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7/24/2019 Ciencia e Maçonaria_a_maçonaria Nos Livros_escolares http://slidepdf.com/reader/full/ciencia-e-maconariaamaconaria-nos-livrosescolares 1/13 103  REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA: A Maçonaria nos Livros Didáticos (IDENTITY REPRESENTATIONS OF THE BRAZILIAN SCHOOLING: Freemasonry in Schoolbooks) Fernando Magalhães ¹ Resumo No momento em que nas escolas públicas o Programa Nacional do Livro Didático, PNLD 2012, ofereceu aos professores a escolha do livro a ser trabalhado no ensino médio, elaboramos a leitura de 12 obras oferecidas para esta seleção na disciplina de História. Analisamos a inserção do tema “Maçonaria” nestas obras, valendo -nos dos recursos teóricos de Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) e Revel (2002), sobre prazer, constantes, sociedade de discurso e tempo social. O tema na História do Brasil é parcamente abordado nas Conjurações Baiana e Mineira, na Independência e na “questão religiosa”. Na História Geral, nada foi encon- trado. Concluímos que a atuação da maçonaria enquanto lócus de sociabilidade e transmissão de ideias deve ser objeto de maiores estudos históricos. Palavras-chaves: instrução escolar; Maçonaria; livros didáticos. Recebido em: 07/10/2013 Aprovado em: 21/12/2013 Abstract When National Schoolbook Program 2012 - PNLD offered teachers the choice of book to be worked in high school, We elaborated the reading of 12 schoolbooks offered for this selection in the discipline of History. We analyze the inclusion of the topic "Freemasonry" in these schoolbooks, using the theoretical resources of Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) and Revel (2002), about pleasure, constant, time of speech and social society. The theme in the history of Brazil is poorly addressed in Bahia and Mi- nas Gerais Conjurations, Independence and the "religious issue." In general history, nothing was found. We conclude that the role of Freemasonry while locus of sociability and transmission of ideas should be subject to higher historical studies. Keywords Schooling, Freemasonry, Schoolbooks. ¹ Fernando da Silva Magalhães tem Doutorado em Educação pela UERJ (2013), Mestrado em Educação pela UFRJ (2009), e bacharelado e licenciatura em História pela UFRJ (1990). É o atual Venerável Mestre da Loja Maçônica União e Tranqui- lidade No. 002 - GOB. E-mail: [email protected] C&M | Brasília, Vol. 1, n.2, p. 103-115, jul/dez, 2013.

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REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS DA INSTRUÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA:

A Maçonaria nos Livros Didáticos

(IDENTITY REPRESENTATIONS OF THE BRAZILIAN SCHOOLING: Freemasonry in Schoolbooks)

Fernando Magalhães ¹ 

Resumo

No momento em que nas escolas públicas o Programa Nacional do Livro Didático, PNLD 2012, ofereceu aosprofessores a escolha do livro a ser trabalhado no ensino médio, elaboramos a leitura de 12 obras oferecidas

para esta seleção na disciplina de História. Analisamos a inserção do tema “Maçonaria” nestas obras, valendo-nos dos recursos teóricos de Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) e Revel (2002), sobre prazer,constantes, sociedade de discurso e tempo social. O tema na História do Brasil é parcamente abordado nasConjurações Baiana e Mineira, na Independência e na “questão religiosa”. Na História Geral, nada foi encon-trado. Concluímos que a atuação da maçonaria enquanto lócus de sociabilidade e transmissão de ideias deveser objeto de maiores estudos históricos.

Palavras-chaves: instrução escolar; Maçonaria; livros didáticos.

Recebido em: 07/10/2013Aprovado em: 21/12/2013

AbstractWhen National Schoolbook Program 2012 - PNLD offered teachers the choice of book to be worked inhigh school, We elaborated the reading of 12 schoolbooks offered for this selection in the discipline ofHistory. We analyze the inclusion of the topic "Freemasonry" in these schoolbooks, using the theoreticalresources of Barthes (1973), Veyne (1976), Foucault (1996) and Revel (2002), about pleasure, constant,time of speech and social society. The theme in the history of Brazil is poorly addressed in Bahia and Mi-nas Gerais Conjurations, Independence and the "religious issue." In general history, nothing was found.We conclude that the role of Freemasonry while locus of sociability and transmission of ideas should besubject to higher historical studies.

Keywords Schooling, Freemasonry, Schoolbooks.

¹ Fernando da Silva Magalhães tem Doutorado em Educação pela UERJ (2013), Mestrado em Educação pela UFRJ (2009),e bacharelado e licenciatura em História pela UFRJ (1990). É o atual Venerável Mestre da Loja Maçônica União e Tranqui-lidade No. 002 - GOB. E-mail: [email protected]

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Introdução

No século XVIII, com a ascensão da bur-guesia e a difusão das ideias iluministas, a Maço-naria desenvolveu-se e adquiriu prestígio na Eu-ropa. Aliada aos movimentos liberais, marcou

presença efetiva nos grandes acontecimentospolíticos. As revoluções Gloriosa, Americana eFrancesa possuem fortes traços ideológicos eampla participação de maçons entre suas lide-ranças (HOBSBAWN, 2012). Na América Latina,teve papel decisivo nas lutas da independência e,no século XIX, nas lutas dos liberais contra osconservadores clericais, sobretudo no México,Colômbia e Chile. Na Itália, maçons participaramdo movimento de unificação nacional(Risorgimento ) (CARVALHO, 2010). Na Suíça, a

