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Ciências Políticas II Adriano Codato Alexandro Dantas T rindade Giovana Bonamim  Julio Cesar G. Silva Luiz Domingos Costa Pedro Leonardo Medeiros Lucas Massimo

CIÊNCIAS POLÍTICAS II

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Ciências Políticas IIAdriano Codato

Alexandro Dantas TrindadeGiovana Bonamim

 Julio Cesar G. Silva

Luiz Domingos CostaPedro Leonardo Medeiros

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Ciências Políticas IIAdriano Codato

Alexandro Dantas TrindadeGiovana Bonamim

 Julio Cesar G. SilvaLuiz Domingos Costa

Pedro Leonardo MedeiroLucas Massimo

2012

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© 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escritodos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images

IESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200Batel – Curitiba – PR0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

C669 Codato, Adriano; et. al / Ciências Políticas II / Adriano Codato – CuritibaIESDE Brasil S.A., 2012.

216 p.

ISBN: 978-85-387-3209-9

1. Ciência Política. I. Título.

CDD 300.0904

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Doutor e mestre em Ciência Política pela Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciên-cias Sociais com ênase em Ciência Política pela Unicamp.

Adriano Codato

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadu-

al de Campinas (Unicamp). Especialista em Formação deQuadros Prossionais pelo Centro Brasileiro de Análise ePlanejamento (Cebrap). Graduado em Ciências Sociais comênase em Ciência Política e Sociologia pela Unicamp.

Alexandro Dantas Trindade

Mestranda em Ciência Política pela Universidade

Federal do Paraná (UFPR) e graduada em Ciências Sociais.

Giovana Bonamim

Mestrando em Ciência Política pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR). Graduado em Ciências Sociaispela UFPR.

Julio Cesar G. Silva

Mestrando em Ciência Política pela UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp). Graduado em CiênciasSociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Luiz Domingos Costa

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Mestrando em Ciência Política pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR). Graduado em Ciências Sociaispela UFPR.

Mestrando em Ciência Política pela UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp). Graduado em CiênciasSociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) comestágio de pesquisa na Fondation Nationale des SciencesPolitiques (França).

Pedro Leonardo Medeiros

Lucas Massimo

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Sumário

A ormação do Estado no Brasil .......................................................................13

Modelos, métodos e teorias .................................................................................................................14

Denição do objeto e escolha do período ...................................................................................... 15

O campo de estudos sobre a ormação do Estado no Brasil ....................................................21

Considerações nais ................................................................................................................................ 25

Tradições do pensamento social brasileiro..................................................31

Peculiaridades da ormação social brasileira: o Brasil-nação como ideologia ...................31

Motivos ibéricos e a modernidade no Brasil ..................................................................................35

Modernismo e identidade nacional ..................................................................................................39

O pensamento político autoritário .................................................................51

Crise das oligarquias, conjuntura e síntese política de Getúlio Vargas .................................52

O Código Eleitoral de 1932: desencontros sobre o conceito de democracia .....................55

Autoritarismo: denições e aplicações ............................................................................................. 57

Nacionalismo e Modernismo ...............................................................................................................61

A derrota do liberalismo e a modernização conservadora: considerações nais .............63

A ideologia do desenvolvimento nacional na década de 1950 ...........71

De Vargas a Juscelino Kubitschek: a eleição de 1955 .................................................................. 72

Política econômica e estrutura social na década de 1950 ......................................................... 74

O governo JK e a construção de Brasília ..........................................................................................77

O Iseb e o nacional-desenvolvimentismo ....................................................................................... 79

Considerações nais ................................................................................................................................ 80

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A classe trabalhadora no Brasil ........................................................................87

O ciclo PCB e o sindicalismo corporativista ....................................................................................87

O ciclo PT e o novo sindicalismo ......................................................................................................... 94Considerações nais ................................................................................................................................ 99

Sistema eleitoral e partidos políticos ..........................................................105

Recuo contextual: metamoroses soridas pelos partidos ......................................................105

Sistema eleitoral brasileiro ..................................................................................................................108

Eeitos imediatos ou diretos ...............................................................................................................113

Sistema de governo no Brasil: o presidencialismo de coalizão,passado e presente............................................................................................121

O presidencialismo brasileiro. ............................................................................................................123

O Poder Legislativo. ...............................................................................................................................125

O risco da crise institucional e a quebra do regime democrático ........................................126

Novas avaliações e a crença na estabilidade. ...............................................................................128

A judicialização da política e a politização da Justiça no Brasil. ........137

A Constituição Federal de 1988e as relações entre o Judiciário e os demais poderes. ...............................................................139

A política judicializada. .........................................................................................................................144

A ace política da Justiça. .....................................................................................................................146

Considerações nais. .............................................................................................................................148

Economia e política no desenvolvimentismo brasileiro. .....................157

A ditadura militar e o milagre econômico. ....................................................................................158

A campanha contra a estatização: a burguesia contra o Estado? .........................................162Expansão do Estado e a crise da dívida externa .........................................................................166

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Economia e política no neoliberalismo brasileiro ..................................177

O Plano Real e o programa de ajustes estruturais ......................................................................179

O estilo tecnocrático de gestão e o pacto político conservador ..........................................182Abertura da economia e vulnerabilidade externa:uma estratégia de inserção subordinada à economia internacional ..................................185

Considerações nais ..............................................................................................................................187

Gabarito .................................................................................................................193

Reerências ...........................................................................................................205

Anotações .............................................................................................................215

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Apresentação

Cientistas políticos são quase unânimes ao armarque o Brasil é uma “poliarquia institucionalizada”. Issosignica que o regime político democrático – um nomemenos preciso e mais normativo que  poliarquia – tornou--se a orma de governo incontestada entre nós.

Conorme a denição clássica de Robert Dahl, um paísserá tanto mais democrático, ou poliárquico, quanto me-lhores orem as condições que garantam o direito à oposi-

ção (que Dahl chama de contestação pública) e o direito à participação em eleições e cargos de direção política.

Alguns dados brutos são sucientes para ilustrar asmudanças do país nas últimas décadas nessa direção.Desde a promulgação da Constituição de 1988 e da elei-ção para presidente da República, em 1989, houve umprocesso contínuo e crescente de institucionalizaçãodemocrática. O total de eleitores inscritos para votar em

2006 era muito próximo de 126 milhões de pessoas. OPoder Legislativo abriu-se à expressão de minorias e ga-rantiu seu poder de veto. O sistema partidário tornou-secomplexo e passou a contar, em 2007, com 21 partidosrepresentados no Parlamento. A eetiva separação entre oExecutivo e o Legislativo, se não garantiu integralmenteo preceito da autonomia mútua e da scalização recípro-ca, ao menos dividiu as unções governativas (ainda quede maneira desequilibrada) entre os dois ramos principais

do sistema estatal. As eleições tornaram-se razoavelmentecompetitivas, embora persista (e cada vez se amplie mais)o desequilíbrio entre candidaturas mais e menos opulen-tas. A legislação garantiu consultas políticas por meio deplebiscitos e reerendos e o direito de propor leis de inicia-tiva popular. Foram criados inúmeros conselhos setoriaisde políticas de governo com participação da sociedade

civil . O direito de greve oi garantido.

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Comparando com o período imediatamente anterior,da ditadura militar, ou com o regime da Constituição de1946, é certo que hoje há muito mais garantias aos direi-

tos de associação e expressão, muito mais condições paraa ormação de partidos e organizações políticas, maiorigualdade perante a lei, maior controle sobre os governos,maior tolerância diante do conito. Essas liberdades libe-rais clássicas oram responsáveis por uma mudança impor-tante na composição e no perl das lideranças eleitas, au-mentando o grau de inclusão de outros grupos sociais nasarenas políticas e, com isso, a variedade de interesses re-presentados. As políticas governamentais de caráter social

– cada vez mais importantes na agenda pública – ilustramisso. Houve mesmo uma relativa popularização da classepolítica e uma importante prossionalização da elite esta-tal em alguns domínios especícos. Os próprios partidostiveram de adaptar-se às novas condições de competiçãopor eleitores, ajustando seu programa e sua retórica a va-lores mais pluralistas. As ideologias autoritárias perderama audiência e a popularidade que já tiveram no passado. Ademocracia parece gerar – ainda em um grau insucien-

te, é certo – crenças e atitudes mais democráticas e maistolerantes.

Essas condições para a poliarquia não oram criadasdo nada. O processo histórico que conduziu o país até ograu presente de desenvolvimento institucional supôscertas sequências históricas. Ao longo do século XX, váriosoram os atores socioeconômicos e ideológicos que in-uenciaram o mundo político.

O livro que o leitor tem em mãos procura expor eexplicar o diícil caminho para a institucionalização dapoliarquia à brasileira. Compreender a persistência doclientelismo, da patronagem, da corrupção, do grau des-mesuradamente alto de irresponsabilidade governamen-tal, de autonomia dos representantes políticos, dos dese-quilíbrios do poder econômico e do poder social implica

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compreender a via peculiar do país para a democraciarealmente existente entre nós. Assim, oerecemos aquiduas coisas em um mesmo volume: um resumo das pre-

condições históricas do regime atual e uma caracterizaçãosumária e didática das suas características principais.

 Adriano Codato

Curitiba, primavera de 2009.

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A ormação do Estado no Brasil

Adriano CodatoNós soremos não apenas dos vivos, mas também dos mortos.

Karl Marx 

O tema da ormação do Estado no Brasil é um assunto recorrente na Ciência Po-lítica e na Sociologia Política brasileiras por conta de sua grande importância para acompreensão da realidade nacional e de certos problemas, por exemplo, o subdesen-

volvimento, a violência e a desigualdade. Assim, ao mostrarem as raízes históricas dasdiculdades nacionais, os estudos sobre a ormação do Estado contribuem para o de-senvolvimento de ações políticas e econômicas que ajudem a resolvê-los.

Se olharmos unicamente para a estrutura pronta, nal e acabada, isto é, para oEstado tal como ele se apresenta em um dado momento, com certeza corremos o riscode não entendê-lo integralmente. Por outro lado, conhecer o processo de construção

do Estado nos permite desvendar os elementos que contribuíram tanto para a cria-ção de seu aspecto epidérmico (o que nos é acilmente apreensível) quanto para seuaspecto visceral (os seus segredos), pois ao longo desse processo ambos os aspectos

ainda não estavam ajustados da orma como estão no presente. Esse acompanhamen-to exige uma análise diacrônica. Ela permite mudar nosso olhar sobre esse objeto (nonosso caso, o Estado brasileiro) como se o ragmentasse em várias partes, mostrandodetalhes, encaixes, conitos, contradições que passam despercebidos em uma análisepuramente sincrônica.

Diacrônico: relativo ao estudo ou à compreensão de um ato ou de um conjun-to de atos em sua evolução no tempo.

Sincrônico: que ocorre, existe ou se apresenta precisamente ao mesmo tempo;simultâneo [...]; [...] relativo a um conjunto de atos que coincidem no tempo, semlevar em conta o processo evolutivo.

(in: HOUAISS dicionário eletrônico da língua portuguesa, versão 1.0, dez. 2001.)

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Modelos, métodos e teoriasExistem basicamente duas grandes teorias da Sociologia Política que explicam a

ormação do Estado burguês moderno: a marxista e a weberiana. As duas são incom-patíveis do ponto de vista lógico. Elas abordam a relação entre Estado e sociedade de

duas maneiras muito distintas.

A sociologia histórica de Max Weber (1864-1920) pode ser muito bem entendi-da por meio da leitura do texto “Política como vocação” e dos textos que compõem aúltima parte do seu livro Economia e Sociedade. No capítulo “Sociologia da dominação”,Weber demonstra como ocorreu o desenvolvimento do Estado moderno. A partir deuma perspectiva internalista, ele entende o Estado por meio de variáveis propriamenteestatais, sem azer alusão às dinâmicas que correm paralelamente ao Estado (sociais,econômicas etc.).

O que queremos dizer com a expressão  perspectiva internalista? É que Weberbusca explicar o Estado analisando como a conguração estatal se altera ou se repro-duz com base unicamente em suas orças e poderes internos. Ele explica a política a partirde variáveis exclusivamente políticas, como se as ações, os interesses e os conitos dosatores políticos estivessem ligados apenas a causas especicamente políticas. Assim,pode-se dizer que, em resumo, Weber estuda o Estado como se ele tivesse vida pró-pria, independente de quaisquer outros determinantes que não os seus movimentosinternos. Segundo Weber, a lógica de uncionamento do Estado é completamente au-

tônoma, pois nenhuma orça externa ao aparelho estatal tem capacidade de intererir

no seu arranjo interno e no seu desenvolvimento como organização.O contraste mais claro com esse tipo de abordagem é a explicação proposta por

Karl Marx (1818-1883) no livro O 18 Brumário de Louis Bonaparte. Marx sugere como asdinâmicas ocorridas no interior do Estado são na realidade determinadas por disputasde interesse que se situam ora do aparelho político; isto é, como a sua estrutura internae o seu desenvolvimento como uma organização burocrática complexa são determi-nadas pelas lutas de classe. Portanto, a obra de Marx se opõe à de Weber na medidaem que adota uma perspectiva analítica externalista, que explica o Estado utilizandovariáveis que não pertencem e não agem a partir da estrutura interna do aparelho de

Estado. Marx entende o Estado como um eeito das lutas de classe. Assim, segundo ateoria marxista, o Estado não é determinado por sua dinâmica própria, mas por orçase interesses que atingem o Estado de ora para dentro.

Esses dois marcos teóricos são os principais paradigmas que orientaram os estu-dos sobre a ormação do Estado no Brasil e no mundo. Salientaremos a partir de agoracomo a oposição lógica entre as teorias marxista e weberiana se reetiram nos estudosque buscam compreender a constituição do Estado brasileiro.

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Denição do objeto e escolha do períodoUm rápido olhar sobre a história do Brasil pode nos ajudar a responder certas ques-

tões acerca da nossa realidade nacional. Entretanto, embora os estudos históricos acilitema compreensão de vários problemas, não é simples recorrer à análise histórica. A diculda-

de decorre, no caso, do apreciável volume de história que já acumulamos.

Desde a colonização portuguesa (1500-1822), com introdução de mão de obraescrava, até o início do século XXI, passando pela libertação dos escravos em 1888 epela primeira Era Vargas (1930-1945), temos mais de 500 anos de história. Esse grossoperíodo e a quantidade de eventos que o caracterizam tornam diícil uma abordagemque lance mão apenas de variáveis ligadas ao desenvolvimento histórico. Um dos prin-cipais problemas aqui é a seleção dos eventos signicativos ou do recorte temporal re-levante. Com eeito, se queremos tomar como objeto de estudo a ormação do Estadobrasileiro, o primeiro passo é denir quando ocorreu esse processo.

Ao examinarmos a bibliograa especíca sobre esse assunto, percebemos quenão há muito consenso sobre o momento em que o Estado nacional brasileiro seconstituiu.

Alguns autores estudam mais detidamente o período que vai do m dasRegências (1831-1840) até a Proclamação da República (1889), dando grandeênase ao processo de libertação dos escravos (1888).

Por outro lado, outros autores analisam principalmente o período desde o

m da política oligárquica (1898-1930) até o m do primeiro governo Vargas(1930-1945), enatizando dois acontecimentos políticos signicativos: a Revo-lução de 1930 e o Golpe de Estado de 1937.

Enquanto o primeiro grupo de estudiosos entende que para compreender e ex-plicar a gênese do Estado brasileiro é preciso estudar o Estado do Segundo Império(1840-1889), o segundo grupo de autores postula que não é preciso ir tão longe, poiso Estado só se consolidou de ato na década de 1930.

Por que existe essa discordância? As principais causas dessa divergência são a

denição do que é Estado e a ace do Estado que se pretende abordar.

A denição do Estado está ligada aos critérios utilizados por um autor para ormu-lar um conceito que dê conta do aspecto do Estado que se pretende abordar. O espe-cialista escolhe e nomeia um aspecto do Estado, evitando assim o risco de pesquisara esmo. Isso é particularmente necessário para evitar uma pesquisa demasiadamentegrande, e que conduza a proposições muito genéricas, ou uma pesquisa muito restritae que retenha desse processo só as particularidades, só as exceções.

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    A    f   o   r   m   a   ç    ã   o    d   o    E   s   t   a    d   o   n   o    B   r   a   s    i    l

O Estado do Segundo Império

Os principais estudiosos que buscaram explicar a gênese e o desenvolvimentodo Estado brasileiro a partir de análises do período imperial oram Paula Beiguelman,Décio Saes e José Murilo de Carvalho.

Segundo Paula Beiguelman, em seu livro Formação Política do Brasil , é importanteanalisar o Estado no Segundo Império porque oi exatamente nesse período que oramgeradas duas ordens políticas undamentais:

a ormação de uma burguesia nacional , com o “crescimento de um setor demercado interno no complexo caeeiro” (BEIGUELMAN, 1976, p. 268);

a ormação de uma ordem ideológica que ligava os interesses de classe à práti-ca política (BEIGUELMAN, 1976, p. 143).

Um campo ideológico especíco, ligado ao mesmo tempo às classes sociais e àesera política, é o mecanismo pelo qual os interesses da burguesia são representadosdentro do aparelho de Estado. E a construção da burguesia nacional corresponde aom do modo de produção escravista e ao início de um modo de produção assalariado,tipicamente burguês. Essas características, com ênase na presença de representantesda burguesia dentro do aparelho de Estado, são elementos essenciais para a deniçãodo Estado brasileiro.

De modo semelhante, Décio Saes, em seu livro Formação do Estado Burguês no

Brasil , também dene o Estado a partir das transormações do modo de produção da

economia brasileira. Tanto para Beiguelman quanto para Saes, o m da escravidão éo marco inicial do processo de constituição do Estado capitalista no Brasil, pois com aalteração do modo de produção se altera, concomitantemente, a orma estatal. Coma abolição, passamos de um Estado escravista moderno para um Estado burguês. Paraambos, as lutas de classe possuem um papel central, pois “oi a luta de classe que levou[...] à liquidação do Estado escravista moderno e à sua substituição por um Estado bur-guês” (SAES, 1985, p. 345).

José Murilo de Carvalho, por sua vez, tem argumentos completamente dierentes

para relacionar a origem do Estado nacional brasileiro ao Segundo Império. ConormeCarvalho, o principal elemento a ser levado em conta é a unidade territorial , ou maisexatamente, a ormação das ronteiras nacionais. Comparando as colônias portugue-sas e espanholas no continente americano, ele observa que

[...] no início do século XIX a colônia espanhola dividia-se administrativamente em quatro vice--reinados, quatro capitanias-gerais, e 13 audiências, que no meio do século tinham se transormadoem 17 países independentes. Em contraste, as 18 capitanias-gerais da colônia portuguesa existentesem 1820 (excluída a Cisplatina) ormavam, já em 1825, vencida a Conederação do Equador, umúnico país. (CARVALHO, 2008, p. 13)

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Assim, como ele dene o Estado tendo em vista a unicação territorial, nada maisestratégico do que estudar o Estado do Segundo Império, já que a unicação territorialocorreu justamente nesse momento.

Unidade Territorial

No momento que precedeu o Segundo Império – período das Regências (1831--1840) –, a unidade territorial estava em risco pela grande quantidade de revoltas auto-nomistas, como a Cabanagem (1835-1840), a Balaiada (1838-1841) e a Sabinada (1837--1838). Somente depois da posse de D. Pedro II e da consolidação do Segundo Impérioa unidade territorial estaria garantida. E embora tenha ocorrido uma nova descentrali-zação a partir de 1889, a unidade territorial não voltou a ser uma questão nacional.

Com base nessas indicações muito sumárias, já percebemos que dois argumentoscentrais (e bem dierentes entre si) são utilizados para explicar a origem do moderno

Estado brasileiro e para justicar a escolha do Segundo Império como o momento es-sencial desse processo:

a ormação da unidade territorial nacional;

a passagem da sociedade para um modo de produção (escravista) a outro(capitalista).

Esses dois argumentos são muito mais dierentes do que aparentam. Eles dizemrespeito a ormas completamente distintas de entender a relação entre Estado e

sociedade.Saes e Beiguelman percebem o Estado e, mais amplamente, a estrutura política da so-

ciedade brasileira como um eeito do modo de produção econômico. Nesse sentido, qual-quer alteração na lógica do modo de produção acarretará alterações na orma do Estado.

Por sua vez, Carvalho enxerga o Estado como um sistema autônomo dotado deuma lógica interna, de uma dinâmica própria e especíca. Essa lógica é baseada nacompetição pelo poder propriamente estatal, sendo que a conguração do Estado dizrespeito à orma como se dá a distribuição do poder estatal pela sociedade. Isto é, se o

poder é mais ou menos centralizado.

O Estado da década de 1930

Ao contrário de Décio Saes, Paula Beiguelman e José Murilo de Carvalho, autorescomo Simon Schwartzman, Raymundo Faoro e Sônia Draibe postulam que o momen-to-chave para estudar a ormação do Estado brasileiro não é o Segundo Império e sima década de 1930 e após.

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Para Schwartzman, no Brasil o Estado se consolida à medida que a vida econômi-ca se torna subordinada ao processo político, de modo que a ormação do Estado bra-sileiro só ocorreu após o golpe de 1937 (com o qual Getúlio Vargas instituiu o EstadoNovo), pois antes dessa data houve um longo período em que as políticas econômicaseram levadas a cabo a partir das próprias localidades. Arma o autor que,

[...] no Brasil, pelo menos desde 1937, o Estado tem sempre desempenhado um papel ativo eagressivo na implementação de algum tipo de política de desenvolvimento econômico e social,embora ustigado pela crítica liberal anti-intervencionista. (SCHWARTZMAN, 1982, p. 145)

Um segundo motivo que leva o autor a escolher a década de 1930 para datar esseprocesso é que nesses anos se ampliou a modernização do Brasil graças ao aumento dealguns índices: população, urbanização, dispêndios governamentais. Assim, percebero início do processo de eetiva modernização do Brasil é um passo importantíssimo:“o entendimento de como o Brasil moderno se inicia é essencial, se queremos sabercomo o país é hoje” (SCHWARTZMAN, 1982, p. 106).

Modernização

Conorme Simon Schwartzman, “Estima-se [...] que a população urbana do paísaumentou de 10% para cerca de 30% de 1920 a 1940; os gastos governamentais,que se mantiveram praticamente estáveis em termos per capita de 1907 a 1943, cres-ceram no entanto, substancialmente, em termos absolutos, depois de 1930. Depoisde 1930, os itens reeridos a ‘gastos sociais’ começaram a surgir no orçamento ede-ral de orma individualizada, chegando a 10% do orçamento em 1940. A estruturaocupacional da população não mudou signicativamente: o emprego na agricultu-

ra desceu de 69 para 61,1% entre 1920 e 1940, enquanto que o emprego industrialcresceu somente 1%, de 13% em 1920” (SCHWARTZMAN, 1982, 105-106). Percebe-mos aqui alguns critérios utilizados pelo autor para denir modernização: a predomi-nância da vida urbana em detrimento da vida rural, o aumento das despesas estataiscom políticas sociais (como saúde, habitação, saneamento etc.) e industrialização.

Raymundo Faoro também identica como marco inicial da ormação do Estadobrasileiro a década de 1930, período caracterizado pela consolidação de eventos im-

portantes para a constituição do Estado, como a sua centralização administrativa, aorma como ele se tornou condutor de uma economia capitalista, e a modernizaçãotanto do aparelho do Estado quanto da sociedade. E devemos salientar que quandoFaoro escreve sobre centralização administrativa ele está querendo dizer algo dierentede centralização territorial de que ala Carvalho. A centralização territorial diz respeitoà demarcação das ronteiras e limites de terras assimiladas pelo Estado, ao passo que acentralização administrativa az alusão à centralização dos processos de dominação egestão do território previamente assegurado.

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A denição de modernização de Raymundo Faoro está muito próxima da deSchwartzman. Porém, Faoro enatiza um pouco mais a aparente liberdade dos indi-víduos, pois “o indivíduo, de súdito passa a cidadão, com a correspondente mudançade converter-se o Estado, de senhor a servidor, guarda da autonomia do homem livre”(FAORO, 1975, p. 734) e a liberdade dos indivíduos diz respeito principalmente à li-berdade de escolher os governantes, mobilizar-se politicamente e gerir seus próprios

negócios. Mas um dado interessante da obra de Faoro é que ele interpreta essas liber-dades como “liberdades aparentes” ao constatar que a própria orça estatal ornece aosindivíduos apenas a impressão de que eles podem agir livremente, sem ornecer-lhesveículos objetivos que concretizem tais liberdades: “Em última análise, a soberania po-pular não existe, senão como arsa, escamoteação ou engodo” (FAORO, 1975, p. 742).

A centralização administrativa se desenvolve paralelamente à assunção da con-dução da economia pelo Estado. Ela é denida tanto pela orma com que o Estadoconsegue controlar os poderes privados (ou seja, os poderes econômicos – segundoo autor, “o Estado invade e dirige a esera econômica”) quanto pela orma como oEstado se centraliza internamente.

Embora Sônia Draibe tenha escolhido o mesmo período de Faoro e Schwartzman,ela se dierencia amplamente desses dois autores no que diz respeito à lógica da explica-ção e ao procedimento de pesquisa. Sua escolha por estudar o Estado da década de 1930e após se deu porque, segundo arma, nesse período se evidencia mais claramente onascimento do Estado capitalista e do processo de industrialização do país. A correspon-dência cronológica entre esses dois atos – o surgimento de um Estado especicamenteburguês e a mudança dos rumos do desenvolvimento econômico nacional – permite à

autora “apreender o caráter especíco” da “relação entre o Estado e a economia ”brasi-leiros. Esse é, diz ela, o “momento que é simultaneamente o da industrialização e o daaquisição, por parte do Estado brasileiro, de estruturas materiais tipicamente capitalistas”(DRAIBE, 1985, p. 45).

Conorme a autora, a relação entre o Estado capitalista e a industrialização ocor-reu na medida em que a industrialização oi conduzida pelo Estado. No entanto, oEstado não determinou diretamente a industrialização: ele dirigiu as orças sociais, asorças que estavam já presentes na sociedade. Essas orças são as classes sociais e suadinâmica corresponde às lutas entre elas (ou seja, às lutas de classe).

No Brasil, até o início da década de 1930, as disputas entre as classes sociais ocorriamde orma descentralizada, sem um ambiente especíco para isso. O desequilíbrio das orçassociais, o surgimento de uma burguesia industrial (uma classe interessada na industriali-zação) e a complexicação das lutas de classe oram as principais causas da concentraçãodas lutas de classe no aparelho de Estado. Para a teoria marxista, o Estado é o espaço emque são decididas as lutas de classe: o Estado é compreendido como uma arena em queocorrem as disputas pelos interesses econômicos relacionados a cada classe, e o interesse

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que predomina nessa luta é concretizado, realizado na prática por meio do aparelho doEstado graças às políticas de Estado. Sônia Draibe entende o processo ocorrido no Brasila partir de 1930 como sendo o momento em que o Estado transormou-se concomitan-temente no espaço de equacionamento das lutas de classe (esse enômeno é nomeadocomo nacionalização das lutas de classe) e no mecanismo especíco de realização dos in-teresses ligados às classes que predominam nas lutas. E ainda sustenta a autora que esse

enômeno “constitui uma orma peculiar de incorporação dos interesses de classe na es-trutura material do Estado” (DRAIBE, 1985, p. 45).

Uma das peculiaridades do processo de nacionalização das lutas de classe noBrasil oi que a orça resultante das lutas de classe (o rumo apontado pela síntesedessas lutas) tendia para a industrialização: os interesses ligados à industrializaçãopredominavam e isso ez com que a orça resultante das lutas de classe se direcionas-se para ela. Dessa orma, arma a autora, o Estado teve de se modicar substancial-mente para atender às demandas da orça resultante das lutas de classe.

Condicionada tanto pela centralização das lutas de classe quanto pela predomi-nância de um interesse industrializante, as mudanças ocorridas no aparelho materialdo Estado ez com que sua estrutura interna assumisse características propriamentecapitalistas, tornando-se assim o condutor do processo de industrialização. Portanto,para Sônia Draibe a explicação dessa nova dinâmica histórica requer mapear “o pro-cesso de conormação das estruturas materiais do Estado – órgãos, códigos e peçaslegislativas – que deram suporte objetivo à elaboração de políticas econômicas de ca-ráter nacional, que conduziram a graus elevados a estatização da luta econômica declasse” (DRAIBE, 1985, p. 83), transormando o Estado na orça dirigente do processo de

industrialização.

Notamos, a partir do resumo dessas três perspectivas – as de Schwartzman, Faoroe Draibe – que a industrialização, a nacionalização das lutas de classe, a centraliza-ção administrativa e a modernização são eventos essenciais que devem ser abordadospara estudar o Estado. E sua gênese está, basicamente, na década de 1930.

Entretanto, assim como procedemos com o grupo dos autores que estudaram oSegundo Império brasileiro, devemos notar a orma como os autores que estudarama década de 1930 se distinguem e se assemelham. Percebe-se claramente que a ma-

neira como Faoro e Schwartzman entendem o Estado – sua gênese e seu desenvol-vimento – parte de uma perspectiva ortemente weberiana. Eles concentram toda aexplicação na dinâmica propriamente estatal. Principalmente quando escrevem sobrea centralização administrativa e a subordinação da vida econômica aos processos po-líticos, ambos denem o Estado por meio de elementos que dizem respeito somenteà lógica do Estado ou à orma como o Estado predomina em relação à sociedade. Porsua vez, Sônia Draibe se preocupa muito mais em olhar as dinâmicas de classe (isto é,aqueles processos que se situam ora do aparelho estatal) para denir o Estado. Assim,

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ela dene e estuda o Estado por meio de elementos que não são próprios do Estado,ato que a aproxima mais de uma perspectiva marxista, que tende a ocalizar o modopelo qual as dinâmicas sociais determinam o Estado.

O campo de estudos sobre a ormaçãodo Estado no Brasil

Se a literatura que trata da ormação do Estado brasileiro é muito ampla e varia-da, uma boa estratégia para nos orientar nesses estudos é identicar um o condu-tor. Nosso o condutor será a ambiguidade lógica existente entre a teoria weberiana e a

marxista, pois o campo de estudos acerca da ormação do Estado brasileiro tem comoparâmetro, como vimos, a oposição entre a abordagem marxista e weberiana.

Para mostrar como estão dispostos os trabalhos, aremos uma síntese de dois dosprincipais estudos sobre o Estado no Brasil Imperial. Por meio do contraste, buscare-mos desvelar tanto as características lógicas dos modelos utilizados quanto algunspontos estratégicos de análise.

Décio Saes: a transormação do modo de produção e a ormação

do Estado burguês no Brasil

Décio Saes, no livro A Formação do Estado Burguês no Brasil , tem por objetivo mos-trar como ocorreu o nascimento de uma burguesia nacional e a concomitante orma-ção de um Estado capitalista que contribuiu para a reprodução das relações de classe(SAES, 1985, p. 72).

Em primeiro lugar, o autor identica as principais orças sociais (ou classes sociais)que contribuíram para a construção do Estado: a classe dominante (produtores rurais),a classe média (trabalhadores não manuais ou prossionais liberais) e os escravos.

Um dos grandes dierenciais da obra de Saes é (1985, p. 235) a armação de quetodas as classes dominantes apoiavam a escravidão1 e que somente a classe média e osescravos apoiavam a abolição. Embora a classe média e os escravos apoiassem a aboli-ção, o papel de cada um desses grupos no processo que desencadeou o m do trabalhocompulsório oi dierente: enquanto a classe média oi a orça dirigente do processo, osescravos oram a orça motora. Ou seja, a orça objetiva dos escravos oi conduzida e

1Para certos autores (Paula Beiguelman, por exemplo), a classe de proprietários de lavouras de caé em São Paulo era contra a escravidão. Até esses autores, as

abordagens marxistas entendiam o m da escravidão como o produto de um interesse ligado a uma ração da classe proprietária.

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canalizada pela classe média. Existia ainda, segundo Saes (1985, p. 331), uma partici-pação relevante do Exército enquanto “partido político da classe média”: o Exército setransormou no veículo utilizado pela classe média para se azer representar na estru-tura estatal.

O m da escravidão e a concomitante ormação do Estado burguês tiveram como

causas a coexistência de duas contradições inerentes ao antigo regime brasileiro:a contradição entre os interesses dos escravos e o interesse dos proprietários;

a contradição entre os interesses da classe média e as disposições do sistema

 jurídico-social .

Os movimentos abolicionistas empreendidos pelos escravos oram a principalorça social que conduziu à abolição. Todas as leis abolicionistas são entendidas porSaes (1985, p. 239) como concessões que visavam a amenizar as lutas de classes entreescravos e proprietários e não como produto de lutas políticas ou propriamente esta-

tais. As revoltas escravas conguraram uma grande orça para a construção do Estadoburguês que surgiu como uma consequência do m da escravidão e, portanto, da al-teração no modo de produção. Entretanto, a orça abolicionista proveniente dos escra-vos não poderia ter realizado a emancipação caso não tivesse sido dirigida pela classemédia.

O principal interesse da classe média ao lutar pela abolição era o de valorizar mais

a sua posição social , já que antes da abolição o valor da posição ocupada pela classemédia na sociedade era relativamente baixo. A baixa valorização da posição social do

trabalhador não manual (isto é, classe média) ocorreu porque o acesso a essa posi-ção não era entendido pelos demais grupos como um produto de características pró-prias ou de “dons” e “méritos” individuais, mas como derivado de uma hierarquia clarae explícita: uma dierenciação social prevista por lei (a escravidão, sancionada por lei,dierenciava explicitamente escravos e não escravos). Nesse sentido, o maior questio-namento da classe média era com relação ao sistema jurídico, pois ao explicitar as di-erenças sociais as leis oram responsáveis pelo baixo reconhecimento da posição daclasse média na sociedade.

Com eeito, a alteração jurídica proposta pela classe média oi a abolição. Tal re-

orma jurídica tornou as dierenças sociais mais disarçadas na medida em que tratavatodos os indivíduos como iguais. Essa camuagem das dierenças sociais produziria aaparência de que os trabalhadores não manuais ocupavam uma determinada posiçãosocial não por privilégios garantidos por leis, mas por seu mérito individual, o que con-tribuiu para maior valorização da posição dessa classe na sociedade. Logo, a deesa daabolição pela classe média deve ser entendida como o produto de seu interesse parti-

cular em transormar sua própria situação de classe e não como uma disposição altruísta

e humanista (SAES, 1985, p. 296). Dessa orma, a classe média possuía e reivindicava

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uma ideologia propriamente burguesa (igualdade e meritocracia), a qual, colocada emprática, contribuiu para a ormação do Estado burguês no Brasil.

Meritocracia: predomínio numa sociedade, organização, grupo, ocupação etc.daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bemdotados intelectualmente etc.)

(in: HOUAISS dicionário eletrônico da língua portuguesa, versão 1.0, dez. 2001.)

Por meio da anidade entre os dois interesses (dos escravos e da classe média),surgiram condições avoráveis para a abolição. Associada à alteração na ordem jurídi-ca, a abolição contribuiu para transormar o Estado brasileiro em um Estado capitalista.O m da escravidão deve ser entendido como um momento-chave para compreendera ormação do Estado capitalista brasileiro.

José Murilo de Carvalho: a construção da ordem política

nacional e o papel da elite política imperial

O problema que José Murilo de Carvalho se propõe a resolver (CARVALHO, 2008,p. 13) é

Por que as colônias portuguesas se mantiveram unidas, ao passo que as colôniasespanholas se ragmentaram em diversas unidades administrativas?

A explicação do autor para tal questão é a de que o Estado teve essa conguração(unidade territorial) no Brasil pela homogeneidade ideológica e de treinamento das suas elites

 políticas e administrativas (CARVALHO, 2008, p. 33). Por elites políticas ele entende o grupo“dos homens que tomavam decisões dentro do governo central” (CARVALHO, 2008, p. 57)– senadores, ministros, deputados e conselheiros do imperador. Com homogeneidade ide-

ológica e de treinamento o autor quer dizer que as elites passaram por processos muitosemelhantes ao longo de sua trajetória: estudaram nas mesmas escolas, provieram de a-mílias parecidas e não tinham entre si uma grande dierenciação prossional.

Antes mesmo da implantação do Império Brasileiro, já existiam políticas de ormaçãode elites por parte do Estado português (CARVALHO, 2008, p. 230). Por meio dessas polí-ticas, iniciou-se o processo de homogeneização ideológica das elites imperiais. Ou seja, oEstado produziu a própria elite que posteriormente o serviria. Essa homogeneidade ide-ológica e de treinamento das elites que habitavam as colônias portuguesas na Américadiminuiu consideravelmente os conitos intraelites. E a ausência de grandes conitos entreas elites oi a condição principal que permitiu a unidade territorial das colônias.

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Assim, para Carvalho, as elites políticas, criadas pelo Estado e agindo por meio doEstado, são as maiores responsáveis pelas mudanças institucionais do Estado brasileiro.

Elites políticas e classes sociais

Percebemos que a dierença entre José Murilo de Carvalho e Décio Saes é enorme,apesar de ambos estudarem o mesmo período. Enquanto Saes explica o Estado pormeio das relações entre as classes sociais, Carvalho estuda os indivíduos que partici-pam objetivamente da dinâmica política. Assim, Saes está mais próximo de uma pers-pectiva marxista, pois lança mão de variáveis extrapolíticas para explicar uma realida-de que Carvalho, mais próximo de uma análise weberiana, compreende em si mesma.

Apesar de Carvalho identicar a importância das  propriedades sociais adquiridaspelos agentes para a conormação da realidade política, essas propriedades não se expli-cam por si mesmas, encontrando undamento e relevância estruturante apenas quando

situadas ou maniestadas na esera política. Ou seja, embora Carvalho entenda que aspropriedades adquiridas pelas elites não são de origem estatal, essas propriedades nãoconstituem uma orça em si mesmas, não são independentes e se tornam atributos es-truturantes da política somente a partir de sua inserção na esera estatal : é a própria lógicapolítica que conere caráter às propriedades sociais adquiridas pela elite política.

Por outro lado, Saes observa a orma como as propriedades sociais têm relevânciae um poder estruturante da política em si mesmas. Elas ganham relevância por sua pró-pria orça, independentemente de estarem ou não circunscritas pela esera política.

Em suma, enquanto para Carvalho as propriedades sociais das elites só adquiremum peso especíco quando inscritas na lógica do Estado, para Saes as propriedadessociais têm em si mesmas a capacidade de estruturar a realidade estatal.

Outra dierença está na relevância que cada um dos autores outorga aos agentese às estruturas sociais. A abordagem de Carvalho é muito mais centrada nos indivíduos,analisando a política por meio do estudo dos agentes políticos, enquanto o trabalhode Saes está apoiado muito mais em análises estruturais, na lógica de interação dos in-teresses das classes sociais e seus desdobramentos na ação política. Assim, a análise de

Saes ignora completamente o papel dos agentes concretos no processo de ormaçãoda conjuntura política.

Associados a cada uma dessas abordagens estão métodos especícos e procedi-mentos estratégicos de pesquisa. A ênase nos indivíduos orça o pesquisador a adotarum procedimento de análise mais empírica, buscando coletar dados sobre o conjuntode agentes pesquisados. Por outro lado, o procedimento analítico de Saes o conduza adotar uma técnica muito mais abstrata e lógica – a interpretação dos processoshistórico-sociais.

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Análise empírica e análise teórica

O trabalho empírico conduzido por Carvalho se dierencia do trabalho de Saesna medida em que coleta dados sobre as elites políticas imperiais e posteriormenteos analisa. Esses dados são, por exemplo, a origem social (prossão dos pais), ondee quando os membros da elite estudaram, quais as suas prossões etc. Depois de

coletadas essas inormações, o pesquisador realiza uma análise estatística buscandorecorrências e correlações.

Por outro lado, Saes az uma interpretação do evento sob uma óptica especícae pré-selecionada. O pesquisador escolhe um modelo teórico especíco, estuda asproduções historiográcas sobre o período e interpreta os eventos tendo em vista alógica do modelo que selecionou. Assim, a sua pesquisa não possui caráter empíricona medida em que não trabalha com dados objetivos e não deriva conclusões dedados, mas de teorias.

Considerações naisÉ importante reter que a pesquisa histórica pode vir a ser uma ótima erramen-

ta para a compreensão da realidade social e dos problemas nacionais. A maioria daspesquisas sobre o Estado brasileiro que aliam Ciência Política e História estão preocu-padas em desvendar as origens do atraso, da desigualdade e do subdesenvolvimento

do Brasil.Entretanto, a pesquisa histórica não é ácil, pois exige um conhecimento amplo da

historiograa (suas ontes, seus debates e suas principais interpretações) e de algumastécnicas especiais. Enunciamos algumas dessas técnicas.

O objeto de pesquisa deve estar bem circunscrito: uma denição muito amplaou muito limitada daquilo que se quer estudar pode acarretar diculdadesno empreendimento da pesquisa. Além disso, a denição do objeto orientaráa escolha do  período histórico a ser estudado e dos eventos a serem ocados,

evitando que se investigue a esmo, sem um o condutor.É importante manter um contato íntimo com as teorias da Sociologia Políti-ca: graças a seus aparatos metodológico e conceitual, elas permitem opera-cionalizar certos modelos de análise tirando de cada um o que há de maisprodutivo. Ao estudarmos o Estado brasileiro, percebemos que existem duasgrandes teorias que explicam a instituição Estado – a marxista e a weberiana.Elas oram utilizadas pelos analistas, tendo sido adaptadas das mais diversasmaneiras, como procuramos resumir aqui.

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Texto complementar

Empresariado e modernização

(LEOPOLDI, 2000, p. 15-17)

“O tema especíco [do livro em questão] diz respeito ao papel desempenha-do pelos empresários industriais no processo de modernização do país, via indus-trialização. Uma vez que uma das questões centrais do tema especíco reere-seàs relações entre o Estado e o setor industrial, representado, ao longo do tempo,por dierentes entidades de classe, acabamos chegando à questão clássica acimamencionada. Trocando em miúdos, quero me reerir à natureza das relações entre oEstado e os dierentes setores de classe, na ormulação de políticas públicas ou de

interesses de segmentos sociais privados. Essa questão que, por seu próprio con-teúdo, nunca chegará a um ponto nal, lida com problemas estratégicos como o daautonomia maior ou menor, respectivamente, do Estado e das classes sociais, o dosignicado do Estado como representante de interesses dominantes etc. [...]

[...] Se tanto o setor industrial de São Paulo quanto o do Rio de Janeiro adota-ram uma atitude pragmática com relação aos “novos tempos”, que acabou resultan-do em um entendimento básico entre o Estado e os empresários industriais, o ritmodesse processo oi diverso. A aproximação entre os empresários cariocas e o gover-no Vargas realizou-se com menos percalços e com maior velocidade do que ocorreuem São Paulo. Nesse estado, o bloco de interesses regionais mostrou ser um elemen-to poderoso de resistência ao poder central, como demonstra a eclosão da “guerrapaulista”, sustentada, em grande medida, pelo esorço de seu parque industrial.

Passo ao que me parece ser a questão nevrálgica do livro, a qual pode ser assimormulada: em que medida o desenvolvimento econômico do país, a partir dos anos1930, teve como polo principal a iniciativa do Estado, ou pelo contrário, a ação orga-nizada da grande indústria?

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Atividades

Explique duas técnicas que podem ajudar no empreendimento de um estudo1.de Ciência Política que utiliza uma abordagem histórica.

As duas teorias usualmente empregadas para se pensar o Estado, tanto no Brasil2.quanto no mundo, são a marxista e a weberiana. Explique, com suas palavras,as principais características de cada uma delas.

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Selecione dois autores dos que oram abordados na aula, um que utiliza mais o3.modelo marxista e outro que emprega o modelo weberiano, e explique comocada um entende a ormação do Estado no Brasil.

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Ampliando conhecimentos

Além das obras que exploraremos aqui, existem muitas outras cujo estudo vale a pena.Indicamos algumas.

BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1976.BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,1997.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Globo, 2008.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,2009.

PRADO JR., Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.

URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. Rio de Janeiro: Diel, 1978.

VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.

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Tradições do pensamento social brasileiro

Alexandro Dantas TrindadeEm nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora;

o sol em nenhum outro hemisério tem raios tão dourados, nem os reexos noturnos tão brilhantes;

as estrelas são mais benignas e se mostram sempre alegres; os horizontes, ou nasça o sol, ou se sepulte,

estão sempre claros; as águas, ou se tomem nas ontes pelos campos, ou dentro das povoações nos

aquedutos, são as mais puras; é enm o Brasil terreal paraíso descoberto, onde tem nascimento e curso

os maiores rios; domina salutíero clima; inuem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o

azem értil e povoado de inumeráveis habitadores.

Sebastião da Rocha Pita

Peculiaridades da ormação social brasileira:

o Brasil-nação como ideologia

Ao percorrer os debates sobre a ormação social do Estado brasileiro ocorridos desdeo século XIX, uma questão tem apresentado desaos tanto às ciências sociais como à his-toriograa: a construção da identidade nacional. No nosso caso, o descompasso entre acriação do Estado e a ormação da nação brasileira. Em épocas de crise, a chamada ques-

tão nacional tem mobilizado diversos intelectuais, que se voltam para uma tentativa derepensar a nação, esboçando-lhe um sentido, dando-lhe alguma coerência.

Algumas representações têm sido mais vigorosas, mais requentes ou hegemôni-cas, tais como o “motivo edênico”, isto é, a visão paradisíaca do Brasil. Essa visão, pre-sente pelo menos desde a carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, oi expressa de

modo exemplar por Sebastião da Rocha Pita, em História da América Portuguesa (1730),conorme está na nossa epígrae.

A ideia de que o Brasil é “gigante pela própria natureza”, terra de um povo pacícoe ordeiro, sem revoluções, terremotos ou grandes rupturas, é igualmente parte dessegrande mito sobre a identidade nacional – da mesma maneira que a ideia de sermosum povo ormado pela mistura de três raças unidas por uma “democracia racial”. Se-gundo Octávio Ianni, visto em uma perspectiva histórica ampla, o Brasil se revela umaormação social caleidoscópica, um arquipélago, uma espécie de

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    T   r   a    d    i   ç    õ   e   s    d   o   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   s   o   c

    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

[...] labirinto de elementos culturais e étnicos, simultaneamente às dierentes ormas deorganização do trabalho e da produção. Essa é uma ormação social em que convivem ormasde sociabilidade constituídas em distintas épocas e em dierentes regiões; regiões que pormuito tempo, até meados do século XX, compunham uma espécie de arquipélago, em lugar deum país socialmente articulado. (IANNI, 2004, p. 160)

Uma nação em busca de um conceito: ainda segundo o autor, “o Brasil ainda não épropriamente uma nação” (IANNI, 2004, p. 199), embora possa ser um Estado nacionalno sentido de um aparelho estatal organizado, abrangente e orte, que acomoda, con-trola ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais e classes sociais.

