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1 Claude Ledoux: Análise musical de obras de concerto do séc. XX e XXI com influências de tradições populares RELATÓRIO Número do Processo 2008/04364-9 Grupo de Financiamento Auxílio Visitante Linha de Fomento Programas Regulares / Auxílios a Pesquisa / Vinda de Pesquisador Visitante / Visitante do Exterior - Fluxo Contínuo Beneficiário José Augusto Mannis Responsável José Augusto Mannis Data Início 10/08/2008 Duração 14 dias Nome da Instituição Instituto de Artes/IA/UNICAMP Departamento / Área Departamento de Música 1 Realização Todas as atividades contaram com a participação e o envolvimento de: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) : Prof. Dr. Jose Augusto Mannis, Profa. Dra. Denise H. L. Garcia, Prof. Dr. Silvio Ferraz M. F., Prof. Luiz Henrique Xavier, Prof. Dr. Esdras Rodrigues, Prof. Dr. Emerson de Biaggi; Universidade de São Paulo (Usp) : Prof. Dr. Rogério Costa, Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles; Bem como o apoio do Departamento de Música, Coordenação da Sub-CPG Música (Comissão de Pós-Graduação); Coordenação de Pós-Graduação, Direção do Instituto de Artes (IA /Unicamp); Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) A contrapartida francesa foi financiada pelo programa PREMER/PREFALC, pedido de auxilio submetido e gerido pelo Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris (CNSMDP).

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Claude Ledoux: Análise musical de obras de concerto do séc. XX

e XXI com influências de tradições populares

RELATÓRIO

Número do Processo 2008/04364-9

Grupo de Financiamento Auxílio Visitante

Linha de Fomento Programas Regulares / Auxílios a Pesquisa / Vinda de

Pesquisador Visitante / Visitante do Exterior - Fluxo Contínuo

Beneficiário José Augusto Mannis

Responsável José Augusto Mannis

Data Início 10/08/2008

Duração 14 dias

Nome da Instituição Instituto de Artes/IA/UNICAMP

Departamento / Área Departamento de Música

1 Realização

Todas as atividades contaram com a participação e o envolvimento de:

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) : Prof. Dr. Jose Augusto Mannis, Profa.

Dra. Denise H. L. Garcia, Prof. Dr. Silvio Ferraz M. F., Prof. Luiz Henrique Xavier, Prof. Dr.

Esdras Rodrigues, Prof. Dr. Emerson de Biaggi;

Universidade de São Paulo (Usp) : Prof. Dr. Rogério Costa, Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles;

Bem como o apoio do Departamento de Música, Coordenação da Sub-CPG Música

(Comissão de Pós-Graduação); Coordenação de Pós-Graduação, Direção do Instituto de

Artes (IA /Unicamp); Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes (ECA)

da Universidade de São Paulo (USP)

A contrapartida francesa foi financiada pelo programa PREMER/PREFALC, pedido de

auxilio submetido e gerido pelo Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de

Paris (CNSMDP).

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2 Claude Ledoux : Análise musical de obras de concerto do séc. XX

e XXI com influências de tradições populares

Os ateliers, seminários e encontros realizados com Claude Ledoux se inscreveram no âmbito de

atividades acadêmicas desenvolvidas na Unicamp e na Usp na área de Análise Musical e

compreenderam: Reflexão sobre a Análise Musical relacionada a tradições populares; Impacto

do conhecimento de tradições populares no ato da composição musical; Claude Debussy e as

tradições do Sudeste Asiático; Ligeti e a influência de músicas subsaarianas; Feldmann, tradições

do Oriente-Médio e filosofias orientais; Scelsi, Murail e Harvey: interesse mutuo em músicas

tibetanas, mongólicas e outros rituais budistas; Eötvös e Kurtag em relação às tradições da

Europa Central; Claude Ledoux: influência das músicas da Índia do Norte e Indonésia; Relações

com etnomusicologia e improvisação musical em extensão às reflexões analíticas; Levy Strauss e

a Sinfonia de Berio; Relação entre música e texto em Berio e Kurt Schwitters.

2.1 Cronograma de atividades

Seg 11/Ago

Manhã: Unicamp – Introdução: Ferramentas de Análise musical; Música como meio de

comunicação e expressão; Níveis de estruturação na composição: o Material, a Técnica e

o Projeto; Mc Luhan

Tarde: Unicamp – Mozart

Ter 12/Ago

Manhã : Unicamp – Debussy

Tarde: Unicamp – Debussy

Qua 13/Ago

Manhã: Unicamp – Ledoux e Varèse

Tarde: Unicamp – Ledoux e Varèse

Qui 14/ Ago

Manhã: Unicamp – Messiaen

Tarde: Unicamp – Messiaen

Sex 15/ Ago

Manhã: Usp – Introdução: Ferramentas de Análise musical; Música como meio de

comunicação e expressão; Níveis de estruturação na composição: o Material, a Técnica e

o Projeto; McLuhan (Coord. Prof. Dr. Rogério Costa e Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles)

Tarde: Usp – Debussy (Coord. Prof. Dr. Rogério Costa e Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles)

Seg 18/Ago

Manhã: Unicamp – Bartók, Scelsi e Murail

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Tarde: Unicamp – Bartók, Scelsi e Murail

Ter 19/Ago

Manhã : Unicamp – Berio (Sinfonia: 1º Movimento) e Eötvös

Tarde: Unicamp – Berio (Sinfonia: 1º Movimento) e Eötvös

Qua 20/Ago

Manhã: Unicamp – Ligeti, Chopin e Feldman

Tarde: Unicamp – Ligeti, Chopin e Feldman

Qui 21/ Ago

Manhã: Unicamp – Berio (Sinfonia: O King) e Kurt Schwitters

Tarde: Unicamp – Berio (Sinfonia: O King) e Kurt Schwitters

Sex 22/ Ago

Manhã: Usp – Berio (Sinfonia: O King) e Kurt Schwitters

Tarde: Usp – Berio (Sinfonia: O King) e Kurt Schwitters

2.2 Participantes

115 pessoas participaram das atividades desenvolvidas na Unicamp das quais 50 estiveram

regularmente em mais de 50% das sessões. Na Usp participaram aproximadamente de 30 a 40

pessoas, dentre as quais encontravam-se pesquisadores, docentes, alunos de pós-graduação e

alunos de graduação.

2.3 Conteúdo das atividades

2.3.1 Introdução

Claude Ledoux salientou que apesar da música ser uma manifestação subjetiva, há tendências a

situá-la no domínio racional. Propôs então desenvolver um trabalho mais no domínio das

ciências humanas do que no das ciências exatas.

Não há ferramenta ou método universal para Análise Musical. A cada tipo de música,

correspondem meios e métodos de observação e abordagem mais adequados à sua natureza.

Certamente o método schenkeriano é mais conveniente ao período clássico do que a outros.

Contudo, toda análise é subjetiva e sem dúvida em música não existe verdade absoluta. É

através da análise que um músico pode mostrar aquilo que vê numa obra musical, o que ela

representa para si, bem como revelar seu estado de espírito no momento da análise. Quando se

lê Stockhausen analisando Boulez, aprende-se muito mais sobre Stockhausen, pois temos pistas

para conhecer o que pensava e como compôs a partir desse momento.

Ledoux centrou-se na discussão sobre o conceito de música, seu papel social e funcionamento

enquanto meio de comunicação e expressão. Em seguida expôs como divide a abordagem

analítica, partindo da suposição de que ao compor uma obra o compositor opera em três níveis:

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do Material,

da Técnica,

e do Projeto.

Se o estudo permanecer somente nos planos da Técnica e do Material, será deixado de lado o

Projeto, justamente o que nos permite compreender a Técnica. Pode-se perguntar então: Por

onde começar a compor? Pelo projeto, pelo material ou pela técnica?

Ledoux tomou como exemplo um registro sonoro dos Innuits1, supondo que não os

conhecêssemos e nada soubéssemos nada sobre eles. Ouvimos a gravação sem saber quais os

códigos e as técnicas empregadas, mas de qualquer forma a escuta é uma experiência humana

que nos toca. Quanto ao registro sonoro os musicólogos podem dizer que o que foi ouvido não é

uma música, mas um compositor, aberto ao mundo, pode percebe coisas e descobrir um novo

material bem como deduzir novas técnicas.

1 Inuítes, ou innuits: nação indígena das regiões do Ártico (América no Norte e Groelândia).

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Ledoux conduz a todos na direção de Marshall McLuhan : “medium is the message”2 3, « o meio

é a mensagem », ou seja, a enunciação é mais importante que o enunciado. Ilustrou em seguida

como a forma condiciona o espectador da televisão norte-americana estruturada

sistematicamente em oito minutos de programa e quatro minutos de publicidade, a tal ponto

que atualmente é difícil prender a atenção dos jovens para qualquer coisa que tenha mais que

oito minutos, limite de tempo no qual se produz uma ruptura perceptiva.

Figura 1 - Marshall McLuhan. Photo courtesy of Nelson Thall/ Marshall McLuhan Center on Global Communications. Fonte: http://www.museum.tv/archives/etv/M/htmlM/mcluhanmars/mcluhanmars.htm

2 The main concept of McLuhan's argument (later elaborated upon in The Medium is the Massage) is that

new technologies (like alphabets, printing presses, and even speech itself) exert a gravitational effect on cognition, which in turn affects social organization: print technology changes our perceptual habits ("visual homogenizing of experience"), which in turn affects social interactions ("fosters a mentality that gradually resists all but a... specialist outlook"). 3 McLuhan, M.; Fiore, Q.; Agel, J. The Medium Is the Massage: An Inventory of Effects. New York: Bantam,

1967; London: Allen Lane, 1967

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2.3.2 W. A. Mozart

Excertos do 11º Quarteto de cordas K171 (Minueto em Mib e o Trio em Lab) de Mozart foram

analisados a partir de J.-J. Nattiez (baseado na concepção tripartite de Jean Molino4) nos níveis

Neutro, Estésico e Poiético.

Figura 2 – Modelo tripartite de Nattiez (1987) por Michele Biasutti: La comunicazione musicale: Modello di Nattiez, curso de PSICOLOGIA DELLA MUSICA E DELLO SPETTACOLO da SCUOLA INTERATENEO DI SPECIALIZZAZIONE PER LA

FORMAZIONE DEGLI INSEGNANTI DI SCUOLA SECONDARIA VENETO, Università Ca’ Foscari di Venezia.5

O nível Neutro se situa diretamente no suporte. Se for uma partitura seria observar as

notas onde estão colocadas, suas durações, os compassos, os sinais empregados. Um

olhar objetivo sobre o que traz até nós a obra musical, no caso a partitura.

O nível Estésico é aquele onde há uma análise mais profunda que a anterior, de ordem

mais complexa, tentando corresponder o que se percebe ao que está escrito,

confirmando uma descoberta feita através da percepção na instância do ouvinte. É o

nível onde ocorrem relações estruturadas e onde se aplicam as técnicas de composição,

ou seja, aquela onde o Material é processado.

O nível Poiético corresponde ao estado de conhecimento do compositor e onde ele

busca suas representações em acordo com seu Projeto. É a instância das representações

e onde se projeta a ideologia do compositor. Assim, o nível Poiético é aquele onde se

pode estudar as decisões do compositor e seus direcionamentos Técnicos.

Figura 3 - O musicólogo Jean-Jacques Nattiez (à dir.) e seu tradutor Luiz Paulo Sampaio (Uni-Rio) lançando O Combate entre Cronos e Orfeu na Mediateca (RJ). O evento foi parte das comemorações pelo 80º aniversário de

Pierre Boulez. (04 de maio de 2005). Fonte: http://www.maisondefrance.org.br/mediateca/agenda-maio-05.html

4 Molino J. (1975). Fait musical et sémiologie de la musique. Musique en Jeu, 17, 37-62.

5 http://www.univirtual.it/corsi%20V%20ciclo/II%20sem%20IND/biasutti/download/mod%2002%20P.pdf

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Juntamente com o Quarteto nº 11, foi analisado um excerto de Don Giovanni, a Cena do Baile

no 1º Ato, na qual há uma orquestra em cena em dois grupos além da orquestra no fosso sendo

que até três musicas são harmoniosamente executadas ao mesmo tempo: um Minueto, uma

Contradança e uma Deutsch, a primeira da aristocracia e as demais populares. Ledoux mostrou

como Mozart tratou o material para passar uma mensagem e talvez mesmo seu pensamento

ideológico. Na manipulando do Minueto (aristocrático) e da Contradança (popular) esta última

se tornou muito mais sofisticada do que a primeira, representando o interesse de Don Giovanni

durante o baile por Zerlina, uma empregada camponesa, ignorando as demais mulheres da

aristocracia. A contradança executada pela pequena orquestra acaba sendo alvo de escuta,

desviando a atenção do Minueto, quase que lhe ‘roubando a cena’. Uma terceira orquestra,

também em cena, toca uma Allemande (Deutsch) que se transformará em uma valsa, sendo que

a última figura melódico-rítmica representa Zerlina.

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Esta conclusão só é possível através da análise dessas danças na realização da cena do baile de

Don Giovanni. Ideologicamente Mozart poderia estar nos dizendo: “Veja como uma contradança

também pode ser interessante como um minueto.” Com essa exposição, Ledoux pode sustentar

e exemplificar o que apresentou na Introdução sobre o Material, a Técnica e o Projeto do

compositor, sendo o Material constituído pelas danças, a Técnica sendo a polifonia, de modo

que as orquestras toquem harmoniosamente varias danças ao mesmo tempo, e o Projeto,

mostrar que não é por ser da aristocracia que uma música é mais interessante que uma popular,

como também uma música popular pode ser tão boa quanto as da aristocracia, a ponto de

desviar a atenção para si, o que não deixa de ser uma perturbação para o statu quo de então. A

contradança é tão mais interessante nessa cena que o minueto parece mais pobre. Verifica-se

nas cartas de Mozart dessa época seu desejo de romper os códigos em vigor e criar outros

novos.

2.3.3 O gamelão, Claude Ledoux, Claude Debussy e Edgard Varèse

2.3.3.1 O gamelão

Ledoux apresentou o gamelão javanês, suas principais características, os aspectos que diferem

da cultura javanesa para a ocidental, sobretudo no que diz respeito à escuta e o tempo musical,

as bases técnicas da música, a escritura musical, os códigos entre os músicos durante a

performance e a simbologia em torno do gamelão.

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Para abordar melhor a noção de escrita na música javanesa, Ledoux apresentou esboços de seu

Concerto para Violino: Frissons d’Ailes (2004), concebido a partir de elementos musicais

referentes ao gamelão onde se evidenciam em elementos sobrepostos em diferentes camadas

rítmicas, sendo um dos recursos expressivos da música javanesa a variação continua e ampla do

andamento, fazendo com que os diferentes estratos de material surjam e desapareçam à

percepção uns após os outros.

Figura 4 - Instrumentos do Gamelão javanês. Fonte: http://homepages.cae.wisc.edu/~jjordan/gamelan/instrum-photo.html

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Figura 5 - Baquetas empregadas no gamelão. Fonte: http://www.wahyoewidodo.com/files/pic%20tabuh%20gamelan.jpg

Do ponto de vista ocidental poderíamos enxergar como uma concepção em bloco de uma

mesma situação musical, mas que durante as variações da performance alteram as condições

perceptivas fazendo a escuta do ouvinte passear no interior desse bloco musical graças às

grandes variações de andamento. Quando o andamento ralenta, a atenção passa para os

instrumentos de pulsação mais rápida, instrumentos principais. Quando o andamento acelera, a

atenção passa para as camadas mais lentas havendo, de forma que conforme a velocidade de

execução a escuta circule entre as camadas da peça. Para os músicos indonesianos essa música

não é polifônica, mas monofônica. Todos pensam a mesma melodia. A escala é pentatônica e se

representa simplesmente como 1,2,3,4,5.

Existem partituras já de muitos séculos onde se anotam 1=mi, 2=fa, 3=la, 4=si, 5=re e finalmente

a notação musical resulta em algo como 4321 | 1234 | 5434 | 321...

No gamelão não há instrumento mais importante que outro. Na prática, os músicos geralmente

tocam todos os instrumentos. Quando começam a estudar, aprendem o mais fácil tocando a

melodia principal com uma baqueta apenas. Em seguida aprendem todas as melodias de todas

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as camadas. Cada cidade tem seu próprio gamelão, no qual todos se reúnem para tocar. É ao

mesmo tempo uma pratica musical e uma escola. Acompanham as execuções dança e canto

contando estórias, pois a maioria das cidades não tem televisão e em alguns deles chegam até a

cantar sobre criticas políticas.

Figura 6 – Ação cênica acompanhada por um gamelão. School for Oriental & African Studies - November 2003 (pictures courtesy Margaret "Jiggs" Coldiron)

http://www.digisound80.co.uk/music/gamelan/gamelan_performance/gamelan_pictures.htm

Ledoux explicou como são concebidas as variações sobre as melodias principais do gamelão.

4 3 2 1

4 3 4 3 2 1 2 1

4 4 3 3 4 4 3 3 2 2 1 1 2 2 1 1

44 31 14 43 11 34 22 34 ... ... ... ... ... ... ... ...

Figura 7 – Acima camada mais lenta (semínimas) (4321...) depois camada com o dobro da velocidade (colcheias) (4343 2121 ...) e outra com quatro vezes a primeira (semi-colcheias) (44334433 22112211 ...) na ultima camada

(fusas) as variações são mais complexas e começam a antecipar elementos da seção seguinte.

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Os músicos podem inicialmente aprender flauta, viela ou canto porque estes fazem variações

livres sobre a melodia o que é mais fácil para tocar. Há também um instrumento de pele muito

importante por marcar o pulso principal. O último instrumento é o gongo.

Figura 8 - Gamelão Javanês. Fonte: http://blog.baliwww.com/tag/people/

Na Indonésia têm-se um pensamento animista em que o gamelão possui instrumentos sagrados

representando os espíritos sendo o gongo a voz dos ancestrais. Então, você entende porque ele

marca os momentos principais da peça, porque os ancestrais são os mais sábios e também

porque se fala muito pouco neles. Quanto à coordenação e ao tempo musical, o gamelão não

tem regente. Os músicos se ouvem numa heterofonia na qual todos pensam a mesma melodia,

mas cada um faz sua própria variação.

A aceleração6 faz com que a parte mais rápida (fusas) perca definição à percepção e desapareça

à audição, enquanto que as camadas mais lentas passam a ser percebidas com mais clareza.

