134
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA PPGEN ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE AULA DISSERTAÇÃO LONDRINA 2015

CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

  • Upload
    lybao

  • View
    225

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS

HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA – PPGEN

ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL

CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE

LETRAMENTO LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE

AULA

DISSERTAÇÃO

LONDRINA

2015

Page 2: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL

CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE

LETRAMENTO LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE

AULA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Humanas, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Área de concentração: Fundamentos e Metodologias para o Ensino de Ciências Humanas. Orientador: Prof. Dr. Maurício Cesar Menon

LONDRINA

2015

Page 3: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento
Page 4: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

TERMO DE APROVAÇÃO

CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO

LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE AULA

por

ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL

Esta Dissertação foi apresentada em 26 de junho de 2015 às 9 h como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências

Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas,

Sociais e da Natureza – PPGEN – da Universidade Tecnológica Federal do Paraná –

UTFPR – Campus Londrina. A candidata foi arguida pela Banca Examinadora

composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca

Examinadora considerou o trabalho _________________.

______________________________

Dr. Maurício Cesar Menon (UTFPR)

Orientador

______________________________

Dr. Givan José Ferreira dos Santos

(UTFPR)

2º Titular

______________________________

Dr. Thiago Alves Valente

(UENP)

1º Titular

______________________________

Dra. Alessandra Dutra Coordenadora do Curso

UTFPR - Campus Londrina

*A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza.

Ministério da Educação Universidade Tecnológica Federal do

Paraná Campus Londrina

Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Ensino de

Ciências Humanas, Sociais e da Natureza - PPGEN

sandrareis
Máquina de escrever
APROVADO
Page 5: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

A Deus, força maior, por me conceder sabedoria e me fortalecer nos momentos

de dificuldade.

À minha extraordinária mãe, que pelas noites em claro compartilhadas, pelo

apoio e incentivo incondicionais e pelos tantos ensinamentos, me inspirou a

sempre buscar novos desafios, questionar e superar meus próprios limites e

obter com isso, novas conquistas.

Page 6: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas foram fundamentais para a concretização deste trabalho e

não há palavras que possam expressar a proporção de minha gratidão. Agradeço

primeiramente a Deus por ser minha fortaleza e me revigorar nos momentos de

cansaço e desânimo.

A minha família, por acreditar em mim e por me apoiar desde o ingresso na

graduação, a conclusão da especialização e a tão comemorada aprovação no

mestrado. A minha vó, pela companhia e pelos conselhos. A minha mãe, meu

alicerce, apoio incessante, por estar ao meu lado em todas as etapas, segurando

minha mão nos sorrisos e nas lágrimas. Obrigada pela dedicação, pelo amor, por ser

meu porto seguro e por ter despertado em mim o amor pelos estudos.

Agradeço imensamente ao Dr. Maurício Cesar Menon, meu sábio e

exemplar orientador, que além de guiar e acompanhar meus passos nessa trajetória,

com seu profissionalismo e competência, me inspirou a buscar o meu melhor,

demonstrando a importância de um bom professor para o êxito e motivação de seus

alunos. Obrigada pela atenção, responsabilidade, dedicação e por sempre estar

disposto a me atender, solucionar dúvidas e direcionar meus caminhos.

A coordenação e vice-coordenação do Programa de Pós-Graduação em

Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza e a UTFPR - Londrina, por

oportunizarem a realização desse curso. Aos docentes do Programa, pelas aulas

ministradas com dedicação e empenho, as quais possibilitaram que eu aprendesse,

além dos conhecimentos e saberes inerentes às disciplinas, a humanidade que torna

a docência uma profissão desafiante, mas gratificante e motivadora. Obrigada pelos

tantos ensinamentos. Eles foram indispensáveis para minha formação e serão

essenciais para minha atuação profissional.

Aos professores da banca de qualificação e defesa, pela atenção, sugestões

e pelas fundamentais contribuições para o desenvolvimento de minha pesquisa.

Aos meus colegas de mestrado – turma de 2013, que percorreram comigo

essa trajetória acadêmica, vivenciando os mesmos desafios, partilhando ideias,

angústias, dúvidas, tornando com isso, a caminhada mais leve, doce, divertida e

proveitosa. Aos meus amigos Deived, Denise e Débora, pelos momentos vividos,

pela parceria, cumplicidade e pela convivência especial nesses dois anos de estudo.

Page 7: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

Sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a

compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um

conhecedor do ser humano. Que melhor introdução à compreensão das

paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos

grandes escritores que se dedicaram a essa tarefa há milênios?

(TODOROV, Tzvetan, 2009, p.92-93).

Page 8: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

RESUMO

MIGUEL, Anieli de Fátima. Clássicos do terror como proposta de letramento literário: Machado e Stevenson em sala de aula. 2015. 132 p. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Londrina, 2015.

Segundo os documentos oficiais que norteiam as práticas pedagógicas na rede básica, o ensino da literatura deve ser significativo e potencializar o uso da leitura e da escrita, tornando a experiência literária, um aprendizado que possibilita a reflexão, a crítica e o crescimento intelectual, que resultam da experiência estética. Frente a este pressuposto, o presente trabalho objetiva ressaltar a importância da leitura de obras clássicas, destacando sua imprescindibilidade enquanto patrimônio cultural que deve integrar o repertório dos aprendizes; destacar a imortalidade das obras de Machado de Assis e Stevenson, bem como defender a importância de privilegiar a abordagem sincrônica do texto literário e não apenas a dimensão cronológica, a qual limita o texto a uma visão meramente historiográfica. Portanto, foi elaborada uma proposta didática para o segundo ano do Ensino Médio, a qual tem como textos-base o conto machadiano “A causa secreta” (1886) e o romance O médico e o monstro (1886), de Robert Louis Stevenson, clássicos do terror. Como embasamento teórico foram utilizados os conceitos de Rildo Cosson, o qual discute o ensino de literatura, a importância da seleção de textos e propõe duas sequências: a básica e a expandida; Italo Calvino, que defende a imortalidade das obras clássicas; Antonio Candido, que salienta o papel humanizador da literatura como direito inalienável e incompressível, como também, Leyla Perrone-Moisés, para a qual, o cânone constitui um bem inigualável, que deve ser oportunizado aos educandos, independente da classe social ou dos desafios que possam surgir. Como metodologia, foi desenvolvida uma pesquisa-ação, de caráter qualitativo e bibliográfico. Por fim, as ações desenvolvidas mostram que o ensino de literatura deve abranger as obras clássicas e que a sequência expandida representa uma fecunda possibilidade para tornar o cânone uma realidade prática e não apenas uma recomendação que não se efetiva, de fato, nas aulas de Português.

Palavras-chave: Letramento literário. Clássicos. Ensino.

Page 9: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

ABSTRACT

MIGUEL, Anieli de Fátima. Classic horror books as a proposal of literary literacy: Machado and Stevenson in the classroom. 2015. 132 p. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Londrina, 2015.

According to the official documents that guide the pedagogical practices in the basic school system, the teaching of literature must be meaningful and enhance the use of reading and writing, making the literary experience a learning which enables reflection, critical and intellectual growth, that result from aesthetic experience. Given this assumption, the present study aims to highlight the importance of reading classical opus, showing its indispensability as a cultural heritage that must integrate the repertoire of learners; emphasize the immortality of Machado de Assis’s and Stevenson’s works, defending the importance to previlege the synchronic approach of the literary text and not only the chronological dimension, which limits the text to a merely historiographical vision. Therefore, a didactic proposal has been prepared for the second year of high school, which is based on Machado's tale The Secret Cause (1886) and the novel Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886) by Robert Louis Stevenson, classics horror. As theoretical base the concepts of Rildo Cosson were used, which discuss the teaching of literature, the importance of selecting texts and his proposed sequences: the basic and the expanded; Italo Calvino, who defends the immortality of classical works; Antonio Candido, who emphasizes the humanizing role of literature as inalienable and incompressible rights, as well as Leyla Perrone-Moisés, for her, the canon is unparalleled well, what should be offered to students, regardless of social class or challenges that could arise in the reading route. As methodology, an action research of qualitative and bibliographical nature was developed. Finally, the taken actions show that the teaching of literature should cover the classics, and that the expanded sequence represents an opportunity to make the canon a practical reality and not just a recommendation that is not effective, in fact, in the Portuguese lessons.

Keywords: Literary literacy. Classics. Education.

Page 10: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9 2 MACHADO DE ASSIS E ROBERT LOUIS STEVENSON: SOB A ESFERA DE UM VASTO E INESTIMÁVEL LEGADO LITERÁRIO................................................................................................................12 2.1 MACHADO DE ASSIS: UM ESCRITOR ALÉM DE SEU TEMPO.......................12 2.1.1 Machado contista..............................................................................................16 2.1.2 Machado cronista..............................................................................................21 2.1.3 Machado poeta e teatrólogo..............................................................................22 2.1.4 Machado crítico literário....................................................................................22 2.1.5 Machado romancista.........................................................................................24 2.2 ROBERT LOUIS STEVENSON: HISTÓRIAS DE AVENTURA E MISTÉRIO NO CONTEXTO DA ERA VITORIANA................................................................................................................32 2.3 CLÁSSICOS: UM PATRIMÔNIO PERENE..........................................................39 3 LITERATURA E ENSINO.......................................................................................46 4 LETRAMENTO LITERÁRIO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO DOS CLÁSSICOS.................................................................................64 5 SEQUÊNCIA EXPANDIDA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE CLÁSSICOS DO TERROR....................................................................................................................74 6 RELATO DE APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA.................................108 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................122 REFERÊNCIAS........................................................................................................125 APÊNDICES.............................................................................................................131

Page 11: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

9

1 INTRODUÇÃO

Nas instituições de ensino, a literatura sofre, inevitavelmente, o processo de

escolarização, frente a isso, torna-se necessário que o docente estabeleça critérios

para a escolha de obras, dentre as quais o clássico deve ter espaço garantido, tendo

em vista sua imprescindibilidade para a formação cultural e humana dos educandos.

O letramento literário tem como meta tornar significativo o ensino de

literatura, mostrando aos alunos a obra através de seus diferentes contextos, desde

a época histórica de sua produção, até as teorias que dialogam com ela, a crítica, os

elementos estruturais e estéticos, a relação com o presente e com outras artes que

também representam a temática.

A sequência expandida proposta por Rildo Cosson amplia a percepção do

aluno acerca do texto, oferecendo-lhe uma gama de possibilidades para que ele

compreenda, interprete e realize uma leitura aprofundada, perpassando a biografia

do autor, os contextos nos quais ela está inserida, possibilitando o compartilhamento

de experiências, a socialização de impressões e a construção conjunta de sentidos.

Frente a isso, o clássico pode adquirir um novo significado nos bancos escolares,

deixando de ser considerado algo inatingível, para fazer parte da rotina e do

repertório dos estudantes de forma instigante, coerente e ampla.

O presente trabalho tem como objetivo discutir a importância de um ensino

de literatura que privilegie a leitura de textos clássicos, bem como abordar a

proposta de letramento literário como uma alternativa capaz de potencializar as

práticas pedagógicas no âmbito da literatura.

Nesse contexto, tendo como referência a sequência expandida sugerida pelo

teórico Rildo Cosson (2011), será apresentada uma proposta de trabalho com base

em dois textos clássicos que tematizam o terror e o mistério da dualidade da alma

humana: “A causa secreta” (1886), de Machado de Assis e O médico e o monstro

(1886), de Robert Louis Stevenson.

Considerando que o ensino de literatura, em muitos casos, se limita ao

ensino da historiografia e da apresentação de obras e autores de forma cronológica,

buscou-se discutir em que medida o letramento literário aplicado à sequência

expandida pode tornar a leitura de obras clássicas significativas para o aluno,

possibilitando que sejam explorados os seus vários contextos, interligando-as ao

presente e viabilizando a relação com outras representações da arte.

Page 12: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

10

Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento literário, a

proposta de abordagem sincrônica e a sugestão das sequências básica e expandida

para potencializar e tornar significativo o ensino da literatura, como embasamento

teórico foram utilizados os conceitos de Italo Calvino, autor de grande

representatividade no campo de discussão sobre o valor inestimável dos clássicos,

as ponderações de Antonio Candido, crítico literário brasileiro, que considera a

literatura um direito inalienável e um bem incompressível, que deve ser oferecido a

todos. Nesse sentido, para a fundamentação do trabalho também foram empregados

os conceitos de Leyla Perrone-Moisés, que defende a imortalidade dos clássicos e a

importância de privilegiá-los, considerando o legado cultural que representam.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa-ação de

caráter qualitativo, que consiste na pesquisa de livros, artigos e materiais relevantes

sobre o tema, os quais serão empregados para sustentar as ideias apresentadas no

trabalho. A pesquisa-ação objetiva uma transformação social, nesse caso, a

melhoria do ensino de literatura a fim de que o professor possa colocar em prática

uma metodologia que redimensione o estudo das obras, expandindo as abordagens

para viabilizar uma compreensão totalizante do texto.

A primeira seção consiste na introdução, que traz as informações a respeito

da estruturação e da forma como o trabalho está organizado. Na segunda seção

serão apresentadas informações sobre a vida e a obra de Machado de Assis e

Robert Louis Stevenson, enfatizando a importância desses autores e de suas

produções que se tornaram consagradas no tempo.

A terceira seção discute a importância dos clássicos, de sua permanência

no tempo, como também dos fatores que justificam a imortalidade desses textos na

história da humanidade. A quarta seção abordará a literatura na escola, os desafios

para o ensino, as práticas pedagógicas, as abordagens sincrônica e diacrônica, as

práticas tradicionais, os critérios para a seleção de textos, assim como as

características da sequência básica e expandida propostas por Rildo Cosson.

A quarta seção consiste na sequência expandida proposta para o segundo

ano do Ensino Médio, a qual tem como textos-base o conto “A causa secreta” (1886)

de Machado de Assis e o romance O médico e o monstro (1886), de Robert Louis

Stevenson. Na quinta seção será apresentado o relato da experiência de estágio, os

objetivos, materiais, justificativa e algumas das atividades desenvolvidas nas aulas.

Page 13: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

11

Por fim, serão apresentadas as considerações finais e as principais

conclusões.

Desenvolver um trabalho dessa natureza significa refletir sobre o papel da

literatura na escola, em seu potencial transformador e humanizador enquanto

elemento fundamental que pertence ao currículo e que é basilar para a formação

dos discentes. Nessa perspectiva, privilegiar a leitura de textos clássicos é

assegurar ao educando seu direito de gozar das inúmeras vantagens que o acesso

a obras imortais pode oferecer, desde o crescimento pessoal e intelectual, até o

aprimoramento das habilidades linguísticas e leitoras, a capacidade crítica, a

reflexão e a inserção na vasta dimensão de conhecimentos que compõem as obras

literárias. A sequência expandida formulada nesse trabalho trata-se de uma proposta

didática, ou seja, de um conjunto de possibilidades e sugestões de

encaminhamentos e atividades, que não se esgotam no que foi elaborado.

Page 14: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

12

2 MACHADO DE ASSIS E ROBERT LOUIS STEVENSON: SOB A ESFERA DE

UM VASTO E INESTIMÁVEL LEGADO LITERÁRIO

Neste capítulo serão apresentadas algumas informações acerca da vida, da

obra e da relevância das produções de dois escritores de grande representatividade

no campo da literatura: Joaquim Maria Machado de Assis e Robert Louis Stevenson.

2.1 MACHADO DE ASSIS: UM ESCRITOR ALÉM DE SEU TEMPO

1

Considerado nacionalmente um dos maiores escritores do século XIX,

Machado de Assis é um ícone da literatura. Sua criatividade, inventividade e olhar

crítico para a sociedade, aliados à apurada linguagem formal, o consagraram como

um escritor além de seu tempo e o perpetuaram na história da arte literária. A

grandiosidade da obra machadiana e sua importância para o legado cultural da

humanidade justificam a inserção e a importância da leitura de suas obras no

currículo escolar, como é possível verificar na tirinha acima.

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 no Morro

do Livramento – Rio de Janeiro. Primeiro filho do casal Francisco José de Assis,

pintor, e de Maria Leopoldina Machado de Assis, lavadeira. Francisco era mulato e

1 (Fonte: AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis: vida obra, curiosidades e bruxarias

literárias. Rio de Janeiro: Record: 2008, p.5).

Page 15: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

13

seus pais eram escravos que conseguiram a liberdade, já Maria Leopoldina era

branca, natural da Ilha de São Miguel, no arquipélago do Açores, que pertence a

Portugal. Ambos sabiam ler e escrever; dessa forma, pode ter sido a mãe de

Machado quem o alfabetizou ou então um padre da igreja Lampadosa, na Rua da

Constituição, próximo ao Morro do Livramento.

A infância de Machado foi marcada por várias perdas, em 1845, a irmã do

escritor morre aos quatro anos com varíola; quatro anos depois, em 18 de janeiro de

1849, sua mãe morre tuberculosa. Dez anos depois, seu pai casa-se novamente

com Maria Inês da Silva. Com a morte de Francisco em 1854, a criação de Machado

fica delegada a sua madrasta.

Castelo (2008, p. 6) destaca que Machado “circulou pela Gamboa, pela

Saúde, pela Praia Formosa, não foi muito além do Campo de Santana. Cresceu em

um Rio de Janeiro antigo, sujo e insalubre, uma cidade de 300 mil habitantes dos

quais quase a metade era de escravos”. Em meio a um ambiente hostil, em que a

expectativa média de vida era de trinta e quatro anos, a realidade e o contexto

histórico da época não indicavam grandes possibilidades para o futuro do pobre,

gago, mulato e epilético menino do Morro do Livramento.

Machado praticamente não teve educação formal, toda sua instrução foi

resultado das inúmeras leituras que buscava, necessidade essa que era suprida

com dificuldade, emprestando livros de colegas ricos. Um dos mistérios que rondam

a adolescência do escritor é como ele havia aprendido o Francês, que aos vinte

anos já dominava. Ainda menino, se tornou amigo de Madame Gallot, proprietária de

uma padaria na Rua São Luiz Gonzaga, com a qual falava em francês. Além disso,

com essa mesma idade ele já trabalhava como revisor de textos em importantes

periódicos.

Foi um menino de rua comum, feio, encabulado, desengonçado, que gostava de brincar com balões e de jogar sozinho. Era um menino frágil, os primeiros sinais da epilepsia, que o atormentou ao longo de sua vida, apareceram bem cedo. Ainda assim, a madrasta o empregou como caixeiro em uma papelaria. Depois de passar o dia no balcão da loja, ele era obrigado a estudar à noite, à luz de vela. Tentou, depois, trabalhar como vendedor, mas, gago e tímido, não teve sucesso. Tudo em Machado apontava para dentro, e não para fora (CASTELO, 2008, p. 6- 8).

Com uma clara tendência à introspecção, Machado foi um autodidata. Ainda

que sem frequentar instituições educacionais e sem ter recursos para comprar livros,

Page 16: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

14

é considerado um dos maiores gênios da literatura brasileira, o que desperta a

curiosidade de muitos, pois além de conhecer amplamente a Língua Portuguesa,

também dominava o francês e o inglês, fato que possibilitou a leitura de autores

britânicos e de grandes filósofos, como Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), por

exemplo. A instrução de Machado, seu potencial de leitor e seu intelecto foram

pontos-chaves para a inserção do autor no meio social dos intelectuais da época, no

qual frequentavam grandes escritores e figuras públicas de grande notoriedade.

Com 17 anos, após a publicação de seu primeiro poema, Machado se torna

aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, dirigida por Manuel Antônio de Almeida,

contudo, em 1858, abandona o emprego para ser poeta, passando a integrar o

grupo literário A Marmota, fundada por Paula Brito.

Em 1860, colaborava com o Diário do Rio de Janeiro, dirigido por Quintino

Bacaiúva. Nesse jornal, até 1867 publicou crônicas sobre política, arte, literatura e o

cotidiano. Entre 1860 e 1865 colaborou com a Semana Ilustrada, assinando seus

artigos com pseudônimos como Dr. Semana. Também publicou contos no Jornal das

Famílias, sob o pseudônimo de Max, Job, Vítor de Paula e Lara. Um tempo depois,

torna-se colaborador no Diário do Rio, publicando vários textos literários.

Além de contista, cronista, romancista, poeta, teatrólogo e crítico literário,

Machado exerceu outras funções, ocupando também cargos públicos, o que lhe

rendeu certa estabilidade financeira. Foi tipógrafo, revisor, censor teatral, ajudante

do diretor de publicação do Diário Oficial, oficial de gabinete do Ministério da

Agricultura, diretor da Diretoria de Comércio da Secretaria de Estado dos Negócios

da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, diretor geral da Viação e diretor geral de

Contabilidade do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas.

Candido (1970, p. 15) destaca algumas características da biografia

machadiana: “tipógrafo, repórter, funcionário modesto, finalmente alto funcionário, a

sua carreira foi plácida. A cor parece nunca ter sido motivo de desprestígio, e talvez

só tenha servido de contratempo num momento brevemente superado, quando

casou com uma senhora portuguesa”.

Ainda com a contrariedade da família da senhora portuguesa, em 12 de

novembro de 1869, o escritor se casa com Carolina Augusta Xavier de Novais, vinda

da cidade do Porto, em Portugal. Não tiveram filhos. O casamento de quase

quarenta anos termina com a morte dela no dia 20 de outubro de 1904, em função

de um tumor no intestino. A falta de Carolina causou grande abalo no escritor, o

Page 17: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

15

sofrimento pela perda da esposa é expresso no soneto “A Carolina”, redigido pelo

autor em 1906.

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro

Em que descansas dessa longa vida,

Aqui venho e virei, pobre querida,

Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro

Que, a despeito de toda humana lida,

Fez a nossa existência apetecida

E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados

Da terra que nos viu passar unidos

E ora mortos nos deixa separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos

Pensamentos de vida formulados,

São pensamentos idos e vividos.

(ASSIS, Machado de. Relíquias da casa velha, 2006).

No dia 29 de setembro de 1908, aos 69 anos, Machado falece de um câncer

na boca, às 3h 45. Na casa encontravam-se Rodrigo Octavio, Raimundo Correia,

Mario de Alencar, José Veríssimo, Graça Aranha, Euclides da Cunha e Coelho Neto.

Segundo José Veríssimo, a última frase de Machado foi: - A vida é boa!

O cortejo que passou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro contou com a

presença de várias personalidades, dentre elas, Rui Barbosa, que discursou no

enterro.

Page 18: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

16

Os dados biográficos do autor são válidos para se conhecer os traços da

trajetória do menino que, sem condições para desfrutar de uma educação em

instituições de ensino formais, além de se tornar um ávido leitor e profundo

conhecedor da língua portuguesa, do inglês e do francês, consolida-se na tradição

da literatura brasileira, deixando um vasto legado cultural, imortalizado pela maestria

e inventividade com que produziu suas obras. Em 1897, funda a Academia Brasileira

de Letras, ocupando a cadeira de presidente até sua morte.

Sob o rapaz alegre e mais tarde o burguês comedido que procurava ajustar-se às manifestações exteriores, que passou convencionalmente pela vida, respeitando para ser respeitado, funcionava um escritor poderoso e atormentado, que recobria os seus livros com a cutícula do respeito humano e das boas maneiras para poder, debaixo dela, desmascarar, investigar, experimentar, descobrir o mundo da alma, rir da sociedade, expor algumas das componentes mais esquisitas da personalidade. Na razão inversa da sua prosa elegante e discreta, do seu tom humorístico e ao mesmo tempo acadêmico, avultam para o leitor atento as mais desmedidas surpresas (CANDIDO, 1970, p. 18).

Com a habilidade de desferir as maiores e mais tenazes críticas à sociedade

por meio da ironia e do escárnio, as obras machadianas revelam um escritor que

representou o sentimento íntimo ultrapassando o tempo e espaço, redimensionando,

assim, a produção literária da época. Machado deixou um legado inestimável,

perpetuou-se na história da literatura e se tornou referência nacional e internacional,

sendo integrado ao rol dos grandes escritores da literatura mundial, devido a

genialidade do que foi capaz de produzir.

Dessa forma, melhor que compreender a importância do autor no cenário

literário e cultural, é mergulhar na experiência que a leitura de suas obras pode

proporcionar, como afirma Candido (1970, p. 32): “o melhor que eu posso fazer é

aconselhar a cada um que esqueça o que eu disse, compendiando os críticos, e

abra diretamente os livros de Machado de Assis”.

2.1.1 MACHADO CONTISTA

A produção literária de Machado englobou diferentes gêneros, dentre os

quais o conto é um dos que se destacam. De acordo com o autor, “é gênero difícil, a

Page 19: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

17

despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa aparência lhe faz mal,

afastando deles escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de

que ele é muitas vezes credor” (ASSIS, 2006, p. 806).

A maioria dos contos era publicada em revistas e jornais, no entanto nem

toda a produção deste gênero chegou ao conhecimento do público. Não se tem

precisão quanto ao número, mas o longo de sua vida estima-se que Machado de

Assis produziu cerca de duzentos contos, nem todos publicados em vida. O escritor

começou a publicar antes dos vinte anos, só cessando em 1907, um ano antes sua

morte.

No total, foram publicados sete livros de contos, respectivamente, Contos

fluminenses (1870), Histórias da meia-noite (1873), Papéis avulsos (1882), Histórias

sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899) e Relíquias da

casa velha (1906).

Segundo Aguiar (2008, p. 88), “Machado elegia o conto como domínio

privilegiado para contemplar temas ousados e para pôr em ação personagens que

ganhavam ali uma dimensão inusitada”. Os contos produzidos pelo autor exploram a

dimensão humana e social de uma forma desmistificadora e pessimista, seja através

da crueldade, da ironia, do questionamento da própria existência, ou do riso, que

esconde sérias verdades.

Um dos contos mais conhecidos e que exploram o tema da identidade é “O

espelho”. Nele, um moço humilde ganha o posto de Alferes da Guarda Nacional e

após isso vai passar uma temporada na casa de sua tia, que o exalta perante os

escravos, enaltecendo sua posição social e exigindo que eles o chamem de Senhor

Alferes. Na ausência dela, os escravos fogem e ele fica solitário na fazenda, o que o

faz olhar ao espelho e enxergar sua imagem dissolvida, ou seja, sua existência se

condicionava e dependia da exaltação das outras pessoas. A farda representa no

conto, a sociedade e o valor que ela dá ao posto de Alferes, uma vez que quando

ele a veste, sua imagem torna-se nítida novamente. Dessa forma,

A farda do Alferes era também a alma do Alferes, uma das duas que todo homem possui, segundo o narrador, porque manifesta o “ser através dos outros”, sem o qual nada somos. É claro que a força do conto não vem desta conclusão banal, aliás, enunciada expressamente pelo autor, conforme é seu hábito em tais casos. Vem da utilização admirável da farda simbólica e do espelho monumental no deserto da fazenda abandonada,

Page 20: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

18

construindo uma espécie de alegoria moderna das divisões da personalidade e da relatividade do ser (CANDIDO, 1970, p. 24).

Nesse conto, verifica-se que o autor propõe a existência de duas almas,

enfatizando a necessidade do homem em ser reconhecido, aceito e exaltado

socialmente, logo, sem o olhar do outro, a figura humana perde a identidade e não

se reconhece. Na história, a divisão da personalidade é representada pela metáfora

da farda, objeto que simboliza seu prestígio social, e do espelho, objeto que revela a

inconsistência de seu ser.

Outros títulos machadianos também abordaram as alegorias, os significados

implícitos e o tom moralizante, como é o caso de “Um apólogo”, “A igreja do diabo” e

“Adão e Eva”. Outras histórias que resgatam a vida social e a relação cruel entre os

indivíduos é “A cartomante”, “Conto de escola”, “O caso da vara”, “A causa secreta”.

Esse último é considerado por muitos, como um dos melhores contos do autor.

O enredo gira em torno de Fortunato, médico, homem bem estabelecido

socialmente, capitalista, conhecido pelas boas ações que pratica. Do outro lado há

Garcia, médico recém-formado que aceita o convite de Fortunato para abrir uma

Casa de Saúde e começa a observar o comportamento do mesmo, fato que lhe

chama a atenção. O ápice da história consiste no momento em que Garcia flagra

Fortunato torturando vagarosamente um rato, que mutila parte a parte, prolongando

sua dor e o sofrimento, pois não o mata de uma vez.

A causa secreta desse homem é o prazer que ele sente pelo sofrimento

alheio, fato que explica o porquê da feição de Fortunato transfigurar-se de plena

satisfação quando assistia no teatro, cenas regadas à violência, ou mesmo nas

cruéis e gratuitas bengaladas nos cachorros pelas ruas, a atenção especial em fazer

o curativo no corte de Gouvêa, a preferência pelos cáusticos e pela anatomia e

fisiologia animal.

