46
CENTRO FEDERAL DE EDUCACAO TECNOLOGICA DA BAHIA CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS SALVADOR – 2003

CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

CENTRO FEDERAL DE EDUCACAO TECNOLOGICA DA BAHIA

CLEYTON MIRANDA BARROS

GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

SALVADOR – 2003

Page 2: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

CLEYTON MIRANDA BARROS

GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Administração pelo Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia, sob orientação do Professor Doutor Nilton Vasconcelos.

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DA BAHIA SALVADOR - 2003

Page 3: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

“(...) é possível construir circuitos

eficientes de economia não-

capitalista no transcurso da

prolongada marcha histórica que

permitira ao ser humano – no

tempo e no ritmo que se

mostrarem adequados – depositar

a mentalidade possessiva que é

própria do capitalismo na mesma

prateleira em que estão arquivados

o feudalismo e a escravidão”.

Luiz Inácio Lula da Silva

Page 4: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus,

Em quem confio e entrego a minha vida.

A minha família,

Que tem sido a minha fonte de motivação.

Aos colegas do CEFET/Ba,

Especialmente a André, Cristiane, Flavia e Siomar,

Pessoas com quem mais aprendi durante o curso.

Aos bons professores do CEFET/Ba,

Que desenvolvem seriamente o seu trabalho e

Encaram o magistério como uma vocação.

Em especial à Professora Lívia Simões.

E a todas as pessoas que contribuíram direta ou

Indiretamente para a realização deste trabalho.

Page 5: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

RESUMO

Esta monografia tem o objetivo de identificar os desafios da gestão dos empreendimentos situados no campo da economia solidária, a partir do estudo de caso de uma cooperativa popular de um bairro periférico de Salvador. Inicialmente foi realizada uma incursão pelo trabalho de diversos autores no sentido de melhor compreender o significado particular da economia solidária, os seus espaços se articulação e a natureza das organizações a ela pertencentes. A seguir, foi desenvolvido um esforço para tentar compreender as dificuldades vividas por esses empreendimentos a partir da experiência da Coofe, Cooperativa Múltipla Fontes da Engomadeira, cooperativa de caráter popular dedicada à fabricação e comercialização de pães, situada num bairro periférico de Salvador. A partir da análise de fontes secundárias, do acompanhamento do empreendimento e da realização de entrevistas entres os cooperativados, constatou-se que o empreendimento vem enfrentando dificuldades que ameaçam seriamente a sua sobrevivência.

Page 6: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

SUMÁRIO

1.0 INTRODUÇÃO 06

2.0 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 09

2.1 Economia Solidária 09

2.2 Economia Solidária no Brasil 14

2.3 Empreendimentos Solidários 17

2.4 Gestão de Empreendimentos Solidários 19

3.0 A COOFE E OS SEUS DESAFIOS DE GESTÃO 25

3.1 Histórico 25

3.2 A Visão do Negócio 26

3.3 O Perfil dos Cooperados 27

3.4 A Divisão do Trabalho 28

3.5 A Divisão das Sobras 29

3.6 O Aprendizado da Produção Coletiva 30

3.7 A Autogestão do Empreendimento 31

3.8 O Conhecimento Gerencial 33

3.9 O Conhecimento Técnico da Produção 34

3.10 O Modelo de Gestão 36

3.11 O desafio Mercadológico 37

3.12 O Processo de Comunicação 38

5.0 CONCLUSÃO 40

6.0 REFERÊNCIAS 44

Page 7: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

8

1.0 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, em decorrência das freqüentes crises econômicas que

tem atingido diferentes partes do mundo, temos assistido à proliferação de

iniciativas autônomas de grupos populares organizados na sociedade civil,

visando a produção de atividades econômicas com características diferentes

daquelas praticadas pelo mercado.

A esse conjunto de iniciativas convencionou-se chamar de Economia

Solidária, um modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e

recriado periodicamente pelos que se encontram ou temem ficar marginalizados

pelo mercado de trabalho. A economia solidária casa o princíp io da unidade entre

a posse e o uso dos meios de produção e distribuição, e sua unidade típica é a

cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos

meios de produção pelas pessoas que os utilizam para produzir; gestão

democrática da empresa por participação direta ou por representação; repartição

da receita líquida entre os cooperativados por critérios aprovados após discussões

e negociações entre todos; destinação do excedente (denominado sobras)

também por critérios acertados entre todos os cooperados.

O empreendimento solidário pode ser descrito como sendo uma forma de

expressão da economia solidária que pode assumir um formato de cooperativa,

empresa autogestionária, rede e outras formas de associação para produção de

bens ou prestação de serviços.

A gestão de empreendimentos solidários é o tema desenvolvido neste

trabalho, que tem o objetivo de identificar os principais desafios de gestão

enfrentados pela Coofe – Cooperativa Múltipla Fontes de Engomadeira.

As dificuldades de gestão enfrentadas pelos empreendimentos solidários

vêm sendo estudadas por alguns autores do campo (GAIGER; LISBOA; MOURA).

Esta monografia objetiva-se desenvolver um estudo de caso focado na Coofe.

Page 8: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

9

Trata-se de observar em que medida os problemas de gestão da Coofe têm

correspondência com as conclusões dos estudiosos do assunto.

A pesquisa realizada foi do tipo exploratória, visando a provisão de um

maior conhecimento sobre o tema e o problema de pesquisa em perspectiva -

Quais são os desafios de gestão enfrentados pela Coofe? - com utilização de

dados de fontes primárias e secundárias.