6 Aceleração: a camada das semibreves passa a ser tocada com semínimas, a das semínimas por sua vez

passa a ser executada com colcheias, e assim por diante.

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Na estrutura geral das peças cada seção tem grupos de 16 pulsações e é encerrada pelo gongo.

Figura 9 - Seções A, B, C e D de uma execução de gamelão. Observa-se ao final, marcação do gongo.

As seções são repetidas várias vezes. Para passar à seção seguinte, qualquer músico pode dar

um sinal, podendo ser tão sutil quanto uma mudança de oitava ou uma parada rítmica mais

brusca. Se ninguém alterar sua parte, todos repetem a seção. Mas após ouvir qualquer

mudança, todos passam à seção seguinte.

Os esboços de Ledoux foram muito úteis, escritos com concepção e notação ocidental

permitindo compreender com facilidade do que se tratava e entender com clareza as diferenças

da musica javanesa com a ocidental, dentre as quais se destacou a sincronização no último

tempo do compasso, contra nossa sincronização no primeiro tempo. Decorre disso uma escuta e

uma técnica de performance completamente diferente da nossa, pois temos o hábito de atacar

todos juntos o primeiro tempo.

2.3.3.2 Claude Debussy

Ledoux passou em seguida para Debussy, compositor com um ouvido maravilhoso que soube

perceber a riqueza de harmônicos das músicas de gamelão. Compositores do séc. XIX

valorizaram o nacionalismo, como nas danças húngaras de Brahms, mostrando a superioridade

da dança do leste da Europa; Dvorak mostrando a superioridade da música da Alemanha sobre a

Áustria. Debussy vai trabalhar contra as expressões nacionalistas dizendo ser importante que os

artistas não se tornem ridículos tentando ser exóticos.

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Figura 10 - Claude Debussy. Fonte: http://www.ralphmag.org/EP/debussy.html

Figura 11 – Debussy ao piano (1893) Fonte: http://claude-debussy.navajo.cz/

Em 1887 a Holanda (colonizadora da Indonésia) doa um Gamelão à França. Em 1889, esse

gamelão participa da Exposição Universal e diferentemente de outros para os quais essa música

não despertava interesse, Debussy ficou fascinado, a ponto de escutá-lo a fio durante dias

seguidos, dizendo que, ao contrário da percussão ocidental, forte e presente, o gamelão é suave

e musical. Há testemunhas e textos dessa pesquisa de Debussy. Ledoux enfatizou o impacto da

experiência em Debussy e como explorou os novos conhecimentos na segunda peça do primeiro

livro de prelúdios, Voiles : Modéré.

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Figura 12 – Debussy: 1º Caderno, 2º Prelúdio: Voiles - p. 5 e 6

Figura 13 - Debussy: 1º Caderno, 2º Prelúdio: Voiles - p. 7 e 8.

A assimilação se deu a partir da estrutura de organização do gamelão bem como da impressão

acústica das sonoridades através de sua escuta. Esse prelúdio pode ser analisado de maneira

clássica A B A, mas não é esse o pensamento de Debussy que na verdade está mais próximo do

gamelão: um sib constante no grave não levando a lugar nenhum, e objetos aparecendo ao

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redor. No nível Estésico, imaginamos que a mudança de registro é perceptível pelo ouvinte, mas

temos que observar o sib no baixo. No nível Neutro: existem as figuras mais rápidas no agudo e

as mais lentas no grave. Existe um adensamento até o final, onde um acorde aparece em um

registro agudo ainda não usado. Porque Debussy teria proposto um desenvolvimento de

densidade? Supondo que esse sib seja o segundo harmônico de um formante, como na voz

existem formantes, o piano teria, portanto, esse formante tendo o sib oitava abaixo como

fundamental. Esses formantes são justamente as notas usadas para densificar a música de

Debussy. Podemos confiar no ouvido Debussy. Compositores da época diziam que ele passava

horas escutando os sons. Na primeira parte foi mostrado como os sons formam o próprio som

do piano e começa-se a entender o projeto do compositor. Esse prelúdio não tem nada de

diferente da música do gamelão: há o mesmo material sendo repetido em diferentes camadas

com um baixo pontuando a pulsação e o gongo. Voltando ao esquema projeto, técnica e

material. Debussy tem como projeto conduzir os ouvidos ocidentais aos objetos de ouvido

orientais, é uma oposição ideológica, propor uma obra com interação das maneiras de sentir as

coisas no mundo. Graças a essa maneira de Debussy se enriquecer ele não faz musica javanesa,

mas mostra como é importante a musica javanesa e como ela nos faz ter uma visão ampla do

mundo.

No início da análise eram tons inteiros e com perturbações (paginas 6, 7 e 8) é gerada uma saída

desse modo, sempre com os mesmos objetos. No começo temos timbres de terças e um

desenho melódico assim como na música javanesa quando entra um timbre agudo fazendo uma

melodia e um gongo no grave. À pagina 8 aparece um desenho ascendente com saturação

representando um tamtam com espectro possuindo todas as freqüências, instrumento que

encerra a apresentação do gamelão. Debussy não sabia do significado do tamtam,

representando na Indonésia a divisão entre o mundo dos mortos e dos vivos, mas percebeu que

o tamtam aparece no final da música javanesa. O legato staccato é uma notação típica de

Debussy para representar o gongo. Percebe-se como Debussy tinha um material e como

elaborou técnicas para cumprir seu projeto. Esse tipo de análise é plausível porque começou em

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um nível Neutro, levando e conhecendo a Poiesis, situação em que o compositor estava

vivendo.

Os modelos de representação identificados na música de Debussy de acordo com uma

classificação proposta por Ledoux são: modelos Instaurador, Descritivo e Científico.

Modelo Instaurador : corresponde à representação metafórica de um objeto nos

remetendo ao original mas não sendo idêntica a ele, apenas possuindo algumas

características que lhe são próprias. Como exemplo: os cantos dos pássaros na música

de Messiaen nos lembram uma espécie e outra, mas sonoramente o que é tocado não é

exatamente o que ocorre na natureza. Há uma adequação na realização musical sendo,

portanto, um modelo instaurador. No prelúdio de Debussy, foram usadas as idéias da

exploração dos parciais do piano, simulando efeito parecido com o adquirido através da

instrumentação do gamelão, sendo igualmente um modelo instaurador.

Modelo Descritivo : quando a representação é a mais próxima possível do objeto

original. Um exemplo desse modelo está ao final do prelúdio de Debussy analisado,

onde o acorde conclusivo simula exatamente o espectro de um gongo;

Modelo Científico: realizado com auxilio de meios complexos de aplicação científica de

análise como, por exemplo, analisadores de espectro para identificar e reproduzir com

exatidão os parciais mais presentes e que definem um determinado timbre.

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2.3.3.3 Edgard Varèse

Figura 14 - Edgard Varèse

Em Ionisation de Varèse observou-se igualmente a presença da morfologia espectral própria a

instrumentos do gamelão: gongo, tamtam. Porém, a análise desta obra dirigiu mais atenção às

relações temporais na música, sobre as quais Ledoux detalhou oito conceitos:

pulsação

métrica

duração

ritmo

andamento

agógica

‘tempo liso’

‘tempo estriado’

As categorias ‘tempo liso’ e ‘tempo estriado’ sendo definidas por Boulez em Penser la musique

aujourd’hui (1963):

tempo estriado: no qual as estruturas da duração se referem ao tempo em relação a

uma pulsação de referência, sendo esta a unidade do menor múltiplo comum;

tempo liso: fluindo continuamente sem nenhuma pulsação ou unidade de base.

Em Ionisation (1929-31), Varèse trabalhou alternadamente com o que Boulez chamará em 1963

de tempo liso e tempo estriado, aproveitando-se de características físicas dos instrumentos que

favorecem um ou outro tipo de tempo: instrumentos com ataque forte e pouca ressonância,

como a caixa-clara ou woodblock, nos fazem perceber o tempo estriado, e os instrumentos com

ataque lento, menos definido e com mais ressonância, como o gongo, a sirene ou rulos de gran

cassa, favorecem o tempo liso, deixando a duração muito mais evidente do que o pulso em si.

Além desses conceitos referentes ao tempo musical, foram trabalhadas questões relativas à

qualidade dos ataques e ressonância de determinados instrumentos; características

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diretamente ligadas à maneira como percebemos o tempo, e que foram centrais na construção

da composição.

No âmbito formal Ionisation apresenta claramente três sessões/objetos: A, B e C, articulados

pela sirene, que aparece ao longo da peça definindo as sessões. O compositor explora as

diversas possibilidades de sobreposição e combinação com esses materiais, para então, através

acumulação e saturação, caminhar ao final, utilizando-se de elementos de construção muito

recorrentes na história da música. Ledoux fez uma comparação entre o final de Ionisation e

finais de sinfonias de Beethoven.

Figura 15 - Excerto de Ionisation de Varèse.

Figura 16 – Esquerda: Varèse listening to tape recordings (October 1959) Photograph Paul Sacher Foundation Basel (Edgard Varèse collection) Photo: Roy Hyrkin.

Direita: http://secretsociety.typepad.com/darcy_james_argues_secret/2007/01/composer_portra.html

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2.3.4 Olivier Messiaen

Ledoux identificou o modelo de representação Instaurador nos cantos de pássaros do Quatuor

pour la fin du temps (para clarinete, violino, violoncelo e piano), bem como o emprego de três

Taleas7 próprias à cultura indiana.

Figura 17 - Taleas indianas empregadas por Messiaen no Quarteto para o fim do tempo.

Na cultura indiana as taleas escolhidas por Messiaen estão

associadas à lua no céu, a iluminação e o conhecimento que,

uma vez adquirido pelo ser humano, acalma sua inquietação.

O Quarteto para o fin do tempo foi analisado nos níveis

Neutro, Estésico e Poiético.

A obra foi escrita em 1940 enquanto Messiaen

estava detido em um campo de concentração (Stalag VIII-A,

em Görlitz, Alemanha) durante a Segunda Guerra.8

Figura 18 - Olivier Messiaen. Fonte: http://lemonsinspaceandtime.blogspot.com/2008_05_01_archive.html

7 Em musica, denomina-se geralmente Isorritmia a repetição regular de um mesmo elemento rítmico.

Porém praticou-se na música a partir do séc. XIII, e desenvolveu-se no século seguinte pela Ars nova, de forma a não somente abranger o ritmo, mas também a melodia. O elemento melódico repetido leva a denominação de color, e o elemento rítmico, talea. Pelo fato de que não necessariamente talea e color possuem o mesmo numero de elementos, as combinações de alturas e durações derivadas da concatenação de ambos podem ser complexas e mesmo imprevisíveis. (http://fr.wikipedia.org/wiki/Isorythmie)

8 O violoncelista Étienne Pasquier, mais tarde co-fundador do célebre Trio Pasquier, estava detido no

mesmo local, junto com Messiaen. O Quarteto para o fin do tempo foi estreado 15 de janeiro de 1941 por Étienne Pasquier ao violoncelle, Jean le Boulaire ao violon, Henri Akoka ao clarinete e Olivier Messiaen ao piano. Seis meses depois os músicos foram liberados e repatriados à França.

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Figura 19 - Olivier Messiaen em março de 1976. Foto: George Tames/The New York Times. Fonte: http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2008/04/25/paris-journal-a-visit-to-messiaens-church/

Para Messiaen a iluminação que devemos almejar não é como a do sol, mas sim como a

da lua. Uma vez atingida, perde-se a noção de tempo. Nesta obra o tempo harmônico é um e o

tempo rítmico é outro. São 17 figuras rítmicas para 29 acordes e, por serem números primos, o

ciclo para se encontrarem novamente é longo: 493 unidades.

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Esse tempo pode ser sentido fisicamente. O modo de alturas usado tem uma dinâmica

própria. Conforme o aparecimento da lua, o modo se enriquece com cromatismos. Depois,

termina com simplicidade.

Piano: a primeira talea (a) corresponde ao aparecimento da lua no céu; a segunda talea

(b) corresponde à luz que ilumina a todos e ajuda a humanidade; a terceira (c) é quando

o homem está com o conhecimento e pode acalmar seu espírito. Após isso as taleas são

repetidas 13 vezes.

Violoncelo: trabalha apenas com tons inteiros. É estático. Sua temporalidade está entre

o ritmo harmônico e as figuras rítmicas do piano.

Clarinete: faz a parte musical de cantos de pássaros que é o elemento mais palpável. A

estilização desses cantos é o que mais se aproxima do nosso cotidiano. Por isso

percebemos que entre toda essa transcendência, o canto dos pássaros é o que liga o

homem e ela. A escrita é baseada em um modelo Instaurador.

Violino: também é construído com cantos de pássaros, porém mais espaçado, e bem

descritivo.

Messiaen, por não usar recursos tecnológicos, não se preocupou com o espectro exato

dos cantos dos pássaros, mas com a qualidade sonora deles, anotando-os de ouvido. De

qualquer forma, sua transcrição dos pássaros prioriza a referência ao espectro e não a modos.

La ville d’en-haut (1987) para piano e grande orquestra de Messiaen também foi vista nesta

sessão.

Figura 20 - Olivier Messiaen anotando cantos de pássaros.

2.3.5 Béla Bartók

Ledoux falou sobre Bartók nascido no final do séc. XIX (1882 – 1945). Aos 20 anos se tornou um

dos primeiros especialistas em etnologia musical, viajando em busca de músicas populares.

Nessa época a Hungria era dominada pela Áustria (e música húngara subordinada à música da

Áustria). Bartók valorizou o pensamento nacionalista húngaro para se libertar desse domínio.

Em relação à música húngara se fala muito de música cigana, mas não da música húngara

propriamente dita.

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Figura 21 - Béla Bartók: (esquerda) Abril de 1940, gravando Contrastes com Joseph Szigeti e Benny Goodman; (direita) 21 de janeiro de 1937, após a estréia de Música para cordas, percussão e celesta.

Fonte: http://w3.rz-berlin.mpg.de/cmp/bartok_pic.html

O objetivo do Bartók foi encontrar a música húngara verdadeira. Viajou pelos vilarejos fazendo

gravações em rolos de cera e percebeu que existia um problema: a idéia de uma musica

nacionalista. Bartók transcreveu e registrou muitas coisas e percebeu que não existia uma

cultura única na Hungria, mas várias culturas e etnias. Além das diferenças entre as expressões

de culturas diversas, Bartók constatou a existência de pontos comuns entre elas, invariâncias.

Figura 22 - Béla Bartók transcrevendo registros sonoros musicais recolhidos em campo. Fonte: http://w3.rz-berlin.mpg.de/cmp/bartok_pic.html

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Bartók estudou profundamente essas músicas e também como trazê-las à expressão da música

culta. Para isso Bartók não usou transcrições, mas praticamente reinventou um folclore,

tomando elementos comuns entre os povos, sobretudo as invariâncias constatadas entre as

músicas de diferentes culturas, para compor algo que unisse as diferenças. E Bartók quis ir mais

além, questionando se existiriam também invariâncias entre outras civilizações: Romênia,

África... e percebe que existe uma parte da música que é universal. Bartók, então, muda um

pouco seu foco e se diz compositor húngaro9, porém defendendo a existência de uma parte da

musica que é universal.

Figura 23 - Hungria em 1910.

9 Em húngaro os acentos nas frases são sempre no começo e em sua música Bartók coloca igualmente as

acentuações no inicio.

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Figura 24 - Bartók, gravando o folclore centro-europeu por volta de 1910. Fonte: http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/arch2007-04-29_2007-05-05.html

Microcosmos10 é ao mesmo tempo uma referência à cultura húngara como também à de Bali, o

que mostra como buscava as singularidades de outras civilizações. Há uma ideologia por traz

disso, pois Bartók integrou na época um movimento chamado pacifista (se viemos todos do

mesmo pensamento, porque excluir o próximo?). A Hungria é o primeiro a aderir a um

pensamento nacionalista, e Bartók é o primeiro a reagir contra isso.

Figura 25 - Hungria na atualidade.

10

coleção de 153 peças curtas para piano, escritas escrita entre 1926 e 1937 utilizada na formação de músicos, principalmente para introduzi-los à escuta musical tonal/atonal, rítmica/polirítmica, modal/amodal.

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Bartók foi então considerado um compositor decadente e recusado pelo regime da Hungria, o

que o leva a deixar o país. Quando surge um regime autoritário os primeiros a sofrerem ações

coercivas são o teatro e a musica, o que prova como a arte consegue influenciar o pensamento

das pessoas. Isso também ocorreu na Rússia de Stalin, quando muitos músicos foram induzidos

ao suicídio, como Rostlavetz, um compositor que não englobou em sua escrita a musica popular

da Rússia. A proposta de Bartók acabou sendo totalmente rejeitada pelos húngaros, pois levava

em consideração os pontos comuns da musica húngara com outras nações. Todos os escritos de

Bartók sobre essas ligações com culturas externas foram escondidos e trancados, estando

acessíveis somente a partir de 2002.

2.3.6 Giacinto Scelsi

Ledoux abordou Scelsi valorizando a importante inspiração que foi para o surgimento da música

espectral, da qual foram analisadas Mémoire érosion e L’Esprit des dunes de Tristan Murail.

Scelsi foi um aristocrata italiano. Fez várias viagens ao oriente onde descobriu a espiritualidade.

Passou a trabalhar com uma ondioline11, instrumento de teclado capaz de produzir intervalos

menores que um semitom. Devido a problemas nervosos, em virtude dos quais esteve internado

11

Teclado eletrônico utilizando um sistema valvulado, inventado em 1941 pelo francês Georges Jenny, sendo um dos precursores do sintetizador.

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antes de viajar ao oriente, Scelsi tornou-se incapaz fisicamente e psicologicamente de

transcrever suas improvisações, gravando-as em fita magnética e lhes confiando a copistas.

