2. Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica Formao de
Professores do Ensino Mdio CINCIAS HUMANAS Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Mdio Etapa II - Caderno II Curitiba Setor
de Educao da UFPR 2014
3. MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)
MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos
Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 -
20228320 Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores
do ensino mdio, Etapa II - Caderno II: Cincias Humanas / Ministrio
da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores: Alexandro Dantas
Trindade... et al.]. Curitiba: UFPR/Setor de Educao, 2014. 53p.
ISBN 9788589799966 (coleo) 9788589799980 (v.2) Inclui referncias
Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio.
2. Professores - Formao. 3. Cincia e humanidades. 4. Prtica de
ensino. I. Trindade, Alexandro Dantas. II. Universidade Federal do
Paran. Setor de Educao. III. Cincias Humanas. IV. Pacto Nacional
pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. V. Ttulo. CDD 373.19
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA
CENTRAL COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS Andrea Carolina Grohs CRB
9/1384
4. CINCIAS HUMANAS Etapa II Caderno II AUTORES Alexandro Dantas
Trindade Arnaldo Pinto Junior Claudia da Silva Kryszczun Eduardo
Salles de Oliveira Barra Marivne Regina Machado Marcia de Almeida
Gonalves Marcia Fernandes Rosa Neu COORDENAO DA PRODUO Monica
Ribeiro da Silva (organizadora) Culi Mariano Jorge Eloise Medice
Colontonio Glian Cristina Barros Giselle Correa Lia de Cssia
Fernandes Hegeto LEITORES CRTICOS Joo Batista Gonalves Bueno Junot
Cornlio Matos Letcia Carneiro Aguiar Marcos Antonio Queiroz Willian
Simes REVISO Giselle Christina Corra PROJETO GRFICO E EDITORAO
Victor Augustus Graciotto Silva Rafael Ferrer Kloss CAPA Yasmin
Fabris Rafael Ferrer Kloss ARTE FINAL Rafael Ferrer Kloss COORDENAO
GERAL E ORGANIZAO DA PRODUO DOS MATERIAIS Monica Ribeiro da
Silva
5. Caro Professor, Cara Professora Com vistas a garantir a
qualidade do Ensino Mdio ofertado no Pas foi institudo por meio da
Portaria Ministerial n 1.140, de 22 de novembro de 2013, o Pacto
Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. Este Pacto contempla,
dentre outras, a ao de formao continuada dos professores e
coordenadores pedaggicos de Ensino Mdio por meio da colaborao entre
Ministrio da Educao, Secretarias Estaduais de Educao e
Universidades. Esta ao tem o objetivo central de contribuir para o
aperfeioamento da formao continuada de professores a partir da
discusso das prticas docentes luz das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM (Resoluo CNE/CEB n 2, de 31 de
janeiro de 2012). Nesse sentido, a formao se articula ao de
redesenho curricular em desenvolvimento nas escolas pblicas de
Ensino Mdio a partir dessas Diretrizes. A primeira etapa da Formao
Continuada, em conformidade com as DCNEM, trouxe como eixo condutor
Os Sujeitos do Ensino Mdio e a Formao Humana Integral e foi
composta pelos seguintes Campos Temticos/Cadernos: Sujeitos do
Ensino Mdio e Formao Humana Integral; Ensino Mdio e Formao Humana
Integral; O Currculo do Ensino Mdio, seus sujeitos e o desafio da
Formao Humana Integral; Organizao e Gesto do Trabalho Pedaggico;
Avaliao no Ensino Mdio; e reas de Conhecimento e Integrao
Curricular. Nesta segunda etapa, dando continuidade ao eixo
proposto, as temticas que compem os Ca- dernos de Formao do Pacto
so: Organizao do Trabalho Pedaggico no Ensino Mdio e reas de
Conhecimento do Ensino Mdio, em consonncia com as proposies das
DCNEM, considerando o dilogo com o que vem sendo praticado em
nossas escolas, a diversidade de prticas e a garantia da educao
para todos. A formao continuada propiciada pelo Pacto auxiliar o
debate sobre a Base Nacional Comum do Currculo que ser objeto de
estudo dos diversos setores da educao em todo o territrio nacional,
em articulao com a sociedade, na perspectiva da garantia do direito
aprendiza- gem e ao desenvolvimento humano dos estudantes da Educao
Bsica, conforme meta estabelecida no Plano Nacional de Educao.
Destacamos como ponto fundamental que nesta segunda etapa seja
feita a leitura e a reflexo dos Cadernos de todas as reas por todos
os professores que participam da formao do Pacto, consi- derando o
objetivo de aprofundar as discusses sobre a articulao entre
conhecimentos das diferen- tes disciplinas e reas, a partir da
realidade escolar. A perspectiva de integrao curricular posta pelas
DCNEM exige que os professores ampliem suas compreenses sobre a
totalidade dos componentes curriculares, na forma de disciplinas e
outras possibilidades de organizao do conhecimento escolar, a
partir de quatro dimenses fundamentais: a) compreenso sobre os
sujeitos do Ensino Mdio con- siderando suas experincias e suas
necessidades; b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a
produzir contedos contextualizados nas diversas situaes onde a
educao no Ensino Mdio produzida; c) planejamento que propicie a
explicitao das prticas de docncia e que amplie a diver- sificao das
intervenes no sentido da integrao nas reas e entre reas; d) avaliao
que permita ao estudante compreender suas aprendizagens e ao
docente identific-las para novos planejamentos. Espera-se que esta
etapa, assim como as demais que estamos preparando, seja a
oportunidade para uma real e efetiva integrao entre os diversos
componentes curriculares, considerando o im- pacto na melhoria de
condies de aprender e desenvolver-se dos estudantes e dos
professores nessa etapa conclusiva da Educao Bsica. Secretaria da
Educao Bsica Ministrio da Educao
6. Sumrio Introduo / 6 1. A integrao entre as Cincias Humanas
como projeto pedaggico / 9 1.1 O problema das Cincias Humanas / 9
1.1.1 A paideia grega: a formao do cidado / 10 1.1.2 As artes
liberais romanas: a formao do orador / 10 1.1.3 As Humanidades
renascentistas: a formao literria / 11 1.1.4 As especialidades e
disciplinas modernas: a formao do cientista / 12 1.1.5 As Cincias
Humanas contemporneas: a formao do especialista / 13 1.2 Integrao e
interdisciplinaridade no ensino secundrio brasileiro: dilemas e
possibilidades / 14 2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os
direitos a aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de
Cincias Humanas / 19 2.1. Contribuies das Cincias Humanas para a
compreenso da relao entre Juventude e Educao / 22 2.2 Para que
servem as Cincias Humanas? / 25 3. Trabalho, Cultura, Cincia e
Tecnologia na rea de Cincias Humanas / 28 4. Possibilidades de
abordagens pedaggico-curriculares na rea de Cincias Humanas / 37
4.1 Uma ltima palavra: interdisciplinaridade como ao / 44
Referncias / 46
7. 6 Cincias Humanas Introduo A minha escola no tem personagem
A minha escola tem gente de verdade Algum falou do fim do mundo, O
fim do mundo j passou Vamos comear de novo: Um por todos, todos por
um. Vamos fazer um filme. Legio Urbana. Caros professores, caras
professoras, vocs muito provavelmente conhecem os versos menciona-
dos. O grupo Legio Urbana marcou sua poca e at hoje reverenciado
por geraes distintas: os que tinham seus vinte e poucos anos
naquele momento, os jovens de nossa atualidade e tantos outros. A
msi- ca, como toda arte, no tem idade. Remete, contudo, como toda
criao humana, a um contexto particular onde sujeitos singulares se
expressam no registro de percepes do mundo, sentimentos, ideias,
crticas, dvidas, incertezas, projetos. A dcada de 1990, para a
sociedade brasileira, correspondeu a um momento de impasses e
transformaes das quais, certamente, ainda somos herdeiros. Os
rapazes do Legio Urbana, em alguma medida, souberam disso.
Sugerimos a visita ao site do grupo para conhecer mais a sua
histria, shows e produo musical, disponvel em:
http://www.legiaourbana.com.br/ E por que comear esse Caderno de
estudo sobre a rea das Cincias Humanas e a formao de professores do
Ensino Mdio com a meno a uma msica do grupo Legio Urbana? Entre as
respostas, na verdade, figuram perspectivas e algumas apostas.
Comecemos pelas apostas: desejar uma escola com gente de verdade e,
talvez, para dar partida, comear de novo com muito trabalho e
cooperao pela frente um por todos, todos por um. Licenas poticas
parte, cabe no entanto, situar perspectivas sobre os objetivos e
reflexes materializados nesse Caderno. A escola brasileira de
Educao Bsica, em especial, na rede pblica de ensino, palco de
contra- dies sociais e polticas que nos afetam como comunidade
local e nacional. Entre o fim dos governos militares e a
democratizao instaurada no decorrer dos anos 1980 e 1990, os
debates acerca de problemas crnicos, tais como as desigualdades
sociais e a excluso de diversos grupos do pleno exerccio dos mais
diversos direitos, incrementaram-se, explicitando a maior
publicizao de demandas pautadas nos movi- mentos populares. A
elaborao da nova Constituio Federal, a Constituio Cidad em 1988,
simboliza parte dessas transformaes. A promulgao de uma nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educao (LDB n 9394 de 20 de De- zembro de
1996), representou uma das mudanas fundamentais dos marcos legais
reguladores das aes no campo educacional. A partir dela
derivaram-se iniciativas e estratgias de naturezas variadas. Como
lei maior sobre a educao brasileira, baseada em princpios que
figuram na Constituio Federal de 1988,
8. 7 Formao de Professores do Ensino Mdio vale ser lida e
discutida por professores e estudantes. H uma verso atualizada em
2013 nas publicaes da biblioteca digital da Cmara dos Deputados
(http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/14676). Destaca-se, na
atualidade, o Plano Nacional de Educao (PNE) institudo pela Lei n
13.005, de 25 de junho de 2014 e que dever vigorar de 2014 a 2024.
