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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Claudemar José Trevizam EDUCAÇÃO DIALÓGICA E ETNOCIÊNCIA: buscando pontes entre os saberes populares e o ensinar-e-aprender Química Americana 2018

Claudemar José Trevizam · TABELA 5-Pergunta 2 usada na primeira roda de conversa de 16/08/2017..... 86 . LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CNPq- Conselho Nacional de Pesquisa CEP-Comitê

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Claudemar José Trevizam

EDUCAÇÃO DIALÓGICA E ETNOCIÊNCIA: buscando pontes entre os saberes populares

e o ensinar-e-aprender Química

Americana

2018

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Claudemar José Trevizam

EDUCAÇÃO DIALÓGICA E ETNOCIÊNCIA: buscando pontes entre os saberes populares

e o ensinar-e-aprender Química

Dissertação apresentada à Comissão Julgadora

do Centro Universitário Salesiano de São

Paulo, como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em Educação sob

a orientação da Professora Dra. Fabiana

Rodrigues de Sousa.

Americana

2018

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CLAUDEMAR JOSÉ TREVIZAM

EDUCAÇÃO DIALÓGICA E ETNOCIÊNCIA: buscando pontes entre os saberes

populares e o ensinar-e-aprender Química

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São

Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título

de Mestre em Educação – área de concentração: Educação

Sociocomunitária.

Linha de pesquisa: A intervenção educativa

sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis.

Orientadora: Profa. Dra. Fabiana Rodrigues Sousa de

Sante

Dissertação defendida e aprovada em 12 de abril de 2018, pela comissão julgadora:

__________________________________________

Prof. Dr. José Humberto Machado Tambor – Membro Externo

Centro Universitário de Excelência - ENIAC

__________________________________________

Profa. Dra. Valéria Oliveira de Vasconcelos – Membro Interno

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

__________________________________________

Profa. Dra. Fabiana Rodrigues Sousa de Sante – Orientadora

Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

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Dedico este trabalho ao meu pai Umberto

Trevizam (in memoriam), à minha mãe Iria

Previato Trevizam (in memoriam), à minha

irmã Eunice que me alfabetizou aos 5 anos, à

minha esposa amada que transformou a minha

vida, a minha filha Juliana e ao meu filho

Guilherme.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pelo seu amor incondicional a todos (as) as criaturas do

universo, que pela sua onipresença emana a energia necessária para nos nortearmos e

sulearmos1 em nossas caminhadas. Sem essa energia não seria possível a realização deste. À

minha esposa Elisabeth, pelo seu amor e carinho que transcende essa missão terrena, me

fortalecendo a cada dia para enfrentar os desafios. Aos meus filhos, Juliana e Guilherme, frutos

dessa relação de amor e gratidão a Deus, agradeço pela paciência nos momentos de ausência.

À minha irmã Eunice, que aos onze anos teve a percepção de me alfabetizar aos 5 anos em um

ato de coragem, dedicação e amor. Meu eterno agradecimento por colocar em minha jornada a

educação formal e a informal como alimento para a alma.

À minha orientadora Professora Fabiana Rodrigues de Sousa meu eterno agradecimento pela

paciência, profissionalismo e inteligência que me orientou em uma jornada que quero guardar

“sem começo nem fim”, suleada e tecida em direção à Educação Sociocomunitária.

Aos professores e amigos dessa jornada no programa de Pós-Graduação em Educação

Sociocomunitária, pelos momentos de compartilhamento de ideias, do diálogo e da busca de

“ser mais”. Em particular à Professora Valéria Oliveira de Vasconcelos, que traz consigo a

inteligência, a percepção e a força da Educação Popular; ao Professor Severino Antônio que

nos mostrou a importância de reconhecer as próprias palavras e reconhecer-se nelas; reconhecer

as palavras do outro; respeitar sua voz; conviver dialogicamente; admirar a diversidade;

reeducar os afetos, na reverência pela vida. À Professora Maria Luisa Bissoto, que me mostrou

a pluralidade dos saberes, movidos pela sua inteligência, pela capacidade de compartilhar

saberes e pelo seu dinamismo de pensar a educação. Ao professor José Humberto Machado

Tambor presente nas bancas de qualificação e defesa pela valiosa participação e contribuição.

Aos participantes deste trabalho, pela oportunidade do diálogo e do compartilhamento de

saberes, pois sem isso o processo de construção não seria possível.

1 De forma contra hegemônica o sulear “ [...] expressa a intencionalidade de dar lugar e se abrir para diferentes e

diversas fontes de produção de saberes e conhecimentos e, sem desqualificar ou menosprezar nenhuma,

colocá-las em diálogo”(ARAÚJO-OLIVERA, 2014, p.48).

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RESUMO

Este trabalho busca compreender como saberes populares, notadamente, aqueles voltados ao

uso de plantas medicinais, podem ser utilizados como ponte de diálogo entre a ciência popular

e a ciência moderna no ensinar-e-aprender Química. Intencionamos também problematizar as

relações de complementaridade entre o saber científico e o saber popular e fomentar o ensinar-

e-aprender Química considerando saberes presentes no cotidiano dos educandos. O aporte

teórico se pautou na Educação Popular e Dialógica de Paulo Freire e também no ensinar-e-

aprender/aprender-e-ensinar com o Outro de Carlos Rodrigues Brandão e na ciência popular de

Orlando Fals Borda. Para um ensino de Química mais próximo da realidade buscamos como

aporte teórico as reflexões de orientadores, tais como Eduardo Fleury Mortimer, Silvane Prigol

e José Claudio Del Pino, que se inspiraram no uso de temas geradores de Paulo Freire;

entendendo-os como aportes que possibilitam a concretização da ideia de um conhecimento

espraiado na direção da diversidade e da pluralidade dos saberes que emerge das temáticas

sociais, do cotidiano para conversar com o científico em sala de aula. O nosso ponto de partida

é: Que contribuições o ensino de Química, na perspectiva da etnociência, pode suscitar para um

aprender-e-ensinar Química mais próximo da realidade e para a percepção das relações de

complementariedade entre os saberes populares e saberes científicos? Para compreender as

conexões epistemológicas, destacamos recortes históricos em referência ao processo de

encobrimento dos saberes populares, as concepções de ciência popular, epistemologias do sul,

ecologia de saberes e etnociência, culminando na reflexão acerca de suas contribuições para

construção de um paradigma científico dialógico que faz frente à racionalidade imposta pelo

etnocentrismo. Como metodologia utilizamos a pesquisa participante, desenvolvida por meio

de três rodas de conversa, três encontros, um deles de devolutiva e uma feira científica. A

pesquisa foi realizada com educandos do curso técnico em Química na cidade de Jundiaí-SP,

que contou com 19 participantes, incluindo o pesquisador. Da análise e interpretação,

emergiram quatro categorias: 1) A gente se vê um no outro na comunidade, na escola não; 2)

Aprender uns com os outros; 3) Caminhar com as próprias pernas; 4) Metade/Metade. A análise

dos relatos coletados, nas rodas de conversa, revelou um grande interesse dos educandos em

construir dialogicamente novos saberes a partir da conexão entre saberes científicos e

populares. Apontamos, ainda, que a abordagem dialógica do ensino de Química, ancorada nas

contribuições da Educação Popular e Educação Sociocomunitária, estimula o protagonismo dos

educandos no processo de construção de conhecimentos e possibilita um olhar mais sensível no

sentido de um despertar para diálogos horizontais com a presença e valorização de saberes

locais, colocando o etnoconhecimento como possibilidade de complementariedade na

construção de um aprender-e-ensinar Química mais integrado com a realidade , permitindo nos

aproximarmos de uma educação problematizadora que reafirma o protagonismo e autonomia

dos educandos, descortinando possibilidades de pontes e diálogos entre conhecimentos teóricos

e práticos, científicos e populares.

Palavras-chave: Ensinar-e-aprender Química. Saberes populares. Etnociência. Educação

Popular. Educação Sociocomunitária.

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ABSTRACT

This paper aims at understanding how popular knowledges, notoriously, those linked to the use

of medical plants considered as a main theme, can be taken as a dialogue bridge between

popular and modern science when it comes to talking about teaching and learning Chemistry.

Moreover, it is intended to lift up questions about the complementary relations between

scientific and popular knowledge and splash up teaching-learning Chemistry, regarding

knowledges from learners’ routine. The theory was taken from Paulo Freire´s Popular and

Dialogical Education, Carlos Rodrigues Brandão´s teaching-learning/learning-teaching from

others and Orlando Fals Borda´s popular science. To a most focused on reality chemistry

teaching, theory was also supported by authors, mainly Mortimer, Prigol and Del Pino who

inspired themselves on themes generated from Paulo Freire; comprehending them as guidances

that can solidify the idea of a knowledge being directed to diversity and multi-knowledges

which emerge from social topics and daily routines in order to interact with scientific issues in

classrooms. Our start-up spot is: what contributions Chemistry teaching, on the ethnoscience

perspective, can bring up learning-teaching Chemistry to a very close point to reality and to

perception of relations on complementary between popular and scientific knowledges? To

acquire the epistemological bonds, it was highlighted historical periods in reference to historical

process on popular knowledge coverings, popular science conceptions, South Epistemologies,

knowledge from Ecology and Ethnoscience, converging into meditation about their

contributions to a scientific-dialogical paradigm construction across from reasoning imposed

by ethnocentrism. As a methodology, Participant Research was used as a tool, developed by

three chatting circles, three meetings, one for feedback and a Scientific Fair. The research was

made up with students from technical courses in Chemistry situated in Jundiaí-SP, numbered

19 participants, including the researcher. From analysis and interpretation, emerged four

categories: 1) We mutually see in community, we do not in school; 2) Learn from others; 3)

Walking by our own; 4) Half/Half. The analysis from collected speeches, during those chatting

circles, revealed a huge students interest in building dialogically new knowledges from the

connection between scientific and popular ones. We also put up that dialogical approach on

Chemistry teaching, anchored into contributions from Popular Education and Socio-

Communitarian Education, stimulates the students protagonism on the process of knowledges

construction and can enhance a more sensitive look so that an awakening to horizontal dialogues

with the presence and enrichment from local knowledges, pouring ethnoknowledge as a

possibility of complementary on a learning-teaching Chemistry construction more connected to

the student reality, allowing us to approach into a generated-problem education which reaffirms

the protagonism and students autonomy, unveiling possibilities of bridges and dialogues

between theorical, practical, scientific and popular knowledges.

Keywords: Teaching and Learning Chemistry. Popular Knowledges. Ethnoscience. Popular

Education. Socio-Communitarian Education.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO1: Relação entre Educando/Educador entre si e com o mundo................ 49

ILUSTRAÇÃO 2- Relações da educação intercultural ..................................................... 59

ILUSTRAÇÃO 3- Esquema da Investigação Temática de Paulo Freire............................ 62

ILUSTRAÇÃO 4 - Focos de interesse da Química ........................................................... 66

ILUSTRAÇÃO 5- Os três componentes básicos da “nova Química” de Johnstone......... 67

ILUSTRAÇÃO 6- Caminho percorrido na pesquisa de campo........................................ 82

ILUSTRAÇÃO 7- Primeiro encontro com os 43 educandos........................................... 84

ILUSTRAÇÃO 8- Primeira roda de conversa com os 15 educandos............................ 85

ILUSTRAÇÃO 9- 2ª roda de conversa............................................................................... 88

ILUSTRAÇÃO 10 /11 - Mudas de plantas medicinais com o nome científico/popular ...... 92

ILUSTRAÇÃO 12- Painel de mudas de plantas medicinais.............................................. 92

ILUSTRAÇÃO 13- Grupo extração de óleos medicinais da arnica ................................. 95

ILUSTRAÇÃO 14- Grupo extração do composto da babosa............................................... 96

ILUSTRAÇÃO 15- Extração da nicotina da planta de fumo .............................................. 96

LISTA DE TABELAS

TABELA 1- Descrição do trabalho de pesquisa para o ensino de química no formato

de unidades temáticas ......................................................................................................... 69

TABELA 2- Dados dos participantes da pesquisa de campo............................................... 81

TABELA 3- Resumo dos encontros com os participantes(educandos) da pesquisa do

curso Técnico em Química.................................................................................................. 83

TABELA 4- Pergunta 1 usada na primeira roda de conversa de 16/08/2017...................... 86

TABELA 5- Pergunta 2 usada na primeira roda de conversa de 16/08/2017...................... 86

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNPq- Conselho Nacional de Pesquisa

CEP- Comitê de Ética e Pesquisa

CNE-Conselho Nacional de Educação

LDB-Lei de Diretrizes e Bases

OMC- Organização Mundial do Comércio

OMPI- Organização Mundial de Propriedade Intelectual

PCN-Parâmetros Curriculares Nacionais

SUS-Sistema Único de Saúde

PNEPS - Política Nacional de Educação Popular em Saúde

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SUMÁRIO

MEMORIAL ............................................................................................................................. 12

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 18

2. EM BUSCA DA COMPLEMENTARIEDADE DE SABERES .................................... 22

2.1 ETNOCENTRISMO E O PROCESSO DE ENCOBRIMENTO DAS CULTURAS E

SABERES DO SUL ................................................................................................................... 22

2.2 CIÊNCIA POPULAR E SABERES POPULARES ......................................................... 28

2.3 EPISTEMOLOGIAS DO SUL E ECOLOGIA DE SABERES .................................... 31

2.4 ETNOCIÊNCIA: DIÁLOGO ENTRE SABERES CIENTÍFICO E TRADICIONAL 39

3. ENSINAR-E-APRENDER QUÍMICA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO

DIALÓGICA ............................................................................................................................. 45

3.1 EDUCAÇÃO DIALÓGICA: APRENDER COM O OUTRO ........................................ 45

3.2 TEMAS GERADORES NA CONCEPÇÃO FREIREANA ............................................ 59

3.3 PERSPECTIVAS DIALÓGICAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA ........................... 62

4. ENVEREDANDO PELOS CAMINHOS DA PESQUISA PARTICIPANTE ............. 72

4.1 ASPECTOS DA PESQUISA PARTICIPANTE ......................................................... 72

4.2 RODAS DE CONVERSA COMO POSSIBILIDADE METODOLÓGICA ........... 76

4.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA E O SE EXPERENCIAR EM GRUPO ................. 78

5. INTERPRETANDO O PROCESSO DE ENSINAR-E-APRENDER QUÍMICA ........... 98

5.1 A GENTE SE VÊ UM NO OUTRO NA COMUNIDADE, NA ESCOLA NÃO ........... 99

5.2 APRENDER UNS COM OS OUTROS ........................................................................... 102

5.3 CAMINHAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS ............................................................... 107

5.4 METADE/METADE ......................................................................................................... 111

6. CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................ 116

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 122

APÊNDICES ............................................................................................................................ 127

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MEMORIAL

Quando olho para o meu passado visualizo marcas no caminhar de minha vida, que hoje,

sem dúvidas proporcionaram a transformação do meu ser na construção da minha

personalidade, da ética, da visão de mundo, das interações e relacionamentos com as pessoas e

do respeito mútuo que culminaram nas escolhas tanto na vida pessoal como profissional.

Para falar de meu caminhar é necessário mencionar o meu avô Albino Trevisan, um

imigrante italiano que deixou a Província de Treviso, em 1900, para desembarcar no Brasil. Ele

é a referência na construção da minha formação focada em superar obstáculos. Foi alfabetizado

na Itália e, quando chegou ao Brasil, aprendeu rapidamente a falar o português fluentemente

sem frequentar escola, ensinando os seus filhos e netos com os livros escritos em italiano e

simultaneamente os traduzia para o português.

Inicialmente foi empregado em uma fazenda em Cedral-SP e depois de cinco anos com

as economias comprou sua terra, casou-se, criou e educou 10 filhos e 5 sobrinhos órfãos. Uma

frase dita por ele quando eu tinha sete anos marcou muito o meu caminhar: “Filho, o seu futuro

começa a partir dos seus sonhos”. E mais tarde aos 10 anos comentou: “A vida é conduzida de

cinco em cinco anos e no final de cada ano pergunta a si mesmo; aprendi algo novo”? Se sim,

você cresceu. E lá no final do final, valeu a pena viver? Se sim, você fez a diferença neste

mundo. Portanto este memorial obedecerá a ciclos de cinco anos.

Nasci em Santa Fé do Sul, uma pequena cidade no interior de São Paulo no dia 01 de

agosto de 1966, às 17h15, na casa sede do sítio do meu avô. Cresci em uma família com valores

extraordinários ligados à ética, ao respeito, ao companheirismo e à cultura de ensinar o que se

sabe ao outro. Sou o filho caçula entre cinco irmãos e aprendi no dia a dia, principalmente com

meu avô, meus pais, meu irmão mais velho, Nivaldo, e minha irmã Eunice como fazer a

diferença neste mundo de convivência em sociedade.

Na época, aos cinco anos de idade, não existia a pré-escola na cidade e como os meus

irmãos frequentavam a escola regular, eu atormentava a minha mãe para me matricular. Quando

meus irmãos chegavam, eu corria pegar a cartilha “Caminho Suave” e me deliciava com as

figuras e letras que a princípio não entendia, entretanto comecei a correlacioná-las. Observando

o meu interesse, a minha irmã de 10 anos, então na quarta série, se propôs a me ensinar em casa

em uma rotina de segunda a sexta. Fui alfabetizado por ela aos cinco anos e, no final do ano

seguinte, já dominava os conteúdos da Matemática, das Ciências e da Língua Portuguesa de

aluno da terceira série. Quando realmente fui matriculado aos sete anos na escola regular já

havia aprendido como uma criança de 10 anos. No início as aulas eram monótonas, já que havia

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estudado os assuntos propostos pelos professores. Em conversa com o meu avô veio uma ideia:

por que você não pede para a professora deixá-lo ensinar os outros alunos? Adorei a ideia e daí

nasceu o primeiro sinal em compartilhar conhecimento. Adicionalmente, a professora Maria

Cleusa ofereceu alguns livros de leitura infantil para me aperfeiçoar. Dia triste meu avô faleceu.

Em 1975, após uma grande geada que destruiu toda a plantação de café, a minha família

se mudou para Jundiaí e estudei da quarta a oitava séries na Escola Estadual José Silva Junior.

Foi um período de transição, do novo, escola maior, novos amigos a conquistar e novos

desafios, mas o meu foco em aprender sempre e compartilhar conhecimentos permaneceu.

Quando estava na sétima série, as professoras de português e matemática desenvolveram

um projeto de monitoria para alunos com dificuldades e auxílio em tarefas de casa e,

imediatamente, me candidatei para ser monitor desse projeto. Paralelamente participei por três

anos como voluntário das atividades da Igreja Católica liderada pelo Padre Evaristo Afonso,

devoto de Dom Bosco, que mantinha um projeto para acolher crianças das ruas e oferecer

atividades lúdicas, entre as quais havia oficinas de artesanato, jogos pedagógicos e educativos.

Aluno bom de futebol e nos estudos, aulas de redação, bom de conta em Matemática.

Quando finalizei a oitava série, a minha família enfrentava problemas financeiros e

então, aos 15 anos, iniciei a minha vida profissional em uma fábrica de chapéus como estoquista

com a finalidade de continuar os meus estudos no ensino médio. O trabalho precoce trouxe um

pouco à frente o senso de responsabilidade, o compartilhamento do dinheiro com os gastos da

casa, o aprender a poupar e o relacionamento com pessoas de diferentes personalidades e

culturas e tudo isso promoveu certo amadurecimento.

Frente a este período de novidades e, por gostar de Ciências, prestei o vestibulinho para

o curso noturno de quatro anos de Técnico em Alimentos na Escola Estadual Antenor Soares

Gandra. Apesar de ter sido promovido, aos 18 anos, como encarregado do setor de pedidos da

fábrica, a atividade estava longe dos meus objetivos ligados ao curso de Técnico em Alimentos.

No último ano de curso poupei o suficiente e solicitei a minha demissão do emprego para

estagiar no Laboratório do Ministério da Agricultura no setor de Bebidas. O estágio não era

remunerado, entretanto lembrei-me do meu avô “busque os seus sonhos”. Embora não

recebesse remuneração ganhei conhecimentos e no final de um ano me perguntei: Aprendi algo

novo? Sim, logo cresci.

Este crescimento me deu a oportunidade em me candidatar ao processo seletivo de uma

empresa multinacional (Fleischmann Royal) como Analista de Laboratório e, em cinco de

fevereiro de 1987, a minha contratação foi efetivada. Foi um período de grande aprendizado,

tanto pessoal como profissional. Frente aos altos custos, foram necessários quatro anos

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afastados do sonho de prosseguir nos estudos. Em 1988 a minha esposa concluiu a graduação

em Educação Física e, em 15 de dezembro de 1990, nos casamos. Ela foi a principal

incentivadora para a retomada dos meus estudos.

Em 1993, iniciamos o projeto de família com o nascimento da nossa princesa Juliana e,

em 1995, conclui a minha graduação em Química Industrial nas Faculdades Oswaldo Cruz em

São Paulo. Se do lado dos estudos eu estava no momento de aprendizado com a faculdade, na

empresa borbulhavam novidades e, gradativamente, fui promovido para funções com maiores

responsabilidades. Um dos princípios básicos para o aprendizado efetivo na sociedade é o saber

trabalhar em equipe de forma profissional e fazê-lo de forma consciente, bem como estar aberto

para cooperar, saber encontrar e negociar os problemas a serem resolvidos, aprendi no trabalho.

No ano seguinte da minha graduação, em 1995, recebi o convite para lecionar Química

para alunos do Ensino Médio na Escola Estadual João Batista Curado e prontamente decidi

assumir a responsabilidade das aulas. O primeiro grande desafio foi como ensinar Química em

uma escola onde a autoestima era baixíssima, alto índice de criminalidade na comunidade e

consumo de drogas na escola. No primeiro mês senti vontade de desistir, já que trabalhava na

empresa durante o dia e lecionava à noite, entretanto nunca me esquecerei de um momento

único, quando um aluno do segundo ano, viciado em cocaína se aproximou e perguntou:

Professor, qual é a fórmula química da cocaína? O que ela provoca no corpo do usuário? Sabe

por que Professor, todos os dias eu a injeto em meu sangue. A princípio me desmoronei

internamente com o relato, mas abriu espaço para um desafio com a intenção de criar um projeto

a partir da realidade local. Como eu sabia que essa era a realidade dos alunos, alguns usuários

de drogas, outros apesar de não serem usuários vivenciavam no dia a dia uma realidade cruel

para o seu desenvolvimento e, acima de tudo, observava nos rostos de alguns pais marcas da

preocupação e da angústia, então propus um projeto de inserção da problemática das drogas

com os alunos e com algumas perguntas básicas eles definiram os temas a serem estudados:

cocaína, craque, maconha, álcool e o cigarro.

A partir desses temas desenvolvi o conteúdo de Química para cada série procurando

sempre a inter-relação de cada tema com a curiosidade de cada turma, já que a heterogeneidade

imperava nas turmas e os resultados foram extremamente satisfatórios no final do projeto.

Paralelamente desenvolvi um projeto de visita desses alunos à empresa Fleischmann Royal, em

parceria com os Recursos Humanos, com a finalidade de mostrar outra realidade, a do emprego,

das inovações tecnológicas e da possibilidade de construir o próprio futuro. Durante a visita

alguns funcionários, ex-dependentes químicos da mesma comunidade e que estudaram na

mesma escola, fizeram seu relato para mostrar a possibilidade de ter um trabalho digno, uma

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família, paz consigo mesmo e ser dono do seu caminhar. Foi um trabalho fantástico e agente

propulsor da paixão em contribuir em ensinar algo que transforme uma vida.

No ano de 2006, encontrei um homem com a sua família no shopping, em Jundiaí, que

me chamou de Professor Claudemar, aproximou-se e perguntou: não se lembra de mim?

Respondi: para ser sincero não. Logo veio a resposta: Você foi o meu professor na Escola João

Batista e transformou a minha vida! Acredito que deixei alguma marca indelével.

No ano seguinte um professor efetivo assumiu o cargo de Química e então me transferi

para Itupeva para assumir as aulas de Química no ensino médio da escola estadual José Polli.

Na empresa as responsabilidades aumentavam e frequentes viagens a outras unidades

do Grupo dificultaram a continuidade em Itupeva e, do lado familiar, recebemos a dádiva do

nascimento do meu filho Guilherme.

Fui promovido no ano de 1998 como Coordenador de Operações com o principal

objetivo de implantar um Sistema de Qualidade com base em normas internacionais (ISO 9001,

ISO 22000 e ISO 14000, GMP, HACCP e SA 8000). A grande tarefa desse projeto foi treinar

todos os funcionários de diversas áreas e montar os procedimentos. O atuar como professor

constituiu-se como mola propulsora para o sucesso nessa tarefa, pois a aprendizagem construída

na sala de aula catalisou o processo de treinamento e integração das várias áreas da empresa.

Nesse mesmo ano, recebi o convite da Diretora das Escolas Padre Anchieta para

trabalhar como professor no curso Técnico e, no ano seguinte, para atuar na coordenação do

curso, a qual mantenho até hoje. Como a vida é um turbilhão de mudanças, a empresa em 2002

já com o outro nome, que hoje já deve ter outro fruto da globalização, foi vendida e após 18

anos de trabalho me demiti; me chamaram de louco, entretanto minha esposa me apoiou e eu

acreditava que era o momento para seguir o meu caminhar.

No início do segundo semestre de 2003, continuei com a coordenação do curso Técnico

em Química e surgiram outras oportunidades na montagem de cursos de graduação no Centro

Universitário Padre Anchieta, em 2004, Tecnologia em Processos Químicos e, em 2007,

Engenharia Química e Engenharia de Alimentos.

No final de 2003, recebi um convite para assumir a Gerência Industrial de duas plantas

da Usina Itaiquara localizadas em Tapiratiba, no interior de São Paulo, e Passos em Minas

Gerais. As atividades desenvolvidas na empresa estabeleceram uma via de duas mãos entre o

trabalho na empresa e a intensa relação do ser professor e vice-versa, já que as experiências

vivenciadas nos dois ambientes me transformaram em uma pessoa melhor com habilidade de

trabalhar com pessoas e ensinar e aprender ao mesmo tempo. Enquanto trabalhava na Usina

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voltava à Jundiaí três vezes por semana para lecionar e finalizar o curso de Especialização em

Administração Empresarial no UNIANCHIETA.

Após três anos, deixei a Usina para atender o meu coração, abracei a arte do ensinar e

aprender na Escola. Entretanto por dois anos compartilhei tudo isso com a empresa de luvas

Promat localizada na cidade de Cabreúva como Diretor Industrial. Em 2008, com a crise

internacional fui demitido. O que fazer? Continuar somente na área da Educação ou voltar

simultaneamente em empresa? A resposta veio em 2009, quando tive um grave problema de

saúde que após uma ruptura muscular veio uma embolia pulmonar. Foram cinco meses de

recuperação e reflexão, assim, até os dias atuais a escolha está na Educação, onde atuo como

professor nos cursos da Engenharia Química, Processos Químicos e Engenharia de Alimentos

no Centro Universitário Padre Anchieta, sou coordenador do Curso Técnico em Química e do

Ensino Médio nas Escolas Padre Anchieta. Dando movimento ao meu caminhar, em 2014,

conclui o curso de Especialização em Didática e Prática Pedagógica do Ensino Superior. Já em

2015 conclui Pedagogia e iniciei o meu mestrado em Educação no UNISAL.

Portanto, daqui em diante, “emergem características que não se faziam presentes nas

partes isoladas” (ANTÔNIO, 2009, p. 83).

O tapete, como tecido, é mais que a soma dos fios. No entanto, os fios podem tecer

outras tramas possíveis: nesse sentido, o tapete é menor do que os fios. A terceira

etapa da complexidade é o reconhecimento de que, assim, o todo é maior e é menor

do que as partes, ao mesmo tempo (ANTÔNIO, 2009, p. 83).

Assim o meu tapete está sendo tecido por fios de várias cores, mas não importam quais;

o que importa é que os entrelaçamentos estão no caminhar de todas as experiências vivenciadas

ao longo da minha vida em processos formais e informais de educação; segue mostrando minhas

ideias e desassossegos cada vez mais pautados pelo conceito sociocomunitário.

Nesses entrelaçamentos perfazem-se desassossegos vinculados a uma sociedade movida

por um intenso turbilhão de informações, apelos para o consumismo exacerbado, relações

superficiais, seja pessoal ou profissionalmente, da tecnologia e da informação. O que saber

desses saberes? Será uma visão caleidoscópica? Sociedade fragmentada e ao mesmo tempo

globalizada. Exige para superação da desigualdade um olhar abrangente. E ao Ensino? A

articulação estreita dos saberes e capacidades. Evitar a massificação. Distinguir para unir com

a finalidade de promover a percepção das diferenças e desigualdades. Tê-las vivenciadas na

rotina do trabalho ajudou muito no meu crescimento como ser humano. Os fios se entrelaçam.

Acredito na inserção dos trabalhos práticos na rotina acadêmica; dinâmica para o ato de

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aprender e, que as interações entre professor e aluno nessa ótica, um ambiente de “sala de troca

de experiências”, sejam um laboratório efetivo no aprendizado para vida do trabalho e da

convivência na sociedade multicultural e globalizada.

Estou, aqui, aprendendo mais, no mestrado, com a vida e o futuro... vamos construí-lo;

as partes isoladas dos fios se entrelaçam.

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1. INTRODUÇÃO

O nosso objetivo com essa pesquisa é compreender como saberes populares,

notadamente, aqueles voltados ao uso de plantas medicinais, podem ser utilizados como ponte

de diálogo entre a ciência popular e a ciência moderna no ensinar-e-aprender Química.

Procuramos também problematizar as relações de complementaridade entre o saber científico

e o saber popular e fomentar o ensinar-e-aprender Química considerando saberes presentes no

cotidiano dos educandos.

Partimos do questionamento: “Que contribuições o ensino de Química, na perspectiva

da etnociência, pode suscitar para um aprender-e-ensinar Química mais próximo da realidade e

para a percepção das relações de complementariedade entre os saberes populares e saberes

científicos”?

Entendemos que uma concepção plural de ciência caracterizada pela

complementariedade de saberes e conectada à busca de diálogo entre os saberes populares e

científicos possa se constituir como contraponto ao domínio da ciência moderna e do

encobrimento dos saberes populares; cremos que a autonomia de homens e mulheres e também

considerando as suas aspirações, tradições culturais e potencialidades de conhecer e agir

possam articular uma voz e um saber próprio, muitas vezes encoberto pela primazia da ciência

clássica, caracterizando-se como ciência popular.

Esse saber popular não é valorizado como o saber científico, sendo esta uma das

dimensões em que podemos observar a tensa relação dialética entre opressores versus

oprimidos, de que nos fala Freire (1970) e de como é fundamental a práxis (ação/reflexão/ação)

que possa problematizar essas tensões, visando à superação dessas relações de opressão.

De acordo com Freire e Shor (1986), a busca da restauração da intersubjetividade se

apresenta como pedagogia dos homens e mulheres de forma humanista e libertadora que,

mediante a práxis se engajam na busca pela transformação da realidade.

Consideramos que o desenvolvimento de uma abordagem de ensino de Química pautada

na etnociência capaz de favorecer o diálogo entre saberes científicos e populares é importante

para a formação ética e solidária dos educandos, possibilitando a construção de uma matriz

curricular multicultural, conforme preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais.

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Partimos também do entendimento de que a práxis da ecologia de saberes consiste na

promoção do diálogo entre vários saberes e que em seu contexto epistemológico denuncia a

supressão desses saberes levada a cabo, ao longo dos últimos séculos, pela norma

epistemológica dominante e valorizam aqueles que resistiram com êxito e as reflexões que estes

têm produzido e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos.

(SANTOS; MENESES, 2010).

A inserção de uma temática, no ensino de Química, referente ao uso de plantas

medicinais por populações tradicionais, no estudo dos saberes e experiências compartilhadas

por elas, corrobora a importância do processo educacional na geração e compartilhamento de

novos saberes. Por vezes, educandos verbalizam que não conseguem aprender Química, pois a

disciplina é muito difícil e distante de sua realidade.

Em consonância com Prigol e Del Pino (2008, p.1), consideramos que o ensino de

ciências, e também o de Química, pode se tornar “mais crítico e mais cheio de realidade” ao

trabalharmos a temática dos saberes populares, sendo esta uma maneira de questionar a

legitimação do saber científico em detrimento dos demais saberes. A leitura de Brasil (2006),

nos mostrou os trabalhos de Mortimer (1996;2000) e de Romanelli e Justi (1997), relatando

sobre a importância da participação ativa do aluno na construção do conhecimento científico e

o compartilhamento de suas concepções e do seu contexto sociocultural, aliado à uma

abordagem articulada entre teoria/prática/tecnologia/meio ambiente e questões sociais.

Ao longo desta pesquisa, procuramos demonstrar como esse trabalho foi realizado,

junto a educandos de um curso técnico em Química. Cabe ressaltar que nosso objetivo não foi

o de desvalorizar os saberes científicos e enaltecer os saberes populares, mas sim buscar

desvelar as relações de complementariedade entre ambos.

Perceber as relações de complementariedade entre os saberes populares e científicos

configura-se como passo importante para que os educandos se reconheçam como protagonistas

dos processos de ensino-aprendizagem, suscitando contribuições para efetivação e valorização

de uma educação intercultural.

A metodologia desta pesquisa pauta-se no referencial da Educação Popular e na

pesquisa participante, portanto, visa à construção de conhecimento por intermédio do diálogo

entre pesquisador e educandos de um curso técnico em Química noturno, na cidade de Jundiaí-

SP. Optamos pela escolha da roda de conversa como metodologia de trabalho nos encontros

com os participantes da pesquisa por entender sua característica de se abarcar na

horizontalização das relações de poder e se firmar com encontros que possibilitam o diálogo

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em grupo, estimulando os participantes na intencionalidade de compartilhar saberes, ensinar e

aprender entre todos (SAMPAIO et al, 2014).

Iniciamos o primeiro capítulo, “Em busca da complementariedade de saberes”,

discutindo o conceito de etnocentrismo e o processo de encobrimento das culturas e saberes do

Sul global2 e focamos no esforço de compreender o “Outro”3 no seu próprio mundo e aceitar

as diferenças e os contrapontos necessários a uma visão contra hegemônica frente às ideias

eurocêntricas que, no transcorrer do tempo, na modernidade se aplicou uma estrutura de

conhecimento modelada no padrão epistemológico da ciência moderna, ignorando os outros

saberes.

Em seguida, discorremos na direção das concepções de ciência popular de Fals Borda

(1981), para além do pensamento abissal de Santos (2007), das epistemologias do sul de Santos

e Meneses (2010) , da ecologia de saberes de Santos(2007) e etnociência de Diegues (2000) ;

Ferreira (2014) e Almeida (2008), culminando na reflexão acerca de suas contribuições para

construção de um paradigma científico dialógico que faz frente à racionalidade imposta pelo

etnocentrismo e que possamos tecer um diálogo entre os saberes científicos e os populares em

complementariedade e não em rivalização.

No segundo capítulo, “Ensinar-e-aprender Química na perspectiva da Educação

Dialógica, discorremos sobre as perspectivas da educação dialógica de Freire (1970;

1986;2008;2011;2012); Shor (1986); Fleuri (2003a), Streck (2009) e Oliveira (2011) e do

ensinar-e-aprender/aprender-e-ensinar juntos educador e educando, Brandão (1984;2008) e

Borges (2008). Acreditamos que o diálogo nutri os espaços democráticos regado por um pensar

plural e argumentativo, oportunizando o compartilhamento de conhecimentos.