Grande Loja Alpina defende desde 1847 os can-tões protestantes contra a oposição dos cantõescatólicos (CASTELLANI, 1991). Na Bélgica e naEspanha do século XIX, maçons combateram ainfluência da Igreja. Foi na França, porém, que aMaçonaria conquistou grande força política e delá se irradiou para os países latinos (LEPAGE ,1993). Seu período áureo começou depois de1870, na III República. Infiltrada em todos os par-tidos políticos de centro, esquerda e direita, aMaçonaria francesa dedicou-se a persistentes lu-tas contra a Igreja. Conseguiram a abolição doensino religioso nas escolas, o divórcio, a expul-são das ordens e congregações (1902) e a sepa-ração de estado e igreja (1905). Só após a 1ªGuerra Mundial a influência da Maçonaria france-sa começou a declinar (COSTA, 2002). Em Portu-gal, as Lojas Maçônicas difundiram o pensamen-to liberal, propagaram os princípios da revoluçãofrancesa e, como a Maçonaria francesa, combate-ram as ordens religiosas e o clero.

Há evidências documentadas da presençade maçons no Brasil desde o final do séculoXVIII.2  Aqui o movimento assumiu as mesmasposições libertadoras que manifestara nas de-mais colônias americanas. A ideologia da inconfi-

dência mineira coincidiu, de modo geral, com ada Maçonaria da época. Quando se iniciou o ci-clo das conspirações nordestinas, a rede de soci-edades secretas formou a base das comunica-ções entre os núcleos de intelectuais influencia-dos pelas novas ideias europeias(ALBUQUERQUE, 1959).

Nas lutas pela independência e aboliçãoda escravatura, a Maçonaria passou a ser o cen-tro mais ativo do trabalho de propaganda eman-cipadora. Sua proposta libertadora continuou atéa República. Eram maçons ativos José Bonifácio,Gonçalves Lêdo, Caxias, os intelectuais abolicio-nistas, Benjamin Constant, Rui Barbosa, Deodoroda Fonseca e o seu ministério, além de todos ospresidentes da República Velha, dentre outros

(CASTELLANI & CARVALHO, 2009).O Grande Oriente do Brasil, organização

maçônica mais antiga em funcionamento no ter-ritório nacional, foi regida por mais de vinteconstituições, a última das quais aprovada em 24de junho de 1990. Há, contudo, uma profundadistinção entre as Lojas que seguem o Rito Esco-cês Antigo e Aceito, de 33 graus, que enfatiza aexistência de um Ser Supremo - o Grande Arqui-teto do Universo, com o primado do espírito so-bre a matéria, e o Rito Francês ou Moderno, desete graus; assumidamente laico e materialista.Além desses, há no Grande Oriente do Brasil osRitos de Emulação, Schroeder, Adoniramita, Bra-sileiro e Escocês Retificado. Assim sendo, não po-demos falar em “Maçonaria”, e sim, em“Maçonarias” no Brasil.

Desde a seminal obra de Maurice Agu-lhon, Pénitents et Francs-Maçons de l´AncienneProvence , (Fayard, Paris, 1984), estabeleceu-se nocampo historiográfico de pesquisa acadêmica

um conjunto de proposições que se dedicam areconstruir a pertinência de uma história políticacomo nível de análise; estudando grupos sociais,como neste caso específico, a Maçonaria, atravésde suas formas de sociabilidade e seu potencial

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² Recomendamos, dentre muitas outras obras referentes à gênese da Maçonaria no Brasil, pela sua pertinência e apro-fundamento na pesquisa documental relativa ao tema: CASTELLANI, José; CARVALHO, William A. História do GrandeOriente do Brasil. A maçonaria na história do Brasil. São Paulo: Madras, 2009.  

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para a produção de novas estruturas sociais. Co-mo nos aponta Jacques Revel, certas noções epráticas que, antes, eram aceitas como evidentes,são, na contemporaneidade, objeto de um novoexame, “que se interroga tanto sobre suas condi- ções de possibilidade como sobre os sentidoscom que estão investidos: é o caso da históriaglobal e da história nacional (...) reflexionadassobre a construção e a natureza das identidadessociais, tanto de grupos quanto de indivíduos,sobre a interpretação de suas trajetórias e estra- tégias ” (REVEL, op.cit. p. 147). 

Análise de Conteúdo

A seguir, apresentamos uma análise com-parativa das obras didáticas pesquisadas. Comose trata de material extenso, visando a não tornarenfadonha a abordagem a doze obras em se-quência, que por vezes se repetem, buscou-seagrupá-las em blocos comparados, de acordocom as suas semelhanças e diferenças de abor-dagem ao tema “Maçonaria”; aqui compreendidacomo a constante  deste nosso inventário de dife- renças  (VEYNE, 1976).

Na obra de Santiago (2010), encontramosa seguinte referência à maçonaria, como na mai-

oria das demais obras pesquisadas, abordada noepisódio da História do Brasil conhecido comoquestão religiosa .