O PNE apresenta 20 metas seguidas das estra- tgias especficas de
concretizao. (BRASIL, 2014). No que se refere s proposies relativas
ao currculo, cabe mencionar o incio dos debates que vieram a
culminar na elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Mdio - DCNEM (BRASIL, 2012) e, no mbito avaliativo, a criao
do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM). A partir de 2008, o ENEM,
ou Novo ENEM, passou a ter outro formato, assumindo o carter de
prova de ingresso nacional para o ensino superior, substituindo, em
especial, os exames de vestibular das instituies federais,
norteando muitas propostas curriculares para o Ensino Mdio. No ano
de sua cria- o, em 1998, possua carter diagnstico, visando elaborar
amostragens sobre o desempenho escolar de estudantes do Ensino
Mdio. A meno s DCNEM e ao ENEM nos interessa, considerando-se que
houve, a partir de ambos, a configurao da rea das Cincias Humanas
como dimenso norteadora de aes curriculares para o En- sino Mdio,
fomentando abordagens que buscaram ampliar dilogos entre seus
componentes por meio de prticas pedaggicas e premissas avaliativas
focadas na interdisciplinaridade e na integrao curricular. A rea
das Cincias Humanas, circunscrita inicialmente Histria e Geografia,
para o caso do Ensino Mdio, veio a ser significativamente alterada
pela incluso da obrigatoriedade de oferta de dois novos
componentes: a Sociologia e a Filosofia - Lei n 11.684, de 2 de
junho de 2008 (BRASIL, 2008). Essa lei altera o art. 36 da LDB n
9.394 para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas
obrigatrias nos currculos do Ensino Mdio. Essa rpida contextualizao
nos possibilita compreender certas condies histricas nas quais
foram gestadas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educao Bsica e, em particular, as DCNEM. Como enfatizado em
momentos anteriores desse curso, reiteramos a importncia de, tal
qual a LDB vigente, conhecer e discutir as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educao Bsica. Recomendamos a edio compilada de
todas as diretrizes, publicada em 2013 e disponibilizada no portal
do MEC:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12663&Itemid=1152
Tais diretrizes, j abordadas nos Cadernos da Etapa I desse curso de
formao para professores cons- tituem-se, igualmente, base
norteadora das propostas de reflexo e de ao dessa Etapa II, focada
nas reas de conhecimento e nas modalidades de ensino. Por outro
lado, o cuidado em contextualizar toda e quaisquer informaes e
experincias, mesmo no sendo exclusivo das Cincias Humanas,
fortemente uma das marcas identitrias desse campo do co-
nhecimento. Cuidado esse, caros professores e professoras, que vocs
provavelmente exercitam em suas prticas docentes no cotidiano da
escola. Conhecer as DCNEM um ponto de partida e, nessa qualidade,
se institui na dependncia direta da efetivao de aes curriculares
dispostas a lidar, democraticamente, com uma escola que possua
gente de verdade. Em outras palavras, sujeitos professores,
estudantes, funcionrios, gestores nas suas
9. 8 Cincias Humanas circunstncias de vida as mais diversas,
com suas vivncias e expectativas singulares e, como sabemos, para o
caso das redes pblicas de ensino da sociedade brasileira, inseridos
em realidades adversas e com- plexas, limitadoras daquilo que pode
ser denominado de formao humana integral. De acordo com as DCNEM,
formao humana integral se associa a uma concepo pedaggica
valorizadora de aes que busquem articular as vivncias e experincias
dos estudantes, seus saberes e ex- pectativas, ao aprendizado de
conhecimentos significativos e integrados, das diversas reas e
disciplinas, tendo em vista a configurao de atitudes viabilizadoras
do exerccio democrtico da cidadania, do de- senvolvimento de
posturas ticas quanto diversidade cultural e s questes ambientais,
da compreenso crtica do mundo e da universalizao de direitos
sociais. Como foi pontuado em outros momentos desse curso, a
efetivao dessa formao humana integral no tarefa fcil. Tom-la como
desafio pode circunscrever significados sem, contudo, simplific-los
ou garantir seu sucesso. Imaginemos a prtica do canto coral. Quem j
o realiza, pelos motivos mais variados, ou no caso dos professores
de msica, sabem que para que o efeito final fique belo, com ritmo e
harmonia, a sensibilizar ouvintes e cativar novos participantes, h
que se planejar, dividir tarefas e funes, ensaiar (muito!!!!),
partilhar dificuldades e se auxiliar mutuamente. Se quisermos
instituir o canto coral como metfora para nossas propostas
curriculares, o trabalho conjunto, planejado e cooperativo, a par
de conhe- cimentos e estudos que o estruturem, figura como
estratgia fundadora. Antecipamos que a questo contempornea dos
direitos aprendizagem e ao desenvolvimento hu- mano, conforme
apontado no Plano Nacional de Educao, foco da base nacional comum
para o currculo, orientada pelas DCNEM, se justifica tambm como
poltica de universalizao do direito educao. Depreende-se ento o
quanto os componentes curriculares da rea das Cincias Humanas
podem, e devem, contribuir para esse processo qualificado de
universalizao do ensino e esse o principal ob- jetivo, e em
paralelo, compromisso tico das discusses, reflexes e propostas que
se apresentam nas unidades desse Caderno. Na unidade um,
objetiva-se discutir um pouco da histria do que veio a ser
denominado de Huma- nidades e de Cincias Humanas, problematizando
aspectos estruturais e conjunturais que interferem na elaborao de
propostas pedaggicas interdisciplinares. Na unidade dois, so
apresentadas indagaes so- bre os jovens estudantes do Ensino Mdio,
buscando indicar aes curriculares baseadas no conhecimento e
valorizao de suas experincias, saberes e expectativas. Na unidade
trs, o eixo trabalho, cultura, tec- nologia e cincia analisado luz
da contribuio especfica dos componentes curriculares das Cincias
Humanas. Na unidade quatro so propostas algumas reflexes e sugestes
de abordagens pedaggicas interdisciplinares nas Cincias Humanas, no
Ensino Mdio. Desejamos um bom trabalho a todos e a todas!
10. 9 Formao de Professores do Ensino Mdio 1. A integrao entre
as Cincias Humanas como projeto pedaggico Cara professora, caro
professor, todo conhecimento, na qualidade de prtica cultural,
possui condi- es histricas para sua emergncia e caracterizao. Como
obra humana, os conhecimentos so institu- dos por sujeitos
especficos, em tempos e espaos variados, em funo de diversos
interesses, possibilida- des e necessidades sociais e polticas. No
poderia ser diferente para a rea que se convencionou chamar de
Cincias Humanas. Como nome e como conceito, as Cincias Humanas
possuem histria e a tentativa de abord-la por si s tema para
investigao. Longe de esgotar essa temtica, achamos importante si-
tu-la como convite para reflexo, sob a chave de discutir alguns
aspectos de seu processo de constituio e de significao. 1.1 O
problema das Cincias Humanas Atualmente, no contexto das escolas
brasileiras e de acordo com as DCNEM, entende-se por Cin- cias
Humanas a rea do conhecimento na qual esto includas a Histria, a
Geografia, a Filosofia e a Sociologia. Cada um desses componentes
curriculares derivado de conhecimentos cientficos e discipli-
nares, os quais, em funo de suas tradies e procedimentos
institudos, possuem atualmente estatutos epistemolgicos prprios.
Estes so o resultado mais visvel do processo de especializao que
atingiu praticamente todos os campos do conhecimento, desde pelo
menos o final do sculo XVII e incio do sculo XVIII, nas sociedades
do ocidente europeu. Ocorre que, antes da generalizao desse
processo de especializao, havia um certo domnio de conhecimentos
cuja herana, de uma forma ou de outra, foi reivindicada por cada
nova disciplina cientfica surgida desde ento. Esse domnio comum
chamou-se Humanidades. As Humanidades talvez sejam a forma mais
acessvel de imaginar uma unidade possvel entre os quatro
componentes das Cincias Humanas no currculo do Ensino Mdio.
Dialogamos, nessa proposta, com as observaes da professora Marjorie
Garber (2001). Para ela: Se as humanidades tm um futuro, [...], ser
um futuro que envolve retornar ao passado e habitar esse momento
interdisciplinar pr-disciplinrio. No para se afastar da hist- ria,
do contexto e da cultura; mas para, ao contrrio disso, fazer
justamente o oposto: concluir que Freud estava mais certo do que
ele prprio poderia supor quando imaginou a mente humana como sendo
uma cidade tal como Roma, camada sobre camada, no substituindo umas
s outras, mas coabitando com o passado.[...] Neste momento, en-
quanto estudiosos, nossa tarefa reimaginar as fronteiras do que
chegamos a acreditar serem as disciplinas e ter a coragem para
repens-las (GARBER, 2001, p. 95-96). De acordo com essas
consideraes, as Humanidades permitem, entre outros desdobramentos,
construir prticas pedaggicas de natureza interdisciplinar para as
Cincias Humanas. Para avaliar a viabi- lidade disso ser preciso
percorrer algumas das camadas historicamente sobrepostas das quais
emergem o legado das Humanidades. O objetivo que, desse percurso,
resultem imagens viveis para um projeto pedaggico destinado educao
integrada no campo das Cincias Humanas.
11. 10 Cincias Humanas 1.1.1 A paideia grega: a formao do
cidado Por volta do sculo V a.C. na Grcia, quando ocorre a gradual
transio da cultura oral para cultura escrita, encontra-se o que
talvez seja o antecedente mais remoto das Humanidades, tendo em
vista as heranas culturais de sociedades euroasiticas. Nesse
contexto cultural surge o conceito de paideia, que sintetizava os
estudos que deveriam fazer parte da preparao dos jovens
aristocrticos para a vida pessoal, familiar e social, em seus
aspectos religiosos, polticos e morais. Alm de algum tipo de
treinamento fsico, essa preparao inclua o estudo de msica, poesia,
dana e, provavelmente, rudimentos da histria social e poltica. No
havia, contudo, nenhuma preocupao utilitria, muito menos
vocacional. Tampouco havia preocupaes com aquilo que se tornaria o
mago da filosofia grega, a saber, a especulao sistemtica sobre
questes ticas, polticas, metafsicas, epistemolgi- cas ou
cientfico-naturais. 1.1.2 As artes liberais romanas: a formao do
orador Pode-se dizer que as Humanidades so uma criao tipica- mente
romana. Alm de fornecerem a raiz latina da palavra, foram os
romanos antigos quem lhes conferiram um objeto e um contedo
prprios. Durante o final da Repblica e o incio do Imprio, entre os
sculos I a.C. e I d.C, eles formularam a concepo segundo a qual
certas artes e saberes especficos seriam mais adequados para
expres- sar e atender s necessidades dos seres humanos. Nos seus
ltimos escritos, Ccero indicou a poesia, geometria, msica e
dialtica como artes e saberes que as crianas deveriam apreender
para alcanar a sua completa humanidade. O modelo das Humanidades
forjado pelos romanos baseou-se na tradio grega, mas foi
profundamente ajustada s suas prprias necessidades e interesses.
Nesse contexto, a educao preconizada por Ccero e Quintiliano tinha
como objetivo a formao segundo o mo- delo do papel a ser
desempenhado pelo homem pblico o orador. O domnio da comunicao oral
e escrita era considerado como uma preparao essencial para
influenciar a poltica e opinio pblica e, assim, servir ao Estado. A
paideia era inseparvel de outro conceito grego: aret ou excelncia,
es- pecialmente excelncia de reputao, mas tam- bm virtude e
excelncia em todos os aspectos da vida. Nesse sentido, pai- deia
significava a sabedo- ria humana e suas aplica- es para viver uma
vida virtuosa, que inclua no apenas o autodesenvolvi- mento, mas
sobretudo o desenvolvimento cvico com o objetivo de tor- nar a
prpria cidade mais virtuosa e excelente. Se- gundo Jaeger, em
sinto- nia com a modalidade de pensamento dos tempos primitivos,
[Homero] de- signa por aret a fora e a destreza dos guerreiros e
lutadores e, acima de tudo, herosmo, considera- do no no sentido de
ao moral e separada da fora, mas sim intimamente liga- do a ela
(JAEGER, 1995, p. 25-27).
12. 11 Formao de Professores do Ensino Mdio
Nessesentido,asHumanidadesromanasafastaram-sedapaideia grega e
foram transformadas naquilo que passou a se chamar artes liberais.