A música dos rituais tibetanos influencia sua concepção musical de modo que em 1959 compôs

Quattro pezzi : su una nota sola, obra em quatro movimentos sendo cada um deles construído a

partir de uma única altura. Scelsi busca aspectos como rugosidade e inflexões ao mesmo tempo

em que Ligeti explora em Atmosphère a microtonalidade e a micropolifonia. Impregnado de

cultura oriental, Scelsi se dizia um mensageiro. "Um carteiro”, costumava ele mesmo dizer de si,

trazendo uma mensagem do mais alto. E se recusava a ser fotografado. Sua obra e seu

pensamento musical tiveram grande influência nos músicos que vieram a fundar o Ensemble de

l’Itinéraire : Tristan Murail, Gérard Grisey , Michaël Levinas e Hugues Dufourt, que o conheceram

durante a estadia na Villa Médicis, em Roma, no inicio da década de 1970. Foram eles que

promoveram sua obra, tendo finalmente no inicio da década de 1980 uma vasta difusão. O

impacto dessa descoberta foi relatado pelo musicólogo belga Harry Halbreich12:

“Há alguns anos Giacinto Scelsi era praticamente desconhecido... Mas desde que em

outubro de 1987 o Festival SIMC de Colônia foi inaugurado com um concerto especial

inteiramete dedicado às suas obras para orquestra e coro, a sala da Philharmonia

esteve repleta não somente para o concerto mas também para o ensaio geral... Em

poucos anos suas obras principais foram enfim tocadas, com um atraso de um quarto de

século em relação às datas em que foram compostas. Todo um capítulo da história da

música recente deve ser reescrito: a segunda metade deste século não é mais concebível

sem Scelsi.”

2.3.7 Tristan Murail

A música espectral surgiu a partir de 1973 na França ao redor do Ensemble de l’Itinéraire

reunindo os compositores Gérard Grisey, Tristan Murail, Hugues Dufourt e Michaël Levinas,

envolvendo ainda compositores independentes como Horatio Radulescu (Romênia) e Kaja

Saariaho (Finlândia). Além de Scelsi, o movimento tem como precursores La Monte Young (EUA),

12

Harry Halbreich, em comentários analiticos publicados no álbum de Jürg Wyttenbach com a integral das obras de Scelsi para orquestra e coro (Aion; Pfhat; Konx-Om-Pax) pelo selo Accord.

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Gyorgy Ligeti, Friedrich Cerha, Karleinz Stockhausen, Olivier Messiaen, Edgar Varese, os

futuristas italianos (Luigi Russolo) e Debussy.

Figura 26 - Tristan Murail. Foto: Guy Vivien,

Como definição, pode-se dizer que a música espectral refere-se a obras nas quais

o material é derivado de propriedades acústicas dos fenômenos sonoros;

a escritura e o discurso se baseiam nas propriedades acústicas do som;

a escritura musical corresponde à construções sonoras.

O estudo da música espectral requer um domínio multidisciplinar envolvendo conhecimentos de

física acústica, psicologia (psicoacústica), ideologias (filosofia, política e sociologia), história da

música e estética.

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Ledoux apresentou um diagrama correspondendo à formalização do projeto musical de

Mémoire/érosion, para trompa e grupo instrumental, examinando cada um de seus blocos em

relação ao que ocorre na partitura.

O princípio geral da obra é o da réinjection designando em francês um looping com

retroalimetação, dispositivo empregado em estúdio de música eletroacústica para

processamento de material sonoro, consistindo basicamente em dois gravadores distanciados

rodando a mesma fita magnética, o primeiro gravando e o segundo lendo e enviando o sinal

sonoro novamente para o primeiro gravador. O resultado é uma constante acumulação sonora

com progressivo reforço de algumas bandas de freqüência e desaparecimento de outras devido

à imperfeição da resposta em freqüência na leitura e na gravação. Igualmente ocorre a

acumulação do ruído de fundo que a cada nova gravação se soma e se amplifica. Num estágio

avançado do processo há uma grande distorção em relação aos sons originais sendo

considerado em ciências exatas como uma deterioração do sinal, mas ao ouvido do músico

podendo sugerir um grande processo de transformação. Justamente essa é a abordagem de

Murail: conhecendo o processo do dispositivo, ele o formaliza e passa a operar com seus

módulos para a concepção e a realização de uma obra musical.

Figura 27 - Diagrama de Ledoux de formalização do projeto musical de Mémoire/érosion de Tristan Murail.

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Figura 28 - Dispositivo de retroalimentação como empregados na década de 1980. Esquema descritivo em um canal. (Mannis, 1987)

13

Em alguns procedimentos, a ação e o produto de alguns blocos não correspondem exatamente

ao que ocorre no dispositivo original, proporcionando novos resultados como parte da

elaboração composicional. Por exemplo, na leitura (no segundo gravador) a duração e o timbre

dos sons gravados (no primeiro) é alterada, algo que na época no dispositivo original seria

impossível. Mas ao operar com os blocos e estruturando a modelagem isso torna-se uma

simples operação lógica a ser implementada.

Figura 29 - Transformação progressiva ao fagote, depois ao contrabaixo e mais tarde ao violoncelo da frase original lançada pela trompa.

13

MANNIS, J. L’Electroacoustique dans la musique d’aujourd’hui. Dissertação de Mestrado. Université de Paris VIII, 1987.

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Ledoux analisou ainda, de Murail, L’Esprit des dunes (1994) para grupo instrumental e gravação

em mídia eletrônica, obra dedicada a Giacinto Scelsi e a Salvador Dali, sobre a qual Julian

Anderson14 diz:

“é a primeira vez que em uma obra Murail faz referência explícita a músicas de outras

culturas, pois o material sonoro do qual a composição deriva é um excerto de música

tradicional da Mongólia e do Tibet, duas regiões marcadas por desertos, cada uma à sua

maneira — o deserto de Gobi , na Mongólia, e as regiões montanhosas e despovoadas

do Tibet. Mas Murail ainda evoca nesta obra um fenômeno bem conhecido no deserto

de Gobi : os misteriosos sons parecidos com vozes, provavelmente produzidos pela

fricção de grãos de areia pressionados um contra o outro pelo vento. Metaforicamente,

nesta obra se verifica o que os mongóis dizem do deserto de Gobi: ‘o deserto canta’. “

Murail explora nesta peça uma visão da relação entre o microscópico e o macroscópico e joga

com o fato das dunas serem similares e ao mesmo tempo tão diferentes umas das outras.

Elementos desta peça, bem como de Serendib15, foram apresentados pelo próprio Murail em

1996 na Anppom no Rio de Janeiro (UNIRIO) e na Unicamp (CDMC).

14

http://brahms.ircam.fr/works/work/10694/ 15

Serendib (1992), para 22 instrumentos.

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2.3.8 Luciano Berio (Levy-Strauss)

Foram analisados os três primeiros movimentos da Sinfonia16, sendo o primeiro e o segundo de

forma detalhada.

Figura 30 - Luciano Berio. Fonte: http://cn.last.fm/music/Luciano+Berio

O primeiro dos cinco movimentos, analisado nesta seção, é baseado em « O cru e o cozido :

Mitológicas I»17 (1964) do etnólogo Claude Lévi-Strauss. Ledoux mostrou como o texto

influenciou o compositor em seu processo criativo, buscando reproduzir a transformação mítica

revelada por Lévi-Strauss, mas também na organização dos três primeiros movimentos da obra:

criação, morte e ressurreição, pois o primeiro trata do mito da origem do mundo, o segundo

tirado de outra peça de sua autoria, reorquestrada, “O King”, escrita em homenagem a Martin

Luther King e que, portanto, faz menção à morte, e o terceiro, baseado sobretudo no Scherzo

(também o terceiro movimento) da 2ª Sinfonia : Ressureição de Mahler, trazendo pontualmente

diversas citações de outras obras (Schoenberg, Ravel, Berlioz, Stravinsky, Richard Strauss, Bach,

Berg, Beethoven, Debussy, Boulez e Stockhausen). Ao todo a Sinfonia tem cinco movimentos,

sendo os dois últimos extraídos dos três primeiros.

16 Sinfonia is a composition by the Italian composer Luciano Berio that was commissioned by the New

York Philharmonic for its 125th anniversary. Composed in 1968-69 for orchestra and eight amplified

voices, it is a musically innovative post-serial classical work, with multiple vocalists commenting about

musical (and other) topics as the piece twists and turns through a seemingly neurotic journey of

quotations and dissonant passages. The eight voices are not used in a traditional classical way; they

frequently do not sing at all, but speak, whisper and shout words by Claude Lévi-Strauss, whose Le cru et

le cuit provides much of the text, excerpts from Samuel Beckett's novel The Unnamable, instructions from

the scores of Gustav Mahler and other writings.

17 Trad. de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

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Figura 31 - Luciano Berio. Fonte: http://cn.last.fm/music/Luciano+Berio

Berio faz reflexão sobre a origem, a criação e a morte em todos os níveis de estrutura, a

começar pelo título: qual é o sentido de Sinfonia? Na terminologia da Grécia antiga significava a

arte de reunir sons. No período barroco sinfonia era uma forma relativamente livre de

articulação entre os sons. No período clássico já há uma preocupação em organizar os sons de

forma racional, em categorias organizadas. Há, portanto, uma origem e uma evolução no

conceito de sinfonia. Finalmente, em 1968 compositores como Boulez afirmam: “As formas

antigas não tem mais razão de existir.” De certa maneira Boulez estava falando sobre a morte da

sinfonia. Mas ao compor esta obra, Berio está afirmando que escreveu uma sinfonia porque há

possibilidade de ressurreição e o emprego de material do terceiro movimento da 2ª Sinfonia de

Mahler no terceiro movimento de sua Sinfonia afirma essa idéia. Afinal, o conceito de sinfonia

faz parte das categorias de nosso pensamento. Berio tem, portanto, uma razão válida para fazer

renascer esse conceito.

Figura 32 - Strauss e os Bororo, na época do estudo etnográfico. Imagem: Alberto Taveira, intervenção sobre imagens de www.unis.org & www.museudoindio.org.br. Fonte: http://www.vivercidades.org.br/publique222/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=898&sid=19

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O primeiro movimento trata diretamente de estruturas mitológicas presentes em “O cru e o

cozido” de Lévi-Strauss. Envolve duas etnias da Amazônia: Bororo e Ge. O texto fala sobre suas

diferenças, mas também das invariâncias entre elas. Algo que interessou muito a Berio nessas

culturas foi o conceito de cada uma sobre fogo e água. Os Bororos acreditam que a origem do

mundo está no fogo e na água vindos do céu, enquanto que para os Ge os elementos surgem do

centro da terra.

Da mesma forma como observou Bartók em suas pesquisas musicais, temos aqui diferenças

próprias a cada cultura, mas também identidades na estrutura das mitologias: singularidades e

invariâncias.

A partir desse modelo, Berio estruturou sua música com elementos possuindo singularidades e

diferenças entre si, como por exemplo na formação, vozes versus instrumentos da orquestra.

Ledoux coloca então: - Que elementos comuns temos nesta peça entre as vozes e os

instrumentos?

Incidências percussivas onde instrumentos e vozes estão juntos. Comenta ainda Ledoux

que se por um lado nessas condições perde-se um pouco da inteligibilidade por outro se

ganha na força da estrutura.

Outro elemento é o jogo de vogais u-o-a-i nas vozes reproduzido também nos metais

(v. Sequenza de Berio para trombone, ele faz u-o-a-i mas que Berio busca através do

jogo com a surdina fazer o trombone dizer : why?)18.

A ¾ de duração, após um tutti, chega o piano solo. No início, o tipo de escritura se caracteriza

pela harmonia. Há um primeiro acorde (A) do-mib-sol-si e um segundo (B) re-la-do-mib-fa#-la#-

do#-mi entre os quais ocorre uma dialética harmônica. Apesar de ambos serem distintos,ambos

são constituídos essencialmente por terças entre cada uma de suas notas.

- Por que Berio emprega este tipo de harmonia aqui?

Porque essa cor harmônica anuncia o terceiro movimento da 2ª Sinfonia de Mahler. Além disso,

as terças tem um papel fundamental na evolução da linguagem musical no decorrer da história

da música (acordes com tríades simples, acordes de sétima, depois acordes de nona, acordes de

11ª. Há uma progressão seguida de terças acumuladas aumentando a complexidade dos

18

Portanto na Sequenza para trombone também há uma relação entre Estrutura e Sentido.

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acordes). No primeiro movimento, Berio parte do acorde (A) (que é preponderante em relação a

(B)) acrescentando-lhe terças de forma cumulativa, como uma referência à própria evolução dos

acordes na história da música.

Após esse contexto harmônico, o piano solo se renova e se manifesta de forma melódico-

rítmica. Porém, jogo do piano é aqui igualmente concebido em relações de terças. Vejam que há

sempre singularidades (oposições) e invariâncias (pontos comuns) entre os elementos.

Na análise do mito Xerente de Asaré e seus sete irmãos, Lévi-Strauss menciona a analogia

respectiva desses personagens com as estrelas Betelgeuse e o aglomerado Plêiades .

Figura 33 - A member of Brazil's Xerente nation aims his arrow during the bow-and-arrow competition at the IX Indigenous Nations' Games in Olinda, northeastern Brazil, November 27, 2007. Fonte: Reuters Pictures.

http://www.daylife.com/photo/02Cp4OAfnh6q4

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Berio emprega no primeiro movimento da Sinfonia excertos do texto como segue19:

[B2] il y avait sang [B1] Il y avait il y avait il y avait une fois un indien marié et père de

plusieurs fils adultes, à l'exception du dernier né qui s'appelait Assaré. Un jour, un jour

que cet indien était à la chasse, les frères, les frères

[SILENCIO]

Quand l'océan s'était formé, les frères d'Assaré avaient tout de suite voulu s'y baigner.

Et encore aujourd'hui, vers le fin de la saison des pluies, des pluies on les voit apparaître

dans le ciel, dans le ciel, tout propres et sous l'apparence des sept étoiles des Pleiades ce

mythe nous retiendra longtemps. [B2] aujourd'hui vers le fin de la saison de la saison

des pluies des pluies des pluies dans le ciel dans le ciel cans le ciel

[tutti] Pluie douce appel bruyant [repeated several times, broken down into component

syllables]

[SILENCIO]

[7 voices] sang [solo] sang eau eau [7]eau [solo] eau sang [7] eau [solo] sang [tutti] sang

[7] eau [solo] eau [7] sang [solo] eau céleste [7] eau [solo/7 antiphonally] eau céleste

sang eau eau terrestre pluie, pluie, pluie, pluie douce, pluie douce de la saison sèche

pluie, pluie orageuse, pluie orageuse de la saison des pluies bois eau, bois bois eau, bois

pourri, bois, bois dur roc arbre arbre résorbé sous l'eau un fils privé de mere, un fils

privé de nourriture héros honteaux, héros tuant, héros tué, héros furieux, musiques

rituelle [7] eau sang céleste eau eau terrestre sang eau terrestre sang eau sang eau

terrestre eau sang eau eau eau terrestre eau eau terrestre eau célestebois bois arbre

résorbé bois dur bois dur résorbé arbre résorbé bois pourri les héros bois dur le héros

héros furieux héros tué [tutti] musiques rituelle

[tutti] tuant tué

MITO DA CRIAÇÃO DA TERRA

Os irmãos de Assaré, violaram e mataram a própria mãe. [MORTE]

Mas é em decorrência disso que surgem as estrelas. [RESSUREIÇÃO]

19

http://pilgrimagetoparnassus.blogspot.com/2006/04/full-text-of-berios-sinfonia.html

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2.3.9 Peter Eötvös

Na análise de Shadows (1995-6) de Peter Eötvös, Ledoux revela todo o trabalho de escritura da

espacialização, bem como as representações e referências ao título (Sombras) na formação

instrumental, na disposição em cena, assim como na dinâmica do dispositivo de amplificação ao

vivo.

Figura 34 - Peter Eötvös. © Istvan Huszti

Peter Eötvös é um compositor e regente húngaro que se situa na linhagem de Bartók, mas

também de Kurtág e Ligeti. Já com 15 anos ganhava a vida como pianista em projeção de filmes

nos cinemas e logo cedo percebeu o impacto da narrativa na musica. Era apaixonado por jazz,

musica que na Hungria era considerada como subversiva, assim como a música contemporânea

ocidental (Ligeti ouviu o Cântico dos adolescentes de Stochkausen pela primeira vez no rádio em

ondas curtas, mesmo tempo em que os russos entravam em Budapeste).

Eötvös igualmente ouvia jazz através de ondas curtas, com todo o ruído próprio da transmissão,

ao qual acabou se acostumando e assimilando com naturalidade. Descobriu e ouviu muito Miles

Davis por ondas curtas mas ao ouvi-lo no ocidente em condições normais achou falta do ruído e

se perguntava: onde está a outra parte da música? Na sua escuta os ruídos faziam parte da

musica. Segundo Umberto Eco, o ruído é algo que pode mudar a mensagem. Se o suporte da

comunicação tem ruído, e segundo McLuhan o ruído é parte essencial da mensagem, Eötvös

está em consonância com isso ao ouvir Miles Davis. Em lingüística ruído é algo que corrompe a

informação. Mas para Eötvös o ruído é algo capital para a compreensão da mensagem musical.

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Figura 35 - Peter Eötvös with the second generation Electrochord: Yamaha YC-45D, Synthi A, EMS Pitch to voltage generator, Short wave radio and a custom built eight channel voltage controlled filterbank at Conservatoire Darius

Milhaud, Aix-en-Provence, August 3 1977. Photographer Bernard Perrine. Fonte: http://www.synthi.se/synthi/eotvos.html

Num outro aspecto, para Eötvös não há música se não há mito. Assim, no decorrer desta análise

é importante considerar a música à luz dos mitos que percorrem nossos pensamentos.

Essa peça surgiu em momento trágico da vida do compositor, quando seu filho, então com 20

anos, se suicidou. Entendemos, portanto melhor o título da obra: Shadows. Ledoux indagou

Eötvös sobre a relação do titulo com a morte de seu filho, ao que respondeu que após a morte

do filho tinha a sensação shakespeariana de estar vivendo ao lado de uma sombra, uma espécie

de Hamlet invertido.

Eötvös imagina um projeto musical tentando conduzir a sensibilidade dos ouvintes na dinâmica

do momento em que a obra foi criada. Ledoux apresentou uma imagem de um quadro de

Fernand Khnopff, Mon coeur pleure d’autrefois (1889) ilustrando bem alguns dos princípios

empregados na composição. Pode-se indagar: o que é então a sombra? Para responder isso

Ledoux recorreu a diversas situações diferentes. Temos a experiência de ver nossa sombra se

prolongando quando estamos diante do sol. Seria um outro ‘eu’ mas ligado a nós mesmos.

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Há ainda outras maneiras de considerar a noção de

sombra, dentre as quais a que Khnopff pensava

enquanto pintava o quadro Mon coeur pleure

d'autrefois. A sombra é uma prolongação e uma

desmaterialização.