Esse aspecto contraditório é, na verdade, produto de uma situação paradoxalque se vericou não apenas no Brasil, sendo extensiva às outras nações do NovoMundo. É que, dierentemente das nações europeias, “cuja estratégia ora a de estrei-tar os vínculos com um passado tanto mais glorioso quanto mais remoto, na Amé-rica a independência signicou o rompimento político com metrópoles que eramimportantes matrizes identitárias” (COSTA, 2008, p. 4). Ou seja, os países americanos

não podiam, ao mesmo tempo em que rompiam com suas metrópoles, renunciar asua ligação com o mundo europeu do ponto de vista cultural e político, tampoucoaastar-se do sistema mundial de Estados-nação, mas teriam que pertencer a ele deoutra maneira.

No caso brasileiro, o paradoxo do processo de independência oi mais complexo, poisa manutenção da unidade territorial do domínio português correspondeu muito mais auma visão da antiga metrópole que a uma demanda dos colonos, ao contrário do queaconteceu no restante do continente sul-americano. A América Espanhola se ragmentouem tantos países independentes quantas eram suas antigas subdivisões administrativas

coloniais. Além disso, enquanto aqueles países experimentaram processos mais ou menosintensos de ragmentação territorial, ormação de lideranças locais e instabilidade políti-ca, embora com maior mobilização popular, o Brasil assistiu a um processo de reduçãodo conito nacional, juntamente com a limitação da mobilidade social e da participaçãopolítica. O resultado oi que o Estado brasileiro se constituiu como uma espécie de “orexótica” no contexto latino-americano ao manter-se, ao longo da maior parte do séculoXIX, como uma monarquia e um país escravista ao lado de repúblicas ormalmente livres.

Tais questões estavam no cerne da reexão e da ação política de um personagem

que, sendo uncionário de alto escalão do Império Português, pela orça das circuns-tâncias acabou cando à rente do processo de independência do Brasil, em 1822: JoséBoniácio de Andrada e Silva (1763-1838). O pensamento político e social de Boniácioé exemplo de um estilo de pensamento que pressupõe uma sociedade civil carente deormas de autoorganização e, portanto, dependente de um Estado orte. Nessa repre-sentação, a sociedade, o povo e a nação devem ser orquestrados, tutelados por esseator político undamental que é o Estado.

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O tráco negreiro e a escravidão eram mais do que simples heranças da era colo-nial: eles repercutiriam diretamente sobre a ordem política da nova nação. O projetocivilizador de José Boniácio pretendia viabilizar o novo país e precisava contar coma adesão, tanto dos proprietários de terra e de escravos como dos tracantes. Entre-tanto, essa base de sustentação política, econômica e social começava a ser posta emcausa pelo contexto internacional, trazendo problemas quanto à legitimidade da nova

nação.

Assim, de um lado, como obter o consenso dos poderosos proprietários rurais e dostracantes de escravos? De outro lado, como viabilizar uma ordem política com a presen-ça de escravos aricanos de diversas procedências – escravos esses que, ao comporem aessência das relações de trabalho (sendo, portanto, ator constitutivo dos interesses daclasse senhorial, os quais eram privatistas por excelência), punham em causa a própriasobrevivência do Estado moderno e da ordem liberal, calcada na igualdade política? Emsuma, como azer com que esses interesses – que se excluíam mutuamente e, mais queisso, expressavam a mais gritante heterogeneidade e desigualdade – constituíssem umasó e mesma nacionalidade?

Assim, a reexão de José Boniácio situa-se em um momento ímpar da história doBrasil. Nos dois anos em que esteve à rente dos principais acontecimentos políticos(entre 1821 e 1823, como ministro de Estado), Boniácio teve um “papel undamentalna articulação da Independência, da construção de um Estado nacional e da conquistade um império brasileiro” (DOLHNIKOFF, 1998, p. 19).

Em sua Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do

Brasil sobre a Escravatura, escrito em 1823, Boniácio atenta para a essência do queseria uma “nação homogênea”. Volta-se contra o tráco negreiro em um primeiro mo-mento. Após sua extinção, seria possível constituir uma ordem social e política quesubvertesse, gradualmente, o legado da escravidão.

O que nos parece ilustrar melhor sua argumentação é sua perspectiva sobre aormação nacional. O incentivo à miscigenação e a proteção à amília (em um sentidoamplo, osse ela composta por escravos, por negros livres, brancos ou índios), bemcomo o incentivo à imigração europeia, delineiam uma política populacional que de-veria estabelecer os parâmetros da nacionalidade. Para o autor, o Estado deveria ser

uma espécie de “escultor prudente, que de pedaços de pedra az estátuas. Misturemosos negros com as índias, e teremos gente ativa e robusta – tirará do pai a energia, e damãe a doçura e bom temperamento” (ANDRADA E SILVA, 1998, p. 155-156).

Boniácio considerava o Estado como o gerenciador dos conitos e das relaçõesde trabalho, anulando o arbítrio senhorial. Deendia uma espécie de despotismo escla-recido que daria ao governo a legitimidade da tutela de uma sociedade que, a seu ver,era proundamente heterogênea, disorme e incapaz de guiar-se por si mesma.

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    T   r   a    d    i   ç    õ   e   s    d   o   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   s   o   c

    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Algumas reexões de José Boniácio seriam recuperadas no nal do século XIX porJoaquim Nabuco (1849-1910), um político e intelectual que buscou compreender ascondições e possibilidades de “civilizar” o país. Joaquim Nabuco ez da análise sobre oseeitos sociais e políticos da escravidão seu principal tema. Para ele, a escravidão ope-rava uma cisão social, política e jurídica entre a “boa sociedade”, assimilada ao modeloeuropeu e projetada como o que deveria ser a nação, e sua base social real, identicada

com a natureza e a “barbárie”. Mais importante, Nabuco percebeu que a escravidãoproduzia eeitos perversos não apenas sobre o escravo, mas principalmente sobre ascamadas livres da sociedade, disso resultando a ausência de cidadania eetiva. Enten-dendo o regime escravo como uma instituição essencial e que, portanto, englobavatodas as demais instituições, sua destruição demandaria uma reorma global. SegundoMarco Aurélio Nogueira,

[...] considerando com inteligência a distinção entre escravidão visível e “escravidão que não sevê”, [Nabuco] realizou uma devastadora crítica da instituição e de seu regime social, dando aoabolicionismo uma consistência doutrinária até então inexistente (NOGUEIRA, 1984, p. 111).

Para Nabuco, a escravidão em si constituía o principal obstáculo à construção danação e, azendo reerência a José Boniácio, armava que a mera presença do cati-veiro impediria qualquer “patriotismo nacional, [permitindo] somente patriotismo decasta, ou de raça”. Assim, o “sentimento que serv[iria] para unir todos os membros dasociedade” subverter-se-ia com a presença da escravidão, passando a ser “exploradopara o m de dividi-los”:

Para que o patriotismo se purique, é preciso que a imensa massa da população livre, mantida emestado de subserviência pela escravidão, atravesse, pelo sentimento da independência pessoal, pelaconvicção da sua orça e do seu poder, o longo estágio que separa o simples nacional – que hipoteca

tacitamente, por amor, a sua vida à deesa voluntária da integridade material e da soberania externada pátria – do cidadão que quer ser uma unidade ativa e pensante na comunhão a que pertence(NABUCO, 1999, p. 188).

Entretanto, a despeito de sua plataorma política liberal-democrática, de sua es-perança na diusão da cidadania e do diagnóstico dos entraves para a modernidade,a perspectiva de Nabuco recai no mesmo dilema de José Boniácio: diante de umasociedade civil dilacerada por interesses conitantes, amora e ragilizada, não restariaao Estado senão a incumbência de destruir a escravidão, instaurar a cidadania e ormara nação. Na verdade, o poder do cativeiro era tal que o “governo” não seria mais que

o resultado da “abdicação geral da unção cívica por parte do nosso povo”. Contudo,mesmo sendo o resultado dessa apatia política, o “governo” seria a única orça capazde destruir a escravidão, ainda que ambos viessem a morrer juntos (NABUCO, 1999, p.211).

Para carmos apenas com esses dois autores emblemáticos do século XIX, a re-presentação do Brasil-nação em José Boniácio e Joaquim Nabuco gurava em umaperspectiva modernizadora, ainda que em compasso de espera: diante de uma socie-dade em processo de ormação, de uma nacionalidade heterogênea e amora, sem

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identidade, restava a promessa de um uturo moderno a ser conduzido pelo Estado– que era “tutelar” para Boniácio e “civilizador” para Nabuco. Apesar do diagnósticonegativo sobre a sociedade, não lhes ocorria abandonar a aposta em uma perspectivapositiva de superação do “atraso”.

Motivos ibéricos e a modernidade no BrasilOutro conjunto de representações sobre o povo e a nação divergia dessa perspec-

tiva progressista. Em geral, atribui-se a certas representações que avaliam positivamen-te a herança portuguesa e o legado colonial, ou ainda que os consideram como ilustra-ção inequívoca de uma cultura “genuinamente” luso-brasileira, o nome de iberismo.

Sinteticamente, podemos entender o iberismo como a valorização ou a recupera-ção das “raízes ibéricas” da nacionalidade brasileira, caminho trilhado por autores que

desconavam da possibilidade de a modernização das relações sociais, o liberalismo po-lítico ou o princípio da representação política e mesmo da democracia serem adotadosno Brasil, uma vez que essas instituições não corresponderiam à realidade das nossastradições e costumes políticos. O iberismo pressupõe a ideia de que Portugal e Espanhanão teriam sido ormações culturais e políticas tipicamente “europeias” ou “ocidentais”,mas regiões nas quais valores centrais do mundo moderno – como o individualismo, ocontratualismo, o mercado, a competição, o conito de interesses e a democracia bur-guesa – não teriam sido importantes no estabelecimento de suas tradições políticas. Nolugar desses valores, o iberismo estabelece outros ideais para a sociedade, tais como a

cooperação, a integração, o predomínio do interesse coletivo e comunitário sobre o indi-vidual, o personalismo, o patriarcalismo etc. Pode-se dizer que o iberismo é uma tradiçãoalternativa ao “Ocidente” anglo-saxão, puritano, calcado em uma ética do trabalho dematriz protestante (CARVALHO, 1991, p. 89). Trata-se, portanto, de uma tese antiliberal.

Um autor muito representativo dessa tradição oi Oliveira Vianna (1883-1951). Suaobra revela orientações comuns a vários intelectuais do período compreendido entrea Abolição da Escravatura (1888) e os primeiros anos da República Velha (1889-1930).Nesse contexto, muitos se debruçaram sobre a colonização portuguesa procurando osnexos undamentais que constituíram a ormação do país. Diante da questão sobre se

éramos ou não uma eetiva nação, Oliveira Vianna reazia a pergunta sob dois registrosdierentes: o que constitui uma nação? e, sobretudo, quais as tareas necessárias à sua

constituição? 

Ao lado de uma atitude atalista e racialista, ponto comum do debate intelectualdaquele contexto, Vianna superou alguns dos dilemas de seu tempo, apontando solu-ções mais “otimistas”, por exemplo, a deesa da eugenia e do papel destinado às elites.Para Oliveira Vianna, a imigração europeia seria responsável pelo “embranquecimento”

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da população brasileira, e nesse sentido a miscigenação poderia ser orientada de umaorma eugênica.

Eugenia

A eugenia já oi considerada tanto uma ciência aplicada que buscava melhorar

a herança genética da raça humana como também um movimento social que bus-cava popularizar os princípios e práticas dessa ciência.

Antes de sua apropriação pelos nazistas nos anos 1930, a eugenia desrutou deamplo apoio, tanto em círculos liberais quanto conservadores em inúmeros países,entre eles o Brasil, entre o nal do século XIX e início do XX.

Oliveira Vianna criticou os pressupostos do evolucionismo de cunho darwinis-ta, que concebia uma linha evolutiva única para a humanidade, com povos “superio-

res” e “ineriores”. O autor descartava essa vertente universalista ao acreditar em umapluralidade de linhas evolutivas, nas quais as raças se desenvolveriam a partir de umconjunto de causas como o espaço geográco, a história, as instituições e a cultura,além do aspecto propriamente biológico. Desse particularismo Vianna concluía serimpossível uma pereita integração interétnica: “cada agregado humano é hoje, paraa crítica contemporânea, um caso particular, impossível de assimilação integral comqualquer outro agregado humano”, e a atuação de todo um complexo causal acabariapor promover “entre eles dierenças irredutíveis, mesmo entre os que vivem mergulha-dos na mesma atmosera de civilização” (VIANNA, 1933, p. 19-24). É que das dierençasde estrutura social, histórica etc. surgiriam dierenças “sutis de mentalidade” a que oautor denomina complexos. Uma decorrência undamental dessa armação é a críticaà “transplantação” das ideias e das instituições. A deesa que az do “realismo” e da ob- jetividade rente às soluções “idealistas” e “liberais” é dessa ordem. Da ação poderosade uma complexidade de agentes resultaria a singularidade de um povo e, portanto,a não intercambialidade de seus valores, modos de vida e, consequentemente, suasinstituições políticas.

Por m, Oliveira Vianna apresentava uma interpretação sobre a ormação da so-ciedade brasileira que passava pela valorização positiva do papel do latiúndio. Para

esse autor,O latiúndio caeeiro, como o latiúndio açucareiro, tem uma organização complexa e exige capitaisenormes: pede também uma administração hábil, prudente e enérgica. É, como o engenho deaçúcar, um rigoroso selecionador de capacidades. Só prosperam, com eeito, na cultura dos caezaisas naturezas solidamente dotadas de aptidões organizadoras, aeitas à direção de grandes massasoperárias e à concepção de grandes planos de conjunto. O tipo social dela emergente é, por isso, umtipo social superior, tanto no ponto de vista das suas aptidões para a vida privada, como no pontode vista das suas aptidões para a vida pública. Daí ormar-se, nas regiões onde essa cultura se aza base undamental da atividade econômica, uma elite de homens magnicamente providos detalentos políticos e capacidades administrativas. (VIANNA, 1933, p. 104)

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Com base nessas considerações, a identidade nacional brasileira passaria pelaprópria história do latiúndio, como organizador e selecionador dos indivíduos nãobrancos, de acordo com suas “potencialidades”. Graças à ação “eugênica” do latiúndio,a história do Brasil seria também uma história sem rupturas, conitos ou revoluções,responsável pela xação de uma particular “psicologia política” no povo. Em outraspalavras, Oliveira Vianna deende explicitamente a adoção de ormas autoritárias de

poder político, com base em um suposto diagnóstico de ragilidade da sociedade, dasinstituições liberais, da ausência de espírito de associação:

O nosso homem do povo procura um chee, e sore sempre uma como que vaga angústia secretatodas as vezes que, por alta de um condutor ou de um guia, tem necessidade de agir por si,autonomamente. [...] É essa certeza intima de que alguém pensa por ele e, no momento oportuno,lhe dará o santo e a senha de ação, é essa certeza íntima que o acalma, o assegura, o tranquiliza, orerigera. Do nosso campônio, do nosso homem do povo, o undo da sua mentalidade é esta. Esta éa base de sua consciência social. Este o temperamento do seu caráter. Toda a sua psicologia políticaestá nisso. (VIANNA, 1987b, p. 67)

Outro autor que, nos anos 1930, destacava-se no conjunto dos chamados intér-

 pretes do Brasil por recuperar e revalorizar a representação da nação nos termos do ibe-rismo oi Gilberto Freyre (1900-1987). Com a publicação de seu Casa-Grande & Senzala

em 1933, Freyre reeditou a temática racial e a identidade nacional, constituindo-as emchave para a compreensão do Brasil. Contudo, não as ez a partir do critério racista, ouraciológico, como na abordagem de Oliveira Vianna. Tampouco elegeu o Estado comoo agente central do processo de ormação social. Ao contrário, Gilberto Freyre operouuma dupla inversão de termos: em vez da raça, pensou a cultura; em vez do Estado,pensou a sociedade.

No que diz respeito à questão racial, a utilização do conceito de cultura permitiu-lhea superação de uma série de diculdades anteriormente encontradas a respeito da ne-gativa herança biológica da mestiçagem, e Freyre a transorma em valor extremamentepositivo. Na verdade, muito mais que – baseado em novos recursos metodológicos – tersuperado alguns temas anteriores, Freyre oi o primeiro a lançar mão de uma visão posi-tiva sobre o país, tal qual ele supostamente seria.

De um lado, rejeita as considerações de ordem racial e introduz análises cultura-listas. Não é sem razão que grande parte de sua popularidade tenha advindo da des-construção, ao menos em tese, do discurso racista da inerioridade cultural por conta

da hereditariedade biológica de negros e índios. Ao menos em tese porque, na verdade,há um remanejamento da questão racial: Freyre adota, segundo Ricardo BenzaquemAraújo, uma noção “neolamarckiana” de raça, segundo a qual se admite a hereditarie-dade de caracteres adquiridos, isto é, a possibilidade de “raças articiais ou históricas”(ARAÚJO, 1994, p. 39). Por exemplo, Freyre (2005, p. 36) alude à experiência colonialportuguesa no Brasil atribuindo ao brasileiro o caráter de ser “quase outra raça”, comapenas um século de distância da Península Ibérica.

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Por outro lado, supõe uma hierarquia, não mais racial, mas cultural – vale dizer,tendo como parâmetro a maior ou menor complexidade cultural ou grau de cultura.Assim sendo, empreendeu um estudo das etnias aricanas presentes no Brasil tendo emvista a caracterização desse grau cultural. Embora Freyre reutasse o argumento racista, justicava a desigualdade, e nesse ponto eram bastante ambíguas suas armações.

Um exemplo disso é como ele reinterpretava a eugenia. A participação do negrona sociedade brasileira teria sido possível graças à ação do patriarcalismo, ou da “amí-lia tutelar” no Brasil, que teria tido um caráter “liberal” – liberalidade esta entendida nosentido de certa rouxidão moral, promovendo o livre

[...] intercurso sexual de brancos dos melhores estoques – inclusive eclesiásticos, sem dúvidanenhuma, dos elementos mais seletos e eugênicos na ormação brasileira – com escravas negras emulatas [...]. Resultou daí grossa multidão de lhos ilegítimos – mulatinhos criados muitas vezes coma prole legítima, dentro do liberal patriarcalismo das casas-grandes; outros à sombra dos engenhosde rades; ou então nas “rodas” e oranatos. (FREYRE, 2005, p. 531)

A miscigenação teria promovido ainda a construção de um elemento social e “eugeni-camente superior” que seria o mestiço. Percebe-se, todavia, que a questão da inter-relaçãodas etnias e culturas acompanha a caracterização que o autor az da amília patriarcal. Suaimportância concorreria para a constituição no país de uma “democracia racial”, e questõescomo a eugenia podem ser lidas a partir da análise do papel da amília patriarcal – preci-samente, o sistema patriarcal e o “complexo da casa-grande”. A importância desse sistemadecorreria de sua capacidade singular de, em ace da escravidão, ter mantido a harmoniae o equilíbrio sociais.

Para Gilberto Freyre, longe de ortalecer a desigualdade e estabelecer um osso

intransponível entre dominantes e dominados, no Brasil a escravidão teria sido desen-volvida de maneira singular, dierenciando-se, por exemplo, daquela praticada no Suldos Estados Unidos. Freyre chama a atenção para a leniência ou brandura do regimeescravocrata por conta da ação ecaz da amília senhorial em contemporizar dominan-tes e dominados, brancos e não brancos, reduzindo as distâncias entre a casa-grande ea senzala. Em suma, para Freyre, a história da ormação do povo brasileiro conunde-secom a história da amília patriarcal. Responsável pelo clima edulcorado (adoçado) doregime escravo, ela teria sido a base essencial para a miscigenação em larga escala,criando “zonas de conraternização” entre vencedores e vencidos.

A menção ao equilíbrio social pode ser lida aqui como a evidência de uma cultu-ra política da conciliação: ela seria expressão da competência da amília senhorial emnão permitir que momentos de crise desembocassem em rupturas proundas. Assim, astransormações que culminaram na república são interpretadas por Freyre tendo comoreerência não a mudança oriunda das ruas, dos movimentos sociais, das novas relaçõessociais advindas com a transição para a modernidade, mas tão somente como indícios da“decadência” da amília patriarcal rente aos processos de urbanização. Embora proun-das, tais transormações não chegariam a romper com essa cultura da conciliação. Pelo

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contrário, para Freyre a casa-grande não desapareceu, mas continuou inuenciando,como nenhuma outra orça, a ormação social do brasileiro, agora no espaço urbano.

Por m, há um último aspecto em Gilberto Freyre que revela seu compromissocom certos motivos ibéricos: a deesa da rusticidade como um traço, “aparentementeingênuo”, dos portugueses vindos ao Brasil. Por meio da rusticidade, Freyre revela sua

resistência à homogeneização burguesa, admitindo contudo a “aceitação de inúme-ras ormas culturais dicilmente assimiláveis dentro do gabarito estreito da civiliza-ção” (BASTOS, 1998, p. 51), conorme denida pelas sociedades industriais. Assim, paraFreyre, o analabetismo não seria um problema na medida em que culturas ágraas(sem escrita) seriam transmitidas oralmente e mesmo beneciadas pelo rádio e pelatelevisão. A rigor, o processo de alabetização em massa era visto como potencial des-truidor da riqueza imaginativa de ormas culturais pré-modernas.

Por um lado, como resultado da leitura leniente da escravidão e da ação sábia dopatriarcado em contemporizar dominantes e dominados, pode-se perceber o quanto

para Freyre a democracia política seria desnecessária, substituível pela “democraciaracial”, resultado, esta sim, da sabedoria do sistema patriarcal no Brasil; por outro lado, re-sultante da deesa da rusticidade, encontramos uma leitura desconada da moderniza-ção, entendida por Freyre como destruidora de ormas culturais mais ricas em nome dahomogeneidade e da igualdade entre os indivíduos. Em suma, trata-se da ormulação deque haveria certas “vantagens do atraso”, tais como a conciliação e a acomodação rentea processos que poderiam desencadear rupturas e conitos agudos na sociedade.

Modernismo e identidade nacionalAs dierentes ideias de Brasil moderno se tornaram ainda mais explícitas conor-

me determinadas regiões do país iam se industrializando e urbanizando, tornando-se cada vez mais complexas em sua estrutura social. Vivenciava-se, ao menos nasregiões do país mais sintonizadas com o capitalismo internacional, um novo ritmo: eé-rico, galopante, cosmopolita. Mas também explosivo, revelando novos mecanismos deexploração da orça de trabalho e reproduzindo padrões históricos de desigualdade.Uma nova orma de compreensão igualmente se azia presente, uma atitude mais con-

dizente com esse espírito do tempo. O centro da vida nacional também se deslocavacom o avanço do capital: do Nordeste (simbolicamente, Recie) para o Centro-Sul (sim-bolicamente, São Paulo):

Em certa medida, a realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo, em 1922, simboliza aemergência de outras inquietações e propostas, que passarão a predominar. Mas o deslocamentonão é nem rápido nem drástico. Alguns escritores revelam dúvidas, ambiguidades, vacilações, altade clareza. Foi complicado esse processo de deslocamento do centro da vida nacional, desde oNordeste até o Centro-Sul, simbolizado por Recie e São Paulo. (IANNI, 2004, p. 32)

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O ano de 1922 é, portanto, uma data carregada de dramaticidade e peso simbóli-co, com vários acontecimentos marcantes:

centenário da Independência;

undação do Partido Comunista do Brasil (PCB);

undação do Centro Dom Vital, de orientação católica;

Semana de Arte Moderna.

Tais episódios demandavam, pelos intelectuais, uma nova narrativa da nação. Omovimento modernista surgiu nesse contexto e, de certa orma, pode ser visto comoa expressão de uma ruptura histórica, pois era como se a sociedade como um todoestivesse entrando em outro patamar, tendo por desao compreender, esclarecer ouexplicar a ormação da sociedade brasileira. Era preciso recuperar as raízes do que teriasido o Brasil colonial, as peculiaridades do Brasil monárquico, as diculdades e pers-

pectivas do Brasil republicano (IANNI, 2004).

Modernidade

Segundo o Dicionário do Pensamento Social do Século XX , a modernidade éum “conceito de contraste”: extrai seu signicado tanto do que nega como do quearma, e seu dinamismo implica necessariamente conito (OUTHWAITE; BOTTOMO-RE, 1996, p. 473).

Estar sintonizado com esse espírito do tempo era, na verdade, abraçar a moder-nidade. Ao contrário das sociedades tradicionais, a sociedade moderna sente que opassado não tem lições para ela, seu impulso é constantemente em direção ao uturo,ao novo, às potencialidades transormadoras do homem, ainda que esse mesmo movi-mento ponha em risco todas as conquistas materiais, cientícas e culturais criadas emvirtude da modernidade.

Esse aspecto contraditório já se maniestava nos primeiros textos dos jovens escri-tores modernistas: compreender a exigência de modernização bem como caracterizarde modo mais preciso a própria identidade nacional, ou, em suma, conciliar a moderni-dade com a tradição, o universal com o particular. Tratava-se de acertar as contas como passado, representado pelas maniestações artísticas classicistas, tais como o Parna-sianismo e o Romantismo, assumindo muito do que era elaborado pelas vanguardasestéticas europeias (Futurismo, Cubismo, Impressionismo etc.).

A exigência da incorporação à ordem moderna requisitava o acesso à racionalidade.Nesse sentido, os primeiros escritos modernistas aziam uma crítica ao Romantismo, inter-pretando-o como o estágio pré-moderno da civilização e como sentimento irracional.

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O Romantismo brasileiro pode ser lido como o início de uma literatura nacionale seu traço mais marcante oi o indianismo. Por exemplo, José de Alencar, alicerçadono ideário romântico europeu, expunha em Iracema (1865) uma representação heroi-cizada do índio, sacralizando uma historiograa que, ao idealizar os tipos ormadoresda nação brasileira, alçava-o à condição de símbolo de origem do nosso povo. Outracaracterística do Romantismo era a valorização do amor à terra, à paisagem ancestral,

à comunidade – em suma, a ormulação de um “caráter nacional”. Nesse sentido, o ro-mantismo de José de Alencar aproveitava essa valorização do passado mítico “paraundamentar o sentido de identidade do brasileiro, que, assim, poderia se orgulhar desua ascendência (nobre e bela)” (BALDO, 2009).

Já em seus primeiros desdobramentos, o movimento modernista propunha cons-truir outra narrativa, não mais a da valorização desse passado mítico e paradisíaco, masa captação do próprio uxo desconexo, caótico e intenso da vida moderna. Estar sin-tonizado com a modernidade enquanto o “espírito de uma época” era captar a vida emmovimento, “marcada de orma impressionista pelo ritmo da cidade onde se abrigamdesordenadamente os mais variados elementos. Velocidade e variedade são atributosda vida urbana e moderna e como tal positivamente qualicada” (MORAES, 1988, p.225). Assim, em um primeiro momento, o Modernismo se propunha a estabelecer umaliteratura que pudesse inscrever o Brasil no concerto das nações, alçá-lo à altura dasexigências da condição moderna – daí a crítica ao passadismo, ao Romantismo etc.

Na óptica de Mário de Andrade, um dos expoentes do movimento modernista, o queestava em jogo era a necessidade de “dessacralizar” ou desconstruir, sobretudo, o “olharestrangeiro” com que se imaginava o Brasil e os brasileiros. Ao escrever Macunaíma (1928),

Mário de Andrade retratava o brasileiro como sendo o “herói sem nenhum caráter”, criadoa partir da integração dos mitos indígenas e aricanos e da presença do colonizador branco.Na verdade, a ausência de caráter do herói brasileiro indicaria um caráter ainda em orma-ção, “que representaria a cultura brasileira e seu caráter inacabado. Em Macunaíma inexis-tem, portanto, traços inalteráveis de caráter; nele, como na mentalidade cultural brasileira,o escritor vê inúmeras possibilidades de mudança” (BALDO, 2009).

Ao longo da década de 1920, houve uma reorientação do movimento modernis-ta. Recuperava-se aos poucos um ideário nacionalista e uma proposta de brasilidade,mantendo, contudo, o reconhecimento da dimensão moderna da ordem mundial. Era

como se o ingresso do Brasil nessa ordem exigisse uma produção cultural própria, tor-nando sua literatura um caso particular e especíco de modernidade. Era assim que seexpressava Mário de Andrade, em 1924, em uma carta a Joaquim Inojosa:

[...] nós temos que criar uma arte brasileira. Esse é o único meio de sermos artisticamente civilizados.[...] Veja bem: abrasileiramento do brasileiro não quer dizer regionalismo nem mesmo nacionalismo= o Brasil pros brasileiros. Não é isso. Signica só que o Brasil pra ser civilizado artisticamente, entrarno concerto das nações que hoje em dia dirigem a civilização da Terra, tem que concorrer pra esseconcerto com a sua parte pessoal, com o que o singulariza e individualiza, parte essa única quepoderá enriquecer e alargar a civilização. [...] nós teremos nosso lugar na civilização artística humana

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    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

no dia em que concorrermos com o contingente brasileiro, derivado das nossas necessidades, danossa ormação por meio da nossa mistura racial transormada e recriada pela terra e clima, porconcerto dos homens terrestres. (apud MORAES, 1988, p. 232-233)

Esse impulso levou escritores, artistas, cientistas sociais e historiadores a elabo-rarem uma série de “retratos do Brasil”, valorizando uma dupla sensibilidade: quantoao sentido de modernidade e quanto à releitura da nossa história cultural. Era pre-

ciso, portanto, desvendar os próprios undamentos da nacionalidade, atingir o paíspara além das aparências, da superície e da visão calcada na importação de ideiasestrangeiras.

Um autor que na década de 1930 pode ser considerado um representante tardiodo Modernismo é Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Em seu livro Raízes do Brasil  (1936), Sérgio Buarque procurou identicar quais traços “arcaicos” e tradicionais esta-vam sendo superados, e que perspectivas de mudança se avistavam no horizonte. Elenão reconstruiu historicamente a sociedade brasileira, mas examinou, em cada perío-do histórico distinto, ormas de sociabilidade, padrões culturais, inquietações intelec-tuais, instituições e mentalidades, que tiveram continuidade e/ou oram ou estavamsendo superados. Assim, buscou compreender

a “cultura personalista”, presente nas sociedades ibéricas (Portugal e Espanha),e como elas oram diundidas por meio da colonização nas Américas;

os eeitos da ausência de uma “ética do trabalho” e o predomínio de uma “éticada aventura” sobre as relações sociais, originando com isso ormas de associa-ção extremamente rágeis entre os indivíduos;

o peso do patriarcalismo na cristalização de nossas heranças rurais;

o valor dado pelos brasileiros às relações pessoais em detrimento dos valorestipicamente liberais e burgueses, como a impessoalidade e o individualismo.

Sérgio Buarque preocupava-se com a eetiva e segura implantação de uma ordemsocial e política plenamente democrática. No Brasil, armava o autor, a democraciasempre havia sido um “mal-entendido”, visto predominarem traços personalistas, clien-telistas, autoritários e, portanto, “ibéricos”, distantes de um padrão ideal anglo-saxãodemocrático e universalista: “Em terra onde todos são barões não é possível acordo

coletivo durável, a não ser por uma orça exterior respeitável e temida” (BUARQUE DEHOLANDA, 2006, p. 21).

Contudo, uma lenta revolução acontecia. Propiciada pela independência polí-tica, pelo contínuo processo de urbanização, pela substituição da aristocracia açu-careira pela cultura empresarial da caeicultura, pela abolição da escravatura, SérgioBuarque percebia uma nova mentalidade emergindo, deixando para trás as

[...] sobrevivências arcaicas, que o nosso estatuto de país independente até hoje não conseguiuextirpar. Em palavras mais precisas, somente através de um processo semelhante teremos nalmente

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revogada a velha ordem colonial e patriarcal, com todas as consequências morais, sociais e políticasque ela acarretou e continua a acarretar. (BUARQUE DE HOLANDA, 2006, p. 199)

Em suma, pudemos notar o quanto a temática da identidade nacional tem sidonão apenas uma construção simbólica, mas igualmente uma questão política, impli-cando, tanto no passado quanto no presente, perspectivas que remetem a distintasormas pelas quais é possível conceber ormas de solidariedade ou conito, manuten-

ção ou mudança.

Texto complementar

Porque me uano do meu país(CELSO, 2002)

Não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam eproclamam essa incomparável beleza.

Dentro do enorme perímetro brasileiro, encontra-se tudo o que de pitoresco egrandioso oerece a terra. Ainda mais: encontra-se, em matéria de panorama, tudoo que ardente imaginação possa antasiar. E os espetáculos são tão variados quantomagnícos.

Observa João Francisco Lisboa, no Jornal de Timon, que os sentimentos experi-mentados pelos primeiros exploradores do Brasil, ao darem vista das nossas costas,eram de intensa surpresa e admiração.

A tal ponto os maravilhava o aspecto pomposo da terra inculta e selvagem– continua o exímio literato maranhense –, que a todos eles acudia espontâneo opensamento de que, sem dúvida, nesta abençoada região estivera outrora situadoo paraíso terreal.

Tal conjectura oi debatida, com incrível gravidade, durante bom número de anos.

Amerigo Vespucci, numa carta publicada em 1504, opina que, a haver aquele

paraíso, não devia ser longe das nossas plagas.

Mais tarde, e por longo tempo, acreditou-se que no Brasil permanecia o abu-loso Eldorado.

No documento mais venerando da nossa história colonial, segundo Porto Seguro,a epístola de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manoel, noticiando o descobrimento deCabral, diz o insigne cronista que a praia é muito ormosa, com arvoredo tanto, tama-nho e tão basto e de tantas plumagens que não pode homem dar conta.

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    T   r   a    d    i   ç    õ   e   s    d   o   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   s   o   c

    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Entre os escritores dos tempos coloniais, o padre jesuíta Simão de Vasconcelos,nas Notícias Curiosas, declara que capitães e cosmógraos não viram cousa igual nouniverso todo, à perspectiva da nova terra “que é um espanto da natureza e az van-tagem aos campos elísios, hortos pênseis e ilha de Atlanta”.

Rocha Pita, na História da América Portuguesa, arma que do novo mundo é a

melhor porção o Brasil – “elicíssimo terreno, em cuja superície tudo são rutas, emcujo centro tudo são tesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas”.

“Em nenhuma outra região – acrescenta – se mostra o céu mais sereno, nemmadruga mais bela a aurora: o sol em nenhum outro hemisério tem os raios tãodourados, nem os reexos noturnos tão brilhantes: as estrelas são as mais benig-nas, e se mostram sempre alegres: os horizontes, ou nasça o sol ou se sepulte, estãosempre claros; as águas, ou se tomem nas ontes pelos campos, ou dentro das po-voações nos aquedutos são as mais puras... A ormosa variedade de suas ormas, nadesconcertada proporção dos montes, na conorme desunião das praias, compõeuma tão igual harmonia de objetos que não sabem os olhos onde melhor possamempregar a vista.”

Pondera Claude d’Abbeville que “nada há de comparável à beleza e delíciasdesta terra, bem como à sua ecundidade e abundância em tudo quanto o homempossa imaginar e desejar, assim para o contentamento e regalo do corpo, em relaçãoà temperatura do ar e à amenidade do sítio, como para a aquisição de riquezas”.

Em 1624, relata Simão Estácio da Silveira que a excelência do Brasil consisteem muitas cousas notórias. “A primeira no ameníssimo céu e salubérrimo ar, de quegoza, onde sempre é verão e sempre está o campo e arvoredo verde, cargado deinnita diversidade de rutas, cujos nomes, sabores, eições, excedem a toda decla-ração humana.”

Mostra João Francisco Lisboa – de quem tomamos estes excertos – que Laert,Lery, Pinçon e outros escritores que visitaram o Brasil ainda em tempos pouco poste-riores ao descobrimento, não têm limites nos louvores aos dotes naturais do país.

Idêntica impressão de agradável assombro produziu ele nos sábios e viajantescontemporâneos que o percorreram, – alguns verdadeiras celebridades universais.Alexandre de Humboldt coloca a majestade e a calma das nossas noites tropicaisentre os maiores gozos proporcionados pelas cenas da natureza; exalta a indizívellindeza das nossas palmeiras, cujos penachos ormam às vezes uma oresta sobre

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outra oresta; assegura que a zona vizinha ao equador é a parte da superície do pla-neta, onde, em menor extensão, se despertam mais numerosas variedades de im-pressões, ostentando quer a terra quer o céu todos os seus multíplices esplendores.

Inúmeros outros autores celebram enlevados as ormosuras do Brasil, rico depaisagens para quaisquer preerências.

Ninguém há que, pisando o nosso território, deixe de se encantar pela nature-za. Tornou-se proverbial a admiração que ela provoca.

Vistas dela tiradas se exibem como modelos nos mais exigentes centrosartísticos.

Sustenta Maurício Lamberg que o céu do Brasil é mais ormoso do que o eu-ropeu, brilhando aqui a lua e as estrelas como em nenhuma outra região, pois sãosuperiores as nossas condições atmoséricas.

Comprova assim o viajante alemão a verdade dos poéticos conceitos de Gon-çalves Dias:

“Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas tem mais ores,

Nossos bosques têm mais vida,

Nossa vida mais amores.”

Na realidade, o rmamento austral encerra mais estrelas de primeira grandezaque o boreal, entre as quais as componentes do amoso Cruzeiro do Sul.

Impossível seria descrever minuciosamente os primores do Brasil, que tais opoeta não encontrava na Europa, e cuja magnicência impressiona os estrangeirosmais que os nacionais, por estarem estes habituados a gozá-la.

No meio de muitas maravilhas que, em grau menor, existem em outras zonas,possui o Brasil, sem êmulas, quatro grandes curiosidades naturais.

São: o Amazonas, a cachoeira de Paulo Aonso, a oresta virgem e a baía do Riode Janeiro.

Cada uma bastaria, por si só, a notabilizar um país.

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    T   r   a    d    i   ç    õ   e   s    d   o   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   s   o   c

    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Atividades

Em que medida podemos entender a citação de Octávio Ianni, a respeito do1.Brasil não ser, propriamente, uma nação?

O que podemos entender por2. motivos ibéricos, e qual sua relação com a temá-tica da identidade nacional?

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Qual o contexto do surgimento do Modernismo e em que medida esse movi-3.mento intelectual articulou-se à temática da identidade nacional?

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    T   r   a    d    i   ç    õ   e   s    d   o   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   s   o   c

    i   a    l    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Ampliando conhecimentos

CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito undador e sociedade autoritária. São Paulo: FundaçãoPerseu Abramo, 2000.

Este livro da lósoa Marilena Chauí permite compreender a construção do mitoundador do Brasil, desde 1500 até a contemporaneidade, bem como o papel que essaideia desempenhou enquanto ator de coesão e coerção social. Trata-se de uma re-erência importante aos que quiserem se aproundar na complexidade do tema daidentidade nacional.

IANNI, Octávio. O Pensamento Social no Brasil. Bauru: Edusc, 2004.

Coletânea de ensaios e artigos escritos por Octávio Ianni ao longo de sua trajetó-ria intelectual. Reunidos neste livro, oerecem ao estudante diversas possibilidades de

leitura dos autores clássicos e contemporâneos das ciências sociais no Brasil, além deuma análise crítica sobre o processo de ormação da sociedade brasileira.

MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. SãoPaulo: SENAC, 2004.

Em dois volumes, a obra oerece ao leitor um conjunto de autores clássicos e con-temporâneos da Sociologia e das ciências sociais no Brasil. Cada capítulo comenta apenasuma obra de um autor importante, e são escritos por pesquisadores reconhecidos no meioacadêmico. Trata-se, portanto, de um painel no qual o estudante tem às mãos um enorme

conjunto de reerências introdutórias, servindo como um belo guia de estudos.

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O pensamento político autoritário

Giovana BonamimO pensamento é um agente catalisador capaz de perturbar a rotina,

desorganizar hábitos, quebrar costumes, solapar crenças e gerar ceticismo.

Louis Wirth

Como os homens pensam? O sociólogo alemão Karl Mannheim propõe, para essaquestão, algumas respostas não do ponto de vista da Filosoa, mas da Sociologia. Seu

primeiro passo, no livro Ideologia e Utopia, é reutar o indivíduo como princípio do co-nhecimento. Conorme o autor, o indivíduo tem seus pensamentos, ideias e noções so-

cialmente condicionados, isto é, orjados “dentro de uma moldura concreta de situaçãohistórico-social” (MANNHEIM, 1952, p. 3).

Nesse sentido, toda orma de pensamento “individual” pode ser entendida emunção do pertencimento dos indivíduos a um grupo social. Mas grupos sociais eormas de pensamento não devem ser concebidos apenas a partir de suas caracte-rísticas próprias: devem ser tomados na relação com outros grupos, nas relações decompetição e cooperação – isto é, no interior de relações sociais. Portanto, é desejável

denir e compreender que ormas de pensamento (ideias, ideologias, doutrinas, visõesde mundo) estão relacionadas a que grupos sociais.

Conorme Mannheim, certos problemas, questões ou temas urgentes discutidose debatidos pelos homens decorrem do desacordo que há diante das respostas dispo-níveis em dada época. A multiplicidade de pontos de vista é resultado não de pree-rências individuais e sim das dierentes experiências sociais. Mas o que é undamentalreter é que na raiz das dierentes concepções de mundo está um proundo desejo nãoapenas de compreender, mas de mudar/conservar o mundo social:

Os indivíduos do grupo orcejam, segundo o caráter e a posição dos grupos a que pertencem, pormodicar o mundo circundante da natureza e da sociedade, ou procuram perpetuá-lo em umadada condição. É a direção dessa vontade de mudar ou de conservar, dessa atividade coletiva, emsuma, que ornece o o orientador ligado ao aparecimento de seus problemas, seus conceitos esuas ormas de pensamento. De acordo com o contexto particular da atividade coletiva de queparticipam, os homens propendem a ver dierentemente o mundo que os rodeia. (MANNHEIM,1952, p. 3-4)

Para compreender o pensamento político autoritário da década de 1930 no Brasil,nosso tema aqui, é necessário ter presentes os condicionantes sociais, políticos, econô-

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

micos e culturais do período. Ou seja: é preciso estabelecer conexões de sentido entrerepresentações, discursos e ideias e suas respectivas bases sociais.

Nem todos os indivíduos se ocupam em ormular e oerecer explicações. Para KarlMannheim, a existência de grupos tipicamente voltados para o ornecimento de inter-pretações especícas do mundo social corresponde a um estrato denominado por ele

de classe intelectual ou intelligentsia.

Segundo o historiador Boris Fausto (2001), na década de 1930 uma série de acon-tecimentos internacionais conduziram os intelectuais brasileiros – ou, nos termos deMannheim, a intelligentsia nacional – a “explicar o Brasil” por meio de ormas peculiaresde interpretação do passado. Isso os conduziu, na sequência, à descoberta e ao esta-belecimento de novas possibilidades históricas para o país.

O pensamento político autoritário pode ser assim pensado a partir da orientação

 para uma ação política autoritária, uma ação política que se rma e se unda em uma

autoridade orte, ditatorial. Esse pensamento, garantido pelo autoritarismo políticode então, possuía uma espécie de projeto ou, ao menos um desejo diuso. SegundoFausto, em O Pensamento Nacionalista Brasileiro, “o regime autoritário era encaradocomo o caminho privilegiado para ‘criar’ a nação” (FAUSTO, 2001, p. 45). A criação deuma identidade nacional estaria a cargo do Estado, instituição extremamente cultuadapelos pensadores autoritários. É, portanto, a invenção da nação brasileira, em termossimbólicos, econômicos e políticos, o principal desao a ser enrentado pelo Estadonesse período.

Crise das oligarquias, conjuntura e síntese política

de Getúlio VargasA industrialização brasileira, cujo início remonta ao m do século XIX, ganharia

impulso apenas com os impactos negativos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918),em unção das políticas de substituição de bens e produtos importados. Os anos 1920chegaram ao m com uma prounda e prousa insatisação política, relacionada a cres-

centes críticas ao governo Washington Luís (1926-1930). Segundo Trindade (1974),dois atores são importantes para caracterizar esse período:

a existência, entre as elites oligárquicas, de conitos políticos relacionados àquestão da sucessão presidencial;

o surgimento de movimentos contestatórios ligados a setores médios urba-nos, que encontram expressão nos grupos tenentistas.

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Tenentismo

O tenentismo brasileiro oi um movimento político-militar cuja base era o o-cialato de média patente das Forças Armadas. As insatisações desse grupo, prove-nientes das precárias condições de vida e trabalho causadas pelo pós-guerra, adqui-riram um caráter crescentemente político nos anos 1920. Ainda que não tivessem

uma plataorma política denida, os tenentes deendiam a ruptura com o regimeoligárquico, alterações no sistema eleitoral (incluindo a implantação do voto secre-to) e a promoção de políticas sociais nacionalistas.

O tenentismo cou conhecido por ter dado origem a importantes movimentospolíticos, como a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922), a Revolta Paulista(1924) e a Coluna Prestes (1925-1927).

Nesse período, nem a burguesia e tampouco o proletariado eram orças políti-

cas relevantes. A classe operária urbana não possuía um eetivo poder de mobilização.Além disso, o contingente urbano não ultrapassava 11% do total da população brasi-leira, segundo o censo de 1920. A manutenção da ordem política se apoiava no meiorural, em estruturas de poder de caráter coronelista, baseadas no mando amiliar e napropriedade privada dos latiúndios. As oligarquias caeeiras exerciam notável inuên-cia política nesse período, denominado República Velha.

Coronelismo

Sistema de poder baseado no latiúndio, nas relações de dependência e trocade votos envolvendo a população rural e os grandes proprietários rurais. O corone-lismo caracteriza-se por relações de barganha entre os principais chees políticos epela existência de “currais eleitorais”. Foi eciente no sentido de manter os esquemaspolíticos da República Velha (1889-1930), inviabilizando a ascensão de outras lide-ranças que pudessem contestar essa estrutura de dominação.

As críticas dos tenentes expressam as insatisações políticas dos setores urbanos queserão contornadas na década de 1930. Apoiados em um contraditório leque de ideais

que incluía, lado a lado, concepções liberais e autoritárias, os membros do movimentotenentista eram contrários às práticas coronelistas e ao sistema de poder que mantinha,graças à política dos governadores, a hegemonia política das oligarquias caeeiras.

Política dos governadores

Criada pelo presidente Campos Salles em 1898, a política dos estados (ou políticados governadores) oi o estabelecimento de um circuito de colaboração e delidade

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

política entre governadores e a Presidência da República, por meio da garantia daeleição, para o Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), debancadas que agissem em consonância estrita com o Poder Executivo. A segurançadessa relação dependia do controle dos chees locais (os coronéis) sobre os eleito-res, que anal tinham a obrigação de votar no candidato do governo. O objetivodesse engenhoso sistema era a perpetuação dos mesmos grupos no poder e a con-sequente estabilidade política.