Contudo, a satisfação com a dor alheia suplanta qualquer valor moral, pois

quando percebe que Garcia nutria por sua mulher um amor platônico, impedido de

concretizar-se pelas normas de conduta, isso não lhe causa ciúme, mas prazer, um

vasto prazer. Além disso, os minuciosos cuidados com a mulher em seu estado mais

crítico da tuberculose, igualmente evidenciam o prazer com que Fortunato bebeu

com extremo deleite as aflições da esposa.

Page 21: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

19

Candido (1970, p. 28) faz a seguinte afirmação sobre o tema presente nesse

conto.

Pessoalmente, o que mais me atrai nos seus livros é um outro tema: a transformação do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica e espiritual. Este tema é um dos demônios familiares da sua obra, desde as formas atenuadas do simples egoísmo até os extremos do sadismo.

O sadismo de Fortunato não é algo tênue, mas profundo, uma vez que não

apenas os animais se transformam em objetos de sua manipulação, mas os

homens: Maria Luísa, esposa condicionada às barbáries e imposições do marido;

Garcia, médico recém-formado, que mesmo conhecendo o lado monstruoso de

Fortunato, mantém a proximidade e permanece com a parceria na Casa de Saúde.

Dessa forma, Machado constrói e destaca o lado perverso das relações sociais, o

interesse mascarado, a subordinação e o indivíduo manipulado e usado como

instrumento pelo outro, tornando-se assim, agredido na mesma medida em que o

rato.

Não é difícil ver que, além de tudo o que vem no plano ostensivo, este sádico transformou virtualmente a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo, e com isso sofrendo constantemente; e que ambos se tornam o instrumento supremo do seu prazer monstruoso, da sua atitude de manipulação de que o rato é símbolo. O homem transformado em instrumento do homem, cai praticamente no nível do animal violentado. Neste nível é que encontramos Machado de Assis mais terrível e mais lúcido, estendendo para a organização das relações a sua mirada desmistificadora (CANDIDO, 1970, p. 31).

O tema da ambição pelo absoluto e da impossibilidade humana também

figurará nos contos machadianos, como é o caso de “Cantiga de esponsais”, “Trio

em lá menor” e “Um homem célebre”, que retrata a história de Pestana, um

reconhecido e famoso compositor de polcas, que ambiciona produzir peças eruditas,

mas que não obtém êxito. Em cada tentativa de compor uma sonata ou uma missa,

mesmo quando pressente uma inspiração divina, produz novamente uma polca, com

isso, “neste conto terrível sob a leveza aparente do humor, a impotência espiritual do

homem clama como no fundo de um ergástulo” (CANDIDO, 1970 p. 27).

Page 22: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

20

Outro que merece destaque é o conto “Pai contra mãe”, que explora o

processo de coisificação do homem, promovendo uma reflexão sobre o

comportamento humano e os horrores da escravidão. Cândido Neves, caçador de

escravos fugidos, por não ter condições financeiras, com muito pesar decide

entregar seu filho recém-nascido à Roda dos Enjeitados, lugar em que eram

entregues as crianças indesejadas, mas no caminho encontra Arminda, uma escrava

pela qual pagariam uma boa recompensa. Arminda apela para que ele não a

entregue, pois está grávida e teme pelos maus tratos, contudo, Cândido a entrega e

ela sofre um aborto por resistir e tentar livrar-se. Ao sair de lá, ele busca seu filho e

vai para casa. Com isso, para poupar uma criança, uma outra é sacrificada. Ao final

do conto, Cândido afirma que nem todas as crianças vingam, revelando que o

homem cria argumentos para mascarar e justificar suas atitudes mais vis e cruéis.

Perfis femininos também são retratados de modo singular nos contos de

Machado, esboçando a moral intocável da mulher do século XIX, com o toque

irônico e mordaz do autor. Nesse contexto, os mais conhecidos são “Uma senhora”,

“D. Benedita” e “Capítulo dos chapéus”. Sob o mesmo tom pungente, “Uns braços”,

“Missa do galo” e “Noite de almirante” expressam as ações disfarçadas, os

interesses escondidos e as vontades suprimidas pela moral, as quais resultam no

bloqueio do ato ou na dissimulação.

Ainda sobre o tema dos limites e do questionamento da totalidade da

ciência, destaca-se “O alienista” e também “Verba testamentária” e “Conto

alexandrino”, que representam o comportamento humano que foge à explicação de

qualquer teoria científica ou filosófica.

Nos contos de Machado é possível perceber “uma linguagem que não se

fecha no leitor, que provoca e adula o seu paladar; algumas histórias divertidas,

outras dramáticas, outras surpreendentes. Outras, ainda, exigindo leitura atenta, ou

mesmo mais de uma leitura” (AGUIAR, 2008, p. 86).

Os contos de Machado trazem uma reflexão sobre a sociedade da época, os

valores morais, os mistérios da alma humana e dos abismos da existência, portanto,

“de acordo com os olhos que o leem, Machado de Assis contista é um pouco de

documentarista da época, crítico de costumes, investigador de mistérios do espírito

e da existência” (AGUIAR, 2008, p. 85).

Page 23: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

21

2.1.2 MACHADO CRONISTA

No âmbito da crônica, não há certeza sobre a quantidade que tenha

produzido, e assim como o conto, começou a redigi-las com vinte anos, escrevia-as

com intervalos e publicava-as em periódicos. A maioria das crônicas não possuía

título, apenas a data de publicação. A última crônica foi publicada em 11 de

novembro de 1900.

Sobre os temas abordados, “Machado parte do cotidiano para reflexões

amplas sobre o mundo, a espécie humana, ou outros assuntos de interesse

permanente, e outras, ainda, em que cria curiosas histórias” (AGUIAR, 2008, p. 82).

Nas suas crônicas vemos, mais do que em qualquer outro gênero, que ele praticou essa busca de comunicação com o público – essa tentativa de cortejar, atrair, de conquistar leitores. Curiosamente, nisso ele foi um inovador. A crônica brasileira, que hoje tanto nos diverte nas páginas dos jornais e revistas, teve em Machado de Assis um momento decisivo. A crônica no Brasil, em dada altura do século XIX, começou a se tornar literária. E Machado de Assis consolidou essa tendência – esta foi apenas mais uma das tantas subversões criativas que ele produziu em nossa literatura; Machado simplesmente cooptou, ou capturou, ou foi buscar a crônica para o domínio da Literatura (AGUIAR, 2008, p. 79-81).

Dentre as crônicas destacam-se “19.05.1888”, que de forma sarcástica traz

um questionamento sobre a liberdade dos escravos e seu futuro; “16.10.1892”, que

retrata a história de um cronista que embarca em um bonde puxado a burros e se

depara com um movido a eletricidade, a conversa entre os animais dos bondes e

todo o enredo suscita uma crítica e uma reflexão sobre a modernidade e o

progresso; “31.3.1895 – Conto-do-vigário” expressa com ironia, a esperteza dos

golpistas, fazendo uma referência ao país como a terra do conto-do-vigário; “31.05.

1896” consiste na história de internos que escapam de um hospício, confundindo-se

com as pessoas que circulavam pela rua, causando confusão no cronista; “31.05.

1896” revela a história de internos que escapam de um hospício, confundindo-se

com as pessoas que circulavam pela rua, causando confusão no cronista.

Por fim, uma das mais conhecidas é “16.6.1895 – O autor de si mesmo”,

crônica baseada em um crime macabro ocorrido em Porto Alegre, no qual os pais

matam o filho de dois anos, abandonando-o em uma estrebaria por três dias, o qual

Page 24: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

22

além da fome e da sede, padeceu com as chagas bicadas por galinhas. O caso cruel

causa repúdio no leitor, principalmente pelo autor retratá-lo de forma irônica. Um

trecho da crônica expressa a indignação do filho com o ato dos pais: - Que mal lhes

fiz eu antes, se não era nascido? Que banquete é este em que o convidado é que é

comido?"2

2.1.3 MACHADO POETA E TEATRÓLOGO

No domínio da poesia, foram publicados cinco livros: Crisálidas (1864),

Falenas (1870), Americanas (1875), Ocidentais (1901) e Poesias completas (1901).

No que tange ao teatro, Machado escreveu noves peças: Hoje avental

amanhã luva (1860), Desencantos (1861), O caminho da porta (1863), O protocolo

(1863), Quase ministro (1863), Os deuses de casaca (1866), Tu, só tu, puro amor

(1880), Lição de botânica (1906) e Não consultes médico (1906).

O autor escrevia peças teatrais desde os vinte e um anos, a maioria delas,

comédias. Também foi membro do Conservatório Nacional Brasileiro. Contudo, nem

todas as peças foram encenadas.

2.1.4 MACHADO CRÍTICO LITERÁRIO

Na esfera da crítica, destacam-se primeiramente o ensaio “Instinto de

nacionalidade” (1873). Nele, o autor, que era recriminado por alguns pelo fato de

não valorizar os elementos nacionais em suas obras, escreve esse ensaio propondo

uma reflexão sobre a forma como a literatura do Romantismo se apropriava do

indígena como ícone nacional, buscando na cor local uma independência da cultura

estrangeira, visando com isso, à construção de uma identidade nacional, liberta de

qualquer influência externa. Contraditoriamente, o índio representado no

2Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/machado8.htm

Page 25: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

23

Romantismo brasileiro era caracterizado como herói inspirado nas clássicas

epopeias europeias.

Nesse sentido, o que Machado questiona é o perigo de se utilizar essa

tendência como um paradigma para a literatura, o que poderia empobrecê-la. Além

disso, antes de tomar como princípio norteador o repúdio a qualquer influência

externa, seria importante buscar um sentimento íntimo, um instinto de nacionalidade

que ultrapassasse o tempo e o local, sem deixar de representar a nação. De acordo

com ele

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas que não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e do seu país ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço (ASSIS, 1959, p. 33).

Percebe-se, portanto, que o autor reconhecia a necessidade de alimentar a

literatura com elementos da nação, mas tornar essa ideia um padrão absoluto,

poderia torná-la pobre. O escritor deveria ter como princípio a expressão de um

sentimento singular, individual, que sem abandonar a dimensão local, pudesse

abordar assuntos de diferentes tempos e diferentes espaços.

Além desse renomado ensaio, Machado, em 1878 escreve uma crítica à

obra O primo Basílio, de Eça de Queirós. Nesse comentário, que indica contradições

no comportamento da personagem Luísa, como também critica o realismo excessivo

e apelativo em certas cenas, colocando em discussão a estética da obra.

Contudo, o que o autor diz não é um julgamento negativo direcionado à

pessoa do escritor português ou a sua obra, mas “ao Realismo, ao qual Machado

achava que faltava sutileza e capacidade de construir tramas e cenas pela

insinuação e ambiguidade – e isso para ele era um crime de lesa-literatura”

(AGUIAR, 2008, p. 115).

Para Machado, a obra pecava na medida em que escancarava as cenas

cruamente para o leitor, não deixando nada subentendido, sugerido, insinuado ou

que permitisse uma interpretação ambígua, o que, em seu ponto de vista, na área da

literatura, constituía uma falha irreparável.

Page 26: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

24

2.1.5 MACHADO ROMANCISTA

Se no conto, gênero no qual ele se destacou, já era possível identificar um

Machado de Assis ácido quanto as problemáticas sociais e um olhar desmistificado

para o homem, no romance reside o ápice do autor e o auge de sua produção. No

total, Machado publicou nove romances, respectivamente: Ressurreição (1872), A

mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), Memórias Póstumas de Brás

Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e

Memorial de Aires (1908).

O primeiro romance, Ressurreição caracteriza o ingresso do autor no

Romantismo, uma vez que apresenta características dessa escola, inspiração que o

acompanhará até 1880. No entanto, nem só de características românticas é

constituído o enredo da história, como o amor, o sofrimento, as inúmeras

coincidências, a rejeição e a dor. Ressurreição, como o próprio escritor anuncia na

Advertência do livro, será um romance que retratará o confronto entre duas

personalidades diferentes, fato que insere o romance em uma dimensão psicológica.

Os romances A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia, que seguirão

parcialmente a estética do Romantismo, caracterizando, desta forma, o primeiro

momento da prosa machadiana. Os quatro primeiros romances não exprimem a

genialidade do autor, uma vez que é com a publicação dos próximos cinco que ele

se estabilizará como grande gênio da literatura, mostrando todo seu potencial

inovador, crítico e observador, dessa forma, “a questão, talvez não seja então a

fragilidade dos romances da Primeira Fase de Machado, mas a exuberância da

Segunda...” (AGUIAR, 2008, p. 98).

O romance que consagra o escritor é Memórias Póstumas de Brás Cubas,

publicado em 1881, constituindo uma quebra nos paradigmas literários até então

vigentes, com isso,

O livro crucial no tocante à apreensão em profundidade da experiência brasileira é Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance que assinala o início da obra madura de Machado. O aparecimento do romance parecia finalmente tirar a literatura brasileira do limbo, pois com ele Machado alcançava uma qualidade ímpar em condições aparentemente desfavoráveis, tendo como apoio apenas uma tradição romanesca local em progresso de constituição (OTSUKA, 2008, p. 48).

Page 27: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

25

A história errante e frustrada de Brás Cubas, um defunto autor, que ao

morrer torna-se um narrador isento de qualquer repreensão ou julgamento, podendo

sem nenhuma preocupação, criticar os vivos, escancara as relações por interesse, a

hipocrisia da sociedade, o adultério e outros assuntos que retratados de forma

irônica, desconstroem as convenções e provocam uma profunda reflexão sobre a

alma humana.

O humorismo ácido (a pena da galhofa e a tinta da melancolia), o amplo domínio da cultura e da história universais (da Bíblia a Voltaire, de Lucrécia Bórgia a Napoleão), as altas paragens metafísicas das reflexões sobre o mundo e sobre a alma humana, a agudeza nas observações psicológicas, o experimentalismo com as convenções literárias (a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre), a fantasia criadora (de que é o exemplo o famoso capítulo do delírio, sem falar, é claro, o requinte e a elegância clássica do estilo) (OTSUKA, 2008, p. 48-49).

Repleta de sarcasmo, de referências históricas e de reflexões sobre a

existência humana, as memórias narradas em primeira pessoa desestabilizam o

padrão de obras românticas até então publicadas pelo autor.

Memórias Póstumas de Brás Cubas consolida a carreira literária de

Machado de Assis, colocando-o em um patamar de gênio, que não só compreendeu

seu tempo, mas retratou-o de modo criativo, crítico e sarcástico, com a pena da

galhofa. A técnica do autor consistia em insinuar os fatos mais estarrecedores de

modo ingênuo, subvertendo a lógica social, sua normalidade e seus valores, “ou em

estabelecer um contraste entre a normalidade social dos fatos e a sua anormalidade

essencial; ou em sugerir, sob a aparência do contrário, que o ato excepcional é

normal, e anormal seria o ato corriqueiro. Aí está o motivo da sua modernidade”

(CANDIDO, 1970, p. 23).

O estilo, a linguagem, os recursos utilizados, muitos deles que

posteriormente farão parte de escolas literárias vindouras, como o Modernismo,

tornam Memórias Póstumas de Brás Cubas um retrato realista da sociedade, que

ora pelo deboche, ora pela fantasia, desmascara ironicamente as mazelas do

homem, a devassidão de espírito e a corrosão dos valores sociais. Percebe-se,

portanto, que essa obra é inventiva, seja pela elaboração e fragmentação dos

Page 28: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

26

capítulos ou pela dimensão literária que atinge por romper os padrões e propor algo

extremamente novo na época.

Se a Primeira Fase é presa em um certo realismo cotidiano, em Memórias Póstumas de Brás Cubas esse defunto, que se ergue da tumba para contar sua história, já nos capítulos iniciais descreve seu delírio final, em que sobre às costas de um hipopótamo e dispara a atravessar as diferentes épocas. E por aí prossegue uma obra em tudo liberada e atrevida(AGUIAR, 2008, p. 100).

Por meio de uma observação apurada, os relatos póstumos do protagonista

exploram cinicamente temas universais, afrontam a moral e os costumes estimados

socialmente, conduzindo o leitor pela sarcástica e fragmentada trajetória de Brás

Cubas, a qual é composta por uma sequência de planos que não chegam a se

concretizar. Com uma vida na qual sempre exerceu o livre arbítrio, seja no

tratamento com os escravos, no gasto com prostitutas, no diploma obtido sem

dedicação, nos relacionamentos que mantém de acordo com seu interesse ou na

sua fugaz atuação como político, Brás Cubas encerra sua vida sem nada realizar,

inclusive o emplasto que inventaria, remédio anti-hipocondríaco que seria capaz de

sanar todas as doenças.

Em 1891 é publicado o romance Quincas Borba, uma obra que tematizará o

interesse, a ludibriação e a exploração, aliados ao princípio do Humanitismo, teoria

criada pelo filósofo Quincas Borba. O romance retratará a história de Rubião,

professor que herda de Quincas Borba sua herança sob a condição de cuidar de seu

cão, que era designado pelo mesmo nome do dono. Rubião, deslumbrado pelo

enriquecimento precoce e pelo estilo de vida da Corte, vai ao Rio de Janeiro e

encontra o casal Cristiano e Sofia Palha, que se aproximará dele para extorqui-lo.

Outro fato que facilita a exploração e a manipulação do professor é o amor que

sente por Sofia, a qual o alimenta na medida em que é conveniente para o casal.

Ao fim da narrativa, Rubião enlouquece, deixando Cristiano e Sofia com toda

sua fortuna. Pobre e sem lucidez, volta para Minas e morre junto com o cachorro

pensando que é Napoleão III. De acordo com Hansen (2008, p. 57)

Dos romances que escreveu desde Memórias póstumas de Brás Cubas, a representação de Quincas Borba é provavelmente a mais trágica de todas. Ela faz de Pedro Rubião de Alvarenga o pato a ser depenado e comido na

Page 29: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

27

alta sociedade carioca, pois Humanitas tem fome. Com as metáforas da loucura do personagem, que reproduzem as metáforas da ideologia da normalidade, o romance demonstra o que vem a ser na prática a teoria do Humanitismo exposta pelo filósofo Quincas Borba em Memórias Póstumas de Brás Cubas.

A decadência que culmina com a loucura e morte de Rubião comprova a

teoria filosófica de Quincas Borba, o Humanitismo, segundo a qual o mais forte e

mais inteligente serão os privilegiados e prevalecerão sobre os mais fracos.

Exatamente como ocorre no enredo, Rubião é explorado financeiramente pelo casal

que utiliza de malícia e esperteza para conseguir ascender socialmente e

financeiramente. A Rubião resta o desprezo de Sofia, a perda de sua herança, a

loucura e a morte, corroborando a teoria do amigo filósofo “ao vencido, o ódio ou a

compaixão; ao vencedor, as batatas” (ASSIS, 2009, p. 18). Portanto, no embate pela

sobrevivência, o mais forte vencerá.

Em um duelo com Memórias Póstumas de Brás Cubas, outra obra do autor

disputa a opinião dos críticos e da sociedade no quesito notoriedade, jogo com as

palavras, construção de labirintos discursivos e valor estético. O romance Dom

Casmurro, publicado em 1899 é um dos mais renomados e apreciados pelo público.

De acordo com Facioli (2008, p. 36) “talvez seja o livro mais estudado de toda a

literatura brasileira”.

Esse romance conta a história não inteiramente comprovada de um adultério. O narrador é o marido que se declara enganado. Velho e já viúvo – pois Capitu morrera na Suíça para onde fora levada por ele -, com saúde e “boa memória”, apelidado por outros, inclusive amigos, de Dom Casmurro, escreve o livro em que relata minuciosamente e longamente o namoro e casamento com Capitu, mais brevemente seu tempo de casado e muito mais brevemente ainda sua condição no momento em que escreve. Por todo o livro espalha um sem-número de suspeitas contra a ex-esposa, não apresenta provas decisivas e afirma que “a verossimilhança (...) é muita vez toda a verdade”. Tomar o verossímil como verdadeiro parece ser a astúcia que preside seu método de composição e escrita (FACIOLI, 2008, p. 39)

Perturbado pela ideia permanente da traição de Capitu, Bentinho destrói seu

casamento e vive atormentado. O extremo da desconfiança resulta no quase

envenenamento do filho Ezequiel, que segundo Bentinho, é filho de Escobar. A

habilidade no raciocínio matemático, os trejeitos e a semelhança física eram provas

que deflagravam o adultério de Capitu.

Page 30: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

28

Na velhice, Bento Santiago rememora os fatos de sua infância com a

mulher, os seus arrebatadores olhos de ressaca e sua dissimulação natural. A

lembrança do primeiro beijo, dos momentos de angústia e temor pela promessa da

mãe de torná-lo padre, os momentos vividos no seminário e o casamento são fatos

que perpassam a memória do casmurro narrador, retratando-as de forma

melancólica, saudosa e também assertiva em muitos casos.

Esse narrador é um advogado que, na velhice, reconta sua história com o

amargor de um homem traído, fato que torna questionável a forma absoluta com que

ele acusa e condena Capitu, uma vez que a história é narrada em primeira pessoa,

tem-se apenas o ponto de vista do narrador, que na velhice relembra os fatos,

buscando semelhanças, se atendo a detalhes reveladores, sugerindo o adultério nas

ações da esposa e do amigo, como também nos fatos do passado, buscando

retratar para o leitor uma Capitu dissimulada, tendenciosa a mentir, a enganar, uma

moça envolvente, que o manipulava e envolvia.

Mas o fato é que, dentro do universo machadeano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida. E concluímos que nesse romance, como noutras situações da sua obra, o real pode ser o que parece real (CANDIDO, 1970, p. 25).

Independente da veridicidade da traição de Capitu, tema que gera polêmica

pelas tantas pistas e arranjos linguísticos que Machado engendrou nesse romance,

o que vale ressaltar é que a aparência equivale à consumação do fato, pois a vida

de Bentinho se destrói. Capitu e Ezequiel morrem e ele se torna um velho casmurro,

imerso na eterna amargura das lembranças, revivendo o passado e lastimando-se

pela traição da mulher e do melhor amigo.

O quarto romance pertencente à segunda fase de Machado de Assis é Esaú

e Jacó, publicado em 1904 e que tem como narrador o conselheiro Aires,

personagem que figurará em seu último romance.

Produzido sob o pano de fundo histórico da transição do Brasil Império para

o Brasil República, a obra protagonizará a história de divergências e competições

entre Esaú e Jacó, representados pela oposição e pela disputa constante. Pedro é

monarquista conservador e Paulo, republicano, genioso e movido pelos impulsos.

Page 31: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

29

Flora é objeto de desejo dos dois irmãos, e sem conseguir optar por um deles, visto

que gosta dos dois, definha até a morte.

Esaú e Jacó tematizarão as disputas políticas personificadas no enredo pela

oposição entre os irreconciliáveis irmãos, que se opõem tanto na personalidade e

temperamento, quanto no posicionamento político.

Serei eu alguma coisa mais do que o ato que me exprime? Será a vida mais do que uma cadeia de opções? Num dos seus melhores romances, Esaú e Jacó, ele retoma, já no fim da carreira, este problema que pontilha a sua obra inteira. Retoma-o sob a forma simbólica da rivalidade permanente de dois irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que representam invariavelmente a alternativa de qualquer ato. Um só faz o contrário do outro, e evidentemente as duas possibilidades são legítimas. Os irmãos agem e optam sem parar, porque são as alternativas opostas; mas ela, que deve identificar-se com uma ou com outra, se sentiria reduzida à metade se o fizesse e só a posse das duas metades a realizaria; isto é impossível, porque seria suprimir a própria lei do ato, que é a opção. Simbolicamente, Flora morre sem escolher (CANDIDO, 1970, p. 26).

Explorando a problemática das escolhas e das consequências do ato, Esaú

e Jacó, representam a rivalidade entre dois irmãos, dois polos opostos, que

disputam o amor de Flora, moça que no decorrer da narrativa não expressa

diretamente sua opinião, tratando os irmãos de forma semelhante. No entanto,

quando é submetida a necessidade de optar por um dos dois, morre sem fazer a

escolha. Com isso, é possível perceber que o romance explora também questões de

caráter existencial, no qual a decisão, as alternativas e o ato constituem dilemas e

geram conflitos, pois toda ação e opção geram uma consequência e eliminam as

outras possibilidades antes existentes.

O último romance de Machado de Assis, Memorial de Aires, foi publicado em

1908, mesmo ano de falecimento do autor. Muitos acreditam que ele tenha caráter

autobiográfico, pois apresenta muitos fatos que se assemelham à vida do escritor.

Produzido em forma de diário, dentre outros temas, a obra retrata a futilidade da elite

da época, como também os relacionamentos amorosos. O personagem principal

passa a maior parte do tempo a observar os fatos e as pessoas com as quais

conviveu e tinha proximidade: sua irmã Rita, o casal Aguiar, o Desembargador

Campo e Fidélia, sua sobrinha viúva, mulher pela qual o conselheiro se apaixona.

Não obstante, o narrador também relembra histórias, cita leituras e rememora fatos.

Page 32: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

30

É também o conselheiro Aires que narra esta história, sob a forma de diário – o que disfarça, ou dissimula, uma fragmentação narrativa não menos notável do que a de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Um diplomata aposentado, e meio que entediado tanto das pessoas quanto, e principalmente, das lidas sociais, mesmo se querendo imune ao amor, apaixona-se pela jovem viúva Fidélia (AGUIAR, 2008, p. 108).

Com um estilo diferente de suas obras anteriores, as quais eram repletas de

sarcasmo, ironia e profundo pessimismo, o último romance machadiano encerra a

carreira do autor com os relatos nostálgicos e melancólicos de Aires, que percebe o

passar do tempo, a finitude da vida e a velhice como parte da existência humana.

Frente à dimensão literária inovadora das obras machadianas, torna-se difícil

enquadrar Machado de Assis em uma escola literária. Inseri-lo em um período é

como limitar e não considerar o potencial transgressor e inventivo de sua produção,

que ficou marcada na história da arte literária. Em seu percurso como escritor,

Machado foi romântico, realista, naturalista, modernista, dentre outros.

Encaixar um escritor com uma produção tão arrebatadora e ampla com a de

Machado, é o mesmo que não reconhecer a amplitude de suas obras. Portanto, é

importante relativizar a inserção do autor nessa ou naquela escola literária, tendo em

vista que

Machado ora se reveste de uma camuflagem romântica, ora recorre à narrativa realista, invoca o fantástico, o delírio, a loucura, vale-se de experimentações na inusitada linguagem, combina técnica de romance, conto e prosa – e tudo o mais que lhe pareça apropriado para potencializar sua história, para entregá-la com sabor e malícia ao leitor. Chamá-lo de Realista é tentar domesticar sua genialidade. Gênio não tem rótulo, é gênio! Sua genialidade extrapola...Chamá-lo de Realista é não conseguir enxergar a extensão, o prodígio de sua genialidade (AGUIAR, 2008, p.115).

Compreender as obras de Machado de Assis é antes de tudo, apostar em

um mergulho desafiador nas emoções humanas, no lado obscuro dos sentimentos,

no que se mascara pelas aparências, no interesse latente que impulsiona as

relações, no acaso, nas escolhas, nas tragédias, no insondável universo das

possibilidades, dos fatos e das consequências, nas várias faces usadas pelo homem

em sociedade, seja ela cruel ou compassiva, verídica ou dissimulada, arrebatadora

ou tênue.

Page 33: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

31

A imersão nos textos machadianos é uma forma de conhecer o mundo, a

história, a humanidade e a si mesmo. Viajar pelos labirintos da linguagem

engendrados por um autor do século XIX, é perceber que a magnitude de sua obra

não a tornou estagnada no tempo, mas completamente passível de diálogo com a

atualidade. Ler as obras de Machado de Assis é, portanto, imergir na

atemporalidade de temas perpetuados na história da literatura e no patrimônio

cultural acumulado pela humanidade.

Page 34: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

32

2.2 ROBERT LOUIS STEVENSON: HISTÓRIAS DE AVENTURA E MISTÉRIO NO

CONTEXTO DA ERA VITORIANA

Robert Louis Balfour Stevenson nasceu no dia 13 de novembro de 1850 na

cidade de Edimburgo, capital da Escócia. Stevenson era filho único do casal Thomas

Stevenson e Margareth Isabella Balfour. Pelo fato de seu pai ser engenheiro civil

financeiramente estabilizado, esperava-se que ele seguisse a mesma carreira, no

entanto, aos 17 anos, ingressa na Universidade de Edimburgo para cursar Direito.

No período em que frequentava o curso, Stevenson já escrevia para o jornal

da faculdade, demonstrando sua tendência para a área das letras e a satisfação

pela escrita. Após concluir o curso de Direito, foi convidado para trabalhar na

Scottish Bar, uma associação escocesa de advogados, contudo o autor nunca

exerceu a profissão. Em 1873 muda-se para Londres, passando a frequentar salões

literários e se envolver mais profundamente com a literatura.

Em 1876, Stevenson conhece a norte-americana Fanny Vandegrift Osbourn,

onze anos mais velha que ele, separada e com dois filhos, com quem se casaria em

1880. Com uma saúde muito delicada, acometido por tuberculose e doenças

respiratórias, a vida do autor foi permeada por muitas viagens, as quais objetivavam

também a mudança para um clima mais favorável ao seu frágil estado de saúde.

