem sendo construída

por alguns autores que têm escrito sobre o Jornalismo Científico.

Com relação à Hipótese 2, procuramos ver se os textos analisados

abrangem aspectos de caráter mais geral, relacionados com o processo ci-

entífico.

Após o capítulo de Conclusões, juntamos um Anexo com amostra-

gem do material analisado e o release da Universidade de Utah que deslan-

chou o processo de comunicação em nível mundial.

Um curso de Mestrado com a conseqüente apresentação e defesa da

dissertação é uma falsa aventura solitária. Amir Klink, o navegador-poeta,

exemplifica bem esta situação, quando se sabe (e êle trata de esclarecer em

seus livros) que muitas pessoas participam de maneira invisível de uma

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aventura. A estas pessoas e instituições que, de alguma maneira, participa-

ram desta minha aventura o meu melhor agradecimento:

- Ao meu Orientador, Profº Dr. Jair Borin, por sua paciência em

atender-me prontamente e alertar-me para impropriedades diversas, nas ver-

sões preliminares da dissertação.

- Às bibliotecárias e documentalistas, em especial do Museu de As-

tronomia e Ciências Afins (MAST), no Rio de Janeiro, onde comecei a co-

letar material sobre o tema fusão a frio; da Escola de Comunicações e Artes

da Universidade de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Informação Cientí-

fica e Tecnológica (IBICT/CNPq); da Biblioteca Nacional, em especial da

Divisão de Periódicos. Agradecimento especial à bibliotecária Margarida

Maria Silva Abreu de Lima, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

(LNLS), onde trabalho, por seu apoio na obtenção de bibliografia e orienta-

ção na organização técnica.

- Aos meus amigos do Museu de Astronomia e Ciências Afins

(MAST), onde a partir de 1986 comecei a vivenciar mais cotidianamente as

inquietações acadêmicas, assistindo gradativamente colegas concluírem

mestrados e doutorados. Foi ali que ganhei o estímulo para começar um

curso de pós-graduação. Obrigado especial ao Francisco Creso Franco Jr.

pelo livro enviado da Inglaterra (Too Hot to Handle, de Frank Close, custo

de 14.49 libras esterlinas nunca reembolsadas!).

- A Diane Marie Petty, do LNLS, e Renata Machado da Fonseca, que

me socorreram com traduções necessárias.

- Ao Profº Dr. Cylon Gonçalves da Silva, diretor do LNLS, pelo

apoio institucional e pessoal.

- A inúmeras outras pessoas que, em algum momento, foram aciona-

das para ajudar: Martin Yriart, Angus Foster, Pamela Fogle, Oswaldo Fro-

tta-Pessoa, Edvaldo Roberto Paiva da Fonseca, Ricardo Pereira Medeiros,

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Gilson Ferreira, Jorge Pereira da Silva, Isabel Cristina de P. Fernandes Bra-

ga.

- Aos pesquisadores Gerson Otto Ludwig, do INPE, e Rajena Saxen-

dra, do IPEN, por entrevistas que ajudaram a entender aspectos sobre a par-

ticipação de pesquisadores brasileiros no episódio da fusão a frio.

- Aos funcionários das Secretarias do Departamento de Jornalismo e

Editoração e do Curso de Pós-Graduação da Escola de Comunicações e

Artes da Universidade de São Paulo. Deles nunca deixei de obter informa-

ções e orientações.

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1.1 - Justificativas

A partir de 1986, por força de vínculo profissional com o Museu de

Astronomia e Ciências Afins (MAST), organismo de pesquisa e divulgação

científica do CNPq localizado no Rio de Janeiro, passamos a acompanhar

mais atentamente os temas correlacionados com o jornalismo especializado

na cobertura da Ciência e da Tecnologia.

Nosso interesse desde logo ampliou-se, deixando de ser apenas ins-

trumental (no sentido de obter as condições necessárias para o bom desem-

penho profissional). Gradativamente, passamos a desenvolver o comporta-

mento analítico, ao procurar compreender inúmeros aspectos subjacentes ao

processo de interação da Ciência com a Sociedade.

É deste contexto que nasceu o embrião da atitude permanentemente

crítica e da observação constante, desdobradas com a formulação do projeto

destinado ao curso de Mestrado na Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, agora finalizado com a apresentação desta dis-

sertação.

São tantas as vertentes possíveis de serem desbravadas no estudo do

tema Jornalismo Científico que, durante muito tempo, ficamos indecisos

sobre qual abordagem desenvolver. Foi um longo processo, amadurecido

com a convivência universitária durante os períodos de créditos obrigatóri-

os, que forneceu contribuição substantiva para a finalização do processo.

Estamos convictos de que o resultado final está razoavelmente colo-

cado dentro da boa técnica acadêmica e decorre de um sincero esforço para

o desenvolvimento intelectual.

Nosso estudo tem a ambição de ofertar uma contribuição para a aná-

lise da Imprensa, em especial da Imprensa especializada em Ciência e Tec-

nologia, calcada em princípios previamente esclarecidos, com os quais pro-

Page 16: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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curamos evitar os casuísmos dos inúmeros debates nos quais não se exige o

rigor da ortodoxia acadêmica.

1.2 - O Contexto da Pesquisa

A literatura que tem o Jornalismo como tema central preocupa-se

com aspectos de ordem geral, sob os mais variados ângulos de abordagem:

históricos, sociológicos, técnicos, metodológicos.

Quando a literatura enfoca áreas de especialização da cobertura jor-

nalística, possivelmente a que mais tem recebido a atenção é aquela voltada

para os assuntos de Ciência e Tecnologia, a qual se convencionou chamar

de Jornalismo Científico.

Se considerarmos que, de modo praticamente universal, o Jornalismo

tem áreas consagradas de cobertura especializada em Economia, Política,

Assuntos Policiais, Esportes, Moda, Literatura, Artes, e outras, constata-se

que a literatura sobre o Jornalismo Científico tem freqüência bastante ex-

pressiva na pauta dos estudiosos.

Em linhas gerais, tais estudos podem ser enquadrados nas seguintes

vertentes:

a) Estudos Quantitativos

Os estudos elaborados sob o enfoque quantitativo se enquadram no

contexto do Funcionalismo, com forte predominância no Brasil a partir dos

anos 50.

Invariavelmente, se fixam numa ótica restrita sobre o que seja Ciên-

cia e Tecnologia. Na delimitação do material a ser analisado, geralmente

consideram aquelas rubricas específicas - sobretudo no caso dos jornais -

que abrigam material rotulado pela editoria específica. Desconsideram que

informes sobre Ciência e Tecnologia, dependendo da angulação editorial,

podem estar localizados em páginas de Economia, de Política ou mesmo de

Page 17: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

17

Esportes. Outro aspecto observado é o de desconsiderar as Ciências Huma-

nas como parte do universo a ser coberto pelo Jornalismo Científico.

Como resultado praticamente constante, os estudos inclusos nesta

classificação indicam que a Ciência e Tecnologia têm índices considerados

baixos de freqüência, quando se compara a massa total de informações

existentes no meio analisado.

Oferecem, como conseqüência imediata, a argumentação preferida

para os que advogam a necessidade de os meios de comunicação dedicarem

mais atenção ao setor de Ciência e Tecnologia, valorizando, por extensão, a

especialização Jornalismo Científico.

b) Estudos Qualitativos

Nesta vertente, há estudos que têm procurado extrair - sob a forma de

análise de conteúdo - comprovações diversas, com ênfase evidente sobre a

comparação entre a versão apresentada pela narrativa jornalística e aquela

que, sob a ótica dos emissores originais (instituição, autor) seria a mais cor-

reta.

Uma área que oferece amplas possibilidades para a análise qualitativa

é a Lingüística, com seus instrumentais próprios, aplicáveis a estudos que

tenham no texto de divulgação científica a matéria-prima para análise.5

Trata-se de uma área cujo ferramental teórico-metodológico é bastante

complexo e à qual somente os especialistas têm-se aventurado.

c) Teoria e Prática do Jornalismo Científico

5- Cite-se, por exemplo, nesta linha, “Mecanismos de Tradução do Vocabulário Científi-

co para o Discurso Cotidiano” (Anais do II Simpósio Latino-Americano de Terminologia e I

Encontro Brasileiro de Terminologia Técnico-Científica, IBICT/CNPq, Brasília, 10-14 setembro,

1990), trabalho de Lilian M. Simões Zamboni, doutoranda da Universidade Estadual de Campi-

nas (UNICAMP), em fase de preparação da tese.

Page 18: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

18

A literatura enquadrada nesta tipologia pode ser denominada “didáti-

ca”, pois seu objetivo evidente é determinar como deve operar o Jornalismo

Científico. Nesta linha, no Brasil, sem dúvida o maior expoente é José Reis,

cuja produção iniciada nos anos 40 inclui inúmeros textos que transmitem a

visão de um divulgador comprometido em fazer chegar aos leigos a leitura

que considera ideal para o que todos possam entender a Ciência e a Tecno-

logia.

Nesta mesma linha, Manuel Calvo Hernando também apresenta ex-

pressiva contribuição, em língua espanhola. Encontram-se, em língua ingle-

sa, literatura desta ordem, que - bem ao estilo pragmático americano - for-

mam verdadeiros manuais de referência profissional.

Um denominador comum na literatura deste tipo é um certo distanci-

amento da realidade profissional. O Jornalismo Científico é, muitas vezes,

apresentado como um tipo de jornalismo especial (e não especializado...),

imune às pressões empresariais e que deveria ser executado por profissio-

nais que estariam mais para cientistas sociais do que para jornalistas propri-

amente ditos.

“A teoria formulada por quem não vive o cotidiano de uma redação

de jornal ganha no aspecto ético, filosófico, ideológico, mas perde na per-

cepção prática, no entendimento das mudanças que dependem da organiza-

ção do trabalho dentro da empresa editora, da mentalidade dos que deci-

dem, da formação dos profissionais e também das relações entre a empresa

jornalística e seu ambiente sócio-econômico-cultural, que são as forças que

o jornalismo exerce a as reações que recebe.”6

d) Estudos Críticos

6- ADEOTADO, Sérgio. O conceito de jornalismo científico - teoria e prática. Trabalho

apresentado no II Seminário Brasileiro de Divulgação Científica, 10º Congresso Intercom, Rio de

Janeiro, 1987, p. 1 (xerox).

Page 19: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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Sob esta rubrica identificamos estudos em duas vertentes distintas.

d. 1 - Alguns autores têm encontrado nos meios de comunicação a

paradoxilidade com a qual a divulgação científica tem que se defrontar. A

exigüidade do espaço nos jornais - cada vez mais assemelhados à uma tela

de tv impressa - ou a fragmentação excessiva no meio televisão - por exem-

plo, impediriam a realização de um jornalismo adequado à cobertura de Ci-

ência e Tecnologia.

Os autores encontrados neste segmento podem ser enquadrados na

matriz teórica que se inicia nos anos 60, com os primeiros estudos críticos

sobre a indústria cultural, cujos expoentes máximos fazem parte da chama-

da Escola de Frankfurt.

Nesta vertente, podemos enquadrar, por exemplo, Philippe Roque-

plo7, que coloca em discussão a Divulgação Científica (e, por extensão, o

Jornalismo Científico) à luz de contradições internas, dentre elas o uso de

artifícios que acabam contribuindo para ampliar o mito da cientificidade.

d.2 - Na outra vertente de estudos críticos encontramos autores que

para argumentação, pressupõem a crise dos paradigmas, isto é, a Ciência

estaria mergulhada em profunda crise de identidade. Conseqüentemente, o

Jornalismo Científico também encontra-se em crise.

No Brasil, quem mais consistentemente vem trabalhando nesta linha

é Cremilda Medina, coordenadora de um amplo projeto realizado desde

1990, a partir da Escola de Comunicações e Artes da USP, que já produziu

três volumes, nos quais perpassam abordagens sobre o Jornalismo Científi-

co.8

7- ROQUEPLO, Philippe. El reparto del saber - Ciencia, cultura, divulgación. Buenos

Aires: Gedisa, 1983, 195 p. (Colección Limites de la Ciencia).

8- MEDINA, Cremilda (Org.). Anais do 1º Seminário Transdiciplinar A crise dos Para-

digmas. São Paulo: ECA/USP, 1990-91. 205 p.; GRECO, Milton; MEDINA, Cremilda (Org.).

Page 20: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

20

Uma integrante da equipe do projeto “O Discurso Fragmentalista da

Ciência e a Crise dos Paradigmas”, coordenado por MEDINA, resume bem

esta linha de trabalho acadêmico com o seguinte juízo sobre o Jornalismo

Científico: “O que o Jornalismo Científico brasileiro ainda não aprendeu foi

polemizar o produto da ciência e dos cientistas, porque transformou a pri-

meira em espetáculo e os segundos em donos da verdade, esquecendo-se da

postura crítica que a imprensa deve ter, assim como da postura dialógica

diante do conhecimento e da ciência clássica, na tentativa de ampliar e

contextualizar cada nova descoberta.”9

No contexto deste panorama, sumariamente relatado, cremos que é

correto situar nossa pesquisa no âmbito da análise qualitativa, apoiada cla-

ramente na verificação do conteúdo do corpus (descrito em 1.4).

1.3 - Metodologia

O problema central da nossa pesquisa é verificar como a atividade ci-

entífica é apresentada ao público leigo, sob a forma de texto jornalístico

publicado em jornal.

Para dar conta desta tarefa, foi escolhido um fato composto dos in-

gredientes típicos do trabalho científico, acompanhado atentamente durante

semanas pela Imprensa.

Do Hemisfério Sol: projeto O discurso fragmentalista da Ciência. São Paulo: ECA/USP : CNPq,

1993, 174 p. (Novo Pacto da Ciência, 2); GRECO, Milton; MEDINA, Cremilda (Org.). Saber

Plural: o discurso fragmentalista da ciência e a crise de paradigmas. São Paulo: ECA/USP :

CNPq, 1994. 248 p. (Novo Pacto da Ciência, 3).

9- SILVEIRA, Santa Maria N. Abalos na concepção racionalista. In: Saber Plural: o dis-

curso fragmentalista da ciência e a crise de paradigmas. Organizado por Cremilda Medina. São

Paulo: ECA/USP : CNPq, 1994. 248 p. (Novo Pacto da Ciência, 3).

Page 21: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

21

A análise de conteúdo empreendida no Capítulo 3 - item 3.1 com-

põe-se da identificação dos diversos argumentos presentes em cada um dos

textos publicados nos quatro jornais selecionados.

A partir deste conhecimento sistematizado buscamos demonstrar se a

Imprensa (ainda que inconscientemente...) vai ao encontro das recomenda-

ções defendidas para o Jornalismo Científico, identificadas em autores que

têm procurado estabelecer a trilha pela qual deveria seguir este ramo de es-

pecialização jornalística.

Nosso projeto inicial, aperfeiçoado em sucessivas revisões (produzi-

das à medida em que se agregavam novos informes provenientes de leituras

e/ou realização de disciplinas), previa buscar respostas para várias hipóte-

ses, posteriormente reduzidas a três, conforme expostas no Relatório desti-

nado ao exame de qualificação, realizado dia 10 de outubro de 1995.

Com as produtivas observações feitas por membros da banca exami-

nadora, a partir daquela data consolidamos nossas hipóteses em duas, uma

principal (H. 1) e uma secundária (H. 2).

Nossa H. 1 tem a seguinte formulação:

Os textos publicados no Brasil sobre o tema “fusão a frio” nos quatro

jornais considerados representativos da grande imprensa correspondem às

características modelares indicadas na literatura sobre o Jornalismo Cientí-

fico.

Como se vê, para encontrar respostas visando a corroborar ou con-

testar a Hipótese 1, é necessário primeiramente identificar as recomenda-

ções mais evidentes, sob a ótica de alguns autores, para a prática mais ade-

quada do Jornalismo voltado para a Ciência e a Tecnologia. Isto é feito em

3.1 - Análise Qualitativa.

Nossa H. 2, uma hipótese secundária, mas bastante instigante, tem a

seguinte formulação:

Page 22: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

22

Os textos jornalísticos são capazes de propiciar, em sentido geral,

uma visão abrangente sobre o processo de desenvolvimento do trabalho ci-

entífico.

Deve-se considerar, desde já, uma peculiaridade do material analisa-

do: ele compõe um núcleo temático único, desenvolvido ao longo de quase

100 dias. É de se supor que, diferentemente da abordagem jornalística mais

ligeira, nas quais a suíte, quando existente, se limita a duas ou três seqüên-

cias, aqui tenha havido a oportunidade de o Jornalismo Científico materiali-

zar todas aquelas aspirações dos que esperam vê-lo cumprindo um papel

social mais amplo.

1.4 - Corpus

A matéria-prima para análise foi retirada de quatro jornais brasileiros:

Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo. A

escolha destes jornais originou-se dos seguintes fatores:

Dois jornais têm sede no Rio de Janeiro (O Globo e Jornal do Brasil)

e dois (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo) têm sede em São Paulo,

estados nos quais mais ativamente se desenvolveram esforços para reprodu-

zir o experimento da fusão a frio. Considerando o critério jornalístico de

proximidade, era de se esperar que estes jornais se dedicassem a acompa-

nhar o assunto, como de fato o fizeram.

Os quatro jornais são unanimemente apontados como integrantes do

primeiro time da imprensa diária no Brasil. São periódicos de larga influên-

cia, têm tiragens altas para os padrões brasileiros (entre 400 mil e 1 milhão

de exemplares, considerando as tiragens dominicais) e em seus quadros en-

contram-se os melhores profissionais da Imprensa.

Os quatro jornais dedicam espaço regular a assuntos de Ciência e

Tecnologia. Na época em questão, março a junho de 1989, três deles manti-

Page 23: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

23

nham editorias especializadas no assunto (Jornal do Brasil, O Estado de S.

Paulo e Folha de S. Paulo). Este último, em 31 de março de 1989, lançou

um caderno semanal dedicado à Ciência e Tecnologia, com circulação às

sextas-feiras. Sintomaticamente, em texto publicado no dia 30 de março (p.

A-4) - “Com três novos suplementos, a Folha avança para atender melhor o

leitor” - a editora responsável pelo caderno Ciência, Laura Capriglione,

afirmava: “A idéia é mostrar a aventura intelectual, a disputa das equipes de

pesquisa para chegarem antes das outras, a concorrência”.

Dos quatro jornais, O Globo era o único que não tinha uma editoria

denominada especificamente de Ciência e Tecnologia. Mantinha um encla-

ve vinculado à editoria Internacional, situação ainda hoje existente.

Fixamo-nos neste tipo de meio impresso, deixando de lado o material

jornalístico veiculado em televisão ou em revistas considerando que a análi-

se e as conseqüentes conclusões estarão circunscritas a um dado meio (no

caso jornais e, dentre estes, os quatro escolhidos), numa dada circunstância

(um fato único, replicado em diversos textos num período de tempo).

O material jornalístico que constitui o corpus principal de análise na

dissertação encontra-se a seguir apresentado em ordem cronológica, no pe-

ríodo de 24 de março a 30 de junho de 1989.

Para definir este período, consideramos as indicações obtidas em

exaustivo levantamento realizado na Divisão de Periódicos da Biblioteca

Nacional, quando comprovamos que a partir de julho de 1989 o tema “fusão

a frio” deixou de ter continuidade sistemática, reaparecendo apenas de

modo espasmódico.

O levantamento em cada edição constou de uma minuciosa varredura

em todas as páginas, não se circunscrevendo apenas às páginas consagradas

aos temas científicos. Isto possibilitou descobrir a presença do assunto fu-

são a frio, por exemplo, em seção dedicada a temas econômicos ou em edi-

toriais, o que expressa a importância do mesmo, naquele momento.

Page 24: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

24

O conjunto de textos se compõe da seguinte maneira:

Folha de S. Paulo

Foram identificados 68 textos, assim classificados:

Chamada de 1ª página = 7

Matéria principal = 21

Retranca = 17

Ilustração = 4

Ilustração em 1ª página = 2

Editorial = 0

Artigos opinativos = 4

Pequena nota = 19

O Estado de S. Paulo

Foram identificados 45 textos, assim classificados:

Chamada de 1ª página = 2

Matéria principal = 29

Retranca = 12

Ilustração = 4

Ilustração em 1ª página = 0

Editorial = 1

Artigos opinativos = 1

Pequena nota = 0

Jornal do Brasil

Foram identificados 56 textos, assim classificados:

Chamada de 1ª página = 8

Matéria principal = 25

Retranca = 22

Ilustração = 5

Page 25: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

25

Ilustração em 1ª página = 0

Editorial = 0

Artigos opinativos = 0

Pequena nota = 1

O Globo

Foram identificados 55 textos, assim classificados:

Chamada de 1ª página = 3

Matéria principal = 26

Retranca = 21

Ilustração = 2

Ilustração em 1ª página = 0

Editorial = 4

Artigos opinativos = 1

Pequena nota = 0

Considerando o objetivo da pesquisa, a análise de conteúdo será em-

preendida sobre todo o conjunto e não apenas sobre uma amostragem dos

textos identificados, conforme se especifica no item “Metodologia”.

A seqüência de apresentação dos textos obedece sempre à seguinte

ordem de entrada: Folha de S. Paulo (FSP); O Estado de S. Paulo (OESP);

Jornal do Brasil (JB) e O Globo.

Títulos assinalados com (**) são aqueles editados em primeira página

(da edição ou de caderno); (*) indica a matéria principal na edição; (#) refe-

re-se a retrancas da matéria principal; (+) indica ilustrações com legendas

explicativas; (++) indica ilustrações com legendas explicativas em chama-

das de primeira página (da edição ou de caderno); (-) refere-se a editoriais;

(=) são artigos opinativos ou interpretativos, assinados; (/) indica pequena

nota.

Page 26: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

26

Textos em ordem cronológica:

24.março.1989

OESP (p.9)* Cientistas anunciam fusão atômica barata+ Sol de proveta

O GLOBO (p.13)* Ciência aprisiona em proveta energia do Sol

25.março

FSP (primeira página)** Cientistas obtêm energia com fusão nuclear de baixo custo++ O experimento de Utah(p. C-6)*Fusão nuclear em equipamento caseiro alvoroça cientistas# Experimento revoluciona a área# Pesquisadores usaram verba própria para pagar custos da experiência# Principal vantagem do método é a ausência de resíduos poluentes

JB (p. 5)* Fusão nuclear barata é vista com ceticismo

O GLOBO (p. 14)* Fusão nuclear em proveta divide cientistas# Num pequeno sótão, o sonho de reproduzir a energia solar

26.março

FSP (p. C-7)* Informações sobre nova técnica de fusão omitem dados fundamentais

OESP (p. 17)* Fusão nuclear barata recebida com descrença

29.março

JB (p. 6)* Holanda repete experiência de fusão nuclear sem êxito# Uma energia não poluente e ilimitada

Page 27: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

27

30.março

FSP (p. C-5)* Cientista norte-americano contesta experiência da fusão nuclear barata# Vários tentam repetir

31.março

FSP (p. G-6)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)

01.abril

FSP (p. C-4)* USP quer água pesada argentina para repetir experimento de fusão

OESP (p. 11)* Brasil tentará repetir fusão de núcleos a frio# Processo é o do sol e da bomba

JB (p. 6)* Físico da USP propõe repetir experiência para a fusão nuclear# (sem título)

02.abril

FSP (primeira página)** Físicos húngaros obtêm sucesso na fusão atômica

(p. A-20)* Cientistas na Hungria fazem fusão nuclear

03.abril

O GLOBO (p. 10)* Fusão nuclear a frio é conseguida mais uma vez# Brasil pesquisará o novo processo de produção de energia

05.abril

OESP (primeira página)** São Paulo realizará fusão nuclear a frio

Page 28: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

28

(p. 9)* Ipen começa a tentar fusão nuclear a frio# Da alquimia à mecânica quântica# A mágica de juntar átomos

06.abril

OESP (p. 17)* Polônia repete a fusão a frio

JB (primeira página)** Fusão nuclear

(p. 8)* Inpe tenta reproduzir pesquisa sobre a fusão nuclear a frio# Experiência é feita em 12 centros

07.abril

FSP (primeira página)** Nova fusão nuclear é um desafio para a física

(p. G-1)* Pesquisadores caçam partículas para comprovar método de fusão nuclear# Água pesada já foi obtida até por contrabando# Artigo circula em uma cópia “clandestina”+ Temperaturas máximas obtidas em laboratório

OESP (p. 10)* Revista antecipa edição e desvenda fusão a frio# Falta verba para tentativa carioca

08.abril

FSP (p. A-11)/ Fusão (nota)

OESP (p. 10)* Detector fará prova final de fusão nuclear

09.abril

Page 29: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

29

OESP (p. 23)= Fusão a frio é tão boa que cientistas desconfiam

JB (p.16)* Anúncio de fusão nuclear fria reforça tese de físicos do Rio# Italianos opinam com cautela# Tentativas começaram há 42 anos

11.abril

FSP (p. A-10)* Texas anuncia ter conseguido fusão a frio

OESP (p. 12)* Texas confirma fusão a frio+ Como a matéria vira energia

JB (primeira página)** Cientistas repetem a fusão nuclear

(p. 8)* Cientistas repetem com êxito fusão nuclear em laboratório# A energia nasce num copo d’água# É possível que tudo seja só um sonho+ Reação química+ Fissão nuclear+ Fusão nuclear

O GLOBO (p. 15)* Fusão a frio pode ter sido mera reação química

12.abril

OESP (p. 12)* Geórgia acha o nêutron da fusão a frio

JB (p. 12)* Evidência de fusão nuclear surge em nova experiência# Pesquisa brasileira já começou

O GLOBO (p. 13)* Descobridor da fusão a frio some para pesquisar

13.abril

Page 30: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

30

FSP (p. C-5)* Falta apenas um equipamento para USP conseguir a fusão a frio

JB (p. 8)* Cientistas se reconciliam mas disputam paternidade da fusão# Pons e Jones atiçam velha rivalidade# Experiência será tentada no Rio# (sem título)

O GLOBO (p. 15)* URSS repete com êxito a experiência de fusão a frio

14.abril

FSP (p. G-6)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)/ Fusão nuclear-3 (nota)/ Fusão nuclear-4 (nota)

JB (p. 7)** MIT solicita patente de teoria da fusão a frio# Westinghouse faz contrato

O GLOBO (p. 14)* Fusão a frio faz preço do paládio disparar# MIT requer patente de primeiro estudo

15.abril

FSP (p. C-4)* Fusão a frio começa a ser tentada no Inpe

OESP (p. 9)* Brasil entra na confusão a frio

JB (p. 6)* Brasil começa segunda tentativa de repetir fusão nuclear a frio# Cientistas da Geórgia admitem novas dúvidas

O GLOBO (primeira página)** Inpe realiza experiência no Brasil de fusão a frio

Page 31: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

31

(p. 6)* Brasil tenta fusão nuclear em temperatura ambiente# Uma importante alternativa para a produção de energia

16.abril

OESP (p. 3)- O problema da fusão a frio (editorial)

JB (primeira página)** Fusão nuclear

(p. 12)* Cientista acha que fusão fria pode subverter Física# Quinze mil anos sem crise de energia# Uso como arma começou em 1952+ A fusão a frio

O GLOBO (p. 32)* Em todo o país, a busca da fusão a frio# Nos EUA, surpresa e incredulidade# Paládio, platina, água pesada e lítio. Aí começa a reação+ O processo da fusão a frio

17.abril

O GLOBO (p. 10)* Fusão a frio já atrai grandes empresas# URSS obtém êxito com novo método# Ciência apóia produção de água pesada- Revolução a caminho (mini-editorial)

18.abril

FSP (p. C-5)* Experimento mostra os primeiros indícios de fusão nuclear a frio

OESP (p. 10)* País pode ter fusão a frio amanhã

JB (p. 7)* Falta de luz atrasa teste de fusão no Ipen# (sem título)

Page 32: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

32

O GLOBO (p. 13)* Fusão a frio no Inpe começa a dar resultado# Produção de água pesada no Brasil surpreende EUA# Italianos realizaram com êxito a experiência# Americanos descrêem da descoberta

19.abril

FSP (primeira página)** USP reproduz fusão nuclear a frio++ Como é a experiência

(p. C-1)* USP e Ipen vencem corrida da fusão nuclear a frio no Hemisfério Sul# As dúvidas# Cientistas brigam pela autoria da descoberta# Italianos usam titânio para repetir a experiência

OESP (primeira página)** Brasileiros refazem fusão nuclear a frio

(p. 9)* Brasil repete reação de fusão a frio# Utah anuncia fim da caça aos nêutrons# Inpe divulgará seu resultado 6a. Feira# Itália segue caminho original+ Quem já fez a fusão a frio

JB (primeira página)** Cientistas obtêm fusão em São Paulo

(p. 12)* Físicos da USP repetem fusão fria mas medem poucos nêutrons# Inpe está perto de obter sucesso# Italianos usam novo método

O GLOBO (primeira página)** Físicos de São Paulo conseguem fusão a frio

(p. 15)* Ipen anuncia ter obtido fusão a frio# Experiência traz risco de explosão# Cientistas de 3 países repetem a experiência- Sem comparar (mini-editorial)

Page 33: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

33

(p. 19)= A confusão nuclear (Joelmir Beting)

20.abril

FSP (p. C-1)** No Rio, equipe tenta avançar na fusão fria

(p. C-3)* No Rio, cientistas tentam avançar na fusão nuclear fria

OESP (p. 14)* Física de plasma está ameaçada# Alvo da caçada é agora o hélio-4

JB (primeira página)** Stanford obtém evidência de fusão a frio

(p. 6)* Stanford reforça a hipótese da fusão# Patente

O GLOBO (p. 17)* Inpe passa a nova etapa da fusão nuclear# Nova experiência dissipa as dúvidas# Italianos combinam dois procedimentos

21.abril

FSP (primeira página do Caderno Ciência)** Fusão nuclear

(p. G-3)* Instituto espacial consegue melhores dados de fusão nuclear# Dois picos de emissão# Depósito de lixo fornece material dos instrumentos# Revista ‘Nature’ exige correções para publicar artigo de dupla pioneira# Empresas particulares participam de construção de usina de água pesada# Utah planeja construção de reator# Como se obtém água pesada+ Dez vezes mais nêutrons+ Os principais laboratórios que fizeram o experimento

Page 34: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

34

(p. C-4)* UFRJ também consegue obter a fusão nuclear

OESP (p. 12)* Rio tem planos de inovar fusão a frio

JB (primeira página)** Fusão a frio

(p. 15)* Pouca informação traz ceticismo sobre fusão# Experiência foi repetida no Rio

O GLOBO (p. 14)* Rio consegue a fusão nuclear a frio# Na China, fracasso. E cientistas estão céticos# Índia também repete com êxito a experiência

22.abril

FSP (p. C-3)* Brasil consegue prova de fusão nuclear a frio

OESP (p. 10)* Brasil aprimora medidas da fusão

JB (p. 6)* Cientistas do Inpe medem hélio-3 e comprovam fusão

O GLOBO (p. 14)* Experiência põe em dúvida fusão a frio- Papai, compra paládio? (Mini-editorial)# Para alemães, químico descobriu a técnica em 1823# PUC tenta repetir o modelo italiano# Pesquisadores brasileiros querem combinação de esforços

23.abril

FSP (p. C-6)* Instituto aperfeiçoa medições para avaliar resultados da fusão a frio

JB (primeira página)

Page 35: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

35

** Fusão limpa

(p. 25)* Fusão não traz poluição

O GLOBO (p. 31)* Revelado segredo da água pesada brasileira

25.abril

O GLOBO (p. 15)* Brasil planeja reator que usará fusão a frio# Pioneiros tentarão produzir mais energia

27.abril

FSP (p. A-12)* Pioneiros da fusão fria pedem US$25 milhões ao Congresso

OESP (p. 12)* Utah anuncia uso comercial da fusão

O GLOBO (p. 21)* Pioneiros da fusão a frio fazem novos testes para prova método

28.abril

FSP (p. G-6)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)

(p. G-4)= Físicos se comportam como galinhas (Rogério C. C. Leite)

OESP (p. 9)* Linus Pauling duvida da fusão nuclear a frio# Jones diz que fusão ocorre naturalmente

JB (p. 6)* Pauling sugere que energia da fusão fria é apenas sonho

29.abril

Page 36: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

36

OESP (p.14)* Ciência dribla burocracia

JB (p. 7)* Cientistas acham que fusão exige condições adequadas

2.maio

FSP (primeira página)** EUA fracassam ao tentar nova fusão nuclear a frio

(p. A-10)* Pesquisadores dos EUA duvidam de fusão a frio

O GLOBO (p. 14)* Cientistas do MIT rejeitam a teoria da fusão a frio+ A técnica de Pons e Fleischmann

3.maio

FSP (p. A-11)* Universidade pioneira acha ‘elitista’ crítica à fusão fria

OESP (p. 12)* Físicos dos EUA contestam fusão a frio

JB (p. 9)* Cientistas nos EUA acham que fusão a frio é perda de tempo# Utah vê interesse financeiro em críticas

O GLOBO (p. 19)* Utah reage a cientistas que criticam fusão a frio

4.maio

FSP (p. A-14)/ Fusão a frio (nota)

OESP (p. 16)* Físicos sepultam fusão a frio

O GLOBO (p. 17)* Americanos consideram encerrada a experiência da fusão a frio

Page 37: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

37

5.maio

FSP (p. G-6)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)

(p. G-3)= Conseqüências do cacarejo científico (Rogério C. C. Leite)

6.maio

O GLOBO (p. 16)- Humildade (editorial)

7.maio

JB (p. 13)* Ciência demora a aceitar novas idéias# Uma fusão de erros e enganos+ Sem título

9.maio

OESP (p. 10)* ‘Nature’ ganha prestígio ao duvidar da fusão a frio

10.maio

JB (p. 9)* Fleischmann e Pons defendem a fusão fria

O GLOBO (p. 19)* Criadores da fusão a frio rebatem críticas

11.maio

O GLOBO (primeira página)** Descobridor da fusão nuclear a frio admite que houve erro no gráficoque indicava emissões de nêutrons

O GLOBO (p. 23)* Descobridor da fusão a frio admite erro

Page 38: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

38

12.maio

FSP (p. G-5)= Controvérsia na fusão fria é emocional e pouco científica (Pinguelli Rosa)+ Duas fontes de energia

(p. G-6)/ Fusão nuclear (nota)

OESP (p. 9)* Fleishmann admite que não mediu os nêutrons

O GLOBO (p. 18)* Autores da fusão a frio farão teste de confirmação

13.maio

OESP (p. 9)* Fusão foi química, diz Pauling

14.maio

FSP (p. A-12)* Ganhador de prêmio Nobel nega que fusão fria seja reação nuclear# Carta de 1985 estava errada

OESP (p. 27)* Fleischmann e Pons são gênios, mas sem cautela19.maio

FSP (p. G-6)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)

(p. G-4)= Observações sobre a fusão a frio (Rogério C. C. Leite)

20.maio

OESP (p. 10)* Autor diz que não crê mais em fusão a frio

24.maio

Page 39: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

39

FSP (p. A-12)* Grupo do Texas confirma fusão fria em palestra

JB (p. 14)* Fusão fria é debatida outra vez

O GLOBO (p. 20)* Fusão a frio volta a ser debatida por cientistas

25.maio

JB (p. 7)* Novos testes não confirmam fusão a frio

O GLOBO (p. 15)* Descobridor admite que fusão a frio é ineficaz

27.maio

FSP (p. A-12)/ Fusão nuclear-1 (nota)/ Fusão nuclear-2 (nota)

JB (p. 7)/ Fusão (nota)

4.junho

FSP (p. A-12)* Físicos japoneses dizem ter feito a fusão a frio

5.junho

JB (p. 13)* Japão repete a experiência da fusão nuclear

11.junho

FSP (p. A-14)* Centro de pesquisa de Utah confirma fusão nuclear fria

Page 40: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

40

15.junho

OESP (p. 15)* Fusão a frio sofre novo revés

23.junho

FSP (p. G-6)/ Fusão fria (nota)

24.junho

OESP (p. 24)* Europa lidera a fusão a sério# USP faz pesquisas básicas desde 79

28.junho

OESP (p. 11)* Cientistas obtêm trítio em fusão a frio

30.junho

FSP (p. G-6)/ Fusão fria (nota)

Page 41: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

41

P A R T E 2

CAPÍTULO 1

CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO

1.1 - Ciência e Sociedade

As características predominantes da civilização do Ocidente a partir

do século XVII apontam para a ascensão da burguesia comercial e o início

do que se convencionou chamar “Ciência Moderna”, que tem em Galileu

Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-1727) dois expoentes de referên-

cia obrigatória.

No século XVII, a Ciência deixa de ser apenas filosófica e, em gran-

de parte, praticada por amadores diletantes, para se transformar em força

produtiva. A Ciência passa a se articular com interesses econômicos gerais e

irá crescer e se consolidar simultaneamente com o Capitalismo.

Os conhecimentos acumulados a partir da Baixa Idade Média, en-

contrariam do século XVII em diante as condições adequadas para seu

aproveitamento e consolidação social e econômica. A navegação, a constru-

ção crescente de instrumentos óticos, o desenvolvimento da indústria de

relógios, são apenas alguns dos itens da pauta econômica que iriam utilizar

a Ciência para expandir-se e, simultaneamente, gerar novas demandas a se-

rem correspondidas.

Ben-David10diz que “o aspecto mais evidente da transformação que

ocorreu no movimento científico no norte da Europa foi que, aí, a ciência se

tornou um elemento central na concepção emergente de progresso.”11

10- BEN-DAVID, Joseph. O papel do cientista na sociedade: um estudo comparativo.

Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Ed. Pioneira; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.

281p.

Page 42: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

42

Desde então, a Ciência passa a ser uma atividade social, realizada de

acordo com princípios, regras, fundamentos e leis que, gradativamente, se-

riam aceitos universalmente. Surgem instituições com o objetivo de reunir

cientistas, originando as “comunidades científicas”, isto é, “grupo que tenta

comportar-se como se seguisse um paradigma comumente aceito e estável”,

conforme Ben-David.12

A primeira sociedade da Europa - a Accademia dei Lincei - foi criada

em 1603, na Itália. Galileu foi um dos seus mais proeminentes membros,

nela ingressando em 1611. A Royal Society, fundada em Londres em 28 de

novembro de 1660, foi reconhecida oficialmente em 1662. A Academia de

Ciências de Paris foi criada em 1666. A Academia de Berlim é de 1700.

1.2 - Valores, Normas e Práxis da Ciência

Os cientistas se movem num complexo de valores e normas que

constitui o ethos da Ciência. O termo é entendido como adequado para de-

signar o caráter cultural e social de um grupo ou sociedade.13

MERTON14, em artigo de 1942, aponta quatro imperativos instituci-

onais que formam o ethos da ciência moderna: universalismo, comunismo,

desinteresse e ceticismo.

O universalismo diz respeito ao “cânon de que as pretensões à verda-

de, quaisquer que sejam suas origens, têm que ser submetidas a critérios

11 - Opus cit. p. 97.

12 -Opus cit. p. 98.

13- Conforme verbete Ethos: Dicionário de Ciências Sociais, FGV e MEC, Rio de Janei-

ro: 1987. p. 433.

14 - MERTON, R. K - Os imperativos institucionais da Ciência. In: Jorge Dias de Deus

(org.). A crítica da ciência: sociologia e ideologia da ciência. Rio de Janeiro : Zahar Editores,

1974, 240p. p. 38-52.

Page 43: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

43

impessoais preestabelecidos (grifo do Autor): devem estar em consonância

com a observação e com o conhecimento já previamente confirmado.”15

Por “comunismo” - no sentido não-técnico e amplo de propriedade

comum dos bens - entende-se que “as descobertas substantivas da ciência

são produtos da colaboração social e estão destinados à comunidade”.16

Outro elemento institucional básico que integra o ethos da Ciência é

o desinteresse que, na prática, “é firmemente apoiada pela necessidade que

os cientistas têm, mais cedo ou mais tarde, de prestar contas perante os seus

colegas.”17

O quarto elemento apontado por MERTON é o “ceticismo organiza-

do”, que se inter-relaciona de diversas maneiras com os outros elementos do

ethos. “A ciência, que coloca questões de fato, incluídas as potencialidades,

concernentes a todos os aspectos da natureza e da sociedade, pode entrar em

conflito com outras atitudes em relação a esses mesmos dados que foram

cristalizados e, amiúde, ritualizados por outras instituições.”18

A questão é abordada também por BUNGE19, ao afirmar que “o pes-

quisador científico autêntico e produtivo incorpora aos seus hábitos e atitu-

des valores e normas de comportamento - é o ethos científico.”

De acordo com este Autor, integram o ethos científico os seguintes

aspectos:

a) O culto à busca de verdade

15 - Opus cit. p. 41.

16 - Opus cit. p. 45.

17 - Opus cit. p. 50.

18 - Opus cit. p. 51.

19 - BUNGE, Mário. Ciência e desenvolvimento. Trad. Cláudia Reis Junqueira. Belo Ho-

rizonte : Ed. Itatiaia; S. Paulo : Ed. da Universidade de São Paulo, 1980 (Coleção o homem e a

ciência, v. 11).

Page 44: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

44

O cientista não está obrigado a se ater às (pretensas) verdades exis-

tentes, mas a buscar novas verdades.

b) Preocupação com a comprovação

É preciso testar empiricamente toda hipótese e teoria. BUNGE lem-

bra que o leigo tende a apoiar-se na autoridade e não na experiência, ou na

experiência comum, não crítica - à qual podemos chamar por senso comum

- ao invés da experiência controlada.

c) Independência de opinião

A pesquisa científica é uma busca original, isto é, uma pesquisa de

problemas não resolvidos. O cientista toma suas próprias decisões, desde a

escolha do problema até a maneira de constatar a solução proposta e avaliar

a perda ou ganho de informação que tal solução possa trazer ao conheci-

mento.