Em 1864, o Papa Pio IX pro-mulgou uma bula na qual rea-firmava a supremacia da Igre- ja em todos os âmbitos dasociedade e responsabilizavaa maçonaria por práticas queenfraqueciam a fé católica. Oobjetivo era eliminar o poder

que a instituição possuía den-tro da Igreja em todo o mun-do. Nesse sentido, a situaçãono Brasil era peculiar: muitosclérigos e o próprio impera-dor eram maçons (Obs.: Equí- voco do autor. D.Pedro II nun- ca foi maçom. Seu pai, PedroI, sim ). A posição papal aca-bou gerando uma série de

incidentes, sobretudo com obispo de Olinda, D. Vital MariaGonçalves de Oliveira. Em1872, ele proibiu a participa-ção de clérigos na maçonaria,ameaçando-os de expulsão da

hierarquia da Igreja.(SANTIAGO, 2010, p. 179).

O trecho é seguido de um destaque, inti-tulado “Pare e pense”, onde o autor define a Ma-çonaria:

Ninguém sabe ao certo quan-do teve início a Maçonaria.Alguns especialistas apostamque suas origens estão na Ida-de Média, entre membros dascorporações de ofício. O certoé que no século XVIII ela fun-cionava regularmente, che-gando ao Brasil algumas dé-cadas depois. Aqui no paísseus membros (entre eles mi-nistros, regentes, magistrados,intelectuais e mesmo um im-perador) desempenharam pa-pel político importante.

1.Faça uma pesquisa para sa-

ber:a). O que é a Maçonaria;

b). A atuação de seus mem-bros durante o século XIX noBrasil;

c). Os principais acontecimen-tos em que a instituição este-ve envolvida naquele período.

2. Faça um texto com otítulo: “A Maçonaria no Brasil”.

Neste autor, apesar de verificarmoso exíguo espaço dado a análise da participaçãomaçônica nos eventos históricos, observamosuma tentativa de reflexão e aprofundamento, nosentido da elaboração de um questionário deapoio, onde o estudante é instigado a buscarmaiores dados a respeito da Maçonaria. De todos

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os livros didáticos observados, este é o único quefaz uso de tal recurso e, por isso, o apresentamosdestacado dos demais que seguem abaixo.

Na sequência, analisamos as obras de Mo-raes (2010), Vicentino (2010), Campos (2010) e

Cotrim (2010). Em todas, a temática maçônica é,também, abordada no tocante ao evento históri-co conhecido como “questão religiosa ”. Pode-mos observar que os trechos em muito se asse-melham entre si, no aspecto da construção e ela-boração dos eventos. No entanto, em certasconstruções, podemos observar, como abaixoassinalamos, além de erros básicos de pesquisahistoriográfica, como o que afirma ter sido D. Pe-dro II um maçom, uma maior ou menor tendên-cia a relativizar os prejuízos políticos da Igreja,

como instituição, no desenrolar dos eventos empauta. As abordagens pouco se prendem às aná-lises das estruturas políticas internacionais queali se apresentam, atendo-se, na maioria dos ca-sos, a tratar unicamente das consequências ime-diatas do conflito no cenário nacional. No geral,apontam o governo do Império como o que saimais prejudicado ao final do desenrolar dosacontecimentos, ao, de certa forma, como induzos textos, perder o apoio da instituição eclesiásti-ca. É curioso que, em nenhum dos trechos, pare-

ce haver qualquer crítica no sentido de assinalara ingerência de uma potência estrangeira, no ca-so o Vaticano, nos assuntos internos do Brasil.

O conflito mais decisivo, de-nominado Questão Religiosa,ocorreu entre 1872 e 1875, eenvolveu o bispo de Olinda,dom Vital de Oliveira, e o bis-po do Pará, dom Antônio deMacedo Costa. Os religiososposicionaram-se contra a ma-

çonaria, proibindo suas mani-festações e o ingresso de seusmembros nas igrejas católicas.A monarquia não aceitou aatitude rebelde e processouos bispos, que eram funcioná-rios do Estado, condenando-os à prisão. Entre 1874 e 1875,os bispos foram soltos e anis-tiados, mas o fato gerou um

duplo problema para o gover-no, o que colaborou para isolá-lo um pouco mais, pois au-mentou a impopularidade doImpério e, principalmente, im-pulsionou o desejo de separa-

ção entre o Estado e a Igreja.(MORAES, 2010, p. 190).

Observando o trecho acima, perguntamo-nos como o aluno vai compreender a inserção damisteriosa entidade “Maçonaria”, sem mais nemmenos adentrando as linhas da obra.

Outrossim, o texto peca pela dubiedadeao seu final, parecendo dar a entender que, àIgreja, era interessante separar-se do Estado,

desconsiderando assim uma das maiores bandei-ras da maçonaria no século XIX e a razão maiorde sua luta naquele momento: a laicidade do Es-tado.

A bula papal que impediamembros da maçonaria depertencer aos quadros daIgreja foi rejeitada pelo impe-rador –  D. Pedro II, como opai, era maçom – que acumu-lara o direito de ratificar ou

não o cumprimento das or-dens do papa no país. A maiorparte dos religiosos permane-ceu fiel ao imperador, porémos bispos de Olinda e de Be-lém preferiram acatar o papae expulsaram de suas diocesespárocos ligados à maçonaria.O imperador decidiu punir osbispos rebeldes, processando-os e condenando-os à prisãocom trabalhos forçados.

(VICENTINO, 2010, p.308.)

