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Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
HISTÓRIAS DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: LITERATURA E
TECNOLOGIA
Vitor Martins Vilela Mestrando em Estudos Literários pelo Programa de Pós-
Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal
de Uberlândia (PPLET-UFU) e Pós-Graduando em
Tecnologias, Linguagens e Mídias na Educação pelo
Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) em
Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Gyzely Suely Lima Doutora em Estudos Linguísticos (UFU) e Docente
no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).
RESUMO: Considerando minha experiência como professor de língua inglesa, acredito que a literatura se mostra como uma grande aliada para o ensino de línguas, uma vez que trabalha
com a imaginação, engaja os seus ouvintes em histórias divertidas e estão cheias de
informações culturais. Assim, não devemos nos atentar à mera decodificação, mas sim às
possibilidades de trabalhar com textos literários de forma a propiciar o letramento em língua
estrangeira e as percepções de uma linguagem multimodal. Neste sentido, a proposta deste
estudo consistiu em analisar o desenvolvimento de atividades literárias de ensino de língua
inglesa com o uso de recursos tecnológicos digitais, e por vezes recursos não digitais,
configurando-se o contexto de ensino híbrido. Vale atentar-se que a contação de histórias é
uma tradição resgatada e que se contrapõe a um momento ao qual estamos muito mais
conectados a informações visuais, inseridos em uma sociedade ocularcentrência (MIRZOEFF,
1998) de imagens em abundância e prontas para serem manipuladas. Para tanto, baseando-se
nos pressupostos teórico-metodológicos da Pesquisa Narrativa (CONNELLY &
CLANDININ, 2010) os textos de pesquisa foram construídos a partir de de notas de campo,
fotos e material didático utilizado propiciando a análise da experiência docente nesse processo
de ensino de inglês. Como resultados, destacamos: maior engajamento dos alunos com as
atividades propostas.
PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa Narrativa. Ensino de Inglês. Formação de professor.
ABSTRACT: Considering my experience as an English teacher, I believe that
literature can be a great ally to language teaching once they work with imagination,
engage listeners in great stories and are filled with cultural information. Therefore, we
shouldn’t only decode language, but consider possibilities of developing activities with
literature as a way of promoting literacy in a foreign language and the perception of
the multimodality of languages. For this reason, this study analyzes the development
of literature activities when teaching English along with the use of technological and
digital resources, and also non-digital resources which designs the context of a hybrid
education. It’s valuable to take into consideration that telling stories and the tradition
of telling them opposes a moment that we are much more connected to visual
information and inserted in an Ocularcentric society (MIRZOEFF, 1998) with images
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ready to be manipulated. Finally, based on the methodology and theories of the
Narrative Research (CONNELLY & CLANDININ, 2010) the texts for it were done
through field notes, pictures and pedagogical material used which promoted the
teaching analyses of the experience in teaching English. As one of the results, we
highlighted a better engagement of students with the proposed activities.
KEYWWORDS: narrative research. English teaching. Teaching formation
ERGUENDO A GRANDE LONA
As histórias fazem parte da vida do ser humano, por meio dos diversos tipos de
linguagem tentamos ser entendidos e tentamos também entender outras pessoas. É assim que
nossas histórias de vida nos constituem como indivíduos e interagem entre si. Ao
experimentar e vivenciar acontecimentos de nossas vidas encontramos os elementos
necessários para as criações de nossas próprias histórias. Aos olhos de Bakhtin (1981) o
homem é um ser social e histórico e, na relação com o outro, as práticas são intermediadas
pela linguagem, se constituindo então o momento em que o sujeito se forma de maneira
singular. Por isso, é importante pensar que por meio das nossas experiências e vivências,
que são sempre moldadas pela interação com o outro, construímos histórias significativas de
nossas vidas. Ainda levando em consideração Bakhtin (1981) nossas falas estão repletas das
palavras do outro e partir delas assimilamos, reestruturamos e modificamos o que nos é
transmitido, descobrimos, portanto, graus diferentes de alteridade.
Nessa perspectiva, é importante valorizar e intensificar a contação de histórias na
educação por meio de atividades que deem voz aos estudantes e que promovam uma
interação entre eles. Nesse sentido, temos um aliado essencial para que esse objetivo
educacional se concretize: a literatura. Faria et al (2017) ressalta que:
A literatura oral amplia o vocabulário e o mundo das ideias na mesma medida em que
atrai a atenção da criança, pois é uma atividade lúdica, pedagógica e interdisciplinar
que instrui, estimula o cognitivo, educa a atenção, aviva os sonhos, ampliam as
possibilidades de ver e compreender o mundo, assim como o de se autoconhecer,
construindo sua identidade e personalidade de forma espontânea e livre de repressão.
FARIA ET ALL (2017, p.36)
É por meio da contação de histórias que muitos professores introduzem o mundo
literário para muitas crianças. A maioria delas se encantam com as histórias que são contadas
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e cada vez mais percebemos a importância de se produzir aulas diferentes que vão muito
além da interpretação dirigida com perguntas e respostas, a tradução de textos e o
preenchimento de fichas literárias. Segundo Faria et al. (2017) a contação de histórias
quando bem planejadas contribui para aprendizagens múltiplas.
Por isso, para se produzir aulas de ensino de inglês diferentemente do padrão tradicional
da abordagem de ensino de vocabulário e gramática descontextualizado e, por isso,
atividades que envolvem as concepções de metodologias ativas e ensino híbrido. Moran
(2018) diz que a aprendizagem mais profunda requer espaços de prática frequentes e de
ambiente ricos em oportunidades. O autor explica que são relevantes o estímulo
multissensorial e a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos. Outrossim, o
protagonismo do aluno se faz presente e o ensino se faz híbrido, ou seja, ocorre a mistura de
ferramentas, materiais, técnicas e tecnologias digitais. Baseando-se nessas premissas,
considera-se que essas foram algumas das preocupações presentes nas reflexões durante a
análise da experiência docente no processo de ensino de inglês aplicando esse tipo de
atividade em sala de aula.