Nas eleições de março de 1930, a vitória de Júlio Prestes para suceder WashingtonLuís na Presidência da República deu início a articulações políticas entre os tenentistase os grupos derrotados nas urnas. O objetivo dessa articulação oi o de dar uma respos-ta política à derrota eleitoral das principais guras do partido rival – Getúlio Vargas eJoão Pessoa, candidatos à presidência e à vice-presidência pela Aliança Liberal.

O assassinato de João Pessoa em julho levou à aceleração das articulações revolu-

cionárias que impediriam a posse de Júlio Prestes. Com o apoio do Exército, de outros jovens políticos e de dissidentes da velha oligarquia estabelecida, em 3 de outubrooram iniciadas as oensivas militares, realizadas simultaneamente nos estados do RioGrande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.

Em novembro de 1930, um mês depois do início do levante armado, a posse deVargas e o estabelecimento do Governo Provisório oram o início não somente de umnovo período político como também de uma possível mudança de algumas estrutu-ras tradicionais de poder, como o coronelismo. Segundo José Murilo de Carvalho, o

coronelismo “morreu simbolicamente quando se deu a prisão dos grandes coronéisbaianos, em 1930. Foi denitivamente enterrado em 1937, em seguida à implantaçãodo Estado Novo e à derrubada de Flores da Cunha, o último dos grandes caudilhosgaúchos” (CARVALHO, 1997).

Caudilhismo

O caudilhismo é caracterizado pela divisão do poder entre chees de tendêncialocal: os caudilhos. Esses líderes, geralmente de origem militar [...], valiam-se de seumagnetismo pessoal [...]. Esse poder carismático, exercido ao mesmo tempo de orma

autoritária e paternalista, e retribuído com adesão incondicional de seus homens (erespectivas mulheres), não possuía uma orientação política denida e carecia, comose diria hoje, de conteúdo ideológico. (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 157)

De orma semelhante, pode-se armar que a hegemonia caeeira seria tambémrompida com a Revolução de 1930. Segundo Fausto, em  A Revolução de 1930, o movi-mento “põe m à hegemonia da burguesia do caé” (FAUSTO, 1982, p. 97).

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Segundo certas interpretações historiográcas, a Revolução de 1930 oi um marcoanalítico, um divisor de águas entre a República Velha e os anos subsequentes. No en-tanto, é discutível se houve uma ruptura completa com as estruturas sociais e políticasanteriores. Independentemente da posição assumida nesse debate, e ainda que a re-volução tenha sido eita “por cima”, isto é, graças à ação política de novas/velhas elites esem a participação da grande maioria da população brasileira, ela é o ponto de partida

para a discussão das ormas de pensamento político que daí resultaram.

O Código Eleitoral de 1932:

desencontros sobre o conceito de democraciaSegundo Schwartzman,

[...] antes de 1930, a percentagem de votantes em relação à população total jamais ultrapassou os3,5%, e os dados para as eleições parlamentares no Período Imperial eram pouco ineriores; somenteem 1945, na verdade, é que cerca de 15% da população do país compareceu a uma eleição nacional( SCHWARTZMAN, 1982, p. 123).

É notável, portanto, o crescimento do número de eleitores a partir de 1930. Osprincípios que até então regeram o uncionamento da democracia na República brasi-leira seriam modicados pelo Código Eleitoral de 1932 (Decreto 21.076).

Por meio do Decreto 21.076/32, oram instituídos o voto secreto e a Justiça Eleito-ral, que tinha por m regulamentar, orientar e scalizar as eleições ederais e regionais.

O eleitorado teve, a partir de então, um grande crescimento: tornaram-se eleitores mu-lheres e homens maiores de 21 anos – mas com restrição aos mendigos, analabetose soldados remunerados (os alunos das escolas militares de ensino superior teriamdireito ao voto). Em 1934, o número de votantes teve uma nova chance de ampliação,reduzindo-se a idade mínima de 21 para 18 anos e instituindo-se a obrigatoriedade dovoto. O Código ainda incluía na representação legislativa 40 deputados eleitos por sin-dicatos legalmente reconhecidos, associações de prossionais liberais e uncionáriospúblicos.

As potencialidades do novo Código Eleitoral se reeriam principalmente à ate-nuação e ao trole das circunstâncias em que atuavam as orças políticas do corone-lismo. O alistamento dos eleitores passou a ser eito pela Justiça Eleitoral a partir dasregiões denidas em unção de um novo mapeamento dos territórios – que já nãorespondiam àqueles das municipalidades e à territorialização dos poderes locais es-tabelecidos. Desse modo, a manutenção das práticas coronelistas passou a encontrardiculdades.

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

As críticas ao surágio universal

Embora as políticas de universalização do surágio atendessem, progressivamen-te, a um contingente populacional maior e à diusa reivindicação dos setores reormis-tas que ascenderam com a Revolução de 1930, sua implantação suscitou críticas. Pen-

sadores antiliberais e de orientação conservadora apresentaram diversos argumentoscontra a eciência e a legitimidade de uma democracia de tipo representativo comoa adotada pelo sistema político brasileiro. O advogado e jurista mineiro FranciscoCampos, articulador do nome de Vargas como candidato à presidência na eleição de1930, sintetiza alguns argumentos típicos dessa posição:

[...] a máquina democrática não tem nenhuma relação com o ideal democrático. A máquinademocrática pode produzir e tem, eetivamente, produzido exatamente o contrário da democraciaou do ideal democrático. Dadas as condições de um país, quanto mais se avoluma e apereiçoa amáquina democrática, tanto mais o governo se distancia do povo e mais remoto da realidade setorna o ideal democrático. [...] Não haverá ninguém de boa é que dê como democrático um regime pelo simples ato de haver sido montada, segundo todas as regras, a máquina destinada a registrar avontade popular . Seja, porém, qual or a técnica ou a engenharia de um governo, este será realmentedemocrático se os valores que inspiram a sua ação decorrem do ideal democrático. (CAMPOS, 2009.grios nossos.)

Mas não somente Francisco Campos criticava o surágio universal: Oliveira Viannae Azevedo Amaral, outros intelectuais de orientação antiliberal, deendiam uma orienta-ção semelhante. Esses três autores podem ser considerados os principais pensadores au-toritários do Brasil. Embora seus respectivos pensamentos não ossem idênticos (tinhamsim ideias semelhantes), concordavam em um ponto, ou melhor, tinham o mesmo pontode partida: a recusa do liberalismo político. Conorme esclarecem Bobbio, Mateucci e

Pasquino, “o pensamento autoritário moderno é uma ormação de reação contra a ideo-logia liberal e democrática” (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 48).

Amaral apontava os eeitos prejudiciais à eciência do Estado, à máquina do gover-no, gerados pelo surágio universal, causados pela “agrante disparidade entre as condi-ções reais de cultura da enorme maioria da nossa população e um sistema representa-tivo, baseado na hipótese da capacidade do eleitorado para exercer com discernimentoa prerrogativa cívica” (AMARAL, 2002). Para o autor, a democracia liberal necessitava seadequar a condições sociais especícas para que pudesse uncionar bem: “na sua terraoriginária e nos países a ela sociologicamente semelhantes, a democracia liberal é umaorma de organização política que se presta a simbolizar admiravelmente o conceito denação soberana na autodeterminação de seus destinos” (AMARAL, 2002).

Ainda que pudesse uncionar satisatoriamente na Inglaterra, para Amaral a de-mocracia liberal tinha como prerrequisito a atuação dos partidos, que eram a insti-tuição que poderia excluir “, a inuência apreciável das perturbações decorrentes darebeldia individual”, (AMARAL, 2002), disciplinando a vida política. Portanto, para queum sistema político uncione, é preciso que haja uma relação de autoridade do Estado

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sobre o indivíduo, ainda que mediada pelos partidos: “a única liberdade real de escolhaque o eleitor tem é de mudar de partido, uma vez que toda ação individual é, no terre-no político, para ele impossível e mesmo inconcebível” (AMARAL, 2002).

O pensamento político de Oliveira Vianna az a crítica ao ederalismo, sinônimoaqui de dispersão de poderes que impede o desenvolvimento e a realização dos in-

teresses verdadeiramente nacionais e a adoção de políticas abrangentes. O modelode organização política por ele deendido seria o de um Estado orte, centralizado,promotor do civismo e garantidor dos valores públicos sobre os privados. SegundoRicardo Luiz Souza, Oliveira Vianna descrê das seleções eleitorais, sendo de opiniãoque se deve recusar a importação de ideias estrangeiras, o que incluiria órmulas ins-titucionais para o Estado: “Eleições, para Vianna, são secundárias e descartáveis; nãosão elas que caracterizam um regime democrático, que pode se constituir sem elas, [jáque o] principal numa democracia é a existência de uma opinião organizada” (SOUZA,2001, p. 109).

Segundo José Murilo de Carvalho, “o governo deveria ser distinguido da admi-nistração, órmula requentemente repetida por Oliveira Vianna, que a adaptava a seumodelo de sociedade sindical e corporativa: centralização política, descentralizaçãouncional” (CARVALHO, 1991, p. 6).

Autoritarismo: denições e aplicaçõesNas décadas de 1920 e 1930, discutia-se que a sociedade brasileira, carente de uma

unidade identitária, necessitava engendrar uma educação comum a todos os brasileiros,uma espécie de regeneração que os direcionaria para a vida coletiva e patriótica. De ummodo geral, os debates políticos e intelectuais tinham preocupações de ordem morale ética, de inspiração positivista, naturalista, antiliberal e anticomunista. Tudo somado,pretendia-se instaurar uma nova ordem sociopolítica que tivesse como valor e comoprincípio orientador a noção de Ordem.

Autoritarismo 

É evidente que o problema da ordem é um problema geral de todo sistema po-lítico, e como tal, não pode ser um monopólio do pensamento autoritário. Tambémem muitas exposições da ideologia liberal e da ideologia democrática se acha, entreoutros princípios, uma valorização da importância da autoridade como agente daordem social. Mas o que caracteriza a ideologia autoritária, além da visão da desigual-

dade entre os homens, é que a ordem ocupa todo o espectro dos valores políticos, e o

ordenamento hierárquico que daí resulta esgota toda a técnica da organização política.Essa preocupação obsessiva com a ordem explica também por que o pensamen-to autoritário não pode admitir que o ordenamento hierárquico seja um simples

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

instrumento temporário para levar a uma transormação parcial ou integral da socie-dade, tal como acontece, pelo menos na interpretação ideológica, em muitos siste-mas autoritários em vias de modernização e nos sistemas comunistas. Para a doutrinaautoritária, a organização hierárquica da sociedade acha a própria justicação em simesma e a sua validade é perene. Além do mais, o autoritarismo, como ideologia daordem, se distingue de orma clara do próprio totalitarismo ascista, já que ele apenasimpõe a obediência incondicional e circunscrita do súdito e não a dedicação total eentusiástica do membro da nação ou da raça eleita. A ordenação hierárquica do au-toritarismo apoia-se essencialmente no modelo que precedeu a época da RevoluçãoIndustrial (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 96. Grio nosso.).

No seu discurso na implantação do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937,Getúlio Vargas destacou a existência de uma série de perturbações políticas e a ne-cessidade de sua eliminação – já que tudo isso perturbava a ordem. É relevante, nessecontexto, a divulgação do Plano Cohen, atribuído a comunistas que tinham como pro-pósito derrubar o governo.

Plano Cohen

Trazido a público pelo governo brasileiro em setembro de 1937, e amplamentedivulgado pelo rádio, o chamado Plano Cohen deniria estratégias de mobilizaçãopolítica para a tomada de poder por parte da Internacional Comunista. Na verdade,tratava-se de um documento do movimento integralista, que também pretendiacombater os comunistas. Na prática, contudo, ele serviu de justicativa para a ins-

tauração do Estado Novo.

Vargas, a m de justicar e explicar o golpe de Estado, levantou também o temada inexpressividade ideológica do sistema de partidos políticos, que

[...] em lugar de oerecer segura oportunidade de crescimento e de progresso, dentro das garantiasessenciais à vida e à condição humana, subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe emperigo a existência da nação, extremando as competições e acendendo o acho da discórdia civil(VARGAS, 1937).

Essa discórdia precisaria ser reprimida pela restauração de ideais nacionais e, prin-

cipalmente, da autoridade do presidente da República.

No Estado Novo, estabelecido por meio de um golpe de Estado, justamente paramanter a ordem e instaurar uma nova Ordem, não somente as relações de trabalhoseriam proundamente reguladas mas também aspectos simbólicos da vida socialteriam como nalidade garantir a estabilidade das novas estruturas sociais e políticas,em vias de construção.

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Em 1939, oi anunciada a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP), responsável pela diusão da ideologia do Estado Novo. Mais adiante, com a cria-ção de instituições de tipo educacional, cultural e artístico, surgiram espaços de legi-timação de determinadas visões de mundo. Com isso, também se abriu espaço para aparticipação dos intelectuais – autoritários – no projeto de construção da (nova) iden-tidade nacional brasileira.

Havia, naquele momento, a pretensão de resgatar a essência da cultura brasileirae incentivar a produção de bens simbólicos que marcassem as transormações pelasquais o Brasil estaria passando. Membros das principais vertentes da arte modernistaparticipariam ativamente da produção de símbolos para a legitimação de um Estadoautoritário e centralizador.

A Ação Integralista Brasileira

Orientada por princípios autoritários, a ideologia do Estado Novo era contra a pre-sença política popular, considerava as ideias comunistas uma ameaça e encontrava naAção Integralista Brasileira (AIB), por exemplo, algumas anidades importantes.

As bases do integralismo remontam à década de 1920, relacionadas ao surgimentode novas ideias, especialmente inuenciadas pela nascente sociologia brasileira e porsua tentativa de ormular explicações para os dilemas nacionais. Nesse contexto do pri-meiro pós-guerra, ganharam visibilidade autores e guras públicas cujas obras e discur-sos tinham o intuito de reorçar o civismo e o ideal nacionalista de teor anti-imperialista.

O nacionalismo brasileiro constituiu-se nessa atmosera intelectual que, por suavez, modelou o pensamento de Plínio Salgado e de outros uturos integralistas. Foiesse nacionalismo cívico e econômico por eles deendido que se tornou o integralismona década de 1930. Ainda mais radical e inuenciado pelo pensamento modernista,que lhe acrescentava a exaltação pelo nacionalismo e o retorno às origens do povobrasileiro, o integralismo revelava simpatia pelo ascismo italiano.

Fascismo italiano

Orientado ideologicamente contra as ideias comunistas e socialistas, o ascis-mo italiano partia do princípio de que o Estado deve controlar a conduta dos indiví-duos. Postulava uma “democracia” operada de modo centralizado e autoritário, con-trolada pelo Estado, de modo a atender adequadamente aos ideais do patriotismoe do nacionalismo.

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

    D   o   m    í   n    i   o   p    ú    b    l    i   c   o .

Sessão de encerramento do Congresso Integralista em Blu-menau, Santa Catarina (1935).

Hélgio Trindade, no seu estudo sobre o movimento no Sul do Brasil, inorma que,

em carta escrita em 1930, Plínio Salgado demonstrava interesse elogioso pela Itália as-cista (o que incluía comentários sobre uma reunião pessoal com Mussolini) e azia umdiagnóstico pessimista da sociedade brasileira: o poder central estaria se enraquecendorente às ameaças dos movimentos separatistas. Além disso, Salgado apontava para aeminente ameaça do comunismo e a possível dissolução do Brasil, caso houvesse umaperpetuação das condições políticas daquele momento.

Em meados de 1931, para azer rente a esse estado de coisas, Plínio Salgadoundou  A Razão. Os artigos publicados nesse jornal permitem compreender sua ati-tude rente à Revolução de 1930, bem como denir os traços ideológicos do uturomovimento integralista. Segundo Trindade,

A posição de Salgado ace à Revolução de 1930 já havia evoluído de uma atitude crítica à sua inspiraçãoliberal a uma atitude de aceitação do ato revolucionário, na medida em que a Revolução destruíra osistema político da Velha República. O conjunto de artigos de  A Razão mostra a evolução posteriordesta atitude: do mero reconhecimento desses aspectos positivos da Revolução, ele passa a colaborarcom o Governo Provisório (TRINDADE, 1974, p. 89).

Plínio Salgado ez, como os ideólogos autoritários, a crítica à democracia e à exis-tência de partidos. Sua proposta era a de que o governo deveria investir em quadros téc-nicos que analisassem a realidade brasileira e pudessem propor políticas de Estado eca-

zes. Se em um primeiro momento oi crítico do governo Vargas, posteriormente o uturochee do ascismo nacional não iria mais dirigir suas notas políticas ao Governo Provisó-rio – como zera na série de artigos publicados sob o título de “Diretrizes à ditadura”.

Ainda na primeira metade da década de 1930, começaram a se esboçar suas in-tenções de organizar um movimento político independente (TRINDADE, 1974, p. 93)cujos pontos centrais, incorporados pelo integralismo, serão os seguintes (ainda se-gundo Hélgio Trindade):

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centralização do Estado, cuja estrutura deve ser corporativa e unipartidária,de modo que várias categorias prossionais sejam representadas nos órgãoslegislativos;

armação de que revolução decorre de uma necessidade estrutural;

rejeição das ideias estrangeiras e inuências cosmopolitas, que destroem aconsciência nacional em unção da rejeição das tradições e de ideais nacionais;

recusa do Estado liberal – presente tanto na monarquia como na República – esuas ormas de pensamento;

crítica ao pluripartidarismo e ao surágio universal, que é incapaz de compre-ender a complexidade humana e está a serviço das classes dominantes;

anticomunismo, embora dedique mais atenção ao combate da Repúblicaliberal;

perspectiva contrária ao capitalismo em sua orma exploratória, deendendouma espécie de “capitalismo humano”, que controla e regula parcimoniosa-mente lucros e preços.

Um ponto importante merece ser aproundado: o nacionalismo autoritário.

Nacionalismo e ModernismoÉ possível armar que alguns traços ideológicos do pensamento político autoritá-

rio já estavam delineados, em certos círculos intelectuais, já na década de 1920, antesmesmo da Revolução de 1930.

Além de lançar uma nova perspectiva sobre as artes produzidas no Brasil, a Semanade Arte Moderna (1922) cristalizou determinadas concepções do pensamento socialbrasileiro no interior do campo artístico – concepções essas que alinhavam nacionalis-mo e modernidade diante dos desaos, tipicamente brasileiros, a serem enrentadosde modo a superar as dicotomias entre campo e cidade, arcaísmo e modernidade e

suas ormas de maniestação regionais.

Questões lançadas por essa primeira geração do Modernismo brasileiro seriamadicionadas posteriormente ao debate político presente na década de 1930, marcadopor inuências autoritárias da Europa:

A inuência da expansão das ideias ascistas europeias az da década de 1930 no Brasil um períodode ascensão de ideias radicais de direita. Este ato se constata pela presença nas livrarias de uma

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

abundante literatura sobre o ascismo italiano e o novo Estado português. A publicação, nesteperíodo, de uma série de livros analisando a situação política brasileira numa perspectiva antiliberal,bem como o aparecimento de várias revistas e movimentos ideológicos de orientação ascista,monarquista ou corporativista, comprovam a receptividade das ideias autoritárias na década de1930. (TRINDADE, 1974, p. 105)

No entanto, não há nada de surpreendente nessa assimilação: a proximidade dosintelectuais do processo de modernização conservadora e autoritária é uma importan-te característica desse contexto político.

Modernização conservadora

Essa expressão designa um processo de modernização (ou seja, impulsos deindustrialização, urbanização, proletarização e de prousão de um pensamento mo-derno) capitalista que, no entanto, conserva a estrutura vigente, impedindo mudan-ças sociais e políticas substantivas.

Sérgio Miceli, em Nacional Estrangeiro, demonstra relações de dependência entreos campos artístico e político na década de 1930 a partir do caso do Modernismo e daselites rurais paulistas. As produções literárias dessa geração do Modernismo brasileiro– em especial Mário de Andrade e Oswald de Andrade, em seus maniestos publicadosem revistas de breve circulação, como a Klaxon e outros periódicos regionais – tiveramgrande impacto, com signicativa recepção, mesmo entre setores políticos conserva-dores e autoritários.

Um primeiro momento desse debate é suscitado por Oswald de Andrade em

1924, no Maniesto Pau-Brasil , documento no qual critica a inuência das artes de teoracademicista, em especial o Romantismo e o Naturalismo – ou seja, as inuências es-trangeiras –, propondo “ser regional e puro em sua época”. Oswald deendia que osobjetos da reexão e da produção artística nacional ossem temas brasileiros, a m detrazer à tona as contradições sociais que caracterizavam o país.

Cinco anos mais tarde, essa concepção artística seria criticada por outra vertentemodernista quando o Movimento Verde-Amarelo – encabeçado por Plínio Salgado,gura central da Ação Integralista Brasileira – ez publicar no Correio Paulistano (17 demaio de 1929) o Maniesto Nhengaçú Verde-Amarelo da Escola da Anta. Nesse Manies-

to, podem ser observados elementos importantes do pensamento integralista brasilei-ro que viria a se constituir anos depois:

[...] o grupo “verdamarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua alorriae a amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira. Nosso nacionalismo é de armação, decolaboração coletiva, de igualdade dos povos e das raças, de liberdade do pensamento, de crençana predestinação do Brasil na humanidade, de é em nosso valor de construção nacional. [...]Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que aremos a inevitávelrenovação do Brasil, como o ez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente, através de todasas expressões históricas. (MANIFESTO..., 1929)

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Em resposta ao Maniesto Nhengaçú, Oswald de Andrade lançou um segundo do-cumento, o Maniesto Antropóago. Alguns anos depois, Oswald de Andrade se envol-veu com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A derrota do liberalismo e a modernizaçãoconservadora: considerações nais

Segundo Raymundo Faoro, no livro Existe um Pensamento Político Brasileiro?, a es-pecicidade do pensamento político nacional reside na derrota do ideário liberal, oque não signica, evidentemente, sua ausência ao longo da história do país. Os con-itos no interior das elites intelectual e política teriam aastado a possibilidade de ex-pressão das perspectivas liberais: “Os liberais [...] oram banidos da história das liberda-

des, qualicados de exaltados, de extremados, de quiméricos, teóricos e metaísicos”(FAORO, 1987, p. 54).

Com o aastamento do liberalismo da arena política, houve grande diculdadepara azer valer certas pautas políticas inspiradas em uma perspectiva oposta à do au-toritarismo, o que prejudicou entre nós as discussões sobre emancipação, liberdades,conitos e direitos. Isso também tornou diícil a assimilação de perspectivas inspiradaspelo socialismo ou mesmo pelo ideal democrático.

Faoro enatiza a alta que um ideário oposto ao ideário autoritário ez ao país e aos

debates sobre os rumos da nação. Não ossem tão hegemônicas as concepções antili-berais e antidemocráticas, não osse tão insistente a contestação aberta da soberaniapopular,

[...] o quadro seria [...] o de nível europeu, sem que uma reivindicação, por mínima que seja, abaletoda a estrutura de poder. O Estado seria outro, não o monstro patrimonial-estamental-autoritárioque está vivo na realidade brasileira. Da incongruência da dinâmica do pensamento político,resultou que todas as ases suprimidas se recompõem como substitutos numa realidade absolutista,ainda que reormista neopombalina em um momento, industrialista em outro, nunca com os olhosvoltados ao povo brasileiro, primeiro no respeito aos seus direitos, depois às suas reivindicaçõessociais (FAORO, 1987, p. 55).

A hegemonia da perspectiva autoritária na década de 1930 oi necessária paraassegurar a vitória simbólica das novas elites políticas. Ela deniu, legitimou e, assim,ajudou o movimento de modernização conservadora do Brasil.

Segundo Barrington Moore Jr., haveria três possibilidades para a modernização: avia autoritária, a via democrática e a via socialista revolucionária. No caso brasileiro, a viaautoritária tomou corpo sobretudo a partir da implantação do Estado Novo, de 1937 emdiante. As políticas econômicas que daí surgiram, em especial a prounda atenção ao de-senvolvimento de uma indústria nacional e a regulamentação das relações de trabalho

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

por meio do corporativismo estatal, seriam undamentais para a mudança das relaçõesde propriedade e produção no Brasil urbano. O pensamento autoritário oi uma espéciede cobertura ideológica desse processo, justicando-o, legitimando-o.

Textos complementares

O mito do surágio universal

(CAMPOS, 2002)

A maior parte dos eleitores não se preocupa com a coisa pública. A sua vidaprivada já lhes dá bastantes motivos de preocupação e de trabalho. Passam a maiorparte do tempo alheios às questões de política, de administração e de governo.Quando mobilizados para as campanhas eleitorais, todos os problemas se apresen-tam de uma só vez à sua atenção, quase todos complexos e a maior parte delesininteligíveis à massa que não se encontra preparada para a compreensão sequerdos seus termos mais simples. Além disso, a apresentação dos problemas az-seem campanha eleitoral do ponto de vista da propaganda, deormadas as questõespelos interesses partidários em jogo. Como, no meio da conusão e do rumor de umacampanha, querer que a massa possa azer um juízo mais ou menos seguro sobrequestões remotas à sua vida habitual e insuscetíveis de se clarearem pela atençãoordinária que o homem da rua costuma dedicar aos assuntos do dia?

Cada vez mais os problemas em torno dos quais se ere a luta dos partidostendem a ser problemas técnicos. As grandes questões que no século XIX se deba-tiam no campo da política eram questões gerais, suscetíveis de interessar ao maiornúmero e quase todas participando da natureza do dogma político — a universa-lização do surágio, a extensão de ranquias constitucionais, as liberdades públicas–, questões em que a emoção tinha maior lugar do que a razão. No mundo de hoje,essas grandes questões não se encontram mais na ordem do dia. As questões eco-nômicas e nanceiras, as de organização da economia nacional, as do comérciointerno e externo, questões sobretudo técnicas e, por sua natureza, incapazes de

despertar emoção, passaram ao primeiro plano. Daí o desinteresse que se observaem quase todo o mundo pelas campanhas eleitorais. Nelas o povo não encontra osgrandes motivos ou os grandes temas humanos, acessíveis ao interesse geral que noséculo XIX davam à vida política, nas suas ases agudas, a aparência movimentadae dramática. À medida que os problemas em debate se tornam complexos e, peloseu caráter técnico, impróprios a provocar nas massas a emoção, a opinião públicapassa a desinteressar-se do processo político propriamente dito, só exigindo dosgovernos resultados que se traduzem eetivamente em melhoria do bem-estar do

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povo. A opinião em todo o mundo entrou em estado de apatia ou de indierençamais ou menos acentuada.

Acrescentem-se a esse quadro as deciências e lacunas do sistema da educação.É claro que, dada a natureza dos problemas que constituem hoje o objeto da política,esta não pode mais azer-se a não ser mediante decisões tomadas com conhecimen-

to de causa. Ora, a educação, por mais que se tenha generalizado a instrução primá-ria, ainda não constitui um bem ao alcance de todos, ou da maioria. O sistema deeducação em vigor em todo o mundo ainda é um sistema mais ou menos echado,acessível tão somente a pequeno número. A massa eleitoral continua em estado deingenuidade em relação aos problemas capitais da política e do governo. Mudaramos problemas e não se alterou o processo político, ou, em outras palavras, a emoçãocontinua a ser instrumento que as massas eleitorais aplicam aos problemas políticos,quando estes perderam o caráter dogmático, próprio das grandes questões gerais ehumanas, que apaixonavam as massas eleitorais do século XIX. A Constituição de 10

de novembro de 1937 não ez mais, restringindo o uso do surágio universal, do queaceitar uma situação de ato, hoje geral no mundo.

Não abandonou, porém, nem podia azê-lo, o surágio universal. Reservou-lheo papel próprio ou a unção mais adequada à sua natureza. Ao surágio universalsão submetidas apenas as questões que são da sua competência própria, questõesessencialmente políticas, eminentemente políticas, colocadas em termos simplese gerais, suscetíveis de interessar realmente o povo e para cuja decisão não se exijada massa eleitoral senão a vista panorâmica da vida política.

Maniesto de 7 de Outubro de 1932

da Ação Integralista Brasileira

(MANIFESTO...,1932)

A questão social deve ser resolvida pela cooperação de todos, conorme a justiça eo desejo que cada um nutre de progredir e melhorar. O direito de propriedade é unda-mental para nós, considerado no seu caráter natural e pessoal. O capitalismo atenta hojecontra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenreado, assinaladorda sionomia do sistema econômico liberal-democrático. Temos de adotar novos pro-cessos reguladores da produção e do comércio, de modo que o governo possa evitar osdesequilíbrios nocivos à estabilidade social. O comunismo não é uma solução, porque sebaseia nos mesmos princípios undamentais do capitalismo, com a agravante de reduzirtodos os patrões a um só e escravizar o operariado a uma minoria de uncionários cruéis,

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

recrutados todos na burguesia. O comunismo destrói a amília para melhor escravizar ooperário ao Estado; destrói a personalidade humana para melhor escravizar o homemà coletividade; destrói a religião para melhor escravizar o ser humano aos instintos; des-trói a iniciativa de cada um, mata o estímulo, sacrica uma humanidade inteira, por umsonho, alsamente cientíco, que promete realizar o mais breve possível, isto é, daqui a200 anos, no mínimo. O que nós desejamos dar ao operário, ao camponês, ao soldado,ao marinheiro é a possibilidade de subir conorme a sua vocação e seus justos desejos.Pretendemos dar meios a todos para que possam galgar, pelas suas qualidades, pelotrabalho e pela constância, uma posição cada vez melhor, tanto na sua classe, como oradela e até no governo da nação. Nós não ensinamos ao operário a doutrina da covardia,da desilusão, do ódio, da renúncia, como o comunismo, ou a anarquia; a doutrina dasubmissão, do ostracismo inevitável, da conormação com as imposições dos políticos,como a democracia liberal. Nós ensinamos a doutrina da coragem, da esperança, doamor à pátria, à sociedade, à vida, no que esta tem de mais belo e de conquistável, daambição justa de progredir, de possuir os bens, de elevar-se, de elevar a amília. Não des-

truímos a pessoa, como o comunismo; nem a oprimimos, como a liberal-democracia;dignicamo-la. Queremos o operário, com garantia de salários adequados às suas ne-cessidades, interessando-se nos lucros conorme o seu esorço e capacidade; de ronteerguida, tomando parte em estudos de assuntos que lhes dizem respeito; de olhar ilumi-nado, como um homem livre; tomando parte nas decisões do governo, como um entesuperior. Acabados os acciosismos, os regionalismos; organizada a nação, participandoos trabalhadores no governo, pelos seus representantes legítimos; exercida a scaliza-ção pelo Estado integralista, sobre todas as atividades produtoras, estarão abertas asportas a todas as aptidões. As classes organizadas garantirão os seus membros, em con-

tratos coletivos, velarão as necessidades de trabalho ou produção de cada um, de modoa não mais submetermos, como até agora tem sido, os que estão desempregados, àshumilhações dos pedidos de emprego, tantas vezes recebidos com desprezo pelos aquem procuram, o que ocasiona justas revoltas. Livrar o operário e a pequena burguesiada indierença criminosa dos governos liberais. Salvá-los da escravidão do comunismo.Transgurar o trabalhador, herói da nova pátria, no homem superior; iluminado pelosnobres ideais de elevação moral, intelectual e material, esses são nossos propósitos. AoEstado, compete a proteção de todos.

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Atividades

Qual a relevância dos estudos sobre a Revolução de 1930 e sobre o pensamen-1.to político dominante no Brasil após esse episódio?

Explique em que se undava a crítica ao surágio universal a partir do ponto de2.vista dos intelectuais antiliberais.

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    O   p   e   n   s   a   m   e   n   t   o   p   o    l    í   t    i   c   o   a   u   t   o   r    i   t    á   r    i   o

Qual seria a principal contradição observável entre o Modernismo da Semana3.de 1922 (e de Oswald de Andrade) e o Modernismo do grupo Verdamarelo (ede Plínio Salgado)?

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Ampliando conhecimentos

ADORNO, Theodor. A Personalidade Autoritária.

O lósoo Theodor Adorno escreveu sobre a incorporação do autoritarismo nos

indivíduos. Sobre isso, aça uma pesquisa na internet sobre sua obra intitulada A Perso-nalidade Autoritária.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representa-tivo no Brasil. São Paulo: Ala-Omega, 1975.

Obra clássica sobre o coronelismo.

SOLDADO de Deus (2004), lme do diretor Sérgio Sanz que trata do movimento inte-gralista no Brasil.

<www.rio.rj.gov.br/memorialgetuliovargas/home.php>.

Site do Memorial Getúlio Vargas, onde se pode saber mais sobre esse grande per-sonagem da nossa história.

<www.youtube.com/watch?v=35N8nHsuhmA>

Um excelente vídeo sobre a Era Vargas.

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A ideologia do desenvolvimento nacional

na década de 1950

Giovana BonamimGovernar é construir estradas.

Washington Luís

No Brasil, não houve apenas um modo de ser moderno, mas diversas concepçõesrelacionadas à ideia e ao projeto de construção de uma nação “moderna”, desenvolvi-da, dinâmica.

Segundo Glaucia Villas-Bôas, existiu um Modernismo típico dos anos 1950, distin-to do Modernismo da década de 1920 e daquele da década de 1930. Nos anos 1950,o Modernismo se pautava pelo estabelecimento de uma organização social avançada,democrática, “uma sociedade de classes secularizada [...], sujeita a uma ordem burocrá-tica, impessoal, legal” (VILLAS-BÔAS, 2006, p. 61). Vinculada a essa orma de pensamen-to modernista, havia uma importante ideologia do progresso.

A construção de um novo tempo para a nação brasileira, a partir de novas ideias enovos projetos teria de ser precedida por uma releitura do país que incluísse os proble-mas a serem resolvidos e as potencialidades a serem consolidadas. Como superar ormasde pensamento colonialistas? Como superar as desigualdades sociais provocadas pelaescravidão? A intensicação do trabalho cientíco, alimentada pela crescente industria-lização e urbanização da década de 1950, conduziria a uma especialização dos debatese da discussão dos intelectuais sobre esses temas. Naquela época, tornou-se urgenteproduzir novas interpretações sobre o Brasil, cujo processo de desenvolvimento seriapautado por um Estado mais orte, mais ativo e mais presente, atrelado a um capitalismode eição nacionalista.

O protagonismo histórico ocupou a produção e o debate intelectual e político.Proporcionadas pela modernização do país, as possibilidades de discussão de teormais universalista conduziriam a respostas de teor regional e nacional. O sociólogoAndré Botelho considera que a imagem que melhor descreve o país nesse período sejaa de uma sociedade em movimento. Essa

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[...] imagem [...], tendo encontrado na intelligentsia composta por artistas, cientistas, escritores eoutros seus portadores sociais mais emblemáticos, proporcionou motivação a uma sociedadeque buscava, mais uma vez, redimir-se de seu passado, em vários sentidos ainda vivo no presente.(BOTELHO, 2008, p. 15)

Segundo Raymundo Faoro, “na modernização não se segue o trilho da ‘lei natural’,mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou pela coação, uma certa política

de mudança” (FAORO, 1992). Portanto, não existe um modelo de modernização queseja automático, absoluto ou universal. O estabelecimento de uma agenda de pensa-mento desenvolvimentista é uma decisão política. A modernização é também um pa-radigma a ser pensado e construído, no sentido de aastar aquilo que estruturalmentedeniria o Brasil: o atraso, a dependência, o colonialismo. Sendo a modernidade um me a modernização, o meio, é importante considerar que o processo de modernizaçãobrasileiro oi denido e conduzido pelas classes dirigentes, a exemplo das numerosaspolíticas sociais e econômicas promovidas a partir dos governos de Getúlio Vargas.

DesenvolvimentismoDesenvolvimentismo é um tipo de política econômica alavancada pelo Estado,

voltada para o desenvolvimento da inraestrutura econômica e para o crescimentoda produção industrial.

Modernidade

Modernidade é o conjunto de condições históricas, materiais e simbólicas quese opõem às condições históricas tradicionais anteriores à consolidação do capita-lismo como modo de produção.

Modernização

“Entende-se por modernização aquele conjunto de mudanças operadas naseseras política, econômica e social que têm caracterizado os últimos dois séculos”(BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 768).

De Vargas a Juscelino Kubitschek: a eleição de 1955Os esorços para a criação de uma identidade nacional e a centralização política

alcançada nas décadas de 1930 e 1940 não impediram a instalação de uma crise políti-ca na primeira metade da década de 1950. Com a dissolução do Estado Novo (regimemantido entre 1937 e 1945) e o aastamento de Getúlio Vargas do poder, reorgani-zaram-se as orças políticas. Foram criados novos partidos políticos, o que até entãoestava proibido pelo regime ditatorial. Até o retorno de Vargas por meio das eleições

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de 1950, o Brasil teve dois presidentes: José Linhares (interinamente, durante quatromeses no poder) e Eurico Gaspar Dutra, militar vinculado ao Partido Social Democráti-co, eleito em 1945.

Quatro partidos políticos ocuparam posições centrais nas disputas políticas nopaís nesse período, tanto na eleição 1950 como na de 1955: PTB, PSD, UDN e PRP.

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) 

Tinha como base principal os trabalhadores urbanos liados a sindicatos vincu-lados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Apoiou o governo de EuricoDutra e lançou a candidatura de Getúlio Vargas nas eleições de 1950.

Partido Social Democrático (PSD)

Foi undado na convenção nacional que lançou a candidatura do marechalEurico Gaspar Dutra às eleições de 1945. Em vários momentos se aliou ao PTB etinha sua base principal em grupos rurais vinculados aos interventores regionais doprimeiro governo de Vargas, notadamente do seu ciclo autoritário (1939-1945).

União Democrática Nacional (UDN)

Principal oco de oposição política e ideológica ao PTB e ao PSB, especialmenteaos governos de Vargas e Kubitschek. Em 1960, lançou a candidatura de Jânio Qua-dros à Presidência da República.

Partido da Representação Popular (PRP)

Fundado por Plínio Salgado em 1945, reuniu os militantes da extinta Ação Integra-lista Brasileira (AIB), o antigo partido do movimento ascista brasileiro. Não lançou can-didatos à eleição de 1950, mas em 1955 apresentou a candidatura de Plínio Salgado.

As eleições de 1950 levaram Getúlio Vargas novamente ao poder. O governo porele constituído teve grande colaboração do PSD e manteve nomes importantes doEstado Novo, dentre os quais Gustavo Capanema (ex-ministro da Educação) e LourivalFontes (ex-diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP). Até mesmo a

opositora UDN oi contemplada com o Ministério da Agricultura, destinado ao líderpernambucano João Cleoas.

As condições encontradas por Getúlio Vargas nesse segundo ciclo de governonão eram muito avoráveis. A intensa oposição da UDN levaria a constantes crises polí-ticas e a uma situação insustentável.

Em 1953, o vereador e jornalista Carlos Lacerda undou no Rio de Janeiro o Clubeda Lanterna, cujo objetivo central era reunir políticos udenistas para combater o go-

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verno Vargas. Em 1954, Lacerda soreu um atentado que resultou na morte de um doshomens que lhe ornecia proteção (o major Rubens Vaz, da Força Aérea Brasileira). Con-rmou-se o envolvimento da guarda pessoal de Getúlio Vargas na ação e a partir dessemomento a oposição se intensicou, isolando politicamente o presidente. No dia 23de agosto desse ano, houve entre os ministros e o presidente uma reunião na qual sedecidiu a licença de Vargas até o nal das investigações relacionadas ao atentado. O

suicídio de Vargas oi comunicado um dia depois, às 9 horas da manhã de 24 de agostode 1954, provocando intensa comoção popular.

Em janeiro de 1955, oi homologada a candidatura de Juscelino Kubitschek peloPartido Social Democrático. A eleição oi marcada ortemente pelos eeitos do suicídiode Vargas. A síntese desse conito político oi eita pela aliança entre o Partido SocialDemocrático e do Partido Trabalhista Brasileiro, com apoio do Partido Comunista Bra-sileiro (PCB) à candidatura de JK (como Juscelino era chamado) à presidência e JoãoGoulart à vice-presidência.

A aliança entre o PSD e o PTB lhes garantiu 36,7% dos votos, contra 30,26% paraJuarez Távora, candidato da UDN. Plínio Salgado recebeu 8,28% dos votos. A vitória donovo presidente seria marcada pela tentativa de impugnação das eleições por meioda UDN, que alegou não ter sido uma vitória por maioria absoluta. Um levante militaroi liderado pelo general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, sob a suspeita deque o presidente interino Carlos Luz, que concluía o mandato de Vargas, não permitiriaa posse de Kubitschek. Após mais de dois meses de estado de sítio, Juscelino tomouposse em 31 de janeiro de 1956.

Política econômica e estrutura social

na década de 1950Os governos de Vargas legaram não apenas uma estrutura burocrática mais ecien-

te para o Estado, mas também construíram as novas bases da economia brasileira.

Entre 1944 e 1956, a produção industrial oi duplicada, oram criadas a Compa-

nhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce e a Petrobras, iniciati-vas extremamente relevantes para a consolidação das indústrias de base e para umanova arrancada da industrialização brasileira. A isso se adicionou a regulação estataldas relações de trabalho, para mediar potenciais conitos entre trabalhadores e em-pregadores. Esse padrão de mudança econômica oi extremamente relevante para aemergência da industrialização promovida posteriormente.

“Cinquenta anos em cinco”: este slogan oi o resumo da plataorma desenvolvi-mentista a partir da qual Juscelino Kubitschek caria conhecido.

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As ações econômicas que caberiam ao governo e ao capital estrangeiro oram es-tabelecidas em seu Plano de Metas, lançado no ano de 1956, prevendo que o governose responsabilizaria pelo estabelecimento de condições estratégicas e inraestruturais:investimentos em energia (incluindo uma política de substituição das importações depetróleo), transporte (especialmente rodovias e portos, ainda que em detrimento dotransporte erroviário) e alimentação (com ênase em armazenagem, ertilizantes e

mecanização da agricultura).

Por outro lado, o governo beneciou o capital estrangeiro por meio de incentivos– a contrapartida seria a industrialização. Entre tais incentivos estavam a isenção deimpostos para importação de equipamentos industriais e a ampliação do crédito paraque também houvesse ampliação do mercado interno por meio do consumo. O papeldo capital estrangeiro era promover um padrão de desenvolvimento que não seriaatingido com a mesma velocidade e a mesma qualidade caso dependesse de impulsosinternos. Assim, a iniciativa estrangeira traria tecnologia de ponta e capital para a im-plantação de um parque industrial competitivo no Brasil.

Segundo o sociólogo Florestan Fernandes, essa industrialização ez surgir umnovo tipo de operariado, conduzindo à renovação do movimento sindical. Em síntese,houve uma transormação da composição e do uncionamento do regime de classes.A crescente participação econômica tornou a classe operária mais presente em níveisculturais e políticos, ocorrendo uma prounda mudança na dinâmica das orças políti-cas, com o operariado acumulando orça política e social.

Embora tenha sido retirado da arena política ocial em 1947, por meio da cassa-ção de seu registro durante o governo de Eurico Dutra, o Partido Comunista Brasileirotomou novos rumos na década de 1950. Continuou suas atividades partidárias na clan-destinidade e aproundou suas relações com o movimento sindical, percebendo a mu-dança da conjuntura em unção da industrialização e do crescimento do operariadoabril. Dessa maneira, o PCB teve importante peso nas articulações da greve de marçode 1953 em São Paulo e na ormação do Pacto de Unidade Intersindical, ainda sob ogoverno Vargas. Em março de 1958, uma declaração do PCB armava que o desenvol-vimento econômico permitiu o estabelecimento de condições políticas democráticas eque seu alvo de combate e oposição era o imperialismo de origem norte-americana.

Nessa conjuntura, o PCB posicionava-se a avor do desenvolvimento industrial eeconômico e deendia que o proletariado e a pequena burguesia nacional teriam mo-tivos para ação política conjunta:

A sociedade brasileira encerra também uma contradição entre o proletariado e a burguesia, que seexpressa nas várias ormas de luta de classes entre operários e capitalistas. Mas esta contradição nãoexige uma solução radical na etapa atual. Nas condições presentes de nosso país, o desenvolvimentocapitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo. A revolução no Brasil, porconseguinte, não é ainda socialista, mas anti-imperialista e antieudal, nacional e democrática.(DECLARAÇÃO..., 1958)

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Como é possível observar, não oram constituídas objeções importantes ao nacio-nal-desenvolvimentismo brasileiro. A principal orça política com potencial de oposi-ção a essa lógica – os setores de orientação socialista e comunista – não se aglutinouem torno da oposição a projetos voltados para o progresso porque julgava essas mu-danças importantes para a construção da democracia.

Nacional-desenvolvimentismo

É um tipo de política econômica que se volta para o desenvolvimento dasorças industriais nacionais, evitando dependência do exterior e estimulando a au-tossuciência produtiva. Além disso, geralmente está atrelada à ideia de construçãode uma nação soberana.

Em seu diagnóstico sobre a realidade brasileira, inspirado na avaliação da TerceiraInternacional Comunista sobre os países desenvolvidos, o Partido Comunista Brasileiroconsiderou que o país se encontrava em condições semelhantes às do eudalismo eassim deendeu que todo desenvolvimento econômico era necessário, superando-sea condição colonial e pré-capitalista para o estabelecimento de uma política naciona-lista e desenvolvimentista:

Aquela coligação eudal-imperialista eria os interesses da maioria da população brasileira, desdeos trabalhadores da cidade e do campo, até os da burguesia industrial e comercial, sem alarnos das classes médias urbanas. O processo da revolução brasileira, assim, denia-se como umarevolução democrático-popular de cunho anti-imperialista e agrária antieudal, ou, na “nacional” e“democrática”, como se cristalizou nos documentos comunistas. (LIMA, 1995, p. 82)

A industrialização e a expansão do consumo relacionada à expansão dos seto-res médios estavam vinculadas ao surgimento de uma sociedade de massas no Brasil.Contra os eeitos do imperialismo e de uma espécie de colonização de inuência ame-ricana causada pela importação compulsória de padrões de consumo externos, seto-res médios, o operariado e a pequena burguesia deveriam estar unidos politicamente,segundo a análise do PCB.

Isso também se reetiu nas mudanças de hábitos entre a população dos grandescentros urbanos. A política desenvolvimentista da década consolidou a sociedade ur-bano-industrial brasileira, aproundando um novo estilo de vida diundido pelo rádio,pelas revistas de grande circulação e pela televisão. As novas condições econômicascriaram novas opções de sociabilidade para a população das cidades, o que levou àmultiplicação de espaços de lazer e cultura.

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O governo JK e a construção de BrasíliaO governo de Juscelino Kubitschek cou marcado pela construção de Brasília.