Trouxemos também para esse capítulo os temas geradores na concepção freireana e

discorremos sobre as perspectivas dialógicas para o ensino de Química Brasil Mortimer

(1996;2000), Romanelli(1997), Prigol e Del Pino (2008), Wartha e Rezende (2011) e Brasil

(1996;1999;2002;2005a; 2006 e 2007).

No terceiro capítulo “Enveredando pelos caminhos da Pesquisa Participante”

discorremos sobre o caminhar da pesquisa de campo, o seu contexto, os sujeitos e o

procedimento metodológico compartilhado por outros pesquisadores que se experenciaram na

pesquisa participante e nos estudos situados no campo da Educação Popular e nas suas

2 Saberes que resgatam e valorizam os conhecimentos, experiências, práticas e saberes próprios dos povos do Sul. 3Outro como dominado e sobe o controle do conquistador, do domínio do centro sobre a periferia. (DUSSEL,

1993, p.15). O termo “Outro” foi utilizado também em referência e inspirado na obra, Criar com o Outro: o

educador do diálogo de Carlos Rodrigues Brandão e Maristela Corrêa Borges.

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interfaces, além de discorrer sobre as formas de coletar e trabalhar os dados que emergiram nas

rodas de conversa com o pesquisador e os educandos do curso Técnico em Química das Escolas

Padre Anchieta de Jundiaí-SP. As conversas foram anotadas em um diário de campo e foram

transcritas juntamente com as falas gravadas em duas rodas de conversas das três que

realizamos e se encontram como apêndice do trabalho. Embasamos nossas considerações

apoiadas nos aportes teóricos da Pesquisa Participante de autores(as) como Brandão e Borges

(2008); Streck e Adams (2011); Moura e Lima (2014), Sampaio et al (2014).

No quarto capítulo, “Interpretando o processo de ensinar-e-aprender Química”, são

apresentados e discutidos os temas geradores que emergiram da fala dos participantes, a saber:

A) A gente se vê um no outro na comunidade, na escola não.

B) Aprender uns com os outros

C) Caminhar com as próprias pernas

D) Metade/Metade

Em nossas considerações compartilhamos contribuições da pesquisa e optamos por

lançar sugestões e possibilidades para futuras investigações sobre o ensinar-e-aprender Química

mediado pela dialogicidade nas relações educador-educando.

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2. EM BUSCA DA COMPLEMENTARIEDADE DE SABERES

Neste capítulo, apresentaremos o aporte teórico da pesquisa realizada que se pautou em

uma concepção plural de ciência caracterizada pela complementariedade de saberes, isto é, pela

busca de diálogo entre os saberes populares e científicos. Para tanto, discorremos inicialmente

sobre o conceito de etnocentrismo a fim de mostrar o processo histórico de encobrimento dos

saberes populares e, posteriormente, discutiremos as concepções de ciência popular,

epistemologias do sul, ecologia de saberes e etnociência, culminando na reflexão acerca de suas

contribuições para construção de um paradigma científico dialógico que faz frente à

racionalidade imposta pelo etnocentrismo.

2.1 ETNOCENTRISMO E O PROCESSO DE ENCOBRIMENTO DAS CULTURAS E

SABERES DO SUL

Partilhamos com Rocha (1988) o entendimento que o etnocentrismo caracteriza-se na

interpelação de um fenômeno onde os aportes intelectuais e racionais, e também no que se

refere aos elementos emocionais e afetivos, são consubstanciados e norteados por uma visão de

mundo em que um determinado grupo étnico é promovido como o centro de tudo e todos os

demais grupos/etnias são encobertos pelo olhar do dominador.

Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como

centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores,

nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode

ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como

sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. (ROCHA, 1988, p.5).

Rocha (1998) denuncia que o dominador doutrina o Outro e sua cultura, de modo que

determinados grupos sociais e instituições, como a escola, são meramente um juízo, uma

imagem deformada, a qual é manobrada de acordo com os interesses desse lado do eu (o

dominador). Por sua vez, ao Outro é impugnada um mínimo de autonomia vital para proferir

de si próprio. “Aliás, brabos e mansos são dois termos que muitas vezes foram empregados no

Brasil para designar o humor de determinados animais e o estado de várias tribos de índios ou

de escravos negros” (ROCHA, 1988, p.7).

O eurocentrismo colonial constituiu-se, portanto, como uma forma de etnocentrismo

que impôs a cultura europeia como padrão em detrimento das diversas manifestações culturais

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(de matriz indígena, africana, etc). Desta forma identificam-se as diferentes faces que o

dominador toma para si para estereotipar o “Outro” como melhor lhe convém; os europeus na

falácia de serem superiores e civilizados, na conquista da América, inicialmente viam o

indígena como selvagem, primitivo, pré-histórico, antropófago, etc.

Em um segundo momento com a introdução da catequese, os europeus avistavam o

indígena com o estereótipo de ser criança, inocente, infantil, almas-virgens, introduzindo a

visão de que o indígena é quem necessitava do zelo que a religião lhes queria impelir. Já de

forma derradeira e até recente, pela cronologia histórica, refere-se a “etnia brasileira”

constituída por portugueses, negros e os índios e, como num passe de mágica, para atender a

uma demanda etnocêntrica o indígena se torna destemido, distinto e ávido por liberdade. Rocha

(1988) menciona que essas sutilidades, cerceamentos, violências, hostilidades e insistências

caracterizam o etnocentrismo.

[...] o etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura do Outro

nos termos da cultura do grupo do eu. [...] Tanto no presente como no passado, tanto

aqui como em vários outros lugares, a lógica do extermínio regulou, infinitas vezes,

as relações entre a chamada civilização ocidental e as sociedades tribais (ROCHA,

1988, p.7).

No nosso cotidiano vemos ideias etnocêntricas se multiplicando em alguns meios de

comunicação (rádio e TV, jornais, publicidades) alimentados pela criação sistemática e

estereotipada de “Outros” que servem para ratificar, por negação, uma sequência de valores de

determinado grupo dominante que tenta se impor sobre o outro. Como exemplo dessa

imposição, podemos apontar o padrão de beleza vigente - cabelo loiro e liso – que é perceptível

nas constantes propagandas de cremes para alisamento e tintura dos cabelos, etc.

Ainda de acordo com Rocha (1988), em nossas próprias ações frente a outros grupos

sociais com os quais compartilhamos os espaços, principalmente, nos grandes centros urbanos,

mas também nos menores centros, no campo e nas florestas, as atitudes etnocêntricas estão

presentes mesmo que em fragmentos expressos em frases como, “só pode ser mulher”, “serviço

de negro”, ¨farinha do mesmo saco”, “os paraíbas da obra”, ¨os chinas¨, ¨parece índio¨,

¨senzala”, entre outras. Fragmentos esses que provocam classificação e a inserção de

estereótipos por intermédio dos quais muitos se direcionam para o enfrentamento do cotidiano

com a diferença. Diferenças (mulheres, gays, transexuais, jovens, idosos, escolas, favelados,

pessoas ligadas a religiões não cristãs e todos os demais Outros) que, sob a ótica etnocêntrica,

são percebidas pela negatividade, tornando-se sinônimo de inferioridade a ser superada, ou no

máximo tolerada.

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Uma evidência da amplitude que essas ideias etnocêntricas podem atingir é o

Eurocentrismo, que iniciou-se no processo de colonização e perdura na colonialidade.

Colonialidade é, aqui, entendida como elemento que sustenta a imposição

racial/étnica enquanto padrão de poder e que opera nos planos materiais e subjetivos

da existência social cotidiana e da escala societal. É um fenômeno decorrente do

colonialismo, mas que se estende ao território das ideias, dos valores, das ideologias

que fundam visões sociais de mundo (MORETTI; ADAMS, 2011, p. 449).

Na América Latina, podemos associá-lo à dimensão econômica, mediante a apropriação

de terras, exploração exacerbada dos recursos naturais e o uso da mão de obra escravizada,

enquanto que, politicamente, o processo é gerido através do controle do poder, permeado pelo

Governo, pela ação militar e bélica e das instituições. A outra dimensão é a epistêmica ancorada

no controle do saber pelo controle do ser, focado na subjetividade de gênero, raça e sexualidade.

Eurocentrismo é, aqui, o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração

sistemática começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII, ainda

que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos

séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo

do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu associada à específica

secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do

padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a

partir da América (QUIJANO, 2005, p.115).

Para compreender como culturas e saberes populares foram historicamente encobertos,

o filósofo Dussel voltou ao ano de 1492, na obra “Encobrimento do Outro - a origem do “Mito

da Modernidade: Conferências de Frankfurt”. Dussel (1993) elucida que é preciso ir à origem

do Mito da Modernidade, isto é, compreender que esta se assenta em um conceito emancipador

racional, mas por outro lado, desenvolve um mito irracional de justificação da violência sobre

os povos tidos como não civilizados, não modernos e, em última instância, não europeus, como

pode ser observado, por exemplo, no processo de colonização da América Latina.

De acordo com Dussel (1993), em uma linha unilateral e cartesiana de análise, a

Modernidade é explicada como um fenômeno atribuído exclusivamente aos europeus, mais

precisamente os europeus do norte da Europa. O autor nos instiga a olhar com mais criticidade

para o entendimento da Modernidade como um fenômeno de afirmação da Europa como centro

do sistema mundo, nutrido e assentado em uma relação dialética com os povos não-europeus

que são negados de ser, gerando assim um avassalador encobrimento do “Outro como dominado

e sob o controle do conquistador, do domínio do centro sobre a periferia” (DUSSEL, 1993,

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p.15). A análise de Dussel aborda, especificamente, o encobrimento dos povos latino-

americanos.

Acreditamos na necessidade de reflexão sobre o processo de constituição da

Modernidade, já que a discussão filosófica ainda é atual e pertinente frente ao encobrimento do

Outro. Para Dussel (1993) a Modernidade se estabelece como paradigma dominante, já que

para entendermos a linguagem, a ciência, os fatos históricos, as questões religiosas, a lógica

econômica e os sistemas educacionais, entre outros princípios da sociedade, partimos de um

autodeclarado centro pós-data de 1492, isto é, da Europa que, como centro de tudo, encobre o

Outro.

Pretendemos inquerir a Modernidade por intermédio de um olhar motivado na análise

do período histórico. É a partir do século XV, das bases político-econômicas e dos aparatos

filosóficos que, para Dussel (1993), os desenhos atuais, especialmente na América Latina, estão

intimamente interligados aos resquícios da rota opressora do dominador europeu contra o

Outro, no período colonial.

De maneira criteriosa, Dussel (1993) investiga a Modernidade como um mito, o qual foi

engendrado para promover uma justificativa racional perante o domínio europeu frente ao

Outro, o encoberto. Em contrapartida, sincronicamente, em que se avolumava um desenho

irracional de pretexto da violência avassaladora contra o Outro, que devia ser refutado.

Contra o racionalismo universalista não negaremos o seu núcleo racional e sim seu

momento irracional do mito sacrificial. Não negaremos então a razão, mas a

irracionalidade da violência do mito moderno; não negamos a razão, mas a

irracionalidade pós-moderna, afirmamos a “razão do outro” rumo a uma mundialidade

transmoderna (DUSSELL, 1993, p.24).

Compreende-se que o conceito de Modernidade europeia está centrado no campo da

conjetura das contingências, um caminho que foi arquitetado em um decurso longo, precedido

a era das revoluções, se descerra por uma Europa, muito mais a do Norte, como o centro frente

ao mundo, e o estabelecimento de quaisquer outras culturas como sendo a periferia.

Dussel (1993) observa que, embora toda cultura seja de certa forma etnocêntrica, o

etnocentrismo centrado no coração da Modernidade europeia é o único que aspira discernir-se

como universal, projetando-se como padrão a ser seguido por todo o sistema-mundo. Desta

forma atribui ao eurocentrismo da Modernidade como sendo uma dicotomia de desordem no

fato de “haver confundido a universalidade abstrata com a mundialidade concreta

hegemonizada pela Europa como centro” (DUSSEL, 2005, p.28).

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Dussel (1993) relata a existência de uma concepção eurocêntrica que afirma a

supremacia racional da Europa sobre outros povos, logo se apregoa uma racionalidade europeia

como universal diante à particular. Constitui-se o vértice do desenvolvimento europeu frente à

periferia. Complementarmente descreve que, no núcleo da racionalidade moderna, se fortaleceu

e disseminou a irracionalidade político-econômica, a militar, a imposição religiosa e cultural.

“Quer dizer, para Hegel, a Europa cristã moderna nada tem a aprender dos outros mundos,

outras culturas. Tem um princípio de si mesma e é sua plena realização” (DUSSEL, 1993, p.26).

Essa irracionalidade é retratada quando a civilização moderna se autodefine como mais

avançada e superior e se impõe com o seu olhar sobre aqueles que são tidos como primitivos,

bárbaros e rudes. Fato esse que coloca a Europa como protagonista perante a periferia e, se tiver

insurgência ao processo civilizador, a prática da violência lhe é concedida e se move em prol

do caráter civilizatório da Modernidade, elucidam-se como inevitáveis os sofrimentos ou

sacrifícios, classificados como os custos dessa modernização dos outros povos imaturos, das

outras raças escravizáveis ou do outro sexo por ser frágil. Portanto tem a culpa por estarem na

contramão do processo civilizador que caracteriza uma posição assumidamente eurocêntrica

(DUSSEL, 2005).

Então, descortina-se aqui, nessa postura, que é impreterivelmente necessária a

discordância de Dussel (1993), e também nossa, com relação ao Mito da Modernidade, visto

que este revela a rejeição da alteridade e exterioridade do Outro, afrontando o seu modo de ser

na vida, com a natureza, a sua cultura e a sua religião, além de legitimar a violência a esse Outro

em nome do processo civilizatório.

O europeu dominador que se lançou em busca de novas terras e riqueza constitui-se

como o primeiro homem moderno atinado, com senso de realidade, que impeliu sua

individualidade violenta a outros povos, ao Outro, ao “en-coberto”.

Apresenta-se a individualidade do europeu perante o Outro com o uso bélico e

posteriormente se estende em colonização, em imposição espiritual e, por fim, ostentada pela

aristocracia colonial como união de dois mundos, velando o genocídio de um dos mundos, por

parte do conquistador europeu e seu seguimento como dominação de forma impositiva.

O processo de opressão e genocídio, desde a vinda dos europeus colonizadores à

América, instaurado sobre os povos originários provocou marcas profundas no cotidiano dessas

populações, proporcionando um silenciamento não espontâneo em determinados grupos frente

às ações de exterminar os modos indígenas de ser e viver pelos não índios.

Buscando subsídios para entendermos o encobrimento do Outro no processo de

colonização do Sul da América, as populações originárias pela lógica hegemônica dos europeus,

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instantaneamente, foram negadas em si mesmos e, de acordo com Dussel (1993), foram

encobertas como Outro e seu povo exibido como bárbaro e não civilizado.

Reconhecemos que populações originárias são constituídas pelos povos que estavam

nas Américas, antes do encontro colonial, com a sua cultura e saberes próprios. Desde o

processo de colonização vários grupos tradicionais estão sendo formados com características

culturais próprias, tais como seringueiros e castanheiros da Amazônia, coletores de berbigão de

Santa Catarina, babaçueiras do sul do Maranhão e quilombolas do Tocantins, entre outros

(CUNHA, 1999).

Acreditamos na importância de nomear conceitualmente as populações tradicionais no

Brasil conforme, o decreto n.º 6.040, de sete de fevereiro de 2007, que tem como referência o

Artigo três ao termo “populações tradicionais” como:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se

reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam

territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,

ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos

pela tradição (BRASIL, 2007, p.20).

Para Cunha e Almeida (2001) as populações tradicionais caracterizam-se por lutar

constantemente para conquistar uma identidade pública no entorno de ações que englobam:

uma organização social em que haja equidade, manejo do meio ambiente com baixo impacto;

presença de líderes locais e de instituições com legitimidade para impor o cumprimento das leis

e de traços culturais que são reafirmados e reelaborados. O processo de conquista dessa

identidade se dá por meios práticos e simbólicos. Ainda os autores esclarecem sobre a

denominação dos povos indígenas e das “populações tradicionais”.

Embora populações tradicionais tenham tomado os povos indígenas como modelos, a

categoria "populações tradicionais" não os inclui. A separação repousa sobre uma distinção

legal fundamental: os direitos territoriais indígenas não são qualificados em termos de

conservação, mesmo quando se verifica que as terras indígenas figuram como "ilhas" de

conservação ambiental em contextos de acelerada devastação. Para realçar essa especificidade

da legislação brasileira que separa os povos indígenas das "populações tradicionais” não os

incluiremos nesta categoria, e estaremos usando, quando necessário, a expressão "populações

indígenas e tradicionais" (CUNHA; ALMEIDA, 2001, p.184).

Partimos, pois do entendimento que as “populações tradicionais” compostas por

caiçaras, sitiantes e roceiros tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais,

grupos extrativistas entre outros, como também os povos indígenas construíram e constroem

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saberes que constantemente são reafirmados e reelaborados. Entendemos que esses saberes

populares são reconstruídos e compartilhados genuinamente nesses grupos e nos interessa

entendê-los para buscar complementariedades com o saber científico.

Diante do exposto, reafirmamos a urgência de uma racionalidade que se contraponha à

perspectiva etnocêntrica/eurocêntrica, buscamos contribuir com o processo de construção de

uma racionalidade que valorize a pluralidade de saberes, fazendo frente, desta forma, à

colonialidade do saber e à perpetuação do projeto moderno de encobrimento do Outro. Este

contraponto vem sendo tecido, historicamente, por autores latino-americanos (Orlando Fals

Borda, Paulo Freire, Anibal Quijano, Enrique Dussel, etc) e, mais recentemente, por autores

portugueses (Boaventura de Sousa Santos, Maria Paula Meneses) que vêm apontando

contribuições para consolidação de uma ciência popular que permite visibilizar as

Epistemologias do Sul.

2.2 CIÊNCIA POPULAR E SABERES POPULARES

Como contraponto ao domínio da ciência moderna e do encobrimento dos saberes

populares acreditamos que a autonomia de homens e mulheres e também considerando as suas

aspirações, tradições culturais e potencialidades de conhecer e agir podem articular uma voz e

um saber próprio, configurando uma ciência popular.

Para Fals Borda (1981, p.43) existe uma fonte de sabedoria e tradição, denominada de

ciência popular ou ciência do homem comum, que através de uma certa simplicidade, nos

mostram os caminhos e mesmo as respostas para os problemas sociais vivenciados no cotidiano.

Entendemos por ciência popular – ou folclore, conhecimento popular, sabedoria

popular – o conhecimento empírico, ou fundado no senso comum que tem sido uma

característica ancestral, cultural e ideológica dos que se acham na base da sociedade.

Este conhecimento lhes tem possibilitado criar, trabalhar e interpretar,

predominantemente com os recursos naturais diretos oferecidos ao homem (FALS

BORDA, 1981, p.45).

De certa forma, a ciência se caracteriza como “um produto cultural do intelecto

humano” que atende a “necessidades coletivas concretas", englobando as ideias sobrenaturais

e o além do âmbito científico, bem como aos propósitos específicos estabelecidos pelas classes

sociais dominantes (FALS BORDA, 1981, p.44).

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Classe dominante que arquiteta uma ciência delineada pelo estabelecimento e a

aplicação de métodos e técnicas inseridas em conceitos de racionalidade formalmente

legitimada por um pequeno número de cientistas que buscam um produto final representado por

objetos, artefatos, leis, princípios, fórmulas, teses, paradigmas ou demonstrações (FALS

BORDA, 1981).

Entretanto, além de serem cientistas são primeiramente seres humanos cercados por

emoções, interesses, crenças e questões interpretativas no entorno de sua convivência pessoal,

social e cultural e como consequência “não pode haver valores absolutos no conhecimento

científico porque este irá variar conforme os interesses objetivos das classes envolvidas na

formação e na acumulação de conhecimento, ou seja, na sua produção” (FALS BORDA, 1981,

p.44).

Como pressão sobre a ciência popular relatada recai o monopólio por parte de cientistas

ocidentais sobre o que é definido como ciência e o que pode e o que não pode ser considerado

científico. A comunidade científica ocidental comunga-se no sentido de manter o “status quo”

econômico e político que norteia o sistema capitalista dominante como referência para

possibilitar a promoção de atributos de monopolização e de definição de ciência e arbitrar o que

é e o que não se caracteriza como científico (FALS BORDA, 1981).

Os entrelaces dos cientistas com as questões políticas e econômicas e com o processo

capitalista dominante são marcantes que os orientam a trabalhar com os objetos e fatos que

estejam sob o guarda-chuva do sistema posto e buscam a supressão ou a eliminação de outros

objetivos, que, se repensados ou mostrados como relevantes, revelariam questões discrepantes

inerentes ao capitalismo.

Para alimentar o sistema dominante, os países ocidentais, seja no domínio local ou geral

mantêm um aparelho científico arquitetado para salvaguardar os interesses da burguesia. Assim

oprime e limita o incremento de outras construções científicas, situadas na base da sociedade.

Como forma de ofuscar e encobrir os saberes e conhecimentos populares, a ciência

clássica/moderna não os reconhece, alegando que os mesmos não estão codificados segundo os

padrões científicos e não são sistematizados e, assim, minam as possibilidades dos grupos

populares se articularem e se expressarem com seus próprios termos.

A ciência popular tem uma racionalidade própria e também uma estrutura de causalidade

que lhe confere mérito, isto é, pode demonstrar por si mesma que tem legitimidade científica.

No entanto esta sabedoria popular representa uma transgressão às regras da ciência

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clássica/moderna do sistema dominante, permanecendo fora do perímetro da ciência formal.

Como exemplo, “os costumes práticos de um curandeiro camponês são inaceitáveis a um

médico4. E sua inaceitabilidade provém do fato de que ignoram e ultrapassam os esquemas

institucionais do médico” (FALS BORDA, 1981 p.45).

Se associarmos a ciência e o interesse de classe ela se caracteriza como um processo

global e permanente que permeia vários níveis e que se pronuncia por intermédio de grupos de

homens e mulheres que estão inseridos em diferentes classes sociais.

De acordo com Fals Borda (1981) é permitido na ciência adicionar ou tirar dados,

evidenciar ou negligenciar determinadas interpretações; pode-se conceder maior importância a

alguns fatores em detrimento de outros e por fim construir e desfazer paradigmas averiguáveis

de conhecimento. Diversos conjuntos de conhecimentos, bem como os seus dados podem ser

articulados, visando ao domínio social, político e econômico que são mediados pelos diferentes

interesses de classes sociais díspares.

Conforme argumenta Fals Borda (1981), esses distintos interesses de classe, e também

culturais, não devem resultar no abandono de todo conhecimento que oportunizou a soberania

burguesa, como ocorrera na época feudal. O que se busca, na ciência popular, é um diálogo que

promova relações complementares com os conhecimentos e saberes científicos. Tomemos,

como exemplo, as invenções tecnológicas consolidadas no âmbito da ciência clássica, que

podem ser favoráveis para as classes sociais menos favorecidas, economicamente, no sentido

de auxiliá-las em seu engajamento social e na tomada de poder, visto que este poder é

conseguido por intermédio da ação política que se destina à transformação da sociedade.

Cabe aqui pensarmos na destruição do anterior para se dedicar a uma reconstrução em

consonância com novos planos científicos marcados também pela ciência popular livre da

rivalidade com a ciência clássica. Ser um cientista hoje significa estar comprometido com algo

que influencie o presente e o futuro da humanidade e assim a “substância da ciência é tanto

4 Apesar do saber médico muitas vezes não reconhecer o saber popular em relação aos cuidados com a saúde,

existe uma Política Nacional de Educação Popular em Saúde, que admite e legitima a inclusão dos saberes

populares. Como objetivo geral a (PNEPS) objetiva “implementar a Educação Popular em Saúde no âmbito do

SUS, contribuindo com a participação popular, com a gestão participativa, o controle social, o cuidado, a formação

e as práticas educativas em saúde” (BRASIL, 2012, p.20). E ainda, “A PNEPS enquanto política compreende essas

práticas como importantes elementos na mediação entre os saberes técnico-científicos e populares. Reconhece

atores historicamente invisibilizados nos territórios pelos serviços de saúde sem a pretensão de torná-los oficiais,

nem tão pouco profissionalizá-los, buscando visibilizá-los junto à sociedade e aos serviços de saúde no SUS

(BRASIL, 2012, p.11)

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qualitativa quanto cultural; não é apenas uma mera quantificação estatística mas a compreensão

de realidades” (FALS BORDA, 1981, p.47).

Quanto à importância do papel da ciência popular e o que ela tem realizado para a

humanidade basta focarmos os produtos agrícolas, as práticas da sabedoria popular e as suas

relações medicinais e as ricas contribuições artísticas.

Acreditamos na indispensabilidade de se zelar por uma postura crítica com relação ao

pensamento do que é a ciência e as questões éticas, caso queiramos melhor compreender a

natureza dos processos envolvendo a sabedoria popular. Assim, o “saber acadêmico não tem

razão de existir para si mesmo e nem é a única maneira de conhecer a realidade. Segue-se que

o horizonte é a criação de uma ciência popular, na qual as disciplinas não desaparecem, mas

são integradas criticamente na matriz epistêmica do povo” (STRECK; ADAMS 2011, p, 482).

Para Fals Borda (1981) é salutar que possamos descobrir e construir uma estrutura

científica intrínseca do conhecimento popular, das regras do saber popular e do senso comum

enquanto componentes para atingir as metas de uma sociedade melhor e justa. Vale o

questionamento sobre a intenção de enxergarmos novos tipos de laboratórios populares. Estes

estariam distribuídos por múltiplos pontos pelas áreas urbanas e no campo, fomentados por suas

próprias problemáticas, com o intuito de formar homens e mulheres que fossem orgânicos com

as classes operárias e suas organizações.

Por esse olhar, existiria a possibilidade de enxergarmos de maneira mais precisa como

o homem e a mulher comuns conseguiriam articular a sua própria ciência como sabedoria

popular para salvaguardar a sua identidade, sua cultura, seus benefícios e seus valores

essenciais, como indício de avanço no âmbito social geral.

2.3 EPISTEMOLOGIAS DO SUL E ECOLOGIA DE SABERES

A finalidade das Epistemologias do Sul é procurar ressaltar estes conhecimentos calados

e encobertos, além de propor um diálogo entre os mesmos e os saberes científicos visando à

superação do modelo epistêmico moderno ocidental que se classifica como um pensamento

abissal, pois é um pensamento que através de linhas imaginárias divide o mundo em duas

esferas (Norte e Sul) e o polemiza (SANTOS; MENESES, 2010).

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As Epistemologias do Sul têm o seu ponto de partida na constatação de que o

colonialismo caracterizou-se pela dominação epistemológica e uma relação desigual de saber-

poder. Segundo Santos e Meneses:

Trata-se do conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam a supressão dos

saberes levada a cabo, ao longo dos últimos séculos, pela norma epistemológica

dominante, valorizam os saberes que resistiram com êxito e as reflexões que estes têm

produzido e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos.

A esse diálogo entre saberes chamamos ecologias de saberes (SANTOS; MENESES,

2010, p. 7).

Pretendemos caminhar no sentido de que as Epistemologias do Sul constituem-se como

uma proposta que questiona a lógica que alimentou a soberania epistêmica da ciência moderna,

uma lógica que se instalou abraçada com a exclusão e o silenciamento de povos e culturas

geridos pelo colonialismo e o capitalismo.

Acreditamos que a discussão da ciência moderna pela ótica das Epistemologias de Sul

é fundamental para dar suporte ao nosso entendimento de que no eurocentrismo, os saberes

populares são vistos não em relação de complementariedade, mas em relação de hierarquização

e rivalidade.

Boaventura de Sousa Santos defende que a epistemologia ocidental dominante foi

construída na base das necessidades de dominação colonial e assenta na ideia de um

pensamento abissal. Este pensamento opera pela definição unilateral de linhas que

dividem as experiências, os saberes e os atores sociais entre os que são úteis

inteligíveis e visíveis (os que ficam do lado de cá da linha5) e os que são inúteis ou

perigosos, ininteligíveis, objetos de supressão ou esquecimento (os que ficam do lado

de lá da linha) (GOMES, 2012, p. 43).

A ciência moderna, de acordo com Santos (2007), foi concebida em um modelo

hegemônico de fazer ciência, proveniente de um padrão de racionalidade ancorado na

proposição de leis gerais com aplicação nas ciências naturais que foram instituídas na Europa

entre os séculos XVI e XIX. A forma de expressão cartográfica usada na linha abissal denota

as características constitutivas do conhecimento moderno hegemônico, qualificando-o, para o

lado Norte da linha, pois o lado Sul constitui-se por si só como o universo das crenças, as quais

não devem ser consideradas como conhecimento e por isso estão distante da linha imaginária

5 Cabe destacar, aqui, que Santos utiliza o lado de cá da linha para aludir ao Norte e o lado de lá para ser referir

ao Sul global.

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da ciência moderna que aplica a distinção científica entre o verdadeiro e o falso. Esses saberes

são encobertos como conhecimento relevante por se situarem para além do universo do

verdadeiro e falso, inexistentes, desconhecidos, muitas vezes inapropriados (SANTOS, 2007).

Para Santos (2007), a ciência moderna concebe o conhecimento aceitável do lado de

“cá”/Norte da linha, enquanto que do outro lado de “lá”/Sul, não se prevê conhecimento real;

compartilha-se crenças, opiniões, magia, idolatria, assimilações intuitivas ou etéreas, passíveis

de se transformar em objetos para uma inquietação científica. Em contraposição a essa

hegemonia nasce uma visibilidade que está conectada à invisibilidade das configurações de

conhecimento que não se amoldam em nenhuma dessas formas de conhecer, dentre os quais

estão inclusos os saberes populares que, no olhar da ciência hegemônica desaparecem.

Santos (2007) aborda o Direito e o conhecimento moderno como expressões mais bem

constituídas do pensamento abissal. No Direito se firma uma linha abissal que separa legal e

ilegal, caracterizando-se pela existência dessas duas formas perante a lei. Nesse viés, comenta

que os domínios do científico e do direito se apresentam do lado de “cá”/Norte, hegemônico,

por supressão, já que extingue qualquer realidade que se encontra do outro lado da linha, o Sul,

o encoberto.

Na sua constituição moderna, o colonial representa não o legal ou o ilegal, mas o sem

lei. Uma máxima que então se populariza, “Não há pecados ao sul do Equador”, ecoa

na famosa passagem dos Pensamentos de Pascal, escritos em meados do século XVII:

“Três graus de latitude subvertem toda a jurisprudência. Um meridiano determina a

verdade [...]. Singular justiça que um rio delimita! Verdade aquém dos Pirineus,

errado além (SANTOS, 2007, p.74).

Já a linha abissal estabelecida para o conhecimento se situa entre o verdadeiro e o falso.

Neste caso a ciência moderna é detentora do monopólio da distinção universal entre ambos.

[...] com base nessas concepções abissais de epistemologia e legalidade, a

universalidade da tensão entre regulação e emancipação, aplicada a este lado da linha,

não entra em contradição com a tensão entre apropriação e violência, aplicada ao outro

lado da linha (SANTOS, 2007, p.75).

O mais representativo dessa forma de pensamento é constituído em sua lógica de

exclusão, impossibilitando a co-presença6 dos dois lados da linha, já que, para existir

supremacia, um dos lados inevitavelmente esvazia todo o campo da realidade substancial.

6 Optamos por utilizar a grafia da palavra conforme expressa no artigo de Santos (2007).

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Caracteriza-se como esclarecedor o fato de que existe uma negação de uma parcela da

humanidade e ela é consumada via sacrifício, enquanto a outra parte utiliza-se de práticas

hegemônicas para se alegar universal (SANTOS, 2007).

Para o autor, a mudança de determinados paradigmas nas ciências, ainda, estão para

transcorrer como um atributo e em uma perspectiva transdisciplinar com eixos de aproximação

das ciências naturais e ciências humanas.

Segundo Santos (2007), não existe conhecimento por si só sem práticas e sujeitos

sociais, do mesmo modo que diferentes formas de relação geram distintas epistemologias. Em

sua correlação mais abrangente as relações sociais identicamente são culturais e políticas, logo,

é possível conceber que o conhecimento está atrelado a um determinado contexto que

contempla diversidades culturais e políticas.

As Epistemologias do Sul nos oferecem outro olhar, capaz de compreender a riqueza

imensurável e a diversidade, com os seus múltiplos aspectos, como experiência social em todo

o mundo.

Santos (2007) caracteriza o termo “Sul” como uma metáfora da angústia de homens e

mulheres, motivada pelas hibridações do capitalismo e da colonialidade do poder hegemônico

e, desta forma, o “Sul” não é localização geográfica, mas sim de natureza social e política

conectada aos sujeitos que sofrem os diversos processos de discriminação, violência e exclusão.

Observamos que a partir das perspectivas das Epistemologias do Sul é possível

entendermos as razões do domínio, nos últimos séculos, de uma epistemologia que retirou o

contexto cultural e político da (re)produção do conhecimento dos ensaios epistemológicos da

ciência clássica.

As Epistemologias do Sul sinalizam para o resgaste de uma reflexão epistemológica que

no passado foi encoberta pelo caráter hegemônico da ciência moderna. Abrem-se as

possibilidades para valorização de identidades e culturas, propositadamente, desprezadas pelo

modelo hegemônico do colonialismo, que “foi responsável por imprimir uma histórica tradição

de dominação política e cultural, que submeteu à sua visão etnocêntrica o conhecimento do

mundo, o sentido da vida e das práticas sociais” (GOMES, 2012, p. 40).

As Epistemologias do Sul se manifestam conectadas a uma visão de que o mundo é

diversificado em referência às culturas e saberes, no entanto, no transcorrer do tempo, na

Modernidade, se aplicou uma estrutura de conhecimento modelada no padrão epistemológico

da ciência moderna, ignorando os outros saberes. Dessa maneira foram semeadas e permeadas

diversas ações de estrangulamento das demais epistemologias e suas culturas, as quais

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originaram e provocaram o encobrimento de saberes locais, bem como a desvalorização de

tantos outros, o que o autor Santos (2007) designa de epistemicídio.

As Epistemologias do Sul delatam o sistema que ancorou uma ordenação epistêmica

moderna, um modelo que se expandiu com a exclusão e o encobrimento de povos e culturas

que no decorrer da História foram geridos pelo capitalismo e pelo colonialismo.

Em termos de poder, durante o período colonial, centralizou-se por meio da primazia

epistemológica do lado Norte, já que a colonização não se deu somente pelo povoamento de

dominação, como também de soberania epistemológica concebida em uma relação distinta de

saber e poder que encobriu várias formas de saber próprias e constitutivas das populações

tradicionais e indígenas (SANTOS, 2007).

O modelo hegemônico do Norte se utilizou da apropriação/violência, englobando

“incorporação, cooptação e assimilação” e ao mesmo tempo “destruição física, material,

cultural e humana” no ato de encobrir o Outro (SANTOS, 2007 p.79). Na supremacia do

conhecimento, a apropriação efetivou-se desde a utilização dos sujeitos locais como guias e de

mitos e cerimônias nativas como mecanismo de conversão, até o saque e o “roubo” de

conhecimentos das populações tradicionais e indígenas sobre a biodiversidade.