Além disso, as viagens o inspiraram para a produção de muitas de suas obras, as

quais começaram a ser publicadas em revistas.

No ano de 1890, Stevenson e a família se estabilizaram em Samoa, conjunto

de ilhas no Sul do Pacífico, local em que faleceria em três de dezembro de 1894.

O escritor produziu não apenas romances, mas poemas, ensaios, contos e

também atuou como historiador. Contudo, é como romancista que ele se destaca,

principalmente com as obras A ilha do tesouro (1883), O estranho caso do Dr. Jekyll

e Mr. Hyde (1886) e Raptado (1886), produções que o consagraram no âmbito

literário.

A ilha do tesouro (1883) constitui-se em uma história de aventura, na qual o

astuto e destemido Jim Hawkins, após a morte de um marinheiro, encontra um baú

com um mapa de um grande e precioso tesouro. O enredo envolve mistério e

coragem, se tornando um clássico infanto-juvenil.

Page 35: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

33

O raptado (1886) é uma obra narrada em primeira pessoa em forma de

diário pelo personagem David Balfour, um pobre jovem provinciano, que deixa a

casa dos pais para buscar a herança deixada por eles. Ao encontrar o tio Ebenezer

Balfour na capital da província, descobre que ele é um homem avarento e mal

intencionado. Com isso, Ebenezer arquiteta o rapto do sobrinho no navio Covenant,

local comandado pelo capitão, que trata violentamente os tripulantes, homens que

praticaram crimes ou eram foragidos da lei. O navio tem como destino as Carolinas,

local em que eles seriam vendidos na condição de escravos. Ao final da narrativa,

depois de enfrentar muitos desafios e aventuras, David consegue ganhar sua parte

na herança.

Essas duas obras citadas são essenciais na trajetória literária de Stevenson,

contudo, com a publicação de The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (1886) –

O estranho caso do Dr. Jekyll e de Mister Hyde ou O Médico e o Monstro, Stevenson

ganha ainda mais notoriedade no campo das letras. A obra, diferente das anteriores,

fará um retrato psicológico de dois emblemáticos personagens opostos quanto ao

temperamento, mas que residem na mesma pessoa. O enredo aborda a vida de Dr.

Jekyll, um médico bem conceituado na sociedade, o qual cria um poção feita por

meio da combinação de elementos químicos, que é capaz de dar vasão ao seu lado

mais obscuro, resultando na transformação de Hyde, sua face cruel e despudorada.

A obra foi produzida tendo como pano de fundo o contexto histórico da Era

Vitoriana (1837 – 1901), período em que o crescimento industrial, o desenvolvimento

científico as diferenças econômicas entre a burguesia e o proletariado eram latentes.

Nesse sentido, o clima obscuro das ruas de Londres, o medo, a insegurança, os

becos ofuscados pela neblina, o contraste entre as casas abastadas e as outras

paupérrimas, são elementos que compõem o cenário ideal para os crimes de Hyde.

De qualquer forma, o desenvolvimento da indústria inglesa parece ter começado com os interesses que as classes superiores nutriam pela ciência e pelas novas descobertas de então, em virtude dos quais essas classes se dispunham a arriscar seu dinheiro em invenções mecânicas e novos métodos de produção. Tantas foram as invenções à época, que se poderia creditar aos vitorianos o mérito de terem inventado a própria ideia de “invenção” (NETO, 2009, p. 166-167).

O crescimento da indústria e as invenções científicas foram elementos que

influenciaram a sociedade inglesa da época. O experimento de Dr. Jekyll revela a

Page 36: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

34

esperança na ciência e em seu potencial de viabilizar soluções para o homem, no

caso da obra, para que o conflito entre os dois polos da personalidade de Dr. Jekyll

pudesse ser evitado e os dois opostos vivessem de forma independente.

Na obra, o ilustre Dr. Jekyll declara: “nasci em berço de ouro, com a boa

fortuna de ser dotado de excelentes talentos, inclinado naturalmente para o trabalho,

apreciador do respeito à sensatez e à bondade entre meus semelhantes”

(STEVENSON, 2013b, p. 81). Esse trecho da carta do médico evidencia o contexto

em que ele fora criado, ou seja, vindo de uma família de alto poder aquisitivo e

adepto da moral, do recato e da bondade, as circunstâncias indicavam para ele um

futuro brilhante, marcado pelo renome, pela aprovação da sociedade e pelas

benfeitorias. No entanto, por trás das cândidas atitudes do afamado Dr. Jekyll havia

uma personalidade avessa a todos os princípios de bondade, um lado devasso,

sombrio, atroz e assustador, ambos pertencentes ao médico, como ele mesmo

afirma: “embora eu fosse paradoxal, de forma alguma era hipócrita, minhas duas

naturezas eram reais dentro de mim” (STEVENSON, 2013b, p. 82).

Com base no desejo por dissociar essas duas personalidades, deixando-as

livres para atuarem de forma independente, o médico cria uma droga que ao ingeri-

la o transforma em Mr. Hyde, homem de aparência horrenda e causadora de

repúdio. Ao libertar Hyde das correntes morais atadas à Jekyll, o lado perverso e

cruel poderia exercer toda sua maldade, sem que isso pudesse afetar a imagem

honrosa do médico.

Livre das amarras éticas, Mr. Hyde dá vasão a todo seu ódio e brutalidade,

pisoteando cruelmente uma menina, assassinando a bengaladas Carew, dentre

outras atrocidades citadas na obra, as quais proporcionavam intenso prazer, como é

possível identificar no relato do médico “imediatamente o espírito do inferno

despertou em mim e enfureceu-me. Dominado por uma sensação de regozijo,

estraçalhei o corpo indefeso, saboreando o deleite de cada golpe” (STEVENSON,

2013b, p. 95).

Para Jekyll, a separação física de sua outra face, seria a solução para o

conflito que se instalava em conviver com ambas.

Se cada um deles pudesse, dizia mim mesmo, ao menos localizar-se numa identidade diferente, seria possível aliviar a vida de tudo o que era insuportável. O injusto tomaria seu próprio rumo, livre das aspirações e remorsos de seu gênero opressor, e o justo poderia andar com firmeza e segurança em seu caminho ascendente, fazendo as coisas boas nas quais

Page 37: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

35

encontra seu prazer e não mais se expondo à desgraça e à penitência pelas mãos desse estranho mal (STEVENSON, 2013b, p. 83).

A droga criada por Henry Jekyll surtiu efeito temporariamente, no entanto, na

medida em que Hyde ganhava espaço nas ações, a transformação não mais ocorria

apenas sob o efeito da droga, mas involuntariamente. Ao não reprimir a

personalidade de Hyde, esta foi se fortalecendo, logo, o médico passou a não mais

ter o controle absoluto das transformações, fato que causou transtorno e

desestabilizou a saúde e a vida social de Jekyll.

Sob o perigo de a qualquer momento Hyde surgir contra sua vontade, o

médico decide por abolir o monstro, reprimindo-o novamente em seu interior.

Sim, dei preferência ao velho e descontente médico, rodeado de amigos e acalentador de honestas esperanças; e dei um resoluto adeus à liberdade, à relativa juventude, ao passo leve, às vibrações irrequietas e aos prazeres secretos de que me aproveitava quando disfarçado de Hyde (STEVENSON, 2013b, p. 93).

Ainda que as ações libertinas de Hyde proporcionassem a realização e a

satisfação dos prazeres mais secretos, a felicidade por dar vasão à irracionalidade, a

sensação de plenitude e de totalidade, Jekyll optou por reprimi-las, uma vez que a

descoberta dessa face cruel ocasionaria a destruição de sua reputação, o asco e

repúdio das pessoas. Em função disso, a personalidade que deveria ser mantida e

preservada era a do médico prestigiado pela sociedade, cercado de amigos e aceito

no meio social.

Por crer em seu poder de eliminar Hyde quando a ele fosse conveniente, Dr.

Jekyll decide por aprisionar para sempre o seu duplo, o desprezível Hyde. No

entanto, na medida em que o médico enfraquecia, o monstro se tornava forte e

atuante, fato que leva Jekyll a tomar incessantemente e em maiores doses a droga,

chegando a consumi-la em dose triplicada, o que em certo ponto, não é mais

suficiente para manter oculta a personalidade de Hyde, que começa a tomar conta e

se sobrepor a ele.

Porém, quando dormia, ou quando o efeito da droga passava, eu passava diretamente (pois as dores da transformação atenuavam-se cada dia) para um mundo de fantasia, repleto de imagens de terror, uma alma fervendo por ódios sem causa, e um corpo que não parecia forte o suficiente para conter

Page 38: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

36

as energias enfurecidas da vida. Os poderes de Hyde apareciam ter aumentado a partir da enfermidade de Jekyll. E, certamente, o ódio que agora os separava era de igual medida em ambos os lados (STEVENSON, 2013b, p. 101).

Após verificar que Hyde progressivamente se apoderava de suas vontades,

suplantando o médico respeitado por seus amigos e demais pessoas da cidade, há

um conflito entre as duas personalidades, que lutam pelo predomínio das ações.

Jekyll sentia pavor em cogitar a possibilidade de sofrer as consequências pelos atos

do monstro que nele morava e perante a possibilidade de revelar à sociedade sua

face obscura e cruel, agora tentava aprisionar e extinguir o monstro que fazia parte

de sua natureza.

Ao constatar que não conseguia mais dominar sua transformação em Hyde,

ele lamenta como seria visto pela sociedade, deixando de ser um homem admirado

e respeitado para ser “uma presa dos homens, um fugitivo, um sem lar, um

assassino conhecido, um condenado à forca” (STEVENSON, 2013b, p. 98).

Sob o ar sombrio das ruas mal iluminadas de Londres, Stevenson oferece ao

leitor uma história que vai além da transformação de um médico em um temível

monstro. O autor retrata em seu famoso romance, o duplo, a dualidade do homem, o

bem e o mal inerentes ao indivíduo, discutindo igualmente a questão da essência e

da aparência no seio de uma sociedade moralista e ao mesmo tempo, hipócrita.

Na gélida Londres do final do século XIX, com seu ar contaminado pelos gases industriais e escurecido pela forte neblina, o aumento de epidemias e a expansão do submundo urbano dão margem a uma violência generalizada, criando no cidadão um sentimento de medo, que se alia aos mistérios da cidade e aos caminhos desconhecidos que o progresso científico tomava. Em meio a esse clima de perigo, Robert Louis Stevenson imortalizou esse cenário na história de O médico e o monstro, metaforizando nas figuras dos protagonistas Henry Jekyll e Edward Hyde a luta mítica entre as forças do Bem e do Mal, que movimentam a vida do homem e dão sentido a suas atitudes e posicionamentos (PINHEIRO, 2010, p. 2).

Ao utilizar uma linguagem sem rebuscamento, capaz de tragar e enredar o

leitor para o seio do mistério entre os dois personagens, o clima de terror e as

revelações feitas por meio de cartas, Stevenson retrata em sua obra o duelo trágico

entre o médico infeliz que busca a libertação de seu monstro interior, mas que perde

Page 39: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

37

ao final o controle entre as duas identidades. Desse modo, é possível refletir sobre a

inerência do bem e o mal como faces indissociáveis da natureza humana.

A permanência e imortalidade de autores como Machado de Assis e Robert

Louis Stevenson justificam-se porque seus textos terão sempre algo a dizer, a

propor, a fazer refletir, a instigar o leitor e a provocá-lo a decifrar os enigmas,

preencher as lacunas e suscitar interrogações. São obras que mesmo sendo

produzidas em outro século, permanecem atuais e são passíveis de diálogo com o

leitor contemporâneo. Elas cativam pelo desafio, pela tradição embutida, pelos

tantos discursos que traz para si e pela dimensão estética, fatores que as tornaram

consagradas na arte literária e que, portanto, merecem ser exploradas e vivenciadas

por novos leitores, seja na escola ou em outros contextos.

um clássico é uma obra que venceu o fluir do tempo. Que subsistiu. Que, apesar da passagem dos anos, às vezes milênios, continua poderosa, intrigante, comovente. Fala de outra época, de uma outra maneira de ver o mundo, quando o tempo corria diferente; quando o tempo era algo diferente, assim como o Espírito Humano e o próprio mundo, por outro lado, vindo desse reino distante, trouxe para nós dramas, conflitos e dilemas que são a saga de nossa espécie na Terra. Que são universais. Modos (e com resultados) diferentes. Com significados, sintaxe e ritmo que expressam essas diferenças. Que são diferentes. Distanciados (nem por isso distantes) (AGUIAR, 2008, p. 23).

Ainda que a realidade histórica seja outra e que a linguagem, em alguns

casos, intimide pelo requinte formal, o clássico percorre intacto o passar dos anos,

décadas e séculos, pois é dotado de uma força motriz capaz de provocar as mais

diversas sensações humanas, de incitar, emocionar, questionar, comparar e

principalmente fazer refletir. Ler um clássico viabiliza o encontro com a humanidade,

trazendo consigo os diferentes contextos sociais, econômicos, políticos, religiosos,

históricos e culturais. Os clássicos constituem um vasto patrimônio da humanidade.

No caso do ilustre Machado de Assis

Há nele um “sentimento íntimo” da tal coisa de brasileiro, o qual está presente quando escreve sobre o Cosmo, o Planeta, o Ocidente, a História e toda a tradição de herdamos e reciclamos, neste lado de cá do Equador. Machado não é saudosista. Machado não é nacionalista. Nem colonizado. Machado é uma singularidade. Como todo ser brasileiro, nem integrado nem à parte do mundo desenvolvido. Uma singularidade, ainda, como todo

Page 40: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

38

ser humano abaixo das estrelas, seja o Cruzeiro do Sul ou qualquer constelação dos céus boreais (AGUIAR, 2008, p. 22).

O clássico, portanto, não deve ser compreendido como um texto estagnado

no tempo, mas como uma produção que sempre terá algo a dizer, independente da

época, visto que o ato de leitura é, antes de tudo, uma relação dialógica entre o texto

e o leitor, em um processo mútuo de ampliação e renovação.

Page 41: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

39

2.3 CLÁSSICOS: UM PATRIMÔNIO PERENE

A sociedade contemporânea valoriza o instantâneo, o efêmero e o atual. A

modernização e os impactos dos crescentes avanços na área da tecnologia

contribuíram para a configuração de um homem hipermoderno, individualista, nutrido

pelo consumo desenfreado e pelo anseio do que é considerado inédito e novo.

Sendo assim, essas transformações resultaram em um novo conjunto de valores

pautados na dinamização, na rapidez, na artificialidade e na superficialidade.

Alinhado a essa lógica, é possível afirmar que um dos elementos que conduz e

impulsiona o homem do século XXI é a noção de brevidade ou de instantâneo.

Vivemos para nós mesmos, sem nos preocuparmos com as nossas tradições e com a nossa posteridade, abandonando o sentido histórico – vivendo o presente, nada mais do que o presente, não mais em função do passado e do futuro. Ocorre um hiperinvestimento na esfera privada. O Eu, preocupação central de atenção e de interpretação, é um elemento constitutivo da personalidade deste indivíduo hipermoderno, tornando possível viver sem ideais, sem finalidades transcendentais (GONÇALVES, 2012, p. 330).

Com base nessa afirmação, percebe-se que no universo da

contemporaneidade as ações que exigem do homem tempo para refletir,

compreender e depreender sentidos estão em constante desprestígio e derrocada,

como a leitura, por exemplo, que consiste em uma atividade que requer atenção e

concentração para que se abstraiam significações, o que pressupõe um trabalho

intenso do intelecto. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil é realizada pelo

instituto Pró-Livro, com o apoio da ABRELIVROS, CBL- Câmara Brasileira do Livro -

e SNEL- Sindicato dos Editores de Livros. Ela é de abrangência nacional e tem

caráter quantitativo. Já foram realizadas três edições, em 2001, em 2008 e em 2011.

O objetivo é identificar os hábitos de leitura e obter informações para orientar a

criação de políticas públicas

De acordo com o site do Instituto Pró-Livro:

A pesquisa é única, em âmbito nacional, que tem por objetivo avaliar o comportamento leitor do brasileiro. É a contribuição do mercado editorial para, a partir de um amplo diagnóstico, estimular novas reflexões e decisões em torno de possíveis novas intervenções para melhorar os atuais

Page 42: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

40

indicadores sobre o comportamento leitor da população. Seus resultados ajudarão o próprio IPL bem como outras instituições públicas e do mercado editorial a orientar suas ações. O estudo tornou-se uma referência quando se trata do comportamento leitor no país, desde seu lançamento em 2001. Seus resultados foram amplamente divulgados e orientaram estudos; projetos e a implantação de políticas públicas do livro e leitura no país (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015).

Os dados dessa pesquisa mostram que somente 24% dos brasileiros

cultivam o hábito da leitura, ao passo que 85% costumam ver TV, passar o tempo

com os amigos e buscar diversão on-line. Frente a isso, o acesso às redes sociais,

aos jogos interativos e a outras formas de entretenimento se sobrepõem ao hábito

de ler. Essa constatação demonstra que “o desafeto progressivo pela leitura é um

fenômeno internacionalmente reconhecido. Leitura exige tempo, atenção,

concentração, luxos ou esforços que não condizem com a vida cotidiana atual”

(PERRONE-MOISÉS, 1998, p.178).

A leitura no âmbito escolar pode ser concebida como uma atividade que

requer não apenas a decodificação do signo linguístico, mas a assimilação dos

sentidos, que exige a disposição de tempo, o exercício da reflexão e da atenção

para a abstração e a construção dos significados do texto. Dessa forma, em um

contexto social que privilegia a efemeridade e a rapidez, a leitura constitui-se como

uma ação que está em constante desvalorização, comparando-a a televisão ou ao

entretenimento na internet, por exemplo. Frente a isso, percebe-se que a abstração

e o esforço intelectual estão em descompasso com o ritmo frenético, fugaz e

superficial do homem hipermoderno.

O cenário evidenciado revela a apreciação do que é facilmente consumível e

o desprezo pelo que requer trabalho intelectual, exigindo tempo e reflexão. Nesse

sentido, em uma sociedade que preconiza o aqui e o agora, a (não) leitura de obras

clássicas evoca o questionamento sobre a permanência do cânone em um cenário

de desprestígio da leitura e de supervalorização da instantaneidade.

Italo Calvino (2007, p.12) define os clássicos como “aqueles livros que,

quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer; quando são lidos de fato mais se

revelam novos, inesperados, inéditos”. Os clássicos carregam consigo sentidos

atemporais, as grandes problemáticas humanas e os conflitos universais, portanto,

cada leitura se revela, de alguma forma, inédita. Além disso, “um clássico é um livro

que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. (...) que se configura como

Page 43: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

41

equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs” (CALVINO, 2007, p.

11-13). O sentido de um clássico não se esgota com o tempo, para permanecer

através dos séculos, uma obra canônica3 carrega consigo a força da tradição, sua

representatividade não se limita à época de sua publicação, seu sucesso não é

efêmero, mas se perpetua na memória coletiva, inspira novas criações, surpreende

na forma e no conteúdo, na mensagem e na estrutura. Um clássico é assim definido

pela magnitude de sua composição, pela articulação entre o código e a mensagem e

por seu potencial de eternizar-se como elemento essencial ao legado cultural e

literário da humanidade. A amplitude das obras canônicas se dá pelo nível de

aprimoramento da linguagem e pelo conjunto de elaboração das ideias, dessa forma

são textos que integram o patrimônio cultural do homem aos quais, portanto, todos

deveriam ter acesso e desfrutar da alta experiência estética que a leitura deles é

capaz de proporcionar.

De acordo com Machado (2002, p.19), “a leitura dos clássicos justifica-se por

duas razões: é um direito e também uma forma de resistência”. No conjunto dos

direitos humanos, incluem-se aqueles relativos à moradia, alimentação, lazer,

educação e cultura; nesse sentido, a leitura dos clássicos é uma forma de assegurar

a efetivação do direito aos bens culturais acumulados historicamente. Além disso, a

leitura de uma obra canônica é em si mesma uma ação de resistência ao sistema de

classes e aos valores culturais e morais impostos, que segregam e permitem que

apenas uma pequena parcela da população tenha acesso ao patrimônio cultural.

Dessa forma, a experiência intelectual que a leitura dos clássicos possibilita é, de

fato, uma oposição às desigualdades sociais e a uma contestação dos valores

vigentes. Por sua imprescindibilidade na formação ética, crítica, cultural e social do

aluno,

O acesso à leitura e ao conhecimento da literatura é um direito desse cidadão em formação, porque a linguagem é o principal mediador entre o homem e o mundo. Se a escrita não é a única expressão da linguagem, é a mais prestigiada, a qual todos precisam ter trânsito livre, desembaraçado de preconceitos e dificuldade. Privar o indivíduo dessa relação com o universo da escrita e da leitura é formar um cidadão pela metade ou nem formá-lo, razão por que a presença e a circulação de objetos a serem lidos na sala de aula são tão importantes nessa faixa de estudos (ensino médio). (ZILBERMAN, 2010, p. 212).

3 Entende-se por canônicas as obras clássicas que, por sua originalidade e valor estético,

perpetuaram-se no universo literário.

Page 44: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

42

Além disso, a imersão no universo da literatura permite a transcendência da

experiência estética, a refutação das normas estabelecidas e a catarse. Nessa

perspectiva, “do mesmo jeito que a gente tem de saber ler para não ficar à margem

da civilização, tem de conhecer minimamente o cânone” (MACHADO, 2002, p. 133).

Rildo Cosson (2011) aponta que o cânone, em geral, é recusado pelos

professores, por ser pouco atraente e apresentar vocabulário e sintaxe herméticos.

Uma obra clássica, contudo, pressupõe um arranjo vocabular elaborado e uma

estrutura refinada, condições que elevam o seu valor cultural, uma vez que sua

amplitude consiste na grandiosidade da dimensão estética, estrutural e temática. A

riqueza do vocabulário e as construções sintático-semânticas são desafios para o

intelecto humano, fato que ratifica a sofisticação linguística do cânone. Portanto, não

se trata de hermetismo, mas de provocação à inteligência. Em consonância com

essa afirmação, um estudo realizado no Reino Unido, na Universidade de Liverpool,

divulgado em janeiro de 2013, envolveu especialistas em literatura, psicologia e

ciência, os quais monitoraram a atividade cerebral de 30 voluntários, que leram

primeiramente trechos de obras clássicas, e, posteriormente, a tradução dessas

passagens para a linguagem coloquial.

De acordo com a publicação, os resultados mostram que a atividade do cérebro "dispara" quando o leitor encontra palavras incomuns ou frases com uma estrutura semântica complexa, mas não há reação quando o mesmo conteúdo é expresso em linguagem coloquial, com fórmulas de uso cotidiano. Esses estímulos se mantêm durante um tempo, potencializando a atenção do indivíduo (UOL, 2014).

O resultado do estudo comprova que o alto nível de elaboração linguística e

da complexidade vocabular de textos considerados clássicos estimula o cérebro,

evoca maior atenção e concentração, exige um leitor ativo, participativo, que use o

raciocínio para construir sentidos.

É comum que o prazer seja considerado um dos pré-requisitos para o

sucesso e a efetivação da leitura, nesse sentido, a leitura seria válida na medida em

que proporcionaria prazer ao leitor. Entretanto, a leitura de um clássico ultrapassa a

dimensão do prazer, primeiro porque constitui um desafio, segundo porque o prazer

final obtido pela abstração do sentido de um texto grandioso advém do deleite que

ela produz para o intelecto.

Page 45: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

43

O prazer advindo da leitura de uma obra canônica é resultado da intensa

atividade mental, que objetiva assimilar, compreender e dar sentido às palavras, ao

conjunto de ideias e à construção completa da obra.

Harold Bloom, polêmico crítico literário e professor estadunidense nascido

em 1930, adota uma postura radical quanto à leitura do cânone, uma vez que

considera alguns escritores ícones absolutos no cenário literário, como

Shakespeare, por exemplo, desconsiderando, assim outros autores de grande

relevância no âmbito do cânone. No entanto, ainda que sua visão exclua importantes

escritores, em suas obras o clássico é considerado uma obra-prima de valor

inigualável, por isso, o mesmo afirma que a leitura do cânone é árdua, mas a

recompensa é grandiosa. Nessa perspectiva, “o valor estético surge da memória, e,

portanto, da dor, da dor de abrir mão de prazeres mais fáceis em favor de outros

muito mais difíceis” (BLOOM, 2010, p. 57). Um texto de uma dimensão menor, em

nível estético e estrutural, pouco desafia a atenção e o raciocínio.

Uma das razões que podem desencadear o repúdio pela leitura de livros

clássicos é a dificuldade que representa sua leitura, no entanto as grandes obras

são elevadas porque permitem a transcendência, porque requerem mais do que

uma leitura descompromissada e, principalmente, porque pressupõem leitores que

extrapolem a mera decodificação, e, com isso, penetrem no texto em seu nível

explícito e implícito, desvendando os mistérios e as articulações semânticas

expressas no constructo linguístico, fazendo inferências e atingindo o objetivo árduo,

mas sublime e prazeroso de depreender a significância de um cânone, frente a isso,

“o motivo mais marcante, mais autêntico, que nos leva a ler com seriedade o

cânone, é a busca de um sofrido prazer. A busca empreendida por um leitor encerra

prazer ainda maior” (BLOOM, 2001, p. 25).

Os clássicos, portanto, são talismãs, obras que marcaram a humanidade,

que são notórias devido a sua grande representatividade, permanecendo

significativas e independentes do tempo, uma vez que “não têm prazo de validade

nem perdem a garantia” (MACHADO, 2002, p. 22).

A transcendência da experiência estética e catártica do ato de ler um

clássico enriquece os horizontes culturais, evoca a reflexão sobre a sociedade e a

história e redimensiona a formação humana. Nesse sentido, Leyla Perrone-Moisés,

professora emérita da USP, que se dedicou à crítica literária e produziu vários

ensaios sobre a literatura, modernidade e crítica, considera as obras clássicas um

Page 46: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

44

patrimônio inestimável e que deve ter seu lugar preservado na sociedade,

considerando seu valor cultural e formador, de acordo com ela, “a grande literatura

pode nos dar: ampliação do imaginário, encontro com o outro e autoconhecimento,

capacidade de impressão e de expressão, visão crítica do real, emoção estética,

felicidade da palavra que nos faltava e nos é dada” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.

214). A potencialidade dos clássicos, portanto, é imensurável e a apropriação desse

vasto legado literário é um direito inalienável.

Schopenhauer (2013, p. 133), filósofo alemão do século XIX postula a

supremacia do cânone em relação a outras obras menos sofisticadas; de acordo

com ele, os clássicos são textos que detêm o poder de formar e educar, não apenas

no sentido do acato às normas vigentes, mas de oposição e de visão crítica da

sociedade. Os elevados espíritos, autores dos cânones, são reverenciados e

merecem a notoriedade, visto que se destacam dos demais frente à magnitude

estética e formal de suas produções. Com isso, é essencial privilegiar os mestres

das grandiosas obras.

A fim de que nosso tempo destinado à leitura, que costuma ser escasso, seja voltado exclusivamente para as obras dos grandes espíritos de todos os tempos e povos , para os homens que se destacam em relação ao resto da humanidade e que são apontados como tais pela voz da notoriedade. Apenas esses espíritos educam e formam os demais. Quantos às obras ruins, nunca se lerá pouco quando se trata delas; quanto às boas, nunca elas serão lidas com freqüência excessiva (SCHOPENHAUER, 2013, p. 133).

O clássico, portanto, sempre terá algo a dizer à atual e às futuras gerações,

sua consagração no tempo, na cultura, na história e na tradição demonstram que

sua validade e seu vigor não se limitam ou se perdem no decorrer dos anos, mas se

revigoram e se tornam ainda mais significativos. A universalidade dos temas

abordados no cânone é responsável por torná-los perenes na tradição literária da

humanidade, o ciúme, a morte, o amor, os dilemas e conflitos, as tragédias, o

fantástico, o real, o fictício ilustram a representação da vida e do homem por meio da

criação estética. O cânone nos permite “encontrar algo que nos diga respeito, que

possa ser utilizado como base para avaliar, refletir, que pareça ser fruto de uma

natureza semelhante à nossa, e que seja livre da tirania do tempo” (BLOOM, 2001,

p. 18).

Page 47: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

45

Embora as novas tecnologias e a modernidade tenham influenciado todos os

setores da sociedade, como a educação, o entretenimento e os meios de

comunicação, redimensionando o pensamento e as preferências do homem

contemporâneo, “sempre haverá (espera-se), leitores incessantes, que continuarão

a ler apesar da proliferação de novas tecnologias de distração” (BLOOM, 2001, p.

