Cinco Lições Sobre a Vida e o Direito - Ministro Luís Roberto Barroso

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  • 7/25/2019 Cinco Lies Sobre a Vida e o Direito - Ministro Lus Roberto Barroso

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    CINCO LIES SOBRE A VIDA E O DIREITOMinistro Lus Roberto Barroso

    Segunda-feira, 20 de abril de 2015

    Patrono da turma de 2014 da faculdade de

    Direito da UERJ - Universidade do Estado do

    Rio de Janeiro, o ministro Lus Roberto

    Barroso, do STF, proferiu emocionante

    discurso com reflexes essenciais

    relacionadas Vida e ao Direito.

    AVIDA E O DIREITO:BREVE MANUAL DE INSTRUESI. Introduo

    Eu poderia gastar um longo tempo descrevendo todos os sentimentos bons que vieram ao meuesprito ao ser escolhido patrono de uma turma extraordinria como a de vocs. Mas ns somos vocs e eumilitantes da revoluo da brevidade. Acreditamos na utopia de que em algum lugardo futuro juristas falaro menos, escrevero menos e no sero to apaixonados pela prpria voz.

    Por isso, em lugar de muitas palavras, basta que vejam o brilho dos meus olhos e sintam a emoogenuna da minha voz. E ningum ter dvida da felicidade imensa que me proporcionaram.

    Celebramos esta noite, nessa despedida provisria, o pacto que unir nossas vidas para sempre,selado pelos valores que compartilhamos.

    lugar comum dizer-se que a vida vem sem manual de instrues. Porm, no resisti tentaomais que isso, ilimitada pretenso de sanar essa omisso. Relevem a insensatez. Ela frutodo meu afeto. Por certo, ningum vive a vida dos outros. Cada um descobre, ao longo do caminho,as suas prprias verdades. Vai aqui, ainda assim, no curto espao de tempo que me impus, umguia breve com ideias essenciais ligadas vida e ao Direito.

    II. A regra n 1 No nosso primeiro dia de aula eu lhes narrei o multicitado "caso doarremesso de ano". Como se lembraro, em uma localidade prxima a Paris, uma casa noturna

    realizava um evento, um torneio no qual os participantes procuravam atirar um ano, um deficientefsico de baixa altura, maior distncia possvel. O vencedor levava o grande prmio da noite.Compreensivelmente horrorizado com a prtica, o Prefeito Municipal interditou a atividade.

    Aps recursos, idas e vindas, o Conselho de Estado francs confirmou a proibio. Na ocasio,dizia-lhes eu, o Conselho afirmou que se aquele pobre homem abria mo de sua dignidade humana,deixando-se arremessar como se fora um objeto e no um sujeito de direitos, cabia ao Estadointervir para restabelecer a sua dignidade perdida. Em meio ao assentimento geral, eu observavaque a histria no havia terminado ainda.

    E em seguida, contava que o ano recorrera em todas as instncias possveis, chegando atmesmo Comisso de Direitos Humanos da ONU, procurando reverter a proibio. Sustentava ele

    que no se sentiao trocadilho inevitvel diminudo com aquela prtica. Pelo contrrio. Pelaprimeira vez em toda a sua vida ele se sentia realizado. Tinha um emprego, amigos, ganhavasalrio e gorjetas, e nunca fora to feliz. A deciso do Conselho o obrigava a voltar para o mundoonde vivia esquecido e invisvel.

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    Aps eu narrar a segunda parte da histria, todos nos sentamos divididos em relao a qual seriaa soluo correta. E ali, naquele primeiro encontro, ns estabelecemos que para quem escolhiaviver no mundo do Direito esta era a regra n 1:nunca forme uma opinio sem antes ouviros dois lados.

    III. A regra n 2 Ns vivemos em um mundo complexo e plural. Como bem ilustra onosso exemplo anterior, cada um feliz sua maneira. A vida pode ser vista de mltiplos pontosde observao. Narro-lhes uma histria que li recentemente e que considero uma boa alegoria.Dois amigos esto sentados em um bar no Alaska, tomando uma cerveja. Comeam, comoprevisvel, conversando sobre mulheres. Depois falam de esportes diversos. E na medida em quea cerveja acumulava, passam a falar sobre religio. Um deles ateu. O outro um homem religioso.Passam a discutir sobre a existncia de Deus. O ateu fala: "No que eu nunca tenha tentadoacreditar, no. Eu tentei. Ainda recentemente. Eu havia me perdido em uma tempestade de neveem um lugar ermo, comecei a congelar, percebi que ia morrer ali. A, me ajoelhei no cho e disse,bem alto: Deus, se voc existe, me tire dessa situao, salve a minha vida". Diante de taldepoimento, o religioso disse: Bom, mas voc foi salvo, voc est aqui, deveria ter passado aacreditar". E o ateu responde: "Nada disso! Deus no deu nem sinal. A sorte que eu tive quevinha passando um casal de esquims. Eles me resgataram, me aqueceram e me mostraram ocaminho de volta. a eles que eu devo a minha vida". Note-se que no h aqui qualquer dvidaquanto aos fatos, apenas sobre como interpret-los.

    Quem est certo? Onde est a verdade? Na frase feliz da escritora Anais Nin, ns no vemos ascoisas como elas so, ns as vemos como ns somos. Para viver uma vida boa, uma vidacompleta, cada um deve procurar o bem, o correto e o justo. Mas sem presuno ou arrogncia.Sem desconsiderar o outro.

    Aqui a nossa regra n 2: a verdade no tem dono.