Já a violência é concretizada por intermédio da proibição do uso das línguas próprias

em espaços comuns, o aceitamento forçado de nomes cristãos, a conversão e o aniquilamento

de símbolos e recintos voltados ao culto, além da prática de todo tipo de discriminação cultural

e racial (SANTOS, 2007).

Desta forma, verifica-se o domínio do outro e apropriação de seus saberes, por

intermédio de uma regulação de seus conhecimentos, em uma prerrogativa de uma suplantação

de um saber dominante.

Enquanto a lógica da regulação/emancipação é impensável sem a distinção matricial

entre o direito das pessoas e o direito das coisas, a lógica da apropriação/violência

reconhece apenas o direito das coisas, sejam elas humanas ou não (SANTOS, 2007,

p.79).

Com a lógica da apropriação/violência, nasce o “fascismo epistemológico” que, para o

autor, caracteriza-se como uma falta de conhecimento, pois no tocante a outros saberes, tem o

propósito de cerceá-los, comparando-se com a ascensão do fascismo social fundamentado em

um regime social de relações de poder. Santos (2007) discorre sobre três formas de fascismo:

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A primeira forma é o fascismo do apartheid social. Trata-se da segregação social dos

excluídos por meio de uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e zonas

civilizadas [...]. As zonas selvagens são as zonas do estado de natureza hobbesiano,

as zonas de guerra civil interna existentes em muitas megacidades em todo o Sul

global. A divisão entre zonas selvagens e civilizadas está se transformando em um

critério geral de sociabilidade, em um novo espaço-tempo hegemônico que perpassa

todas as relações sociais, econômicas, políticas e culturais e que por isso é comum aos

âmbitos estatal e não-estatal. A segunda forma é o fascismo contratual. Ocorre nas

situações em que a diferença de poder entre as partes do contrato de direito civil (seja

ele um contrato de trabalho ou um contrato de fornecimento de bens ou serviços) é de

tal ordem que a parte mais fraca, vulnerabilizada por não ter alternativa ao contrato,

aceita as condições que lhe são impostas pela parte mais poderosa, por mais onerosas

e despóticas que sejam. A terceira forma de fascismo social é o fascismo territorial.

Ocorre sempre que atores sociais com forte capital patrimonial tomam do Estado o

controle do território onde atuam ou neutralizam esse controle, cooptando ou

violentando as instituições estatais e exercendo a regulação social sobre os habitantes

do território sem a participação destes e contra os seus interesses (SANTOS, 2007,

p.80-81).

Procurando fazer frente à permanência do pensamento abissal, aqui debatido, à

exclusão e ao impedimento da co-presença, Santos (2007) enfatiza a necessidade de um

pensamento pós-abissal que será gestado por um cosmopolitismo subalterno:

[..] De fato, para captá-lo é necessário realizar aquilo que chamo de “sociologia das

emergências”, a qual consiste numa amplificação simbólica de sinais, pistas e

tendências latentes que, embora dispersas, embrionárias e fragmentadas, apontam

para novas constelações de sentido referentes tanto à compreensão como à

transformação do mundo. O cosmopolitismo subalterno se manifesta mediante os

diversos movimentos e organizações que configuram a globalização contra-

hegemônica, lutando contra a exclusão social, econômica, política e cultural gerada

pela mais recente encarnação do capitalismo global, conhecida como “globalização

neoliberal” (SANTOS, 2007, p.83).

A superação de todo esse processo de exclusão pode ocorrer por intermédio da

emergência de um pensamento pós-abissal. “O pensamento pós-abissal parte da ideia de que a

diversidade do mundo é inesgotável e continua desprovida de uma epistemologia adequada, de

modo que a diversidade epistemológica do mundo está por ser construída” (SANTOS,

2007.p.84). Portanto para adentrarmos no sentido plural do pensamento pós-abissal, é

importante que se identifique e se reconheça a persistência do pensar abissalmente. Esta

identificação é substancial a fim de que se concretize o ato de se pensar e de atuar para além

das linhas imaginárias.

No pensamento pós-abissal, Oliveira (2011) coloca a importância do equilíbrio entre as

questões epistemológicas e metodológicas na busca do conhecimento plural, além de fortalecer

os princípios ético-críticos necessários na construção do conhecimento com engajamento

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mútuo de homens e mulheres que possibilite o distanciamento dos processos de exclusão social

e amparem o trabalho do coletivo.

O pensamento pós-abissal parte do reconhecimento de que a exclusão social no seu

sentido mais amplo toma diferentes formas conforme é determinada por uma linha

abissal ou não-abissal, e que, enquanto a exclusão abissalmente definida persistir, não

será possível qualquer alternativa pós-capitalista progressista (SANTOS, 2007, p. 84).

A exigência para a emergência do pensamento pós-abissal é definida pela co-presença

radical que conduz a um novo modelo de se conceber a dimensão histórica, engendrado pela

acepção de que contemporaneidade é simultaneidade, concepções que devem ser entendidas no

horizonte de uma Epistemologia do Sul, possibilitando a apreensão de que “práticas e agentes

de ambos os lados da linha são contemporâneos em termos igualitários”, abandonando, assim,

a concepção linear de tempo (SANTOS, 2007 p. 85).

Ao legitimar a diversidade epistemológica do mundo, o pensamento pós-abissal perfaz-

se dessa maneira para caminhar na direção de uma ecologia de saberes abarcada no abandono

total a qualquer epistemologia geral. Nesse pensamento, consiste e exterioriza-se a ideia

preponderante: “o reconhecimento de uma pluralidade de formas de conhecimento além do

conhecimento científico” (SANTOS; MENESES 2010, p. 54).

A ecologia dos saberes concerne-se ao reconhecimento e à valorização de uma infinita

pluralidade de saberes como forma de promoção de ações contra hegemônicas e

emancipatórias. Saberes estes embargados pelo domínio do saber científico que, pela

objetividade e neutralidade, contribui para a formação técnica em um enredo voltado para a

eficiência e a eficácia apregoado pelo modelo capitalista e por conseguinte as reflexões críticas

destes próprios padrões tendem a se diluírem.

A ecologia dos saberes abarca um conjunto de epistemologias que têm como ponto de

partida, a possibilidade da diversidade e da globalização contra hegemônicas e intencionam

contribuir para o processo de fortalecimento e do assentamento de pressupostos da não

existência de epistemologias neutras e de uma reflexão epistemológica com incidência não nos

conhecimentos em abstrato, mas sim suleados em práticas de conhecimento e seus efeitos no

entorno de outras ações sociais (SANTOS, 2007).

Para Santos (2007), a práxis da ecologia de saberes consiste na promoção do diálogo

entre vários saberes que podem ser ajuizados benéficos para o caminhar das lutas sociais pelos

que nelas intervêm. Uma ecologia de saberes não se guia em prol da renúncia da ciência

moderna, embora se identifique nela a hegemonia da verdade, assim constituída como um dos

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principais aparatos do pensamento abissal. Ao contrário disso, procura o reconhecimento das

linhas, não do lado de “cá” /Norte e do lado de “lá” /Sul, mas dos lados internos e externos da

ciência com o propósito de auxiliar a busca de credibilidade para os conhecimentos tidos

usualmente pelo pensamento abissal por não científicos.

Na ecologia de saberes, a busca de credibilidade para os conhecimentos não-científicos

não implica o descrédito do conhecimento científico. Implica simplesmente sua utilização

contra-hegemônica, como já preconizado por Fals Borda (1981) em sua busca pela construção

de uma ciência popular. E ainda, “a ecologia de saberes não concebe os conhecimentos em

abstrato, mas antes como práticas de conhecimento que possibilitam ou impedem certas

intervenções no mundo real” (SANTOS, 2007, p.89).

O domínio epistêmico e a supremacia institucionalizada da ciência não podem encobrir

e impossibilitar a existência de outras maneiras de intervenção social no real ou o

reconhecimento de que há outras formas de conhecimento, já que “para uma ecologia de

saberes, o conhecimento como intervenção no real – não o conhecimento como representação

do real – é a medida do realismo” (SANTOS, 2007, p. 88).

Desta forma a ecologia de saberes se apresenta como mecanismo de intervenção no real

e um diálogo entre homens e mulheres, se avigorando em uma dimensão pragmática e

epistemológica. Fundamenta-se no alcance da intersubjetividade, privilegiando o fato de que

cada prática de conhecimentos está associada a locais, extensões e arranjos diferentes. A

intersubjetividade oportuniza as possibilidades de compreender e atuar, engendradas em escalas

díspares por intermédio da ideia do espaço-tempo em diferentes durações (SANTOS, 2007).

Dado essa caracterização como pragmática, o propósito é conferir vozes em prol de

múltiplos conhecimentos que propiciem a inserção e a ampla atuação dos grupos sociais.

Destarte, a Ecologia de Saberes preconiza a construção de caminhos alternativos que priorizem

o pensamento pluralista, analítico, argumentativo e crítico, ou seja, propositivo, já que o pensar

plural, na ecologia de saberes, oportuniza que os conhecimentos se cruzem.

Portanto, como “o caminho se faz ao caminhar"7, em um primeiro momento a ecologia

de saberes é um processo coletivo de produção de conhecimentos que intenta tonificar as lutas

pela emancipação social. Em um segundo momento, é um processo de construção democrática

de conhecimento, onde os processos não se diferenciam dos conteúdos. Processos democráticos

de construção de conhecimento democrático (SANTOS, 2007).

7 Expressão usada em referência ao poema "Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao caminhar" do poeta

espanhol Antonio Machado, que por sua vez também inspira o título da obra "O caminho se faz caminhando" de

autoria de Paulo Freire e Myles Horton.

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Ecologia de saberes descortina-se como instrumento de diálogo entre os oprimidos,

focado na compreensão de suas diferenças e saberes, e não em torná-los fragmentos. Busca-se

fortalecer esses saberes, no sentido de acumular forças contra todas as formas de opressão, além

de corroborar com a valoração dos diálogos entre movimentos sociais e entre eles e o

conhecimento acadêmico progressista.

2.4 ETNOCIÊNCIA: DIÁLOGO ENTRE SABERES CIENTÍFICO E TRADICIONAL

Considerando que o presente trabalho discorre sobre o entrelaçamento de saberes

populares e científicos em complementariedade, faz-se necessário a descrição sobre as

etnociências. Nessa seção apresentaremos ideias que as compõem, bem como as suas

composições e o caminhar com as pesquisas que retratam a etnociência como conhecimento.

Iniciamos de modo substanciado com o conceito do termo “ethno” como sendo a

maneira como as populações locais percebem o mundo (DIEGUES, 2000). Destarte, a

etnobiologia é compreendida como o saber das “classificações do mundo sensível”, constituído

por homens e mulheres de “sociedades culturalmente diferentes daquelas pertencentes ao

pesquisador” (VIERTLER, 2002 apud FERREIRA, 2014, p.19).

Propomos utilizar a etnociência nesta investigação como perspectiva epistemológica

que visa criar a ponte em direção ao diálogo entre os saberes científico e popular que fortaleçam

o entendimento de como o mundo é percebido, conhecido e significado por diversas culturas

humanas. Assim, para Diegues e Arruda (2001, p. 36), a etnociência “parte da linguística para

estudar os saberes das populações humanas sobre os processos naturais, tentando descobrir a

lógica subjacente ao conhecimento humano do mundo natural, as taxonomias e as classificações

totalizadoras”.

Acreditamos que pensar o mundo significa estar próximos às exteriorizações sensíveis

do campo da etnobiologia, particularmente as manifestações relacionadas aos solos com as suas

frações minerais, fenômenos climáticos, utensílios, alimentos, água, ruídos, cores, condições

fisiológicas e psíquicas dos membros da sociedade (homens e mulheres). Nesse viés, é possível

afirmar que as exteriorizações, aqui entendidas como classificações “correspondem a um tipo

de saber de um dado grupo e que estes saberes correspondem a um fazer, ou seja, a uma

interferência no ambiente do grupo pesquisado” (FERREIRA, 2014, p.19).

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A Biologia e a Antropologia são as áreas do conhecimento que propiciaram através da

intersecção de seus saberes o surgimento das etnociências, especificamente a etnobiologia, cuja

essência do saber está centrada na compreensão das percepções, conhecimentos, usos e práticas

que homens e mulheres mantêm com os bens naturais.

Segundo Marques (2002), a etnobiologia não foi suficiente para entender a pluralidade

das correlações existentes entre homens e mulheres, os aspectos naturais (organismos vivos) e

os sistemas culturais, deflagrando a procura de novos conhecimentos emergidos em áreas

interdisciplinares onde a reflexão é alimentada mediante o cruzamento de saberes.

As várias disciplinas como Ecologia, Linguística, Botânica, Geografia, Matemática,

Química, História, Sociologia entre outras, faceadas por esses vínculos, avançam na direção do

entrelaçamento de saberes que se espraiados, propiciam novas áreas de investigação e são

normalizadas nas etnociências. A etnociência pode ser ramificada de acordo com o ponto de

partida de pesquisa, originando diversos campos – como a etnobotânica, etnofarmacologia,

etnoecologia, entre outras (DIEGUES, 2000).

De acordo com Ferreira (2014, p.19) “todas as ciências que consideram a cultura e a

construção simbólica de um determinado grupo e utiliza o prefixo (etno) é considerada uma

etnociência”.

Os estudos relacionados com a etnociência possibilitam o acúmulo de conhecimentos

sobre a natureza, estabelecidos no decorrer das gerações denotado pelos saberes populares

mediados pela oralidade (CUNHA, 1999).

Segundo Diegues (2000) a designação etnociência foi normatizada em 1960, entretanto,

desde a última década do século XIX, várias pesquisas no campo da antropologia e da botânica

já eram realizadas, hoje é denominada de etnobotânica uma das muitas ramificações das

etnociências.

Pretendemos descrever um pouco mais da etnobotânica por fazer parte como tema nas

aulas de ciência. Conforme argumenta Marques (2002), a etnobotânica concentra a maior parte

dos trabalhos de pesquisa, englobando os inúmeros recursos da botânica, seja pelo uso como

alimento, saúde ou para rituais e cerimônias religiosas que estão conectados às relações que

homens e mulheres firmam com os recursos naturais, principalmente com plantas medicinais.

Ferreira (2014) aponta pesquisadores como Guarim Neto, Pasa e Faria que desenvolvem

pesquisas na área da etnobotânica com plantas medicinais no cerrado de Mato Grosso,

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relacionando sempre os aspectos da biodiversidade local com os homens e mulheres que

habitam o local, propiciando com essa interação a ampliação do saber local. Esse saber local

acerca do uso das plantas medicinais é difundido na comunidade e, muitas vezes, é o recurso

disponível para o cuidado com a saúde e, assim, a manutenção e a conservação do bioma local

e os verificados nas práticas do cotidiano com a interação dos(as) moradores(as) e o espaço

natural.

O etnoconhecimento dessas populações articula-se aos saberes construídos no dia a dia

e se estabelecem, ao longo do tempo, pelas interações com/no ambiente vivido. O retrato desse

cotidiano pode ser expresso por algumas situações como:

Os quintais em Mimoso constituem-se de pequenas unidades produtivas. Em geral são

muito bem cuidados, muito limpos e apresentam grande diversidade. Várias plantas

frutíferas são cultivadas, principalmente mangueiras, cajueiros e mamoeiros.

Eventualmente, fazem pequenas hortas com cebolinha verde, couve, salsa e coentro.

Os quintais são também um espaço onde porcos, galinhas e outros animais domésticos

(gatos e cachorros) convivem e dividem o espaço com o gado. Em geral, o solo é

coberto com grama forquilha, plantadas por eles (SILVA; SILVA,1995 apud

FERREIRA, 2014, p.21).

Acreditamos que a etnociência se constitui em uma área de conhecimento marcada pelo

entrecruzamento de saberes abarcada por uma série de pontos de partidas de estudo com

favorecimento às características transdisciplinares, que possibilitam as possíveis aproximações

da difícil compreensão acerca das interações entre homens e mulheres e o seu meio ambiente.

A etnobiologia preconiza que os conhecimentos da biologia possam construir pontes

mediante o diálogo com conhecimentos de outras áreas, os quais são construídos e

sistematizados pelas comunidades locais. Adicionalmente há esforços na aproximação dos

saberes formais aos saberes populares.

A presença da etnociência em sala de aula se faz necessária possibilitando a apreensão

do ecossistema como o resultado de relações sociais e de oposições, onde o “conhecimento

sobre controle do patrimônio genético, do uso de tecnologias e das formas de conhecimento e

de apropriação dos recursos naturais” devem estar inseridos em um contexto de lutas

(ALMEIDA, 2008, p.11).

A necessidade da inserção de uma consciência quanto a importância de preservar e

firmar direitos sobre o patrimônio genético da biodiversidade da região amazônica por exemplo,

se faz emergente frente à atuação de laboratórios de biotecnologia que se utilizam dos recursos

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naturais e se apoderam, muitas vezes, de saberes locais com vistas à obtenção de lucros. É

fundamental que ações quanto ao esclarecimento e controle da exploração industrial dos

recursos naturais das florestas tropicais sejam firmadas para possibilitar a proteção jurídica dos

saberes locais, evitando assim que “outros se apropriem ilegítima e ilegalmente destes saberes

nativos” (ALMEIDA, 2008, p. 14).

Almeida (2008, p. 14) nos leva a pensar sobre a importância dos estudos do

etnoconhecimento, principalmente na região amazônica, que por meio de encontros envolvendo

especialistas das comunidades indígenas, detentores do conhecimento de botânica e flora e de

práticas no manuseio agrícolas e extrativista, geram pleitos com agências multilaterais (OMC,

OMPI), expressando “uma politização do saber sobre a natureza e por extensão uma politização

da própria natureza”. Formalmente traz à tona o fato de que os conhecimentos indígenas e das

chamadas populações tradicionais se firmam em um saber prático em contraponto àquele

imposto pelo capital neoliberal, majoritariamente representado pelas indústrias farmacêuticas,

cosméticos, alimentícias e laboratórios de biotecnologia que detêm o poder monopolizado em

patentes, marcas e dos direitos intelectuais sobre os recursos naturais (ALMEIDA, 2008).

Pleitear o direito intelectual de saberes locais, constitui-se em uma forma de luta pelo

reconhecimento da validade dos conhecimentos e saberes populares. Notoriamente os grandes

laboratórios utilizam-se de informações milenares dos nativos, entre as quais situam-se

“seleção, infusão e uso” já definidos, para trabalhar com as suas base empíricas.

Afinal, em muitos casos, o que os laboratórios acabam fazendo se resume em agregar

os componentes tecnológicos à fórmula criada pelos índios e pelas populações

tradicionais. Sob esse prisma, não haveria uma descontinuidade absoluta entre os

saberes práticos e aqueles produzidos pela investigação científica e os laboratórios se

beneficiaram desse conhecimento inicial (ALMEIDA, 2008, p. 15-16).

Para a continuidade dos estudos nas etnociências, conhecer os antagonismos políticos

se faz necessário, pois de um lado temos a constante luta entre a liberdade de uso dos

conhecimentos tradicionais construídos e reproduzidos pelas populações tradicionais e

indígenas, do outro lado, se instaura o pensamento de domínio, via patenteamento de qualquer

conhecimento dos recursos naturais, intencionados por empresas transnacionais e pelos

laboratórios de biotecnologia (ALMEIDA, 2008).

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Um dos exemplos de expropriação destes conhecimentos indígenas mais divulgado

pela imprensa concerne à “espinheira santa”, que é bastante conhecida para combater

a acidez no estômago. Técnicos japoneses teriam tido informações sobre os

procedimentos de beneficiamento e patentearam os extratos da erva e agora para que

se possa utilizá-la tem que se pagar a empresas japonesas os direitos de propriedade

industrial (ALMEIDA, 2008, p.31)

E na luta contra as ações neoliberais de busca por patentes:

[..] entre outros foram apurados casos de tráfico de besouros e borboletas, exportação

ilegal de sementes (caso da empresa Tawaia,Cruzeiro do Sul – AC), corantes naturais

(extração do pigmento azul do jenipapo) e processamento do urucum, patentes do

bibiru ou bibiri, cujo princípio ativo foi registrado pelo laboratório canadense

Biolink,e do cunani, patente do couro vegetal, extração do látex de cróton (caso da

Shaman Pharmaceuticals, que diz já ter estudado “sete mil plantas de todo o conjunto

da Floresta Amazônica”. [...] Acrescentem-se ainda casos de coleta de sangue – DNA

dos Karitiana e Suruí de Rondônia por universidades norte-americanas (Arizona,

Yale). [...] “novos” casos de patenteamento que usurpam conhecimentos nativos:

senão vejamos; o cupuaçu, “considerado uma fruta exótica da Amazônia, foi

patenteado pela Asahi Foods que produz o cupulate, chocolate de cupuaçu.”. A

Rocher Yves Vegetale registrou nos EUA, Europa e Japão a patente sobre a produção

de cosméticos ou remédios que usam o extrato de andiroba. O laboratório norte-

americano Abbot sintetizou e vende uma toxina analgésica produzida por um Sapo

(Epipedobetes tricolor) que vive nas árvores amazônicas (ALMEIDA, 2008, p.30-

31).

Acreditamos que a etnociência deve ser trabalhada na educação não somente pelos

conhecimentos dos recursos naturais, mas para além, a favor das lutas em defesa dos saberes

populares e dos direitos mais amplos das comunidades como forma de desvelar para todos que

a biodiversidade está conectada com a diversidade cultural e com as questões agrícolas das

comunidades.

A etnociência se posiciona divergente ao tecnicismo e matematismo predominante da

ciência moderna, posicionando-se em favor da humanização da ciência, através de sua interface

investigativa com questões socioculturais, as quais partem da premissa do aceite à subjetividade

do etnoconhecimento sob a égide da complexidade, que contesta a relação sujeito x objeto que

é delimitada pela ciência moderna, sob a justificativa de que “ao excluir o sujeito ignorou-se

que as teorias científicas não são o puro e simples reflexo das realidades objetivas, mas

coprodutos das estruturas do espírito humano” (MORIN et al, 2005, p. 55).

A academia coloca entraves nas questões de aceite como saber científico, tal como na

multidisciplinaridade, característica da etnociência, e assim promove o confinamento das

ciências no seu universo de difícil acesso, de linguagem e métodos específicos, se estabelece

um bloqueio à integração das diversas áreas do saber. De fato, de acordo com Morin et al (2005)

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isso mostra que esse confinamento da ciência moderna constitui-se somente em um dos fatores

que corrobora para que o saber técnico-científico promova a desvalorização e a depreciação dos

saberes do “Outro”, como o “etnocientífico”, tachando-os como mito.

Se fôssemos pensar na ruptura do pensamento imposto pela ciência hegemônica

possivelmente seria mediante o reconhecimento, pelo menos de parte da academia e de seus

pesquisadores e educadores, da relevância dos saberes populares no processo dialógico de

compartilhamento de conhecimentos em um sistema de ensino-aprendizagem por intermédio

do acesso e pelo contato com o cotidiano, que expressa à realidade social dos educandos

(SANTOS, 2007).

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3. ENSINAR-E-APRENDER QUÍMICA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO

DIALÓGICA

Neste capítulo, apresentaremos o aporte teórico acerca de como “ensinar-e-aprender”

Química na perspectiva da Educação Dialógica de Paulo Freire e também o “aprender-e-ensinar

com o Outro” de Carlos Rodrigues Brandão. Teceremos as conexões e inspirações da temática

freireana e as possibilidades de um ensino de Química mais próximo da realidade do educando

pela dialogicidade e contextualização.

3.1 EDUCAÇÃO DIALÓGICA: APRENDER COM O OUTRO

Buscamos na obra da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1970), o seu olhar de

educador direcionado para as questões das desigualdades sociais marcadas pela relação entre

opressor e oprimido cunhada em um sistema social capitalista e desigual, cuja figura do

opressor está sempre presente.

Freire enxerga o opressor como um desumanizado, justamente porque o opressor

impõe-se sobre o oprimido mediante a determinação de suas regras na busca pela manutenção

de interesses próprios e de poder. Assim, o agir com violência do opressor, estabelece uma outra

vocação, a do ser menos. “Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos a lutar

contra quem o fez menos” (FREIRE, 1970, p.16).

Do outro lado da relação de desigualdade temos o oprimido, que deve se reconhecer

nessa situação de oprimido para promover a mudança na direção de uma transformação social.

Paulo Freire contextualiza o processo de desumanização causado pelo opressor a seus

oprimidos, “[...] desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade

roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação

do ser mais” (FREIRE, 1970, p. 16).

A ideia é que os sujeitos oprimidos consigam desconstituir esse processo de

desumanização para tornar a sociedade uma sociedade humanizada. Diante disso temos que

entender a existência de um embate entre opressor e oprimido. Para Freire (1970) o processo

de recuperação da humanidade está ancorado na relação dialética entre opressores versus

oprimidos e de como é fundamental uma práxis que possa equalizar uma ação visando à

superação dessas contradições.

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Freire (1970) menciona a forma de imposição com que o opressor envolve o oprimido

fazendo com que o mesmo “seja menos” e, a partir disso, desenvolve uma discussão

contextualizada em torno da oposição entre humanização e desumanização e de luta para

recuperar a humanidade, não só dos oprimidos, mas também dos opressores. O oprimido

(educando) que é levado a “ser menos” por estar numa situação de impotência diante do

opressor (professor ou o próprio sistema de educação) precisa lutar pelos seus direitos para

buscar uma condição social mais justa e não, portanto, ser o opressor do opressor, mas o

restaurador das relações humanizadas.

Acreditamos que não se trata de vencer ou se impor sobre um grupo social, mas sim de

restaurar as relações humanizadas, ou seja, de desconstruir a desigualdade social imposta pelo

sistema opressor, buscando denunciar e superar as imposições do poder que recaem sobre o

oprimido.

Pensando no processo de liberdade do oprimido frente aos aportes etnocêntricos, a

liberdade deve ser vista e sentida por ambas as partes. Nesse sentido, a libertação do estado de

opressão constitui-se em uma ação social, não podendo, portanto, acontecer de forma isolada,

já que o ser humano é um ser social e que a consciência e transformação do meio devem ocorrer

de maneira compartilhada com o outro em sociedade (FREIRE, 1970).

Os sujeitos mais humildes (oprimidos) que introjetaram a sombra do opressor, por

vezes, sentem um bloqueio muito forte diante das pessoas (opressores), de tal modo que estas

passam a ser vistas como mais importantes, mais sábias, mais cultas, o que acaba por reforçar

um sentimento de inferioridade. Esse oprimido acredita que aquilo que fala não tem sentido e

o que vem das classes mais ricas passa a constituir-se como a verdade. Para nos contrapormos

a essa hegemonia faz-se necessário superação dessa desigualdade epistemológica,

descolonizando o saber.

Reiteramos dentro de uma visão libertadora a importância de enxergar a educação

desatada das garras do sistema opressor. Esse processo se estabelece em dois momentos: no

primeiro momento o oprimido desvela esse mundo opressor, descobre e se compromete na

prática a transformá-lo. Em um segundo momento temos a transformação dessa realidade e a

pedagogia libertadora deixa de ser uma pedagogia do oprimido e passa a ser uma pedagogia

dos homens e mulheres, a qual está em permanente construção, em um constante processo de

desalienação e de conquistas da sociedade na busca pela igualdade social.

Porém como os homens e as mulheres podem escapar da opressão se muitos os que nos

“ensinam” são também aqueles que nos oprimem?

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Para Freire (1970) a resposta está na necessidade daquele que educa ter a

conscientização do seu papel de problematizador da realidade daquele que está se educando.

Desse modo, o ato de educar tem um papel fundamental no processo de busca por uma educação

como prática da liberdade sem amarras de cunho neoliberal ou de qualquer outra ideologia que

ofusque a imensurável busca por ser mais

O ser humano é um ser histórico, cultural, inacabado - consciente do inacabamento e

em permanente movimento de busca do ser mais, sujeito portanto cognoscente. A vocação do

ser humano é a busca de sua própria humanização: a busca do “ser mais”. O oprimido é o ser

humano alijado da condição de “ser mais” no sentido de realização da vocação de ser capaz de

pronunciar o seu mundo como sujeito (STRECK, 2009, p.543).

Essa liberdade traz uma necessidade importante na educação, de que as ações precisam

ser sempre conjuntas e as organizações entre os oprimidos e o processo de comunicação são

fundamentais para que a realidade seja exposta. Para tanto é necessário um engajamento entre

os oprimidos em prol da mesma causa, qual seja a de transformar a realidade opressora.

Segundo Freire (1970) essa liberdade, que tanto o oprimido idealiza e almeja, tem que ser

conquistada por sua luta e em comunhão com os outros.

Embora o opressor pareça estar acima de tudo, na verdade também não é um homem ou

mulher livre, porque depende do oprimido sustentar o seu poder. “Para os opressores, o que

vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos, ou nada ter dos oprimidos”

(FREIRE, 1970, p.25).

O processo de libertação não se trata de mero ativismo8 e é necessário reflexão para

transformação; representa a capacidade do oprimido, em grupo, de se reconhecer em que nível

está a opressão e de que forma ela é praticada, ou seja é necessário educação e conhecimento.

Sem isso todo esse ativismo se torna algo desorganizado, sem engajamento e não gera um

diálogo legítimo.

Nos aspectos ligados à concepção bancária da educação, Paulo Freire a associa como

uma explicação pedagógica retirada da reflexão sócio-política. Quando o opressor se impõe

sobre o oprimido quer firmar os seus interesses e o poder econômico, principalmente pelo fato

do opressor manipular o oprimido a partir da informação e da sua cultura, aquela cultura que é

8 Para Freire (1970) quando se enfatiza ou exclusiviza a ação, com o sacrifício da reflexão, a palavra se converte

em ativismo. Esta que é ação pela ação, ao minimizar a reflexão, nega também a práxis verdadeira e impossibilita

o diálogo. Assim da palavra com ação/reflexão=práxis e sacrifício (da ação) = palavreria,” blablabá”, mas

sacrifício (de reflexão) = ativismo Cabe ressaltar que nos dias atuais o ativismo tem outra denotação.

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gerada nas classes mais ricas (elite). Essa cultura se impõe como uma verdade absoluta ao

oprimido que, não podendo contestá-la, tem de aceitá-la como sendo a cultura erudita/padrão.

E como reproduzimos isso na educação? Freire denuncia que isso ocorre quando

professores transmitem os conteúdos da cultura produzida pelas elites em um processo de

reprodução, onde o aluno fica à mercê da memorização e também passa a fazer parte desse

processo alienatório das classes dominantes.

A educação bancária está muito voltada para a questão da transmissão de conhecimento

e de conteúdo, regida em torno de uma discussão política social que chega na questão

pedagógica com o intuito de continuar oprimindo através da manipulação, para que os

educandos de hoje, quando adultos, adotem as mesmas ideias do que a elite impõe como

verdade, ou seja, recebam informações de forma passiva e sem contestação, aprendendo desde

pequeno a se inserir e aceitar esse processo alienante que, obviamente, limita possibilidades

futuras de qualquer tipo de mobilização contra as ideias que vigoram no poder político,

econômico e social.

Essa educação não problematizadora nasce no seio da educação hegemônica, intitulada

de bancária, que consiste em “[…] um ato de depositar, em que os educandos são depositários

e o educador o depositante […] é o ato de depositar, de transferir, de transferir valores e

conhecimentos […]” (FREIRE 1970, p. 66).

A educação bancária é na verdade uma prática de transmissão, um reprodutivismo de

conteúdo, de informações e conceitos produzidos pela elite e usada como instrumento de

opressão. Podemos então dizer que a escola por excelência é uma instituição de opressão ou

tende a ser uma instituição opressora, quando institui a reprodução das ideias dominantes.

A educação deve ser vista como uma doação compartilhada de saberes entre

educadores(as) e educandos(as); aquilo que foi produzido como cultura deve ser compartilhado,

considerando as necessidades sociais. Por isso, o autor diz que “ninguém liberta ninguém,

ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1970, p. 29).

Acreditamos, portanto, que o professor educador não pode ter o papel de simplesmente

ser um transmissor de conteúdos e não pode contribuir com essa educação bancária. Deve levar

o aluno a uma consciência crítica daquilo que se está estudando e não fazer depósitos de

conceitos, senão estaria tirando dele a capacidade de exercer a sua criticidade e a reflexão.

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Ilustração 1- Relação entre Educando/Educador entre si e com o mundo

Fonte: Elaboração do pesquisador com base em Freire (1970)

Na ilustração, acima, temos o mundo onde são construídos e compartilhados, através do

diálogo, informações, conhecimento e saberes. Tanto educando como educador têm uma visão

de mundo e possuem conhecimentos e cultura. Sua reflexão coletiva sobre o mundo, que os

desafia, gera trocas de experiências, de informações e conhecimentos, nas quais o educador(a)

aprende com o educando e o educando aprende com o educador (FREIRE, 1970).

Na verdade não é o educador que é o mediador direto da relação entre o educando e o

mundo. Para Freire (1970), essa relação é mais complexa; o educando para chegar ao saber

social se relaciona com diversos educadores – e não apenas os professores - que farão a essa

mediação.

Estabelece-se uma proposta do educador mediador, o educador que está entre o

educando e os conhecimentos que estão fora da escola e que também são trazidos por ela na

forma de componentes programáticos inseridos no currículo escolar.

Se homens e mulheres se educam entre si, não podemos mais entender o educador como

único detentor da sabedoria e do conhecimento e o educando como aquele que não sabe nada.

Para Freire (2008), a relação educador-educando não é vertical, mas horizontal, portanto,

também não é uma relação autoritária. Constitui-se em relação de autoridade em que o educador

demonstra um posicionamento com relação ao que ele sabe e ao modo pelo qual ele pode ajudar

o educando no processo de construção de conhecimentos. Aqui está presente o diálogo que

permite ao educador(a) conhecer e valorizar os conhecimentos prévios dos educandos, as

experiências que estes carregam para dentro da escola, mesmo porque são sujeitos que vivem a

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história e a vida em sua comunidade, portanto, têm muito a expressar e a dizer, inclusive a

ensinar.

Do diálogo surge então a problematização: sobre o que vamos discutir? O que tem de

errado com uma determinada relação ou situação? Qual é o ponto de partida para a discussão?

[..] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou

de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos,

meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como

situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato

cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de

um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a

exigência da superação da contradição educador-educando. Sem esta, não é possível

a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em

torno do mesmo objeto cognoscível (FREIRE, 1970, p.39).

Freire (1970) enfatiza a necessidade dos oprimidos conversarem entre si para

problematizarem uma situação, o que justifica na educação a necessidade do diálogo entre o

educador(a) e os educandos(as). Na visão do autor, o conhecimento parte do diálogo, da mesma

forma, na comunidade, os oprimidos também dialogam entre si para problematizar e descobrir

quais são os problemas que lhes desafiam e, a partir de uma visão crítica, tentar compreendê-

los para buscar a transformação.

A partir do diálogo podemos obter a superação da concepção bancária de educação que

imobiliza o educador e o educando e não permite que o oprimido busque uma ação

transformadora por estar preso ao processo alienante de imposição por parte do opressor. O

diálogo e a relação horizontal entre educador(a) e educando(a) irão romper com esse

imobilismo e justifica a concepção do que temos dos homens e mulheres que, como seres

históricos, caracterizam-se como seres inacabados, inconclusos que buscam respostas,

crescimento e “ser mais”.