Ademais, considerando outras inquietações que surgiram durante a elaboração deste trabalho
destaco, também, que houve a preocupação em se produzir uma contação de histórias em
que as imagens foram pensadas após o momento da fala. Essa inquietação surgiu ao ler e
refletir sobre o termo cunhado por Mirzoeff (1998), ocularcentrismo, que significa uma
sociedade contemporânea bombardeada por imagens, na qual a interação e a construção de
experiências são muito mais visuais do que verbais. Atualmente, a relação da imagem com
a veracidade das mesmas se perde em um momento onde as edições e adaptações podem e
são feitas tão facilmente, visto o fácil acesso a câmeras pelo celular e programas de edição
que fornecem recursos antes condicionados a uma minoria, profissionais e amadores que
podiam arcar com os custos desses aparelhos.
Sem deixar de lado a importância da linguagem visual, pelo contrário, entendendo que
ela é necessária em um mundo em que as relações e experiências por ela são construídas a
todo momento. Este trabalho levou em consideração o seu uso de forma consciente e
mediada, resgatando antes de mais nada a importância das palavras e dos momentos de
conversa.
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Nesse sentido, os alunos estariam preparados, segundo Krees e Van Leeuwen (1998),
para os desafios da multimodalidade, que é uma característica da comunicação em tempos
atuais. Kress (2000) ainda sugere que tanto a linguagem escrita e a oral são multimodais,
cada qual utiliza seus recursos para transmissão da mensagem, como paginação para a
primeira e, entonação na segunda, por exemplo. Além disso, Leeuwen (2005) entende que a
linguagem verbal e escrita está perdendo o seu prestígio em um mundo marcado pela
inserção das imagens. Desse modo a importância de aulas em que se valoriza a linguagem
oral e escrita são tão importantes.
Portanto, a literatura inserida a educação tem sua importância, por ser ela capaz de
transmitir conhecimentos linguísticos e culturais através de atividades que abarque não
somente a linguagem verbal, mas também a visual e a escrita, e ainda pode ser um meio
prazeroso de se variar atividades e ser capaz de dar o valor necessário à linguagem verbal
anteriormente à visual e ou escrita.
Nesse sentido faço valer os conceitos de multiletramento e multimodalidade que
segundo Oldoni e Freitas (2017) são indissociáveis em um cenário contemporâneo que
estimula a multi modalização, ou seja, tipos de linguagem que são orais, escritos, desenhados
em animação ou em gráficos, dentre outros. Ao termos contatos com tantos formatos para
as diversas linguagens existentes há que se fazer sentido delas, é o que Rojo (2012) chama
de multiletramento. Então, se os alunos se inteiram das diversas formas de linguagem e
fazem sentido delas, elas se formam multiletradas. Cabe, portanto, entender e utilizar os
pressupostos não somente de um ensino híbrido e metodologias ativas, mas também entender
o que é multimodalidade e multiletramento para preparar aulas que envolvam atividades
literárias e a contação de histórias, promovendo ações em sala de aula que levem em
consideração a importância e força da literatura.
Rildo Cosson (2006), diz que concerne à literatura tornar o mundo mais compreensível
e, além disso, define o termo letramento literário enquanto construção literária de sentidos.
Ainda, Souza e Cosson (2006) destacam que esse letramento é muito mais que uma
habilidade engessada de se ler textos literários, pois demanda do leitor uma atualização com
relação ao universo literário. Entendo que o universo literário a que os autores se refere é a
percepção do que se produz, em qual momento histórico, quais são os temas relevantes e
sociais trabalhados em cada contexto, gêneros textuais dos diversos textos, e também o
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sentimento de recreação e prazer trazidos pela literatura. Corroborando com essa
ideia, Parreiras e Paiva (2018) argumentam que obras literárias potencializam a oralidade
em língua estrangeira por meio de debates e ajudam o jovem a formar opiniões acerca dos
acontecimentos do mundo e a reagir a eles. Outro estudo acerca do uso da literatura de
língua inglesa em sala de aula é apontado por Oliveira (2014) em que o senso crítico e a
noção de cidadania podem ser alcançados através do estudo de obras literárias.
Tendo isso exposto cabe ressaltar que as línguas e a literatura estão sempre relacionadas,
e é o conhecimento linguístico um dos modos pelo qual o aluno forma o sentido dos textos,
por isso seu aprendizado através desse conhecimento se faz tão necessário para que se
concretize de forma mais eficaz uma compreensão dos acontecimentos do mundo
proporcionado pela literatura.
O URSO-CÃO E O CÃO-URSO. COMO ISSO ACONTECEU?
O objeto de estudo deste trabalho é a experiência docente, por isso por meio da Pesquisa
Narrativa (CLANDININ, CONNELLY, 2011) investigou-se minha experiência como
professor de inglês que usa o texto literário para o ensino de língua estrangeira em uma turma
de estudantes de 5º ano regularmente matriculados em uma escola particular da cidade de
Uberlândia. .
É relevante apresentar alguns aspectos do contexto de pesquisa: esta escola particular, onde
se desenvolveu esta ação, trabalha com educação infantil e ensino fundamental 1, possui
aproximadamente 300 alunos, cujo público atendido, em sua maioria, pertence à classe alta,
ou média alta. Diferentemente de outras escolas, temos 3 aulas de Inglês por semana,
totalizando 150 minutos, e uma sala reservada especialmente para as aulas de inglês. Esta
sala multimídia é equipada com projetor, computador e áudio e serve não somente para o
uso do fundamental 1, mas também para a educação infantil. Vale ressaltar que a maioria
dos alunos do 5º ano são alunos da escola desde o Maternal e que, portanto, tem contato com
o ensino formal de Inglês desde muito jovens.