BUNGE diz que “os submissos, os expositores e comentaristas [grifo

nosso] só podem ser úteis como auxiliares.”20

d) Disposição para aceitar correções e, inclusive, sair em busca de-

las.

Os cientistas sabem que toda idéia extremamente original é recebida

com ceticismo e, às vezes, até com hostilidade aberta.

e) Honestidade

A comunidade científica é um sistema muito integrado, onde cada

um examina com olho crítico os demais, pronto a aprender ou ensinar, coo-

perar ou competir. Os pesquisadores não são santos sem ambições, mas sa-

bem que a fraude e o plágio são descobertos e punidos.

Além desses aspectos éticos, na concepção de BUNGE uma filosofia

da Ciência deve contemplar também uma Ontologia, ou teoria da realidade,

e uma Gnosiologia, ou teoria do conhecimento.

20 - Opus cit. p. 100 e 101.

Page 45: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

45

Com relação à Ontologia, para BUNGE os princípios básicos, ou

conceitos, ou suposições ontológicas que motivam, justificam ou dirigem a

pesquisa científica podem ser assim descritos:

1. Existe um mundo exterior para o sujeito que conhece. Por isto,

tentamos descobrir o desconhecido além do eu.

2. O mundo é composto de coisas concretas. Daí as ciências (naturais

ou sociais) estudam coisas, suas propriedades e mudanças.

3. As formas são propriedades das coisas. Toda propriedade é pro-

priedade de alguma coisa. Examinando coisas, os cientistas estudam e mo-

dificam as propriedades.

4. As coisas se agrupam em sistemas; ou em grupos compostos por

coisas que atuam entre si. Uma coisa é sempre componente de um sistema,

exceto o universo, que é o sistema máximo.

5. Todo sistema, exceto o universo, interagem em alguns aspectos

com outros sistemas e está isolado de outros, em outros aspectos. Se não

houvesse esse isolamento relativo, os cientistas seriam forçados a conhecer

o todo, antes de conhecer qualquer uma de suas partes.

6. Todas as coisas mudam. No decorrer das interações entre coisas,

tuda muda, ou acaba mudando em algum aspecto.

7. Nada provém do nada e coisa alguma se reduz a nada. Isto é o que

motiva o esforço científico para descobrir a origem de coisas novas e os

vestígios deixados pelas que já não mais existem ou foram transformadas.

8. Todas as coisas obedecem a leis. As leis naturais ou sociais são

relações invariáveis entre propriedades e são tão objetivas quanto elas.

9. Há diversos tipos de lei. Há leis predominante causais e leis esto-

cásticas, assim como leis que reúnem esses dois modos.

10. Há diversos tipos de organização, como os níveis físico, químico,

biológico, social, técnico etc.

Page 46: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

46

Com referência à Gnosiologia inerente à pesquisa científica, BUNGE

indica os seguintes aspectos:

A) O conhecimento factual - isto é, de coisas concretas - é obtido

combinando a experiência com a razão.

A Ciência é o oposto da “ciência oculta”. Embora a maioria dos tra-

balhos científicos sejam entendidos só pelos especialistas, “em princípio

qualquer pessoa que se interesse por eles poderá entendê-los, se puder obter

os meios necessários em fontes acessíveis ao público.”21

B) Todo processo de conhecimento consiste em lidar com problemas.

Os cientistas procuram problemas, apresentam e tentam resolvê-los

com a ajuda do conhecimento existente ou mediante conhecimentos novos,

mas sempre sob a luz da razão e da experiência.

C) Toda solução proposta para um problema relativo ao conheci-

mento deveria poder ser comprovável de alguma maneira objetiva.

A mera compatibilidade com as crenças existentes não é suficiente

com o mecanismo de comprovação científica.

D) O conhecimento factual pode ser obtido pela observação, medição

ou experimentação.

A condição fundamental é que cada uma dessas operações empíricas

seja formulada e controlada, e não realizada de modo casual ou esporádica.

E) Os processos mentais que ocorrem durante a execução de opera-

ções empíricas destinadas a obter conhecimento factual não exercem influ-

ência direta sobre nenhuma coisa externa, especialmente sobre os instru-

mentos de observação.

Se isto ocorresse, os experimentos não valeriam nada, já que os ex-

perimentadores poderiam forçar os instrumentos a assinalar os valores que

mais conviessem às suas hipóteses.

21 - Opus cit. p. 98.

Page 47: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

47

F) O conhecimento factual é parcial ao invés de total, porém é possí-

vel de aperfeiçoamento.

Em Ciência, a regra é a verdade parcial e temporária. Mesmo os da-

dos mais exatos podem ser aperfeiçoados e as melhores teorias podem ser

aprimoradas ou substituídas por outras melhores.

G) O conhecimento factual pode progredir tanto gradualmente como

aos saltos.

O progresso do conhecimento, sempre temporário e sujeto a revisão,

não é puramente acumulativo nem uma sucessão de revoluções, em que

cada uma delas destrói o avanço anterior.

H) O conhecimento científico, longe de ser direto e visual, é indireto

e simbólico.

Esta característica é fundamental quando se estuda a mediação jor-

nalística interposta entre o acontecimento científico e os destinatários de sua

mensagem. O jornalista irá sempre se basear em uma fonte explicativa (ver-

bal ou documental, sendo esta em si mesma, normalmente, um texto de di-

vulgação e não o texto científico propriamente dito) e não nos dados de re-

gistro e análise do cientista ou na experiência em si realizada.

“As hipóteses e teorias científicas mais poderosas contêm conceitos

não observáveis (tais como os de massa, campo, tensão, mutação genética,

viabilidade, classe social e estabilidade política) e são formuladas em ter-

mos matemáticos (não necessariamente quantitativos). E os dados empíricos

mais apurados contêm conceitos teóricos e são produzidos com a ajuda de

teorias utilizadas na formulação e interpretação de medições e experimen-

tos.”22

I) A meta final da pesquisa científica é descobrir as regras (leis) da

realidade e utilizá-las para explicar, predizer ou relatar os fatos.

22 - Opus cit. p. 99.

Page 48: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

48

Se a pesquisa se limitasse a registrar dados, não haveria necessidade

de teorias. De outro lado, se não houvesse teorias, os dados seriam inexatos

ou superficiais. Só as teorias permitem fazer observações, medições e expe-

rimentos capazes de produzir dados que ultrapassam a experiência rotineira.

J) As melhores teorias científicas são as que combinam amplitude e

profundidade, assim como verdade (aproximada) e compatibilidade com

outras teorias em um mesmo campo de pesquisa ou em campos afins.

Os melhores dados são os que servem para enriquecer ou pôr à prova

as melhores teorias existentes, ou para estimular pesquisas que se propo-

nham a produzir melhores teorias.

Este quadro traçado por BUNGE não pode ser desvinculado do con-

texto no qual os atores da Ciência desenvolvem suas atividades.

CHRÉTIEN adverte que “a Ciência não goza de nenhuma extraterritoriali-

dade com relação à sociedade que a produz e a usa. Ela é uma entre outras

atividades sociais, integrada ao funcionamento e ao equilíbrio da vida cole-

tiva; ela é mesmo, (...) a expressão de um determinado tipo de sociedade, e

seria no mínimo ingênuo confiná-la num gueto ideal, penhor de sua pure-

za.”23

Também de CHRÉTIEN é a seguinte observação: “...as pesquisas não

são atividades puramente espirituais e desencarnadas, elas se inserem nas

estruturas de financiamento e difusão, moldam-se nas formas da divisão do

trabalho e da competição, curvam-se às normas de controle e produtividade,

entram em concorrência e em relação com as outras atividades sociais, téc-

nicas, econômicas, políticas, culturais, etc.”24

Para CHRÉTIEN, “Na realidade, como meio ambiente, a sociedade

fornece aos pesquisadores o viveiro no qual eles vão se alimentar. Eles en-

23- CHRÉTIEN, Claude. A ciência em ação: mitos e limites. Trad. Maria Lúcia Pereira.

São Paulo: Papirus, 1994, p. 78.

24- Opus cit. p. 78 e 79.

Page 49: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

49

contram nela e em sua cultura suas regras, seu código, seus valores, as ana-

logias que alimentam a invenção, as metáforas que sustentam a vulgariza-

ção, as imagens que dão inteligibilidade aos conceitos e modelos. A ciência

acha-se assim investida pela ideologia [grifo do Autor], se entendermos, por

esta palavra, os reflexos, dentro da ordem do conhecimento, de valores ou

de princípios sociais.”25

Entendemos que o processo científico, no sentido que tem a expres-

são em nossa Hipótese nº 2, inclui todos esses aspectos salientados por

Chrétien, sendo de se esperar que - pelo menos numa cobertura mais ampla

de um fato científico - eles apareçam no noticiário.

Sob este aspecto, cabe lembrar MELO26, quando registra três caracte-

rísticas funcionais do Jornalismo Científico, dentre elas a de, erroneamente,

incorporar o mito da neutralidade científica, ao manejar fatos e não proces-

sos (grifos do Autor).

1.3 - Comunicação Científica

A atividade científica encontra no registro documental sua expressão

mais concreta e universal. Trata-se de um procedimento cujo símile anterior

foram as célebres correspondências, copiadas de forma manuscrita, com o

objetivo de permitir a um círculo restrito inteirar-se de determinada experi-

ência ou observação.

Atualmente, o registro documental não se faz mais somente na forma

impressa convencional, mas também na forma eletrônica, que propicia ao

artigo a possibilidade de mais rápida circulação entre seus destinatários.

25- Opus cit. p. 79.

26- MELO, José Marques de. Impasses do jornalismo científico - notas para o debate. In:

Comunicação e Sociedade, ano IV, n. 7, p. 19-24. Março de 1982.

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50

“Sem comunicação não há Ciência” é um axioma integrado à própria

atividade científica, motivador da produção dos artigos científicos, a mais

ambicionada forma de comunicação no mundo acadêmico.

Diz CASTRO: Na maior parte das áreas do conhecimento, os artigos

em periódicos científicos correspondem à maneira usual de comunicar re-

sultados. Particularmente nas ciências naturais, quase tudo o que se pode

considerar produção científica materializa-se em artigos.”27

Os artigos científicos constituem a matéria-prima essencial para a

produção de periódicos científicos, de circulação restrita aos iniciados,

segmentados por áreas de especialização científica, que não devem ser con-

fundidos com os periódicos de divulgação científica, cuja função primordi-

al, em tese, é atender ao não-iniciado.

HERSCHMAN28afirma que o periódico científico tem três funções

básicas: a) é um meio de registro oficial e público da informação; b) atual

como meio de disseminação da informação; c) como instituição social, atri-

bui prestígio e reconhecimento aos autores e demais pessoas envolvidas no

processo de comunicação.

BUNGE29alerta que “...é indispensável publicar os resultados das

pesquisas”. As motivações para fazê-lo, segundo este cientista e historiador

da Ciência, são:

- uma maneira de controlar técnicas e resultados;

- para manter os pesquisadores ativos, e;

27- CASTRO, Cláudio de Moura. Há produção científica no Brasil? In: Ciência e Cultu-

ra, São Paulo, v. 37, n. 7, 1985, p. 165-187.

28 - Citado por OLIVEIRA, Eloisa da Conceição Principe de. O apoio governamental às

publicações periódicas científicas: o programa de apoio a revistas científicas do CNPq e da

FINEP. Rio de Janeiro : UFRJ, 1989. (Dissertação de mestrado em Ciência da Comunicação).

29 - BUNGE, Mário. Ciência e desenvolvimento. Trad. Cláudia Reis Junqueira. Belo Ho-

rizonte: Itatiaia; S. Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980. p. 119.

Page 51: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

51

- uma maneira de avaliar pesquisadores e projetos de pesquisa.

Mas BUNGE30também lembra os efeitos colaterais negativos provo-

cados pela ânsia de muitos pesquisadores em publicar artigos: a precipita-

ção, a repetição, a redação desleixada e a desonestidade.

Sobre este tópico, ZIMAN31diz que a decisão de escrever e publicar

constitui um dos problemas com os quais se defronta o pesquisador. Alguns,

com a mania da perfeição, nunca estão convencidos de que resolveram to-

das as questões pertinentes ao tema em estudo. Outros, ao contrário, têm

pressa em “mandar imprimir os apontamentos das experiências feitas na

véspera, pressupondo esperançosamente que todo mundo anseia por tomar

conhecimento de suas assombrosas descobertas”.32

Na opinião de ZIMAN o pesquisador deve publicar algum trabalho

quando julgar que ele atingiu uma razoável fase de amadurecimento e apre-

senta uma certa consistência e comedimento. De outro extremo, muitos ci-

entistas ficam receosos quanto à primazia ou por exibirem em seus currícu-

los quantidade de publicações que “imprimem uma enfiada de comunica-

ções mal-alinhavadas ao invés de esperarem que o trabalho esteja completo

e possa ser apresentado na íntegra.”33

Este tipo de comunicação aqui referido se enquadra perfeitamente na

categoria “disseminação”, conforme conceituação de PASQUALI34. Ou

seja, é uma comunicação feita com o uso de códigos especializados, desti-

nados a um público seleto, formado por especialistas. Trata-se, concreta-

30 - Opus cit. p. 119.

31 - ZIMAN, John. Conhecimento Público. Trad. Regina Regis Junqueira. Belo Hori-

zonte: Itatiaia ; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. 164p. (Coleção o homem e a

ciência, v. 8).

32 - Opus cit. p. 110.

33 - Opus cit. p. 111.

Page 52: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

52

mente, de uma comunicação científica, na qual se equivalem o emissor e o

receptor.

1.4 - Comunicação Pública da Ciência

Nesta dissertação interessa observar que a consolidação e legitima-

ção da Ciência caminhou simultaneamente à expansão do processo de re-

produção de originais. Isto equivale dizer que o modelo de legitimação da

Ciência encontrou na Imprensa um aliado valioso.

Os novos recursos da comunicação escrita iriam favorecer o floreci-

mento e crescimento da comunidade científica, à medida que permitiria o

registro e circulação de informações de maneira mais ampla do que a pré-

existente.

De modo idêntico, os não-iniciados iriam ter oportunidade de ter

contato com a Ciência, por meio dos periódicos que surgiriam mais tarde,

pelos quais desde logo os cientistas devotariam consideração, à medida que

obtinham compensações sociais - o reconhecimento público pelo trabalho

que realizavam.

SOLLA-PRICE registra: “O que libertou o saber científico do esque-

cimento (...) foi a invenção da imprensa e sua rápida disseminação pela Eu-

ropa, a partir de 1470. Ocupa essa invenção importante lugar na história da

tecnologia e se associa de forma clara à crescente ascenção dos tecnologis-

tas durante a Idade Média.”35

34- PASQUALI, Antonio. Conforme citação em BUENO, W. da Costa. Jornalismo cien-

tífico no Brasil - os compromissos de uma prática dependente. São Paulo, 1985, ECA/USP, p. 13.

35- SOLLA-PRICE, Derek de. A ciência desde a Babilônia. Trad. Leônidas Hegenberg e

Octanny S. da Motta. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 96.

Page 53: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

53

Embora os tipos móveis tenham sido postos em uso a partir de

145036, as publicações periódicas esperariam ainda um século e meio para

se difundirem e integrar os hábitos regulares da vida cotidiana.

A atividade jornalística surgiu na Inglaterra em 1622; em Portugal,

em 1641; na Itália, em 1645; na Espanha e na Polônia, em 1661. O aperfei-

çoamento dos Correios impulsionou os jornais e o trânsito de notícias. No

início do século XVIII surgiu o primeiro jornal diário, The Daily Courant.

Em 1707 surge o primeiro jornal americano (Boston News Letter). O

primeiro jornal brasileiro iria circular somente um século após, em 1808,

após ter sido impresso na Inglaterra (Correio Braziliense).

Embora seja factível supor que nesses jornais pioneiros fossem noti-

ciados acontecimentos científicos, aceita-se como correto que o primeiro

periódico inteiramente voltado aos assuntos científicos foi o Phil. Trans.37

A primeira edição data de 6 de março de 1665. O Journal de Sçavants38,

surgido na França dois meses antes, é igualmente citado como o pioneiro

em Jornalismo Científico, mas alguns atribuem-lhe o papel principal de pe-

riódico voltado a temas literários.

36 - Os tipos móveis começaram a ser utilizados pouco antes de 1450. Credita-se a Jo-

hann Gutenberg (c. 1394-1468) a invenção do processo. O mais antigo livro que se conhece im-

presso na Europa com tipos é o fragmento de um almanaque de 1448. O primeiro livro completo

em que aparece o ano de impressão data de 1457.

37 - Abreviatura de Philosophical Transactions: Giving some Accompt of the Present

Undertakings, Studies, and Labours, of the Ingenious in many Considerable Parts of the World.

A tradução mais fiel para tão longo título é: Transações Filosóficas: Relatando os esforços, estu-

dos e trabalhos dos geniais em muitas partes consideráveis do mundo.

38 - De acordo com J. Reis (Comunicação entre cientistas. Ciência e Cultura, São Paulo,

27(12) : 1379-80, dez. 1975), o Journal de Sçavants surgiu em janeiro de 1665, com 20 páginas,

10 artigos, algumas cartas e notas. “Seu objetivo era informar sobre os livros publicados na Euro-

pa e resumir seu conteúdo, assim como tornar conhecidas as experiências realizadas nos campos

da física, química e anatomia.”

Page 54: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

54

Não foi por acaso que esses periódicos surgiram, respectivamente, na

Inglaterra e na França. Os dois países disputavam a primazia por serem os

centros de excelência da Ciência, nos séculos XVII a XIX.

O objetivo do Phil. Trans. estava explicitado no seguinte editorial:39

“Considerando que não há nada mais necessário para promover o

progresso das Questões filosóficas do que a comunicação, aos que aplicam

os seus estudos e esforços nesse sentido, das coisas que são descobertas ou

postas em prática por outros; julga-se portanto adequado utilizar a im-

prensa, como o meios mais próprio de recompensar aqueles cujo empe-

nhamento em tais estudos, e gosto no progresso do saber e de descobertas

proveitosas, lhes dá o direito ao conhecimento do que este reino, ou outras

partes do Mundo, também, de tempos a tempos propicia, assim como do

progresso dos estudos, labores e esforços dos curiosos e eruditos em coisas

deste género, e das suas descobertas e realizações completas: com o pro-

pósito de que sendo tais criações clara e genuinamente comunicadas, pos-

sam ser mais alimentados os desejos de conhecimento sólido e útil, apreci-

ados os esforços e os empreendimentos engenhosos, e convidados e enco-

rajados a investigar, experimentar e descobrir novas coisas, comunicar o

seu saber uns aos outros, e contribuir com o que puderem para o grande

objectivo de melhorar o conhecimento natural, e aperfeiçoar todas as artes

filosóficas, e todas as ciências. E tudo para a glória de Deus, a honra e o

proveito destes reinos, e o bem universal da humanidade.”

No século XIX, as trajetórias da Ciência e da Imprensa irão definiti-

vamente convergir.

39 - Conforme tradução in: Os Descobridores - De como o homem procurou conhecer-se

a si mesmo e ao mundo. Daniel J. Boorstin. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. Civilização

Brasileira, 1989, p. 358. Embora editado por editora brasileira, a edição contém texto traduzido

do inglês para o português de Portugal.

Page 55: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

55

Em crítica empreendida à influência do Positivismo sobre a Ciência e

o Jornalismo, MEDINA faz o seguinte comentário:

“A relação do Jornalismo com a ciência transitou por dois universos:

por um lado, à medida em que a ciência se consagrava em várias especiali-

zações e se ressentia da falta de contato com a sociedade externa à comuni-

dade científica, demandava um projeto de difusão; por outro lado, à medida

em que o Jornalismo se estruturava como fenômeno da sociedade urbana e

industrial, demandava sua própria especialização enquanto disciplina cientí-

fica.”40

Quando se comunica com seus pares, o cientista está motivado por

uma necessidade intrínseca da própria atividade científica e atende, com

esta atitude, parte considerável dos preceitos aqui já aludidos referentes ao

ethos científico.

A comunicação destinada ao público leigo é motivada por outros

vetores, relacionados ao desejável reconhecimento público, capaz de subsi-

diar decisões que não se encontram no âmbito estrito da Ciência, mas sim

em organismos que integram o Estado.

De certo modo, cientistas e instituições representativas da Ciência

desde logo manifestaram preocupação com este tipo de comunicação. A

obrigação de comunicar as descobertas pessoais ao público, para utilização

e crítica já era considerada no período da institucionalização da Ciência na

Inglaterra, no século XVII, razão talvez para que ali surgisse o periódico

que é considerado precursor em Jornalismo Científico, já citado anterior-

mente.

40- MEDINA, Cremilda. Epistemologia e saber plural. In: Saber plural: o discurso frag-

mentalista da ciência e a crise de paradigmas. São Paulo: ECA/CJE/CNPq, 1994. (Novo pacto da

ciência, 3). p. 177.

Page 56: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

56

A atividade científica constitui-se em ação de larga repercussão e,

portanto, é perfeitamente coerente o interesse da Imprensa pelos aconteci-

mentos que se desenvolvem no chamado “mundo da ciência”.

De igual modo, e no sentido oposto, como toda atividade social legí-

tima, a Ciência - e, mais especificamente, seus personagens mais tangíveis,

os cientistas - almeja o reconhecimento social. Isto implica em se voltar

para públicos mais amplos, deixando os limites claramente definidos do que

se convencionou denominar “comunidade científica”.

Os cientistas estão inclusos na categoria de intelectuais “orgânicos”,

de acordo com GRAMSCI41, colocados no mais alto grau, dentre os inte-

lectuais. No mais baixo grau, ainda segundo o pensador e filósofo italiano,

incluem-se os divulgadores mais modestos da riqueza intelectual já exis-

tente, tradicional, acumulada, dentre eles, os jornalistas.

Grosso modo, podemos identificar as seguintes circunstâncias que

contribuiram para aproximar os cientistas de diversos outros segmentos da

sociedade:

Circunstância A

Do ponto-de-vista histórico, houve o desmantelamento da Aristrocra-

cia e a gradativa democratização da atividade científica. Em outros termos:

os cientistas passaram a não mais se originar exclusivamente das elites e

sim das diferentes outras classes sociais.

Analisando as relações entre Ciência e Sociedade, escreveu

MERTON:

41- GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nel-

son Coutinho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 11-12. Conforme citação em

FERNANDES, Ana Maria. A construção da ciência no Brasil e a SBPC. Brasília: UnB,

ANPOCS e CNPq, 1979. 292 p.

Page 57: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

57

“Três séculos atrás [refere-se ao século XVI], quando a instituição da

ciência pouca justificação podia apresentar para conseguir o apoio da socie-

dade, os filósofos naturais eram levados assim mesmo a justificar a ciência

como um meio válido para fins culturalmente válidos de utilidade econômi-

ca ou de glorificação de Deus. O cultivo da ciência não era então um valor

evidente por si mesmo. Mas, com a interminável corrente de êxitos obtidos

pela ciência, o instrumental se transformou em final, os meios de transfor-

maram em fins. Assim fortalecido, o cientista chegou a considerar-se inde-

pendente da sociedade e a encarar a ciência como empresa que se justifica

por si mesma e que “está”na sociedade, mas não “faz parte” dela.

Mas, em dado momento, começa a se alterar esta situação, na qual o

cientista se colocava acima da Sociedade. “Depois de prolongado período

de relativa segurança, durante o qual o culto à ciência e à difusão dos conhe-

cimentos tinham chegado a uma posição de destaque, se não de primeiro

plano, na escala de valores culturais, os cientistas se vêem obrigados a justi-

ficar os caminhos da ciência para os homens”.42

Circunstância B

A crescente sofisticação das pesquisas que, em certas linhas de tra-

balho, exigem recursos financeiros agora não mais disponíveis como no

passado, também contribuiu para aproximar a Ciência (em sua variante de

aplicabilidade mais imediata, inclusive como parte intrínseca da Tecnolo-

gia) da Imprensa, ou, mais apropriadamente, da Sociedade.

Num movimento pendular em que a Ciência impulsiona a Tecnologia

e esta impulsiona a Ciência - há necessidade de desenvolver equipamentos

42- MERTON, Robert M. Os imperativos institucionais da ciência. In: A crítica da ciên-

cia, Jorge Dias de Deus (Org.). Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 37-52.

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58

que requer capitais que precisam ser arduamente negociados nos planos go-

vernamentais.

Logo, em busca por reconhecimento, legitimação e apoio da socieda-

de, os cientistas se desajolam da torre de marfim em direção à planície, onde

habitam os outros seres, que pensam apenas com o senso comum.

A necessidade de comunicação para além dos muros erigidos em tor-

no da comunidade científica aparece na formulação de objetivos institucio-

nais de organismos brasileiros.

A SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -, ao ser

criada em 1948, incluiu nos Estatutos:

“a) Justificação da ciência, mostrando ao público [grifo nosso] seus

progressos, seus métodos de trabalho, suas aplicações e até mesmo suas

limitações [idem], buscando criar em todas as classes, e consequentemente

na administração pública, atitude de compreensão, apoio e respeito para as

atividades de pesquisa (...)”.43

Escrevendo em Ciência e Cultura, publicação da SBPC, José Reis,

ou simplesmente J. Reis como sempre preferiu assinar seus textos, regis-

trou: “A vida e o progresso dos países passou a depender tanto da Ciência, e

esta dos orçamentos nacionais, que se torna preciso incutir no público a

idéia da necessidade desse gênero de trabalho para o desenvolvimento da

nação, e não como divertimento ou gozo de alguns”.44

Cinco anos antes, na Revista Anhembi, J. Reis alinhava três pontos

que fundamentavam a ação de divulgar a Ciência:

A) “Divulga-se no interesse da própria Ciência, e por influência dos

cientistas ou dos que compreendem o valor da Ciência no mundo moderno,

para conseguir apoio cada vez maior para as atividades científicas.”

43- Reproduzido em FERNANDES, Anamaria. A construção da ciência no Brasil e a

SBPC, Brasília: UnB, ANPOCS e CNPq, p. 31.

44- REIS, José. Divulgação científica. Ciência e Cultura, dezembro, 1967, p. 698.

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59

B) “Divulga-se para atrair novos valores para a Ciência, para favore-

cer a formação de uma nova força de trabalho das mais valiosas na socieda-

de moderna.”

C) “Divulga-se para satisfazer o desejo que alguns sentem, de parti-

lhar com muitos outros o produto de sua experiência, adquirida seja direta-

mente no curso de seu próprio trabalho criador, seja mediante a absorção de

informação colhida em fontes menos acessíveis ao grande público e o esfor-

ço de compreender essa informação, de situá-la dentro de um quadro geral e

de analisar-lhe as possíveis implicações [grifo nosso].”45

1.5 - Jornalismo e Jornalismo Científico

A atividade do profissional de Jornalismo, nas várias modalidades

(impressa, radiofônica, televisiva) e segmentações por áreas (economia, po-

lítica, esportes etc), ocorre mediante o uso de regras estabelecidas, aprendi-

das nos cursos de formação e complementadas na prática profissional.

Como uma área de especialização do Jornalismo, o Jornalismo Cien-

tífico deve, evidentemente, considerar as características determinadas por

GROTH46, a saber: atualidade, universalidade, periodicidade, difusão.

BUENO47 fez uma transposição destas características para aplicação

no âmbito do Jornalismo Científico do seguinte modo: a característica de

atualidade é preenchida pelos “fatos (eventos, descobertas) ou pessoas (ci-

entistas, tecnólogos, pesquisadores) que estejam diretamente ou indireta-

mente relacionados com o momento presente”; ao abrigar “os diferentes

45- REIS, José. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962, p. 228.

46- GROTH, Otto. Citado in: BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico no Brasil:

aspectos teóricos e práticos. São Paulo: ECA/USP, 1988, p. 24.

47- BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico no Brasil - os compromissos de uma

prática dependente. São Paulo: ECA/USP, 1985, p. 21-22.

Page 60: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

60

ramos do conhecimento científico”, o Jornalismo Científico preenche a ca-

racterística da universalidade; a periodicidade se dá pela manutenção do

“ritmo das publicações ou matérias, certamente antes em conformidade com

o desenvolvimento peculiar da ciência do que com o próprio ritmo de edi-

ção dos veículos jornalísticos (oportunidade, segundo Groth)”; a caracterís-

tica de difusão é preenchida pela circulação do material pela coletividade ao

qual se destina.

O Jornalismo Científico - expressão originada do inglês Scientific

Journalism - é uma especialização da atividade jornalística, direcionada

para os assuntos de Ciência e Tecnologia. Logo, não se pode desvinculá-lo -

em estudos e formulações de regras de aprimoramento - do vetor Jornalis-

mo, em sua inteireza.

HERNANDO48faz uma interessante observação sobre o termo “Jor-

nalismo Científico”, colocando-o como o primeiro problema desta especia-

lização. Segundo o autor espanhol esta é uma “expressão ambígua” que

pode ser confundida com uma disciplina dedicada ao estudo do jornalismo

como ciência ou como o conjunto de tecnologias que têm como objetivo

final a informação. “Mas, não se trata disto, e sim de uma especialização

informativa que consiste em divulgar a ciência e a tecnologia através dos

meios de comunicação de massas.”49

A prática do Jornalismo Científico num país dependente, como o

Brasil, “não pode alienar-se das condições de produção do Jornalismo (e

dos meios de comunicação de massa em geral) e da Ciência e Tecnologia”,

registra BUENO.50

48- HERNANDO, M. Calvo. Ciencia y periodismo. Barcelona: CEFI, s. d. p. 30.

49- Opus cit. p. 30.

50- BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico no Brasil: aspectos teóricos e práti-

cos. São Paulo: USP/ECA/DJE, 1988. p. 5 (Comunicação Jornalística e Editorial - Série Pesqui-

sa).

Page 61: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

61

“Como sistemas dependentes, a Imprensa, a Ciência e a Tecnologia

sofrem as influências do poder político e econômico altamente centralizado

em nosso País e, portanto, com raras exceções, voltam-se para atender à so-

ciedade como um todo”.51

1.6 - Conceitos do Jornalismo Científico

O Jornalismo Científico é o ramo de especialização jornalística que

mais constantemente tem-se procurado definir e estudar, comparativamente

a outros ramos. Ao Jornalismo Científico tem sido atribuídas especificida-

des conformadoras de um status próprio.

Estas especificidades procuram ser a base de sustentação para um

estilo profissional de trabalho jornalístico. No fundo, o que se almeja é uma

conduta similar àquela que se espera do cientista: rigor na manipulação dos

dados; absoluta correção na linguagem; certeza completa quanto à informa-

ção transmitida; consciência de que se está produzindo algo de interesse da

sociedade etc.

As especificidades do Jornalismo Científico, podemos assim deduzir,

constituem a orientação que os autores emitem e desejam como elementos

modeladores desta sub-espécie do Jornalismo que, se desse modo não se

faz, assim se deveria fazer.

Vejamos, portanto, o que se espera dos meios de comunicação e dos

jornalistas, sob a ótica de alguns estudiosos da questão.

51- Opus cit. p. 5.

Page 62: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

62

HERNANDO52, jornalista espanhol, há muitos anos presidente da

Associação Íbero-Americana de Jornalismo Científico, com vasta bibliogra-

fia sobre o assunto, advoga três funções inerentes ao jornalista [grifo nosso]

dedicado à abordagem dos temas de Ciência e Tecnologia: este deve ser di-

vulgador, intérprete e controlador.

- Na função de divulgador, transmite e torna compreensível o conte-

údo, difícil e complexo, da Ciência.

- Na função de intérprete, torna precisa a significação das descober-

tas individuais e explica o presente e o futuro da atividade científica e tec-

nológica.

- Na função de controle, exerce vigilância para que as decisões polí-

ticas não menosprezem os descobrimentos científicos, nem os apliquem

indevidamente, e para que tenham em conta as necessidades do indivíduo e

da sociedade.

Ao Jornalismo Científico [grifo nosso] o Autor atribui igualmente

três funções: informar, ensinar e sensibilizar.

Com relação à primeira função, diz HERNANDO: “Informar é a

condição essencial do Jornalismo. Se trata, tão somente, de comunicar ao

público, de modo inteligível, os progressos da Ciência e da Tecnologia.”53

Neste aspecto, trata-se de uma função básica, comum ao Jornalismo como

um todo.

Como instrumento de Ensino - ênfase bastante considerada em todos

os países de língua espanhola, como se deduz de registros constantes em

memórias de congressos íbero-americanos - “O Jornalismo contribui para

saciar o homem de conhecimentos da humanidade. Estimula as mentes.

52- HERNANDO, M. Calvo. Civilizacion tecnologica e informacion. El periodismo cien-

tifico: misiones y objetivos. Barcelona: Editorial Mitre, s. d. p. 26.

53- Opus cit. p. 42.

Page 63: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

63

Deve oferecer ao público uma visão coerente do mundo que nos rodeia,

todo ele conseqüência do progresso científico e tecnológico.”54

Ao Jornalismo Científico cabe, ainda, “contribuir para impedir que o

saber seja um fator de desigualdade entre os homens e evitar que as comu-

nidades, como os indivíduos, permaneçam à margem dos progressos do co-

nhecimento e de seus efeitos e conseqüências na vida cotidiana.”55

É também papel do Jornalismo Científico “sensibilizar a sociedade

sobre os grandes fenômenos do nosso tempo. O jornalista científico deve

contribuir para criar uma consciência pública sobre o valor da Ciência e

Tecnologia, colocados à serviço do desenvolvimento dos povos.”56

HERNANDO destaca que o Jornalismo Científico “deve ser capaz de

demonstrar que a Ciência e a Tecnologia constituem uma esperança de so-

lução dos problemas da humanidade e, ao mesmo tempo, um motivo de in-

quientação e preocupação. Somente o debate público e uma educação cien-

tífica nos meios informativos podem evitar equívocos e mal entendidos.”57

Outro ponto enfatizado é quanto aos meios de comunicação. Estes,

devem oferecer aos políticos, cientistas e técnicos um fórum de discussão

pública sobre os temas que podem influenciar o indivíduo e a sociedade. “É

fundamental que o grande público conheça os projetos e programas de Ci-

ência e Tecnologia e o que a C&T é capaz de realizar”.58

Da extensa e ainda esparsa bibliografia produzida por José Reis, des-

de os anos 40, enfocando temas de Divulgação e Jornalismo Científi-

54- Opus cit. p. 42.

55- Opus cit. p. 42.

56- Opus cit. p. 42.

57- Opus cit. p. 43.

58- Opus cit. p. 43.

Page 64: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

64

co59apuramos as várias características que devem estar nítidas na produção

de comunicação sobre assuntos de Ciência e Tecnologia.

Estas características são a síntese do pensamento de um cientista que

se tornou divulgador e escreveu livros, peças radiofônicas, milhares de arti-

gos para o público não especializado e participou ativamente da criação da

SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - e da ABJC -

Associação Brasileira de Jornalismo Científico.

1) “A divulgação da Ciência tem efeito emulador sobre a mocidade,

estimulando interesses para essa carreira e fortalecendo nos adultos a com-

preensão do valor e do sentido da pesquisa científica.”60

2) “A linguagem deve ser entendível ao cidadão comum, procurando-

se evitar, muito em particular, as expressões científicas que possam ter, na

interpretação do povo, um sentido diferente do verdadeiro.”61

O jargão científico deve ser evitado totalmente, procurando-se utili-

zar, tanto quanto possível, as palavras comuns da língua. “Convém buscar

na técnica do Jornalismo as fórmulas que ensinam a prender a atenção e a

dar ao leitor uma rápida noção do assunto que se vai desenvolver. É o lead

dos norte-americanos.”62

3) “Cabe aos divulgadores sérios cercear ou corrigir, reduzindo a

seus devidos termos, as notícias ruidosas que seus colegas, noticiaristas e

59- a) Wilson da Costa Bueno, em tese de doutoramento, claramente apurou que J. Reis

não distingue em seus escritos, a divulgação científica e o jornalismo científico. b) O autor desta

dissertação vem preparando, há alguns anos, uma coletânea com os artigos de J. Reis especifica-

mente voltados para os temas Divulgação Científica e Jornalismo Científico.

60- REIS, J. Comunicação da ciência ao público. Anhembi, novembro, 1956, p. 620.

61- REIS, J. Comunicação científica. Anhembi, agosto, 1957, p. 605.

62- REIS, J. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962, p. 234.

Page 65: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

65

repórteres, não dedicados especialmente à divulgação como atividade edu-

cativa, criam em torno de determinados fatos.”63

No mesmo artigo citado, REIS faz distinção entre o noticiário jorna-

lístico comum e aquele “orientado pelos cientistas ou pelos divulgadores

sérios.” O primeiro tipo de noticiário “é otimista e não raro colorido com

tintas maravilhosas, quando não milagrosas.” O noticiário produzido com a

orientação dos cientistas ou por divulgadores sérios, conforme expressão

usada por REIS, é antes restritivo e crítico.

O contexto no qual se produziu esta orientação, há quatro décadas,

seguramente não era idêntico ao que se observa mais contemporaneamente

na Imprensa. De fato, se consultarmos coleções de periódicos dos anos 40,

50 e 60, será fácil constatar que, em especial no noticiário sobre assuntos de

Saúde, praticava-se um jornalismo por vezes absolutamente irresponsável.

Ainda neste contexto e sobre a mesma questão, REIS escreveu: “O

ideal seria que todos os jornais reduzissem o seu noticiário (sobre Ciência)

ao segundo tipo de informação. As reportagens ruidosas podem fazer mal

não só à coletividade mas, também, à própria Ciência e aos cientistas, que

poderão acabar desacreditados diante do público.”64

4) Contextualizar a informação no panorama geral do conhecimento

é outra recomendação de REIS, para quem a informação pura e simples adi-

anta pouco. É preciso situar a informação, “relacioná-la, de modo que se

possa compreender o seu sentido e o seu valor.”65

5) “O que interessa mostrar ao público são os métodos de trabalho

dos cientistas, a atitude destes em face dos problemas, os princípios que

eles descobrem, a maneira pela qual esses princípios se articulam com o

63- REIS, J. Comunicação científica. Anhembi, agosto, 1957, p. 605.

64- Opus cit. p. 605.

65- REIS, J. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962, p. 232.

Page 66: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

66

sistema geral do conhecimento e, é lógico, as conseqüências de toda ordem

que deles decorrem.”66

6) “O trabalho de divulgação torna-se extremamente difícil. Exige

senso crítico e boa formação da parte de quem escreve. Deve ser acompa-

nhado pelo esforço educativo que deve mostrar sempre, de maneira indireta

porém positiva, o papel da Ciência e do cienstista na sociedade.”67

7) “O divulgador deve procurar transmitir a seus leitores uma ima-

gem exata do que fazem os cientistas e de como o fazem. Como se formam

eles. Como trabalham. O que produzem.”68

8) A preocupação com o papel educativo do Jornalismo Científico é

evidente em REIS que, no mesmo artigo referenciado no item nº 7, reco-

menda: “Sempre que possível partir de fatos do dia para ensinar [grifo nos-

so] os princípios da Ciência. Ou então procurar nos fatos cotidianos a su-

gestão para ensinar o oposto daquilo que esses fatos à primeira vista suge-

rem.”69

9) Concisão, precisão, simplicidade, correção gramatical. Para REIS

estas qualidades devem ser comuns aos jornalistas e cientistas.70

10) “Artigo de divulgação não é capítulo de manual técnico, nem se

destina a público homogêneo, especialmente preparado para acompanhar as

sutilezas do assunto, o que obriga muitas vezes o divulgador a recorrer a

analogias. Não comporta pormenores técnicos, para corroborar determina-

das afirmações. Tem de ser quanto possível humano, deixando perceber a

palpitação dos seres que se empenharam nas descobertas.”71

66- REIS, J. Divulgação da ciência. Ciência e Cultura, junho, 1954, p. 58.

67- Opus cit. p. 58.

68- REIS, J. Divulgação científica. Ciência e Cultura, dezembro, 1967, p. 698.

69- Opus cit. p. 700.

70- REIS, J. Ciência e jornalismo. Ciência e Cultura, fevereiro, 1972. p. 134.

71- Opus cit. p. 136.

Page 67: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

67

1.7 - Críticas ao Jornalismo Científico

O Jornalismo é um ramo de atividade profissional que seguramente

mais críticas recebe, se o compararmos com outros setores de atividades

sociais. Por que isto ocorre?

Podemos encontrar uma explicação básica no fato de que o Jornalis-

mo produz um bem (notícias) que é consumido avidamente pela população,

em seus diversos formatos adequados aos meios pelos quais se propagam.

É plausível que, em grande parte de nossas vidas, fiquemos imunes a

um contato mais direto com a Medicina, com o Direito, com a Engenharia,

e delas só esporadicamente tomamos conhecimento, pela via do noticiário

que nos chega pelos jornais, televisão, rádios e revistas.

O Jornalismo - e por conseqüência, os jornalistas - estão muito mais

expostos à Sociedade como um todo, do que praticamente todas as outras

categorias de atividades sociais, com seus respectivos profissionais.

Imaginemos um cliente que tendo necessitado de um advogado, acaba

descobrindo que foi mal orientado quanto aos procedimentos possíveis; ou

que a documentação produzida pelo profissional contratado continha erros

de técnica forense; ou que prazos legais foram perdidos por negligência.

Situações como esta, evidentemente, não são mera especulação. Pro-

vavelmente acontecem rotineiramente. Entretanto, a menos que o tema me-

reça uma notícia, quem dele tomará conhecimento a não ser o lesado?

O jornalista, ao contrário, é cotidianamente criticado, pela simples

razão de que o resultado do seu trabalho é imediatamente tornado público.

Co-autor de um produto simbólico - a narrativa sobre um dado fato - o jor-

nalista tem a seu favor todos os argumentos possíveis para justificar a “qua-

lidade” do seu trabalho, bem como os críticos sempre terão um imenso ar-

senal para desqualificá-lo.