No quadro o reflexo dos arcos na água é uma

espécie de sombra na qual não se sabe bem onde

está o limiar entre o real e o virtual. A partir do

momento em que há uma confrontação entre real e

virtual há também a idéia do espelho. Meu reflexo é

minha própria sombra. Sou eu e algo que está

ausente. Sou eu e não sou eu ao mesmo tempo, algo

quase esquizofrênico. O reflexo ao espelho é

diferente do reflexo do arco na água que se fundem.

No espelho há uma ruptura. Não existe mais uma

prolongação como os arcos na água. No espelho há

um distanciamento. Há um mundo real e um mundo

virtual claramente separados.

Os mitos têm igualmente essa separação entre

mundo real e mundo virtual. Baste lembrar dos

mitos da Grécia antiga. Não há Paraíso nem Inferno

mas o Reino das Sombras onde todos irão após a

morte. Ledoux propõe então que sejam retidos

cinco conceitos:

A sombra como prolongação de nós mesmos;

A sombra como uma ambigüidade entre o real e o virtual;

A sombra na idéia de desmaterialização (no reflexo ou na ausência de luz);

O Reino das Sombras na perspectiva da Grécia Antiga e do mundo mítico

A idéia de sombra das sombras (em alusão ao filme de Woody Allen Sombras e Nevoeiro

(Shadows and Fog) de 1992; uma adaptação de uma peça do próprio Woody Allen

(intitulada Morte) para o cinema, que busca grande parte da sua inspiração no cinema

expressionista alemão onde o cineasta encena sobras de modo que até mesmo as

sombras tem sua própria sombra)

Na partitura de Eötvös há duas citações:

Uma do filósofo francês Michel Serres (1930), excerto de um texto sobre o pintor

Carpaccio:

« On n’en vient jamais à la fin à propos de l’espace. On ne parle que de

lui e avec lui. On ne le quitte jamais. Où doit-on aller, je vous le

demande ? Le temps, c’est l’énergie qui modèle l’espace; au gré de ses

voyages et de ses transformations. »

Figura 36 - Mon coeur pleure d'autrefois (Fernand Khnopff)

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Outra do próprio compositor, no terceiro movimento :

« A mon fils au royaume des morts. »

Figura 37 - Peter Eötvös. © Istvan Huszti

Shadows é um concerto para flauta, clarinete, grupo instrumental e dispositivo eletroacústico e

amplificação e espacialização.

Pode-se comparar a disposição da orquestra no palco da Música para cordas, percussão e

celesta de Bartok com a de Shadows de Eötvös, e perceberemos que, assim como Bartok, Eötvös

adota as duas cordas nos cantos, celesta, caixa e pratos no centro e os instrumentos de pele o

mais longe possível ao fundo do palco. Flauta e clarinete à frente, metais diante do clarinete e

de costas para o publico e as madeiras de frente para a flauta.

A relação entre madeiras e flauta, e entre metais e clarinete, cria um efeito de sombra, pois

estando de costas para público são sombras dos solistas. As madeiras vão amplificar as figuras

tocadas pela flauta e os metais as do clarinete, trabalhando com a idéia de distanciamento. Se a

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flauta toca e as madeiras (de costas para o público) tocam simultaneamente não sabemos ao

certo onde está um e onde está outro. Há uma ambigüidade e um distanciamento espacial,

como uma sombra que prolonga nosso corpo ou a sobra dos arcos da ponte do quadro de

Khnopff.

Os tímpanos e peles ao fundo do palco retomam figuras dos pratos e da caixa dispostos ao

centro do palco criando um efeito de sombra e distanciamento.

O tempo de reação entre os músicos nessa disposição é que vai definir o espaço.

Há ainda a idéia da sombra enquanto desmaterialização, como a idéia do espelho onde se pode

definir claramente onde está o mundo real e o mundo virtual.

Há microfones captando o som da caixa, dos pratos e da celesta ao centro do palco. Eötvös pede

que caixa-clara e pratos toquem com dinâmica pianissíssimo (pp, ppp, pppp) e sejam

amplificados nas caixas acústicas ao redor da platéia, de forma que o público não ouça o som

que é produzido no palco, mas unicamente o som que é projetado pelo dispositivo de

amplificação. Percebe-se por seus gestos que os músicos tocam no palco, mas os sons não vêm

do palco e sim das caixas ao redor do público. Surge então a idéia de desmaterialização na

estrutura da obra. Os solistas, flauta e clarinete, são igualmente captados por microfones para

amplificação. Na medida em que os solistas tocam pianíssimo devem se aproximar do microfone

sendo o som amplificado nas caixas acústicas atrás da audiência, ocorrendo a mesma

perturbação acústica que com a caixa-clara e os pratos: a platéia vê os músicos tocarem, mas o

som não vem deles, e sim de caixas acústicas. Isso de forma que ao tocar pianíssimo o som vem

detrás, ao tocar piano a impressão acústica é de que o som vem do meio da platéia, e quanto

mais forte tocarem, vão se distanciar dos microfones e quando tocarem fortíssimo não serão

mais amplificados e serão ouvidos somente do palco, do lugar onde de fato estão.

Ledoux citou o sociólogo e pensador francês Edgar Moran, em reflexão sobre os mitos:

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“O homem começou a se tornar humano a partir do momento em que começou

a enterrar seus mortos”, pois enterrar os mortos é tornar presente na memória

dos vivos alguém que está ausente. Um túmulo se define no espaço e torna

presente uma ausência no tempo. 20

Portanto, segundo Moran, pode-se representar a ausência com uma forma de presença sendo o

que ocorre na realização desta obra Eötvös onde há intérpretes presentes no local,

manifestando sons que estão ausentes deles, pois se propagam na platéia, desmaterializados.

Em relação à Música para cordas, percussão e celesta de Bartók observa-se em Shadows de

Eötvös a mesma estrutura de andamentos, sendo a colcheia a 132 equivalente (2:1) à semínima

a 66 no 1º movimento, a colcheia a 160 equivalente (2:1) à semínima a 80 no 2º movimento e a

unidade de tempo do 3º movimento (1:1) a 42.

Ledoux analisou detalhadamente cada um dos movimentos de Shadows.

2.3.10 György Ligeti

Ledoux falou sobre os questionamentos de Ligeti a respeito da técnica, como se situar diante

dela e de noções de tempo, como já visto em Varèse. Foram analisadas três fontes de estudos e

inspirações do compositor: Ars Mensurabilis, Chopin e música dos pigmeus da África Central.

2.3.10.1 Frédéric Chopin

Imaginamos Chopin como grande sentimentalista, mas sua obra não teria tanta qualidade se

não tivesse refletido sobre diversas questões musicais como a qualidade sonora e todo aspecto

melódico, o que é fundamental em sua escrita. Em relação ao tempo musical Chopin também

inovou. Ligeti cita em vários de seus artigos a 4a Balada de Chopin, onde ocorre uma

20

Nota-se uma relação com a citação de Michel Serres.

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sobreposição de camadas rítmicas, algumas não tendo mais relação com o compasso original de

6/8. Sobre uma pulsação Chopin cria outra pulsação e dentro dela privilegia algumas durações

reunidas.

Figura 38 - Excerto da Ballade No 4 de Chopin (p. 9)

2.3.10.2 Ars Mensurabilis e Ars Subtilior (séc. XIV)

Foi na Idade Média, período que interessou muito a Ligeti, quando se desenvolveu a noção de

escritura musical, o que é muito importante, pois relaciona a música à noção do saber e

consequentemente à de poder: quem tem o saber tem dominação sobre os demais. No que se

refere à música, o saber está nas instituições religiosas, pois a sociedade ocidental na Idade

Média era essencialmente teocrata. O pensamento religioso correspondia à maneira como as

pessoas organizavam suas vidas. Nessa época surgiu a necessidade de codificar a música.

Inventaram uma notação para as alturas, mas a partir do séc. XII se deram conta das

dificuldades de interpretação de músicas com escrita polifônica. A partir disso imaginou-se uma

arte do canto medido (Ars Cantus Mensurabilis) com um sistema de notação de durações e

ritmos21.

21

Depuis l'époque des neumes jusqu'à l'école de Notre-Dame, la notation musicale était restée imprécise. C'est aux disciples de Pérotin qu'il faut attribuer les premières réformes qui furent à l'origine de la notation dite proportionnelle (nota mensurabilis). Les musiciens de l'école de Notre-Dame furent en effet les premiers à utiliser les ligatures, artifices graphiques destinés à définir le rythme selon l'accentuation brève-longue (ou vice versa). Il ne s'agissait encore que de la découverte d'un principe qui en se perfectionnant au cours du XIII

e siècle allait mettre à la disposition des compositeurs un système cohérent

et efficace. (Universalis : Ars Nova)

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A religião cristã dominava toda a Europa e a teocracia em suma era um mundo de ordem

simbólica cujo pensamento estruturava-se em três partes: Deus; seu representante na terra,

Jesus; e um intermediário, o Espírito Santo. Na época os sinos das igrejas organizavam a vida

das pessoas: hora de despertar, hora de rezar, hora de trabalhar. A vida se organizava em três

partes, era o reflexo do modelo do pensamento. As pessoas poderiam se perguntar se além

disso não haveria outra coisa. Pensando na dança e sabendo que o ser humano é um ser binário,

pois tem um pé direito e um pé esquerdo, uma mão direita e uma mão esquerda, o binário era,

portanto, a expressão do que havia de mais humano e real possível. Ao final do séc. XIII e início

do séc. XIV nas cidades, ao lado das torres com sinos das igrejas, se ergueram, em oposição,

torres com relógios, uma invenção capital na história da humanidade ocidental, pois permitia

pensarmos no tempo fora do tempo e do pensamento religioso. A invenção do relógio permitiu

ao ser humano ter o domínio de seu próprio tempo. Chegamos nesse momento à revolução da

Ars Mensurabilis. Até então o tempo musical era um tempo baseado em divisões ternárias. Com

o advento do relógio, torna-se possível integrar ao tempo musical o tempo binário.

A idéia do tempo na Idade Média estava baseada na existência de uma unidade, Deus, para o

que se criava um valor absoluto, representado por um círculo, pois não tendo inicio, nem fim

representava o infinito. O zero é o infinito e o vazio também. Portanto, o círculo é um valor

perfeito.

Para integrar isso na música era preciso um enquadramento como, por exemplo, o valor

perfeito correspondendo a seis batidas do coração. O tempo musical seria definido por uma

idéia de divisão. Esta poderia ser perfeita, dividindo o tempo em três partes: Deus, o Filho e o

Espírito Santo.

E ainda, que esta subdivisão seja mais uma vez dividida em três partes.

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Para representar uma subdivisão perfeita da subdivisão perfeita (prolação22 23 maior /perfeita)

usa-se o símbolo do infinito, o círculo, com um ponto ao centro.

Mas é possível fazer uma divisão perfeita do tempo e colocar o homem em relação com

Deus, através de uma subdivisão binária (prolação menor/imperfeita).

Isso se representa por pois há o envolvimento do homem, portanto, uma dimensão finita

(o segmento de reta vertical) sobre o infinito (o círculo).

22 Figura: Roger BLANCHARD

23

Procédé « solfégique » de la notation proportionnelle en usage aux XIVe et XVe siècles, permettant de diviser une valeur tantôt en 2, tantôt en 3. D'abord terme général, le mot s'est progressivement limité à la division de la semi-brève (graphie de notre ronde actuelle) en minimes (graphie de notre blanche actuelle) : selon une convention fixée par le signe de « mesure » précédemment apposé, la semi-brève se divisait tantôt en 2 minimes (prolation mineure), tantôt en 3 (prolation majeure). La prolation constituait le troisième échelon de la progression mode (longues en brèves), temps (brèves en semi-brèves), prolation enfin (semi-brèves en minimes). L'expression n'est plus employée aujourd'hui, mais la prolation mineure n'en a pas moins été conservée, tandis que la prolation majeure s'est vue remplacer selon les cas soit par le système des triolets, soit par la division ternaire des mesures composées. http://www.larousse.fr/ref/musdico/prolation_169701.htm

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Diante das duas possibilidades, os compositores vão poder passar de uma a outra, por exemplo

encadeando trechos musicais com subdivisões alternadas, como se encontra em Guillaume de

Machaut:

| | | | |...

Na notação atual isso corresponderia a:

|𝟗𝟗

| |𝟔𝟔 |𝟗

𝟗 |...

Temos também um tempo do homem que seria um tempo imperfeito Tempus imperfectum,que

não será um tempo infinito, mas um tempo finito (uma porção de Deus, com um inicio e um

fim), representado por

O tempo imperfeito subdivido em duas partes representa, finalmente, o homem.

Mas o homem pode pensar em Deus e, portanto, pode-se dividir a condição do homem em três.

E esse tempo imperfeito pode ter uma prolação maior (o homem olhando para Deus).

Na nossa notação musical, que não é muito compatível com essas divisões, este último

compasso seria também um 6/6, mas um 6/6 derivado na verdade de um 2/2. Enquanto que o

6/6 derivado da subdivisão menor do tempo perfeito é, na verdade, derivado de um 3/3,

como o um 9/9 também derivado de um 3/3.

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E existe um último tempo, que é o homem olhando para si mesmo. Um tempo imperfeito com

duas subdivisões em dois (prolação menor).

Esse é o nosso 2/2 também conhecido como 4/4.

No Gloria de Guillaume de Machaut as fórmulas de compasso se modificam em função das

referências que vão aparecendo no texto cantado. Quando o texto fala de Deus temos ,

quando fala do Filho, , e da Virgem Maria,

Em 1380 surge a Ars Subtilior. Gregório XI, sexto de uma linhagem de papas franceses sediados

em Avignon, regressou a Roma em 1377, onde morreu no ano seguinte. Na eleição do seu

sucessor, a população de Roma exigiu a escolha de um italiano e o regresso definitivo do papado

à Roma. O rei Charles V da França não reconhece o Papa eleito Urban VI e elege um papa

francês para permanecer em Avignon. É o inicio da Grande Cisma do Ocidente, crise que durou

de 1378 a 1417. O Papa no poder em Roma se opunha ao de Avignon. Diante dessa nova

situação política surgiu a necessidade de uma nova Arte reforçando essa oposição política.

Cultivando uma nova proposta ideológica refletida na linguagem musical procuraram, com

incentivo do poder da igreja na França, minimizar o impacto dos valores tradicionais. Assim,

buscou-se em Avignon uma oposição ao tempo musical conforme a concepção religiosa

tradicional romana. Uma forma de chegar a esse objetivo foi atingir a sensação do divino

absoluto, o que suscitou na polifonia musical colocar o tempo do homem (imperfeito) lado a

lado com tempo perfeito, segundo a concepção tradicional religiosa, conforme as práticas

colocadas em vigor durante a Ars Nova.

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Assim, a Ars Subtilior inventou uma extraordinária polifonia de temporalidades. Houve

narrações temporais em polifonias a quatro vozes, nas quais cada melodia tinha seu próprio

andamento.

1ª voz

2ª voz

3ª voz

4ª voz

Inclusive com possibilidade de mudanças como fez Guillaume de Machaut:

1ª voz

2ª voz

3ª voz

4ª voz

Ledoux reproduziu um exemplo musical da corte de Avignon com essas formulações de tempo.

Dessa época temos autores como Solage e Senleches e, para pesquisa de partituras na BN, da

França, recomendou acessar ao CODEX CHANTILLY.

Ledoux passou um exemplo de Solage, peça intitulada Fumée (Fumaça), esclarecendo que na

época se refletia muito sobre os modos. O si na época era representado pela letra B, mas

conforme o modo em que estávamos esse B era ‘amolecido’ que mais tarde de tornou um

bemol ( ) sendo que bemol significa literalmente um B mole. Ao mesmo tempo podia-se ter um

B que fosse um pouco mais rígido, mais ‘carré’ (quadrado) numa expressão francesa, o que

gerou o B carré (B quadrado) ( ) hoje bequadro.

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Mostrou ainda como a indicação da altura de referência ao inicio da partitura deu origem à

claves: C à clave de do, F à clave de fá e G à clave de sol.

Ligeti se interessou pela divisão de tempo e a sobreposição de temporalidades praticada na Ars

Subtilior.

2.3.11 Pigmeus e Análise Paradigmática

Além de estudar as técnicas de Chopin e a Ars Subtilior, em 1980 Ligeti se interessou pela

temporalidade existente na música dos pigmeus, estudada por um etnomusicólogo em sua tese

de doutorado defendida na década de 1970.

Ligeti viu em Chopin o trabalho sobre a defasagem no interior do material musical e temporal.

Na Ars Subtilior existe um tempo de referência, sendo possível criar sobreposições temporais

diferentes. Os pigmeus mostraram a Ligeti outro modo de pensar a musica.

Na cultura dos pigmeus não se concebe uma unidade que domine o universo, mas eles

encontram um sentido importante na relação com a terra, envolvendo o movimento.

A música dos pigmeus se organiza ao redor de pulsações vitais, que podem ser percebidas ou

não.

| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

Figura 39 - Ilustração da pulsação na música dos pigmeus.

Os pigmeus não imaginam métricas ou subdivisões da como na Ars Subtilior e em nossa cultura,

mas é uma música cíclica e repetitiva, trabalhando com patterns.

No ocidente definimos padrões de tamanhos iguais:

| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

Figura 40 - Ilustração de padrão (pattern) uniforme.

Mas os pigmeus definem padrões de tamanhos diferentes:

| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

Figura 41 - Ilustração de padrões de tamanhos diferentes.

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Os padrões na musica dos pigmeus não funcionam por divisão, mas sim por adição.

Dentro de cada padrão se inscreve um ritmo.

Por exemplo, no de 6 pulsações:

e no de 4 pulsações:

Figura 42 – Ritmos inscritos nos padrões de 6 e 4 tempos.

Foi nesse principio musical que Ligeti desenvolveu seu Concerto para piano.

Há uma formação instrumental que muito interessou Ligeti, a de trompas africanas, reunindo de

10 a 20 instrumentistas tocando trompas de tamanhos pequenos até maiores. Lembram um

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pouco as trompas tibetanas. Cada instrumento toca uma única nota e repete um pattern. Ouve-

se então uma polifonia bastante complexa, pois ela provém da sobreposição de todas as figuras

rítmicas.

Na África subsaariana são encontradas freqüentemente trompas. Ledoux reproduziu um registro

sonoro de trompas do Sudão24.