A coordenação da escola orienta os professores em aspectos pedagógicos e
administrativos, como por exemplo, datas comemorativas, datas provas, acesso ao portal,
questões relativas à pontuação. Como são alunos antigos na escola, há um conhecimento
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relevantemente pessoal sobre as famílias dos alunos, o que nos ajuda a traçar planos
personalizados de ação pedagógica e como lidar com situações desafiadoras de disciplina e
dificuldades de conteúdo. Ademais, posso dizer que no que tange as preparações de aula os
professores têm muita liberdade para realizar os seus planejamentos. Apesar de seguir o livro
didático da editora Cambridge, o professor pode adaptar e inserir trabalhos que envolvem
muito mais personalização e atividades de engajamento dos alunos.
Neste contexto de pesquisa, atuo como professor-pesquisador e minha experiência
pedagógica tornou-se objeto de estudo neste trabalho. Considero que sempre fui observador
e mesmo quando ainda era estudante da língua aos 10 anos de idade, no momento em que
comecei a estudar em um curso particular em Uberlândia, já notava como o meu professor
me transmitia o seu conhecimento, o jeito do livro didático e as ferramentas usadas naquela
época, como fitas cassetes, CD’s, e uma vez ou outra o uso do computador. Todas essas
observações e o gosto pela língua e admiração pela profissão me fizeram traçar o meu
caminho até me tornar professor licenciado pela UFU em 2017. Não foi somente a língua
que me chamava atenção, mas também os produtos derivados dela, livros, música e claro, as
relações sociais. Dei-me conta de que a vida é composta pela linguagem e sem ela não há o
que viver, como nos comunicaremos? como pediremos ajuda? como trabalharemos? Não
tem jeito sem as línguas e as linguagens.
Assim eu percebi a minha vontade de fomentá-las através do trabalho de professor.
Primeiramente através língua estrangeira, pelo sentimento causado e o fascínio de comunicar
com o diferente, seja falando, escrevendo ou me enveredando por um livro escrito em inglês,
e foi dentro desse contexto que sou hoje professor a quase 10 anos. Na escola que eu promovi
este trabalho atuo como professor de língua inglesa do 1º ao 5º ano há dois anos, e no ano
passado, em Outubro de 2019, o Projeto Vivências - Living stories nasceu e é a experiência
por detrás desta ação o objeto de estudo da presente pesquisa.
A atividade didática aplicada, que chamei de ‘Living stories’, objetivou resgatar a
tradição de contar histórias, e a aplicação de atividades híbridas com o uso de tecnologias
digitais e não digitais através da construção de uma peça de teatro lambe-lambe, esse tipo de
encenação se passa dentro de uma caixa cênica em que os atores utilizam bonecos para
interpretar, geralmente a cena é apresentada a um espectador por vez. Segundo Arruda e
Beltrame (2019) esta nova linguagem teatral foi criada pelas atrizes-animadoras
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baiana Denise dos Santos e Ismine Lima no ano de 1989. A inspiração foram os antigos
fotógrafos de rua que eram chamados de lambe-lambe.
Para fundamentar a metodologia de pesquisa, parti dos princípios da Pesquisa Narrativa
sobre produção de textos de campo que, segundo Clandinin e Connelly (2011), são as
histórias contadas e vividas no ambiente pesquisado que constroem os textos e que podem
ser feitos de diversas formas. Interessante notar como a palavra história conecta o mundo
em que vivemos com aqueles das histórias contadas, ambos os mundos o real e o das histórias
não sobrevivem sozinhos, são eles que dão a força para todas as nossas reflexões. Para tanto,
como instrumentos de pesquisa, foram utilizados notas de campo, fotos, narrativas e material
didático produzido, com o intuito de fazer reflexões e encontrar resultados que entrassem
em consonância com os pressupostos teórico-metodológicos apresentados na introdução.
Portanto, como professor-pesquisador entendo que a contação, seja das minhas
narrativas, ou aquelas dos livros de fantásticos enredos, estabelece o poder de conexão com
todo os tipos de relações que podemos fazer com o mundo em que vivemos. Por isso, apoiar
esta Pesquisa Narrativa, que enseja a reflexão por meio de narrações e instrui e estimula os
alunos a contar e escutar histórias fantásticas, nada mais é do que encorajá-los ao pensamento
vivo de que somos, estamos e continuamos a fazer nossas histórias reais, fantásticas e
humanas. Ademais, segundo Lima (2016) os pesquisadores narrativos defendem que essa
metodologia científica tem sido substancialmente usada nos estudos educacionais visto a sua
relevância para o contexto.
Portanto, narrar os fatos da vida social ou particular é um momento que eleva o
significado dos fatos de mero dizer a um dizer repleto de personalidade, conceitos e diversas
interpretações, e é por isso que este trabalho se baseou nessa perspectiva.
AS HISTÓRIAS DA VIDA - O INGLÊS, A LITERATURA E A SALA DE A ULA
São as histórias da sala de aula que fizeram com que este trabalho fosse possível, por
isso, apresento abaixo as narrativas e as ações que nortearam as minhas observações como
professor-pesquisado. Como perceberam, os tópicos a seguir estão escritos de uma maneira
não tão usual. A inspiração para criá-los surgiu do livro que trabalhei com os alunos em sala
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de aula, Luka e o Fogo da vida escrito pelo autor indiano Salman Rushdie em 2010. Eles
são dispostos de forma metafórica, pois acredito que o poder da literatura também promove
a curiosidade através da linguagem e seus nuances, e ainda quem consegue entender as
figuras linguagens está mais preparada para enfrentar a multimodalidade de diversos textos.