O início do diálogo entre educador(a) e educando(a) do ponto de vista pedagógico é a

busca pelo conteúdo programático. Vale ouvir o educando, compartilhar as experiências e

construir o tema, e é o diálogo que permitirá tudo isso. A necessidade do estudo crítico objetiva

ampliar a visão, olhar ao redor e perceber todos os fatores que influenciam em uma determinada

problemática. Na visão de Freire (1970) estaríamos frente a uma ação dialógica que é composta

pelos seguintes elementos característicos: colaboração, união, organização e síntese cultural.

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Mas como abarcar tudo isso? Se para nos libertarmos necessitamos de uma práxis

ancorada numa ação dialógica, iniciaremos pelo diálogo que permeará a comunicação, a

criação, a (co)-laboração, a união, a organização e a síntese cultural ao invés de uma ação

antidialógica que induz à conquista, à divisão, à manipulação e à invasão cultural (FREIRE,

1970).

Como Freire, acreditamos na concepção de uma educação libertadora, que promova o

desvelamento de distintos saberes e que nos moverá para o caminho oposto da dominação do

opressor. Para tanto defendemos uma educação movida pela conscientização, desalienação e

problematização.

Nesse contexto defendemos com Freire (2012) que uma Educação Popular libertadora,

se edifica perante uma educação problematizadora, estruturada em perguntas que forneçam a

construção de respostas novas, mediadas por um diálogo crítico. Diálogo esse que se torna

libertador quando homens e mulheres se percebem em sua condição existencial e buscam a

transformação, uma síntese cultural da sociedade para que seja igualitária e humanizadora.

Síntese cultural faz parte de toda uma ação dialógica, e como não há invasores não há

modelos impostos, os atores fazem da realidade objeto de análise, onde vão se inserindo como

sujeitos durante o processo. A síntese cultural em vez de diferenciar a visão de mundo diante

da cultura faz aporte que uma dá a outra (FREIRE, 1970). Entretanto em uma ação

antidialógica, a invasão cultural caracteriza o que fazem os invasores no âmbito cultural dos

invadidos, colocando de forma impositiva a estes a sua visão de mundo, enquanto bloqueiam a

sua criatividade, ao coibir a sua expressão; sendo extremamente alienante.

Dessa forma, nasce uma educação problematizadora onde a criação, a transformação, a

humanização, a comunicação, o ser no mundo, com uma ação dialógica, propiciam uma

emersão da consciência que terá a sua concretização nos homens e mulheres, quando os saberes

necessários às práticas educativas forem consolidados pelo pensar autônomo na busca por uma

educação libertadora que viabilize uma mudança social com menos exclusão (FREIRE;

SHOR,1986).

A necessidade de mudança, de libertação, de superação, de autonomia e, principalmente,

de uma ação dialógica se constituem em instrumentos para transpormos a concepção de

educação bancária e abarcarmos à uma educação problematizadora.

O diálogo caracteriza-se como o elo de criação de conhecimentos que, nos processos

educativos, exclui primordialmente o monólogo, a transmissão do conhecimento e a

memorização mecanicista. O diálogo nos leva primeiro à aquisição do conhecimento, às

habilidades de aprender a conhecer e aprender a fazer e, posteriormente, está engajado nos

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aspectos relacionados às habilidades de convivência e autoconhecimento, que oferece a

condição “do aprender a ser e do aprender a conviver” (FREIRE,1970, p.31).

A teoria e prática do ponto de vista do diálogo estão interligadas pelas condições

gnosiológicas do ato de educar como sendo o meio de conhecer, de ler o mundo para depois

poder transformá-lo; pela defesa da educação como ato dialógico.

Portanto, Freire e Shor (1986) reconhecem que conhecer e pensar não é um ato solitário,

mas está conectado na relação com o outro e, adicionalmente, constituem-se num ato histórico

e gnosiológico que nos leva a uma dimensão dialógica. Neste caso a autonomia visualiza e

contempla o sujeito histórico dentro de um contexto de compartilhamento de experiências, onde

a criticidade, a ética e a estética são constituintes de princípios os quais objetivam enxergar o

inédito viável.

Para Freire e Nogueira (1993), esse sujeito histórico deve ser pensante e atributos como

respeito, responsabilidade, o saber ser e fazer, a inquietação e curiosidade, o bom senso

perfazem o processo de construção do conhecimento e do ato de reconhecer o outro. Dessa

forma não seremos seres figurantes de um processo, mas homens e mulheres autônomos para

reconhecermos, no outro e em nós mesmos, o real sentido da troca de experiências e na

construção e transformação do conhecimento.

Parafraseando Freire e Shor (1986), a liberdade é conquistada através do saber

autônomo que possibilita e alimenta homens e mulheres no sentido de serem capazes de

descobrir e considerar os requisitos fundamentais para decidir qual deve ser a melhor rota no

processo da interação e ação social.

De acordo com Freire e Shor (1986), educação libertadora consiste em buscar entender

a realidade e intervir, nela, já que dessa maneira a educação se torna um movimento intenso

voltado para o aspecto político e a troca de experiências e saberes se torna campo fértil na busca

pela conscientização e libertação de homens e mulheres. É premente a construção de uma

relação dialógica que ofereça a possibilidade de uma relação crítica e integradora, em que as

experiências vividas façam parte da interação pedagógica e, acima de tudo, homens e mulheres

possam aprender uns com os outros.

O diálogo entre os sujeitos caracteriza uma relação de respeito entre as culturas, já que

isso simboliza o entendimento da linguagem do “Outro” na sua maneira de se expressar, bem

como o reconhecimento de outros aspectos, dentre os quais o cuidado com a saúde, a

religiosidade e o respeito à cultura estão inseridos no contexto dos saberes culturais

compreendidos em suas práticas sociais.

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Em uma educação problematizadora pressupõe-se a interação entre o conhecimento já

existente com o conhecimento do novo, onde o saber de experiência feito é aprendido com a

própria prática e permeado pela humildade, com o intuito de unir conhecimento intelectual ao

conhecimento de homens e mulheres dos grupos comunitários, já que existem diferentes

perspectivas na visão de cada um.

Um educação libertadora possibilita iluminar a realidade ofuscada pela ideologia

dominante. Streck (2009) menciona que a educação libertadora é diretiva e não permissiva, ou

seja, a transformação social e onde queremos chegar são construídos com o grupo através do

estímulo da criatividade, da autenticidade, da intersubjetividade, da intuição e do

reconhecimento que a educação é política (a favor de quem? contra quem?).

Streck (2009) discorre sobre o binômio exclusão social/inclusão social em contra

argumento aos conceitos de opressão/libertação e, como marcadores desse processo de exclusão

social, podemos citar as ofensivas neoliberais, a educação bancária, a ciência moderna

hegemônica, o encobrimento do “Outro”, os currículos escolares impostos, a abertura

econômica e comercial e aplicação da economia de mercado, controle fiscal, a canibalização da

emancipação social pela regulação social (SANTOS, apud STRECK, 2009) e a exclusão como

deformidade a ser vencida pelo indivíduo por meio da capacitação.

Já para Freire (2011), as relações sociais movidas por práticas educativas são

estabelecidas pela interação entre os saberes construídos na práxis cotidiana, nas narrativas, nas

formas de compartilhamento de conhecimento em processos democráticos e dialógicos de

convivência com o outro.

Freire denuncia e contextualiza a exclusão dos sujeitos e dos saberes populares e

enfatiza a necessidade de se ter uma educação escolar democrática e dialógica, contrária à

cultura hegemônica que impõe com a sua estrutura, no sentido das relações unidirecionais,

práticas antidemocráticas com foco no conteúdo e nos preceitos da ciência moderna e, por fim,

extremamente antidialógica que inviabiliza o reconhecimento do “Outro” e, ainda, encobre os

saberes locais contribuindo para a manutenção do quadro de exclusão educacional e social,

ofuscando o compartilhamento de conhecimentos das comunidades locais, ditos não científicos

perante a ciência moderna.

O ato de aprender se constitui em um processo dialógico, um encontro, gerido por um

tempo interativo de diálogo com o outro; é estar constantemente aberto “a um outro” para gerar

com ele as possibilidades de se ter uma experiência solidária de forma precisa, movida por

processos interativos e, ao mesmo tempo, pessoal, proveniente do interior, que permitirá a

integração do saber, que é construído pelo diálogo no tempo, em que o “educador e educando

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criam, um-com-o-outro, um-através do-outro, um saber de construção comum e, ao mesmo

tempo, uma descoberta profundamente solitária, imensamente pessoal” (BRANDÃO;

BORGES, 2008, p.19).

Para Oliveira (2011), é possível falarmos que o aprendizado do educando acerca dos

saberes populares somente pode ser concebido, em sua significação, a partir do encontro entre

educandos e educadores. Ao contrário da imagem corrente propagada pelo ensino hegemônico

estabelecido como essencial e universal, que aborda o que se fala e o que se conhece sobre a

realidade, sugerindo de forma velada também o que se deve fazer sem a permissão de

contextualizações e problematizações sobre o assunto estudado.

A significação desses saberes e do educando não se situa, contudo, no que enunciamos

dela, porém no que ela nos profere na sua alteridade. Esse entendimento promove o rompimento

com a visão de educação que presume já saber o que e quem são os educandos e o que eles

devem ou não aprender. Esse exercício de olhar o “Outro” nos remete ao confronto com o novo,

com a diferença, com o não conhecido e com o que:

[...] não pode ser reconhecido nem apropriado, mas apenas conhecido na sua

especificidade diferenciadora. Não se trata de reduzir o outro ao que nós pensamos ou

queremos dele. Não se trata de assimilá-lo a nós mesmos, excluindo sua diferença.

Trata-se de abrir o olhar ao estranhamento, ao deslocamento do conhecido para o

desconhecido, que não é só o outro sujeito com quem interagimos socialmente, mas

também o outro que habita em nós mesmos (FLEURI, 2003a, p.31).

Nesse sentido, no outro que habita em nós mesmos, presume-se a convivência dos

sujeitos com o “Outro” sabendo-se que um determinado padrão cultural é somente mais um a

vista de muitas possibilidades, oportunizando, assim, o caminhar em direção às diversas pontes

conectadas com a alteridade e com a relativização dos conhecimentos que não devem ser

tomados com inferiores ou superiores, mas como relativos e complementares (FLEURI, 2003a).

Brandão e Borges (2008, p.15), ao indagarem sobre o que é ensinar e aprender, nos

perguntam se “não é mais ou menos assim”, ambos costumam ser vistos como atos distintos,

expondo a ciência moderna como a rota tradicional para explicar o que é aprender, faceada pela

Psicologia da Aprendizagem que em associação à Psicopedagogia trabalham o aprender. Já o

ensinar permeia pelo limiar da Pedagogia e da Didática, portanto, a partir da ótica tradicional

parece que existe um trilhar que “separa uma coisa da outra”, ou seja, o aprender do ensinar.

Mas o autor e a autora alegam que é possível percorrer outro caminho e, para suplantar esse

processo de separação entre o aprender e ensinar, nós podemos criar ideias que possibilitem o

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encontro de espaços dialógicos, onde “aprender-e-ensinar sejam mais do que apenas dois lados

de uma mesma moeda” (BRANDÃO; BORGES, 2008, p.15).

A criticidade pode romper com as cristalizações e criar um novo conceito legítimo vindo

do diálogo e da reflexão para se estabelecer ação de ensinar-e-aprender. Para Brandão e Borges

(2008) a ação do ensinar-e-aprender, ou do aprender-e-ensinar, representa a relação de duas

vias entre a aprendizagem e o ensino e desta forma:

Primeiro: o que é ensinado e é aprendido. Segundo: o próprio processo de ensinar-e-

aprender ou de aprender-e-ensinar. Assim, a palavra derivada: mathémata traduz, ao

mesmo tempo, o que pode ser ensinado e o que pode ser aprendido. E uma outra

palavra: mathetés, serve tanto para o aluno que ensina aprendendo, quanto para o

professor que aprende ensinando (CARNEIRO LEÃO apud BRANDÃO; BORGES,

2008, p.16).

Estes movimentos de ensinar-e-aprender ou de aprender-e-ensinar nos dois sentidos se

diluíram ao longo do tempo e, desta forma, se exauriu a ponto de se apresentar hoje como um

esquecimento pedagógico, marcado no princípio pela conexão e como constituinte de uma

mesma base entre iguais diferenciados, foi transformando partes de pares de antagônicos e

assim, “aprender e ensinar, ensino e aprendizagem, aquele-que-sabe-e-ensina (o professor, o

docente, o educador, o doador de um saber) e aquele-que-não-sabe-e-aprende (o aluno, o

discente, o educando, o receptor de um saber)” (BRANDÃO; BORGES, 2008, p.15).

Brandão e Borges (2008) mencionam que, no compartilhamento de conhecimento, há a

presença de relações que se integram e se tecem em vários níveis nos espaços de nosso interior,

constituídas de forma a contemplar requisitos no entorno:

[...] de todo esse trabalho do ofício de aprender, em todo o esforço no sentido de

incorporar novos conhecimentos, de re-integrar a inteligência e tudo o mais de mim-

mesmo através de um novo saber adquirido, há um “passo-a-passo” inevitável. A cada

fração do processo de aprender eu só integro em mim algo como: “isto eu sei” na

medida em que desperto em mim algo “que eu já sabia”, melhor dizendo, na medida

em que torno meu (meu conhecimento, minha idéia, etc.) algo que já estava em mim.

Vejam bem, não no sentido cumulativo de uma nova posse que aumenta as minhas

propriedades simbólicas, mas no sentido de algo que existindo em comum, disponível

entre todos e a todas as pessoas que participam do fluxo de um saber, está-também-

em-mim (BRANDÃO; BORGES, 2008, p.16).

O algo que eu já sabia ou que já estava em mim não está vinculado a uma vertente que

foi acumulada a partir de uma nova inserção de conteúdo, como um depósito bancário, que

amplie os atributos simbólicos, porém caminha na direção de possibilidades e na existência do

ser e estar em comum, em uma acessibilidade entre os sujeitos que participam do movimento

de um saber, que está-também-em-mim. Nesse sentido:

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[...] algo que já sendo meu, interage criativamente com aquilo que estou-aprendendo-

agora. Algo que eu só estou-aprendendo-agora porque, de algum modo, já estava em

mim e desperta no eu-de-mim-mesmo um saber que é mais internalizado do que

propriamente adquirido. É quase como dizer que só aprendemos o que já sabemos. É

como dizer que somente aprendemos o que entra em diálogo com o aprendido antes

(BRANDÃO; BORGES, 2008, p.16).

Abstraímos que esse “aprender-por-si-mesmo” condiz a um “ensinar-ao-outro” que

efetivamente se constitui em um “ensinar-com-o-outro”, pois na existência do intercâmbio que

o trabalho de saber estabelece a cada instante, ficam em evidência os mecanismos

intersubjetivos em que cada sujeito abarcado em seu ato de aprender e ensinar “é o sujeito, o

agente, o autor e o ator pleno de sua própria integração de conhecimentos” (BRANDÃO;

BORGES, 2008.p.16).

Desta maneira o ato de ensinar deve estar vinculado necessariamente à geração de

circunstâncias interativas com o intuito de proporcionar a circulação e a disponibilidade de

forma livre de um fluxo de saber. Isto não se relaciona a um conhecimento marcado pela

objetividade e exterioridade, mas sim a exequibilidade dialógica direcionada a cada sujeito

abarcado em um determinado instante como participante livre e motivado de uma rede de

descoberta e de construção pessoal e solidária de um saber que pode ser compartilhado “ao

outro - aí sim – o meu próprio saber, como algo disponível para o diálogo” (BRANDÃO;

BORGES, 2008, p.16).

Partindo do princípio que o ato de aprender não se delimita somente a adquirir parcelas

de conhecimentos e reuni-las em frações do adquirido, podemos analogamente comparar que

os saberes de educadores e educandos significam estar do outro lado. Assim através da relação

dialógica, possamos nos conectar para transformá-los em uma consciência de nós mesmos

mediante a agregação de cada um novo saber repleto de sentido e possibilitar a construção de

mais um novo conhecimento (BRANDÃO; BORGES, 2008).

Na educação dialógica e solidária, abarcada na experiência com/sobre o outro, em uma

relação com/através do outro, nosso entendimento para o que seja ensinar-e-aprender é:

[..] o gesto de deixar aprender, de facultar a que se aprenda. É criar as condições para

que, passo-a-passo e através de múltiplas situações, nas quais um professor é apenas

um elo em uma complexa cadeia, a pessoa que-aprende integre no que ela já é –

naquilo que já é consciente para ela e já é a sua consciência – os limites do que ela

ainda não é. E aprender-e-ensinar é a exata aproximação, a identidade e a

diferenciação entre as minhas próprias diferenças e a realidade vivida por mim. Uma

dupla realidade. A realidade interior que me constitui e que se renova, ao se aventurar

a transformar-se de agora para sempre, e a realidade interior que eu não-sou, e que se

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integra em mim quando eu aprendo não tanto um saber, mas a saber, através de

aprender um novo saber (BRANDÃO; BORGES, 2008, p.19).

Entendemos que em um contexto multicultural, o escutar mais perpassa em ouvir o

outro. Em um espaço multicultural há desafios a serem transpostos nas relações sociais, já que

fica evidente a existência de certas tensões entre as culturas, designadas pela própria exposição

e a intolerância frente à presença das diferenças. Se o caminho se faz ao caminhar, a

multiculturalidade está abarcada na Educação Popular, no Brasil, que nasceu no bojo das

iniciativas de grupos populares e instituições que com as suas ações buscavam quebrar as

imposições exercidas pela cultura hegemônica dominante e a desvalorização das experiências

da cultura popular (BRANDÃO, 1984).

Freire é o principal idealizador da Educação Popular no Brasil e os Movimentos de

Cultura Popular são as principais agências de realização de ações educativas pautadas na

Educação Popular. A promoção de experiências educacionais através do debate epistemológico

da legitimação social do saber popular, visa à inserção dos sujeitos ignorados e desvalorizados

acerca de sua etnia, classe social, orientação sexual e gênero, em relação ao saber científico,

assim levando esses saberes populares para um patamar de dimensão política e cultural.

A cultura popular é gerida por processos incessantes de construção e criação do ser mais

e saber fazer nas relações do cotidiano social como um fenômeno não espontâneo, visto que há

a implicação e a necessidade do reconhecimento em conviver num mesmo ambiente de

diferentes culturas.

Somente haverá processos democráticos e diálogos em espaços da multiculturalidade,

se for observada unidade na diversidade, já que as mais variadas formas de opressão sobre os

grupos de oprimidos somente são transpostas pela unidade desses oprimidos frente a essas

diversidades em uma luta coletiva. Portanto, nessa perspectiva, há um ponto de partida da

unidade na diversidade, “o reconhecimento da diferença entre as culturas, das especificidades

das opressões, mas também, de que a luta pela libertação tem de ser coletiva, congregando

forças políticas” (OLIVEIRA, 2011, p.121). A “cultura não é vista apenas como produto do

trabalho do ser humano sobre a natureza, mas relacionada ao trabalho, à história e à dialética”

(OLIVEIRA, 2011, p.113).

A cultura proveniente dos movimentos de Educação Popular mostra a negação da

cultura de conquista concebida pela ação dos grupos opressores, deflagradores de relações de

desigualdades e do poder hegemônico, as quais sustentam uma alienação cultural (BRANDÃO,

1984).

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A cultura está atrelada ao ato de criar e recriar do ser humano e desta forma fornece o

real sentido nas relações humanas. Incorporamos, aqui, o entendimento de que os sujeitos ao

caminharem no sentido histórico de sua humanização, intrinsecamente, ao gerar cultura se

constroem a si mesmo. A geração de um saber e um fazer popular como base de sustentação

teórica da Educação Popular, nasce a partir das práticas sociais abarcadas com o enfrentamento

dos grupos populares de resistência na procura das respostas às experiências do cotidiano

vivenciado.

A Educação Popular suscita um pensar direcionado aos assuntos epistemológicos

legitimados socialmente pelos saberes populares, os quais são depreciados a favor do saber

científico hegemônico que desvaloriza o “Outro”, de forma a oprimi-lo como elemento de

distinção ou pela sua classe social, ou pela etnia, orientação sexual, gênero, religião, etc. Desta

forma:

[…] o que diferencia os dois saberes é que o saber ‘erudito’ tornou- se uma forma

própria, centralizada e legítima de conhecimento associado a diferentes instâncias de

poder, enquanto o ‘popular’, restou difuso, não centralizado em uma agência de

especialistas ou em um pólo separado de poder, no interior da vida subalterna da

sociedade (BRANDÃO, 1984, p. 25).

Quando os processos sociais são pensados com ênfase na condição (inter)relacional e

(inter)contextual das práticas sociais, “permite reconhecer a complexidade, a polissemia, a

fluidez e a relacionalidade dos fenômenos humanos e culturais. E traz implicações importantes

para o campo da educação” (FLEURI, 2003a, p.31). Destarte, salienta o autor que o uso da

palavra “intercultural” está contextualizado no sentido de proporcionar a correlação e o respeito

às práticas socioculturais por intermédio de métodos com interfaces democráticas e dialógicas,

as quais se constituem em propostas educacionais, anteriormente, já abarcadas pela cultura, o

diálogo e o compartilhamento entre os saberes evidenciados no campo da Educação Popular.

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Ilustração2: Relações da educação intercultural

Fonte: Elaboração do pesquisador com base na leitura de Fleuri (2003a)

3.2 TEMAS GERADORES NA CONCEPÇÃO FREIREANA

Buscamos em nosso trabalho a inserção de uma investigação dialógica que, para Freire,

é ancorada por uma investigação que denominou de “universo temático”, caracterizado pela

utilização de “temas geradores” acerca das possibilidades de entendimento da realidade do

oprimido e de sua visão de mundo sobre as associações dos homens e mulheres com o mundo

e entre si para, posteriormente, em uma relação de dialogicidade promoverem a discussão de

criação e recriação de conhecimentos e de sua realidade (FREIRE, 1970).

A investigação dos temas que Freire chama de geradores, quando educandos e

educadores, juntos, dialogam e buscam a construção de temas, possibilita a constituição de

outras discussões e ocorrerá a problematização de outros pontos da realidade – que perpassam

o tema debatido, os quais ao serem analisados, demandarão novas discussões e,

consequentemente, novas ações sobre a realidade. Sem o diálogo não alcançamos os temas

geradores, estes deixam de ser gerados e passam a ser temas pré-estabelecidos, o educador

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impõe, passa o que fazer sem a participação ativa dos educandos e a ausência de discussão,

assim, impera.

É por isso que, em uma investigação temática, o diálogo se inicia com a busca do

conteúdo programático9 e o universo temático com a inserção de temas geradores, que são

envolvidos e envolvem as situações-limites (FREIRE, 1970). Em consonância com Freire, o

conteúdo programático deve ser trabalhado dialogicamente desde o início de sua construção na

mediatização educador-educando.

Freire, na sua obra “Pedagogia do Oprimido”, intitula situação-limite como aquela que

leva à negação e à superação da realidade dada. Este conceito também possui um enfoque

dialético, objetivo, histórico e uma resolução sintética. A situação objetiva a que Freire mais se

situa como “situação-limite”10 em sua obra, é a relação opressor-oprimido (FREIRE, 1970).

A busca pelos temas-geradores está alicerçada no diálogo como essência, o que exige

do educador um posicionamento crítico, em que a problematização deve ser pensada de forma

constante. Para Freire “esses temas se chamam geradores porque, qualquer que seja a natureza

de sua compreensão como a ação por eles provocada, contém em si a possibilidade de

desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem ser

cumpridas” (FREIRE, 1970, p. 110).

Freire afirma que o processo de escolha dos temas geradores, como recursos para a

promoção da aprendizagem, é resultado de uma mediação entre o comprometimento dos

educadores e os interesses e empenho dos educandos. Nessa perspectiva, cabe sim incentivar

os educandos a se abarcarem em uma reflexão acerca dos conteúdos que estão em conexão com

o seu cotidiano e, assim, poder utilizá-los como ponto de partida para aquisição de novos

conhecimentos. Para tanto, é necessário que os educandos estejam dispostos a apreender o que

é construtivo e transformador para si próprios (FREIRE,1970).

Do ponto de vista do autoritarismo que marca a educação bancária, o educador enquanto

autoridade decide o que estudar, aprender e também o conteúdo. Quando falamos de tema-

gerador os educandos não geram o tema simplesmente, mas irão desconstituir um determinado

9 Para que esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade começa, não quando o educador-

educando se encontra com os educandos-educadores em situação pedagógica, mas antes quando aquele que se

pergunta em torno do que vai dialogar com estes, Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação

em torno do conteúdo programático na educação (FREIRE, 1970, p.47). 10Esta é a razão pela qual não são as “situações-limites”, em si mesmas, geradoras de um clima de desesperança,

mas a percepção que os homens tenham delas num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que

eles não podem ultrapassar. No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve

um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se na superação das “situações-limites”

(FREIRE, 1970, p. 51).

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conceito previamente formulado. O trabalho conjunto de educador com os educandos, a partir

das intervenções, do diálogo, do questionamento, da criticidade, da dúvida, da desconfiança,

possibilita o rompimento desse determinado conceito que foi imposto como sinônimo de

verdade absoluta. Nesse processo pedagógico não se gera apenas o tema, mas também se

desconstitui os conceitos que são previamente formulados e que vem de cima para baixo, os

quais tendem a ser gerados com base nos valores e interesses das classes dominantes. Ao

criticarmos e refletirmos sobre esses conceitos podemos criar novos conceitos e novos

conhecimentos sobre o mundo (FREIRE, 1970).

O processo de investigação dos temas geradores é um ponto de partida do processo de

ensino e aprendizagem. Investigar o tema gerador, o que vamos gerar, estudar e problematizar

se constitui em um esforço comum de consciência da realidade e de auto consciência. Por isso,

Freire (1970) afirma que a investigação temática não é um processo mecânico. Os sujeitos vão

descobrindo na sequência dos temas significativos, estudando juntos os problemas. O ideal é

problematizar para resolver problemas. E quanto mais crítica for a investigação menos

focalista11 será. O processo deve ser realizado por meio de conversas com os educandos e

educandas de maneira a estabelecer uma prática dialógica (observação-reflexão-ação) focada

nas expressões, na sua linguagem, na sua forma de organizar os pensamentos e na sua interação

com a comunidade do passado, do presente e do futuro.

11 O termo “focalista” foi aqui usado e inspirado na obra de Freire (Pedagogia do Oprimido).” Por isto que a

investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto, deixando de perder –se nos

esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões “focalistas” da realidade, se fixe na compreensão

da totalidade” (FREIRE,1970, p. 57). Então, podemos pensar que, o termo “focalista” está ligado para um olhar

exclusivo aos aspectos parciais da realidade ao invés da visão de conjunto dessa mesma realidade, tornando-se em

um caminho árduo para a percepção crítica dessa realidade.

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Ilustração 3-Esquema da Investigação Temática de Paulo Freire

Fonte: Elaboração do pesquisador com base em Paulo Freire (1970)

3.3 PERSPECTIVAS DIALÓGICAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA

Para que o nosso trabalho possa fluir na direção da educação dialógica e plural

acreditamos na importância de dialogar, nesta seção, acerca do ensino de química com os

olhares abarcados na cronologia histórica da educação, no PCNEM (Parâmetros Curriculares

Nacionais Ensino Médio) com foco na Química, na nossa experiência como educadores e nos

trabalhos recentes e inovadores, no sentido de se distanciarem da educação bancária,

desenvolvidos na área do ensino de Química.

Historicamente, nas décadas de sessenta e setenta, o Brasil iniciou o seu processo de

industrialização marcado na área da Educação com políticas específicas para o Ensino Médio

com proposição da profissionalização compulsória. O objetivo era formar mão de obra capaz

de operar e gerir processos produtivos com uso de máquinas.

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O exposto acima nos traz reflexões sobre o que nos fala Freire, quanto à sua crítica ao

“modelo bancário” de educação e que, para nós, atualmente, ainda nos limita com metodologias

e abordagens em ciências naturais norteadas para o excesso de conteúdo com fragmentações na

relação de ensino e aprendizagem, restrita ao saber de posse do educador que, invariavelmente,

repassa os conteúdos padronizados de maneira verticalizada para o educando.

Em consonância com a crítica de Freire (1970) e Mortimer (1996), falamos aqui de um

ensino em Química enraizado no contexto disciplinar, alimentado por uma ótica linear,

desconexa e fragmentada dos conhecimentos na estrutura compartimentalizada de como a

Química é trabalhada no Ensino Médio, embora os PCNEM apregoem exatamente o contrário,

quando sugerem inserções de projetos pedagógicos no âmbito da educação básica espraiados

na pluralidade e na contextualização.

A partir daqui iniciamos a discussão e contextualização de documentos legais que

traçam parâmetros e diretrizes para o ensino de Química, no Brasil, quais sejam os PCNEM e

PCN+ do Ensino Médio com olhar direcionado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei 9.394/96), na Resolução nº 03/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho

Nacional de Educação – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), na

Resolução CEB/CNE nº 3/98, especificamente na área de Ciências da Natureza, Matemática e

suas Tecnologias e nos PCN de (1999; 2002; 2005a).

Os PCNEM trazem recomendações focadas na promoção e inserções de conteúdo em

um contexto interdisciplinar e em metodologias e estratégias direcionadas para a construção

dos processos de ensino-aprendizagem que estejam conectadas às questões da

interdisciplinaridade e da contextualização como forma de organizar o conhecimento de

maneira a valorizar saberes oriundos dos educandos no cotidiano de suas comunidades.

A integração de diferentes conhecimentos pode criar as condições necessárias para

uma aprendizagem motivadora, na medida em que ofereça maior liberdade aos

professores e alunos para a seleção de conteúdos mais diretamente relacionados aos

assuntos ou problemas que dizem respeito à vida da comunidade. Todo conhecimento

é socialmente comprometido e não há conhecimento que possa ser aprendido e

recriado se não parte das preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento entre

os conteúdos programáticos e a experiência dos alunos certamente responde pelo

desinteresse e até mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas.

Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar nos rituais escolares, sem

passar pela crítica e reflexão dos docentes, tornando-se, desta forma, um acervo de

conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não se consegue aplicar, por se

desconhecer suas relações com o real (BRASIL, 1999, p.36)

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Importante destacar que, embora, os PCN apontem a pluralidade cultural como princípio

da educação brasileira a ser trabalhado nas escolas visando a superação da exclusão social, do

preconceito e do sofrimento de crianças e adolescentes, atualmente, tal princípio vem sendo

posto em xeque, por exemplo, por meio de ofensivas e projetos de lei formulados pelo

Movimento Escola Sem Partido. Cabe citarmos que apesar os PCNs preconizarem esta

pluralidade, as escolas não têm se utilizado disso, portanto fica difícil explicar outros saberes.

Acreditamos também que a qualidade da educação básica no Brasil somente possa se

efetivar com a presença das questões de inclusão e da democratização das oportunidades, em

que os processos de constituição e articulação dos conhecimentos possam ser espraiados na

direção da interdisciplinaridade e da contextualização como condição real de pensar uma

educação em Ciências a partir de sua própria realidade (BRASIL, 1996).

Concordamos com Mortimer (1996) na ênfase dada às ações coletivas e aos diversos

contextos de vida dos educandos, os quais possibilitam a geração de perspectivas voltadas para

uma abordagem relacional, em que se preconiza que, por intermédio da vivência prática no

cotidiano escolar, sejam construídas as pontes e as articulações entre os conhecimentos

mediados por relações de cunho complementar e transdisciplinar e assim evitamos a

compartimentalização e possibilitamos o incentivo para o raciocínio e a capacidade de aprender

com o outro.

Inserimos aqui um pequeno hiato para mencionar a necessidade do fortalecimento do

Estado democrático e a importância das novas tecnologias, com um volume imenso de

informações que, pela sua dinâmica atual, são frequentemente superadas, criando novos

parâmetros de formação frente às crescentes demandas de produção de bens, serviços e

conhecimentos (BRASIL, 1996).

Tudo isso requer da escola o árduo trabalho de preparar o educando para agir nesse

universo contemporâneo marcado por constantes mudanças tecnológicas com ferramentas que

promovam ações para pesquisar, aprender, criar, inovar e formular, juntos, na contraposição do

que vemos hoje, isto é, uma formação baseada no simples exercício de memorização e na

ausência do diálogo horizontal entre educador e educando, mesmo porque no mundo atual é de

fundamental importância que o educando aprenda a se posicionar diante das diversas interações

sociais vivenciadas, no complexo cotidiano escolar, para que consiga tomar decisões com

responsabilidade.

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Os currículos tradicionais têm enfatizado, na maioria das vezes, apenas aspectos

conceituais da química, apoiados numa tendência que vem transformando a cultura

Química escolar em algo completamente descolado de suas origens científicas e de

qualquer contexto social ou tecnológico (MORTIMER; MACHADO; ROMANELLI,

p. 274, 2000).

Pela minha vivência de vinte anos como professor de Química no ensino médio, entendo

que os processos de ensinar utilizados nas escolas não estão oportunizando ao educando um

aprendizado que promova o entendimento das diferentes etapas dos processos químicos em si

e a construção de um conhecimento químico em uma ampla sintonia ao meio cultural e natural,

com inferências às questões científicas, sociais, do meio ambiente, da economia e das ético-

políticas. O que vemos, de maneira geral, nos programas de ensino de Química no Ensino

Médio, é que perdura a ideia de se trabalhar com volumes imensos dos conteúdos, com

sequências fragmentadas e pormenorizações desnecessárias e atemporais.

Por isso entendemos que os PCN+ referentes às ciências da natureza e suas Tecnologias

possibilitam a interação acerca da natureza e o desenvolvimento tecnológico, que mediados por

processos de compartilhamento e de articulação de linguagens e modelos favorecem a

construção do conhecimento escolar, relacionando os conceitos do cotidiano do educando com

os científicos, que integram o universo cultural da ciência Química (BRASIL,1999).

Ademais, nos PCN+, o ensino de Química estabelece claramente que os conteúdos

devem ser organizados levando em consideração duas perspectivas imbricadas para um

processo de contextualização desses conteúdos que, como orientação, destacamos:

[...] a vivência individual dos alunos – seus conhecimentos escolares, suas histórias

pessoais, tradições culturais, relação com os fatos e fenômenos do cotidiano e

informações veiculadas pela mídia; e a sociedade em sua interação com o mundo,

evidenciando como os saberes científico e tecnológico vêm interferindo na produção,

na cultura e no ambiente (BRASIL, 2002, p. 93).

No âmbito da interdisciplinaridade e da contextualização no ensino em Química

partilhamos as ideias de Mortimer (1996), Prigol e Del Pino (2008) quanto à necessidade de

existir diálogos entre as disciplinas mediados por educadores dos diversos componentes

curriculares com discursos horizontais, levando em consideração o contexto real, entre os quais

o cotidiano social, as situações criadas na sala de aula por meio de experiências e do entorno

do educando, os fenômenos naturais e os sintéticos e as interconexões das aplicações das

tecnologias desenvolvidas como criação humana .