667). Logo, é possível afirmar que os clássicos permanecerão, independentemente

das mudanças. O cânone resiste à ação do tempo, seu poder de transformação é

incomensurável, seja em qualquer idade, de Machado de Assis a Monteiro Lobato,

de Homero a Shakespeare, o clássico teve, tem e terá o que dizer. Machado, (2002,

p. 135) ao citar diversas obras canônicas, corrobora que

Para qualquer idade, estes livros de que conversamos nestas páginas terão alguma coisa a dizer. Alguns deles, além disso, (e serão necessariamente diferentes para cada leitor), irão mais além. Terão o efeito de um relâmpago, subitamente iluminando tudo. Farão o leitor terminar a última página transformado. Para sempre diferente do que era quando começou a primeira. Difícil medir como e quanto. É uma navegação imprecisa. Mas uma experiência inigualável.

Bloom (2010, p. 680) espera “que os sobreviventes letrados colham as

recompensas que só a leitura canônica oferece”. As perspectivas evidenciam a

necessidade de desmistificar e leitura do cânone enquanto algo inacessível e

hermético. Os clássicos da literatura fazem parte do legado cultural e devem ser

valorizados em todos os âmbitos sociais, a fim de expandir ao máximo o número de

sobreviventes letrados. “A literatura ainda tem futuro, a biblioteca ainda não foi

destruída. E nós, leitores e escritores, estamos aqui para ler, eleger e prosseguir”

(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 215).

Page 48: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

46

3 LITERATURA E ENSINO

Para que a leitura das obras clássicas deixe de se limitar apenas a uma

mínima parcela da sociedade, é indispensável que a escola desenvolva ações a fim

de disseminá-la e de tornar real o aproveitamento desse vasto patrimônio. Nela, a

literatura pode ultrapassar a mera escolarização e tornar-se viva e significativa para

os alunos. Contudo, para que se possa compreender o presente, é preciso entender

o passado. Machado (2002, p. 126) atenta para a “enormidade do risco que

corremos – em pouco tempo poderemos ter o pesadelo das gerações que não

conseguem entender a literatura atual porque não conhecem os clássicos que a

precederam”. A literatura é permeada por uma rede de conexões intertextuais,

sendo assim, a ampla compreensão do que é produzido na atualidade pressupõe o

entendimento da tradição e da literatura consagrada por seu valor estético.

As instituições de ensino devem privilegiar a diversidade de textos e

gêneros, porém é fundamental valorizar a leitura de obras canônicas, devido a sua

importância para a formação cultural e humana dos educandos. Frente a isso, “já

que a literatura implica a existência de leitores, sua sobrevivência como arte da

linguagem e atividade provida de valor próprio depende muito de sua manutenção

nos currículos escolares” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 190).

O sucesso ou o fracasso do ensino da literatura nas escolas é influenciado

por uma série de fatores, como as metodologias, abordagens e técnicas

empregadas, o acervo da biblioteca, as condições de trabalho docente, os critérios

que norteiam a seleção de obras e autores, a formação inicial e continuada do

professor, como também o aluno, que muitas vezes destoa do perfil ideal que se

espera de um educando, nesse sentido, a indisciplina e a falta de interesse

motivados por fatores externos e internos à escola, também influem no rendimento

da aula e nos resultados obtidos.

A bagagem de leitura do educador é um fator determinante para a forma

como ele conduzirá o trajeto de compreensão e apreensão crítica e reflexiva da obra

literária, sobretudo quando se trata do cânone, o qual dispõe de um vasto campo de

estudo e exploração dos múltiplos elementos semânticos, estilísticos, históricos,

estéticos e culturais. Para Cosson (2011, p. 23), “estamos diante da falência do

ensino da literatura. Seja em nome da ordem, da liberdade ou do prazer, o certo é

Page 49: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

47

que a literatura não está sendo ensinada para garantir a função essencial de

construir e reconstruir a palavra que nos humaniza”. Os déficits no ensino da

literatura se justificam, parcialmente, pela falta da efetivação de uma metodologia

que dinamize e seja capaz de tornar acessível o texto ao aluno

“falta um objeto próprio do ensino. Falta a uns e a outros uma maneira de ensinar que, rompendo o círculo da reprodução ou da permissividade, que permita que a leitura literária seja exercida sem o abandono do prazer, mas com o compromisso de conhecimento que todo saber exige” (COSSON,

2011, p. 23).

A leitura literária envolve também a busca pelo prazer, mas, na escola,

realizá-la apenas com base nesse desígnio é rebaixá-la à mera ação lúdica, sem

objetivos para a construção de saberes mais aprofundados. Em sala de aula, as

obras devem ser lidas com a responsabilidade que a abstração do saber intrínseco

ao texto literário requer. Nesse sentido, é preciso que ela seja desenvolvida

enquanto elemento imprescindível ao currículo, e não como uma atividade

descompromissada e realizada apenas como entretenimento e identificação de

traços superficiais.

A sistematização, o compromisso, a seriedade e o uso de uma metodologia

eficaz são pilares essenciais para o êxito do ensino da literatura para além da

decodificação. Martins (2006, p. 91) ratifica essa ideia, visto que “ensinar literatura

não é apenas elencar uma série de textos ou autores e classificá-los num

determinado período literário, mas sim revelar ao aluno o caráter atemporal, bem

como a função simbólica e social da obra literária”. É fundamental que o professor

proporcione ao aluno o entendimento do texto enquanto emaranhado de vozes

sociais conflitantes, como retrato de uma época histórica e como representação

cultural.

Para organizar as atividades, o docente passa pelo crivo da seleção de

obras, as quais julga que serão mais produtivas e significativas. Rildo Cosson (2011,

p. 33), em Letramento Literário – Teoria e Prática, justifica o porquê da preferência

pelos textos canônicos:

Os professores parecem acreditar que há uma essencialidade literária nas obras canônicas que não pode ser questionada. Essas obras trazem um

Page 50: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

48

ensinamento que transcende o tempo e o espaço e demandam uma profundidade de leitura fundamental para o homem que se quer letrado. É por isso que insistem na leitura do cânone e preocupam-se com o desconhecimento progressivo dele na formação do leitor.

As ponderações de Cosson (2011) revelam que os clássicos são eleitos

perante sua significância e pela importância para formação dos alunos. Tendo em

vista que a escola objetiva os letramentos múltiplos, sejam eles digitais, políticos ou

midiáticos, o letramento literário, com base em textos canônicos, amplia as

possibilidades de inserção dos educandos na sociedade, uma vez que esta

modalidade de letramento tem como meta garantir a efetivação do domínio da leitura

e da escrita (COSSON, 2011). A imersão no universo polissêmico da arte literária,

bem como os esforços empreendidos para a compreensão da mensagem e dos

sentidos do texto, acompanhados da mediação realizada pelo professor, que

explorará os elementos estruturais e semânticos, permitem o desenvolvimento da

criticidade, da reflexão e da alteridade, pois a leitura e o entendimento de um texto

clássico exigem que o aluno permeie diversos âmbitos da linguagem, relacionando

fatos, transitando por diferentes períodos históricos e culturais, posicionando-se

frente a temas diversos, ações efetivadas mediante as atividades que compõem o

letramento literário. Com isso, o aluno constrói bases essenciais para sua formação.

Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, os que considera prejudicial, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso, é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominantes (CANDIDO, 1995, p. 175).

A literatura é uma arte provocativa, pois representa o mundo e a sociedade

de forma plural. Além de estimular o senso crítico, aprimora as habilidades

linguísticas, inspira, permite o diálogo com outras épocas e provoca emoções

através de histórias reais ou fictícias. Por ter esse amplo potencial é que a literatura

tem seu espaço garantido no currículo e deve ser trabalhada de forma significativa.

Page 51: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

49

Com isso, no decorrer de seu percurso na educação básica, os alunos poderão viver

a dialética dos problemas que fazem parte da humanidade, ampliando seus pontos

de vista, construindo novas possibilidades e abstraindo dessa arte, todos os

benefícios que ela pode proporcionar para o crescimento intelectual, social, afetivo e

humano.

No ensino médio, supostamente o jovem deveria ter acesso aos “clássicos” (nacionais ou não) e, paralelamente, à literatura que corre à margem do cânone, renovando-o, ou subvertendo-o, ampliando-o, seu repertório e refinando seu grau de compreensão e seu nível de exigência – e, noutra perspectiva, relativizando-o – como leitor (e, quem sabe, como produtor)” (DALVI, 2013, p. 74-75).

Aos alunos deve ser ofertada uma multiplicidade de textos, canônicos e não

canônicos, no entanto, um ensino que exclui o clássico não corresponde aos

desígnios pedagógicos, educacionais e formativos. Para que o discente seja capaz

de transitar pelos mais diferentes discursos, inferir, construir sentidos, associar

ideias, preencher lacunas e interpretar criticamente um texto, é fundamental inserir a

leitura de obras clássicas, a fim de ampliar os horizontes intelectuais, linguísticos e

culturais do educando. Na escola, a escolha de textos “não pode prescindir da

tradição, uma vez que é essa tradição que diz ao leitor que ele é parte de uma

comunidade e é para fazê-lo reconhecer-se como agente dentro dessa comunidade

que a literatura existe na escola” (COSSON, 2011, p. 104).

No contexto do ensino de literatura, os estabelecimentos educacionais ainda

mantêm abordagens e metodologias tradicionais, que utilizam o texto literário como

pretexto para o aprendizado de regras gramaticais. Nesse sentido, “a escola parece

ainda não ter conseguido se adaptar às exigências do mundo moderno, no que se

refere ao tratamento dado à literatura” (MARTINS, 2013, p. 101). As técnicas, o

trabalho, os valores, os avanços em diferentes áreas do conhecimento e outros

setores da sociedade são visíveis, porém as escolas ainda se assemelham aos

modelos arcaicos de ensino, nos quais há a resistência às mudanças e a

permanência de metodologias tradicionais e ultrapassadas. No que concerne ao

ensino de literatura, este ainda apresenta inúmeros déficits, “ao contrário do ensino

de língua – que, aos poucos, vai se renovando -, a literatura na escola resiste às

mudanças e se vê relegada a lugar secundário e sem força na formação das

Page 52: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

50

crianças, dos adolescentes e dos jovens (DALVI; REZENDE; JOVER-FALEIROS,

2013, p. 9).

Martins (2006, p. 101) afirma que “no ensino médio, a literatura continua

sendo vítima de abordagens que privilegiam a história da literatura, na medida em

que parece haver uma supervalorização das características estéticas e estilísticas

presentes nos textos produzidos nos mais diversos períodos literários”. A fim de

superar as abordagens que discutem apenas os aspectos históricos da obra literária,

objetivando com isso a memorização de datas e autores, a perspectiva sincrônica

pressupõe um trabalho dialógico, no qual o professor viabilize o trânsito por

diferentes épocas históricas, resgatando temas, promovendo discussões e relações

com o presente, evocando a reflexão sobre a influência de diversos fatores na

semântica e na estrutura do texto, analisando a forma e o conteúdo, como também a

tríade autor-obra-público. Com isso, busca-se que o aluno possa compreender o

texto literário por meio de uma perspectiva ampla, associando-o à época histórica

em que foi produzido, à recepção do público, às escolas literárias, como também a

outras representações artísticas.

A abordagem diacrônica, pautada no estudo dos períodos históricos é

insuficiente, porém, se aliada ao viés sincrônico, pode permitir que o aluno seja

situado quanto à cronologia da obra, mas também contextualize-a em múltiplos

âmbitos, não limitando-a uma determinada época histórica. Desse modo,

É interessante trabalhar a literatura a partir de uma abordagem que considere, por um lado, a diacronia, ou seja, o estudo do texto literário por meio de uma perspectiva histórica que resgate as obras do passado, e, por outro lado, a sincronia, isto é, a análise da obra considerando as manifestações sociais e culturais do presente que influenciam a produção e a recepção do objeto literário (MARTINS, 2006, p. 90).

Em meio ao emaranhado de conteúdos curriculares que norteiam o ensino na

rede pública, a literatura exerce um papel fundamental na formação do educando,

não apenas para atender a uma necessidade que emerge dos testes seletivos para

o ingresso nas universidades, ou para a compreensão de uma escola literária, suas

características e autores expoentes. A literatura desempenha um papel intelectual e

afetivo (CANDIDO, 1970),visto que amplia o horizonte linguístico, histórico, cultural,

e, portanto, humano, do aprendiz; dessa forma, a vivência ficcional proporcionada

Page 53: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

51

pelo contato com os conflitos atemporais do homem conduz à catarse, à reflexão, ao

aprimoramento do senso crítico e da sensibilidade.

A formação do leitor de literatura é uma das incumbências da escola contemporânea. Em que pesem os acirrados debates sobre o papel dela na formação de nossos cidadãos, poucos são refratários à ideia de que a literatura exerce influência positiva na vida de nossas crianças e de nossos jovens. Na esfera da escola, esse assunto ganha contornos mais definidos, uma vez que a leitura literária se converte em componente curricular (GONÇALVES, 2012, p. 17).

A experiência individual, coletiva ou compartilhada que tem como foco o

texto literário, além de enriquecer o repertório cultural dos alunos, une o particular ao

geral, efetiva o diálogo da tradição com o contemporâneo, viabiliza a análise da

forma e do conteúdo, expressa de forma única e independente as facetas sociais,

pois a arte literária, isenta do compromisso com o plausível e com o os modelos

eticamente padronizados, amalgama o possível ao fantástico, ao improvável, ao

rompimento dos códigos vigentes, esboçando, assim, a própria vida de um modo

único, vasto e sublime. Sendo assim, “a literatura concebida no sentido amplo a que

me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser

satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”(CANDIDO, 1970, p.175).

Um olhar atento para a escola pública permite a identificação de vários

problemas que incidem em sua qualidade, os quais podem ser vistos na

infraestrutura das instituições, no conjunto de recursos e na própria organização e

características do sistema educacional. Salas de aula superlotadas, ausência de

recursos, a submissão do professor a cargas horárias exaustivas para uma melhor

remuneração são apenas alguns dos fatores que refletem no ensino de forma

negativa, o saldo resultante desta somatória é um ensino muitas vezes fracassado,

alunos desmotivados e com baixo rendimento.

A consequência da derrocada e de tantos déficits na educação pode ser

observada no índice de leitura, por exemplo, no qual o Brasil, no ano de 2012, em

um ranking de 65 países, ocupa a 55ª posição de acordo com os dados do Pisa –

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Além disso, em 2014, segundo

uma pesquisa desenvolvida pela OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico), a qual utiliza como critérios a aprovação, as

estatísticas do PISA e o ingresso de alunos no ensino superior, em um total de 36

Page 54: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

52

países, o Brasil está em 35º. Com base nestes dados, tornam-se evidentes as

lacunas no ensino da rede pública.

No âmbito da disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Médio, várias são

as problemáticas que envolvem o fazer docente: Como ensinar gramática de forma

contextualizada? Como desenvolver a habilidade de produzir textos de acordo com

as especificidades de cada gênero textual? Como ensinar literatura tendo em vista a

complexidade e abrangência de um romance, poema ou conto que são compostos

por uma infinidade de contextos que evocam a história, níveis lexicais, estrutura,

forma, estética e conteúdo?

Barthes (1979 apud Dalvi, 2013, p. 71) afirma que:

A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). Se, por não se que excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que deveria ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.

O mergulho na compreensão e na experiência estética de uma obra literária

envolve uma rede de conhecimentos de diversas áreas, sendo, portanto, inviável

que a leitura superficial de um fragmento de um romance seja considerada uma

atividade de leitura literária. A complexidade e a vastidão de saberes que são

intrínsecos às produções literárias requerem que o professor, além de ser um leitor

por excelência, saiba levar seus alunos a adentrarem o texto, vivenciar a catarse,

compreender a rede de contextos sem a qual a obra não pode ser entendida em

plenitude.

Um dos fatores que pode influenciar o desprezo e a decisão por não

trabalhar literatura em sala de aula é a abrangência de saberes que a compõe.

Gonçalves (2012, p. 36) afirma que

Por muitas razões, a leitura em geral e a literária em particular, como atividades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, foram sendo preteridas no cotidiano escolar. As consequências disso se refletem nos exames nacionais e internacionais de leitura, literária ou não em sala de aula, cujos resultados têm preocupado gestores dos sistemas educacionais, educadores e sociedade em geral.

Page 55: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

53

O fato de a leitura literária requerer um arcabouço de leituras do professor,

assim como a necessidade de conhecer e dominar os aportes teórico-metodológicos

para um ensino significativo, pode ser uma das fortes razões para que a leitura

literária seja preterida no cotidiano escolar. O pouco acervo das escolas, as

condições da biblioteca, o número de alunos, a grade curricular, entre outros fatores,

não podem ser desconsiderados, porém, a formação do docente ainda é um fator

preponderante e que define a qualidade do ensino de literatura nas escolas.

A periodicidade é algo inerente à literatura quando esta faz parte do currículo

escolar, ou seja, as obras estão naturalmente inseridas em um determinado contexto

histórico de produção, logo, é fundamental conhecer as nuances desta história e

situar o discente no âmbito cronológico - diacrônico. Entretanto, limitar o ensino de

literatura ao aprendizado de dados da história da literatura é corromper e desvirtuar

a função humanizadora e formativa da mesma. O viés diacrônico deve integrar o

conjunto de atividades desenvolvidas, no entanto, não deve ser o foco das aulas.

Sobre isso, Rezende (2013, p. 102) aponta que “quando se pergunta aos

professores e aos licenciandos o que se ensina quando se ensina literatura,

ciosamente respondem que, de fato, não é literatura que se ensina, mas história da

literatura”.

Frente a isso, é preciso superar o ensino de literatura, que geralmente se

efetiva como historiografia literária, priorizando a perspectiva sincrônica, que

suplanta a cronologia, articulando o passado com o presente, associando às

diversas manifestações artísticas sobre a temática, tornando o texto literário uma

expressão viva, imbricada com outras representações, com outros autores e obras,

expandindo os horizontes dos alunos e permitindo que os mesmos percebam o texto

como algo dinâmico e significativo, não apenas como um fato estagnado em uma

história remota, distante e abstrata.

Gonçalves (2012, p. 19) cita alguns dos empecilhos no ensino de literatura;

Tanto a exiguidade de tempo implica imensas dificuldades para se conquistar o mínimo aprofundamento nas leituras e análises, ainda assim a partir de abordagens, pela mesma razão, fragmentadas e limitadas; quanto a rejeição de autores clássicos por parte significativa dos estudantes é sintoma de insuficiências na formação destes para mergulhos em textos mais sutis e sofisticados; como métodos mobilizados e justificados apenas pela exigência de provas e exames são também responsáveis pela verdadeira ojeriza de leitores em formação para com o texto literário.

Page 56: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

54

O tempo para a efetivação das atividades de literatura literária é um dos

empecilhos para o professor, visto que um trabalho aprofundado exige tempo hábil

para ser realizado. Contudo, o autor acima denuncia também as abordagens

fragmentadas e limitadas, ou seja, o tempo é um fator, mas ainda que este fosse

satisfatório, caso a abordagem contemplasse apenas aspectos superficiais ou

historiográficos da literatura, o ensino continuaria com a mesma lacuna deflagrada.

A rejeição a textos clássicos também é identificada como uma consequência

das consecutivas falhas na formação dos alunos, visto que o estudo e leitura de um

texto clássico exigem em proporções diferentes, um ritmo de leitura que deveria ser

construído ao longo das séries, a fim de possibilitar a imersão em obras mais

sofisticadas

[...] em outras palavras, só se pode esperar proficiência de leitura satisfatória ao final do Ensino Médio caso as habilidades relativas a ela tenham sido desenvolvidas paciente e diligentemente em todas as séries do Ensino Fundamental, com seus respectivos conteúdos, entre os quais constam autores, temas, gêneros, estilos e contextos sociais e históricos. Isso assim se dá porque habilidades relacionadas à leitura literária se estruturam e desdobram progressivamente a partir de conquistas graduais, sucessivas e ininterruptas ao longo do tempo, só realizáveis no contato mesmo com as obras que as ensejam (GONÇALVES, 2012, p. 20).

A competência de leitura de diferentes obras literárias é ou deveria ser

construída gradualmente, perpassando diferentes níveis de dificuldade, com o

desígnio de viabilizar que o aluno atinja a maturidade leitora, que tornará possível

transitar por obras de diferentes gêneros, autores e complexidade, compreendendo-

as de forma crítica e desenvolvendo a habilidade de reflexão.

Uma das justificativas utilizadas para explicar e defender a literatura na

escola é sua importância para um bom desempenho no ENEM - Exame Nacional do

Ensino Médio - e para o ingresso em universidades, fato que não deixa de ter seu

valor, mas que não deve ser usado para explicar o porquê de se estudar literatura,

tendo em vista que a abrangência das reais justificativas ultrapassa qualquer

necessidade de acesso ao ensino superior.

É essencial que o professor enxergue na literatura seu papel transcendente

e humanizador; ao adotar essa concepção, o estudo distancia-se da noção de

cumprimento de obrigações escolares, para ser significativo, tocante e instigador

Page 57: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

55

para o aprendiz. Formar leitores não é hostilizar a escolarização da literatura e todos

os processos metodológicos/didáticos pelos quais as obras passam ao adentrar as

salas de aula, mas tentar torná-los atraentes, evidenciando as múltiplas facetas e

enigmas do texto literário, bem como as estratégias para decifrá-los, ou seja, é

orientar o aluno e estimulá-lo a percorrer os caminhos da obra e a recompensadora

sensação que se obtém ao final do percurso.

O saldo será a ampliação das percepções e o crescimento pessoal e

intelectual. Nesse sentido, é necessário que a literatura englobe a escola e não que

a escola torne a literatura um fazer mecânico e superficial. A inversão das ações

resultaria na potencialização do ensino, rompendo com isso práticas incipientes.

Dentre estas práticas, Rezende (2013, p. 101) explica como as mesmas são

efetivadas em sala de aula:

Tendo, pois, o livro didático como apoio, o mais comum é que o professor configure nesse trabalho as mais diferentes estratégias: uma atividade oral de leitura de fragmentos pelos alunos, seguida por perguntas e respostas, sendo que estas já se encontram no manual do professor, ou seja, os alunos vão ter de ajustar às respostas elaboradas de antemão, que o próprio professor provavelmente tampouco saberia responder se não as tivesse ao alcance; cópia, no caderno, de trechos do livro e dos questionários para responder por escrito com o objetivo muitas vezes de manter os alunos quietos e ocupados; cópia do livro, na lousa, feita pelo professor para os alunos copiarem; pesquisa sobre autores e obras que os alunos fazem pela internet apenas baixando os arquivos (alguns professores os querem copiados a mão...); seminários sobre autores e obras cujo cronograma segue a linha do tempo da história da literatura nacional (REZENDE, 2013, p. 101).

Sendo as atividades acima consideradas usuais nas aulas, pode-se concluir

que as abordagens tradicionalmente usadas nas práticas docentes diárias estão

longe de atender aos desígnios de um ensino de literatura amplo e significativo. O

livro didático é um dos recursos que podem ser utilizados para o desenvolvimento

das atividades, mas o ensino não deve se esgotar nele, pois ainda que o material

seja bem elaborado em termos de diversidade de textos, de abordagem e de

práticas propostas, ele não pode ser o único instrumento, considerando suas

limitações e a amplitude de textos, atividades, recursos e outros materiais que

devem integrar as práticas de ensino. Evidencia-se, portanto, a necessidade de

mudanças no ensino de literatura

Page 58: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

56

A escola é menos livre que a sociedade: lida com objetivos e conteúdos inseridos num currículo ou programa. A literatura que ali adentra está submetida a essas necessidades escolares, mas isso não significa que teorias e práticas sejam imutáveis. Ao contrário: a escola, assim como todo elemento de cultura, é histórica, e precisa mudar (REZENDE, 2013, p. 109).

Atividades como a aplicação de questionários descontextualizados, cópia de

trechos dos livros, cópia do livro na lousa, assim como pesquisas na internet (as

quais se restringem à mera cópia do conteúdo de sites de fontes diversas) e

seminários pautados apenas na cronologia literária são extremamente comuns no

cotidiano das escolas, quando não são as únicas tarefas executadas nas aulas de

“literatura”. Essas práticas são insuficientes para corroborar um ensino de literatura

significativo que dê suporte à ação de formar leitores capazes de ler obras de

diferentes naturezas. A pesquisa na internet, questões de interpretação, cópia de

informações relevantes e seminários são atividades que se tornam válidas a partir

do momento que integram um conjunto de práticas mais amplo e com metas

significativas, porém, se realizadas de modo descontextualizado e limitadas em si

mesmas, não representam possibilidades de promover um ensino consistente,

coerente e significativo da literatura.

Refletir sobre os encaminhamentos pedagógicos no ensino de literatura

requer repensar os critérios usados para a escolha das obras, visto que a grade

curricular, o tempo escasso e outros fatores exigem que o professor planeje com

coerência e destreza os caminhos que vai percorrer e as metas que pretende atingir.

Dalvi (2013, p. 78) propõe dez teses para o trabalho com o texto literário e a terceira

versa sobre

[...] a qualidade literária (ela mesma sempre submetida a questionamentos) como critério primeiro para a escolha de textos a serem lidos: os textos literários lidos e estudados na disciplina de português na escola devem ser escolhidos tendo em consideração o desenvolvimento linguístico, psicológico, cognitivo, cultural e estético dos alunos, mas devem ser sempre textos de qualidade literária, isto é, textos ímpares pela criatividade, pela inovação e pelo risco na utilização da língua e das formas, pela densidade, pela originalidade, pela riqueza e pela sedução dos mundos representados, pela preocupação com o humano, pela possibilidade de leitura aberta – uma leitura literária que não desafie, instigue, provoque não merece o investimento do precioso tempo escolar.

No momento de escolha das obras, o professor deve avaliar e considerar

diversas questões, como a faixa etária, a viabilidade de realização da leitura em

Page 59: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

57

classe ou extraclasse e o tempo necessário para o desenvolvimento das atividades.

Contudo, um dos parâmetros fundamentais para a seleção deve ser a qualidade

literária da obra, ou seja, reconsiderar e questionar a validade de inserir determinada

obra no conjunto de atividades do planejamento. Frente a isso, torna-se evidente a

necessidade de priorizar aquelas produções ímpares pela forma e pelo conteúdo,

pela permanência, pela originalidade e pela vastidão de possibilidades que

engendram. Há uma infinidade de produções literárias e autores, portanto cabe ao

professor, enquanto leitor e educador, eleger as que possibilitarão o crescimento

intelectual, humano e único, advindo da experiência estética. Nesse sentido, Rouxel

(2013, p. 24) salienta que “é importante propor obras das quais eles extrairão um

ganho simultaneamente ético e estético, obras cujo conteúdo existencial deixe

marcas”.

Frente a essa ponderação, a inserção de obras clássicas, se bem

direcionadas e orientadas adequadamente pelo professor, pode ressignificar o papel

da leitura na escola e gradativamente suprir as lacunas que o ensino historiográfico

da literatura tem deixado no cenário da educação na rede pública.

Um dos termos sobre o qual muito se tem ouvido falar no que tange aos

documentos oficiais e orientações para as práticas de ensino é a democracia. Fala-

se demasiadamente em democratizar o ensino, ou seja, romper com as posturas

arbitrárias, de imposição e de segregação, com o objetivo de que a escola propicie

uma formação com base nos princípios da equidade, acolhendo as diferenças e

valorizando a pluralidade cultural e os conhecimentos de mundo trazidos pelo aluno.

No entanto, o conceito de democratização do ensino, no âmbito da literatura e das

práticas docentes concernentes a ela, em alguns casos, tem sido compreendido

como a necessidade de não ultrapassar os conhecimentos que já fazem parte da

realidade do aluno. Nessa linha de raciocínio, o professor não poderia escolher

textos ou obras que não fizessem parte do repertório cultural dos aprendizes, sob a

pena de segregar o aluno e praticar uma violência a seus valores e saberes

adquiridos previamente. A opção por obras clássicas seria, portanto, arriscada por

estar distante da realidade dos discentes e não fazer parte de seu cotidiano, das

tradições familiares, do vocabulário, dos temas e do nível de complexidade aos

quais estes estariam habituados.

Porém, não incluir a leitura de textos clássicos sob a justificativa de

democratizar o ensino constitui, sem dúvida, uma contradição. Se o objetivo da

Page 60: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

58

democratização do ensino é viabilizar a igualdade de oportunidades, a diminuição

das injustiças sociais e a construção de uma escola que propicie a inserção do aluno

nos mais diferentes âmbitos sociais, privar os discentes do contato com obras

canônicas é fortalecer a desigualdade, pois as obras canônicas, um dos mais ricos

patrimônios culturais da humanidade, continuariam a pertencer somente a uma

pequena parcela da sociedade, àqueles que nasceram em uma família letrada, que

desde a mais tenra infância foram estimulados a ler e a apreciar a literatura, que

frequentaram escolas que exigiram o estudo e a leitura de clássicos e que, portanto,

desfrutam do direito a eles, o qual deveria se estender a toda a população,

independente da classe social.