Para Clandinin e Connelly (2011), as experiências são as histórias que as pessoas vivem.
Para os autores as pessoas vivem histórias e é no contar dessas histórias que vamos nos
reafirmando e nos modificando, criando novas histórias. Os autores ainda entendem que
pesquisadores e participantes na pesquisa narrativa possam viver um relacionamento
saudável e produtivo a partir das experiências vivenciadas entre eles.
Por isso, certamente, as narrativas podem ser utilizadas como formas de aprimoramento
e investigação sobre o papel do professor em sala de aula e suas relações com o sujeito de
pesquisa, além disso o professor que investe em narrativas exalta suas experiências e
histórias e lhes dá o valor necessário para que sejam elas seu campo de pesquisa reforçando
a valorização do professor pesquisador e em constante formação.
Ao final das minhas histórias lhes contarei como esta metodologia de pesquisa pode ter
me ajudado a perceber minha relação com o meu objeto de estudo, meu alunos, e ademais
como ela foi um auxílio para as investigações sobre as implicações do ensino híbrido,
metodologias ativas e nas aulas língua inglesa associada à literatura com aprendizes de 10
anos de idade. Apresento, portanto, as minhas histórias de sala de aula.
O CIRCO CHEGOU E AS IDEIAS PEDEM OS HOLOFOTES
‘Living Stories’ é um projeto de literatura de língua inglesa aplicado em sala de aula em
um colégio particular em Uberlândia -MG, e se consolidou a partir de uma ideia que surgiu
durante as primeiras reuniões de orientação com a professora Gyzely Lima, enquanto estava
cursando a pós-graduação em Tecnologias, Linguagens e Mídias na Educação. Eu
demonstrei meu interesse em trabalhar com literatura nas aulas de ensino de inglês e o
desafio aprofundou-se quando conheci a proposta de relacionar esse trabalho com o teatro
lambe-lambe.
Nesse sentido, como professor-pesquisador tive o interesse de envolver os estudantes
nas contações de história de um livro da literatura fantástica, o qual fiz um trabalho ainda na
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minha graduação, ele se chama Luka e o Fogo da vida Esta história me parece adequada para
os alunos da turma do 5º ano, é um conto infanto-juvenil recheado de seres mágicos e valores
morais, sociais e políticos, escrito pelo indiano Salman Rushdie no ano de 2010. Logo, esta
atividade didática trouxe, então, para a sala de aula muito mais que o tradicional ensino de
vocabulário ou gramática para uma aula de línguas, mas uma vivência cultural com a
literatura que envolveu a produção de um teatro, a contação de histórias e discussão de
valores morais.
Para o desenvolvimento da proposta, conversei brevemente com a turma de 5º ano para
saber se eles gostariam de ouvir algumas histórias em inglês que envolviam seres mágicos,
e a resposta foi unânime: todos queriam ouvir e participar dessas aulas. Isso mostra,
prontamente, o poder que a contação de histórias tem para o ensino e aprendizagem, em
especial, na educação infantil. Nesse sentido, eu entendo o quanto a contação de histórias
tem um caráter afetivo para essas crianças.
Assim, na primeira reunião com a coordenadora da escola, contexto desta pesquisa,
expliquei meu planejamento de que nas minhas aulas de língua inglesa houvesse a contação
de histórias do livro Luka e o Fogo da vida. Estava ocorrendo na escola, especificamente
para disciplina de Inglês, o projeto intitulado ‘Vivências’ pensado pela direção e
coordenação como forma de promover atividades as quais os alunos experimentassem
situações com o uso da língua inglesa na prática, ou seja, trabalhar situações cotidianas, mas
usando o inglês. A ideia foi trazida até a mim, a achei pertinente e condizente com alguns
pressupostos das metodologias ativas, as quais já foram mencionadas aqui neste trabalho
logo na introdução. Como exemplo de situações e temas destaco os que já trabalhamos, são
eles: ‘Travelling’, ‘Going shopping’ e o tema do 3º bimestre ‘Essential health world’, no
primeiro tema desenvolvi com os alunos um cenário de aeroporto no momento do check-in
em que eles interpretaram todos os personagens daquele tipo de cena no aeroporto, o segundo
tema montamos um minimercado para que eles fizessem as compras e, no terceiro bimestre
vamos simular uma farmácia, ida ao médico e conversar sobre saúde. Todos esses projetos
utilizamos materiais recicláveis para produzir os cenários.
Para o quarto bimestre foi planejado desenvolver o tema ‘Living stories’ idealizado por
mim e que foi amplamente aceita pela direção e coordenação. As atividades para esse tema
seriam desenhadas nos mesmos moldes dos outros bimestres em que os alunos se
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envolveram em alguma situação para que fosse usado a língua inglesa. Entendo que no
percurso dessas atividades resgatei o uso de tecnologias não digitais, tais como: a voz do
professor e alunos na contação de história, o papelão e sucatas, e o uso de massinhas para o
cenário, por exemplo. Também lancei mão das metodologias ativas ao utilizar e produzir
com materiais recicláveis e fazer com que os alunos participassem ativamente nessas
produções. Nesta etapa do projeto, realizamos atividades através da literatura, no entanto,
mais adiante em minhas narrativas, explicarei que esta foi uma experiência de ensino híbrida,
considerando, portanto, a importância também dos usos das tecnologias digitais. Segundo
Moran (2018) assim como em uma alimentação equilibrada as chances de sucesso na dieta
são mais favoráveis, o mesmo acontece com a educação em que a combinação de diferentes
atividades pode ser benéfica.