Page 68: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

68

Com justa razão, pode-se argumentar que esta é uma situação válida

para qualquer outra atividade, ou, pelo menos, para algumas outras. Evi-

dentemente, se um prédio em fase de construção desmorona, é quase certo

que o engenheiro responsável pelos cálculos estruturais haverá de ter algu-

ma responsabilidade. A evidência do erro, ainda que não deixe de haver aí

inúmeros aspectos subjetivos a serem levados em conta, se torna mais tan-

gível aos olhos da multidão.

O médico se coloca, sob este aspecto, numa situação privilegiada,

pois seu mister é de tal modo imbricado a tantas e diversas circunstâncias

que um eventual erro só muito raramente consegue ser claramente definido

como tal e, ainda assim, por meio de análise que é feita por profissionais

habilitados na Medicina. Ao leigo, neste caso específico, resta muito pouco

para especular.

Este sentimento público sobre a Imprensa - de amor e ódio simultâ-

neos - é que dá ao Jornalismo esta vitalidade e permanência na vida cotidia-

na dos que o produzem e dos que o consomem. Explica, em certa medida,

como o Jornalismo é pauta permanente do estudo acadêmico, incluso, obvi-

amente, em contexto mais abrangente, o da Indústria Cultural.72

Ao estudioso do Jornalismo Científico é interesse notar que outras

áreas de especialização são mais ou menos susceptíveis da crítica leiga. Os

Esportes, em suas várias modalidades, fornecem diariamente duas, três,

quatro ou mais páginas do noticiário num jornal.

Evidentemente, os atores envolvidos com as histórias narradas nas

páginas de Esportes talvez façam críticas e reparos ao lerem textos nos

72- Teixeira Coelho esclarece que é mais apropriado falar em Indústria Cultural, Meios

de Comunicação de Massa e Cultura de Massa no contexto do fenômeno da industrialização e a

ocorrência de uma sociedade de consumo; históricamente, isto pode ser alocado a partir da se-

gunda metade do século XIX. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Nova

Cultural e Editora Brasiliense, 1986. 109 p. (Coleção Primeiros Passos, 81).

Page 69: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

69

quais eles próprios figuram, na qualidade de citados por terceiros ou na de

fontes. Mas, e o leitor que tem apenas interesse em saber como está a prepa-

ração do seu time para o grande clássico de domingo? Provavelmente ele se

contentará com a narrativa dos fatos e passará adiante, para o Caderno de

Economia.

E já que falamos no Caderno de Economia, estamos agora numa ou-

tra área de especialização, a do Jornalismo Econômico (terminologia igual-

mente ambígua, como é a de Jornalismo Científico). O que poderá suscitar

no mesmo leitor o noticiário das páginas desta especialidade?

Primeiramente, é evidente que tudo que está nas páginas do noticiário

de Economia afeta, em maior ou menor grau, a vida cotidiana. Transações

megatransnacionais de fusões e incorporações empresariais poderão resultar

em diminuição de postos de trabalho; aumento das taxas de serviços bancá-

rios irão resultar em mais despesas para os clientes de bancos; retirada de

modelo de veículo da linha de fabricação irá afetar o valor de revenda futura

e o nosso leitor hipotético, por acaso, é proprietário de um automóvel nesta

situação.

Comparativamente, as notícias rotuladas como de Economia afetam

muito mais a vida das pessoas, no sentido prático, do que aquelas de Es-

portes. É muito mais fácil ao leitor não profissional detectar erros, omis-

sões, distorções, no noticiário de Economia do que no de Esportes. Isto por-

que, em suas operações cotidianas, é muito mais provável que o leitor utili-

ze informações obtidas no noticiário de Economia do que no de Esportes.

O noticiário sobre assuntos de Ciência e Tecnologia constitui-se em

produto aceito por grande parcela dos consumidores de informação. No

Brasil, especificamente, tal assertiva foi comprovada em pesquisa clássica, a

única até hoje realizada com a abrangência necessária, comprovativa de que

sete entre dez brasileiros, maiores de 21 anos, residentes em centros urba-

Page 70: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

70

nos com mais de 100 mil habitantes, têm interesse por notícias de Ciência e

Tecnologia.73

Evidentemente, se os meios de comunicação abrem espaço para o

noticiário de Ciência e Tecnologia é porque há consumo, embora muitos

desejem que estes espaços sejam mais generosos e ocupem lugar de mais

destaque ou horários mais nobres.

A grande maioria de consumidores deste produto simbólico chamado

notícia não consegue compreender claramente as imbricações da Ciência e

da Tecnologia na vida cotidiana (o que facilita, em muito, as atitudes gover-

namentais que tratam a área de C&T com prioridade mínima, apesar da re-

tórica contrária). Mas, paradoxalmente, é capaz de perceber que algumas

coisas que estão diariamente no noticiário de Ciência e Tecnologia dizem

respeito ao seu mundo, à sua vida, ao seu futuro. Afinal, o jornalista especi-

alizado em Ciência e Tecnologia escreve sobre medicamentos novos; doen-

ças com proliferação recente e métodos de tratamento; aparatos tecnológi-

cos que exploram o Universo; descobertas de novas galáxias e planetas;

técnicas de plantio e colheita e muitas outras coisas que, de algum modo,

nos dizem respeito.

O noticiário sobre Ciência e Tecnologia, em larga medida, corres-

ponderia a atender algumas das necessidades básicas inerentes ao ser huma-

no, em especial as de sobrevivência, culturais e de conhecimento, conforme

MASLOW.74

73- O que o brasileiro pensa da Ciência e Tecnologia? (A imagem da Ciência e da Tec-

nologia junto à população urbana brasileira). Rio de Janeiro: MAST/CNPq : GALLUP, 1ª ed.

1987, 95 p.

74- MASLOW, Abraham. Citado em BURKET, Warren. Jornalismo científico - como

escrever sobre ciência, medicina e alta tecnologia para os meios de comunicação. Trad. Antônio

Trânsito, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 60-61.

Page 71: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

71

Não compartilhamos a idéia de que o Jornalismo Científico é um jor-

nalismo diferente das demais especializações. Os princípios basilares do

Jornalismo são únicos, conforme se esboçou no entretítulo 1.5 - Jornalismo

e Jornalismo Científico.

O que é diferente no Jornalismo Científico (quando o comparamos

com outras especializações) é seu campo de atuação específica, a abrangên-

cia do seu universo. O jornalista, aqui, tem que lidar com fatos na maioria

das vezes intangíveis, que não raro têm por testemunhas poucas pessoas

que, em geral, falam uma linguagem profissional de difícil compreensão

para o não iniciado e obedecem a uma implacável lógica interna (da Ciên-

cia), nem sempre compreendida adequadamente pelo jornalista.

Ao lidar com informações complexas o jornalista tem ampliada a sua

responsabilidade, pois terá que reunir as habilidades necessárias para - sem

se descuidar das regras gerais aplicáveis a qualquer área do Jornalismo, e

incluso no mesmo modo de produção unívoco - elaborar um texto com as

qualidades que se consideram adequadas.

Se, de um lado, há esta complexidade permanente aguardando pelo

jornalista, de outro há, dentre o contingente de leitores potenciais, aqueles

que poderíamos designar como leitores capacitados, isto é, cientistas em

geral.

Os cientistas constituem uma classe profissional extremamente cor-

porativista, no sentido que este termo tem, para o bem e para o mal. Como

todo grupo específico, os cientistas obedecem determinados ritos, fiscali-

zam-se mutuamente, brigam por verbas para pesquisa (cabendo lembrar que

os recursos para esta finalidade são quase totalmente públicos), e são ex-

tremamente críticos, em especial quando comentam a cobertura da Imprensa

sobre os assuntos científicos e tecnológicos.

Esta diatribe entre jornalistas e cientistas é por demais antiga, conhe-

cida e bastante apreciada nos colóquios e motivo de inúmeros artigos e co-

Page 72: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

72

mentários, produzidos por uns ou por outros, reveladores de um desconhe-

cimento sobre o universo específico de cada setor: os cientistas, invariavel-

mente, não distiguem bem o atributo que cabe ao jornalista, em si, e à em-

presa jornalística para a qual o profissional trabalha, sob condições na mai-

oria das vezes bastante desconfortáveis; os jornalistas também costumam ter

visão equivocada sobre o cientista, baseados no mesmo princípio errôneo de

confundir o cientista em si (com suas deficiências pessoais possíveis, como

a de se comunicar mal) com a Ciência como um todo e os organismos nos

quais ela se materializa, por meio de pesquisas e desenvolvimento de novos

conhecimentos.

Aqui, queremos apenas reter a idéia de que o trabalho do jornalista é

diariamente visto por cientistas que, por circunstância da necessária forma-

ção intelectual aprimorada, constitui um segmento de público com mais

possibilidades de formular críticas e apontar falhas e omissões.

MOLES nos esclarece, quanto a esse dado, que “O produto (...) reen-

contra dois tipos de meio: a massa á qual é distribuído essencialmente, mas

também o meio científico que lê, muito mais atentamente do que pensamos,

as revistas de divulgação, com um olho crítico e por vezes com um contato

direto com o autor...”75

Ainda segundo MOLES, (...) “os próprios cientistas fazem um em-

prego muito amplo, embora pudicamente refreado, dos principais sistemas

de divulgação para se informarem superficialmente em seu próprio domínio,

reconstituindo elementos ausentes.”76

No caso específico da fusão a frio tal apropriação de informação pe-

los cientistas, via Imprensa, ficou bastante evidenciado. Entrevistas que fi-

zemos com alguns dos personagens envolvidos com o episódio, no Brasil,

75- MOLES, A. Abraham. Sociodinâmica da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1974. p.

214.

76- Opus cit. p. 215.

Page 73: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

73

confirmaram que o contato inicial com a informação ocorreu pela leitura do

noticiário e não por via da comunicação no âmbito restrito dos cientistas.

Page 74: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

74

CAPÍTULO 2 - UMA NOTÍCIA QUENTE

2.1 - Uma Entrevista Coletiva e seus Desdobramentos

No dia 23 de março de 1989, numa entrevista coletiva convocada

pela Universidade de Utah77, EUA, os químicos Martin Fleischmann, da

Universidade de Southampton, Inglaterra, e Stanley Pons, da Universidade

de Utah, fizeram um comunicado que desencadeou verdadeira euforia nos

meios científicos, em todo o mundo.

Os dois cientistas realizaram experiências de fusão nuclear, em tem-

peratura ambiente, e afirmaram ter obtido energia maior do que a necessária

para gerar o processo. Em síntese, eles diziam ter conseguido fundir núcleos

de átomos, sem utilizar para isto temperatura na escala de milhões de graus

centígrados, como ocorre nas estrelas.

A afirmação de Pons e Fleischmann encontra respaldo teórico na Fí-

sica, embora a possibilidade concreta de conseguir fundir núcleos de átomos

com resultados satisfatórios, em particular pelo processo então anunciado,

seja um desses sonhos científicos de improvável realização; ou teria sido,

até aquele dia da entrevista em Utah.

Fusão é a união de núcleos de dois átomos em novo elemento, segui-

da da liberação de energia. É o oposto da fissão, quando um núcleo pesado

de um átomo é partido, gerando dois elementos mais leves. A fissão é o

processo usado nas usinas nucleares.

As pesquisas com fusão dividem-se em dois ramos. Há os grupos que

conduzem experiências com enormes reatores capazes de produzir a elevada

temperatura necessária para fundir os núcleos atômicos, reproduzindo o

Page 75: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

75

mecanismo que ocorre no interior das estrelas. Pesquisas nesta área ocorrem

desde os anos 40 e há registros de avanços importantes, obtidos em labora-

tórios europeus, americanos e japoneses, no sentido de produzir - por meio

da fusão de núcleos atômicos - energia em quantidade superior à necessária

para gerar o processo.

Em novembro de 1991, no Joint European Torus (JET), um gigantes-

co reator instalado na Inglaterra, pesquisadores conseguiram por breves dois

segundos obter 2 megawatts de energia, quantidade superior a que foi ne-

cessária para realizar o processo de fusão.

A complexidade dos experimentos nesta área exige equipamentos de

custos vultosos. Estima-se que somente por volta da metade o século XXI

terão sido superadas todas as barreiras técnico-científicas que ainda impe-

dem a utilização em escala econômica desta forma de gerar energia. Se tais

barreiras não forem superadas, o princípio teórico e experimental terá ape-

nas utilidade acadêmica e não se converterá numa tecnologia de uso prático.

O outro ramo de pesquisas com fusão acredita nas possibilidades de

realizar o processo em temperatura ambiente, ou mais precisamente, muito

próxima desta. É a chamada fusão a frio78 , que a partir de 1989 ganhou

novo impulso com as revelações surpreendentes de Pons e Fleischmann.

De acordo com documentação coletada por LEWENSTEIN e

BAUR79, o primeiro artigo científico sobre fusão em temperatura ambiente

foi escrito em 1926 por dois cientistas alemães, Fritz Paneth e Kurt Peters.

77 - O nome da universidade remete para o nome deste Estado americano, localizado na

região montahosa do Oeste central dos EUA. Capital: Salt Lake City. População do Estado

(1990): 1.776.000 habitantes.

78- Em inglês, “cold fusion”, cuja tradução literal é “fusão fria”. Termos correlatos, en-

contrados no noticiário e na dissertação: fusão a frio e fusão em temperatura ambiente.

79- LEWENSTEIN, Bruce V.; BAUR, W. A cold fusion chronology. In: Journal of Radi-

oanalytical and Nuclear Chemistry, Articles, vol. 152, n. 1 (1991), p. 273-298.

Page 76: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

76

Antes da estrondosa entrevista concedida por Fleischmann e Pons, em 1989,

ainda segundo o levantamento citado, há registros de várias especulações de

cientistas sobre a realização de fusão em temperatura ambiente, nos anos de

1934, 1947, 1948, 1951, 1956, 1977, 1982, 1985, 1986, 1987, 1988.

A entrevista coletiva convocada pela Universidade de Utah foi pre-

cedida da distribuição de um release, com nota de embargo até a sua reali-

zação (13 horas de 23 de março de 1989).

Em exatas 101 linhas contidas em cinco laudas, o release foi produ-

zido pelo Departamento de Relações Públicas da Universidade de Utah.

Ganhou o seguinte título: “Resultados de um ‘experimento simples’ com

fusão sustentada em temperatura ambiente pela primeira vez”, complemen-

tado pelo subtítulo “Processo é potencialmente capaz de suprir uma fonte

inesgotável de energia”.80

O release começa por afirmar que “dois cientistas criaram e mantive-

ram um bem sucedido sistema de reação de fusão nuclear à temperatura am-

biente em um laboratório de química na Universidade de Utah. A desco-

berta significa que algum dia o mundo poderá confiar na fusão a frio como

uma fonte limpa, virtual e inesgotável de energia.”

Contrapondo-se, de certo modo, ao texto inicial, um dos responsáveis

pelo trabalho, Martin Fleischmann, faz a seguinte declaração: “O que nós

fizemos foi apenas abrir as portas para uma nova área de pesquisa.” Mas,

em continuidade, parece reforçar inteiramente o texto de divulgação, ao

afirmar: “As nossas indicações são de que esta descoberta será relativa-

mente fácil de ser realizada mediante uma tecnologia útil para gerar calor e

força; porém se faz necessário a continuidade do trabalho, primeiro para se

80- O título original é ‘SIMPLE EXPERIMENT’ RESULTS IN SUSTAINED N-FUSION

AT ROOM TEMPERATURE FOR FIRST TIME - Breakthrough process has potential to provide

inexhaustible source of energy. O release está anexado à dissertação.

Page 77: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

77

saber mais sobre esta ciência e, segundo, para determinar o valor desta para

a economia de energia.”

O release faz considerações sobre as vantagens comparativas da fu-

são nuclear com a fissão nuclear e com as fontes tradicionais de produzir

energia. Informa, numa única linha, que os dois autores teriam a descoberta

publicada na “literatura científica de maio.”

A certeza de estava havendo fusão nuclear (e não uma reação quími-

ca), segundo o release, adviria do fato de ter sido gerado calor de modo

contínuo por longos períodos de tempo. Fleischmann acrescenta, entre as-

pas: “Além disso reações superficiais levam a geração de nêutrons e tritium

os quais são esperados como sub-produtos da fusão nuclear.”

O release apresenta um pouco da história do trabalho de Fleischmann

e Pons especificamente no campo da fusão a frio, pensada pelo primeiro já

no final dos anos 60. Mais tarde, o assunto foi retomado em parceria com

Pons, até que resolveram conceber o experimento. “A estratégia do experi-

mento foi concebida na cozinha da casa de Pons. A natureza da experiência

era tão simples, disse Pons, que a primeira vez que esta foi realizada foi por

pura diversão e satisfação da curiosidade científica.”

Após realizar o experimento por curiosidade, os dois cientistas resol-

veram dedicar-se seriamente ao projeto, antes mesmo de tentar obter recur-

sos financeiros da Universidade de Utah. Segundo Pons, no release, “Nós

pensávamos que seríamos capazes de conseguir levantar qualquer soma em

dinheiro para o projeto, desde que este funcionasse.”

Segundo o release, “trabalhando no laboratório de Pons, na Universi-

dade de Utah, até tarde da noite e mesmo nos finais de semana, os dois im-

provisaram e testaram os procedimentos por um período de cinco anos e

meio.”

Page 78: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

78

De acordo com Pamela W. Fogle81, diretora do Serviço de Relações

Públicas da Universidade de Utah, 20 repórteres da imprensa local e nacio-

nal compareceram à entrevista no dia 23. Não há, na universidade, um tape

completo (de áudio ou tv) desta entrevista, um registro que ajudaria a escla-

recer aspectos desta história.82

Nas quatro semanas seguintes, ainda segundo Fogle, em especial da

Europa, foram recebidas 1500 ligações telefônicas de jornalistas, cientistas,

agentes literários, editores e outros interessados. Os telefonemas eram tan-

tos e com diferentes propostas e indagações que uma jornalista especializa-

da em Ciência (Barb Shelley) foi encarregada de cuidar do assunto e prepa-

rar resumos para análise pelo Vice-Reitor de Pesquisa da Universidade, Ja-

mes Brophy, e pelo Dr. Pons.83

Por razões diversas, dois jornais comunicaram o fato no dia 23 de

março de 1989, quando ocorreu a entrevista coletiva: o Financial Times, da

Inglaterra, e o Wall Street Journal, editado em Washington.

No estilo contido característico, o jornal inglês noticiou em texto as-

sinado pelo editor de Tecnologia, Clive Cookson, que "Dois cientistas

anunciarão formalmente hoje que controlaram a fusão nuclear num tubo de

ensaio. Se esta descoberta for confirmada, eles terão chegado muito perto de

dominar as forças que impulsionam o sol e a bomba de hidrogênio. Com

este processo essas forças poderiam fornecer, virtualmente, de maneira ili-

mitada, energia limpa e barata."84

81- FOGLE, Pamela W. Cold Confusion. Currents, April 1991, p. 26-28.

82- Conforme informação de Pamela W. Fogle em carta ao Autor desta Dissertação

(March 6, 1995).

83- Ibidem, idem.

84 - Em inglês, "Two scientists will today formally announce that they have carried out

controlled nuclear fusion in a test tube. If their discovery is confirmed, they will have gone a long

way towards taming the forces powering the sun and the hydrogen bomb. These could provide

virtually unlimited, clean and inexprensive energy."

Page 79: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

79

É preciso ter bem claro que a realização de Pons e Fleischmann

constitui apenas um passo - talvez decisivo, mas não o único - num longo

processo de desenvolvimento científico e tecnológico. Colocada em termos

rigorosos, a fusão de núcleos de átomos em temperatura ambiente - quando

devidamente sedimentada - será a base de um promissor trabalho de enge-

nharia científica que poderá significar um novo processo de gerar energia.

Como bem lembrou o físico Carlo Rubbia, ganhador de um Prêmio Nobel

em 1984, comentando o anúncio feito por Fleischmann e Pons, “a natureza

não permitiria uma solução tão simples para um problema tão complexo”.85

Ao participar da entrevista coletiva para anunciar fato de tamanha

relevância científica, Pons e Fleischmann contrariaram uma praxe consa-

grada no mundo acadêmico. O usual, entre cientistas, é primeiro relatar a

experiência e os resultados obtidos num periódico científico. Somente de-

pois desta etapa, pela qual o trabalho ganha o aval de árbitros especializa-

dos, costuma-se fazer a divulgação para o público não especializado.

O artigo original de Pons e Fleischmann foi enviado à Revista Natu-

re, considerada um dos periódicos científicos mais importantes em todo o

mundo, fundada em 1869, na Inglaterra. A revista, entretanto, exigiu dos

autores informações mais detalhadas, recomendadas pelos árbitros, e o arti-

go acabou não sendo publicado.

É interessante notar, neste episódio, um dado paradoxal: a ânsia por

tornar pública a experiência, garantindo a paternidade intelectual, e, ao

mesmo tempo, omitir dados fundamentais, em nome da proteção aplicável a

uma dada invenção tecnológica ainda não patenteada.

85 - O Estado de S. Paulo, 26.3.89, p. 17 (Fusão nuclear barata recebida com descrença).

Page 80: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

80

Em artigo86 que escreveria em abril de 1991, portanto dois anos após

a entrevista, a diretora de Relações Públicas da Universidade de Utah, Pa-

mela W. Fogle (responsável pela preparação do release distribuído à Im-

prensa) revelaria um pouco dos bastidores deste acontecimento.

Fogle conta que a entrevista foi marcada para o dia 23 de março -

num prazo curto a contar do recebimento da informação pelo Serviço de

Relações Públicas da Universidade - porque no dia seguinte um dos pesqui-

sadores envolvidos, Fleischmann, retornaria à Inglaterra, onde ficaria vários

meses.

Outra revelação, esta de aspecto menos mundano, é que Fleischmann

e Pons, que haviam dispendido cinco anos de trabalho no assunto, preferiam

ainda ter mais dezoito meses para continuar as experiências. Entretanto,

rumores que começaram a circular davam conta que o tema seria divulgado

por outros e, então, os administradores da universidade e os cientistas resol-

veram antecipar-se para preservar-se com relação aos direitos intelectuais

do trabalho.

Fogle não conta em seu artigo, mas é bom lembrar que Steven Jones,

pesquisador da Universidade Brigham Young, situada em Provo, a cerca de

150 quilômetros de Utah, trabalhava nesta linha e mantinha com Fleis-

chmann e Pons um acordo de divulgarem os resultados em conjunto. Jones,

como praticamente os pesquisadores, em todo o mundo, ficou sabendo do

assunto pelos jornais.

Fogle apresenta como argumento que justificou a liberação da infor-

mação o fato do Journal of Electroanalytical Chemistry ter aceito para pu-

blicação um artigo da dupla de pesquisadores, um sinal suficiente de que o

trabalho experimental era sério, segundo a chefe do setor de Relações Pú-

blicas da Universidade de Utah.

86- Cold confusion - an insider’s view. in: Currents, April 1991, Vol. XVII, N. 4. p. 24-

26.

Page 81: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

81

2.1.2 - Esforços para Reproduzir a Experiência

No âmbito científico rapidamente se estabeleceu uma frenética busca

pela reprodução da experiência. Isto ocorreu em países com imensas dife-

renças sociais, econômicas e relevância científica. Grupos na Itália, Grécia,

Japão, Inglaterra, Índia, na então União Soviética, Brasil, Hungria e Polô-

nia, puseram-se imediatamente a montar experimentos em busca dos resul-

tados anunciados na Universidade de Utah.

Tal procedimento é coerente com o trabalho científico mas, neste

caso, revestiu-se de ênfase especial, pelas seguintes e principais razões:

a) Grupos que não trabalhavam nesta linha de pesquisa começaram a

realizar experiências tentando obter resultados idênticos aos de Fleischmann

e Pons;

b) O trabalho de reprodução da experiência se desenvolveu sem que

os cientistas tivessem dados suficientes para fazê-lo; Fleischmann e Pons

não publicaram material com suficiente informação para permitir o con-

fronto de opiniões;

c) Os laboratórios foram escancarados à Imprensa, que acompanhou

as experiências. No caso brasileiro, como se verá na dissertação, houve até

mesmo noticiário antecipando os passos seguintes dos cientistas.

No Brasil, também se desenvolveram esforços científicos para repro-

duzir a experiência de Pons e Fleischmann. Instituições de pesquisa situadas

nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os dois mais importantes da

Federação, e onde se localizam as melhores universidades e centros de pes-

quisa, realizaram uma espécie de maratona em busca da primazia pela repe-

tição da experiência.

Envolveram-se diretamente no tema o Instituto de Física da Univer-

sidade de São Paulo (IFUSP) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nu-

Page 82: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

82

cleares de São Paulo (IPEN), em parceria; o Instituto Nacional de Pesquisas

Espaciais (INPE), o Instituto de Física da Universidade do Rio de Janeiro

(IF/UFRJ), a Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia

(COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria. Também

há registros da participação do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia

Nuclear (CDTN), situado em Belo Horizonte.

No dia 6 de abril de 1989, o Jornal do Brasil informava: “...pelo me-

nos 12 grandes laboratórios ao redor do mundo se empenham agora em re-

petir a experiência anunciada pelos eletroquímicos Stanley Pons e Martin

Fleischmann, e tem havido anúncios de algum sucesso”. (p. 8, Lee Dye, Los

Angeles Times).

Já o jornal O Estado de S. Paulo, de 22 de abril, ironizando declara-

ção de um pesquisador brasileiro que alegava primazia mundial, afirmava

que “em pelo menos uma centena de laboratórios ao redor do mundo, muito

mais equipados, estão realizando todas as medidas imagináveis...”. (p. 10).

O episódio da fusão a frio pode ser enquadrado no contexto descrito

por MERTON87, relacionado com reivindicações e disputas por prioridades

em Ciência. Quando procuramos verificar a situação ocorrida no Brasil en-

tre os grupos que se empenharam em reproduzir a experiência, fica evidente

que - ainda que inconscientemente - estava em jogo o prestígio da institui-

ção que conseguisse fazê-lo primeiro.

2.1.3 - A Imprensa Amplificando o Fato

87- MERTON, Robert K. Priorites in scientific discovery: a chapter in the sociology of

science. American Sociological Review, 22 (1957), 635; Singletons and multiples in scientific

discovery, a chapter in the sociology of science. Proceedings of the American Philosophical Soci-

ety, 105 (1961), 470.

Page 83: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

83

A repercussão do comunicado feito na Universidade de Utah naquele

23 de março de 1989 também pode ser observada pelo intenso aproveita-

mento do assunto nos meios de comunicação. No exterior, por exemplo, há

diversos exemplos que podem dar uma idéia da dimensão que o fato ga-

nhou.

O principal comentário do jornalista Dan Rather, no programa Eve-

ning News, da rede CBS, em 23 de março de 1989, foi dedicado ao assunto.

A revista New Scientist, editada semanalmente na Inglaterra, nas

quinze edições do período de 25 de março a 1 de julho de 1989 (números

1657 a 1671) publicou textos sobre o assunto em dez edições.

No Brasil, a Imprensa passou também a dedicar atenção ao fato.

Houve farto noticiário de origem internacional, abordando o desenrolar das

experiências em vários laboratórios do Exterior e, igualmente, acompanha-

mento das experiências realizadas aqui mesmo.

Para se ter uma dimensão, vejamos alguns dados sobre material jor-

nalístico com o tema, em alguns periódicos brasileiros: a Revista Veja, se-

manal, dedicou espaços variáveis entre uma coluna a três páginas para a

fusão a frio, nas edições de 12 de abril (p. 62), 19 de abril (p. 64-5), 26 de

abril (p. 75) e 17 de maio (p. 94-5). Ainda em 1989, Veja voltaria a falar no

assunto, nas edições de 10 de maio (p. 104-6) e de 29 de novembro (p.

137).

Entre 24 de março e 30 de junho de 1989, período no qual se con-

centra o material de análise da dissertação, nos quatro jornais brasileiros

que constituem a amostragem, foram identificados 222 textos pertinentes ao

tema "fusão a frio".

Também é indicativo da importância deste fato o surgimento de li-

vros e arquivo especializados no assunto. Na Inglaterra, já em 1990, o físico

Frank Close lançava o livro Too Hot to Handle: the race for cold fusion,

dedicando inclusive um capítulo ao papel da mídia nos acontecimentos.

Page 84: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

84

Na Cornell University, foi criado um arquivo sobre o assunto - Cor-

nell Cold Fusion Archive - reunindo material de característica científica e

de divulgação sobre fusão a frio. Este arquivo, em 1991, dispunha de cerca

de mil artigos publicados em meios de comunicação de massa, 50 gravações

de entrevistas com pesquisadores, administradores, assessores de comunica-

ção e jornalistas envolvidos com a fusão a frio, e cerca de 5.500 páginas de

material variado, tipo pré-prints.

O Livro do Ano Barsa 1990 dedicou todo o verbete “Física” (páginas

233-235) ao assunto fusão a frio, abrindo com o seguinte texto: “O ano de

1989 será lembrado como o da fusão a frio. O conceito deu manchete em

fins de maio [sic] e foi saudado como a solução para os problemas energéti-

cos do mundo, mas ao fim do ano achava-se envolto em densas nuvens de

incerteza. Sabia-se que a fusão nuclear pode ocorrer a temperaturas de mi-

lhões de graus centígrados, porém o anúncio de que poderia dar-se à tempe-

ratura ambiente pegou de surpresa toda a comunidade científica.”

A Imprensa, que tanto se envolveu na fase inicial, de vez em quando

retoma o tema. No material que temos coletado desde 1989 sobre este as-

sunto, registramos, por exemplo, para além do período definido para análi-

se, os seguintes títulos:

- Depois de um ano, fusão a frio não esquenta o ânimo dos pesqui-

sadores. Texto de Cláudio Csillag, página inteira de abertura do Caderno

Ciência, da Folha de S. Paulo, 23 de março de 1990.

- Utah leva fusão nuclear fria a júri de cientistas. Distribuído pela

United Press International. Folha de S. Paulo, 9 de novembro de 1990.

- Segue a todo vapor confusão em torno da fusão fria. Folha de S.

Paulo, Caderno Ciência, 1 de fevereiro de 1991.

- Empresas tentam reabilitar a fusão fria. Folha de S. Paulo, 27 de

abril de 199l.

Page 85: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

85

- Físicos revelam novos indícios de fusão a frio. O Estado de S.

Paulo, 27 de abril de 1991.

- Comitê procura causa da explosão num laboratório de fusão a frio.

Folha de S. Paulo, Caderno Ciência, 7 de fevereiro de 1992.

- Japão aposta no sucesso da fusão a frio. Texto de Cássio Leite Vi-

eira. Folha de S. Paulo, 10 de julho de 1992.

- Cientistas dos EUA e Japão dizem ter obtido energia com “fusão

fria”. Distribuído pela Reuter. Folha de S. Paulo, 3 de novembro de 1992.

- Japoneses esquentam debate sobre técnica de fusão fria. Traduzido

do Libération. Folha de S. Paulo, 8 de novembro de 1992.

- Japão ressuscita “pais” da fusão a frio. Folha de S. Paulo, 16 de

novembro de 1992.

Encontramos em 11 de abril de 1995 a seguinte notícia no jornal

Folha de S. Paulo (p. 1-12)

“Italianos afirmam ter realizado fusão fria.

Físicos italianos acreditam ter observado fusão nuclear “fria” em ex-

perimentos com hidrogênio e níquel. Segundo eles, 15 gramas de níquel e 1

de hidrogênio produzem de 30 a 40 watts de energia, o suficiente para

manter uma lâmpada por três meses. Anunciada em 1989 por americanos, a

fusão fria nunca foi reproduzida com sucesso e caiu em descrédito. Seria

uma fonte energética limpa e barata.”

É interessante também observar que, volta e meia, embutida em tex-

tos sobre algum assunto científico, encontramos citação à fusão fria, como

neste caso de Veja de 14 de abril de 1993, numa matéria sobre a pesquisa de

um brasileiro publicada na Nature sobre o estouro do milho de pipoca. Num

texto ambíguo, a revista usa como argumento a pesquisa da fusão fria “o

caso mais escandaloso dos últimos tempos...”. (p. 43).

A fusão a frio foi um tema marcante, a ponto de produzir situações

como a que encontramos na Revista D’, encartada na edição da Folha de S.

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86

Paulo de 2 de dezembro de 1990. Em “Notas pessoais”, o compositor

Fausto Fawcett, em dez quesitos para notas de 0 a 10, atribuiu a nota máxi-

ma “para os cientistas que tentam obter a fusão nuclear, que nos livraria dos

famigerados papos ecológicos”.

2.1.4 - Um Tema Inquietante

O tema “fusão fria” ainda hoje continua despertando interesse. Mes-

mo após a fase de grande impacto, pesquisas são feitas neste campo. Entre

1990 e 1993 foram realizados quatro Congressos sobre o tema (Internatio-

nal Conference on Cold Fusion).

No último Congresso, realizado de 6 a 9 de dezembro de 1993, nos

Estados Unidos, foram apresentados 53 trabalhos, incluindo-se alguns de

Fleischmann e Pons, os dois principais protagonistas da entrevista de 23 de

março de 1989. Isto evidencia que a fusão a frio não foi um acontecimento

isolado no contexto científico, extinto após a controvérsia iniciada com a

entrevista.

Com relação aos grupos brasileiros que se envolveram com a ques-

tão, reproduzindo a experiência nos moldes anunciados em Utah, todos

abandonaram o assunto, retomando outros trabalhos. Entrevistas que reali-

zamos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (com o pesquisador

Gerson Otto Ludwig) e no Instituto de Pesquisas Energéticas (com o pes-

quisador Rajendra Saxena), indicam que os grupos destas duas instituições

resolveram fazer a experiência motivados por curiosidade, visto que a

montagem da aparelhagem necessária era relativamente simples.

Rastreamos fontes em busca de registros de artigos publicados, no

Brasil ou no Exterior, sobre as experiências feitas por grupos brasileiros. A

equipe do IPEN, que realizou experiências em conjunto com equipe do Ins-

tituto de Física da USP, relatou o assunto em periódico interno, cujo título é

Page 87: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

87

“Pesquisa sobre Emissão de Nêutrons durante a Eletrólise de Água Pesa-

da”88. Os pesquisadores concluem ter obtido evidências da emissão de nêu-

trons, característica de um processo de fusão nuclear.

2.2 - Dos Gregos à Física Quântica

As especulações e tentativas experimentais que fazem parte da histó-

ria do conhecimento produzido e acumulado pelo Homem, e consagrado

sob o manto científico, têm origens na filosofia desenvolvida na Grécia An-

tiga.

Quando nos deparamos com um acontecimento atual, fragmentado

em seu momento presente, nem sempre nos ocorre que as raízes primevas,

ainda que de ordem por vezes estritamente filosóficas, remontam a épocas

longínquas, situadas há pelo menos 2.500 anos.

“É muito interessante e estimulante estudar como certas idéias da ci-

ência moderna se ligam a pensamentos antiqüíssimos, o que mostra que há

uma certa continuidade na história do pensamento humano”, escreveu o

físico Mário Schenberg.89

Para compreender os acontecimentos físicos ou químicos é necessá-

rio conhecer, ainda que de modo resumido, os principais contornos do co-

nhecimento sobre as fascinantes partículas microscópicas que formam todos

os seres e objetos do mundo: os átomos.

Dois filósofos gregos - Leucipo (circa 440 a.C.) e Demócrito (circa

420 a.C.) foram os primeiros a formular a idéia de que todas as coisas eram

88- Search for Neutron Emission during the Electrolysis of Heavy Water. Publicação

IPEN 297, Março, 1990. Paulo R. P. Coelho; R. N. Saxena; Spero P. Morato; I. D. Goldman; A.

G. de Pinho and I. C. Nascimento. 10 p.

89- SCHENBERG, Mário. Pensando a Física. São Paulo, 3ª ed., 1988, Nova Stella, p.

29.

Page 88: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

88

formadas por algo que se batizou de átomo, palavra grega que significa “in-

divisível”.

As teorias sobre o átomo dos antigos gregos eram de caráter mais fi-

losófico do que científico. Os filósofos dispunham de grande intuição, mas

não contavam com meios para experimentar suas idéias. O átomo não é in-

divisível, como supunham, mas suas concepções, em geral, mostraram-se

acertadas e constituem a base de contínuos estudos ao longo de séculos. A

manutenção do termo é uma forma de homenagem àqueles precursores da

antiga Grécia.

Na Idade Média, os alquimistas - que podem ser considerados os

precursores da moderna Química - avançaram em direção a conclusões mais

sólidas do que as aventadas pelos gregos, mesmo porque já manipulavam os

materiais com os quais especulavam. Personagens de um período histórico

em que se mesclam magia, bruxaria, obscurantismo e charlatanice de toda

espécie, os alquimistas ficaram mais conhecidos pelo lado místico da ativi-

dade, embora tenham contribuído para trazer luz ao conhecimento sobre a

Natureza.

A partir do século XVII, uma sucessão de eventos criou uma sólida

base de conhecimentos sobre os átomos, sendo já apropriado nominar no

plural, pois agora já se sabia que diferentes átomos formam tudo que conhe-

cemos na Natureza.

A Química e a Física, que começavam a ganhar o status de ramos es-

pecializados da Ciência, iriam buscar - e encontrar - respostas para as inqui-

etações dos antigos gregos e oferecer às gerações futuras um imenso rol de

conhecimentos que, vistos da perspectiva atual, são a base do mundo no

qual vivemos.

O conhecimento avançava em direção ao mundo microscópico, não

perceptível pela visão humana e, também, em direção ao mundo macroscó-

pico, assim podemos dizer, que igualmente despertava a curiosidade do

Page 89: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

89

Homem desde as primeiras civilizações. Afinal, a visão humana capta a pre-

sença do Sol, da Lua, das estrelas no firmamento, dos eclipses solares e lu-

nares, dos cometas etc. Não é por acaso que se considera a Astronomia

como a mais antiga ciência.

Do ponto de vista de concepção física, no século XVII surge a idéia

de um Cosmos aberto, um Universo infinito, portanto antagônica à concep-

ção de Aristóteles (384-322 d.C.), aceita desde a Grécia Antiga até fins da

Idade Média.

Aristóteles distinguia dois movimentos, o dos corpos terrestres e o

dos corpos celestes. Fazia parte da concepção de Aristóteles a idéia de que a

Terra estava imóvel no centro do Céu, formado de esferas concêntricas,

sendo a Lua a de menor raio. Os corpos celestes (Mercúrio, Vênus, Sol,

Marte, Júpiter e Saturno) teriam movimentos regulares, de acordo com a

vontade divina. Para além das esferas destes corpos, haveria as estrelas fixas

e, daí em diante, nada mais.

Em seu último ano de vida, Nicolau Copérnico (1473-1543) afirmou

que a Terra não era o centro do mundo. Mais de meio século depois, entre

1609 e 1619, Johannes Kepler (1571-1630) formulou leis explicativas do

movimento dos corpos celestes. Kepler “mandou para o espaço” a concep-

ção de Aristóteles - a da hierarquia de esferas regidas pela vontade divina.

Galileu Galilei (1564-1642) inaugura uma nova fase na busca pelo

conhecimento sistemático, ao aliar intuição à comprovação, e, de modo pio-

neiro, utilizar aparato tecnológico para definir conceitos e teorias, ao desco-

brir, em 1609, novos objetos celestes, utilizando uma incipiente luneta,

construída com rudimentares conhecimentos óticos surgidos na Holanda.

A partir de Galileu surge a concepção de um novo sistema de mundo.

Termina a distinção entre movimentos e leis aplicáveis somente aos corpos

celestes e a Terra. As leis físicas são universais. Evidentemente, a Igreja não

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90

gostou nem um pouco desta concepção e são conhecidas as conseqüências,

com a instauração do famoso processo contra Galileu.

Com Galileu começa uma era de significativos progressos científicos,

metodicamente sistematizados e que encontra em Isaac Newton (1642-

1727) o grande formulador. Surge a Física Clássica, apoiada no conheci-

mento mecânico, que iria desembocar, já no século XX, na mecânica quân-

tica.

Também a partir do século XVII, a Química começa a oferecer expli-

cações sobre a composição da matéria, confirmando concepções filosóficas

oriundas da Grécia Antiga e refutando especulações que estiveram em voga

na Idade Média com os alquimistas.

Em 1661, Robert Boyle (1627-1691) apresentou as conhecidas leis

sobre os gases (que ficaram conhecidas como Leis de Boyle), definindo um

elemento como uma substância básica que pode ser combinada com outros

elementos de modo a formar compostos e que, inversamente, não pode ser

decomposta numa substância mais simples depois de ser isolada de um

composto.

No século XIX, com o químico John Dalton (1766-1844) é que a hi-

pótese da constituição atômica da matéria começou a impor-se para a inter-

pretação das reações químicas e de suas leis básicas (a lei de conservação

da massa, a lei das proporções definidas, a lei das proporções múltiplas e a

lei de Gay-Lussac). O conhecimento avançava e agora já se sabia que os

átomos se combinam quimicamente para formar as moléculas e as reações

químicas passam a ser descritas como resultado do intercâmbio de átomos

entre as moléculas, em suas colisões.

Ao final do século XIX, importantes descobertas iriam produzir im-

pulso na Física. Em 1865, James Clerk Maxwell (1831-1879) sintetizou as

leis do eletromagnetismo. Ele deduziu a existência de ondas eletromagnéti-

cas, utilizando como linguagem matemática um sistema de equações.

Page 91: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

91

Vinte anos depois, Heinrich Hertz (1857-1894) associou estas ondas

com as ondas luminosas, de freqüências diferentes, mas igualmente capazes

de serem refletidas por corpos metálicos (que conduzem eletricidade) e di-

elétricos (que não conduzem eletricidade) e de se propagarem no vácuo com

idêntica velocidade.

É notável a sucessão de descobertas ocorridas ao final do século

XIX. Em 1879, William Crookes (1832-1919) descobriu os raios catódicos,

princípio da válvula e do tubo de TV. Em 1887, Hertz descobriu o efeito

fotoelétrico e demonstrou que a luz é formada por “pacotes”de energia, tó-

pico sobre o qual Einstein trabalhou. Em 1895, W. Roentgen descobriu os

raios X. Em 1896, Jean Becquerel (1878-1953) estudou os sais de urânio e

descobriu que mesmo não expostos previamente aos raios solares, estes são

fluorescentes, servindo para impressionar placas fotográficas.