É esse um dos papéis da escola pública, democratizar, tornar acessível a

todos, os bens culturais, expandir os horizontes, mostrar outras possibilidades,

inserir o desafio, ou seja, acrescentar e não apenas condicionar-se ou contentar-se

com os conhecimentos que já são comuns ao aluno. Perrone-Moisés (1996, p. 22)

defende que “truísmo por truísmo, lembremos que o objetivo de qualquer ensino

deve ser o de elevar e ampliar”.

O repertório do aluno, seus conhecimentos prévios, vivências e experiências

devem ser valorizados na aula, entretanto, isso não pode ser usado como parâmetro

que exclui a possibilidade de propor atividades e leituras desafiadoras.

A pretensa democratização do ensino, como nivelação baseada na “realidade dos alunos”, redunda em injustiça social. Oferecer aos alunos apenas aquilo que já consta em seu repertório é subestimar sua capacidade de ampliar esse repertório. Qualquer que seja a extração social do aluno, sua inteligência lhe permite a aprendizagem da leitura literária (PERRONE-MOISES, 1996, p.28).

Torna-se inviável e infundado, portanto, usar o argumento da

democratização do ensino para refutar a opção por obras clássicas nas aulas de

literatura, uma vez que a experiência única de leitura, a apreciação da

universalidade e imortalidade dos temas, a beleza da linguagem, a decifração dos

enigmas, o mergulho nos obstáculos, a superação dos limites, o desenvolvimento

intelectual e todos os outros benefícios provindos da imersão no universo literário e,

em especial, em textos canônicos, é uma das formas mais genuínas de tornar a

escola um espaço profícuo e democratizante, permitindo que todos os alunos que

tenham acesso ao ensino possam gozar de um direito que, em muitos casos,

Page 61: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

59

apenas na escola, pode ser assegurado. Sobre a escolha das obras a serem

trabalhadas, Perrone-Moisés (1996, p. 22) indica que:

É preciso refletir sobre o repertório de autores e obras que deve constar nos currículos. A excessiva preocupação com o “contexto social” e a “identidade”, que aparece em todos os documentos do MEC, assim como o temor de um “elitismo” que caracterizaria o ensino dos textos “canônicos”, deu origem a uma desconfiança com relação a esses textos “canônicos” no ensino secundário. Cavou-se, assim, um buraco entre o secundário anticanônico e os programas canônicos dos vestibulares. O resultado é o artificialismo dos estudos literários nos cursinhos, baseados muitas vezes em resumos de “grandes” obras de apreciações gerais a respeito delas.

A reflexão sobre a validade das obras que integrarão as aulas de literatura

deve ser constante. O professor não deve privilegiar apenas a leitura de textos

clássicos, mas não inseri-los nas aulas é o mesmo que não cumprir os objetivos que

se pretende atingir no âmbito do ensino da linguagem e da educação de modo

amplo. Optar por obras canônicas no planejamento das aulas não é assumir uma

postura elitista, mas ampliar as possibilidades de acesso a uma cultura que

geralmente é restrita à elite.

Um texto clássico, por seu requinte formal na linguagem, riqueza vocabular e

por seu arranjo semântico-estrutural, pode causar estranhamento e repúdio por

parte dos alunos, que podem enxergar nessas características do cânone, obstáculos

e desmotivação para a leitura. Esse fato reitera a importância da formação docente,

visto que é a partir dela e das ações metodológicas do professor que os

encaminhamentos da aula serão desenvolvidos e que esses obstáculos poderão ou

não ser superados com o auxílio, orientações e intermediações para a compreensão

significativa das obras.

A existência de empecilhos, como a construção e manutenção do repertório

de leitura do professor, pré-requisito para o ensino, a elaboração de um

planejamento rico em termos de obras e autores e tempo hábil para as atividades,

unidos a outros fatores, como as orientações de documentos oficiais que acabam

direcionando para uma supervalorização do aluno e de sua realidade (na qual a

exigência da leitura de um clássico seria uma violência à cultura do mesmo),

resultam na rejeição do cânone. À medida que a escola – o professor -, em muitos

casos, rejeita o clássico, em contrapartida os vestibulares exigem listas de obras

Page 62: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

60

para o processo seletivo, nas quais há, predominantemente, a presença de textos

clássicos, criando um paradoxo que culmina na superficialidade das abordagens, no

estudo limitado aos resumos retirados da internet e na mutilação de obras que

mereciam ser compreendidas em sua magnitude:

Ora, o ensino da literatura, de qualquer nacionalidade, não é elitista, mas democratizante. O livro ainda é o objeto cultural mais barato e acessível, e o texto do Dom Quixote ou de Dom Casmurro é o mesmo, num volume encadernado em papel bíblia ou num exemplar de banca de jornal. Além disso, sem o ensino específico da leitura literária, haveria uma contradição entre as louváveis iniciativas governamentais e as diretrizes oficiais para o ensino: o paradoxo da criação de bibliotecas sem que a escola se preocupe em formar leitores. Se os leitores de literatura constituem uma elite, esta é aberta a todos os alfabetizados, cabendo aos professores apenas mostrar o objeto sob a melhor luz (PERRONE-MOISES, 1996, p. 28).

Seja pela parca formação do professor ou pelas inúmeras falhas do sistema

de ensino, os leitores de literatura ainda constituem uma elite que não se estende a

todos os alfabetizados, e a escola, por sua função social, deveria ampliar a extensão

desta elite e agir em prol da formação de leitores que leiam Best- Sellers, mas que

igualmente sejam apresentados a obras canônicas e possam apreciá-las ou não.

O trato com o texto canônico exige raciocínio, decifração, inferências e

análise, processos desencadeados em leituras de alto valor estético, sendo assim, a

complexidade de uma obra é consequência de sua grandiosidade, pois esta evoca o

intelecto, acarreta processos mentais mais elaborados e minuciosos que exigem um

leitor ativo, que não apenas decodifica, mas infere e decifra os enigmas,

compreende as entrelinhas, identifica a sutileza de um enunciado irônico,

compreende o conjunto total da obra e que, além disso, percebe a junção da forma

com o conteúdo e o modo como ambos estão aliados na construção da obra. Com

isso, “ensinar literatura é ensinar a ler textos complexos, o argumento de que se

devem oferecer ao aluno apenas textos ao seu alcance, ou oriundos do seu

ambiente social, é um paternalismo e um menosprezo da capacidade dos jovens”

(PERRONE-MOISÉS, 1996, p. 347).

Não propor a leitura do clássico é subestimar a capacidade do aluno e não

priorizar seu desenvolvimento enquanto educando. O texto erudito possui seu valor

inestimável e, enquanto bem cultural, deve ser desfrutado por todos,

independentemente da classe social. Para Antonio Candido (1970, p. 186): “para

Page 63: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

61

que a literatura chamada erudita deixe de ser privilégio de pequenos grupos, é

preciso que a organização da sociedade seja feita de maneira a garantir uma

distribuição equitativa dos bens”. Frente a isso, é fundamental repensar os critérios

para a escolha das obras e reconhecer a importância dos clássicos como garantia

de direitos incompressíveis e como uma forma de divisão igualitária de bens. Nessa

perspectiva, a palavra democracia, que significa o poder nas mãos do povo, precisa

ser revista antes de ser empregada como justificativa para a rejeição às obras

canônicas, a fim de evitar a prática de professores de literatura que

desejando ser democráticos, privam os alunos dos textos “difíceis”, supostamente elitistas. Talvez o subversivo, hoje, seja ensinar os “autores canônicos” (Dante, Cervantes, Shakespeare, Goethe, Balzac, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade...), porque a literatura de massa está disponível aos alunos sem que eles precisem de “introdução”, e as informações superficiais sobre a realidade contemporânea estão em todos os jornais e televisões, ou na internet (PERRONE-MOISES, 2005, p. 29).

Considerando a superficialidade e a instantaneidade das informações

veiculadas, a rapidez da comunicação e a lógica frenética e incipiente que

predomina na forma de viver e se relacionar que estão presentes e caracterizam a

contemporaneidade, talvez seja subversão propor a leitura de textos considerados

complexos, grandiosos e desafiadores, tendo em vista intelectos habituados a

fugacidade.

O jovem aprendiz deve colecionar experiências de leitura que o desafiem e,

que, portanto, o conduzam ao crescimento intelectual, obtido por meio do deleite

árduo, porém, compensador, de um clássico. De acordo com Bloom (2010, p. 45-

46), “o texto está aí não para dar prazer, mas o elevado desprazer ou prazer mais

difícil que um texto menor não dará”.

Cosson (2011, p.21) aponta que o professor tende a “recusar os textos

canônicos por considerá-los pouco atraentes, seja pelo hermetismo do vocabulário e

da sintaxe, seja pela temática antiga que pouco interessa aos alunos de hoje.”

Ainda que as dificuldades se sobreponham, é essencial que o professor

preconize a leitura dos clássicos, visto que eles carregam consigo o legado da

tradição. As obras canônicas são bens culturais que não se restringem e não se

validam pelo tempo cronológico em que foram produzidas, mas pelos porquês de

Page 64: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

62

sua permanência e consagração na memória, na história e na cultura da sociedade.

Ler um clássico é apropriar-se de um valor cultural eternizado pela arte literária, a

mensagem nunca está integralmente lida, o sentido não se esvazia, tampouco se

torna inexistente pela ação do tempo, esses livros “quando são lidos de fato mais se

revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2007, p.12).

O acesso aos clássicos é um direito do educando, e no ambiente escolar,

deve ser garantido através do trabalho pedagógico do professor, a fim de provocar a

inteligência do aprendiz, lançar-lhe desafios e ajudá-lo a superá-los. Primar pelo

trabalho com o cânone é imprescindível quando se objetiva a formação de leitores

críticos, logo, para que se realize a abstração dos sentidos do clássico, é preciso

questionar os valores, estremecer as certezas, instigar a busca por respostas, incitar

a descoberta dos sentidos.

No cenário dos autores clássicos, Machado de Assis ocupa um espaço

privilegiado no rol de escritores de grande amplitude literária, tendo em vista sua

originalidade, genialidade e importância para a literatura brasileira. As obras de

Machado devem integrar o repertório de leitura dos educandos no Ensino

Fundamental II,e, sobretudo, no Ensino Médio, modalidade escolar que abrange o

estudo mais aprofundado dos períodos literários e dos grandes nomes da literatura.

No entanto, devido a uma série de fatores, é comum que não seja solicitada a leitura

integral das obras machadianas, o que conduz a uma grande perda para o aluno

que, ao ser privado de ler integralmente o texto, deixa de experienciar os percalços e

as recompensas da imersão no cânone. Dalvi (2013, p. 83) afirma que é preciso

“evitar mutilar os textos e as obras: procurar sempre trabalhar com textos integrais e,

se possível, em seus diferentes modos de publicação”.

As narrativas de Machado de Assis, “ainda que escritas no século XIX,

podem provocar o diálogo com leitores contemporâneos, porque transpõem uma

dimensão do humano que transcende um tempo e um espaço determinados”

(SARAIVA, 2007, p.173-174). Nessa perspectiva, os significados dos textos

machadianos ultrapassam o tempo e são pertinentes à contemporaneidade, uma

vez que os grandes conflitos humanos, como o amor, a morte, o ciúme, a hipocrisia

e a dualidade da alma, foram e permanecem atuais.

O modelo de sequência didática proposta por Rildo Cosson (2011)

pressupõe o diálogo com diferentes textos, a fim de que o aluno tenha uma visão

abrangente do texto literário e das temáticas envolvidas. Além dos contos de

Page 65: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

63

Machado de Assis, uma das obras que integram as atividades que serão

desenvolvidas na sequência é O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson,

texto que será utilizado para ampliar a abordagem realizada com o conto “A causa

secreta”, a fim de expandir as discussões sobre os mistérios e segredos da alma

humana. De acordo com Machado (2002, p. 96), esta obra é “um mergulho na

duplicação mental de cada um, um questionamento da capacidade humana de

domar seus monstros, portanto, uma verdadeira obra-prima. Stevenson é um dos

autores mais escrupulosos, mais inventivos e mais apaixonados de toda a literatura”.

As atividades que compõem a sequência didática estão ancoradas no

pressuposto de que a leitura literária de textos canônicos é fundamental para a

formação ampla do aluno. Frente a essas ponderações:

A recepção da força estética nos possibilita aprender a falar de nós mesmos e a suportar a nós mesmos. A verdadeira utilidade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero a Dante, é aumentar o nosso próprio eu crescente. Ler a fundo o cânone não nos fará uma pessoa melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo. Tudo que o cânone pode nos trazer é o uso correto de nossa solidão, essa solidão cuja forma final é nosso confronto com nossa mortalidade (BLOOM, 2010. p. 45-46).

A justificativa para a leitura de textos clássicos é a expansão dos próprios

horizontes humanos, seja pelo crescimento obtido pela penosa tarefa de superar os

desafios de um vocabulário refinado, seja pela sensação sublime de imergir nas

entrelinhas de uma trama imortalizada na história da humanidade, o cânone

representa a democratização do conhecimento e, na escola, a possibilidade de

vivenciar e possibilitar ao outro o deleite de adentrar a dimensão estética e colher

dela todos os benefícios e vantagens possíveis.

Page 66: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

64

4 LETRAMENTO LITERÁRIO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO ESTRATÉGIA

DE ENSINO DOS CLÁSSICOS

No âmbito do ensino de literatura, usualmente as práticas mais recorrentes

são as de identificação de escolas literárias com base nas características de cada

uma, a apresentação dos autores mais representativos das estéticas e suas

principais obras. Cosson (2011, p. 21) aponta que “no ensino médio, o ensino de

literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à história da literatura brasileira,

usualmente na sua forma mais indigente, quase como apenas uma cronologia

literária”. Não raramente as práticas de literatura desenvolvidas no Ensino Médio

ocupam-se da verificação dos traços de cada escola literária, acrescentando a isso,

aulas expositivas que abordam dados históricos e autores considerados mais

relevantes.

O ensino de literatura, de acordo com o que postulam as Diretrizes

Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa do Paraná, publicadas em 2008, deve

ser abordado de forma diferente. Nesse documento que orienta as práticas docentes

na área de Língua Portuguesa, encontra-se a seguinte ponderação

Sugere-se, nestas Diretrizes, que o ensino de literatura seja pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, visto que essas teorias buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática da leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a literatura em sua dimensão estética (DCE’S, 2008, p. 58).

A Estética da Recepção, elaborada por Hans Robert Jauss em 1994, é

embasada em sete teses: a relação leitor- texto, na qual o leitor dialoga com a obra

e a atualiza quando lê; o saber prévio do leitor, que consiste da reação particular de

cada um ao ler o texto; o horizonte de expectativas, ou seja, a forma como a obra foi

recebida pelo público em diferentes épocas; a relação dialógica do texto, na qual a

obra pode ser considerada uma resposta a um questionamento do leitor; o enfoque

diacrônico, que consiste no contexto em que a obra foi produzida; e por fim, o corte

sincrônico, por meio do qual o aspecto histórico é visto na atualidade e o caráter

Page 67: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

65

emancipatório da obra literária, visto que a experiência estética vivenciada na leitura

possbilita ao aluno a atuação em diferentes contextos sociais.

A Teoria do Efeito, proposta por Wolfgang Iser em 1996 é inspirada na

Estética da Recepção e tem como base três conceitos fundamentais: a do leitor

implícito, as estruturas de apelo e os vazios do texto. A primeira se refere a uma

previsão que o autor faria a respeito de seu leitor ideal, a segunda consiste nas

lacunas deixadas pelo autor, ou seja, nas pistas que o direcionariam para uma

interpretação coerente; a terceira representa os vazios do texto, os quais seriam

preenchidos conforme a bagagem de mundo dos educandos, suas experiências,

valores, ideais, entre outros.

Ambas as teorias sugeridas nas Diretrizes não esgotam o texto em sua

escola literária ou na historiografia da literatura, mas apontam para uma abordagem

que tem como foco o leitor, a recepção do texto, a construção de interpretações, o

mergulho pelos arranjos linguísticos, as práticas sociais e o diálogo da obra com o

presente.

A alfabetização, antiga meta da educação, não é mais suficiente para

abranger a totalidade das demandas sociais, é preciso que os alunos não apenas

saibam ler e escrever, mas fazer um uso prático e significativo dessas duas

habilidades em contextos exteriores à escola.

Na atualidade, um termo que tem se destacado nas discussões sobre o

papel da leitura e da escrita é o letramento. Esse termo surgiu na segunda metade

da década de 80 na área da Educação e dos estudos linguísticos. Esta palavra

nasce para dar um novo significado às práticas que envolvem o ler e o escrever,

dessa forma, o objetivo do processo educativo não se esgota na alfabetização, que

se resume ao saber ler e escrever, mas na apropriação que o aprendiz faz da leitura

e da escrita e em seu uso nos diferentes espaços sociais.

A sociedade exige do educando muito mais do que a mera decodificação da

palavra escrita, é necessário saber utilizá-la para o preenchimento de um formulário,

interpretação de uma conta de luz ou bula de remédio e compreensão da função de

diferentes gêneros textuais4 e seus elementos composicionais. Kleiman (1995, p. 19)

4 Segundo Marcuschi (2005, p. 19), gêneros textuais são “entidades sócio-discursivas e formas de

ação social incontornáveis de qualquer situação comunicativa”. Exemplos: ensaio escolar, seminário, cartaz, carta, bilhete, notícia, e-mail etc.

Page 68: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

66

define letramento como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,

enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para

objetivos específicos”. Portanto, ser alfabetizado não é o mesmo que ser letrado,

uma vez que o indivíduo pode conhecer o sistema alfabético e decodificá-lo, mas

isso não equivale ao efetivo envolvimento em práticas sociais de escrita. Soares

(2005, p. 46) elenca algumas situações que indicam pessoas não letradas

não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações em um catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio.

O letramento, com base nessa ponderação, pode ser definido como o uso

social da leitura e da escrita. Perante essa necessidade, uma das metas que devem

integrar os objetivos das instituições de ensino é capacitar os alunos para que eles

possam atuar em diferentes esferas sociais, fazendo o uso da leitura e da escrita,

seja para compreender o humor de uma charge ou para produzir uma dissertação

argumentativa em um teste seletivo.

O letramento é muito mais que alfabetização, é um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham em nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2005, p. 44).

Existem diversos tipos de letramento, como o escolar, o digital, o midiático, o

político e o literário, cada qual com suas características próprias, porém, este último

tem como elemento central o texto literário e os encaminhamentos dados a ele nas

práticas de ensino. De acordo com Cosson (2011, p. 12), ele

possui uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária, o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola.

Page 69: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

67

O letramento literário consiste em ampliar a papel da literatura na escola e

enriquecer a abordagem metodológica utilizada em sala de aula, desta forma,

caracteriza-se por motivar o aluno a aceitar o desafio da leitura e imergir nas

múltiplas dimensões do texto. Essa modalidade de letramento objetiva a formação

de leitores que reconheçam e leiam os gêneros literários e que também consigam

dialogar com a obra, compreender seu significado, estabelecer comparações com

outras representações da arte, desenvolver seu potencial enquanto leitor, que

observa, reflete, critica e constrói opiniões. O letramento literário permite que os

alunos desfrutem de todos os benefícios oriundos do aprimoramento da habilidade

leitora.

Na perspectiva do letramento literário, o foco não é somente a aquisição de habilidades de ler gêneros literários, mas o aprendizado da compreensão e da ressignificação desses textos, através da motivação de quem ensina e de quem aprende. A literatura precisa de um processo de “escolarização”, mas não de forma descaracterizada e negada sua função social. Nesse sentido, o letramento literário é uma estratégia metodológica no direcionamento, fortalecimento e ampliação da educação literária oferecida aos alunos a fim de torná-los leitores proficientes, dentro e fora do contexto escolar; noutras palavras, é o uso social da literatura (SILVA; SILVEIRA, 2013, p. 93-94).

Com base na afirmação acima, compreende-se que o letramento literário

permeia a realidade da escola, pois afeta a metodologia, as técnicas de ensino e a

forma como as obras são abordadas em sala de aula, como também os outros

tantos contextos sociais, pois neles o aluno poderá se inserir, transitar e gozar de

todos os benefícios e vantagens de um leitor proficiente.

A literatura enquanto exploração sensível do mundo por meio das palavras,

que se organizam sintaticamente e poeticamente e produzem ao final, um resultado

catártico, de aceitação ou de negação, pode permitir que o aluno desenvolva

amplamente as habilidades de leitura e escrita, possibilitando múltiplas práticas

sociais.

Interpretar um texto verbal e não verbal, comparar discursos, compreender a

ironia de um enunciado, ter sensibilidade estética para interpretar um poema, uma

música, uma peça teatral ou uma tela, identificar intertextualidades, ideias e

contextos implícitos são ações que podem resultar das práticas de letramento

literário realizadas na escola, as quais podem garantir a inserção social do educando

em vários contextos (familiar, escolar, acadêmico, político, profissional, social, entre

Page 70: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

68

outros). Frente a isso, “podemos acatar o conceito de letramento nos estudos

literários, propondo a noção de letramento literário enquanto o conjunto de práticas

sociais que usam a escrita literária” (ZAPPONE, 2008, p. 29).

Rildo Cosson (2011), em sua obra Letramento Literário: teoria e prática

(2011), argumenta sobre os déficits no ensino da literatura, geralmente restrito à

periodização. Além de discorrer sobre isso, aponta para a importância do letramento

literário, sugerindo sequências didáticas que objetivam tornar o ensino da literatura

mais significativo: a sequência básica e a expandida.

A primeira é composta por quatro etapas: motivação, introdução, leitura e

interpretação. A motivação é o momento de preparação do aluno para a leitura do

texto, nessa etapa o professor instigará o aprendiz, aguçando sua curiosidade,

construindo expectativas a respeito do texto e despertando sua atenção para a obra.

Todas as atividades que serão desenvolvidas posteriormente dependem da

motivação que é dada para o assunto. Ela pode ser feita por meio da apresentação

de imagens, vídeos, questionamentos orais, músicas, produções de texto, situações-

problemas, entre outros. Essa etapa dependerá da criatividade do professor, que a

planejará considerando o trabalho que objetiva realizar com o texto literário.

Na introdução, serão apresentados o autor e a obra, porém, a explicação

sobre o autor não deve se esgotar em uma aula expositiva com informações

biográficas, é importante lembrar que

a leitura não pretende reconstruir a intenção do autor ao escrever aquela obra, mas aquilo que está dito para o leitor. A biografia do autor é um entre outros contextos que acompanham o texto. No momento da introdução é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor, e se possível, ligadas àquele texto (COSSON, 2011, p. 60).

Na apresentação da obra, é necessário que o professor explicite a

importância dela naquele momento, argumentando com isso, o porquê de tê-la

escolhido. Nessa etapa, o docente deve apresentá-la fisicamente, se ela estiver na

biblioteca, é interessante levar os alunos para que eles a retirem de lá, caso seja

uma cópia, eles podem manusear o livro original do professor, observando a capa, a

orelha, a contracapa e outras partes físicas. Além disso, podem ser sugeridas

algumas ideias e suposições a respeito da história, as quais serão comprovadas ou

não após a leitura. O professor também pode chamar a atenção para o prefácio e

Page 71: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

69

estimular a curiosidade, ampliando as expectativas em relação ao texto, ainda que o

estudo detalhado do prefácio seja realizado em outras etapas da sequência. A

introdução não deve ser muito extensa, visto que o objetivo é que o aluno a receba

de forma agradável e positiva. Cosson (2011, p. 61) cita algumas características de

uma boa introdução: “seleção criteriosa dos elementos que serão explorados, ênfase

em determinados aspectos dos textos e a necessidade de deixar que o aluno faça

por si próprio”.

A terceira etapa da sequência básica consiste no acompanhamento do

processo de leitura, uma vez que não basta solicitá-la aos alunos e não verificar

como esse processo está sendo desenvolvido por eles, pois “a leitura escolar

precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e esse

objetivo não deve ser perdido de vista” (COSSON, 2011, p. 62).

Quando o professor pede a leitura de obras inteiras, ela deve ser feita na

casa dos alunos ou em ambientes específicos para isso, como a biblioteca, por

exemplo. Depois de negociar com os discentes o período suficiente para que todos

tenham lido a obra, é preciso marcar intervalos (no máximo três) para que o docente

dialogue com a turma, verifique as dificuldades, faça intervenções, observe o ritmo

de leitura de cada aprendiz e o andamento da atividade. Dessa forma, o intervalo é

uma forma de diagnosticar o processo de compreensão, como também “resolver

problemas ligados ao vocabulário e à estrutura composicional do texto, entre outras

dificuldades ligadas à decifração” (COSSON, 2011, p. 64). Frente a isso, os

intervalos são pausas que auxiliam o aluno no processo de leitura, pois envolvem as

expectativas em relação ao texto e nesse momento, os obstáculos podem ser

superados com a ajuda do professor.

A quarta etapa é a interpretação, composta por dois momentos: um interior e

um exterior. O momento interior é individual, íntimo e pode ser considerado o

encontro do texto com o leitor, portanto é caracterizado pela leitura de todos os

capítulos da obra, abrangendo a totalidade do livro. Justamente por representar o

diálogo da obra com o leitor, essa etapa não pode ser substituída pela leitura de

resumos ou por outras intervenções pedagógicas.

Ao término da leitura é comum que o aluno queira compartilhar a experiência

estética com alguém: amigos, colegas, professores etc. Esse compartilhamento de

interpretação é o momento externo, no qual o discente ampliará sua compreensão

individual, enriquecendo os horizontes da leitura e socializando o que aprendeu e

Page 72: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

70

vivenciou por meio do texto. De acordo com Cosson (2011, p. 66), “as atividades de

interpretação, devem ter como princípio a externalização da leitura, isto é, seu

registro. Esse registro vai variar de acordo com o tipo de texto, a idade do aluno e a

série escolar, entre outros aspectos”.

Na interpretação podem ser realizadas várias atividades, como a produção

de textos de gêneros diversos, dramatizações, escolha de músicas, júri simulado,

ilustrações, dentre outras. Caso o professor opte pela produção textual, esta deve

ser devidamente orientada pelo docente, que explicitará os elementos que compõem

o gênero textual solicitado, o processo de escrita, como também a refacção. O

fundamental nesta etapa é oportunizar a socialização e a externalização do que foi

lido, estabelecendo um diálogo entre o aluno e a comunidade escolar. De acordo

com os objetivos, planejamento docente e a série escolar, o professor pode propor

múltiplas atividades, as quais permitirão o registro de impressões e a troca de

experiências.

Com o objetivo de atender a demanda dos professores do ensino médio e

oferecer também um ensino sobre a literatura, a sequência expandida abarca uma

análise mais aprofundada do texto, constituindo-se das seguintes etapas: motivação,

introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização (teórica, histórica,

estilística, poética, crítica, presentificadora e temática), segunda interpretação e

expansão.

A motivação, a introdução e a leitura seguem o que já foi descrito na

sequência básica. A primeira interpretação tem como foco a apreensão global do

texto, a observação do título e o impacto que ele causa, desse modo, sem que haja

restrições quanto à forma, como atividade os mesmos poderão redigir um

depoimento para registrar as impressões preliminares, o que acharam e pensaram

acerca da obra. Sugere-se que essa atividade deve ser feita em sala ou ao menos

iniciada nela.

Ela deve ser vista, por alunos e professor, como o momento de resposta à obra, o momento em que, tendo sido concluída a leitura física, o leitor sente a necessidade de dizer algo a respeito do que leu, de expressar o que sentiu em relação às personagens e àquele mundo feito de papel. A disponibilização de uma aula para essa atividade sinaliza, para o aluno, a importância que sua leitura individual tem dentro do processo de letramento literário. É por isso que o aluno precisa ser livre para escrever o que desejar dentro dos limites dados (COSSON, 2011, p. 84).

Page 73: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

71

Na primeira interpretação, o professor deve interferir o mínimo possível, a

fim de que o aluno tenha liberdade para expressar seu ponto de vista e sua

apreciação. Por ser uma atividade que exige liberdade e uma posição do discente,

ela deve feita individualmente. O professor poderá pedir a refacção do texto e as

devidas adequações, sem perder de vista a valorização e o respeito pelo que o

aluno produziu.

É comum nas aulas de literatura que a noção de contextualização se limite à

explicação do contexto histórico em que a obra foi produzida, explicitando as ideias

importantes para a compreensão do texto. No entanto, essa abordagem pode se

tornar falha uma vez que tende a generalizar a explicação. É importante que a

contextualização represente para o aluno “o movimento de ler a obra dentro do seu

contexto, ou melhor, que o contexto da obra é aquilo que ela traz consigo, que a

torna inteligível para mim enquanto leitor” (COSSON, 2011, p. 86).

A sequência expandida engloba sete contextualizações para promover um

estudo aprofundado do texto, com base em análise de vários contextos que

permeiam a obra. Sugere-se que ela seja feita por meio de pesquisas que

posteriormente serão apresentadas para a turma em forma de seminários, debates,

ensaios, apresentação de slides, dramatizações, entre outros.