As listas das artes liberais poderiam variar, mas certamente
conteriam a Aritmtica, Msica, Geometria, Astronomia, Gramtica,
Retrica e Dialtica. As quatro primeiras (quadrivium) em nada
lembravam os conhecimentos formais ou tericos maneira como foram
pensadas por Plato eAristteles. Os romanos as tratavam como fatos,
prticas e informaes, que forneciam ao orador vocabulrio e temas
teis. A Msica, por exemplo, interferiria no treinamento prtico dos
atos de ouvir e utilizar a voz. De outro lado, entre as trs ltimas
(trivium), a Gramtica era a de maior interesse, pois o estudo da
literatura e da lngua passaram a ter um papel predominante sobre os
demais conhecimentos. 1.1.3 As Humanidades renascentistas: a formao
literria A palavra humanista (em italiano, umanista) foi o termo
cor- rente ento utilizado para nomear investigadores e professores
das universidades, em finais do sculo XV. Eles questionaram as
revises das artes liberais promovidas pela Escolstica, na Baixa
Idade M- dia. No incio da expanso do cristianismo no Ocidente, a
partir do sculo III, Agostinho e outros pensadores cristos
adaptaram o pro- grama grego de educao s ideias e valores de sua
doutrina religiosa. Durante os sculos XII e XIII, nas catedrais e
nas ento emergentes universidades, o foco da educao nas artes
liberais foi redirecionado para uma anlise racional de textos
clssicos, sempre acompanhada da leitura das sagradas escrituras e
dos comentrios bblicos. A impor- tncia da Retrica declinou
fortemente, e a Gramtica foi transforma- da num conhecimento
especulativo com nfase na lgica. A obra de Toms de Aquino, voltada
s questes de f e razo e incorporao da formao secular aos cnones
teolgicos, representou esse esforo de promover uma sntese crist que
ultrapassasse e ressignificasse as heranas greco-romanas. Avessos a
essa tradio inaugurada com a cristandade, os hu- manistas italianos
se esforaram para reviver e redimensionar as artes liberais de
acordo com as tradies greco-romanas. Desde ento, a familiaridade
com a cultura greco-romana antiga e a eloquncia no la- tim,
tornaram-se preparao obrigatria para a elite que controlava as
instituies pblicas na maior parte dos estados italianos do centro e
do Nesse uso social, o sentido de artes liberais nada tinha a ver
com o significado que a palavra humani- dade possua at ento algo
muito prximo da noo grega de filantropia, que consiste em ter um
es- prito amigvel e um bom sentimento. Elas estavam mais prximas do
ideal de educao derivado da pai- deia grega, onde a virtude das
chamadas bonas artes deriva da sua intrnseca aptido aos fins morais
e prticos um propsito que se tornou a pedra an- gular das
humanidades, bem como da educao liberal e da cultura geral desde
ento.
13. 12 Cincias Humanas norte da pennsula. Em meados do sculo
XV, os cursos humansticos passaram a integrar o currculo das
universidades da pennsula italiana e se espalharam rapidamente para
o norte da Europa, onde Erasmus de Roterdam viria a se tornar um
dos mais proeminentes representantes do Humanismo renascentista. A
partir da Renascena, as Humanidades foram progressiva- mente
institucionalizadas como conhecimento referencial. Os profes- sores
italianos de Gramtica e Retrica muniram-se cada vez mais de
recursos pedaggicos formalizados em livros, manuais e instrumentos
instrucionais. Nesse formato, os estudos humansticos descolaram-se
dos estudos teolgicos. Mas, ao longo de toda a Renascena, dificil-
mente a palavra Humanidades se referia a um estudo geral da huma-
nidade ou dos seres humanos enquanto participantes de uma cultura,
muito menos exprimiam a ideia de que o ser humano ao invs de Deus,
a tradio ou a Natureza fosse o centro ou a medida de todas as
coisas. Segundo Hoyrup (2000), os estudos humansticos eram vol-
tados a: [...] temas e questes centrais para uma vida vir- tuosa:
gramtica (latina), retrica, poesia, hist- ria e filosofia moral.
(...) A cultura humanista foi moldada pela cultura literria da
classe alta ro- mana e passou, ento, a ser tambm considerada o
smbolo e a garantia das qualidades pessoais e especialmente cvicas
utilidade, de fato, sem- pre significou utilidade cvica (HOYRUP,
2000, p. 83-85). 1.1.4 As especialidades e disciplinas modernas: a
formao do cientista As Humanidades renascentistas fizeram reviver
os ideais roma- nos de uma educao voltada transmisso de uma cultura
liberal ou cultura geral. Mas, apesar do carter generalista que
caracterizou as Humanidades renascentista, nesse perodo, nada h que
possa ante- cipar a nossa atual procura de uma abordagem
interdisciplinar para as Humanidades. Isso nos permitir enfatizar
que interdisciplinaridade no sinnimo de generalidade. Ao contrrio,
a interdisciplinarida- de requer disciplinas e especialidades bem
estabelecidas. Assim, as tentativas de produzir ou exibir uma
unificao entre conhecimentos realizadas, por exemplo, por Comenius,
Leibniz, DAlembert, Kant, Desde os tempos antigos, a literatura
tinha sido um meio para a educao mo- ral. O emprego da palavra
literatura restrita aos escritos mais imaginati- vos,
posteriormente qua- lificados como ficcionais, emergiu no decorrer
do s- culo XVIII, em sociedades do ocidente europeu, asso-
ciando-se, entre outros as- pectos, ao surgimento do romance
moderno.
14. 13 Formao de Professores do Ensino Mdio Hegel e von
Humboldt somente se tornaram possveis com a fundao das academias
cientficas no sculo XVII a Royal Society, na Inglaterra, e a
Acadmie des Sciences, na Frana, por exemplo , que foram decisivas
para os processos que resultaram na definio das especialidades e na
delimitao das disciplinas cientficas. O contraste entre as
perspectivas medieval e moderna sobre o conhecimento ainda mais
ntido no projeto iluminista consubstanciado na Enciclopdia de
Diderot e DAlembert. O objetivo desse projeto era reunir todas as
formas disponveis de conhecimento presentes nas artes e nas
cincias. Os enciclopedistas franceses divergiam da concepo clssica
de Humanidades e, inspirados em Francis Bacon, repudia- ram a
indistino predominante desde a paideia grega entre arte e cincia
uma indistino decorrente da concepo de que a cincia deveria estar a
servio de fins no-cientficos, isto , polticos, morais e religiosos,
entre outros. Progressivamente, difundiu-se o legado da Revoluo
Cientfica do sculo XVII protagonizada, entre outros, por Galileu,
Descartes e Newton, convertendo a cincia e seus mtodos em novos
critrios para a legitimao do conhecimento e, consequentemente, para
a sua universalizao. Os excessos de zelo com a elegncia e correo do
estilo e a erudio exacerbada, pouco a pouco cederam lugar ao
conhecimento efetivo, slido e til adquirido pela investigao direta
das evidncias empricas, e no apenas por exaustivas anlises textuais
dos chamados clssicos. Depois de Immanuel Kant, ao final do sculo
XVIII, a especializao torna-se um imperativo crescente, de tal modo
que a uni- dade da cincia converte-se num ideal cada vez mais
irrealizvel. Esse ideal tem um fugaz ressurgimento, durante as
primeiras dcadas do sculo XX, impulsionado pelo programa de uma
Cincia Unificada pro- posto pelo positivismo lgico. No entanto,
esses e outros esforos enfrentavam insuperveis limitaes. 1.1.5 As
Cincias Humanas contemporneas: a formao do especialista O sculo XIX
representou um momento mpar para a crescente especializao e
disciplinarizao dos conhecimentos. Esse processo produziu efeitos
imediatos na reorganizao das universidades e susci- tou acalorados
debates sobre a classificao das cincias. Na passagem do sculo XIX
para o XX, o pen- sador alemo Wilhelm Dilthey foi um dos que
dedicou parte expressiva de suas especulaes distino entre os
procedimentos e as caractersticas de determinadas cincias,
categorizando-as em dois grandes grupos: as Cincias da Natureza
(Naturwissenschaften) e as Cincias do Esprito
(Geisteswissenschaften). Para essas ltimas, Dilthey identificava
maneiras de conhecer muito especficas, centradas em prticas
interpretativas hermenuticas dos fenmenos analisados. Das
apropriaes e adaptaes posteriores dessa distino, derivaram-se as
recentes designaes Cincias Humanas entre as quais se incluram a
Histria, a Psicologia, a Economia, a Antropologia, a Sociologia e a
Cincia Poltica, e Cincias Natu- rais Fsica, Quimca, Biologia,
Astronomia. A essas ltimas caberia a busca de explicaes a partir de
conjuntos sistemticos de leis gerais as chamadas leis da natureza,
enquanto as Cincias Humanas de- veriam voltar-se para a compreenso
de fenmenos que, por serem presumidamente nicos e particulares, no
estariam sujeitos a leis gerais. A categorizao e difuso das Cincias
Humanas, entretanto, no decretou o imediato ocaso das Humanidades
no sentido da chamada educao liberal. Assim, por exemplo, em meados
do sculo XIX, o
15. 14 Cincias Humanas termo Humanidades ainda indicava
predominantemente os estudos de grego e latim, com nfase em
gramtica. Houve permuta de sentidos e fuses de contedos entre os
termos Cincias Humanas e Humani- dades. O padro da educao liberal
foi profundamente modificado no curso de um sculo, de tal modo que
Humanidades passaram a signi- ficar os estudos culturais cada vez
mais inclusivos a ponto de alcanar a literatura em lngua verncula,
alm da Filosofia, Histria da Arte e, frequentemente, Histria Geral.
A essas disciplinas, vieram a se juntar os tradicionais estudos de
grego e latim, reunidos sob o rtulo de es- tudos clssicos. 1.2
Integrao e interdisciplinaridade no ensino secundrio brasileiro:
dilemas e possibilidades O exerccio sinttico de problematizar a
historicidade do con- ceito de Humanidades e de Cincias Humanas, no
ocidente europeu nos possibilita, professoras e professores,
visualizar a complexidade da questo e tambm perceber o quanto
certas tradies, de carter disciplinar e cientfico, contriburam para
separar e distanciar os diver- sos campos de conhecimento. Se isso
se manifestou nas Cincias Humanas, o mesmo ocor- reu com as Cincias
da Natureza. Em sociedades onde os progressos tecnolgicos cada vez
mais ditaram os ritmos de vida, da organizao e diviso do trabalho,
dos fluxos de riquezas, capitais e mercadorias, e das prprias
percepes do tempo e do espao, os conhecimentos sobre o mundo
natural adquiriram destaque e referencialidade. Seus procedimentos
metodolgicos e critrios epistemolgicos foram ento tomados como
parmetros de verdade, confiabilidade, utilidade, pro- gresso e
civilizao. As escolas, como espaos de instruo, de educao e de for-
mao de sujeitos os mais variados, foram afetadas por todas essas
questes de fundo. As pesquisas e trabalhos do campo da Histria da
Educao, principalmente, indicam a importncia dessas reflexes. Em
meio a tantas heranas e tradies disciplinares, propor e realizar a
integrao e a interdisciplinaridade entre as Cincias Huma- nas como
projeto pedaggico no Ensino Mdio brasileiro, na atualida- de, no
tarefa simples, envolvendo desafios, dilemas, mas tambm
possibilidades. No Brasil, nos ltimos trinta anos, ampliaram- se e
diversificaram-se as pesquisas sobre temas tais como a histria da
esco- la, da profisso e do sa- ber docente, dos saberes e culturas
escolares, das concepes pedaggicas, do livro didtico, do curr-
culo, entre outros. A ttulo de ter um pouco a dimen- so do quanto
tem sido pesquisado e produzido, sugerimos, professores e
professoras, como exer- ccio, navegar um pouco nos sites dos
programas de ps-graduao na rea de Educao e tambm no banco de teses
e disser- taes da CAPES (http:// bancodeteses.capes.gov.br/)
Destaquem temas e ttulos que mais lhes interessa- rem. Se for o
caso, sele- cionem trabalhos que pos- sam ser alvo de um grupo de
estudo.