Mas por que construir uma nova capital ederal? Argumenta-se que

Uma intervenção [urbana e social desse tipo] aria o país se desenvolver. A tarea era a da construção

da nação. Uma tarea ideológica, mas também política. E qual seria esta política? Qual ideologia seriacapaz de reorientar o desenvolvimento nacional e de mudar estruturas seculares? A resposta estavaem andamento. Era o projeto de transerência da capital e a construção de Brasília. (OLIVEIRA, 2005)

Um ano após a posse de JK, Jânio Quadros escreveu um documento com suasobservações sobre a conjuntura política nacional, armando que o presidente esta-ria ainda mais popular que quando candidato, reorçando sua popularidade a partirde ideias como “homem que az”, “homem do progresso”, “líder do desenvolvimentoeconômico”, sua personalidade imprimindo um ritmo acelerado em seus objetivosadministrativos.

No entanto, Jânio também assinalou a existência de uma impressão dominan-te de que sua equipe de governo não estaria completa, que o governo constituídooperava com base em relações pessoais e inormais. Na opinião de Jânio Quadros, opresidente estaria cando muito exposto em todas as crises, ossem elas proundas ousuperciais.

    A   r   q   u    i   v   o

    P    ú    b    l    i   c   o    d   o    D    F .

Obras do Congresso Nacional, em Brasília.

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Juscelino Kubitschek praticava uma política de conciliação. Segundo João Agri-pino, que era membro da UDN, o estilo político do presidente era extremamente en-volvente, atenuando a oposição por meio de cooptação e da conciliação, o que incluíacomandar a imprensa e dirigir as notícias em seu avor. JK detinha uma importante li-gação com os donos da imprensa, além de grande apoio no Legislativo, o que permitiuaprovar rapidamente seu projeto desenvolvimentista.

O convencimento das partes discordantes ou que se opunham ao projeto dessenovo país oi eita pela promoção da tecnocracia. O que era a tecnocracia? Uma orma degoverno apoiada em equipes técnicas proporcionando decisões rápidas cujo teor “téc-nico” evitava justamente sua contestação ideológica e inndáveis debates políticos.

Assim, houve a contratação de técnicos para planejar o desenvolvimento da eco-nomia brasileira. Logo,

[...] diante do desao de traduzir em programas de desenvolvimento econômico o imperativopolítico de aumentar o nível de vida da população, esses técnicos reormularam e desenvolveram

conceitos que já haviam sido esboçados nas tentativas anteriores de planejamento [...]. (ANTUNES,2009)

Além disso, oram instituídos órgãos regulatórios paralelos, que constituíramnovos núcleos de poder e decisão, aastados das antigas estruturas burocráticas, ten-dentes ao clientelismo.

A concepção dos Grupos Executivos correspondeu à criação de uma instituiçãorelativamente autônoma cuja nalidade era scalizar e coordenar a implementação,por parte da iniciativa privada, dos objetivos estabelecidos pelo Plano de Metas. Por

outro lado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) “controlava osmecanismos de nanciamento do setor público, direta ou indiretamente ligados àsmetas de inraestrutura” (ANTUNES, 2009).

Esse controle era necessário para a realização da meta síntese de seu governo nocurto período de quatro anos: a construção de Brasília.

Duas justicativas ociais são apontadas para explicar a mudança da capital parao interior:

maior segurança em termos militares (a capital caria inume a ataques prove-nientes do mar);

a necessidade de ocupação do interior do Brasil, cujos principais centros urba-nos ainda ocupavam as aixas litorâneas.

Uma terceira justicativa, extraocial, é a de que a nova capital seria ecienteem manter movimentos populares e maniestações aastados dos espaços de podere decisão.

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O Iseb e o nacional-desenvolvimentismoSegundo vários intelectuais brasileiros da época, para o país escrever uma história

nacional moderna era necessário superar os limites intelectuais impostos por uma con-dição colonial. Para tanto, oi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb),

que conceberia respostas para as inquietações intelectuais sobre a condição nacional,orientando-se por questões postas pelos modernistas e pelo contexto de pós-guerra.Nesse sentido, o Iseb estaria idealmente voltado à criação de uma consciência nacio-nal autêntica e não colonizada, autônoma, oerecendo possibilidades de superação dopassado.

O Iseb teve como base um antigo círculo intelectual de técnicos em administraçãopública de São Paulo e Rio de Janeiro, que compunham o chamado Grupo Itatiaia:

[...] organizou inormalmente em 1952-3 e se reunia uma vez por mês, no Parque Nacional deItatiaia, situado entre os dois grandes centros, para estudar e debater temas ligados aos problemaspolíticos, econômicos e sociais do Brasil, à luz do contexto internacional. A partir desses estudos, ogrupo se propunha ormular soluções “aplicáveis” à sociedade brasileira e elaborar um projeto dedesenvolvimento econômico e social. (ABREU, 2007)

Uma das principais discussões do Iseb era a quem cabia a liderança no processode desenvolvimento. Outros temas importantes, segundo Alzira Abreu, eram os limi-tes ideais da intervenção do Estado na economia, a presença e o papel do capital es-trangeiro nesse processo. Além disso, essas discussões eram orientadas por um viésnacionalista: perguntava-se como conduzir à constituição de um Estado autônomo, eque setor da sociedade teria a capacidade de liderar o processo de desenvolvimento

do país.

Durante o governo do presidente Caé Filho, esse grupo encaminhou ao Ministé-rio da Educação uma proposta de ormação de um centro de altos estudos cuja nali-dade seria assessorar o governo com relação às políticas de desenvolvimento a partirde uma melhor compreensão da realidade brasileira. Assim, seriam elaboradas erra-mentas teóricas que levariam a uma adequada interpretação da realidade nacional emsuas potencialidades e dilemas.

Sobre a posição do Iseb e sua ação política, Sérgio Micelli oerece uma leitura

baseada na análise das trajetórias daqueles que compuseram a instituição e apontaum perl de produção intelectual absolutamente singular, baseado em uma relaçãoíntima com o poder político:

[...] a missão de docentes e pesquisadores estrangeiros contratados se derontou com uma conjunturabastante distinta quer no interior da então embrionária e rágil organização universitária, quer emtermos da relação entre a hierarquia acadêmica ainda incipiente e os detentores do poder políticosubmetidos às pressões dos grupos de interesse doutrinários e conessionais em luta aberta porespaços na máquina governamental em expansão (MICELLI, 2001, p. 100-101).

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Micelli relaciona o empreendimento intelectual das ciências sociais no institutoao clientelismo, pois “na então capital ederal, o vigor institucional e intelectual dasciências sociais esteve via de regra ancorado em iniciativas assumidas ou encampadaspor setores políticos e governamentais inuentes” (MICELLI, 2001, p. 102).

Para o sociólogo Márcio de Oliveira, o projeto de transerência da capital, mencio-

nado acima, estava relacionado a um “ato de undação de um novo Brasil”, que muitointeressava aos grupos intelectuais ligados ao governo e ao Iseb. Segundo Oliveira, o

[...] imbricamento entre sentimento de inexistência nacional e de desenvolvimento materializou-secom uma orça não imaginada no projeto governamental de mudança de capital. A construçãode Brasília – devido [tanto] ao seu caráter pedagógico de esclarecimento da (ir)realidade do Brasilquanto [...] às dimensões nacionais e de potencialidades de desenvolvimento pouco a poucovislumbradas – coneriu justa e didática imagem ao variado conjunto de pressupostos teórico--ideológicos lentamente elaborados pelos intelectuais ligados ao [Iseb] (OLIVEIRA, 2005).

Se o progresso e a modernização estariam se armando materialmente, a buscapela compreensão dos condicionantes históricos brasileiros parece ter movido grande

parte, senão a maioria dos intelectuais (vinculados ou não ao Estado) na empreitada depensar o desenvolvimento nacional, ainda que tivessem, ou não, compromisso com odesenvolvimento de uma política autônoma.

Considerações naisBotelho arma que

Se toda sociedade tem os intelectuais que lhe convém e os processos ideológicos do passadoormam um legado para o presente, relevante também na denição das possibilidades do uturo,as batalhas de ideias e imagens travadas pela intelligentsia constituem chave analítica crucial para acompreensão da sequência histórica que liga sinuosamente a sociedade brasileira dos anos 1950 àdeste século XXI ( BOTELHO, 2008, p. 21).

As ações políticas que conduziram à modernização orçaram os setores intelec-tuais brasileiros a tomar posição rente aos dilemas apresentados pelo país. Ainda queragmentada espacial e temporalmente, a intelectualidade brasileira se viu, na décadade 1950, reunida pelo imperativo de se posicionar rente à ideologia da modernizaçãoa partir dos instrumentos, instituições e concepções de mundo que lhe estivessem dis-

poníveis e para ela ossem legítimos.

Pode-se dizer que houve um relativo acordo entre esses intelectuais sobre a re-levância do papel da história para explicitar atores estruturantes do Brasil e apontarquestões relevantes sobre a problemática da nacionalidade, do desenvolvimento e doprogresso brasileiros.

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Textos complementares

O mito de Brasília

(ALMINO, 2007)

No caso de Brasília é imagem orjada pelo mito e também pela história de umaideia, que se conclui com a execução do seu projeto modernista. Para dizer de outraorma, aquela cidade sem história é rica em carga simbólica. E o que Brasília simbo-liza? A democracia. A racionalidade. A nação. A integração e o desenvolvimento. Aaspiração de igualdade. O moderno. O uturo. E também, claro, o poder, a alienação,o encastelamento, a corrupção, o autoritarismo, o misticismo e a irracionalidade.

Poucas cidades do mundo têm uma carga simbólica tão orte. Não importa quea realidade negue ou venha a negar o que a ideia de Brasília representa ou represen-tou ao longo dos tempos. Mitos não se destroem acilmente; sobrevivem à própriarealidade material. [...] A maioria das cidades resulta do acaso, do encontro ortuitoe da necessidade. Brasília é obra do espírito, da vontade e do plano. Se a experiênciaconcreta daqueles que lá vivem ainda tem uma história curta, a história de Brasíliacomo projeto, símbolo e mito se conunde com a do Brasil independente. É a históriade uma utopia construída ao longo de um século e meio. [...]

Ali Varnhagen, responsável pela indicação de uma localização ainda mais precisa

para a nova capital, apontava, além das razões de segurança, atores geradores deriqueza, de unidade nacional, integração e civilização. Para ele, o emprego de “capi-tais produtivos” no interior aumentaria “sua cultura e riqueza, e depois sua popula-ção”. Seria necessário levar “como tônicos” aos sertões “grandes ocos de civilização, enão o pode haver melhor do que o de assentar aí a capital, que em todos os reinos écentro do luxo…” Seria uma maneira de manter vivo o próprio Estado. Diz ele que “osgovernos cuja sede está no interior do país tratam mais que os outros em cuidar de a-cilitar as comunicações, que são as veias e as artérias do Estado, que sem elas denhae morre”. Há também o argumento da irradiação equânime da administração – e, por-

tanto, do bom governo – a partir do centro: “ao mesmo tempo, uma capital centralpode distribuir com mais igualdade, em dierentes raios, sua solicitude”. O comérciointerno e a geração de riqueza daí decorrentes seriam criados pelo consumo dessacapital interiorana. Ali se cultivariam artigos de comércio “que não cultiva a beira-mar”e pouco a pouco se criaria uma autossuciência. A população “pastoril passaria a seragricultora, e até com o tempo, a ensaiar-se a outros ramos d’indústria”. [...]

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    A    i    d   e   o    l   o   g    i   a    d   o    d   e   s   e   n   v   o    l   v    i   m   e   n   t   o   n   a   c    i   o   n   a    l   n   a    d    é   c   a    d   a    d   e    1    9    5    0

A cidade nasceu sob o manto do sagrado, representado pelo signo da cruz. Aindadurante o governo Caé Filho, é ncada a cruz de madeira no ponto mais alto da áreademarcada, hoje praça do Cruzeiro, marco da undação da cidade, local onde mais tarde,em maio de 1957, oi rezada a primeira missa. O poeta e acadêmico Guilherme de Almei-da saudou a inauguração com um poema que dizia: “agora e aqui todos se cruzam pelosinal da Santa Cruz”. A cruz está no próprio projeto urbanístico e nas palavras com queLúcio Costa o descreveu: “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou deletoma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.

A utopia de Brasília estava expressa naquela cruz. O eixo monumental abrigavao sonho de realização da nação. A monumentalidade desejada correspondia à am-bição do projeto e era proporcional à grandeza de seu ideal. Uma cidade de iguaissurgiria ao longo do eixo residencial. Brasília devia undar um novo país, modernocomo a arquitetura de sua capital; ser a base de uma nova e mais justa sociedade.

O Plano Piloto era um espaço de possibilidades. Estava associado ao novo: um

novo homem, uma nova política. Seu tema mais visível era a busca do moderno, adiscussão sobre o renascimento, sobre o novo começo. Por sua vez, sua cartograavirá também a empregar os limites e a transgressão como símbolos; a enocar ima-gens da revolução e do m do mundo.

Com a cidade inaugurada, a utopia de Brasília começava a se conrontar coma Brasília real. Diz uma das principais estudiosas de Brasília, a socióloga BárbaraFreitag, que aquela cidade “recebeu em seu espaço urbano todos os problemas dasociedade brasileira sem correções prévias. Não é de admirar”, ela acrescenta, “que

neste verdadeiro ‘laboratório social’ vejamos a olho nu e convivamos de orma maisdireta com os problemas globais da sociedade brasileira como um todo”. [...]

Esse projeto moderno e racional é conrontado pela criação espontânea. Há umcontraste entre o caos e a ordem, entre as linhas retas do Plano Piloto, onde os carroscirculam, e as veredas sinuosas que os pedestres criam livremente sobre a grama,como ormas de resistência à planicação. Muitas das supostas construções moder-nas envelheceram prematuramente e estão cobertas de grati. O projeto modernoe racional se mescla também com a expressão pré-moderna e irracional que proli-era dentro e em torno de si. A cidade se vê rodeada pela irracionalidade de várias

seitas místicas. Algumas delas vislumbram no Planalto Central uma grandeza para-lela à do papel civilizador da interiorização: em contraponto ao triângulo equiláteroque, no plano de Lúcio Costa, dene a área da cidade, existiria um triângulo muitomaior, localizado no Planalto Central, que sobreviveria à grande catástroe que esta-ria por vir e seria o berço de uma nova era e uma nova humanidade. Acrescente-sea esse contraste gritante com a modernidade outro, silencioso e corriqueiro: por seucaráter geogracamente goiano, a cidade oi também absorvendo a atmosera doBrasil proundo e tradicional. Aliás, linguisticamente é sobretudo goiana.

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A televisão brasileira nos anos JK

(LATTMAN-WELTMAN, 2009)

Com a inauguração, em setembro de 1950, da primeira emissora da TV Tupi,em São Paulo, o país tornava-se o primeiro do continente e o quarto do planeta apossuir o meio de comunicação que em pouco tempo transormaria toda a vida emsociedade. À Tupi seguir-se-iam a TV Paulista, a TV Record, a TV Cultura e, já ao nalda década, a TV Excelsior, em São Paulo. À inauguração da TV Tupi no Rio, em 1951,seguiu-se, anos mais tarde a da TV Rio e a da TV Continental.

Naquele começo, a televisão ainda perdia para o cinema e para o rádio, diversõespreeridas da maior parte da população. Sua gestão, tanto artística quanto adminis-trativa, era ainda semiprossional, assim como suas potencialidades educativas, políti-cas e comerciais eram apenas estimadas. Com as limitações tecnológicas do período, a

transmissão era eita sempre ao vivo, com o auxílio apenas de lmes, e o raio de diusãoera limitado ao âmbito regional. Mesmo assim, quando Juscelino Kubitschek assumiuo governo em 1956, algumas das primeiras mudanças trazidas pelo novo veículo já seaziam notar. Com o processo de industrialização do país, acelerado pelo novo governo,a televisão e o automóvel passariam a ser sinônimos de modernidade e progresso.

Naquele mesmo ano de 1956, teve início a expansão da televisão para além dosgrandes centros, já que até então as transmissões alcançavam um raio de apenas100 quilômetros. A primeira emissora a transmitir em rede oi a Record, de São Paulo.Ao mesmo tempo, iniciou-se a ascensão da TV ao topo do mercado publicitário bra-

sileiro. Os potenciais propagandísticos do veículo oram rapidamente percebidos, eseu uso por políticos em campanha tornou-se requente, o que acabou se reetindotambém nas políticas de concessão dos canais e de regulação da nova erramentade debate e proselitismo.

Existiam cerca de 200 mil aparelhos de televisão no Brasil quando uma sériacrise militar irrompeu no governo JK, em novembro de 1956, pelas declarações an-tigovernistas do general Juarez Távora transmitidas pela TV Tupi, em ranca deso-bediência a recomendações do então ministro da Guerra, o general Henrique Lott.Távora oi punido por seu pronunciamento. Em 1957, novas críticas à política do

presidente Juscelino Kubitschek provocaram a censura ao programa Noite de Gala,da TV Rio. Em 1960, oi a vez das eleições movimentarem politicamente a televisão.Carlos Lacerda utilizou intensamente a programação da TV Rio em avor da candida-tura de Jânio Quadros à Presidência da República, apoiada pela UDN.

O nal da década assistiria à introdução de uma das maiores inovações tecno-lógicas da história do veículo. Em 1960, no programa Chico Anísio Show da TV Rio,utilizaram-se pela primeira vez os recursos do videoteipe na televisão brasileira.

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    A    i    d   e   o    l   o   g    i   a    d   o    d   e   s   e   n   v   o    l   v    i   m   e   n   t   o   n   a   c    i   o   n   a    l   n   a    d    é   c   a    d   a    d   e    1    9    5    0

Outras emissoras logo se beneciaram da novidade, descobrindo novos usos e apli-cações. Os tempos da improvisação e das gaes olclóricas de garotas-propagandacomeçavam a ser superados.

Como sinal da rápida maturação do novo veículo e das grandes transormaçõesque viriam logo adiante, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo puderam assistir,

em abril de 1960, à inauguração de Brasília, graças ao envio de gravações em video-teipe do evento. Ao ndar a década – e o governo de Juscelino Kubitschek – o paístinha bem mais do que decuplicado o número de residências dotadas de aparelhosde TV: de cerca de 34 mil, em 1954, passara-se para 598 mil em 1960.

Atividades

De que modo a alteração na estrutura de classes no Brasil na década de 19501.alterou o jogo político do período?

De que modo o governo de Juscelino Kubitschek aplicou princípios desenvol-2.

vimentistas?

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Quais são as semelhanças ideológicas entre o Iseb e o governo de Juscelino3.Kubitschek?

Ampliando conhecimentos

NOITE vazia (1964), lme de Walter Hugo Khoury que discute o tédio, a angústiae a alienação entre setores médios da população na cidade de São Paulo, já industria-lizada e moderna.

OSCAR Niemeyer: a vida é um sopro (2007), documentário de Fabiano Maciel quenão somente apresenta a vida e a história do arquiteto e urbanista, mas também revelaaspectos interessantes entre o campo político e o campo da arquitetura.

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A classe trabalhadora no Brasil

Julio Cesar G. SilvaAs revoluções proletárias [...] criticam-se constantemente a si próprias, interrompem-se

constantemente sua própria marcha, voltam ao que parecia terminado, para começar de

novo, troçam prounda e cruelmente das hesitações dos lados racos e da mesquinhez

das suas primeiras tentativas, [...] até que se cria uma situação que torna impossível

qualquer retrocesso e as próprias circunstâncias gritam: Hic Rhodus, hic salta!  

Karl Marx 

Como se deu o processo de ormação e transormação da classe trabalhadorabrasileira enquanto ator político? Embora não seja nosso objetivo contar a história daclasse (sua origem, as mudanças de perl, sua demograa característica), para ns deexposição priorizou-se a narrativa histórica, indicando algumas chaves interpretativassobre alguns atos e processos que auxiliam na compreensão da trajetória dos partidosde massa da classe trabalhadora e das ormas sindicais associadas a eles em cada perí-odo importante. Nesse sentido, vamos considerar dois grandes ciclos:

o Partido Comunista Brasileiro (PCB) como o principal polo de reerência para

a expressão autônoma da classe trabalhadora;

a construção e a decadência do Partido dos Trabalhadores (PT) como sínteseda consolidação de um partido independente pela classe trabalhadora.

O ciclo PCB e o sindicalismo corporativista

Da origem do movimento sindical no Brasil à undação do PCB

A origem da moderna classe trabalhadora assalariada no Brasil está relacionadaàs transormações da nossa ormação socioeconômica no m do século XIX, com alibertação dos escravos e a transerência de parte do capital gerado na produção ca-eeira para o incipiente setor industrial. Os primeiros contingentes de operários abriseram na maioria migrantes negros e mestiços, mas também havia muitos imigranteseuropeus (especialmente no estado de São Paulo) que trouxeram para o Brasil diversasexperiências políticas da classe trabalhadora do Velho Continente.

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Segundo uma boa parte da historiograa, esse ato explicaria o predomínio davisão anarcossindicalista na classe trabalhadora brasileira da época. Contudo, paraBoito Jr. (2009) esse ponto de vista está ancorado no preconceito que atribui ao povobrasileiro uma passividade inata. Conorme o autor, a literatura mais recente tem de-monstrado que esse predomínio é mais bem explicado pelo ato de os trabalhadoresestarem excluídos da política por uma pseudodemocracia liberal controlada pelas oli-

garquias undiárias que obrigavam os trabalhadores rurais sob seu comando a votarem determinados candidatos. Sem possibilidade de participar da política, os trabalha-dores urbanos a negavam, recusando a própria política.

Essa não é a única visão possível do problema. No Rio de Janeiro, então capital dopaís, havia um sindicalismo reormista, desejando a melhoria da situação dos trabalha-dores dentro do capitalismo e não a transormação revolucionária da sociedade.

Anarcossindicalismo

Corrente política radical que prega o m do Estado e da propriedade privada. Écontra a organização política da classe trabalhadora em partido deendendo que oúnico mecanismo de luta para atingir seus objetivos deve ser os sindicatos.

De acordo com Sena Junior (2004), tanto o anarcossindicalismo quanto o sindi-calismo reormista não oram capazes de transormar a experiência sindical dos traba-lhadores urbanos em um partido de abrangência nacional, de modo que os primeirospartidos políticos da classe não passaram de experiências locais e de curta duração.

Todavia, a miséria dos trabalhadores nos centros urbanos levou a uma crescen-te organização sindical e a uma explosão de greves operárias. Em 1917, uma grevegeral em São Paulo iniciou um intenso ciclo de paralisações que perdurou por três anosconsecutivos.

Somente em 1922 oi undado o primeiro partido da classe com abrangência na-cional: o Partido Comunista do Brasil (PCB), em uma reunião de modestos nove dele-gados que representavam apenas 73 militantes de todo o país. Longe de ser uma agre-miação de massas, o PCB precisou contar, nesse período, com o apoio da Internacional

Comunista e o impacto da Revolução Russa de 1917 para um rápido crescimento.

Internacional Comunista (IC)

Organização que reunia partidos comunistas de diversos países com o objetivode organizar a revolução mundial. Criada em 1919 por iniciativa dos dirigentes daRevolução Russa de 1917, mais tarde se tornaria um instrumento de controle doscomunistas pela burocracia soviética liderada por Joseph Stalin.

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A Era Vargas e o sindicalismo corporativista

A Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder, alterou prounda-mente o panorama da política nacional. Conciliando interesses distintos, o governo deGetúlio estimulou a industrialização sem mudar as relações sociais no campo nem opredomínio da estrutura undiária. Foram concedidos diversos direitos trabalhistas esociais no meio urbano, mas menos do que era exigido pelos sindicatos. No meio rural,não houve redistribuição de áreas dos grandes latiúndios produtivos e improdutivospara os camponeses sem terra (a chamada reorma agrária). Além disso, os direitos con-cedidos aos trabalhadores das cidades não oram estendidos aos trabalhadores rurais.

Nesse momento, a classe trabalhadora brasileira estava ainda muito dispersa,sem uma direção centralizada, e o governo Vargas pôde se apresentar como o tutordos seus interesses. Não obstante, o PCB aumentou signicativamente sua inuênciasocial, especialmente após a adesão de Luis Carlos Prestes, o qual se tornara uma per-

sonalidade amplamente respeitada e admirada por ter liderado uma coluna de solda-dos e ociais rebeldes que derrotou o Exército em diversas batalhas entre 1925 e 1927(a Coluna Prestes-Miguel Costa).

O ascismo, com seu ideário ditatorial, também encontrou muitos adeptos no país,especialmente entre setores da classe média e na ala conservadora da Igreja Católica.Esse ideário também teve seguidores na classe operária. Reunidos na Ação IntegralistaBrasileira (AIB), os ascistas nacionais tiveram grande inuência na conjuntura políticadurante os anos 1930. Como demonstra Rodrigues (1981), diversas instituições estataisoram inspiradas no ascismo. Mas isso não signicou a implantação do ascismo no

Brasil: os próprios integralistas oram vítimas de perseguição de Vargas.

Reagindo ao getulismo e ao integralismo, parte das organizações da classe tra-balhadora se reuniu em uma rente popular de massas denominada Aliança NacionalLibertadora (ANL), que além dos comunistas agregava os reormistas não vinculados aVargas e a ala esquerda do movimento de ociais de baixa patente do Exército Brasilei-ro conhecidos como os tenentes.

Fazendo oposição ao governo de Vargas, a ANL oi posta na clandestinidade, oque precipitou sua mal planejada tentativa de golpe de Estado em 1935. Contrariando

as expectativas de Prestes, a maior parte do Exército não aderiu ao levante em no-vembro daquele ano. Os sindicatos sequer oram avisados do dia da insurreição e nãotiveram participação substantiva. Vencendo com acilidade, o governo aproveitou pararotular esse levante como a Intentona Comunista. Esse episódio, entre outros, legitima-ria a instauração da ditadura civil-militar do Estado Novo (1937-1945).

Nesse primeiro momento de transição de uma sociedade agroexportadora parauma sociedade urbano-industrial, a elite política brasileira construiu diversos mecanismoscapazes de controlar as explosões operárias.

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Uma das marcas essenciais desse período oi a ormação de sindicatos atreladosao Estado, os chamados sindicatos corporativistas. Desde a Revolução de 1930, o pro-cesso de organização sindical da massa trabalhadora já era marcado pela tutela doEstado e esse processo se aproundou com a ditadura civil-militar, tendo seu ápice nainstauração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, diretamente inuen-ciada pela Carta del Lavoro do regime ascista italiano liderado por Benito Mussolini.

A CLT procurava modernizar as relações trabalhistas, ganhar apoio popular para umregime ditatorial carente de legitimação e controlar política e ideologicamente a classetrabalhadora urbana. Além de diversos direitos trabalhistas, a CLT instaurou uma série demecanismos de controle sobre os sindicatos. O Ministério do Trabalho passou a ter o poderde intervir nas associações sindicais, o que permitiu aastar as lideranças mais radicais.Apenas direções reormistas ligadas a Vargas eram aceitas pelo Ministério. A constituiçãode uma central sindical, o direito de greve e a divulgação de doutrinas não admitidas peloregime estadonovista oram proibidos. Instituiu-se o imposto sindical e aos sindicatosoram atribuídas unções assistencialistas, o que tornava sua estrutura organizativa maiscomplexa e debilitava sua capacidade de combate da classe diante do governo.

O outro lado da estratégia ocial oi a tentativa de organização partidária dasmassas urbanas no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), uma agremiação criada em 1945e saída diretamente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Seu papel essen-cial oi o atrelamento político da classe trabalhadora ao Estado. Para alguns autores,como Ângela Castro Gomes (1988), pode-se pensar a própria classe trabalhadora doperíodo – a ideia de classe trabalhadora, seus símbolos, sua identidade social – comouma invenção do trabalhismo, que é uma política e uma ideologia orjadas por parte da

elite dirigente do Estado Novo.

O PCB e a democracia populista de 1945-1964

Proibido e perseguido por Vargas após o levante de 1935, o Partido ComunistaBrasileiro oi anistiado em 1945 pelo próprio presidente da República no m do EstadoNovo e, na legalidade, transormou-se em um partido de massas, atingindo em muitopouco tempo quase 200 mil liados. Nesse período o PCB assumiu a direção de nume-rosos sindicatos e se tornou a quarta maior orça eleitoral do país no pleito de 1945.Diante desse crescente apoio da classe trabalhadora, o governo Dutra (1946-1951) co-locaria o PCB novamente na ilegalidade, já em 1947. Apesar de clandestino, o partidocontinuou com muito prestígio e inuência, principalmente entre as baixas camadasmédias e setores intelectuais. Para muitos autores, sua derrocada posterior não oi pro-duto apenas da repressão, mas também de seus próprios erros políticos.

Por ter contado com o apoio e o incentivo, além da estrutura material (recursos,dirigentes, contatos no exterior etc.) proporcionada pela Internacional Comunista para

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sua consolidação, a sorte do PCB esteve sempre ligada ao destino dessa organização.Com a burocratização do movimento comunista mundial, o próprio partido brasileirooi prejudicado: a linha política do PCB jamais considerou, em suas ações e opções, asparticularidades nacionais. O partido, quase sempre aastado da dinâmica política darealidade brasileira, tornou-se um órgão ultracentralizado e burocratizado, reprodu-zindo a dinâmica interna do Partido Comunista da União Soviética (PCUS).

Apesar de instável e sempre sujeita às viradas ideológicas dos dirigentes da UniãoSoviética, a tática do PCB teve ao menos uma linha de continuidade. Apenas dois anosapós a rustrada tentativa de insurreição de 1935, o PCB já via em Vargas um aliadocontra a ameaça ascista. Em 1945, apoiou o chamado movimento queremista (queusava o slogan “Queremos Getúlio”), deendendo a permanência de Vargas, agora sobum regime constitucional, para evitar, no processo de redemocratização do país, oavanço da direita.

Em 1947, o Partidão, como era conhecido, retomou uma linha mais oensiva,

boicotando as eleições de 1950 e se isolando na posição de crítico do segundogoverno Vargas (1950-1954). Revendo essa linha, oi ao encontro da grande massapopular que saiu às ruas homenageando o presidente quando do seu suicídio, em24 de agosto de 1954. Reis (2002) demonstra que, apesar das drásticas mudançasde tática do PCB ao longo desse período, a organização permaneceu sempre elà meta de uma revolução democrático-burguesa, que deveria implantar o capita-lismo democrático no país, tal como preconizava a Internacional Comunista. Essaproposição político-ideológica desconsiderava o ato de que o Brasil já era um paíscapitalista.

Durante todo esse período que vai de meados da década de 1940 até meados dadécada de 1960, o PCB rivalizou com o PTB em sua tentativa de ser a organização políti-ca das massas populares, particularmente da classe trabalhadora urbana. O ato de seruma organização ilegal e de estar, portanto, proscrita do jogo político tornou particu-larmente diícil sua pretensão. Ainda que apresentasse candidatos por outras legendas(e mesmo pela legenda do PTB), sua inuência oi mais ideológica que propriamentepolítica. E mesmo nesse terreno – o ideológico – tinha sérias diculdades para desaara hegemonia dos governos populistas.

Populismo

Grande parte da literatura chama os presidentes do Brasil no período de 1930--1964 de  populistas. Para alguns, essa noção remete aos traços de personalidadedos líderes políticos da época, que procuravam manipular o povo se apresentandocomo protetores dos mais pobres. Para outros, a noção de  populismo remete à pró-pria estrutura política de dominação de classes no período.

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Em 1956, quando Nikita Krushev denunciou os crimes cometidos por JosephStalin, houve uma grande crise em todos os partidos ligados à Internacional Comunis-ta. Parte da direção do PCB procurou encobrir o ato, mas quando os acontecimentosdo período estalinista vieram à tona, a organização brasileira oi compelida a revisarsuas táticas políticas. Em março de 1958, apareceu o documento Declaração sobre a

Política do Partido Comunista Brasileiro (mais conhecido como a Declaração de Março),

em que sua direção assume uma linha de apoio aos governos populistas.

Em resumo, as ligações do PCB com a classe operária brasileira oram diíceis e in-constantes. Sua capacidade de organização sempre oi um tanto limitada, apesar de exis-tente e eetiva. Com isso, as massas populares caram a maior parte do tempo à mercêdo sindicalismo ocial (controlado pelo Estado) e dos governos reormistas. Todavia, essarelação entre classe e partido oi mais ambígua do que parece à primeira vista.

Trabalhadores, camponeses e comunistas

na democracia populista

Mesmo com o m do Estado Novo, a estrutura do sindicalismo brasileiro oi man-tida quase intacta. O direito de greve oi restabelecido apenas parcialmente, pois cabiaao Poder Judiciário decidir a legalidade ou não de cada paralisação. O governo, con-tudo, passou a intervir cada vez menos na organização dos trabalhadores. Ocorreramdiversos ciclos grevistas durante o período e o PCB passou a dividir com o PTB o con-trole dos principais sindicatos. A inuência política dos comunistas se expandiu apesar

da ilegalidade. Conorme demonstra Rodrigues (1981), o PCB contou com uma atitudecada vez mais condescendente dos governos populistas – anal, o apoio de um parti-do com inuência entre a classe trabalhadora se tornou cada vez mais imprescindívelem uma conjuntura de crescente instabilidade política.

O Partido Comunista no Brasil: PCB ou PC do B?

Em 1958, o Partido Comunista do Brasil mudou o seu nome para Partido Comu-nista Brasileiro para armar seu caráter nacional e escapar da perseguição do retórico

nacionalismo governamental (entendia-se que a antiga denominação dava a impres-são de que a agremiação era lial de uma organização internacional). Constituída demilitantes que haviam rompido com o PCB em 1958, a nova sigla PC do B assumiria onome Partido Comunista do Brasil, mas não teria grande inuência nesse período. Atéhoje as duas legendas reivindicam a história do partido undado em 1922.

Embora as centrais sindicais continuassem a não existir ocialmente, o governopassou a permitir a articulação intersindical. Por inuência do PCB, em 1962 os princi-

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pais sindicatos do país criaram o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), uma orga-nização de cúpula dos sindicatos dirigidos por comunistas e trabalhistas, cumprindoo papel de central sindical na prática. O CGT oi um dos grandes responsáveis pelaradicalização do governo de João Goulart (1961-1964) e ao deporem o governo cons-titucional os militares justicaram o autoritarismo e a repressão que se seguiu com oargumento de que estariam impedindo a instauração de uma “república sindicalista”

no país (BOITO JR., 1999). É importante observar aqui que o PCB, longe de se opor àestrutura corporativista dos sindicatos, dela se beneciou por conta do apoio do go-verno ao Comando Geral dos Trabalhadores.

No campo, as relações eram ainda mais explosivas. No início da democracia po-pulista, o PCB investiu proundamente na organização dos pequenos proprietários deterra e trabalhadores rurais assalariados que ormavam a grande massa da nação. Entre1945 e 1947, com a ajuda do Partidão, oram criadas as primeiras Ligas Camponesas,movimento cujo ímpeto diminuiu um pouco após o partido ser posto na ilegalidade.Entretanto, os conitos na área rural se intensicaram por causa da superconcentraçãoda terra e da miséria dos lavradores, à margem de quaisquer direitos trabalhistas.

Conorme Santos e Costa (1997), em 1958 o PCB mudou sua tática de estímuloà revolução no campo para uma linha gradualista e pacíca, priorizando sindicatosrurais e outras organizações legais, abandonando a estratégia das Ligas Camponesas.O potencial revolucionário no meio rural oi controlado pelo partido, subordinando aorganização no campo à sua tática de conciliação de classe no meio urbano.

O golpe militar de 1964 quase não encontrou resistência política: inexistia a “bur-guesia nacional progressista” imaginada pelo PCB, como também não existia a classeoperária combativa e consciente desejada pelas lideranças dos comunistas. O Partidãooi igualmente incapaz de articular os trabalhadores para resistir ao golpe.

As avaliações sobre as causas da derrota do movimento popular em 1964 (e,portanto, da incapacidade política da classe trabalhadora) oram várias. A direçãodo Partido Comunista Brasileiro cogitou que a vitória dos golpistas que tiraram JoãoGoulart do poder teria sido provocada por um desvio à esquerda, um esquerdismo. Omovimento popular, liderado pelos trabalhistas e por eles mesmos, teria exigido maisdo que se podia politicamente naquele momento. Mas também houve, por parte de

outros elementos do partido, a ponderação de que o erro oi o conservantismo assu-mido pela direção: a política de “conciliação de classes” não reconheceu o inimigo reale por isso levou à derrota. Essa divergência produziu rupturas internas que, somadasà repressão da ditadura militar, quase acabaram com o partido. O pouco que sobroudo PCB se organizou no interior do único partido de oposição permitido pelo novoregime: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O PCB, todavia, a partir de ns dosanos 1960, nunca mais iria recuperar o prestígio e a inuência que teve entre a classetrabalhadora brasileira.

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

O ciclo PT e o novo sindicalismo

A ditadura militar e a nova classe operária

Após o golpe de Estado, houve uma notória perseguição aos líderes sindicais.Apropriando-se de leis herdadas do Estado Novo, que não oram abolidas durante ademocracia populista, a ditadura militar colocou todos os sindicatos de trabalhadoressob seu controle e as greves oram novamente proibidas. Violentamente reprimidas, asparadas de Contagem e Osasco em 1968 oram um dos elementos que contribuírampara o endurecimento do regime: o Ato Institucional número 5 (AI-5), que aproundoua ditadura, oi decretado pouco depois delas. Os oposicionistas que se dispuseram acombater os governos dos generais oram presos, torturados e assassinados. Grandeparte dos militantes das várias dissidências à esquerda do PCB e de outras organiza-

ções socialistas minoritárias optou, a partir de então, pela luta armada, em inúmerasorganizações clandestinas e sem grande base social. Elas estavam completamente des-ligadas da classe trabalhadora e sua inuência – política e ideológica – sobre a classeoi quase nenhuma.

O regime dos militares ampliou e modernizou muito rapidamente o parque in-dustrial do país: reduzindo os sindicatos à política assistencialista, aproveitou a des-mobilização das massas urbanas e rebaixou os salários para atrair capital estrangeiroem busca de mão de obra barata. Segundo Oswaldo Amaral (2003), o número de tra-balhadores na indústria subiu de 2,9 milhões em 1960 para 10,7 milhões em 1980. A

população urbana ultrapassou o contingente rural e a concentração de uma crescentemassa de operários em indústrias modernas levou à constituição de uma classe traba-lhadora maior e mais organizada, com o movimento operário alcançando, quase dezanos depois do AI-5, o primeiro plano nos acontecimentos políticos.

Em 1977, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema,liderado por Luiz Inácio da Silva, o Lula, ao constatar que o governo manipulava os ín-dices do custo de vida, estipulando taxas menores para a inação e o reajuste salarial,“articulou-se com outras associações da região e lançou a campanha para o reajuste”

(AMARAL, 2003, p. 29) dos ordenados. Assim, a ditadura oi pela primeira vez desaa-da pela classe trabalhadora urbana. Nasceu daí um novo sindicalismo, organizado debaixo para cima, tomando decisões políticas em grandes assembleias, dispensando aintermediação do Estado em prol de um conronto mais direto com o capital e tendoconsciência de que o papel dos sindicatos não é a assistência social e sim a promoçãoda luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho.

Em 1978, teve início um intenso período de lutas sociais. Na região do ABC Paulista(Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul) ocorreram as primeiras greves

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da ditadura militar desde as paralisações de Osasco (SP) e Contagem (MG). Houve inter-venção nos sindicatos e prisão de seus líderes, mas a repressão não veio com a mesmaintensidade de dez anos antes. Além da lenta e gradual abertura do regime promovi-da pelos militares, o movimento era de massa, empolgando milhares de trabalhadores,enquanto, por outro lado, diversos outros segmentos sociais também começavam a semobilizar. Mais que um novo sindicalismo, apareceu uma innidade de novos movimen-

tos sociais (movimento contra o custo de vida, luta pela moradia, movimento eminista,negro, estudantil), muitos deles ligados às comunidades eclesiais de base (CEBs), da alaesquerda da Igreja Católica, que prolieravam aos milhares por todo o país.

Comunidades eclesiais de base

Comunidades da Igreja Católica organizadas em unção de proximidade terri-torial. Formadas majoritariamente por membros da classe trabalhadora, possuíamcomo undamento o objetivo de ligar os ensinamentos religiosos com a luta social.

Um claro dilema? O socialismo petista nos anos 1980

Existe certo consenso na literatura especializada de que o traço undamentaldesses novos movimentos sociais e sindicais oi a espontaneidade: as mobilizaçõespopulares ocorreram sem uma direção prévia, partidarizada, e também não havia ob- jetivos claros a longo prazo. Líderes sindicais como Lula negavam a luta política, acre-ditando que o movimento grevista deveria se limitar à luta salarial. Com a sequência

de derrotas das ações dos sindicalistas, duramente reprimidos pelo aparato estatal, omovimento operário da região mais desenvolvida do país começou a perceber a ne-cessidade de se politizar. Conorme observa Mauro Iasi (2006), os mesmos líderes queno início eram contra a politização passaram a deender a necessidade de construir,para azer avançarem suas lutas, um “partido dos trabalhadores”.

O movimento sindical se tornou assim, em ns dos anos 1970, um polo aglutina-dor dos setores populares que iam progressivamente se organizando contra o regimeditatorial. Meneguello (1989) observa que o novo sindicalismo – o nome desse movi-

mento por oposição ao velho sindicalismo varguista, assistencialista e politicamenteconservador – atraiu diversos setores sociais para a criação do Partido dos Trabalha-dores: alguns políticos do MDB, o partido ocial de oposição ao regime ditatorial; in-telectuais radicalizados à esquerda; organizações socialistas de diversas tendências erepresentantes dos novos movimentos sociais, inclusive da Igreja Católica.

Maria Izabel Lagoa (2004) insiste que a espontaneidade inicial do movimentopermaneceu após a undação do PT (1980). Para ela, os novos movimentos sociais, namaioria ligados às CEBs, não possuíam cultura socialista e eram avessos à noção de

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vanguarda, enquanto os intelectuais e os militantes provenientes de outras organiza-ções, ao armarem a novidade do movimento, não lhe permitiram aproveitar critica-mente as lições contidas na história do PCB.

Por sua vez, Iasi aponta que o undamental aqui é perceber o “salto de consciên-cia” dos trabalhadores brasileiros: em um curto período, a classe enrentou a ditadura e

superou a negação da política (ou a despolitização do movimento sindical) para cons-truir um partido claramente classista e anticapitalista, apontando para o projeto deconstrução do socialismo democrático.

Ainda conorme Iasi, na sua origem o PT esboçou uma concepção de socialismo queprocurava se dierenciar dos regimes burocráticos do chamado socialismo real  (a UniãoSoviética e seus satélites no Leste Europeu) e também das experiências social-democrataseuropeias (Suécia, Dinamarca, Noruega, mas também França e Alemanha Ocidental) quenão desejavam a superação do capitalismo. Contudo, o socialismo aparece nos primeirosdocumentos do PT de orma muito genérica: “O que ca evidente nestes programas po-

líticos é a diculdade do partido manter uma unidade política rente à sua constituiçãoheterogênea” (LAGOA, 2004, p. 14).

A orma de organização do Partido dos Trabalhadores era bem distinta do ultra-centralismo que havia caracterizado o PCB nos anos 1950. Tratava-se, na realidade, deum aglomerado de militantes e de dirigentes políticos de diversas tradições – mas amaioria socialista.

Com a consolidação do PT no cenário político nacional, surgiu a necessidade deapresentar propostas mais claras e denidas, eetivos projetos de governo, especial-

mente durante os pleitos eleitorais. O PT não escapou de velhas armadilhas: não obs-tante se apresentar como uma novidade, exatamente por isso ele não deixou de en-rentar as contradições por que passam todos os partidos socialistas – o dilema entrereorma (do sistema capitalista) e revolução (que deveria levar ao sistema socialista).Para alguns autores, como Iasi, o caráter do PT durante a década de 1980 permaneceu“um claro enigma” (GUIMARÃES, 1990) na medida em que a denição de uma propostapolítica que resolvesse o impasse entre reorma e revolução era sempre adiada. Outrosautores, como Lagoa, preerem olhar retroativamente para encontrar, na ausência deuma ação centralizada que buscasse um objetivo comum e em outras debilidades ori-

ginais a prova de que o PT não poderia seguir outro caminho senão o de subordinaçãoà ordem política existente, para rustração das tendências mais à esquerda do partido.

Reorma ou revolução?

Desde sua consolidação no nal do século XIX, os partidos da classe trabalha-dora de todo o mundo sempre estiveram conrontados a essas duas alternativas:

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transormar a sociedade pela via eleitoral, procurando ampliar cada vezmais os direitos dos trabalhadores dentro da sociedade capitalista;

por meio de um movimento insurrecional, tomar o poder do Estado e trans-ormar radicalmente a sociedade com a socialização das grandes empresascapitalistas.

O PT e os movimentos sociais na década de 1980

O processo de reorganização da classe trabalhadora nos anos 1980 tornou neces-sária uma central sindical para articular as lutas das diversas categorias. Havia uma di-visão entre os líderes sindicais “que queriam promover o sindicalismo de base e priori-zavam a ação direta (especialmente as greves), [e] os que avoreciam uma abordagemmais moderada, com a criação de uma organização nacional que uncionaria mais apartir de cima” (KECK, 1991, p. 201). Os primeiros criaram a Central Única dos Trabalha-dores (CUT), em 1983, e os segundos deram origem a uma central sindical chamadaConederação Geral dos Trabalhadores (CGT – apropriando-se da velha sigla dos anos1960). Nas décadas seguintes, o sindicalismo menos combativo ormaria diversas cen-trais, como a Força Sindical, que se tornou a mais importante rival da CUT.

A passagem do Brasil para uma sociedade urbano-industrial não solucionou osproblemas do campo. A concentração de terra e a ausência dos direitos trabalhistascontinuaram como os principais elementos das relações sociais no meio rural, levando

os trabalhadores rurais a uma crescente organização e mobilização. Em 1975, oi criadaa Comissão Pastoral da Terra (CPT), organismo da Igreja Católica no qual os trabalha-dores sem terra começaram a se articular. Em 1984, o Movimento dos TrabalhadoresSem-Terra (MST) realizou seu primeiro encontro e a luta pela reorma agrária ganhouum novo instrumento. O crescimento do MST seria contínuo até se tornar o principalmovimento de trabalhadores organizado no país.