A contextualização teórica busca explicitar as ideias que sustentam a obra,

contudo o foco não é esboçar uma história das ideias, mas salientar a importância

desses conceitos no conjunto da obra. A contextualização histórica consiste em

apresentar a época ou período em que ela foi publicada. O professor não deve se

limitar à explicação e dados históricos e à sequência de acontecimentos, mas

abarcar a dimensão histórica que faz parte da obra como representação e/ou como

produção, associando o texto à sociedade que o originou. Nessa etapa podem ser

feitas atividades biográficas, que contemplem a vida e obra do escritor, como

também editoriais, envolvendo a situação de produção na época.

A contextualização estilística se refere aos conhecimentos tradicionais da

literatura, ou seja, nos estilos de época e nos períodos literários, porém o trabalho

não se restringe à mera explicação das características das escolas, tampouco à

identificação delas nas obras, visto que “são as obras que informam os períodos e

não o inverso” (COSSON, 2011, p. 87). É fundamental tornar claro para o aluno que

uma obra não se associa totalmente à escola literária, mas que ambas dialogam e

se alimentam de forma recíproca.

Page 74: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

72

A contextualização poética diz respeito à estruturação e composição da

obra. Nessa etapa, são abordados os elementos da narrativa (personagens, tempo,

espaço, foco narrativo, enredo, tipo de narrador etc), as figuras de linguagem e as

características do gênero textual em questão. Entretanto, as atividades não se

devem se restringir a verificação desses elementos, mas buscar compreender de

que modo a obra se estrutura e como ela está organizada, observando a arranjo

interno do texto.

Na contextualização crítica, o professor mostrará aos alunos a recepção da

obra, seja pela crítica ou pela história de sua edição. Como material, poderão ser

utilizadas as informações do prefácio, da capa, informações retiradas de notícias de

jornal, entre outros. No caso de obras clássicas, há bastante material em manuais,

livros didáticos e guias de leitura.

O confronto de leituras no tempo e no espaço é um diálogo poderoso no processo de letramento literário. Ele nos dá a dimensão do tempo e do leitor que as obras carregam consigo no universo da cultura. São elos de uma corrente que vai se ampliando e se transformando a cada novo leitor que a ela se acrescenta (COSSON, 2011, p. 88).

Ao entrar em contato com outras leituras, com opiniões, reflexões e

apreciações, amplia-se a perspectiva da obra, enriquecendo a compreensão dos

alunos e possibilitando novas abordagens para o texto. A contextualização

presentificadora procura chamar a atenção do aluno e estabelecer relações da obra

com o presente ou com alguma atualidade. O aluno buscará na sociedade atual,

algo que se identifique com o texto que leu; caberá ao professor orientar e

acompanhar as atividades para evitar relações superficiais.

A contextualização temática envolve o tema e sua repercussão na obra,

nesse sentido, o tema deve ser explorado com base no texto e não de forma

independente, caso isso aconteça, a obra deixa de ser o foco do trabalho. Por conta

dessa possibilidade, o professor deve estabelecer os limites rigorosamente, a fim de

que não haja fuga do tema no contexto da obra. Além disso, é possível ampliar as

atividades com a temática, permitindo o diálogo com outras áreas e disciplinas.

A segunda interpretação visa ao aprofundamento da primeira interpretação,

mantém uma ligação direta com a contextualização e tem como objetivo explorar e

fazer um estudo aprofundado de um dos aspectos da obra, portanto ela “pode ser

Page 75: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

73

centrada sobre uma personagem, um tema, um traço estilístico, uma

correspondência com questões contemporâneas, questões históricas, outras

leituras, e assim por diante” (COSSON, 2011, p. 92). Considerando que as

contextualizações são realizadas em grupo, a segunda interpretação pode ser feita

individualmente ou em duplas, evitando grupos com três alunos ou mais. Essa etapa

deve ser finalizada com o registro que evidencie a leitura aprofundada do texto,

dessa maneira, podem ser feitos ensaios, cartazes, seminários ou exposições que

viabilizem o compartilhamento da leitura.

A expansão, última etapa da sequência expandida, centra-se no

estabelecimento de relações com outras obras e textos. Os alunos podem buscar

diálogos da obra com textos que a precederam, são atuais ou posteriores a ela. O

professor pode apresentar outras obras e pedir para que os discentes busquem a

intertextualidade, contudo, nesse caso, é necessário ter repertório para se obtenha

êxito nas relações textuais. A atividade pode consistir no diálogo de duas obras ou

até mais. Por fim, é fundamental que o resultado dessa etapa seja registrado pelos

aprendizes e, de preferência, divulgado para toda a escola.

A sequência expandida permite a potencialização do ensino, uma vez que

inclui e analisa múltiplos aspectos essenciais para uma apreensão ampla da obra,

porém é importante destacar que, para a efetivação satisfatória das etapas, é

fundamental o planejamento e também a amplitude do repertório de leituras do

professor, fator importante para a efetivação da proposta do letramento literário.

No que tange à avaliação, o professor poderá considerar a autoavaliação, os

intervalos de leitura, as discussões, os registros de interpretação, as atividades da

segunda interpretação, o registro da expansão e a verificação se o aluno

demonstrou aprofundamento da leitura, considerando, desta forma, os aspectos

quantitativos e qualitativos.

Page 76: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

74

5 SEQUÊNCIA EXPANDIDA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE CLÁSSICOS DO

TERROR

Tema: Da crueldade à duplicidade da alma humana: uma proposta a partir dos

clássicos.

Ano escolar proposto para desenvolvimento da sequência: 2º ano do Ensino

Médio.

Número de aulas previsto para aplicação: 35 aulas.

Textos escolhidos para a sequência:

“A Causa Secreta” (Machado de Assis) -(Várias Histórias, 1896)

O Médico e o Monstro (Robert Louis Stevenson, 1886)

“O espelho” (Machado de Assis) – (Papéis Avulsos, 1882)

“Não sei quantas almas tenho” (Fernando Pessoa) - (Poemas de Álvaro de

Campos, 1993)

Outros materiais escolhidos para a sequência:

Filme “A causa secreta” (Sergio Bianchi, Versátil, 1994.)

Trechos do filme “O incrível Hulk” (Louis Leterrier, Marvel, 2008)

“A Causa Secreta” em história em quadrinhos. (Francisco S.Vilachã, Escala

Educacional, 2006)

“O Médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Fiona Macdonald,

Companhia Editora Nacional, 2009)

“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Luciana Garcia, Prumo –

GraphicChillers, 2011)

“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Carl Bowen, On Line

Editora, 2009)

Filme “Gladiador” (Ridley Scott, Columbia Pictures do Brasil, 2000).

Imagens. Links:

http://wwwlaotrahistoria.blogspot.com.br/2011/05/los-gladiadores-en-

roma.html

http://www.taringa.net/posts/imagenes/5212137/Gladiadores-de-roma.html.

http://www.sobreavida.com.br/2011/08/30/as-varias-mascaras-que-utilizamos-

para-esconder-o-amor

Page 77: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

75

http://sesi.webensino.com.br/sistema/webensino/aulas/repository_data//SESIe

duca/ENS_FUN/ENS_FUN_F08_PORT/368_POR_ENS_FUN_F08_10/leitura_de_m

undo.html

https://melgrosscartoons.files.wordpress.com/2010/11/mascara1.jpg

Música “Máscara” – Pitty (Admirável Chip Novo, 2003).

Música “Dr. Jekyll & Mr. Hyde” (Petra, Jekyll and Hyde, 2003).

Animações baseadas na obra O médico e o monstro:

https://www.youtube.com/watch?v=dcqmvGVH9c0

https://www.youtube.com/watch?v=erxmBdDYTeo

Objetivos

Geral

Possibilitar que os alunos desenvolvam um aprendizado significativo da literatura por

meio de textos clássicos que abordam a temática do terror.

Específicos

1- Refletir sobre o tema da duplicidade da alma humana através de textos literários

clássicos.

2- Analisar a junção da forma e do conteúdo na construção do valor estético dos

textos.

3- Compreender a contemporaneidade do tema retratado.

4- Associar o texto original a outras formas de representação artística relacionadas à

temática.

5- Produzir uma dissertação escolar, apreciando, associando e comparando as

obras estudadas.

Motivação

De acordo com os objetivos do professor, poderão ser desenvolvidas

diferentes atividades para a motivação, englobando materiais diversos (áudios,

vídeos, imagens, textos, histórias em quadrinhos, dinâmicas, dentre outros). Na

sequência, serão expostas algumas possibilidades e sugestões para a realização

Page 78: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

76

dessa etapa. Uma delas é a apresentação da música “Máscara”, da cantora Pitty e

Dr. Jekyll & Hyde, da banda Petra.

Máscara

Diga, quem você é me diga

Me fale sobre a sua estrada

Me conte sobre a sua vida

Tira, a máscara que cobre o seu rosto

Se mostre e eu descubro se eu gosto

Do seu verdadeiro jeito de ser

Ninguém merece ser só mais um bonitinho

Nem transparecer consciente inconsequente

Sem se preocupar em ser, adulto ou criança

O importante é ser você, mesmo que seja, estranho

Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro

Mesmo que seja, estranho, seja você, mesmo que seja

Tira, a máscara que cobre o seu rosto

Se mostre e eu descubro se eu gosto

Do seu verdadeiro jeito de ser

Ninguém merece ser só mais um bonitinho

Nem transparecer consciente inconsequente

Sem se preocupar em ser, adulto ou criança

O importante é ser você, mesmo que seja, estranho

Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro

Mesmo que seja, estranho, seja você, mesmo que seja

Page 79: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

77

Meu cabelo não é igual

A sua roupa não é igual

Ao meu tamanho não é igual

Ao seu caráter não é igual

Não é igual, não é igual

Não é igual

I hadenoughof it

But I don'tcare

I hadenoughof it

But I don'tcare

Diga, quem você é me diga

Me fale sobre a sua estrada

Me conte sobre a sua vida

E o importante é ser você, mesmo que seja, estranho

Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro

Mesmo que seja, estranho

Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro

Mesmo que seja estranho.

Fonte: http://letras.mus.br/pitty/80314/

Jekyll & Hyde

I have a secret that I let nobody see

An evil shadow that's been hanging over me

My alter ego that I try to hold at bay

But despite my good intentions he could always get away

He does the things that I don't want to do

Sometimes I feel like Jekyll and Hyde

Two men are fighting a war inside

Page 80: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

78

I have a secret that I let nobody see

It's like a split personality

And the one I feed is the one who lives

The one I starve will be the one who gives

He won't do things that I know I should do

Sometimes I feel like Jekyll and Hyde

Two Men are fighting a war inside

One gives, one takes, I have to decide

Sometimes I feel like... Jekyll and Hyde

I need somebody to rescue me

when personalities clash

I know which person I want to be

With no defiance, just God-reliance

Jekyll & Hyde (tradução)

Eu tenho um segredo que eu não deixo ninguém ver

Uma sombra má que está pendurada em mim

Meu outro ego que tento controlar

Mas apesar das minhas boas intenções,

ele sempre poderia fugir de mim

Ele faz as coisas que eu não quero fazer

às vezes me sinto como Jekyll e Hyde

Dois homens lutando uma guerra interior

Eu tenho um segredo que eu não deixo ninguém ver

É como se fosse uma personalidade dividida

E a que eu alimento é aquela que vive

Aquela que eu não alimento é a que doa

Ele não fará coisas que eu sei que deveria fazer

Às vezes me sinto como Jekyll e Hyde

Dois homens lutando uma guerra interior

Um dá, outro toma, Eu tenho que decidir

às vezes me sinto como... Jekyll e Hyde

Page 81: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

79

Eu preciso de alguém para me resgatar

quando as personalidades se chocam

Eu sei que tipo de pessoa eu quero ser

sem contrariar, apenas dependendo de Deus.

Fonte: http://www.vagalume.com.br/petra/jekyll-hyde.html#ixzz3Sfbvurx4

O professor questionará os alunos sobre o tema da música Máscara e qual o

significado que a palavra máscara assume na canção. Os alunos serão

questionados sobre as diversas faces – máscaras – do homem e se é possível que

haja uma personalidade integralmente boa ou integralmente má. Dessa forma, serão

propostas as seguintes indagações oralmente:

-Em que medida é possível afirmar que o homem usa máscaras?

-Por que uma das faces da personalidade tem de se manter oculta sobre máscaras?

-Existem pessoas totalmente boas ou totalmente más?

-Com base em quais critérios/valores a sociedade julga a índole do homem como

boa e má?

-Quais seriam os riscos/penalidade de viver sem nenhuma “máscara”, evidenciando

e dando vazão a todos os instintos e desejos da alma humana?

Depois de discutir as respostas com os alunos, será proposta a leitura da

letra da música Dr. Jekyll & Mr. Hyde, da banda Petra. Após ouvi-la e observar a

tradução, serão feitas as seguintes perguntas em atividade impressa:

1- Quais seriam os segredos que deveriam permanecer ocultos?

2- Como a relação entre o bem e o mal é expressa na música?

3- No embate entre a face boa e a má, qual se sobrepõe?

4- Explique o seguinte trecho “é como se eu fosse uma personalidade dividida e a

que eu alimento é aquela que vive, aquela que eu não alimento é a que doa”.

5- Na música são citados os nomes Jekyll & Hyde, você conhece ou já ouviu falar

esses nomes? Caso não, pesquise e justifique o porquê da referência a esses

personagens no contexto da música.

Os alunos terão vinte e cinco minutos para responder as questões, as quais

poderão ser feitas em duplas. Depois disso, as respostas serão socializadas para

Page 82: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

80

os colegas, que poderão complementá-las ou contestá-las. Após essas perguntas,

os alunos farão a leitura do texto abaixo.

Um dia as máscaras caem.

As máscaras costumam sugerir metamorfoses em curso, portanto, ao

esconder um rosto, exacerbam outra personalidade. No ato de esvaziar a figura do

ator, revestem-se logo de uma nova personagem. De certa forma poderíamos

afirmar que tanto no oriente como no ocidente, independente de sua mística ou

simbolismos, a máscara indica a presença de processos transformacionais. Seus

significados são inerentemente apreendidos pelos povos, pois a máscara exclui o

pensamento racional.

Há gente que nasce com a propensão de matar. Outros se ocupam em

fertilizar a vida por onde passam. Haverá o gene da maldade? Pesquisas se

multiplicam, embora certos estudiosos afirmem que determinados cromossomas ou

sua má formação contribuam para danosos desvios de conduta.

Persona é um termo de origem latina, nome de uma máscara usada pelos

atores na antiguidade. Jung empregou esta expressão visando demonstrar como

uma pessoa adapta-se ao mundo; é sua máscara, sua maneira de ser que a conduz

socialmente. Importa advertir, no entanto, quando alguém se identifica somente com

a persona e se esquece de valores constitutivos de sua personalidade, tende a ficar

frio e vazio. Como um balão de gás. Uma embalagem sem conteúdo. Um

significante sem o significado.

Fonte: http://www.revistabula.com/561-um-dia-as-mascaras-caem/

Page 83: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

81

Imagem 1 – Máscaras representando a dualidade humana (2015). Fonte:www.melgrosscartoons.files.wordpress.com

Imagem 2 – Personalidade tripartida (2015) Fonte: www.sobreavida.com.br

O texto “Um dia as máscaras caem” trata da transformação humana e da

máscara enquanto elemento que caracteriza a metamorfose. Portanto, ela surge da

necessidade de ocultar uma personalidade não aceita socialmente. Além da

Page 84: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

82

discussão sobre a possiblidade de existir um gene da maldade, conclui-se

destacando que o indivíduo que vive apenas com a máscara que se adapta ao que é

aceito socialmente, pode se tornar vazio e perder sua essência.

Para complementar a compreensão do texto, após ouvir dos alunos seus

comentários e interpretações iniciais sobre as ilustrações e o texto, o professor

poderá fazer a análise da primeira imagem, ressaltando a oposição entre a

expressão da máscara e o os sentimentos que estão por trás dela, no primeiro caso,

o pavor e o medo escondidos sob uma máscara que esboça um ar de naturalidade;

no segundo, o ódio mascado por uma face afetuosa e terna; no terceiro, a perversão

e a maldade mascaradas por uma face triste e melancólica. Desta forma, o docente

explicará aos alunos que a máscara representa sentimentos e personalidades

ocultos, os quais podem não ser aceitos moralmente pela sociedade.

A segunda imagem ilustra uma face tripartida, expressando

respectivamente, a alegria, o delírio e a tristeza. O professor pode chamar a atenção

dos alunos para que eles observem o conflito causado por tantas emoções e

sentimentos, visto que a figura representa as múltiplas faces do ser humano e os

transtornos causados pela confluência de tantas personalidades.

Após isso, os alunos lerão o poema Não sei quantas almas tenho, de

Fernando Pessoa.

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Page 85: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

83

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: “Fui eu?”

Deus sabe, porque o escreveu.

PESSOA, Fernando. Novas Poesias Inéditas. Lisboa: Ática, 1993, p. 48.

O professor recolherá oralmente as impressões iniciais dos alunos sobre o

poema e discutirá o tema das múltiplas almas que o ser humano possui segundo

afirma o poeta. O docente frisará para os alunos a forma como o eu lírico do poema

se enxerga como ser inacabado e em constante mudança.

Feito isso, o professor apresentará as seguintes ilustrações para os alunos,

questionando se eles já viram estas imagens, se sabem o que foram os gladiadores

e qual era a função deles no Império Romano.

Page 86: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

84

Figura 3 – Gladiador após luta. Fonte: http://wwwlaotrahistoria.blogspot.com.br (2015).

Figura 4 – Gladiadores de Roma. Fonte: www.taringa.net (2015).

Page 87: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

85

Após as respostas, o professor passará um trecho do filme Gladiador

(Columbia Pictures do Brasil, 2000) a fim de que os alunos observem como era feito

o combate, a forma como os gladiadores se enfrentavam, a utilização das máscaras,

a reação do público perante o confronto, como também a maneira como o Imperador

conduzia as lutas. Depois disso, o docente lerá para os alunos o seguinte texto

informativo:

Gladiadores

O Gladiador era um escravo lutador na Roma Antiga. O termo utilizado para

definir os escravos que eram forçados a lutar por suas vidas no antigo Império

Romano é proveniente de uma espada que utilizavam em combate, o gládio. Os

primeiros registros existentes sobre lutas de gladiadores em Roma são datados de

286 a.C.. Sabe-se, contudo, que foi um esporte inventado pelos etruscos.

Em Roma, a luta dos gladiadores fez muito sucesso, era atividade muito

atrativa para o grande público. Combatentes se enfrentavam na arena e a luta só

terminava quando um deles morria, ficava desarmado ou sem poder combater.

Havia um responsável por presidir a luta que determinava se o derrotado deveria

morrer ou não, e o povo influenciava muito nessa decisão. Normalmente a

manifestação popular era expressa apontando a mão fechada com o polegar para

baixo, o que significava que o povo desejava a morte do derrotado. Entretanto nem

sempre a morte era desejada e a posição oposta do indicador ou a mão fechada

levantada do ar indicava que o derrotado poderia ficar vivo.

Por muitos séculos, os gladiadores lutaram entre si ou contra animais

ferozes para entreter os romanos. Foi construída uma arena especial para esse tipo

de espetáculo, o Coliseu, que tem em suas ruínas, hoje, um dos principais pontos

turísticos da Itália. Os lutadores eram prisioneiros de guerra, escravos e autores de

crimes graves. E, para satisfazer o fetiche de alguns imperadores, mulheres e anões

também lutavam.

Fonte: http://www.infoescola.com/civilizacao-romana/gladiador/

Page 88: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

86

O professor perguntará aos alunos o que eles compreenderam a respeito do

texto, explicando algo que porventura não tenha ficado claro. Depois disso, o

docente passará na lousa os seguintes questionamentos, que deverão ser

respondidos em duplas. Os alunos terão trinta e cinco minutos para respondê-las. A

correção será iniciada com cada dupla socializando suas respostas para a turma. O

professor fará os comentários complementares, que julgar necessários.

1-Por que as lutas dos gladiadores eram tão populares e foram adotadas como

estratégia política na época?

2- Por que um espetáculo regado à violência e que culminaria com a morte de uma

das pessoas atraía tantas pessoas ao Coliseu, proporcionava-lhes divertimento e as

mantinha entretidas?

3- Qual sentimento humano levaria a população a assistir e deleitar-se com o

sofrimento alheio?

4- O prazer pela dor alheia também pode ser identificado na atualidade? De que

forma?

5- É possível verificar que os gladiadores também usavam máscaras. O que elas

representavam naquela época?

6- No contexto dos gladiadores, de que forma a máscara pode ser compreendida

como uma segunda personalidade? Qual seria o objetivo de manter a identidade do

gladiador encoberta e oculta?

Após isso, por meio de projetor multimídia será apresentada para os alunos

a imagem abaixo. O professor explorará com os discentes os elementos da imagem,

como o que possivelmente representaria o olhar do personagem no primeiro

quadrinho (Garcia), o que ele estaria cogitando a respeito da cena que presenciava,

assim como o olhar do personagem do segundo quadrinho (Fortunato) e o que

pretendia fazer com o rato. Serão registradas na lousa a participação e as

suposições dos alunos acerca da imagem e das possíveis causas que justificariam

as ações dos personagens.

Page 89: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

87

Imagem 5 – Garcia observa Fortunato mutilando o rato. Fonte: A causa secreta em história em quadrinhos. Escala Educacional (2006, p. 30).

Depois disso, para complementar a abordagem do suspense e do terror da imagem,

o professor passará um pequeno trecho de aproximadamente dois minutos, do filme

“A causa secreta”, de Sergio Bianchi. A cena será a dos preparativos para a

mutilação do rato. O objetivo é motivar a leitura do conto.

Imagem 6 – Trecho do filme A causa secreta.

Fonte: Versátil (1994).

Page 90: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

88

Imagem 7 – Trecho do filme A causa secreta.

Fonte: Versátil (1994).

Após isso, será solicitado que os alunos leiam o conto “A causa secreta”, de

Machado de Assis, para a próxima aula.

Introdução

O professor questionará os alunos acerca de seus conhecimentos sobre

Machado de Assis. Feito isso, o docente apresentará o autor e alguns dados

biográficos, a importância do escritor e de suas principais obras. A aula será

realizada no laboratório de informática. Os alunos acessarão diversos sites e

visualizarão vídeos sobre a biografia de Machado de Assis, imagens, árvore

genealógica, curiosidades, principais romances, contos, entre outras informações. O

professor orientará os alunos para que eles busquem informações biográficas que

enfatizem o conto lido, se possível. Os vídeos, imagens e informações dos sites

serão vistos e intercalados com a explicação do professor, que frisará a importância

e representatividade desse conto machadiano e por que o escolheu.

Será apresentada também a obra física, que faz parte do livro de contos

intitulado Várias Histórias (1896). Os alunos poderão manuseá-la, observar a capa,

o projeto gráfico, as imagens e localizar o conto no livro. O professor poderá indagar

Page 91: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

89

os alunos sobre o possível enredo do texto, suscitando suposições e expectativas a

respeito dele.

Leitura

Pela obra em questão ser um conto, a leitura pode ser feita na casa dos

alunos, dessa forma não é necessário fazer intervalos para o acompanhamento do

processo.

Primeira interpretação

Nessa etapa, os alunos deverão apresentar suas impressões gerais sobre o

conto lido, assim como as dificuldades, curiosidades, indagações e questionamentos

acerca do texto. Para tanto, deverá ser feita, individualmente, a produção de um

relato de experiência de leitura, no qual o aluno dará sua opinião acerca do texto,

citando seu ponto de vista, aspectos positivos e negativos. Os alunos entregarão as

produções ao professor e se organizarão em um círculo para compartilhar e

socializar a experiência estética por meio da oralidade, ampliando, com isso, sua

compreensão individual.

Para motivar os alunos a lerem a obra O médico e o monstro, o professor

passará dois vídeos de animações diferentes que estabelecem diálogo ou são

baseados na obra. O primeiro deles é uma versão do desenho Pernalonga.

Page 92: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

90

Imagem 8 – Pernalonga – O médico e o monstro (2014) Fonte: www.youtube.com

Page 93: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

91

A outra é uma animação feita em 2007.

Imagem 9 –Transformação do médico em monstro (2007) Fonte: www.youtube.com

O professor questionará os alunos sobre as semelhanças e diferenças entre

os dois vídeos e de que forma se dá a transformação e a mudança de

comportamento dos personagens. Para tanto, deverão ser seguidos os seguintes

parâmetros para a comparação: características do personagem antes e depois da

transformação (Dr. Jekyll), espaço em que ela ocorre e a atmosfera de terror e

mistério em cada vídeo. A leitura da obra será feita extraclasse e os alunos terão

quinze dias para isso.

Contextualização

Para dar início às atividades de contextualização, o professor dividirá os

alunos em trios. Cada grupo ficará responsável por realizar as contextualizações do

Page 94: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

92

conto “A causa secreta” e do romance O médico e o Monstro, através de pesquisas

em livros, manuais, sites da internet, almanaques e revistas. Para isso, o professor

explicará aos alunos a importância de buscar sites mais confiáveis, indicar a fonte

das pesquisas, como também discutir as informações com o grupo, selecioná-las e

parafraseá-las para o seminário. Durante as apresentações dos alunos, o professor

fará intervenções a fim de aprofundar a abordagem realizada pelos educandos,

ressaltando pontos que não foram explorados. Na sequência, seguem algumas

sugestões de atividades e de aspectos que podem ser abordados pelo professor

para a realização das contextualizações. É fundamental frisar que o foco será

sempre o texto literário, portanto, cabe ao docente selecionar as informações e

textos que enriquecerão a discussão a respeito da obra e que poderão contribuir

para a construção de uma compreensão aprofundada e significativa da mesma.

Contextualização teórica

Para a contextualização teórica, com base na teoria da psicanálise, o

professor explicará o conceito das três faces de Freud, segundo a qual o ser

humano e suas ações seriam guiados pelo Id (instinto animal e primitivo), Ego e

Superego (civilização e repressão dos desejos mais obscuros). Será feita a

articulação entre a teoria e o romance de Stevenson e o conto machadiano. Para

explicar a teoria freudiana, poderá ser utilizado o texto abaixo:

Id, Ego e Superego

São as três estruturas do aparelho mental, segundo o psiquiatra austríaco

Sigmund Freud. Cada uma delas cuidaria de algum aspecto da nossa personalidade

e regeria nossa interação com outras pessoas. Ele apresentou essa teoria em 1923,

no texto O Ego e o Id. Freud foi um revolucionário: ele acreditava que pacientes com

distúrbios psicológicos eram capazes de lidar melhor com seus conflitos

conversando com o terapeuta. Ele propôs ainda a interpretação de sonhos e a livre

associação como métodos para acessar camadas mais profundas da mente e

buscar ali a cura.

Page 95: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

93

O Ego

Comandada pelo “princípio da realidade”, essa parte é aquela que

mostramos aos outros. Fortalecido pela razão, o ego está “preso” entre os desejos

do id (tentando encontrar um jeito adequado de realizá-los) e as regras ditadas pelo

superego.

O Id

É a parte de nossa psique responsável pelos nossos impulsos mais

primitivos: as paixões, a libido, a agressividade... O id (“isso” em alemão) está

conosco desde que nascemos e é norteado pelo “princípio do prazer”, mas seus

desejos são frequentemente reprimidos.

O Superego

Também chamado de “ideal do ego”, tem a função de conter os impulsos do

id. Suas regras sociais e morais não nascem com a gente: nós a aprendemos na

sociedade para que possamos conviver nela corretamente.

Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-ego-id-e-superego

No caso da obra O médico e o monstro, Dr. Jekyll representa o Ego, ou seja,

um médico respeitado pela sociedade, que, no entanto sofre com a repressão de

seus instintos mais sórdidos. Já Mr. Hyde age de acordo com Id, pois dá vasão aos

instintos mais primitivos e busca pela satisfação dos desejos e pelo prazer. O

Superego é o elemento que tenta conciliar as ações do médico e do monstro, de

acordo com as condutas moralmente aceitas pela sociedade. Contudo, na busca

pelo controle dos impulsos, gera-se o conflito entre as duas personalidades.

No conto “A causa secreta”, o Ego é a representação de Fortunato, homem

de boa reputação, com status social elevado e conhecido pelas boas ações. O Id

expressa a causa secreta desse afamado médico que cuida com especial atenção

dos cáusticos, ou seja, o lado perverso, o prazer pelo sofrimento alheio, a

Page 96: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

94

manipulação de homens e animais. Por fim, é por meio do Superego, que Fortunato

mascara sua crueldade sob vários pretextos para manter as aparências, sua posição

social e não quebrar as normas de conduta aceitas pelos demais.