Em seguida duas versões de um trecho de música para um rito de passagem (améya) seguindo o

mesmo princípio estrutural.

O lado encantador dessa música está justamente em ser repetitiva e permitir que através da

escuta se entre no interior da matéria musical ouvindo figuras complementares. Através das

variações podem-se observar as possibilidades de transformação das figuras.

O que estamos vendo neste momento, na ótica de observação dos etnomusicólogos, pode ser

considerado como um Modelo Descritivo, permitindo uma comparação com outras

interpretações buscando saber quais são as variáveis, bem como o que é invariável.

No material de apoio didático havia também uma peça para xilofones acompanhada de uma

Análise Paradigmática na qual há uma comparação de todas as variações de uma célula inicial.

Portanto trata-se de uma maneira de estudar o processo de transformação de variações

24

Este exemplo mostra também como o jazz vem de fato da música africana.

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colocando-as alinhadas e em seqüência cronológica, marcando somente as alterações que

surgem. Quando a figura permanece a mesma, representa-se por < “ > (aspas).

Figura 43 – À esquerda: partitura para dois xilofones com indicações das variações (1, 2, 3...) à mão direita do 1º xilofone; À direita: alinhamento (na ordem de aparecimento do 2º xilofone

25 2, 3, 4...) e comparação termo a termo

de cada variação, onde somente são destacados os elementos que mudam entre uma variação e outra (Análise Paradigmática).

Ligeti se propôs em suas composições a partir da década de 1980 a fazer uma grande síntese

entre os três modelos de pensamento musical expostos:

as divisões e a polifonia de temporalidades da Idade Média;

as defasagens no interior da matéria musical, como em Chopin;

e, dos pigmeus, a criação de diferentes métricas a partir de uma pulsação inicial de base.

tendo utilizado todos em seu Estudo nº 6 (Outono em Varsóvia)

Em outras bases teóricas Colon Nancarrow26 fez um trabalho similar, trabalhando

essencialmente a partir de proporções, mas chegando a um resultado bastante similar ao de

Ligeti, ou seja, a sensação de criar sobreposições de andamento, sobre a qual integrou a

sobreposição de patterns. Em Nancarrow não se encontram as defasagens como observadas em

Chopin. Ledoux recomendou a escuta dos extraordinários Studies de Colon Nancarrow.

25

Observe que o 2º xilofone (mão direita) entra na 2ª variação, portanto a primeira variação a aparecer à direita é a de número 2. 26

(1912 – 1997) compositor nascido nos EUA mas que viveu e trabalhou a maior parte de sua vida no México (Nat. 1955)

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2.3.12 Análise do Estudo nº 6 de Ligeti (Outono em Varsóvia)

Quando compôs esse estudo, Ligeti estava muito sensível à ditadura e à ideologia dominante,

sobretudo na Polônia, período em que era primeiro-ministro Wojciech Jaruzelski27 (1981-1985),

e desejou representar em música a angústia pela qual estavam passando seus amigos

poloneses.

Figura 44 - György Ligeti. Foto: Guy Vivien. Fonte: http://home.swipnet.se/sonoloco11/rabe/interview1.html

Outono em Varsóvia : Além de ser o nome de um festival de musica contemporânea realizado na

Polônia, significa também um momento obscuro na vida de um país.

Ligeti era bastante neurótico e segundo Ledoux isso pode ser sentido em toda a sua musica, na

maneira de construir mecânicas gerando um sentimento de ansiedade.

Assim como em todos seus Estudos e no Concerto para piano, observa-se em Ligeti uma

obsessão pela pequena pulsação, justificada por seu fascínio por sistemas mecânicos. Ligeti

contava que, quando pequeno, ia à casa de uma amiga de sua mãe, viúva de um construtor de

relógios. No sótão havia dezenas de relógios que a senhora sempre colocava para funcionar.

Ligeti adorava passar horas a ouvi-los soando juntos.28 Entende-se de onde vem sua adoração

por mecanismos. Isso é uma prova de que experiências de vida podem ser úteis para um

compositor criar novas músicas.

Nesse Estudo nº6 o ostinato temporal (quatro semicolcheias) é a base sobre a qual Ligeti

construiu modelos inspirados nos modelos de pensamento musical de Chopin, Ars Subtilior e da

música dos pigmeus, acima expostos.

27

Jaruzelski utilizou o estado de exceção (lei marcial) para reprimir o sindicato Solidariedade (Solidarnośd) em dezembro de 1981 e requisitou a prisão dos líderes do movimento, incluindo Lech Wałęsa. 28

O Poema Sinfônico do Ligeti é um bom exemplo da dessa cena e de seu fascínio por mecanismos.

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Foi ouvida a interpretação do Estudo nº6 por Pierre-Laurent Aimard.

Ledoux observou que no compasso 85 (p. 34, 1º compasso) encontra-se um bom exemplo da

maneira de pensar as defasagens a partir de Chopin. A parte superior da mão direita é própria

ao estilo de Chopin. Observando de forma mais detalhada, temos a semicolcheia como a

pulsação de base e a melodia superior contendo notas com duração de 5 semicolcheias. Ao final

do primeiro sistema, as 5 semi-colcheias se tornam 2+3 e depois 3.

Observando a parte da mão esquerda percebemos que estamos diante de uma polifonia. A linha

superior da mão esquerda evolui com durações de 4 semicolcheias, enquanto que a parte

inferior, com 7 semicolcheias. Isso cria melodias evoluindo a velocidades diferentes, na verdade,

melodias com andamentos diferentes. É possível calcular exatamente quais são esses

andamentos. Considerando o andamento geral da peça, a semínima a 144 (= 144), os

andamentos resultam em:

Mão direita (linha superior) (= 115)

Mão esquerda (linha superior) (= 144)

Mão esquerda (linha inferior) (= 82)

O cálculo baseia-se no produto do andamento do tempo de referência ATref pela razão da

duração do tempo geral pela duração da pulsação própria a cada linha.

Considerando como referencia ao andamento geral a semínima, temos como durações:

Durações das pulsações

semibreve 4,00

mínima 2,00

semínima 1,00

colcheia 0,50

colcheia de tercina 0,33

semicolcheia 0,25

semicolcheia de sextina 0,17

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A linha superior da mão direita tem pulsações com duração equivalente a 5 semicolcheias,

portanto razão de 1,25 em relação à semínima de referência, correspondendo a um andamento

AMDS 29de 115 BPM30.

𝐴𝑀𝐷𝑆 = 𝐴𝑇𝑟𝑒𝑓𝑑𝑢𝑟𝑎çã𝑜𝑟𝑒𝑓

𝑑𝑢𝑟𝑎çã𝑜𝑀𝐷𝑠= 144

1,00

1,25= 115𝐵𝑃𝑀

A linha superior da mão esquerda tem andamento igual ao andamento geral, AMES = 144 BPM.

A linha inferior da mão esquerda tem uma pulsação de 7 semicolcheias, portanto 7 x 0,25 = 1,75

em relação ao pulso do andamento geral, correspondendo assim a um andamento AMEI = 82

BPM

Unidade de duração ref. BPM ref.

Andamento de referência 1,00 144 BPM

Andamentos Período da pulsação BPM

Mão direita linha sup. 1,25 115 BPM

Mão esquerda linha sup. 1,00 144 BPM

Mão esquerda linha inf. 1,75 82 BPM

O artifício de escrita adotado por Ligeti tem como base uma pulsação de referência, assim como

a música dos pigmeus. Através da manipulação de pequenas pulsações, como nas defasagens

observadas em Chopin, Ligeti consegue chegar a um resultado próximo à polifonia de

andamentos da Ars Subtilior.

Figura 45 – Ligeti e os metrônomos do Poema sinfônico. Fonte: http://www.schubertiademusic.com/search.php?query=symphonique

Ledoux seguiu analisando outros aspectos do Estudo nº6 de Ligeti considerando as dinâmicas,

tempo liso, tempo estriado, agógica e estrutura das alturas.

29

AMDS : Andamento da linha Superior da Mão Direita 30

BPM : batidas por minuto

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59

2.3.13 Morton Feldman

Antes de abordar Feldman Ledoux forneceu algumas referências pertinentes em filosofia.

Primeiramente Aristóteles, para quem o tempo está ligado ao movimento. Percebe-se o tempo

porque há movimento, há uma ação. Outras concepções são mais idealistas, como em Kant,

onde há movimento porque há consciência no ser humano, que existe, que vive e está em ação.

E há Newton, para quem o tempo não necessita do ser humano para existir, contrariamente a

Kant onde a consciência é imprescindível, portanto a existência de alguém. Segundo Newton, o

tempo existe por si mesmo, não tem passado, nem futuro, só há o presente. A consciência nem

tem como se situar, pois a partir do momento em que se percebe algo, o tempo dessa

ocorrência já passou tornando-se passado. Tange-se, portanto, a percepção. Mas essa

percepção é falsa. Têm-se a impressão de estar percebendo as coisas no tempo porque existem

as noções de passado e futuro. Mas o presente permanece inatingível. Por mais que se tente

apreendê-lo com a consciência, ao tomá-lo ele sempre já se transformou em passado.

Os compositores se interessam muito pela idéia de ‘passado’, pois implica na existência de uma

memória. E através dessa memória pode-se imaginar o futuro. Isso faz parte da psicologia

humana. A memória e a tomada de consciência do presente permite antecipar o futuro. O

compositor ocidental típico trabalha essencialmente no jogo entre passado, memória, futuro e

suas relações com o presente da ação musical.

Por outro lado, segundo Newton, o universo não tem memória. Portanto não tem futuro. O

universo vive em fatias de presente reatualizadas.

| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

O presente é tão importante que é impossível ter nele a intervenção da psicologia, ou da

previsibilidade, pois o tempo se ocupa unicamente do momento de sua existência. Mas esse

presente, impossível de ser apreendido pela consciência, é inatingível.

Morton Feldman não conhecia Newton, nem Kant. Aristóteles sim. O problema dos

compositores é que finalmente o que eles acreditam ser o tempo, não passa de sintomas do

tempo. Feldman gravitou ao redor de John Cage tendo sido igualmente influenciado por

filosofias Zen, nas quais uma das coisas importantes é viver o presente, sem se preocupar com a

memória, nem com o futuro. É preciso que no momento vivido se deixe emergir o presente. Isso

corresponde à pratica de meditação, na qual deve-se deixar o presente se instalar no interior de

si. Esse pensamento sensibiliza e influencia Feldman, então desinteressado pelo aleatório como

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proposto por Cage no qual o compositor deve se ausentar da obra e somente selecionar os

objetos31 que a integram. Mas o projeto de fato de Cage é que o ouvinte seja o criador de seu

próprio projeto de escuta. Feldman não se inscreve nessa idéia.

Figura 46 - Morton Feldman. Fonte: http://savetherobot.wordpress.com/2008/03/02/its-all-about-the-beat/

Trabalhando em seu projeto, Feldman se pergunta: - Há um tipo de música onde se possa criar

uma espécie de presente em permanência? Ou seja, um presente no qual ocorra uma

reatualização do tempo presente conforme imaginava Newton? Um presente que impeça a

memória e a projeção do futuro de se produzirem?

Por outro lado, Feldman, assim como Cage(*), gravitou em torno das artes plásticas, com

especial interesse pela escola expressionista.

(*) Segundo Ledoux, Cage foi inicialmente à Europa, não como

compositor, mas por interesse pelas artes plásticas e arquitetura. Visitou

a Bauhaus32 e outros locais destacados. Porém, antes de partir, esteve

com Henry Cowell33 que lhe recomendou vivamente que encontrasse na

Europa um jovem compositor chamado Pierre Boulez, e isso acabou

redirecionando seus interesses.

31

todos os objetos são possíveis para uma obra. 32

Staatliches Bauhaus (literalmente, casa estatal de construção, mais conhecida simplesmente por Bauhaus). Escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha, sendo uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo no design e na arquitetura, sendo uma das primeiras escolas de design do mundo. 33

Henry Cowell (March 11, 1897 – December 10, 1965) American composer, music theorist, pianist, teacher, publisher, and impresario.

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Exemplificando pintores do expressionismo que influenciaram Feldman, Ledoux distribuiu

material reproduzindo telas de duas orientações da linha expressionista norte-americana:

Colour Field paintings34, pintores que trabalham com campos de cores, como Mark

Rothko35

Gestural paintings / Gestural abstraction / Action Painting36, pintores que através de

gestos projetam sobre a tela a tinta que escorre de um recipiente perfurado ou um

pincel encharcado (Dripping Art), como Jackson Pollock.

Figura 47 - Untitled (Seagram Mural), Mark Rothko, c. 1958.

Figura 48 - Autumn Rhythm No. 30, Jackson Pollock, 1950. Pollock revealed the life of a painting through “actions,” a technique of dripping and pouring paint on a canvas that is placed directly on the floor.

34

Color Field painting is a style of abstract painting that emerged in New York City during the 1940s and 1950s. Inspired by European modernism and closely related to Abstract Expressionism with many of its important early proponents being among the pioneering Abstract Expressionists. Color Field painting is characterized primarily by large fields of flat, solid color, spread across or stained into the canvas; creating areas of unbroken surface and a flat picture plane. With less emphasis placed on gesture, brushstrokes and action and more emphasis placed on overall consistency of form and process. 35

Morton Feldman composed "Rothko Chapel” as a tribute to his friend, the American painter, Mark Rothko. In 1971, at the request of the Menil Foundation of Houston, Texas, Rothko created an environment in which his 14 monumental paintings played a central role. These paintings act as objects on which all visitors to the Chapel, religious or non-religious could use for meditation. 36

Action painting, sometimes called "gestural abstraction", is a style of painting in which paint is spontaneously dribbled, splashed or smeared onto the canvas, rather than being carefully applied. The resulting work often emphasizes the physical act of painting itself as an essential aspect of the finished work or concern of its artist.

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Figura 49 - Philip Guston : To B.W.T.—another artist, Bradley Walker Tomlin.

Figura 50 - Franz Kline : Untitled (1957)

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Figura 51 - Mark Rothko : "Untitled’’ 1969

Figura 52 - Barnett Newmann : Vir heroicus sublimis- 1950/1951

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Figura 53 - Willem de Kooning : Excavation (1950)

Rothko trabalha com campos de cores e Pollock faz telas onde o gesto integra a pintura: o

artista evolui em gestos (quase uma ‘dança’) enquanto a tinta se projeta sobre a tela ao chão.

Figura 54 - Action Painting: Jackson Pollock

As idéias desses pintores ressoam com princípios da filosofia Zen. Quando japoneses e chineses

pintam uma árvore, não pintam literalmente a árvore, mas a energia dela. O espaço da tela, na

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verdade não é um espaço finito, mas uma porção de todo o espaço, infinito, através do qual se

irradia a energia emergindo da pintura.

Pollock coloca a tela no chão, evolui por cima dela e quando termina há tanta pintura fora

quanto dentro da tela, esta nada mais que uma pequena porção do universo.

Figura 55 – Muitas telas de Jackson Pollock tem rastros de gestos que ultrapassam as dimensões da tela. O espaço da tela é uma superfície delimitada inscrita no espaço real infinito.

Feldman considera finalmente na partitura, um sonoro que é uma porção do tempo. Se para

Newton, o tempo era uma sequência de inúmeros presentes reatualizados, uma obra de

Feldman não é mais do que algumas poucas dessas fatias de tempo. Sem dúvida é uma proposta

utópica. Mas o que Feldman fez em seu projeto de compositor? Feldman encontrou técnicas

musicais tentando anular a memória e em conseqüência disso anular a previsibilidade. Refletiu

ainda sobre a história da música. A evolução da música está em relação com a evolução do

pensamento melódico-rítmico. O fenômeno melódico-rítmico é a base dos temas e motivos, tal

qual na escrita de Boulez. Uma primeira coisa seria então destruir o aspecto melódico-rítmico.

Sendo o ritmo importante, Feldman propõe substituí-lo pela noção de duração, fazendo os

ouvintes escutarem mais durações do que ritmos, usando para isso ao máximo os silêncios.

Escrevendo trechos musicais com previsibilidade minimizada, os ouvintes não conseguem

resumir o que se passou, nem prever o que vai acontecer. Não sabem quanto o som que estão

escutando vai durar, nem quando um silencio vai terminar. Durante o silencio, não têm idéia de

quando chegará o som. Durante o som, não sabem dizer se o silêncio está para chegar ou se vai

tardar. Não há memória, nem futuro. A escuta e a atenção estão, assim, fixadas no presente.

Resumidamente, de forma extremista, esse é o projeto de Feldman. De fato, três minutos de

silêncio faz com que os ouvintes percebam a existência de uma duração, a do silêncio. Vivem o

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silêncio e vivem também o tempo durante o qual existe o silêncio. Há aí a sensação do

escoamento do tempo que passa, que flui.

Ledoux reproduziu um registro sonoro da obra Projection 1 de Feldman, composta em 1950,

para violoncelo solo, cuja partitura encontrava-se no material distribuído.

Figura 56 - Partitura de Projection 1 de Morton Feldman.

Terminada a audição, realizada inicialmente sem ler a partitura, constatou-se como durante a

escuta houve dificuldade em prever qualquer evento sonoro. Esse é, portanto, um verdadeiro

projeto musical de Feldman, não considerando se a música é bela ou não, mas mobilizando

técnicas através das quais a música que resulta faz com que os ouvintes estejam o mais próximo

possível do presente, na escuta do presente. Sentirem a energia do presente, assim como se

percebe a energia nos traços de uma pintura japonesa representando uma árvore, ou mesmo a

energia que emana dos rastros dos gestos de Pollock.

Na partitura, cada grande quadrado é uma unidade de tempo cuja duração o intérprete decide

qual é (1, 2, 3... , 5... , 12 segundos ou mais). Os pequenos quadrados são eventos sonoros

situados dentro do quadrado maior em três posições: abaixo (grave), ao centro (médio) e acima

(agudo). Cada um dos três níveis em que se alinham os quadrados determina uma sonoridade:

abaixo (execução com arco), ao centro (pizzicato) e acima (harmônico).

Nattiez diz que quando se encontra algo caótico o cérebro

humano tenta achar um modo de percepção de modo a

identificar uma coerência no caos. A melhor maneira de ouvir

essa música seria criando um vazio na mente, portanto,

vivendo o presente proposto pelo material sonoro. Uma

música que trabalha na relação de durações entre sons e

silêncios. É uma música que faz as pessoas tomarem

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consciência de que são de fato ouvintes e que podem escutá-la em direções diferentes.