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[...] a Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes

culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for

promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for

apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e

como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos

aspectos da vida em sociedade (BRASIL, 2002, p.87).

De acordo com de Mortimer; Machado; Romanelli (2000) e, em sintonia com BRASIL

(2002), a Química é estruturada como um conhecimento associado por questões conceituais e

estabelecido por intermédio de relações complexas, envolvendo e promovendo o entendimento

das três bases essenciais, as transformações químicas, os materiais e suas propriedades e os

modelos explicativos com o destaque para as implicações sociais associadas à sua produção e

a sua utilização.

Ilustração 4- Focos de interesse da Química

Fonte: Mortimer; Machado; Romanelli (2000, p.276)

Como síntese da percepção dos níveis de representação no ensino de Química

destacamos na ilustração abaixo um resumo descrito pelos pesquisadores Wartha; Rezende

(2011) em seu trabalho sobre o conhecimento químico acerca do modelo sugerido por Alex

Johnstone12.

12 Johnstone (1982) foi um dos primeiros pesquisadores a propor um modelo para explicar a relação entre os níveis

de representação em seu artigo “Macro and micro-chemistry”. Nesse modelo foi proposto um nível sensorial ou

perceptivo (nível macroscópico), um nível molecular ou exploratório (nível submicroscópico) e um terceiro nível,

o representacional (nível simbólico). Johnstone (1993) verificou inconsistências no modelo proposto e, 10 anos

depois, apresenta uma nova versão para seu modelo com algumas alterações, agora denominado como

“componentes de uma nova Química” e que, em um novo artigo (Johnstone, 2000) passa a denominá-lo de “formas

de uma natureza para a Química”. Os componentes da nova Química seriam a macroquímica do tangível, do

concreto, do mensurável; a submicroquímica do molecular, do atômico e cinético; e uma Química do

representacional que corresponde aos símbolos, às equações e formulas químicas (WARTHA; REZENDE, 2011,

p.278)

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Ilustração5- Os três componentes básicos da “nova Química” de Johnstone

Fonte: Adaptado de Wartha; Rezende (2011, p.278)

A ideia exposta no triângulo nos remete ao entendimento contextualizado das inter-

relações existentes na Química e nos leva a entender que, quando conhecemos as substâncias e

os materiais, estamos relacionando diretamente com as suas propriedades e estas possuem uma

correlação direta com a utilização do que fazemos no nosso cotidiano. A partir disso podemos

buscar um conhecimento químico maior em relação ao comportamento dos materiais,

aprofundando-o e inter-relacionando-o aos modelos atômico-molecular e as interações

moleculares (átomos, íons e moléculas), subsidiando os processos na direção da compreensão,

do planejamento e da execução das transformações dos materiais (MORTIMER; MACHADO;

ROMANELLI, 2000).

Concordamos também com os autores que a proposta de inter-relação dos vértices do

triângulo exposto anteriormente na ilustração 5 se contrapõe aos currículos tradicionais, onde

os mesmos conceitos estão presentes, entretanto são discorridos de maneira sequencial e linear

que leva para os educandos a ideia de uma ciência desconexa da realidade, focando a

memorização de fórmulas e definições em vez do estabelecimento de relações.

Vários trabalhos estão sendo realizados por pesquisadores em educação química, no

Brasil, seguindo dois caminhos que se complementam, considerando os aspectos e a vivência

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do educando no seu cotidiano e o coletivo associado ao diálogo com o mundo em que convive

e atua.

Destacamos inicialmente o trabalho de Mortimer, Machado e Romanelli que nos

apresentam uma abordagem utilizando as interações conceituais e as contextuais, cujo principal

objetivo “é promover uma tensão dialética, no sentido de que, se um tema for

predominantemente conceitual, de certa forma, é o conceito que organiza a estrutura de

abordagem. Se o tema é mais contextual é o contexto que organiza os desdobramentos

conceituais (MORTIMER et al. ,2000, p.275).

Trabalhos de Mortimer (1996), desenvolvidos antes do ano de 2000, já apontavam para

a noção de perfil conceitual como correspondente a um modelo alternativo que visa à

compreensão por parte do educando de um novo perfil de concepções próprias em que as ideias

possam ser relacionadas e diferenciadas simultaneamente aos conceitos científicos percebidos

no ambiente escolar. As novas ideias apreendidas no processo de ensino-aprendizagem são

imbricadas em um contexto diferente, permitindo a coexistência de um saber escolar com um

saber científico.

Na perspectiva da didática o conhecimento químico é caracterizado por três aspectos:

fenomenológico ou empírico, teórico ou de modelos e o representacional ou da linguagem. De

acordo com Mortimer et al., (2000) e Wartha e Rezende (2011), o conhecimento em ciências

está envolto na correlação entre experiência e teoria, pensamento e realidade, logo as questões

atreladas aos aspectos empíricos, da linguagem e do teórico devem constar de processos

interacionais em sala de aula, onde a linguagem é o contraponto mediador da relação entre os

três aspectos citados.

Desta forma, a nossa vivência profissional na Educação, principalmente no ensino de

Química voltado ao curso técnico em Química, nos mostra a necessidade de identificar e

relacionar a presença do conhecimento químico no cotidiano da comunidade e no mundo do

trabalho, seja no dia a dia em casa com receitas caseiras de produtos de limpeza ou de culinária,

ou ainda com receitas de chás e uso de plantas medicinais, ou a experiência e o conhecimento

compartilhado do educando no seu trabalho em processos químicos ou similares.

Diversos trabalhos como os de Lutfi (1988, 1992); de Maldaner (1992); de Mortimer

(1996) ; Romanelli e Justi (1997) ; Mól e Santos (2003) ; Prigol e Del Pino (2008); têm

corroborado esse nosso entendimento, mostrando que ensinar-e-aprender Química deve

contemplar, de forma articulada, o conhecimento químico a uma abordagem temática que parta

do cotidiano social do educando e que lhe permita criar atitudes e valores para posterior tomada

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de decisão frente a um mundo real, tendo como inspiração a investigação temática de Freire.

Identificamos que vários autores, inspirados no formato de unidades temáticas, vêm utilizando

esta prática para o ensino de Química voltado para o cotidiano, desde o final da década de

oitenta. Estes trabalhos foram enfatizados na construção e nas complementações dos “PCNs”

de Química. Destacamos alguns desses trabalhos na tabela abaixo:

Tabela 1- Descrição do trabalho de pesquisa para o ensino de química no formato de unidades temáticas

PESQUISADOR/ANO DESCRIÇÃO DO TRABALHO DE PESQUISA

Lutfi (1988;1992, apud

Brasil, 2006)

Cotidiano e educação em química: os aditivos em alimentos como

proposta para o ensino de Química / Os ferrados e os cromados:

produção social e apropriação privada do conhecimento químico. Teoria

pedagógica com a vivência em sala de aula.

Mól; Santos et al,

(2003;2004; 2005, apud

Brasil, 2006)

Projeto de Ensino de Química e Sociedade - PEQUIS, desenvolvido no

Laboratório de Pesquisas em Ensino de Química (LPEQ), do Instituto

de Química da Universidade de Brasília. Tema: lixo, poluição

atmosférica, agricultura, estética, água, pilhas e baterias, recursos

energéticos, Química Orgânica de cada dia, radioatividadee energia

nuclear. Abordagem temática é feita de forma que o educando

compreenda os processos químicos envolvidos e possa discutir

aplicações tecnológicas relacionadas ao tema, compreendendo efeitos

das tecnologias na sociedade, na melhoria da qualidade de vida das

pessoas e nas suas decorrências ambientais (SANTOS; MÓL et al, 2004,

p.20)

Cecisp /Ambrogi et al,

(1987, apud Brasil, 2006)

Proposta para trabalhar conhecimentos químicos associados aos seus

temas tecnológicos; material produzido pelo Centro de Ensino de

Ciências de São Paulo (Cecisp), Unidades modulares de química

(AMBROGI et al,1987). Trabalha com o educando, a partir de suas

experiências pessoais, na análise de problemas relevantes atuais e na

construção de conceitos básicos dessa Ciência, para depois desenvolver

seu espírito crítico e a capacidade de resolver problemas.

Grupo de Pesquisa em

Ensino de Química da USP

(Gepeq) (1993; 1995; 1998,

apud Brasil 2006)

Maldaner (1992, apud Brasil,

2006)

Mortimer (1996; 2000, pud

Brasil, 2006));

Romanelli e Justi (1997,

apud Brasil, 2006)

Prigol; Del Pino (2008)

Estrutura os conceitos químicos com base em teorias cognitivistas.

Trabalho focado nos roteiros “de aulas práticas e de introdução a teorias

e modelos em Química” aplicados “pelo autor e por um grupo de

professores de Química durante oito anos” (MALDANER, 1992, p. 7).

Enfoque construtivista; participação ativa do aluno na construção do

conhecimento científico e o compartilhamento de suas concepções e do

seu contexto sociocultural; abordagem articuladas entre

teoria/prática/tecnologia/meio ambiente e questões sociais.

Investigação do saber popular como uma alternativa temática para a

estruturação curricular do ensino de ciências (fabricação de queijos)

Fonte: Elaboração do pesquisador com base nas leituras de Brasil (2006); Prigol; Del Pino (2008)

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Entendemos que o conhecimento escolar construído no ensino de Química em uma sala

de aula deve constar de um compartilhamento dinâmico entre “conceitos cotidianos e químicos,

de saberes teóricos e práticos, não na perspectiva da conversão de um no outro, nem da

substituição de um pelo outro, mas, sim, do diálogo” (BRASIL, 2006, p.118).

Isso nos traz possibilidades para concretizarmos a ideia de um conhecimento espraiado

na direção da diversidade e da pluralidade dos saberes que emerge das temáticas sociais, do

cotidiano para conversar com o científico em sala de aula, suscitando um diálogo transversal

entre conteúdos e conceitos científicos de Química referentes a temas geradores presentes no

meio ambiente, na economia, na cultura, na política e na ética.

E da mesma forma aflora o questionamento sobre como:

[…] aprender a discutir e a debater numa escola que não nos habitua a discutir, porque

impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou

discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele […]”

(FREIRE, 2001, p. 90).

Então podemos argumentar que o ensino de Química, no Ensino Médio, se perfaz em

métodos, os quais são trabalhados como depósito de informações/conteúdos para os educandos,

sem as devidas conexões com o mundo natural e com os saberes intrínsecos contidos em cada

educando, fazendo com que a Química se apresente como um mundo distante do educando.

Fazendo frente à esse modelo hegemônico do ensino de Química, no Brasil, vários

pesquisadores têm trabalhado com propostas contextualizadas por meio de uma educação

química problematizadora, indo muito além do ensino de Química estigmatizado pelos livros

didáticos, por equações e fórmulas decoradas e pela ausência da relação como o mundo do

educando.

Ninguém é detentor imaculado do saber, pois à medida que alguém ensina, aprende e

todos são dotados de história e de saberes e, ao passo que se aprende também se ensina. Desta

forma há a possibilidade da confluência e integração do conhecimento popular e do científico,

como, por exemplo, o uso de plantas medicinais no ensino de Química contextualizado,

conforme experimentado nessa investigação, pode suscitar contribuições no sentido de

concretizar a ecologia dos saberes, propiciando o diálogo entre os sujeitos e favorecendo a

produção do conhecimento novo (re-criação) e, assim, abrir espaço para uma educação

libertadora e integradora.

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Buscando subsídios práticos de complementariedade para o nosso trabalho, segue

abaixo uma tabela com uma síntese das ideias apresentadas por pesquisadores sobre o ensino

de Química, no Brasil, com base na interdisciplinaridade/contextualização e em temas

geradores, com enfoque também em CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

As investigações temáticas expostas anteriormente, na tabela 1, bem como os resultados

da presente pesquisa (apresentados adiante), expressam os limites e as possibilidades de

complementariedade entre os saberes científicos e conceitos populares e cotidianos.

Consideramos que, se tais saberes não forem refutados e nem sobrepostos, abre-se espaço para

outras abordagens dialógicas, transformadoras e associativas para o ensinar-e-aprender

Química, sendo mediadas pelos conhecimentos emergentes e pelas ações complementares na

construção de novos saberes.

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4. ENVEREDANDO PELOS CAMINHOS DA PESQUISA PARTICIPANTE

Nesse capítulo apresentamos o caminhar da pesquisa de campo, o seu contexto, os

sujeitos e os procedimentos compartilhados por outros pesquisadores que se experenciaram na

pesquisa participante.

4.1 ASPECTOS DA PESQUISA PARTICIPANTE

Caminhamos ao longo do capítulo anterior na direção do ensinar-e-aprender Química

na perspectiva dialógica com intuito de apresentar uma sustentação teórica que possibilite a

emersão de respostas para nosso problema de pesquisa e entendemos que a imersão no campo

metodológico é necessária, uma vez que trará o suporte ao processo de efetivação da pesquisa.

Relembrando que o ponto de partida dessa pesquisa é: Que contribuições o ensino de

Química, na perspectiva da etnociência, pode suscitar para um aprender-e-ensinar Química

mais próximo da realidade e para a percepção das relações de complementariedade entre os

saberes populares e saberes científicos?

A metodologia desta pesquisa pauta-se no referencial da Educação Popular e, para

responder aos questionamentos levantados, buscamos implementar uma Pesquisa Participante,

que visa à construção de conhecimento por meio do diálogo entre pesquisador e participantes

da pesquisa.

A convivência entre distintos atores sociais, inserida no contexto social em que as

pessoas vivem, representou uma importante oportunidade de confrontar formas de

construção de conhecimentos empíricos e teóricos. Além disso, essa mesma

convivência, mediada pelo diálogo, proporcionou a possibilidade de refletir junto com

a comunidade sobre factíveis ações sociais transformadoras [...] (VASCONCELOS,

2014, p. 197).

O trilhar em direção ao aprender com o outro nos leva até o horizonte da pesquisa

participante e então podemos adentrar neste caminho para aprendermos com o outro aquilo que

o outro quer aprender em uma permanente relação dialógica, que possibilite o

participar/pesquisar em comunhão com grupos populares (BRANDÃO; BORGES, 2008).

A pesquisa serve à criação do saber, e o saber serve à interação entre saberes. A

interação dialógica entre campos, planos e sistemas do conhecimento serve ao

adensamento e ao alargamento da compreensão de pessoas humanas a respeito do que

importa: nós-mesmos; os círculos de vida social e de cultura que nos enlaçam de

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maneira inevitável; a vida que compartilhamos uns com os outros; o mundo e os

infinitos círculos de realização do Cosmos de que nós, os seres humanos, somos parte

e partilha (BRANDÃO; BORGES ,2008, p.57).

Para Brandão (2003), não dá para separar o pesquisador e o seu pertencimento ao grupo

a ser pesquisado, mesmo porque o pesquisador se constitui parte integrante e pode ter para si

as possíveis consequências daquilo que o grupo propõe ou pelas mudanças que suas ações

podem ocasionar. Prevalece uma relação de mão dupla, ora o pesquisador é um observador

crítico, ora é um participante ativo sincronizado no tempo e espaço.

A pesquisa participante de uma maneira tácita ou nítida promove a inserção do

pesquisador que, conectado às suas motivações pessoais, congrega também os interesses

objetivos e subjetivos direcionados para os sujeitos que individualmente ou em grupo suportam

e lutam por mudanças para suas vidas no ato constante de compartilhar experiências no seu

tempo, tendo em mente que elas ocorrem no contexto de aprender-ensinar e ensinar-aprender

com o outro (GAJARDO, 1987).

O pesquisador popular deve ter a consciência dos grupos sociais e do entrelace político

existente para que a ação que se anseie desenvolver por intermédio da pesquisa participante

seja construída em um ambiente público que, associado ao protagonismo da assunção da não

neutralidade, possa consolidar em um compromisso de vigilância epistêmica, que oportunize

garantias da expressão de posições divergentes (STRECK; ADAMS, 2011, p.491).

A rigorosidade metódica denota o caráter ético-político que apregoa a pesquisa

participante como uma atividade não neutra e faceada por clamor pela objetividade, possibilita

que o questionamento das certezas propicie espaços para que os sujeitos se posicionem juntos

na busca das perguntas e das respostas (STRECK; ADAMS, 2011).

Portanto se partimos do pressuposto central que a pesquisa se constitui em três

dimensões (social, política e pedagógica) que se apresentam imbricadas uma na outra, nas

práticas do cotidiano e é fundamental que compreendamos a pesquisa como uma prática social,

onde os saberes são costurados pelos sujeitos a constantes compartilhamentos de experiências.

Compreender a pesquisa como uma prática social, significa situá-la no conjunto de

atividades que conformam o tecido social. Se uma das lições que o pesquisador precisa

aprender é lidar com a tensão entre aproximação e distanciamento dos fenômenos e

objetos que estuda, ele também cedo aprende a verdade expressa pelos maias-quiché

no mito acima descrito: o “véu” que cobre os olhos dificulta a visão das coisas e

estamos “condenados” a viver com dúvidas e incertezas (STRECK; ADAMS, 2011,

p.488).

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No entorno da escolha de inúmeros temas e as infinitas possibilidades de interações

entre os sujeitos, que são chamados a perguntar e responder a uma infinidade de perguntas, a

escolha do pesquisador se posiciona como um elemento que conduz as perspectivas de

interações a determinados pontos da sociedade, assim o ato de se realizar uma pesquisa se

constitui como uma prática social e interfere na realidade.

A pesquisa participante veio para se abarcar em realidades que possam minimizar os

riscos de direcionamento do processo de pesquisa por parte do pesquisador.

Streck e Adams (2011) ressaltam que uma análise prévia dos elementos coletados,

notoriamente aqueles provenientes de diversas interações dialógicas e das releituras de

documentos, é essencial para definir qual e como será a rota metodológica na elaboração, coleta

e condução da pesquisa.

Brandão (1987) chama atenção para que as temáticas caracterizadas como objetos de

estudo não sejam levadas para um padrão de comportamento que possibilite a presença de uma

relação de opressão do pesquisador com o “Outro”, mesmo porque em uma pesquisa

participante não deve existir unilateridade nas questões de detenção de saber e de poder.

O verdadeiro e ativo pesquisador deve estabelecer questionamentos acerca de “qual é o

tipo de conhecimento que queremos e precisamos?”. Ou “a que se destina o conhecimento

científico e quem dele se beneficiará”? (FALS BORDA, 1981. p.47).

Na pesquisa participante nasce o reconhecimento de que só se compreende de forma

positiva algo nas relações do cotidiano da vida, do viver em sociedade ou da cultura que abarca

o ensinar-aprender e aprender-ensinar, quando na exterioridade nos vemos no outro

(BRANDÃO, 1987).

A pesquisa participante é o envolvimento da comunidade investigada na análise de sua

própria realidade e se desenvolve a partir da interação entre os pesquisadores e os membros das

situações investigadas e não depende somente dos métodos. E ainda:

[...] uma das dificuldades fundamentais em uma atividade científica cujo “outro lado”

é constituído por pessoas, sujeitos sociais quase sempre diferentes do pesquisador

(índios, negros, camponeses, [...]) é a de como tratar, pessoal e metodologicamente,

uma relação antecedente de alteridade que se estabelece e que, na maioria dos casos,

é a própria condição da pesquisa (BRANDÃO, 1987, p.8).

Streck e Adams (2011) sugerem que o estudo dos processos educativos, construídos

pelo compartilhamento de saberes e de se reconhecer no outro por relações dialógicas, sejam

ancorados em uma pesquisa participante.

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A pesquisa participante é considerada como uma prática social de cunho político e

pedagógico, pois a construção do conhecimento é intermediada por ações e decisões de

especificidade ético-política e por uma prática pedagógica, viabilizando a construção de

significados e sentidos. Possibilita a promoção e a inserção de relações dialógicas no contexto

de ensinar-aprender a sermos humanos.

A pesquisa participante se caracteriza por ser conduzida na direção do coletivo,

estabelecendo-se em uma prática social coletiva, marcada sim por momentos de solidão por

parte do pesquisador, porém o seu “trabalho de produção de conhecimento é uma atividade

coletiva, de diálogo com interlocutores próximos e distantes, visíveis e invisíveis”, sendo “a

neutralidade como uma impossibilidade; a objetividade como busca de comunicação com o

outro; e a rigorosidade como compromisso profissional e ético” (STRECK; ADAMS, 2011,

p.490).

Na busca de uma linha pedagógica que nos ajude a costurar os dados levantados na

pesquisa, junto aos alunos do curso Técnico em Química, acreditamos que os conceitos teóricos

acerca da pesquisa como prática pedagógica produzida a partir das práticas de pesquisa de

campo ajudará no processo de emersão de categorias na fala dos participantes.

A importância reside no fato de que o trabalho de pesquisa deva ser feito entre o

pesquisador junto com o grupo, que em grupo teremos o compromisso de buscar as perguntas

certas para o problema a ser estudado, já que em um grupo composto por sujeitos fortalecidos,

os processos mediados pelo diálogo possibilitam uma reflexão dos participantes da pesquisa.

As respostas permeiam para o seio do grupo e corroboram nas reflexões, inclusive para

o pesquisador, a começar pelo questionamento de seus próprios pressupostos e as interpretações

em consonância imediata com os dados da pesquisa, possibilitando a existência de uma

constatação que se confirme como potencial pedagógico da pesquisa para formação da

autonomia e para a emancipação.

É fundamental que, juntamente com os dados coletados, saibamos como eles são

recebidos e por quem são recebidos; constituem fatores muito mais essenciais para a expectativa

e esperança de uma ação emancipatória do que a seleção da técnica empregada (BAUER;

GASKELL, apud STRECK; ADAMS, 2011).

Abre-se o espaço para que a pesquisa, ancorada e mediada por ações pedagógicas, possa

se conceber como uma agência educadora e participante com o propósito voltado para o

entendimento e transformação de um grupo, de uma comunidade e consequentemente da

sociedade. Alguns instrumentos e procedimentos de pesquisa são elencados e objetivam, em

um primeiro momento com a ajuda de temas geradores levantados de forma coletiva, promover

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e motivar a discussão entre os sujeitos (pesquisador como parte dos sujeitos do grupo) em rodas

de conversa (STRECK; ADAMS, 2011).

4.2 RODAS DE CONVERSA COMO POSSIBILIDADE METODOLÓGICA

Na proposta de abarcarmos a pesquisa participante decidimos utilizar rodas de conversa,

acreditando que se constitui em local de formação, onde o diálogo é um momento único de

partilha pelo fato de pressupor a presença de escuta e de fala, agregando diversos interlocutores.

Temos a percepção de que nesses espaços o tempo de escuta é maior do que o de fala.

As rodas de conversa estão atreladas à forma de se reunir em círculos e têm inspiração

nos círculos de cultura, procedimento utilizado nos movimentos da Educação Popular, os quais

são usados com intuito de problematizar as diversas leituras de mundo dos participantes dos

círculos.

Parafraseando Freire (2012), os Círculos de Cultura constituíam-se em espaços que

mediante o diálogo entre os participantes, se ensinava e se aprendia, assim se produzia e se

compartilhava de conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento

feitas pelo educador ou sobre o educando.

As rodas de conversa estão além do fato de se utilizar a disposição em círculos dos

participantes e do benefício de aprender e ensinar em grupos. “Elas são uma postura ético-

política em relação à produção do conhecimento e à transformação social, efetivando-se a partir

das negociações entre sujeitos” (SAMPAIO et al,2014 p.1301).

A ideia da roda se perfaz no princípio de que nenhum participante se situa atrás ou à

frente, porém dispostos ao lado uns dos outros. Espaço que se pressupõe uma aprendizagem

significativa, abarcando cognição e subjetivação da existência. Propicia o rompimento com o

modelo de educação bancária, alimentado por tutela/assistência e que finca suas raízes em prol

de uma estrutura da dominação. Em oposição a essa educação bancária, Freire (1970)

compartilha a sua proposição de que homens e mulheres se eduquem e se libertem em

comunhão.

Escolher a roda de conversa como metodologia é embarcar na horizontalização da

relação de poder; é se firmar com encontros que possibilitam o diálogo em grupo, mediados por

um educador que não se apresenta como o detentor do conhecimento e sim como parte do

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encontro em grupo, instigando os participantes na intencionalidade de compartilhar saberes,

ensinar e aprender entre todos (SAMPAIO et al, 2014).

De acordo com Moura e Lima (2014), as rodas de conversa possibilitam que os temas

debatidos emerjam a partir dos interesses e dos próprios diálogos com os participantes, mirando

as questões envolvidas ao respeito à individualidade, encorajando a participação e a crítica com

o propósito de se produzir junto com o outro novos conhecimentos e leituras do mundo.

Por se constituírem como possibilidades de construção dialógica, as rodas proporcionam

a construção de conhecimentos coletivos e contextualizados, ao priorizarem segundo Sampaio

et al (2014, p.1301) “a fala crítica e a escuta sensível, de forma lúdica, não usando nem a escrita,

nem a leitura da palavra, mas sim a leitur-ação das imagens e dos modos de vida cotidianos”.

De acordo com Moura e Lima (2014), as rodas de conversa no universo da pesquisa, em

que a narrativa dos participantes se constitui em uma rica maneira de se construir diálogos e de

se produzir dados, oportuniza a inserção do pesquisador como sujeito da pesquisa também por

estar e fazer parte na conversa, ao mesmo tempo, produzir dados para discussão.

Acreditamos que na nossa pesquisa tudo se abarcou em um processo mediado pela

interação de uns com os outros participantes nos encontros e nas rodas de conversas, por

intermédio da escuta e da fala e no silêncio observador e reflexivo.

Adentrar-se e trabalhar com as falas dos participantes nos encontros, onde as narrativas

emergem do diálogo, caracteriza-se como um estudo em que o pesquisador é instigado e levado

a melhor ouvir e olhar às várias gradações do discurso, especialmente sobre como o que a fala

esconde e o que ela revela, se atende ou não à expectativa do pesquisador para compreender as

categorias que emergem do discurso dos participantes, no nosso caso, os educandos do curso

Técnico em Química, em que as suas vozes são compartilhadas na análise de dados deste

trabalho (GHEDIN; FRANCO, 2008, apud MOURA; LIMA, 2014).

Concordamos com os relatos apresentados nos trabalhos de Sampaio et al (2014) e de

Moura e Lima (2014) que as rodas de conversa possibilitam a socialização de saberes e a

implementação de trocas de experiências, de falas, de propagação e de conhecimentos entre os

participantes, do ponto de vista da construção e reconstrução de novos conhecimentos mediados

por temas.

Os participantes das rodas de conversa não narram sozinhos; reapresentam vozes e

memórias de outros participantes, que se entrelaçam à sua em prol do ato de rememorar e de

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socializar, que na roda de conversa se constitui em uma construção coletiva. Para a construção

dos dados é fundamental que o pesquisador entenda a importância das conexões existentes entre

as memórias culturais e individuais dos sujeitos, que em diálogo compartilham saberes

(MOURA; LIMA, 2014).

É fundamental a análise dos dados que foram coletados nos encontros e nas rodas de

conversas através das falas dos participantes, já que com os dados devidamente interpretados e

compartilhados nos levam a resultados legitimados pelas “visões e leituras da realidade em

detrimento de outras” (STRECK; ADAMS, 2011, p.489).

Acreditando que podemos conversar e pesquisar, olhamos a roda de conversa “como

sendo um instrumento de produção de dados que tem como matéria-prima a memória

despertada pela a conversa com os pares, favorece os achados científicos” (MOURA; LIMA,

2014, p.98).

A escolha da roda de conversa como recurso dialógico na emersão de saberes para o

nosso trabalho de campo se deu em um pensar anterior que proporcionasse à nossa pesquisa um

olhar acadêmico, acarretando na caracterização da mesma como de natureza qualitativa, além

de estabelecer o seu posicionamento como sendo uma abordagem real e legítima que vem ao

encontro do conhecimento científico.

4.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA E O SE EXPERENCIAR EM GRUPO

Reiteramos a nossa opção por utilizar a pesquisa participante por acreditar na

possibilidade de criar saberes no ato de ensinar-e-aprender e aprender-e-ensinar Química

juntos, buscando uma interação entre os saberes, através da escuta das vozes dos participantes,

para que estes pudessem se originar em compreensão e comunhão entre os sujeitos.

O processo consistiu primeiramente na inteiração e na integração com os participantes,

ao que eles nos diziam juntos durante os encontros e as rodas de conversa. Percebemos que ao

conviver, estar juntos daquele contexto foram nos guiando ao que Brandão e Borges (2007)

denomina do primeiro passo para poder sentir, criar percepções e ao mesmo tempo ir

compreendendo como é o lugar; o nosso envolvimento é inevitável por estarmos vivenciando a

situação.

Procuramos criar a oportunidade de caminhar de forma calma e tomando o cuidado de

não invadirmos os espaços, juntando-nos aos participantes, às suas experiências e aos seus

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saberes mediados por um espaço dialógico, criando alternativas de produção e ressignificação

de sentido. Com o intuito de firmarmos e não nos esquecermos dos detalhes que emergiam em

cada encontro, utilizamos um diário de campo para registrarmos as falas dos participantes.

Acreditando também que, nas experiências compartilhadas entre sujeitos, a

aprendizagem e o ensino caminham na direção de um diálogo democrático e é por esta rota que

embarcamos nesse ato de ensinar-e-aprender e do aprender-e-ensinar para vivenciarmos,

pesquisador e educandos de um curso técnico em Química, o exercício de participar /pesquisar

e juntos construirmos as possibilidades de aprender a aprender de forma dialógica a Química.

A seguir apresentaremos o local em que a pesquisa de campo foi realizada, os

participantes e a forma como foi conduzida.

O trabalho de pesquisa de campo foi realizado com os educandos de um curso Técnico

em Química, nas Escolas Padre Anchieta, na cidade de Jundiaí-SP. A autorização para a

realização da pesquisa foi emitida pela direção da escola em acordo aos requisitos legais de

aprovação do projeto no Comitê de Ética/UNISAL.

As Escolas Padre Anchieta têm suas origens em uma instituição particular de ensino

fundada há mais de 70 anos, no dia 8 de dezembro de 1941, por um grupo de professores

liderados pelo Prof. Pedro Clarismundo Fornari. A instituição de ensino acompanhou o

crescimento populacional e de demanda profissional de Jundiaí e Região e desde 28 de agosto

de 1963, o curso “Habilitação Profissional Técnica de Química”, foi autorizado pela Portaria

de n° 68 da Diretoria de Ensino Industrial do Ministério da Educação e Cultura e reconhecida

pela Portaria S/N, de 30 de abril de 1980, publicada no D.O. de 01 maio de 1980, da

Coordenadoria do Ensino do Interior.

Atendendo às exigências do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, a instituição

apresenta o plano do curso de Habilitação Profissional Técnico em Química, coerente com o

respectivo projeto pedagógico da Escola submetido à aprovação pela Diretoria de Ensino de

Jundiaí , ancorado pelo Artigo 39 da LDB 9394/96 e em sintonia com a Resolução CNE/CEB

Nº 1, 05 de dezembro de 2014, em que a Educação Profissional deve ser caracterizada e

integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia; com o objetivo

de conduzir o cidadão a um permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva na

sociedade do trabalho e do conhecimento. Ademais, entre o ensino fundamental e ensino médio

possui em torno de 850 educandos.

Após a apresentação da instituição colocamos agora considerações sobre o curso e os

sujeitos que participaram do trabalho da pesquisa de campo. Desde 05 de fevereiro de 1998, o

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pesquisador é professor/coordenador pedagógico do Curso Técnico em Química nas Escolas

Padre Anchieta. O curso Técnico em Química funciona no período noturno e a organização

curricular está estruturada em três módulos com uma carga horária total de 1200 horas.

Antecipando um pouco a nossa narrativa quanto à sequência sobre como os participantes

optaram, por livre escolha, a participarem do nosso trabalho, identificaremos após algumas

considerações relevantes todos os participantes que efetivamente estiveram juntos a partir do

primeiro encontro até a reunião de devolutiva.

Ressaltamos que do grupo inicial de participantes, foram acolhidos ao longo dos

encontros e das rodas de conversa outros participantes que serão mostrados na sequência.

Os educandos dos segundo e terceiro módulos do curso Técnico em Química compõem,

junto ao pesquisador, os sujeitos que participaram da pesquisa desde o primeiro encontro e

posterior acolhimento junto ao grupo de mais dois educadores do curso e da avó de um dos

educandos.

Entendemos que para explicarmos sobre como chegamos ao número de educandos que

decidiram participar da nossa pesquisa compartilhamos primeiramente com os dados macros

do funcionamento do curso. Temos nos dois módulos do curso Técnico em Química 45 alunos

matriculados, com faixa etária entre 18 e 50 anos. Como característica, os ingressantes no curso,

97 % já são concluintes do Ensino Médio regular ou da EJA e 3% estudam, concomitantemente,

o curso Técnico com o Ensino Médio. A grande maioria está inserida no mercado de trabalho,

sendo que dessa maioria 60% já trabalha na área produtiva de indústrias químicas, alimentícias,

cosméticos e afins; buscando no retorno aos estudos uma ascensão profissional.

Descrevemos a seguir como se deu o trabalho de campo mediante os encontros e as

rodas de conversa. Reiteramos aqui que nos inspiramos nas rodas de conversa, chamados

círculos de cultura proposto por Paulo Freire (1970) como procedimento metodológico. Nas

rodas de conversa, pesquisador e participantes da pesquisa se reúnem para debater um tema em

consonância como os nossos objetivos ao longo dessa investigação para responder o

questionamento feito como ponto de partida, que contribuições o ensino de Química, na

perspectiva da Etnociência, pode suscitar para um aprender-e-ensinar Química mais próximo

da realidade e para a percepção das relações de complementariedade entre os saberes populares

e saberes científicos?

A seguir apresentamos uma tabela com os nomes fictícios dos participantes da pesquisa

emergidos e sugeridos pelos próprios educandos durante a primeira roda de conversa.

Ressaltamos que a lista de participantes da pesquisa de campo representa 15 educandos, 02

educadores, a Dona Josefina (avó) do educando Cobre e o pesquisador.

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Procuramos destacar na tabela os nomes escolhidos pelos educandos em alusão aos

elementos químicos da tabela periódica ou de moléculas, a idade, o gênero e a autodeclaração

de cada participante da etnia.

TABELA 2- Dados dos participantes da pesquisa de campo

Nome Idade Gênero Etnia

Ácido Nítrico 20 Feminino Branca

Água Oxigenada 22 Masculino Branco

Amônia 23 Masculino Pardo

Antimônio 30 Feminino Branca

Cobre 32 Masculino Pardo

Cloro 40 Masculino Negro

Carbono 26 Feminino Branca

Cromo 21 Feminino Branca

Hidrogênio 20 Feminino Negra

Magnésio 19 Masculino Branco

Manganês 23 Masculino Branco

Prof. Nióbio 38 Masculino -

Ouro 20 Masculino Pardo

Oxigênio 23 Feminino Branca

Prata 22 Masculino Branca

Prof. Silício 52 Masculino -

Sódio 20 Feminino Parda

Dona Josefina 85 Feminino Indígena

Pesquisador 51 Masculino Branco

Fonte: o próprio autor

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Após a apresentação dos participantes, destacamos o caminho percorrido ao longo da pesquisa

de campo.