Majoritário na CUT, o PT era também o partido mais inuente nos diversos movi-mentos sociais e populares, incluindo o MST. O Partido dos Trabalhadores conseguiu ex-primir o que existia de mais avançado nos movimentos sociais e sindicais, contribuindo

para a unidade e a radicalização da luta de classes na década de 1980 e para a superaçãopolítica da ditadura militar. Foi ele um dos principais impulsionadores do MovimentoDiretas-Já (em 1984) e desde sua undação apostou na participação nos processos elei-torais como orma de luta social. Em 1989, quando houve a primeira eleição direta parapresidente da República desde 1960, o líder do partido – Lula – apareceu como um doscandidatos avoritos. No primeiro turno, Lula conseguiu derrotar Leonel Brizola (um líderpopulista tradicional, remanescente do período anterior, pré-ditatorial), mas oi superadono segundo turno por Fernando Collor, um neocoronel do Nordeste brasileiro.

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Reorganização produtiva e a social liberalização do PT

No momento em que surgiu o PT, os países centrais do capitalismo atravessavamum amplo processo de reormas conhecido como neoliberalismo, uma tentativa de re-verter a tendência de queda da taxa de lucro enrentada pela economia capitalistadesde a crise do petróleo de 1973-1974. Foram atacados sucessivamente, na Inglaterra

e nos Estados Unidos, os direitos sociais e trabalhistas conquistados pelas lutas an-teriores e muitas empresas estatais oram privatizadas. Muitas dessas reormas oramconduzidas, na década seguinte, por partidos social-democratas de origem operária,que transitaram para uma plataorma que certos autores chamam de social-liberalismo.Soma-se a esse quadro a derrocada dos regimes que se autoproclamavam socialistas,simbolizado pela queda do muro de Berlim (1989).

Segundo Antunes (2005), esse processo se combinou com uma mudança nomundo do trabalho. As grandes concentrações operárias no interior da mesma ábrica

oram substituídas por empresas de alta tecnologia que passaram a transerir grandeparte da produção para empresas menores. Ao mesmo tempo, ocorreu uma expansãodo número de trabalhadores nos setores de serviços e do comércio, que possuíam tra-dicionalmente menor capacidade organizativa que os operários abris. Esse processode ragmentação colocou a classe trabalhadora na deensiva, lutando mais para nãoperder direitos antigos (ou simplesmente para conservar seus empregos) que para ga-rantir novos direitos ou mesmo lutar por uma “nova sociedade”.

No Brasil, a derrota eleitoral do PT em 1989 se somou a uma correlação de orçasaltamente desavorável para os trabalhadores no nível internacional. A década de 1990

oi marcada, no Brasil, pelas mudanças no mundo do trabalho e pelas reormas neoli-berais nos governos de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando HenriqueCardoso. Tudo isso levou a uma queda drástica na mobilização popular. Os sindica-tos cutistas (isto é, liados à CUT), encontrando diculdade para organizar as lutas porconta do aumento do desemprego no país, acabaram adotando uma estratégia es-sencialmente deensiva. A Constituição de 1988 havia autorizado o direito de greve eoutras liberdades sindicais, mas a estrutura corporativa implantada ainda no EstadoNovo oi mantida. A CUT pouco ez para reverter essa estrutura e seus dirigentes con-tinuaram a se beneciar do imposto sindical, principal mecanismo de atrelamento dos

sindicatos ao governo. A cúpula da Igreja Católica, por sua vez, desarticulou os movi-mentos eclesiais de base, assim retirando um poderoso instrumento de organizaçãodo movimento popular no interior do país.

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Com uma crescente moderação do discurso e da linha política, o PT oi obtendoêxitos eleitorais que culminaram na eleição de Lula para presidente da República em2002. Avançando na linha de menor resistência, o PT se institucionalizou e se com-prometeu cada vez mais com a ordem social e política do país. Conorme demonstraOswaldo Amaral (2005), cada derrota na eleição presidencial culminou em um proces-so de moderação política do programa eleitoral do PT, que chegou ao Poder Executi-

vo nacional como um partido bem dierente da agremiação de 1980: o socialismo setornou cada vez mais apenas um elemento de retórica política. Na campanha eleitoralde 2002, a aliança com o Partido Liberal, que indicou o empresário José Alencar comovice na chapa de Lula, já denotava que o PT havia perdido seu caráter classista – ou sejaseu caráter de partido da classe operária.

Considerações nais

A trajetória das organizações partidárias da classe trabalhadora – no caso, PCB ePT – acompanha e determina a evolução política da própria classe. Por isso, a constata-ção do atual quadro das suas organizações é bastante desanimador para se pensar nodestino da classe trabalhadora como sujeito político autônomo.

O Partido dos Trabalhadores se tornou um partido social-liberal. A CUT e os váriosmovimentos ligados ao PT perderam combatividade, tornando-se muito mais um ins-trumento de deesa do governo e de suas políticas que de deesa dos trabalhadores.O único movimento social importante que manteve um nível alto de radicalização é oMST. Mas algumas novas alternativas estão sendo colocadas.

No âmbito partidário, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unicados (PSTU),que surgiu de uma corrente interna do PT que rompeu com a agremiação já na décadade 1990, ainda não se consolidou. O PCB reviu sua linha política de conciliação de classe,mas tornou-se muito periérico no sistema político. A novidade é o aparecimento doPartido Socialismo e Liberdade (Psol), que resultou de um uma ruptura parlamentar doPT, levando consigo uma pequena parte do capital político.

No movimento sindical, à esquerda da CUT, surgiu a Coordenação Nacional deLutas (Conlutas) e o Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora (Inter-

sindical). Essas duas centrais, que hoje discutem sua unicação, permanecem, entre-tanto, muito minoritárias no conjunto do movimento sindical.

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Um projeto socialista ainda em construção

(GENOÍNO NETO, 1989, p. 358-359)

O PT, ao nascer como partido dos explorados, como partido da rebeldia social,como partido da luta pela dignidade, nasceu também como partido do sorimentoe da esperança, como partido da conquista aqui e agora de direitos sociais e comopartido dos sonhos de uma nova sociedade utura, como o partido da luta e enren-tamento e como o partido da solidariedade, como partido de objetivos determina-dos e como partido de atitudes ousadas etc. A principal realização positiva do PT é ade que a sua experiência conseguiu romper parcialmente um dos traços principais

da dominação burguesa no Brasil: o da “hegemonia passiva”, isto é, a marginaliza-ção política das massas e sua manipulação, do domínio preponderante pela orça epela imposição. O PT, ao nascer enraizado nos movimentos da sociedade, represen-tando-os politicamente e politizando-os, tornou-se um ator de mobilização dessasociedade, um ator de estabilidade e uma orça de contra-hegemonia. Ante a cons-ciência adquirida, congurada e mobilizada em torno do PT, o Estado e a sociedadebrasileira e suas realidades especícas se apresentam como um “objeto” que deveser violado, que deve ser transgredido e ultrapassado, pois é um “objeto” de crise, degeração de sorimentos humanos e de insatisação de toda ordem.

Os setores dominantes no Brasil, no que diz respeito à perspectiva de organi-zação do Estado e da sociedade, não propõem ns, porque não têm projetos. Sedesenvolveram e atuam sob o signo da subordinação internacional. A sua ormade dominação consiste na utilização dos meios que lhes permitam o lucro ácil, aacumulação rápida e a rapinagem do Estado e da sociedade. As novas exigências ereivindicações que nascem na sociedade ou são ignoradas, ou são reprimidas pelaorça policial, ou são manipuladas em nome de “mudanças” que nunca ocorrem. Osmínimos direitos conquistados são violados pelo próprio poder constituído. Pedemaos trabalhadores que trabalhem mais e ganhem menos para pagar o desperdícios

e os roubos que se eetivam na esera do chamado setor público. O “poder público”tornou-se o cartório do siologismo, da corrupção e do roubo. Se é verdade quetoda sociedade capitalista é conitual, na sociedade brasileira esse conito sequeré regulado pela ordem capitalista. Aqui o conito é epidérmico, arbitrário e inescru-pulosamente exposto por aqueles que deveriam regulá-lo.

A substância rebelde que constitui o PT é eita desse conito social, dessa ne-cessidade de contestar o regime e de transgredir a realidade estabelecida. O PT não

Textos complementares

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pode conciliar com essa ordem, nem a ela moldar-se. No momento em que o zer,ou conduzirá a enganos e racassos aquelas demandas da sociedade ou será ultra-passado pelos movimentos instituintes da contestação.

Um novo desao(ANTUNES, 2005, p. 126-127)

Com o enorme processo de deserticação social do país, resultado das trans-ormações ocorridas ao longo de 1990 (neoliberalismo, nanceirização da econo-mia, reestruturação produtiva do capital, desregulamentação, inormalidade e pre-carização do trabalho, privatização da res publica etc.), o PT também acabou porconverter-se num partido da ordem. Exauriu-se como partido de esquerda, capazde transormar a ordem societal, para se qualicar como gestor dos interesses domi-

nantes no país [...] o PT se converteu num partido que sonha em humanizar o nossocapitalismo, adotando uma política de privatização de undos públicos que atendetanto aos interesses do sindicalismo de negócios quanto especialmente àqueles pre-sentes no sistema nanceiro nacional e internacional que eetivamente dominam.

Esse quadro nos leva a buscar uma nova alternativa político-partidária, capazde preencher o enorme vazio político e ideológico socialista, aberto depois do trans-ormismo do PT, cujo núcleo dominante é responsável pela condução do governoLula. O sucesso dessa empreitada está em buscar laços proundos com os movimen-

tos sociais, com a nova polissemia que caracteriza o mundo do trabalho, com ortepluralismo socialista capaz ainda de ser simultaneamente renovado e radical, res-pondendo aos desaos que o século XXI nos impõe.

[...] Estamos num período de novos desaos e é diícil prever os caminhos. Es-tamos num momento de novos experimentos, que têm, entretanto, de tomar dopassado recente como matéria de reexão, balanço e análise. Tudo isso nos obrigaa buscar alternativas, novos caminhos, que apontem para uma nova sociedade,aprendendo com as lutas passadas e reetindo sobre as mais recentes. Sabemos,porém, que a respostas exigidas são radicais. Do contrário, vamos repetir tragédias

anteriores.

A orma partido, quer em sua variante social-democrata, quer naquela assumi-da pelos partidos comunistas tradicionais, está alida. Como, então, estruturar umpartido distinto, de classe em seu sentido contemporâneo, que expresse, ao mesmotempo, uma orte participação da base, capaz de aglutinar e empolgar as orças so-ciais que hoje se encontram à margem da representação política radical e que recusea prevalência da ação institucional, parlamentar, sustentando-se na política radical?

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    A   c    l   a   s   s   e   t   r   a    b   a    l    h   a    d   o   r   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Atividades

O texto da aula analisa a trajetória da classe trabalhadora brasileira como orman-1.do dois ciclos distintos. Apresente as semelhanças e as dierenças entre eles.

Apresente alguns atos econômicos que aparecem no texto e explique de que modo2.eles intererem na construção da classe trabalhadora enquanto ator político.

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O caráter socialista do PT é apresentado por Guimarães como um “claro enig-3.ma”. Os textos complementares oram escritos em épocas distintas. Compare omodo como cada um avalia o PT e suas expectativas uturas em relação à orga-nização política dos trabalhadores.

Ampliando conhecimentos

GOMES, Angela M. de Castro. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice/Revistados Tribunais/Iuperj, 1988.

Investigação sobre a origem do trabalhismo destacando que a relação entre o gover-no Vargas e a classe trabalhadora não pode ser reduzida a uma relação de simples manipu-lação da segunda pelo primeiro. De orma polêmica, a autora deende que os trabalhado-res se construíram como classe a partir dessa relação.

IASI, Mauro Luis. As Metamoroses da Consciência de Classe: o PT entre a negação eo consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

O autor investiga, a partir da trajetória do PT, a história da consciência da classetrabalhadora brasileira.

PINHEIRO, Paulo Sergio. Estratégias da Ilusão: a revolução mundial e o Brasil – 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

Análise do processo de construção do PCB e o modo como se construiu a estraté-gia que levaria ao racassado golpe de Estado da ANL em 1935.

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Sistema eleitoral e partidos políticos

Luiz Domingos CostaO caso brasileiro é um excelente laboratório para os estudos das consequências das regras

eleitorais sobre a conormação do sistema partidário e da representação parlamentar.

Num contexto ederativo em que as regras de dierentes sistemas eleitorais combinam-se

para denir os pleitos e as estratégias dos competidores, o impacto dierencial de tais

arranjos institucionais sobre contextos estaduais com histórias especícas de disputa

política coloca em questão os limites da inuência da variável institucional.

Maria D’Alva Kinzo

Analisaremos a orma de se elegerem os representantes políticos no Brasil talcomo estabelecido pela Constituição de 1988 e discutiremos a organização partidá-ria decorrente de tal ormato eleitoral. Portanto, o oco será o sistema eleitoral , suma-riamente entendido como as regras que denem como os eleitores convertem suasescolhas em votos e em mandatos políticos, bem como o sistema partidário, isto é, adisposição das orças políticas que, nas eleições, concorrem pelos votos dos cidadãos.

Recuo contextual:

metamoroses soridas pelos partidosNas modernas democracias representativas, os partidos políticos exercem um

papel central. Embora o governo representativo tenha sorido mudanças ao longo dotempo (MANIN, 1995), não parece exagero aceitar a armação de Norberto Bobbio(2000, p. 80) segundo a qual os partidos são os atores políticos por excelência nos re-

gimes democráticos.

Entretanto, essa centralidade deve ser mais bem avaliada. Atualmente, os par-tidos não têm a presença e o signicado marcantes que outrora tiveram na vida doscidadãos, sobretudo na Europa Ocidental. Portanto, o escopo de sua inuência na vidapolítica dos regimes contemporâneos deve ser avaliada levando em conta as eseras(ou arenas) de sua atuação. Didaticamente, os alvos de atuação direta dos partidospodem ser separados em três rentes:

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

junto ao eleitorado – ao disputar os votos nas urnas, os partidos organizamas opções disponíveis aos eleitores, mobilizam os cidadãos para as questõespúblicas, estruturam símbolos e ajudam a criar identidades políticas;

junto à elite política – na luta pelo poder, os partidos recrutam líderes, omen-tam a prossionalização dos políticos e agregam interesses políticos;

junto aos governos – os partidos lutam para conquistar os governos, mastambém oerecem suportes aos governos de outros partidos eleitos, ajudan-do a compor gabinetes, ormando coalizões, garantindo maiorias legislativaspara aprovação de programas.

De maneira complementar, essas três eseras de atuação acabam por estruturar ocampo político, seja no controle sobre a burocracia, seja na manutenção do sistema polí-tico, seja em sua atuação no mercado eleitoral (DALTON; WATTENBERG, 2000, p. 5).

Nas últimas décadas, a presença dos partidos junto ao eleitorado parece terdeclinado. No período anterior à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os partidoseuropeus uncionavam como o principal organizador e propagador de inormações,bandeiras e programas políticos, exercendo orte inuência sobre os contingentes elei-torais. Nesse contexto, os eleitores mantinham uma relação muito mais estreita comos partidos e não era raro votarem no mesmo partido ao longo de muitas eleições (emesmo ao longo de uma vida inteira). Nas sociedades de massa contemporâneas, osmeios de comunicação (rádio, televisão e internet, nesta ordem) ajudaram a diminuiros custos da busca de conhecimento político, deixando os eleitores mais livres na suaprocura por inormações. Tal processo propiciou maior atenção para os candidatos in-

dividuais (de acordo com o cargo e a eleição em jogo), em detrimento dos partidos,gerando um tipo de eleitor utuante (MANIN, 1995), isto é, aquele que troca de partidoou de candidato a cada eleição.

No Brasil, a representação política traz as marcas de uma gênese deciente emque a expansão do mercado eleitoral não oi acompanhada de uma representaçãopropriamente política, mas marcada por vínculos pessoais, intercruzando relações nosníveis privado e público. Paralelamente, a centralização do poder estatal em agênciasburocráticas apartadas da inuência partidária contribuiu para minar ainda mais o sis-

tema partidário e qualquer tipo de inserção partidária no processo de tomada de deci-sões relevantes (SOUZA, 1990).

Entre 1945 e 1964, embora o sistema partidário começasse a apresentar sinais deconsolidação (LAVAREDA, 1991), a ruptura institucional (isto é, o golpe militar de 1964)e as sucessivas alterações nas regras partidárias e eleitorais sabotaram aquele quadro.Findo o regime militar, a reorganização democrática omentou uma prolieração delegendas e uma necessidade de constantes revisões nas regras, congurando umquadro partidário mutante e irregular que adquiriu maior inteligibilidade (NICOLAU,

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1996) somente na segunda metade da década de 1990 – contudo sem eliminar com-pletamente as novas legendas, surgidas de rompimentos no seio de alguns partidos eda usão de alguns outros.

Legenda

É a denominação abreviada, a sigla do partido político.

Muitas vezes, a expressão legenda é utilizada como sinônimo de partido.

Passadas duas décadas de governo civil, com eleições periódicas, os estudiosos dospartidos no Brasil apresentaram os mais díspares diagnósticos. Entretanto, adquiriu orçaa tese de que o sistema político conquistou estabilidade institucional e, além disso, o paísse mostrou governável com o apoio dos partidos no Congresso (FIGUEIREDO; LIMONGI,1999). À medida que a consolidação democrática ia azendo seu caminho, os partidos ad-quiriram importância na arena governamental, gurando como atores relevantes de nego-

ciação e ormação dos governos eleitos (MENEGUELLO, 1998). Igualmente, dados sobre acomposição social dos principais partidos no interior da Câmara dos Deputados autorizama tese de que os partidos apresentam, de orma perlada, uma composição social consis-tente com seu posicionamento ideológico geral (RODRIGUES, 2002).

Acompanhando a tendência mundial, alguns autores têm apontado para a ra-queza dos partidos brasileiros na arena eleitoral. A identicação de parcelas do eleito-rado brasileiro nos três campos ideológicos (centro, esquerda e direita) não se traduz,eetivamente, em uma identicação partidária especíca e, menos ainda, em uma de-

cisão de voto centrada em lealdades partidárias (KINZO, 2005).Entretanto, é consensual que as sucessivas crises e metamoroses na tradicional re-

presentação política em âmbito mundial, bem como as corriqueiras mutações partidá-rias observadas no âmbito brasileiro, não chegam a autorizar o m dos partidos políticosenquanto organizações centrais nas democracias contemporâneas. O Brasil apresentauma série de especicidades (que serão examinadas), mas, como em qualquer lugar domundo, encontra nos partidos um locus undamental da sua vida política – sobretudoem unção de dois atributos que os partidos monopolizam no jogo político nacional:eles abrigam os cidadãos dispostos a concorrer a cargos políticos (recrutando, treinando

e ornecendo recursos políticos aos aspirantes a políticos) e ornecem apoios e sustenta-ção aos governos eleitos (por meio de coalizões entre diversos partidos).

Filiação partidária

De acordo com a lei dos partidos políticos, de qualquer cidadão que se interes-se em concorrer a algum cargo é exigido o alistamento eleitoral e a liação a algumpartido político.

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

Sistema eleitoral brasileiro

Sistema majoritário

O primeiro ponto a ser abordado diz respeito às distintas ormas de eleição vigen-tes no Brasil. Para se eleger um chee do Executivo (preeito municipal, governador deestado ou presidente da República), a regra é a eleição majoritária: quem az o maiornúmero de votos vence a eleição e assume o posto.

Em cidades com menos de 200 mil eleitores, não é necessária a conquista damaioria absoluta dos votos (50% mais um), de modo que em eleições mais acirradasquem ca com a vitória é o candidato mais bem colocado, seja a sua votação acimaou abaixo de 50% dos votos. Portanto, em cidades pequenas uma eleição que tem oprimeiro, segundo e terceiro candidatos muito próximos (com, por exemplo, 37%, 33%

e 30% dos votos válidos, respectivamente), o preeito eleito é aquele que cou com amaioria dos votos, mesmo esta não sendo a maioria absoluta (mais da metade).

Distintamente, nas cidades com mais de 200 mil habitantes é necessária a con-quista da maioria absoluta, o que não seria possível no exemplo acima. Daí que os doismais bem colocados concorrem ao segundo turno, que inevitavelmente elegerá umcandidato com pelo menos 50% mais um dos votos válidos.

A escolha pela maioria absoluta é o mecanismo utilizado para eleição de preeitosnos municípios com mais de 200 mil eleitores, os governadores estaduais e o presi-

dente da República. Em geral, é necessária a realização do segundo turno entre os doiscandidatos que oram os primeiros colocados no primeiro turno.

O método majoritário também se aplica às eleições para senador, sem que sejanecessário ao vitorioso alcançar a maioria absoluta (50% mais um) dos votos válidos:o candidato que ca em primeiro lugar é eleito (quando há apenas uma vaga), ou osdois primeiros colocados são eleitos (quando estão disponíveis duas vagas), sem ne-cessidade de sua votação atingir metade mais um, de modo que para o Senado vigoraa regra da maioria relativa.

Mas, absoluta ou relativa, a regra da maioria para por aí. Os demais cargos políti-cos não são preenchidos por essa norma: para vereador, deputado estadual e deputa-do ederal, temos a regra da eleição proporcional.

Sistema proporcional

Este modelo diverge do modelo majoritário em um aspecto central: em vez da es-colha do mais votado (seja por maioria absoluta, seja por maioria relativa), aqui a eleição

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promove um cálculo em que se elegem proporções de candidatos, distribuídos de ormaarbitrária de acordo com o sistema de cada país. Portanto, no sistema proporcional sepromove a eleição de vários candidatos em um dado distrito eleitoral.

Enquanto o sistema majoritário, já consagrado nos países de tradição britânica,propicia a eleição de competidores altamente reconhecidos e possuidores de amplos

recursos (no distrito, vence apenas um candidato – o chamado leva-tudo), o sistemaproporcional permite maior arejamento na composição dos eleitos. Esta é justamentea undamentação normativa do modelo proporcional: propiciar maior heterogenei-dade e representatividade de correntes de opiniões presentes na sociedade. As regrasproporcionais variam enormemente de país para país, desde modelos com voto únicoe transerível entre concorrentes até votos em listas partidárias ou em candidatos iso-lados. Pode ser do tipo de lista aberta, lista echada ou lista exível , mas essas três pos-sibilidades comungam a característica de distribuir as cadeiras parlamentares entre os

 partidos de acordo com a proporção dos votos recebidos por cada agremiação.

Lista aberta – esse é o modelo proporcional vigente no Brasil, cabendo ao elei-tor escolher um candidato de uma lista partidária apresentada e marcar o seunúmero na urna eletrônica ou, como é permitido, mas acontece em menorescala, selecionar o número de um partido e votar na legenda. Este modelo per-mite a escolha do candidato da lista de orma direta, não havendo ordenaçãoprévia entre os primeiros e últimos colocados.

Lista echada – o eleitor vota diretamente no partido ou na lista de uma coliga-ção que é prexada pelo partido, de modo que os primeiros colocados na lista(os prováveis eleitos) são estabelecidos pelo partido e não passam pelo crivodos eleitores.

Lista exível – ao eleitor se permite a opção de votar na lista ou reordenar a po-sição dos ocupantes do topo da lista, intererindo na conguração dos eleitos.

Em qualquer dos modelos proporcionais, o respeito à proporção de cadeiras con-quistadas pelos partidos é dimensão undamental, pois o elemento-chave é o mon-tante de votos conquistados pelos partidos: os candidatos mais votados na lista dopartido são aqueles que irão ocupar as cadeiras obtidas pela legenda. Esse é o sistemaconsagrado no Brasil desde a década de 1940 e que prevaleceu na Constituição Fede-ral de 1988, sendo, portanto, o modelo que organiza a eleição para o poder Legislativoederal, estadual e muncipal – respectivamente, Câmara dos Deputados, AssembleiasLegislativas e Câmaras de Vereadores.

Quociente eleitoral

Mas como se dá o cálculo entre o montante de votos dados aos partidos, as ca-deiras conquistadas pelos partidos e a investidura dos mandatos parlamentares indivi-

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

duais? A órmula que rege o sistema eleitoral proporcional no Brasil é conhecida comoquociente eleitoral .

Cálculo do quociente eleitoral

Saiba como é realizado o cálculo do quociente eleitoral para distribuição de

cadeiras pelo sistema de representação proporcional.

Exemplo: divisão de 17 cadeiras em município onde votaram 50 037 eleitores.

Primeira operação: determinar o número de votos válidos, deduzindo docomparecimento os votos nulos e os votos em branco (art. 106, § único do CódigoEleitoral e art. 5.º da Lei 9.504/1997).

Comparecimento Votos em branco Votos nulos Votos válidos

50 037 883 2 832 46 322

Segunda operação: determinar o quociente eleitoral, dividindo-se os votosválidos pelos lugares a preencher (art. 106 do Código Eleitoral). Despreza-se a ração,se igual ou inerior a 0,5, arredondando-a para 1 se superior.

Votos válidos Número de cadeiras Quociente eleitoral

46 322 ÷ 17 = 2 724,8 2 725

Terceira operação: determinar os quocientes partidários, dividindo-se a vota-ção de cada partido (votos nominais + legenda) pelo quociente eleitoral (art. 107 do

Código Eleitoral). Despreza-se a ração, qualquer que seja.

Partidos Votação Quociente Eleitoral Quociente Partidário

A 15 992 ÷ 2 725 = 5,8 = 5

B 12 811 ÷ 2 725 = 4,7 = 4

C 7 025 ÷ 2 725 = 2,5 = 2

D 6 144 ÷ 2 725 = 2,2 = 2

E 2 237 ÷ 2 725 = 0,8 = 0 *

F 2 113 ÷ 2 725 = 0,7 = 0 *

  Total = 13 (sobram 4 vagas a distribuir)

* Os partidos E e F, que não alcançaram o quociente eleitoral, não concorrem àdistribuição de lugares (art. 109, § 2.º, do Código Eleitoral).

    T   r    i    b   u   n   a    l    R   e   g    i   o   n   a    l    E    l   e    i   t   o   r   a    l    d   e    S    ã   o

    P   a   u    l   o    (    T    R    E  -    S

    P    ) .

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Percebe-se como a soma dos votos de um partido (ou coligação) é o elementoundamental que baliza a contagem das cadeiras por partido. A partir da divisão dosvotos válidos pelo número de cadeiras disponíveis para cada casa legislativa (operação1 e 2), o número de lugares que cada partido irá ocupar começa a ganhar contornos.No exemplo anterior, o partido D ez votação (isto é, todos os votos obtidos pelos can-didatos do partido D mais os votos na legenda do partido) suciente para conquistar

duas cadeiras, de modo que os seus dois candidatos mais bem votados serão aquelesque irão tomar posse. Aqueles partidos (ou coligações) que não atingirem o quocienteeleitoral não terão direito a nenhuma cadeira (caso dos partidos E e F).

Quocientes

Quociente eleitoral é a quantidade de votos que um partido ou coligação pre-cisa conquistar para obter uma cadeira parlamentar em determinado distrito. Sendoum valor proporcional, para se conseguir duas cadeiras é preciso azer duas vezes

o valor do quociente eleitoral, e assim sucessivamente. Esse cálculo baseia-se nocontingente de votos válidos e no número de cadeiras para uma casa legislativa emdeterminado distrito eleitoral.

Quociente partidário é a divisão do número total de votos obtidos pelo par-tido divido pelo quociente eleitoral. Dessa operação advém o número de cadeirasconcedidas a um partido político, isto é, o número de sua bancada eleita em umadada casa parlamentar de um distrito eleitoral.

Como se percebe no exemplo de cálculo do quociente eleitoral, quatro cadeirasoram preenchidas. Isso é comum e em geral o cálculo incorre nessa impereição, cha-mada de sobras.

Para preencher tais sobras, utiliza-se o método das maiores médias: o total devotos de cada partido é dividido pelo número de cadeiras obtidas pelo quociente elei-toral na divisão anterior, somado de um. Observando-se o quadro abaixo, procede-seao cálculo do primeiro partido (partido A): 15 992 votos / 6 (5 + 1) = 2 284,5. Essa é amaior média da primeira conta (novamente, as rações são desconsideradas), que épara onde vai a primeira sobra (a primeira cadeira disponível). Em seguida, repete-se a

operação e a média do partido A será advinda da divisão por 7, ao passo que o partidoB terá a sua média superior, conquistando a segunda cadeira da sobra. Sucessivamen-te, chega-se ao termo das cadeiras da casa legislativa. Novamente, os partidos quenão atingiram o quociente eleitoral não participam de nenhuma das etapas, devendohaver um esorço dos candidatos, tanto individual quanto coletivamente, para que sealcance esse valor de votos, pois sem isso o partido não conquista nenhuma cadeira.

Ainda conorme o exemplo acima, considere-se a seguinte situação hipotética:o partido A teve um elevado número de candidatos e com votação pulverizada entre

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

muitos candidatos pôde eleger parlamentares com menos de mil votos (porque a somapartidária é elevada), ao passo que o partido E pôde apresentar votação concentradaem um único candidato com mais de dois mil votos, mas, sendo abaixo do quociente(que é de 2 725), esse parlamentar com ampla votação perante outros ca ora da re-presentação parlamentar.

Cálculo das sobras

Quarta operação:  distribuição das sobras de lugares não preenchidos peloquociente partidário. Divide-se a votação de cada partido pelo número de lugarespor ele obtidos + 1 (art. 109, I, Código Eleitoral). Ao partido que alcançar a maiormédia, atribui-se a primeira sobra.

Partidos Votação Lugares +1 Médias

A 15 992 ÷ 6 (5+1) 2 665,3 (maior média = primeira sobra)

B 12 811 ÷ 5 (4+1) 2 562,2

C 7 025 ÷ 3 (2+1) 2 341,6

D 6 144 ÷ 3 (2+1) 2 048,0

Quinta operação: como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partidoA, beneciado com a primeira sobra, já conta com 6 lugares, aumentando o divisorpara 7 (6 + 1) (art. 109, II, do Código Eleitoral).

Partidos Votação Lugares +1 MédiasA 15 992 ÷ 7 (6+1) = 2 284,5

B 12 811 ÷ 5 (4+1) = 2 562,2 (maior média = segunda sobra)

C 7 025 ÷ 3 (2+1) = 2 341,6

D 6 144 ÷ 3 (2+1) = 2 048,0

Resumo

Partidos Número de cadeiras obtidas:pelo quociente partidário  pelas sobras  Total

A 5 2 7

B 4 1 5

C 2 1 3

D 2 0 2

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Eeitos imediatos ou diretosÉ reconhecido que o sistema eleitoral é o responsável pela relação entre voto,

candidato, partido e bancada eleita. A especicidade do modelo de lista aberta (so-bretudo como praticado no Brasil) é o de conjugar o nível partidário e individual dos

candidatos na competição eleitoral. Enquanto o sistema proporcional de lista echadaprioriza undamentalmente, no momento do voto, a relação do candidato com o par-tido (pois o ordenamento das listas é determinado pelo partido antes da campanha,deixando a dimensão individual resguardada dentro dos muros do partido e ora dadimensão do eleitor), o sistema de lista aberta abre uma dupla escolha para os eleito-res: os partidos e os candidatos, conjuntamente.

Fica claro, portanto, que os candidatos adquirem perante o eleitor maior importância,no modelo de lista aberta que naquele de lista echada. Do ponto de vista dos partidos, háuma complexa rede que visa conquistar o maior número possível de votos entre candida-

tos diversos, os quais nem sempre possuem a mesma orça eleitoral para atrair votos. Emparalelo, do ponto de vista do candidato, há a necessidade de conquistar votos para si e aomesmo tempo para o partido. Isso pode ser “um tiro no próprio pé”, já que votos dados aum parceiro de partido podem colocar esse parceiro em posição de superioridade na listae, consequentemente, tirar do topo o candidato que cedeu os votos, deixando-o sem umacadeira. Daí que se ale, comumente, que os candidatos concorrem com os adversários deoutros partidos e ao mesmo tempo com os demais candidatos do seu próprio partido pelomelhor posicionamento na lista.

Esse tipo de competição intrapartidária oi considerada uma das causas do en-raquecimento dos partidos no Brasil. Entretanto, mesmo competindo com seus parespartidários por melhor posicionamento nas listas, os candidatos não podem deixarde procurar votos para si e seu partido de orma exclusiva, evitando que votos sejamdados aos partidos concorrentes.

Outro aspecto ligado a essa questão diz respeito à “transerência de votos” dentrodas listas. Como visto, o montante de votos dado aos partidos serve para todos oscandidatos, mas apenas aqueles mais bem posicionados (os que conquistaram maisvotos) conseguem se eleger. Em geral, nas eleições legislativas brasileiras o número de

candidatos que atingem sozinhos o quociente eleitoral não chega a mais que quatroou cinco em cada partido. Se um partido conquistou 15 cadeiras por meio de seu quo-ciente partidário, existe sempre uma quantia de eleitos que o oram graças a trans-erência de votos de outros candidatos que somaram votos para o partido, mas quecaram com baixa colocação no posicionamento pós-eleitoral intrapartidário.

São conhecidos dois casos exemplares dessa situação: Enéas Carneiro em 2002 e Clo-dovil Hernandez em 2006, ambos eleitos deputados ederais por São Paulo. Concorrendo

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

por micropartidos, ambos zeram sozinhos cerca de três ou quatro vezes o quociente elei-toral em cada eleição, concedendo aos seus partidos um número de vagas que em geralnão atingiam. Consequentemente, seus votos trouxeram consigo candidatos logo abaixona lista, mas que não aziam votos em quantidade nem de longe próxima à de muitos can-didatos que caram de ora em outros partidos.

Somadas, essas peculiaridades apresentam eeitos indiretos para a vida de cadapartido e para o sistema partidário como um todo.

Em primeiro lugar, os partidos são permeados por candidatos que estão queren-do o melhor posicionamento dentro dos partidos e isso pode acarretar excessivas ên-ases em suas qualidades individuais, deixando de atrair atenção para seu partido, poiso voto na legenda do partido pode servir a um concorrente direto.

Em segundo lugar, o problema da transerência de votos pode criar um esquemaarticial de distribuição de votos entre os competidores de um partido, de modo a não

ser possível ao eleitor identicar se o seu voto, uma vez concedido a um parlamentarnão eleito, oi repassado a algum parlamentar e qual é esse parlamentar.

Texto complementar

Nem toda lista echada é boa

(SCHIMITT, 2009)

Sou quase capaz de apostar um almoço com os meus leitores que o CongressoNacional não irá aprovar nenhum dos projetos de reorma política que oram recen-temente enviados pelo Palácio do Planalto: o nanciamento público das campanhaseleitorais e a lista echada nas eleições proporcionais [...].

Mas preciso conessar que – caso osse um congressista – eu votaria contra essaproposta especíca de lista echada elaborada pelo governo e deendida pelos líderesdos grandes partidos. No ormato em que oi originalmente apresentado, o projeto

incentiva ainda mais o indesejável aastamento entre representantes e representados.Um dos requisitos para que o sistema de lista echada aça sentido para os eleitores éque ele seja implantado em distritos relativamente pequenos. Nas democracias euro-peias que o adotam, cada distrito eleitoral elege no máximo cinco ou seis deputados.

Assim, cada partido ordena em sua lista apenas um punhado de candidatos –todos de boa visibilidade para o eleitor. No Brasil, os distritos eleitorais (que são ospróprios estados da ederação) elegem, em média, 19 deputados. Em São Paulo, por

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exemplo, cada partido teria que ordenar 70 nomes em sua lista de candidatos. Nemmesmo os eleitores mais politizados poderiam se considerar esclarecidos sobre ascaracterísticas da sua lista partidária preerida nessas circunstâncias.

O segundo problema da proposta de lista echada que está sendo discutida noCongresso é que ela também não oerece aos eleitores qualquer salvaguarda de que

poderão intererir no ordenamento dos candidatos em cada lista. As convençõespartidárias destinadas a escolher os candidatos a deputado ou a vereador costu-mam ser totalmente controladas pelas cúpulas partidárias – e echadas até mesmopara os liados dos partidos. Por que não introduzir por aqui algo parecido com aseleições primárias norte-americanas? A possibilidade de que os eleitores comunstivessem direito a voto nas convenções para a escolha dos candidatos democrati-zaria os critérios de ordenamento das listas partidárias. Ao m e ao cabo, acreditoque essas duas propostas de reorma política acabarão sendo engavetadas pelosparlamentares – mas provavelmente não pelos motivos que expus acima. O instin-

to de sobrevivência dos deputados alará mais alto. A rigor, nenhum deles sabe secontinuará sendo eleito sob a vigência das novas regras. Portanto, é mais racionalmanter o status quo.

Atividades

De acordo com o exposto na aula, o sistema eleitoral converte as preerên-1.cias dos eleitores em votos e em cargos políticos. No sistema brasileiro, há aconvivência do modelo majoritário para alguns cargos e do proporcional paraoutros. Especique quais cargos são regidos por cada um dos dois princípios,apontando as especicidades de cada um deles.

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

A partir do exemplo hipotético abaixo, indique o número de cadeiras obtidas2.em cada um dos partidos na eleição em questão.

EXEMPLO HIPOTÉTICO – eleição para vereador em uma cidade com 60 000 elei-tores que elege 10 vereadores (NICOLAU, 2008).

Total de eleitores credenciados para votar = 60 000 (eleitorado)

Total de eleitores que não compareceram para votar = 6 000 (abstenção)

Total de eleitores que votaram em branco ou nulo = 4 000 (brancos/nulos)

Total de votos válidos = eleitorado – (abstenção + brancos/nulos)

Número de votos válidos em nosso exemplo = _____________.

Nesta eleição, cinco partidos se apresentaram e obtiveram a seguinte votação:

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PMDB = 16 000 votos

PT = 14 000 votos

DEM = 11 000 votos

PSDB = 7 500 votos

PTB = 1 500 votos

O quociente eleitoral é dado pela divisão do número de votos válidos pelo númerode cadeiras disponíveis.

Quociente eleitoral do nosso exemplo = __________________

O próximo cálculo é o quociente partidário, que se obtém dividindo o número totalde votos de cada partido pelo valor do quociente eleitoral. Lembre-se de que as

rações devem ser desconsideradas para as cadeiras parlamentares.

Partido Votos/Quociente eleitoral Cadeiras

PMDB

PT

DEM

PSDB

PTB

Total de cadeiras =

Cadeiras restantes =

Depois de se azer a operação anterior, obtendo o total de cadeiras, sobramalgumas cadeiras a serem calculadas pelo método das maiores médias.

Por esse método, o total de votos de cada partido é dividido pelas cadeiras porele obtidas, mais uma. Depois dessa operação, os partidos que carem com as maio-res médias elegem a próxima cadeira.

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    S    i   s   t   e   m   a   e    l   e    i   t   o   r   a    l   e   p   a   r   t    i    d   o   s   p   o    l    í   t    i   c   o   s

Distribuição das cadeiras restantes

Partido Votos/Quociente eleitoral Médias

PMDB

PT

DEM

PSDB

Partidos que, com as maiores médias, conquistam as cadeiras restantes:

_________________________ .

Enumere os itens da segunda coluna de acordo com o seu termo correspon-3.dente na primeira coluna.

a) Sistema eleitoral majoritário

b) Sistema eleitoral proporcional

c) Lista eleitoral aberta

d) Quociente eleitoral

Quantidade de votos que um partido( )ou coligação precisa conquistar paraobter uma cadeira parlamentar emdeterminado distrito.

Modelo em que o eleitor escolhe um( )candidato de uma lista partidáriasem ordenamento prévio.

Sistema em que somente um compe-( )tidor vence em determinado distrito,muito usual em países de tradiçãobritânica (o vencedor “leva tudo” na-quele distrito).

Modelo que tem como princípio a re-( )presentação de diversas correntes deopinião presentes na sociedade, comdistribuição de cadeiras de acordocom a proporção de votos obtidospelos partidos competidores.

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Ampliando conhecimentos

ANASTASIA, Fátima; AVRITZER, Leonardo (Orgs.). Reorma Política no Brasil. Belo Ho-rizonte: Editora da UFMG, 2006.

CINTRA, Antônio Otávio; AVELAR, Lúcia. Sistema Político Brasileiro: uma introdução.2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer/Editora da Unesp, 2007.

Excelente manual sobre os diversos arranjos institucionais da política brasileira.

VOCAÇÃO do poder (2005). Direção de Eduardo Escorel e José Jofly.

Para entender qual o atrativo de uma carreira política, nesse documentário sãoacompanhadas as campanhas de seis candidatos a vereador no Rio de Janeiro. Dispo-nível em: <www.vocacaodopoder.com.br>.

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Sistema de governo no Brasil:

o presidencialismo de coalizão,

passado e presente

Luiz Domingos CostaTudo isso, entretanto, são os preparativos para as batalhas. Estas se dão principalmente

(mas não de modo exclusivo) entre o Executivo e o Congresso, e, dentro e ora dele,

entre os partidos. A presa são os ministérios e as políticas a serem implementadas,

bem como os cargos a serem distribuídos. Esse é o jogo maior, sempre vigiado

pela mídia que, mais do que voz da opinião pública, é também ator de poder.

Fernando Henrique Cardoso

Vamos apresentar uma síntese do modelo político-institucional brasileiro, sobre-tudo aquele estabelecido pela Constituição de 1988. Para explicar alguns aspectosdesse modelo de organização institucional, lançaremos mão de algumas observações

históricas que serão tomadas como contexto da exposição. Estaremos voltados unda-mentalmente para a descrição daquilo que cou conhecido como o presidencialismo de

coalizão, que é uma ideia, um conceito, que articula uma série de ormatos e procedi-mentos institucionais vigentes no país. A descrição de cada um desses procedimentose a relação entre eles permitirá que se compreenda como são as relações entre os par-lamentares, os partidos políticos, os poderes institucionais e os governantes eleitos.

Dependendo do autor que se debruce sobre o modelo político brasileiro, algu-mas dimensões são enatizadas em detrimento de outras.

Por exemplo, há pesquisadores que enatizam as relações entre Estado e socie-dade, ambos como entes undamentais da análise política. Nesse tipo de abordagem,aspectos como modernização ou desenvolvimento, ligados à economia, são undamen-tais para a compreensão do assunto.

Distintamente, quando os estudiosos se ocupam principalmente das relaçõesentre normas, regras e procedimentos ormais de uncionamento do jogo político, asociedade, o Estado e suas variantes cam em segundo plano, para dar espaço a di-

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    S    i   s   t   e   m   a    d   e   g   o   v   e   r   n   o   n   o    B   r   a   s    i    l   :   o   p   r   e   s    i    d   e   n   c    i   a    l    i   s   m   o    d   e   c   o   a    l    i   z    ã   o ,   p   a

   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

mensões como separação dos poderes, instituições representativas, parlamento, governo

e partidos políticos. Adotaremos esta segunda abordagem.

Como se sabe, a clássica divisão dos três poderes é uma orma de organizar asrelações políticas que triunou em praticamente todo o mundo ocidental. Preocupa-dos com a excessiva concentração de poder nas mãos de um governante ou mesmo

um grupo de governantes, pensadores como John Locke (1632-1704) e Montesquieu(1689-1755) ormularam as ideias mestras da separação ou divisão dos poderes emtrês órgãos distintos, que se complementam, scalizando uns aos outros e permitindoum equilíbrio que deve aastar a tirania do Estado sobre as liberdades individuais. Talpercepção se diundiu desde o m do século XVIII, inuenciando modelos políticosapós a queda do Antigo Regime.

Antigo Regime

Esse é o nome que se dá ao sistema social e político que, durante os séculos

XVII e XVIII, vigorou sobretudo na França, mas teve traços espalhados por diversospaíses europeus. Suas características são o governo monárquico, a divisão da socie-dade em estamentos e a limitada liberdade aos indivíduos.

A burguesia se opôs ortemente ao Antigo Regime, que oi abolido pela Revo-lução Francesa, em 1789.

Sobretudo com base nas observações de Montesquieu a partir do modelo políticoinglês, a distinção entre as unções executivas, legislativas e judiciárias passou a ser un-

damental para a arquitetura de uma ordem política liberal (isto é, não absolutista ou tirâ-nica) e para o ideal de um Estado limitado. A percepção de Montesquieu o ez acreditarque apenas a eleição de um governo (pouco importa se com apenas um governante oucom uma assembleia de governantes) não seria suciente para evitar que tal governo (deum, de poucos ou de muitos) viesse a abusar do poder advindo do povo. Frente às diver-sas possibilidades de tal poder se desviar em tirania, Montesquieu armou que “somentepelo poder se pode rear o poder” (MONTESQUIEU, 1973, p. 156).

O modelo institucional brasileiro segue essa divisão clássica. A separação entreum Poder Executivo, um Poder Legislativo e um Poder Judiciário existiu aqui desde oséculo XVII, mesmo que de modo muito diverso daquela presente nos países em que oBrasil se inspirou para ormular o seu modelo. Tais aspectos históricos serão evocadosapenas como apoio de certos detalhes do modelo contemporâneo, e ainda teremosalgumas observações sobre os ormatos institucionais de outros países, já que um pa-ralelo ajudará a expor as especicidades do caso brasileiro.

Embora, de um modo geral, a divisão liberal clássica dos poderes tenha triunadono mundo, as ormas de organização entre esses poderes e, principalmente, os orma-

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tos internos de cada um deles dierem de país para país. O Poder Executivo, por exem-plo, pode ser eleito por meio direto, quando gera o modelo presidencialista, ou entãoeleição indireta, quando os parlamentares eleitos pelo povo ormam e selecionam umgovernante máximo, de onde se chega ao parlamentarismo.

O presidencialismo brasileiroDierentemente do que ocorre em muitos países europeus, na maioria dos países

da América Latina, assim como nos Estados Unidos, vigora o presidencialismo. A aná-lise comparada desses distintos arranjos leva a um inventário de diversas nuanças edetalhes históricos e regionais. Vejamos o caso brasileiro.

Após o m do regime militar e a retomada da democracia, o Brasil passou porum longo processo para elaborar a Constituição de 1988. Nesse contexto, o país apre-

sentava traços sociais e econômicos demasiado heterogêneos e complexos que pre-cisavam ser levados em conta pelo arcabouço político-institucional, necessidade estaque não havia sido bem processada pelas constituições anteriores. A grande massa depessoas desavorecidas, a necessidade de conter a inação e a busca da estabilidadepolítica eram os desaos que se colocavam aos parlamentares que iriam decidir sobreas regras do jogo político subsequente.

Desde sua ormulação pelo cientista político Sérgio Abranches em 1988, a expres-são  presidencialismo de coalizão tornou-se um verdadeiro símbolo (uma marca, um

conceito novo) para denir a estrutura e o mecanismo de uncionamento do regimepolítico-institucional brasileiro. Unindo dois elementos, ela é amplamente utilizada. Oque cada uma das palavras signica isoladamente e como a soma dela descreve e ex-plica o nosso sistema político?