Foi realizada uma segunda escuta, desta vez acompanhando a partitura, após a qual se percebeu

a influência negativa da leitura simultânea, levando os ouvintes a imaginarem unidades de

tempo e pulsações inferidas, fugindo do objetivo de escuta proposto pelo compositor. Feldman

sempre recomendava aos compositores: façam distinção clara entre a partitura e a escritura, e

entre a percepção e a escuta. Não se deixem dominar pela escritura. Imaginem sempre qual é o

resultado e o impacto produzido na percepção da música. Com esta obra, Feldman percebeu a

utopia de sua proposta, mas também enxergou suas qualidades. Ao escutar essa música, surge

algo cageano. Se o ouvinte não pensa na memória, nem na previsibilidade, passa a integrar à

escuta todos os acontecimentos sonoros exteriores.

Ledoux abordou ainda nesta sessão, a obra Piano and orchestra de Feldman, composta em

1975.

2.3.14 Luciano Berio (relação música e texto – Umberto Eco)

O ultimo dia de atividades foi dedicado às relações entre música e texto incluindo problemáticas

da lingüística e das línguas. Na sessão anterior sobre Berio, viu-se como a estrutura de uma

linguagem pode refletir o pensamento de uma cultura. Conhecendo melhor os conceitos e a

dinâmica da lingüística podemos transitar mais facilmente entre a música popular e a música

culta. Ledoux não fez investigações exaustivas sobre o problema das línguas nas músicas

populares e sua integração à música culta, aliás na sua opinião um domínio de pesquisa muito

interessante, mas abordou três obras (duas de Luciano Berio e outra de Kurt Schwitters) através

das quais foi possível tomar consciência de relações entre lingüística e música.

Na análise do primeiro movimento da Sinfonia foi visto como a lingüística e as características e

problemáticas das línguas são importantes para Berio na criação musical. Berio colaborou com

diversos poetas e estudiosos que se dedicaram ao estudo da linguagem, como Umberto Eco.

Figura 57 - Umberto Eco e Luciano Berio. Fontes: http://www.trekearth.com/gallery/Europe/France/photo406813.htm http://radio.musica.uol.com.br/todososcantos/2007/12/07/ult4118u238.jhtm

Nesta sessão foi analisado o segundo movimento da Sinfonia intitulado O King. O que interessa

aqui a Berio, assim como Umberto Eco, é a multiplicidade dos significados: a polissemia. Ledoux

fez referência ao livro O nome da rosa, onde Eco coloca em evidência a dialética entre popular e

erudito (ou culto). O que há nesse romance de Umberto Eco? É possível lê-lo como uma pessoa

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simples, sem muitos conhecimentos e perceber que há uma ação, uma intriga, despertando no

leitor a vontade de viver a experiência do herói. Nesse ponto estamos no nível que para Ledoux

se caracteriza pela sentimentalidade. Nesse nível, são os sentimentos que impulsionam as

pessoas (o leitor), que não dominam seus sentimentos. Isso é muito interessante para os artistas

refletirem se os sentimentos lhe dominam ou se dominam seus sentimentos. A partir do

momento em que os sentimentos são dominados, pode-se levá-los a regiões desconhecidas.

Entra-se então no domínio da sensibilidade. Este é o segundo nível em que está escrito o

romance de Umberto Eco. Além de estar lendo um romance que nos desperta sensações

primárias, o leitor passa a fazer uma reflexão sobre as relações humanas, a política, a história.

De modo que após ter lido o romance se possa concluir que apesar da trama ter se passado na

Idade Média, há coisas semelhantes que acontecem em nossa época, há elos que o leitor cria e

estabelece. Além desses dois níveis, Umberto Eco faz também um romance que pode ser lido

num nível ainda superior, o do conhecimento. Eco explora o conhecimento individualizado de

cada um dos leitores, de modo que se for um teólogo especialista em questões da Idade Média,

há no romance todo um estudo sofisticado sobre a relação de poder entre as diferentes ordens

religiosas. Esses detalhes são coisas que o leitor que permanece no nível da sentimentalidade

não se dá conta, mas o especialista acaba percebendo o contexto e pode até mesmo ser que

aprenda algo novo ou reflita e enxergue coisas novas a partir do que já sabe. Se o leitor é um

músico, ao abordar o romance no nível de conhecimento pode entender como funcionava a

musica na Idade Média, regendo a vida das pessoas. Eco fala de todas as formas musicais que

existiam na Idade Média na Europa. Se o leitor for conhecedor do esoterismo, perceberá que há

relações entre pensamento religioso, cabala e misticismo. Ao escrever esse romance Umberto

Eco pensou em todos esses níveis de significação, ou seja, é uma obra que pode ser lida tanto de

forma simples e elementar como de maneira extremamente sofisticada e culta.

Figura 58 - Martin Luther King e Luciano Berio. Fontes: http://adwebfreak.wordpress.com/2006/11/ http://www.analogartsensemble.net/blog/2008_07_01_analog.html

Luciano Berio também trabalha assim, sendo por essa razão o compositor mais popular do

repertório contemporâneo. Suas obras tocam tanto pessoas que não tem grande cultura musical

quanto aquelas possuindo conhecimentos extremamente sofisticados. Da mesma forma que

Umberto Eco, Berio deixa transparecer um sentimentalismo, o que para ele não foi difícil por

sempre ter gostado muito do repertório operístico, que justamente transpira sentimentalismo.

O próprio Berio disse que se prestarmos bem atenção em suas obras podemos encontrar um

pouco de Verdi em varias passagens. Mas também foi um compositor que conhecia os escritos

de Levi-Strauss, lingüística e dispunha de ferramentas sofisticadas.

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Ledoux recomendou aos que se interessam pela Sinfonia de Berio a leitura de:

David OSMOND-SMITH. Playing on words : a guide to Luciano Berio's Sinfonia. Reino Unido :

Ashgate, dec 1985. 96 p. Disponível para aquisição eletrônica em *.pdf em:

https://www.ashgate.com/default.aspx?page=638&seriestitleID=314&calcTitle=1&forthcoming=1

Ao compor O King para a Sinfonia Berio retomou uma obra homônima, modificou-a e amplificou

o projeto. A escuta da obra foi realizada.

Conforme trabalhando anteriormente, Ledoux perguntou a todos o que observaram com

relação a:

Timbre

Altura

Tempo

Intensidade

Espaço

1. Observações quanto ao timbre:

o Ataque e ressonância

o Ataques de piano

o Vozes femininas

o Instrumentos musicais

Que relação pode haver entre as vozes e os instrumentos?

Na escrita dessa obra a voz é instrumentalizada, ou seja, se porta como um

instrumento. Portanto, vozes e instrumentos estão totalmente integrados. No

que se refere ao timbre, há que se considerar que a voz é o suporte para o

texto.

O que se pode dizer da relação da voz com o texto?

O texto é inaudível. Ouve-se somente alguns fonemas, que acabam intervindo

na qualidade dos timbres produzidos pela voz. Assim, o trabalho sobre os

fonemas é um trabalho de ordem instrumental, sobre a cor dos sons. Por essa

razão pode-se dizer que a voz é tratada como um instrumento.

Quanto aos instrumentos, o que foi percebido deles nesta audição?

Os instrumentos dobram-se uns aos outros bem como as vozes, de modo que

raramente há uma cor pura. Portanto há uma ambigüidade nos timbres. O

instrumento que dobra as entradas do piano é a trompa. Ledoux observou que

quando faz análise através da escuta parte-se de coisas elementares buscando

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entender as relações entre elas e ao mesmo tempo tornando-as mais

complexas.

A idéia de ataque ressonância observada há pouco em relação ao timbre é

também uma idéia de ordem morfológica. Poderíamos ter ataques com timbres

e alturas determinados e ressonâncias com outros distintos, mas na verdade

nesta obra ambos são tratados num mesmo objeto e não separadamente. Berio

fez muitas músicas eletroacústicas e consequentemente integrou à sua escrita

instrumental princípios de manipulação de cores das sonoridades próprios à

pratica de estúdio.

2. Observações quanto às alturas:

Presença da escala de tons inteiros de forma bastante permanente. Logo no

inicio temos: fa-la-si-do#

As notas iniciais são repetidas ciclicamente, como se a música girasse em torno

dela mesma, sem sair do lugar.

O registro principal empregado é o registro médio que corresponde ao das

vozes. Alguns instrumentos vão pontuar ações acima e abaixo desse registro.

Voltamos aqui à idéia de polissemia, como no romance de Umberto Eco. Pode-

se escutar essa música seu desenvolvimento temporal e a melodia que se

desenvolve. Há uma dimensão diatônica para as alturas, portanto não há idéias

harmônicas ou de organização serial, refletindo a vontade do compositor de

manter igualmente uma dimensão popular de escuta. A maioria dos ouvintes

não percebe o que se passa nos registros extremos, grave e agudo,

considerando o que se passa aí faz parte da ambientação da obra. Isso não

causa nenhum problema, pois mesmo dessa forma a música mantém sua

coerência. Porém, quem tem um ouvido mais atento percebe o que está sendo

trabalhado nos registros extremos, atribuindo então uma dimensão mais

complexa à coerência da obra.

Eis, portanto, em música o mesmo contexto de polissemia encontrado no romance de

Umberto Eco.

Se escutarmos somente o registro médio, o da bela melodia, a música funciona. Se

escutarmos tudo o que acontece em todos os registros, a música também funciona. Há

portanto vários níveis de escuta dessa obra de Berio e isso depende somente do grau de

sofisticação da escuta do ouvinte.

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3. Observações quanto ao tempo:

Foi identificada inicialmente a presença de tempo liso (ou seja, à escuta não se

perceberia a presença de pulsação). Porém, existe uma pulsação desde o início,

bastante lenta (cf. entrada das vozes e movimento cíclico). Apesar de uma

ambigüidade no início, pode parecer que os sons estejam soltos pela baixa pulsação,

há figuras que emergem e marcam regularidades no tempo. Berio de certa forma vai

revelando a pulsação na medida em que a música avança. Portanto esta obra está

baseada em um tempo estriado.

Tempo estriado

Ocorre que a pulsação não é a natureza primordial do discurso nessa obra. Quais

seriam os conceitos mais importantes então?

Duração

Ritmo

Organização, mais lenta que os demais acontecimentos

Essa organização é dada pelo piano que marca o inicio dos acontecimentos. Não se

pode verdadeiramente falar de ritmo, porque um ritmo precisaria ser

conceitualizado, ter uma presença suficiente para caracterizá-lo como tal. Neste

caso estamos mais num contexto de durações. A duração é da ordem da sensação

perceptiva. O ritmo por sua vez é da ordem de uma conceitualização e de um

pensamento perceptivo, razão pela qual até agora se fez muitas teorizações sobre o

ritmo e poucas sobre a duração.

Ao ouvir as alturas executadas pelo piano e os ataques dos metais percebe-se que a

célula inicial fa-la-si-do# é repetida ciclicamente, mas o acento de ataque a cada vez

se desloca de uma nota:

piano piano piano piano

> > > >

o fa-la-si-do#- fa-la-si-do#- fa-la-si-do#- fa-la-si-do# - fa-la-si-do#...

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O ciclo de acentos dado pelo piano segue a mesma estrutura das vozes, ou seja, a

mesma sequência da célula original:

piano

> > > > > > >

o fa-la-si-do#-fa-la-si...

Portanto, nesta peça um dos elementos importantes em relação ao tempo é :

Duração

Outro elemento também importante é:

Agógica

Pode-se fazer um estudo agógico da peça. A agógica entra quando não se pode definir

um andamento cronometrado, mas quando sentimos uma densidade de

acontecimentos no tempo.

Esta peça tem uma estrutura simples. Segundo David Osmond-Smith (1985)37 temos

uma espécie de cantus firmus que é repetido cinco vezes:

O piano e trompa vão executar esse cantus firmus.

Mais alguns instrumentos intervirão em algumas dessas alturas, nas quais observamos

segmentos de escalas de tons inteiros:

37

David OSMOND-SMITH. Playing on words : a guide to Luciano Berio's Sinfonia. Reino Unido : Ashgate, dec 1985. 96 p.

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(1) fa-la-si-do#-la (2) lab-sib-re (3) do#-si-re (4) fa-la-si-do# (5) sol#-re-sib-lab-sib

Estamos sempre girando em torno das mesmas notas, num âmbito entre fá e ré:

fa-lab-sib-si-do#-re

E como o pensamento musical de Berio abrange igualmente o serialismo e

procedimentos dodecafônicos, ele vai completar o total cromático dessas alturas:

acrescentam-se então 5 notas mib-mi-fa#-sol-do

Nas extensões de registros (grave e agudo) Berio usou justamente essas notas

complementares. Berio trabalhou sobretudo com variabilidade de registros. No primeiro

registro temos:

fa#1 mi2 do3 sol4 mib538

F#2 E3 C4 G5 Eb6

38

La convention française donne le numéro 3 au la de 440 Hz, et il se note « la3 ». Dans ce système, le la de 220 Hz sera le la2. Le changement d'octave se fait à partir du do, ainsi on passe du si2 au do3. Aux États-unis, le la3 est noté A4 (une unité de plus). Ce standard est utilisé dans les logiciels d'édition et composition musicales les plus répandus. Dans le système français, au-dessous de l'octave 1 se trouve l'octave -1. Dans le système américain, la première octave commence à 0. Il n'y a pas d'octave inférieure à celle contenant le la-1 (55 Hz) car elle serait en-dessous du seuil d'audition. Fonte : http://fr.wikipedia.org/wiki/Octave_(onde)

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As notas do e sol vão permanecer fixas onde estão e as demais terão mobilidade.

Figura 59 - Organização das alturas em O King conforme David Osmond-Smith (1985).

Isso nos permite ter uma idéia da circularidade da obra. Há movimento, mas é um falso

movimento. Um pouco como Feldman, introduzindo transformações, que uma vez percebidas

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perde-se um pouco a sensação de temporalidade. Por isso Ledoux compreende porque que o

aluno Felipe disse inicialmente ter percebido um ‘tempo liso’ nesta peça, pois aconteceu

exatamente o ‘efeito Feldman’. Ouve-se um universo de fragmentos de escalas de tons inteiros

retalhadas e reunidas, depois pequenas transformações e, finalmente, perde-se a noção do que

se acabou de acontecer e não se pensa no que virá a seguir.

O trabalho de Berio sobre o texto empregado na obra O MARTIN LUTHER KING

foi tão refinado e delicado que, mais uma vez, para ser percebido requer uma escuta

sofisticada. Compreende-se assim como esta música é direcional. Segundo a qualidade da

escuta o ouvinte perceberá coisas diferentes.

Se o ouvinte escuta atentamente a melodia perceberá de fato uma bela melodia,

sentimental, bela, com recorrências sobre ela mesma, estabilidade.

Se, além disso, distingue e acompanha o que se passa nos registros complementares,

perceberá um grau de sofisticação superior, incitando o ouvinte à escuta introspectiva do

momento presente, a qualidade das sonoridades, podendo ter a sensação de uma música

estática, como a de Feldman.

Se somarmos o trabalho da melodia ao dos registros extremos, mais o trabalho delicado

sobre o texto, percebe-se então uma dinâmica do discurso extremamente sofisticada.

Os fonemas empregados na peça vem do nome de Martin Luther King:

M A R T I N L U T H E R K I N G A I U E I

Quanto ao aspecto da fonética Ledoux observou que ainda faltava uma coisa. Foi feita

em seguida uma análise acústica aplicada à fonética. Há um domínio da lingüística que se

interessa pela qualidade acústica dos fonemas. Há uma ordem natural de encadear os fonemas

para ter uma seqüência contínua e progressiva de sonoridades:

Abrindo continuamente a boca produz-se : I E A

Fechando os lábios a partir do A: A O U

Abrindo os lábios a partir do U: U O A

Fechando continuamente a boca a partir de A: A E I

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Temos, portanto :

com a boca fechada: U e I

com a boca aberta: A e O

com os lábios abertos lateralmente: I , E e A

com os lábios fechados ao centro: O e U

Quanto maior a abertura da boca, maior a riqueza em harmônicos.

Nos fonemas O e U não há muitas freqüências agudas (esses fonemas tem mais

componentes harmônicos são graves) enquanto que nos fonemas A e E há um espectro mais

aberto, rico, com todas as componentes parciais da voz, graves e agudas, enquanto que no

fonema I temos preponderantemente componentes parciais agudas.

No que diz respeito à física fonatória, mais precisamente às ressonâncias durante a

emissão da voz, nos fonemas A e I está vibrando a parte anterior do rosto (boca, nariz, testa),

portanto sua parte mais externa. Por outro lado quando se emite os fonemas U e O, passa a

vibrar mais a parte posterior (garganta), portanto mais interna.

Os lingüistas tentam entender a construção das línguas através dessas qualidades. A

vibração que se produz na parte exterior é considerada um meio de se comunicar com o

exterior. As vibrações na parte posterior do rosto são convenientes quando se deseja

representar uma interiorização. Os lingüistas perceberam que a criação das palavras nas línguas

estão muitas vezes em relação com esses fenômenos de exteriorização e interiorização. Por

exemplo, há muitas palavras que utilizam vibrações posteriores e que simbolicamente

representam interiorização. A palavra doux tem uma idéia de interiorização. Contrariamente um

nome como David é assimilado de forma expansiva e aberta. O fonema Om usado em mantras

para meditação está relacionado com a interiorização.

Assim A e I de M A R T I N são fonemas de exteriorização. Ao final da peça K I N G

corresponde também a essa vontade de exteriorização.

Como interiorização temos U em L U T H E R, e o O que, como estava faltando, para

completar as vogais Berio colocou no inicio, de forma que o próprio título comporta um

movimento dinâmico, da interiorização para a exteriorização (O K I N G) , a diagonal no esquema

apresentado por Ledoux.

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77

As diferentes frases empregas na obra empregam seqüências de fonemas ( O A I U E )

tendo o compositor refletido sobre o percurso fonético. Na própria estrutura do texto (O

MARTIN LUTHER KING), do ponto de vista fonético, temos O representando a interioridade,

ressoando, portanto, na parte posterior ao rosto, se dirigindo em seguida ao A, rumo à

exteriorização e ainda ao agudo, numa elevação em freqüência, na direção de I , ressoando

portanto na parte anterior do rosto.