Ilustração 6-Caminho percorrido na pesquisa de campo

Fonte: Elaboração do pesquisador

Portanto os nossos diálogos ocorreram em dois encontros, três rodas de conversa, a Feira

Científica e a reunião de devolutiva com a presença de todos os participantes, com exceção da

Dona Josefina que não pode comparecer por estar com problemas de saúde.

As rodas de conversa do nosso estudo ocorreram em três oportunidades. Procuramos

guiá-las por uma questão tema, cujo objetivo era de suscitar o início do diálogo e a troca de

ideias e opiniões. A partir desse questionamento inicial, os participantes eram convidados a

falar, a relatar e a trocar experiências.

Foi solicitada a permissão para gravar as nossas conversas, fotografar os encontros, as

rodas de conversa e a Feira Científica e prontamente os participantes autorizaram. Este

pesquisador utilizou um aparelho celular para gravar as nossas falas. Além de gravar as

conversas também foi utilizado o diário de campo para anotar as observações dos relatos dos

participantes. No início de cada conversa a timidez estava presente em alguns participantes,

como era de se esperar, percebemos que eles aguardavam a sua vez de falar e, algumas vezes,

a solicitavam permissão para expor as suas ideias.

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Depois de algum tempo, a fluidez da conversa aumentou naturalmente, e as vozes se

intercruzavam em uma dinâmica própria, construída pelo diálogo e incentivada mediante a

participação ativa de todos.

Cabe relatar que no final de cada encontro ou roda de conversa, registramos as

impressões e transcrevemos o que falado pelos participantes, um trabalho minucioso, porém

necessário para a organização posterior na análise de dados.

Na tabela abaixo procuramos resumir os principais propósitos e assuntos discutidos na

pesquisa de campo.

TABELA 3- Resumo dos encontros com os participantes(educandos) da pesquisa do curso

Técnico em Química

Data Atividades

desenvolvidas

Assuntos discutidos

16/08/2017

(18h:45 às

19h:45)

1º Encontro

Apresentação dos objetivos da pesquisa para 43

educandos e convite para participação do projeto. Dos 45

educandos do curso; 02 faltaram nesse dia.

16/08/2017

(20h às

21h:30)

1ª roda de

conversa

Dinâmica com duas perguntas sobre plantas medicinais

com os 15 educandos, dos 43 que estavam no 1º encontro,

que voluntariamente optaram em participar da pesquisa

18/08/2017 2ª roda de

conversa

Resgate dos assuntos discutidos no encontro anterior e

questionamentos para o grupo sobre o que é Química,

dificuldades em aprender, experiências no dia-a-dia ou no

trabalho com a Química, plantas medicinais e as suas

experiências com os pais e os avós sobre o assunto e

sugestões para melhorar as aulas de química.

28/08/2107 3ª roda de

conversa

Exposição por parte dos participantes da roda de conversa

inicial sobre as suas percepções, desassossegos e

manifestações em um espaço democrático com a

finalidade de discutirem a forma de compartilhamento de

ideias sobre os projetos a serem construídos para a feira

científica. Uso de temas geradores por parte dos

educandos.

29/08/2017 2º Encontro

Aula prática organizada pelos alunos que voluntariamente

decidiram trabalhar com o tema plantas medicinais na

Feira de Ciências.

27/11/2017 Feira

Científica

Exposição dos trabalhos dos educandos na Feira

Científica aberta para a comunidade

11/12/2017 Devolutiva Reunião com os participantes da pesquisa Fonte: o próprio autor

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Depois da exposição dos caminhos percorridos na nossa pesquisa de campo seguem os

relatos desses encontros.

Ilustração 7: Primeiro encontro com os 43 educandos

Fonte: Pesquisador

No dia 16 de agosto de 2017, às 18h45, o pesquisador13 se reuniu na sala de número

quinze das Escolas Padre Anchieta com 43 educandos dos 45 matriculados para convidá-los a

participarem do projeto de mestrado com o título: Educação Dialógica e Etnociência: buscando

pontes entre os saberes populares e o ensinar-e-aprender química. Foi apresentado o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como requisito legal que consiste em um

documento que permite aos sujeitos participantes da pesquisa ter acesso aos propósitos da

pesquisa, as informações e clareza quanto a sua participação, a liberdade de desistir a qualquer

momento da pesquisa, evitando constrangimentos e exposições desnecessárias.

Acrescentamos a possibilidade de emergir a partir da pesquisa temas que possam ser

utilizados na feira científica realizada semestralmente no curso.

Após a introdução e explicação sobre a participação na pesquisa deixei livre a escolha

dos educandos para serem os participantes da pesquisa. Dos quarenta e três educandos que

estavam presentes, quinze decidiram participar da pesquisa.

Fundamentalmente, para que isso se consolide, é importante incorporarmos no campo

da pesquisa processos democráticos que possam estabelecer as pontes necessárias para

discutirmos uma concepção teórico-metodológica da pesquisa participante, embasada em um

cronograma de atividades, que propicie nos espaços dialógicos criados, a definição e o

13 A partir daqui usarei em 1ª pessoa para o pesquisador.

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afloramento das responsabilidades e da dinâmica geral do processo, em vistas a garantir uma

unidade em relação à concepção e na forma dos procedimentos (STRECK; ADAMS, 2011).

Sugeri uma roda de conversa com os quinze educandos. Nesse primeiro encontro,

usando a roda de conversa, propus uma dinâmica de apresentação e esclarecemos a pesquisa e

sua metodologia, inclusive a roda de conversa. Apesar do pesquisador ser o professor e

coordenador do curso, onde os participantes estudam, procuramos levar em consideração o fato

da conversa fluir melhor quando os participantes se conhecem e percebem similariedade nas

ideias e pontos em comum que ofereçam a empatia, nos esforçamos na construção de vínculos

de confiança necessários para o diálogo.

Ilustração 8 : Primeira roda de conversa com os 15 educandos

Fonte: Pesquisador

Iniciei a conversa com os educandos lançando mão de alguns conceitos centrais na

investigação, ensinar-e-aprender Química com temas, tais como plantas medicinais, ensino de

Química e saberes populares e saberes científicos. Como uma dinâmica inicial motivadora do

processo de conversa, organizei e apliquei duas perguntas a cada sujeito, conforme as tabelas

abaixo: Primeiro foi apresentada a pergunta com os nomes científicos de plantas medicinais e

depois como os respectivos nomes populares. Os educandos não precisavam se identificar.

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TABELA 4- Pergunta 1 usada na primeira roda de conversa de 16/08/2017

VOCÊ CONHECE OS COMPONENTES ABAIXO?

Sim Não

Nasturtium officinalis

Rosmarinus officinalis

Allium sativum

Arnica Montana

Aloe vera

Peumus boldus

Calendula officinalis

Cymbopogon citratus

Baccharis genistelloides

Syzygium aromaticum

Fonte: o próprio autor

TABELA 5- Pergunta 2 usada na primeira roda de conversa de 16/08/2017

VOCÊ CONHECE OS COMPONENTES ABAIXO?

Sim Não

Agrião

Alecrim

Alho comum

Arnica

Babosa

Boldo do Chile

Mal- me- quer

Capim cidreira

Carqueja

Cravo da Índia

Fonte: o próprio autor

Após o término da dinâmica os educandos ficaram curiosos em saber o resultado e

entreguei para os mesmos, aleatoriamente, a pergunta respondida com os nomes científicos e

entre os quinze educandos todos responderam que não reconheciam nenhum dos nomes. Depois

apresentei o resultado com os nomes populares e somente três educandos disseram que não

conheciam os nomes da arnica, da carqueja e do agrião. Perguntei ao grupo na roda de conversa

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como eles reconheceram os nomes populares dos componentes. “Todos disseram que

aprenderam com os pais e os avós”.

Dando prosseguimento, em 18 de agosto de 2017, às 19h30, me reuni na mesma sala de

número quinze das Escolas Padre Anchieta para conversar com os quinze educandos que de

forma espontânea optaram por participar da pesquisa. Iniciei o nosso diálogo novamente em

uma roda de conversa, relembrando os objetivos da pesquisa e se alguém quisesse desistir

estava livre para isto. Comentei com o grupo que aquele espaço era um ambiente de diálogo e

todos tinham a liberdade de falar e propor algo.

Logo após, pegando o gancho do encontro anterior, compartilhei a ideia de

conversarmos naquele momento sobre a dinâmica do encontro anterior, química, plantas

medicinais, saberes populares e saberes científicos e experiências no dia-a-dia ou no trabalho,

as quais estivessem relacionadas ao curso. Reiterei aos educandos que em nenhum momento os

nomes deles estaria em evidência na dissertação do projeto.

Então no mesmo momento um dos educandos me chamou e perguntou: Posso dar uma

ideia, professor? Sugiro que cada um escolha um nome de um elemento químico ou uma

molécula para ser chamado. Prontamente a ideia foi compartilhada, sendo assim, a partir daqui

todas as conversas serão conduzidas pelos nomes escolhidos pelos próprios educandos,

conforme descrito na tabela 2, dados dos participantes da pesquisa de campo.

Solicitei ao grupo a permissão para gravar as conversas e também utilizei um diário de

campo para anotar as respostas e apontamentos dos educandos nos encontros. A transcrição dos

relatos obtidos nas rodas de conversa foi registrada no diário de campo e se encontram como

apêndice no final desta dissertação

Para nos identificarmos foi usada uma etiqueta adesiva com o nome fictício conforme

descrito na tabela de participantes da pesquisa escolhido por cada educando e colada sobre

peito.

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Ilustração 9: 2ª roda de conversa

Fonte: Pesquisador

Para iniciar a conversa com o grupo, lancei na roda de conversa questões-temas que

instigassem questionamentos sobre o que é Química para os participantes? Como enxergavam

a Química no cotidiano? O que eles acharam da dinâmica sobre plantas medicinais? Quais são

os problemas que vocês têm para aprender Química? Quais são as consequências desses

problemas? Vocês tem alguma ação no sentido de sugerir algo novo nas aulas? Essa mediação

teve como aporte as indicações de Brandão:

O papel do orientador consiste assim em auxiliar os participantes do “grupo de estudo”

a questionar as suas “representações” do problema. Este momento é fundamental para

o desenvolvimento de um processo de “análise crítica” do conhecimento cotidiano de

um fenômeno (problema, situação, etc. (BRANDÃO, 1987, p.64).

No diálogo iniciado nessa roda de conversa destacamos apontamentos que serão

utilizados na análise dos dados. As representações, falas, apontamentos, problemas, anseios,

saberes das conversas sobre a Química na fala dos participantes se encontram no apêndice deste

trabalho e foram utilizados para encontrar as categorias significativas e responder ao nosso

ponto de partida.

Como resposta sobre a pergunta sobre o conhecimento de planta medicinal, a grande

maioria respondeu que conhecia babosa, alecrim, boldo, hortelã, chá de cidreira.

Nesse contexto e dando continuidade ao diálogo com o grupo de participantes que

participaram da roda de conversa de 18 de agosto de 2017, iniciamos no dia 28 de agosto de

2017, das 18h45 às 21h a 3ª roda de conversa com a participação dos quinze educandos e o

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pesquisador, na aula de Análise Química do Professor Silício14que trabalha há 10 anos na

instituição com projetos integradores relacionados à feira científica realizada semestralmente.

Esta aula foi dedicada à exposição por parte dos participantes da roda de conversa inicial

sobre as suas percepções, desassossegos e manifestações em um espaço democrático com a

finalidade de discutirem a forma de compartilhamento de ideias sobre os projetos a serem

construídos para a feira científica. Neste dia participei da aula, somente como observador. A

aula foi gravada em áudio e usamos o mesmo critério de identificação dos participantes com a

etiqueta com o nome escolhidos por eles na roda de conversa. Utilizamos também a mesma

disposição em círculo.

O professor iniciou a aula perguntando para os participantes sobre a roda de conversa

realizada com professor Claudemar do dia 18/08/17, o que vocês discutiram? O que

conversaram nesta roda de conversa, mesmo porque eu não participei com vocês?

Dos quinze participantes da primeira roda de conversa, treze decidiram utilizar tema

gerador- plantas medicinais e saberes populares, na feira científica. Os participantes decidiram

montar dois grupos para trabalhar na feira científica. A partir desse momento decidiram ir além

e solicitaram ao professor para preparar uma aula expositiva de plantas medicinais para os

outros que não optaram por trabalhar com este tema que foi realizada no dia 29 de agosto de

2017 às 19h:30 no laboratório III de química.

Nas interações sociais verificamos ocorrência de diversas manifestações provenientes

das ações realizadas no cotidiano pelos educandos e educandas que, no momento de

compartilhamento de experiências e conhecimentos, no contexto da pesquisa participante,

evidenciam a relevância de se construir e se firmar relações dialógicas e de confiança, tanto

entre educadores e educandos e entre eles mesmos, como podemos verificar na indagação que

Cobre faz ao Ácido Nítrico convidando-o a aventurar-se numa nova forma de aprender diferente

daquela que ele já está acostumado.

Em outras palavras, por mais científica que a pesquisa se proclame, ela participa do

processo de construção de universos simbólicos referidos à existência concreta de

indivíduos e de grupos. A reclamação, muitas vezes ouvida e repetida, de que a

pesquisa acadêmica está separada do mundo de vida concreto, deve-se ao fato de esta

não levar em conta os universos simbólicos habitados por aqueles que, supostamente,

deveriam ser “atingidos” pela pesquisa (STRECK; ADAMS, 2011, p. 490).

Nessa direção se perfaz uma prática orientada pelo coletivo, onde o meio e os resultados

apresentados da pesquisa são geradores de conhecimentos aptos a proporcionar o

14 Nome fictício adotado pelo próprio professor da disciplina de Química Analítica para preservar o anonimato.

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empoderamento dos sujeitos da pesquisa, viabilizando aprendizados e sentidos novos, inclusive

para o sujeito-pesquisador e para os participantes da pesquisa.

Acreditamos que a decisão do grupo de participantes da pesquisa em solicitar uma aula

para expor o que eles estavam aprendendo e ensinando sobre plantas medicinais está alinhado

com o processo de caracterização da pesquisa como uma prática de caráter pedagógico, social

e político.

Os participantes da pesquisa expressam por meio dessa solicitação que querem aprender

e ensinar uns com os outros pelo ato de dialogar, que abre espaço para ter humildade, saber

ouvir e conversar de forma a ampliar a compreensão de novos saberes (STRECK; ADAMS

2011).

Se tomarmos a pesquisa como prática pedagógica e desta forma associar o seu

imbricamento em um contexto de interação de sujeitos diferentes e a conexão com outra

realidade, resultam aprendizagem e ensino de ambas as partes marcadas pelo ato de ensinar e

aprender que está ancorado em princípios da “relação com o conhecimento; o re-conhecimento

do outro; a complexidade dos fatos e objetos” (STRECK; ADAMS, 2011, p.493).

Acreditamos também que a iniciativa dos participantes de buscarem democraticamente

um espaço dialógico para construir um caminho de compartilhamento de suas ideias na

montagem da aula prática favoreça a recriação e a construção do conhecimento, os quais contêm

os princípios e elementos do ato de ensinar e de se fazer pesquisa, apesar de terem intenções e

metodologias distintas. Ou seja, tanto na prática educativa quanto na prática de pesquisa, há

possibilidades reais de se ensinar e se aprender, logo se caracteriza como um modo de lidar com

o conhecimento que vai além, quando engendramos uma compreensão de conhecimento com a

base de como efetuamos o nosso trabalho.

[...] na medida em que entendemos que o nosso campo de pesquisa não é constituído

por meros informantes, mas por pessoas que têm as suas maneiras de conhecer e

produzir saberes que lhes auxiliam no cotidiano, constrói-se outro entendimento das

estratégias e da metodologia da investigação (STRECK; ADAMS, 2011, p.493).

Existe a possibilidade de que no caminhar metodológico se utilize teorias já

consolidadas por intermédio de uma reflexão oriunda de uma prática e esta possa ser

transformada. E o que buscamos com esse trabalho com a etnociência, especificamente, no uso

plantas medicinais, os saberes populares e os saberes no trabalho, é que o mesmo possa servir

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de ponte a um aprender-e-ensinar Química que empodere os participantes, bem como o

pesquisador, por meio do compartilhamento de saberes.

Acreditamos que a pesquisa se constitui em uma prática pedagógica validada pelo uso

do diálogo, pois em um cenário onde os saberes são compartilhados nas práticas do cotidiano

ao longo de gerações entre os sujeitos de uma comunidade, o mecanismo desse processo mostra

que no diálogo os sujeitos “vão tomando distância” do seu dia a dia e “tornando-o objeto de

reflexão” (STRECK; ADAMS, 2011, p. 494).

De acordo com Streck e Adams (2011), quando pesquisamos juntos com o outro, nos

proporcionamos sair do centro do problema e refletir para depois retornar com as possíveis

respostas. O olhar voltado à pesquisa participante em espaços democráticos geridos pelas

relações dialógicas entre os sujeitos, pressupõe que a compreensão da pesquisa como prática

social, política e pedagógica perpassa pela valorização das questões formativas relacionadas à

concepção e à consciência individual e coletiva.

De forma mais ampla essas questões formativas estão conectadas ao ato de praticar a

pesquisa em um campo repleto de significados de disputa à volta do saber/poder/ser.

Nesse contexto, no dia 29 de agosto de 2017 às 19h, demos prosseguimento à execução

e compartilhamento da aula prática, que consideramos o nosso segundo encontro, organizada

pelos alunos que voluntariamente decidiram trabalhar com o tema plantas medicinais na feira

de ciências. Utilizamos o laboratório III de Química Analítica. Os participantes desse encontro

foram o pesquisador, o professor Silício, Cobre, Ouro, Oxigênio, Cloro, Carbono, Prata, Sódio,

Antimônio, Hidrogênio, Cromo, Ácido Nítrico, Cromo e Amônia e a Dona Josefina15 e mais

treze educandos do segundo módulo e sete educandos do terceiro módulo que não estão no

grupo dos 15 participantes iniciais da pesquisa. Iniciamos às 19h e terminamos às 21h. O

pesquisador reiterou novamente se alguém não estivesse à vontade poderia desistir a qualquer

momento da atividade.

Iniciamos o nosso encontro no laboratório com o relato do grupo participante da

pesquisa sobre a forma que construíram a aula expositiva para os outros educandos que

resolveram não participar da pesquisa. Mencionei que aquele era um espaço democrático e de

diálogo, em que todos estavam convidados a falar e participar da atividade. Sendo assim segue

o relato dos participantes:

O grupo decidiu montar uma atividade com várias plantas medicinais. Cobre:

“resolvemos trazer várias mudas de plantas medicinais para expor e perguntar aos colegas se

15 A Dona Josefina é filha de pais indígenas que na sua infância residiu em um sítio na cidade de Morungaba-

SP. Ela é avó do educando Cobre.

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conhecem e em paralelo convidamos a minha avó, Dona Josefina de 85 anos, que a mãe era

indígena a vir até a escola conversar com a gente e participar da parte prática na laboratório”.

Ilustração 10 e 11: Mudas de plantas medicinais com o nome científico/popular

Fonte : Pesquisador

Ilustração 12: Painel de mudas de plantas medicinais

Fonte:Pesquisador

Primeira parte da aula expositiva: os participantes montaram um painel no laboratório

com as mudas de plantas medicinais: (confrei, manjericão, hortelã, carqueja, sementes de

andiroba, babosa, boldo e guaco) etiquetadas com o nome científico de cada uma e pediram

para os outros colegas reconhecerem as plantas. Dos 20 educandos (que foram convidados pelos

15 educandos participantes da pesquisa) somente três reconheceram duas das plantas, a hortelã

e o guaco, mas não pelo nome científico, já conheciam de casa, a mãe e as avós plantavam.

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Dona Josefina foi convidada a passar pelo painel e reconheceu todas as plantas, falou o

nome de cada uma. Acreditamos na relevância dessas falas e resolvemos deixá-las no corpo do

trabalho para as devidas contextualizações.

Ácido nítrico perguntou para ela: “A senhora consegue entender os nomes que estão

escrito nas etiquetas?”

Dona Josefina respondeu: “não conheço nenhum, mas sei que os nomes que dei estão

todos certos, aprendi com a minha mãe, inclusive a plantar na horta do sítio que a gente vivia

lá em Morungaba”.

A presença da Dona Josefina emergiu uma série de perguntas e respostas extremamente

ricas para aquele momento. A seguir seguem alguns entrelaçamentos dessa rica conversa:

Dona Josefina: “A gente não tinha médico não por lá [no sítio que vivi na minha

infância?], então a minha mãe nos dizia; se não a gente se virar com o que a natureza dá a

gente morria se dependesse do médico; médico só tinha para o dono do sítio, então aprendemos

com a natureza. Minha mãe e meu avô me ensinaram tudo que sei”. “Olha filho não importa

se eu não sei esse nome complicado aí que você deu. O que sei é que acredito naquilo que

minha mãe me ensinou, manjericão é manjericão e, quando a gente batia a perna e ficava roxo,

passava Arnica, minha mãe preparava uma planta, uma pasta e passava, aprendi vendo ela

fazer e quem quiser ir lá em casa ensino também”.

Pesquisador: perguntei para ela como as pessoas agiam com eles no sítio?

Dona Josefina: “tinham muito preconceito com a gente [no sítio tinha empregados que eram

indígenas e negros também tinha por lá], tudo que era vindo da gente não tinha valor, quem

acreditava na gente era a própria gente nossa. A gente conversa muito com as pessoas da

comunidade na festa da igreja”.

Cobre: “É verdade, lá na comunidade a gente se vê um no outro, já aqui na escola sinto falta

desse tipo de amizade”.

A exposição dos sujeitos a uma pesquisa participante promove e alimenta a sua prática,

entretanto os conceitos que intrinsicamente ou extrinsecamente estejam ligados às ações de

“compreender, identificar, analisar, estudar e descrever” estão tangidos de acepções e permitem

a indicação demandadas de limites, potencialidades e das intencionalidades que a prática da

pesquisa pode conter (STRECK; ADAMS, 2011, p.495).

Nesse viés, a apresentação da pesquisa participante como uma prática de pesquisa

social/política/pedagógica se imbrica respectivamente, na geração de significados e sentidos

que suleiam uma comunidade; nas deliberações de caráter ético-político, onde o poder tramita

ativamente entre os participantes da pesquisa, do objeto da investigação e na associação com o

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conhecimento construído como o outro. Desta maneira se estabelece no ato de ensinar-aprender

a sermos humanos, de uma maneira ou de outra.

Os participantes organizaram uma segunda etapa com uma aula prática com o uso do

confrei. Convidaram a Dona Josefina e dois grupos, um do segundo módulo e o outro do terceiro

módulo que optaram por não participar inicialmente da pesquisa. Para extração do confrei a

Dona Josefina utilizou uma tigela com um amassador e aguardente. Já os outros vinte

educandos convidados pelos quinze participantes da pesquisa que preparam a aula utilizaram

procedimento escrito, termômetro, pistilo, almofariz, medidor de pH e etanol absoluto.

No final, a Dona Josefina apresentou o seu extrato de confrei e somente um dos grupos

de educandos conseguiu ter o extrato de confrei igual ao dela. O outro grupo leu o

procedimento, mas se esqueceram de usar o etanol. Logo após a prática iniciamos mais um

diálogo entre os participantes:

A partir dessa conversa com a Dona Josefina, vários participantes deram o seu

depoimento ao grupo e emergiram relatos não somente sobre o tema da aula expositiva, mas

sobre o cotidiano e o uso de plantas medicinais como forma de prevenir e curar doenças, os

saberes que os educandos trazem do seu trabalho e da convivência na sua comunidade.

Depois do 2º encontro, os 13 alunos que optaram em participar da pesquisa prepararam

o seus projetos iniciados e motivados por temas geradores sobre plantas medicinais e os outros

educandos também apresentaram os seus projetos na Feira de Científica; vários deles estão

ligados ao mundo do seu trabalho e do cotidiano também.

Espraia-se aqui e cabe compartilhar os relatos de três participantes das rodas de

conversa e dos encontros que retratam a importância do diálogo e ouvir a vozes dos educandos

para sabermos o que pensam sobre o aprender-e-ensinar Química: Amônia: “A ideia dada é

ideia dividida com os outros”; Oxigênio: ”Se a maioria das aulas partisse da prática a gente

aprenderia mais, trocaria informação um com os outros, um ajudaria o outro com o pouco que

sabe”; Cromo: “Quanto mais ideias diferentes nós tivermos mais aprenderemos juntos”.

Parafraseando Streck e Adams (2011, p.494) nas expressões populares aparecem frases

como, “na prática, a teoria é outra”, que pensada não denota desprezo para as questões teóricas

abarcadas pela ciência moderna, entretanto em suas entrelinhas traz o ato de desvelar o

arcabouço do pensamento “duro” da ciência moderna, mesmo porque as teorias produzidas em

um marco anterior devem ser valoradas como guias do “criar” de novo em um processo

permanente.

No dia 27 de novembro de 2017 foi realizada a feira científica do curso técnico em

Química. Esta feira é realizada semestralmente e tem como premissa o desenvolvimento e

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estudo de atividades relacionadas aos processos químicos com temática a ser definida pela

coordenação do curso, educadores e educandos em sala de aula, relativos às bases tecnológicas

de cada módulo do curso. Os projetos são apresentados no formato de uma feira científica e

aberta à comunidade. Acreditamos que a possibilidade do educando apresentar o seu projeto à

comunidade acadêmica é muito importante para a sua formação técnica, entretanto a presença

de visitantes da comunidade e do trabalho abrem-se portas para um aprender mais pelo

compartilhamento de experiências e saberes do cotidiano e do trabalho.

Foram apresentados quinze projetos ligados à extração de compostos ativos de plantas

medicinais, tais como arnica, babosa, boldo, óleos essenciais, fumo (usado como inseticida

natural), controle ambiental e a indústria química em geral (como cosméticos, alimentos,

plásticos e bebidas). O evento foi realizado nos laboratórios de Química I e II e nas salas de

aulas de número 15 e 16, registramos a participação dos 45 alunos dos 2º e 3º módulos do curso

Técnico em Química e foi marcado por um grande número de visitantes, tanto da comunidade

acadêmica como da comunidade em geral.

Na fala dos professores Silício e Nióbio e dos alunos, sejam os que optaram por trabalhar

com o tema de plantas medicinais (arnica, babosa, fumo) e os que trouxeram outras experiências

do trabalho, a Feira Científica foi muito diferente quando comparada com as que foram

realizadas nos semestres anteriores. O protagonismo dos educandos e o diálogo favoreceram

essa percepção.

Abaixo seguem fotos dos projetos que os alunos fizeram sobre plantas medicinais.

Ilustração 13 :Grupo extração de óleos medicinais da arnica

Fonte: Pesquisador

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Ilustração 14 :Grupo extração do composto da babosa

Ilustração 15: Extração da nicotina da planta de fumo

Fonte: Pesquisador

Na semana que ocorreu a realização da feira científica participei com os educandos no

preparo e execução dos testes de extração de substâncias ativas das plantas arnica, babosa e

fumo. Percebi um grande engajamento dos educandos em compartilhar informações e

aumentou o diálogo entre eles não visto em sala de aula.

Sugerimos o rodízio dos educandos para que as visitas aos outros projetos pudessem ser

feitas com o propósito de dialogar com os colegas e aprender uma pouco mais de Química

através do compartilhamento de experiências e saberes.

As falas, as observações e os apontamentos que coletamos durante a realização da Feira

Científica constam da interpretação dos dados e são provenientes dos registros que fizemos no

diário de campo percorrendo os 15 projetos. Buscamos contextualizar com mais intensidade os

projetos dos educandos que participaram de todos os encontros e das rodas de conversa, porém

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em nenhum momento deixamos de observar e valorizar os outros projetos, acreditando na

possibilidade da Feira Científica se constituir em um espaço de construção e troca de

experiências e saberes.

Dando prosseguimento realizamos no dia 11/12/2017, das 19 h às 20h45 um encontro

para a devolutiva com os participantes da pesquisa, com exceção da Dona Josefina que estava

com problemas de saúde. O encontro foi realizado na sala quinze e elaboramos uma

apresentação das categorias e suas interpretações. Após a minha fala na apresentação, coloquei

para o grupo do meu agradecimento pelo protagonismo de todos por fazer parte na construção

do trabalho.

Na sequência ouvimos outras vozes no grupo para refletirmos juntos sobre as

interpretações tecidas pelo pesquisador no processo de análise de dados. Compartilhamos com

os participantes os limites e possibilidades da inserção da tema geradores, no caso de plantas

medicinais e no próprio cotidiano em comunidade ou no trabalho para aprendermos e

ensinarmos Química com o Outro.

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5. INTERPRETANDO O PROCESSO DE ENSINAR-E-APRENDER QUÍMICA

Buscamos na interpretação das vozes que emergiram dos participantes, nos encontros,

nas rodas de conversa e na Feira Científica, indícios para trabalhar e realizar a análise dos dados.

Para isso, procuramos levantar categorias de análise criadas a partir de expressões significativas

extraídas da leitura dos depoimentos dos participantes da pesquisa que apontassem para suas

percepções acerca de novas possibilidades de aprender-e-ensinar Química, isto é, propiciando

pontes entre os saberes científicos e os saberes populares, desvelando, assim, as relações de

complementariedade entre esses saberes. Salientamos que as falas dos participantes da pesquisa

foram documentadas em diário de campo e, em alguns encontros, houve também gravação de

áudio, nesses casos, suas vozes foram transcritas na íntegra.

Para a escolha dos encontros e das rodas de conversa com a emersão das vozes dos

participantes foi utilizado o critério cronológico de realização. O primeiro encontro, como já

dito anteriormente, serviu como balizador para os demais. Neles, notamos que nossas

intervenções influenciavam a fala dos educandos e, portanto, procuramos interferir

minimamente no início, mesmo porque o pesquisador é o coordenador do curso. No passo

seguinte, expressamos para todos os presentes que trabalharíamos de forma democrática e com

um diálogo horizontal, procurando com que as concepções dos participantes emergissem e o

dualismo implicado na relação pesquisador-pesquisado fosse rompido.

Pretendemos investigar, realmente, não os homens e mulheres, mas o seu pensamento-

linguagem atribuído à realidade, os seus níveis de compreensão da realidade, no caso desta

pesquisa suas percepções acerca do ensinar-e-aprender Química, bem como sua visão de mundo

e seus temas-geradores (FREIRE, 1970).

Realizamos várias leituras das falas dos participantes e, simultaneamente, fomos

destacando as unidades significativas que apontavam para suas percepções acerca do ensinar-

e-aprender Química. Trabalhamos com uma leitura contínua das falas dos participantes e

notamos que as unidades significativas não se evidenciam diretamente da emersão de suas

vozes, mas em complementariedade, quando elas são percebidas e interpretadas pela

interrogação sobre o tema, não ficaram cerceadas à determinadas vozes das rodas de conversa

e dos encontros; percebemos sua recorrência ao longo das conversas.

Como resultado da análise das falas dos participantes, identificamos as categorias,

abaixo, que serão desenvolvidas adiante. Trabalhamos com os dados em profundidade, com

base no feedback dos participantes da pesquisa e os apontamentos quanto a sua participação ao

longo da pesquisa de campo.

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A) A gente se vê um no outro na comunidade, na escola não;

B) Aprender uns com os outros;

C) Caminhar com as próprias pernas;

D) Metade/Metade.

5.1 A GENTE SE VÊ UM NO OUTRO NA COMUNIDADE, NA ESCOLA NÃO

Esta categoria contempla depoimentos de participantes que aludem à sua percepção de

que a escola ainda não abarca temas e questões comunitárias relevantes vivenciadas em seu

cotidiano. Ela demonstra que ainda há um abismo entre o que é abordado dentro da escola e o

que é vivido fora dela.

Esta voz compartilhada nos encontros, nas rodas de conversa e na Feira Científica abre

espaço para tecermos considerações sobre a escola como espaço de veiculação de ciência

moderna hegemônica. Como suporte para esta categoria emergida pelo diálogo nas falas dos

participantes elencamos e associamos outras vozes que se espraiadas, possibilitam o

desvelamento e a construção de uma ponte entre os conceitos ditos científicos com os populares

na concepção de aprender-e-ensinar Química.

Das falas que emergiram na segunda roda de conversa realizada no dia 28 de agosto de

2017, compartilhamos duas vozes do diálogo entre os participantes.

Então professor, a roda de conversa abriu espaço para pensar no projeto do professor

Claudemar entendemos que é possível a gente usar um tema que é relacionado com a

sua aula de laboratório e ter a escolha nossa e assim sair da teoria somente

(ANTIMÔNIO).

Na sequência tivemos a inserção da fala de outro educando:

Não sei se vai dar certo, não; acho melhor o professor dar um guia antes; vou tentar,

mas ainda acho que misturar o que é da escola com o que acontece com o dia a dia

é problema, não acredito muito, estou aqui para aprender o que o professor passa

(ÁCIDO NÍTRICO).

A educanda “Cromo” responde abaixo por si, mas reitera o que pensam outros colegas

do grupo formado na roda de conversa do dia 28 de agosto de 2017, revelando que há uma

desconfiança em acreditar no aprendizado de Química proveniente do cotidiano social deles,

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prevalecendo a ideia instrucional do educador como detentor do saber, como postulado na

educação bancária.

Fico receosa em acreditar em tudo que o grupo pesquisou, parece que falta algo

técnico, para confiar plenamente, sempre acreditei naquilo que o professor

ensina; às vezes discuto com o meu pai sobre algum assunto do trabalho de pedreiro

dele sobre como preparar uma massa para assentar piso; sei que ele faz direitinho,

aprendeu com o meu tio mais velho, irmão dele, mas acho que quando o professor

explica para nós, acredito mais (CROMO).

Na verbalização dos próximos educandos, do Água Oxigenada e da Hidrogênio, e em

consonância com os educandos Ácido Nítrico e a Cromo, ecoa em suas vozes o poder do

educador como sendo a única fonte fidedigna do conhecimento na escola, corroborando

afirmação hegemônica dos métodos científicos como válidos para explicar os fenômenos

químicos em detrimento a qualquer tentativa de complementariedade com o saber já existente

nele ou dos saberes populares provenientes do cotidiano dele ou de seu entorno.

Eu já acho que devíamos primeiro estudar todos os elementos químicos primeiro,

acredito na teoria antes de qualquer coisa. O professor conhece mais. O professor

que sabe (ÁGUA OXIGENADA).

Mesmo depois da feira científica contínuo acreditando que o melhor caminho para

aprender química é que o professor passa para a gente. Passei nos grupos do pessoal

que trouxeram a ideia de combinar o que outras pessoas fora da escola pensavam

quimicamente sobre as plantas medicinais, penso que não têm validade na escola

(HIDROGÊNIO).

A próxima fala de Cobre perfaz a dualidade em reconhecer que existe um saber popular

compartilhado ao longo do tempo, mas destaca que os saberes científicos, ainda, são mais

valorizados e refletem aquilo que acredita como ciência na escola.

Os índios já tinham, sabiam que o pau-brasil soltava tinta, sabiam tudo. Faziam testes

com a natureza, passavam de geração para geração de boca em boca. Tinham tudo na

natureza, os remédios. A gente dá mais valor para os remédios da farmácia, hoje em

dia, porque são feitos por estudo da ciência (COBRE).