16. 15 Formao de Professores do Ensino Mdio Importante ter
alguns cuidados. Um deles atentar para os lugares que os
componentes do campo das Cincias Humanas ocuparam e ocupam nos
currculos do que hoje chamamos de Ensino Mdio. Se hoje a Histria, a
Geografia, a Filosofia e a Sociologia possuem lugares, sendo esses
alvos de controvrsias, tal configurao, como sabemos, nem sempre
possuiu tal disposio. Como analisado anteriormente, se as concepes
de Humanidades e de Cincias Humanas alteraram-se historicamente e
epistemologicamente, o mesmo pode ser aplicado reflexo sobre como
as Humanidades, e as disciplinas que a elas se associaram, vieram a
ser abordadas e categorizadas nos currculos do Ensino Mdio. O que
entendemos por Ensino Mdio, como etapa da Educao Bsica, igualmente
variou de forma, contedo, nome e funo. Esse, alis, um tema bastante
visitado pelos pesquisadores da Histria da Educao no Brasil. Sem a
pretenso de esgotarmos essas reflexes, apresentamos ponderaes sobre
a historicidade de determinadas questes. A dcada de 1920 foi um
momento significativo de proliferao de debates e pro- jetos acerca
da urgncia de aes que enfrentassem os problemas brasileiros poca.
No contexto de fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de
muitas crticas aos preceitos liberais, ampliaram-se deman- das por
reformas sociais, trabalhistas, econmicas, polticas e educacionais.
Intelectuais de matizes ideo- lgicos variados envolveram-se
diretamente em discusses sobre a criao de um sistema educacional
brasileiro que coordenasse esforos no sentido de modernizar as
prticas e concepes pedaggicas em vigor nas escolas brasileiras.
Nesse contexto, polarizaram-se opinies entre conservadores e
reformadores. Um dos pontos de divergncia era a ampliao do espao
dedicado aos estudos cientficos e a consequente diminuio do espao
ocupado pelas Humanidades, algo que se supunha ser uma exigncia da
sociedade moderna e dos processos de modernizao
tecnolgica-industrial em curso. Nos argumentos utilizados por
intelectuais catlicos sobressaram elementos de continuidade e de
ruptura com as prticas vigentes. Houve a defesa de uma formao
geral, sem preocupao com a especia- Entre as controvrsias,
destacam-se: os tempos de aula destinados a cada um desses
componentes curriculares, a seleo e didatizao de contedos
significativos, em especial, mas no exclusivamente, para o caso da
Filosofia e da Sociologia. Para aprofundar essas anlises,
recomendamos a leitura e discusso do artigo de Helena Bomeny. Novos
talentos, vcios antigos: os renovadores e a pol- tica educacional,
publicado na Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro. Vol 6 (Os
anos 20), n.11, 1993, p. 24-39. Disponvel em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/in-
dex.php/reh/article/view/1955/1094 Para conhecer melhor a vida e os
projetos de intelectuais que participaram desses debates e de seus
desdobramentos nas dcadas de 1930 a 1960 An- sio Teixeira, Fernando
Azevedo, Edgard Roquette Pinto, Loureno Filho, Al- ceu Amoroso Lima
consulte a Coleo Educadores, organizada pelo MEC. Disponvel em
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp
17. 16 Cincias Humanas lizao ou com a profissionalizao. Esse
humanismo de vis catlico compartilhava as mesmas preocupaes com a
formao moral do an- tigo humanismo latino. Para seus adeptos, a
literatura latina sobressaa como sendo a maior escola de moral que
jamais existiu. (SOUZA, 2009, p. 74) Os intelectuais catlicos
promoveram uma ampliao do sen- tido tradicional de Humanidades de
modo a conferir-lhe um carter mais transcendental: os estudos que
se dirigem ao que h de mais ele- vado no homem, os estudos
destinados a desenvolver o sentimento de solidariedade humana,
preconizando um Humanismo que integrasse todas as dimenses do
homem. (SOUZA, 2009, p. 74) Com a Revoluo de 1930 e a criao do
Ministrio da Educa- o e da Sade, no contexto das aes
centralizadoras do governo de Getlio Vargas (1930-1945), reformas
educacionais e de ensino pro- movidas e/ou propostas nos mbitos
estaduais na dcada de 1920, in- formaram as reformas promovidas
pelo governo federal, a do ministro Francisco Campos, de 1931, e a
do ministro Gustavo Capanema, em 1942. (BOMENY, 1993, p. 24-39).
Ambas as reformas, a despeito das diferenas buscavam, por meio de
aes de natureza centralizadora, instaurar unidade de procedimentos
para o que se desejava como sis- tema nacional de ensino.
Importantedestacarnessecontextodeembateseexperimentaes o
posicionamento dos educadores do movimento da Escola Nova. No
Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932, os signatrios
reconheceram que, nas reformas educacionais em curso no Pas, o
ensino secundrio representava o ponto nevrlgico da questo. Era
nessa etapa de ensino que se concentravam os obstculos opostos pela
escola tradicionalinterpenetrao das classes sociais, destinandos
classes populares a escola primria, enquanto a classe mdia
[burguesia]servia-se da escola secundria e superior como reduto dos
[seus] interesses de classe. (AZEVEDO, 2010, p. 54) Os problemas,
contudo, naquele contexto, no se limitavam queles de carter
sociolgico. Havia tambm questes de fundo, as- sociadas s
divergncias entre concepes de currculo. Os educado- res
escolanovistas estavam convictos de que era no ensino secundrio que
se levanta a controvrsia sobre o sentido de cultura geral e se pe o
problema relativo escolha do momento em que a matria do ensino deve
diversificar-se em ramos iniciais de especializao. (AZEVE- DO,
2010, p. 54) Sobre o humanismo e suas apropriaes nas propos- tas
curriculares sugerimos a leitura do artigo de Rosa Ftima de Souza.
A reno- vao do currculo do en- sino secundrio no Brasil: as ltimas
batalhas pelo humanismo. Currculo sem fronteiras. v. 9, n.1, p.
72-90, Jan/Jun 2009. Disponvel em http://www.curriculosem-
fronteiras.org/vol9iss1arti- cles/4-souza.pdf Indicamos, da mesma
au- tora, o livro Histria da organizao do trabalho escolar e do
currculo no sculo XX. Ensino prim- rio e secundrio no Brasil. So
Paulo: Cortez, 2008. Sugerimos a leitura e dis- cusso do Manifesto
dos Pioneiros da Educao Nova de 1932 e do Mani- festo dos
Educadores de 1959. Disponvel na Cole- o Educadores do MEC:
http://www.dominiopubli- co.gov.br/pesquisa/Deta-
lheObraForm.do?select_ac- tion=&co_obra=205210
18. 17 Formao de Professores do Ensino Mdio Esse debate,
professores e professoras, que talvez sugira certa atualidade, no
se extinguiu ou foi plenamente resolvido nas dcadas de 1930 e 1940.
Com o fim do Estado Novo (1937-1945) e a democra- tizao, a questo
educacional manteve sua centralidade, adquirindo contornos
diferenciados, materializados nos debates que possibilita- ram a
elaborao do projeto em 1948, que daria origem a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educao, em 1961. Acrescentemos o quanto
intelectuais envolvidos no debate da dcada de 1930, como Ansio
Teixeira, mantiveram e ampliaram em tempos de maior liberdade
poltica e de expresso, sua atuao, es- tando atentos, todavia, aos
novos impasses e problemas da sociedade brasileira nas dcadas de
1950 e 1960. As cidades se expandiram e o processo de
industrializao, em alguns dos seus efeitos, ampliou desigualdades
entre os estados e regies brasileiras, estimulando mo- vimentos
migratrios internos. Criadas na dcada de 1930, as univer- sidades,
seus projetos e cursos, incluindo-se a questo da formao de
professores, eram alvo de demandas por expanso, incluso e de-
mocratizao, nas dinmicas da qualificao profissional. O analfa-
betismo, problema crnico, precisava ser aceleradamente combatido.
Os movimentos sociais entre estudantes, sindicalistas,
intelectuais, expandiram-se nas presses pelas reformas de base. A
instaurao do governo autoritrio aps o golpe civil-mili- tar de 1964
alterou significativamente esse cenrio. As mudanas no campo
educacional materializaram-se, entre outras aes, numa nova LDB, a
Lei n 5.692 de 1971 (BRASIL, 1971). As polticas educacio- nais
ps-1964 restringiram o espao destinado s Humanidades nos currculos
escolares da Educao Bsica. Novas disciplinas a Edu- cao Moral e
Cvica (EMC) para o ensino fundamental, e Organiza- o Social e
Poltica Brasileira (OSPB) para o Ensino Mdio foram criadas com
objetivo de promover simplificaes em determinados contedos
histricos, geogrficos e sociolgicos e, em muitos casos, divulgar
valores patriticos em tempos de governo ditatorial e de res- trio s
liberdades democrticas. As reformas do perodo da redemocratizao,
ps-1985, entre elas a elaborao da nova LDB, aprovada em 1996,
tentaram rever- ter esse quadro, extinguindo as disciplinas
mencionadas, criadas no perodo da ditadura civil-militar,
restringindo os efeitos indesejveis da especializao e da
profissionalizao precoces, e configurando a Professoras e
professores, caso queiram entender um pouco mais sobre o debate
referente elaborao da LDB de 1961 sugerimos a consulta da Revista
Bra- sileira de Estudos Pedag- gicos, publicada no ano de 1960,
disponvel no Portal Domnio Pblico. Para acessar, clique no link
abaixo e escreva o nome da Revista no campo t- tulo.
http://www.dominiopublico. gov.br/ Como pesquisa, interes- sante
comparar as LBDs de 1961, 1971 e de 1996, no sentido de situar
dife- renas, compreender as mudanas no sistema edu- cacional
brasileiro e desta- car a importncia da atual LBD para o contexto
de elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais, em especial as
DCNEM.
19. 18 Cincias Humanas presena das Cincias Humanas, e das
demais reas de conhecimento no currculo escolar da Educao Bsica,
como j descrito na introduo desse Caderno. Importante demarcar o
quanto a incluso da Filosofia e da Sociologia como componentes
curricu- lares das Cincias Humanas aponta como um elemento
inovador, exigindo de ns, professores e gestores, respostas e
possibilidades criativas, como esse curso procura fomentar. H,
portanto, na atualidade, um contexto desafiador para a criao de
prticas curriculares promo- toras da interdisciplinaridade nas
Cincias Humanas, e dessas, com outras reas do conhecimento. Um
cenrio desafiador e, arriscamos, favorvel para um passo na direo de
aproximar o ensino das Cincias Humanas no Brasil daquilo que pode
ser retido como legado com relao s Humanidades: a construo de uma
genuna integrao entre seus componentes curriculares. Ningum
questionaria hoje o significado e o alcance da disciplinarizao dos
conhecimentos que compuseram as antigas Humanidades e as suas
recentes sucessoras no campo das cincias. A reflexo sobre esse
processo possibilita, como procuramos problematizar, seu
reconhecimento crtico e tambm a compreenso de alguns dos critrios
que informa- ram distines e aproximaes entre conhecimentos, suas
prticas, seus usos sociais. Ao admitirmos a disciplinarizao e a
especializao como processos sedimentados e bem estabe- lecidos, o
sonho de uma retomada da unidade, nos moldes antigos das
Humanidades, torna-se um tanto impraticvel. Talvez, o possvel de
ser feito , nas belas palavras de Marjorie Garber (2001, p. 96),
rei- maginar as fronteiras do que chegamos a acreditar serem as
disciplinas e ter a coragem para repens-las. E nisso, convidamos
vocs, professores e professoras, reflexo e ao exerccio coletivo,
partilhando suas ideias, saberes docentes e experincias pedaggicas.