Logo depois disso, outra sequencia, a partir de U (componentes parciais graves,

ressoando na parte posterior) terminando em I (componentes parciais agudas ressoando na

parte anterior do rosto).

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Para Berio estruturar o material fonético já é um trabalho de direcionalidade. A questão

na verdade é como criar uma direcionalidade cada vez mais sustentada.

A primeira idéia foi usar o serialismo

O A I U E

1 2 3 4 5

e proceder a permutações conforme o modelo serial.

Não é a matemática ou as simetrias que importam aqui, mas o fato de que ao

proceder às permutações, a direcionalidade se quebra. Berio fez emergir primeiramente

outros elementos. Introduzindo o M e o L, ouve-se inicialmente o morfema MA

(MARTIN) e depois LU (LUTHER). No nível fonético há algo importante de ser observado,

no que diz respeito às consoantes. Novamente, as consoantes também têm relação com

a atividade humana. Há mesmo um poema de Mallarmé39 que fala da ação das

consoantes: Mmmm... a força do T ! Mas as consoantes são também determinantes dos

ataques dos sons quando pronunciadas. Quando foi falado de Varèse, falou-se da

‘inércia’ de ataques. A consoante M tem um ataque suave e, portanto possui inércia. É

suave, não tem violência. Desperta uma expectativa. ...mmmmMmmmm...

L é semelhante, mas tem um ataque menos inerte.

R já tem um ataque mais curto.

39 LEON-DUFOUR, B. Mallarmé et l'alphabet. In : Cahiers de l'Association Internationale des

Etudes Françaises Paris 1975, no27, pp. 321-343 (51 réf.) Résumé : Causes du goût de M. pour les lettres de

l'alphabet, leur charge poétique et leur pouvoir magique. Le pouvoir de la consonne "L" comme germe d'où naquit sa passion pour les

lettres, la typographie, la calligraphie, comme clé de sa vocation littéraire et comme explication de ses trois "hantises" celles des

lettres et surtout des consonnes, de l'oiseau, de l'Azur. Remarques sur le fait que M. ne prit pas de pseudonyme et sur le charme qu'a

dû exercer son patronyme avec deux "L".

M

M L

M L

R

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79

Em seguida, o TH em inglês.

E a mais violenta de todas: K, a que tem menos inércia.

Berio introduziu os fonemas numa ordem tal que produzem ataques cada vez mais

pronunciados e progressivamente reconstruiu o nome de Martin Luther King, tornando-o

presente à escuta ao final da peça.

O

MA LU

RTIN THER

KING

O MA RTIN LU THER KING

Eis então que neste projeto de obra estamos no terceiro nível. O primeiro nível sendo a bela

melodia, em seguida os registros extremos e as viagens de notas entre eles e finalmente no

terceiro nível uma direcionalidade que se cria progressivamente e adquiri precisão através dos

ataques das consoantes, cada vez mais abruptos.

TH

M L

R

K TH

M L

R

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O aluno Tiago perguntou se o terceiro nível se encontrava totalmente compreendido no nível

neutro da escuta. Ledoux respondeu que as permutações de fonemas e morfemas de fato estão

num nível neutro, mas a partir daí é necessário interpretar e, portanto, se perguntar, porque

Berio fez isso? Constata-se que há uma construção progressiva do nome de Martin Luther King,

e começa-se a interpretar, como a sequência de consoantes em relação com a acústica, fazendo

com que os ataques sejam cada vez mais duros.

Na verdade, cada um dos níveis da composição (sentimentalista, sensível e do conhecimento)

pode ser abordado em análise tanto no nível neutro, como no estésico e poiético.

A dimensão espacial não foi abordada por Ledoux, pois esta requer contato com a obra

executada ao vivo, não sendo possível através da escuta do registro sonoro.

Ledoux comentou novamente sobre a concepção e a construção de toda a Sinfonia, e ainda analisou

a Sequenza III para voz.

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2.3.15 Raul Hausmann e Kurt Schwitters

Ursonate, ou Sonate in Urlauten, foi escrita de 1922 a 1932 por Kurt Schwitters40, poeta e artista

plástico. Nela trabalhou elementos de fonética, portanto elementos sonoros primários.

Fümms bö wö tää zää Uu, pögiff, kwii Ee.

Oooooooooooooooooooooooo,

dll rrrrr beeeee bö dll rrrrr beeeee bö fümms bö, (A) rrrr beeeee bö fümms bö wö, beeeee bö fümms bö wö tää, bö fümms bö wö tää zää, fümms bö wö tää zää Uu:

Figura 60 - Introdução da Ursonate

41 de Kurt Schwitters.

Figura 61 - Kurt Schwitters interpretando a Ursonate. Fonte: http://abcypsilon777.blog.de/tags/dada+ursonate/

40

German dadaist painter and scluptor, Kurt Schwitters was born in 1887 in Hanover. In 1918, he met Hans Arp in Berlin and was highly influenced from his work that Schwitters began making colleges which were called ‘Merzibiden' (Merz picatures). This name was extracted from a fragment of one of his collages where the word Kommerzbank was cut …/merz/… For the first time he exhibited in 1919 at Galleri Der Sturm in Berlin, where he presented his abstract Merz-pictures. Two years later in 1921 he created a sound poem ‘Ursonate'. Fonte: http://www.educationdigitalmedia.com/view/19

41 Disponível em: http://www.costis.org/x/schwitters/ursonate.htm (partitura e registro sonoro)

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Figura 62 - Lucio Agra interpretando fragmento da Ursonate. Fonte: http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.referencias/banco_imagens/kurt-schwitters-sonata-

primordial-e-palestras-sobre-sua-obra/lucio_agra_home.jpg/view

Expressões primárias podem ser comparadas às expressões de uma criança antes de dominar a

fala. São expressões anteriores à construção da linguagem. Pouco antes da Primeira Guerra

(1914-18), escritores e artistas plásticos se propuseram a criar formas de arte sobre essas

funções primárias, tendo surgido então o movimento Dada42 (Dadaísmo), na Suiça, tendo como

líderes Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp. Dada é em suma a negação total de todo o mundo

artístico. Ledoux reproduziu um registro sonoro de Raul Haussmann43 realizado em 1930 com

expressões primárias, perguntando se o que se ouviu era música ou não.

Figura 63 – (Esquerda) Raoul Hausmann, fotografado por Hannah Höch, 1919. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:RaoulHausmann.jpg (Direita) Raoul Haussmann, ABCD or Portrait de l'artist,

1923-1924. encre de chine et collage sur papier. Musée national d'art moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, ©ADAGP. Fonte : http://www.provolot.com/words/2008/03/09/hausmann_abcd.jpg

42

Embora a palavra dada em francês signifique cavalo de brinquedo, sua utilização marca o non-sense ou falta de sentido que pode ter a linguagem (como na expressão de um bebê).

43 [Raul] Raoul Hausmann (July 12, 1886 – February 1, 1971) was an Austrian artist and writer. One of the

key figures in Berlin Dada, his experimental photographic collages, sound poetry and institutional critiques would have a profound influence on the European Avant-Garde in the aftermath of World War I. (Fields: Collage, Photography, Sculpture, Poetry, Performance, Theory).

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83

Retornou-se então à idéia de Nattiez: qualquer que seja o acontecimento sonoro submetido a

um ser humano, este, no que percebe, estabelece uma coerência formando uma imagem. A

partir do momento em que podemos formar imagens coerentes dos fenômenos sonoros,

chegamos a uma idéia de música. Como dizia Cage, a formulação da música não está sempre do

lado do emissor, mas às vezes do lado do receptor. Raul Hausmann não é um músico, mas um

poeta que em sua experiência deseja iniciar um novo material poético. Uma nova maneira de se

expressar poeticamente, mas que ainda não é uma poesia, da mesma forma que as expressões

primárias são expressões que precedem uma linguagem. Na performance de Haussmann temos

uma assemblage de expressões primárias que se situam antes da expressão da poesia. Sem

dúvida a formulação é um tanto anedótica, mas isso é revelador de muitas coisas, visto que o

movimento Dada se proliferou no mundo ocidental e esse tipo de experiência em poesia sonora

se difundiu pela Europa. Alguém que tenha esse tipo de expressão, se tiver sido um alemão, fez

algo completamente diferente do que faria se fosse italiano, diferente também do que faria se

fosse francês, e diferente ainda do que faria sendo suíço. Estamos percebendo novamente que,

apesar do Dada ser uma negação da arte, essas expressões do dadaísmo nos fazer refletir sobre

a arte, pois percebe-se que há particularidades inerentes às culturas. Há expressões primárias

próprias a algumas culturas e ausentes em outras da mesma forma que um bebê espanhol não

grita da mesma forma que um bebê chinês. Há uma aquisição imediata do ser, ouvindo a voz

dos pais, do ambiente, além de conformações fisiológicas, tudo isso variando de uma cultura

para outra. O dadaísmo nos mostra, contudo, que há outras maneiras de articular os fenômenos

sonoros, representando ainda uma grande evolução em matéria de expressividade. Os artistas

buscam encontrar novos meios de expressão demonstrando o que descobriram nos sentimentos

de sua época. Nessa época, logo após a Primeira Guerra, se pensava na quantidade de tabus que

a sociedade mantinha em relação a esses gestos primários. Portanto, usar esses elementos de

expressão primária será um elemento de reivindicação emocional forte, quebrando tabus

descobre-se emoções que antes não teriam sido empregadas. Nas artes plásticas Miró se

propõe a colocar em pintura gestos empregados pelas crianças, portanto procurando trabalhar

com elementos anteriores à construção da linguagem. Às gerações seguintes coube o trabalho

de estruturar essas novas descobertas de expressividade.

Figura 64 - Kurt Schwitters. Fonte: http://www.educationdigitalmedia.com/view/19

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URSONATE é uma obra entre música e poesia. Assim como na performance de Haussmann nesta

obra Kurt Schwitters explora elementos sonoros primários. Em alemão o radical que define algo

primário referente à origem é ur-. O que o título representaria? Conforme indaga Lucio Agra44,

"Sonata Primordial" ou "Sonata pré-silábica" ou “Sonata dos sons primitivos”? Ur refere-se

também a uma antiga cidade da Mesopotâmia junto ao rio Eufrates, habitada na Antiguidade

pelos caldeus. De acordo com o livro de Gênesis, foi a terra natal de Abraão. O maior

representante de lideranças em Ur, chamado Ur-Nammu, ficou conhecido por ter criado o

primeiro código de leis, posteriormente substituído pelo código de Hamurabi.

Schwitters imaginou uma sonata primitiva. Enquanto Haussmann trabalhava com sons

primitivos sem lhes dar um sentido estrutural, Schwitters buscou trabalhar para estruturar esses

sons primários, e essa intenção se evidencia na referência que o título da obra faz à forma

sonata. Uma forma que pressupõe a atuação da memória do ouvinte. Há a memória dos

motivos, dos temas. Portanto, Schwitters imaginou que poderia usar formas de construção

primária, situadas antes da organização da linguagem, estruturando-as com em uma sonata.

A partitura completa pode ser encontrada em http://www.merzmail.net/ursonate.htm

e a explicação dos signos adotados em http://www.merzmail.net/ivan2ursonate.htm

Figura 65 – Primeira página da Ursonate 1922 – 1932 © Kurt Schwitters em duas edições. (Esquerda) Fonte: http://www.medienkunstnetz.de/works/ursonate/

(Direita) Fonte: http://www.schwitters-stiftung.de/english/bio-ks2.html

44 Agra, L.; Sobre a Ursonate de Kurt Schwitters. http://www.geocities.com/agraryk/ursonate.htm

Page 85: Claude Ledoux: Análise musical de obras de concerto do séc ... · PDF fileCertamente o método schenkeriano é mais conveniente ao período clássico do que a outros. Contudo,

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Após a audição da Ursonate constatou-se que não estávamos mais diante de gestos primários

com no caso de Haussmann, mas percebeu-se que o autor buscou de fato dar uma estrutura aos

gestos, fonemas e morfemas empregados, estes sendo de uma natureza que antecede a

organização de uma linguagem. Inclusive buscando proporcionar inteligibilidade bem como a

idéia de um projeto sonoro. Há elementos musicais, como temas e motivos, como por exemplo

no Scherzo da Ursonate, lanke tr gl 45 (cf. Figura 66) constituído de 4 elementos e 4 modos de

emissão vocal diferentes: L (1) K (2) Tr (3) Gl (4). O 3º elemento é composto de consoantes

explosivas, portanto de exteriorização (assim como tínhamos vogais de exteriorização (A E I )

ressoando na parte anterior do rosto).

Figura 66 - Scherzo da UrSonate. Fonte: http://www.idixa.net/Pixa/pagixa-0506191627.html

A consoante T é produzida com a língua contra os dentes, assim como o D. O que as diferencia é

a ausência da voz na primeira e a presença na segunda, ou seja, para produzir D é preciso usar

45

ou lanke trr gll conforme versão disponível em www.merzmail.net

Page 86: Claude Ledoux: Análise musical de obras de concerto do séc ... · PDF fileCertamente o método schenkeriano é mais conveniente ao período clássico do que a outros. Contudo,

86

um pouco de voz, enquanto que para o T não há nenhuma emissão de vogal, somente uma

projeção de ar bucal, o que faz com que o D seja uma consoante vocal e o T não vocal. Ao

pronunciar T não há nenhuma ressonância vogal (entre o rosto e a garganta), nenhuma vibração

vem do interior, somente dos dentes para fora. O K é não vocal mas o impacto é mais

interiorizado. R é uma consoante vogal que se produz também numa região intermediária da

boca. O L é uma consoante vogal praticamente sem impacto, portanto bastante interiorizada. E

o G é uma consoante não vocal produzida na garganta, portanto totalmente interiorizada. Pode-

se observar então que a sequencia: L (1) K (2) Tr (3) Gl (4) tem emissões vocais sucessivas

partindo de uma região interna (posterior) L , se dirigindo à consoante mais exteriorizada T

(anterior), voltando em seguida a vibrações posteriores GL. Dessa forma, lanke tr gl tem uma

espécie de arco de ligadura, interior-exterior-interior, lhe conferindo naturalidade e

elegância dinâmica, marcando a percepção do ouvinte.

Essa relação de emissão interior-exterior observa-se nas diferentes pronunciações hindi46 da

consoante D :

Em híndi essas consoantes são pronunciadas com o mesmo gesto e emissão de vogal, porém a

posição da língua varia desde a região anterior (língua contra os dentes superiores anteriores),

em seguida a língua contra a parte intermediária do palato, até a parte mais interna, a língua

contra o fundo do palato próximo à garganta.

46

língua nacional e literária da Índia, o principal idioma no norte da Índia.

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Para os indianos essas vogais expressam relações de interioridade e exterioridade. Passando

sequencialmente de uma consoante à outra se pode expressar (de fora para dentro) uma

introversão; (de dentro para fora) uma extroversão.

No Scherzo da Ursonate após lanke tr gl (interior – exterior – interior) vem pe pe pe pe pe

emissão muito exteriorizada e ooka ooka ooka ooka projetando as vibrações de

dentro para fora. O mesmo se observa em pii pii pii pii pii (exterior) e züüka züüka

züüka züüka (de dentro para fora).

Há elementos, portanto que são verdadeiramente da ordem do motivo, ou mesmo do tema, que

nos permite compreender a estrutura dessa obra como uma estrutura musical.

Por exemplo, no inicio da Segunda Parte (largo), temos:

onde além da alternância sistemática de uma duração Oooooooo a um pulso Bee bee bee bee,

observa-se o principio da variação na troca de Bee por Zee.

Em seguida há uma combinação e amplificação dos elementos anteriores (Bee e Zee)

integrados na verdade ao Tema 3 do inicio da Primeira Parte, aqui parcialmente re-exposto:

Temos então uma variação, mas trazendo em si a recapitulação parcial de um elemento

recorrente durante toda a obra (Rinnzekete) registrado, portanto, na memória do ouvinte.

A forma Scherzo se caracteriza pela construção desse movimento com três elementos e uma

ação agógica:

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...

Figura 67 - Elementos A e B do Scherzo.

...

Figura 68 - Elemento C do Trio do Scherzo com mudança agógica.

Temos, portanto uma Primeira Parte com elementos A e B alternados e uma Segunda Parte com

mudança agógica contrastante, mais lenta, trazendo o elemento C:

I

A1

B1

A2

B2

...

...

II C

C

C

I A1

B1

A2

B2

...

...

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Schwitters demonstra que a assemblage de fonemas e morfemas, mesmo sem o conteúdo

semântico das palavras, pode ter um sentido no plano musical e sonoro. Consequentemente,

pode-se construir uma obra inteligível mesmo a partir de elementos inicialmente ininteligíveis

no que se refere à ausência de sentido literal.

Figura 69 - Kurt Schwitters: Prikken paa i en, 1939. Collage de papiers divers sur contreplaqué peint collé sur aggloméré. Musée national d’art moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.

Fonte: http://www.crdp-reunion.net/dossiers_thematiques/1mois1artiste/schwitters/schwitters.php

Schwitters mostra como ao trabalhar com fonemas, consoantes e vogais, há como jogar com a

memória estruturando a escrita tal qual uma música. A estrutura fonética complexa na Ursonate

tem subsídios da Escola Construtivista Russa do inicio da séc. XX que já havia trabalhado sobre a

criação de uma poesia fonética, incluindo teorizações, o que ulteriormente foi aproveitado pelos

dadaístas e surrealistas. Pode-se entender como a Ursonate foi uma obra capital para a

evolução musical, sobretudo no caso de Ligeti e Berio.

Ao final foi ouvido o registro sonoro de uma interpretação impressionante da Ursonate por

Christian Bök, gravação ao vivo em SUNY Buffalo, 200047.

Segundo Macchi (2005)48 Kurt Schwitters se distanciou teoricamente do dadaísmo dando origem

ao movimento Merz.

O texto está disponível em: http://www.germinaliteratura.com.br/sibila2005_kurtschwitters.htm e

traz diversos poemas de Schwitters em alemão, acompanhados da tradução em português.