Corroboramos com Fals Borda (1981) e Santos (2007) a ideia de que, na Modernidade,

se aplicou uma estrutura de conhecimento modelada no padrão epistemológico da ciência

moderna, ignorando os outros saberes. Entretanto Fals Borda (1981) relata a importância da

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Ciência Popular como contraponto à Ciência Moderna, não como rivalização, mas sim como

complementar, o que pode ser depreendido na fala de Cobre, quando reconhece a importância

do saber indígena. A confiança nos remédios elaborados a partir dos laboratórios das indústrias

farmacêuticas abre espaço para pensarmos na forte influência da ideologia eurocêntrica em

nossas formas de ler e perceber a realidade. Ratificando, assim, o exposto por Dussel (1993),

que destaca que a Modernidade se estabelece como paradigma dominante, já que para

entendermos a linguagem, a ciência, os fatos históricos, as questões religiosas, a lógica

econômica e os sistemas educacionais, lançamos mão de conhecimentos científicos do Norte

que, como centro de tudo, encobrem o Outro e seus saberes, como os de matriz indígena, no

depoimento cedido por Cobre.

As falas da Antimônio, da Ácido Nítrico, da Cromo e do Água Oxigenada demonstram

o quanto a ciência moderna, em um contexto neoliberal e capitalista, impõe hegemonicamente

e verticalmente, por uma classe dominante, a ideia da valoração do conhecimento proveniente

de uma ciência estabelecida por aplicação de métodos e técnicas próprias norteadas pela

racionalidade moderna e colocada como o padrão epistemológico.

Essa valorização de uma única epistemologia, de acordo com a crítica de Freire (2011)

e também nossa, favorece a manutenção de uma educação bancária, onde o educando não

consegue enxergar o processo de manipulação hegemônica que sofre e que é imposta pelo

sistema dominante, assim continua acreditando que por memorização e reprodução esteja

aprendendo; toma para si que o que acredita estar aprendendo seja a verdade.

Verdade essa alimentada por duas falas que apesar de serem pontuais perfazem esse ato

de acreditar no contexto hegemônico imposto.

O que aprendi na aula de história é que os índios não conhecem nada como os senhores

das colônias conheciam e os portugueses e espanhóis vieram pra cá e destruíram os

índios daqui, pois os índios não queriam ser civilizados (CARBONO).

E ainda:

Aprendi que os portugueses tinham conhecimento e ensinavam os índios, pois [os

índios] eram selvagens (CLORO).

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Pensamos que esta categoria “a gente se vê um no outro na comunidade, na escola não”

sirva como ponte para o diálogo entre o saber popular e a escola; pois a valorização do

conhecimento cotidiano caracteriza-se como democrática frente aos diversos saberes, como

defende Fals Borda (1981). Esse reconhecimento possibilita a inserção do educando como

protagonista no contexto geral da educação e, no ensino de Química, não representaria uma

negação da ciência moderna, mas possibilidade de contestá-la como verdade absoluta.

A fala do Cobre expressa esta categoria de análise, também indica que, na escola, nem

sempre se estabelecem relações afetivas, de amizade e de convivência:

É verdade, lá na comunidade a gente se vê um no outro, já aqui na escola sinto falta

desse tipo de amizade (COBRE).

A fala do Cobre mostra a falta do enraizamento e afetividade que o educando enfrenta

na escola, encoberto pelo sistema opressor, justificando o exposto por Freire de que os

educandos invisibilizados são impedidos de ser mais, proibidos de ser no mundo e com o

mundo. Já lá na comunidade eles se veem um no outro, marcados pela visibilidade e o

protagonismo; desse modo, defendemos uma educação como prática da liberdade, proposta por

Freire, instigadora da consciência crítica capaz de promover a inserção dos educandos em um

ambiente escolar que problematize e procure romper com a invisibilidade e silenciamento dos

sujeitos que há séculos sofrem com a opressão colonial/imperial e, atualmente, com as políticas

neoliberais.

5.2 APRENDER UNS COM OS OUTROS

Nesta categoria procuramos as vozes que se conectam pela percepção de que os saberes

são complementares. Assim também buscamos indícios nas observações e notas feitas pelo

pesquisador durante as rodas de conversa, nos encontros e nas falas dos participantes. Pensamos

que esta unidade significativa também apresenta conexões para o diálogo entre o saber popular

e a escola que discutimos na categoria “a gente se vê um no outro na comunidade, na escola

não”, bem como os aportes da etnociência como possibilidade de suscitar um aprender-e-

ensinar Química mais próximo da realidade dos educandos.

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Vemos na fala dos educandos Manganês, Cloro, Ouro e Carbono, o acreditar na

possibilidade de construção de novos conhecimentos mediante o ato de compartilhar saberes

com o outro, aprender o novo com o outro.

Não precisamos decorar a Química. A partir da prática, mostrou que a gente pode

construir coisas novas juntos. [...] Quanto mais ideias diferentes nós tivermos mais

aprenderemos juntos (MANGANÊS).

Aprendi a valorizar a cultura dela [Dona Josefina] (CLORO).

Como ela [Dona Josefina] conseguiu fazer sem conhecer a Química? (OURO).

Ela sabe a Química dela; conseguiu extrair o composto ativo, concorda que a diferença

é que este composto tem um nome e para ela é simplesmente o confrei (CARBONO).

A fala do Cloro em “valorizar a cultura dela” se refere a conversa que emergiu no

encontro dos educandos(as) na aula prática de laboratório montada por eles (as) e com a

presença da Dona Josefina, filha de pais indígenas. Como integrante da pesquisa participante,

eu como pesquisador, percebi neste encontro da aula prática, o encantamento nas falas tanto do

Cloro, Manganês, Ouro e do Carbono que com o Outro também é possível aprender, que existe

um saber além daquele que o educador ensina nas aulas de laboratório em Química Analítica,

por exemplo, no saber popular de extração do confrei trazido para o grupo pela Dona Josefina

ou na possibilidade de se trazer problemáticas do próprio trabalho do educando para ser

discutido em aula e assim corroborar para um aprender mais com o outro. Como exemplo da

contextualização feita anteriormente destacamos outras falas:

Aprendi hoje, nesta aula prática que montamos, que posso aprender mais se estiver

aberto para ouvir o que o outro colega tem para dividir; a Dona Josefina me

mostrou que apesar de não estudar Química como a gente, tem um conhecimento da

sua vida com o confrei que dividido, aqui, com a gente e somado com o que o

professor deu na teoria pode dar “samba” (OXIGÊNIO).

No curso técnico a gente deveria trazer outras ideias do trabalho para estudar aqui,

é a minha opinião, sou operador de uma caldeira e o professor aqui ensina a teoria,

mas não sabe operar ela. Podemos trocar experiência. Aprendi a operar ela com o

meu amigo de trabalho (SÓDIO).

A fala do Sódio destaca a relevância de aprendermos uns com os outros, reafirmando o

reconhecimento de uma pluralidade de formas de conhecimento para além do científico, como

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exposto por Santos (2007). O educador, muitas vezes, possui conhecimento científico e teórico,

o qual deveria aliar-se ao saber prático do educando, permitindo que este possa trazer e

compartilhar na escola o seu saber de experiência construído no seu convívio em sua

comunidade e no seu trabalho.

Essa experiência de aprender com o outro reconhecendo uma pluralidade de

conhecimentos, não como antagônicos e sim como complementares, ilustra o conceito da

Ecologia de Saberes que preconiza a construção de caminhos alternativos, priorizando o

pensamento pluralista, analítico, argumentativo e crítico, ou seja, propositivo, possibilitando

que os conhecimentos se cruzem (SANTOS; MENESES, 2010).

[...] quando aprendi a fazer sabão com a minha avó no sítio, aprendi mais do que

quando o professor de laboratório fez aqui. Ela me explicou como sabão deveria

ser feito, como tudo deveria ser misturado, o ponto que deveria ser misturados, o

ponto que deveria ter. Já no laboratório o professor mostrou reação, tínhamos

termômetro, aparelho e lá na minha avó não tinha nada disso, o sabão dela ficou

melhor do que aquele que o professor fez na aula. Interessei-me mais pelo jeito dela.

[...]Ela aprendeu a fazer o sabão com a minha bisavó e o meu bisavô

(CARBONO).

[...] A Senhora Josefina acredita no que retirou da natureza e naquilo que aprendeu

na prática com os mais velhos (COBRE).

[...] achei bem legal na feira científica quando a gente pode trazer as nossas ideias

para fazer e apresentar os projetos; fiquei pensando sobre as plantas medicinais, dá

para a gente fazer um trabalho legal e trocar ideias com todo mundo (OURO).

Percebemos nas falas do Carbono, do Cobre e do Ouro que o ato de aprender se constitui

em um processo dialógico, um encontro, intergeracional/intercultural que se desdobra no estar

constantemente aberto “a um outro” para gerar com ele as possibilidades de se ter uma

experiência solidária. Esse encontro permite que educador e educando criem um

etnoconhecimento que é construído nas relações “um-com-o-outro” (BRANDÃO; BORGES,

2008).

Na fala da Senhora Josefina, percebemos essa construção do saber um-com-o-outro,

um-através-do-outro. O etnoconhecimento emergido dos saberes populares podem ser usados

como alternativa temática para a estruturação curricular do ensino de Ciências, no nosso caso

na área da Química, além de estabelecer a contextualização do tema com questões

socioculturais, que ampliam e fortalecem a proposta de diálogos horizontais para o aprender-e-

ensinar Química de forma mais próxima da realidade (PRIGOL; DEL PINO, 2008).

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A gente não tinha médico não por lá no sítio que vivi, na minha infância, então a

minha mãe nos dizia; se a gente não se virar com o que a natureza dá, a gente morria,

se dependesse do médico, médico só tinha para o dono do sítio, então aprendemos

com a natureza. Minha mãe e meu avô me ensinaram tudo que sei. Olha filho não

importa se eu não sei esse nome complicado aí que você deu. O que sei é que acredito

naquilo que minha mãe me ensinou, manjericão é manjericão; quando a gente batia

a perna e ficava roxo, passava arnica, minha mãe preparava uma planta, uma pasta e

passava, aprendi vendo ela fazer e quem quiser ir lá em casa ensino também

(DONA JOSEFINA).

Percebemos em outras vozes, também recorrentes nos estudos de Mortimer (1997, 2000)

e Romanelli e Justi (1997), os efeitos positivos do enfoque construtivista; da participação ativa

do aluno na construção do conhecimento científico e do compartilhamento de suas concepções

e do seu contexto sociocultural e das possibilidades de complementariedade de saberes

científicos e populares no ensino de Química.

Inspirados em Freire (1970) e no trabalho de Mól; Santos (2003), consideramos que

uma abordagem temática, no nosso caso com plantas medicinais, favoreceu a compreensão

acerca de questões pertinentes ao fazer e aprender juntos e fortaleceu o entendimento dos

processos químicos envolvidos, além de ampliar discussões sobre aplicações tecnológicas

relacionadas ao tema e sobre os efeitos das relações socioculturais e das tecnologias na

sociedade.

As falas a seguir da Oxigênio, do Prata e do Amônia e a minha observação como

pesquisador participante mostraram que o tema utilizado com plantas medicinais na realização

das atividades da Feira Científica promoveram um maior engajamento do educando(a) para

aprender Química, sobressaindo a interação dos educandos com os próprios educandos, com os

educadores e com outros sujeitos fora do espaço formal de aprendizado da escola, e com os

saberes populares. Essas vozes possibilitam conexões complementares no aprendizado do

educando que ao nosso ver acontece, quando eles percebem a existência de outros saberes que

não sejam somente o que o educador compartilha, mas os que ele traz consigo mesmo e no

Outro, seja o educando ou nos saberes dos avôs como observamos nos relatos.

A feira de ciência proporcionou ir além daquilo que sempre fazemos na aula de

laboratório, o professor explicando a análise que iremos executar, o procedimento já

está pronto e descrito passo a passo, não precisamos nem pensar, já está no papel.

Com as atividades da feira, foi diferente, preparamos tudo. A pesquisa com plantas

medicinais abriu várias frentes, ampliou a nossa visão da química, ficou mais visível

pra gente. Ao meu ver, escolhemos uma planta e a partir dela construímos no grupo

em vários encontros na escola, no Whatsapp, o que fazer para extrair o composto,

como preparar o método de extração de óleos essenciais da arnica e do cravo da índia.

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O mais interessante foi ter ido buscar informações sobre a arnica com a minha avó,

ela sabia um monte de coisa sobre como plantar, colher e preparar ela com álcool; na

infância dela a arnica nem precisava ser plantada, dava no mato mesmo, era só ir lá e

pegar. Aprendi muito mais assim, indo atrás de tudo. AH! O professor Silício ajudou

bastante na montagem dos equipamentos do laboratório, e como montar as reações. A

minha avó veio na feira e conversou bastante com o professor Silício, eles trocaram

ideia sobre a extração do óleo da arnica. Achei bem legal tudo isso (OXIGÊNIO).

Quando começamos a usar um tema de plantas medicinais para realizar a feira

científica achei que seria mais uma invenção do professor Silício, ainda mais que a

gente teve que correr atrás de tudo; pensei que o professor estava querendo facilitar a

aula para ele. Depois percebi com o pessoal do grupo que “a coisa” de buscar

informação sobre a extração da nicotina da folha da planta de fumo foi muito

proveitosa; facilitou o meu aprendizado e acredito que dos colegas do grupo também;

trocar ideia com os colegas e com os professores ajudou bastante. Acho que ficamos

mais expostos na feira, acredito que a soma de um pouquinho do estudo e do

conhecimento de cada um juntos com os professores aprendi um pouco mais. Acho

que vou guardar para sempre o processo de extração da nicotina que fizemos no

laboratório; talvez se o professor tivesse dado em sala nem lembraria mais (PRATA).

Eu adiciono algo a mais do que o Prata colocou sobre o quanto aprendemos com a

feira científica; forçou a gente procurar as informações com pessoas fora da escola;

mostrou que a Química olhada com outros olhos pode facilitar o seu entendimento;

vendo a planta na minha frente me motivou aprender mais sobre ela quimicamente

falando e os processos químicos que poderia resultar das extração das substâncias

dela. O professor funcionou mais como um esclarecedor de alguns pontos que não

conseguimos entender (AMÔNIA).

Foi muito diferente para mim nesta Feira; aprendi não somente a parte Química da

extração da nicotina em folhas de fumo, mas que a Química está ligada com a natureza muito mais do que pensava. Quando o grupo estava procurando onde encontrar uma

planta de fumo; fui conversar com a minha avó se ela sabia onde eu poderia encontrar

uma dessas; me chamou para ir no fundo do quintal e me deu um vasinho com uma

planta e me disse, toma a planta de fumo que precisa e foi já falando que ela usava a

folha de fumo, preparava um caldo com as folhas secas com água, deixava descansar

por um dia , filtrava e colocava um pouco de sabão e depois aplicava na horta dela

para impedir a invasão de pragas. Fiquei admirado com o conhecimento da minha

avó sem ter ido muito a escola; para ser sincero me senti envergonhado no início; ela

sabia mais do fumo do que eu que estudo Química (MAGNÉSIO).

Pensamos que a etnociência possibilita a construção de saberes complementares para o

ensino de Química. Ratificando o entendimento de Ferreira (2014) e Prigol e Del Pino (2008),

quando estes nos dizem que o etnoconhecimento dos sujeitos estão articulados aos saberes

construídos no dia a dia e se estabelecem ao longo do tempo pelo processo de se vivenciar com

as interações do ambiente vivido, além de favorecer a contextualização do tema com questões

socioculturais e tecnológicas. O depoimento de Magnésio é relevante, pois expressa que por

meio do trabalho temático com as plantas medicinais, foi possível apreender a ligação da

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Química com a natureza. Essa percepção de que os conhecimentos consolidados dentro da

escola possuem relação com a natureza e com a sua vida, de modo mais amplo, é o que permitirá

“caminhar com as próprias pernas”, ou seja, construir seu protagonismo e autonomia.

5.3 CAMINHAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS

Nesta categoria as considerações foram entrelaçadas e encaminhadas na direção de

educação para autonomia e buscamos nas falas dos educandos e pela observação participante o

caminho para contextualizá-la no sentido de oportunizar a relação mediada pelo diálogo e a

autonomia. Sendo assim seguem outras vozes que se entrelaçam na sustentação desta categoria

emergida nas rodas de conversa e nos encontros.

A decisão dos(as) educandos(as) em organizar uma aula expositiva com a presença da

senhora Josefina para a produção de extrato de confrei proporcionou um diálogo rico e a troca

de conhecimentos acerca do preparo do encontro, no laboratório, o que evidenciou o

protagonismo dos educandos. Observamos que o tomar a frente, na situação de promover o

encontro, não foi percebida de imediato pela maioria dos participantes. Entretanto a fala do

Cobre, e em outras vozes proferidas durante as rodas de conversa, revela que a autonomia se

mostrou presente no sentido de tomar para si e para com o grupo o protagonismo da realização

da aula experimental. Percebemos que os(as) educandos(as) com dificuldades para buscar de

forma autônoma o preparo da aula foram acolhidos de maneira solidária pelo seu grupo e

também pela rica troca de informações com os outros grupos.

Corroboramos com o entendimento de Brandão e Borges (2008) que o “aprender-por-

si-mesmo” condiz a um “ensinar-ao-outro” que efetivamente se constitui em um “ensinar-com-

o-outro”. Cremos que uma experiência, ao mesmo tempo solidária e autônoma, movida por

processos interativos e pessoais, possibilita a integração de saberes advindos do educador e dos

educandos e permite, ainda, que os educandos reconheçam sua agência ao buscarem respostas

para os desafios encontrados no caminho. Como podemos visualizar na metáfora das pedras do

meio do caminho, conforme aponta Cobre.

Foi muito interessante a gente poder escolher um assunto e caminhar com as

próprias pernas. As pedras que surgiram no meio do caminho, foram retiradas

pelo grupo, inclusive com o professor, e quem a gente consultou em casa (COBRE).

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Aprendi que não preciso decorar a Química, na aula experimental pude observar

que; o que fizemos foi uma extração de substâncias ativas do confrei por um solvente,

no caso o álcool. Se estivéssemos na sala de aula o professor usaria o datashow para

falar do assunto e no laboratório fui eu quem procurei as informações, o professor só

ajudou. [...] aprendi com a pesquisa que grupo fez fora da escola com os pais e os avós

que o confrei é usado como anti-inflamatório e cicatrizante e buscamos no livro de

botânica a substância ativa do confrei, a alantoína (MANGANÊS).

Trouxemos as falas de alguns(mas) educandos(as) durante a segunda roda de conversa

em que um dos assuntos era a preparação da Feira Científica usando como tema plantas

medicinais. Notamos que os participantes Ouro e Cobre prontamente colocaram as suas

percepções, desassossegos e se manifestaram com autonomia, dando ideias acerca da

organização da feira, entretanto o Água Oxigenada e a Cromo discordaram e a Ácido Nítrico

ficou relutante, apontando não confiarem na construção autônoma do projeto e reiteraram as

suas posições em acreditar naquilo que é programado pelo professor. Segue o diálogo entre o

Ouro e o Cobre com interação e questionamentos com o professor Silício e a Ácido Nítrico.

A ideia é usar a feira de ciências para apresentar um projeto relacionado com o assunto

das plantas medicinais, para a gente escolher entre os grupos uma planta medicinal,

mas não pode ser outro assunto? (OURO).

[...] é melhor escolher somente um (PROFESSOR SILÍCIO).

[...] professor, é a gente que vai correr atrás de tudo, então por que não? A gente pode

trazer alguém de fora? Pessoas mais antigas que conheçam na prática para ajudar a

gente? Estamos querendo fazer sabão caseiro também (COBRE).

Ácido nítrico, por que você está com medo? Que não vai dar certo? É uma

oportunidade nova pra gente. Tente cara. A gente ensina e aprende ao mesmo tempo,

você não acha? (COBRE).

Não sei se vai dar certo, não; acho melhor o professor dar um guia antes; vou tentar,

mas ainda acho que misturar o que é da escola com o que acontece com o dia a dia é

problema, não acredito muito, estou aqui para aprender o que o professor passa

(ÁCIDO NÍTRICO).

Mudei um pouquinho do que pensava, mas ainda acredito e prefiro que o professor

guie o que tenho a aprender em Química (ÁGUA OXIGENADA)

Não consigo pensar na Química sem deixar de decorar, não senti segurança naquilo

que vi na feira científica, nem fizemos provas sobre o assunto; será que se fizermos

assim vou estar preparado para o mercado de trabalho? (CROMO).

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Acreditamos que nos espaços democráticos as vozes antagônicas devem aparecer e no

caso das falas do Água Oxigenada e da Cromo reiteraram que para eles o ato de aprender

Química, ainda, está ancorado no conhecimento único do professor e nos aportes técnico-

científicos, corroborando com a forte inserção e imposição de práticas que a ciência moderna

coloca como única forma para se aprender Química. Cremos que essas vozes reforçam o quanto

o ensino de Química, ainda, está amarrado ao tecnicismo e ao conteudismo, alimentando uma

educação bancária de Química por depósitos de fórmulas, regras e informações

descontextualizadas e impossibilitando que outras formas de saberes sejam colocados em

complementariedade ao ensinar-e-aprender Química na escola.

Pensamos que o ensinar-e-aprender se perfaz em espaços dialógicos que, por sua vez,

propiciam o protagonismo com a presença autônoma dos (as) educando(as), conforme o relato

da educanda Hidrogênio, mostrando que a dependência do educando para com o professor pode

dar lugar a uma independência na construção do seu conhecimento, que traçada por ações

autônomas conduz ao exercício de correlacionar a Química teórica com o seu cotidiano na

comunidade e no trabalho.

Já trabalho como operadora em uma empresa Química, lá preciso aprender

rapidamente a resolver as dificuldades do dia a dia senão corro o risco de ficar para

atrás. Aqui na escola tem muito pouco disso, ficamos sempre esperando o que o

professor tem a dizer e, às vezes, o professor não abre porta para a gente falar ou

perguntar. Me senti mais atuante e confiante durante o mês que antecedeu a feira

científica, apesar de dois ou três colegas acharem que estávamos perdendo aula.

Buscar outros aprendizados além do espaço da sala de aula sobre extração do

componente da arnica foi muito importante para enxergar a Química menos

complicada; chegou perto do que vejo no trabalho (HIDROGÊNIO).

Cremos que a autonomia dos educandos e educandas articulada às suas aspirações e

potencialidades de conhecer e agir possa espraiar uma voz e um saber próprio que, na visão de

Fals Borda (1981) é possível ser construído em complementariedade e pensamos que, na fala

da Hidrogênio, o entrelaçamento do conhecimento popular sobre a “arnica” emergido na roda

de conversa com a prática em laboratório gerou uma maior interação entre os conhecimentos

prévios existentes por um saber popular consolidado no grupo com o saber científico

compartilhado na relação educador/educando, ambos facilitados por um diálogo horizontal,

configurando o que estamos defendendo aqui como o aprender-e-ensinar Química.

Corroboramos com Freire e Shor (1986) que uma educação problematizadora é movida

por ações dialógicas, oportunizando a transformação dos(as) educandos(as) a buscarem ser

mais no mundo e isso se dá quando os saberes necessários às práticas educativas forem

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consolidados pelo pensar autônomo na busca por uma educação libertadora que viabilize uma

mudança social com menos exclusão e possibilite a transposição da educação bancária que, no

contexto desta pesquisa, se reflete na busca pelo aprender-e-ensinar Química mais próximo da

realidade dos educandos.

Acreditamos que, ao legitimar a diversidade epistemológica do mundo, abrimos espaço

para que os educandos possam aprender pela mediação do educador, mas também possam

aprender com os outros educandos, vendo e fazendo. As falas a seguir nos mostram como isso

pode ser compartilhado.

Filho, acredito que podemos aprender um com o outro, o que muda é o jeito de fazer

e sempre tive a iniciativa de aprender com os meus pais e avós e lá na comunidade a

gente aprende muito também. A vida dura fez com que a gente procurasse se ajudar

ao outro e essas dicas do dia a dia a gente guarda para passar para o outro (DONA

JOSEFINA).

O meu pai faz chá de tudo, aprendeu com o minha avó. Estou com gripe hoje, meu

pai fez chá de louro e casca de limão (OXIGÊNIO).

Trabalho com o meu pai de servente de pedreiro, aprendi fazer na prática a massa de

concreto; vendo ele fazer. Aprendi fazendo com ele, aqui no curso aprendi somente a

teoria do cimento (AMÔNIA).

Cremos que esse aprender, vendo e fazendo, possa ser espraiado no ensino de Química

mediante a inserção da etnociência como possibilidade de tornar o ensino de Química mais

próximo da realidade, reafirmando a colocação de Fals Borda (1981) de que devemos descobrir

e construir uma estrutura científica intrínseca do conhecimento popular e, assim favorecer o

desvelamento da complementariedade entre saberes populares e científicos.

O trabalho de Prigol (2008) com a inserção do resgate na fabricação de queijo com

educandos do ensino médio com as produtoras de queijo local, trouxe para o ensino de Química

novos aportes no contexto da ciência/tecnologia/sociedade. O aprender fazendo junto dos

educandos com as produtoras de queijo, que por si só, detêm saberes populares carregados há

décadas, proporcionou a interação da prática/teoria. Assim o saber popular como uma

alternativa temática para a estruturação do ensino de Química trabalhou em

complementariedade ao conteúdo dito científico. Nesse caso, da fabricação do queijo o fazer e

aprender com o outro abriu-se um leque para poder relacionar o saber popular do queijo com

os aspectos científicos da Química (pH, acidez, enzimas, coagulação, etc), com a incessante

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busca de um ensino de Química mais político em prol da proximidade com a realidade do

educando e que a presença da pluralidade cultural diminua a dominação e legitimação do ensino

de Química bancário vigente.

5.4 METADE/METADE

Esta categoria emergiu por intermédio das vozes tecidas pelas sugestões apontadas por

educandos para o ensinar-e-aprender Química numa perspectiva dialógica e expressam uma

reivindicação dos educandos de uma aula que estabeleça um equilíbrio entre conhecimentos

práticos e teóricos (metade/metade).Esta categoria emergiu nos encontros e nas rodas de

conversa permeada por um rico diálogo entre os participantes, educandos e educadores,

caracterizado por espaços democráticos e marcado por discussões a respeito das possibilidades

de se aprender Química de uma forma diferente daquela voltada às fórmulas e equações situadas

longe da realidade do educando.

Buscamos integrar as vozes que pronunciassem os possíveis caminhos alternativos,

onde os saberes científicos e os saberes populares pudessem, em complementariedade, tornar o

aprendizado de Química mais próximo da realidade.

Esta categoria vai ao encontro do nosso ponto de partida e tem grande relevância para o

contexto da pesquisa. Possui um entrelaçamento muito forte com as outras categorias por estar

em um espaço entre elas, em que as complementariedades do conhecimento científico e do

popular, bem como da teoria e da prática, se espraiam mais do que se rivalizam, por exemplo,

as falas dos participantes corroboram o entendimento de que a experiência vivida favoreceu o

processo dialógico horizontal entre educador(a)/educando(a) e educando(a)/educando(a),

gerando um etnoconhecimento.

Pelas observações do pesquisador nas rodas de conversa e nos encontros foi possível

perceber o início de mudanças em prol de contextualizações no sentido do ensinar-e-aprender

Química a partir das representações macroscópicas, perceptíveis e concretas, por exemplo, a

planta da arnica, do confrei e do fumo, para um pensar posterior do educando em diálogo com

o educador na construção das questões representacionais, no contexto de fórmulas, processos e

equações e, finalmente, para o pensar microscópico, moléculas e átomos, como observado por

Wartha e Rezende (2011).

Apontamos abaixo as falas que se integram nesta relação de idas e vindas de ensinar-e-

aprender. Percebemos que as críticas ao sistema hegemônico atual de ensinar Química,

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principalmente pela ausência do protagonismo do(a) educando(a) estiveram presentes nas falas

da Carbono, do Cobre e da Oxigênio. Entretanto, de maneira positiva, as falas mostraram

também que as percepções e os apontamentos do fazer diferente para aprender com os

educandos estiveram presentes.

Eu acho monótona as aulas teóricas, não me interesso por ela, quando vejo a dinâmica

da aula, só texto, não vai abrir a mente assim eu prefiro mais prática.[...] com a feira

científica percebi que professor pode organizar uma aula prática primeiro e nela

mesmo ensinar a teoria, a minha interação foi maior e consegui associar os fenômenos

físicos e químicos que ocorriam na extração da nicotina da planta do fumo e todo

mundo pode aprender(CARBONO).

Acho muito mais importante na prática do que a teoria. A teoria já diz o nome é tudo

teórico, tudo que for teoria você somente fica ouvindo, o que diz a teoria você não vê

na prática. Quando coloca na lousa você não sabe onde vai chegar (COBRE).

Somos esquecidos para dar opinião nas aulas teóricas, assim se tivesse mais aula

prática a gente aprenderia mais (OXIGÊNIO).

Concordamos com Freire (1970) que a educação deve ser uma partilha de saberes entre

educadores e educandos por meio de diálogos horizontais que promovam uma problematização

da realidade das pessoas envolvidas no ato educativo.

Pensamos com Freire (1970) e também com Brandão e Borges (2008), que o diálogo

possibilita a criação de pontes que servem de sustentação para a construção de uma consciência

fruto da criticidade e reflexão. O trabalho nas rodas de conversa voltado para discussão de

temas-geradores mostrou-se pertinente para esse exercício de problematização e reflexão sobre

a realidade vivenciada pelos educandos.

Percebemos, ainda, que esse trabalho com tema-gerador tem sido empregado como

possibilidade viável para repensar o ensinar-e-aprender Química, como podemos verificar nos

estudos de Lufti (1988;1992) que trouxe para o ensino de Química temáticas do cotidiano do

educando, como exemplo os aditivos em alimentos, como proposta para aprender Química a

partir da utilização dessas substâncias usadas em alimentos industrializados e que fazem parte

da alimentação da grande maioria da população, pudessem despertar no educando a autonomia

para buscar a constituição desses compostos usados em alimentos e posterior correlação aos

aspectos científicos em sala de aula e no laboratório. Outro trabalho de Lufti com uso de tema

gerador foi “Os ferrados e os cromados: produção social e apropriação privada do conhecimento

químico”, trazendo para a sala de aula não somente a extração de minério para a produção de

materiais ferrados e cromados, mas os aspectos sociais e a apropriação de conhecimento

químico proveniente, muitas vezes, do saber local. Cabe aqui ressaltar os trabalhos de Mortimer

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(1996), Romanelli e Justi(1997) com enfoque construtivista; participação ativa do aluno na

construção do conhecimento científico e o compartilhamento de suas concepções e do seu

contexto sociocultural; abordagens articuladas entre teoria/prática/tecnologia/meio ambiente e

questões sociais

As falas a seguir da Carbono e do Prata retratam não somente a necessidade das relações

dialógicas para a construção do conhecimento, mas também por estarem em espaços

democráticos emergem as críticas em oposição ao sistema posto, hegemônico na educação dita

bancária.

Penso que podemos juntos fazer algo ligado um pouco com nossa experiência, não

sei, talvez conversar com os nossos pais e avós; eles conhecem mais sobre plantas

medicinais do que a gente, acredito que conversando podemos trocar ideias e usar a

experiência deles com ervas como remédio para montar o nosso sistema e o professor

vai ajudar também (CARBONO).

O professor Silício também dá uma boa aula de laboratório, mas é detalhado tudo pra

gente; já com a Feira aprendi mais; tivemos que partir da arnica, conversar com o

grupo e lá em casa com a minha mãe, depois tivemos que buscar na teoria com o

professor e juntando uma parcela do que nós criamos no grupo e com as dicas do

professor, acredito que ficou mais fácil aprender o conceito (PRATA)

Entendemos também que as vozes da Carbono e do Prata contextualizam sobre como o

educando e o educador tem conhecimentos prévios e que, em uma educação problematizadora,

acontecem trocas de experiências e informações, onde o educador aprende com o educando e o

educando aprende com o educador (FREIRE, 1970).

As falas a seguir do Cobre e do Amônia não denotam somente o ensinar-e-aprender

Química de uma forma dialógica, mas também a importância do equilíbrio entre teoria e prática

nas aulas e assim possibilitou uma melhor interação entre os conceitos, métodos e linguagens

próprias como construção de pontes entre os saberes locais e os científicos em

complementariedade para o amparo aos fazeres tecnológicos e aos muitos aspectos da vida em

sociedade.

Pude trazer um pouco da experiência que a gente tem na empresa, e fiz a proposta

para o meu grupo para trazer o processo de produção de poliuretano. O professor de

processos orgânicos deu na teoria em sala de aula, decorei as estruturas da molécula

para a prova, já esqueci. Trouxe as resinas da empresa, fizemos as misturas; testamos

cinco vezes para chegar no resultado que faço na empresa; se for a aula normal do

professor ele dá o procedimento com tudo pronto, não pensamos, executamos

(COBRE).

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Eu sinto que a grande maioria dos professores não deixa a conversa fluir quando a

aula é realizada na sala, o próprio ambiente é impróprio, todo mundo sentado em linha,

não consigo ver os colegas. O professor usa a lousa ou o projetor, muita das vezes o

sono vem e as informações ficam embaralhadas e tem uma distância grande do

professor com a gente. Na aula normal de laboratório é como se fosse uma receita de

bolo, reproduzo aquilo que é pedido. Senti diferença com a forma trabalhada na Feira

Científica, discutimos os assuntos em círculo, conversamos bastante uns com os

outros e o que achei mais interessante foi ter espaço para falar e ouvir e no laboratório

conseguimos montar o nosso procedimento para a extração do óleo essencial e o

professor Nióbio auxiliou a gente a pensar no experimento (AMÔNIA).

As falas do Amônia e do Cobre se articulam com o que nos dizem e Mortimer; Machado;

Romanelli (2000) e Brasil (2002), a respeito da Química estruturada como um conhecimento

associado por questões conceituais situadas nas transformações Químicas, os materiais e suas

propriedades e os modelos explicativos associados às implicações sociais, produção e

utilização. A fala do Cobre sobre a produção de poliuretano mostrou a importância das

experiências prévias, construídas com os saberes locais e a vontade de compartilhamento com

o Outro.

O trecho final da fala do Cobre (preparo em laboratório da resina de Poliuretano) e

inicial (decorei as moléculas para a prova) corroboram a assertiva de Mortimer et al (2000)

acerca da necessidade do diálogo científico entre o macroscópico (resina pronta), onde é factível

a construção de conhecimento químico maior em relação ao comportamento dos materiais e as

suas transformações, com o representacional (entender quais moléculas originaram a resina

mediadas por fórmulas Químicas) e por fim estudar o fenômeno submicroscópico.

Penso de uma forma contextualizada que foi evidenciada projeção da Química do que

existia culturalmente algumas décadas atrás, então os alunos puderam ver na prática

o que os seus avós já faziam, utilizando conhecimentos próprios construídos entre

gerações mesmo sem os conhecimentos técnicos que, muitas vezes, somos

direcionados a acreditar que sabemos mais (PROFESSOR NIÓBIO).

Na minha opinião a utilização de plantas medicinais contribui para o levantamento de

questionamentos, aprofundamento no campo, novos conhecimentos e descobertas,

mostrando a associação e o atrelamento da Química no auxílio para a promoção da

saúde, pesquisa e no crescimento humano e preservação de saberes construídos e

compartilhados por gerações (PROFESSOR NIÓBIO).