Cabe discutir que essas vivências propiciadas pela experiência de uso do ensino híbrido
e metodologias ativas foram bem-sucedidas e percebi que os alunos se engajaram muito mais
nas atividades em que participaram ativamente. Foi possível notar que foi muito mais efetivo
o ensino quando o grupo se envolveu na montagem das cenas e execução das historinhas que
eles mesmo produziram. Interessante ressaltar que neste trabalho em grupo o sentido de
colaboração esteve presente.
Ao refletir sobre as atividades e considerando que foram bem produtivas as vivências
anteriores resolvi conversar com a coordenação e expliquei que, para o quarto bimestre,
pretendia envolver os alunos em contações de histórias. De acordo com Moran (2018) uma
das formas mais eficientes de aprendizagem é a que acontece por meio de histórias contadas
(narrativas) e histórias em ação (histórias vividas e compartilhadas). Nesse sentido,
apresento a seguir os participantes indiretos que compartilharam comigo essa história vivida
no desenvolvimento das atividades propostas pelo projeto nas aulas de inglês, a turma do 5º
ano.
Nossa turma de 5º ano era composta de 20 alunos, em minhas práticas usuais de trabalho
em grupo os divido em equipes compostas por 5 alunos, dessa forma consigo melhor orientá-
los. Para a vivência ‘Living Stories’ não foi diferente, montei quatro grupos e cada um deles
produziu uma parte do livro como teatro lambe-lambe. Os alunos se envolveram com a
narrativa e fizeram os pequenos cenários e os bonecos.
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O fato de já conhecer as características e habilidades desses alunos me ajudou no
desenvolvimento dos planejamentos de aula. Em cada um deles há uma habilidade que se
destaca, por exemplo, alguns são bons em desenho, uns mais criativos e outros mais falantes,
diferentes habilidades que ajudaram bastante na atividade. Dessa forma, prezei pelo trabalho
em grupo e de forma colaborativa em que diferentes habilidades auxiliaram na execução do
projeto e puderam construir o sentido de colaboração em que todos se engajaram de maneira
verdadeira para a finalização do trabalho. Assim fui bastante detalhista ao montar os grupos.
Portanto, outubro foi um mês de muitas preparações e reflexões para que o trabalho pudesse
sair do papel. Enquanto isso, as atividades formais da escola continuavam por meio de aulas
expositivas, resolução de exercícios, trabalhos e provas somativas, e, também por outras
atividades mais lúdicas, por essas razões só foi possível iniciar os trabalhos no mês de
novembro. Vale ressaltar que os alunos não paravam de perguntar quando iríamos ler a
história que havia prometido.
HOLOFOTES LIGADOS, VAMOS CONTAR HISTÓRIAS?
Neste tópico, relato sobre como a contação da história em Inglês aconteceu sem recursos
visuais e como ocorreu a formação de grupos de trabalho após um mês desde a apresentação
do início do projeto de ensino.
Por meio de estratégias da metodologia da sala de aula invertida “o aluno estuda
previamente, e a aula torna-se o lugar de aprendizagem ativa. onde há perguntas, discussões
e atividades práticas.” (MORAN, 2018) então, solicitei que os alunos pesquisassem
previamente e trouxessem de casa a definição sobre teatro lambe-lambe e, por isso, iniciei
esta primeira aula perguntado sobre a pesquisa. Segundo Moran (2018), entende-se que uma
parte do processo de aprendizado é do aluno e pode acontecer antes do encontro coletivo em
sala de aula, o que caracteriza, sob o meu ponto de vista, o princípio da sala de aula invertida.
Seguindo então com a aula, deixei que os alunos conversassem entre si a fim de que
relembrassem a proposta do projeto e conversassem sobre suas pesquisas. Em seguida
propus a roda de conversa. Não foi uma tarefa fácil organizar os momentos de fala dos alunos
visto que muitos queriam falar, no entanto, fiz um sorteio rápido com números e selecionei
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cinco alunos que com muito entusiasmo relataram o que era um teatro lambe-lambe, e o que
iríamos fazer no decorrer das próximas aulas.
Após este momento resolvi, então, montar os grupos para as próximas 4 aulas. Bem,
esta parte do trabalho sempre é muito complicada, pois os alunos têm mais afinidades com
alguns companheiros e menos com outros, não se sentem à vontade em trabalhar com certos
colegas e ficam emburrados se os coloco com certos alunos, assim sendo montar os grupos
de trabalho é sempre uma tarefa complexa.
Devido a isso, precisei explicar que independente de quem estivesse junto temos que
sempre aprender a trabalhar com quem seja, só assim poderemos entender o outro e suas
diferenças de forma verdadeira. Minha estratégia para montar os grupos foram as habilidades
que cada aluno possui e como essas habilidades poderiam ajudar no desenvolvimento do
trabalho. Nesse momento, refleti sobre os estudos de metodologias ativas, pois de acordo
com elas as diferentes habilidades de cada um é peça essencial para que o andamento de
grandes projetos se conclua. Concordo com essa premissa metodológica e ainda acrescento
que o professor é peça-chave nesse momento, pois ele pode ter um conhecimento maior
sobre as características gerais e individuais da turma. Importante ressaltar que as crianças
estavam começando a compreender o que é um trabalho em grupo e noções de respeito e
alteridade.
Apesar de conhecer esses alunos há quase dois anos, separá-los em grupos ainda não era
fácil, mas pensei ter sido assertivo uma vez que já os conheço há algum tempo. Por exemplo,
sei quem tem mais facilidade na língua inglesa, quem consegue melhor desenhar, quem sabe
mexer no computador com mais eficiência, quem é mais tímido, quem é mais extrovertido,
entre outras características pessoais.