Em 1897, o físico Joseph John Thomson (1856-1940) - baseando-se

em conhecimentos produzidos por outros físicos - demonstrou que os raios

catódicos são formados por partículas com carga elétrica negativa, chama-

das de “elétrons” em 1891 por G. Stoney. A comprovação da existência dos

elétrons era a primeira evidência de que os átomos continham outras partí-

culas ainda menores, contrariando a concepção herdada dos antigos gregos.

H. A. Lorentz (1853-1928) desenvolveu a teoria clássica do elétron e,

em 1904, nos albores do século XX, H. Nagaoka propôs que o átomo deve-

ria ser constituído de elétrons girando numa órbita circular em torno de um

núcleo central.

O ano de 1905 é um marco, pois vêm à luz seis artigos de Albert

Einstein (1879-1955), a saber:90

90- Conforme PAIS, Abraham. “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Eins-

tein. Trad. Fernando Parente e Viriato Esteves; revisão da tradução César Benjamin. Rio de Ja-

neiro: Nova Fronteira, 1995. p. 18.

Page 92: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

92

1) “O quantum de luz e o efeito fotoelétrico”, concluído em 17 de

março. Este artigo, escrito por Einstein antes da tese de Doutoramento, deu-

lhe o Prêmio Nobel de Física em 1921.

2) “Uma nova determinação das dimensões moleculares”, terminado

em 30 de abril. É a tese de Doutoramento de Einstein.

3) “O movimento browniano”, um trabalho derivado da tese.

4) O primeiro artigo sobre a “relatividade restrita”, recebido pelos

editores de Annalen der Physik em 30 de junho.

5) O segundo artigo sobre a “relatividade restrita”, contendo a fór-

mula que se tornaria célebre (E = mc2, onde E significa energia, m é massa

e c a velocidade da luz), recebido pelos editores de Annalen der Physik em

27 de setembro.

6) Um segundo artigo sobre o “movimento browniano”, recebido em

19 de dezembro.

Segundo o físico Abraham Pais “Em toda a história da física nunca

existiu um período de transição tão abrupto e de tamanha amplitude quanto

o dos dez anos que separam 1895 e 1905. Em rápida sucessão, novos hori-

zontes foram abertos pelas descobertas experimentais dos raios X (1895),

do efeito Zeeman (1896), da radioatividade (1896) e do elétron (1897),

além do alargamento da espectroscopia do infravermelho à região entre 3

µm e 60 µm [1 µm é igual a uma milionésima parte do metro]. Os nasci-

mentos da teoria quântica (1900) e da teoria da relatividade (1905) marca-

ram o início de uma nova era em que se constatou que os próprios funda-

mentos da teoria física necessitavam de revisão.”91

A partir de 1924-25, a mecânica quântica iria trazer novas funda-

mentações para a teoria atômica. Na expressão de LOPES “é ela [a mecâni-

ca quântica] que explica a estabilidade da matéria e a identidade de átomos

91- Opus cit. p. 29.

Page 93: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

93

de um mesmo elemento, a única que descreve corretamente a matéria mi-

croscópica, as moléculas, os átomos, os núcleos, a física da matéria conden-

sada, as interações entre a matéria e a energia, a supercondutividade, o

magnetismo, a física de partículas elementares.”92

Historicamente, a mecânica quântica (ou física quântica) começa a

surgir com Max Planck, em 1900. Este físico alemão sugeriu que a luz, os

raios-X e outras ondas eletromagnéticas não são emitidos arbitrariamente

como até então se supunha, mas em determinadas quantidades, que chamou

de quanta (daí a origem do termo quântico).

Plank previu que cada quantum teria uma certa cota de energia, tanto

maior quanto mais alta a freqüência das ondas. Isto implicava em que a uma

freqüência suficientemente alta, a emissão de um único quantum exigiria

mais energia do que a disponível.

Com o princípio da incerteza, formulado em 1926 por outro físico

alemão, Werner Heinserberg (1901-1976), surge uma nova forma de per-

cepção do mundo; cai por terra o modelo do universo completamente de-

terminístico. No ano seguinte, com a mecânica quântica, E. Schrödinger

(1877-1961) criou as condições para descrever a fórmula provável dos dife-

rentes orbitais de elétrons.

HAWKING explica: “Ainda que a luz seja formada por ondas, a hi-

pótese quântica de Planck sustenta que, sob algumas formas, ela se com-

porta como se fosse composta de partículas: só pode ser emitida ou absorvi-

da em quantidades ou quanta. Igualmente, o princípio da incerteza de

Heisenberg implica que as partículas se comportem como ondas em algu-

mas situações: não se localizam em posição definida mas estão espalhadas

segundo determinada distribuição de probabilidade. (...) Existe na mecânica

quântica, portanto, uma dualidade entre ondas e partículas: para alguns pro-

92- LEITE LOPES, J. A estrutura quântica da matéria - do átomo pré-socrático às partí-

culas elementares, p. 11-12.

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pósitos é útil pensar nas partículas como ondas, e para outros, é melhor pen-

sar nas ondas como partículas.”93

Esta dualidade - onda/partícula - trouxe nova visão à compreensão da

estrutura dos átomos, “unidades básicas da química e da biologia, e blocos

de construção de que nós, e tudo o que nos rodeia, somos feitos.”94 Até o

início do século XX havia prevalecido a idéia de que os elétrons (partículas

de eletricidade negativa) giravam em torno de um núcleo central (com ele-

tricidade positiva), mantido em órbita estável por meio de força gravitacio-

nal.

O ano de 1932 registra enormes conquistas no terreno do conheci-

mento sobre os átomos. J. Chadwick (1891-1974) descobre o nêutron. O

pósitron, cuja existência já havia sido prevista em 1928, foi confirmado. O

neutrino, cujas bases teóricas foram desenvolvidas em 1932, teria sua exis-

tência comprovada em 1956.

Outra partícula, o méson - uma espécie de “cola intranuclear” - pro-

posta pelo físico japonês Hidek Yukawa, iria ser comprovada em 1947, com

as experiências realizadas pelo físico brasileiro César Lattes.

Os sucessivos conhecimentos acumulados sobre as partículas que

formam os átomos, e suas interações, abriram a trilha pela qual os cientistas

chegaram à bomba de hidrogênio (bomba H), à bomba atômica e ao apro-

veitamento pacífico da energia por meio das usinas nucleares, com o domí-

nio da fissão de núcleos de átomo.

A fusão de núcleos do átomo, por outro lado, também assentada neste

conhecimento cuja origem mais remota vem da antiga Grécia, é uma pers-

pectiva com base teórica consistente, que se abre para duas vertentes expe-

rimentais: a clássica, iniciada nos anos 40 e aquela da qual os cientistas que

93- HAWKING, Stephen W. Uma breve história do tempo. Do big bang aos buracos ne-

gros. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1988, 4ª ed. p. 89-91.

94- Opus cit. p. 92.

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concederam a entrevista coletiva de 23 de março de 1989, em Utah, EUA,

mostram-se como os prováveis precursores, conforme explicamos no item

2.1 - Uma Coletiva e seus Desdobramentos.

2.3 - Os Acontecimentos em Seqüência Jornalística (Análise Des-

critiva).

Na sexta-feira, 24 de março de 1989, dois dos quatro jornais que são

analisados nesta dissertação, pela primeira vez abordaram o assunto “fusão

a frio”. Sob a rubrica “Nacional”, na página 9, o jornal O Estado de S.

Paulo, sob o título “Cientistas anunciam fusão atômica barata”, noticiou que

“Uma descoberta que equivale a reproduzir num tubo de ensaio as reações

nucleares que ocorrem descontroladamente no Sol e nas bombas de hidro-

gênio foi anunciada ontem em Londres pelo jornal especializado em finan-

ças Financial Times.” O OESP adicionou à notícia uma ilustração - Sol de

proveta - para demonstrar o processo de fusão.

Também em 24 de março de 89, o jornal carioca O Globo, em sua

editoria “O Mundo / Ciência e Vida”, na página 13, noticiou o assunto pela

primeira vez. Sob o título “Ciência aprisiona em proveta energia do Sol”, o

jornal registrou: “Por meio de uma técnica inédita que utiliza uma simples

proveta, dois cientistas anunciaram ter obtido a fusão termonuclear, hoje

possível apenas em reatores experimentais complexos como o Joint Europe-

an Torus, instalado na Grã-Bretanha e avaliado em milhões de dólares. O

resultado equivale a aprisionar o poder do Sol numa proveta, explicam o

britânico Martin Fleischmann, da Universidade de Southampton, e o ameri-

cano Stan [sic] Pons, da Universidade de Utah.”

Em seguida, O Globo também acaba entregando a fonte do material,

ao informar que “Num artigo publicado ontem no jornal ‘Financial Times’,

os pesquisadores dizem ter desenvolvido nova técnica, com custo reduzido

Page 96: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

96

para milhares de dólares...”. Como se vê, uma reportagem assinada por Cli-

ve Cookson, então editor de Tecnologia do jornal inglês, transforma-se, no

texto de O Globo, num “artigo publicado ontem”, induzindo à idéia de que

os dois cientistas escreveram o artigo.

Destas duas notícias do dia 24 de março de 1989, apuradas direta-

mente de um jornal londrino (Financial Times) e sem qualquer repercussão

junto à pesquisadores brasileiros, surgiria um conjunto de textos que, nas

semanas seguintes, iria ocupar espaço significativo do noticiário sobre Ci-

ência e Tecnologia nos quatro jornais considerados como mais importantes

no Brasil: os já aludidos O Estado de S. Paulo e o Globo, e, também, a Fo-

lha de S. Paulo e o Jornal do Brasil, que começariam a abordar o assunto

com 24 horas de atraso.

No dia seguinte, 25 de março, a Folha de S. Paulo lançaria o assunto

em primeira página, com destaque de três colunas, foto, ilustração e um

texto assinado por Alcides Ferreira, correspondente em Washington.

“Cientistas obtêm energia com fusão nuclear de baixo custo” foi o

título escolhido para noticiar que “Cientistas da Universidade de Utah

(EUA) e da Universidade de Southampton (Grã-Bretanha) anunciaram ter

conseguido fusão nuclear - fonte de energia ‘limpa’- em um equipamento

barato. No lugar dos instrumentos atuais - que custam centenas de milhões

de dólares e têm até três andares - o dispositivo usa só um tipo de água

(‘água pesada’) e eletricidade.”

Da chamada de primeira página, a FSP remete o leitor para a editoria

de Educação e Ciência, na página C-6, na qual titula: “Fusão nuclear em

equipamento caseiro alvoroça cientistas.”

Num texto que para os padrões atuais (1996) do jornal paulista pare-

ce bastante longo, o correspondente Alcides Ferreira procurava cobrir vários

aspectos inerentes ao tema: fala do dispositivo usado por Fleischmann e

Pons, comparando-o com aqueles que vêm sendo tentados por outros grupos

Page 97: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

97

de pesquisa (que trabalham na linha da fusão convencional, sob alta tempe-

ratura); chama a atenção para a economicidade do processo, que produziria

uma “energia barata”; repercute a notícia junto à especialistas, como o físico

norte-americano Harold Furth, citado como principal especialista mundial

em fusão, e Heinz Gebischer, um eletroquímico alemão-ocidental e citado

como o mais respeitado especialista em reações que envolvem correntes

elétricas. Este último tratou logo de jogar água na fervura, qualificando de

“ilusório” o anúncio feito por Fleischmann e Pons. Por fim, o então corres-

pondente da FSP relatava bastidores da entrevista coletiva e o comporta-

mento da dupla de cientistas no dia seguinte, 24 de março, quando a infor-

mação jornalística, em todo o mundo, ganhava rapidamente o interesse dos

editores.

No mesmo material - ilustrado por uma foto em três colunas, de

Fleishmann e Pons no momento da entrevista coletiva concedida nas depen-

dências da Universidade de Utah, assinada pela Associated Press - a FSP

publicou um box, de autoria da redação, assinado por um anônimo APJ, sob

o título “Experimento revoluciona a área”. O texto, aberto com um prudente

condicional - “Se confirmada, a descoberta de Pons e Fleischmann revolu-

ciona o campo da fusão nuclear” - explica as formas de fusão que estão

sendo pesquisadas.

O dia 25 de março marca também a estréia do Jornal do Brasil no as-

sunto. Na editoria Ciência/Meio Ambiente, na página 5 do caderno princi-

pal, o jornal carioca publicou o texto “Fusão nuclear barata é vista com ce-

ticismo”. O texto, sem autoria declarada, tem origem em Roma e Londres e

abre repercutindo uma declaração dada ao jornal italiano La Reppublica

pelo físico Carlo Rubbia, ganhador em 1986 de um Prêmio Nobel em Física

e então diretor do CERN - maior centro de pesquisas em física de todo o

mundo, localizado na fronteiro da França com a Suiça, mantido por um

Page 98: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

98

consórcio de países europeus, com uma equipe fixa da ordem de 7 mil pes-

quisadores.

Demonstrando prudência, o físico italiano - segundo o lead do texto

do JB - “afirmou ontem em Roma que pode ser um ovo de Colombo ou pura

magia o experimento dos químicos Martin Fleischmann e Stanley Pons.”

Mostrando ceticismo diante do que diziam Fleischmann e Pons, Rubbia re-

sumiu quase de maneira poética a questão, ao dizer que “a natureza não é

tão gentil de presentear o homem com uma solução tão simples para um

problema tão complexo.”

Depois, o JB conta um pouco da história da fusão de átomos - que te-

ria começado em 1952, fala da fissão nuclear e bate na tecla da “energia

barata, limpa e segura”, que seria proporcionada com o método anunciado

dia 23 em Utah. E coloca um dado que ficou esquecido nesta história:

Fleischmann e Pons teriam investido cem mil dólares para construir os

equipamentos para o experimento, “nos últimos cinco anos”. Esse dado pa-

rece não ter despertado o menor interesse, pois o noticiário desconsiderou

os antecedentes da pesquisa empreendida pelos dois cientistas, fazendo crer

que tudo começou num simples “Eureka!” da dupla que, munida de alguns

tubos, provetas e fios, mergulhados num aquário de água pesada, teria con-

seguido obter energia em quantidade maior do que a utilizada para produzi-

la.

No dia 25, O Globo - que estreara o assunto em sua edição anterior -

afirmava em manchete de alto da página 14 (O Mundo/Ciência e Vida):

“Fusão nuclear em proveta divide cientistas”. Em material sem assinatura,

proveniente de Nova York, o jornal começava assim: “Cientistas de todo o

Mundo receberam com cauteloso otimismo ou incredulidade o anúncio da

obtenção de fusão nuclear à temperatura ambiente a partir de água do mar,

feito quinta-feira. O texto apresenta repercussões obtidas junto ao já citado

Carlo Rubbia, Heniz Gerischer (sic), Bruno Coppi, do Instituto Tecnológico

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99

de Massachusetts. Também apresenta duas opiniões favoráveis; a de Dennis

Keefe, especialista em fusão nuclear do Laboratório Lawrence Berkley

(sic), na Califórnia, e de Edward Teller, apresentado como criador da bom-

ba de hidrogênio. Deste último, a declaração publicada é a seguinte: “Inici-

almente, achei a reação impossível. Agora, vejo grande possibilidade de ter

cometido grande equívoco, já que a experiência parece bastante promisso-

ra.”

Num box de tamanho quase equivalente ao texto principal - “Num

pequeno sótão, o sonho de reproduzir a energia solar” - o jornal carioca ex-

plica a técnica de Fleischmann e Pons, à exemplo do que já fizera a Folha

de S. Paulo no dia anterior. Abre o texto com uma expressão condicional:

“Se for comprovada a eficácia da nova técnica...”.

No dia 26 de março, um domingo, ao contrário do que seria adequa-

do imaginar, somente os dois jornais paulistas dedicaram espaço ao assunto

“fusão fria”. Os jornais do Rio de Janeiro simplesmente nada pautaram so-

bre a questão. Prudência, falta de material, falta de planejamento editorial

para a edição que, tradicionalmente, traz material mais bem elaborado e

fundamentado em pesquisa?

A FSP daquele domingo apresentou, pela primeira vez, a opinião de

um brasileiro sobre o tema. Era do físico Rogério Cézar Cerqueira Leite,

professor emérito da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, e

membro do Conselho Editorial do próprio jornal.

Sob o título “Informações sobre nova técnica de fusão omitem dados

fundamentais” e baseando-se na opinião de Cerqueira Leite o lead da FSP

afirma que “A nova técnica de fusão nuclear desenvolvida pelos pesquisa-

dores Stan [sic] Pons, da Universidade de Utah (EUA), e Martin Fleis-

chmann, da Universidade de Southampton (Inglaterra), só poderá ser avali-

ada quando forem divulgados os detalhes do experimento.” Em seguida,

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Cerqueira Leite declara que “todas as pesquisas de fusão nuclear adotam

linhas totalmente diferentes da utilizada por esses pesquisadores.”

Para Cerqueira Leite, a omissão de dados sobre a experiência, sob a

alegação de preservar informações e conhecimento passíveis de patentea-

mento não era justificável: “Não se patenteia um experimento científico.”

Neste texto, a FSP remete à Imprensa a responsabilidade pela reper-

cussão mundial que o assunto alcançou após a entrevista concedida pelos

dois pesquisadores na Universidade de Utah, no dia 23 de março. A FSP

registra a contradição existente entre o material de divulgação produzido

pela Universidade de Utah (veja, nos anexos desta dissertação, a reprodução

deste release), afirmando “que o experimento produziu trítio (hidrogênio

com dois nêutrons) e emitiu raios-gama. Nas versões divulgadas pela im-

prensa, após a entrevista coletiva concedida pelos pesquisadores na quinta-

feira em Utah, a reação indicada mostra a formação de hélio e não faz men-

ção aos raios-gama.” A emissão de raios-gama é um vetor de importância

para definir, com mais precisão, o tipo de reação observada por Fleis-

chmann e Pons, pois caracterizaria a ocorrência de fusão nuclear.

O OESP do dia 26 de março, na página 17, publicou um “pirulito” de

cinco parágrafos, sob o título “Fusão nuclear barata recebida com descren-

ça”. Com atraso, o jornal paulista repercute as declarações dos já citados

Carlo Rubbia e Heinz Gerischer. Pela primeira vez em seu noticiário, intro-

duz a presença de um brasileiro, o físico Giorgio Moscati, professor titular

do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, que declarou: “Nunca

ouvi falar nessa linha de pesquisa.”

O texto finaliza com uma comparação, de base aritmética, afirmando

(ainda que no condicional): “Se forem confirmados os resultados dessa ex-

periência, ainda não apresentados em publicações científicas, será possível

extrair energia equivalente a dez toneladas de carvão queimado de 34 litros

de água do mar.”

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Somente no dia 29 de março, e apenas no Jornal do Brasil, o tema

“fusão a frio” voltaria a ocupar espaço. Desta vez, para relatar a repetição

da experiência. Esse mote - o da repetição da experiência de Fleischmann e

Pons - iria produzir um conjunto de informações bastante atípicas na co-

bertura jornalística especializada em Ciência e Tecnologia, à medida que

revelaria, praticamente em regime “on-line”, os desdobramentos de trabalho

realizado por pesquisadores.

Os cientistas normalmente se mostram avessos a este tipo de divul-

gação precipitada, preferindo percorrer um rito que inclui, antes de mais

nada, a discussão e apresentação de resultados em regime fechado, direcio-

nado exclusivamente para os membros da chamada “comunidade científi-

ca”. Resultados negativos não costumam ser objeto de apresentações, ainda

mais ao público leigo, salvo se forem para contestar alguma teoria ou hipó-

tese que se julgava válida.

O material do JB, procedente de Haia, informava que especialistas de

um laboratório situado na Holanda haviam tentado reproduzir a experiência

de Fleischmann e Pons e não conseguiram. O texto diz que os dois “alega-

ram ter encontrado uma forma fácil e barata de obter energia nuclear pelo

processo de fusão.” O texto foi complementado por um box, sob o título

“Uma energia não poluente e ilimitada”.

No dia 30 de março somente a FSP abordou o assunto. Surge em

cena o cientista Steven Jones, com laboratório também situado no estado

americano de Utah, na cidade de Provo, da Universidade Brigham Young.

Jones havia trabalhado com a dupla nas pesquisas sobre fusão em tempera-

tura ambiente e, por razões não suficientemente explicadas, foi alijado da

fase final e surpreendido com a entrevista coletiva. Ele iria colocar em dú-

vida as conclusões divulgadas por Fleischmann e Pons, num artigo prepara-

do para a conceituada revista científica Nature.

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102

O material da FSP é complementado com um material produzido

pela agência de notícias Reuter - “Vários tentam repetir” - informando que

“cientistas de vários países estão tentando reproduzir a experiência de fusão

nuclear, anunciada por Martin Fleischmann e Stanley Pons no último dia

23.”

No dia 31 de março, a mesma FSP foi o único dos quatro jornais em

análise que fez registro sobre o assunto, em duas pequenas notas publicadas

na coluna “Síntese” do caderno Ciência, resumindo informações já conheci-

das.

O dia 1º de abril marcou a aparição do Brasil como país onde tam-

bém iriam se repetir a experiência nos moldes apresentados pela dupla de

Utah.

Sob o título “USP quer água pesada argentina para repetir experi-

mento de fusão”, a FSP publicou reportagem no Caderno Cidades relatando

que o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), então sob a

direção do físico Ivan Cunha Nascimento, estava tentando obter água pesa-

da, matéria-prima indispensável para realizar o experimento, junto a grupos

de pesquisa na Argentina. A abundante matéria-prima - água pesada - na

verdade não é tão abundante assim, pois necessita ser produzida em usinas

especializadas, inexistentes ainda no Brasil. O próprio jornal, atribuindo a

informação ao físico da USP, informa que “na natureza, para cada 6.000

litros de água comum existe um de água pesada.”

O OESP também noticiou com grande destaque a intenção do IFUSP

em repetir a experiência de fusão a frio, com texto assinado pelo repórter

Wilson Marini, da editoria de Ciência e Tecnologia, publicado na página

11. O texto esclarece que “o resultado alcançado por Fleischmann e Pons

colheu de surpresa a comunidade de plasma, admitiu o físico brasileiro, que

agora não quer mais perder tempo.”

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103

Os físicos que trabalham com plasma, como o próprio Nascimento,

percorrem um caminho diferente daquele trilhado por Fleischmann e Pons e

utilizam equipamentos sofisticados e caros para tentar obter altíssima tem-

peratura capaz de produzir a fusão atômica. As pesquisas nesta linha já

existem há pelo menos quatro décadas e produziram resultados promissores

mas ainda considerados inadequados em termos de obtenção de energia si-

gnificativa.

O testo do OESP informava também que a Câmara dos Deputados do

Estado de Utah começou a discutir a aprovação de uma dotação extraordi-

nária de cinco milhões de dólares para a universidade local investir nas pes-

quisas de fusão a frio.

O complemento veio num box - “Processo é o do Sol e da bomba” -

no qual se explica o processo e compara-o com os processos de fusão em

alta temperatura e, também, de um terceiro processo, “conhecido por fusão

catalítica muônica”.

O Jornal do Brasil, também em 1º de abril, relata a intenção do

IFUSP de iniciar a experiência. Atribui ao físico Nascimento a seguinte de-

claração: “Se comprovada a viabilidade econômica desta técnica, certa-

mente está solucionado o problema energético da humanidade”.

O JB também colocou um rodapé no material principal informando

que o preço do paládio - metal utilizado na experiência - disparou no mer-

cado de Londres.

No dia 2 de abril, somente a FSP trabalhou o assunto, ao informar -

com direito a manchetinha na primeira página - que cientistas húngaros

conseguiram fazer a fusão nuclear em temperatura ambiente.

O Globo, no dia 3, noticiou em material proveniente de Nova York

que “o pesquisador americano Steven Jones afirmou ter repetido com suces-

so a controvertida experiência de fusão nuclear à temperatura ambiente,

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104

anunciada na semana passada por dois outros cientistas.” Não foi exata-

mente na semana passada, mas tudo bem.

Segundo o jornal, Jones teria medido a emissão de nêutrons durante a

reação, o que caracterizaria um processo de fusão. O físico americano foi

cauteloso, contudo, com relação a uma possível aplicação prática. Disse ele:

“Serão necessários pelo menos vinte anos para desenvolvermos formas de

exploração da fusão nuclear”.

Com atraso de pelo menos dois dias em relação aos seus concorren-

tes, O Globo finalmente informou sobre a tentativa que seria iniciada no

IFUSP, sob o título “Brasil pesquisará o novo processo de produção de

energia”, uma retranca do material principal.

Desde o início de abril o material jornalístico irá se caracterizar pelos

seguintes enfoques: tentativas brasileiras de reproduzir a experiência de fu-

são nuclear em temperatura ambiente, nos moldes propostos por Fleis-

chmann e Pons; e as tentativas realizadas por grupos de pesquisa, no Exte-

rior.

No dia 5 de abril, o OESP informa novamente, com direito a chama-

da em duas colunas na primeira página, a tentativa do IFUSP. A água pesa-

da teria sido retirada de um “estoque estratégico do IPEN”. O referido IPEN

é o Instituto de Pesquisas Energéticas, situado na própria USP, vinculado à

Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

O repórter Wilson Marini, em texto que ocupou metade da página 9,

com fotos e ilustrações, fez um completo relato dos procedimentos realiza-

dos para pôr em marcha a experiência uspiana.

No dia 6, somente o OESP informou que “Polônia repete a fusão a

frio”. No mesmo texto, o jornal informou sobre a incerteza quanto à publi-

cação, pela revista Nature, do artigo original de Fleischmann e Pons. A re-

vista também recebera um artigo de Steven Jones e estaria, segundo o jor-

nal, decidindo o que fazer.

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105

O JB, neste dia 6 de abril, preferiu abrir espaço para a experiência já

em andamento no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos

Campos, fazendo pequena chamada na primeira página.

Na página 8, o JB informou que desde a segunda-feira, dia 3, físicos

do INPE estavam tentando remontar a experiência de fusão a frio. “Estamos

trabalhando num enorme quebra-cabeças porque não conhecemos detalhes

do fenômeno” declarou ao jornal o físico Ricardo Galvão. Para ele, ainda

segundo o jornal, “se a eficiência do fenômeno for comprovada, o problema

de energia do mundo estará completamente resolvido”.

Agregado ao material, o JB publicou um texto de Lee Dye, do Los

Angeles Times, informando que “pelo menos 12 grandes laboratórios ao

redor do mundo se empenham agora em repetir a experiência”. O articulista

informou que Fleischmann e Pons haviam dito que “experimentaram o pro-

cesso por mais de cinco anos e que o aperfeiçoaram a ponto de produzirem

quatro vezes mais energia do que consomem [sic]”.

No dia 7 de abril, no generoso espaço que havia sido criado com o

lançamento do Caderno Ciência, a FSP continuava a acompanhar o assunto.

Em chamada para o Caderno, na primeira página, o destaque era a “nova

fusão nuclear”.

O material, assinado pelo repórter Ricardo Bonalume Neto, especia-

lizado em Ciência e Tecnologia, tinha o seguinte título: “Pesquisadores ca-

çam partículas para comprovar método de fusão nuclear”. A tônica do texto

era a busca por comprovar a emissão de nêutrons, durante as experiências

de fusão a frio, pois isto caracterizaria o processo como um acontecimento

físico desta natureza.

O texto faz uma introdução geral sobre o assunto, compilando infor-

mações já anteriormente publicadas e, bem ao estilo do jornal paulista, duas

retrancas dão o tom diferenciador de enfoques que a FSP costuma adotar.

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106

Primeiro, no texto “Água pesada já foi obtida até por contrabando”, o

mesmo repórter relata que para obter a água pesada necessária na experiên-

cia os pesquisadores brasileiros talvez tivessem que apelar para um expedi-

ente já utilizado em outras circunstâncias: “o tradicional contrabando, práti-

ca comum entre pesquisadores, sejam físicos, biólogos moleculares ou me-

teorologistas”.

O outro texto-retranca - sob o título “Artigo circula em uma cópia

clandestina” - tratou de uma questão diretamente vinculada aos propósitos

desta dissertação, ou seja, o fato de que a comunicação da experiência e

seus resultados, por Fleischmann e Pons, se deu de maneira coletiva e unifi-

cada, isto é, para a sociedade em geral e para a comunidade especializada

de pesquisadores.

Reproduzindo trecho desse texto, também de autoria de Ricardo Bo-

nalume Neto, observemos o seguinte: “Os editores da ‘Nature’ elogiaram a

cobertura ‘alerta’ da imprensa não-especializada, mas disseram que há mo-

tivo de alarme ‘quando cientistas começam a ler sobre as descobertas de

seus colegas em colunas de jornais’. Eles ficaram indignados com notícias

de que os artigos dos dois grupos rivais de pesquisa em fusão deveriam sair

em maio na revista que editam. A ‘Nature’ deu uma bronca elegante, sem

citar nomes, quando disse que mesmo nas melhores condições não é possí-

vel levar menos de um mês entre a chegada e a publicação de um texto, e

lembrou o caso da descoberta do pulsar na Supernova 1987A, cujo artigo

tinha saído na edição anterior. Os responsáveis ‘conseguiram ficar quietos

durante as semanas requeridas’”.

O texto continuava - agora enfocando o fato que levou ao título - in-

formando: “Mas a febre de divulgação atingiu também os cientistas. As má-

quinas de fac-símile possibilitaram a rápida difusão dos textos. Cópias do

artigo de Jones para a ‘Nature’ relatando seus resultados foram enviadas

para institutos de física em vários cantos do planeta. Também começaram a

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107

circular os artigos que Pons e Fleischmann enviaram para a multidisciplinar

‘Nature’ e para a mais especializada “Journal of Electroanalytical Chemis-

try”.

No dia 7 de abril, somente o OESP dedicaria atenção ao tema, infor-

mando que o “Journal of Electroanalytical Chemistry and Interfacial Elec-

trochemistry está distribuindo antecipadamente sua edição do dia 10, que

traz oito páginas sobre a experiência realizada pelos cientistas Stanley Pons

e Martin Fleischmann”.

O OESP dizia que “a enorme curiosidade da comunidade científica

se deve ao fato de a dupla ter violado os rituais de publicação de obras ori-

ginais - eles deram um resumo dos resultados no jornal financeiro britânico,

Financial Times, em vez de usar as revistas científicas. Um sinal dos inte-

resses em jogo é que o preço do paládio, metal básico para a experiência,

subiu ontem na Bolsa de Londres para seu mais alto preço nos últimos 16

anos.”

Reportando-se ao artigo que estava saindo na publicação científica

da área de eletroquímica, o OESP coloca a afirmação, que estaria contida no

referido artigo: “É inconcebível que isto tenha acontecido causado por outra

coisa que não um processo nuclear”.

Em box, o OESP informou que os cariocas do Centro Brasileiro de

Pesquisas Físicas (CBPF) e da Coordenação de Pós-Graduação em Enge-

nharia Nuclear, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE) não

dispunham de verba necessária para realizar a experiência, como gostariam.

No dia 8 de abril, o OESP e a FSP fizeram registros distintos sobre o

assunto, e o JB e o O Globo nada noticiaram sobre a fusão a frio.

No dia 9, pela primeira vez, aparece na imprensa brasileira um artigo

assinado com o peso e a responsabilidade de uma personalidade conhecida

no mundo da Ciência. Em coluna que então era publicada no OESP, Isaac

Asimov, seguindo linha didática voltada para público não iniciado, explica-

Page 108: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

108

va o que produz a fusão atômica e concluía, de maneira cautelosa: “Há ape-

nas um problema. Tudo parece ser tão bom, que os cientistas acabam fican-

do com a sensação de que isto não é verdade. Vamos esperar para ver.”

O JB, no dia 9 de abril, motivado por pressão dos físicos que há anos

tentam construir no Rio de Janeiro um laboratório de física de plasma, con-

siderou em título que “Anúncio de fusão nuclear fria reforça tese de físicos

do Rio”. Vale lembrar que os pesquisadores do Rio e os de São Paulo se

envolveram numa disputa para privilegiar um ou outro estado com a locali-

zação do referido laboratório. O Rio de Janeiro já foi escolhido para sediar

o empreendimento, mas o laboratório é um sonho que ainda não saiu do

papel (1996).

Neste laboratório também se contemplaria a linha de pesquisa com

fusão em temperatura ambiente, advogada por pesquisadores vinculados ao

CBPF. O anúncio de Fleischmann e Pons, portanto, viria reforçar o pensa-

mento dos cariocas, em detrimento do que pensavam os pesquisadores pau-

listas ligados ao assunto, embora vários deles, inclusive o então diretor do

IFUSP, Ivan Nascimento, tenham imediatamente iniciado procedimentos

para reproduzir a experiência de fusão em temperatura ambiente.

De Roma, o correspondente Araujo Netto, do mesmo JB, recuperou

as declarações de Carlo Rubbia publicadas no La Reppublica em 24 de

março e acrescentava material novo. O físico Rubbia havia conduzido em

31 de março, no CERN, uma sessão de informação científica na qual Fleis-

chmann compareceu e falou para uma seleta platéia de 500 físicos. E

Rubbia declarou: “As descobertas jamais nascem adultas. E essa de Fleis-

chmann e Pons não é uma exceção à regra: deve obedecer à mecânica do

conhecimento científico. A verdade é que sua experiência deverá ser repeti-

da muitas vezes.”

Segundo Araujo Netto, Fleischmann recebeu com bom humor e mo-

déstia o comentário de Rubbia, “primeiro quando disse que sua experiência

Page 109: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

109

apenas começou; e depois quando previu que para a sua aplicação prática o

mundo deverá esperar pelo menos mais 20 anos.”

O material do JB era complementado com um texto do repórter Eva-

nildo Silveira, resumindo o desenvolvimento científico em busca do con-

trole da fusão atômica, que teria, segundo o texto, se iniciado em 1947.

No dia 11 de abril, os quatro jornais enfocados nesta dissertação

trouxeram material sobre o assunto.

A FSP, em material localizado na editoria de Exterior, comunicou

que físicos da Universidade A&M, em College Station, no Texas, afirma-

ram ter reproduzido a fusão nuclear a frio.

O OESP também registrou o comunicado oriundo de Houston, Te-

xas.

O JB destacou o assunto com chamada em primeira página. “Em

caso positivo, o mundo entrará numa era de energia abundante e barata. O

deutério, combustível da fusão nuclear, pode ser conseguido da água do

mar. Um copo de água produziria tanta energia quanto o tanque cheio de

gasolina de um automóvel. Usinas de fusão nuclear poderão substituir o

petróleo e as hidrelétricas atuais”, publicou o jornal na primeira página, re-

sumindo o texto da página 8, assinado por Rosental Calmon Alves, na épo-

ca correspondente em Washington.

Mas o JB demonstrou cautela, pois publicou também uma retranca

sob o título “É possível que tudo seja só um sonho”, explicando que tudo o

que Fleischmann e Pons tinham observado poderia ser apenas uma reação

química. O material estava ilustrado com esquemas explicativos sobre o que

é reação química, fissão nuclear e fusão nuclear.

Esta hipótese da reação química predominou no material de O Globo

na edição do dia 11 de abril, quando publicou material provindo do New

York Times, reportando o comunicado dos cientistas da Universidade texa-

Page 110: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

110

na, mas com a ressalva que fizeram quanto à possibilidade de tudo não pas-

sar de uma reação química.

No dia 12, o OESP publicou que pesquisadores do Instituto de Tec-

nologia da Geórgia mediram a quantidade de nêutrons durante a experiência

de fusão em temperatura ambiente.

O JB também noticiou o fato e retomou o noticiário sobre grupos

brasileiros, informando que o IPEN e o IFUSP haviam começado, no dia 11

de abril, a realizar experiência idêntica à de Fleischmann e Pons. “Segundo

os cálculos de pesquisadores brasileiros, os primeiros resultados da experi-

ência deverão ser conhecidos no início da próxima semana”, registrou o JB.

Os pesquisadores, neste caso específico, estavam tornando público, dia a

dia, o andamento do trabalho na bancada de laboratório.

O Globo, no dia 12, preferiu valorizar o fato de que Fleischmann ha-

via deixado a Inglaterra rumo a local ignorado, no qual pudesse trabalhar

em paz. Registrou as notícias vindas da Geórgia e informou que o Comissa-

riado para Energia Atômica, em Paris, anunciou que iria tentar repetir a ex-

periência de fusão em temperatura ambiente.

No dia 13 de abril, em inusitado exercício premonitório, a FSP pro-

clamava na página C-5 do Caderno Cidades, em título ocupando três colu-

nas, que “Falta apenas um equipamento para USP conseguir a fusão a frio”.

O lead amenizava um pouco o título, pois tratava de esclarecer que

os pesquisadores do IPEN e do IFUSP ainda dependiam de um calorímetro

(equipamento para medir a temperatura) para ter “condições de realizar o

experimento de fusão nuclear à temperatura ambiente...”

No mesmo texto, mais uma experiência era comunicada, desta vez

produzida na Faculdade de Física da Universidade de Moscou, conforme

noticiara a agência Tass. O texto é arrematado com a informação de que

Steven Jones, em um encontro sobre fusão na Sicília, Itália, teria acusado os

colegas Fleischmann e Pons de romperem um acordo para que os três divul-

Page 111: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

111

gassem simultaneamente o processo que desenvolveram de fusão em tempe-

ratura ambiente.

Com mais detalhes, o correspondente Araujo Netto, do JB, relatou o

encontro de Jones e Fleischmann ocorrido na Sicília, num colóquio científi-

co organizado pelo Centro de Estudos Físicos Ettore Majorana. Em box

complementar - “Pons e Jones atiçam velha rivalidade”- o JB traz ao públi-

co um pouco mais dos bastidores desta história. Eis o trecho final: “O acor-

do, diz Jones, era para que os dois grupos submetessem seus trabalhos à

revista Nature no dia 24 de março. Pons e Fleischmann teriam quebrado o

acordo, ao publicar seus trabalhos no Journal of Eletroanalytical Chemistry

no dia 11 de março e no dia 21 de março a Universidade de Utah, que

mantém uma antiga rivalidade com a Universidade de Brigham, decidiu di-

vulgar a pesquisa na imprensa não especializada. Jones não foi informado

da decisão - só ficou sabendo pelos jornais. Imediatamente apresentou seu

trabalho à Nature, mas era tarde. Pons e Fleischmann já eram apontados

como os pioneiros. Aos críticos que o acusam de estar querendo roubar a

glória alheia, Jones mostra os registros do laboratório, revelando que desde

1986 sua equipe já estava buscando a fusão nuclear dentro de eletrodos de

paládio.”

Além de registrar que cientistas soviéticos haviam realizado experi-

ência na Universidade de Moscou, o JB do dia 13 também informou que

“pesquisadores de várias universidades e institutos do Rio de Janeiro vão

reunir seus esforços para reproduzir a experiência de fusão nuclear fria.”

Segundo o JB, já havia chegado do exterior “a receita completa para a expe-

riência”.

O GLOBO do dia 13 de abril informou sobre a experiência soviética

e, também, o encontro de Jones e Fleischmann ocorrido na Sicília.

No dia 14, o Caderno Ciência da FSP limitou-se a publicar quatro

notas sobre o assunto.

Page 112: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

112

Já o JB destacou na primeira página que o prestigiado Massachusetts

Institute of Technology (MIT) anunciou ter desenvolvido uma explicação

teórica para a fusão nuclear fria e já pedira patente para as possíveis aplica-

ções comerciais da teoria. Na mesma chamada de primeira página, o JB in-

forma que a Westinghouse, “um dos principais fabricantes de usinas nuclea-

res do mundo”, assinou um contrato com a Universidade de Utah, para ga-

rantir acesso ao resultado das pesquisas.

Reportando o assunto na página 7, em texto assinado por Rosental

Calmon Alves, o JB registra: “O gerente de programas estratégicos da com-

panhia, Robert Maxwell, advertiu, no entanto, que esse interesse não signi-

fica que a Westinghouse já esteja convencida da viabilidade comercial dessa

forma revolucionária de criação de energia. ‘Fusão nuclear não é algo fácil.

Mesmo se tudo der certo, eu diria que provavelmente levaria 20 ou 30 anos’

para que surgisse as primeiras usinas desse tipo para produção de eletrici-

dade, disse Maxwell, ontem, numa entrevista coletiva em Pittsburgh, sede

da Westinghouse.”

O Globo do dia 14 de abril dá um enfoque econômico ao assunto, ao

editar material proveniente de Londres informando sobre o crescimento da

venda do paládio, cujo preço aumentou 27% desde que Fleischmann e Pons

concederam a entrevista na Universidade de Utah. O jornal também regis-

trou o pedido de patente feito pelo MIT.

No dia 15 de abril, os jornais abriram espaço para os cientistas bra-

sileiros.

A FSP mandou o assunto para o Caderno Cidades: “Fusão a frio co-

meça a ser tentada no Inpe”. O texto inclui também informações sobre a

equipe conjunta do IPEN/IFUSP.

O OESP ironizou no título: “Brasil entra na confusão a frio”. Maté-

ria assinada por Moisés Rabinovici, correspondente em Washington em

abril de 1989, abria assim: “Um misterioso empresário brasileiro assinou

Page 113: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

113

quatro acordos de confidência com a Universidade de Utah, tornando-se um

dos primeiros candidatos internacionais ao uso da fusão a frio, se e quando

a descoberta for patenteada e licenciada.”

O misterioso personagem brasileiro teria assinado quatro acordos,

segundo informou ao jornal o departamento de transferência de tecnologia

da Universidade de Utah. Foi a primeira e última vez que se falou neste em-

presário.