Integrar no unificar. Vencido, assim esperamos, o projeto de
subordinar o Ensino Mdio aos in- teresses de uma nica classe
social, fazendo da incluso com qualidade e da universalizao dos
direitos objetivos fundantes, preciso agora reimaginar as
fronteiras disciplinares no de uma nica perspectiva particular, mas
das vrias perspectivas que, no mbito da Educao Bsica, cada
componente curricular pode oferecer. Com essa variedade e
diversidade, com imaginao e reflexo, por meio de prticas
curriculares inventivas, repensam-se as fronteiras disciplinares,
sem pretenses de anul-las. REFLEXO E AO Caro professor, cara
professora, o texto abaixo sugere que o trabalho interdisciplinar
exige o en- cargo da compreenso. Leia o texto e discuta este
conceito entre seus colegas. Registre em um texto as principais
ideias debatidas, e em seguida, identifique um contedo ou tema do
seu componente curricular com potencial para uma ao
interdisciplinar. Apesar de os estudos de processos integrativos
serem pequenos em nmero, os autores concordam em vrios pontos.
Tomar emprestado de outra disciplina exige assumir o que Janice
Lauer chamou de encargo da compreenso. necessria uma compreenso
mnima do seu mapa cognitivo, incluindo os conceitos bsicos, modos
de investigao, termos, categorias de observao, tcnicas de
representao, padres de prova e tipos de explicao. Aprender uma
disciplina a fim de pratic-la , porm, diferente de us-la para
propsitos interdisciplinares. O domnio da disciplina denota
conhecimento completo. O
20. 19 Formao de Professores do Ensino Mdio trabalho
interdisciplinar exige adequao. Os que tomam algo emprestado no
reivindicam expertise em todas as reas. Eles identificam informaes,
conceitos ou teorias, mtodos ou ferramentas relevantes para a
compreenso de um problema particular, processo ou fenmeno. Alm
disso, no h nenhum Esperanto interdisciplinar. (...) A linguagem
interdisciplinar normalmente evolui por meio do desenvolvimento de
uma lngua de comrcio que se torna um pidgin definido em lingustica
como uma lngua provisria ou um crioulo uma nova primeira lngua de
uma comunidade (Klein, Julie Thompson. Humanities, culture, and
interdisciplinarity: the changing American academy. Albany: State
University of New York Press, 2005).
2.OssujeitosestudantesdoEnsinoMdioeosdireitosaprendizagem e ao
desenvolvimento humano na rea de Cincias Humanas Caro professor,
cara professora do Ensino Mdio, os desafios de atender s inmeras
demandas existentes na sociedade atual, de seguir as normas das
instituies escolares e de trabalhar satisfatoria- mente com os
jovens estudantes so to complexos que, muitos de ns, pensamos na
incompatibilidade dessas mltiplas atividades. Num cenrio cultural
que valoriza a eficincia e a destreza dos sujeitos diante de
situaes corriqueiras em seus espaos de trabalho, no raro
encontrarmos profissionais da educao que procuram atuar
isoladamente, sem se envolverem em projetos pedaggicos coletivos,
considerando que dessa forma no podem ser responsabilizados pelos
possveis problemas de execuo ou de resulta- dos insatisfatrios
obtidos. Entra em cena a velha mxima: quando alguma situao no
favorvel, logo procuramos apontar os responsveis. Os sujeitos que
recorrem s tendncias de culpabilizao as quais o Caderno II da Etapa
I (BRASIL, 2013) procurou superar tratam os desafios cotidianos das
comunidades escolares a partir de perspectivas individualistas,
talvez idealizadas, elitistas. Esses olhares so capazes de
desconsiderar os desdobramen- tos do processo histrico ocorrido em
nosso pas, que possibilitou a ampliao de vagas para estudantes e
profissionais da educao nas ltimas dcadas. Os espaos escolares na
atualidade, distantes dos para- digmas elitistas e difusores de sua
suposta eficincia nas prticas de ensino, nos desempenhos escolares,
na uniformizao dos comportamentos e na harmonizao das relaes
sociais, so na realidade plenos de vida, contradies, desejos e
potencialidades de produo de conhecimentos. Para alm das tendncias
de culpabilizao, importante reconhecer que cada vez mais profissio-
nais da Educao Bsica brasileira produzem experincias curriculares
que incorporam a diversidade sociocultural e a pluralidade das
vozes participantes dos processos pedaggicos formais. Visite a
comunidade Espaos que Ensinam do Portal Ensino Mdio EMdi- logo
(http://www.emdialogo.uff.br/) e se inscreva. No portal voc
encontrar textos e vdeos e poder participar de dilogos sobre a
escola e suas relaes com a comunidade, as demandas atuais, as
atuaes de estudantes, profes- sores e funcionrios em busca da
construo coletiva de espaos e tempos escolares melhores para os
processos educativos.
21. 20 Cincias Humanas Retomando as discusses estimuladas pelo
referido Caderno II (BRASIL, 2013) ao invs de elencar- mos os
problemas da juventude na escola ou as mazelas relatadas pelos
jovens no cotidiano escolar, vamos focalizar nossas reflexes a
partir das DCNEM (BRASIL, 2012), com destaque para a centralidade
dos jovens estudantes como sujeitos do processo educativo tal como
proposto no Parecer n 05/2011 do Conselho Nacional de Educao
(BRASIL, 2011). O documento explicita a necessidade de uma reinven-
o da escola no sentido de garantir o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crtico (artigo III), e o
reconhecimento e aceitao da diversidade e da realidade concreta dos
sujeitos do processo educativo, das formas de produo, dos processos
de trabalho e das culturas a eles subjacentes. (Artigo VII) Desde
que a LDB n 9.394/96 foi sancionada, identificamos o intenso debate
a respeito da rein- veno dos espaos escolares. As atuais DCNEM
reforam essa ideia ao destacar o protagonismo dos jovens estudantes
como sujeitos do processo educativo. Ns, profissionais da educao,
somos chamados a reinventar a escola junto com nossos estudantes,
ao mesmo tempo em que buscamos garantir o direito aprendizagem e ao
desenvolvimento do educando por meio de sua formao tica, do
desenvolvimento da sua autonomia intelectual e do seu pensamento
crtico. Mas como reconhecer e aceitar a diversidade e a realidade
concreta dos sujeitos do processo educativo se, em vrias ocasies,
no estabelecemos dilogos abertos e democrticos com os sujeitos
desse processo? Antes de reinventarmos a escola na companhia dos
nossos jovens estudantes, propomos algumas perguntas aos
professores e professoras que so chama- dos a participar desse
processo educativo: Podemos afirmar que, efetivamente, conhecemos
nossos jovens estudantes do Ensino Mdio? Quando e onde eles
nasceram? Com quem vivem? Como gostariam de viver? Qual o valor da
famlia e dos amigos para esses jovens? Como eles leem o mundo? A
escola contribui para prticas de leitura de mundo realizadas pelos
jovens estudantes? O que eles esperam dos estudos escolares? Os
jovens estudantes do Ensino Mdio que frequentam o perodo diurno
apresentam as mesmas demandas daqueles que frequentam o perodo
noturno? Segundo os jovens estudantes do Ensino Mdio, qual o papel
dos seus professores na sociedade atual? As Cincias Humanas so
valorizadas pelos jovens estudantes? Por qu? Os estudos
tradicional- mente propostos pela rea das Cincias Humanas se
aproximam dos interesses e necessidades dos estu- dantes do Ensino
Mdio? Ento, para iniciarmos nossas reflexes, no queremos esgotar o
rol de perguntas possveis para saber o quanto conhecemos nossos
jovens estudantes, pois cada espao escolar e grupo social tm suas
especificidades. No entanto, lembramos que nossa realizao como
docentes est vinculada ao conheci- mento que temos sobre esses
sujeitos. Como indicado no Caderno II (BRASIL, 2013) da etapa
anterior desta formao, com base nos preceitos antropolgicos
necessrio conhecer para compreender. Assim,
22. 21 Formao de Professores do Ensino Mdio ao reconhecermos as
experincias, os saberes e as identidades cultu- rais de nossos
estudantes, temos condies de estabelecer dilogos e construir
relacionamentos profcuos. Problematizar as relaes entre os sujeitos
na contemporanei- dade, ressaltando as relaes entre os sujeitos
integrantes das comu- nidades escolares, tambm uma de nossas
intenes. Vivemos sob a gide de padres culturais imersos numa lgica
de mercado, marcados desde o advento da modernidade pela valorizao
do individualismo, hierarquizao de poderes e saberes,
compartimentalizao dos co- nhecimentos, desconstruo de
padres/valores ticos, dentre outras questes. Pensando nos processos
educativos, os quais pressupem atuaes coletivas e integradoras, o
desconhecimento do outro um grande entrave para a viabilizao dos
objetivos propostos na LDB ou nas DCNEM. Nesse sentido, precisamos
buscar a compreenso das realida- des socioculturais que esto
presentes nas comunidades escolares para efetivamente conhecermos
nossos parceiros no desenvolvimento dos processos educativos,
sobretudo os jovens estudantes. A escola p- blica o espao onde o
dilogo, a colaborao e o comprometimento coletivo podem
potencializar os processos educativos dos sujeitos. As prticas de
ensino alheias realidade social da comunidade, o incenti- vo
competitividade entre os estudantes, a ausncia de debates, de es-
paos de negociao e de participao democrtica na gesto escolar apenas
concorrem para o desencantamento com a instituio escolar.
Valorizando-se as concepes democrticas que norteiam a le- gislao
educacional vigente no Brasil, entendemos que possvel su- perar os
fenmenos considerados promotores do mal-estar em nossas instituies
de ensino, construindo novos paradigmas de relaciona- mento com os
jovens estudantes, alm de garantir os direitos apren- dizagem e ao
desenvolvimento por meio dos conhecimentos traba- lhados pelos
componentes curriculares da rea de Cincias Humanas. Neste sentido,
os prximos itens pretendem explorar melhor as contribuies do dilogo
interdisciplinar entre os componentes cur- riculares que formam as
Cincias Humanas, visando dois processos distintos, mas simultneos:
primeiro, no que diz respeito compreen- so dos sujeitos da
aprendizagem por parte dos professores e segundo, na apropriao, por
parte destes sujeitos, de formas de compreenso de si mesmos, das
relaes de que so constitudos e constituintes, da sociedade de que
fazem parte. Por fim, avanaremos, ainda que pre- Alguns trabalhos
abor- dam as relaes sociais no mundo contemporneo atravs de
perspectivas culturais: Sennett (1997, 1998, 2000); Giddens (1991,
2002); Gay (1988, 1999); Benjamin (1994, 2009); Sevcenko (1998,
1999); Ortiz (1991). Os subitens 1.1.4, 1.1.5. e 1.2 deste Caderno
j apontaram algumas ideias relacionadas concepo de modernidade para
as sociedades europeias oci- dentais. Os trabalhos que abordam as
relaes so- ciais no mundo contem- porneo, citados SAIBA MAIS
anterior, tambm contribuem para as refle- xes sobre a modernidade
ocidental e seus desdobra- mentos socioculturais.
23. 22 Cincias Humanas liminarmente, na discusso de um currculo
que promova a educao integral dos sujeitos envolvidos no processo
educativo, a partir das contribuies da rea das Cincias Humanas.