Presidencialismoé o sistema de governo no qual o chee do Executivo é eleito dire-tamente pelo surágio popular e tem um mandato independente do Parlamento.A origem do presidente e do Parlamento (os deputados e senadores) são distintas,posto que a eleição para cada um pode ser desvinculada no tempo (ocorrendoem datas dierentes, o que não é o caso do Brasil) ou, quando a eleição é “casada”

(realizada na mesma data, como no Brasil), o eleitor sempre pode optar por elegerum presidente de um partido e um representante parlamentar de outra agremia-ção. Em resumo: o presidencialismo diere do parlamentarismo justamente pelasorigens distintas do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Ao passo que no par-lamentarismo o Executivo surge da correlação de orças entre os partidos eleitospara o Parlamento, no presidencialismo o Executivo deriva da eleição direta dopresidente pelos cidadãos.

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    S    i   s   t   e   m   a    d   e   g   o   v   e   r   n   o   n   o    B   r   a   s    i    l   :   o   p   r   e   s    i    d   e   n   c    i   a    l    i   s   m   o    d   e   c   o   a    l    i   z    ã   o ,   p   a

   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

A coalizão se reere a acordos entre partidos (normalmente com vistas aocupar cargos no governo) e alianças entre orças políticas (dicilmente emtorno de ideias ou programas) para alcançar determinados objetivos. Em sis-temas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes dis-putando eleições e ocupando cadeiras no Congresso, dicilmente o partidodo presidente possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus proje-tos e implementar suas políticas. Na maioria das vezes, a coalizão é eita parasustentar um governo, dando-lhe suporte político no Legislativo (em primeirolugar) e inuenciando na ormulação das políticas (secundariamente). Assim,alguns partidos ou muitos – dependendo da conjuntura política – juntam-separa ormar um consórcio de apoio ao chee de governo. Essa prática é muitocomum no sistema parlamentarista, no qual uma coalizão interpartidária dis-puta as eleições para o Legislativo visando obter a maioria das cadeiras e comisso indicar o primeiro-ministro.

A peculiaridade do sistema político brasileiro deve-se ao ato de conjugar o pactointerpartidos do parlamentarismo e a eleição direta para o chee do governo, traçotípico do presidencialismo. O observador político Fernando Henrique Cardoso acertouna mosca quando disse que, por mais bem votado que tenha sido o presidente eleito,seu capital eleitoral (“votos”) tem de ser, no dia seguinte, convertido em capital político(“apoios”). Do contrário, “ele reina”, mas, sem a amosa base aliada, não governa...

Como descrição do que ocorre na cena política, a noção de presidencialismo de co-

alizão parece exata. Contudo, são necessárias duas observações para melhor explicaro sistema político nacional. No Brasil, o Executivo possui um imenso  poder de agenda 

e alguns de seus ramos, uma alta capacidade decisória, concentrada em alguns poucoscargos.

Poder de agenda

Na gura do presidente da República, o Poder Executivo determina o que serávotado e quando será votado no Parlamento (sua agenda de governo e reormas, istoé, sua plataorma política). Assim, o presidente se elege com um programa amplo eintegrado, enquanto os deputados e senadores são eleitos com propostas que são

muito mais localizadas ou então apenas “anexos” dos programas presidenciais.Capacidade decisória

Como o poder de decidir sobre coisas importantes não está espalhado pelasdierentes agências do Executivo (ministérios, secretarias especiais, conselhos, co-missões etc.), mas concentrado em ramos estratégicos do governo, algumas áreasescapam da intererência direta da coalizão. É o caso da área nanceira (BancoCentral, Conselho de Política Monetária e Ministério da Fazenda), que não entra na

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barganha com os políticos porque se busca garantir a “racionalidade” da políticaeconômica. Na verdade, sob o argumento de barrar a siologia (isto é, a disposiçãodos políticos e/ou dos partidos para ocupar cargos e conseguir verbas com propósi-tos individuais e/ou mesquinhos, em detrimento da prática ideológica ou orientadapara a sociedade), cria-se um grupo minoritário e blindado em um sistema estatalque é incontrolável (mesmo pelo presidente da República) e escapa a qualquer su-pervisão social.

A consequência prática disso é que elegemos políticos que eetivamente não go-vernam. Se as metas de câmbio e a política de juros condicionam todas as demais áreasestratégicas (política de renda e política de emprego, por exemplo), camos com opior de dois mundos: um segmento do Estado sem poder e loteado entre os políticosda “base”, que bem ou mal elegemos; e um segmento com muito poder (capacidade

decisória), mas que não elegemos nem controlamos. Daí que muitas vezes o ato de acoalizão interpartidária ocupar espaço no gabinete de governo (por meio da posse depastas ministeriais) seja menos importante, politicamente, que o comando de algunsgrupos sociais sobre a capacidade decisória do governo.

O Poder LegislativoSe o Poder Executivo é representado pelo presidente da República e os minis-

tros por ele escolhidos, o Legislativo é representado pelos deputados e senadores elei-tos em voto separado ao do presidente. Aqui surge uma importante característica doPoder Legislativo brasileiro, observada em diversos países, mas não em todos: o bica-meralismo, ou seja, a existência de duas casas legislativas que se complementam.

Bicameralismo

Surgida na Inglaterra, tal divisão preocupava-se em assegurar a representaçãopolítica de dois setores ou estratos da sociedade daquele país, na conjuntura de sua

criação.

A Câmara dos Comuns preocupava-se em representar a população de ormaampla, incluindo camadas sociais menos avorecidas.

A Câmara dos Lordes se destinava a representar os remanescentes da aristo-cracia, as camadas sociais mais privilegiadas e que, em uma dada correlaçãode orças, zeram garantir seu espaço político nessa Câmara.

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    S    i   s   t   e   m   a    d   e   g   o   v   e   r   n   o   n   o    B   r   a   s    i    l   :   o   p   r   e   s    i    d   e   n   c    i   a    l    i   s   m   o    d   e   c   o   a    l    i   z    ã   o ,   p   a

   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

No Brasil, por exemplo, o Senado Imperial era ormado a partir da escolha do impera-dor, ao passo que a Câmara dos Deputados era eleita por uma parcela bastante restrita dapopulação – já que o voto não era estendido a todos os indivíduos da sociedade. Daí que seconcebia como uncional uma representação mais conservadora, abrigada sob a CâmaraAlta ou Senado, e uma idealmente mais progressista e arejada, abrigada sob a Câmara Baixaou dos Deputados. O Senado, por princípio, é uma casa mais conservadora que a Câmara

dos Deputados, sendo concebido como uma casa revisora que modera as leis e projetossupostamente mais progressistas e muito inovadores da Câmara Baixa.

De um modo bastante diversicado, a coexistência de duas casas legislativas oise implementando em diversos países, com vistas a assegurar o princípio da represen-tação de setores sociais distintos – o povo e a aristocracia.

Os Estados Unidos deram nova eição institucional ao Senado na medida em quelhe atribuíram a unção de representar as unidades ederativas (ormadas a partir dedistintas colônias) e seus interesses econômicos conitantes, garantindo uma canaliza-

ção dessas demandas no sistema político. O Senado brasileiro se baseia nesse modeloamericano.

O Poder Legislativo bicameral brasileiro é considerado simétrico e incongruente.

Simétrico: o Senado é ormado por meio da eleição popular (tal como aCâmara) e dispõe de poderes constitucionais muito próximos aos da Câmarados Deputados (poder de ormular legislação, revisar a legislação do presiden-te, barrar leis etc.).

Incongruente: o Senado diere da Câmara Baixa em unção de uma composi-ção distinta de orças político-partidárias e permeadas por interesses políticosnem sempre convergentes com os seus pares deputados ederais. Ou seja, seos senadores são eleitos como representantes dos seus estados (unidades e-derativas), os deputados são eleitos como representantes do povo, do país edo bem comum.

O risco da crise institucional

e a quebra do regime democráticoO nosso arranjo institucional parecia, para muitos analistas da década de 1990, pro-

penso ao desequilíbrio e à instabilidade, o que poderia trazer novos movimentos auto-ritários ou golpes ao regime democrático que se implementava. Segundo esses autores,a combinação do regime presidencialista com um Poder Legislativo altamente ragmen-tado entre diversos partidos parecia propensa ao colapso institucional. Olhando para

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muitos países europeus, o quadro que se apresentava era de muitos partidos conviven-do com chees políticos eleitos pelo Parlamento, ormato mais típico ao elevado númerode partidos. Paralelamente, modelos presidencialistas pareciam mais adequados aosregimes com poucos partidos (no máximo dois partidos principais, um deles sendo ma- joritário). A composição brasileira de muitos partidos, com presidente e Legislativo elei-tos separadamente, parecia perigosa. Além disso, o Brasil também apresentava um ele-

mento adicional a dicultar a crença na estabilidade institucional: o recurso a grandescoalizões político-partidárias. A necessidade desse tipo de recurso dava uma alta dosede imprevisibilidade ao jogo, pois o presidente caria a mercê de muitos partidos compoder de chantagem e que poderiam sair da coalizão a qualquer momento. Supunha-se que os presidentes malsucedidos em ormar amplas alianças com os partidos só con-seguiriam governar a partir de seu apelo popular, o que só seria imediatamente apósas eleições, quando o presidente ainda desrutaria de respaldo popular signicativo. Ocaso de Fernando Collor é o sintoma maior desse receio dos analistas.

Apelo popular

Neste contexto, apelo popular é a necessidade de recorrer às disposições, recla-mes e inclinações da população que elegeu o presidente como orma de justicar asmedidas enviadas ao Congresso.

Presidente Collor

Fernando Collor de Mello oi o primeiro presidente eleito pelo voto direto dapopulação após a Constituição de 1988. Seu governo (15 mar. 1990 a 29 dez. 1992)

é utilizado como exemplo máximo de um presidente da República incapaz de ne-gociar com o Congresso Nacional as reormas e leis de interesse do Executivo. Essaausência de relacionamento gerou uma série de práticas ilegais e ausência de apoiono Congresso, levando ao impedimento de governar e à renúncia à Presidência daRepública antes do término do mandato.

Precisamente, o que ocorria na mente daqueles analistas pessimistas era o passa-do recente da democracia brasileira observado no regime democrático anterior, prin-cipalmente no governo João Goulart (1961-1964), imediatamente anterior ao golpe

militar. Esse modelo de ormação de coalizões tem as dimensões dos partidos políticose das regiões, sendo necessárias coalizões ampliadas, pois as coalizões mínimas põemem risco a possibilidade de se obter 50% + 1 dos parlamentares para votar a avordos projetos do Executivo (presidente, governo). O governo João Goulart oi um típicoexemplo em que o presidente não conseguiu uma coalizão ampliada, cando à mercêde acordos pontuais, localizados, gerando o risco da impossibilidade de governar comestabilidade.

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    S    i   s   t   e   m   a    d   e   g   o   v   e   r   n   o   n   o    B   r   a   s    i    l   :   o   p   r   e   s    i    d   e   n   c    i   a    l    i   s   m   o    d   e   c   o   a    l    i   z    ã   o ,   p   a

   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

Fica claro que o presidencialismo de coalizão é um modelo que opera com altograu de instabilidade e demanda muita capacidade de desempenho político do gover-no em meio a potenciais contradições. O governo não pode deixar que suas alianças oimpeçam de realizar as reormas a que se propôs na eleição, ao passo que sem aliançaalguma e apenas com as cadeiras do partido governista em geral é impossível realizartais reormas. Seria esse o contexto caracterizado pelos críticos como o dilema institu-

cional brasileiro.

O debate acerca das instituições políticas brasileiras assumiu proporções elevadasna redemocratização recente do país. Os adeptos da chamada engenharia institucional  (reorma das leis e regras políticas) propunham a completa reorma política do país,posto que o desenvolvimento político necessário para a obtenção da ordem democrá-tica estaria comprometido caso persistisse o arranjo saído da Carta Constitucional de1988. Segundo esse raciocínio, o quadro político brasileiro soria de um mal congênitopor compatibilizar presidencialismo com o sistema de voto proporcional. Há nessa ar-gumentação uma implícita alusão à crise de paralisia decisória do período 1946-1964,os impasses vivenciados pelo governo Goulart com o Congresso e os perigos que essecontexto colocou à continuidade democrática daquele momento.

Novas avaliações e a crença na estabilidadeNão obstante alguns apontamentos corretos presentes na perspectiva apresen-

tada anteriormente, o debate institucional da transição promoveu diagnósticos que

vão na contramão das reormas políticas propostas. Esses novos diagnósticos revisama perspectiva pessimista, agregando novas metodologias de análise da atuação parla-mentar e identicando características que passaram despercebidas pelos adeptos daengenharia institucional. Seguindo os estudos de Figueiredo e Limongi (1999), vemosque suas análises contradizem as recorrentes constatações dos pessimistas e identi-cam uma atuação parlamentar conduzida pelas lideranças partidárias e um Executivooperando com orte controle sobre a agenda do Congresso. Seus dados identicamque o pluripartidarismo e a respectiva impossibilidade de o partido do presidente atin-gir maioria estável no parlamento não constituem um impasse para os presidenteseetuarem suas reormas e que os partidos não se comportavam de orma tão aleató-ria, tendo na maioria dos casos um núcleo dominante de conduta de suas bancadas econvergindo com suas lideranças.

Analisando as prerrogativas legislativas concedidas ao presidente da Repúblicapela Constituição de 1988, bem como os recursos legislativos coneridos aos líderes debancadas pelas inovações regimentais, Figueiredo e Limongi, perceberam que o pro-cesso legislativo passou por alterações signicativas em relação ao período da demo-cracia populista (1946-1964). A disciplina partidária no parlamento não era a mesma

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que aquela baseada na eleição proporcional, nem tampouco o Executivo se via enges-sado por um Legislativo polarizado por uma miríade de partidos, em uma organizaçãocaótica.

Especicamente, as medidas provisórias e o colégio de líderes coneriam ao Execu-tivo a capacidade de se impor perante um Legislativo composto por muitos partidos

políticos.

Medidas provisórias (MPs)

São decretos com orça de lei de exclusivo uso do presidente, o que inexistiu noperíodo democrático anterior. Uma vez emitida, tal medida tinha aplicação imediatae independia da anuência ou aprovação do Legislativo.

Colégio de líderes

Ao negociar com centenas de parlamentares isolados ou com uma constelaçãode partidos políticos nem sempre bem articulados, o presidente negociava suas pro-postas com líderes de sua coalizão partidária. Posterior a 1988, essa disposição re-gimental do uncionamento do Congresso é um instrumento que se tornou centralna coordenação política do presidente, permitindo-lhe enorme vantagem: baseadoem sua coalizão, calculando o número de parlamentares de cada partido e oerecen-do os recursos caros aos partidos, ele passou a dominar as votações no interior doCongresso Nacional, chegando a ter cerca de 90% de seus projetos de leis aprovadosno período que vai do início dos anos 1990 até os dias atuais.

Esses dois elementos, somados ao poder de agenda, coneriram ao presidente opapel de ator central ao longo dos diversos governos experimentados desde a rede-mocratização, de modo que pouco se ala hoje em dia no risco da quebra da ordemdemocrática.

Texto complementar

O presidencialismo de coalizão

(ABRANCHES, 2000)

A relação entre o Legislativo e o Executivo tem sido um elemento crítico na de-mocracia brasileira. [...] Somem-se uma agenda de país emergente, uma presidênciacom amplos poderes, mas que depende de uma aliança entre partidos rivais para

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    S    i   s   t   e   m   a    d   e   g   o   v   e   r   n   o   n   o    B   r   a   s    i    l   :   o   p   r   e   s    i    d   e   n   c    i   a    l    i   s   m   o    d   e   c   o   a    l    i   z    ã   o ,   p   a

   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

governar. Incorporem-se ainda uma ederação e a intererência dos governadores narelação entre o presidente e o Parlamento. Tem-se um arranjo complexo, que dicultadecisões rápidas e pode aetar a estabilidade política. É diícil imaginar que um presi-dente se eleja e seu partido aça a maioria no Congresso. Para enrentar sua agendade problemas, todo presidente tem de governar com uma coalizão multipartidária. Éo presidencialismo de coalizão.

É quase impossível reduzir o número de partidos e garantir maiorias uniparti-dárias mantendo regras democráticas para o jogo político-eleitoral. O grande desa-o seria criar mecanismos institucionais que melhorassem as condições de gover-nabilidade em um governo presidencialista de coalizão. Mas sempre que discutimosreorma política e pensamos soluções para nosso dilema institucional, simplesmen-te não reconhecemos que o governo de coalizão é um traço estrutural de nossosistema político. Nem nos perguntamos se mais bem institucionalizado, com regrasmais claras de relacionamento e incentivos à solução de conitos, não aumentaria a

governabilidade. Adotar o parlamentarismo, jogando ora o presidencialismo, paracar com o multipartidarismo e o governo de coalizão pode ser uma solução à italia-na. Resultado: instabilidade crônica, em vez de melhor governabilidade.

A primeira vez que escrevi sobre o “presidencialismo de coalizão”, em meadosdos anos 1980, ele parecia uma ave rara no quintal da democracia, de diícil via-bilidade histórica. O Brasil era o único caso e não especialmente bem-sucedido. Aexperiência do período 1945-1964 havia acabado em golpe militar. Nos anos 1980,retornamos ao presidencialismo de coalizão, meio por acaso, com o governo Sarney.Tancredo Neves montou seu governo, como de praxe no presidencialismo de coali-

zão, dividindo postos governamentais entre os vários partidos e acções mais impor-tantes em seu interior, para cimentar uma coalizão que lhe desse se não apoio, pelomenos ouvidos no Congresso. Sarney manteve a tradição. O regime até aguentoubem o impeachment 1de Collor e a ciclotimia2 de Itamar Franco.

[...]

Mas, ao longo da década de 1990, o presidencialismo de coalizão começou aaparecer como orma mais generalizada de governança na América Latina.

[....]

Talvez tenha chegado a hora de começarmos a pensar em mecanismos degestão política de coalizões, para garantir melhor governabilidade, em vez de car-mos imaginando como produzir maiorias impossíveis.

1Impeachment: impedimento e deposição do chee do Executivo. (N. da E.)

2 Ciclotimia: oscilação entre períodos de excitação, euoria e hiperatividade e períodos de depressão, tristeza e inatividade. (N. da E.)

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Atividades

A divisão e as relações entre os poderes constitui um dos temas clássicos da1.modelagem das democracias representativas. A partir da divisão inglesa e das

observações de pensadores como Montesquieu, cada país seguiu rotas e cami-nhos diversos para implementar esse princípio de organização política. Como oBrasil incorporou esse modelo?

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   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

A Constituição de 1988 manteve o regime presidencialista com o multipartidaris-2.mo e a eleição proporcional, sacramentando o modelo de 1946 e reproduzindopotenciais riscos para a estabilidade democrática. Entretanto, introduziu meca-nismos mais ecazes para assegurar ao presidente da República poderes que nãoestavam disponíveis na Constituição de 1946. Que mecanismos são esses?

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   s   s   a    d   o   e   p   r   e   s   e   n   t   e

Parlamentarismoa)

Coalizão intrapartidosb)

Bicameralismoc)

Presidencialismod)

Medida provisóriae)

Divisão dos poderes)

Recurso que o presidente da Repú-( )blica deve utilizar para conquistarmaioria no interior do Congresso,

sobretudo em países marcados pelaconvivência de muitos partidospolíticos.

Princípio de organização das repú-( )blicas modernas baseado na máximade Montesquieu segundo a qual “só opoder pode rear o poder”.

Regime de governo no qual o chee( )

do Poder Executivo é eleito indireta-mente, isto é, a partir dos votos dosparlamentares.

Lei exclusiva do presidente da Repú-( )blica que independe da tramitaçãoormal pelo Legislativo para entrarem vigor.

Modelo de organização pelo qual o( )

Poder Legislativo se divide em duascasas (ou câmaras) e se opõe aomodelo unicameral.

Regime de governo no qual o chee( )do Executivo é eleito diretamentepelo voto popular.

Enumere os itens da segunda coluna de acordo com o termo correspondente3.na primeira coluna.

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Ampliando conhecimentos

JANGO (1984). Documentário dirigido por Sílvio Tendler. 115 minutos, Brasil.

Retrata a carreira política de João Belchior Marques Goulart, presidente deposto

pelos militares em 1.º de abril de 1964, e procura mostrar a política brasileira da décadade 1960, desde a candidatura de Jânio Quadros, passando pelo golpe militar, às mani-estações da UNE e os exílios.

TAVARES, José Antônio Giusti (Org.). O Sistema Partidário e a Consolidação da De-mocracia Brasileira. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 2003.

Reexamina uma série de problemas colocados desde o nal da década de 1980após 15 anos de existência da Constituição de 1988.

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A judicialização da política

e a politização da Justiça no Brasil

Pedro Leonardo MedeirosLegislador democrático e jurisdição constitucional têm papéis igualmente relevantes

nos Estados constitucionais contemporâneos, sendo a interpretação e a aplicação

da Constituição tareas cometidas a todos os poderes, assim como a toda a sociedade.

Gilmar Mendes

Mesmo uma consulta rápida e supercial aos meios de comunicação é sucientepara nos azer perceber que cada vez mais um novo tipo de vocabulário e uma novagama de instituições têm ocupado lugar de destaque nos debates políticos nacionais:liminares,  Adins (“ações diretas de inconstitucionalidade”), corte constitucional e ações

civis públicas são algumas das expressões de uso agora corrente em nossos jornais eem nossas conversas cotidianas. O que eles expressam é uma crescente participaçãodo mundo jurídico, com seus agentes, instituições e procedimentos, no uncionamen-to da democracia brasileira. É notável, por exemplo, que nunca antes em nossa históriaos nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF – órgão maior do poderJudiciário) estiveram tão presentes – seja para louvá-los, seja para execrá-los.

Esse enômeno relativamente recente não escapou às reexões dos cientistassociais, que procuraram dar um tratamento teórico adequado a esse vertiginoso au-mento na presença (e no protagonismo) de agentes e instituições judiciárias no jogodemocrático brasileiro.

Mas não é apenas o Poder Judiciário que passou a se azer sentir na política nacio-nal: também os agentes políticos estão cada vez mais propensos a azer uso de proce-dimentos típicos do mundo jurídico, acionando por exemplo, instituições como o STF,por meio de mecanismos como as Adins, assim trazendo para as disputas democráti-cas os órgãos judiciários.

A esses dois processos (expansão das atividades do Judiciário e alteração na natu-reza das interações dos agentes políticos) tem-se dado os nomes, respectivamente, de

 politização da Justiça e de judicialização da política. Esses dois movimentos não seriamenômenos desligados um do outro e sim dois aspectos de uma mesma tendência de

aproximação e de intensicação nas relações entre os poderes Judiciário, Legislativo e

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Executivo. A relação estreita entre esses dois aspectos az com que alguns autores osreúnam sob uma mesma expressão: judicialização da política. Aqui, contudo, mantere-mos a distinção, que nos parece ecunda dos pontos de vista analítico e didático.

O surgimento da expressão

O termo judicialização da política entrou no vocabulário da ciência política con-temporânea pelo esorço analítico apresentado de orma coletiva em The Global Ex-

 pansion o Judicial Power, coordenado por T. Vallinder e C. N. Tate [...]. Nos estudosdessa coletânea existem várias tentativas para denir a judicialização da política.De uma orma geral, podemos armar que o termo procura abarcar causas e conse-quências da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democraciascontemporâneas. (CARVALHO, 2009, p. 315).

Há um consenso de que esses novos padrões de relacionamento entre os pode-

res da República surgiram principalmente a partir da promulgação da nova ConstituiçãoFederal brasileira, em 1988. Com o novo texto constitucional, teriam sido alteradas asatribuições do Poder Judiciário e, em especial, do Supremo Tribunal Federal, que adqui-riu caráter de corte constitucional , instituição capaz de revisar (e muitas vezes reverter)decisões políticas que não estejam de acordo com os textos legais. Esse novo desenhoinstitucional teria implicado uma autonomia sem precedentes para o Supremo e o PoderJudiciário em geral, que passou a ser requisitado, pelos próprios agentes políticos, pararesolver questões que até então só podiam ser decididas nas arenas legislativas.

Além dessa autonomia, a Constituição de 1988 também teria aberto espaço para

maior politização dos agentes jurídicos ao introduzir no texto da lei toda uma série deprincípios undamentais. Entre tais princípios está o da “dignidade da pessoa humana”,cujas ambiguidades e caráter vago deixariam maior espaço para a discricionariedade demagistrados, promotores e advogados – ou seja, espaço para interpretações mais ino-vadoras dos textos legais, muitas vezes em conronto com a jurisprudência existente.

Discricionário 1. Relativo a discrição. 2. Livre de condições, de restrições; arbi-trário, discricional, ilimitado. Ex.: o poder discricionário dos ditadores. 3. Dependen-te da discrição da autoridade.

Discrição [...] 5. Poder que as autoridades constituídas possuem de agir livre-mente, desde que em deesa da ordem pública e dentro dos limites da lei.

Jurisprudência1. Ciência do direito e das leis. 2. Conjunto das decisões e inter-pretações das leis eitas pelos tribunais superiores, adaptando as normas às situa-ções de ato.

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    A   g    ê   n   c    i   a    B   r   a   s    i    l .

Supremo Tribunal Federal, Praça dos Três Poderes, Brasília.

A Constituição Federal de 1988

e as relações entre o Judiciário e os demais poderesA Constituição de 1988 pode ser vista como um marco no processo de transor-

mação das relações entre a sociedade civil e o Estado e, no interior da máquina estatal,entre os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Evidentemente, a promul-gação do novo texto legal ez parte de um longo e penoso processo de transição doregime autoritário militar para um regime democrático – um processo que oi inicia-do ainda no nal dos anos 1970 e encontrou seu clímax apenas nos últimos anos dadécada seguinte, com a promulgação da nova carta constitucional em 1988 e as elei-ções diretas para presidente em 1989.

3. Uso estabelecido, aquilo que serve como modelo ou exemplo para agir, pensar,dizer. Ex.: Ao resolver o problema inormático daquele jeito, ele azia jurisprudência.

(HOUAISS, 2002)

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Constituição[...] 4. Conjunto das leis undamentais que rege a vida de uma nação,geralmente elaborado e votado por um congresso de representantes do povo, e queregula as relações entre governantes e governados, traçando limites entre os pode-res e declarando os direitos e garantias individuais; carta constitucional, carta magna,lei básica, lei maior [É a lei máxima, à qual todas as outras leis devem ajustar-se.] 4.1.Conjunto de leis undamentais que regulam os direitos e deveres no âmbito de cadaestado da Federação, elaborada e aprovada pela Assembleia Legislativa do mesmo.

(HOUAISS, 2002)

Uma renovação da cultura jurídica

A Constituição Federal de 1988 é um marco da história política brasileira porque

representa acima de tudo uma nova cultura jurídica. Essa nova orientação estava orte-mente ancorada em uma concepção da dignidade humana, a ser deendida pelo Estadopor meio da plena realização de toda uma série de direitos undamentais (à educação,à moradia, à saúde etc., conorme o art. 5.° da Constituição). Assim, tornou-se explícitona carta constitucional que é dever do Estado proteger esses direitos indispensáveisà dignidade de seus cidadãos. Isso representou uma novidade em relação a culturas jurídicas que enatizavam postulados liberais como a igualdade de todos perante a lei,o direito inviolável à propriedade e a conabilidade dos contratos estabelecidos. Nãose quer com isso dizer, contudo, que esta última dimensão oi excluída da Constituição

de 1988, mas sim que essas duas orientações (uma mais liberal e outra mais social ) pas-saram, ao preço de uma inegável ambiguidade, a conviver no texto legal brasileiro.

Uma das principais dierenças entre essas duas culturas jurídicas – ou seja, entreessas duas visões a respeito do direito e de como deve ser organizada a sociedade –reside justamente na unção que atribuem ao Estado.

Na tradição liberal, a unção do Estado é sobretudo negativa, cabendo-lhe in-tervir apenas para proteger a liberdade dos indivíduos, punindo as tentativasde cerceá-las.

Na tradição social, que inspira as inovações da Constituição brasileira, cabe aoEstado uma unção de ato positiva como realizador dos direitos undamen-tais que estão na sua própria razão de ser:

A Constituição de 1988 teria sido marcada pela ação de juristas adeptos dessa linha de pensamentoe teria incorporado os seus conceitos undamentais, deslocando a cultura jurídica predominante atéentão, marcada pelo positivismo de caráter privatista. Disso resulta a ampliação da concepção dosdireitos undamentais, não mais considerados normas programáticas que dependem da vontadedo legislador, mas armações de princípios que constituem programas de ação, objetivos queimplicam o dever de ação do Estado. (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 124)

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Esse caráter programático de nosso texto legal não apenas atribuiu uma novaunção ao Estado em geral como também modicou com especial relevo a unção doPoder Judiciário, transormado desde então em um avaliador da ação dos demais po-deres no que diz respeito à realização dos direitos undamentais (também chamadosdireitos sociais), conorme analisa Tércio Sampaio Ferraz:

Perante [os direitos sociais] ou perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido deestabelecer o certo e o errado com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamenteneutralizado), mas também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de legislarconduz à concretização dos resultados objetivados (responsabilidade nalística do juiz que, decerta orma, o repolitiza).(apud VIANNA et al., 1997, p. 26)

A introdução desses direitos undamentais colaborou para uma  politização daunção judiciária ainda em um segundo sentido: ao incorporar normas necessariamen-te vagas e imprecisas, como as que dizem respeito à “dignidade da pessoa humana” eà “justiça”, essa nova legislação não apenas aetou a neutralidade do Judiciário comotambém aumentou a margem de liberdade deixada à interpretação de cada juiz.

Embora seja inegável que toda sentença é produto de uma interpretação da lei – e nãode uma mera dedução lógica –, não se pode echar os olhos para o ato de que o graude criatividade e de discricionariedade permitido ao magistrado é muito maior emlegislações que incluam princípios e direitos de natureza undamental.

Em 2005, oi bastante divulgado o caso de um juiz mineiro que determinou a sol-tura de vários presos por conta da superlotação da cadeia em que estavam. Partindodos princípios de dignidade humana expressos na Constituição Federal, bem comodaqueles presentes na Lei de Execuções Penais, o magistrado desaou a jurisprudênciaexistente, criando uma leitura inovadora do texto da lei.

Em Minas, condenados são soltos de cadeia superlotada

Uma decisão de um juiz de Contagem (Grande Belo Horizonte), que mandousoltar 16 presos condenados por alta de condições de carceragem, instaurou polê-mica no sistema de segurança mineiro.

[...] o juiz da Vara de Execuções Criminais de Contagem, Livingsthon José Ma-chado, expediu alvarás de soltura para 16 homens que estavam presos provisoria-mente na carceragem do 1.º Distrito Policial da cidade.

Condenados por crimes como homicídio, urto e assalto à mão armada, todossaíram pela porta da rente da delegacia.

O juiz alegou que a alta de condições do local desrespeitava a Constituição e aLei de Execução Penal. Segundo ele, eram 63 presos em duas celas com capacidade

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

para sete pessoas. Citou ainda laudo da Vigilância Sanitária que constatou a disse-minação no local de doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose e hepatite.(GUIMARÃES, 2005)

O Ministério Público e o Supremo Tribunal FederalO protagonismo dos agentes, instituições e procedimentos jurídicos na demo-

cracia brasileira contemporânea é também um eeito do novo desenho institucionalcriado a partir de 1988: alteraram-se as unções e poderes de diversos órgãos estatais,bem como as relações entre eles. Dois exemplos dessas mudanças são o MinistérioPúblico e o Supremo Tribunal Federal.

Ministério Público

O Ministério Público (MP) oi umas das instituições cujos atributos e unções maismudaram com a nova carta constitucional. Diz-se também que é provavelmente o quemais viu sua importância e seu poder crescerem: se antes era apenas o “advogado” doEstado – que, contraditoriamente, também scalizava os preeitos, os governadores eo presidente da República –, com a nova Constituição o MP passou a ser o órgão descalização por excelência, agindo de orma autônoma em relação aos demais poderesda República (o MP não az parte de nenhum dos três poderes, sendo uma instituiçãoindependente).

Essa autonomia passou a ser um dos pontos-chave da unção scalizadora do MP,que

[...] possui autonomia na estrutura do Estado, não pode ser extinto ou ter as atribuições repassadasa outra instituição. Os procuradores e promotores têm a independência uncional assegurada pelaConstituição. Assim, estão subordinados a um chee apenas em termos administrativos, mas cadamembro é livre para atuar segundo sua consciência e suas convicções, baseado na lei. (MINISTÉRIOPÚBLICO FEDERAL, 2009)

Com a criação da ação civil pública, o Ministério Público passou a atuar junto aoPoder Judiciário como deensor dos interesses de cunho coletivo – aqueles interessesligados ao meio ambiente e ao direito do consumidor, por exemplo. Isso resultou emuma mudança do perl da instituição, que passou de representante jurídica do interesseestatal a representante da sociedade civil. Tudo isso ez crescer imensamente os poderesdo MP no que diz respeito à capacidade de scalização e controle, o que gerou e conti-nua gerando inúmeras críticas sobre os supostos excessos do órgão.

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Supremo Tribunal Federal

Outra instituição que viu o seu caráter mudar proundamente com a Constituiçãode 1988 oi o Supremo Tribunal Federal. Se o MP se tornou o principal poder scaliza-dor da democracia brasileira, o STF oi transormado em uma corte constitucional , umtribunal com poderes de revisão judicial sobre as decisões jurídicas de outros órgãos etambém sobre a legislação produzida nos poderes Executivo e Legislativo: cabe ao STF julgar se estão de acordo com o texto constitucional.

Por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, aciona-se o poder revisordo STF, azendo com que este julgue a constitucionalidade (a adequação ao texto daConstituição) de determinado ato. Pode-se dizer que a Adin trouxe o STF para o centrodas disputas políticas ao transormá-lo em árbitro soberano, com poder para resolverquestões que os agentes políticos não seriam capazes de equacionar sozinhos.

Constituição Federal de 1988

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação decla-ratória de constitucionalidade:

o Presidente da República;I.

a Mesa do Senado Federal;II.

a Mesa da Câmara dos Deputados;III.

a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;IV.

o Governador de Estado ou do Distrito Federal;V.

o Procurador-geral da República;VI.

o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;VII.

partido político com representação no Congresso Nacional;VIII.

conederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.IX.

Essa mudança, que transormou o STF em uma corte com poderes de controle

constitucional , colocou o Brasil em sintonia com uma tendência presente em boa partedos países ocidentais: nos Estados Unidos e no Canadá, assim como em muitos paíseseuropeus, tribunais com unção de corte constitucional adquiriram uma centralidade

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

cada vez maior na resolução de questões de grande porte (nas eleições norte-america-nas de 2000, por exemplo, oi a Suprema Corte que encerrou as disputas entre GeorgeW. Bush e Al Gore).

A política judicializadaUm dos eeitos do novo desenho institucional inaugurado pela carta constitucio-

nal de 1988 oi a alteração da natureza das interações dos agentes políticos, tornan-do-os mais propensos a trazer procedimentos e instituições do mundo jurídico parao centro das disputas. A esse enômeno, a literatura especializada tem chamado de

 judicialização da política ou, em outras palavras, política judicializada.

Diante desse quadro, uma pergunta impõe-se como undamental: por que, cadavez mais, os agentes políticos acionam as instituições do poder Judiciário e, especial-

mente, o Supremo Tribunal Federal? Ou, dito de outra orma, o que torna irresistível ochamamento do Poder Judiciário para a resolução das disputas internas do Legislativoe do Executivo? Há ao menos duas explicações, para isso e que não se contradizem,sendo, assim, complementares.

É muito menos custoso para uma minoria parlamentar acionar o Supremo Tri-bunal Federal por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade do quetentar reverter a divisão dos votos dentro do Parlamento. Ou seja: nesse caso,para o agente político o êxito é mais provável ora e não dentro da arena legis-lativa, e daí a tendência a levar as disputas decisórias para o terreno da revisãoconstitucional. Evidentemente, esse comportamento só é possível porque háum conjunto de regras que o permite e (o que é o centro da explicação aquiapresentada) até mesmo o incentiva. O ato de o STF ter sido transormado emuma corte constitucional que tem vigor para reverter decisões dos demais po-deres e está acessível a uma ampla gama de agentes (partidos, por exemplo),az com que, por meio do mecanismo institucional da Adin, a aproximaçãoentre o Judiciário e a política torne-se extremamente provável:

[A política judicializada é o] resultado da habilidade e disposição dos atores políticos que perderamno processo legislativo em provocarem decisões judiciais sobre a constitucionalidade das políticas

aprovadas pela maioria parlamentar. Trazer a corte constitucional para dentro do processo legislativoé muitas vezes um comportamento irresistível para a oposição. A litigância é geralmente de baixocusto e não se traduz em punição política, seja porque a decisão judicial é pertinente ao direitopúblico, seja porque a oposição possui um interesse orte em mostrar ao eleitorado a sua alegadaalta de compromisso em relação às políticas em questão. (CARVALHO, 2009, p. 317)

Ao pesquisar quais são os principais requerentes de revisão constitucional, osmaiores propositores de Adins, Ernani Carvalho ortalece essa ideia: entre 1988 e 2002,34,3% das Adins apresentadas ao STF tiveram como proponentes partidos políticos,

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em sua maioria da oposição (70%). Também para as conederações sindicais e para asentidades de classe parece irresistível a judicialização das disputas: 32,6% das Adinsdo período oram por elas propostas (CARVALHO, 2009, p. 319). Portanto, os dadosdemonstram que o STF tornou-se muitas vezes uma arena mais atraente para se rever-terem decisões da maioria governista do que o próprio Parlamento, e isso porque nãohá custos políticos associados à judicialização do conito – o pedido de revisão cons-

titucional é um direito desses agentes. Cabe citar aqui o depoimento de um antigoministro do STF, que ilustra bastante bem a questão:

Nós já tivemos o caso em que o partido tinha apenas um deputado que, em vez de discutir questõespolíticas de elaboração legislativa na Câmara, preeria assistir às sessões do STF, dizendo: “porqueaqui posso pôr abaixo o que lá, minha voz isolada de nada adiantará”. E mais ainda com propaganda,porque os jornais diriam “essa lei caiu graças ao esorço do deputado ulano de tal”. (ALVES apud CARVALHO, 2009, p. 334)

Há uma relação assimétrica entre o Parlamento e o STF: dado o desenho insti-tucional criado pela Constituição de 1988, com voto de uma maioria simples

o STF pode revogar as decisões da maioria qualicada do Parlamento, mas ocontrário exige muito mais esorço – para revogar as decisões do STF, seriamnecessárias emendas constitucionais ou procedimentos que exigem a maioriaqualicada no Parlamento (dois terços ou quatro quintos dos votos possíveis,por exemplo).

Simples e qualifcada

Em uma votação, a maioria simples é constituída pela metade dos votos acres-cida de pelo menos mais um (que servirá então como desempate).

Mas para a aprovação de certas pautas pode-se exigir a maioria qualicada –por exemplo, 2/3 ou 4/5 dos votos presentes.

Além dessas duas explicações, ainda há o ato de que o STF, como corte cons-titucional, não possui nenhum constrangimento institucional ou ormal sobre suasdecisões: os prejudicados por suas votações não possuem meios de punir a corte oudeterminado magistrado. Isso garantiria, ao menos teoricamente, maior liberdade doSupremo em relação às pressões do Legislativo e do Executivo, ao contrário do que

acontece com os agentes políticos, sempre submetidos à dinâmica especíca da arenadecisória (coalizões, alianças, eleições, distribuições de cargos etc.).

Tal liberdade acilitaria uma postura independente do STF mesmo diante de ques-tões politicamente consensuais, o que tornaria a via da Adin extremamente atrativapara aqueles grupos com poucos meios de azer predominar seus interesses na arenaparlamentar.

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

A ace política da JustiçaCom a Constituição de 1988, ampliou-se o espaço de discricionariedade e liberda-

de deixado aos intérpretes das leis por pelo menos dois motivos:

o texto legal tornou-se em parte mais ambíguo e vago, por meio da introdu-ção de uma série de princípios e direitos undamentais; e

as instituições da Justiça ganharam em autonomia institucional perante osdemais poderes da República, diminuindo o peso de eventuais constrangi-mentos sobre as decisões judiciais.

A ampliação do espaço de discricionariedade e liberdade interpretativa dos ma-gistrados e a judicialização da política, com o acionamento mais intenso dos tribunais,a m de resolver conitos surgidos no Legislativo e no Executivo, são condições doque aqui chamamos de politização da Justiça, e que a literatura também tem nomeadocomo ativismo judicial .

Ativismo judicial

O ativismo judicial pode ser denido como uma postura de interpretação ino-vadora dos textos legais por parte do agente judiciário. Não se trata, contudo, decriar um “novo” direito, mas explorar os meandros constitucionais (geralmente osseus princípios undamentais) a m de extrair um resultado em dissonância com a jurisprudência corrente.

O caso do juiz mineiro que ordenou a soltura de vários presos por conta da super-lotação de uma cadeia é típico do ativismo judicial ou politização da Justiça.

É preciso lembrar, contudo, que politização não quer dizer necessariamente parti-

darismo: quando um magistrado interpreta de maneira inovadora o texto constitucio-nal, pode-se adjetivar essa ação como política porque ela invade uma área de atuaçãoque em geral é deixada aos legisladores, aos quais cabe, em situações normais, a es-pecicação e a atualização dos princípios legais, adaptando-os aos novos desaos e

situações que surgem constantemente. Assim, inovações jurídicas desse tipo seriamuma intromissão no terreno legislativo.

A expressão ativismo judicial também tem sido aplicada ao magistrado ou tribu-nal que regularmente anula as ações de outros poderes (como o Legislativo, por exem-plo), enraquecendo o caráter representativo e responsivo do regime democrático, jáque os parlamentares oram eleitos pela população e portanto sua atuação reete, emalguma medida, a vontade dos eleitores. Os magistrados, ao contrário, são uncioná-rios públicos concursados, não tendo sido eleitos para legislar.

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Dierenças entre judicialização da política e ativismo judicial 

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma a-mília, requentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não sãogerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto bra-sileiro, é um ato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se

adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. [...] o Judiciário decidiuporque era o que lhe cabia azer, sem alternativa. Se uma norma constitucional per-mite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe delaconhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de ummodo especíco e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentidoe alcance. (BARROSO, 2009)

Quando se comparam os enômenos da judicialização da política e da politizaçãoda Justiça, nota-se, em primeiro lugar, uma dierença quanto ao lugar em que eles se

originam.

A judicialização nasce na própria arena política, nos poderes Legislativo e Exe-cutivo, nos partidos e nas associações de classe, com o acionamento da Justiçapor meio de mecanismos institucionais como as ações diretas de inconstitucio-nalidade. Trata-se, portanto, de um produto de nosso desenho institucional.

A  politização surge no seio da Justiça, caracterizando-se por uma propensãoativa dos agentes jurídicos para a interpretação inovadora dos textos legais,muitas vezes se contrapondo a decisões e consensos dos demais poderes.

Nesse caso, trata-se de um produto da cultura jurídica que nossa Constituiçãoexpressa e incentiva.

    S   u   p   r   e   m   o    T   r    i    b   u   n   a    l    F   e    d   e   r   a    l .

Documentos em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal.

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Considerações naisVimos aqui que a promulgação da Constituição Federal, em 1988, trouxe uma série

de alterações no que diz respeito à posição e à unção do Poder Judiciário no sistemapolítico nacional. Inovou-se, por exemplo, o desenho institucional das relações entre

os poderes, incentivando o enômeno da  judicialização da política, com os partidos eassociações de classe acionando cada vez mais as instituições da Justiça a m de resol-ver, de modo menos custoso, conitos nascidos nas arenas legislativas e executivas.

Outra mudança substancial ocorreu na cultura jurídica brasileira, que abriu umespaço signicativo para princípios e direitos undamentais de natureza não liberal,dando um caráter programático ao texto constitucional e alterando a natureza ormaldas relações entre o Estado e os cidadãos. Essa nova característica acilitou o surgimen-to do ativismo jurídico, por meio do qual o magistrado adentra a área de atuação antesreservada exclusivamente aos legisladores.

A centralidade do Poder Judiciário na democracia brasileira não pode ser conside-rada um enômeno passageiro: ela decorre de nossa própria base constitucional e dacultura jurídica que a anima. Por exemplo, o recente protagonismo do Supremo Tribu-nal Federal em questões como demarcação de terras indígenas, uso de células-troncoembrionárias e nepotismo nos órgãos públicos explicita que o Judiciário vem sendochamado a decidir todas as questões polêmicas nas quais o Parlamento e o Executi-vo, sujeitos à dinâmica partidária e aos constrangimentos da concorrência eleitoral,abstêm-se de envolvimento. Nesse contexto, a sobreposição dos poderes da República

parece continuar sendo um dos os condutores de nossa história política.

Textos complementares

A judicialização e seus signicados

(MACIEL; KOERNER, 2002, p. 114)

A expressão passou a compor o repertório da ciência social e do direito a partir doprojeto de C. N. Tate e T. Vallinder, em que oram ormuladas linhas de análise comunspara a pesquisa empírica comparada do Poder Judiciário em dierentes países. Judiciali-

 zação da política e politização da justiça seriam expressões correlatas, que indicariam oseeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contem-porâneas. Judicializar a política, segundo esses autores, é valer-se dos métodos típicosda decisão judicial na resolução de disputas e demandas nas arenas políticas em doiscontextos. O primeiro resultaria da ampliação das áreas de atuação dos tribunais pela

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via do poder de revisão judicial de ações legislativas e executivas, baseado na cons-titucionalização de direitos e dos mecanismos de checks and balances1. O segundocontexto, mais diuso, seria constituído pela introdução ou expansão de staf judicialou de procedimentos judiciais no Executivo (como nos casos de tribunais e/ou juízesadministrativos) e no Legislativo (como é o caso das comissões parlamentares deinquérito).

Se na ideia da política judicializada estão em evidência modelos dierenciaisde decisão, a noção de politização da justiça destaca os valores e preerências políti-cas dos atores judiciais como condição e eeito da expansão do poder das cortes. A judicialização da política requer que operadores da lei preram participar da  policy-

-making2 a deixá-la ao critério de políticos e administradores e, em sua dinâmica,ela própria implicaria papel político mais positivo da decisão judicial do que aqueleenvolvido em uma não decisão. Daí que a ideia de judicialização envolve tanto adimensão procedimental quanto substantiva do exercício das unções judiciais.

1Checks and balances: mecanismos de controle mútuo entre os dierentes agentes e instituições do espaço público.

2Policy-making: o processo político e burocrático de criação e implementação de leis e políticas públicas.

Breve histórico do Supremo Tribunal Federal

(HISTÓRICO, 2009)

No início da colonização do Brasil, de 1534 a 1536, oram concedidas capitanias

hereditárias, mediante cartas de doação e respectivos orais, as quais constituíram aprimeira organização política e judiciária do país. Com o racasso desse sistema, D.João III determinou, em 1548, a criação de um governo-geral, expedindo-se quatroregimentos, destinados ao governador-geral, ao provedor-mor, ao ouvidor-geral eaos provedores parciais. O governador-geral, Tomé de Souza, desembarcou na Bahiaem 29 de março de 1549, sendo ouvidor-geral Pero Borges.