A questão das medidas de nêutrons - importante para definir se real-

mente o processo constituía caso típico de fusão atômica - justificava o tí-

tulo jocoso de OESP: “Toda a confusão está nascendo justamente da preci-

são exigida nessa medida de nêutrons. Com detectores adaptados, a maioria

dos cientistas que repetiram a experiência conseguiram registrar somente

600 nêutrons por hora. Teoricamente se espera que a reação produza algo

como trilhões dessas partículas.”

O JB do dia 15 de abril noticiou o trabalho dos pesquisadores do

INPE, rotulado como “a segunda experiência brasileira para obtenção de

energia através da fusão nuclear a frio, método ainda polêmico cuja desco-

berta foi anunciada pelos cientistas Martin Fleischmann e Stanley Pons.” A

primeira experiência brasileira estaria em andamento desde o dia 13 de

abril, comandada por físicos do IPEN e do IFUSP.

Em retranca, o JB informou que os pesquisadores do Instituto de

Tecnologia da Geórgia (que haviam referendado os resultados auspiciosos

de Fleischmann e Pons) agora demonstravam ter dúvidas quanto à precisão

dos instrumentos utilizados para medir a quantidade de nêutrons.

No dia 15 de abril, o jornal O Globo chamou para a primeira página

a experiência do INPE, que teria começado no dia anterior (sexta-feira).

Para este jornal, tratava-se da “primeira experiência brasileira para a obten-

ção de fusão nuclear em temperatura ambiente.”

Page 114: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

114

Em texto publicado na página 6, editoria de País, O Globo informa

que “Nos próximos dias, o mesmo processo será testado por mais três equi-

pes: a do Ipen, coordenada pelo físico Spero Morato; a da Coppe do Rio,

com Luís Pinguelli Rosa; e a do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no

Rio, de Amos Tropper.”

Um box recuperou um pouco da história das tentativas científicas

para produzir energia pelo processo de fusão atômica.

Em 16 de abril de 1989, domingo, surge o primeiro editorial dedica-

do ao tema. Sob o título “O problema da fusão a frio”, o OESP argumenta

que a crise do petróleo (1973) despertou a humanidade para a importância

da produção energética. Assim, uma notícia como a divulgada em Utah, dia

23 de março, justifica a grande atenção recebida em todo o mundo. Mas o

editorial, em coerência com o título, termina de maneira pouco esperançosa:

“É improvável, por isso, que se consiga extrair muita energia da fusão a

‘frio’, mesmo que ela seja teoricamente possível, e o tema parece condena-

do a se tornar uma curiosidade científica e não uma forma de resolver os

problemas de energia do mundo moderno.”

O JB de 16 de abril fez pequena chamada de primeira página, reper-

cutindo opinião de físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia, para o

qual as leis da física nuclear teriam que ser revistas, na hipótese de se con-

firmar os resultados obtidos por Fleischmann e Pons.

O texto editado na página 12 do JB, de Jorge Luiz Calife, registra

que “As leis da Física Nuclear ensinam que, quando há uma fusão - isto é,

quando os núcleos de dois átomos se juntam para formar um terceiro - sem-

pre há liberação de energia e de mais alguma coisa: nêutrons, prótons e/ou

raios-gama.”

Perdidos num cipoal de incógnitas - que, aliás, o texto também não

ajuda muito a esclarecer - os cientistas, dentre eles o pesquisador do Insti-

Page 115: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

115

tuto de Tecnologia da Califórnia, dizem, segundo o JB, que estaria aconte-

cendo algo não previsto nas Leis consagradas pela Física.

O JB juntou uma retranca - “Quinze mil anos sem crise de energia” -

para citar um estudo do famoso MIT (Massachusetts Institute of Technolo-

gy), estimando que, “usando-se um suprimento de deutério extraído de uma

quantidade de água do mar equivalente à superfície do lago Michigan - algo

como 14 vezes o lago da hidrelétrica brasileira de Sobradinho - a fusão nu-

clear poderia suprir toda a demanda de energia dos Estados Unidos nos pró-

ximos 15 mil anos.”

Mas o JB esclareceu: “Mas nada disso é para amanhã. Humberto

Brandi [citado apenas como físico, em trechos anteriores do material] cal-

cula que serão necessários de 20 a 30 anos para desenvolver uma tecnologia

baseada na fusão nuclear, mesmo que se comprove que a experiência de

Fleischmann e Pons realmente envolve uma reação de fusão. O mundo da

fusão nuclear não entrará no dia-a-dia do homem comum antes do ano

2010.”

O JB juntou ainda um esquema (“A fusão a frio”) e um texto histori-

ando a fusão nuclear, utilizada para fins militares, e a fissão nuclear, que

também começou como instrumento bélico e, depois, passou a servir para

fins pacíficos. Os bilhões de dólares gastos nas pesquisas para dominar a

fusão nuclear ainda não produziram resultados esperados. “Não espanta,

assim, que a primeira reação de muitos físicos tenha sido ridicularizar a ex-

periência de Stanley Pons e Martin Fleischmann. Além de serem químicos e

trabalharem em universidades pouco conhecidas, Utah e Southampton, eles

desprezaram os rituais do mundo acadêmico, divulgando a notícia primeiro

na imprensa leiga.”

O Globo do dia 16 de abril resolveu fazer uma geral sobre as experi-

ências brasileiras em andamento e perpretou o exagerado título: “Em todo o

País, a busca da fusão a frio”. Em texto assinado por Hélio Hara, do Rio, e

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116

José Eustáquio de Freitas, à época correspondente do jornal em São José

dos Campos, onde fica o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),

o jornal informava: “Preparativos já foram iniciados no Rio, em São Paulo,

em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e na Paraíba, onde cientistas espe-

ram comprovar o revolucionário método, cuja potencialidade como fonte

energética é teoricamente infinita.”

De Washington, o correspondente do jornal, José Meirelles Passos,

informava: “Há uma mistura de surpresa e incredulidade na comunidade

científica internacional com a extraordinária descoberta de dois químicos: a

fusão nuclear. Ou melhor, a criação em laboratório do mesmo processo que

faz o Sol arder e, portanto, liberar energia. Há uma clara divisão hoje, três

semanas após o anúncio feito pelo britânico Martin Fleishmann, da Univer-

sidade de Southampton e seu companheiro americano Stanley Pons, da Uni-

versidade de Utah.”

O Globo publicou também, com ilustração, um texto que procura ex-

plicar o que é a fusão nuclear em temperatura ambiente.

Na segunda-feira, 17 de abril, somente O Globo bateu na tecla da fu-

são a frio. O correspondente em Washington informava que “as grandes

multinacionais já vem tratando de examinar o trabalho no sentido de tirar

proveito dele. Ou seja: obter uma licença para aplicar na prática, e em es-

cala maciça, a nova e barata fonte de energia.” Segundo o texto, trinta com-

panhias já tinham assinado acordos com a Universidade de Utah para “dar

uma olhada nos documentos confidenciais que a escola enviou ao serviço de

patentes, para registrar o processo.” O texto também abordou a questão pelo

ângulo das companhias petrolíferas, obviamente preocupadas com as even-

tuais conseqüências, caso a fusão viesse realmente a produzir energia em

abundância.

De Kharkov, na então União Soviética, o jornal carioca publicou a

informação transmitida pela Agência Tass de que cientistas do Instituto de

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117

Monocristais de Kharkov haviam conseguido obter a fusão nuclear à tempe-

ratura ambiente num processo diferente, embora semelhante ao feito - “e

repetido em todo o Mundo”- pelos cientistas Stanley Pons (EUA) e Martin

Fleischmann (Inglaterra)...”

O material de O Globo do dia 17 inclui ainda texto proveniente de

São Paulo, assinado por Milton F. da Rocha Filho, informando que “a co-

munidade científica defendeu ontem a construção da usina-piloto de água

pesada... que entre outras aplicações poderá ser usada nas pesquisas sobre

fusão nuclear.”

Tem, por fim, um pequeno editorial - “Revolução a caminho” - aqui

reproduzido na íntegra:

“Há muito tempo se sabe que a fusão nuclear dará ao Mundo energia

farta por séculos sem conta e a custo insignificante.

Essa era, no entanto, uma perspectiva de longuíssimo prazo, porque

só se sabia produzir a fusão em temperaturas altíssimas, que impossibilitam

qualquer uso prático.

A novidade da fusão a frio, embora ainda sujeita a comprovação de-

finitiva, já mostrou que o prazo entre a teoria e a prática será consideravel-

mente encurtado.

Em suma, vem aí uma revolução. Uma energia que não polui, de

fonte quase inesgotável e baratíssima significará mudanças radicais em to-

dos os países.

Não é para depois de amanhã - mas haverá alguém no Governo bra-

sileiro pensando no assunto?

Até mesmo para bençãos e benesses é preciso preparar o terreno.”

A partir de 18 de abril de 1989, portanto três semanas depois da en-

trevista coletiva em Utah, os quatro jornais estudados nesta dissertação -

Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo - enfa-

tizaram mais ainda as experiências que então se realizavam no Brasil.

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118

A leitura atenta deste material evidencia que se estabeleceu entre

grupos do Rio de Janeiro e de São Paulo uma espécie inusitada de marato-

na, cujo objetivo mais relevante seria anunciar a conclusão da experiência e

a obtenção, evidentemente, de resultados parecidos ou superiores àqueles

divulgados pelos cientistas em Utah. Os pesquisadores, sempre tão céticos e

prudentes, se mostraram, neste caso específico, extremamente acessíveis à

Imprensa brasileira, não se furtando mesmo a posar para fotografias ao lado

de equipamentos montados em bancada.

A FSP de 18 de abril, sob o título “Experimento mostra os primeiros

indícios de fusão nuclear a frio”, noticiou que, no INPE, a experiência já

começava a dar resultados. Para o jornal, ali se realizava a “primeira experi-

ência de fusão nuclear a frio no Brasil.” De onde vinham os alegados indí-

cios? Segundo a Folha, do fato de que “está sendo registrada uma emissão

de neutrons e de raios-gama acima do normal, e foi constatado um ganho de

energia, com o aumento da temperatura da água.” Apesar da euforia, segun-

do o jornal, os pesquisadores do INPE mostravam-se cautelosos, pois as

alterações observadas poderiam “não passar de ruído de fundo”, conforme

explicou o líder do experimento, Gerson Otto Ludwig.

O jornal OESP de 18 de abril preferiu um título antecipativo: “País

pode ter fusão a frio amanhã”. O jornal se referia ao andamento dos traba-

lhos no INPE, e, em síntese, o texto segue a mesma trilha do concorrente

FSP. A experiência em curso no IFUSP e IPEN também é noticiada.

O OESP lembrou que “A tentativa dos brasileiros, bem como em de-

zenas de laboratórios no mundo inteiro, está sendo feita antes mesmo da

divulgação oficial das pesquisas pelos autores, mas a pressa é justificada: se

os resultados forem confirmados, trata-se de uma das maiores descobertas

científicas do século e poderá revolucionar a produção de energia.”

O JB deu cobertura ao experimento em curso no IPEN, atrapalhado

por um inesperado imprevisto: faltou energia durante a madrugada, mas o

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119

físico Spero Penha Morato se disse otimista com os primeiros resultados. O

físico declarou também que foi escolhido o momento certo para se fazer o

trabalho. Segundo ele, por causa do feriado (referia-se à Semana Santa)

“não há oscilação nas redes elétricas.”

Do exterior, o JB informou que em Frascati, perto de Roma, cientis-

tas do Enea (Entidade Nacional para Energia Atômica Alternativa) (sic)

obtiveram a fusão nuclear a frio.

O Globo do dia 18, talvez antecipando a era da informação on-line,

titulou: “Fusão a frio no Inpe começa a dar resultado”. O correspondente

em São José dos Campos, José Eustáquio de Freitas, começou assim a maté-

ria: “Os cientistas do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que há três

dias iniciaram a primeira experiência brasileira de fusão nuclear a tempera-

tura ambiente, estão cautelosos quanto aos resultados, mas já não escondem

certa euforia, pois todos os indicadores observados até agora mostram a

possibilidade de conclusões relevantes do ponto de vista científico. A tem-

peratura da água sobe lentamente, os detectores registram expressiva inten-

sidade de radiações gama e já foram observadas emissões de nêutrons, o

que constitui indícios suficientes para acreditar que será obtida a fusão.

- Não é possível adiantar qualquer conclusão sobre a nossa experiên-

cia, pois as informações que temos até agora são brutas e irreais, contendo

muita interferência do meio e do próprio laboratório - disse o pesquisador

Gérson Otto Ludwig, coordenador da experiência.”

O Globo também noticiou a experiência realizada pela Enea, agora

batizada de Agência Nacional de Energia Alternativa. Incluiu, também, in-

formação traduzida do New York Times, repercutindo opiniões de físicos

norte-americanos que se mostravam descrentes dos resultados proclamados

por Fleischmann e Pons.

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120

O dia seguinte, 19 de abril, trouxe finalmente à glória almejada por

tantos. A FSP ocupou quatro colunas do canto superior esquerdo da primei-

ra página para noticiar que “USP reproduz fusão nuclear a frio.”

Ilustrado com um diagrama mostrando como é a experiência e a foto

de três sorridentes pesquisadores (Rajendra Saxena, Spero Morato e Paulo

Rogério) o texto da primeira página dizia: “Cientistas da USP e do Instituto

de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) conseguiram repetir, pela pri-

meira vez no hemisfério Sul, a fusão nuclear a frio. A USP venceu a corrida

em que competiam o Instituto de Pesquisas Espaciais e a Universidade Fe-

deral de Minas Gerais”.

Localizado no caderno Cidades, página C-1, o material da FSP am-

pliava o título para “USP e Ipen vencem corrida da fusão nuclear a frio no

hemisfério Sul.” O físico Rajendra Saxena, chefe da Divisão de Física Nu-

clear do Ipen, afirmou, segundo o texto, que os dados obtidos não deixam

dúvidas - existe fusão nuclear no processo.

De acordo com a FSP “as equipes da Física e do Ipen detectaram du-

as vezes mais nêutrons (partículas sem carga dos núcleos dos átomos) sain-

do do experimento do que o nível habitual na atmosfera. Segundo Spero

Penha Morato, chefe do Departamento de Processos Especiais do Ipen, só a

fusão de átomos de deutério pode explicar o surgimento dos nêutrons.”

Um box denominado “As dúvidas”, levanta alguns pontos polêmicos

sobre a questão e lança um pouco de luz sobre como os cientistas vinham

tratando isto junto à Imprensa (ou como a Imprensa vinha tratando isto junto

aos cientistas). No tópico 3 - Reação misteriosa - está assim: “Nêutrons são

outro subproduto da fusão. Fleischmann e Pons detectaram menos nêutrons

do que se esperava a partir de cálculos teóricos. Isso levanta a hipótese de

se tratar de uma reação misteriosa, envolvendo processos nucleares até ago-

ra desconhecidos. USP e Ipen não puderam ainda comentar esses resulta-

dos, uma vez que o número de nêutrons é função direta da energia produzi-

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121

da e a energia não foi medida.” (grifo nosso). Mas não foi exatamente a de-

tecção de nêutrons que levou os pesquisadores a afirmarem que se tratava

de fusão nuclear?

O material da FSP era complementado por notícia sobre a experiên-

cia realizada em Frascati (já noticiada no dia anterior pelos concorrentes) e

pela disputa travada entre o grupo da Universidade de Utah (Fleischmann e

Pons) e a Universidade Brigham Young, também situada no estado ameri-

cano de Utah (Steven Jones).

O OESP do dia 19 também levou para a primeira página, embora de

maneira mais discreta que o rival FSP, o fato de brasileiros terem realizado

a experiência nos moldes da anunciada por Fleischmann e Pons há menos

de um mês.

Sob o título “Brasileiros refazem fusão nuclear a frio”, o OESP colo-

cou o seguinte texto: “Cientistas brasileiros anunciaram ontem ter repetido

com sucesso a experiência da fusão nuclear a frio. O País é o primeiro do

Terceiro Mundo a dominar a técnica, que poderá gerar energia barata e lim-

pa. “Esse é um velho sonho da humanidade”, comemorou o físico Ivan Cu-

nha Nascimento, da USP, autor da experiência, junto com o Instituto de

Pesquisas de Energia Nuclear (Ipen).”

O texto principal, na página 9, assinado pelo então editor de C&T do

jornal, Flávio de Carvalho, informa que a experiência limitou-se a medir um

dos indicadores de que a reação nuclear de fusão ocorria, ou seja, a produ-

ção de nêutrons. “A equipe brasileira não tentou medir a quantidade de ca-

lor liberada durante a reação, nem outros subprodutos, como o trítio, que

também confirmam a ocorrência da fusão.”

Segundo o OESP, “os resultados foram praticamente idênticos aos

obtidos na Universidade de Utah. A experiência IFUSP/IPEN, para o físico

Ivan Cunha Nascimento, teria chegado ao mesmo impasse da experiência

realizada em Utah; sabe-se com grande probabilidade que houve fusão nu-

Page 122: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

122

clear, mas ela está produzindo menos nêutrons que o esperado. O jornal

informa também que as experiências foram repetidas quatro vezes antes do

anúncio dos resultados.

No dia 19 de abril, o OESP também noticiou o trabalho realizado em

Frascati, Itália. Outro material relatava que o os pesquisadores do INPE ha-

viam adiado para sexta-feira, dia 21, o anúncio dos resultados do experi-

mento que realizavam.

Ainda no OESP, a Universidade de Utah volta ao cenário, ao anunci-

ar que, em uma nova série de experiências foi constatada a presença de hé-

lio-4, uma comprovação de que o processo é de fusão, e não apenas uma

reação química. A explicação, entretanto, não convenceu inteiramente, pois

“parece ser boa e simples demais para ser verdadeira.”

O OESP estampou uma foto em cinco colunas de três pesquisadores,

com a seguinte legenda: “Coelho, Rajendra e Morato: provavelmente houve

fusão, mas a experiência produziu menos nêutrons do que o esperado”.

O JB também deu chamada em primeira página para o fato de uma

equipe brasileira ter reproduzido a experiência no padrão Fleischmann e

Pons. No texto editado à página 12, lê-se: “Os cientistas brasileiros consta-

taram a emissão de um número de nêutrons pelo menos duas vezes maior

que o encontrado normalmente no meio ambiente. Esse resultado, segundo

os pesquisadores, comprova a existência de fusão entre os átomos e a libe-

ração de nêutrons. ‘O que conseguimos foi verificar que existe um processo

nuclear durante a experiência,’ afirmou ontem, cauteloso, o físico Ivan Cu-

nha Nascimento, da USP.”

A experiência em andamento no INPE também não foi esquecida

pelo JB. O título dá a exata medida de como a obtenção de resultados posi-

tivos estava na ordem do dia: “Inpe está perto de obter sucesso”.

O texto do JB começa assim: “Já está em fase conclusiva a experiên-

cia com fusão a frio realizada por pesquisadores do Instituto de Pesquisas

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123

Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São Paulo.

Até amanhã, os cientistas pretendem encerrar o experimento, iniciado na

última sexta-feira. Desde já, porém, os pesquisadores apesar de se mante-

rem bastante cautelosos, não conseguem esconder discreta alegria pelo su-

cesso da experiência. ‘Não dá para falar nada ainda, mas é certo que esta-

mos medindo alguma coisa’, conta o engenheiro elétrico Ricardo Galvão,

um dos coordenadores da pesquisa.”

O JB também reportou o trabalho realizado em Belo Horizonte, pelo

Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (subordinado à Comis-

são Nacional de Energia Nuclear), e os preparativos, no Rio de Janeiro, por

grupos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universi-

dade Católica.

O material internacional no JB de 19 reúne informações sobre o Co-

missariado Nacional de Energia Atômica, da Itália, “cujos pesquisadores

usaram titânio, em vez de paládio, e deutério gasoso, em vez de líquido,

para obter uma reação semelhante à observada nos EUA pelos químicos

Martin Fleischmann e Stanley Pons”; sobre a Universidade de Utah, na qual

dois professores de química afirmaram ter repetido a experiência e observa-

do fenômeno de natureza física, e não química; sobre a Universidade Co-

menius, da então Tchecoeslováquia, com um anúncio também positivo.

O sucesso brasileiro também foi destacado em O Globo de 19 de

abril, com chamada em primeira página. O material, na página 15, começa

assim: “O processo de fusão nuclear à temperatura ambiente já não é mais

um desafio para os brasileiros.”

Em O Globo, a equipe mista IFUSP/IPEN fez oito tentativas para

conseguir detectar nêutrons. “A liberação de nêutrons no eletrodo de palá-

dio foi bastante grande, mas, ainda assim, Ivan Nascimento calculou que

ficou um milhão de vezes menor que o necessário para a emissão de ener-

Page 124: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

124

gia: como em Utah, verificaram dez mil nêutrons (sic), quando precisariam

de um milhão.”

O Globo publicou um pequeno editorial - “Sem comparar” - aqui re-

produzido integralmente:

“Em todo o Mundo, cientistas se empenham em produzir a fusão nu-

clear a frio, maravilha que libertará a Humanidade da servidão do combus-

tível raro e caro.

Na Suécia, enquanto isso, um pesquisador isolado apresenta o pro-

duto de seu engenho: um botão que dispensa agulha e linha.

Comparar é tolice. Mas é de justiça guardar um pouco de nossa gra-

tidão também para esses operários da inventividade a varejo, que gastam a

vida para nos poupar de pequenas amolações.”

O jornal também publicou texto traduzido do New York Times, de

Hal Straus, tratando dos perigos que envolvem as experiências, que “não é

algo para ser realizado por alunos de química do curso colegial”, nas pala-

vras de um entrevistado. O texto narra acidentes ocorridos, inclusive com o

pioneiro Stanley Pons.

O material é complementado com as informações sobre novas e bem

sucedidas experiências, inclusive a de dois professores de química da Uni-

versidade de Utah.

O dia 19 de abril de 1989 também trouxe à cena o aspecto econômi-

co. Joelmir Beting, que então tinha coluna fixa no jornal Folha de S. Paulo,

escreveu “A confusão nuclear”.

A coluna começa superada pelo noticiário do próprio dia, ao afirmar

que “Cientistas brasileiros esperam alcançar a fusão nuclear a frio na manhã

de hoje. Local da façanha: laboratório de física do plasma do Instituto de

Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. (...) A fusão nuclear,

matriz da energia abundante, barata, limpa, segura e inesgotável, ainda está

no campo da discussão acadêmica. O sol de proveta é bom demais para ser

Page 125: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

125

verdade. (...) Os impactos da energia de sonho - se comercialmente viável -

transbordarão do científico para o econômico, passando pelo energético,

com sobras para ecológico, o cultural e o político. As mudanças para o óti-

mo serão necessariamente penosas. Para o Brasil, desconfortáveis.”

Joelmir continua: “Empresários europeus, abordados pelo colunista

em Hannover, Londres e Paris, estão com a alma na mão. O êxito da fusão

nuclear a frio produziria terríveis estragos na mineração do carvão, do urâ-

nio e do petróleo. As gigantes do petróleo, Petrobrás no meio, ficariam em

apuros a médio prazo: o petróleo perderia o mercado da energia elétrica,

que tem peso significativo nos países industrializados. Haveria encalhe do

produto, com o barril despencando para menos de US$ 3 dólares. Nesse dia,

estaria decretada a falência do carvão, da energia nuclear por fissão e da

lavra de petróleo em águas profundas.”

No dia 20 de abril, a FSP fez chamada de capa no Caderno Cidades,

destacando a tentativa carioca. O material começa informando que “A Pon-

tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), os Institutos de

Física, Química e Engenharia Nuclear e a Coordenação dos Programas de

Pós-Graduação em Engenharia da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ)

iniciaram na semana passada uma série de quatro experiências conjuntas em

fusão nuclear fria, com o objetivo de realizar medições mais precisas da

energia liberada no processo. Além disso, os grupos pretendem introduzir

defeitos na estrutura cristalina do eletrodo de paládio para verificar seu

efeito sobre a produção de energia.”

A FSP inclui declaração do físico Fernando de Souza Barros, do Ins-

tituto de Física da UFRJ, para o qual os grupos do Rio não tinham pressa

em reproduzir a experiência “pois almejamos algo mais que a simples con-

firmação da presença de nêutrons.”

Da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a FSP recolheu a

informação prestada pelo físico Paulo Sakanaka, chefe do Laboratório de

Page 126: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

126

Plasma: “O Brasil não dispõe de equipamentos suficientes para analisar

adequadamente os dados de uma fusão nuclear fria e os grupos que estão

tentando realizá-la só produzem sensacionalismo.” Era uma voz discordante

e os jornais não pareciam muito interessados neste tipo de fonte, que, de

certo modo, fazia também uma crítica velada aos próprios meios de comu-

nicação.

O OESP do dia 20 de abril abriu espaço para colocar em debate o

destino da Física de plasma, isto é, o que aconteceria com as pesquisas de

fusão com altíssimas temperaturas, na hipótese da fusão em temperatura

ambiente ter sucesso. Uma palestra do diretor do IFUSP, Ivan Cunha Nas-

cimento, estava marcada para o dia 27 de abril (quinta-feira seguinte), enfo-

cando exatamente esta questão. Se a palestra ocorreu, nenhum dos jornais

informou.

Não faltou no OESP declaração do então reitor da USP, o físico José

Goldemberg, para quem “as duas linhas de pesquisa vão correr paralelas

durante muito tempo.” Já o físico José Leite Lopes, na época diretor do

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com sede no Rio de Janeiro,

não perdeu a oportunidade de ironizar: “O teto caiu sobre a cabeça dos físi-

cos da USP”, declarou. Segundo o OESP, Leite Lopes sempre defendeu a

realização de pesquisas de fusão em temperatura ambiente, embora por

métodos que exigem aceleradores caríssimos, diferente, portanto, do utili-

zado pela dupla de Utah.

O material do exterior enfocava o Hélio-4, que seria, na verdade, o

produto da reação.

No JB, o assunto fusão a frio continuava na primeira página, em 20

de abril: “Cientistas da Universidade de Stanford, nos EUA, a primeira das

grandes universidades americanas a realizar a experiência, repetiram a fusão

nuclear a frio e conseguiram eliminar qualquer possibilidade de que o calor

produzido seja apenas uma reação química.”

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No caso de Stanford, a novidade ficou por conta da utilização de

água pesada e água comum, “(...) uma experiência comparativa, para asse-

gurar que o calor produzido não vem de uma reação química. Todas as rea-

ções químicas concebíveis que poderiam ocorrer com a água pesada tam-

bém aconteceriam na água comum...”.

O noticiário do JB inclui, ainda, um box, sob o título “Patente”, dan-

do conta de que, na Itália, seria pedida patente para o processo de fusão a

frio desenvolvido pelo físico Francesco Scaramuzzi. Ele teria chegado ao

mesmo resultado de Fleischmann e Pons por outro meio. O texto inclui a

seguinte declaração de Scaramuzzi: “Quando controlei o registro do medi-

dor de nêutrons na manhã do dia 8 de abril, senti o coração disparar: o ins-

trumento tinha registrado grandes emissões de nêutrons. Era o primeiro si-

nal de que nossa aventura havia chegado a um final feliz.” Como se vê, os

cientistas estavam vivendo dias de fortes emoções.

O Globo, no dia 20 de abril, continuava a acompanhar a experiência

em andamento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), agora

informando sobre “a segunda etapa” do trabalho. Os pesquisadores estavam

“realizando espectrometrias para definir a concentração de deutério no ele-

trodo de paládio utilizado para realizar a eletrólise da água pesada.”

“Com a espectrometria - continuava o texto - os cientistas esperam

entender os processos físico-químicos ocorridos na superfície e no interior

dos fios de paládio, uma vez que logo nas primeiras horas da experiência

eles ficaram saturados de deutério.”

Do correspondente em Washington, José Meirelles Passos, o jornal

O Globo publicou relato sobre a experiência realizada por cientistas da

Stanford University. “Eles confirmaram ontem que conseguiram produzir

uma verdadeira reação nuclear, neutralizando, assim, a incredulidade de

vários colegas que vinham dizendo que a experiência, feita originalmente

Page 128: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

128

por Stanley Pons e Martin Fleischmann, não passava de uma reação quími-

ca.”

De Roma, vinha a informação dando conta de que os “Cientistas do

Conselho Nacional de Pesquisas Científicas da Itália (CNR) informaram

ontem ter chegado à fusão nuclear a frio em laboratórios de Frescati (sic),

durante experiência que combinou procedimentos de dois métodos anterio-

res: o eletrolítico, de Stanley Pons e Martin Fleischmann, de Utah, e o da

Agência Nacional de Energia Alternativa (Enea).”

No dia 21 de abril, a FSP destacou a fusão a frio na primeira página

do Caderno Ciência. E dedicou a página G-3 inteira para a fusão a frio e

assuntos diretamente relacionados.

Assinada por Álvaro Pereira Júnior, sob o título “Instituto espacial

consegue melhores dados de fusão nuclear”, a reportagem predominante na

página tinha o seguinte lead:

“Físicos do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) obtiveram os nú-

meros mais dramáticos registrados até o momento para a (sic) confirmar a

fusão nuclear a frio - anunciada nos EUA há um mês e tida como possível

fonte de energia inesgotável e de baixo custo. Em um experimento de cem

horas, os técnicos do Inpe chegaram a detectar, por meia hora, dez vezes

mais nêutrons do que o nível normal da atmosfera (a presença de nêutrons

prova que existe fusão nuclear no processo). No Inpe, o estudo da fusão fria

tem objetivo prático: usá-la como fonte de energia em missões espaciais.”

A FSP relata o paradoxo vivido pelos pesquisadores do INPE, atri-

buindo ao pesquisador Gerson Otto Ludwig a seguinte declaração: “Não

sabemos se torcemos para a fusão dar certo ou para dar errado.” O motivo

para tal declaração - segundo o jornal - é que se comprovada a obtenção de

energia pela fusão a frio, estaria decretada a falência dos métodos atuais de

fusão, “e um deles - que faz os átomos se unirem sob a ação de fortes cam-

pos magnéticos - é justamente a especialidade da equipe do Inpe.”

Page 129: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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O material da FSP é ilustrado com um gráfico demonstrativo da

emissão de nêutrons. “O primeiro pico aconteceu com cerca de dez horas de

experimento. Foram medidos 417 nêutrons em meia hora (dez vezes mais

que o normal no ambiente). O segundo pico aconteceu com cerca de 35 ho-

ras - 157 nêutrons em meia hora. Nos outros períodos, o nível medido não

foi significante.”

Um texto preparado pela Sucursal da FSP no Vale do Paraíba (base

em São José dos Campos, cidade onde o INPE tem sede), revelava: “Depó-

sito de lixo fornece material dos instrumentos”. A leitura atenta do texto,

entretanto, demonstra a prática comum de titulagem, na qual o responsável

lê o lead (que, teoricamente, resume o conteúdo do texto) e daí extrai o tí-

tulo. O único exemplo citado foi “o calorímetro (instrumento para medir o

calor liberado). Ele foi montado pelos cientistas em uma cuba acrílica que

tinha sido ‘jogada no lixo’. Outros componentes para a montagem da ban-

cada de testes foram conseguidos em diversos departamentos do próprio

INPE.

Outro texto publicado na página G-3 (assinado com as iniciais RBN,

de Ricardo Bonalume Neto), informava que a Revista Nature só publicaria

o artigo de Fleischmann e Pons caso estes fizessem modificações. Segundo

o texto, a edição da Nature do dia 27 de abril (a revista é semanal), traria

apenas o artigo de Steven Jones.

A FSP publicou também uma ilustração registrando os principais la-

boratórios que fizeram o experimento. Também abordou a questão da cons-

trução, no Brasil, de uma usina de água pesada, elemento fundamental no

processo de fusão em temperatura ambiente, que, obviamente, fornecia o

mote para a retomada deste projeto, que encontra resistências internacio-

nais, na medida em que se inclui no rol das tecnologias sensíveis, necessári-

as ao desenvolvimento nuclear.

Page 130: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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Material das agências internacionais informava que “A Universidade

de Utah - onde os químicos Stanley Pons e Martin Fleischmann fizeram o

primeiro trabalho de fusão a frio - já tem estudos para projetar reatores à

base do processo, em trabalho conjunto das faculdades de engenharia, mine-

ração e geologia.” Neste material aparece uma lúcida declaração de David

Pershing, diretor do Departamento de Engenharia Química da referida uni-

versidade, segundo o qual “O caminho da fusão sustentável, de um tubo de

ensaio até usinas comercialmente viáveis, está lotado de desafios de enge-

nharia, para ampliar a escala, assim como de química e física básicas.”

O mesmo texto apresenta declarações de Stanley Pons, dizendo que

60 laboratórios de todo o mundo haviam-no contatado para comunicar a

repetição do experimento. O cientista também declarou “que seu laboratório

em Utah começou 19 novas experiências sobre fusão a frio.”

A FSP arredondou a página com seis tópicos informando “Como se

obtém água pesada”.

Além do material publicado no Caderno Ciência, a página C-4, do

Caderno Cidades, registrou que a Coordenação de Programas de Pós-

Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe) também

obteve êxito na experiência de fusão nuclear em temperatura ambiente.

O material de o OESP limitou-se a informar que o grupo da Coppe

havia obtido indícios de fusão nuclear em temperatura ambiente e, numa

fase já programada, pretendiam inovar, “avançando além do que já foi feito

em São Paulo”. Eles iriam, segundo o jornal, adicionar trítio à água pesada,

esperando obter reações mais fortes.

No dia 21 de abril, o JB continuou a chamar o assunto para a primei-

ra página, embora com menor destaque em relação aos dois dias anteriores.

O material foi publicado na página 15, sob responsabilidade da editoria de

Ciência, em duas retrancas.

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131

Material procedente de Washington e assinado apenas com as inici-

ais MFB (provavelmente de Manuel Francisco Britto, alocado então como

correspondente naquela cidade americana), resumia o ceticismo da comuni-

dade científica, baseado na pouca informação ainda disponível sobre a ex-

periência conduzida por Fleischmann e Pons.

A negativa desses dois cientistas em atender às solicitações formula-

das pela Nature, fazendo revisões no artigo enviado para análise, motivou o

ceticismo. Esperava-se que o artigo, de caráter essencialmente científico e

publicado na revista que tem imensa credibilidade no mundo acadêmico,

pudesse aclarar alguns pontos obscuros do trabalho realizado em Utah.

No texto, inclui-se a seguinte declaração, atribuída a Kevin Myles,

pesquisador do Laboratório Nacional de Argone, em Chicago: “Vários pes-

quisadores acreditaram nos dois, mas agora eles têm a impressão de que

estão apenas perdendo tempo. Pons e Fleischmann devem maiores explica-

ções à ciência”.

O JB relatou também a experiência realizada na Ilha do Fundão, na

Universidade Federal do Rio de Janeiro, “a terceira do Brasil”. O texto in-

forma: “Além da detecção de nêutrons, os pesquisadores registraram a tem-

peratura e controlaram a emissão de gases, nessa que foi a primeira etapa de

um programa de quatro fases destinado a estudar a fusão nuclear a frio.

‘Nosso objetivo não é reproduzir a experiência de Martin Fleishmann e

Stanley Pons, mas montar um projeto de trabalho com vários desdobra-

mentos’, explicou o diretor da Coppe, físico Luís Pinguelli Rosa. O projeto

é tão empolgante que a física Solange de Barros, responsável pela contagem

dos nêutrons, admite perder outras noites de sono e deixar de lado outros

trabalhos para levá-lo adiante.”

O Globo de 21 de abril destacou a experiência realizada por pesqui-

sadores do Rio de Janeiro. Segundo o jornal , “o procedimento adotado no

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132

Rio, de comparação da eletrólise em água pesada e água leve, foi seme-

lhante ao da Universidade de Stanford, nos EUA.”

O material internacional deste dia, em O Globo, ficou por conta das

tentativas realizadas na China, onde todas fracassaram, segundo a agência

de notícias Nova China. Da Universidade da Flórida, vinha a informação de

que pesquisadores detectaram trítio, “forma radiativa do hidrogênio, numa

experiência que utilizou o mesmo material de Utah. Embora tenham evitado

falar em fusão a frio, eles dizem que a presença de trítio confirma pelo me-

nos parcialmente o anúncio pioneiro de Pons e Fleischmann.” Da Universi-

dade Técnica de Dresde (sic), na então Alemanha Oriental, registrou-se a

obtenção de medidas de nêutrons, indício de que houve fusão nuclear na

experiência ali realizada.

Outra retranca traduzia material proveniente do jornal New York Ti-

mes, informando que cientistas indianos anunciaram ter chegado à fusão

nuclear em temperatura ambiente. “A diferença [em relação ao experimento

original de Fleischmann e Pons] foi a substituição do eletrodo de paládio

por outro de titânio e a adição de 0,2% de cloretos de níquel e paládio - ao

invés de sais de lítio - à água pesada.”

Um pequeno registro em 22 de abril, no Caderno Cidades, da FSP,

informava que os cientistas do INPE haviam comunicado que obtiveram a

evidência mais forte de que ocorre fusão nuclear no experimento realizado

primeiramente na Universidade de Utah, ao detectarem átomos de hélio, “o

produto esperado de uma reação de fusão.” O registro acrescentava que “até

agora, nenhuma das muitas equipes que pesquisam fusão havia detectado

átomos de hélio.”

O mesmo assunto mereceu espaço mais generoso em o OESP, sob o

título “Brasil aprimora medidas da fusão”. Eis o trecho inicial do material,

publicado na página 10, sob responsabilidade da editoria de Ciência e Tec-

nologia:

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“Físicos do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos

Campos, garantiram ontem, que pela primeira vez um instituto de pesquisa

comprovou científicamente a possibilidade de fusão nuclear a frio. ‘Outros

centros, mesmo os internacionais, preocuparam-se apenas em medir a emis-

são de nêutrons, o que, não é, necessariamente, uma fusão nuclear’, afirmou

o chefe do departamento de plasmas do Inpe, Gerson Otto Ludwig, coorde-

nador da experiência, que contou também com a colaboração de cientistas

do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), também de São José dos Campos.”

O jornal não perdoou a ousadia do pesquisador, e continuou o texto

assim: “Descontando o exagero - pelo menos uma centena de laboratórios

ao redor do mundo, muito mais equipados, estão realizando todas as medi-

das imagináveis - o Inpe parece ter realizado medidas originais que abrem

novos caminhos para a explicação do fenômeno.”

O pessoal do IFUSP e IPEN também tinha novidades, comunicadas

no mesmo texto de 22 de abril de o OESP. Eles haviam detectado átomos de

hélio-3 em seus experimentos, “outra prova de que a reação é de origem

nuclear. O hélio 3 é um gás muito raro e foi detectado pelo físico Oscar Ve-

ga Bustillos com um espectrômetro de massa.”

Uma legenda de foto publicada na edição do jornal OESP resumia

bem o problema com o qual os jornalistas vinham trabalhando há um mês:

“Fusão no Inpe: experiência simples, medidas complicadas”.

O JB valorizou bastante o noticiário vindo de São José dos Campos,

sob o título “Cientistas do Inpe medem hélio3 e comprovam fusão”. O re-

sultado alcançado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, segundo o

JB, era inédito entre as pesquisas já divulgadas em todo o mundo, atribuin-

do ao pesquisador Ricardo Galvão a seguinte declaração: “A emissão de

nêutrons, que tem sido constatada em outros experimentos, é suficiente para

comprovar a existência de uma reação nuclear, mas não necessariamente

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134

uma fusão. Já a ocorrência do hélio-3 só pode surgir de uma fusão, é a pro-

va cabal de que ela ocorreu.”

Depois de descrever a experiência realizada no INPE, o JB também

informa que a intenção naquele instituto é dar continuidade, em busca da

obtenção de energia significativa, extraída do processo. O então diretor de

Pesquisa e Desenvolvimento do INPE, Múcio Dias, também lançou a idéia

de reunir, sob os auspícios da Comissão Nacional de Energia Nuclear, todos

os grupos envolvidos com o assunto, para que haja, segundo o jornal, “uma

coordenação nacional de experimentos.”

O JB arrematou o texto com a seguinte informação: “Os pesquisado-

res do Inpe, por enquanto, se mostram extremamente satisfeitos com seus

resultados e já começaram a escrever um artigo para publicação em revistas

científicas internacionais. ‘Nós estamos emocionados’, disse ontem o físico

José Leonardo Ferreira, que também esteve ligado ao projeto. ‘Consegui-

mos colocar mais um tijolo no edifício do conhecimento e sabemos que não

se trata de um tijolinho qualquer’”.

Em O Globo de 22 de abril de 1989, a editoria de O Mundo/Ciência

e Vida resolveu ignorar o comunicado feito pelos pesquisadores do INPE,

embora o jornal, na época, mantivesse um correspondente em São José dos

Campos, José Eustáquio de Freitas, que, diariamente, acompanhava o as-

sunto naquele instituto de pesquisas.

Ao contrário dos concorrentes FSP, OESP e JB, o jornal O Globo re-

gistrou apenas que o INPE iria propor a realização de uma reunião com to-

dos os cientistas e representantes de centros de pesquisa envolvidos com a

fusão a frio.

O material de O Globo tinha, por título principal, “Experiência põe

em dúvida fusão a frio” e reportava informação proveniente da Filadélfia,

estado da Pensilvânia, no qual dois pesquisadores da Universidade de Dre-

xel afirmaram “ter obtido a mesma quantidade de calor em experiência com

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135

água pesada e leve, resultado oposto ao obtido em Stanford, onde não houve

produção de calor excedente na eletrólise em água leve”.

Outra nota de ceticismo vinha dos Estados Unidos e da França,

“onde a inexistência de provas irrefutáveis detectadas por equipamentos

ultrasensíveis levam cientistas a por em dúvida a experiência. Kenneth

Fowler, do Laboratório Lawrence Livermore, na Califórnia, disse que se a

reação realmente tivesse acontecido, dez bilhões a mais de nêutrons deveri-

am ter sido produzidos”.

Da Universidade de Norwich, na Inglaterra, outro cientistas chamava

a atenção para a possibilidade de estar ocorrendo “uma combinação de fis-

são nuclear com reação química”, segundo o jornal.