Mais uma vez, na única referência em todaa obra à Maçonaria (mais de novecentas páginasdistribuídas em três volumes), identificamos arepetição do mesmo erro. Farta documentaçãohistórica atesta que D. Pedro II preferiu não inici-ar-se na maçonaria, ao contrário do pai. Entre-

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tanto, questionamos: Se o autor; não sabemos apartir de quais fontes, acreditava que o próprioimperador fosse um maçom, como deixar debuscar um aprofundamento no entendimento dosignificado deste fato? Tal dado não teria maiorrelevância histórica a merecer mais do que umparágrafo de texto?

Em Campos (2010), a menção à chamadaQuestão religiosa   é ainda mais superficial. Hámenção à instituição do padroado , aqui coloca-do, na visão do autor, como o principal motivoda questão, a partir da recusa de Pedro II emaceitar as regras ditadas pela bula papal de 1864.Os acontecimentos restantes, onde os maçonssão mencionados em apenas uma linha, são, aoque parece, meras consequências secundárias

deste aspecto principal.

Com a Independência, o pa-droado manteve-se comoatribuição dos monarcas bra-sileiros. No entanto, em 1864,o papa Pio IX condenou emuma encíclica o que conside-rava os 80 erros que o mundopraticava contra a Igreja. Entreeles, o poder dos Estados so-

bre os documentos papais, asubordinação do clero à ad-ministração civil, a separaçãoentre Igreja e Estado, e a par-ticipação de membros daIgreja em sociedades secretas,especialmente a maçonaria.No Brasil, D.Pedro II negou-sea aprovar a encíclica, o que,pelas regras do padroado,tornava-a sem validade. Osconflitos não tardaram a sur-

gir. Alguns membros do clero,como o bispo de Olinda, re-solveram seguir as recomen-dações papais e expulsaramdas confrarias religiosas osrepresentantes maçons. Umrecurso à Coroa tornou nula aexpulsão ordenada pelo bis-po, que acabou preso em1874. (CAMPOS, 2010, p. 226).

Mais uma vez, a menção à Maçonaria ésuperficial e não há interesse em explicar ao lei-tor a sua repentina inserção no contexto da obra.

Em Cotrim (2010), encontramos a mesma

esquematização de ideias apresentada pelos au-tores anteriores. Há que se destacar, no entanto,neste autor, uma preocupação maior de inserir atemática da maçonaria no contexto da obra, apartir da apresentação de uma definição da insti-tuição em um glossário definidor do termo.

Desde o período colonial, aIgreja Católica era uma insti-tuição submetida ao Estado,pelo regime do Padroado. Is-so significava, entre outrascoisas, que nenhuma ordemdo papa poderia vigorar semantes ter sido aprovada peloimperador. Em 1872, no en-tanto, D. Vidal e D. Macedo,bispos de Olinda e de Belém,respectivamente, seguindoordens do papa Pio IX, puni-ram religiosos ligados à ma-çonaria. D. Pedro II, atenden-

do a pedidos de grupos ma-çônicos, solicitou aos bisposque suspendessem as puni-ções. Como eles se recusarama obedecer ao imperador, fo-ram condenados a quatroanos de prisão.

GLOSSÁRIO: Maçonaria. Soci-edade antiga e parcialmentesecreta que, utilizando-se deconhecimentos dos antigosconstrutores de templos (os

maçons), tem como objetivoprincipal incentivar a fraterni-dade e a filantropia entre to-dos os seres humanos, semdistinção de cor, credo ou ori-gem social.” (COTRIM, 2010,

 P.287).

Figueira (2010) e 

Vainfas (2010), ao con-

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trário dos autores já mencionados, apresentamde forma um pouco mais ampliada a Maçonariaem duas páginas, relacionadas à Conjuração Bai- ana   (Figueira), à Independência do Brasil  (Vainfas) e à questão religiosa   (ambos). Apesarde dedicar espaço e relevo ao tema, Vainfas(2010) comete um erro grave em “A Maçonariano Brasil” (p. 153), ao confundir o Grande Orientedo Brasil, o poder central que reúne todas as Lo- jas Maçônicas do período com uma única Loja.

Uma Loja Maçônica, denomi-nada Cavaleiros da Luz , funci-onava em Salvador desde ju-lho de 1797. Ponto de encon-tro das figuras da elite da ci-dade, a sociedade era o espa-ço em que se discutiam as

ideias iluministas difundidaspela Revolução Francesa. En-tre os frequentadores das reu-niões estavam o médico Cipri-ano Barata e o tenente Her-mógenes Pantoja, integrantesdo grupo que tramava a Con- juração Baiana. O governantede Lisboa já havia sido alerta-do, por seu representante naBahia, sobre a difusão preocu-pante dos “abomináveis prin-

cípios revolucionários france-ses” entre a população baiana.(FIGUEIRA, 2010, p. 168).

De acordo com a Constituiçãode 1824, a Igreja Católica es-tava subordinada ao Estado,que pagava os padres e no-meava os bispos. Nenhumadeterminação do papa podiaentrar em vigor no Brasil sem

a aprovação do imperador.Em 1872, os bispos de Olindae de Belém, dom Vidal Maria edom Macedo Costa, forampresos e condenados por pro-ibir a participação de maçonsnas irmandades religiosas,como recomendava o papa.Três anos depois, os dois fo-

ram anistiados, mas a puniçãodeixou claro que haviam difi-culdades incontornáveis nasrelações de dependência esta-belecida entre a Igreja e o Es-tado. (FIGUEIRA, op. cit., p.

222).