Ao refletir sobre esse momento percebi que foi mais adequado a divisão por mim feita,
talvez pudesse ter feito uma conversa aberta para averiguar quem gostaria de ficar com
quem, e sei que seria um formato menos autoritário, no entanto, se assim o fizesse toda a
minha conversa sobre ‘saber trabalhar com os diferentes’ iria por água abaixo, uma vez que
os grupos e as preferências entre os alunos por quem e como fazer já eram pré-determinadas.
A intenção era inverter essa ordem já tão fixa entre os mesmos grupinhos e ensiná-los uma
grande lição sobre diversidades.
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Com todos os alunos a postos em seus grupos, peguei a minha adaptação do capítulo
um de Luka e o Fogo da Vida que consistiu em adaptar o inglês do livro original para uma
linguagem mais adequada ao nível de proficiência dos aluno e comecei a aula. Este foi um
momento muito importante, pois agora os alunos iriam escutar a história em inglês sem
acesso a qualquer tipo de imagem, tudo que pedi a eles é que prestassem atenção nos meus
gestos, na minha fala e usassem a imaginação para que fosse criado um mundo deles. Para
atiçar a imaginação desses alunos pedi que por dois minutos e, em total silêncio, abaixassem
na carteira e rememorassem todas as histórias fantásticas que eles já tiveram contato até
então, como em um brainstorm de personagens, cenas e situações. Passados os dois minutos
e ainda em total silêncio eu comecei a contar a história do livro Luka e o Fogo da Vida,
capítulo 1. Percebi que todos estavam atentos e curiosos e à medida que eu falava alguns
olhares de dúvidas surgiam, mas no geral todos estavam prestando bastante atenção no que
eu dizia e encenava. Não fui rígido em relação a participação dos alunos nesse momento,
surgiram algumas interrupções e perguntas de significado de algumas palavras e algumas
dúvidas e questionamentos curiosos sobre a história. Contornei essa situação ora
respondendo em português, ora falando ou fazendo mímicas em inglês, sem deixar que a
fluidez da contação se desfizesse. Por exemplo, ao indicar a expressão ‘tooth decay’
posicionei minha mão no rosto e expressei a dor; ao falar ‘tigress’ o feminino de tigre,
escrevi no quadro a palavra e logo entenderam. Dessa forma fui envolvendo as crianças em
um processo criativo, sem o uso de qualquer tipo de imagem. A intenção era que eles, de
forma gradual, pudessem construí-las mentalmente, e depois construíssem os personagens e
cenários com as massinhas (este foi o material escolhido!) para o teatro lambe-lambe.
Considero essa atividade importantíssima em um momento em que as imagens ocupam
muitas vezes o lugar preponderante e primeiro na produção de sentido, imagens que veem
antes, que são manipuladas facilmente, que podem ou não ser as principais fontes de verdade,
estão borbulhando e afetando nossas formas de pensar o mundo. Fazer o trabalho reverso
em que as imagens não veem antes da informação falada ou escrita é, na minha opinião, uma
forma de fortalecer o poder da palavra e fazer com que os alunos percebam sua importância
na construção de sentidos para além de imagens já prontas.
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EU VEJO, EU FALO, LOGO EU QUERO SER A HISTÓRIA
Neste tópico conto o trabalho desenvolvido para que os alunos criassem uma releitura
da história que foi contada na aula anterior. Para isso iniciei com uma breve revisão da
história e pedi que os alunos se organizassem em seus respectivos grupos e contassem entre
si o que lembravam sobre a contação da aula anterior. Deixei que eles conversassem por 5
minutos e ao final da discussão eu propus uma atividade de adivinhação com mímicas. Esta
atividade se deu da seguinte maneira: cada grupo iria escolher uma pequena parte da história
ou a característica de um personagem e iria escrever em um papel, passei supervisionando e
os ajudando a escrever em inglês aquilo que queriam. Os grupos deveriam guardar segredo
entre si sobre o que iriam representar pois iriam fazer a mímica e os outros deveriam
adivinhar o que estava sendo representando.
Foi muito interessante perceber o quanto os alunos se empolgaram quando anunciei esta
atividade em forma de competição, ou seja, venceria o primeiro o grupo que adivinhar
corretamente a cena do outro grupo. Nesta atividade os alunos estão utilizando três modos
de representação, primeiro a fala (ao relembrar as histórias e decidindo qual cena ou
personagem representar), segundo a escrita (ao escrever no papel a cena ou o personagem);
e terceiro os gestos (mímicas). Estaríamos nesse momento compreendendo a
multimodalidade dos gêneros textuais falados e escritos? Ao entendê-los estaríamos
treinando esses alunos para a compreensão de multiletramentos? Creio que sim e por isso
reitero o quão importante são atividades desse tipo.
Para além dessas indagações é interessante notar que, individualmente, todos tiveram
suas vozes representadas nesta atividade, pois ao supervisionar percebi que cada um
participou de alguma forma, e eu estimulei que cada aluno pudesse dar alguma sugestão seja
na mímica, na revisão da contação, ou na forma escrita do que foi escolhido. Dessa maneira
e de forma indireta se desenvolve no aluno as noções de representação, identidade e gêneros
textuais falados e escritos em consonância com seus traços multimodais.
Na aula seguinte a missão era utilizar a escrita em inglês para recontar e reinventar o
primeiro capítulo do livro. Apesar de não gostar de impor regras quando se trata do processo
de criação neste tipo de atividade, fui obrigado a impô-las como um forma de organização
para que o trabalho de produção dos personagens em massinha fosse mais rápido visto o
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tempo que se apertava já que estávamos caminhando para o final do quarto bimestre com
conteúdo e provas bimestrais a serem aplicadas. As regras foram: os personagens seriam os
mesmos, por isso escrevemos os nomes de todos eles no quadro (Luka e o pai Rashid;
Captain Aag, o dono do circo; a tigressa (tigress); o elefante (elephant); o leão (lion); o
cachorro chamado de Urso (the dog named Bear) e o Urso chamado de cachorro (the bear
named Dog), o final deveria conter um mistério, algo que poderia servir como gancho para
a continuação da história caso quiséssemos continuar em um outro momento os outros
capítulos do livro, e deveria ser feito em, no máximo em uma folha.