O Globo reproduziu também no dia 22 de abril texto de Charles Pe-

tit, do New York Times. Cientistas alemães acusavam Fleischmann e Pons

de “apenas copiarem o que o químico alemão Johann Wolgang Dobereiner

inventou em 1823: a oxidação catalítica espontânea do hidrogênio, ou seja,

um isqueiro rudimentar chamado feuerzeug, para acender cigarros e charu-

tos.”

O Globo noticiou também o desdobramento do trabalho realizado no

Rio de Janeiro, reunindo equipes da Coppe, PUC, Instituto de Física da

UFRJ e Instituto de Energia Nuclear, no qual o modelo a ser seguido, agora,

seria o italiano, “que substitui deutério líquido por gasoso à baixíssima tem-

peratura”.

Não faltou em O Globo, com destaque na paginação, o editorial, aqui

reproduzido na íntegra:

“Papai, compra paládio?

O Natal está distante para as crianças, mas os fabricantes de brinque-

dos trabalham de véspera. É extremamente provável que já esteja entrando

na linha de produção de algum deles a sensação de dezembro que vem ‘O

Pequeno Químico’: kit completo para a fusão nuclear a frio.

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136

Pelo menos, a facilidade com que em toda parte se está repetindo a

experiência pioneira indica que, uma vez conhecido o processo, repeti-lo é

mesmo coisa de criança.

Não vai nisso desdouro para os copiadores da descoberta. Mas vale

um alerta para leigos: mesmo que produzir a fusão em laboratório seja um

clássico ovo de Colombo, o caminho até a aplicação prática - ou seja, até

que a dona de casa possa cozinhar outros ovos com a energia da fusão -

ainda é longo e de traçado desconhecido.

O que falta descobrir certamente não é brinquedo.”

Em 23 de abril, o assunto fusão a frio continuava presente nos quatro

jornais estudados nesta dissertação.

A FSP tratou o tema no Caderno Cidades, noticiando que o Instituto

de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) agora iria se dedicar a aperfei-

çoar as medições para tentar esclarecer a fusão a frio. Spero Penha Morato,

chefe do Departamento de Processos Especiais do IPEN declarou: “Isto é

uma corrida. (...) Sinto que estamos junto (sic) com outros centros do mun-

do.”

O OESP, em 23 de abril, trabalhou o assunto em espaço generoso na

editoria de Ciência e Tecnologia. Era domingo, completava-se um mês re-

dondo do anúncio feito em Utah por Fleischmann e Pons, e o jornal foi o

único dos quatro aqui estudados que pegou o gancho.

Sob o título “Fusão nuclear a frio esquenta Ciência”, o então editor

de C&T, Flávio Carvalho, assina o texto, que começa assim:

“Nunca, em tão curto espaço de tempo, a confraria dos cientistas se

expôs tanto (e tão claramente), com todas suas grandezas e mazelas, como

nesses trinta dias, depois que os químicos Stanley Pons e Martin Fleis-

chmann anunciaram a redescoberta do fogo, com a reação de fusão nuclear

a frio e a promessa da energia solar dominada dentro de um simples tubo de

ensaio com a ajuda de uma bateria elétrica comum.

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137

Neste mês, que se completa hoje, eles alteraram momentos de vigília

sofrida em laboratórios, à espera da confirmação de suas pesquisas com

bate-bocas e rasteiras profissionais tão comuns às outras profissões. Desce-

ram da torre de marfim onde são colocados pelas pessoas comuns para dis-

putar a vitória na corrida em que quem publica primeiro seus resultados é

que leva a fama e, de passagem, um possível Prêmio Nobel e a eternidade

intelectual.”

A ênfase do texto recai na dinâmica que se estabeleceu a partir do

anúncio em Utah, procurando mostrar que os cientistas são uma categoria

profissional como outras: embora não esteja explicitamente no texto, o lei-

tor atento deduzirá que as intrigas, ciúmes, jogo sujo, busca pela notorieda-

de, ganhos econômicos, também fazem parte da vida destes profissionais.

A principal retranca de OESP foi titulado por “Imitação do Sol cai de

moda” e explicava que a entrada em cena da fusão nuclear em temperatura

ambiente veio se contrapor ao processo que sempre se baseou em uso de

equipamentos para produzir temperatura elevada para tentar fundir núcleos

de átomos e produzir energia.

Do Los Angeles Times, o OESP reproduziu um texto, assinado por

Paul Ciotti, colocando a discussão sob o enfoque de utilidade social. O bi-

ólogo Paul Ehrlich, de Stanford, opinou que “o poder da energia inexaurível

e barata pode ser como dar uma metralhadora para uma criança retardada”,

reproduzindo o texto do jornal. O biólogo opinou também que a descoberta

anunciada em Utah estava sendo encarada como uma panacéia, declarando:

“Os principais problemas da maior parte da população do mundo são soci-

ais, políticos ou econômicos, e não tecnológicos. A crença de que se podem

resolver dilemas humanos com uma única descoberta é demasiadamente

simplista.”

O ativista ecológico Jeremy Rifkin, “famoso por estar tentando em-

bargar, na Justiça, as experiências de engenharia genética com seres huma-

Page 138: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

138

nos”, declarou que a fusão anunciada só serviria para elevar ao infinito a

habilidade humana de exaurir os recursos naturais do planeta, destruir o

frágil equilíbrio ecológico e criar um vasto e inadministrável lixo industrial,

sem paralelo na história.

A antropóloga Laura Nader, da Universidade de Berkeley, Califór-

nia, também opinou que não há evidências de que o barateamento do curso

da energia iria melhorar a qualidade de vida das pessoas. “Entre 1950 e

1970 a humanidade dobrou o uso de energia, mas todos os indicadores de

qualidade de vida caíram”, declarou a antropóloga.

O JB de 23 de abril chamou novamente o assunto para a primeira pá-

gina, com manchetinha denominada “Fusão limpa”, aqui reproduzida:

“Nova teoria sobre a fusão indica que o processo pode ser ainda mais

limpo do que se imaginava. Para o químico americano Chevis Walling, a

fusão fria não produzirá radiação nem gases tóxicos, o que tranquiliza os

ecologistas”.

O texto referenciado na chamada é assinado por Jorge Luiz Calife, na

época repórter da editoria de Ciência do JB, e procura resposta para a preo-

cupação já manifestada por ecologistas norte-americanos: “Até que ponto,

eles perguntam, a fusão nuclear realmente seria uma fonte de energia limpa.

Afinal, sabe-se que o processo de fusão dos átomos de deutério produz

emissões de nêutrons, que são mortais e, em certas circunstâncias, o trítio

que é venenoso.”

A resposta veio por intermédio de um pesquisador da Coppe, Aquili-

no Senra Martinez, explicando que, mesmo com os nêutrons e o trítio, uma

usina de fusão nuclear seria muito mais limpa do que as atuais usinas de

fissão nuclear. Para os nêutrons seria necessário uma blindagem adequada e

a quantidade de trítio produzida seria pequena demais para causar qualquer

alteração ambiental.

Page 139: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

139

A justificativa para o texto colocado na primeira página aparece no

JB sem explicações mais detalhadas: “Nos laboratórios onde a experiência

tem sido repetida, observa-se a produção de muito poucos nêutrons e trítio.

Na experiência do Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, observou-se a

produção de hélio 3 e não de trítio”.

No dia 25 de abril, somente o jornal O Globo manteve o assunto em

pauta, ao anunciar que “A Marinha brasileira está esperando apenas uma

comprovação científica da eficácia da fusão a frio para iniciar, em conjunto

com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), o projeto de um rea-

tor especial capaz de gerar energia utilizando esta técnica”.

De Nova York o jornal publicou a informação dando conta de que

Fleischmann e Pons estavam projetando instrumentos diferentes dos usados

na experiência original, com o objetivo de obter maior quantidade de ener-

gia com o processo.

No dia 27 de abril, a FSP repercutiu a presença de Fleischmann e

Pons na Comissão de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Deputa-

dos dos Estados Unidos, onde foram pedir US$25 milhões para prosseguir

com as pesquisas. Segundo o jornal, a Comissão aprovou a proposta. Para

reforçar o lobbye junto aos congressistas, a dupla levou uma réplica da ban-

cada de experiência, a julgar pelo foto publicada, assinada pela agência

France Press.

O texto informa: “A comunidade científica reagiu mal ao fato de os

pesquisadores terem apresentado resultados preliminares à imprensa antes

de fazê-lo em publicações especializadas, o procedimento normal”.

O OESP de 27 de abril também noticiou a presença da dupla de

Utah no Congresso norte-americano, incluindo fotografia mostrando os dois

diante de um equipamento, observados por dois possíveis deputados. O

texto é traduzido do jornal The New York Times, e inclui o seguinte trecho:

“Embora essa pressão de cientistas [referindo-se ao pleito feito aos deputa-

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140

dos] não seja novidade, ela está sendo considerada um tanto deselegante, já

que os resultados do experimento dos eletroquímicos Stanley Pons e Martin

Fleischmann - patrocinado pela Universidade de Utah - não foram sequer

publicados.”

O texto traz também a informação de que o Instituto de Tecnologia

da Geórgia havia convocado uma entrevista coletiva para retificar o anúncio

feito em 11 de abril, quando afirmara que pesquisadores haviam repetido,

com sucesso, o experimento de Fleischmann e Pons. Agora, voltavam atrás.

Outra informação é sobre o trabalho realizado na França, país onde

“nenhuma das dezenas de equipes que tentou repetir a fusão a frio obteve

sucesso”.

Do correspondente em Washington, O Globo publicou também a in-

formação colhida durante a presença de Fleischmann e Pons no Congresso

americano, enfatizando que eles estavam “iniciando uma nova série de ex-

periências para demonstrar, de uma vez por todas, que podem produzir a

fusão nuclear num tubo de ensaio e à temperatura ambiente.” Segundo o

jornal, Fleischmann afirmou com visível orgulho: “A descoberta que fize-

mos sem dúvida tem grandes e profundas implicações sociais, já que poderá

levar o Mundo a ter uma fonte praticamente ilimitada de energia, já que ele

(sic) é feita à base de deutério, que é um elemento encontrado nos oceanos e

nos lagos”.

No dia 28 de abril, a FSP fez dois pequenos registros, na coluna

Síntese, do Caderno Ciência, mas a coluna fixa do físico Rogério Cezar de

Cerqueira Leite (aliás publicada com a rubrica Periscópio, na verdade da

coluna fixa ao lado, de J. Reis) abordava o assunto. O título já antevia o que

o texto abordava: “Físicos se comportam como galinhas”.

E começava assim: “São mesmo geniais esses cientistas brasileiros.

Em poucos dias, uma semana em um dos casos, os brasileiros conseguiram

fazer a mesma experiência que dois grupos norte-americanos constituídos

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141

por verdadeiros especialistas levaram anos. Não é sensacional? E ainda

existem aqueles que reclamam que a ciência brasileira está atrasada, que

não há recursos financeiros!”

A crítica de Cerqueira Leite batia fundo nos grupos que haviam alar-

deado a obtenção de resultados considerados satisfatórios e, de quebra, na

própria imprensa, sobrando farpas inclusive para a Folha de S. Paulo, da

qual o cientista é membro do Conselho Editorial, ao ironizar a manchete “O

Brasil ganha a corrida no hemisfério sul” (publicada em 19 de abril, divul-

gando o êxito do IFUSP e o IPEN em reproduzir a experiência nos moldes

preconizados por Fleischmann e Pons.

Cerqueira Leite afirma que “Não restam dúvidas de que seria alta-

mente desejável para o Brasil que grupos de pesquisas desenvolvessem uma

competência adequada em cerâmicas supercondutoras e em fusão a frio

igualmente. O que é, entretanto, puro desperdício é esse borboleteamento

atrás de confirmações provincianamente espetaculares”. E conclui, “O de-

primente espetáculo de exibicionismo e antiprofissionalismo, estimulado

pelo provincianismo que comanda as administrações acadêmicas nacionais,

testemunham antes o atraso de nosso desenvolvimento científico e tecnoló-

gico e de sua mínima repercussão cultural do que o nosso progresso”.

Não se registrou o envio de cartas ao jornal, pró ou contra o artigo de

Cerqueira Leite.

O OESP de 28 de abril deu vez a Linus Pauling, Prêmio Nobel em

Química, em 1954, que enviou carta à Revista Nature afirmando que a ener-

gia liberada durante a fusão a frio, deve ter sido produzida por uma ligação

atômica convencional. Pauling questionou vários pontos do trabalho de

Fleischmann e Pons e, com o peso de sua autoridade no mundo acadêmico,

suas declarações não passaram despercebidas.

Ao lado, o OESP parece ter descoberto Steven Jones, a julgar pelo

texto que começa assim: “Um jovem cientista da Universidade de Brigham,

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142

que diz ter conseguido realizar a fusão a frio ao mesmo tempo que a equipe

de Utah, afirmou ontem que o mesmo processo pode estar ocorrendo natu-

ralmente na Terra e em outros planetas. (...) Para ele, uma prova de que a

fusão a frio ocorre na natureza talvez possa estar em Júpiter. O planeta irra-

dia quase duas vezes mais calor do que recebe do Sol e apresenta metais

que contêm alta concentração de hidrogênio radioativo.”

O JB de 28 de abril também deu espaço para a opinião de Linus

Pauling. Informou também que pesquisadores da Universidade de Colorado

não conseguiram reproduzir a experiência nos moldes de Fleischmann e

Pons. E inclui a notícia sobre as declarações de Steven Jones.

Encerrando o mês de abril, no dia 29, somente o JB falou sobre o as-

sunto. “Cientistas acham que fusão exige condições adequadas”, era o título

do material, procedente de San Diego, EUA. Em síntese, o texto relatava a

opinião de pesquisadores sobre a influência do meio ambiente e dos própri-

os equipamentos nos resultados até então obtidos em experiências sobre

fusão a frio.

Em 2 de maio, o assunto fusão a frio reapareceu. Na FSP ganhou

chamada discreta na primeira página. Cientistas de dois renomados centros

de pesquisa americanos - o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e

o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) “afirmaram ontem que

falharam em suas tentativas de reproduzir a fusão nuclear a frio”.

O jornal publica declaração de Nathan Lewis, do Caltech: “Uma das

coisas que aprendemos durantes (sic) a experiência foi como é fácil se auto-

enganar, pensando haver um efeito onde não existe nada.” Ronaldo Parker,

diretor do centro de fusão do MIT, usou a expressão “mal interpretados”,

referindo-se aos dados obtidos por Fleischmann e Pons.

O jornal O Globo de 2 de maio também abordou a questão, sob o

ponto de vista dos cientistas do Caltech e do MIT. Eis um trecho da repor-

tagem: “ - Acreditamos que os dados apresentados foram, na verdade, mal

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143

interpretados por Fleischmann e Pons. A alegação de registro de nêutrons

não tem fundamento e a prova científica apresentada não apóia essa alega-

ção - disse o Diretor do Centro de Fusão de Plasma do MIT, Ronald Pa-

rker.” O material foi ilustrado com um diagrama mostrando a técnica de

Pons e Fleischmann.

No dia 3 de maio, o material da FSP sobre o assunto fusão a frio

abordava a reação da Universidade de Utah às críticas que se avolumavam

contra os pesquisadores Fleischmann e Pons. Um físico da Universidade,

James Brophy, e o Governador do Estado de Utah, Norme Bangerter, classi-

ficaram as críticas como “elitismo da costa leste”. O Estado de Utah fica na

região oeste dos Estados Unidos.

O físico Brophy alegou que Fleischmann e Pons passaram cinco anos

pesquisando (dado que, pela segunda vez, foi encontrado no noticiário) e

“agora pessoas que gastaram quatro semanas com experimentos grosseiros

tratam de criticá-los.”

Já o Governador Bangerter, segundo o material da FSP, opinou que a

crítica tinha raiz na disputa por verbas governamentais para o setor de pes-

quisa: “São de US$400 milhões a US$500 milhões que eles recebem anu-

almente para pesquisar fusão e eles odeiam só em pensar que a quantia pode

vir para nós.”

A FSP também noticiou o encontro mantido por físicos, em Brasília,

com o então Secretário Especial de Ciência e Tecnologia, Décio Leal de

Zagottis. Segundo o jornal um comunicado foi divulgado pela Secretaria,

afirmando que os resultados das experiências foram considerados “incon-

clusivos quanto à produção de energia e ao entendimento dos mecanismos

envolvidos no processo.” Teriam os pesquisadores - que não são citados no

texto - voltado atrás?

Sob o título “Físicos dos EUA contestam fusão a frio”, o OESP de 3

de maio resumiu a opinião que teria predominado durante reunião da Socie-

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dade Americana de Física que “tranformou-se ontem num palco de devasta-

doras dúvidas sobre a veracidade dos experimentos de Pons e Fleis-

chmann.”

O JB de 3 de maio também ecoou as críticas feitas na reunião pro-

movida pela Sociedade Americana de Física. Não faltou, inclusive, a acusa-

ção grave, feita pelo físico Walter Meyerhoff, da Universidade de Stanford,

segundo a qual “Eles [referindo-se a Pons e Fleischmann] devem ter colo-

cado o termômetro no ponto mais quente do frasco para terem conseguido a

temperatura que dizem ter registrado.”

Já o físico Moshe Gai, da Universidade de Yale, classificou a fusão a

frio como “uma idéia morta”. E alfinetou os químicos, ao dizer que a parte

de física nuclear da experiência foi mal feita, “... o que deve servir como

advertência aos cientistas para que não façam aquilo que não compreen-

dem.” A comunidade de físicos nunca aceitou muito bem o fato de dois

químicos terem assumido a paternidade de uma experiência que deveria ser

da competência da Física.

Embora tenham sido convidados para a reunião, realizada em Balti-

more, Fleischmann e Pons não compareceram, segundo o material da FSP.

Presente na reunião, o físico brasileiro Jacques Danon, na época Di-

retor do Observatório Nacional, informou que pesquisadores do Centre Na-

tional des Recherches Scientifiques (CNRS) repetiram a experiência mas os

resultados foram negativos, apesar de disporem de detectores de nêutrons de

altíssima sensibilidade.

O material do JB incluiu uma retranca - “Utah vê interesse financeiro

em críticas” - reproduzindo as já aludidas críticas de físicos e do Governa-

dor do Estado de Utah.

O jornal O Globo também aproveitou o material vindo do Exterior

reportando a reação de Utah às críticas destinadas a Fleischmann e Pons.

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145

Somente no dia 4 de maio a FSP citou, em nota de exatas seis linhas,

as críticas feitas durante reunião da Sociedade Americana de Física, aspe-

ando três palavras: “erros de amadores”.

O OESP do dia 4 de maio titulou o texto sobre o assunto da seguinte

maneira: “Físicos sepultam fusão a frio”, uma alusão às críticas feitas du-

rante a reunião da Sociedade Americana de Física.

Mas, de maneira surpreendente, começa o texto com informação ob-

tida aqui mesmo, em São José dos Campos:

“Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de São José

dos Campos, que haviam anunciado ter reproduzido a reação de fusão a

frio, estão agora ‘confusos’ e se preparam para repetir a experiência ‘com

métodos mais refinados e cuidadosos’, diz o físico Gerson Ludwig. ‘Esta-

mos muito céticos quanto às medidas de calor na reação. Vamos começar

hoje nova experiência com medidores mais sensíveis’, diz Gerson.”

É fácil perceber que, depois de terem pisado fundo no pedal do ace-

lerador, os brasileiros agora começavam a procurar o pedal de breque, quem

sabe influenciados pelos colegas reunidos em Baltimore, na reunião da So-

ciedade Americana de Física. No mesmo texto de o OESP lê-se declaração

do físico Luiz Pinguelli Rosa, que havia anunciado, no Rio de Janeiro (JB e

o Globo de 21 de abril) uma reação nuclear bem sucedida: “Agora, há tanta

euforia para enterrar a experiência de fusão a frio, como havia para repeti-la

alguns dias antes”.

O material do jornal OESP informa que 1500 cientistas presentes na

reunião de Baltimore “aplaudiram de pé o pesquisador Steven Koonin, do

Instituto de Tecnologia da Califórnia, quando ele passou como um trator

sobre os resultados da reação de fusão a frio anunciada em 23 de março

pelos químicos Martin Fleischmann e Stanley Pons. ‘A experiência estava

errada, cheia de incompetências e alucinações de Pons e Fleischmann’, dis-

se Koonin”.

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146

O jornal traz ainda a seguinte informação: “Pelo menos em 40 tra-

balhos apresentados foram apontadas falhas na experiência de Pons e Fleis-

chmann. O calor da reação, segundo os físicos, teria vindo simplesmente do

erro na colocação do termômetro. A detecção de nêutrons, que confirmaria

a ocorrência de reação de fusão, seria na verdade medida de gás radônio.

Quanto ao hélio, que teria sido o produto final da reação de dois átomos de

hidrogênio pesados, Koonin também tem uma explicação: é que existem

muitos aparelhos nos laboratórios que usam esse gás para refrigeração, e os

níveis de contaminação costumam ser dez vezes maiores que ao ar livre”.

O Globo de 4 de maio publicou texto assinado por Malcom F.

Browne, correspondente em Washington. Possivelmente referindo-se à reu-

nião promovida pela Sociedade Americana de Física - não citada em parte

alguma do texto - o correspondente informa que “A comunidade científica

americana parece ter colocado uma pá de cal na experiência de fusão nucle-

ar a frio dos colegas Stanley Pons e Martin Fleischmann, definida como um

‘enorme blefe’”.

O texto inclui a defesa feita por James Brophy, Diretor de Pesquisas

da Universidade de Utah, incluindo o seguinte argumento: “Qualquer cien-

tista pode errar, por pouco ou por muito - disse ele - e se os drs. Pons e

Fleischmann cometeram erros, eles mesmos irão reconhecê-los. Mas até

agora, nenhum dos seus críticos publicou suas próprias conclusões, e estão

conduzindo um assunto científico através de entrevistas à imprensa.”

A leitura atenta do noticiário sobre a fusão em temperatura ambiente

evidencia que a partir da reunião da Sociedade Americana de Física o noti-

ciário começa a tomar um novo rumo. Os jornais brasileiros pesquisados

nesta dissertação buscam fórmulas que ajudem, de certo modo, o mea culpa

que parecem resignados a fazer. Idêntica atitude começam a tomar os pes-

quisadores brasileiros que, há menos de uma semana, não pareciam ter dú-

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147

vida alguma sobre os resultados que estavam obtendo com suas experiênci-

as.

A FSP de 5 de maio fez somente dois pequenos registros sobre o as-

sunto, um sobre as críticas contra Utah, outro sobre a resposta daquela uni-

versidade americana.

Mas na FSP de 5 de maio, novamente o físico Rogério Cezar de Cer-

queira Leite retoma o assunto, titulado por “Conseqüências do cacarejo ci-

entífico”. No seu estilo peculiar, no qual a ironia tem lugar garantido, Cer-

queira Leite empreende uma crítica sobre a prática do cacarejamento, defi-

nindo-o como “o anúncio autoglorificador, prematuro e desproporcional, de

uma realização intelectual, ou material, que pode ser uma descoberta cientí-

fica, a consecução de uma obra de arte, um triunfo econômico, uma inova-

ção tecnológica, um achado histórico etc.”

O articulista propõe analisar o custo/benefício da prática do cacare-

jamento. E começa pelos benefícios, dos quais, o primeiro, seria gerar o

mito da competência nacional. “E mitos são úteis”, diz ele. O exemplo es-

colhido é o da descoberta realizada em 1947, pelo brasileiro César Lattes e

colaboradores, da partícula píon, “essencial para a compreensão de toda a

física”. Neste caso, segundo Cerqueira Leite, não houve cacarejamento.

Outro benefício é que os cacarejamentos acabam gerando, ainda que

provisoriamente, “condições propícias para a obtenção de recursos financei-

ros.” Foi assim, por exemplo, com as réplicas brasileiras das experiências

no campo da supercondutividade, ocorridas em 1986, fato com muitas se-

melhanças ao episódio da fusão a frio e, casualmente, com alguns persona-

gens envolvidos em ambas.

Cerqueira Leite também considera que o cacarejamento acaba cha-

mando a atenção para campos emergentes, e produzem interesse de novos

talentos. “Do ponto de vista estritamente pragmático há, portanto, algumas

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148

vantagens para a sociedade em geral, e para instituições específicas, na prá-

tica do cacarejamento”.

Neste ponto do seu artigo na FSP, Cerqueira Leite passa a analisar a

coluna dos custos. O primeiro perigo citado é a relação cacare-

jo/incompetência, ou seja, “os que mais cacarejam são quase sempre os me-

nos competentes. (...) São os profissionais do cacarejo. E isto pode provocar

nos jovens cientistas visões distorcidas da ciência”.

Cerqueira Leite chama a atenção para outro perigo na prática do ca-

carejamento. Os governos, cedo ou tarde, acabam percebendo a farsa e po-

dem ampliar o julgamento para todos os segmentos sérios da ciência brasi-

leira.

Depois destas considerações, Cerqueira Leite conclui seu artigo com

um comentário sobre a omissão proposital de informações sobre as quanti-

dades necessárias de matérias primas para, em escala industrial, obter re-

sultados de produção compensadores. No fundo, a intenção aqui, parece ser

a de chamar a atenção para os monumentais problemas de engenharia cien-

tífica a serem enfrentados caso a hipótese da fusão a frio se mostrar, real-

mente, promissora.

No dia 6 de maio de 1989, somente em O Globo encontramos o tema

fusão a frio tratado isoladamente num editorial de cinco parágrafos, sob o

título “Humildade”, e aqui reproduzido na íntegra:

“Já é praticamente consensual na comunidade científica internacio-

nal: a fusão nuclear a frio, supostamente realizada por dois pesquisadores

da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, não aconteceu.

E o debate baixou de nível. Discute-se agora se a dupla foi apressa-

da, incompetente ou desonesta. Qualquer das três explicações é reforçada

pelo açodamento com que a Universidade pediu ao Congresso americano

US$ 25 milhões para continuar as pesquisas.

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149

Ainda não está certo exatamente que tipo de reação - talvez química

e não nuclear - foi produzida no laboratório de Utah e reproduzida pelo

Mundo afora.

Segundo alguns cientistas, foi algo parecido com as experiências re-

alizadas em 1823 por um químico alemão, que nelas se baseou para criar

uma engenhoca chamada “Feuerzeug”- um acendedor de charutos. [Já lem-

brado no próprio jornal, em 22 de abril].

É uma lição de humildade. Por um momento, a Humanidade pensou

ter encontrado a fórmula barata e segura de produzir energia ilimitada. Pois

vai ter de se contentar com um obsoleto isqueiro alemão.”

No domingo, 7 de maio de 1989, o JB publicou um longo material,

começando por um texto assinado por Jorge Luiz Calife, sob o título “Ciên-

cia demora a aceitar novas idéias”.

A principal argumentação, sem dúvida a motivadora do desenvolvi-

mento da pauta, vinha logo na primeira linha: “Uma descoberta científica

raramente é aceita ou rejeitada pela comunidade científica imediatamente”.

Calife garimpou exemplos para ilustrar a matéria. Na década de 20,

Roberto Goddard, o pioneiro americano dos foguetes, enfrentou a descrença

generalizada em suas idéias, inclusive da revista científica Nature. Outro

pioneiro, William Crookes, em 1873, primeiro deixou perplexa a comuni-

dade científica de então, com um aparelho chamado radiômetro, destinado a

provar que a luz era formado por corpúsculos e se propagava no vácuo.

Embora o invento de Crookes produzisse um falso resultado, conforme de-

monstrou, em 1879, o físico James Clerk Maxwell, suas idéias não eram

completamente erradas.

A quebra do protocolo comumente aceito no mundo científico, de só

divulgar publicamente um assunto depois de submetê-lo ao crivo dos pares,

por meio de fóruns adequados, como as revistas científicas, tem anteceden-

tes famosos. Calife cita o caso de Wilhelm Röntgen, descobridor do raio X,

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150

ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1901. Röntgen não recebeu a devi-

da atenção da pequena comunidade científica da província onde vivia e re-

solveu espalhar a boa nova. Foi um sucesso.

Depois, quando Ernest Rutherford apresentou um trabalho afirmando

que os elementos radioativos se desintegravam, criando outros elementos,

só recebeu a descrença como resposta. Mas ele estava certo e foram neces-

sários 45 anos para que a tecnologia da fissão nuclear fosse desenvolvida.

O material do JB do dia 7 de maio apresenta também um segundo

texto - “Uma fusão de erros e enganos”. Aqui, o enfoque é sobre as fraudes

científicas “apoiadas pelo governo e de erros de laboratório que provocaram

sensação, seguida de desapontamento”.

O primeiro caso lembrado é o lendário episódio envolvendo Perón e

seu governo, na Argentina dos anos 50. Um físico trazido da Áustria para

desenvolver um sistema de propulsão atômica para aviões convenceu o pre-

sidente argentino a investir alguns milhões de dólares na montagem de um

laboratório destinado a produzir energia por meio de fusão nuclear usando

matérias-primas baratas. O instituto de pesquisas foi erguido em Bariloche,

milhões de dólares foram gastos e a fraude acabou sendo descoberta.

Outro exemplo citado no texto do JB (possivelmente, do mesmo Jor-

ge Luiz Calife) é o caso da poli-água, um novo estado da água, anunciado

pelo Instituto de Química e Física de Moscou em 1969. Até 1973, quando

os descobridores da poli-água se retrataram publicamente em Moscou,

muitos debates e estudos foram realizados por gente e instituições sérias. “A

poli-água não existia. Fora um engano provocado pela contaminação de

água normal por sujeira que escapara de um equipamento de teste”.

O último exemplo citado no texto, tipificado no rol das fraudes, foi

citado na revista Time “da semana passada”, maneira pouco adequada de

referenciar uma fonte, mesmo num texto jornalístico, rotineiramente utiliza-

da. O fato citado “aconteceu em 1926, quando dois cientistas alemães, Fritz

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151

Paneth e Kurt Peters, anunciaram ter conseguido fusão nuclear usando pa-

ládio, o mesmo material usado por Fleishmann e Pons. Menos de um ano

depois os dois pesquisadores admitiram ter cometido erros. A fusão era uma

ilusão. Se a mesma coisa acontecer com Pons e Fleischmann, o governador

de Utah [que saiu em defesa da dupla] pode ter o consolo de não ser o pri-

meiro a cair no conto da fusão. Até Perón já entrou nessa.”

O jornal OESP de 9 de maio de 1989 publicou uma matéria assinada

por José Carlos Santana, correspondente em Londres, baseada em entrevista

feita com Laura Garwin, apresentada como editora de assuntos científicos

da Nature, que explicou um pouco dos bastidores da tramitação do artigo

enviado por Fleischmann e Pons que a revista acabou não publicando, pois

os referees exigiram algumas respostas que os dois não quiseram, ou não

puderam dar.

Sob a ótica da matéria, a recusa da Nature indicou para a comunida-

de científica que havia algo de errado com a experiência realizada na Uni-

versidade de Utah.

No dia 10 de maio, o JB deu continuidade à cobertura do assunto,

desta vez para dar também vez aos citados Fleischmann e Pons. Em palestra

na Conferência da Sociedade de Eletroquímica, em Los Angeles, eles conti-

nuaram defendendo seu experimento. Referindo à possibilidade de estar

enganado, Fleischmann disse: “Se houver erro, serei o primeiro a admitir”.

Encerrando a primeira parte da reportagem, há o seguinte texto:

“Fleischmann e seu colega reconhecem que não têm resultados conclusivos

quanto à emissão de nêutrons, hélio ou trítio pelo seu aparelho. Esses são os

subprodutos de uma reação de fusão nuclear, cuja detecção indicaria que a

experiência envolve mesmo uma reação física. Os dois pesquisadores só

mediram até agora a produção de calor, que tem sido quatro vezes maior do

que a consumida para decompor eletricamente a água pesada”.

Page 152: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

152

O Globo de 10 de maio também também reporta a conferência da

Sociedade Eletroquímica dos Estados Unidos, na qual “Fleischmann e Pons

constestaram críticas feitas à experiência, reafirmando a produção de ener-

gia maior do que a utilizada, o que comprovaria a eficácia do método.”

Os dois cientistas atribuíram ao tamanho inadequado do eletrodo de

paládio o fato de o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e o Insti-

tuto Tecnológico da Califórnia (Caltech) - instituições bem reputadas no

mundo acadêmico - não terem conseguido repetir satisfatoriamente a expe-

riência de fusão a frio.

Com relação às críticas enfocando a não emissão de raios gama, o

texto de O Globo contém o seguinte trecho: “Fleischmann admitiu, embora

tivesse medido a radiação, que esse foi o aspecto menos satisfatório da ex-

periência, e que novas medições com equipamento mais preciso já haviam

sido iniciadas.”

No dia seguinte, 11 de maio, somente em O Globo encontramos noti-

ciário sobre a fusão a frio, com chamada em primeira página: “Descobridor

da fusão nuclear a frio admite que houve erro no gráfico que indicava emis-

sões de nêutrons”. O interessante é que a revelação foi feita, segundo o cor-

respondente do jornal em Washington, José Meirelles Passos, na aludida

reunião de Los Angeles, no dia 9 de maio, já reportada na edição do dia 10.

Eis um trecho extraído do material de O Globo: “Ele admitiu [refere-

se a Fleischmann] em Los Angeles, perante centenas de membros da Socie-

dade Eletroquímica, que havia um erro grave no documento que divulgaram

há dois meses.

A questão é que se trata de um equívoco essencial na alegação de

que a experiência teve sucesso. E ele só apareceu quando um cientista do

Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Stanley Luckhardt, per-

guntou aos dois colegas se tinham sido produzidos nêutrons na reação - fe-

nômeno que era de se esperar, de acordo com a conhecida teoria da fusão.

Page 153: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

153

Para surpresa da platéia, Fleischmann então respondeu que não sabia se isso

acontecera, embora os papéis divulgados por ele próprio digam o contrário.”

A declaração de Fleischmann, reproduzida em seguida, é absoluta-

mente incrível, se considerarmos que o trabalho sobre fusão a frio vinha se

desenvolvendo aparentemente há cinco anos. Em Globo está assim: “- Na

verdade, o gráfico publicado, e que indica a criação de nêutrons, tem um

erro. Não podemos garantir que isso aconteceu porque o nosso detector de

nêutrons apresentou falhas no momento da experiência - revelou Fleis-

chmann. - Mas nós já conseguimos um novo equipamento e ele será usado

em novos testes que estamos realizando - disse ele.”

No dia 12 de maio, o Caderno Ciência, da FSP, dedicou uma página

ao tema nuclear e a parte superior foi ocupada com a questão da fusão a

frio. O físico Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe/UFRJ, que em 21 de abril

afirmara ter repetido, com seu grupo, no Rio de Janeiro, a experiência de

fusão a frio, escreveu um artigo, denominado “Controvérsia na fusão fria é

emocional e pouco científica”.

Deste artigo, interessa reter os dois parágrafos finais, assim escritos:

“Tal como a euforia inicial, a negativa categórica da observação, reproduzi-

da em vários laboratórios, inclusive no Brasil, é emocional e pouco científi-

ca. Não é claro o que está ocorrendo, merecendo estudo mais cuidadoso e

apurado. Já houve casos em que observações revolucionárias anunciadas

foram depois negadas... [seguem-se dois exemplos].

Mas é precipitado dar uma palavra final sobre o presente caso antes

de se formar um consenso na comunidade científica. Os nêutrons não são

produzidos quando se faz eletrólise e é preciso dar uma explicação plausível

para sua presença quando se usa água pesada”.

Ainda na mesma edição, na página G-6, há um pequeno registro so-

bre a conferência em Los Angeles, na qual “a dupla não conseguiu conven-

cer os cientistas presentes”.

Page 154: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

154

Somente no dia 12 de maio, o jornal OESP noticiou que “Fleis-

chmann admite que não mediu os nêutrons”. Em texto não assinado, com

procedência de Los Angeles, o OESP publica: “Complica-se cada vez mais

a situação dos químicos Stanley Pons e Martin Fleischmann, descobridores

de uma suposta fusão nuclear à temperatura ambiente (...). Ontem Fleis-

chmann anunciou ante 1.500 membros de uma sociedade eletroquímica reu-

nida em congresso anual em Los Angeles que tinha enviado para análise as

amostras de um dos eletrodos usados na experiência para a detecção de hé-

lio-4 - o que seria uma prova irrefutável da ocorrência de uma reação nucle-

ar à temperatura ambiente. O hélio-4, se detectado, poderia ter aparecido de

uma fusão de dois átomos de hidrogênio.

O anúncio causou algum constrangimento, porque Fleischmann já

havia feito tal afirmação no dia 12 de abril e, para os especialistas, não são

necessários mais que três dias para se obterem os resultados da presença de

hélio-4”.

Bom, e os nêutrons do título? Era uma referência ao que, no dia ante-

rior, Fleischmann havia declarado, em outra sessão da reunião, em Los An-

geles, assunto somente reportado pelo jornal O Globo. Eis a declaração de

Fleischmann publicada em o OESP do dia 12 de maio: “Eu estava a par de

que o pico (no gráfico) estava errado. Isso me perturbou bastante”.

O Globo de 12 de maio limitou-se a fazer um registro sobre a inten-

ção de Fleischmann e Pons em submeter o eletrodo de paládio que usaram a

testes de detecção de hélio-4. Vestígios deste elemento indicariam que a

hipótese da dupla era consistente.

O material jornalístico dos dias 11 e 12 de maio, encontrado apenas

em dois dos quatro jornais analisados nesta dissertação, de certa maneira é

revelador do desconhecimento dos responsáveis pela seleção e edição de

material. A reunião da Sociedade Americana que reúne os eletroquímicos e

a presença de Fleischmann e Pons em pelo menos duas sessões - fato que se

Page 155: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

155

deduz pela leitura do OESP - e, sobretudo, o teor das declarações ali feitas

por Fleischmann, não poderiam passar despercebidos pelos que, há quase

dois meses, acompanhavam o assunto.

No dia 13 de maio, somente o jornal OESP deu continuidade ao tema

fusão a frio, publicando a informação de que Linus Pauling, ganhador do

Prêmio Nobel na categoria Química em 1954, havia enviado uma carta à

Revista Nature lembrando um artigo que publicara em 1938 na Physical

Review Letter, abordando um tema que explicaria o que Fleischmann e Pons

agora achavam ser uma reação nuclear.

No dia seguinte, 14 de maio, a carta de Pauling à Nature seria motivo

de texto publicado na FSP.

O OESP de 14 de maio publicou um texto traduzido do The New

York Times, denominado “Fleischmann e Pons são gênios, mas sem caute-

la”, um perfil sobre os dois personagens que, desde 23 de março estavam

com a reputação profissional em jogo. Registre-se que foi o primeiro e úni-

co perfil encontrado em todo o material pesquisado para a dissertação, nas

edições de FSP, OESP, JB e O Globo, no período de 23 de março a 30 de

junho de 1989.

O texto que procura revelar a personalidade de cada um dos pesqui-

sadores, é um desses exemplos do jornalismo feito com base em vagas de-

clarações e fontes nem sempre claramente identificadas, que levam a afir-

mações cuja veracidade é sempre discutível. O objetivo declarado no lead é

que “Conhecer mais de perto o clima que envolve as relações entre os dois

químicos Martin Fleischmann e Stanley Pons, que anunciaram ter consegui-

do a fusão de átomos a frio, talvez explique por que eles fizeram um anún-

cio tão apressado, cheio de lacuna e sem as devidas confirmações.”

Eis um resumo sobre os dois, conforme o perfil traduzido no OESP:

- Os colaboradores de Fleischmann e Pons dizem que a dupla é con-

siderada brilhante e produtora de um volume extraordinário de idéias inova-

Page 156: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

156

doras, que com freqüência se mostram realizáveis. São, igualmente, exces-

sivamente entusiasmados com as idéias que têm.

- Pons e Fleischmann podem ser tudo, menos incompetentes. Os dois

têm créditos acadêmicos que lhes dão o direito de pertencer à comunidade

científica. Em 1989 Fleischmann contava 62 anos e Pons 46. Aos 30 anos,

Pons provocara controvérsia com uma tese sobre as reações químicas na

superfície do paládio. Um colaborador, Harry Mark, diz que “depois de dois

anos, a comunidade científica concordou com os resultados”.

- O encontro entre os dois ocorreu em 1975. Os dois já publicaram

juntos dezenas de estudos.

- No caso da fusão a frio, teria cabido a Fleischmann as “teorias cri-

ativas” enquanto Pons teria fornecido “a base experimental e financeira”. A

questão teria começado em 1984 (referência que teria levado a um defensor

da dupla, Brophy, de Utah, a afirmar que os dois trabalhavam há cinco anos

antes de anunciar a obtenção de resultados que comprovariam a fusão em

temperatura ambiente). A experiência teria custado US$100 mil.

- Fleischmann, britânico de nascimento, parece ter um tipo de humor

refinado. O perfil reproduz a seguinte pergunta que ele costuma fazer aos

colegas: “Vamos lá, qual cientista seria capaz de garantir que suas teorias

são 100% corretas?”

Depois de quatro dias sem uma única referência sobre o tema, em 19

de maio o Caderno Ciência da FSP publicou duas pequenas notas, sobre a

opinião de Linus Pauling e sobre o envio, “a três laboratórios”, de amostras

do eletrodo de paládio usado na experiência em Utah.

Na mesma edição, pela terceira vez o físico Rogério Cezar Cerqueira

Leite volta a escrever sobre o assunto, desta vez sob um título absoluta-

mente neutro: “Observações sobre a fusão a frio”.

Depois de resumir, com exemplos, o que tinha acontecido desde que

Fleischmann, Pons e, também, Steven Jones, haviam declarado sobre a

Page 157: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

157

ocorrência de fusão nuclear em temperatura ambiente, Cerqueira Leite re-

gistra que “alguns laboratórios pouco conhecidos afirmam ter observado a

fusão a frio enquanto os centros de maior prestígio insistem em que o fenô-

meno não existe.”