Apesar da original menção de Figueira àexistência de uma loja maçônica em 1797 exer-cendo influência e participando da ConjuraçãoBaiana, a obra não foge à regra. A Maçonaria éintroduzida sem qualquer explicação ou contex-tualização no texto de forma bastante superficial,dificultando a compreensão por parte do leitorda efetiva participação desta instituição nosacontecimentos em tela.

Quanto a Vainfas, o que temos é uma des-crição da origem da maçonaria no Brasil, seguidada mesma inserção dos autores anteriores, damaçonaria nos episódios da questão religiosa :

A Maçonaria no Brasil. A Ma-çonaria é uma associação vo-luntária e secreta que se di-fundiu na primeira metade doséculo XVIII, a partir da Ingla-terra para a Europa e a Améri-

ca. Seu caráter secreto a en-volveu numa aura de mistério.A partir de 1750, a associaçãopassou a ser um espaço decrítica e de discussão sobre asociedade civil. No Brasil, aprimeira Loja Maçônica (localde reunião dos maçons) sur-giu, comprovadamente, em1800, na futura cidade de Ni-terói, no Rio de Janeiro; erachamada União . Logo surgi-

ram outras, em várias regiões.Em 1818, um alvará proibiu ofuncionamento das Lojas Ma-çônicas em todo o Impérioluso-brasileiro, mas elas nãofecharam.

A Loja mais destacada no pe-ríodo de independência foi aGrande Oriente Brasileiro , da

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qual José Bonifácio de Andra-da e Silva foi Grão-Mestre(presidente). Nela ocorreramos debates políticos que influ-enciaram a separação de Bra-sil e Portugal. D. Pedro foi ini-

ciado na Maçonaria, receben-do o nome de Guatimozin ,último imperador asteca. Em 4de outubro de 1822, foi eleva-do a Grão-Mestre, e logomembros da Maçonaria pro-puseram sua aclamação comoImperador do Brasil, fato queocorreu em 12 de outubro.

A política do governo de D.Pedro I em restringir a liber-dade de expressão fez com

que esse tipo de associaçãofosse proibido em 1823. Masas reuniões prosseguiramclandestinamente. Foram cria-das novas lojas, de tendênciatanto liberal quanto conserva-dora, que funcionavam comolocal de debates políticos.Com a abdicação de D. PedroI, em 1831, o funcionamentodas Lojas Maçônicas foi libera-do, mas elas já não tinham opeso político do período an-terior. Continuaram a funcio-nar, mas ligadas a valores nãopolíticos, como a filantropia, abeneficência, a sabedoria e a justiça. (VAINFAS, 2010, p.153).

À parte do já citado equívoco, ao confun-dir o nome da agremiação de Lojas Maçônicas

com uma Loja única, o autor procura contextuali-zar historicamente a instituição maçônica no ce-nário internacional, a partir de sua origem euro-peia e posterior expansão para as Américas; bemcomo no cenário nacional, destacando sua im-portância na construção dos eventos articulado-res do processo que culminou com a indepen-dência nacional. No entanto, não podemos nosfurtar a destacar outra incongruência no texto

acima, quando o autor faz menção, nas linhasfinais do parágrafo, a perda do “peso político” dainstituição maçônica quando de seu retorno àsatividades, em 1831. Como esta afirmação se co-aduna com o descrito no texto seguinte a menci-onar a ordem maçônica, quando esta, em confli-to com a igreja católica, ao final do segundo rei-nado, aparentemente, demonstra grande pesopolítico? Seria realmente sem peso político umainstituição que possui como grão-mestre, sualiderança maior, o próprio presidente do Conse-lho de Ministros do Império?

O início da crise começoucom um discurso do padreAlmeida Martins em uma loja

maçônica no Rio de Janeiro,em 1872, homenageando ovisconde do Rio Branco, entãopresidente do Conselho deMinistros e grão-mestre damaçonaria pela Lei do VentreLivre. Na Europa, a maçonariaera marcadamente anticlerical.Mas, no Brasil, os eclesiásticosfaziam parte desta organiza-ção, apesar de condenada pe-lo papa Pio IX desde 1865 co-

mo a responsável pela“impiedade do mundo”. Alémdisso, o Concílio Vaticano I(1869) decidiu desencadearuma grande campanha contraa maçonaria, proibindo a par-ticipação dos católicos, parti-cularmente os eclesiásticos. Oproblema é que, no Brasil, di-versos padres e governantespertenciam à Maçonaria.

O discurso publicado na im-prensa repercutiu profunda-mente entre os altos mem-bros da Igreja católica no Bra-sil. O padre acabou suspensopelo bispo do Rio de Janeiro,D. Pedro de Lacerda. A maço-naria reagiu com dureza aoque considerou uma interfe-rência da Igreja de Roma nes-

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sa instituição por meio do bis-po.

Logo depois, ainda em 1872,outro conflito marcaria aQuestão Religiosa . O jovembispo D. Vital Maria Gonçalves

de Oliveira, da cidade de Olin-da, seguindo orientação deRoma, proibiu a participaçãode eclesiásticos em lojas ma-çônicas. Criou um jornal, AUnião , para combater a maço-naria no Brasil, interditou duasparóquias que se recusavam aexpulsar os maçons e suspen-deu o deão da catedral, sim-patizante da maçonaria e líderdo Partido Liberal em Per-

nambuco. Em reação, a tipo-grafia do jornal A União   foisaqueada e um sacerdotemorto a facadas.