Apesar de impor essas regras eu não estipulei o gênero textual o qual deveriam eles
escrever, ou seja, se diálogos, narrativas ou poesia, por exemplo. Não houve qualquer tipo
de pergunta em relação a isso e assim iniciamos o processo de criação dos textos. Eu
supervisionei a escrita em inglês, mas não dei qualquer orientação sobre como seria a
releitura, isso deveria partir deles.
Ao caminhar pelos grupos percebi que todos estavam escrevendo em formatos de diálogos
com inserções narrativas antes das falas. Ao questionar um dos grupos porque estavam
fazendo daquela maneira responderam que era assim que uma história era contada. Deixei
que fizessem da forma desejada, ajudei nas escritas em inglês e, em um dos grupos deixei
que fizessem em português. Isso porque houve muita dificuldade por parte desses alunos e
no tempo que tínhamos não seria possível ajuda-los da forma que precisavam.
Em relação a esse grupo que escolheu a língua portuguesa, percebi que eles
compreenderam a história em inglês, mas as barreiras linguísticas os impossibilitaram de
prosseguir com a criação em inglês. Não imaginei que isso iria acontecer. pois eu montei os
grupos e neste, em específico, coloquei um aluno que tem facilidade e é muito bom com o
conteúdo da língua inglesa e assim ele ajudaria os colegas com a releitura da história usando
o inglês. Mero engano sobre isso, meu julgamento foi errôneo e a ajuda por mim premeditada
não ocorreu, e isso tem relação direta com a personalidade desse aluno, que ainda não estava
preparado para tomar a uma posição de liderança e ajudar os demais com o seu
conhecimento. Ocorreu o oposto, outra criança liderou, mas liderou em português e trouxe
sua experiência de mundo para contar uma releitura de Luka e o fogo da vida tendo como
base a série de TV Stranger Things o que era de comum gosto a todos daquele grupo.
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Dessa maneira, conseguimos finalizar as escritas nesta aula e na próxima partimos para
a montagem dos personagens e alguns aspectos do cenário em massinha. Vale destacar que,
até o momento nenhuma imagem foi mostrada aos alunos que pudessem interferir na forma
e características físicas dos personagens.
IMAGINO ANTES E CRIO DEPOIS: BASTA ME DAR AS FERRAMENTAS
Assumindo o papel de mediação, eu entreguei as ferramentas necessárias para despertar
a imaginação dos alunos. Percebemos nas narrativas a seguir que houve uma mistura de
ferramentas não digitais e digitais, isso se tornou um aliado para o incentivar o processo
criativo e curioso desses estudantes. Nesta seção apresento todas as atividades referentes à
criação dos personagens com o uso de massinhas e também a atividade com o uso do
programa Audacity para a gravação da história que eles criaram.
Com os grupos já formados distribui um set de massinha para cada equipe que deveria
fazer dois personagens da história da maneira que os imaginaram. A escolha dos personagens
foi feita através de sorteio, e como forma de otimizar o nosso tempo eu responsabilizei cada
equipe pela criação de dois personagens os quais os grupos usariam os bonequinhos criados
entre ele e que isso seria uma boa forma de trabalhar integração e cooperação entre os alunos.
Finalizados a criação dos bonecos de massinha, as gravações dos áudios com o uso do
Audacity foram iniciadas. Interessante notar que até o momento não utilizamos tecnologias
digitais, mas sim somente tecnologias tradicionais, como massinha, papel, lápis e contação
de histórias. No entanto, chegou o momento da aula em que iniciamos o uso do microfone,
computador e o software Audacity e dessa forma uma aula híbrida se configurou, em que a
combinação de tecnologias digitais e não digitais se fez presente e pôde muito auxiliar no
desenvolvimento de competências cognitivas, trabalhar o letramento digital e desenvolver
um pouco a fluência digital, termo cunhado por Demo (2007) quando trata das habilidades
requeridas dos estudantes do século XXI, em que manejar a fluência tecnológica em
especial autoria é uma delas.
Tínhamos grupos com cinco alunos, deixei que eles escolhessem quem iria vir até o
computador para gravar, dependendo da história criada, precisaria de dois ou três alunos para
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esse momento. É muito interessante notar quão interessados os alunos ficaram com a
introdução de uma ferramenta digital. Para o ensino de línguas é ainda mais interessante
perceber que aqueles alunos que geralmente não falam quiseram vir até a mesa para
experimentar a gravação de áudio em inglês. Eu identifiquei que os alunos se preocuparam
em gravar de forma correta e por isso, ao escutarem a gravação, todos ficaram muito atentos
e desejaram regravar caso algo não soasse bem.
Visto essas considerações e toda a organização feita conseguimos finalizar as gravações
nesta aula, e na aula seguinte treinamos as encenações com os bonequinhos e escolhemos os
jingles para edição de áudio.
Estas foram as duas últimas aulas deste projeto e todos os alunos se mostraram muito
empolgados para começar a ensaiar na caixa que eu preparei para o teatro lambe-lambe. Não
há como negar o interesse e curiosidade dos alunos em fazer os ensaios. Eles ficaram
curiosos para sentir e assistir os bonequinhos dentro da caixa. Um novo formato de contação
estava sendo moldado e considero essa dinâmica muito importante para a sala de aula. Novas
variações, novas exercícios e novos estímulos promovem experiências diferentes e únicas
em cada um dos alunos.