2.1. Contribuies das Cincias Humanas para a compreenso da relao
entre Juventude e Educao Caro professor, cara professora, as
perguntas feitas na introduo desta unidade no tm respostas simples.
Contudo, o conjunto dos componentes curriculares da rea de Cincias
Humanas pode contribuir com chaves analticas que nos permitam
compreender melhor este jovem que ingressa, permanece ou se afasta
da escola. Em outras palavras, permite que encaremos de frente
aquele desafio colocado na introdu- o deste Caderno, qual seja, o
desejo de termos uma escola com gente de verdade. Comecemos com
alguns procedimentos que particularizam as Cincias Humanas e as
tornam, por assim dizer, cincias reflexivas, isto , que pensam
sobre a historicidade de suas prprias prticas, sobre os sujeitos
que as pensam e sobre a prpria sociedade. Estes procedimentos
investigativos, os quais po- dem ser entendidos tambm como
perspectivas de atuao, so a desnaturalizao, o estranhamento e a
sensibilizao. Vejamos cada uma delas. A desnaturalizao significa,
justamente, o oposto daquela atitude de achar que tudo na vida na-
tural, como se a realidade correspondesse exatamente s representaes
que fazemos dela. Ou seja, o procedimento da desnaturalizao
consiste em interpretar e reinterpretar o mundo, construir novas
expli- caes para alm daquelas mais recorrentes, usuais, rotineiras,
banais ou simplistas, existentes em nossas vivncias cotidianas e no
que chamamos de senso comum. No se trata simples ou exclusivamente
de desprezar explicaes consideradas simplistas, mas conceb-las como
explicaes e representaes que foram construdas em algum momento, num
passado remoto ou mesmo no presente, e difundidas a tal Visite a
comunidade Feito EMdilogo do Portal Ensino Mdio EMdilogo
(http://www.emdialogo.uff.br/). Esta comunidade hospeda os contedos
produ- zidos e disponibilizados pelo Portal, dentre os quais
destacamos as questes de interesse dos jovens como a violncia nas
proximidades e nos ambientes escolares, a ausncia de novas
tecnologias em sala de aula, atos preconceituo- sos, tenses nos
relacionamentos sociais e o distanciamento entre professores e
estudantes. Acesse a comunidade, compartilhe os contedos com seus
colegas da escola e participe das discusses. importante lembrar que
as Cincias Humanas, conforme dissemos na unidade 2, precisa
realizar, para todos os contedos trabalhados, os processos
investigativos ou as perspectivas que levem desnaturalizao, ao
estranhamento e sensibilizao. Um exemplo disso pode ser dado quando
se desnaturaliza a desigualdade social, contextualizando-a no
processo de formao da sociedade brasileira, comparando-a com a
realidade de pases com baixas desigualdades e causando, dessa
forma, o estranhamento. O debate sobre as formas de reverter a
desigualdade pode levar sensibilizao para a atuao cidad.
24. 23 Formao de Professores do Ensino Mdio ponto que, para
muitos, se tornam explicaes naturalizadas de como as coisas
realmente funcionam. Romper com a atitude de achar tudo natural
implica, portanto, em estranhar esse prprio mundo, nosso cotidiano,
nossas rotinas mais usuais. Assim, a perspectiva do estranhamento
requer certo reencantamen- to do mundo, isto , uma atitude de
voltar a admir-lo e de no ach-lo normal. Implica tambm em no nos
deixarmos levar por aquilo que usualmente conhecemos como
conformismo e resignao. Ou seja, sentir-se insatisfeito ou
incomodado com a vida como ela nos conduz a formular perguntas,
sugerir hipteses, questionar portanto os prprios fatos, tais como
eles se nos apresentam. Por fim, a sensibilizao pode ser entendida
como a possibilidade de percepo atenta das vivncias e experincias
individuais e coletivas, rompendo-se assim com atitudes de
indiferena e incompreenso na relao com o outro e com os problemas
que afetam comunidades, povos e sociedades. Assim, as perspectivas
da desnaturalizao, do estranhamento e da sensibilizao podem ser en-
tendidas como ferramentas cruciais para o desenvolvimento de uma
postura investigativa, atitude fun- damental para a problematizao
dos fenmenos considerados os mais triviais da realidade. Aqui,
talvez repouse o aspecto mais importante do legado das Cincias
Humanas para a aprendizagem, qual seja, o de fomentar conhecimentos
emancipatrios, voltados ao enfrentamento de dilemas de nossa
contempora- neidade. Afinal, a pergunta sobre qual escola queremos
deve ser objeto de nossa reflexo. A mencionada reinveno dos espaos
escolares requer a aceitao da diversidade e da realidade concreta
dos sujeitos, alm de posturas investigativas e atuantes por parte
dos profissionais da educao e dos jovens estudantes. Antes de
prosseguirmos com as perspectivas colocadas acima, convm
desenvolver, ainda que de forma breve, algumas consideraes sobre a
escola e seus sentidos possveis. Como afirma Theodor Ador- no
(2003), a educao tem sentido unicamente como educao dirigida a uma
auto-reflexo crtica (ADORNO, 2003, p. 121), reflexo essa que busque
superar aquilo que o autor designa como tabus. Isto , representaes
inconscientes ou pr-conscientes, preconceitos psicolgicos e sociais
que se conservam no discurso do senso comum e que, a despeito de em
grande parte perderem sua base real, sedimentam- se de forma
coletiva e se convertem em foras reais que moldam a forma como
enxergamos o mundo. Theodor Adorno (2003), ao posicionar-se
publicamente ao longo dos anos 1960 em torno de temas rela-
cionados educao, a partir da crtica que fazia aos meios de
comunicao de massa e, de modo geral, indstria cultural, estava
convicto de que a educao no era, necessariamente, um fator de
emancipa- o. Ao contrrio, englobada como estava e ainda est , em
processos de desumanizao e reificao tpicos da contemporaneidade
capitalista (o que implica na naturalizao do mundo, das relaes
sociais e da prpria humanidade a partir da mercantilizao da vida),
poderia reproduzir o horror e a barbrie em nome da Razo ou da
Modernidade. Nesse sentido, o objetivo da escola deveria ser a
desbarbarizao da humanidade, por mais restritos que pudessem ser o
alcance e as possibilidades atribudas escola. Outro argumento
instigante o desenvolvido por Bernard Charlot (2000) a partir das
pesquisas de Franois Dubet (1994), para quem a escola, assim como a
sociedade, no pode ser analisada como um sistema regido por uma
lgica nica mas, ao contrrio, estruturada por vrias lgicas de ao,
tais como processos de socializao, subjetivao, distribuio de
competncias, dentre outras. O sentido da escola deixa de ser dado
de antemo para ser, ao contrrio, construdo pelos atores, pelos
sujeitos, por suas expe- rincias individuais e coletivas. Em outras
palavras, a escola fabrica ou contribui para fabricar, atores e
su-
25. 24 Cincias Humanas jeitos de naturezas diferentes. As
reflexes de Charlot e Dubet nos conduzem a pensar melhor a
principal questo que norteia esta unidade, qual seja, os sujeitos
da aprendizagem: a experincia escolar, afirma Charlot, a de um
sujeito e uma sociologia da experincia escolar deve ser uma
sociologia do sujeito. (CHARLOT, 2000, p. 38) Podemos agora,
prosseguindo na argumentao de Bernard Charlot (2000), retomarmos
aquelas perspectivas norteadoras das Cincias Humanas
(desnaturalizao, estranhamento e sensibilizao), ob- jetivando a
construo de chaves analticas que os professores e professoras do
Ensino Mdio possam mobilizar para compreender a si mesmos, bem como
aos estudantes, como sujeitos da aprendizagem. Estas chaves tambm
podem, e devem, ser mobilizadas pelos prprios estudantes a partir
dos diferentes componentes curriculares articulados na rea de
Cincias Humanas. As reflexes apresentadas acima vi- sam tornar mais
palpveis algumas das premissas apontadas no Parecer CNE/CEB n
05/2011 (BRASIL, 2011), em sua exposio dos princpios norteadores
das DCNEM (BRASIL, 2012), dentre as quais aquela que enfatiza a
necessidade de oferecer aos nossos jovens novas perspectivas
culturais para que possam expandir seus horizontes e dot-los de
autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado e produo coletiva de novos conhecimentos,
sem perder de vista que a edu- cao tambm , em grande medida, uma
chave para o exerccio dos demais direitos sociais. (BRASIL, 2011,
p.1). Neste sentido, se partimos de premissas tais como as de que o
Ensino Mdio tem como pblico os Jovens de modo geral, ou se partimos
de problemas sociais como fracasso escolar, evaso ou desin- teresse
dos jovens pela escola, ou ainda da violncia e de formas de
transgresso, isto , todas aquelas referncias apontadas no Caderno
II da Etapa I (BRASIL, 2013), o que podemos fazer , antes de tudo,
problematizar a historicidade e o alcance daquelas poderosas vises
que constrem nossa realidade. O dilogo entre os componentes
curriculares das Cincias Humanas nos fornece pistas e caminhos
metodolgicos que nos permitem pr em questo essas pr-noes.Assim,
quando tomamos a juventude ou a evaso escolar como objetos, para
ficarmos nestes exemplos, estamos simplesmente reproduzindo o que o
senso comum, a viso comumente aceita e tida como verdade e os
discursos autorizados sobre tais problemas, enfatizam. Ou seja, a
Juventude ou a Evaso Escolar so percepes de fenmenos sociais muito
complexos, percepes essas construdas num contexto de relaes sociais
nas quais as disputas em torno de seu significado no so ntidas. A
princpio esta afirmao pode causar estranheza. Afinal, no parece
bvio que a Juventude ou a Evaso existam? A que est o X da questo, e
que tornam as Cincias Humanas to importantes para uma educao
emancipadora: os objetos destas cincias so o mundo social, o mundo
que nos familiar, seja no presente ou no passado. Por outro lado,
os conceitos de que tais cincias se utilizam, muitas ve- zes
confundem-se com a linguagem cotidiana, expresso deste mesmo mundo
que as Cincias Humanas investigam. Ento, como poderamos romper com
o senso comum? Desnaturalizar, estranhar e sensi- bilizar implicam,
em termos prticos, em um exerccio de pr em relao aquilo que
conhecemos como evidncias empricas, inquestionveis, existentes por
si ss. Uma atitude cara Sociologia, mas no exclu- siva dela,
consiste em, nas palavras de Pierre Bourdieu, tomar para objeto o
trabalho social de construo do objeto pr-construdo: a que est o
verdadeiro ponto de ruptura. (BOURDIEU, 1998, p. 28). Assim,
26. 25 Formao de Professores do Ensino Mdio termos como
Juventude ou Evaso Escolar, por exemplo, da perspectiva das Cincias
Humanas, de- vem antes de tudo serem postos em relao com o contexto
em que foram produzidos historicamente. Em suma, devem ser
investigados enquanto noes e percepes que tm uma historicidade e um
espao de produo, que variam de uma cultura para outra e mesmo no
interior de uma mesma sociedade. Em outras palavras, no mbito do
dilogo entre os componentes curriculares das Cincias Hu- manas,
preciso levar em conta uma prtica cientfica que no se exima de pr
em causa suas prprias operaes e seus instrumentos de pensamento,
seus conceitos e teorias, como primeiro passo em busca da forma
como outros instrumentos de pensamento, conceitos e teorias, muitas
vezes popularizados, foram construdos. Essa autorreflexo , talvez,
a maior contribuio que os professores e professoras do Ensino Mdio
podem se apropriar para pensar os sujeitos da aprendizagem e a si
prprios. Como tal, tambm um exerccio que pode ser estimulado com e
pelos estudantes, potencializando o prazer pelo saber e pelo
conhecimento de Si e do Outro como parte de uma estratgia para a
autonomia intelectual. 2.2 Para que servem as Cincias Humanas? Qual
professor, durante suas aulas, nunca ouviu de determinado estudante
a indagao, suposta- mente desafiadora: para que serve esta
disciplina? Antes mesmo de formular uma resposta adequada, o
professor tambm pode ter ouvido de outros estudantes: para passar
no vestibular; para tirar uma boa nota no ENEM; para no repetir de
ano. Entre os estudantes que buscam uma utilidade prtica para as
atividades desenvolvidas nas escolas e os estudantes que vislumbram
potencialidades socioculturais mais amplas, podemos encontrar
jovens angustiados com as perspectivas do mercado de trabalho,
inconformados com suas configuraes familia- res, desmotivados com o
cenrio cultural e poltico de sua regio, preocupados com sua insero
e aceita- o nos meios sociais prximos. Infinitas questes povoam as
cabeas de nossos jovens estudantes do Ensino Mdio, que alm de
estarem matriculados em nossas escolas, encontram-se em uma fase da
vida marcada por processos de transio repletos de dilemas,
indefinies, questionamentos e crises. Nesse sentido, reafirmamos a
importncia da discusso referente s identidades juvenis. Com tantas
questes existenciais, os jovens estudantes valorizam os
conhecimentos abordados pe- los componentes curriculares? Eles esto
mais preocupados com seus espaos e tempos de sociabilidade e
prticas coletivas ou com as, muitas vezes, repetitivas experincias
curriculares? Caro professor, cara professora, temos que
reconhecer, muitas vezes atuamos em salas de aula sem sabermos
quais so as principais demandas trazidas pelos jovens estudantes,
sujeitos do processo educati- vo que ainda precisam exercer, na
prtica, o protagonismo nos espaos e tempos escolares. No Caderno II
(BRASIL 2013) da Etapa I, a unidade 2. Jovens, culturas,
identidades e tecnologias proporcionou reflexes acerca dos desafios
de compreender o jovem nos cenrios socioculturais contemporneos e
os ml- tiplos trajetos possveis para a existncia do tempo de
juventude.