47

Disponível em http://www.mp3int.com/download_mp3/376272/3104690/Christian_Bok_Ursonate_(kurt_Schwitters)/ 48

Macchi, Fabiana. Kurt Schwitters: o dadaísta que era merz. Sibila — Revista de Poesia e Cultura. Ano 4, n. 7, setembro de 2004

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90

2.4 Contribuições aos trabalhos e prosseguimento de atividades no

curso de composição

Este ciclo de encontros e seminários proporcionou aos pesquisadores, docentes e alunos, um

contato estreito com um método de análise musical caracterizado pela não dependência

sistemática de um método pré-estabelecido mas, ao contrário, aberto a meios especificos

suscitados por cada obra. Durante duas semanas foram estudados diversos estilos, gêneros e

formas musicais de diversas tendências do Séc. XX com uma abordagem original e inovadora

abrindo perspectivas a todos e contribuindo significativamente tanto para os próximos trabalhos

de análise e musicologia quanto para processos criativos composicionais. A maneira de

proporcionar a aproximação das praticas musicais populares ao repertorio contemporâneo, seja

analisando-as com sofisticados meios de análise acústica, seja pela compreenção de aspectos

filosóficos, linguísticos e espirutuais que atraíram a atenção de cada compositor estudado,

acabou gerando um repertório de distintas estratégias que certamente influenciará os próximos

trabalhos desenvolvidos.

Este relatório foi elaborado no sentido de se tornar não somente um relato dessas sessões, mas

ainda um material de referência e apoio didático a ser disponibilizado à comunidade acadêmica

de pesquisadores. Não foi possível transcrever tudo o que foi visto, pois o volume de informação

é demasiadamente grande e o prazo para entrega deste relatório já está vencido. Contudo este

atraso se deu pelo rigor do relatório de forma a que possa ser útil à toda a comunidade

ulteriormente.

Todas as sessões foram gravadas em vídeo e o volumoso material de apoio didático estão

devidamente documentados. Necessitaria fazer uma edição dos vídeos e a digitalização dos

documentos: partituras, registros sonoros de obras, esquemas, excertos de artigos. Tudo poderá

estar concentrado em um repositório e permanecer acessível a todos. Será necessário mão de

obra, scanner e mídias para estocagem, back up e disponibilização permanente online.

Como prosseguimento a este projeto, uma nova solicitação à FAPESP será feita no sentido de

dar um tratamento adequado a toda essa documentação, com o mesmo rigor que este relatório,

mas compreendendo a totalidade das obras analisadas e todos os aspectos abordados que aqui

não puderam estar presentes.

As atividades realizadas em Agosto e Setembro de 2008 no Departamento de Música da

Unicamp em cooperação com a Rede RICMA e o CNSMDP através do programa

PREMER/PREFALC se desdobraram durante todo o semestre. Os conhecimentos adquiridos com

os três pesquisadores visitantes, dentre os quais Claude Ledoux, influenciaram de forma

determinante os trabalhos de conclusão de curso, realizados sob minha orientação, consistindo

em três criações musicais para o filme Um homem com uma câmera de Dziga Vertov, com

músicas compostas, registradas em suporte digital, improvisadas e executadas ao vivo com live

electronics durante a projeção, retomando a tradição do cinema nas primeiras décadas do Séc.

XX e como desdobramento do PROJETO TEMÁTICO FAPESP 03/01253-8 "COMPUTADOR COMO

AMBIENTE DE CRIAÇÃO E PERFORMANCE MUSICAL", coord. Prof.Dr. Silvio Ferraz, iniciado em

03/2004 finalizado em 03/2008.

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Esta realização está vinculada às visitas de ALEXANDROS MARKEAS (Proc. FAPESP No.

2008/04187-0) e RICARDO MANDOLINI (Proc. FAPESP No. 2008/04361-0) e conta com

contrapartida francesa coordenada pelo CNSMDP, Apoio da Univ. de Lille 3 e financiamento do

programa PREMER(PREFALC) da França.

Conforme informado no pedido de auxilio, a retomada de atividades com estes três

pesquisadores visitantes darem prosseguimento a estas atividades, agora prevista para julho de

2009, submetidas e aprovadas pelo Comitê Brasileiro do Ano da França no Brasil tendo,

portanto, oficialmente o label deste evento de cooperação cultural franco-brasileiro, já está

aprovada pela contrapartida francesa que financiará as viagens internacionais entre França

(Conserv. Nac. Sup. de Música e Dança de Paris e Univ. de Lille 3), Brasil(Unicamp), Argentina

(UNTREF) e Chile (Centro Nacional de la Musica - sede RICMA: Red de Investigación y Creación

Musical de América). O projeto na França denomina-se "Investigation, création et patrimoine

musical musical en Amérique Latine", sendo coordenado por Gretchen Amussen, Sous-Directrice

des Affaires Extérieures et de la Communication du CNSMDP.

Desta forma, uma novo solicitação de auxílio, nos mesmos termos que esta, será em breve

encaminhada à FAPESP com o objetivo de assegurar a condução dos trabalhos.

Agradeço a esta agência pelo apoio concedido, sem o qual todos os conhecimentos e avanços

adquiridos não teriam ocorrido, mas ainda pela confiança depositada na proposta e neste

executor, pelos pedidos de informação prontamente atendidos e pela agilidade dos processos e

encaminhamentos que ocorreram da melhor forma possível.

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2.5 Imagens

Figura 70 - David Sevérin, ex-aluno e amigo de Claude Ledoux, atualmente residindo no Rio de Janeiro, participou dos encontros e seminários e colaborou para a tradução em diversas sessões.

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Figura 71 - Claude Ledoux com Rogério Costa e Paulo de Tarso, professores do DM/ECA/USP que organizaram e realizaram as sessões em São Paulo.

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2.6 Divulgação prévia à visita

De: ja.mannis uol <[email protected]>

Para: jamannis uol <[email protected]>

Enviadas: Sexta-feira, 16 de Maio de 2008 0:21:40

Assunto: AGOSTO 2008 - UNICAMP Professores CNSMDP e Univ. de Lille 3

Esta sendo planejado para AGOSTO DE 2008 um mês de atividades centradas em professores do

Conservatorio Nacional Superior de Music a e Dança de Paris e da Univ. de Lille 3 da França no

Depto. de Música da Unicamp.

Aguardamos resposta da FAPESP para os AUXILIOS solicitados, complementares aos auxílios já

obtidos e aprovados na França.

Oportunamente mais informações serão fornecidas sobre o detalhamento das atividades e

inscrições.

Esta mensagem tem por objetivo informar os alunos sobre o evento planejado.

A visita dos Profs. Markeas, Ledoux e Mandolini estão associadas à primeira parte de um programa de

cooperação entre a UNICAMP (Brasil), UNTREF (Argentina), Centro Nacional da Musica (Chile) e o

Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris (CNSMDP) e Universidade de Lille 3 (França)

no campo da pesquisa, criação e patrimônio musical na América-Latina.

Este projeto se beneficia de financiamento já aprovado pelo governo francês e é um desdobramento do

PROJETO TEMÁTICO FAPESP 03/01253-8 "COMPUTADOR COMO AMBIENTE DE CRIAÇÃO E PERFORMANCE

MUSICAL", coord. Prof.Dr. Silvio Ferraz, iniciado em 03/2004 finalizado em 03/2008, do qual este

proponente participou, juntamente com a Profa. Dra. Denise Garcia, bem como “confluências

composicionais em estéticas distintas - musica brasileira atual” Coord. Silvio Ferraz; “Faces da Música

Eletroacústica Brasileira: o Grupo Música Nova e seu pioneirismo na utilização de recursos

eletroacústicos” Coord. Denise Garcia.

As propostas tem por objetivo estabelecer um intercâmbio de docentes locais com os convidados, bem

como uma aproximação com as cadeiras de Improvisação Generativa e Análise Musical do CNSMDP e o

Departamento de Estudos Musicais da Universidade Charles de Gaulle Lille 3.

Enfoques previstos:

ALEXANDROS MARKEAS

Improvisação e processos criativos em música; Gesto, Principio e Ideia Musical; Improvisação e escritura

musical; Improvisação : disciplina em destaque no design e no desenvolvimento de curriculos de ensino

superior em música na União Européia (Convenção de Bologna).

CLAUDE LEDOUX

Reflexão sobre a Análise Musical relacionada a tradições populares; Impacto do conhecimento de

tradições populares no ato da composição musical; Claude Debussy e as tradições do Sudeste Asiático;

Ligeti e a influência de músicas subsaarianas; Feldmann, tradições do Oriente-Médio e filosofias orientais;

Scelsi, Murail e Harvey: interesse mutuo em músicas tibetanas, mongólicas e outros rituais budistas;

Eotvos e Kurtag em relação às tradições da Europa Central; Claude Ledoux (o próprio convidado) e suas

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influencias pessoais como compositor pelas músicas da Índia do Norte e Indonésia; Relações com

etnomusicologia e improvisação musical em extensão às reflexões analíticas.

RICARDO MANDOLINI

Heurística musical; Improvisação musical; Música eletroacústica; Adorno e a escritura musical; Gesto

musical e Gesto acusmático.

ATE O MOMENTO estão envolvidos nestas atividades os professores: (Unicamp) Prof. Dr. J.A.Mannis,

Profa. Dra. Denise Garcia, Prof. Dr. Silvio Ferraz, Prof. Dr. Jonatas Manzolli, Prof. Dr. Esdras Rodrigues,

Prof.Dr. Emerson de Biaggi, Prof. Dr. Rafael dos Santos, Prof. Mario Campos, (Usp) Prof. Dr. Rogério Costa.

Esta proposta conta com anuência e apoio do Depto. de Música (IA/Unicamp), Coord. da Sub-CPG Mùsica

(Comissão de Pós-Graduação/IA/Unicamp); Coord. de Pós-Grad. do IA (Unicamp); Direção do Instituto de

Artes da Unicamp.

Contrapartida francesa coordenada pelo CNSMDP, Apoio da Univ. de Lille 3 e financiamento do programa

PREMER(PREFALC) da França já aprovado para viagens internacionais de pesquisadores em 2008 e 2009

entre França (Conserv. Nac. Sup. de Música e Dança de Paris e Univ. de Lille 3), Brasil(Unicamp), Argentina

(UNTREF) e Chile (Centro Nacional de la Musica - sede RICMA: Red de Investigación y Creación Musical de

América). O projeto na França denomina-se "Investigation, création et patrimoine musical musical en

Amérique Latine", sendo coordenado por Gretchen Amussen, Sous-Directrice des Affaires Extérieures et

de la Communication du CNSMDP.

PLANNING GENERAL RICMA PREFALC PREMER – UNICAMP 2008

DOM 3/ago Alexandros Markeas Manhã tarde

SEG 4/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 1 Seminário 1

TER 5/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 2 Seminário 2

QUA 6/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 3 Seminário 3

QUI 7/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 4

Workshop Coletivo

Orquestral Unicamp

SEX 8/ago Alexandros Markeas Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP

Worshop Grupo de

Improvisação USP

SAB 9/ago Alexandros Markeas 19:20

DOM 10/ago Claude Ledoux da França 05:30 Sao Paulo - JJ8099

SEG 11/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 1 Seminário 1

TER 12/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 2 Seminário 2

QUA 13/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 3 Seminário 3

QUI 14/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 4 Seminário 4

SEX 15/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP 1 Seminário USP 1

SAB 16/ago Claude Ledoux

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DOM 17/ago Claude Ledoux

SEG 18/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 5 Seminário 5

TER 19/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 6 Seminário 6

QUA 20/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 7 Seminário 7

QUI 21/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 8 Seminário 8

SEX 22/ago Claude Ledoux Encontro pesquisadores (docentes e alunos) USP 2 Seminário USP 2

SAB 23/ago Claude Ledoux SP – Rio (por conta própria)

DOM 24/ago

SEG 25/ago

TER 26/ago

QUA 27/ago

QUI 28/ago

SEX 29/ago Claude Ledoux Rio - Paris (por conta própria) JJ8054

SAB 30/ago

DOM 31/ago Ricardo Mandolini do Chile 16:40 JJ8019

SEG 1/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 1 Seminário 1

TER 2/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 2 Seminário 2

QUA 3/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 3 Seminário 3

QUI 4/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 4 Seminário 4

SEX 5/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 5 Seminário 5

SAB 6/set Ricardo Mandolini Encontro pesquisadores (docentes e alunos) 6 Seminário 6

DOM 7/set Ricardo Mandolini para Paris 19:10 JJ 8098

CLAUDE LEDOUX - BIOGRAFIA

Nasceu na Bélgica em 23 de fevereiro de 1960. Após concluir estudos de Ciências Humanas, Ledoux se

orientou decididamente ao mundo artístico estudando pintura na Académie de Beaux Arts e música no

Conservatoire Royal de Musique de Liège (Bélgica), onde encontra Jean-Louis ROBERT, compositor e

destacado pedagogo que lhe faz descobrir a música do Séc. XX. Estudou Análise com Célestin DELIEGE,

composição com Frederic RZEWSKI, Philippe BOESMANS, Henri POUSSEUR. Fez pesquisas em música

eletroacústica com Patrick LENFANT. Claude LEDOUX prosseguiu sua formação no exterior, sobretudo na

França, Hungria e Itália, onde participou dos seminários de composição de Gyorgy LIGETI e Franco

DONATONI. De 1987 a 1989 residiu em Paris à Paris onde fez estágios de informática musical do IRCAM, e

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cursos de Análise de musica do Séc. XX com Robert PIENCIKOWSKI simultaneamente aos cursos de

composição com Iannis XENAKIS na Universidade de Paris.

Enquanto compositor, obteve distinções em vários concursos internacionais desenvolvendo uma carreira

que já o levou de Montreal a Berlim, passando pelos EUA, Turquia e Rússia. Recentemente, Claude Ledoux

foi Compositor Residente do Ensemble Musiques Nouvelles (1998 a 2000), bem como no Castello

d’Ubertide (Itália) no verão de 2003. Nesse mesmo ano, recebeu o Prêmio Musical da Fundação Civitella

Ranieri e New York pelo conjunto de sua produção recente. Claude Ledoux é atualmente compositor

residente no Palais des Beaux-Arts de Bruxelles (2007-2009). Irá compor a peça imposta para a semi-final

do Concours Musical Reine Elisabeth de Belgique para a sessão 2009, violino.

Devido a sua paixão pela música asiática Ledoux fez uma viagem musical e humanística em 1992 do

Himalaia ao deserto do Rajastão. Uma bolsa de pesquisa assegurada pela Fondation SPES lhe permitiu

organizar em 1996 uma viagem ao Extremo-Oriente levando-o do Camboja à Indonésia, passando por

vilarejos nas montanhas do Centro do Vietnã. Novos projetos artísticos lhe fazem descobrir em 2004 o

Japão e as múltiplas facetas de sua cultura.

Além de seu domínio da Composição e Escrituras musicais, Claude Ledoux é diplomado em Informática e

Comunicação pela Université de Liège (B). Atualmente ensina composição no Conservatoire Royal de

Musique de Mons (Bélgica) e Analise Musical no Conservatoire National Supérieur de Paris (CNSMP). De

2002 ao final de 2005, foi Diretor Artístico do Centre de Recherches et de Formation Musicales de

Wallonie (CRFMW). Desde janeiro de 2005, Claude LEDOUX e membra da Académie Royale de Belgique,

Classe des Beaux-Arts. Em colaboração com os compositores Michel FOURGON e Denis BOSSE, fundou o

Atelier Musicien, local de pesquisa, confrontação de pensamentos e de criação musical.

Bibliografia

Principais publicações de Claude LEDOUX:

"L’opéra des ambiguités", étude et analyse de La passion de Gilles de Philippe Boesmans,

Editions du TRM, Bruxelles, 1985.

"La fin de l’artisanat", Edition Ars Musica, Bruxelles,1990.

"Une musique contemporaine pour un violon contemporain", in Quelle forme nouvelle pour le

violon, Les Amis de la Musique, Spa, 1995.

"Carnet de notes", in Courant d’Airs, no 92, Liège, 1998.

"Propos irrévérencieux", in La création après la musique contemporaine, textes réunis par

Danielle Cohen-Levinas, L’Harmattan, Paris, 1998.

"Les stratégies compositionnelles dans la musique de Tristan Murail", Université de Liège, 1999.

"From the philosophical to the practical", in Contemporary Music Review, 19, London, 2001.

"La fin du principe de certitude(s)?", in Musicae Scientia, Discussion Forum 2, Liège, 2001

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"La sagesse du son", in programme Festival Musica 2002, Musica, Strasbourg, 2002

"Petite chronique sous forme de repères esthétiques", in Les musiques nouvelles en Wallonie

et à Bruxelles, Editions Mardaga, Liège, 2004

"Analyse de l'opéra “Julie”", in Philippe Boesmans, entretiens et témoignages, Editions

Mardaga, Liège, 2005

"Hommage à György Ligeti", in Bulletin de l'Académie Royale de Belgique, Classe des Beaux-

Arts, 17-12, Bruxelles, 2006

“Quelques rapports Orient-Ocident vus par le petit bout de la lorgnette (par le biais d’une

analyse de “...Voiles” de Debussy)", in Actes du colloque "Musique et cultures", Paris-Cité de la

musique 2005, Revue Recherche en éducation musicale, 26, Éditions de l'Université de Laval,

Quebec, 2007.

"Un péché capital comme fondement de la musique ?", in L'éveil du printemps, naissance d'un

opéra, textes réunis par Robert Wangermée, Éditions Pierre Mardaga, Liège, 2007.

“Deux matériaux en opposition et en dialectique dans la pensée musicale d’Olivier Messiaen”,

in Actes du Colloque « Génération Messiaen », Bruxelles 2008, Editions de l’Université de

Louvain, Louvain-La-Neuve, (à paraître, november 2008)

Publicações sobre Claude LEDOUX

COLLART, Marie-Isabelle, "De la multiplicité des imaginaires culturels en musique", in Courant

d’Airs, no 92, Liège, 1998.

DECROUPET, Pascal, Article " LEDOUX", in New Groove Dictionnary, London, 2000.

MAIRLOT, Eric, "Rencontre avec Claude Ledoux", in OPL , no 18, Liège, 2001.

THIEFFRY, Sandrine, "Fantasio au pays des mystiques", in Catalogue Ars Musica 2004, Bruxelles,

2004.

THIEFFRY, Sandrine, "Fantasio in het land van de mystici", in Catalogue Ars Musica 2004,

Bruxelles, 2004.

VAN ASBROECK, Philippe, "Entretien avec Claude LEDOUX", in La Lettre des Académies, 3,

Académie Royale de Belgique, Bruxelles, 2006.

Sites internet:

http://users.skynet.be/ledouxcl

http://www.compositeurs.be/Ledoux.html

Campinas, 06 de fevereiro de 2009

José Augusto Mannis