As bulas papais a respeito daMaçonaria não haviam recebi-do a aprovação do imperadorD. Pedro II. Portanto, sua apli-cação era ilegal.

A Coroa tentou em vão acal-mar os ânimos, pedindo a D.

Vital que revogasse suas in-terdições. O bispo manteve-seirredutível, alegando que so-mente devia obediência aopapa. Foi preso e condenadoa quatro anos de trabalhosforçados, em 1874. O mesmodestino foi dado ao bispo doPará, D. Antonio de MacedoCosta, solidário ao colega deOlinda e também empenhadoem combater os maçons. Am-bos foram anistiados em1875, graças a pressões de

Roma e à intervenção do Du-que de Caxias, então chefe dogabinete conservador que go-vernava o Império. Mas as re-lações entre o império e aIgreja católica estavam defini-

tivamente comprometidas. Aosair da prisão, D. Antonio re-sumiu as consequências dacrise dizendo que a QuestãoReligiosa abalara o trono, masdeixara o altar de pé. O bispoestava certo. (VAINFAS, 2010,p. 292).

Cremos ser um tanto equivocado, paranão dizer incorreto, em um livro didático, o autor

emitir em seu texto, juízos de opinião do tipo“certo” ou “errado”, em relação a acontecimentoshistóricos. Infração ao ritual 3

  (FOUCAULT, 1996)da escrita didática, inscrita em certos sistemas derestrição que regulam a forma e a ordem do dis-curso. Neste caso, ao afirmar que “o bispo estavacerto” temos um posicionamento nesta área quenão se coaduna com a proposta de um livro di-dático.

Alguns autores se debruçam sobre a ma-çonaria no Brasil inserindo-a em outros aconteci-mentos que não a questão religiosa especifica-mente. Curioso de assinalar é que, nestas demaisobras, a referida questão   não é associada à or-dem maçônica, e sua influência no episódio nãoé reconhecida. Enfim, quando se trabalha com otema maçônico em um determinado episódiohistórico, apaga-se sua participação em outro,assinalado por outro autor.

Na sequência, portanto, apresentamos asinserções de Pellegrini (2010), Berutti (2010),

Azevedo (2010), Nogueira (2010) e Alves (2010).Sobre o conflito de interesses diante da

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3 A troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição; e sem dúvida

não poderiam funcionar sem estes. A forma mais superficial e visível desses sistemas de restrição é constituída pelo quese pode agrupar sob o nome de ritual; o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que,no jogo de um diálogo, de interrogação, da recitação, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipode enunciado; define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devemacompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais sedirigem, os limites de seu valor de coerção.” (FOUCAULT, 1996, p. 38-39).

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permanência de D. Pedro no Brasil, assinala-nosPellegrini a influência da ordem maçônica na for-mação, constituição, desenvolvimento e atuaçãodo Partido Brasileiro, força política de acentuadainfluência no período em questão, assinalando ainfluência da maçonaria na passagem da Colôniaao Império:

O partido brasileiro, por suavez, tinha uma formação di-versificada, que incluía gran-des proprietários rurais, políti-cos conservadores, liberaisradicais, republicanos, mem-bros das camadas médias ur-banas, ex-escravos e, também,vários portugueses estabeleci-dos no Brasil. Muitas dessaspessoas eram adeptas da Ma-çonaria. Os grupos que for-mavam o partido brasileirouniram-se para combater aproposta de recolonizaçãofeita pelos deputados portu-gueses. (PELLEGRINI, 2010, p.238).

Na mesma página, há um destaque, comilustração, explicando o que é a Maçonaria:

Não existe um consenso so-bre a origem da Maçonaria.Muitos estudiosos acreditam,porém, que ela tenha surgidodurante a Idade Média, nascorporações de ofício queagrupavam pedreiros e arqui-tetos (maçon , em francês ar-caico, significa “construtor”),os quais mantinham em se-gredo as técnicas de seu ofí-cio. No século XVIII, os ma-çons passaram a participarativamente da política, criti-cando o Absolutismo monár-quico por meio da defesa dosideais liberais inspirados peloIluminismo. No Brasil, o pri-

meiro registro de uma lojamaçônica, como são chama-dos os núcleos maçônicos, éde 1801, no Rio de Janeiro.No século XIX eles tiveram umimportante papel na Indepen-

dência do Brasil, combatendoo Absolutismo e o colonialis-mo. Foi nas lojas maçônicasque aconteceram os principaisdebates entre os líderes dopartido brasileiro, mobilizan-do as forças políticas respon-sáveis pela Independência doBrasil. (PELEGRINNI, op. cit,ibid)

Apesar de correto, o texto parece“descolado” do restante da obra, por apresentaruma noção bem maior da importância da Maço-naria, do que no restante do livro, onde nadamais é mencionado à respeito da ordem maçôni-ca.

Em outra obra, o autor Flávio Berutti inse-re a maçonaria em um outro evento, até entãonão assinalado por qualquer dos autores anterio-res, a conjuração mineira , demonstrando atravésda elaboração da bandeira daquele movimento,

e posterior pavilhão do Estado de Minas Gerais, ainfluência do movimento maçônico naquele epi-sódio:

p. 169. Para alguns estudio-sos, o triângulo da bandeirada Conjuração Mineira repre-sentaria a Santíssima Trindadeou seria uma referência à Ma-çonaria. Originalmente, a cordo triângulo era verde. Maistarde, quando se criou a ban-deira do estado de Minas Ge-rais, optou-se pela cor verme-lha, que simbolizaria as revo-luções e o sangue dos márti-res. (BERUTTI, 2010, p. 169).