    IV. A regra n 3 Uma vez, um sulto poderoso sonhou que havia perdido todos osdentes. Intrigado, mandou chamar um sbio que o ajudasse a interpretar o sonho. O sbio fez umar sombrio e exclamou: "Uma desgraa, Majestade. Os dentes perdidos significam que VossaAlteza ir assistir a morte de todos os seus parentes". Extremamente contrariado, o Sulto mandouaplicar cem chibatadas no sbio agourento. Em seguida, mandou chamar outro sbio. Este, aoouvir o sonho, falou com voz excitada: "Vejo uma grande felicidade, Majestade. Vossa Alteza irviver mais do que todos os seus parentes". Exultante com a revelao, o Sulto mandou pagar aosbio cem moedas de ouro. Um corteso que assistira a ambas as cenas se vira para o segundosbio e lhe diz: "No consigo entender. Sua resposta foi exatamente igual do primeiro sbio. Ooutro foi castigado e voc foi premiado". Ao que o segundo sbio respondeu: "a diferena no estno que eu falei, mas em como falei".

    Pois assim . Na vida, no basta ter razo: preciso saber levar. possvel embrulhar os nossospontos de vista em papel spero e com espinhos, revelando indiferena aos sentimentos alheios.Mas, sem qualquer sacrifcio do seu contedo, possvel, tambm, embal-los em papel suave,que revele considerao pelo outro.

    Esta a nossa regra n 3: o modo como se fala faz toda a diferena.

    V. A regra n 4 Ns vivemos tempos difceis. impossvel esconder a sensao deque h espaos na vida brasileira em que o mal venceu. Domnios em que no parecem fazersentido noes como patriotismo, idealismo ou respeito ao prximo. Mas a histria da humanidadedemonstra o contrrio. O processo civilizatrio segue o seu curso como um rio subterrneo,impulsionado pela energia positiva que vem desde o incio dos tempos. Uma histria que nos trouxe

    de um mundo primitivo de aspereza e brutalidade era dos direitos humanos. o bem que venceno final. Se no acabou bem, porque no chegou ao fim. O fato de acontecerem tantas coisastristes e erradas no nos dispensa de procurarmos agir com integridade e correo. Estes no sovalores instrumentais, mas fins em si mesmos. So requisitos para uma vida boa. Portanto,

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    independentemente do que estiver acontecendo sua volta, faa o melhor papel que puder. Avirtude no precisa de plateia, de aplauso ou de reconhecimento. A virtude a sua prpriarecompensa.

    Eis a nossa regra n 4: seja bom e correto mesmo quando ningum estiver olhando.

    VI. A regra n 5 Em uma de suas fbulas, Esopo conta a histria de um galo queaps intensa disputa derrotou o oponente, tornando-se o rei do galinheiro. O galo vencido,dignamente, preparou-se para deixar o terreiro. O vencedor, vaidoso, subiu ao ponto mais alto dotelhado e ps-se a cantar aos ventos a sua vitria. Chamou a ateno de uma guia, que oarrebatou em voo rasante, pondo fim ao seu triunfo e sua vida. E, assim, o galo aparentementevencido reinou discretamente, por muito tempo. A moral dessa histria, como prprio das fbulas, bem simples: devemos ser altivos na derrota e humildes na vitria. Humildade no significa pedirlicena para viver a prpria vida, mas to-somente abster-se de se exibir e de ostentar. Ao lado dahumildade, h outra virtude que eleva o esprito e traz felicidade: a gratido. Mas ateno, agratido presa fcil do tempo: tem memria curta (Benjamin Constant) e envelhece depressa(Aristteles). Portanto, nessa matria, sejam rpidos no gatilho. Agradecer, de corao, enriquecequem oferece e quem recebe.

    Em quase todos os meus discursos de formatura, desde que a vida comeou a me oferecer estepresente, eu incluo a passagem que se segue, e que pertinente aqui. "As coisas no caem docu. preciso ir busc-las. Correr atrs, mergulhar fundo, voar alto. Muitas vezes, ser necessriovoltar ao ponto de partida e comear tudo de novo. As coisas, eu repito, no caem do cu. Masquando, aps haverem empenhado crebro, nervos e corao, chegarem vitria final, saboreiemo sucesso gota a gota. Sem medo, sem culpa e em paz. uma delcia. Sem esquecer, no entanto,que ningum bom demais. Que ningum bom sozinho. E que, no fundo no fundo, por paradoxalque parea, as coisas caem mesmo do cu, e preciso agradecer".

    Esta a nossa regra n 5:ningum bom demais, ningum bom sozinho e precisoagradecer.

    VII. Concluso

    EIS ENTO AS CLUSULAS DO NOSSO PACTO,NOSSO PEQUENO MANUAL DE INSTRUES:

    1.NUNCA FORME UMA OPINIO SEM OUVIR OS DOIS LADOS;2.AVERDADE NO TEM DONO;3.OMODO COMO SE FALA FAZ TODA A DIFERENA;4.SEJA BOM E CORRETO MESMO QUANDO NINGUM ESTIVER OLHANDO;

    5.NINGUM BOM DEMAIS,NINGUM BOM SOZINHO E PRECISO AGRADECER.Aqui nos despedimos. Quando meu filho caula tinha 15 anos e foi passar um semestre em umcolgio interno fora, como parte do seu aprendizado de vida, eu dei a ele alguns conselhos. Paigosta de dar conselho. E como vocs so meus filhos espirituais, peo licena aos pais de vocspara repass-los textualmente, a cada um, com toda a energia positiva do meu afeto:

    I. FIQUE VIVO;II. FIQUE INTEIRO;

    III. SEJA BOM-CARTER;

    IV. SEJA EDUCADO;EV. APROVEITE A VIDA,COM ALEGRIA

    E LEVEZA.

    Vo em paz. Sejam abenoados. Faam o mundo melhor. E lembrem-se da advertncia inspiradade Disraeli: "A vida muito curta para ser pequena".