Relações

O primeiro Tribunal da Relação, criado em Salvador, em 1587, deixou de ser

instalado por não haverem chegado ao país seus integrantes. Somente em 1609,D. Filipe III expediu alvará ordenando que se constituísse na mesma cidade a Re-lação do Brasil. Suprimida em 1626, ela oi restaurada em 1652 por D. João IV.

Cerca de um século depois, em 13 de outubro de 1751, surge a Relação do Riode Janeiro, criada por alvará de D. José I, perdendo a da Bahia o título de Relaçãodo Brasil. Em 1763 a sede do governo-geral é transerida de Salvador para o Rio deJaneiro.

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Casa da Suplicação do Brasil

Com a chegada da Família Real Portuguesa, que ugia da invasão do reino pelas

tropas de Napoleão, era inviável a remessa dos agravos ordinários e das apelações

para a Casa da Suplicação de Lisboa. Decidiu, então, o príncipe regente, D. João,

por alvará de 10 de maio de 1808, converter a Relação do Rio de Janeiro em Casa

da Suplicação do Brasil, dispondo: “I. A relação desta cidade se denominará Casa da

Suplicação do Brasil, e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se

ndarem ali todos os pleitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem

que das últimas sentenças proeridas em qualquer das mesas da sobredita casa se

possa interpor outro recurso, que não seja o das revistas, nos termos restritos do que

se acha disposto nas minhas ordenações, leis e mais disposições. E terão os ministros

a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa.”

Mediante carta de lei expedida em 16 de dezembro de 1815, o príncipe regente

elevou o Estado do Brasil à categoria de reino, cando, assim, constituído o Reino

Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Supremo Tribunal de Justiça

Proclamada a Independência do Brasil, estabeleceu a Constituição de 25 de

março de 1824, no art. 163: “Na capital do império, além da relação, que deve exis-

tir, assim como nas demais províncias, haverá também um tribunal com a deno-

minação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de juízes letrados, tirados das

relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o título de conselho. Naprimeira organização poderão ser empregados neste tribunal os ministros daqueles

que se houverem de abolir.”

Cumpriu-se o preceito com a lei de 18 de setembro de 1828, decorrente de pro-

 jeto de Bernardo Pereira de Vasconcelos que, após exame da Câmara e do Senado,

oi sancionado pelo imperador D. Pedro I.

O Supremo Tribunal de Justiça, integrado por 17 juízes, oi instalado em 9 de

 janeiro de 1829, na casa do ilustríssimo Senado da Câmara, tendo subsistido até 27

de evereiro de 1891.

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Supremo Tribunal Federal

A denominação Supremo Tribunal Federal oi adotada na Constituição Provisó-ria publicada com o Decreto 510, de 22 de junho de 1890, e repetiu-se no Decreto848, de 11 de outubro do mesmo ano, que organizou a Justiça Federal.

A Constituição promulgada em 24 de evereiro de 1891, que instituiu o controle daconstitucionalidade das leis, dedicou ao Supremo Tribunal Federal os artigos 55 a 59.

O Supremo Tribunal Federal era composto por 15 juízes, nomeados pelo presi-dente da República com posterior aprovação do Senado. A instalação ocorreu em 28de evereiro de 1891, conorme estabelecido no Decreto 1, de 26 do mesmo mês.

Após a Revolução de 1930, o governo provisório decidiu, pelo Decreto 19.656,de 3 de evereiro de 1931, reduzir o número de ministros para 11.

A Constituição de 1934 mudou a denominação do órgão para Corte Suprema e

manteve o número de 11 ministros, dele tratando nos artigos 73 a 77.

A Carta de 10 de novembro de 1937 restaurou o título Supremo Tribunal Fede-ral, destinando-lhe os artigos 97 a 102.

Com a redemocratização do país, a Constituição de 18 de setembro de 1946dedicou ao Tribunal os artigos 98 a 102.

Em 21 de abril de 1960, em decorrência da mudança da capital ederal, o Supre-mo Tribunal Federal transeriu-se para Brasília. Está sediado na Praça dos Três Pode-res, depois de ter uncionado durante 69 anos no Rio de Janeiro.

No período do regime militar, o Ato Institucional 2, de 27 de outubro de 1965,aumentou o número de ministros para 16, acréscimo mantido pela Constituição de24 de janeiro de 1967. Com base no Ato Institucional 5, de 13 de dezembro de 1968,oram aposentados, em 16 de janeiro de 1969, três ministros.

Posteriormente, o Ato Institucional 6, de 1.º de evereiro de 1969, restabeleceuo número de 11 ministros, acarretando o não preenchimento das vagas que ocorre-ram até atendida essa determinação.

Com a restauração da democracia, a Constituição ora vigente, promulgada em5 de outubro de 1988, realçou expressamente a competência precípua do SupremoTribunal Federal como guarda da Constituição, dedicando-lhe os artigos 101 a 103.

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Atividades

Discorra sobre algumas das inovações advindas com a Constituição de 1988,1.no que diz respeito à natureza e à unção do Poder Judiciário dentro do regime

democrático brasileiro.

Embora interligados e complementares, os enômenos da judicialização da po-2.lítica e de politização da Justiça não se conundem. Explique qual a dierençaentre eles.

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O Supremo Tribunal Federal tem adquirido um papel de destaque no cenário3.político nacional: várias questões polêmicas, como o uso de células-tronco em-brionárias nas pesquisas cientícas, têm sido transeridas da arena legislativapara o tribunal nestes últimos anos. O que motiva os políticos a acionarem cadavez mais o STF, incentivando o protagonismo deste?

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    A    j   u    d    i   c    i   a    l    i   z   a   ç    ã   o    d   a   p   o    l    í   t    i   c   a   e   a

   p   o    l    i   t    i   z   a   ç    ã   o    d   a    J   u   s   t    i   ç   a   n   o    B   r   a   s    i    l

Ampliando Conhecimentos

SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: FGV,2006.

Apresenta os resultados de um questionário aplicado a magistrados de todo oBrasil. Útil no diagnóstico das mudanças ocorridas no perl e nos valores jurídicosdessa classe prossional.

WAGNER JR., Luiz Guilherme et al . Poder Judiciário e Carreiras Jurídicas. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2007.

Simples e didático na descrição de como se organiza a Justiça no Brasil.

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Economia e política

no desenvolvimentismo brasileiro

Lucas MassimoOs teóricos do “modo de produção subdesenvolvido” quase deixaram de tratar os

aspectos internos das estruturas de dominação que conormam as estruturas de

acumulação próprias de países como o Brasil: toda a questão do desenvolvimento

oi vista sob o ângulo das relações externas, passando despercebido o ato de que,antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou o crescimento é um problema

que diz respeito à oposição entre as classes sociais.

Francisco de Oliveira

Analisar o desenvolvimentismo brasileiro é estudar a consolidação do modelourbano-industrial que suplantou a nossa estrutura agrário-exportadora ao longo doséculo XX. Esse processo envolve transormações de ordem política, econômica e socialque ocorreram no Brasil desde a Revolução de 1930 até o nal da década de 1980.

No plano político, o termo desenvolvimentismo indica certas posições políticas,é uma palavra de jargão que decodica os interesses em jogo no debate pú-blico. O espaço em que esse debate acontece é mais amplo que o Parlamento,podendo ocorrer no plano da opinião pública (revistas, jornais e demais veí-culos de opinião), no interior das organizações de classe (sindicatos e associa-ções de empresários) e no aparelho de Estado (tanto o debate entre dierentesministérios como as dierentes posições assumidas pelos parlamentares).

No plano econômico, o termo diz respeito a um processo conhecido entre os

economistas como industrialização por substituição de importações: o país passaa produzir o que costumava importar porque, em unção de uma série de cir-cunstâncias, abricar internamente ca mais barato que importar. Foi o casoda indústria de bens de consumo duráveis, com uma vasta lista dos produtos(desde a máquina de escrever Olivetti até o automóvel Fusca): após a indústriaeuropeia ter sido dizimada por duas guerras mundiais e as relações entre ospaíses do centro do sistema capitalista terem se alterado com a crise de 1929,abriu-se espaço à industrialização de países situados na perieria do sistema.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

No plano social, desenvolvimentismo descreve como a sociedade brasileirareagiu à primeira grande crise econômica internacional. As transormaçõeseconômicas aetaram dierentes aspectos da maneira como as pessoas viviam– do ponto de vista da construção do espaço social, a partir de 1930 cada vezmais o brasileiro vive na cidade, e cada vez menos no campo; do ponto devista do estilo de vida, ao longo desse processo se generaliza a identicaçãodo complexo agrário-exportador com o atraso, ao passo que se compreendeo industrial-urbano com o moderno:

A Revolução de 1930 marca o m de um ciclo e o início de outro na economia brasileira: o mda hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de baseurbano-industrial. [...] O processo mediante o qual a posição hegemônica se concretizará é crucial:-a nova correlação de orças sociais, a reormulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentaçãodos atores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho têm o signicado, de um lado, dedestruição das regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades agrário--exportadoras e, de outro, de criação das condições institucionais para a expansão das atividadesligadas ao mercado interno. (OLIVEIRA, 1976, p.10)

Desenvolvimentismo, nesse registro, é uma ideia-chave para entender como sedeu nosso processo de industrialização, como esse processo aetou a organização dasclasses sociais e como o Brasil entrou na modernidade. Ao cabo de 50 anos, o paísdeixou de ser uma plataorma para produção de caé para o mercado externo, passan-do a apresentar um poderoso complexo industrial sob controle do Estado. Vamos estu-dar a ase nal desse processo, como ele se consolida e como são criadas as condiçõespara o seu esgotamento.

A ditadura militar e o milagre econômicoEm um contexto democrático, nas lutas político-partidárias sobre o desenvolvimen-

tismo se disputa o domínio sobre uma ideia que organiza o debate político, ocorre umadisputa pelo conteúdo da agenda desenvolvimentista (que tema é relevante ou não, oque deve ser prioridade e o que não deve) e pela direção do projeto de desenvolvimentoeconômico (que classe social se posiciona melhor para a divisão da riqueza social).

No Brasil, o desenvolvimentismo atingiu seu ápice durante um regime político au-toritário. São comuns as explicações de que o echamento dos canais de participaçãopolítica e as medidas de arrocho salarial teriam sido as causas do crescimento econô-mico do começo dos anos 1970. Essa é a ideia presente na tese de Rui Mauro Marini,pela qual a superexploração dos trabalhadores é uma condição necessária para o de-senvolvimento capitalista no Brasil (SERRA, 1982, p. 103). Não há dúvida de que os doisatores estão relacionados, mas atribuir uma causalidade é aqui um tanto precipitado.Para entender como as variáveis políticas e econômicas se combinam é preciso avaliaras condições que conduziram ao golpe de 1964.

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Até os anos 1960, o núcleo dinâmico do processo de industrialização era o setorde bens de consumo duráveis e, no ponto mais maduro dessa etapa, o processo seriacapitaneado pela indústria automobilística. No entorno desse núcleo – e não mais naindústria têxtil ou de bebidas e alimentos – se situaram as atividades capazes de im-primir dinamismo a todo o sistema econômico. Do ponto de vista do arranjo entre asclasses sociais, nessa etapa a hegemonia oi exercida pelo capital estrangeiro, sobretu-

do no caso da indústria automobilística. O problema é que, do ponto de vista eleitoral,as alianças políticas mais ecazes incorporavam lideranças populistas, cuja base socialreclamava aumento do salário-mínimo, maior participação política e inuência no sis-tema decisório. Nos anos 1950, a campanha do petróleo oi uma importante demons-tração da orça política das massas urbanas. Na primeira metade dos anos 1960, ou asmassas seriam denitivamente incorporadas ao universo das elites ou teriam de seraplicados controles autoritários. Em linhas gerais, é assim que podemos compreendero surgimento do regime ditatorial-militar no Brasil em 1964.

O Petróleo É Nosso

A campanha O Petróleo É Nosso oi decisiva para a denição do monopólio es-tatal sobre as jazidas brasileiras, mediante a criação da Petrobras, no início dos anos1950. Houve maciça participação popular, instigada por um grupo de militares de-ensores do monopólio estatal, que posteriormente teve o apoio do PCB, opondo-seà tese de que sem o capital estrangeiro o petróleo continuaria debaixo do solo, poiso país não disporia de condições técnicas para explorá-lo.

Por isso, é correto armar que a política de arrocho salarial implementada durante ogoverno militar teve um papel importante no milagre econômico, expressão usada para oespetacular crescimento econômico experimentado pelo Brasil entre 1968 e 1974.

No entanto, se é correto armar que essas duas ordens de enômeno estão rela-cionadas, certamente não é correto identicar aqui uma causalidade, na qual a variável“arrocho salarial” determina o resultado “milagre econômico”.

Olhando a história no curto prazo, ao nível do relato objetivo dos atos, arrochosalarial é uma decisão política e diz respeito ao grau de conservadorismo da classe

governante, à violência dos instrumentos de repressão e à raqueza dos agrupamentospolíticos da oposição. Variáveis políticas, portanto. O milagre, por sua vez, é um resul-tado econômico de longo prazo que oi inuenciado, em alguma medida, por essasvariáveis políticas. Para estabelecer nexos mais ortes é preciso abstrair a perspectivado relato objetivo dos atos, visualizando a mudança em uma perspectiva mais longa.

No Brasil, a industrialização não é espontânea e sim induzida. Como resultantegeral de um processo de atualização da estrutura produtiva, a industrialização requer

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

destruição das condições que inclinavam a economia nacional para a produção agrícolacom vistas ao mercado internacional e, ao mesmo tempo, criação de condições novas,compatíveis com um modelo de desenvolvimento industrial e urbano. Nesse processo,o Estado é o agente planejador por excelência, estabelecendo as metas, ormulando osmecanismos e participando diretamente ao criar empresas – chamadas justamente em-

 presas estatais ou apenas estatais: “De uma ase à outra da industrialização, com auto-

nomia, orça e capacidade de iniciativa, o Estado brasileiro planejou, regulou e interveionos mercados, e tornou-se ele próprio produtor e empresário” (DRAIBE, 1985, p. 20).

Nesse nível de abstração mais geral, um vínculo saliente entre a transormação daestrutura econômica e a orientação da política estatal não só é possível como tambémnecessário. De que maneira o Estado “planejou, regulou e interveio”? Para Francisco deOliveira isso aconteceu

Regulando o preço do trabalho [...] investindo em inraestrutura, impondo o consco cambial aocaé para redistribuir os ganhos entre grupos das classes capitalistas, rebaixando o custo de capitalna orma do subsídio cambial para as importações de equipamentos para as empresas industriais[...] Investindo na produção [...] o Estado opera continuamente transerindo recursos e ganhos paraa empresa industrial, azendo dela o centro do sistema. (OLIVEIRA, 1976, p. 14)

Entretanto, essas considerações não indicam que a partir dos anos 1970 houveuma dierença de patamar no processo de industrialização ocorrido no Brasil entre asdécadas de 1930 e 1980. Para se compreender o auge e a crise do desenvolvimentismono Brasil é importante mencionar algo a respeito do que a literatura chama de aproun-

damento da industrialização.

Nosso modelo de industrialização por substituição de importações oi bastante

perverso do ponto de vista da distribuição de renda. Como consequência, ao longo doprocesso vericamos uma tendência cada vez maior à concentração da demanda nosmais variados tipos de bens de consumo nal para camadas minoritárias da população,aquelas que mais se beneciaram com a modernização do estilo de vida. Apenas umarestrita minoria da população, que de ato ganhou com o processo de industrialização,mantinha um padrão de consumo extremamente elevado. Assim, não se verica naindustrialização brasileira a ase em que a economia se dinamiza a partir da  produção

em escala, com grandes contingentes de trabalhadores empregados em uma estruturaprodutiva que visa abastecer um grande mercado consumidor, uma larga parcela da

população. Essa ase da industrialização, nos países ricos, acabou por ormar grandesblocos de capital, imprescindíveis para os pesados investimentos necessários ao de-senvolvimento do setor de bens de capital ou indústria de base, que produz as máqui-nas que abricam máquinas. A implantação da indústria pesada requer outro patamarna acumulação capitalista, e por isso o processo é chamado de aproundamento (ou

verticalização) da industrialização.

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Assim, combinada com um modelo de desenvolvimento excessivamente concen-trador da renda, a substituição das importações produziu uma oerta dos mais variadostipos de bens de consumo nais para uma minoria da população, sem uma indústriade base solidicada.

Durante os anos 1970, creditou-se o surgimento de regimes militares no cone sul

da América Latina (Brasil em 1964, Argentina em 1966, Chile em 1973) à necessidadede realizar essa elevação no patamar da acumulação capitalista. Por essa interpretação,os regimes autoritários poderiam conter aspirações sociais provenientes da urbaniza-ção e criariam condições avoráveis para a entrada do capital estrangeiro.

Tal interpretação é economicista porque compreende os enômenos políticoscomo reexos da economia, porém um olhar atento sobre o processo de verticalizaçãoda estrutura industrial brasileira revela que “o aproundamento da industrialização avan-çou notavelmente durante os anos 1950 – especialmente em sua segunda metade – ecomeço dos 1960” (SERRA, 1982, p. 116). Dessa maneira, atribuir a emergência do regime

autoritário à necessidade de aproundar a industrialização é, nas palavras de Serra, maisuma das “desventuras do economicismo”, porque oi entre 1956 e 1961 que se instalaramno Brasil as indústrias de automóveis, de construção naval, de material elétrico pesado,além de outros setores que compõem a indústria de base: petróleo, papel e celulose, quí-mica pesada etc. (SERRA, 1982, p. 117). Ora, se essa indústria já estava instalada no paísem 1961, então a sua implantação não pode explicar o golpe militar em 1964.

A verticalização da estrutura produtiva seria retomada pelo regime ditatorial-militarbrasileiro apenas a partir de 1974, dez anos após a sua instauração, e por isso não podeser mobilizada para explicar o surto de crescimento econômico do período 1968-1973,quando o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu cerca de 10% ao ano. Essa peror-

mance oi possível pela articulação de circunstâncias políticas e econômicas, cada qual aseu tempo.

Em primeiro lugar, esse crescimento resulta de um resposta a um período relati-vamente longo de contração do crescimento econômico, que começa em 1962 e vaiaté 1967. Entre 1964 e 1967, essa contração era resultado das políticas de estabilizaçãodo regime ditatorial-militar, mas antes, entre 1962 e 1964, ela teve causas de ordemcíclica – desde a queda dos investimentos (m do Plano de Metas, interrupção do -

nanciamento externo no governo João Goulart) até a estagnação da abertura de novasvagas no mercado de trabalho, corroendo o poder de compra das massas urbanas. Essadesaceleração teve suas consequências amplicadas pela cada vez maior polarizaçãono ambiente político, com uma inevitável instabilidade no conjunto das instituiçõespolíticas.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

O Plano de Metas de Juscelino Kubitschek 

Plano de Metas oi um conjunto de 31 medidas governamentais para o apri-moramento dos setores de energia, transporte, indústria de base, alimentação eeducação.

A ampliação da presença do capital estrangeiro na economia e a consolidação danossa indústria automobilística oram dois dos motivos do bom resultado desse planoque, com o slogan “50 Anos em 5” oi a principal marca do governo JK (1956-1961).

Consolidado o novo regime, em um marco evidentemente autoritário, o cres-cimento econômico posterior a 1968 deve ser compreendido, resumidamente, pelaorte reativação do setor de bens de consumo nal (eeito do retorno do nanciamen-to externo), capitaneada pela construção civil, principalmente o extenso programa deobras públicas a partir do governo Médici (estádios, hidrelétricas e a rodovia Transa-

mazônica, entre outros grandes empreendimentos). Ainda na composição do quadroexplicativo do chamado milagre econômico, há que se levar em conta o echamentodos canais democráticos de representação política e a intensicação da repressão àsorganizações de contestação ao regime. Enquanto a construção civil crescia a taxas de15% ao ano, o governo implementava políticas que corroíam o poder de compra dasmassas urbanas, seja pela estagnação do salário mínimo, seja por uma estrutura tribu-tária ortemente regressiva. Valendo-se de dados do Instituto Brasileiro de Geograa eEstatística (IBGE), Luciano Martins armava, ainda em 1978, que

[...] a carga tributária – e, portanto, o nanciamento do Estado – tem cada vez mais recaído sobreos impostos (indiretos) pagos pela população assalariada. De ato, embora a receita tributária daUnião tenha crescido substancialmente, a contribuição para ela dos impostos diretos (renda epropriedade) decresce de 45% (1960) para 29,2% (1974)! O que indica uma das mais altas taxas detributação indireta que se conhece no mundo capitalista. (MARTINS, 1978, p. 33)

A campanha contra a estatização:

a burguesia contra o Estado?A maciça participação das empresas estatais na modernização do parque indus-

trial brasileiro é um capítulo essencial no modelo desenvolvimentista. Essas empresasoperavam em áreas que exigiam investimentos pesados, com retorno em longo prazo,setores cruciais para a verticalização da estrutura produtiva (siderurgia, energia, pe-troquímica etc.), com uma taxa de poupança impraticável pela burguesia brasileira.Atuando em setores básicos, no início da cadeia produtiva, as estatais se expandiramtanto quanto a industrialização brasileira.

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Como nos indica Adriano Codato, a participação das empresas do Estado na eco-nomia oi uma constante em todo o processo de industrialização, e seria reorçada apartir de 1964:

[...] em termos absolutos o número de “empresas” [públicas] passou de 35, em 1939, para 440 em1983 [...] Em 1950 havia 66 “empresas”; em 1960, 128; em 1970, 267; e em 1980, 431 (mais 9, em 1983)incluindo empresas públicas propriamente ditas, sociedades de economia mista, subsidiárias, e

empresas controladas direta ou indiretamente, autarquias e undações instituídas ou mantidas pelopoder público, todas com existência real até setembro de 1983. (CODATO, 1997, p. 259)

O aumento do número de empresas estatais é um movimento longo e expressivoa partir dos anos 1960, mas somente no nal de 1974 e início de 1975 o empresariadobrasileiro deagrou, por meio de seus órgãos de classe, uma campanha de denún-cia contra excessiva presença do Estado na economia. Por que essa contestação tãotardia? O que estava em jogo no levante da burguesia contra o Estado?

Populismo

Nacional-populismo ou simplesmente populismo é o nome que se dá ao regimede democracia restrita que vigorou no Brasil entre 1946 e 1964. Uma das suas ca-racterísticas relevantes oi a articulação da burocracia estatal com os sindicatos dostrabalhadores urbanos e o uso recorrente e eciente das greves como mecanismode pressão política sobre o governo e o patronato. Outro aspecto importante oi aprounda aversão de parte da elite política e social brasileiras pelas massas popula-res urbanas (operários, indivíduos oriundos das baixas camadas médias) como atorpolítico relevante.

Consolidado o regime instalado em 1964, o governo levou a cabo uma reor-ma administrativa cujo sentido mais geral era imprimir racionalidade e eciência naação estatal. A estrutura produtiva e o sistema nanceiro requeriam uma modalidademais direta e mais ecaz de representação política, isenta dos ônus da representaçãonacional-populista para o sistema político. Na esera parlamentar, esse esvaziamentoda representação política convencional ocorreu pela extinção dos partidos políticos,substituídos por duas organizações – o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), deoposição, e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que era a situação. Assim, os interes-

ses autorizados pelo regime a se azerem representar no processo decisório participa-vam diretamente dos espaços de tomada de decisão, sem ltros político-partidários:

A relação Estado-sociedade envolveu [...] dois tipos dierentes de vinculação:a) ormal : representadapelo “corporativismo”; e b) inormal : em que se destacaram os “anéis burocráticos”, os contatospessoais, entre representantes de classe e decisores estratégicos, os lobbies e as diversas modalidadesde clientelismo. (CODATO, 1997, p. 236)

Assim temos como agentes undamentais no modelo desenvolvimentista brasi-leiro a burocracia civil e o empresariado nacional.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Sobre a burocracia civil, Cruz nos indica que

[...] a disseminação de empresas públicas e de órgãos da administração indireta (undações, autarquias)dá origem à [...] gura [d]o tecnocrata – quadro com ormação de nível superior, que assume a[sic ] unções de assessoria, direção de segundo escalão, postos de inuência dentro da máquinaadministrativa ou de execução de programas especícos nas mais diversas áreas (CRUZ, 1997, p. 172).

E sobre o empresariado nacional é preciso ter presente que no Brasil

[...] a “industrialização” [...] oi realizada sob o comando de [...] uma burguesia ao mesmo temporágil e dependente do patrocínio estatal: um grupo social heterogêneo (regional e setorialmente),altamente ragmentado internamente, com baixa coesão político-ideológica para desenvolver umaação unitária na deesa de seus interesses. (CODATO, 1997, p. 241)

Esses papéis se contrapõem na polêmica acerca da participação do Estado na eco-nomia a partir do nal de 1974. A simples apresentação dos termos em que se deu acontrovérsia revela que estamos diante de alguma inconsistência:

De um lado estão os que denunciam a “estatização”, querendo designar com isso o crescimento

das empresas estatais e a ampliação dos controles nanceiros e burocráticos do Estado sobre aeconomia; de outro lado estão os que respondem que, se tal aumento do poder do Estado existe,ele tem sido amplamente utilizado em beneício do setor privado. (MARTINS, 1978, p. 30)

A primeira deasagem está no plano do discurso: parece claro que ambos os ar-gumentos são procedentes e, ao mesmo tempo, excludentes. Logo, alguma coisa estásendo ocultada nos objetivos reclamados pelos empresários e/ou na resposta oereci-da pelos burocratas do Estado.

Há que se ter em mente que o ato de o Estado substituir a empresa privada pelarepartição pública no desempenho da unção capitalista não implica estatização da

economia. Se parece implicar é por duas conusões:

generalizou-se o comportamento de algumas empresas estatais para todo osetor governamental (Petrobras, Companhia Vale do Rio Doce e Banco do Brasilcresceram de maneira espetacular, especialmente a partir dos anos 1970, masisso não se aplica a todo o setor público);

os próprios burocratas contribuíram para essa antasmagoria ao armaremuma “divisão de tareas” (que não aconteceu na prática) segundo a qual oEstado assumiria a inraestrutura e o desenvolvimento social, além dos seto-

res sobre os quais exerce monopólio, enquanto o setor privado se ocupariade toda a indústria de transormação, construção, agropecuária, comércio, se-guros e serviços nanceiros, mas a lista de exceções a essas regras seria tãogrande que não az sentido azer essa divisão de tareas.

Qual a razão de tão enviesado debate?

Primeiramente se deve ressaltar a dierença em relação ao discurso antiestatalque aparece nesse período na Europa e nos Estados Unidos, e vem precedido de uma

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 justicativa teórico-intelectual prounda. Isso não aconteceu no Brasil e o debate estádisperso por revistas, textos de opinião e documentos de entidades de classe, cadaqual com o rigor que lhe é peculiar. Portanto, o debate é enviesado porque opera emum vazio de ideias.

Além disso, a discussão acerca da intervenção do Estado na economia se depara-

va com outro problema, que era o papel do capital estrangeiro: não se discutia o cará-ter especicamente nacional da empresa estatal e assim, ao azer a crítica das estatais,a oposição empresarial não questionava o tipo de relação que elas preconizavam como capital estrangeiro. Esse é um tópico sobre o qual o discurso antiestatizante simples-mente se omite em um silêncio revelador que nos indica a ragilidade do empresariadoperante o capital estrangeiro e perante o próprio Estado.

A campanha contra a estatização é o primeiro movimento amplo e politicamenteconsistente que se levanta contra o regime ditatorial-militar. Para compreender o queestá por detrás dele é preciso compreender uma transormação importante ocorrida

na estrutura interna do aparelho de Estado nos primeiros dez anos do governo dosgenerais. De orma sucinta, essa transormação decorre da orte expansão daquelestrês conglomerados (Vale, Banco do Brasil e Petrobras) durante os anos 1970 e doDecreto-Lei 200/1967, que criou a gura das sociedades de economia mista (empre-sas públicas com ampla autonomia e exibilidade operacional rente à administraçãodireta). Isso contribuiu para consolidar a metamorose do uncionário público em exe-cutivo de Estado e, de orma correlata, a conversão da repartição pública em empresapública, mas com uma lógica de atuação empresarial. Com recursos e ampla autono-mia operacional, essas empresas operam em uma cada vez mais agressiva lógica de

acumulação de capital, diversicação das áreas, tessitura de estratégia de inserçãointernacional, e uma perspectiva empresarial que ouscava o seu conteúdo propria-mente público.

A campanha contra a estatização az sentido como maniestação de um empre-sariado que se via à margem dos centros decisórios a partir da reorma administrativado governo Geisel: depois de 1974, a classe empresarial não dispõe de mecanismospara rear a competição desigual com as empresas estatais, que têm acesso irrestritoao crédito, não estão sujeitas à sanção do mercado (não vão à alência) e desrutam deisenção tributária.

Portanto, a campanha contra a estatização diz respeito mais à natureza autori-tária do regime que à intervenção do Estado na economia: o empresariado reclamade sua dependência em relação ao Estado e sua exclusão das altas instâncias deci-sórias. Do outro lado, a burocracia do Estado e seus principais articulistas percebemque estão diante de um ataque consistente e procuram legitimar seu poder invocandosua “missão” de ortalecer o setor privado, negando ou minimizando a expansão doEstado.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Expansão do Estado e a crise da dívida externaA expansão do Estado brasileiro é um dado complexo porque centraliza mecanis-

mos decisórios no Executivo ederal e ao mesmo tempo dispersa os mecanismos deexecução pelas empresas estatais e autarquias, que operam com crescente autonomia.

Em uma ormulação que descreve esse movimento de maneira precisa, Luciano Mar-tins (1985, p. 43) arma que

[...] a expansão recente do Estado se realiza através de um movimento integrado tanto por orçascentrípetas (concentração de recursos nanceiros, e de decisões normativas ao nível do governoederal) como por orças centríugas (agências relativamente independentes e/ou dotadas deautonomia relativa para a alocação desses recursos e aplicação dessas decisões).

Essa especíca combinação de concentração de recursos e dispersão de mecanis-mos de aplicação armou o Estado brasileiro com um poderoso aparelho de interven-ção econômica, permitindo ao regime ditatorial-militar a realização de um ambicioso

projeto: o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com o qual o governoGeisel pretendia corrigir desequilíbrios na estrutura produtiva brasileira, aproximan-do-a do paradigma então prevalecente nos países desenvolvidos: “A capacidade deimplementação de políticas e a própria organicidade do Estado permitem que o II PNDdena uma ambiciosa estratégia de investimentos, [...] com o propósito de [...] comple-tar internamente uma estrutura industrial moderna e autônoma” (FIORI, 1988, p. 14).

Nos anos 1970, assistimos ao auge e ao consequente início do declínio do de-senvolvimentismo. Para compreender esse processo é necessário articular as variáveisinternas e externas que contribuíram para seu esgotamento. O desenvolvimentismo

oi um modelo histórico pelo qual o Brasil se industrializou, cabendo ao Estado umaposição de destaque coordenando, planejando ou executando uma parte importantedo processo. Não por acaso, a crise do desenvolvimentismo tem nos aspectos externose internos de expansão do Estado um ator decisivo do seu esgotamento.

Os anos 1970 oram um período de transormações proundas na ordem inter-nacional construída após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em linhas gerais,assistimos na década de 1970 ao questionamento da supremacia norte-americanano campo tecnológico e comercial, bem como a resposta dos Estados Unidos com a

armação de sua hegemonia nanceira ao impor o dólar como reserva de valor nomercado internacional. Além disso, oi nesse período que a principal matriz energéticado capitalismo teve seu preço quadruplicado: “Os preços do petróleo moveram-se dopatamar histórico do pós-guerra, de US$3 o barril, para US$12 em 1974. Deste últimoano a 1978 permaneceram entre US$12 e US$15 para voltar a crescer novamente em1979, atingindo o pico de US$37 em 1979” (CARNEIRO, 2002, p. 53)1.

1US$: dólares norte-americanos.

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Ao nal da década de 1970, o mundo capitalista estava muito mais incertoquanto ao valor das moedas e menos otimista quanto ao crescimento econômicodo que estivera desde 1945. Na perieria do sistema, essas circunstâncias se tradu-ziam no echamento das linhas de nanciamento e em um muito elevado aumentodas taxas de juros, o que criou crescentes entraves para a manutenção do equilíbrionanceiro de países como o Brasil:

A década de 1980 oi, para os países da perieria capitalista, um período adverso, caracterizado peloque se convencionou chamar de crise da dívida. Nesses anos, ocorreu uma deterioração global dasituação econômica de tais países, [...] signicando para alguns países [...] a transerência de recursospara o exterior em razão do pagamento da dívida externa. (CARNEIRO, 2002, p. 115)

De que maneira a crise da dívida externa se instalou no Brasil? O II PND consti-tuiu a resposta brasileira ao recrudescimento das condições externas a partir da se-gunda metade dos anos 1970: ace a uma conjuntura crítica, o governo adotou umaestratégia para “transormar a estrutura produtiva, superar os desequilíbrios externose consolidar o papel do Brasil como potência intermediária no cenário internacional”

(CARNEIRO, 2002, p. 55). O sistema de crédito que nanciou todo o processo de in-dustrialização brasileiro, especialmente o crescimento posterior a 1968, oi organizadoem torno de instituições públicas (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico,Banco do Brasil), cabendo aos bancos privados nacionais o papel menor de repassa-dor de undos, provenientes do Estado ou de empréstimos externos. Assim, o nossocrescimento econômico posterior a 1968 não produziu um setor bancário domésticocapaz de atender à demanda de crédito de longo prazo. O nanciamento aos pesadosinvestimentos requeridos pelo II PND oi custeado pelo galopante aumento da dívidado país com o exterior. Ou seja, “o período central de estatização da dívida é, portanto,

o reerente ao II PND, que tem como protagonistas a empresa estatal e as inversõesem inraestrutura” (CARNEIRO, 2002, p. 95). É evidente que ninguém poderia preverum segundo choque do petróleo e o aumento das taxas de juros norte-americanas,duas variáveis decisivas para o echamento do nanciamento externo, que concate-naram, em 1979, as condições indutoras do descontrole das nanças públicas no país.Porém, e isso também é inegável, a política econômica de Geisel depositou uma con-ança ilimitada na abundância do nanciamento externo, não elaborando um planode ação alternativo ao m do crédito abundante e barato. Na verdade, a opção pelonanciamento externo era mais viável para o governo Geisel que uma ampla reorma

tributária, já que isso colocaria toda a sociedade brasileira em um tal nível de debateacerca do seu desenvolvimento que seria incompatível com as instituições do regimeautoritário.

Ao m da década de 1970, as condições para a crise já estavam colocadas: oEstado, que até então assegurava um substantivo grau de coordenação e controle daprópria ação, passou a não responder com a agilidade necessária aos eeitos desesta-bilizadores das condições internacionais. Perdeu-se a capacidade de renanciamen-to e ao mesmo tempo aumentou o descontrole dos instrumentos de aplicação desses

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

recursos. A amplitude do aparelho de Estado, que oi a condição para o êxito do pro- jeto desenvolvimentista, converteu-se, quando da retirada do nanciamento externo,na causa do seu racasso.

Plano Cruzado e hiperinfação na década de 1980

O Plano Cruzado oi a resposta da Nova República a dois temas cujo encaminha-mento pôs em xeque as bases de sustentação do regime ditatorial-militar: o poder decompra da moeda e a renda média do trabalhador. Pretendendo atuar nessas duasrentes simultaneamente (o que oi um dos principais atores do seu racasso), esseplano se inseriu em um quadro mais geral de estabilização da economia brasileira após1980, com o agravamento do cenário internacional (sobretudo com o segundo choquedo petróleo e o orte aumento nas taxas de juros pelo governo norte-americano). Adesorganização do modelo de desenvolvimento do governo dos militares se materia-

lizou em um pío desempenho do crescimento econômico (no plano produtivo) e nodescontrolado aumento dos preços (na esera nanceira).

Nova República

Nova República é o nome que se dá ao governo civil que tomou posse no Brasilem 1985, dando m ao ciclo de governos militares iniciado em 1964.

A alta dos preços – que no caso brasileiro se transormou em hiperinação no início

dos anos 1990 – resulta da combinação de determinantes estruturais e conjunturais. Areorma nanceira realizada pelo regime ditatorial-militar introduziu a gura dos con-tratos nanceiros indexados, cuja moeda de reerência – a Obrigação Reajustável do Te-souro Nacional (ORTN) – seria corrigida mensalmente a partir de um indicador de preçosinternos produzido pela Fundação Getúlio Vargas. Por esse ordenamento, há uma sepa-ração das unções elementares da moeda: enquanto a unção “meio de pagamento” eradesempenhada pelo cruzeiro (moeda corrente no Brasil à época), a unção “reserva devalor” cava a cargo dos contratos indexados pela correção monetária e cambial.

Um dos aspectos mais perversos da inação é que ela corrói o principal ativo das

classes populares – o seu salário. As camadas mais pobres da população são as quemais sorem com a inação porque apenas elas arcam com o custo do “imposto ina-cionário”: os empresários podem se proteger da inação nas aplicações nanceiras, eo governo detém o monopólio da emissão de moeda, de orma que pode sanar suasobrigações com novas emissões.

Em geral, a inação resulta de um desajuste entre oerta e procura de bens e ser-viços, ou pela emissão de moeda pelas autoridades monetárias.

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No primeiro caso, a origem da inação está na produção, pois, sempre que a de-manda or maior que a oerta, a reação dos vendedores será aumentar o preço dasmercadorias.

No segundo caso, a inação está relacionada com diculdades nanceiras dosetor público, que recorre à emissão de moeda para nanciar seus decits e produz um

excesso de oerta da “mercadoria” moeda, derrubando o seu valor.Um terceiro ator que causa inação é a indexação (ormal ou inormal) dos

preços, um círculo vicioso pelo qual os preços são reajustados a partir de um dadoíndice, que por sua vez passa a incorporar esse aumento e assim gera uma nova altade preços, agora indexada. Assim, os preços são aumentados hoje porque oram rea- justados ontem.

O Plano Cruzado oi o primeiro de uma série de planos de estabilização implemen-tados entre 1986 e 1994. Durante esse período, o Brasil trocou de moeda seis vezes e a

inação atingiu picos de 80% ao mês. É claramente um período de crise de um modeloe, ao mesmo tempo, de procura por alternativas que compatibilizassem crescimentoeconômico com o alto grau de demanda popular, típico do regime democrático quese instaurava no país.

Em linhas gerais, o Plano Cruzado consistiu na combinação de reorma monetá-ria, congelamento de preços e medidas visando atacar a indexação da economia. Foisurpreendente o seu impacto nos primeiros meses: o índice geral de preços ao consu-midor, que registrava uma variação de 15%; 13,2%; 17,8% e 22,4% nos quatro mesesanteriores ao plano (nov. 1985/ev. 1986) passou para 5,5 %; –0,6%; 0,3%; 0,5% nos

quatro meses seguintes (mar./jun. 1986). Os dividendos políticos oram imediatos:

A percepção avorável quanto às perspectivas oi substituída pela conança no uturo, materializando,na população, a mais rápida e prounda alteração de humor recentemente vericada. [...] Figurasdo antigo regime desculpavam-se por não terem tido ideia semelhante, admitindo que o governoanterior não dispunha de credibilidade necessária para implantar política tão audaciosa. (AVERBURG,2005, p. 223)

Além de atacar a queda do poder de compra da moeda, o Plano Cruzado procu-rou elevar a renda real dos trabalhadores.

Como o primeiro de uma série de planos de estabilização econômica, ele inaugu-rou uma série de problemas cuja resolução só seria denitivamente amadurecida como êxito da estabilização, em 1994: um dos pontos mais críticos do Plano Cruzado oiexatamente a inexistência de quaisquer mecanismos de controle do decit público –mais que isso, nem se considerava a questão scal como correlacionada ao problemada inação. Essa percepção vai tomando orma ao longo das tentativas de estabiliza-ção e se torna consensual na classe política somente na segunda metade da década de1990, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Outro ator importante para o racasso do Plano Cruzado oi a correlação de orçasque o sustentava. Tão logo estabelecido um meio circulante em valores estáveis, e au-mentados os salários, a reação da população oi a transerência dos ativos que estavamna poupança para o consumo, causando uma explosão de demanda:

O governo tentou convencer a população de que, por exemplo, a caderneta de poupança nãohavia perdido rentabilidade e de que os antigos elevados índices de valorização eram ilusórios,

pois apenas reetiam a inação. [...] Reagindo de maneira inversa à imaginada pela maioria dosobservadores [...] a população transormou-se em um consumidor quase compulsivo. (AVERBURG,2005, p. 224)

As razões do racasso do plano estão relacionadas ao congelamento: a euoriaque o sucedeu ez com que a “parte política” (especialmente o presidente José Sarney)relutasse em aboli-lo e a medida perdia consistência:

Estava claro para todos aqueles (economistas) envolvidos na implementação do programa que ocongelamento não poderia durar muito tempo, porque até mesmo razões climáticas – por exemplo, aredução da oerta de verduras na estação seca – ou o aumento do preço internacional de um produtoimportado qualquer requereriam algumas mudanças nos preços relativos. (PIO, 2001, p. 37)

Tão ou mais importante que as distorções técnicas era a articulação de interes-ses sociais que estava em jogo por meio do plano: as medidas iam muito além daestabilização dos preços; os seus mecanismos distributivos aetavam enormementea apropriação da riqueza social, e isso cou claro quando o investimento e a produ-ção não cresceram em proporção correlata ao consumo – o congelamento não per-mitiu que o sistema de preços contraísse o consumo e em alguns meses começou odesabastecimento.

Desse modo, uma adequada compreensão do Plano Cruzado deve levar em contaque ele não abrangia reormas de proundidade, que abrissem horizontes para umnovo modelo de crescimento econômico.

Texto complementar

Infação

(ABREU, 2001)

A inlação caracteriza-se pelo aumento contínuo e sistemático dos preçosdos bens e serviços da economia, isto é, a moeda perde o seu valor pois, com amesma quantidade de moeda, obtém-se ao longo do tempo uma menor quan-tidade de bens e serviços. Como entender uma inlação crônica, como a brasi-leira, sem compreender como o Banco Central aumenta o estoque de moeda naeconomia? Na teoria da inlação inercial, é a inlação que gera a própria inlação.

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O Banco Central teria um comportamento passivo, sem nenhuma inluência nadinâmica da inlação.

É bem verdade que nas economias latino-americanas a política monetária nospaíses com longa tradição inacionária tem sido passiva, mas a razão dessa passivi-dade é a obrigação do Banco Central de nanciar de maneira sistemática uma par-

cela signicativa do decit público. Quando a receita scal e a colocação de títulospúblicos não é suciente para nanciar as despesas do governo, o Banco Centralemite moeda para nanciar o decit remanescente. Na primeira metade da décadados anos 1980, a emissão de moeda nanciou um decit scal de 2-3% do ProdutoInterno Bruto (PIB) brasileiro. Por que a sociedade usa este mecanismo, em vez dedeixar para o Banco Central a tarea de preservar o valor da moeda, como azemoutros bancos centrais do mundo?

Essa pergunta pode ser respondida analisando-se o verdadeiro conito distri-butivo entre vários grupos das sociedades latino-americanas, que procuram usar oEstado para apropriar-se de renda de outros grupos da sociedade. A redução do decit  poderia ser eetuada através de aumento dos impostos ou de diminuição dos gastos,ou por uma combinação dos dois. Todavia, os contribuintes alegam que estão pagan-do impostos demais, enquanto aqueles que se beneciam dos gastos do governo ar-gumentam que estão recebendo menos do que deveriam. Como diz o ditado popular,a corda termina rebentando do lado mais raco, pois o imposto inacionário, que é acontrapartida da emissão de moeda, termina sendo pago pelas classes menos avore-cidas, que não estão devidamente representadas nos órgãos de decisão política nemtampouco dispõem de recursos para se organizarem na reivindicação de seus interes-

ses. Usando-se o jargão do economista, a razão para a solução do conito distributivoatravés da emissão de moeda é uma alha no mercado político, que não está devida-mente organizado para impedir que grupos com maior poder de inuência no proces-so decisório explorem os grupos menos avorecidos da sociedade. As instituições deum país, como o Banco Central, são produto de escolhas e decisões da sociedade. Elasnão existem num vazio, mas suas unções e atribuições dependem do contrato implí-cito entre os diversos grupos que inuenciam as decisões políticas da sociedade.

Atividades

A ocorrência de um crescimento econômico acelerado, acima da média mundial,1.logo após a radicalização das medidas autoritárias do regime ditatorial-militar

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

pode sugerir uma relação de causalidade entre decisões políticas (no caso, o ar-rocho salarial) e um dado resultado econômico (o crescimento econômico acele-rado). Qual é o problema desse tipo de relação?

Durante a segunda metade da década de 1970, a classe empresarial deagrou2.uma campanha relativamente organizada contra a participação do Estado naeconomia. Os empresários que acusavam o Estado de se expandir e os burocra-tas do governo se deendiam armando que essa expansão era em avor dosempresários. Por que esse é um also debate?

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A partir do nal dos anos 1980 o Brasil conheceu o enômeno que os econo-3.mistas chamam de hiperinação. No último mês do governo de José Sarney, ainação estava na casa de 86% ao mês. Explique o que é o imposto inacionárioe como ele aeta a distribuição da riqueza no país.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o    d   e   s   e   n

   v   o    l   v    i   m   e   n   t    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Ampliando conhecimentos

BEYOND Citizen Kane (1993), documentário de Simon Hartog.

Aborda a constituição da Rede Globo, desde o rompimento da parceria com o

grupo norte-americano Time Warner, até a edição parcial do debate no segundo turnodas eleições presidenciais. A exibição do lme está em litígio judicial, mas é possívelassistir nas redes eletrônicas Youtube e Google Videos.

HISTÓRIA DO PODER: ECONOMIA E POLÍTICA. Disponível em: <www.camara.gov.br/in-ternet/tvcamara/deault.asp?selecao=MAT&Materia=38462>.

Quinto episódio de uma série, este documentário aborda a industrialização comoestratégia de substituição de importações no governo Vargas, o Plano de Metas de JK, omilagre econômico do regime ditatorial-militar, os planos de estabilização da inação.

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Economia e política

no neoliberalismo brasileiro

Lucas MassimoO mundo econômico é realmente, como pretende o discurso dominante,

uma ordem pura e pereita, desenvolvendo implacavelmente a lógica

das suas consequências previsíveis [...]? E se isto não osse, na realidade,

mais do que o colocar em prática uma utopia, o neoliberalismo,assim convertida em programa político, mas uma utopia que, com

a ajuda da teoria econômica de que se reclama, se toma por uma

descrição cientíca do real?