A partir daí, vem a opinião do articulista, que afirma ter revisto os

dados apresentados por Fleischmann e Pons e concluído que a presença de

raios gama detectada exige uma explicação. Cerqueira Leite descarta a hi-

pótese de fraude científica, tanto a conscientemente cometida como a in-

conscientemente, provocada pela ânsia em buscar dados que confirme de-

terminada hipótese. O caso híbrido - “que começa com algum erro involun-

tário, mas que, após uma publicação inicial precipitada, impele o autor a

sustentar seus resultados ou interpretação com ações conscientes (sic) frau-

dulentas, chegando ao forjamento de dados”- também é descartado.

Cerqueira Leite diz que, se confirmada, a fusão a frio teria um poten-

cial econômico tão compensador que “é cedo demais para ser totalmente

abandonada. Mas certamente não merece um esforço econômico de grandes

proporções.”

No dia 20 de maio o OESP noticía que Steven Jones - “um dos in-

ventores da fusão nuclear a frio junto com os químicos Stanley Pons e Mar-

tin Fleischmann, anunciou ontem que também não acredita no resultado de

seus dois outros colegas.”

A FSP de 24 de maio faz um pequeno registro, na Editoria de Exteri-

or, sobre um novo anúncio positivo, feito por pesquisadores da Universida-

de A&M, do Texas, EUA.

O JB, que desde o dia 10 de maio não tocava no assunto, informa,

sob o título “Fusão fria é debatida outra vez”, que, em reunião organizada

pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e pelo Laboratório Na-

cional de Los Alamos, “cientistas do mundo inteiro” iriam examinar as úl-

Page 158: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

158

timas evidências sobre a alegada realização de fusão nuclear em temperatu-

ra ambiente.

O Globo de 24 de maio também reporta a reunião americana, infor-

ma sobre o anúncio feito por pesquisadores da Universidade A&M e a de-

claração de Steven Jones, desacreditando da eficácia do método.

No dia 25 de maio o JB continuou a publicar material sobre a reunião

científica do Texas. Segundo o texto, as análises realizadas nos eletrodos de

paládio, feitas por cientistas da Universidade A&M e da empresa Rocke-

tdyne, de Los Angeles, não confirmaram a presença de hélio ou trítio, “que

deveriam aparecer se tivesse ocorrido uma reação de fusão nuclear.”

O Globo de 25 de maio publicou, sob o título “Descobridor admite

que fusão a frio é ineficaz”, declarações de Steven Jones feitas na reunião

científica realizada em Santa Fé. Mas, na verdade, o título é apenas parci-

almente verdadeiro, porque Jones apenas não acredita que a fusão a frio

servirá para gerar energia aproveitável em escala. “- Devemos ser mais

quantitativos. Acho que as baixas taxas de nêutrons desafiam a idéia de que

o excesso de calor observado por Pons e Fleischmann são conseqüentes da

fusão, que, continuo a acreditar, existe.”

Em 27 de maio, a FSP fez dois pequenos registros sobre o assunto,

dando conta que a reunião ocorrida em Santa Fé chegara ao final sem um

consenso sobre as bases físicas do fenômeno (fusão em temperatura ambi-

ente) e a declaração atribuída a um físico sobre a possibilidade de haver

fusão, mas sem fornecimento de energia para uso comercial.

A nota publicada pelo JB de 27 de maio também afirma que não

houve consenso na aludida reunião.

No mês de junho, a primeira informação sobre fusão a frio foi publi-

cada no dia 4, quando a FSP noticiou que a rede de televisão NHK, do Ja-

pão, havia anunciado que físicos do Departamento de Engenharia Atômica

Page 159: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

159

da Universidade de Hokkaido reproduziram a fusão em temperatura ambi-

ente.

Somente no dia 5 de junho, o JB noticiou que no Japão havia se re-

produzido, com sucesso, o experimento nos moldes Fleischmann e Pons. O

JB noticia também: “Nos Estados Unidos é grande a descrença quanto aos

resultados apresentados por Fleischmann e Pons. Uma análise dos eletrodos

de paládio, usados na experiência original, não revelou nenhum subproduto

de fusão nuclear. Para a maioria dos cientistas americanos o calor produzido

é resultado de algum processo químico e as medidas de nêutrons ainda não

puderam ser feitas com a precisão necessária.”

No dia 11 de junho a FSP publicou informação proveniente da Uni-

ted Press International, segundo a qual um até então desconhecido “Fusion

Information Center Inc., centro de pesquisa independente de Utah”, por

meio do seu presidente, Hal Fox, declarou que “o experimento de Pons e

Fleischmann envolve reações de fusão controláveis.”

O OESP de 15 de junho noticiou que um novo revés atingiu a fusão a

frio. O Laboratório Nacional de Los Alamos desistiu de um acordo a ser

firmado com a Universidade de Utah para investigar os resultados anuncia-

dos por Fleischmann e Pons. “A colaboração do laboratório de Los Alamos,

um centro de pesquisa de alta reputação, era vista como um quase endosso

da possibilidade de tal reação ser realizada”.

A causa para a desistência seria o excessivo zelo dos advogados da

Universidade de Utah, preocupados com vazamentos de informações preju-

diciais a pedidos de patentes. O vice-reitor para pesquisas da Universidade

de Utah, James Brophy, declarou: “Cientistas querem sair contando tudo,

mas um advogado de patentes tem de dizer para ninguém falar nada”.

No dia 23 de junho, os leitores da FSP ficaram sabendo, por meio de

um pequeno registro, que no Instituto de Estudos Avançados do Centro

Técnico Aeroespacial, em São José dos Campos, desde a segunda-feira, 19,

Page 160: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

160

uma nova experiência de fusão a frio estava em andamento, usando o mes-

mo equipamento que o INPE usara.

No dia 24 de junho, o OESP publicou um texto proveniente de Nova

York, sob o título “Europa lidera a fusão a sério”, secundado por mancheti-

nha “Passado o fiasco da fusão a frio, físicos retomam um caminho difícil,

mas seguro”.

O texto faz um apanhado sobre o desenvolvimento das pesquisas re-

alizadas por franceses, alemães, japoneses e americanos que percorrem a

trilha iniciada nos anos 40 voltada para a fusão em altíssima temperatura.

O material do OESP inclui um box sobre este tipo de pesquisa no

Brasil, mais especificamente no Instituto de Física da Universidade de São

Paulo, que dispunha, em 1989, de um equipamento - tokamak - destinado a

confinamento de plasma, uma espécie de gás formado por partículas de

deutério e de trítio. O IFUSP estava buscando obter 5 milhões de dólares

para dar início à montagem de um equipamento de maior porte.

No dia 28 de junho, pequena nota em o OESP informava que cien-

tistas do Laboratório Nacional de Los Alamos anunciaram ter encontrado

evidências da presença de trítio, um subproduto da fusão, durante experiên-

cias de fusão nuclear a baixa temperatura.

Com o mesmo teor, a FSP de 30 de junho também publicou nota.

A fusão a frio, a partir daquela data, foi se tornando tema cada vez

mais rarefeito nos jornais brasileiros, embora, desde então, de maneira es-

parsa, volta e meia torne a ocupar espaços, com a informação sempre origi-

nada do Exterior.

Page 161: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

161

CAPÍTULO 3

A FUSÃO A FRIO NOS JORNAIS BRASILEIROS

3.1 - Comentários Necessários

Nos textos dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo,

Jornal do Brasil e O Globo, no período de 24 de março a 30 de junho de

1989, identificamos os diversos argumentos com os quais a Imprensa (em

particular os quatro jornais citados) construiu a história do acontecimento

científico rotulado por fusão a frio.

Quatro desses argumentos representam recomendações feitas por

Autores que têm procurado estabelecer regras gerais a serem observadas no

Jornalismo Científico, como José Reis, Manuel Calvo Hernando e Warren

Burkett. Um quinto argumento, embora não suficientemente previsto nestes

autores, foi claramente identificado durante a análise dos textos.

À rigor, não há um ideário pronto e acabado na literatura produzida

pelos Autores citados, conforme se comprovou com a elaboração da disser-

tação. Como decorrência mesmo da leitura empreendida para buscar os as-

pectos recomendados ao Jornalismo Científico, deve-se reconhecer que a

literatura é fragmentária e, em certos aspectos, apresenta situações contra-

ditórias entre si, como se tentará demonstrar na seqüência.

Algumas recomendações deixaram de ser objeto de verificação, no

sentido explicitado na Hipótese nº 1, isto porque não as consideramos como

aplicáveis especificamente ao Jornalismo Científico. Destacamos, em parti-

cular, as recomendações de clareza, concisão e correção gramatical, atribu-

tos de qualidade do texto jornalístico em qualquer ramo de especialização,

obviamente também aplicável no Jornalismo Científico.

Page 162: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

162

Com a atitude metodológica aqui explicitada a intenção é possibilitar

um julgamento mais acurado sobre a Imprensa, por meio da compreensão

dos argumentos com os quais busca transmitir ao leitor os predicados ine-

rentes à atividade científica.

Julgamos dispensável deixar de indicar a freqüência com que os ar-

gumentos aparecem no total dos textos analisados. Quando cabe, fazemos

apenas as referências obrigatórias com relação à ênfase que o argumento

tem nos textos jornalísticos analisados.

Apoiamo-nos, em quase totalidade, nos escritos esparsos produzidos

a partir dos anos 40 por José Reis, em especial naqueles que especifica-

mente têm por tema central a questão da divulgação da Ciência e o Jorna-

lismo Científico.

José Reis, que no momento de conclusão da dissertação (março de

96) continua em atividade regular, mantendo uma coluna semanal no jornal

Folha de S. Paulo (Periscópio), publicada aos domingos, é o autor brasileiro

que mais consistentemente tem oferecido os elementos que tentam confor-

mar a prática do Jornalismo Científico, simultaneamente ao seu mister de

divulgador da Ciência, iniciado nos anos 40.

O idealismo de um Jornalismo Científico sem máculas, capaz de pre-

encher objetivos nobres de obter apoio para a Ciência, atrair novos valores

humanos e ser o instrumento de partilha entre o conhecimento dos cientistas

e a sociedade95são parte do ideário recomendado mas o próprio J. Reis co-

loca em discussão outros aspectos.

“Bem poderíamos agora virar o que dissemos e procurar ver de ân-

gulo totalmente diverso, menos idealista e aparentemente mais racional,

[grifo nosso] essa questão do porquê da divulgação. Um cético poria de lado

todos os argumentos acima expedidos e pintaria este outro quadro: à medida

95- REIS, J. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962.

Page 163: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

163

que a sociedade progride, e que o faz naturalmente à custa do esforço cientí-

fico (ainda que nem sempre percebido de maneira clara), desenvolve-se a

necessidade de comunicação científica, porque os fatos da ciência passam a

ser os que mais freqüentemente se deparam aos cidadãos e entram a condi-

cionar-lhes o comportamento e a exigir-lhes decisões.”96

Assim, a crescente divulgação da Ciência teria outro eixo motivador:

a própria sociedade, exigindo constantemente explicações para tentar enten-

der o mundo cada vez mais complexo.

Continua José Reis: “Quer se aceite esta última interpretação, basea-

da por assim dizer nos instintos e no desenvolvimento normal das necessi-

dades da coletividade, quer se prefiram as primeiras explicações por assim

dizer idealistas, em que se admite que as coisas se fazem premeditadamente

para atender a um certo fim, em que se reconhecem objetivos e se procura

acudir a eles, ou mesmo criá-los tendo em vista determinados bens, que

ainda não se patentearam, não será difícil conciliar todas elas...[grifo nos-

so]”97

Como se vê, há aqui duas posições antagônicas, porém não irrecon-

ciliáveis, como deduz José Reis. De um lado, os defensores da Ciência e da

Tecnologia - muito próximos, por sinal, de uma atitude que poderia ser con-

siderada Positivista - entendem que a divulgação deve se fazer a partir de

uma visão interior (interesse próprio, formação de novos recursos humanos

e desejo de partilhar conhecimentos). De outro, a própria sociedade vê-se na

contingência de exigir informação em face de a Ciência ser cada vez mais a

condicionadora do comportamento coletivo e importante para a tomada de

decisões.

Tais aspectos, contudo, não nos oferecem ainda a condição de verifi-

car, nos textos publicados, a eventual correspondência aludida em nossa

96- Opus cit. p. 229.

Page 164: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

164

Hipótese nº 1. Entretanto, eles nos alertam para a necessidade de abandonar

uma visão de certo modo predominante nas análises sobre o Jornalismo Ci-

entífico - excessivamente motivada por um exagerado purismo, fundamen-

tado em pelo menos três vetores, a saber:

1) Visão predominantemente utilitarista da Ciência, à qual caberia dar

respostas para todos os questionamentos e angústias humanas;

2) Visão excessivamente idílica dos cientistas, idealizados como se-

res superiores, desprovidos da emoção humana, incapazes de se meter nas

mazelas cotidianas quando imersos em suas pesquisas;

3) Visão de que a Ciência corresponde ao ideal de certeza absoluta,

correspondente ao ideário Positivista, não se admitindo o improvável e o

discurso claudicante.

Ora, o noticiário sobre a fusão a frio rompe com tudo isto, à medida

em que coloca publicamente aspectos que - de fato - ocorrem no mundo

acadêmico, movimentado por homens iguais aos seus semelhantes, investi-

dos de regras, métodos, conhecimentos, técnicas, criatividade, recursos, mas

também acossados por ciúmes, dúvidas, angústias, pressões de todo tipo

(eventualmente vindas da própria Imprensa...).

Nesse sentido, uma leitura menos apaixonada e mais atenta da lite-

ratura que tenta estabelecer os contornos da prática do Jornalismo Científico

dará as pistas fundamentais para tentar verificar quais argumentos foram

utilizados na divulgação pública do episódio da fusão a frio, em 1989. Em

outros termos, acreditamos que uma crítica mais fundamentada ao Jornalis-

mo Científico não pode abstrair, pelo menos, o modo como se produz Jor-

nalismo e o fato de que, no caso específico do Jornalismo Científico, há a

agregação de algumas recomendações específicas.

97- Opus cit. p. 229.

Page 165: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

165

Os argumentos identificados nos textos analisados serão apresentados

sem uma ordem de precedência que lhes daria, por assim dizer, maior im-

portância dentre os demais. Eles foram garimpados na leitura necessária à

pesquisa e, a partir da identificação e compreensão, buscamos comprovar

sua aceitação, representada pelo uso concreto na formatação do texto jorna-

lístico.

Além de José Reis, fonte obrigatória de consulta para estudos sobre

Jornalismo Científico no Brasil, buscamos referências em pelo menos dois

outros autores: Manuel Calvo Hernando, já mencionado nesta dissertação, e

Warren Burkett.

Tais escolhas não são aleatórias. José Reis, como já dissemos, é o

autor brasileiro de referência obrigatória na área, mercê do trabalho que

empreende há quase meio século; Calvo Hernando, em língua espanhola,

tem produzido sistematicamente informações que procuram refletir sobre o

Jornalismo Científico; Warren Burkett98 produziu um livro típico de orien-

tação para o trabalho, que oferece bastante material de reflexão para jorna-

listas especializados na cobertura de Ciência e Tecnologia.

As citações textuais, estas sim, se apresentam sempre em caráter cro-

nológico, a partir de 24 de março e encerrando-se em 30 de junho. Esta da-

tação visa a oferecer a possibilidade de compreender quando determinados

argumentos surgem no noticiário. Mas, do ponto de vista de nosso trabalho,

tal aspecto não tem significação especial.

A razão está no fato de que estamos observando um conjunto de ma-

térias jornalísticas, publicadas num dado tempo, condição fundamental para

98- O livro de Burkett ganhou importância, além do seu conteúdo pragmático, pelo fato

de ter sido colocado à disposição em língua portuguesa (fato raro em se tratando de literatura

especializada em Jornalismo Científico, filão que ainda não mereceu a devida atenção dos edito-

res brasileiros), mas, infelizmente, a edição é bastante descuidada, com evidentes tropeços de

tradução e editoração.

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166

permitir eventualmente o preenchimento daqueles requisitos colocados

como inerentes ao Jornalismo Científico.

Sobre isto, compartilhamos plenamente da seguinte tese:

“Dada a escassez de tempo real [grifo do Autor] - período do tempo

absoluto dedicado ao programa jornalístico menos as manchetes, a redun-

dância pleonástica (aquela que ultrapassa as necessidades dos efeitos de

memorização da fala) e o consumido pelas inserções de propaganda e publi-

cidade - a notícia é divulgada de forma a conter apenas indicações incom-

pletas do fato, que só se aclara para o grande público após sucessivas ver-

sões. [grifo nosso]”99

Obviamente, quem apenas leu as notícias do dia 24 de março de 1989

sobre a fusão a frio terá uma referência incompleta sobre o fato, em todos

os seus desdobramentos que irão aparecer somente nos dias subseqüentes,

neste processo de “informação a conta-gotas”100, que gera uma crítica muito

recorrente na análise sobre o Jornalismo e, em especial sobre o Jornalismo

Científico, isto é, a fragmentação em excesso do fato reportado.

Indo mais adiante neste aspecto, que julgamos relevante para a com-

preensão do nosso estudo e das suas conseqüentes conclusões, recorremos

ainda a BORIN e “à hipótese de que a verdade objetiva dos fatos não chega

ao grande público de forma transparente, logo nas primeiras versões do

evento noticiado. Pelo contrário, sua clareza só aparece para esse público

após sucessivas versões, boatos e análises parciais.”101

Ainda segundo este Autor, “Essas versões vão se complementando de

acordo com a dimensão do evento coberto ou conforme o grau de interesse

99- BORIN, Jair. A notícia e suas versões, no espaço e no tempo dos grupos de pressão

(de rabo preso com a classe dominante). São Paulo: ECA/USP, novembro de 1987, 246 p. (Tese

de Doutoramento).

100- Opus cit. p. 29.

101- Opus cit. p. 30.

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167

suscitado. E só ao final de um determinado período, quando, se não todas,

pelo menos grande parte das fontes envolvidas na questão apresentam suas

versões, tem-se um quadro mais próximo da verdade objetiva do aconteci-

mento.”102

A fusão a frio, episódio essencialmente científico tratado escancara-

damente diante do público tendo a Imprensa como mediadora, reveste-se de

tantas e intricadas características correspondentes a outro aspecto para o

qual BORIN chama a atenção:

“Na realidade, quanto mais complexo o assunto abrangido pelo noti-

ciário, mais versões e maior número de interpretações ele gera, de modo que

a transparência sobre o assunto noticiado só chega ao grande público após

um certo número de versões.”103

Circunstancialmente, anotamos uma observação encontrada num dos

textos produzidos por REIS, nos quais buscávamos os informes para identi-

ficar os contornos da prática recomendada ao Jornalismo Científico: “(...) É

que no periódico popular o erro se corrige no dia imediato, logo esquecendo

o público, hoje, com a nova leva de informação, o que leu ontem.”104

Consideramos importante, igualmente, que a manchete é altamente

indutiva à formação de um juízo por parte do leitor mais apressado. Ocu-

pando um lugar claramente demarcado no texto jornalístico, a manchete,

juntamente com o lead, “funcionam juntos como um sumário do discurso da

notícia”105.

BORIN também chama a atenção para a importância da manchete ao

dizer que “Cumpre destacar que a manchete do fato acaba se tornando sua

102- Opus cit. p. 64.

103- Opus cit. p. 135.

104- REIS, José. Ciência e jornalismo. Ciência e Cultura, fevereiro, 1972, p. 137.

105- DIJK, Teun A. van. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1992, p

146.

Page 168: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

168

parte substantiva, daí a importância que ela tem como instrumento de in-

formação. Por isso ela é tão manipulada, ocorrendo, não raro, contradições

marcantes entre o que ela afirma e o texto da notícia.”106

De fato, se considerarmos apenas as manchetes relacionadas com a

narrativa do episódio da fusão a frio e abstrairmos por completo os relatos

jornalísticos que lhe dão continuidade, poderemos ter uma impressão bas-

tante equivocada dos acontecimentos.

Antes de prosseguirmos em direção à análise propriamente dita con-

sideramos oportuno comentar as eventuais semelhanças entre nossa pro-

posta de pesquisa e dois trabalhos anteriores (BUENO, 1985;

ADEODATO, 1987).

O primeiro comentário é sobre a tese de Doutoramento de

BUENO107, já referenciada nesta dissertação, cuja intenção está claramente

explicitada na página 3, da seguinte forma: “Nosso trabalho tem como pro-

posta básica avaliar a teoria e a prática do Jornalismo Científico em nosso

País...”

Este intento irá se concretizar, primeiro com a tentativa de conceitua-

ção [grifo nosso] do Jornalismo Científico e a conseqüente intervenção do

Autor nesta operação, pois “a tarefa não se mostrou fácil, visto que a biblio-

grafia brasileira e internacional nesta área está orientada antes para aspectos

técnico-operacionais do que para a dimensão taxionômica.”108

O confronto entre a teoria e a prática feita por BUENO ocorreu me-

diante a análise de material localizado em três situações distintas: “1º) aná-

lise extensiva da divulgação de ciência e tecnologia pela imprensa; 2º) aná-

lise da cobertura dada pelos jornais à reunião anual da Sociedade Brasileira

106- BORIN, Jair. Opus cit. p. 30.

107- BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico no Brasil - os compromissos de

uma prática dependente. São Paulo: ECA/USP, 1985.

108- Opus cit. p. 3.

Page 169: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

169

para o Progresso da Ciência, com certeza o nosso mais importante evento

científico; e 3º) análise da cobertura de alguns fatos científicos ocorridos no

período em que se efetuou a pesquisa.”

Está evidente, portanto, que a observação de correspondência alme-

jada na tese mencionada tinha propósito de correlacionar prática (concreti-

zada em material publicado em jornais e revistas) com teoria, integrada por

conceitos.

Em nosso entendimento, no caso da tese de BUENO a palavra-chave

é conceito, uma categoria que o Autor irá procurar construir, como admite,

e a partir da qual, nos textos que analisou, irá verificar até que ponto, em

suas múltiplas vertentes, o mesmo se encontra manifestado.

ADEODATO109também desenvolve uma “proposta de analisar o con-

ceito [grifo nosso] de Jornalismo Científico comparando os enunciados teó-

ricos com a realidade prática.”

Em trabalho destinado a apresentação no II Seminário Brasileiro de

Divulgação Científica, incluso no 10º Congresso da INTERCOM, em 1987,

diz o Autor: “A tarefa de conceituar Jornalismo Científico transcende à aná-

lise das características e questões internas do jornalismo. Para se entender

de forma mais real, abrangente e perspectiva o que é Jornalismo Científico,

torna-se necessário relacionar suas características essenciais, sua metodolo-

gia de trabalho e suas funções com o ambiente sócio-econômico-cultural no

qual ele está inserido.”110

A intenção do estudo de ADEODATO é de certo modo idêntica a de

BUENO, e o recurso para análise é o mesmo: textos jornalísticos publicados

em jornal, nos quais se busca encontrar ressonância com os conceitos do

Jornalismo Científico.

109- ADEODATO, Sérgio. O conceito de Jornalismo Científico - teoria e prática. Rio de

Janeiro: 1987. 71 p. (mim.).

110- Opus cit. p. 3.

Page 170: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

170

Em nossa dissertação, observe-se que estabelecemos como ponto ful-

cral a expressão “práxis”, no sentido etimológico que esta tem, a saber:

“Etimologicamente (do grego praksis [práxis], do verbo prasso, atuar), a

palavra prática (originalmente adjetivo de práxis) significa toda atividade

humana concreta, e tem por antônimo o termo teoria, que exprime uma au-

sência de atividade, i. e., uma abstração.”111

Entendemos, pois, que nossa busca é diferente da empreendida pelos

dois Autores aqui mencionados. As recomendações que extraímos da lite-

ratura como adequadas ao Jornalismo Científico estão, por pressuposto, in-

clusas num sistema conceitual ou teórico que procuraria dar conta das fun-

ções desta área do Jornalismo. Estamos essencialmente preocupados em

verificar o fazer jornalístico.

Em nossa visão, a práxis - que encontra respaldo na correta aplicação

do termo, como se demonstra com a explicação etimológica - corresponde a

uma atitude concreta do que poderíamos chamar, se quiséssemos, normas

gerais aplicáveis ao Jornalismo Científico.

Evidentemente, a simples aplicação de uma norma não significa que

está sanado o problema eventual de uma elaboração inadequada de texto,

com as conseqüências daí provenientes. Se fosse intenção, nesta disserta-

ção, empreender outro tipo de análise, certamente constataríamos impro-

priedades cometidas na elaboração dos textos que, aos olhos de certa linha

de crítica, maculam o Jornalismo Científico.

De qualquer modo, se considerarmos as normas recomendadas como

um parâmetro efetivo para formar um juízo calcado em pressuposto adre-

demente informado, sem dúvida estamos diante de um modelo experimental

que julgamos válido para refletir sobre o comprometimento ou não do Jor-

nalismo Científico com a base de sustentação que lhe dá contornos específi-

111- Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV e MEC, 1987. p. 957, verbete

Práxis (Praxis).

Page 171: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

171

cos e diferenciados perante outras áreas de especialização jornalística.

Neste sentido, parece-nos que a reflexão repousa numa base criterio-

sa, e abre perspectiva para um aprofundamento, no sentido de criar as con-

dições mais condizentes para o aprimoramento da atividade jornalística di-

recionada para a cobertura de fatos científicos.

3.2 - Análise Qualitativa

Tendo em conta todos os pressupostos enunciados, em seguida da-

mos consecução ao objetivo de tentar encontrar os argumentos utilizados na

prática jornalística voltada para a cobertura de Ciência e Tecnologia e sua

eventual utilização em textos publicados nos jornais já aludidos.

Foram identificados quatro referências, recomendadas como adequa-

das na elaboração de textos jornalísticos voltados para assuntos de Ciência e

Tecnologia, consolidadas a partir da literatura consultada, e que denomina-

dos de argumentos. Pela ordem em que serão comentados, são os seguintes:

3.2.1 - Relação Ciência / Aplicação

3.2.2 - Observância ao Ritual Científico

3.2.3 - Contextualização do Fato

3.2.4 - Uso de Analogias

Além dessas recomendações, para as quais, concretamente, encon-

tramos referências explícitas nos Autores que delineiam a prática do Jorna-

lismo Científico, identificamos mais um (3.2.5 - Descrições de Métodos e

Processos) que, somado àqueles quatro anteriormente citados, formam o

conjunto de argumentos com os quais o fato científico “fusão a frio” foi

Page 172: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

172

exaustivamente mostrado ao público leigo, nas sucessivas edições dos qua-

tro jornais brasileiros estudados.

Em nível detalhado, vejamos como este argumentos são utilizados

nos textos sobre fusão a frio encontrados no período de 24 de março a 30 de

junho de 1989.

3.2.1. Relação da Ciência com as Aplicações

Uma das características da cobertura jornalística é que a atividade ci-

entífica só passa a interessar mais concretamente se for associada uma utili-

dade prática, de alcance previsível (quando não imediato...) para a socieda-

de. É clássica a pergunta “Para que serve isto?”, feita pelos repórteres sem-

pre que estão diante de um entrevistado num centro de pesquisas.

Não é de estranhar, no episódio da fusão a frio, que o próprio release

inicial produzido pela Universidade de Utah tenha, já na manchete, feito

esta vinculação, imediatamente incorporada ao noticiário, em todo o mundo,

despertando o interesse por parte da Imprensa.

Registre-se que Pons e Fleischmann, os dois “pais” da proposta, tra-

balhavam no tema há pelo menos cinco anos e não se conhece registro de

algum interesse precedente pelo trabalho da dupla neste ramo de pesquisa,

antes que o assunto eclodisse nos moldes verificados, quando o vínculo en-

tre o conhecimento e sua utilidade foi o mote adotado universalmente.

A vinculação entre conhecimento acumulado com base nos cânones

aceitos pela Ciência e sua eventual aplicação para o desenvolvimento de

tecnologias relacionadas ao bem estar é, sem dúvida, a forma pela qual se

procura justificar porque enormes somas de recursos financeiros devem ser

aplicadas para a manutenção de organismos de pesquisa.

Esta vinculação - Ciência / Aplicação - é uma das recomendações re-

correntes indicadas para a elaboração do texto jornalístico. REIS propõe: “A

Page 173: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

173

informação pura e simples adianta pouco; torna-se preciso situá-la, relacio-

ná-la, de modo que se possa compreender o seu sentido e o seu valor. [grifo

nosso]”112

Esta é uma tarefa complicada, pois segundo ainda REIS, “É difícil

dar ao público uma noção profunda das muitas conexões entre os fatos ci-

entíficos e as aplicações desses fatos.”113

Dez anos depois, em outro artigo, REIS bate na mesma tecla ao es-

crever: “Impossível é dissociar da informação científica a preocupação com

suas possíveis implicações de toda ordem, o que justifica o empenho do

divulgador em ventilar questões que digam respeito à comunidade servida

pelo jornal. [grifo nosso]”114

Em HERNANDO também encontramos indicações de que o vínculo

entre a pesquisa e sua utilização deve se constituir numa das preocupações

do Jornalismo Científico.

“Para a reportagem aprofundada [em contraposição à reportagem su-

perficial, na ótica do Autor] é necessário (...) explorar o que poderá resultar

deles no futuro...”115

Ainda segundo o pesquisador espanhol “(...) É forçoso que [o jorna-

lismo] explique, que precise, que aclare, o sentido e os antecedentes e as

conseqüências de uma descoberta. [grifo nosso]”116

BURKETT dá a seguinte orientação: “...escreva explicitamente, dê

exemplos de aplicações práticas...”117

112- REIS, José. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962, p. 232.

113- REIS, José. Limitações da divulgação científica. Anhembi, maio, 1957, p. 606.

114- REIS, José. Divulgação científica. Ciência e Cultura, dezembro, 1967, p. 698.

115- HERNANDO, M. Calvo. El periodismo científico; misiones y objetivos. Barcelona:

Ed. Mitre, 1982. p. 89.

116- HERNANDO, M. Calvo. Ciência y periodismo. Barcelona: CEFI, 1990, p. 127.

Page 174: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

174

Como já vimos, a partir do mote incluído no próprio release da Uni-

versidade de Utah, a Imprensa rapidamente incorporou o vínculo da pesqui-

sa de Fleischmann e Pons com a possibilidade de a mesma vir a significar

uma alternativa para pôr fim ao tormento da escassez de recursos energéti-

cos.

Energia é a palavra-chave, e não poderia haver apelo maior. Sem

energia, não haveria a vida na Terra. O Sol, a estrela mais próxima dos seres

humanos, sempre foi reverenciado, sob diversas formas simbólicas, desde

antigas civilizações até os tempos hodiernos, exatamente por ser a fonte de

vida na Terra.

Por outro lado, não há nenhum embuste nesta associação. De fato, as

pesquisas convencionais com fusão nuclear, que usam reatores visando criar

as pressões e as temperaturas necessárias para reproduzir o mesmo processo

que ocorre no interior das estrelas, têm a ambição de obter energia para

aplicação.

Em entrevistas que realizamos com pesquisadores, em busca de sub-

sídios para a dissertação, evidenciou-se que esta motivação impulsionou a

realização da experiência e, de certo modo, a justificou.

Os textos que analisamos mostram que o vínculo da pesquisa com

sua utilidade prática foi exaustivamente utilizado, com as seguintes caracte-

rísticas:

A) Primeiro, esta possível utilização é colocada no condicional. No

Jornalismo, o uso do verbo no condicional não é exatamente o mais usual.

O comum é a forma imperativa, sobretudo nas manchetes.

117- BURKETT, Warren. Jornalismo Científico - Como escrever sobre ciência, medicina

e alta tecnologia para os meios de comunicação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, s. d.

p.123.

Page 175: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

175

Exemplos desta situação confirmam que, desde o primeiro momento

houve cautela, quer seja por parte do texto de responsabilidade do jornal,

em si, ou por parte de fontes ouvidas sobre o assunto.

(Se confirmada, a descoberta de Pons e Fleischmann revoluciona o

campo da fusão nuclear) - FSP, 25.março.

(A fusão [a frio] abriria caminho, por exemplo, para a transformação

de água em combustível, criando assim uma energia barata, limpa e segura.)

- JB, 25.março.

(Se os resultados forem confirmados, uma nova era de produção de

energia elétrica barata estará começando...) - FSP, 1.abril.

(Esse resultado, se confirmado, é um extraordinário avanço.) -

OESP, 1.abril.

(Se for verdadeira, a descoberta poderá dar toda a energia de que a

humanidade precisa.) - OESP, 9.abril.

(Se for confirmada a fusão nuclear a frio, poderá estar mais próxima

a conquista de uma fonte limpa e inesgotável de energia.) - FSP, 18.abril.

(...se os resultados forem confirmados, trata-se de uma das maiores

descobertas científicas do século e poderá revolucionar a produção de ener-

gia.) - OESP, 18.abril.

Evidenciando que a cautela não é uma regra seguida com precisão,

encontramos também textos como o seguinte:

(A chamada fusão nuclear a frio é uma forma limpa de gerar energia

que, ao contrário da fusão nuclear, não provoca poluição nem apresenta

riscos.) - O Globo, 15.abril.

O texto avança ao usar o verbo de forma afirmativa e, por conse-

guinte, foge ao tom geral que o noticiário vinha mantendo sobre o assunto,

inclusive o jornal mencionado.

Page 176: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

176

B) O vínculo da pesquisa com sua aplicação realçou as vantagens

comparativas entre esta linha de pesquisa, cujos expoentes passaram a ser

Fleischmann e Pons, e a outra, que já conta com pelo menos quatro décadas

de trabalho, a da fusão nuclear controlada provocada por pressão e alta

temperatura.

A comparação ocorrerá, de igual forma, com fontes convencionais de

geração de energia, em especial aquelas que produzem rejeitos indesejáveis

ao meio ambiente, como é o caso, por exemplo, das usinas nucleares que

produzem energia mediante fissão.

(“Se essa fusão a frio funcionar, teremos então uma fonte de energia

limpa, que pode, sozinha, substituir todas as outras, acabando com o efeito

estufa, a poluição do ar e o smog, além de baratear os custos em geral”) -

Isaac Asimov. OESP, 9.abril.

(Ainda há dúvidas sobre o real valor prático da experiência de Fleis-

chmann e Pons. Mas, se isto se confirmar, significará a redenção energética

do mundo - pois será possível obter energia de uma fonte praticamente

inesgotável (a água do mar, por exemplo), sem a radioatividade das usinas

nucleares convencionais.) - JB, 9.abril.

(A experiência de Utah repercutiu muito - usa água como matéria-

prima - o que significaria a solução para o abastecimento energético do pla-

neta.) - FSP, 11.abril.

(Ao contrário do sistema de fissão usado nas centrais atômicas de

hoje em dia, o novo processo não causaria radioatividade ou qualquer for-

ma de poluição e teria custos baixíssimos, tornando-se uma fonte inesgotá-

vel de energia.) - JB, 11.abril.

(A “fusão fria” provocou tanto interesse porque a eletrólise (decom-

posição por corrente elétrica) da água pesada seria uma fonte inesgotável e

limpa de energia (há uma parte de água pesada em cada seis mil partes de

água do mar)) - FSP, 15.abril.

Page 177: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

177

Os dois textos sublinhados, respectivamente da FSP de 11 e 15 de

abril, tipificam exatamente a situação comentada em trecho anterior desta

dissertação, conforme BORIN. O leitor que fez apenas a primeira leitura

poderá deduzir que, tal como se apresenta na natureza, a água é uma das

matérias-primas necessárias à fusão nos termos anunciados por Fleischmann

e Pons. Na verdade, somente com a leitura continuada o leitor ficará saben-

do que o primeiro texto, na verdade, simplifica ao extremo, ao afirmar o

aproveitamento da água como matéria-prima.

Trata-se de uma verdade parcial, pois a transformação da água em

água pesada (na qual, em vez de hidrogênio, há a substituição por deutério)

requer tecnologia especial, motivo inclusive de embargos internacionais,

visto que a mesma é necessária para desenvolvimentos nucleares de interes-

se militar. O argumento é válido, mas a simplificação aqui demonstrada

evidencia um tipo de reducionismo ou fragmentação muito comum na Im-

prensa, em que se toma o todo como a parte efetivamente útil ao processo

de fusão em temperatura ambiente. Esta redução acaba fortalecendo a idéia

de simplicidade que não corresponde, efetivamente, à complexidade do pro-

cesso e corrobora a crença na capacidade científica e tecnológica de produ-

zir soluções rápidas e descomplicadas.

(A fusão nuclear permitiria motores muito mais compactos do que os

existentes atualmente e não produziria nenhum tipo de poluição - seja a

fumaça das usinas termelétricas a carvão, seja o lixo radiativo das usinas

nucleares convencionais.) - JB, 16.abril.

(Um estudo do Massachusetts Institute of Technology estima que,

usando-se um suprimento de deutério extraído de uma quantidade de água

do mar equivalente à superfície do lago Michigan - algo como 14 vezes o

lago da hidrelétrica brasileira de Sobradinho - a fusão nuclear poderia suprir

toda a demanda de energia dos Estados Unidos nos próximos 15 mil anos.) -

JB, 16.abril.

Page 178: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

178

(Se a fusão puder ser aproveitada comercialmente acredita-se que o

processo um dia poderá acabar com o uso de combustíveis fósseis e também

com a fissão nuclear, a qual é derivada do fracionamento de átomos de urâ-

nio ou de plutônio.) - O Globo, 18.abril.

(- A descoberta que fizemos sem dúvida tem grandes e profundas im-

plicações sociais, já que poderá levar o Mundo a ter uma fonte praticamente

ilimitada de energia, já que ele [sic] é feita à base de deutério, que é um

elemento encontrado nos oceanos e nos lagos - frisou Fleischmann, com

visível orgulho.) - O Globo, 27.abril.

Esta declaração de Fleischmann ocorreu numa audiência pública no

Congresso norte-americano, no contexto da pressão feita pela Universidade

de Utah para levantar verbas destinadas à pesquisa nesta área. Quando com-

parada com a declaração do mesmo Fleischmann contida no release distri-

buído na entrevista de 23 de março, mostra indícios de que o cientista usou

um tom mais adequado ao público-alvo, no ambiente político. No release,

Fleischmann assim se expressa: “O que nós fizemos foi apenas abrir as

portas para uma nova área de pesquisa”.

C) Encontramos também um terceiro tipo de citação que procura es-

tabelecer vínculo entre a experiência em bancada de teste e a aplicação futu-

ra, feita com base num critério de cautela mais apropriado, como nos se-

guintes exemplos:

(“As aplicações econômicas ainda estão muito distantes. Muitos me-

canismos químicos e físicos do processo ainda precisam ser esclarecidos”,

afirmou [o pesquisador Runar Kuzmin, da Faculdade de Física da Universi-

dade de Moscou].) - FSP, 13.abril.

(Mas nada disso é para amanhã. Humberto Brandi calcula que serão

necessários de 20 a 30 anos para desenvolver uma tecnologia baseada na

fusão nuclear, mesmo que se comprove que a experiência de Fleischmann e

Page 179: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

179

Pons realmente envolve uma reação de fusão. O mundo da fusão nuclear

não entrará no dia-a-dia do homem comum antes do ano 2010.) - JB,

16.abril.

(“O caminho da fusão sustentável, de um tubo de ensaio até usinas

comercialmente viáveis, está lotado de desafios de engenharia, para ampliar

a escala, assim como de química e física básicas”, afirmou [David] Pershing

[Diretor do Departamento de Engenharia Química da Universidade de

Utah].) - FSP, 21.abril.

3.2.2. Observância ao Ritual Científico

Conforme abordamos no Capítulo 1, entretítulo 1.3 - Comunicação

Científica, constitui parte intrínseca da atividade científica a produção do-

cumental, com vistas à apreciação interna pela comunidade científica. A

produção e a citação de papers é ainda um dos instrumentos para aferir a

produtividade do pesquisador em todo o mundo.

O episódio da fusão a frio provocou perplexidade na comunidade ci-

entífica também pelo inusitado modo escolhido para a comunicação oficial

da pesquisa: uma entrevista coletiva à Imprensa, adredemente preparada

com a convocação dos repórteres e a redação de um release. Em suma, foi

por meio da Imprensa que os cientistas souberam da novidade e isto provo-

cou comentários como o da Revista Nature, na edição de 13 de abril de

1989, quando reprova que assuntos científicos estivessem sendo tratados

pela imprensa leiga.

Essa peculiaridade iria ser motivo de comentários trazidos ao conhe-

cimento público, reveladores de um aspecto dos bastidores da Ciência,

como se observa, por exemplo, nos seguintes textos:

(O físico Bruno Coppi, professor do Massachussets Institute of Te-

chnology, estranhou que os químicos tenham divulgado seus estudos pri-

Page 180: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

180

meiro na imprensa leiga, antes de submetê-los ao exame da comunidade

acadêmica.) - JB, 25.março.

(O alvoroço causado na Comunidade de físicos pelo anúncio da des-

coberta da “fusão fria”controlada foi tamanho que atropelou o método tra-

dicional de divulgação de novidades científicas, os artigos (papers) em re-

vistas especializadas. Houve mesmo quebra de etiquetas. A praxe dos pes-

quisadores é só comentar os resultados depois da publicação.) - FSP,

7.abril.

(Os editores da Nature elogiaram a cobertura “alerta”da imprensa não

especializada, mas disseram que há motivo de alarme ‘quando cientistas

começam a ler sobre as descobertas de seus colegas em colunas de jornais.)

- FSP, 7.abril.

(A enorme curiosidade da comunidade científica se deve ao fato de a

dupla ter violado os rituais de publicação de obras originais - eles deram um

resumo dos resultados no jornal financeiro britânico, Financial Times, em

vez de usar as revistas científicas.) - OESP, 7.abril.

(Não espanta, assim, que a primeira reação de muitos físicos tenha

sido ridicularizar a experiência de Stanley Pons e Martin Fleischmann.