Nesta obra, nem a independência nem a

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questão religiosa retratam a Maçonaria. A únicareferência em todo o texto é feita quando dadescrição do símbolo da conjuração mineira, quedaria origem à bandeira do Estado de Minas Ge-rais. Ainda assim, é colocada uma certa dúvidaquanto à origem maçônica da inspiração do de-senho da bandeira, que poderia, também, ser deinspiração cristã, ficando no ar a dúvida sobre aefetiva influência da maçonaria nos episódios aliabordados. 

Já em Azevedo (2010) encontramos outrareferência à influência da maçonaria na históriabrasileira: A conjuração baiana. Citando maçonsde influência política expressiva no período, oautor assinala também, paralelamente, uma daspossíveis origens históricas da maçonaria em

nosso país:

Em meio a essa tensa situaçãosocial e política (A ConjuraçãoBaiana), em novembro de1796 chegou a Salvador o ca-pitão Antoine René Larcher,que participara da RevoluçãoFrancesa de 1789. Durante otempo em que permaneceuna Bahia, Larcher divulgou

intensamente os princípiosiluministas, propagando osideais de liberdade, igualdadee fraternidade. Simpatizantesdessas ideias passaram a sereunir com frequência nos ar-rabaldes da capital baiana.Desses encontros participa-vam inicialmente pessoas li-gadas à elite, como o médicoCipriano Barata, o padre Fran-cisco Agostinho Gomes e se-

nhores de engenho da regiãodo Recôncavo. Em 1797, al-guns desses membros da elitecriaram em Salvador uma so-ciedade secreta conhecidacomo Cavaleiros da Luz , em-penhada em organizar ummovimento republicano naBahia. Para alguns historiado-res, esse grupo seria o em-

brião de uma das primeiraslojas maçônicas do Brasil (vejaa seção enquanto isso...).(AZEVEDO, 2010, p. 237).

No trecho a seguir, o mesmo autor fazmenção a um dos conflitos internos da maçona-ria no século XIX mais importantes, no sentidodo delineamento da atuação maçônica naqueleperíodo. Realmente, através da leitura dos confli-tos estabelecidos entre as correntes político-ideológicas dos dois mais expressivos líderesmaçônicos de então, José Bonifácio e GonçalvesLêdo, pode-se elaborar uma compreensão bemmais aprofundada dos eventos e acontecimentosque conformaram o processo de independência

do Brasil. Infelizmente, apesar da menção ao fa-to, o aprofundamento do debate entre estes doisimportantes personagens históricos não se fez.

p. 261. Essa questão (A Inde-pendência do Brasil) vinhasendo discutida nas lojas ma-çônicas e passou a ser debati-da também nos jornais. O de-bate deu origem a duas cor-rentes de opinião: a de José

Bonifácio, que propunha umaautonomia sem ruptura comPortugal; e a de GonçalvesLêdo, proprietário do JornalRevérbero Constitucional Flu- minense , que defendia o rom-pimento com Portugal.(AZEVEDO, op. cit. p. 261).

De todo modo, das obras até aqui analisa-das, esta é a que mais coerentemente apresenta

a Maçonaria em seu texto, fazendo menção, ain-da que superficialmente, à participação maçônicaem alguns dos eventos revolucionários brasilei-ros, assinalando as correntes de pensamento dís-pares que conformavam a atuação maçônica noperíodo e procurando dar uma visão do pensa-mento maçônico em sua ligação com o Iluminis-mo. Por fim, há de se destacar a inserção de umbox   ilustrado, na página 240 da mesma obra,

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que, ao lado de uma ilustração representandouma iniciação maçônica no século XVIII, reportaum pouco do simbolismo e ritualística própriasdaquela instituição.

Outro autor, outra referência. Em Noguei-

ra (2010) encontramos esta única e curiosa asso-ciação entre as ordens maçônica e carbonária.Curiosamente, o autor parece utilizar a citação àmaçonaria apenas com o intuito de melhor expli-car o que seria a carbonária, seu objeto maior deinteresse:

A semelhança entre a Maço-naria e a Carbonária incluía oaspecto espiritual e o político,pois ambas combatiam a into-

lerância religiosa e o Absolu-tismo. Os carbonários inspira-vam-se nos ideais iluministase na Revolução Francesa; seulema era “Liberdade, Igualda-de, Fraternidade”. Embora aIgreja Católica fosse um deseus inimigos, eles tinham umpadroeiro, São Teobaldo.Além da Itália, a sociedadesecreta dos carbonários tam-bém atuou na França, na Es-panha e em Portugal.(NOGUEIRA, 2010, p. 287).

Nesta obra, há certa confusão entre a car-bonária e a maçonaria por parte do autor. Confli-to este explicitado na afirmação de que esta so-ciedade atuou em vários países, sendo a carbo-nária uma sociedade revolucionária essencial-mente italiana. Outros aspectos que geram con-fusão: Em outra parte do texto, que ocupa uma

página inteira da obra, Garibaldi, o “herói de doiscontinentes”, é citado como carbonário, fato esseque não pode ser questionado, já que há consi-derável documentação na historiografia italianaque comprova o fato. Entretanto, o que o textonão cita, e seria mais relevante de mencionar emum livro que se dedica a explicar a história doBrasil, é que Giussepe Garibaldi também era ma-çom, já que fora iniciado em Loja do Rio Grande

do Sul, quando por aqui esteve. Por fim, um últi-mo equívoco por parte do autor não pode deixarde ser mencionado: na ilustração que se apre-senta à mesma página 287, o símbolo represen-tado na página, o Compasso, é maçônico, e nãocarbonário. Esta última baseava sua simbologianão em instrumentos ligados à arquitetura, comoos maçons, e sim em instrumentos ligados às flo-restas e às pedras, como o carvão e algumas es-pécies da flora das florestas europeias.