As aulas práticas de Química em laboratório ou mesmo em campo, faz com que os

conhecimentos assimilados ou não de uma teoria sejam solidificados positivamente

no aprendizado pelo simples fato da visualização e manipulação de materiais

relacionados ao assunto teórico, onde despertam a curiosidade para a pesquisa de

novas áreas do conhecimento como a Etnociência. As conversas ficam no mesmo

plano professor e aluno, as barreiras diminuem (PROFESSOR SILÍCIO).

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Nas falas de Nióbio e Silício, em consonância com o exposto pelos educandos

participantes da pesquisa, notamos que os educadores também se direcionam em prol de um

equilíbrio entre as aulas práticas e as teóricas, mostrando que por vezes, nas práticas de

laboratório, os educandos se sentem mais motivados, já que é oferecido um espaço para o

protagonismo e autonomia para criar junto com o educador e entre os educandos. Os educadores

apontaram positivamente para o uso de temas geradores na feira científica.

Partilhamos esse entendimento com os educadores e enaltecemos uma maior interação

dos educandos, mostrando que durante a preparação da Feira Científica e montagem dos

procedimentos e equipamentos, os diálogos entre os educandos e educadores foram mais

frequentes quando comparados aos obtidos em uma aula expositiva com lousa; abriram-se

espaços na construção dos pontos de partida e a discussão com os demais ficou evidente, o que

nem sempre ocorre em aulas em que os educandos ficam sentados em fileiras apenas ouvindo

o educador expor os conteúdos.

No ensinar-e-aprender Química ancorado numa perspectiva de educação dialógica e

problematizadora, o educador tem papel importante na mediação da discussão e da construção

de conhecimentos, possibilitando a ampliação do conhecimento do educando sobre o tema e,

consequentemente, de seus próprios conhecimentos. Acreditamos que a busca coletiva aumenta

o comprometimento dos educandos, levando-os a tomarem iniciativa, fazer uso da criatividade,

desenvolver o senso crítico, bem como ao empoderamento necessário à busca da autonomia.

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6. CONSIDERAÇÕES

Neste capítulo, apresentamos o diálogo tecido ao longo da nossa pesquisa participante

para buscarmos as possíveis respostas nas vozes dos sujeitos em relação ao nosso ponto de

partida, seja nas rodas de conversa, nos encontros, na Feira Científica e no encontro da

devolutiva para com os participantes, tecendo considerações acerca da interpretação dos

resultados obtidos nesse caminhar. Compartilhamos contribuições da pesquisa e optamos por

lançar sugestões e possibilidades para futuras investigações sobre o ensinar-e-aprender Química

mediado pela dialogicidade das relações educador-educando, por temas geradores e pelos

saberes populares, bem como pelas experiências já trazidas pelos educandos do seu convívio

social e do mundo do trabalho para, em complementaridade com os conhecimentos científicos,

engendrar um ensinar-e-aprender Química que considere a pluralidade de saberes.

Desta forma nossos objetivos ao longo dessa investigação foram: a) compreender como

saberes populares, notadamente, aqueles voltados ao uso de plantas medicinais, podem ser

utilizados como ponte de diálogo entre a ciência popular e a ciência moderna no ensinar-e-

aprender Química com educandos(as) de um curso noturno de Técnico em Química; b)

problematizar as relações de complementariedade entre o saber científico e o saber popular; c)

fomentar o ensinar-e-aprender Química considerando saberes presentes no cotidiano dos

educandos.

A presente pesquisa nasceu das inquietações do pesquisador em relação ao ensino de

Química marcado por um aprendizado centrado por depósitos de fórmulas e equações,

descontextualizado e longe do cotidiano do educando. Caminhamos também, de uma

curiosidade, de um desejo suleado ao compromisso político (do pesquisador e orientadora) com

a valorização de saberes populares como forma de transformação da realidade posta.

Para respondermos à questão de pesquisa: Que contribuições o ensino de Química, na

perspectiva da etnociência, pode suscitar para o ensinar-e-aprender Química mais próximo da

realidade e para a percepção das relações de complementariedade entre os saberes populares e

saberes científicos?, os caminhos percorridos, até aqui, nos levaram a considerar que o ensino

de Química pautado no uso de um tema gerador (plantas medicinais) proveniente de saberes

populares, bem como as experiências trazidas do cotidiano e do trabalho dos educandos, pode

se constituir como catalisador de nossos passos em direção à educação dialógica de ensinar-e-

aprender Química, a qual faz frente à concepção bancária de educação.

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Ao longo da pesquisa realizada percebemos que, nos diálogos e na busca por pensar

coletivamente a realidade, novos conhecimentos químicos foram tecidos e compartilhados;

percebemos que a cada encontro algo novo se emergia. Não podemos deixar de relatar aqui, as

vozes que aparecem no diário de campo e muito mais em nossas memórias, as quais estão

providas de sentidos e pensamentos diferentes, algumas vozes que no início se apresentaram

tímidas, outras vozes trazidas de outros mais seguros de si, protagonizaram um ensinar-e-

aprender Química cheio de histórias Químicas e de vida (dos educandos e de seus familiares,

de amizades e da vida na comunidade e no trabalho).

Uma voz que representa um educando, uma gente, que busca no desvendar da Química

a oportunidade de inserir-se no mundo de trabalho, em um ensinar-e-aprender com prática e

teoria em complemento. É a voz do educando, do negro, das populações tradicionais, do

indígena, do educador, das mulheres e dos homens que participaram e participam com ele neste

aprender-e-ensinar e ensinar-e-aprender Química mediado de culturas e múltiplos saberes.

Acreditamos na construção de uma ciência popular legítima, posta não em rivalização

com os conhecimentos científicos da ciência moderna, mas de maneira complementar,

vivenciando um ensinar-e-aprender em espaços dialógicos. Na nossa interpretação das vozes

dos educandos, emergiram os desassossegos e críticas a respeito do aprender Química, no

cenário atual, movido pelo conteudismo e “decoreba”, no encobrimento das vozes dos

educandos e na verticalização da conversa entre educador e educando. Já a introdução de temas

geradores, inspirados no trabalho de Freire, de um despertar para diálogos horizontais com a

presença e valorização de saberes locais, colocando o etnoconhecimento como possibilidade de

complementariedade na construção de um aprender-e-ensinar Química mais integrado com a

realidade do educando, permitiu nos aproximarmos de uma educação problematizadora que

reafirma o protagonismo e autonomia dos educandos, descortinando possibilidades de pontes e

diálogos entre conhecimentos teóricos e práticos, científicos e populares.

Em um contexto contra hegemônico, os saberes populares poderiam ser compartilhados

com o intuito de abarcar um diálogo entre os conhecimentos da academia com os

conhecimentos tradicionais e, assim, poderíamos (re)significar a forma de se fazer ciência pela

interação da ciência moderna com a etnociência? Será que o monopólio capitalista permite tal

avanço? Poderia o ensino-aprendizagem, decorrente dessa interação entre os saberes

compartilhados, ajudar a educação a quebrar as cristalizações do ensino de Ciências,

especialmente na área da Química, com o uso de plantas medicinais e os saberes do cotidiano

dos educandos como ferramenta de aprendizagem?

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Acreditamos que trabalhar com uma abordagem de ensino de Química pautada na

etnociência favorece o diálogo entre os saberes científicos e os saberes populares acerca do uso

de plantas medicinais, possibilitando a construção de uma matriz curricular multicultural que

estabeleça conexões entre os conhecimentos químicos e a realidade vivenciada pelos

educandos, ao desvelar os saberes construídos por movimentos de ensinar-e-aprender e de

aprender-e-ensinar pelo diálogo e oralidade.

Pensamos que o ensino de Química não deve negar as contribuições e conhecimentos

gestados na ciência moderna, cremos que em uma posição contra hegemônica, a ciência popular

em complementariedade com a ciência moderna pode espraiar outros saberes. Entendemos que

o ensinar-e-aprender Química, na perspectiva da etnociência, não visa a romper com os

contributos da ciência moderna, mas sim contestá-la como verdade única.

Verificamos que os referenciais da Educação Popular e da etnociência nas atividades do

curso técnico em Química favoreceram o aprendizado conceitual do educando, partindo de um

contexto cotidiano que, quimicamente, está próximo da constituição macroscópica para

posterior contextualização com a Química representacional, marcada por fórmulas e equações

e por fim caminhar para o entendimento do mundo submicroscópico, dos átomos e moléculas.

O trabalho de campo desenvolvido evidenciou a importância de desvelarmos, valorizarmos e

preservarmos os saberes populares, já que a ciência moderna já resguarda os saberes científicos

nos trabalhos realizados pela academia.

Se os saberes populares forem espraiados entre o maior número de homens e mulheres,

poderemos preservá-los e compartilhá-los ao longo das gerações. Entendemos também que os

saberes populares podem contribuir para uma luta contra hegemônica de apropriação do

conhecimento como poder, mesmo porque a ciência deveria servir para melhorar a qualidade

de vida para a grande maioria de homens e mulheres e não para garantir privilégios a poucos.

O modelo neoliberal que dita as regras e encobre o Outro, visa a privatizar o

conhecimento sob o nome de ciência. Nesse modelo neoliberal o educando vivencia uma

relação de opressor/oprimido e, muitas vezes, quando está na empresa percebe essa opressão.

Talvez o grande desafio do ensinar-e-aprender Química seja partilhar processos educativos que

demonstrem que a Química não é feita somente no interior de laboratórios ou empresa, mas que

também se faz presente o tempo todo no cotidiano sem relações obrigatoriamente monetizadas.

Corroboramos com a ideia de que quem vivencia uma pluralidade e a troca de saberes

pode questionar e desconstruir imposições da colonialidade como de um saber único, soberano

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e absoluto. Viabilizando saberes que, em um processo de trocas e socialização de ideias e

princípios compartilhados, engendrarão uma ponte que propicie a travessia de homens e

mulheres que aprendem-e-ensinam um com os outros, num contínuo pertencimento com o nós.

Percebemos que a diversidade cultural se detêm nos pressupostos da ecologia dos

saberes, cuja reflexão recai nas práticas de conhecimento e nas práticas sociais, baseando-se no

reconhecimento da autonomia e da pluralidade de saberes que fomentam um ambiente

intercultural. Integrado à pluralidade de saberes, o aprender-e-ensinar Química pelos educandos

do curso Técnico, participantes desta pesquisa, resultou em ações que favoreceram a percepção

de que a Química se dá no mundo físico de maneira global e integrada. Desta forma possibilita

a inserção de saberes, conhecimentos e informações provenientes de suas experiências, trazidas

da comunidade ou do trabalho e que, somado aos da escola, auxiliam a tomar decisões de forma

autônoma.

Não devemos tomar a ciência como pronta e finalizada e transmitir os conceitos

atualmente aceitos pelos cientistas aos educandos como se fossem “verdade absoluta”; pois há

outras possibilidades de fazer ciência movidas pelo diálogo. “O conhecimento químico não

deve ser entendido como um conjunto de conhecimentos isolados, prontos e acabados, mas sim

uma construção da mente humana, em contínua mudança” (BRASIL, 1999, p.31).

Pode-se dizer que a relevância em relacionar o saber popular ou o saber compartilhado

do educandos (da comunidade ou do mundo do trabalho) com os aspectos científicos resulta na

busca de uma educação mais política e mais próxima da realidade vivida, colocando no espaço

de aprendizagem a presença de uma pluralidade cultural, daí a importância e contribuição de se

trazer a etnociência como referencial relevante para o ensino de Química.

Notamos grande importância na relação da análise, por parte dos educandos, entre os

saberes populares compartilhados com plantas medicinais e também com os saberes e

experiências trazidos do trabalho aos aspectos tecnológicos, abrindo espaço para a possibilidade

de se relacionar saberes ditos populares com os conhecimentos formais que a indústria detêm.

Segundo Prigol (2008, p. 28), muitas das técnicas utilizadas pelas indústrias provêm de um

conhecimento não formal e este também é um modo de preservar saberes populares.

Entendemos que a etnociência, aliada à concepção problematizadora da educação,

proporciona um ensinar-e-aprender Química dialógico, em que o educando não seja um mero

expectador à espera de conteúdo e o educador um transmissor de conteúdo, mas que ambos

possam em comunhão construir o conhecimento da Química e da vida em sociedade. Nessa

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nova forma de pensar o ensino de Química, faz-se necessário repensar o currículo escolar

levando em consideração não apenas os saberes que são guiados pela validação acadêmica (leia-

se os advindos da ciência moderna), mas que sejam considerados e inseridos também outros

saberes, os saberes populares e das experiências do trabalho, da família, do lazer, dentre outros,

já que entendemos que a partir deles, o educando-educador e o educador-educando poderão

construir, espraiar ou (re)significar seus conhecimentos.

Em complementariedade, os saberes populares podem ser utilizados como referência

para construção de saberes científicos. Desta forma, seria construtivo abrirmos espaços para

que saberes populares (do trabalho, da família, do lazer, etc) possam ser valorizados como fonte

de conhecimento e incorporados no ambiente e currículo escolares.

Entendemos que ao associarmos, em complementariedade, os saberes populares e

científicos no ensino de Química, abre-se a porta da alternativa para ensinar-e-aprender

Química com vistas à utilização da ciência como um instrumento de leitura de mundo e da

realidade e facilitadora de uma visão crítica do entorno e do mundo, corroborando a formação

de cidadãos protagonistas, conscientes, responsáveis e comprometidos com a própria

transformação da sociedade.

Após a feira científica marcamos o encontro com os participantes para fazermos a

devolutiva da pesquisa e surgiram relatos dos educandos Cobre e Amônia sobre o quanto o

leque de aprendizado se ampliou e abriu espaço, não somente para aprender a Química em

termos de moléculas, equações e processos, mas para enxergar e entender as extensões sociais,

políticas e econômicas em um mundo globalizado. Foi quando surgiu o assunto sobre a

exploração dos recursos naturais e do patrimônio genético que o Brasil e outros países da

América Latina possuem e que são explorados pelo capital neoliberal.

Refletindo sobre o assunto de exploração dos recursos naturais, biopirataria e a

exploração dos saberes populares e indígenas, entendemos que a etnociência como aporte ao

ensino de Química, pode fortalecer e se faz necessário para que o educando entenda o

ecossistema como o resultado de relações sociais e de oposições, onde o “conhecimento sobre

controle do patrimônio genético, do uso de tecnologias e das formas de conhecimento e de

apropriação dos recursos naturais” devem estar inseridos em um contexto de lutas políticas pela

transformação social (ALMEIDA, 2008, p.11).

Em uma educação bancária em Química, o educando se situa longe destas questões, as

quais são fundamentais para preservarmos os saberes populares e entendermos o processo de

exploração dessas áreas pelo capital neoliberal, personificado por grandes indústrias

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farmacêuticas, de cosméticos e Químicas, que frequentemente encobrem os seus propósitos de

poder, da política e econômicos.

No ensino de Química vigente, mesmo com a tentativa de inserção da

interdisciplinaridade e da contextualização, a discussão em sala de aula, por exemplo, não passa

do mostrar para o educando a existência de plantas medicinais na região amazônica e o seu

composto ativo, porém não contextualiza a realidade exploratória que a região vem sofrendo

pela especulação do grande mercado de capital. Cabe também a colocação que o próprio

educador possa estar desconectado dessa realidade.

Esperamos que as reflexões compartilhadas, nesta pesquisa, suscitem contribuições para

construir novos caminhos em que se perdure o diálogo no processo de aprender-e-ensinar

Química.

No campo da pesquisa em Educação, apontamos a relevância de novos estudos que

investiguem o papel das rodas de conversa e das feiras de Ciências como possibilidades de

problematização da realidade, possibilitando o desvelar de novos temas-geradores que podem

balizar o ensinar-e-aprender Química na perspectiva da etnociência.

Iniciamos o desenrolar de um fio que nos conduziu às reflexões acerca das contribuições

que a etnociência, os saberes populares e o saber do educando, trazido do cotidiano, do trabalho,

da família, etc, podem suscitar para um ensino-e-aprendizagem de Química mais próximo da

realidade. Entendemos que há muito a ser refletido e estudado sobre o assunto e que essas

considerações não param por aqui, deixando um campo aberto onde os fios tecidos até aqui

possam encontrar outro fios que complementem e tragam outros conhecimentos para o ensinar-

e-aprender Química.

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APÊNDICES

APÊNDICE I- Apontamentos e Transcrição das falas nos encontros e nas rodas de

conversa- Encontro de 16/08/2017 e 1ª roda de conversa

Cobre : “é interessante”; Ouro: “Praticamente tudo na nossa vida era e hoje também é

Química” ; Pesquisador: “desde quando vocês começaram a estudar, entrar em contato com

a Química na escola, qual a opinião de vocês sobre”? Ouro: “É complicada, é difícil entender

as moléculas, o professor fala e a gente decora" ; Prata: “Ela é misteriosa e muito difícil do

jeito que é dada” ; Pesquisador: “Se vocês tivessem que escolher algo para propor, na aula,

o jeito de estudar a Química, o que vocês proporiam? Vocês acreditam que podem trazer algo

para as aulas diferente daquilo que vocês tem hoje”?; Cloro: “Eu acho que tem que ter prática

antes da teoria, não antes, mas intercalando, tem professor que não dá atenção para a fala

da gente. Só ele sabe, mas quando pergunto algo da prática do meu trabalho ele foge da

explicação. Acredito que se a gente trocasse ideia mais gente aprenderia”; Cobre: “Acho

muito mais importante na prática do que a teoria. A teoria já diz o nome é tudo teórico, tudo

que for teoria você somente fica ouvindo, o que diz a teoria você não vê na prática. “Quando

coloca na lousa você não sabe onde vai chegar”; Carbono: “Eu acho monótona as aulas

teóricas, não me interesso por ela, quando vejo a dinâmica da aula, só texto, não vai abrir a

mente assim eu prefiro mais prática. Quando aprendi a fazer sabão com a minha avó no sítio

aprendi mais do que quando o professor de laboratório fez aqui. Ela me explicou como sabão

deveria ser feito, como tudo deveria ser misturado, o ponto que deveria ser misturados, o ponto

que deveria ter. Já no laboratório o professor mostrou reação, tínhamos termômetro, aparelho

e lá na minha avó não tinha nada disso, o sabão dela ficou melhor do que aquele que o

professor fez na aula. Interessei-me mais pelo jeito dela. Ela Aprendeu fazer o sabão com a

minha bisavó e o meu bisavô. Hoje a minha avó coloca aroma de flores, mas meu bisavô não

colocava”; Água Oxigenada: “Eu já acho que devíamos primeiro estudar todos os elementos

químicos primeiro, acredito na teoria antes de qualquer coisa. O professor conhece mais. O

professor que sabe.”; Sódio: “No curso técnico a gente deveria trazer outras ideias do trabalho

para estudar aqui, é a minha opinião, sou operador de uma caldeira e o professor aqui ensina

a teoria, mas não sabe operar ela. Podemos trocar experiência. Aprendi a operar ela com o

meu amigo de trabalho”; Pesquisador :”Vamos falar da planta medicinal”? Ouro:

“Professor acho bem legal na feira científica quando a gente pode trazer as nossas ideias para

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fazer e apresentar os projetos; fiquei pensando sobre as plantas medicinais, dá para a gente

fazer um trabalho legal e trocar ideias com todo mundo”.

Oxigênio comentou: “O meu pai faz chá de tudo, aprendeu com o minha avó. Estou com gripe

hoje, meu pai fez chá de louro e casca de limão”. COBRE: “a mãe da minha avó era índia e

o meu avô morreu com 90 anos e nunca usou óleo de soja, criado na roça, o costume era usar

aquilo que os antepassados usavam; isso está se perdendo”; Pesquisador: “Vocês acreditam

que a planta medicinal tem benefícios? Acredita por que algum médico falou ou pela família”?

Prata: “Metade/Metade, não adianta nada tomar remédio e achar que vai melhorar, envolve

a mente também. Acredito que o médico estuda mais teoria, mas os meus pais e minha avó

sabem muito sobre produtos naturais”; Ácido Nítrico: “Dou a importância para a experiência

de quem já passou”; Cobre: “Os índios já tinham, sabiam que o pau-brasil soltava tinta,

sabiam tudo. Faziam testes com a natureza, passavam de geração para geração de boca em

boca. Tinham tudo na natureza, os remédios. A gente dá mais valor para os remédios da

farmácia, hoje em dia, porque são feitos por estudo da ciência”; Carbono: “O que aprendi na

aula de história é que os índios não conhecem nada como os senhores das colônias conheciam

e os portugueses e espanhóis vieram pra cá e destruíram os índios daqui, pois os índios não

queriam ser civilizados”; Cloro: “Aprendi que os portugueses tinham conhecimento e

ensinavam os índios, pois eram selvagens”; Sódio: “Um indígena falará que o remédio

conseguiu melhorar a saúde na teoria dele, ele não prova nada, é senso comum”; Hidrogênio:

“O químico tem equipamento”; Ouro: “Mas o índio também observava então é igual para

mim, só é de um jeito diferente”; Sódio: “Para mim o registro do químico é feito no papel , é

fixo e do índio passa pela fala de um para o outro, ela anda com a pessoa”; Pesquisador:

“Onde está o conhecimento”?; Ouro: “Nos testes de laboratório”; Antimônio: “Acho que é

em nós mesmos, nas pessoas”; Oxigênio: “O conhecimento não tem como tirar das pessoas

depois que está nela; dá para passar para alguém”; Cromo: “Mas o professor é que tem

conhecimento”; Pesquisador: “E o indígena, os pais, os avós? E nós? Não temos

conhecimento? Sódio: “Temos, mas é diferente do que o da escola”; Cloro: “A escola deveria

escutar mais as ideias da gente, aprendo mais no trabalho conversando com os colegas do que

alguns professores falando aqui”.

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APÊNDICE II- 2ª roda de conversa-18/08/2017

Pesquisador: “No início a sala ficou em silêncio. Nesta aula preferi somente observar”; “não

demorou muito para os educandos se lembrarem de roda de conversa anterior”; Oxigênio:

“O professor Claudemar iniciou apresentando objetivo do projeto do mestrado”; Cloro:

“Disse que na roda de conversa com professor Claudemar foi discutido como era o estudo de

Química para nós, sobre a possibilidade de nós, alunos e professores, propormos uma aula a

partir de um tema escolhido com a realidade do nosso trabalho e comentou sobre o projeto da

feira de ciências”; Ácido Nítrico: “Comentou que na roda de conversa conversamos sobre

como seria importante resguardar o conhecimento dos mais antigos que, ao ver dela, deixamos

de lado”; Carbono e Oxigênio: “Emendaram a conversa dizendo que era algo relacionado

com o saber dos povos antigos com o uso de erva, não sei, acho que é planta medicinal”;

Hidrogênio: “Lembro que falamos ser interessante trabalhar uma aula prática com metade X

metade, o professor perguntou o que quer dizer? professor trabalhar metade com teoria que o

Senhor passa no datashow e a outra metade com trabalho da gente de pesquisa nas análises

de laboratório? Na roda de conversa abriu espaço para a gente dar a nossa opinião sobre as

aulas e como nós poderíamos melhorá-las”; Antimônio: “ Então professor na roda de

conversa abriu espaço para pensar no projeto do professor Claudemar entendemos que é

possível a gente usar um tema que é relacionado com a sua aula de laboratório e ter a escolha

nossa e assim sair da teoria somente”; Ácido nítrico: “Não sei se vai dar certo, não; acho

melhor o professor dar um guia antes; vou tentar, mas ainda acho que misturar o que é da

escola com o que acontece com o dia a dia é problema, não acredito muito, estou aqui para

aprender o que o professor passa”; Ouro: “A ideia é usar a feira de ciências para apresentar

um projeto relacionado com o assunto das plantas medicinais, para a gente escolher entre os

grupos uma planta medicinal, mas não pode ser outro assunto?”; Professor Silício: “é melhor

escolher somente um”; Cobre: ‘professor, é a gente que vai correr atrás de tudo, então por

que não? A gente pode trazer alguém de fora? Pessoas mais antigas que conheçam na prática

para ajudar a gente? Estamos querendo fazer sabão caseiro também”; Cobre: “Perguntou ao

ácido nítrico: por que você está com medo? Que não vai dar certo? É uma oportunidade nova

pra gente. Tente cara. A gente ensina e aprende ao mesmo tempo, você não acha?”

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APÊNDICE III- 3ª roda de conversa e 2º Encontro- 28/08/2107 e 29/08/2017

Carbono: “Penso que podemos juntos fazer algo ligado um pouco com nossa experiência, não

sei, talvez conversar com os nossos pais e avós; eles conhecem mais sobre plantas medicinais

do que a gente, acredito que conversando podemos trocar ideias e usar a experiência deles

com ervas como remédio para montar o nosso sistema e o professor vai ajudar também ";

Oxigênio, Sódio, Cromo: “Falaram que não conheciam nada sobre as plantas medicinais,

tinha impressão de que era algo ligado a medicina, mas estavam aí para aprender mais”;

Cromo: “comentou que ficou receoso em acreditar em tudo que o grupo pesquisou, parece que

falta algo técnico, para confiar plenamente, sempre acreditei naquilo que o professor ensina;

às vezes discuto com o meu pai sobre algum assunto do trabalho de pedreiro dele sobre como

preparar uma massa para assentar piso; sei que ele faz direitinho, aprendeu com o meu tio

mais velho, irmão dele, mas acho que quando o professor explica para nós, acredito mais.

Mesmo porque consultamos algumas pessoas mais velhas para trocar algumas dicas, mas elas

não estudaram Química, faltou acordo no início sobre como montar a aula prática, depois o

diálogo ajudou muito nas conversas que tivemos” .

Ouro: “Como ela conseguiu fazer sem conhecer a Química?”; Carbono respondeu: "Ela sabe

a Química dela; conseguiu extrair o composto ativo, concorda que a diferença é que este

composto tem um nome e para ela é simplesmente o confrei”.

Pesquisador: O que você acha Dona Josefina sobre o que fizemos hoje?

Dona Josefina: “Filho, acredito que podemos aprender um com os outros, o que muda

é o jeito de fazer e sempre tive a iniciativa de aprender com os meus pais e avós e lá na

comunidade a gente aprende muito também. A vida dura fez com que a gente procurasse se

ajudar ao outro e essas dicas do dia-a-dia a gente guarda pra passar pra o outro”.

Cloro: “Aprendi a valorizar a cultura dela”.

Oxigênio: “Aprendi hoje, nesta aula prática que montamos, que posso aprender mais

se estiver aberto para ouvir o que o outro colega tem para dividir; a Dona Josefina me mostrou

que apesar de não estudar Química como a gente, tem um conhecimento da sua vida com o

confrei que dividido aqui com a gente e somado com o que o professor deu na teoria pode dar

“samba”.

Cobre: “Foi muito interessante a gente poder escolher um assunto e caminhar com as próprias

pernas. As pedras que surgiram no meio do caminho foram retiradas pelo grupo, inclusive com

o professor, e quem a gente consultou em casa”; Oxigênio: “acho que trocar experiências é

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muito válido”; Manganês: “Aprendi que não preciso decorar a Química, na aula experimental

pude observar que; o que fizemos foi uma extração de substâncias ativas do confrei por um

solvente, no caso o álcool. Se estivéssemos na sala de aula o professor usaria o Datashow para

falar do assunto e no laboratório fui eu quem procurou as informações, o professor só ajudou.

A partir da prática, mostrou que a gente pode construir coisas novas juntos; aprendi com a

pesquisa que grupo fez fora da escola com os pais e os avôs que o confrei é usado como anti-

inflamatório e cicatrizante e buscamos no livro de botânica a substância ativa do confrei,a

alantoína”; Prata : Ouvir quem já fez facilita o aprendizado, deveríamos trocar mais

experiências nas aulas, não somente ficar sentado ouvindo professor falar, na aula prática

aprende-se mais”; Cloro: “A Dona Josefina pode não saber qual molécula está presente no

confrei, mas nós quando o professor passa a molécula decoramos a fórmula que é ensinada,

não enxergamos a molécula lá também”; Cobre: “Nós acreditamos na descrição teórica do

professor que as vezes nunca extraiu a molécula. A Dona Josefina acredita no que retirou da

natureza e naquilo que aprendeu na prática com os mais velhos”. Oxigênio: “Somos

esquecidos para dar opinião nas aulas teóricas, assim se tivesse mais aula prática a gente

aprenderia mais”; Ácido Nítrico: “A escola deveria ser uma local para a gente trocar ideia”;

Amônia: “Trabalho com o meu pai de servente de pedreiro, aprendi fazer na prática a massa

de concreto; vendo ele fazer. Aprendi fazendo com ele, aqui no curso aprendi somente a teoria

do cimento”.

APÊNDICE IV- Feira Científica e Devolutiva-27/11/2017 e 11/12/2017

A feira de ciência proporcionou ir além daquilo que sempre fazemos na aula de laboratório, o

professor explicando a análise que iremos executar, o procedimento já está pronto e descrito

passo a passo, não precisamos nem pensar, já está no papel. Com as atividades da feira, foi

diferente, preparamos tudo. A pesquisa com plantas medicinais abriu várias frentes, ampliou

a nossa visão da química, ficou mais visível pra gente. Ao meu ver, escolhemos uma planta e a

partir dela construímos no grupo em vários encontros na escola, no Whatsapp , o que fazer

para extrair o composto, como preparar o método de extração de óleos essenciais da arnica e

do cravo da índia. O mais interessante foi ter ido buscar informações sobre a arnica com a

minha avô, ela sabia um monte de coisa sobre como plantar, colher e preparar ela com álcool;

na infância dela a arnica nem precisava ser plantada, dava no mato mesmo, era só ir lá e

pegar. Aprendi muito mais assim, indo atrás de tudo. AH! O professor Silício ajudou bastante

na montagem dos equipamentos do laboratório, e como montar as reações. A minha avô veio

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na feira e conversou bastante com o professor silício, eles trocaram ideia sobre a extração do

óleo da arnica. Achei bem legal tudo isso (OXIGÊNIO).

Quando começamos a usar um tema de plantas medicinais para realizar a feira científica achei

que seria mais uma invenção do professor Silício, ainda mais que a gente teve que correr atrás

de tudo; pensei que o professor estava querendo facilitar a aula para ele. Depois percebi com

o pessoal do grupo que “a coisa” de buscar informação sobre a extração da nicotina da folha

da planta de fumo foi muito proveitosa; facilitou o meu aprendizado e acredito que dos colegas

do grupo também; trocar ideia com os colegas e com os professores ajudou bastante. Acho que

ficamos mais expostos na feira, acredito que a soma de um pouquinho do estudo e do

conhecimento de cada um juntos com os professores aprendi um pouco mais. Acho que vou

guardar para sempre o processo de extração da nicotina que fizemos no laboratório; talvez se

o professor tivesse dado em sala nem lembraria mais (PRATA).

Eu adiciono algo a mais do que o Prata colocou sobre o quanto aprendemos com a feira

científica; forçou a gente procurar as informações com pessoas fora da escola; mostrou que a

Química olhada com outros olhos pode facilitar o seu entendimento; vendo a planta na minha

frente me motivou aprender mais sobre ela quimicamente falando e os processos químicos que

poderia resultar das extração das substâncias dela. O professor funcionou mais como um

esclarecedor de alguns pontos que não conseguimos entender (AMÔNIA).

Foi muito diferente para mim nesta Feira; aprendi não somente a parte Química da extração

da nicotina em folhas de fumo, mas que a Química está ligada com a natureza muito mais do

que pensava. Quando o grupo estava procurando onde encontrar uma planta de fumo; fui

conversar com a minha avô se ela sabia onde eu poderia encontrar uma dessas; me chamou

para ir no fundo do quintal e me deu um vasinho com uma planta e me disse, toma a planta de

fumo que precisa e foi já falando que ela usava a folha de fumo, preparava um caldo com as

folhas secas com água, deixava descansar por um di , filtrava e colocava um pouco de sabão

e depois aplicava na horta dela para impedir a invasão de pragas. Fiquei admirado com o

conhecimento da minha avô sem ter ido muito a escola; para ser sincero me senti envergonhado

no início; ela sabia mais do fumo do que eu que estudo Química (MAGNÉSIO).

Já trabalho como operadora em uma empresa Química, lá preciso aprender rapidamente a

resolver as dificuldades do dia a dia senão corro o risco de ficar para atrás. Aqui na escola

tem muito pouco disso, ficamos sempre esperando o que o professor tem a dizer e, às vezes, o

professor não abre porta para a gente falar ou perguntar. Me senti mais atuante e confiante

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durante o mês que antecedeu a feira científica, apesar de dois ou três colegas acharem que

estávamos perdendo aula. Buscar outros aprendizados além do espaço da sala de aula sobre

extração do componente da arnica foi muito importante para enxergar a Química menos

complicada; chegou perto do que vejo no trabalho (HIDROGÊNIO).

Pude trazer um pouco da experiência que a gente tem na empresa, e fiz a proposta para o meu

grupo para trazer o processo de produção de poliuretano. O professor de processos orgânicos

deu na teoria em sala de aula, decorei as estruturas da molécula para a prova, já esqueci.

Trouxe as resinas da empresa, fizemos as misturas; testamos cinco vezes para chegar no

resultado que faço na empresa; se for a aula normal do professor ele dá o procedimento com

tudo pronto, não pensamos, executamos (COBRE).

Eu sinto que a grande maioria dos professores não deixa a conversa fluir quando a aula é

realizada na sala, o próprio ambiente é impróprio, todo mundo sentado em linha, não consigo

ver os colegas. O professor usa a lousa ou o projetor, muita das vezes o sono vem e as

informações ficam embaralhadas e tem uma distância grande do professor com a gente. Na

aula normal de laboratório é como se fosse uma receita de bolo, reproduzo aquilo que é pedido.

Senti diferença com a forma trabalhada na Feira Científica, discutimos os assuntos em círculo,

conversamos bastante uns com os outros e o que achei mais interessante foi ter espaço para

falar e ouvir e no laboratório conseguimos montar o nosso procedimento para a extração do

óleo essencial e o professor Nióbio auxiliou a gente a pensar no experimento (AMÔNIA).

Penso de uma forma contextualizada que foi evidenciada projeção da Química do que existia

culturalmente algumas décadas atrás, então os alunos puderam ver na prática o que os seus

avós já faziam, utilizando conhecimentos próprios construídos entre gerações mesmo sem os

conhecimentos técnicos que, muitas vezes, somos direcionados a acreditar que sabemos mais

(PROFESSOR NIÓBIO).

Na minha opinião a utilização de plantas medicinais contribui para o levantamento de

questionamentos, aprofundamento no campo, novos conhecimentos e descobertas, mostrando

a associação e o atrelamento da Química no auxílio para a promoção da saúde, pesquisa e no

crescimento humano e preservação de saberes construídos e compartilhados por gerações

(PROFESSOR NIÓBIO).

As aulas práticas de Química em laboratório ou mesmo em campo, faz com que os

conhecimentos assimilados ou não de uma teoria sejam solidificados positivamente no

aprendizado pelo simples fato da visualização e manipulação de materiais relacionados ao

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assunto teórico, onde despertam a curiosidade para a pesquisa de novas áreas do

conhecimento como a Etnociência. As conversas ficam no mesmo plano professor e aluno, as

barreiras diminuem (PROFESSOR SILÍCIO).

APÊNDICE V-Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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APÊNDICE VI- Parecer Consubstanciado do CEP

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