27. 26 Cincias Humanas Mas como os professores do Ensino Mdio
podem conhecer as demandas de tantos jovens estudan- tes? H tempos
e espaos escolares para tal tarefa? Bem, como j explicitado, no
simples atendermos s inmeras atividades que so colocadas aos
profissionais da educao. Entretanto, podemos pensar em estratgias
que ampliem as leituras dos nossos estudantes em relao aos
componentes da rea de Cincias Humanas, buscando aproximaes
instigantes entre a realidade social e as chaves analticas que
destaca- mos no item anterior. Algumas das marcas mais
caractersticas de nosso tempo so as constantes, intensas e
desafiadoras mudanas que atingem distintos grupos sociais
concomitantemente. Entre os jovens estudantes, as novas tecnologias
lanadas no mercado em ritmo cada vez mais acelerado apresentam
apelos consumistas e simblicos capazes de alterar suas formas de
leitura de mundo, prticas de convvio, comunicao, participao poltica
e produo de conhecimento, interferindo efetivamente no conjunto de
suas relaes sociais. Diante deste cenrio de mudanas, os
profissionais da educao precisam refletir sobre os projetos
pedaggicos em curso, reafirmando a preocupao com a plena formao
para o exerccio da cidadania, fundada na incorporao dos elementos
culturais como desdobramento do processo de humanizao. Considerando
os procedimentos investigativos mencionados no item 2.1, podemos
analisar critica- mente as potencialidades e os limites das novas
tecnologias. Nossos jovens estudantes, invariavelmente muito bem
informados e, ao mesmo tempo, seduzidos pelos equipamentos, marcas,
funcionalidades, in- terfaces, aplicativos e demais especificaes
tcnicas disponibilizadas no mercado, podem discorrer sobre aspectos
da cultura digital, que ganha fora dia aps dia. Por outro lado,
para ns professores, a problematizao das novas tecnologias uma
interessante oportunidade para estabelecermos um dilogo mais prximo
com nossos estudantes, conhecendo um pou- co mais sobre suas vises
de mundo, expectativas, dilemas, anseios. Voltando aos
procedimentos investigativos do item anterior, ao trabalharmos com
as perspectivas da desnaturalizao, do estranhamento e da
sensibilizao, podemos compreender, bem como tornar compreensveis
aos estudantes, o impacto cotidiano das novas tecnologias de
informao, desde o uso de celulares e smartphones, passando pela
produo de contedos na internet, em sites e nas redes sociais, at s
formas de sociabilidade produzidas historicamente por tais mediaes.
Em suma, abrimos uma possibilidade metodolgica de desenvolver
projetos educacionais que abordem a relao entre as novas
tecnologias e a sociedade, possibilitando tanto a compreenso da
complexidade do mundo contempor- neo, como tambm permitindo a
construo de espaos nos quais o dilogo entre saberes, fazeres e
vises de mundo distintos possam contribuir para o desenvolvimento
integral de todos e de cada um. Nesse sentido, os projetos
educacionais aproximam-se tambm de diretrizes ticas e polticas que
reafirmam o papel humanizador da escola na contemporaneidade.
dentro desse ambiente escolar, pautado por dire- trizes ticas e
polticas capazes de estimular a reavaliao das funes historicamente
constitudas para No Caderno II da Etapa I, a unidade 2.1. Jovens em
suas tecnologias digitais abordou aspectos importantes que podem
ser retomados agora. Ampliaremos a discusso na unidade 3. Trabalho,
Cincia,Tecnologia e Cultura na rea de Ciencias Humanas deste
Caderno.
28. 27 Formao de Professores do Ensino Mdio as prprias
instituies escolares , que os projetos educacionais encontram e
valorizam as demandas de nossos jovens estudantes. Buscando atender
s demandas atuais, os profissionais da escola pblica brasileira
precisam consi- derar a historicidade dos paradigmas clssicos
constitudos pela tradio educacional para estabelecerem amplos
dilogos com os paradigmas emergentes, oriundos da complexidade
sociocultural contempornea. Os componentes curriculares da rea das
Cincias Humanas so fundamentais para a construo dessa escola pblica
capaz, tanto de compreender os jovens estudantes, como torn-los
compreensveis a si mesmos. Nesse sentido, estimular a imaginao
sociolgica que, evidentemente, no se esgota no componente
curricular da Sociologia implica compreender as relaes entre a
biografia individual e o contexto histrico e social mais amplo. O
desafio da anlise da sociedade tambm um exerccio de
autoconhecimento. Atravs desta imaginao, o estudante compreende,
problematiza e ressignifica sua prpria experincia, e a situa no
mbito de permanncias e rupturas em diferentes escalas locais,
regionais, nacionais e mundial. nesta perspectiva que podemos
situar a sensibilizao diante de diversas temticas cotidianas,
dentre as quais se destacam as questes ambientais, as polticas
afirmativas de incluso, as perspectivas de superao das diversas
formas de desigualdade (socioeconmica, racial, de gnero), as formas
socio-his- tricas de construo de identidades (culturais,
religiosas, tnico-raciais, geogrficas, etc). Ainda, me- diante a
desnaturalizao da revoluo microeletrnica, da cultura digital, dos
processos de globalizao, dentre outras questes, que o jovem
estudante pode tambm se apropriar de formas de conhecimento que lhe
parecem, muitas vezes, inacessveis. Por fim, por meio do
estranhamento do mundo, dos conheci- mentos produzidos sobre este
mundo e dos discursos que o apresentam como imutvel (a vida como
ela , A realidade essa etc.) que, dialeticamente, o jovem estudante
pode pr em questo a pretensa verdade dos fatos e requisitar uma
atuao crtica e emancipadora. Assim, constatamos que no faltam
desafios s instituies escolares, aos profissionais da educao e aos
estudantes e comunidades, para a construo de uma escola plural e
diversa, comprometida no apenas com a insero qualificada no mundo
do trabalho, mas especialmente nas novas configuraes e relaes
sociais. Entendemos que a escola e seus processos educativos no
podem ser reduzidos s media- es estritas do mercado de trabalho. Se
por um lado no podemos desconsiderar a formao do sujeito para a
vida social, que inclui o mundo do trabalho, por outro lado as
instituies educacionais tm funo primordial na formao de sujeitos
crticos e no tutelados, capazes de desenvolver autonomia tica e
elevao esttica, e preparados para criarem e se engajarem em
processos de discusso e de articulao sociopolticos solidrios,
democrticos e participativos. REFLEXO E AO Caro professor, cara
professora, como sugesto para o desenvolvimento de um bom trabalho
e com foco no processo de humanizao, sugerimos a realizao de um
exerccio simples com os jovens. Pea que eles escrevam (ou utilizem
outra forma de expresso mais atraente, como um pequeno vdeo, uma
teatralizao etc) quais so seus valores atuais, seus planos para o
futuro, e como eles se imaginam daqui a 10 anos.
29. 28 Cincias Humanas Acreditamos que com este exerccio
simples voc poder se surpreender com a beleza de muitos sonhos, com
o valor que estes jovens do a famlia e a escola. Esses dados podem
ser expostos, sem iden- tificao dos autores, mas como forma de
valorizar o jeito de cada um. Lembre-se que conhecer os sujeitos da
aprendizagem fundamental. Poder fazer toda a diferena na conduo das
nossas aulas. Nos tornar profissionais mais prximos do que o jovem
estudante tambm espera de um professor. Depois de realizar essa ao,
registre as concluses por escrito e socialize no seu grupo de
estudo. 3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Cincias
Humanas Caro professor, cara professora, como de seu conhecimento,
as DCNEM apresentam como eixos integradores as dimenses do
trabalho, da cultura, da cincia e da tecnologia. Esses eixos buscam
superar o historico conflito sobre o papel da escola: formar para a
cidadania ou para o trabalho produtivo. Essas dimenses superam
inclusive o peso que as reas do conhecimento tm no currculo e na
formao dos sujeitos. Consideramos o papel das Cincias Humanas de
extrema relevncia no desenvolvimento dessas dimenses. As Cincias
Humanas tm, na essncia dos seus diferentes componentes
curriculares, o potencial e a responsabilidade de liderar reflexes
importantes no cotidiano escolar. Essas reflexes so fundamentais
para a formao cidad e para a leitura de mundo dos jovens
brasileiros. Professores, ns que atuamos no Ensino Mdio, assumimos
o compromisso de trabalhar para a con- cretizao do direito dos
nossos estudantes compreenso das inter-relaes entre os fenmenos
sociais e culturais, alm da prpria construo da ideia de natureza ao
longo do tempo. Os fenmenos naturais, quando analisados em diversas
escalas, permitem aos jovens estudantes perceberem as diferentes
vises de mundo e situar-se como integrante dessa comunidade global.
Alm disso, a aprendizagem dos fenmenos da natureza permite o
desenvolvimento de atitudes de preservao que se concretizam sobre o
local, manifestando assim, uma ao cidad. Os novos paradigmas da
modernidade em contexto de mundializao ou glo- balizao, segundo
Pinto (2005), apresentam uma mudana educacional, j que exigem
diferentes respostas que esto distantes de um nico modelo de
escola. Fazer parte de uma Comunidade Global parte da compreenso do
Planeta como nico, e ns como integrantes da mesma comunidade
humana. Sugerimos para aprofundamento: PINTO, Luiz Castanheira.