Encerrando esta compilação de obras di-dáticas, deixamos para o final o comentário arespeito da obra de Alexandre Alves (2010), ape-nas para deixar assinalado que, quanto a este au-tor, nada foi encontrado nos três volumes quecompõem a coleção didática de sua autoria. Não

há qualquer referência à Maçonaria em toda acoleção analisada.

Considerações finais: Foucault e a ordem dodiscurso.

Todo sistema de educação éuma maneira política de man-ter ou de modificar a apropri-ação dos discursos, com os

saberes e os poderes que elestrazem consigo. (FOUCAULT,1996, p. 44).

Michel Foucault nos alerta para a constru-ção de uma ordem do discurso , criada no âmbitoda escrita e da construção dos sentidos desta.Analisando as obras didáticas aqui apresentadas,percebemos que uma interdição se manifesta. Aosuprimir da escrita da história a instituição maçô-

nica enquanto lócus  de atuação de forças políti-cas em diversos momentos da história nacional,ocorre um apagamento do entendimento políti-co, na acepção original do termo, enquanto as-sunto da polis , através de um sistema de exclu-são. Há que se manifestar, nesse sentido, umavontade de verdade  que assume a tarefa de res-gatar dos porões da História a maçonaria en-quanto sociedade de discurso  (op.cit. p. 40), ela-

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boradora de doutrinas transformadoras do socialem que historicamente se insere. A Educação é oinstrumento pelo qual todo indivíduo pode teracesso a qualquer tipo de discurso, rompendocom o que permite e o que impede o acesso aoque a sociedade entende como “o secreto”, o

murmúrio das coisas ditas à meia-voz   (op.cit. p.76).

Tentamos aqui realizar uma reflexão sobrea ciência histórica, visando explicitar seus pressu-postos didáticos. Por outro lado, a Didática daHistória, ao se afastar do processo de pedagogi-zação do ensino e se vincular à Ciência da Histó-ria, entende o ensino de História como o proces-so pelo qual se busca ampliar e complexizar opensar histórico humano. Ela se volta, assim, para

os conceitos epistemológicos da História da Edu-cação e para as reflexões sobre a práxis historio-gráfica, visando ampliar a capacidade dos ho-mens de compreender e explicar, de algum mo-do, historicamente, a sociedade em que vive.

Enfim, o que se objetivou neste trabalho foi oresgate da participação da instituição maçônicanesta sociedade, com vista a melhor compreen-der seus acontecimentos históricos. Afinal:

os discursos não podem seraceitos senão quando providosda função autor (...) De ondeele vem, quem o escreveu, emque data, em que circunstân-cias ou a partir de que projeto.O sentido que lhe é dado, ostatus ou o valor que nele sereconhece depende da maneiracom que se responde a essasquestões. (FOUCAULT, 2001,p.276).

Encerramos este trabalho não com umaconclusão, mas com uma proposta aos futurosautores didáticos. Consideramos que essa articu-lação envolve também uma tarefa política situa-da no campo das relações entre escola e univer-sidade, que poderá ser objeto, inclusive, das dis-cussões a serem travadas no futuro. Citando Ro-

land Barthes, em O prazer do texto , propomosaqui uma ideia: “Ideia de um livro no qual estariaentrançada, tecida, da maneira mais pessoal, arelação de todas as fruições: as da “vida” e as dotexto, no qual uma mesma anamnese captaria aleitura e a aventura.”  (BARTHES, 1973, p. 176).

Este hipotético livro deveria ter a preten-são, utópica, reconhecemos em princípio, deabarcar os projetos dos diversos grupos, dentreos quais também se insere a maçonaria, que seconstituíram na busca pela construção de um no-vo imaginário social em suas épocas, resgatandouma história “viva” que está, ainda, se escreven-do. Neste percurso, que fique claro, não se pro-pugna pela elaboração de uma história totalizan-te, mas sim, posicionamo-nos contra o apaga-

mento de uma fatia relevante para o entendi-mento dos motores da história humana. A buscadeste entendimento pode ser caminho profícuopara o intento de compreender o movimento daspolíticas educacionais e os engendramentos queacusam as permanências e as transformações,que forjam práticas, trajetórias e sujeitos no tem-po e espaço historicamente determinados. 

Em prol deste entendimento didático me-lhor elaborado, encerramos com uma reflexãofinal, ao “estilo maçônico”, de Roland Barthes: 

Na cena do texto não existeribalta; não há por detrás dotexto ninguém ativo (o escri-tor) nem diante dele ninguémpassivo (o leitor); não há umsujeito e um objeto. O textoprescreve as atitudes gramati-cais: é o olho indiferenciadode que fala um autor excessi-vo, Angelus Silésius: “O olho

com que eu vejo Deus é omesmo olho com que ele mevê. (op. cit., p. 140).

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