Contextualização histórica

Para a contextualização histórica, os alunos pesquisarão o contexto histórico

em que as obras foram produzidas. No conto “A causa secreta”, será analisada a

época do Segundo Reinado (1840 a 1889), enfocando a forma como as camadas

sociais eram divididas na época e o poder de manipulação exercido pela elite,

especialmente na segunda metade do século XIX. O professor poderá também ler e

discutir oralmente com os alunos, o texto abaixo, que traz algumas informações

sobre o contexto histórico de produção do conto, complementando as pesquisas

feitas por eles.

Para entender bem o conto é preciso tomar em consideração o contexto

histórico brasileiro do século XIX, (principalmente na segunda metade deste século)

época em que o conto foi escrito. O autor Machado de Assis viveu em uma

sociedade escravocrata, em que a burguesia procurava imitar valores europeus,

mas que ao mesmo tempo passava por grandes transformações, como por exemplo

uma total mudança no sistema político: o país decretou o fim do Império e instaurou

a República em novembro de 1889 .

No Brasil, as ideias cientificistas vindas da Europa – principalmente da

França que era na época o modelo a ser seguido – se tornavam populares na classe

intelectual. Testemunhamos neste período grandes progressos na área da ciência.

Foi inaugurado em 1852 na cidade do Rio de Janeiro o Hospício de Pedro II, então

sede da Corte Imperial. Foi o marco institucional fundador do alienismo brasileiro.

Foi o primeiro manicômio ao sul da linha do Equador, primeiro hospício da América

Latina e principal realização pública do Império no período, que despontou como um

símbolo de modernidade do Império brasileiro. O hospício desempenha dois papéis:

primeiramente o de mostrar que o Brasil, assim como a Europa se dedicava a

Page 97: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

95

ciência e também para provar que o país poderia também produzir loucos. Os

médicos Manoel Olavo Loureiro TeixeiraI e Fernando A. de Cunha Ramos escrevem

num artigo intitulado As origens do alienismo no Brasil: dois artigos pioneiros sobre o

Hospício de Pedro II que exibir um asilo de alienados, em meados do século XIX,

era a prova cabal da modernidade científica e tecnológica de uma nação.

Neste contexto de alienação, temos a publicação em 1882 do conto “O

alienista” onde Machado faz uma clara crítica a ciência e a sociedade – no caso, de

Itajaí – que apesar de ter sido aprisionada no manicômio pelo médico enquanto

ainda vivo, o enterrou “com muita pompa e rara solenidade” na ocasião de sua

morte. Temos uma relação extremamente próxima entre o saber e o poder que

serão trabalhadas mais profundamente nos finais do século XX por Michel Foucault.

Em História da Loucura, Foucault defende, entre outras ideias, que a medicina

construiu e constrói seu saber por “acumulação” de dados e utiliza seu saber para

exercer seu poder sobre o outro.

Coincidência ou não, o conto que trataremos aqui tem como personagens

principais dois médicos que são sócios e amigos: Fortunato e Garcia.

Fonte: https://webculturaecomunicacao.wordpress.com/2015/03/26/analise-do-conto-

a-causa-secreta-de-machado-de-assis/

Para a contextualização histórica da obra O médico e o monstro, o professor

explicará como era caracterizada a Era Vitoriana, destacando principalmente o

contraste entre a classe do proletariado e da elite, os avanços nas pesquisas e

experiências científicas, a sociedade moralista da época, o êxodo rural, reflexo da

Revolução Industrial, o caos do espaço urbano, a violência e os crimes comuns na

época. Para complementar a explicação, o professor poderá utilizar os textos abaixo.

O PROGRESSO TECNOLÓGICO: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Em 1837, uma jovem de 18 anos foi coroada rainha da Inglaterra. Com

apenas 1,47 de altura a rainha Vitoria marcaria sua época como uma das gigantes

da monarquia britânica. Entre junho de 1837 a janeiro de 1901 o império britânico,

sob o seu reinado, expandiria seus limites e se apoiaria na Revolução Industrial para

elevar o padrão de vida da classe media. Nestes 63 anos de reinado a Inglaterra

Page 98: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

96

registrou um crescimento demográfico assustador, passando de 16,8 milhões para

30,5 milhões num período entre 1851 a 1901. Esse crescimento assustador, em

parte ocasionado pelo progresso tecnológico, ocasionou verdadeiros desastres

urbanos como epidemias, expansão da pobreza e da violência. Londres emergiu

como a grande metrópole europeia, marcada pelo contraste entre a opulência dos

mais ricos e a extrema miséria dos mais pobres. Essa concentração assustadora de

necessidade e prosperidade industrial fez de Londres uma singularidade absoluta

entre as metrópoles europeias.

A gigantesca cidade permanecia imersa numa nevoa sulfurosa proveniente

das chaminés industriais. As ruas cobertas de sujeira e estrume de cavalos, o asfalto

impregnado por uma substancia negra que lembrava a graxa de sapato, os prédios

cobertos por uma fina camada de fuligem. Essa era a imagem da grande metrópole

moderna, industrializada e em rápido crescimento.

A região de maior concentração demográfica se localizava no norte do país:

as áreas em torno das cidades de Manchester, Bradford, Preston e Liverpool eram

conhecidas como verdadeiros formigueiros humanos. A região era dominada por

minas de carvão e apresentava concentração demográfica de 150 a 300 habitantes

por quilometro quadrado (referentes ao ano de 1801). Algumas cidades como

Londres, Birmingham, Bristol, Gloucester, Nottingham, Sheffield, Exeter e Newcastle

também apresentava o mesmo índice demográfico.

Em uma de suas viagens ao complexo industrial de Birmingham a jovem, e

ainda adolescente, princesa Vitoria deixou registrado o que viu: “Os homens,

mulheres e crianças, o campo e as casas são todos escuros. O campo está

desolado em toda parte. O carvão em toda parte e a grama toda arruinada e negra”.

A sociedade era extremamente moralista e machista. O homem dominava o

mercado de trabalho e a mulher via seu papel relegado ao de funcionária doméstica.

Não havia espaço para posturas radicais quanto à estrutura padrão do lar.

Fonte: http://cafe-musain.blogspot.com.br/2014/07/o-progresso-tecnologico-

revolucao.html

Page 99: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

97

Durante o século XIX, o desenvolvimento científico foi muito significativo.

Havia uma esperança generalizada de que o progresso da ciência equivalia ao

progresso da própria sociedade, que as novas descobertas ajudariam a melhorar o

mundo. Não foi bem assim, mas temos descobertas e invenções muito importantes

nesse período. A própria máquina a vapor permitiu não só o desenvolvimento das

fábricas, mas também dos trens, ajudando a encurtar as distâncias e facilitando o

transporte de pessoas e mercadorias. Também foram criados o telégrafo e o

telefone, que permitiram a transmissão de informação à distância em tempo real

pela primeira vez. Isso sem falar na lâmpada e até no primeiro fogão elétrico, além

dos automóveis, das máquinas fotográficas e dos protótipos do rádio, para citar

alguns exemplos. Os cientistas se ocupavam também de observar a natureza e seu

funcionamento (Darwin era um legítimo vitoriano), mas não era só isso. A

desigualdade social também se torna objeto de estudo e começam a surgir

pensadores que questionam a organização da sociedade e a distribuição de

riquezas, propondo formas alternativas; é o caso do socialismo.

Fonte: http://diariosanacronicos.com/blog/essa-tal-era-vitoriana/

Contextualização estilística

Para contextualização estilística, os alunos pesquisarão as características

do Realismo/Naturalismo no Brasil e do Realismo inglês. Após os alunos

compartilharem as informações da pesquisa através de seminário, o professor

retomará as características dos dois períodos, buscando estabelecer um diálogo

entre as obras e os períodos, salientando a superioridade das mesmas em

detrimento desta ou daquela escola literária.

Como atividade, o professor selecionará trechos das obras para analisar

junto aos alunos em sala, discutindo, verificando e problematizando as

características do Realismo/Naturalismo em cada um dos textos. Essa atividade

poderá ser feita em duas aulas.

Page 100: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

98

Contextualização poética

Para a contextualização poética, o professor explorará com os alunos alguns

elementos da estrutura das obras e os elementos da narrativa.Será explicada a

técnica literária intitulada in media res.

In media Res

Expressão latina que significa "no meio das coisas". Técnica narrativa

literária que consiste em relatar os acontecimentos da história, não pelo seu início

(ab ovo ou ab initio), mas pelo momento crucial e pelo meio da ação, como forma de

cativar a atenção do leitor. Para além disso, esta técnica permite suprimir incidentes

desagradáveis e atenuar os intervalos entre os acontecimentos que, muitas vezes,

perturbam a continuidade da ação. A expressão in medias res surge, pela primeira

vez, na Arte Poética (linhas 148-150) de Horácio (65 a. C-8 a. C.).

Fonte: Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora,

2003-2015. [consult. 2015-04-26 15:44:13]. Disponível na Internet:

http://www.infopedia.pt/$in-medias-res.

Essa técnica narrativa literária aparece logo no início do conto, quando é

possível observar com detalhes, a descrição de uma cena que desperta a

curiosidade do leitor e que será compreendida posteriormente com o avanço da

história.

Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, - de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço (ASSIS, 2003, p. 56).

Serão explicados também os capítulos do romance O médico e o Monstro e

o que cada título quer dizer.

Page 101: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

99

1 - A história da porta Nesse capítulo há a descrição de Mr.

Utterson, advogado de Henry Jekyll. O

advogado costuma passear aos

domingos com seu amigo Richard

Enfield, certo dia, caminhando por uma

rua com muitas lojas que indicam

prosperidade, há uma porta que chama

a atenção porque destoa desse clima.

Enfield relata um caso que presenciara

há um tempo. Um homem pisoteara

cruelmente uma criança e quando

exigem que ele repare o que fez, ele

entra pela tal porta e sai com um cheque

assinado por Henry Jekyll, respeitado

médico londrino. Para a surpresa de

todos, o cheque não era falsificado.

2 - A procura por Mr. Hyde Utterson preocupado com o que

descobrira, retira de seu cofre o

testamento de Jekyll e descobre que na

ausência ou desaparecimento dele,

todos os seus bens seriam de Mr. Hyde.

Utterson vai até a casa de Lanyon e fala

sobre o comportamento estranho de

Jekyll, mas não obtém nenhuma

informação importante. Utterson passa a

visitar frequentemente o local da porta a

procura de Hyde. Uma noite, ele o

encontra e fica estarrecido com sua

aparência, que lhe causa grande

repugnância.

3 - O Dr. Jekyll estava bem tranquilo Em um jantar na casa do Dr. Jekyll,

Utterson o interroga a respeito de sua

relação com Hyde e sobre o testamento.

Page 102: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

100

Jekyll diz que a situação é complicada e

que não pode explicar, mas garante que

ele pode fazer Hyde sumir quando

quiser.

4 - O caso do assassinato de Carew Na rua e com a presença de várias

pessoas, Hyde assassina cruelmente Sir

Danvers Carew. Utterson ajuda na

investigação e na busca por Hyde.

5 - O incidente da carta Utterson vai à casa de Jekyll falar-lhe

sobre o assassinato e quem o havia

cometido. Jekyll fica estagnado e mostra

uma carta supostamente escrita por

Hyde, na qual ele diz que não é

necessário cuidar de sua segurança,

pois ele tinha meios confiáveis para

escapar. Guest, especialista em

caligrafia, reconhece a semelhança entre

a letra de Hyde e de Jekyll, o que leva

Utterson a desconfiar que Jekyll é o

assassino de Carew.

6 - O notável incidente do Dr. Lanyon Hyde desaparece como se nunca tivesse

existido. Lanyon está abatido, com uma

aparência terrível e declara que está

condenado a morte por conta de um

grande choque do qual nunca irá se

recuperar.

7 - O incidente à janela Em um domingo, Utterson e Enfield

passeiam novamente e relembram a

história da porta, citando o nome de

Jekyll. Ao passar pela sua casa,

observa-se que ele está à janela. Os

dois cavalheiros o convidam para o

passeio, e ele, como se ouvisse um

Page 103: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

101

brado ameaçador vindo de dentro da

casa, muda o semblante e fecha a

janela. Isso perturba Enfield e Utterson.

8 - A última noite Em uma noite, Poole vai até a casa de

Utterson chamá-lo, pois suspeitava que

Dr. Jekyll havia sido assassinado.

Depois de arrombar a porta de seu

gabinete, encontraram Edward Hyde

ainda se contorcendo no chão e com

roupas grandes demais para seu corpo;

pareciam ser do médico. Utterson pensa

ser um suicídio. Ao chegar a casa, lê as

duas cartas: a de Lanyon e de Jekyll.

9 - A narrativa do Dr. Lanyon Nesse capítulo é esclarecido que Jekyll

e Hyde são a mesma pessoa e que a

transformação ocorre por meio de uma

mistura química. Lanyon presencia a

transformação e pela infâmia moral,

morre em poucos dias.

10 - O relato completo de Henry Jekyll

sobre o caso

Jekyll narra a história unindo todas as

partes já contadas, que o leitor

conhecera por meio de fragmentos.

Além disso, serão analisados: narrador, enredo, tempo, espaço,

personagens, conflito, clímax, desfecho, tipo de discurso (direto, indireto ou indireto

livre) e elementos composicionais do gênero conto e romance. Será feito um círculo

e o professor explicará esses elementos da narrativa, revisando brevemente no que

consiste cada um deles e posteriormente, analisando-os com base na obra. Não

obstante, poderão ser realizadas as seguintes atividades:

1 - O que levou Dr. Jekyll a entrar em crise após alcançar o sucesso de suas

experiências?

2 - Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afirmações sobre O

médico e o monstro:

Page 104: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

102

( ) Dr. Jekyll não tinha a alma atormentada porque conseguia controlar seus

experimentos com total segurança, respeitando os limites éticos da investigação

científica convencional.

( ) Os personagens Dr. Jekyll e Sr. Hyde podem ser considerados um harmônico

caso de duplicidade: suas características são exatamente as mesmas e constituem

exemplos de comportamentos virtuosos.

( ) Os conflitos internos do perturbado Dr. Jekyll acabam por conduzi-lo ao suicídio,

após inúmeros tormentos e inquietações.

3 - Em O médico e o monstro, a narração se divide entre os testemunhos de

diversas personagens. Associe as colunas abaixo e identifique os diferentes

narradores que participam da história:

( 1 ) Sr. Utterson

( 2 ) Sr. Enfield

( 3 ) Dr. Lanyon

( 4 ) Dr. Jekyll

( ) A última parte da novela, deixa um depoimento destinado ao Sr. Utterson,

revelando os antecedentes de suas experiências e as inquietações que

atormentaram sua alma.

( ) No início da história, relata ao Sr. Utterson um estranho episódio de violência

envolvendo o Sr. Hyde e uma criança. Suas observações são o ponto de partida das

investigações do Sr. Utterson.

( ) É o narrador central da história e empreende uma longa busca para tentar

decifrar o enigma escondido por trás da identidade do Sr. Hyde.

( ) Testemunha das experiências desenvolvidas por Dr. Jekyll, morre devido ao

abalo causado pela visão da metamorfose do monstro/cientista. Seu longo

depoimento possibilita ao Sr. Utterson solucionar o mistério acerca da identidade

obscura do Sr. Hyde.

4 - Com base nos personagens da obra O médico e o monstro, associe as duas

colunas:

1. Dr. Henry Jekyll

Page 105: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

103

2. Sr. Hyde

3. Sr. Utterson

4. Dr. Lanyon

5. Sr. Richard Enfield

6. Poole

7. Mr. Guest

8. Sir Danvers Carew

( ) Mordomo de Dr. Jekyll que, por ocupar a posição mais alta na hierarquia de

criados da casa, tinha um contato maior com as estranhas transformações sofridas

pelo patrão.

( ) Advogado austero que passa a investigar a enigmática identidade do Sr. Hyde,

terminando por solucionar o mistério por meio de depoimentos dos indivíduos

envolvidos no caso.

( ) Duplo monstruoso e perverso que emergiu da interioridade de Dr. Jekyll a partir

dos experimentos realizados com uma estranha poção.

( ) Membro ilustre do Parlamento que foi assassinado pelo Sr. Hyde e cuja morte

alcançou enorme repercussão na sociedade londrina.

( ) Médico ambicioso que se propôs investigar as contradições da natureza humana,

mas acabou perdendo o controle sobre a própria experiência.

( ) Principal auxiliar do Sr. Utterson, tinha enorme habilidade para o estudo de

caligrafias e conseguiu identificar semelhanças entre as letras de Dr. Jekyll e do Sr.

Hyde.

( ) Médico que testemunhou a transformação do Sr. Hyde em Dr. Jekyll e morreu

em função do abalo emocional sofrido ao presenciar a terrível experiência.

( ) Parente do Sr. Utterson, com quem o advogado realizava caminhadas semanais

e que primeiro chamou a atenção para o estranho comportamento do Sr. Hyde.

Contextualização crítica

A contextualização crítica abrange a recepção da obra pela crítica, dessa

forma, os alunos buscarão textos diferentes que contenham críticas sobre as obras.

O professor também poderá levar alguns textos que apresentem críticas sobre as

obras. Os textos serão lidos pelos alunos e o docente explicará a repercussão da

Page 106: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

104

obra por meio de textos e citações. Os discentes poderão comentar e argumentar se

concordam ou não com a opinião contida nas críticas. Caso seja verificada a

escassez de textos, o professor poderá desenvolver outras dinâmicas nesta etapa,

como solicitar aos alunos que eles elaborem um pequeno texto com seu ponto de

vista sobre as obras (dessa forma eles serão a própria crítica) ou que entrevistem

outros professores que conheçam as obras e que possam expressar sua opinião

acerca delas. Os trechos abaixo também podem ser utilizados:

“Representa o ápice do contista Machado de Assis, não apenas pelo

domínio do gênero, como também pela unidade imprimida à coletânea. Por trás do

tema comum da perversão universal, há um constante diálogo entre escritor e leitor.

A atmosfera perversa do volume pressupõe profundo conhecimento da psicologia do

leitor e discute a tendência de entregar-se à manipulação de suas emoções, como

sujeito e objeto dessa perversão universal”.

(CURVELLO, Mario. 1982, p. 461)

“Escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson e publicado pela primeira vez

em 1886, O médico e o monstro foi um sucesso imediato e ainda é um dos livros

mais lidos em todo mundo. O clássico acompanha a investigação do advogado

Gabriel John Utterson sobre as estranhas ocorrências entre seu velho amigo Dr

Henry Jekyll e Edward Hyde. Desde seu lançamento a popularidade do livro é tanta

que ele se tornou uma obra essencial sobre a dualidade da natureza humana, de

forma que foi adaptado inúmeras vezes para diversos formatos que vão desde os

quadrinhos até o cinema”.

(Rai, 2011)

Page 107: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

105

Contextualização presentificadora

A contextualização presentificadora, que aborda a atualidade do texto, será

realizada em grupos. Os alunos deverão associar a obra a algo do presente. Para

isso, através de pesquisa em livros, internet e os próprios conhecimentos de mundo

dos aprendizes, cada grupo montará um cartaz com imagens e textos que

representem a atualidade da obra. Os cartazes serão fixados na sala e cada grupo

fará a explicação de seu trabalho para a turma.

Contextualização temática

Para a contextualização temática, os alunos deverão pesquisar imagens

sobre a dualidade humana, sem deixar de lado a forma como ela foi retratada no

conto, para isso, o professor estabelecerá limites a fim de a temática não seja

abordada em detrimento do texto. Eles poderão buscar em revistas e sites, imagens

e textos que representem essa temática. Para a divulgação deste trabalho, será feita

uma exposição, na qual cada grupo exibirá, por meio de slides, as ilustrações que

encontraram.

Segunda interpretação

Para realizar a segunda Interpretação, os alunos deverão ler e analisar as

adaptações em histórias em quadrinhos das obras O médico e o monstro, em três

versões diferentes e A causa secreta, buscando verificar as escolhas linguísticas, as

diferenças quanto ao vocabulário empregado, as cores, a expressividade das

imagens e a forma como o enredo se constrói na HQ e na versão original.

Considerando que as versões em história em quadrinhos são adaptações da obra

original, os alunos poderão registrar por escrito essas diferenças e montar um

quadro comparativo por meio de cartazes, observando a linguagem, os recursos

visuais e a fidelidade do enredo em vista do romance. Após a montagem do quadro,

cada aluno fará um texto de opinião sobre a versão de que mais gostou. Os textos

serão corrigidos pelo professor e serão refeitos com base nas correções.

Page 108: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

106

Expansão

Para a etapa da expansão, os alunos deverão assistir ao filme A causa

secreta, de Sergio Bianchi, observando a forma como o tema da indiferença à dor

alheia se aplica aos dias atuais e o modo como o recurso visual altera a percepção

da crueldade e do prazer pelo sofrimento alheio. Além disso, o professor poderá

chamar a atenção para a abordagem temática presente no filme, o qual expressa a

indiferença do homem frente às desigualdades sociais e ao descaso com os

hospitais públicos, dentre outros.

Também será passado um vídeo sobre a minissérie Dupla Identidade

transmitida pela rede Globo em 2014, a qual retrata a dupla personalidade de Edu,

um assassino em série, que aparentemente é um atraente e inteligente advogado

que estuda psicologia. A minissérie tem como tema a música Two Faced Mask. O

professor explorará o enredo da minissérie e a letra da música, utilizando a

minissérie para promover uma discussão em sala sobre o tema do duplo.

Por fim, será feita a leitura do conto “O espelho” (1882), de Machado de

Assis. Após a leitura, o professor buscará, junto aos alunos, estabelecer paralelos

entre este conto e os demais textos estudados, discutindo, principalmente o tema da

essência versus aparência e da possível existência de duas almas (uma interior e

outra exterior). Para isso, eles deverão observar de que forma o duplo se caracteriza

no texto, o modo como o personagem lida com suas duas representações

identitárias (a que se alimenta da admiração alheia e do prestígio social e a que

representa o seu eu verdadeiro, humilde, vazio, opaco e incômodo). Com base

Page 109: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

107

nisso, os alunos deverão tentar buscar nas outras obras lidas como o duplo é

retratado e qual é a atitude dos personagens frente ao conflito entre as faces

opostas que se confrontam.

Será fundamental que os alunos observem que neste conto a duplicação do

ser se dá pela metáfora do espelho, objeto que representa a divisão do ser em

almas/personalidades diferentes e oscilantes e da farda como símbolo de seu

prestígio social.

Avaliação

A avaliação será contínua e englobará a realização de todas as atividades

desenvolvidas no decorrer da sequência (discussões, produções escritas e orais,

exercícios, participação na aula, leitura das obras, dentre outros).

Como tarefa final, os discentes farão a produção de um texto dissertativo-

argumentativo sobre a temática da duplicidade da alma humana, comparando as

obras estudadas. Para a elaboração da dissertação, os alunos deverão seguir os

elementos composicionais deste gênero textual, assim como obedecer aos critérios

da norma padrão da Língua Portuguesa, criatividade, coerência e coesão. No que

tange aos critérios para a correção da produção, será avaliado se o aluno foi capaz

de elaborar um texto explicitando com clareza que compreendeu as obras

estudadas, se demonstrou uma leitura aprofundada das mesmas, se conseguiu

traçar paralelos e distinguir de que forma o tema da dualidade da alma humana foi

retratado de forma diferente nas obras e, por fim, se foi capaz de se posicionar

criticamente frente aos textos, demonstrando seu ponto de vista. As dissertações

serão corrigidas e disponibilizadas no mural do colégio.

Page 110: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

108

6 RELATO DE APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA

O estágio de docência foi realizado em um colégio estadual localizado no

Paraná. Trata-se de uma adaptação da sequência expandida aplicada em uma

turma de nono ano do Ensino Fundamental II. O presente capítulo não apresentará

uma análise dos dados e da recepção da sequência, mas o relato e a descrição

dessa aplicação e das atividades.

Textos escolhidos para a sequência:

- “A Causa Secreta” (Machado de Assis) - (Várias Histórias, 1886).

-“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos (Stevenson - Carl Bowen,

OnLine Editora, 2005).

Outros materiais escolhidos para a sequência:

Trechos do filme “A causa secreta” (Sergio Bianchi, Versátil, 1994).

Trechos do filme “O incrível Hulk” (Louis Leterrier, Marvel, 2008).

Música “Máscara” – Pitty (Admirável Chip Novo, 2003).

Música “Dr. Jekyll & Mr. Hyde” (Petra, Jekyll and Hyde, 2003).

Música “Metamorfose ambulante” (Raul Seixas, Krig – há, Bandolo!, 1973).

Filme “O enfermeiro” (Versátil e Fraha, 1999).

OBJETIVOS

Ampliar a competência linguístico-discursiva, desenvolvendo a leitura, a

escrita, a análise linguística e a oralidade;

Refletir sobre o tema da duplicidade da alma humana através de textos

literários clássicos, despertando a sensibilidade estética;

Analisar a junção da forma e do conteúdo na construção do valor estético dos

textos.

Compreender a contemporaneidade do tema retratado.

Page 111: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

109

Associar o texto original a outras formas de representação artística

relacionadas à temática.

Produzir uma dissertação-argumentativa, apreciando, associando e

comparando as obras estudadas.

JUSTIFICATIVA

Experienciar a leitura de obras clássicas no contexto da escola pública

equivale a assegurar os direitos humanos dos educandos. A literatura enquanto

vasta representação do homem e da sociedade, que integra igualmente o belo e o

bizarro, o trivial e o fantástico, o bem e o mal, a conversão e a perversão, deve ter

seu espaço garantido nas aulas de Língua Portuguesa. Não apenas por desenvolver

as competências linguísticas dos discentes ou cumprir as metas de um currículo pré-

estabelecido, mas por dar significado e extrair da subjetividade o prazer estético, por

oportunizar reconhecer-se no outro e também refutá-lo, por questionar a própria

existência e vivenciar todos os dilemas, dramas e fatos que circundam a

humanidade deste os tempos mais remotos.

Nesse sentido, a leitura, compreensão, apreciação e imersão nas infindáveis

tessituras de uma obra literária, possibilitam o desenvolvimento da criticidade e da

reflexão, bem como a ampliação do vocabulário e dos horizontes culturais, logo, se o

professor constrói um percurso de leitura, planejado, bem fundamentado e coerente

do ponto de vista da forma e do conteúdo, o texto deixará de ser visto somente

como um emaranhado de signos linguísticos, para ser compreendido como vasto e

profícuo terreno no qual confrontam-se vozes e emergem ideias, teorias, diálogos e

referências.

A escolha por obras clássicas corrobora os ideais de democracia

preconizados nos documentos oficiais e no discurso que circunda a educação, visto

que democratizar é ampliar o acesso aos bens culturais, muitas vezes e por diversos

fatores, restritos a apenas uma parcela da população. O renomado crítico literário

brasileiro Antonio Candido afirma que os clássicos

Ultrapassam a barreira da estratificação social e de certo modo podem redimir as distâncias impostas pela desigualdade econômica, pois têm a capacidade de interessar a todos e, portanto devem ser levados ao maior número. O Fausto, o Dom Quixote, Os lusíadas, Machado de Assis podem

Page 112: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

110

ser fruídos em todos os níveis e seriam fatores inestimáveis de afinamento pessoal, se a nossa sociedade iníqua não segregasse as camadas, impedindo a difusão dos produtos culturais eruditos e confinando o povo a apenas uma parte da cultura, a chamada popular (CANDIDO, 1995, p. 189-190).

O clássico, sem dúvida, é um desafio, pois sua perpetuação no tempo indica

a grandiosidade da obra. No entanto, para que essas obras sejam lidas e apreciadas

por um número cada vez maior de estudantes, o professor deve priorizá-las em seu

planejamento e buscar estratégias para um ensino significativo. Além disso, é

preciso reconhecer que o ato de ensinar não significa apenas atender aos horizontes

e à realidade já verificada, mas ampliar o que já se tem, propor o novo, o diferente,

sair da zona de conforto do intelecto, e construir, com isso, aprendizagens

significativas capazes de promover o crescimento.

MOTIVAÇÃO

Antes de dar início à motivação, os alunos foram informados do conjunto de

atividades que seriam desenvolvidas, bem como dos objetivos das aulas. Tendo em

vista que a aula motivacional consistiria na discussão acerca da letra de uma

música, o rádio já havia sido levado antecipadamente para a sala de aula. Foi

solicitado que os alunos fizessem um círculo para ouvir a música “Máscara”, da

cantora Pitty, nesse sentido, foi distribuída uma cópia da letra da música para cada

um. Após ouvi-la duas vezes, foram lançadas as seguintes indagações: Em que

medida é possível afirmar que o homem usa máscaras? Por que uma das faces da

personalidade tem de se manter oculta sobre máscaras? Existem pessoas

totalmente boas ou totalmente más? Com base em quais critérios/valores a

sociedade julga a índole do homem como boa e má? Quais seriam os

riscos/penalidade de viver sem nenhuma “máscara”, evidenciando e dando vazão a

todos os instintos e desejos da alma humana?