Educar para uma Cidadania Global? Cadernos de InDucar. Setembro,
2005, p. 1-10. Disponvel em:
http://www.inducar.pt/webpage/contents/pt/cad/teoriaClassesPierreBourdieuEduca-
caoNF.pdf Acesso em: 13/8/2014.
30. 29 Formao de Professores do Ensino Mdio O Parecer CNE/CEB n
05/2011 (BRASIL, 2011) que dispe sobre as DCNEM, ao citar a Lei de
Diretrizes e Bases da Educao (LDB n 9394/96), aponta o Ensino Mdio
como etapa que deve pos- sibilitar aos adolescentes, jovens e
adultos trabalhadores, o acesso aos conhecimentos que permitam a
compreenso das diferentes formas de explicar o mundo, seus fenmenos
naturais, sua organizao social e seus processos produtivos. Nesse
caso, as Cincias Humanas tm um papel primordial, pois alm de
localizar os estudantes no tempo e no espao, por meio da dimenso
cultural, permite dialogar com as espe- cificidades dos diversos
grupos sociais. A tecnologia, como uma das dimenses, auxilia tanto
como mtodo de abordagem como estratgia por tornar menores as
distncias, o mundo mais conectado e a apren- dizagem mais atraente
aos jovens nativos digitais. As DCNEM apontam, em uma das suas
premissas, a pesquisa como princpio pedaggico. Essa premissa
demanda que ns profes- sores estejamos empenhados na escolha de
estratgias de aprendizado e organizao das aulas, focando sobretudo
a forma como os nossos estudantes aprendem. Por isso, planejar
estratgias de investigao e de pesquisa ultrapassa a pura e simples
dimenso do ensino para abranger a aprendizagem significativa,
duradoura e transformadora. Essas atividades desafiam nossos
estudantes na busca de respostas para questes que, provavelmente,
ainda no foram realizadas. Os estudantes passam a ser ativos na
construo do seu prprio conheci- mento. (BRASIL, 2012, p. 4) Essa
atitude pode ter incio na caracterizao dos diferentes conceitos
sobre tempo, reconhecendo os tempos histricos homo- gneo, linear,
cclico, finito, infinito e mtico, entre outros os quais permitem a
percepo do ritmo e a durao temporal, bem como a aprendizagem sobre
a forma como as sociedades humanas convivem e se diferenciam, ainda
que coexistam no mesmo perodo de tempo. J a caracterizao sobre
espao, implica em refletir sobre lugar, paisagem, territrio e
natureza, que relacionadas anlise de territrio, promo- vem uma viso
crtica sobre o mundo, partindo do seu lugar, menor espao apropriado
pelo ser humano. Segundo Milton Santos (1978) o espao tambm social
e per- mite reconhecer suas categorias analticas internas como a
paisagem, a configurao territorial, a diviso territorial do
trabalho. A dimenso do trabalho, portanto, imprescindvel para
auxiliar tanto em estrat- gias de investigao como na anlise das
transformaes locais. Nesse sentido, os jovens seriam motivados por
projetos que buscam fazer a Consulte as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM - no site do MEC. Disponvel em:
http://portal.mec.gov.br/ index.php?option=com_
content&view=article&i- d=12663&Itemid=1152 Nativos
digitais - termo empregado pela primeira vez no artigo Digital Na-
tives, Digital Immigrants, do escritor e designer de jogos na
internet norte-a- mericano Marc Prensky, em 2001. Esse termo ga-
nhou fora porque ajudou a retratar o fenmeno das crianas e jovens
que nas- ceram na era da tecnologia digital. Voc pode apro- fundar
esse tema acessan- do o portal do MEC no endereo abaixo:
http://portaldoprofes- sor.mec.gov.br/storage/mate-
riais/0000012178.pdf
31. 30 Cincias Humanas diferena, seja na escola, com a criao do
Grmio Estudantil, seja na comunidade, com a coleta seletiva do
lixo, por exemplo. Afinal, nossa interferncia cidad acontece de
forma mais efetiva no nosso lugar, embora a tecnolo- gia, com
destaque para as mdias sociais, amplie em muito o poder de
interferncia do cidado. Podemos dizer que at amplia a categoria do
lugar. As manifestaes sociais que ocorreram no pas a partir de
junho de 2013 as chamadas jornadas de junho , foram exemplares do
poder de mobilizao poltica dos jovens brasileiros em torno de
diver- sas questes, bem como evidenciaram o poder das redes
sociais. Dessa forma, aproveitar essa energia juvenil para promover
pequenas modificaes na comunidade poder ser significativo em sua
aprendizagem para a cidadania. Segundo o Parecer CNE/CEB n 5/2011,
que trata sobre as DCNEM, precisamos oferecer aos estudantes novas
perspectivas culturais para que possam expandir seus horizontes,
dotando-os de autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao
co- nhecimento historicamente acumulado e produo coletiva de novos
conhecimentos, sem perder de vista que a educao tambm , em grande
medida, uma chave para o exerccio dos demais direitos sociais.
(BRASIL, 2011, p. 1) A Cincia como dimenso para o Ensino Mdio
auxilia na compreenso da realidade, que apesar de ser empiricamente
observvel apreendida e atribuda de significado. A representao sobre
o mundo ou a natureza decorrente do que pensamos ou expressamos.
Neste sentido, as Cincias Humanas possuem O Projeto de ensino e
aprendizagem desenvolvido na Escola de Ensino M- dio Eng Annes
Gualberto de Imbituba-SC, (iniciado em 2013) em parceria com o
PIBID/UNISUL, foi intitulado pelos estudantes do Ensino Mdio Ino-
vador (ProEMI) de Ao Verde. O projeto se prope a auxiliar na formao
integral dos estudantes, modificando atitudes na relao com o meio
ambien- te, levando-os a refletir sobre a produo e seleo de resduos
slidos, tanto na escola como na sua casa. Os estudantes do ProEMI,
depois de diagnosti- car hbitos dos colegas em relao ao descarte do
lixo, procuraram socializar os resultados e sensibilizar a
Comunidade Escolar sobre a responsabilidade de cada um na melhoria
do ambiente escolar. Para implantar um projeto sobre a reciclagem
de lixo na sua Escola, sugere- se o site:
http://www.lixo.com.br/content/view/135/242/ Segundo Fachinetto e
Ribeiro (2013), refletir sobre as manifestaes sociais na atualidade
nos induz a reconstruo dos demaisconflitos da sociedade
contempornea, o que nos instiga a reconstruir tais processos no
mbito destas manifestaes. Assim, continuam os autores, o
entendimento de que o conflito inerente s relaes sociais e que a
sociedade contempornea est perpassada por uma multiplicidade de
conflitos sociais, nos auxiliaro a compreender e refletir em sala
de aula estas questes. Ver artigo em: FACHI- NETTO, Rochele
Fellini. RIBEIRO, Vitor Eduardo Alessandri. Juventudes, manifestaes
sociais e representaes sobre a violncia. O pblico e o pri- vado. n
21, Janeiro/Junho, 2013. Disponvel em:
http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&pa-
th%5B%5D=585 Acesso em: 01/6/2013.
32. 31 Formao de Professores do Ensino Mdio elementos
conceituais para colocar em questo a leitura de mundo, por meio de
dados cientificamente interpretveis. A realidade, interpretada
pelos sujeitos, carregada de signos culturais construdos
historicamente. importante criar nas nossas aulas uma fluidez de
significados e apontar para a relatividade dos padres de observao.
A partir da podemos aferir o quanto o emprico e o representado se
revestem de subjetividades, interpretaes e sentidos diversos,
construdos nas relaes sociais e em suas interfaces com o natural.
Ns professores compreendemos que os saberes sociais e os
conhecimentos cientficos envolvem a circulao e a ressignificao, e
que esses podem ser abordados nos projetos de ensino escolar para
interpretar a cultura das comunidades. Trata-se, dessa forma, de um
direito do estudante compreender a cultura e as suas expresses,
interpretando os seus sentidos mais amplos, os processos de
construo dos conhecimentos, a constituio das identidades
individuais e coletivas, sua estruturao do mundo social,
representaes religiosas, levando-se em conta os saberes sociais e
as produes cientficas. As relaes entre indivduos nas diferentes
sociedades so complexas e a sua compreenso no En- sino Mdio permite
ao estudante refletir sobre as suas prticas sociais. Callai (1999),
analisando a impor- tncia dos grupos sociais, afirma que: [...] o
grupo fundamental para a vida. No nosso cotidiano, ele
permanentemente vivido. Pertencemos a diversos grupos. []. nesse
processo de socializao que est embutido todo o aprendizado.
Portanto, os processos de socializao e aprendizagem so
intermediados pelos grupos e essencial para os jovens. Da os
diferentes grupos formados nas escolas e a importncia da percepo
sobre essas identidades para a ga- rantia da aprendizagem. (CALLAI,
1999, p. 67) Alm disso, cabe s Cincias Humanas a discusso sobre o
domnio do privado e do pblico, dis- cusso essa que extrapola os
limites do Estado e alcana segmentos expressivos da sociedade civil
e suas instituies associaes comunitrias, sindicais, religiosas e as
diversas mdias. Constituem espaos, por excelncia, de controvrsia,
de discusso e de cidadania, e por isso merecem ser objetos de
investigao e reflexo nas escolas do Ensino Mdio. Esse debate
importante para compreender a necessidade da garantia da livre
manifestao de interesses, ideias, crenas, valores e comportamentos.
Derivada desta relao podemos pensar, por exemplo, na relao entre
religio e Estado e a garantia de laicidade deste ltimo, justamente
para garantir a liberdade de pensamento e manifestao na esfera
pblica. Nesse sentido, ns professores do Ensino Mdio precisamos
promover atividades formativas que proporcionem a reflexo sobre os
desafios contemporneos relacionados s novas formas de convvio,
tolerncia e mutualidade, identidades e orientaes sexuais, valores,
crenas e manifestaes religiosas, Segundo Sirgado (2000), a funo
simblica, como toda funo superior ou cultural, tem sua origem numa
funo natural. Portanto, os signos culturais refletem como as
pessoas significam a sua cultura, as suas experincias, o que o
rodeia. Ver mais em: SIRGADO, Angel Pino. O social e o cultural na
obra de Vigotski. In.: Revista Educao e Sociedade. Ano XXI, n 71,
jul./2000. Disponvel em:
http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a03v2171.pdf
33. 32 Cincias Humanas direitos humanos, discriminaes de gnero,
cor e etnia, entre outros. Portanto, reconhecer as identidades, as
diferenas e os valores de alteridade direito do estudante, que
poder problematizar os fatores que contribuem tanto para a reproduo
como para a eliminao das formas de discriminao social. Outros
conceitos primordiais para as Cincias Humanas so a tica e a
Poltica. Para a reflexo das questes ticas com os jovens estudantes
do Ensino Mdio faz-se necessrio relacion-las a conceitos de bem e
de mal, de certo e de errado, de justia e de injustia e de virtude
e vcio, entre outros. Abre-se para a possibilidade de investigao
sobre as relaes polticas na comunidade qual a escola est
localizada. O estudo reflexivo e interpretativo da cultura local,
regional e nacional, luz das relaes entre tica e poltica, oferece
oportunidade para aprofundar as relaes entre o social e o
individual, o coletivo e o particular, o pblico e o privado. Alm
disso, o Estado e o Direito tambm so conceitos que norteiam o
trabalho dos componentes curriculares das Cincias Humanas. Para
alguns componentes curriculares esses conce