Pierre Bourdieu

Até recentemente, a palavra neoliberalismo era um código inevitável nas manies-tações contra a administração do presidente Fernando Henrique Cardoso. O inusitadoera que, ao mesmo tempo em que as oposições o acusavam de neoliberal, o governorotulava como tal as recomendações de organismos internacionais, como o Fundo Mo-netário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Banco Internacional para o Desenvol-vimento – Bird), bancos regionais de desenvolvimento e outras agências vinculadosà Organização das Nações Unidas (ONU). Na perspectiva governamental, a acusaçãoera injusta, porque boa parte das políticas recomendadas por esses organismos oramdeixadas de lado, ao passo que para a oposição a agenda da administração ederal eradeterminada por essas instituições.

Esse é um dado importante para compreendermos o conjunto de enômenosdescritos pelo conceito de neoliberalismo: ele invariavelmente remete para as relações

entre o plano nacional e a esera internacional.Aqui surge a primeira diculdade: onde acontece o que estamos estudando? No

contexto nacional ou no exterior? Qual é a base territorial dos processos políticos eeconômicos conhecidos como neoliberalismo? Não há uma resposta objetiva paraessas questões, pois tais processos acontecem no contexto nacional de um dado país,mas ao mesmo tempo respondem a constrangimentos que vêm de ora. Não é poroutro motivo que as transormações conhecidas como reormas neoliberais ocorremem vários países da América Latina, no Sudeste Asiático, nos países do Leste Europeu

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

e até mesmo em alguns países da Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE), a sigla que reúne as economias mais desenvolvidas na atualidade.

A segunda diculdade é determinar quando acontece o que estamos estudando.Essa questão quase decorre da anterior: acontecendo em dierentes contextos, as re-ormas a que chamamos neoliberais têm uma temporalidade que varia muito conor-

me a situação concreta (com temporalidade nos reerimos tanto ao momento em queelas se iniciam como à sua duração). No caso brasileiro, genericamente se consideraque tais reormas ocorreram na década de 1990. Mas aí se trata de um caso nacional,dizendo pouco sobre as mudanças situadas no plano internacional. Em nível global,essas mudanças têm início no nal dos anos 1970 e assumem um colorido mais nítidocom a queda do muro de Berlim, em novembro de 1989.

Porém, que reormas são essas, anal? De maneira sumária, acompanhamos Sebas-tião Velasco e Cruz quando ele nos indica que o cerne dessas reormas é composto por

1) abertura comercial e cambial; 2) liberalização nanceira; 3) liberalização de preços e salários; 4)liberalização do regime de investimento estrangeiro; 5) privatização; 6) reorma tributária; 7) reormada seguridade social (especicamente do sistema de aposentadoria); 8) reorma das relações detrabalho (CRUZ, 2004, p. 49).

Esse conjunto de diretivas resume de maneira satisatória o suprassumo das reor-mas neoliberais. Mas isso não esgota nossa questão – o que é o neoliberalismo? Essesoito itens padecem do mesmo problema: acontecem em contextos distintos e comtemporalidades muito dierenciadas.

Então, a maneira adequada de introduzir o tema é se perguntando:

De que orma se pode converter um conjunto relativamente amplo de medidasem um objeto de conhecimento especíco?

Qual a possibilidade cognitiva do tema do neoliberalismo?

Para responder a isso é necessário reetir sobre o ator de unidade que atravessatransormações tão díspares no espaço-tempo.

O artiício lógico com o qual unicamos a compreensão das reormas, o o condu-

tor que dá sentido a todas elas são as transormações vericadas no âmbito do Estadodurante os anos 1980. Ao cabo dessa década, em vários países se consolidou a percep-ção de que a unção do Estado como coordenador do desenvolvimento econômicochegou ao limite. Aos poucos, oi se disseminando entre as elites políticas e econô-micas dos países ricos a ideia de que a livre interação dos agentes privados – e não apresença do Estado – az os recursos serem distribuídos de maneira mais eciente. Porisso o termo liberalização se repete entre os tópicos listados acima:

Em um curto lapso de tempo opera-se uma reviravolta no discurso econômico [...] Nessa nova

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versão, o Estado não aparece mais como órmula salvadora, mas como parte essencial do problema.Ao intererir nas operações do mecanismo de preços o Estado é guiado pelos impulsos rentistasdos grupos sociais (aí incluídos seus dirigentes e sua burocracia) sucientemente poderosos paraimpor o atendimento de suas demandas de proteção, subsídio, avorecimento em contratos deornecimento, entre outras benesses. (CRUZ, 2004, p. 46)

Desse modo, temos que a unicação da narrativa sobre transormações ocorridas

em todo o mundo capitalista se dá pelo “trânsito entre um ponto inicial – economia pro-tegida mais Estado intervencionista – e um ponto nal – Estados comprometidos com o

objetivo de uma economia de livre mercado” (CRUZ, 1998, p. 22). As reormas neoliberais

são, nesse aspecto, orientadas para o mercado e a sua complexidade decorre do ato de

o Estado ser, ao mesmo tempo, agente reormador e objeto da reorma.

Veremos de que maneira isso aconteceu no Brasil durante os anos 1990.

O Plano Real e o programa de ajustes estruturais

No Brasil, o processo de implantação das reormas neoliberais oi muito amplo,

aetando de maneira decisiva a estrutura socioeconômica. Tratava-se de atualizar o

modo de produção capitalista brasileiro em relação aos novos parâmetros vigentes no

plano internacional desde o nal dos anos 1970. Isso envolveu a recomposição de toda

a malha empresarial brasileira, uma mudança nos hábitos de poupança e consumo da

população e claro, a redenição da estratégia de inserção da economia brasileira no

mundo globalizado.

O Plano Real oi uma etapa decisiva nesse processo e a exata compreensão de seusignicado político deve partir da ideia de que ele é uma etapa decisiva, mas apenas

uma etapa de um processo maior. Essa etapa oi um plano de estabilização econômica,

um conjunto de medidas para eliminar a desvalorização da moeda nacional e sanear

as contas públicas. Tais medidas se inserem em uma concepção geral acerca daquele

processo mais amplo de ajuste da economia brasileira, de modo que o Plano Real é

inormado por essa concepção, mas não se esgota nela.

Desde 1986, as autoridades monetárias brasileiras lutavam contra a generalizada

e descontrolada elevação dos preços. No início dos anos 1990, o cenário ainda era mar-cado por grande aumento – em janeiro, evereiro e março de 1990, o Índice Nacional de

Preços ao Consumidor (INPC) registrou elevações de 68,19%; 73,99%; 82,18% ao mês

– e por uma série de medidas desastradas que visavam a conter a espiral inacionária.

Último de uma série de planos de estabilização que buscavam eliminar a inação

brasileira, o Plano Real oi um conjunto de medidas dispostas em três etapas:

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

ataque ao decit scal;

m da memória inacionária;

emissão de uma nova moeda.

Para eliminar o decit scal primário do setor público brasileiro, evitando que o

Estado tivesse despesas superiores às suas receitas, as medidas tomadas oram o Planode Ação Imediata (PAI), de 14 de junho de 1993, e o Fundo Social de Emergência (FSE),de 1.º março de 1994.

No documento do PAI se demonstra como o décit scal era o principal respon-sável pelos problemas que estavam aetando a economia brasileira, e ainda se armaque a reorganização nanceira e administrativa do setor público brasileiro era umaquestão de “salvação nacional”. Diz o documento:

o Brasil só consolidará sua democracia e rearmará sua unidade como nação soberana se supe-

rar as carências agudas e os desequilíbrios sociais que inernizam o dia a dia da população;a dívida social só será resgatada se houver ao mesmo tempo a retomada do crescimento autos-sustentado da economia;

a economia brasileira só voltará a crescer de orma duradoura se o país derrotar a superinaçãoque paralisa os investimentos e desorganiza a atividade produtiva;

a superinação só será denitivamente aastada do horizonte quando o governo acertar a de-sordem de suas contas, tanto na esera da União como dos estados e municípios;

e as contas públicas só serão acertadas se as orças políticas decidirem caminhar com rmezanessa direção, deixando de lado interesses menores. (PROGRAMA..., 1993)

Ao apresentar o saneamento como uma questão de salvação nacional, o governoapontava para a diculdade maior do programa de estabilização, que era exatamenteazer cortes nos gastos públicos em uma sociedade tão calejada pela inação. Objeti-vamente, o PAI sugeria as seguintes medidas:

corte e maior eciência de gastos;

recuperação da receita tributária;

m da inadimplência de estados e municípios em relação às dívidas com a União;

controle e rígida scalização dos bancos estaduais;

saneamento dos bancos ederais;

privatização. (PROGRAMA ..., 1993)

Já o objetivo do Fundo Social de Emergência, que era a segunda medida para aeliminação do decit scal, oi dissolver uma vinculação estabelecida pela ConstituiçãoFederal de 1988, que obrigava o Estado a gastar uma determinada quantia das suasreceitas com áreas como saúde, educação, seguridade social etc. – eram as chamadasreceitas vinculadas. Eliminando essa vinculação, o FSE permitiu que o governo aplicas-

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se esses recursos em outras áreas – o que oi uma medida essencial para o êxito doPlano Real.

Fundo Social de Emergência

Houve críticas à designação Fundo “Social” de Emergência, quando seu obje-

tivo na verdade nada teria de social: tratava-se simplesmente de desengessar umpouco o orçamento para o governo poder dirigir mais recursos para seus programas,ossem eles sociais ou não. A verdade, admito, é que o denominamos “social” paraacilitar sua aprovação pelo Congresso. (CARDOSO, 2006, p. 153)

Sanado o decit público, que causava o desajuste estrutural da economia, a tareaera desarmar o esquema de reprodução da espiral inacionária.

Defcit Público

Os bancos ociais emprestavam e não sabiam se ganhavam ou perdiam, oque pouco importava, já que a inação gerava resultados ctícios nos balanços [...]Governava-se às cegas e na desordem. O Congresso imperava na ilusão econômica:para prometer acima do que podia entregar bastava aumentar um pouco a taxa deinação esperada e gerar no orçamento bilhões em recursos inexistentes, como seos parlamentares ossem [...] moedeiros alsos. (CARDOSO, 2006, p. 142)

A segunda etapa do plano consistia na criação de um padrão estável de valor, e

para isso o mecanismo adotado oi a chamada Unidade Real de Valor (URV). As ten-tativas de reorma da moeda realizadas até então procuravam eliminar a inação pormeio do congelamento temporário dos preços, uma solução que se mostrou inecaz,pois os agentes apenas retardavam o repasse das perdas de poder aquisitivo para onovo padrão monetário. Além disso, o congelamento era uma medida articial quenão levava em conta o comportamento eetivo da população que produzia e compra-va: com a sua pretensão de eliminar a inação por decreto o governo esbarrava em umceticismo generalizado entre os agentes econômicos e cujo undamento se relaciona-va com a completa anomia no setor público.

A novidade com a URV oi que, sem articialismos, o governo procurou eliminar ainação acatando os mecanismos de mercado. Instituída em 27 de evereiro de 1994,a URV teve seu valor xado em 647,50 cruzeiros reais1 – o valor do dólar naquele dia.A partir de então, a URV era corrigida diariamente, mediante regras determinadas pre-viamente e inormadas para a população com transparência e previsibilidade. A ideiaera oerecer uma unidade de cálculo alternativa ao meio circulante sem utilizá-la como

1Cruzeiro real: moeda corrente no Brasil entre agosto de 1993 e julho de 1994.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

meio de pagamento: as pessoas eetuavam as transações em cruzeiros reais, masa unidade de cálculo era a URV. Na prática, era como se houvessem duas moedassimultaneamente: as pessoas poderiam ignorar a URV e continuar realizando seuscálculos em cruzeiros reais, ou adotar a moeda virtual, cuja vantagem era a de nãose desvalorizar como a moeda convencional. O estratagema consistia exatamenteem manter a URV como unidade virtual, alterando apenas as expectativas que man-

tinham a memória inacionária:

Em outras palavras, a URV servia apenas como unidade contábil, já que ela nunca oi impressa, nãoserviu nem como reserva de valor, tampouco como meio de troca. A crença da equipe econômica erade que quando predominassem as expectativas de que os contratos convertidos em URV estariamcompletamente protegidos contra a inação, o real poderia substituir a URV com segurança. (PIO,2001, p. 44)

A introdução do real, que oi a terceira etapa do plano, ocorreu em 1.º de julho de1994. No dia anterior, a URV oi cotada em 2.750,00 cruzeiros reais, sendo esse o valorde conversão para o real (R$1,00 = CR$2.750,002). O acúmulo de reservas, a renego-

ciação da dívida externa e o m da moratória permitiram que o governo mantivessea nova moeda mais valorizada que o dólar. A partir de então, o Plano Real e as suasmedidas de estabilização econômica tiveram êxito inequívoco. O Índice de Preços aoConsumidor (IPCA), que aere o custo de vida para amílias com renda mensal entre1 e 40 salários-mínimos, acumulou uma inação total de 258,47% nos seis meses an-teriores ao plano e 17,37% nos seis meses seguintes. A inação média dos 36 mesesanteriores cou em 29,80% ao mês; três anos depois da nova moeda, essa média oi de1,44% ao mês.

Moratória: disposição legal que prevê a suspensão dos pagamentos devidosa credores internacionais, quando um país se encontra em circunstâncias excepcio-nais, como guerra, grande calamidade, grave crise econômica etc. (HOUAISS,2002)

O estilo tecnocrático de gestão

e o pacto político conservadorA estabilização monetária brasileira oi um eito heroico. A variação dos preços de

bebidas e alimentos, vericada pelo IPCA, dava conta de um aumento de 52,15% em julho e 0,13% em setembro de 1994. Por que esse resultado não oi alcançado antes?

O êxito do Plano Real é o triuno de uma concepção sobre o uncionamento da

2R$: real.CR$: cruzeiro real.

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economia brasileira. O ulcro dessa concepção sugere que a causa da inação é o decit  do setor público.

Em outra concepção sobre o uncionamento da economia brasileira a inaçãoresulta de um conito distributivo e poderá ser sanada somente com distribuição derenda.

A concepção que prevaleceu no Plano Real entende que a distribuição de renda éum problema na economia brasileira, mas não é a causa da inação, porque seria pos-sível reproduzir o mesmo padrão distributivo com estabilidade monetária. Para essaconcepção, as tentativas de redistribuir renda aumentando o gasto público só aziamaumentar a inação.

Desde que a equipe econômica responsável pelo Plano Real oi reunida, emmeados de 1993, oi absolutamente necessária a ormação de um grupo echadoem torno da ideia de que a causa da inlação era o deicit público, um grupo técni-

co irredutível às pressões distributivas que se colocavam sobre o sistema políticocomo um todo e sobre a política econômica em particular. Dessa maneira, o PlanoReal pôde conter a inlação implementando uma agenda de reormas estruturaismais ou menos organizada em torno dessa concepção, cujo núcleo coincide comuma estratégia de ajuste sequencial organizada em três etapas:

equilíbrio macroeconômico – aqui entendido como superávit scal primário(quando o conjunto das receitas do governo é maior que o conjunto de suasdespesas), controle da inação e uma dívida pública administrável;

realização de reormas estruturais – abertura comercial, liberalização nancei-ra, desregulamentação dos mercados domésticos e privatização das empresasestatais;

retomada do crescimento econômico pela reinserção do país nos uxos de ca-pitais nanceiros característicos da era da globalização nanceira (FIORI, 1997,p. 12).

Se pudéssemos resumir a mensagem por detrás dessas ases, ela certamente indi-caria um esorço muito grande da parte do Estado para conter seus gastos, um período

de desaquecimento econômico e desemprego de parte da sociedade, e então, após olongo tempo das vacas magras, a entrada para o rol dos países com economia globali-zada, colhendo os rutos da contenção.

Assim, o programa de estabilização da economia brasileira seria incompleto semum programa de reormas estruturais, que seria apenas a primeira ase da estratégia deajuste sequencial recomendada por organismos como o FMI e o Bird.

As reormas estruturais implicariam a manutenção da equipe econômica que pro-

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

 jetou o Plano Real, pois somente ela saberia dimensionar adequadamente a verdadeiraextensão do programa de estabilização monetária, apenas um grupo de técnicos con-victos quanto ao resultado do programa em médio e longo prazo poderia implementaruma agenda com conhecidos eeitos econômicos e sociais de natureza perversa. Issoexplica o esvaziamento do debate em torno do projeto de desenvolvimento brasileiro,como se o questionamento dessa estratégia de ajuste implicasse, necessariamente,

retomada da inação.

De que orma oi possível viabilizar essa agenda no Brasil? Aqui retomamos aunção desempenhada pelo Plano Real: a inação oi uma chaga terrível na sociedadebrasileira desde meados dos anos 1980 e as várias tentativas de debelá-la asseguraramao grupo encabeçado por Fernando Henrique Cardoso o capital simbólico necessáriopara assegurar o apoio parlamentar a um projeto extremamente antipopular.

Portanto, no plano do discurso, as alternativas à coalizão encabeçada por FHC sãodesqualicadas como adversárias da estabilização: somente a razão pragmática, que

se permitiu preterir demandas distributivas, pôde azer a leitura adequada da nova eraglobalizada. Rapidamente se ormou na cena política nacional uma clivagem entre osdeensores da estabilidade monetária e da austeridade scal de um lado e, de outro, osinimigos da modernidade, deensores de valores obsoletos que, no Brasil, redundaramno Estado perdulário e na inação.

No plano das práticas, essa coalizão cristalizou um ordenamento institucional quesubordinou todos os ramos do aparelho de Estado às instituições responsáveis pelapolítica econômica. A consolidação de um modelo de austeridade scal teve seu mo-mento mais importante quando da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que

transormaria um dos princípios de gestão do governo em norma legal, aplicável naseseras municipal, estadual e ederal. A reestruturação do aparelho de Estado brasileiroprocurou imprimir princípios de administração empresarial à máquina pública, redu-zindo o corpo de uncionários a uma elite técnica superespecializada.

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)

Aprovada como lei complementar em 4 de maio de 2000, estabelece normas s-cais voltadas para a austeridade nos recursos públicos, com três tipos de normas

metas gerais para indicadores scais;

mecanismos corretivos no caso de não cumprimento das metas;

sanções para o não cumprimento.

A LRF prevê detenção de até quatro anos para governantes que contraírem dé-bitos sem autorização do Poder Legislativo, assumirem compromissos de despesa

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não prevista no orçamento ou aumentarem despesas com pessoal nos últimos 180dias do mandato.

O estilo tecnocrático de gestão não admite oposição: ele se apresenta como oexclusivo acesso aos mercados globalizados, o caminho técnico para a modernização

do parque industrial brasileiro. A par disso, não concebe o conito distributivo comoum problema do Estado – no máximo, a desigualdade social pode ser amenizada porpolíticas que ocalizam os chamados grupos vulneráveis, a parte da população subme-tida à miséria absoluta, mas esse não é um tema prioritário na política econômica doEstado brasileiro.

Assim, a elite econômica que concebeu o Plano Real revela uma incapacidadepara lidar com o contraditório, com uma oposição a si mesma – característica que a ezconveniente para o consórcio de grupos políticos ormados em torno da candidaturade Fernando Henrique à presidência da República: a agenda de reormas estruturais

implementada durante os dois governos de Fernando Henrique promoveu mudançassignicativas no arranjo no modelo de acumulação capitalista brasileiro. Essas mudan-ças só oram possíveis mediante a neutralização de grupos políticos vinculados a orga-nizações das classes trabalhadoras e movimentos populares.

Agora não alamos mais no Plano Real apenas como conjunto de medidas des-tinadas a eliminar a inação no Brasil. A vinculação necessária entre a estabilizaçãomacroeconômica e o programa de ajuste estrutural recomendado pelos organismosinternacionais é, ela mesma, um item da estratégia de ajuste sequencial. É preciso ter

claro que a manutenção da estabilidade macroeconômica é um produto político e,como tal, poderia ter sido alcançada de outras maneiras caso ossem outras as corre-lações políticas internas do consórcio governista. Em outras palavras, a apresentaçãodesse resultado como um requisito técnico az parte do discurso vencedor no pleito de1994, e não é uma determinante inexorável do capitalismo globalizado.

Abertura da economia e vulnerabilidade externa:

uma estratégia de inserção subordinadaà economia internacional

De que maneira a implantação do programa neoliberal aetou a organização dasclasses sociais no Brasil? Vejamos inicialmente o nível de abstração em que essa ques-tão se situa. Estamos lidando com um processo de atualização das regras de todo um

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

sistema produtivo em relação aos novos parâmetros internacionais e, como nos indicaCruz (2004, p. 55), “Embora envolvam, em seu início, um ato de vontade expresso pelasmais altas autoridades, reormas econômicas não são obras de governo: elas se ali-mentam do agir descentralizado de um sem-número de agentes econômicos e dasestratégias perseguidas por atores políticos e sociais”.

Ao longo da década de 1990, sobretudo após a estabilização promovida peloPlano Real, as políticas de abertura comercial oram ampliadas, reduzindo tarias adu-aneiras para produtos importados e expondo a estrutura industrial brasileira à concor-rência internacional. Os resultados oram substantivos: durante os anos 1990, assisti-mos ao movimento de desindustrialização na economia brasileira, desnacionalizaçãoda estrutura patrimonial e concentração de capital.

A desindustrialização é percebida no decréscimo da participação da indústriana produção total do país, além de alterações na estrutura produtiva, com odesaparecimento de importantes elos da cadeia industrial e orte aumento no

índice de componentes importados na produção doméstica.

A desnacionalização é um aumento na presença do capital estrangeiro nopaís, principalmente pela recomposição patrimonial, com usões e aquisiçõesde parte das subsidiárias das empresas estrangeiras instaladas no país.

A concentração de capital aconteceu mediante o desaparecimento das pe-quenas e médias empresas em avor da prolieração de grandes conglomera-dos empresariais.

Quais as consequências dessas mudanças na estrutura econômica? Elas têmalgum eeito político?

A principal consequência da desindustrialização é o desemprego, e com a desna-cionalização os centros decisórios das estratégias de expansão das empresas instala-das no país situam-se no exterior. Isso implica aumento da dependência econômica dopaís para com as sedes das empresas, o que cou nítido nos casos de disputas entreestados brasileiros pela instalação de ábricas de veículos, competindo entre si comisenções scais ao setor automobilístico. No terceiro aspecto – a concentração de capi-tal –, temos um aumento na desproporção das condições de negociação entre capital

e trabalho, com nítido beneício para o capital.Mas a abertura comercial representa apenas uma parte das políticas neoliberais

para o Brasil. O ulcro dessas políticas sem dúvida reside nos juros elevados, que orama principal medida adotada pelo governo com o m de atrair capitais para o Brasil du-rante a minguante do ciclo de privatizações. A política de juros altos é um mecanismomuito sutil de desaquecimento da economia, pois eleva o valor da mercadoria dinhei-ro: no lado do consumo, as amílias têm o gasto inibido, porque é mais atrativo pouparpara azer aplicações nanceiras (cuja remuneração varia conorme a taxa de juros); no

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lado da produção, são desestimulados os investimentos em produção porque há umatendência à queda no consumo e sobretudo porque a remuneração dos títulos pagospelo governo oerece ganhos muito mais expressivos que as atividades produtivas.

Assim, transerem-se recursos reais do circuito do capital produtivo (produção econsumo) para o circuito nanceiro (especulação), em uma recomposição da riqueza

social em avor das nanças.A necessidade de se valer de taxas de juros elevadas é a principal característica

da política neoliberal nos países periéricos, com boa remuneração para os títulos no-meados em moedas não conversíveis, isto é, moedas de países com histórico de de-sorganização nas contas públicas ou com problemas de pagamento da dívida externa.O princípio é que, ao direcionar os recursos para esses países, os investidores estãocorrendo riscos maiores e portanto tais países situados na perieria do sistema devempagar um prêmio de risco para esses investidores.

São unestas as consequências dessa política sobre países como o Brasil: a naçãoca vulnerável a movimentos de saída de capital, que podem ocasionar uma deban-dada geral entre os demais investidores e, havendo uma retirada brusca de capital, opaís pode se ver desprovido de reservas internacionais, o que implica diculdade paramanter a moeda valorizada rente ao dólar, com consequente aumento do risco de in-ação (lembremos que uma das principais políticas anti-inacionárias é precisamentea valorização da moeda rente ao dólar). Para atrair os investidores, o Banco Centralprecisa elevar a taxa de juros, desaquecer a economia e ainda arcar com o aumento dadívida pública, pois o serviço da dívida ca mais elevado com os juros elevados. Essetipo de círculo vicioso não existe apenas em um país, de modo que todos os paísesestão sujeitos aos chamados eeitos de contágio – oi o caso do México em 1995, doSudeste Asiático em 1997 e da Rússia em 1999.

Considerações naisAs consequências do neoliberalismo são um objeto de reexão complexo porque,

mesmo não tendo um espaço-tempo denido, tais consequências são muito signica-

tivas sobre o espaço nacional, tanto em termos de vulnerabilidade das políticas econô-micas nacionais aos uxos de capital especulativo como no arranjo das orças políticase das classes sociais.

Eetivamente, trata-se de um novo modo de regulação da atividade capitalista,com amplo predomínio do mundo das nanças sobre o mundo da produção. Comovimos, esse não é um processo puramente técnico – apesar de, em determinadas situ-ações, assim se apresentar. Seu teor político se revela nos impactos sobre os arranjosde poder em determinados países.

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

Esse oi o caso do Brasil durante os anos 1990: o país substituiu uma inação in-controlável por uma dívida pública impagável como eeito dos mecanismos de contá-gio da era do capitalismo globalizado. Assim, a política de organização das nanças go-vernamentais oi prejudicada pela vulnerabilidade aos uxos de capitais especulativos.A principal dierença é que naquele momento o país havia acatado as recomendaçõesde organismos como o FMI, que compareceram com empréstimos vultuosos a partir

da segunda metade dos anos 1990.

Texto complementar

A indústria nacional

(CRUZ, 1998, p. 5)

“Comigo mesmo, virou reexo condicionado a proteção à indústria nacional eà substituição de importações. Mas somente burro é que não aprende com o tempoe não muda de ideia [...] Que resultados houve para nós, o povo, a proteção? Que eume lembre nenhum, a não ser a produtos ultrapassados e de segunda categoria, apreços mais altos que lá ora, desprezo pelo consumidor, e um parque empresarialtornado obsoleto pela desnecessidade de investir em modernização, pela docilida-de de um mercado cativo, e pela acilidade de transerir custos crescentes para ospreços”. Ao se maniestar assim, o romancista João Ubaldo Ribeiro estava expres-

sando muito mais do que uma opinião pessoal. Com eeito, ao cabo de mais umadécada de crise, sujeito a sistemático ataque, o consenso produzido nos anos 1950em torno da ideia de desenvolvimento como objetivo nacional prioritário e da con-vicção de que a montagem de um sistema industrial integrado era o único meio dealcançá-lo parece ter sido destruído.

Atividades

De que orma podemos identicar etapas distintas de processos mais comple-1.xos acerca da implantação das reormas neoliberais no Brasil durante os anos1990? Qual a validade desse exercício?

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Qual era a principal clivagem da economia política da estabilização macroeco-2.nômica do Brasil na primeira metade da década de 1990?

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    E   c   o   n   o   m    i   a   e   p   o    l    í   t    i   c   a   n   o   n   e   o    l    i    b

   e   r   a    l    i   s   m   o    b   r   a   s    i    l   e    i   r   o

A abertura comercial produziu uma entrada de bens importados no Brasil. Que3.eeitos essa medida teria sobre o comportamento do emprego? Considere ascontrapartidas desses eeitos em sua resposta.

Ampliando conhecimentos

CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política: a história que vivi. Rio de Ja-neiro: Civilização Brasileira, 2006.

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Gabarito

A ormação do Estado no Brasil

A denição precisa do objeto e o conhecimento aproundado das teorias de1.ciência política relacionadas a ele são duas técnicas imprescindíveis.

A denição do objeto é necessária para a seleção de períodos e eventos-chavepara a sua indagação, evitando que a pesquisa perca o oco.

O conhecimento das teorias ajuda a pesquisa na medida em que ornece aopesquisador erramentas conceituais e metodológicas, acilitando a obtençãode respostas pertinentes para as questões que surgirem.

A teoria marxista trata a ormação do Estado como uma variável dependente,2.na medida em que o aparelho de Estado e lógica política são eeitos das lutasde classe. Por outro lado, a teoria weberiana trata o Estado enquanto uma variá-

vel independente, pois o aparelho estatal é ao mesmo tempo autodeterminado(sua conguração depende unicamente de causas inerentes) e determina a so-ciedade (os acontecimentos que ocorrem na esera estatal se desdobram paraa sociedade, constituindo a sua lógica).

Décio Saes aplica o modelo marxista para compreender a ormação do Esta-3.do durante o Segundo Império. Conorme o autor, o marco da ormação doEstado brasileiro é a abolição da escravatura, que teve sua orça motora nos

escravos e oi conduzida pela classe média, que tinha interesse em ampliar ovalor da sua posição social.

Por outro lado, José Murilo de Carvalho mostra como a ormação do Estadonacional esteve amplamente relacionada à homogeneidade ideológica e detreinamento das elites que compunham o aparelho de Estado do Segundo Im-pério. Essa homogeneidade restringiu os conitos intraelites, evitando a desa-gregação territorial do Império.

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    G   a    b   a   r    i   t   o

Tradições do pensamento social brasileiro

Segundo Octávio Ianni, o Brasil, visto em uma perspectiva histórica ampla se re-1.vela uma ormação social caleidoscópica, um arquipélago, uma espécie de labi-rinto de elementos culturais e étnicos. Trata-se de uma ormação social na qual

convivem diversas ormas de sociabilidade, originadas em distintas épocas edierentes regiões. Assim, o autor arma que o Brasil “ainda não é propriamenteuma nação”, embora possa ser um Estado nacional, no sentido de um aparelhoestatal organizado, abrangente e orte, que acomoda, controla ou dinamiza tan-to estados e regiões como grupos raciais e classes sociais. Em suma, o Brasil serevela uma “vasta desarticulação”, a despeito de seus símbolos, como a língua, abandeira, a moeda, o mercado, seus santos e heróis etc. Apenas aparentementepodemos pensar “uma” cultura brasileira. Todavia, a “identidade nacional” é or-te o suciente a ponto de naturalizarmos nossa condição de “brasileiros”.

Sinteticamente, podemos entender o iberismo como a valorização ou a recu-2.peração das “raízes ibéricas” da nacionalidade brasileira, caminho trilhado porautores que desconavam de que a modernização das relações sociais, o libera-lismo político ou o princípio da representação política e mesmo da democraciapudessem ser adotados no Brasil, uma vez que essas instituições não corres-ponderiam à realidade das nossas tradições e costumes políticos. O iberismopressupõe a ideia de que Portugal e Espanha não teriam sido ormações cul-

turais e políticas tipicamente “europeias” ou “ocidentais”, mas regiões em quevalores centrais do mundo moderno, como o individualismo, o contratualismo,o mercado, a competição, o conito de interesses e a democracia burguesa nãoteriam sido importantes no estabelecimento das tradições políticas. No lugardesses valores, são estabelecidos outros ideais para a sociedade, tais como a co-operação, a integração, o predomínio do interesse coletivo e comunitário sobreo individual, o personalismo, o patriarcalismo etc. Sua relação com a temáticada identidade nacional está em que, para o iberismo, certas instituições políti-cas e ordenamentos jurídicos só poderiam ser adotados no Brasil se traduzis-

sem o “caráter nacional” ou os sentimentos tipicamente brasileiros.

O movimento modernista é a expressão intelectual de um conjunto de mudan-3.ças estruturais vividas pelo Brasil entre o nal do século XIX e o início do séculoXX, tais como a abolição da escravatura, a imigração europeia, a implantação darepública, a urbanização, a incipiente industrialização etc. É um momento cru-cial de reorganização do país, deslocamento dos centros de produção cultural eemergência de novos atores sociais. Primeiramente, o Modernismo oi um mo-

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vimento de ruptura com o passado cultural, com as representações românticasda nação, assim como as ormas estéticas na literatura. Mas ao longo da décadade 1920 e sobretudo a partir de 1930, a ase tardia do Modernismo pode serentendida como uma releitura do passado e uma adesão a uma orma distintade nacionalismo, que passava pela adoção do moderno e a recuperação críticada cultura brasileira.

O pensamento político autoritário

A historiograa interessada na Revolução de 1930 está preocupada com ques-1.tões-chave da sociedade brasileira no seu processo de modernização. Há opi-niões divergentes sobre que elementos seriam estruturantes do pensamentosocial brasileiro e das principais percepções do cidadão comum com relação

a temas amplamente discutidos nesse contexto – nação, identidade nacional,democracia etc. Além disso, o período apresenta as bases de mudanças impor-tantes do padrão de produção e circulação de bens econômicos no Brasil, assimcomo de bens culturais e simbólicos tipicamente nacionais.

A principal crítica dos intelectuais antiliberais ao surágio universal era a inade-2.quação do sistema democrático, por eles considerado importado e imprópriopara a condição social brasileira. Esse argumento se baseava na crença da altade preparo da massa de eleitores para o exercício “consciente” do voto e dos ris-

cos que daí decorreriam. Tais intelectuais pretendiam que as decisões políticasdeveriam ser tomadas por uma elite que, preparada para o governo, seria maiscapaz de dirigir o povo.

A vertente modernista do grupo Verdamarelo tinha como princípio a inuência3.de instituições conservadoras na construção de uma identidade nacional, o quenão era considerado pelos modernistas da Semana de 1922. Signicativamente,a orientação ideológica tendia a ser divergente, apesar da convergência da atua-

ção desses intelectuais no Estado Novo. Enquanto Plínio Salgado tecia críticas aocomunismo, Oswald de Andrade aproximava-se da militância comunista.

A ideologia do desenvolvimento nacional na década de 1950

Observou-se no Brasil de 1950 o crescimento de setores médios e operários1.a partir de movimentos de industrialização e de urbanização. Articulados em

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    G   a    b   a   r    i   t   o

crescentes contingentes populacionais nas cidades, os movimentos operáriospassaram a ter maior preponderância na cena política nacional, passando a atuar,a partir de então, como atores importantes no cenário político brasileiro.

Orientado por princípios tecnocráticos, o governo de JK promoveu de orma2.

inédita o desenvolvimento econômico brasileiro por meio de um plano de me-tas que incluía ações estratégias e inraestruturais: investimentos em energia,transporte e alimentação.

Apesar da existência de divergências internas entre os intelectuais que compu-3.nham o Iseb, havia quatro temas recorrentes entre a plataorma política de Jusce-lino Kubitschek e os temas de discussão do Instituto: a liderança do processo dedesenvolvimento da nação brasileira, o lugar do Estado nesse processo, o lugardo capital estrangeiro nesse processo e a produção de um Estado autônomo.

A classe trabalhadora no Brasil

1.

Semelhanças

Em ambos os ciclos há um partido que apresentou uma trajetória de constru-ção, consolidação e decadência determinada, ao mesmo tempo, por condiçõesmateriais e pela escolha que os agentes aziam ao longo do caminho. Esses par-tidos se conrontaram com a opção reorma e revolução, ao optar pela primeiraacabaram se conduzindo a impasses políticos.

Dierenças

O PCB nasce como um partido centralizado minoritário que, aos poucos, vai seconsolidando como uma alternativa de massas, enquanto o PT já nasce comouma expressão de massas da classe trabalhadora. O PCB conta com uma con- juntura internacional avorável, enquanto o PT nasce em um momento desa-vorável. No primeiro ciclo, os trabalhadores urbanos eram uma minoria social,enquanto no segundo ciclo já se apresentam como uma maioria. O m do ci-clo PCB é apresentado como sua extinção enquanto alternativa de massas, en-quanto o m do PT é marcado por sua integração à ordem social.

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A ormação da moderna classe trabalhadora está associada ao m da escravi-2.dão; os primeiros sindicatos respondem a uma situação de extrema pobreza; aradicalidade dos movimentos rurais resulta de uma estrutura de intensa con-centração undiária; o novo sindicalismo nasce do processo de industrializaçãopromovido pela ditadura militar; a social-liberalização do PT liga-se à reestrutu-ração produtiva etc.

A aula permite avaliar o texto de José Genoíno como representativo de um mo-3.mento em que o destino do projeto petista é um “claro enigma”. Ele az umaavaliação positiva do partido, apresentando uma preocupação em relação aoseu uturo. O texto de Ricardo Antunes é representativo do momento em queesse enigma é nalmente solucionado. O PT é avaliado muito negativamente eo autor apresenta a necessidade de organizar um outro partido.

Sistema eleitoral e partidos políticos

Cargos regidos pelo sistema majoritário: todos os cargos para a chea do Poder1.Executivo nos três níveis de governo (municipal, estadual e ederal), isto é, preei-tos municipais, governadores estaduais e o presidente da República. Para os doisúltimos cargos há a necessidade de realização do segundo turno quando o pri-meiro colocado não atingir 50% + 1 dos votos válidos. Apenas para o caso dos mu-nicípios (preeituras) com menos de 200 mil eleitores não ocorre o segundo turno

e o primeiro colocado vence mesmo que não atinja a maioria absoluta dos votos.

O cargo de Senador também é denido por meio do sistema majoritário, mascom um único turno.

Cargos Regidos pelo sistema proporcional de lista aberta: vereadores, deputa-dos estaduais e deputados ederais. Para todos esses cargos, utiliza-se o mode-lo de cálculo do quociente eleitoral – que dene a relação entre votos, partidos,

cadeiras e eleitos.

Número de votos válidos em nosso exemplo = 50 0002.

Quociente eleitoral do nosso exemplo = 5 000

Quociente partidário

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    G   a    b   a   r    i   t   o

Partido Votos/Quociente eleitoral Cadeiras

PMDB 16 000/5 000 = 3,2 3

PT 14 000/5 000 = 2,8 2

DEM 11 000/5 000 = 2,2 2

PSDB 7 500/5 000 = 1,5 1

PTB Não atinge o quociente eleitoral, não conquistando nenhuma cadeira 0

Total de cadeiras = 8

Cadeiras restantes = 2

Distribuição das cadeiras restantes

Partido Votos/Quociente eleitoral MédiasPMDB 16 000/ 3+1 4 000*

PT 14 000/2+1 4 666 *

DEM 11 000/2+1 3 600

PSDB 7500/1+1 3 250

Partidos que, com as maiores médias, conquistam as cadeiras restantes: PMDB e PT.

D, C, A, B.3.

Sistema de governo no Brasil: o presidencialismo de coalizão,

passado e presente

Desde o Império (1822-1889), quando se organizava como uma monarquia par-1.lamentar constitucional, o Brasil incorporava o princípio da divisão dos poderes.

Ao longo das diversas constituições adotadas, a divisão dos poderes tal comoexistente nos Estados Unidos oi se consolidando no Brasil. Isto é, um regimepresidencialista, um legislativo bicameral e um judiciário com amplos poderespolíticos. Entretanto, muitas especicidades do modelo político brasileiro ze-ram emergir um regime presidencialista bastante diverso daquele observadonos Estados Unidos, sobretudo em razão da convivência de muitos partidos noplano eleitoral, além do grande peso das disputas intrarregionais como vetorda disputa política nacional.

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São dois mecanismos undamentais que permitem ao presidente ocupar uma2.posição mais estratégica e preponderante no relacionamento com o Legislati-vo, com os partidos e com os parlamentares.

O primeiro é o recurso às medidas provisórias, adotadas como uma adaptação

dos decretos-lei do período ditatorial-militar (1964-1985). Por meio das MPs, opresidente tem o poder exclusivo perante todos os atores políticos de criar leise regras que não precisam do apoio do Congresso e nem requerem tramita-ção legislativa para vigorar. Existindo por um período determinado, as medidasprovisórias devem ser analisadas em caráter de urgência pelo Legislativo parase tornarem leis de orma denitiva ou, então, o presidente as reedita quaseque indenidamente. Tal mecanismo possibilita que o presidente governe emdiversas áreas – e questões de diícil entendimento entre os partidos da basealiada – sem necessitar do apoio desses atores parlamentares.

O segundo mecanismo é o “poder de agenda” do presidente, que signica maiorcapacidade de intererir no andamento do processo político dentro do Parlamen-to: por sua expressão política, bem como por seus poderes institucionais, o pre-sidente da República pode determinar quando uma matéria vai ao Congressoou mesmo quais matérias podem ir. Assim, ele acaba sendo a peça-chave dasproposições e disputas travadas entre os principais atores políticos do país.

B, F, A, E, C, D.3.

A judicialização da política e a politização da Justiça no Brasil

A Constituição de 1988 representou uma renovação na cultura jurídica nacio-1.nal, ao introduzir concepções de dignidade humana e de direitos undamentais.Essa nova cultura jurídica também incentivou maior discricionariedade na ativi-dade decisória dos magistrados ao permitir, por conta da generalidade de suas

proposições, interpretações mais criativas do texto legal. Somado a isso, houvetambém um aumento no poder de instituições como o Ministério Público eo Supremo Tribunal Federal, que passaram a interagir de maneira muito maisintensa com as questões políticas do país.

Há, primeiramente, uma dierença quanto ao lugar em que os enômenos se2.originam. A judicialização nasce na própria arena política, nos poderes Legisla-tivo e Executivo, nos partidos e nas associações de classe, com o acionamento

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    G   a    b   a   r    i   t   o

da Justiça por meio de mecanismos constitucionais como as ações diretas deconstitucionalidade. Trata-se, portanto, de um produto de nosso desenho insti-tucional. A politização, por sua vez, surge no seio da Justiça, caracterizando-sepor uma propensão ativa dos agentes jurídicos em interpretar de maneira ino-vadora os textos legais, muitas vezes em contraposição às decisões e consensosdos demais poderes. Nesse caso, trata-se de um produto da cultura jurídica que

nossa Constituição expressa e incentiva.

Sujeitos à dinâmica partidária e aos constrangimentos da concorrência eleito-3.ral, os políticos procuram abster-se do envolvimento em questões polêmicas,em pautas que possam lhes ocasionar perda de votos e insatisação dos eleito-res. Uma das consequências disso é justamente deixar ao STF a tarea de legislarem questões de alto custo eleitoral. Além disso, há uma relação de assimetriaentre o Parlamento e o Tribunal, sendo mais ácil para uma minoria parlamentar

atingir seus interesses por meio de uma decisão do STF, que pode reverter asresoluções do Executivo e do Legislativo, que por meio de disputas dentro doCongresso, em que a maioria parlamentar possui o controle das aprovações.

Economia e política no desenvolvimentismo brasileiro

Não se pode atribuir uma relação de causalidade entre arrocho salarial e cresci-1.mento econômico porque ao azê-lo se toma como equivalentes níveis de abs-

tração dierentes, em dois sentidos: no ponto de vista temporal, arrocho salarialé uma decisão política, tomada em uma conjuntura muito especíca, enquantoo milagre econômico é um resultado observado em uma série temporal maislonga; do ponto de vista da análise objetiva, o arrocho é um enômeno político,e resulta de variáveis políticas, enquanto o crescimento econômico deve serexplicado por variáveis econômicas.

O problema desse tipo de relação é que se transorma uma tendência em uma

determinação absoluta, e se descura das mediações necessárias em análise his-tórica – por exemplo: qual o peso do conservadorismo da elite política do re-gime militar para as políticas de arrocho salarial? Nesse tipo de determinação,nem se coloca essa pergunta.

Esse debate é also porque representa de maneira distorcida o descontenta-2.mento da classe empresarial com sua exclusão do sistema de decisões a partirda reorma administrativa do governo Geisel. A campanha contra a estatização

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tem essa deasagem no plano do discurso porque não parte de um debateteórico aproundado acerca do que signica a intervenção do Estado na eco-nomia, não questionando, por exemplo, como se daria a sua relação com ocapital estrangeiro. O empresariado se valeu de um motivo econômico paraexpressar uma crítica à natureza autoritária do regime político.

O imposto inacionário é uma consequência da diminuição do poder de com-3.pra da moeda e aeta de maneira decisiva as classes mais pobres. Com a eleva-ção geral dos preços, é necessário mais dinheiro para comprar um mesmo bem.Os empresários e as pessoas mais abastadas podem colocar sua renda nas apli-cações nanceiras que aziam a correção monetária dos depósitos diariamente.O Estado, por sua vez, tem o monopólio sobre a emissão de moeda, e podeazer mais dinheiro para sanar suas obrigações. Já as pessoas mais pobres nãotêm como se proteger da inação: a queda do poder de compra corrói o valor

do seu principal ativo – o salário.

Economia e política no neoliberalismo brasileiro

Uma orma adequada de azer a distinção entre eventos e processos é valen-1.do-se de um critério de tipo temporal, ou seja, delimitando um conjunto dedecisões relativamente próximas no tempo, que respondem a conjunturasespecícas e produzem consequências marcantes. O exemplo típico no caso

das reormas neoliberais é a implantação do Plano Real: ele conjugava medidastópicas com transormações estruturais na economia brasileira. Essa distinçãoé válida para organizar o processo de conhecimento: em conjunturas determi-nadas (como a implantação do Plano Real), podemos encontrar a síntese deelementos dispersos em transormações mais complexas.

O grande divisor de águas a respeito da economia política da estabilização ma-2.croeconômica no Brasil era a questão do conito distributivo: enquanto para

alguns economistas a distribuição desigual da renda era a origem dos desviosmacroeconômicos, para os economistas que ormularam o Plano Real, o con-ito distributivo não estava ortemente correlacionado com a inação porquepoderia persistir mesmo em um contexto de estabilidade monetária.

A abertura comercial promove a exposição da estrutura produtiva brasileira à3.concorrência internacional. Como existe um hiato tecnológico muito acentua-do entre a indústria brasileira e a internacional, alguns elos da cadeia produtiva

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desaparecem e postos de trabalho são echados. A contrapartida dessa expo-sição são os ganhos de produtividades que devem acontecer com a exposiçãopermanente à concorrência internacional. Porém, esses ganhos não resolvem asituação do desemprego, de modo que é importante haver políticas de realo-cação do trabalhador para compensar a necessidade de incrementar a produ-tividade da economia.

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Reerências

ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro.Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 31, n. 1, 1988, p. 5-38.

_____. O Presidencialismo de Coalizão. Publicado em: 29 nov. 2000. Disponível em:<http://veja.abril.com.br/291100/em_oco.html>. Acesso em: 7 dez. 2009.

ABREU, Alzira Alves de (Org.). Dicionário Histórico-Bibliográfco Brasileiro. São Paulo:Fundação Getúlio Vargas, 2001.

_____. Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). In: FERREIRA, J. REIS, D. A. (Org.).As Esquerdas no Brasil: nacionalismo e reormismo radical – 1945-1964. v. 2. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2007.

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