Os alunos socializaram suas respostas com a turma e após isso foi proposta

a leitura da letra da música Dr. Jekyll & Mr Hyde, da banda Petra. Após ouvi-la e

observar a tradução, foram feitas as seguintes perguntas em atividade impressa:

1- Quais seriam os segredos que deveriam permanecer ocultos?

2- Como a relação entre o bem e o mal é expressa na música?

Page 113: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

111

3- No embate entre a face boa e a má, qual se sobrepõe?

4- Explique o seguinte trecho “É como se eu fosse uma personalidade dividida e a

que eu alimento é aquela que vive, aquela que eu não alimento é a que doa”.

5- Na música são citados os nomes Jekyll & Hyde, você conhece ou já ouviu falar

esses nomes? Caso não, pesquise e justifique o porquê da referência a esses

personagens no contexto da música.

Aos alunos foram dados vinte e cinco minutos para responder as questões,

que poderiam ser respondidas em duplas. Após o tempo estipulado, o professor

indicava um dos alunos para socializar suas respostas e os demais poderiam

complementá-la, contrastá-la ou defendê-la. Sobre a questão de número 5, apenas

um dos alunos já havia ouvido falar sobre os personagens, mas não soube

apresentar muitas informações, desta forma, os alunos utilizaram os celulares com

internet para fazer uma pesquisa rápida. Nem todos conseguiram realizar o acesso,

no entanto, os que obtiveram êxito, compartilharam com os demais. Depois de

encontrar informações de diferentes sites, estas foram socializadas com os colegas

e com a professora.

INTRODUÇÃO

Para introduzir o assunto, a professora explicou brevemente sobre a obra O

médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, como também o conto “A causa

secreta”, de Machado de Assis. Portanto, os alunos manusearam o livro de contos

Várias Histórias, no qual está inserido o conto, como também a obra O médico e o

Monstro, em uma versão em história em quadrinhos. Para complementar a

introdução, tendo em vista que já foi frisado o tema da dualidade da alma humana

nas obras, foram passados para os alunos alguns trechos do filme O incrível Hulk,

enfatizando os momentos de transformação. Os alunos foram questionados sobre a

forma como o personagem lida com as duas personalidades e como é o

comportamento dele antes e depois da transformação. Para tanto, foram enfocadas

as cenas do personagem Bruce antes e depois de transformar-se no incrível Hulk.

Para finalizar essa atividade, foi ressaltado que um dos traços da face obscura eram

a crueldade e a violência, aspectos que configuravam o lado negro da personalidade

de Bruce Banner.

Page 114: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

112

LEITURA

A leitura do conto A causa secreta foi realizada em sala de aula e durou em

média uma hora e meia para que todos a concluíssem. Vários dicionários foram

disponibilizados para alunos que sentissem a necessidade de utilizá-lo.

PRIMEIRA INTERPRETAÇÃO

Depois de concluir a leitura, os alunos fizeram um círculo e expuseram seus

comentários gerais acerca do conto, apreciações, dúvidas, questionamentos,

impressões iniciais e etc. A maioria dos comentários feitos pelos discentes enfatizou

as cenas de tortura do rato e a personalidade cruel de Fortunato. Muitos alunos

questionaram a respeito do início do conto, momento em que foi explicada a técnica

literária in media res, que consiste na história que não começa no início da narrativa.

De modo geral, os alunos compreenderam o enredo da história e demonstraram

perplexidade frente aos atos de Fortunato. Como registro dessa etapa, os alunos

produziram um relato de experiência de leitura, enfatizando alguns aspectos do texto

e a apreciação socializada com a turma.

A fim de discutir a temática do conto através de outra perspectiva, a

professora leu um texto que fornecia uma explicação biológica para o prazer em ver

a dor e o sofrimento alheio. Depois de discutir o texto com os alunos, foram

passadas no quadro as seguintes questões: 1 - Cite duas passagens do conto nas

quais torna-se nítido o comportamento sádico de Fortunato. 2 – Como Fortunato

reagiu frente à morte de Maria Luísa? Qual foi a reação de Garcia ao presenciar a

mutilação do rato? O que o comportamento do médico demonstra? Depois de

corrigir essas questões oralmente, foi proposta a realização de uma atividade

(palavras cruzadas) sobre o conto lido.

Page 115: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

113

Depois de corrigir a atividade, os alunos foram até o laboratório de informática

e a professora fez uma breve explicação sobre a obra O médico e o Monstro. Na

sequência os discentes fizeram o download obra em história em quadrinhos. A

leitura foi realizada no próprio laboratório.

Page 116: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

114

CONTEXTUALIZAÇÃO

As contextualizações foram realizadas através de pesquisas, desta forma, foi

explicado aos alunos como essa atividade deveria ser desenvolvida e como os

resultados seriam expostos em sala por meio de seminário. Em duplas, as

informações encontradas e selecionadas nas pesquisas foram socializadas em sala,

e de acordo com as apresentações, a professora fazia intervenções a fim de

enriquecer e complementar o seminário.

1 Contextualização Histórica:

Para a contextualização histórica referente ao conto “A causa secreta”, os

alunos pesquisaram a realidade do Segundo Reinado, suas características e

principais acontecimentos. Um dos pontos percebidos pelos alunos foi a escravidão

e a pirâmide social da época, na qual o poder concentrava-se nas mãos da elite. Na

contextualização histórica sobre a obra O médico e o Monstro, foram frisados os

seguintes fatos: a era vitoriana, o avanço da ciência e de experimentos científicos,

êxodo rural e Revolução Industrial, poluição, o caos urbano e altos índices de

criminalidade, fato que motivou a criação da Scotland Yard em 1829, como é

possível identificar no romance e na versão em história em quadrinhos lida pelos

alunos. Para isso, foi enfatizada a seguinte parte da história em quadrinhos:

Page 117: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

115

2 Contextualização Estilística:

Para a contextualização estilística os alunos realizaram pesquisas sobre o

Realismo-Naturalismo no Brasil (A causa secreta) e sobre o Realismo inglês (O

médico e o monstro). Tendo em vista que os alunos pertenciam a uma turma de

nono ano do Ensino Fundamental – Séries Finais, a contextualização estilística que

engloba as escolas literárias, foi feita com a ajuda do professor, que orientou as

pesquisas, ajudou na seleção de informações e na realização do seminário,

acrescentando dados e colaborando na explicação dos discentes.

Com o apoio docente, os alunos associaram as características das escolas

literárias às obras, buscando estabelecer algum tipo de relação entre elas. Alguns

alunos apresentaram dificuldade em fazer essa associação entre o a escola e a

obra, mas a docente fez as intervenções necessárias. Durante as exposições dos

alunos, que variaram entre explanações orais e cartazes, a professora explicou a

importância de conhecer o período literário no qual se enquadram as obras, porém,

foi frisado que este “pertencimento” é relativo, visto que existem textos que

apresentam traços de outros períodos e poderiam se enquadrar, portanto, em

diversas escolas.

3 Contextualização Poética:

As atividades para a contextualização poética não consistiram em pesquisas

no laboratório de informática, mas na análise da estrutura das obras e dos

elementos da narrativa. Portanto, foi feita uma atividade para a identificação e

exploração dos seguintes elementos do conto: enredo, conflito, clímax,

personagens, tempo, espaço, desfecho, foco narrativo, tipo de discurso e elementos

do gênero textual conto e romance. Sobre o romance O médico e o monstro em

história em quadrinhos, foram analisados os mesmos elementos, como também os

títulos dos capítulos e o quadro de apresentação dos personagens que consta no

início da HQ, o qual foi explorado para auxiliar na caracterização física e psicológica

dos mesmos.

Page 118: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

116

4 Contextualização Crítica:

Para a contextualização crítica, os alunos buscaram em livros, sites e

revistas, textos de diferentes autorias que apresentassem uma visão crítica das

obras, portanto, foram encontradas citações e trechos, contudo, devido a dificuldade

em encontrar materiais para essa contextualização, a professora sugeriu que os

alunos dialogassem com uma das professoras de Língua Portuguesa do colégio e

registrassem por escrito sua apreciação sobre os textos. Ao final deste registro, os

alunos também fariam um comentário crítico, expressando sua opinião devidamente

fundamentada acerca delas. A exposição dos resultados foi muito interessante,

principalmente pela forma como as professoras participaram e pelo modo como os

discentes se posicionaram frente às obras, complementando o que foi dito pelas

docentes.

5 Contextualização Presentificadora:

Para a atividade de contextualização presentificadora, os alunos deveriam

levar para a sala de aula materiais, imagens ou vídeos que retratassem o tema da

Page 119: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

117

dualidade da alma humana, buscando associar as obras a algo do presente. Foi

bastante diversificado o material trazido pelos alunos, alguns associaram à

minissérie exibida na rede Globo, intitulada Dupla Identidade, outros associaram ao

personagem Máscara dos desenhos animados, como também ao personagem

Frankenstein e ao filme O professor aloprado.

SEGUNDA INTERPRETAÇÃO

Para realizar a segunda interpretação, a professora propôs a leitura e

análise da música “Metamorfose ambulante”, de Raul Seixas. A partir dela, eles

fizeram uma pequena reflexão sobre a complexidade da alma humana, pensando a

mudança como algo necessário e benéfico para que o ser humano viva em

sociedade e se adapte ao mundo. Para isso, foi respondida a seguinte pergunta:

A abordagem da música é semelhante ou oposta a da obra O médico e o

Monstro? Quais aspectos da duplicidade da alma humana podem ser identificados?

Depois disso, foram propostas as seguintes atividades:

1 - O que levou Dr. Jekyll a entrar em crise após alcançar o sucesso de suas

experiências?

2 - Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afirmações sobre O

médico e o monstro:

( ) Dr. Jekyll não tinha a alma atormentada porque conseguia controlar seus

experimentos com total segurança, respeitando os limites éticos da investigação

científica convencional.

( ) Os personagens Dr. Jekyll e Sr. Hyde podem ser considerados um harmônico

caso de duplicidade: suas características são exatamente as mesmas e constituem

exemplos de comportamentos virtuosos.

( ) Em O médico e o monstro os conflitos internos do perturbado Dr. Jekyll acabam

por conduzi-lo ao suicídio, após inúmeros tormentos e inquietações.

Page 120: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

118

3 - Em O médico e o monstro, a narração se divide entre os testemunhos de

diversas personagens. Associe as colunas abaixo e identifique os diferentes

narradores que participam da história:

( 1 ) Sr. Utterson

( 2 ) Sr. Enfield

( 3 ) Dr. Lanyon

( 4 ) Dr. Jekyll

( ) Na última parte da novela, deixa um depoimento destinado ao Sr. Utterson,

revelando os antecedentes de suas experiências e as inquietações que

atormentaram sua alma.

( ) No início da história, relata ao Sr. Utterson um estranho episódio de violência

envolvendo o Sr. Hyde e uma criança. Suas observações são o ponto de partida das

investigações do Sr. Utterson.

( ) É o narrador central da história e empreende uma longa busca para tentar decifrar

o enigma escondido por trás da identidade do Sr. Hyde.

( ) Testemunha das experiências desenvolvidas por Dr. Jekyll, morre devido ao

abalo causado pela visão da metamorfose do monstro/cientista. Seu longo

depoimento possibilita ao Sr. Utterson solucionar o mistério acerca da identidade

obscura do Sr. Hyde.

4- Com base nos personagens da obra, associe corretamente as colunas abaixo.

Page 121: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

119

Fonte:http://hotsites.editorasaraiva.com.br/classicossaraiva/capa_27/suplemento.pdf

Page 122: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

120

EXPANSÃO

Para a expansão, foram passados alguns trechos do filme “A causa secreta”,

como também o filme “O enfermeiro”, baseado no conto homônimo de Machado de

Assis. Foi explicada aos alunos a diferença de abordagem dos filmes, no primeiro há

a representação da insensibilidade frente ao sofrimento alheio – hospitais, ruas e

marginalizados, já no segundo, temos uma adaptação fílmica muito fiel ao conto, no

qual o personagem do coronel Felisberto sente demasiado prazer na humilhação e

no sofrimento de seus enfermeiros. De acordo com o que foram passados os

trechos, a professora fazia pausas para fazer pequenas explicações e chamar a

atenção para determinadas partes que explicitavam o tema do prazer pelo

sofrimento e também as possíveis faces duplas do ser humano representadas nos

filmes.

AVALIAÇÃO

A avaliação levou em conta todas as atividades desenvolvidas no decorrer

do estágio, nesse sentido pode-se considerar que ela foi de caráter contínuo e

formativo. Foram avaliadas a participação dos alunos nas discussões propostas, a

realização e o desenvolvimento dos exercícios. Além disso, como produção final, foi

solicitado um ensaio escolar sobre a temática da dualidade da alma humana, para

isso, os discentes associaram e apreciaram as duas obras lidas, contrastando-as,

relacionando-as e dando seu ponto de vista sobre as mesmas. Para tanto, antes da

produção, foram explicados os objetivos, o público e a estrutura que o texto deveria

seguir, enfatizando os elementos composicionais deste gênero, como também os

critérios para a correção.

Page 123: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

121

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO.

De modo geral, os resultados da aplicação do estágio foram satisfatórios.

Houve alguns empecilhos, como a conexão da internet nos laboratórios, fato que

comprometeu parcialmente as aulas que requeriam o acesso a sites de pesquisas,

como também o download de arquivos em PDF – história em quadrinhos. Além

disso, a atividade de produção textual exigiu mais aulas do que o previsto na

sequência, pois a refacção dos textos, adequações, modificações e reescrita foram

procedimentos minuciosos e, portanto, demorados.

A leitura das obras selecionadas evoca a reflexão sobre o eterno duelo

entre o bem e mal no cerne da personalidade humana, que oscilante, por natureza,

transita entre a piedade e a maldade, a aparência e a essência, os desejos e as

convenções. A aplicação da sequência de atividades que incluiu tecnologias, textos,

imagens, músicas e vídeos, demonstrou que o clássico constitui uma rica fonte para

o trabalho de letramento nas escolas, independente da série.

Na medida em que o professor estabelece o diálogo da obra com outras

representações da atualidade, explica os diferentes contextos nos quais ela se

insere e abre espaço para que ele participe ativamente da construção de sentidos do

texto, o clássico torna-se um terreno fértil para a ampliação das competências

linguísticas e discursivas, humanizando e tornando mais significativo o ensino de

Língua Portuguesa e Literatura.

O estágio permitiu vivenciar a aplicação da sequência, refletir sobre

melhorias, sobre a possível inserção de novos materiais, adaptação de atividades,

como também planejar estratégias para sanar as lacunas que em alguns momentos

dificultaram a execução das aulas. Frente a isso, os resultados corroboram a

afirmação de que o cânone pode e deve ter seu espaço na sala de aula, cabe ao

professor estabelecer metas e trajetórias que ampliem a abordagem do texto

literário, interligando-o com outros materiais, textos e recursos diversos, tornando,

assim, o percurso pelo universo literário, um caminho repleto de novas descobertas,

de autoconhecimento e de crescimento humano e intelectual, permitindo que os

educandos usufruam, dessa forma, de todas as vantagens que dele se pode extrair.

Page 124: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

122

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fausto, o Dom Quixote, Os lusíadas, Machado de Assis podem ser fruídos em todos os

níveis e seriam fatores inestimáveis de afinamento pessoal, se a nossa sociedade iníqua

não segregasse as camadas, impedindo a difusão dos produtos culturais eruditos e

confinando o povo a apenas uma parte da cultura, a chamada popular (CANDIDO, 1995,

p. 190).

Os clássicos são obras que venceram a passagem do tempo, que resistiram

ao transcorrer das décadas, não perecendo, uma vez que sua essência é única,

sublime e atemporal. Essas são obras ambivalentes, na medida em que esboçam

um retrato do passado, mas que igualmente possibilitam pensar e refletir sobre o

presente, transportando-as então à atualidade.

O conto “A causa secreta” e o romance O médico e o monstro são obras que

se tornaram conhecidas pelo seu valor estético, pelas reflexões que proporcionam,

pela profundidade psicológica dos personagens, pela crítica à sociedade, pela

construção linguística e, principalmente, por abordarem um tema que atinge todos

os indivíduos, desde as épocas mais remotas até a contemporaneidade: o bem e o

mal inerentes ao ser humano. Ainda que tratados de forma diferente nos dois textos,

pois em Stevenson tem-se um único personagem bipartido pela ingestão de uma

droga; e em Machado, dois personagens – Fortunato e Garcia, as obras evocam

uma profunda e ampla reflexão sobre um tema atemporal intrínseco a todos os

indivíduos.

O lado monstruoso de ambos suscita os abismos e mistérios da natureza

humana, a face dupla, a dissimulação, as ações movidas pelo interesse e a

preocupação com a manutenção da moral valorizada pela sociedade. Dessa forma,

são textos que viabilizam amplos debates, que evocam a discussão sobre os

segredos profundos que habitam a alma do homem, sobre os monstros mascarados

por atitudes benevolentes e o duelo entre a essência e a aparência.

Em uma sociedade em que os bens culturais não são desfrutados de modo

igualitário por toda a população, a escola tem o dever de propiciar aos educandos o

mergulho na leitura de obras clássicas. Os desafios poderão surgir, mas podem ser

superados com a realização de um trabalho que vise à experiência de leitura como

Page 125: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

123

momento individual e coletivo, em que o aluno não é apenas receptor, mas sujeito

ativo na construção de sentidos.

O clássico perpetuou-se na história em função de seu alto valor estético na

forma e no conteúdo. Na escola, local em que se objetiva o desenvolvimento

intelectual, reflexivo e crítico do aluno, a leitura de obras canônicas representa uma

fecunda possibilidade para a ampliação cultural e linguística dos discentes,

permitindo, assim, que eles tenham acesso a um patrimônio cultural reverenciado e

louvado por gerações de leitores que se curvaram a beleza e ao requinte de sua

construção.

Assim como em outras disciplinas, em Língua Portuguesa, o ensino de

literatura muitas vezes é marcado por práticas tradicionais, que enfatizam apenas a

história literária, as escolas, autores e principais obras, construindo, com isso, um

painel fragmentado e superficial, no qual textos que mereciam ser estudados e

analisados em profundidade, acabam na condição de meros apêndices da história.

Dentre os outros tipos de letramento, também importantes na escola, o

literário assume um papel fundamental: potencializar o uso da leitura e da escrita por

meio da literatura. Portanto, para que essa modalidade de letramento seja praticada

efetivamente em sala de aula, a sequência básica e a expandida constituem uma

rica alternativa para a abordagem da obra.

A sequência expandida contempla o leitor como agente ativo, promovendo a

motivação para a leitura, a introdução para a familiarização do aluno com a obra, a

leitura com intervalos para dialogar com o professor, a liberdade para discutir com os

colegas as impressões sobre o texto, dúvidas e apreciações. Não obstante, permite

também um estudo dos contextos que permeiam a obra (teórica, histórica, estilística,

poética, crítica, presentificadora e temática), com isso, a leitura assume novos

significados porque um leque de conhecimentos fundamentais para a compreensão

aprofundada do texto se abre para o discente, contemplando várias dimensões

intrínsecas ao conjunto da obra, das influências e dos conceitos importantes para

compreendê-la.

Machado de Assis e Stevenson podem e devem ser lidos na escola, assim

como outros tantos cânones da literatura nacional e mundial. Nesse contexto, a

proposta metodológica da sequência expandida é uma ferramenta capaz de dar

novos rumos para as aulas de literatura, e em especial, àquelas dedicadas ao

estudo de textos clássicos, geralmente atrelados à falsa ideia de serem inatingíveis,

Page 126: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

124

distantes e ultrapassados. Os próprios alunos, ao término da experiência de leitura,

poderão comprovar a falácia dessas ideias apreciando a transcendência, a

magnitude e a atemporalidade das mesmas.

Page 127: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

125

REFERÊNCIAS

A CAUSA secreta. Direção de Sergio Bianchi. [s.i]: Versátil, 1994. 1 DVD (97 min.), son., color. AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2008. ANÁLISE do conto A causa secreta. Disponível em:<https://webculturaecomunicacao.wordpress.com/2015/03/26/analise-do-conto-a-causa-secreta-de-machado-de-assis>. Acesso em: 11 fev. 2015. ASSIS, Machado de. A causa secreta. In: Contos escolhidos. São Paulo: Martin Claret, 2007. ASSIS, Machado de. A causa secreta. Roteiro e desenhos de Francisco S. Vilachã. Cores Fernando A. Rodrigues. São Paulo: Escala Educacional, 2006. Série literatura brasileira em quadrinhos. ______. Machado de Assis: crítica, notícia da atual literatura brasileira. São Paulo: Agir, 1959. p. 28 - 34: Instinto de nacionalidade. ______. O espelho. In: Contos escolhidos. São Paulo: Martin Claret, 2007. ______. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2006. ______. Quincas Borba. Porto Alegre: L&PM, 2009. BLOOM, Harold. Como e por que ler. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. ______. O cânone ocidental - Os livros e a escola do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos? Companhia das Letras, 2007.

Page 128: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

126

CANDIDO, Antonio. Esquema de Machado de Assis. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. ______. O direito à literatura. In: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. CASTELLO, José. Viajante interior. EntreLivros. São Paulo, n. 10, p. 6. 2008. COSSON, Rildo. Letramento Literário – Teoria e Prática. São Paulo: Contexto, 2011. CURVELLO, Mario. Polcas para um Fausto suburbano. Machado de Assis. Org. Alfredo Bosi. Et al. Coleção Escritores brasileiros: Antologia & Estudos. São Paulo: Ática, 1982. DALVI, Maria Amelia. REZENDE, Neide Luzia de. JOVER-FALEIROS, Rita. (Orgs.) Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. ESSA tal Era Vitoriana. Disponível em: < http://diariosanacronicos.com/blog/essa-tal-era-vitoriana/>. Acesso em 20 fev. 2015. FACIOLI, Valentim. Amor e bruxaria. EntreLivros. São Paulo, n. 10, p. 36. 2008. GLADIADOR após luta. Disponível em:<http://wwwlaotrahistoria.blogspot.com.br/2011/05/los-gladiadores-en-roma.html>. Acesso em 11 de nov. 2014. GLADIADOR. Direção de Ridley Scott. Produção de Douglas Wick. [s.i], 2000. (155 min.), son., color. GLADIADORES. Disponível em:< http://www.infoescola.com/civilizacao-romana/gladiador/>. Acesso em: 12 out. 2014. GLADIADORES de Roma. Disponível em:<http://www.taringa.net/posts/imagenes/5212137/Gladiadores-de-roma.html>. Acesso em: 10 nov. 2014. GONÇALVES, Jeosafá Fernandez. Literatura na era dos gigabytes. São Paulo: Nova Alexandria, 2012.

Page 129: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

127

HANSEN, João Adolfo. Humanitas tem fome em Quincas Borba. EntreLivros. São Paulo, n. 10, p. 57. 2008. HARTMAN, Bob. Jekyll & Hyde. In:, PETRA. Jekyll and Hyde. EUA: Inpop Records. 2003. Web. ID, EGO e Superego. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-ego-id-e-superego>. Acesso em: 12 nov. 2014. IN media res. Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [online]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. Disponível em:< http://www.infopedia.pt/$in-medias-res>. Acesso em: 26 mar. 2015. INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Disponível em:<http://prolivro.org.br/home/atuacao/28-projetos/pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil/7881-conheca-os-resultados-da-3-edicao-da-pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil-2834>. Acesso em 17 dez. 2014. KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, A. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995, p. 15-61. MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. MARCUSCHI,Luiz Antônio.Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. MARTINS, Ivanda. A literatura no ensino médio: quais os desafios do professor? In BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. MÁSCARAS representando a dualidade humana. Disponível em:<https://melgrosscartoons.files.wordpress.com/2010/11/mascara1.jpg>.acesso em: 12 out. 2014. NETO, Alípio Correia de Franca. JOHN, Milton. Literatura inglesa. Curitiba: IESDE Brasil S.A, 2009.

Page 130: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

128

O ENFERMEIRO. Direção de Mauro Farias. Roteiro: Melanie Dimantes. [si]: Versátil, 1999. 1 DVD (42 min.), son.,batascolor. O INCRÍVEL Hulk. Direção de Louis Leterrier. Produção de Avi Arad, Kevin Feige. Roteiro: Zak Penn. 2008. (112 min.), son., color. O MÉDICO e o monstro. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=erxmBdDYTeo>. Acesso em 20 nov. 2014. O MÉDICO e o monstro – Pernalonga. https://www.youtube.com/watch?V=dcqmvgvh9c0>. Acesso em: 12 out. 2014. O PROGRESSO tecnológico: A Revolução Industrial. Disponível em: < http://cafe-musain.blogspot.com.br/2014/07/o-progresso-tecnologico-revolucao.html>. Acesso em 11 fev. 2015. OTSUKA, Edu Teruki. Um romance de categoria internacional. Machado imortal, São Paulo, n. 10, p. 48-49. 2008. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008. PERRONE-MOISES, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. ______. Estud. av. [online]. 2005, vol.19, n.55, pp. 335-348. Por amor à arte. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014200 5000300025. Acesso em 11 maio 2014. ______. Literatura e Sociedade. São Paulo: USP/ FFLCH/ DTLLC, 1996. Disponível em: <http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/17073/mod_resource/content/1/Perrone-Moises%2C%20Leyla.%20Literatura%20para%20todos.pdf>. Acesso em: 10 dez 2014. PERSONALIDADE tripartida. Disponível em: <http://www.sobreavida.com.br/2011/08/30/as-varias-mascaras-que-utilizamos-para-esconder-o-amor/>. Acesso em: 10 out. 2014.

Page 131: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

129

PESSOA, Fernando. Novas Poesias Inéditas. Lisboa: Ática, 1993. PINHEIRO, Carlos Eduardo Brefore. Da literatura ao teatro: a eterna luta entre o bem e o mal nas figuras do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde. Travessias, Cascavel. v.10, 2010.Disponível:<http://www.unioeste.br/travessias/DOSSIE/DA%20LITERATURA%20AO%20TETEAT.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2015. PITTY. Máscara. Admirável Chip Novo. São Paulo: Deckdisc, 2003. Web. REZENDE, Neide Luzia de. O ensino de literatura e a leitura literária. In: Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. ROUXEL, Anne. Aspectos metodológicos do ensino de literatura. In: Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. São Paulo: Escala Educacional, 2006. (Série Literatura Brasileira em quadrinhos). SARAIVA, Juracy Ignez Assmann. A sedução das narrativas aplicada ao estudo de contos machadianos. In: BARBOSA, Valéria Koch; SCHNEIDER, Simone Daise (Orgs.). Linguagem, sociedade e interação: reflexões teórico-práticas. Novo Hamburgo: Feevale, 2007, p.171-184. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Sussekind. L&PM Editores, 2013. SEIXAS, Raul. Metamorfose ambulante. In: Krig – ha, Bandolo!. Rio de janeiro: Philips, 1973. Web. SILVA, Antonieta Mírian de Oliveira Carneiro. SILVEIRA, Maria Inez Matoso. Letramento literário na escola: desafios e possibilidades na formação de leitores. Disponível em:<http://www.educacao.al.gov.br/reduc/edicoes/1a-edicao/artigos/reduc-1a-edicao/LETRAMENTO%20LITERARIO%20NA%20ESCOLA_Antonieta%20Silva_Maria%20Silveira.pdf>. Acesso em 20 fev. 2015. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

Page 132: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

130

STEVENSON, Robert Louis. O médico e o monstro. Adaptação de Carl Bowen; ilustração de Daniel Perez e Sebastian Facio. Protobunker Studio. Stone Arch Books. Online Editora. Clássicos em quadrinhos, 2005. ______. O Médico e o monstro . Adaptação de Fiona Macdonald; ilustrações de Penko Gelev: tradução Maria Ângela A. de Paschoal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. ______. O médico e o monstro. Adaptação e ilustração de Jason Ho: tradução de Luciana Garcia. Coleção Graphic Chillers. Editora Prumo, 2013a. ______. O médico e o Monstro. Tradução de José Paulo Golob, Maria Angela Aguiar e Roberta Sartori. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013b. ______. O médico e o monstro. Tradução de Mariana Varella. São Paulo: Rai, 2011. TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução Caio Meira – Rio de janeiro: DIFEL, 2009. UM DIA as máscaras caem. Disponível em:<http://www.revistabula.com/561-um-dia-as-mascaras-caem/>. Acesso em: 10 out. 2014. UOL. Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/efe/2013/01/15/ler-autores-classicos-estimula-o-cerebro-diz-estudo.htm>. Acesso em: 20 nov. 2014. ZAPPONE, MirianHisaeYaegashi. Fanfics– um caso de letramento literário na cibercultura? Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 29-33, abr./jun. 2008. ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2010.

Page 133: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

131

APÊNDICES APÊNDICE A – Relato de experiência de leitura produzido pelo aluno A, durante a aplicação da sequência expandida

Page 134: CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO …repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1647/1/LD_PPGEN_M_Miguel... · Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento

132

APÊNDICE B – Ensaio escolar produzido pelo aluno B, durante a aplicação da sequência expandida