Então, iniciei os ensaios do teatro e, para tal fim, chamei cada grupo a frente para escutar
os áudios produzidos e ensaiar com os bonequinhos os movimentos dentro da caixa. Cada
grupo concluiu os movimentos corretos em dois ou três ensaios, foi feito com calma e pedi
que imaginassem quais seriam os sons que podíamos colocar entre uma fala e outra. Cada
grupo fazia seu ensaio e voltava para seu grupo para decidir quais sons colocar, eles deveriam
me passar esses sons até o fim da aula, instrui que todos do grupo deveriam opinar e
concordar com o que fosse decidido
Na aula seguinte eu trouxe para a sala o trabalho de dois grupos formatados para que
pudéssemos trabalhar a encenação com os jingles. Esses dois grupos ensaiaram e depois
chamei alguns alunos para assistir à encenação. Por questões de tempo e por ser final de ano
e a chegada das provas finais e com várias datas a serem seguidas, não foi possível fazer as
encenações com os outros dois grupos, por isso, retornarei com essa atividade logo no início
das aulas em 2020.
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TUDO É DISCUTIDO ENTRE O LUKA E SEUS DOIS AMIGOS
Levando em consideração as minhas reflexões sobre as narrativas apresentadas entendo
que na pesquisa narrativa eu sou também o processo sob o qual a investigação acontece
(OLIVEIRA, 2018) e ademais, todas as minhas experiências anteriores como professor veem
à tona para que eu possa aprimorar ou ressignificar as minhas práticas com histórias que
proporcionam os roteiros possíveis para o nosso futuro (CLANDININ e CONNELLY,
2011). Sob esse viés apresento a seguir as seguintes considerações que auxiliaram na
composição dos resultados deste trabalho.
Nesse formato de pesquisa e ainda sob a perspectiva de Clandinin e Connelly (2011)
que afirmam que as histórias antes não contadas vêm à tona tanto para o pesquisador quanto
para o participante. Por isso, eu entendo que elas trazem as percepções e revelam um
contexto social o qual os alunos estão cada vez mais integrados em tecnologia digitais que
sobrepõe as imagens aos sons e escrita.
Nesse sentido a atividade de contação de histórias se mostrou uma forte aliada para o
resgate a métodos tradicionais de somente escutar uma história e imaginá-la, ademais a isso,
houve um retorno às brincadeiras manuais em que o uso de recursos tecnológicos não
digitais, o trabalho com a massinha, por exemplo, se mostrou prazeroso e eficaz para crianças
de 10 de idade, ao manter a atenção e aguçar a criatividade. Ademais, os alunos se mostraram
capazes de criar e imaginar tomando frente perante as atividades propostas e se tornando
alunos muito mais atuantes que somente observadores.
Em um momento em que os jogos digitais são tão apreciados por crianças na faixa etária
desses alunos, a ‘brincadeira’ de construir uma peça de teatro lambe-lambe resultou em uma
valorização às tradições de brincadeiras em grupo, promovendo a sociabilidade e os valores
humanos de colaboração, bem como o manuseio de papelão e sucatas para a criação de
cenário em uma perspectiva de Cultura Maker No entanto, tomando em consideração a
importância das tecnologias digitais e o ensino híbrido, o uso do software Audacity resultou
em um contato direto com uma ferramenta digital, e ao final das aulas pôde-se perceber
alunos que já sabiam interagir com o software.
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De maneira geral, os alunos conseguiram acompanhar e se mostraram atentos e
empolgados durante todo o processo, diferentemente do que ocorre em uma aula tradicional
de literatura com o uso apenas do livro, caderno, e preenchimento de fichas literárias. Além
disso, vale destacar o quanto a literatura se mostrou eficiente para produzir uma aula no
formato já discutido anteriormente, e por isso, considero de extrema relevância sua inserção
em aulas de língua inglesa. Foi claro o envolvimento dos alunos com a história contada e
recontada, algo que a literatura é capaz de promover além dos aspectos linguísticos
trabalhados em língua inglesa.
O FINAL QUE PEDE CENAS PARA O PRÓXIMO CAPÍTULO
Clandinin e Connelly (2011) relatam que existem os movimentos retrospectivos e
prospectivos que é quando o indivíduo olha para suas experiências passadas e conseguem
conectá-las com suas possíveis práticas futuras. Sem dúvidas esse intercâmbio entre passado
e presente me fez refletir sobre minhas ações. Interessante notar que o professor que entende
a importância dessas narrativas está se fazendo ouvir e se permite a sua própria escuta.
Este trabalho pode ser entendido como um exemplo sobre como é importante assumir o
papel de professor-pesquisador ao recontar nossas histórias podemos refletir e entender o
que se passa em um ambiente como o de uma sala de aula, em que acontecimentos que
parecem simples e por vezes são deixados de lado, como, por exemplo, a falta de tempo,
podem afetar o andamento de uma atividade e colocar em risco os objetivos de algum
projeto.
Nesse sentido, reafirmo a importância da Pesquisa Narrativa no sentido de se ter um
professor capaz de refletir sobre suas ações para que assim se torne um professor-
pesquisador e em constante formação, que seja mais consciente e, consequentemente, mais
consciente de sua prática pedagógica. Considero que o resultado de engajamento no processo
de desenvolvimento da atividade de literatura em questão no ensino de inglês foi uma
consequência direta de todos os procedimentos didático-pedagógicos envolvidos, a saber, as
estratégias de metodologias ativas, ensino híbrido, o uso de recursos tecnológicos digitais
(Audacity) e não digitais (a voz do professor e alunos na contação de história, o papelão e
sucatas para montagem do teatro lambe-lambe e o uso de massinhas para o cenário).
Considero que pela Pesquisa Narrativa foi possível reavaliar e ressignificar as minhas
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próprias práticas pedagógicas para criar uma aula colaborativa para o ensino e aprendizagem
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