Além de serem químicos e trabalharem em universidades pouco conhecidas,

Utah e Southampton, eles desprezaram os rituais do mundo acadêmico, di-

vulgando a notícia primeiro na imprensa leiga.) - JB, 16.abril.

(O fato de eles terem revelado a novidade através da uma entrevista

coletiva à imprensa e não, como é praxe, através dos canais acadêmicos, é

outro fator que reforça a incredulidade.) - O Globo, 16.abril.

(A comunidade científica reagiu mal ao fato de os pesquisadores te-

rem apresentado resultados preliminares à imprensa antes de fazê-lo em pu-

blicações especializadas, o procedimento normal.) - FSP, 27.abril.

Defendendo-se de terem sido precipitados, os promotores da entre-

vista coletiva alegaram que Fleischmann e Pons haviam enviado um artigo

Page 181: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

181

para o Journal of Electroanalitical Chemistry118 e que isto era suficiente

para liberar o assunto de maneira pública. Em artigo que escreveu dois anos

após o episódio, a responsável pelo Serviço de Relações Públicas da Uni-

versidade de Utah, Pamela Fogle, utiliza este argumento, dentre outros, para

justificar a convocação da entrevista coletiva. Ela não cita a Revista Nature,

à qual os pesquisadores também teriam enviado um outro artigo.119

A questão é que o envio de um artigo a um periódico científico não

significa, automaticamente, a aceitação e a posterior publicação, que carac-

terizam o atestado inequívoco reconhecido universalmente pela comunidade

científica.

Se para os cientistas diminui-se o valor da informação pela circuns-

tância dela ter sido veiculada na Imprensa leiga, sob o ponto de vista de

REIS os próprios jornalistas deveriam ter redobrada cautela ao tomarem

conhecimento de um fato científico que ainda não obteve o nihil obstat,

com a publicação em periódico especializado.

Esse tópico - divulgação ou não antes da publicação científica - apa-

rece em 1958, num texto no qual se debate a divulgação de uma notícia so-

bre a cura do câncer. Escreveu REIS: “Há um ponto fraco em toda essa

história: é a divulgação dos resultados, em termos um tanto vagos, pela im-

prensa leiga antes de terem as experiências sido submetidas à crítica dos

especialistas.”120

Esta mesma questão aparece alguns meses depois, em outro artigo de

REIS: “Certos jornais fazem de experiências ainda mal apuradas assunto

118- O artigo foi publicado como Nota Preliminar (Preliminary note) em J. Electroanal.

Chem., 261 (1989) 301-308, sob o título “Electrochemically induced nuclear fusion of deuterium.

Foi recebido em 13 de março de 1989 e revisado em 22 de março.

119- FOGLE, Pamela. Cold Confusion. Currents, p. 24-27. April 1991.

120- Publicidade em torno do câncer. Anhembi, janeiro, 1958, p. 369. O texto é de J. Reis

mas não tem assinatura.

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182

para manchete, projetando muitas vezes de maneira inoportuna resultados

que não são verdadeiros...”121

Quebrar a praxe universalmente aceita pelos cientistas não é uma no-

vidade. Pons e Fleischmann não foram pioneiros nesta situação. Em texto

escrito por REIS encontramos: “Provocou celeuma nos Estados Unidos a

larga divulgação, por eminente biologista molecular, de importantes desco-

bertas antes de comunicadas aos círculos especializados. Neste caso, a ati-

tude do cientista tinha o propósito de ganhar a atenção dos responsáveis

pelo orçamento público para o apoio à ciência pura, ameaçada, segundo

muitos, pelo desvio de verbas para projetos de estrito interesse tecnológico

militar.”122 Estaríamos aqui diante de um caso típico em que os fins justifi-

cam os meios.

Essa regra universal parece interessar unicamente aos cientistas, que

dão continuidade a uma tradição incorporada ao status da própria Ciência,

do que aos jornalistas. Não serão estes que deixarão de divulgar um fato

relevante apenas porque o mesmo ainda não foi oficialmente comunicado

sob a forma de um texto científico.

A exigência de tal requisito seria no mínimo autoritária e cerceadora

de direito à informação, contrariando um princípio basilar da Imprensa. Por

outro lado, sujeita a própria Imprensa a cercar-se de maior rigor na apura-

ção. Podemos, axiomaticamente, aceitar que se é verdade que a submissão,

aprovação e publicação de um trabalho científico não é garantia absoluta de

que ele está correto (quer em sua formulação, quer em suas conclusões),

também é verdade que um cientista inescrupuloso, visando determinados

fins, pode mais facilmente convencer a Imprensa com seus argumentos do

que aos seus próprios pares.

121- REIS, J. Imprensa e ciência. Anhembi, junho, 1958. p. 164.

122- REIS, J. Ciência e jornalismo. Ciência e Cultura, fevereiro, 1972. p. 131.

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183

À rigor, sobre esta questão não há objetivamente uma recomendação

única quanto ao que se considera como comportamento adequado à Impren-

sa. Vejamos, por oportuno, duas opiniões de REIS, que julgamos contradi-

tórias.

Em 1954, na revista Ciência e Cultura, encontramos o seguinte texto:

“Quando o jornalista divulga com alarde, e como se estivessem plenamente

comprovados, espetaculares resultados de experiências ainda não suficien-

temente controladas, ou teorias sem base, que mais tarde se esboroam como

castelos de cartas está sem dúvida contribuindo para confundir, na inteli-

gência do público, a ciência com as muitas manifestações da meia-

ciência.”123

Treze anos depois, na mesma revista, outro artigo de REIS faz a se-

guinte consideração: “A divulgação científica procura familiarizar o leitor

com o espírito da ciência. Um dos meios para isto é a explicação, em lin-

guagem acessível ao grande público, dos fatos da ciência à proporção que

eles são obtidos [grifo nosso]; assim o leitor aprecia a ciência como proces-

so pelo qual se produz o conhecimento, a ciência em seu sentido dinâmico e

não como disciplina estática.”124

O tópico aparece novamente num artigo de 1972. Fazendo a distinção

entre Ciência e Jornalismo, REIS explica que este último, diferentemente do

primeiro, busca o sensacional, ainda que perfeitamente documentado. A seu

favor, o jornal pode, na edição seguinte, corrigir um eventual erro cometido

na edição anterior.

Nesta linha de argumentação, REIS declara: “O sensacional e o atua-

líssimo, salvo raríssimas exceções, já referidas [isto é, quando os fins, no-

bres, justificam os meios nem sempre mais adequados, como no exemplo

citado do biologista molecular] jamais autorizaria o afrouxamento da ética

123- REIS, J. Divulgação da ciência. Ciência e Cultura, junho, 1954. p. 60.

Page 184: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

184

científica, adiantando, como verdadeiros, dados sabidamente discutíveis ou

não comunicados antes às sociedades científicas.”125

Tentando estabelecer normas a serem observadas pelo Jornalismo Ci-

entífico, HERNANDO igualmente aborda este tópico, ao comentar: “Os

meios de comunicação se nutrem de notícias. Isto significa dizer que se nu-

trem de fatos extraordinários, anormais, insólitos, fora do habitual. Neste

sentido, uma descoberta científica é uma notícia e nada vale pedir aos meios

de comunicação que, ante estes fatos, observem uma conduta diferente da

que observariam diante de uma catástrofe ou diante da morte de uma perso-

nalidade célebre.”126

É importante verificar que HERNANDO é mais explícito sobre este

tópico, admitindo que o jornalista (provavelmente cumprindo a função de

controle, conforme sua expressão, uma das três que atribui ao profissional

de comunicação na área de Ciência e Tecnologia) tem a obrigação de ante-

cipar-se diante de um fato auspicioso.

Citando TUCHMAN, escreve HERNANDO: “A notícia coordena as

atividades no interior de uma sociedade complexa ao tornar disponível a

todos a informação que, de outra maneira, seria inacessível.”127

E continua o jornalista espanhol, apoiado em TUCHMAN: “Neste

sentido, aplica-se o conceito de notícia como conhecimento, como constru-

ção social da realidade128, tendo em conta que o conhecimento sempre é

124- REIS, J. Divulgação científica. Ciência e Cultura, dezembro, 1967. p. 698.

125- REIS, José. Ciência e jornalismo. Ciência e Cultura, fevereiro, 1972. p. 137.

126- HERNANDO, M. Calvo. El periodismo científico: misiones y objetivos. Barcelona:

Editorial Mitre, 1982. p. 75.

127- HERNANDO, M. Calvo. Ciência y periodismo. Barcelona: CEFI, s.d. p. 97-8. A ci-

tação a TUCHMAN é a seguinte: Tuchman, G.: “La producción de la noticia”. Gustavo Gili.

Barcelona, 1983.

128- Sobre esta questão - a do jornalismo como forma de conhecimento - recomenda-se a

leitura de O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo, de Adelmo Genro

Page 185: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

185

construído socialmente. Fonte de conhecimento, fonte de poder, a notícia é

uma janela para o mundo.”129

Nesta linha de argumentação, HERNANDO coloca o Jornalismo em

posição privilegiada ao admitir: “A notícia científica antecipa o conteúdo do

documento, da conferência ou do livro, em um novo jornalismo não só de

fatos, mas também de idéias e conceitos, através de sistemas de informação

que comunicam as novas hipóteses ou as provas recentes, enquanto se pro-

duzem [grifo nosso].”130

Neste caso específico da fusão a frio, a inexistência do argumento fa-

vorável - o nihil obstat de uma publicação científica - que provavelmente

induziria a Imprensa em direção a uma atitude mais condizente com os pa-

drões usuais do Jornalismo Científico idealista e do agrado dos próprios

cientistas, levou-a a adotar postura de cautela e a transformar esta situação

(a não publicação dos resultados em periódico científico) num episódio

subjacente ao episódio central.

BURKETT131 coloca que é desejável saber do cientista se ele já pro-

duziu um artigo sobre o tópico que está sendo divulgado, se já enviou para

publicação, se já foi aceito etc. E recomenda que os jornalistas façam refe-

rência explícita a isto nos textos.

Sob este aspecto, o leitor não foi iludido no episódio da fusão a frio,

pois várias referências sobre a situação da publicação em periódico científi-

co foram encontradas nos textos analisados, como se demonstrou.

3.2.3. Contextualização do Fato

Filho (Porto Alegre, Ed. Tchê, 1987) e O conhecimento do jornalismo, de Eduardo Meditsch,

Florianópolis, Editora da UFSC, 1992, que exploram especificamente este tema.

129- HERNANDO, M. Calvo. Opus cit. p. 97-98.

130- HERNANDO, M. Calvo. Opus cit. p. 98.

131- BURKETT, Warren. Opus cit. p. 95.

Page 186: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

186

Uma das críticas comuns ao Jornalismo é a excessiva fragmentação

das informações, desvinculando-as de um contexto mais amplo no qual de-

vem ser alocadas para uma compreensão mais adequada. O Jornalismo Ci-

entífico também é alvo deste tipo de crítica porque, ao proceder desta ma-

neira reducionista - e, em especial quando o assunto não tem continuidade -

produz uma informação que seria parcialmente verdadeira.

Ao deslocar a informação de um progresso significativo em determi-

nada área científica do contexto no qual ele está ocorrendo, o texto jorna-

lístico pode estar contribuindo para dar ao público uma idéia errônea da

atividade científica. No caso específico da fusão a frio, por exemplo, não se

tocou na questão da sustentação teórica que prevê a possibilidade de dois

núcleos de átomos se fundirem, num processo conhecido pelos físicos como

“tunelamento”. Ou seja, o que Fleischmann e Pons empreenderam, em nível

experimental, tem respaldo na Física Teórica, aspecto que o noticiário igno-

rou.

Fazer a contextualização não é tarefa trivial. Imagine-se que ao inici-

ar o relato de um jogo de futebol, queira o redator fazer a contextualização

da partida. Bastará ele começar, por exemplo, da seguinte maneira: “Em

partida válida pelo campeonato brasileiro, Santos e Palmeiras jogaram

ontem à noite no Morumbi debaixo de forte chuva que prejudicou o grama-

do.” Pronto, está resolvido o problema.

Agora façamos um esforço para tentar o mesmo relatando um aconte-

cimento como o da fusão a frio com exíguas palavras, como no exemplo

acima dado. Vejamos: “Dois cientistas anunciaram ontem, na Universidade

de Utah, Estados Unidos, que conseguiram realizar em laboratório, sem

usar temperatura elevada, a fusão de núcleos de átomos. O novo tipo de

fusão gerou energia maior do que a necessária para pôr o processo em

andamento e isto é indicativo de que, no futuro, este tipo de energia poderá

Page 187: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

187

ter aproveitamento prático. A pesquisa agora revelada, dos cientistas Mar-

tin Fleischmann e Stanley Pons, faz parte de um esforço que vem sendo re-

alizado desde os anos 50, para dominar a fusão nuclear controlada. En-

tretanto, é uma nova linha de trabalho científico, pois as pesquisas têm se

concentrado na busca de mecanismos capazes de reproduzir o que ocorre

no interior das estrelas, mediante a existência de temperaturas na escala

dos milhões de graus centígrados e elevada pressão atmosférica. A pesqui-

sa anunciada ontem em Utah propõe a realização da fusão nuclear na tem-

peratura ambiente, teoricamente possível, porém nunca tentada nos moldes

que Fleischmann e Pons dizem ter adotado.”

Não é impossível, como se vê, mas exige um pouco mais de espaço

ou tempo e, em especial, necessita de um conhecimento adicional por parte

do jornalista encarregado de reportar o tema. Como ele saberá o contexto da

pesquisa? Em que fonte beberá para obter esta informação? Seu(s) interlo-

cutor(es) farão esta observação durante a entrevista? Terá ele a noção de

que, em Jornalismo Científico, é recomendável fazer esta contextualização?

Abrirá o editor o espaço ou tempo necessários para a contextualização, por

julgá-la importante?

REIS alerta para a importância da contextualização e aponta duas

vertentes: uma delas já abordamos no sub-item nº 3.2.1 (Relação Ciência /

Aplicação) e diz respeito ao contexto de natureza digamos utilitária; a outra

vertente é a que agora nos interessa, ou seja, “a de enquadrar no panorama

geral do conhecimento a informação que se transmite.”132

Esta recomendação, incluída entre as que devem fazer parte da técni-

ca de abordagem do Jornalismo Científico, aparece em outro texto de REIS,

ao afirmar: “O que interessa mostrar ao público (...) os princípios que eles

132- REIS, José. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962. p. 232.

Page 188: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

188

[os cientistas] descobrem, a maneira pela qual esses princípios se articulam

com o sistema geral do conhecimento...”133

HERNANDO coloca o tema em pauta, ao afirmar que o divulgador

deve “situar o fato dentro do quadro geral da civilização.”134 Este Autor

propõe que na “reportagem aprofundada [em contraposição à reportagem

superficial], é necessário interpretar as notícias já apresentadas, com o ob-

jetivo de dar ao leitor antecedentes completos dos fatos...”135

BURKETT considera que “sem ao menos alguma informação históri-

ca na matéria, os textos sobre Ciência podem deixar os leitores sem uma

perspectiva da importância do que está sendo relatado”.136

O Autor informa que a ausência do contexto nem sempre é culpa ex-

clusiva dos jornalistas, pois os próprios pesquisadores não sabem, em mui-

tas situações, esclarecer esta questão quando estão abordando exclusiva-

mente a sua pesquisa.

Num texto publicado em 1957, referenciando comentários feitos pela

revista Endeavour, REIS cita a seguinte observação: “Muitos cientistas não

têm, êles próprios, idéia do terreno cultivado por seus vizinhos de ciência e

do sentido das pesquisas que realizam.”137

A leitura do material coletado na FSP, OESP, JB e O Globo mostra

que, já a partir de 25 de março, aparecem textos que correspondem a esta

característica da contextualização, recomendada como necessária em textos

de Jornalismo Científico.

133- REIS, José. Divulgação da ciência. Ciência e Cultura, junho, 1954, p. 58.

134- HERNANDO, M. Calvo. El periodismo científico: misiones y objetivos. Barcelona:

CEFI, s. d. p. 89.

135- Opus cit. p. 89.

136- BURKETT, Warren. Opus cit. p. 97.

137- REIS, José. Limitações da divulgação científica. Anhembi, maio, 1957. p. 606.

Page 189: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

189

(Desde pelo menos 1952, os cientistas tentam o controle da fusão do

hidrogênio através de aparelhos que podem suportar temperaturas e pres-

sões extremamente altas, necessárias, pelas teorias até hoje aceitas, para

conseguir a fusão.) - JB, 25.março.

(Tentativas começaram há 42 anos - As experiências de Stanley Pons

e Martin Fleischmann são mais um elo na inesgotável cadeia de curiosidade

e criatividade que possibilita o avanço científico e o progresso da humani-

dade. A primeira idéia de se fundir dois núcleos atômicos surgiu em 1947

sem que se pensasse em produzir energia com isso. (...) Desde então, todas

as experiências de fusão nuclear a frio baseavam-se nesse princípio, a cha-

mada fusão catalizadora por múons. Pons e Fleischmann anunciaram ter

conseguido aproximar e fundir os núcleos dos átomos de uma outra forma.)

- JB, 9.abril.

(No mundo frio da Terra, a fusão nuclear só começou a ocorrer em

1952. Naquele ano cientistas americanos detonaram a primeira bomba de

hidrogênio sobre a ilha de Engelab, no Oceano Pacífico. Foi como se um

pedaço do Sol tivesse caído na Terra - a ilha desapareceu do mapa. De lá

para cá, muitos outros sóis nucleares brilharam sobre ilhotas do Pacífico e

em regiões remotas da Sibéria, para desespero de pacifistas e ecologistas.

A fusão nuclear está seguindo, assim, o mesmo caminho da fissão,

usada nas usinas nucleares convencionais, que só passou a servir para pro-

duzir energia para fins civis depois de ter sido usada nas bombas atômicas

jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki.) - JB, 16.abril.

Não encontramos nos três Autores citados referências explícitas, mas

consideramos pertinente enquadrar como contextualização, a indicação do

tempo dispendido no trabalho cujo resultado, naquele momento, é alvo da

reportagem.

O fato de Fleischmann e Pons terem dedicado pelo menos cinco anos

ao estudo da fusão em temperatura ambiente foi minimizado inclusive no

Page 190: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

190

release produzido pelo Serviço de Relações Públicas da Universidade de

Utah. A informação dando conta que os dois pesquisadores “improvisaram e

testaram os procedimentos por um período de cinco anos e meio” está so-

mente na página 4 do release (com total de 5 páginas).

Este tipo de contextualização apareceu tardiamente nos jornais, cola-

borando para que o leitor ficasse com a impressão de que o trabalho de

Fleischmann e Pons era apressado. Na verdade, a informação foi resgatada

no momento em que as críticas aos dois pesquisadores ficavam mais con-

tundentes. Vejamos os exemplos encontrados:

(A história das pesquisas de Pons é antiga. Ele repetiu o teste mais de

50 vezes nos últimos anos. Mas reconheceu que só recentemente os resulta-

dos se mostraram mais promissores. Explicou que o avanço maior se deu

quando ele e Fleischmann trocaram lâminas, folhas e cubos de paládio por

um bastão, que permitiu maior condutividade.) - O Globo, 16.abril.

(Para Brophy [Diretor de Pesquisas da Universidade de Utah], a du-

pla passou cinco anos pesquisando e “agora pessoas que gastaram quatro

semanas com experimentos grosseiros tratam de criticá-los”.) - FSP,

3.maio.

(James Brophy, Diretor de Pesquisa Universidade de Utah, disse “ser

difícil acreditar que, depois de cinco anos de experiências, os drs. Pons e

Fleischmann tenham cometido alguns dos muitos erros de que foram acusa-

dos”.) - O Globo, 4.maio.

3.2.4. Analogias como Recurso

A analogia constitui recurso largamente utilizado em Jornalismo Ci-

entífico com o objetivo de tornar acessível e compreensível uma determina-

da informação. Os próprios cientistas se valem de analogias quando fazem

palestras para leigos ou escrevem artigos com fins de divulgação científica.

Page 191: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

191

O recurso da analogia visa atender a uma recomendação relativa à necessi-

dade de colocar o texto ao alcance do leitor.

REIS recomenda: “Deve-se evitar de maneira total o jargão científico,

procurando-se utilizar tanto quanto possível as palavras comuns da língua.

Convém buscar na técnica do jornalismo as fórmulas que ensinam a prender

a atenção e a dar ao leitor uma rápida noção do assunto que se vai desen-

volver. É o “lead” dos norte-americanos.”138

Ainda sobre este tópico, encontramos também a seguinte orientação:

“Artigo de divulgação não é capítulo de manual técnico, nem se destina a

público homogêneo, especialmente preparado para acompanhar as sutilezas

do assunto, o que obriga muitas vezes o divulgador a recorrer a analogias.

[grifo nosso]. Não comporta pormenores técnicos, para corroborar determi-

nadas afirmações...”139

Também de REIS é a seguinte opinião: “Importa, em primeiro lugar,

um pouco de coragem para dispensar a precisão exigida de texto científico

preparado para especialistas, e apelar para analogias [grifo nosso], generali-

zações e aproximações.”140

A analogia é um dos recursos literários recomendados por

BURKETT141 como adequados para fazer o invisível se tornar visível para

os leitores, espectadores ou ouvintes.

Na análise do material sobre a fusão a frio evidenciou-se que o recur-

so da analogia é usado rotineiramente. Na matéria inicial da série sobre a

138- REIS, José. Divulgação científica. Anhembi, julho, 1962. p. 234.

139- REIS, José. Ciência e jornalismo. Ciência e Cultura, fevereiro, 1972. p. 136

140- Ciência e Cultura, junho, 1982, p. 800-816. Reproduzido por Nair Lemos Gonçalves

em apostila de curso realizado de 19 a 21 de julho de 1994 sobre a obra de J. Reis, sem indicação

precisa da página.

141- BURKETT, Warren. Opus. cit. p. 126.

Page 192: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

192

fusão a frio publicada no jornal O Estado de S. Paulo, o lead utiliza exata-

mente este recurso:

(Uma descoberta que equivale a reproduzir num tubo de ensaio as re-

ações nucleares que ocorrem descontroladamente no Sol e nas bombas de

hidrogênio foi anunciada ontem...) - OESP, 24.março.

Vejamos outros exemplos de analogias:

(Em uma comparação, para acender um fósforo era necessário quei-

mar toda a caixa) - FSP, 25.março.

(...conseguiram obter a fusão nuclear a temperatura ambiente - isto é,

reproduziram na Terra as reações que geram a energia do Sol, sem precisa-

rem dos milhões de graus centígrados daquela estrela.) - JB, 9.abril.

(A energia de fusão é a mesma que a produzida pelo Sol e as bombas

de hidrogênio...) - OESP, 11.abril.

(No deutério contido em um copo de água existe o mesmo potencial

de energia de um tanque de gasolina de automóvel.) - JB, 11.abril.

3.2.5. Descrições de Métodos e Processos

Além dos quatro argumentos referenciados, foi detectado no material

publicado mais um que consideramos relevante, não explicitamente encon-

trado como parte das recomendações feitas por REIS, HERNANDO ou

BURKETT. Trata-se da descrição de métodos e processos relacionados com

a experiência realizada por Fleischmann e Pons.

A descrição constitui uma forma recorrente nos textos, com a qual

procura-se passar ao leitor o modus operandi da experiência, que, no caso

da fusão a frio, sempre foi considerada como simples, do ponto-de-vista

técnico, ajudando a construir a idéia (falsa) de que a eventual geração de

energia aproveitável economicamente ocorreria em iguais circunstâncias.

Page 193: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

193

Esse tópico mereceu um comentário solitário de um físico brasileiro,

Rogério Cézar de Cerqueira Leite, em 5 de maio de 1989. Diz ele: “(...) têm

os interessados omitido algumas informações e reflexões relevantes. Dos

dados da Universidade de Utah é possível calcular algumas conseqüências.

Por exemplo, para construir uma usina com potência igual à de Itaipu e com

as características de performance e a organização do espaço das experiênci-

as de Utah, seria necessária, para cubas eletrolíticas justapostas horizontal-

mente, a mesma área que o Estado do Maranhão. (...) Toda a reserva de pa-

ládio do mundo seria insuficiente para uma usina deste porte. E a quantida-

de de água pesada necessária para essa usina seria da ordem de 100 bilhões

de toneladas. E para produzir essa quantidade de água pesada em um ano

seriam necessárias 40 usinas com as dimensões da primeira. Ou seja, todo o

Brasil seria coberto por cubas eletrolíticas.

É claro que em outras ocasiões o homem já encontrou inesperadas

soluções para problemas semelhantes de compactação e que materiais

abundantes no Brasil como o titânio, o nióbio e outros apresentam proprie-

dades semelhantes àquelas do paládio. Essa forma de fusão a frio não deve

pois ser considerada senão como uma promissora hipótese.”142

Eis exemplos colhidos no noticiário, de descrição de métodos e pro-

cessos utilizados por Fleischmann e Pons:

(Em uma proveta blindada que contém deutério, variante mais pesada

do hidrogênio, submergem um eletrodo de platina e outro de paládio. Ao

fazer circular uma corrente entre os metais, os átomos de deutério se con-

centram no eletrodo de paládio. A intensidade do campo elétrico é sufici-

ente para aproximar os átomos, até que se produza a reação de fusão entre

os átomos de deutério) - O Globo, 24.março.

142- CERQUEIRA LEITE, Rogério C. Conseqüências do cacarejo científico. In: Folha de

S. Paulo, 5.maio.1989, p. G-3 (Caderno Ciência).

Page 194: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

194

(Na fusão, núcleos de átomos leves unem-se e liberam energia. O

problema com os métodos atuais de fusão é gastar mais energia do que pro-

duzem. Servem para pesquisa acadêmica, mas não têm viabilidade econô-

mica. A experiência de Utah usa a passagem de corrente elétrica pela água

pesada (variedade de água que tem deutério e oxigênio, em vez de hidrogê-

nio e oxigênio como a água comum). No pólo negativo, segundo a tese de

Fleischmann e Pons, átomos de deutério se comprimem até fundir.) - FSP,

11.abril.

(O átomo é formado por partículas menores, os prótons, nêutrons e

elétrons. (...) Nas reações nucleares de fissão e fusão, porém, o núcleo atô-

mico se altera e parte de sua massa é convertida em energia. (...) Na fissão

nuclear o núcleo de átomos de urânio é dividido pelo impacto de nêutrons e

uma parte da massa se converte em energia. (...) Na fusão nuclear dois nú-

cleos de átomos leves de deutério se unem produzindo um átomo mais pe-

sado de Hélio 3.) - JB, 11.abril.

(Trata-se de uma experiência simples. Sobre a mesa de um laborató-

rio, numa vasilha com água pesada - um tipo de água em que o hidrogênio é

substituído por seu isótopo mais pesado, o deutério - foi esquentada por um

sistema elétrico. O resultado foi a produção de quatro vezes mais energia

(calor) do que a usada para aquecer a água.) - JB, 14.abril.

(A água pesada é colocada num recipiente, com uma porção de lítio

e, nela, é imerso um terminal elétrico de paládio. A corrente elétrica produ-

zida pelas fontes instaladas provocará a separação dos átomos de deutério

da água pesada e os atrairá para o eletrodo do paládio. Quando essa con-

centração for elevada, haverá a fusão dos átomos - uma combinação de hé-

lio com nêutrons ou de trítio com prótons - liberando grande quantidade de

energia em forma de calor. Essa energia aquecerá a água num recipiente

maior, em torno da experiência. Quando se consumar a fusão atômica a frio,

os sensores detectarão seus sinais: um calorímetro registrará a temperatura

Page 195: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

195

da água, um detector de nêutrons medirá sua intensidade e outro registrará

as radiações gama provocadas pela presença de nêutrons na água do recipi-

ente da experiência.) - O Globo, 15.abril.

Page 196: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

196

3.3 - Conclusões

As Conclusões encontram-se desmembradas em três seções. Na pri-

meira (3.3.1), de maneira objetiva, buscamos dar respostas para as duas hi-

póteses formuladas. Na segunda seção (3.3.2), desenvolvemos comentários

para além das respostas às hipóteses, mas de certo modo a elas vinculados.

A terceira (3.3.3) seção é inteiramente livre e contêm reflexões gerais sobre

tópicos que permearam o trabalho de pesquisa.

3.3.1 - Respostas para as Hipóteses

(H. 1) - Os textos publicados no Brasil sobre o tema “fusão a frio”

nos quatro jornais considerados representativos da grande imprensa cor-

respondem às características modelares indicadas na literatura sobre o

Jornalismo Científico.

Nossa pesquisa na literatura selecionada levou-nos a identificar qua-

tro recomendações para a prática do Jornalismo Científico, às quais foram

correspondidas nos textos publicados no período de 24 de março a 30 de

junho de 1989, nos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal

do Brasil e O Globo, todos enfocando um mesmo tema científico - a fusão a

frio - e seus diversos desdobramentos.

Para além destas recomendações, a saber - Relação da Ciência com a

Aplicação; Observância ao Ritual Científico; Contextualização do Fato e

Uso de Analogias - identificamos também a Descrição de Métodos e Pro-

cessos, que somada àquelas quatro anteriores, indicam o conjunto de argu-

mentos com os quais a Imprensa escrita colocou a Ciência perante o público

leigo, a partir de um fato concreto e narrado em sucessivas edições.

A utilização destes argumentos mencionados, entretanto, não dão a

certeza de que estas sejam regras universalmente aceitas pelos jornalistas

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197

especializados em Ciência e Tecnologia, nem que sejam intencionalmente

aplicadas, aspectos que constituem hipóteses não contempladas em nosso

trabalho, e que exigiria um estudo pormenorizado, cujo ponto de partida,

sem dúvida, seria a orientação de pauta.

Pelo menos um desdobramento do episódio nunca foi abordado pela

Imprensa, o que - caso tivesse ocorrido - corroboraria a idéia de que o Jor-

nalismo Científico mantêm uma visão atenta sobre o ciclo completo da ati-

vidade científica. Referimo-nos ao fato de que não encontramos, na garim-

pagem sobre o tema empreendida para além de 30 de junho de 1989, qual-

quer nota sobre o envio de relatos das experiências brasileiras à publicações

científicas, no Brasil ou no Exterior. Isto evidencia, pelo menos, o seguinte:

os editores de Ciência e Tecnologia não acompanham sistematicamente o

ciclo completo de um episódio científico; provavelmente ocorreria registro

desta natureza se - havendo a publicação de relatos em periódicos - tivesse a

Imprensa sido notificada.

Em linhas gerais, podemos afirmar que nossa hipótese central se

mostrou correspondida nas matérias coletadas e analisadas, na medida em

que as recomendações explicitadas pelos três autores (Reis, Hernando e

Burkett) foram amplamente encontradas. Evidentemente, um fator decisivo

para que houvesse a possibilidade de abranger tantos aspectos foi a publica-

ção continuada de noticiário sobre o tema “fusão a frio”.

(H. 2) - Os textos jornalísticos são capazes de propiciar, em sentido

geral, uma visão abrangente sobre o processo de desenvolvimento do tra-

balho científico.

Como se evidencia nesta dissertação, a atividade científica não pode

ser vista isolada do contexto social. Isto implica em dizer que paralelamente

a um fato exponencial em si - no caso em tela “uma descoberta” efetuada

Page 198: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

198

por dois físicos - muitos acontecimentos se desenrolam, na maioria das ve-

zes de maneira silenciosa, sem que a sociedade os perceba claramente.

O noticiário sobre a fusão a frio, nos quatro jornais estudados, mos-

trou diversas imbricações de ordem econômica, política e social.

Eis alguns exemplos de títulos de matéria que confirmam esta abran-

gência:

(Pesquisadores usaram verba própria para pagar custos da experiên-

cia) - FSP, 25.março.

(Fusão nuclear em proveta divide cientistas) - O Globo, 25.março.

(USP quer água pesada argentina para repetir experimento de fusão) -

FSP, 1.abril.

(Água pesada já foi obtida até por contrabando) - FSP, 7.abril.

(Falta verba para tentativa carioca) - OESP, 7.abril.

(MIT solicita patente de teoria da fusão a frio) - JB, 14.abril.

(Westinghouse faz contrato) - JB, 14.abril.

(Fusão a frio faz preço do paládio disparar) - O Globo, 14.abril.

(Fusão a frio já atrai grandes empresas) - O Globo, 17.abril.

(Produção de água pesada no Brasil surpreende EUA) - O Globo,

18.abril.

(Cientistas brigam pela autoria da descoberta) - FSP, 19.abril.

(Física de plasma está ameaçada) - OESP, 20.abril.

(Revelado segredo da água pesada brasileira) - O Globo, 23.abril.

(Pioneiros da fusão fria pedem US$25 milhões ao Congresso) - FSP,

27.abril.

(Utah anuncia uso comercial da fusão) - OESP, 27.abril.

De outro lado, é necessário reconhecer que - de um ponto-de-vista

mais restrito - falta ao noticiário um certo didatismo capaz de colocar o lei-

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199

tor em contato com os aspectos teóricos que envolvem todo o trabalho expe-

rimental.

Em outras palavras: os desdobramentos deste foram incorporados ao

noticiário, mas é praticamente nula a informação sobre o arcabouço teórico

que sustenta a experimentação, sempre vista por um ângulo tecnicista, enfa-

tizador dos mecanismos e materiais necessários a produzir a fusão de núcle-

os atômicos.

3.3.2 - Comentários Pertinentes

O episódio científico “fusão a frio” foi fortemente alavancado no

meio científico graças à participação ativa e atípica da Imprensa, desde o

momento inicial, com a entrevista coletiva em Utah. Diferentemente do que

ocorre em circunstâncias normais, os cientistas ficaram sabendo da novida-

de por intermédio da imprensa leiga e não pelos periódicos científicos, os

veículos considerados como adequados.

A permanência do tema em pauta permitiu ao leitor ter acesso à uma

gama de informações que não são comuns no Jornalismo Científico. A Ci-

ência foi despida do seu manto de integridade e perfeição e mostrada como

um ramo de atividade profissional no qual não faltam os ingredientes da

cobiça, da intriga, da incredulidade, da incerteza, da pressão. Nesse sentido,

podemos considerar que o noticiário sobre a fusão a frio colaborou para

desmitificar a Ciência como terreno das certezas absolutas.

Os textos analisados evidenciam que o Jornalismo Científico também

incorpora uma prática que toma conta da Imprensa em geral, no Brasil: não

costuma ouvir versões diferentes sobre um mesmo fato. É interessante notar

que o material proveniente do Exterior desde o primeiro instante continha

opiniões discordantes da versão apresentada em Utah pelos pesquisadores

Martin Fleischmann e Stanley Pons.

Page 200: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

200

No caso do material produzido no Brasil, enfocando as experiências

que seriam realizadas, o aspecto da discordância restringe-se praticamente a

uma breve referência, a saber:

Em 20 de abril, o físico Paulo Sakanaka, chefe do Laboratório de

Plasma da Universidade Estadual de Campinas, declarou à Folha de S.

Paulo “que a Unicamp não tem, no momento, condições de realizar a fusão

nuclear fria. ‘O Brasil não dispõe de equipamentos suficientes para analisar

adequadamente os dados de uma fusão nuclear fria e os grupos que estão

tentando realizá-la só produzem sensacionalismo’, disse.”143

Não deixa de ser sintomático verificar que José Reis, Calvo Hernan-

do e Warren Burkett omitem-se com relação a inclusão de opiniões gerais

como regra geral aconselhável também na prática do Jornalismo Científico.

Em nossa opinião, isto reforça a idéia de que o Jornalismo Científico tende

a ser, perante a sociedade, um mecanismo de afirmação unívoca, que en-

campa a opinião autoral, assentada no pressuposto de que se é uma afirma-

ção científica, nada mais há a fazer senão aceitá-la sem restrições.

Mesmo quando os jornais brasileiros começaram a diminuir o espaço

para o tema fusão a frio, parecem tê-lo feito exclusivamente por uma moti-

vação operacional: do exterior minguavam os informes sobre o tema, con-

seqüência aliás natural do esgotamento, naquele momento, de uma história

que percorreu um ciclo bastante amplo. Os grupos de pesquisa brasileiros

sumiram repentinamente do noticiário, com a mesma rapidez com que en-

traram.

As recomendações produzidas por José Reis, Calvo Hernando e War-

ren Burkett evidenciam uma excessiva preocupação com as Ciências Exa-

tas, em especial a Física, a Química, a Biologia. Recorrem, com certa fre-

qüência, a exemplificações aplicadas exclusivamente ao trabalho de expe-

143- In: Folha de S. Paulo. No Rio, cientistas tentam avançar na fusão nuclear fria.

20.abri.1989, p. C-3 (Cidades).

Page 201: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

201

rimentação em laboratório. As Ciências Sociais têm outro estilo de verifica-

ção e outros métodos de abordar e propor soluções de problemas, mas de-

vem, igualmente, fazer pauta do Jornalismo Científico.

O noticiário da fusão a frio evidencia que a Imprensa comprou desde

o primeiro momento as argumentações oferecidas pela Universidade de

Utah em release distribuído na entrevista coletiva. Na verdade, ao percorrer

o caminho da notícia desde a fonte primária de emissão, verificamos que as

argumentações contidas no release, foram imediatamente aceitas pelos 20

repórteres que compareceram à coletiva, alguns deles certamente de agênci-

as noticiosas.

Sob este aspecto, chama a atenção a imediata incorporação - inclusi-

ve nos títulos - do conceito de “custos baixíssimos” como forte argumenta-

ção de vantagem comparativa a outros processos de produzir energia ou de

realizar experiências pelo processo de fusão com temperatura elevada. Tal

argumento, restrito obviamente ao custo da experiência de laboratório, na

qual Fleischmann e Pons teriam investido do próprio bolso algo em torno de

100 mil dólares, foi transplantado para o custo de produção, em escala co-

mercial, o que é absolutamente incorreto.

No presente caso estudado, fica evidenciada a ação passiva por parte

da Imprensa. O processo de divulgação foi deliberadamente iniciado pela

vontade da Universidade de Utah. Mesmo o material publicado no dia da

entrevista coletiva, em 24 de março de 1989, pelos jornais Wall Street Jour-

nal (de Washington), e Financial Times (de Londres), não foi um “furo”

desses jornais, pois a informação lhes foi passada propositadamente e não

ocorreu mediante investigação ou suspeita dos respectivos editores ou re-

pórteres.

Esta passividade é indicativa de que mesmo os editores experientes

de Ciência e Tecnologia (no Brasil ou no Exterior) não parecem manter-se

suficientemente antenados com linhas de pesquisa potencialmente promis-

Page 202: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

202

soras. Pode-se contra-argumentar, a favor dos jornalistas, com o fato de que

Fleischmann e Pons tinham conseguido, nos cinco anos precedentes, manter

sigilo sobre as experiências.

A passividade - com a aceitação plena do release de Utah - evidencia-

se com a ausência de informações que somente estariam presentes caso os

jornalistas tivessem feito perguntas que, aparentemente, não fizeram.

3.3.3 - Livre Reflexão

Desde 1990, quando iniciamos os procedimentos que culminariam

com esta dissertação, temos escutado de pessoas com formação universitária

certas colocações que poderíamos sintetizar como representativas de um

senso comum dominante quando se trata de fazer um juízo da Imprensa: a

fusão a frio foi uma invenção de dois pesquisadores inescrupulosos à qual a

Imprensa deu ouvidos e com isto, diminuiu ainda mais suas credenciais para

divulgar a Ciência e a Tecnologia.

O que este senso comum escamoteia e, paradoxalmente, acaba por

revelar?

O público mais esclarecido sabe que a Ciência é um terreno minado

de incertezas - é a ignorância sobre determinado tópico que impulsiona a

mente criativa dos cientistas - mas, simultaneamente, ainda é muito arraiga-

da a idéia de que estas incertezas não devem ultrapassar a fortaleza em dire-

ção à planície, lugar dos leigos.

Essa transposição deveria ser feita somente nos momentos oportunos,

quando as incertezas (de conhecimento interno, dos cientistas) estivessem

superadas e restasse somente mostrar que, mais uma vez, prevaleceu o tri-

unfo da razão. Nesse sentido, a Imprensa deveria ser um mero repositório

de informações seguras, objetivas, incontestes.

Obviamente, o material sobre a fusão a frio contrapôs-se a este senso

comum, ao trazer a tona diversos episódios que, em circunstâncias normais,

Page 203: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

203

tenderiam a ficar imersos e longe do conhecimento público. Do ponto-de-

vista do direito à informação, é evidente que o leitor foi beneficiário da de-

cisão da Imprensa em dar continuidade aos inúmeros e controversos aspec-

tos que permearam o episódio da fusão a frio.

Os textos coletados no período de 24 de março a 30 de junho de 1989

nos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O

Globo, contêm alguns equívocos típicos do despreparo dos jornalistas frente

à complexidade do tema (que, diga-se a favor dos jornalistas, é juízo tam-

bém aplicável à maioria dos cientistas - mesmo os químicos e físicos). Vale

lembrar que os repórteres que cobriram o episódio seguiram a clássica re-

ceita de ouvir fontes consideradas credenciadas, no âmbito acadêmico, dis-

pondo de escassos recursos referenciais capazes de lhes propiciar uma mais

adequada contestação a certas afirmações feitas pelas fontes.

Mas, em nossa opinião, os textos analisados mostram que o Jornalis-

mo Científico pode ir muito além de seus contornos habituais, na medida

em que se manifestou por meio de gêneros pouco usuais nesta área - em

especial na prática cotidiana da Imprensa brasileira - ao recorrer, para além

da informação factual, ao texto de opinião e interpretação.

Page 204: CIÊNCIA e IMPRENSA A fusão a frio em jornais brasileiros

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Anexos

Exemplos de material coletado no período de 24 de

março a 30 de junho de 1989.

Release da Universidade de Utah.

(Não disponível na versão eletrônica)

-----------FIM------------