Os dados primários foram obtidos pela realização do levantamento de

experiência e pelo método de observação informal. Foram feitas entrevistas a

partir de um questionário com perguntas não-estruturadas, aplicadas entre os

membros da cooperativa estudada, tanto em grupo quanto individualmente, e

entre alguns apoiadores externos da organização. Tais entrevistas, como

preconiza o método de levantamento de experiência, caracterizaram-se pela

informalidade e pouca estruturação e foram realizadas a partir da apresentação de

um pequeno roteiro de assuntos abordados e colocados na forma de perguntas

abrangentes.

As entrevistas foram aplicadas no período de novembro de 2002 a fevereiro

de 2003. Já a observação informal, realizada no mesmo período, foi dirigida no

sentido de observar unicamente objetos, comportamentos e fatos de interesse

para o problema em estudo e obtidos informalmente.

Os dados secundários foram obtidos através de levantamento bibliográfico,

levantamento de pesquisas efetuadas anteriormente e do trabalho de alguns

apoiadores externos do empreendimento. Tais informações foram utilizadas com o

objetivo de estabelecer melhor o problema de pesquisa, apreender outros

métodos já testados e aprovados de coleta de dados, verificar outros tipos de

dados que poderiam servir de fonte comparativa e complementar aos dados

primários coletados.

Além disso, os dados secundários foram utilizados também para a

formulação das hipóteses, a partir da apreciação do texto de alguns autores que

se dedicam ao estudo dos problemas de gestão enfrentados pelos

empreendimentos solidários. Este procedimento permitiu descobrir idéias e

Page 9: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

10

explicações possíveis para o fenômeno posteriormente investigado,

constituindo uma contribuição fundamental para a estruturação inicial do projeto

de pesquisa cujo tema abordado encontra-se ainda em fase inicial de análise e

compreensão.

O presente trabalho, que tem o objetivo de identificar os desafios

enfrentados pelos empreendimentos solidários, está dividido em quatro capítulos.

O primeiro capítulo consta desta introdução e apresenta um panorama do estudo

que foi realizado, o tema da pesquisa, o problema e a metodologia utilizada para

atingir os objetivos da pesquisa.

No segundo capítulo, trataremos da fundamentação teórica do trabalho,

fazendo uma apreciação conceitual dos termos terceiro setor, economia social,

economia solidária e economia popular, tendo como objetivo estabelecer a

fronteira, em termos de significado particular, entre essas várias noções. Além

disso, é feita uma reflexão sobre as características e os desafios da gestão de

empreendimentos situados no campo da economia solidária.

Já no terceiro capítulo, faremos uma descrição da Cooperativa Múltipla

Fontes da Engomadeira, a Coofe, empreendimento surgido de uma iniciativa da

ITCP, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, e é composto em sua

maioria por mulheres residente no próprio bairro da Engomadeira, em Salvador.

Apesar de ser uma cooperativa múltipla, atualmente a Coofe se dedica apenas à

produção e comercialização de pães, cujo maior volume de vendas é alcançado

pelas entregas em domicílio.

Ainda no terceiro capitulo são apresentados os resultados da pesquisa de

campo, onde apontamos as principais dificuldades enfrentadas pela Coofe, a partir

das informações obtidas através da realização de entrevistas com alguns

indivíduos envolvidos com o trabalho da cooperativa e da observação informal do

empreendimento.

O trabalho é concluído no quarto capítulo, numa análise dos

empreendimentos solidários e seus desafios, sem a preocupação de estabelecer

uma visão normativa a respeito do tema.

Page 10: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

11

2.0 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 ECONOMIA SOLIDÁRIA

Ao tratarmos do tema Economia Solidária é necessária a apreciação de

alguns conceitos que estão presentes numa esfera de ação não pertencente ao

Estado e, muito menos à Iniciativa Privada.

Essa apreciação conceitual dos termos Terceiro Setor, Economia Social,

Economia Solidária e Economia Popular tem como objetivo estabelecer uma

fronteira entre as várias noções, de modo a permitir a visualização das

características pertencentes a cada um, levando em consideração o conhecimento

do próprio contexto ou lugar sócio-histórico onde foram formulados.

Se levantássemos uma indagação acerca do que existe em comum entre as expressões terceiro setor, economia social, economia solidária e economia popular (e poderíamos acrescentar ainda aquela de economia informal), talvez a resposta mais evidente fosse a referência a um espaço de vida social e de trabalho intermediário entre as esferas do estado e do mercado. Esses vários termos fariam assim alusão a um espaço de sociedade recentemente percebido também como lugar de produção e distribuição de riqueza, portanto, como mais um espaço econômico, isto é, lugar de geração de emprego e renda. (FRANÇA, 2002, p.9)

Dentro e fora do ambiente acadêmico, percebe-se uma serie de “confusões

terminológicas”, fruto da grande ausência de pesquisas sobre o tema. Alem disso,

existe também uma enorme dificuldade para se distinguir organizações que não

pertencem nem à iniciativa privada e, nem ao setor público.

Diferenças importantes subjazem as noções de Terceiro Setor, de Economia Solidária, de Economia Social e de Economia Popular (e ainda aquela de economia informal), ligados não somente aos contextos sócio-politicos em que emergiram esses termos, mas também a interpretações distintas acerca do papel que desempenham essas praticas e/ou iniciativas na sociedade, especialmente no que se refere ao lugar que elas devem ocupar em relação às esferas do Estado e do Mercado. (FRANÇA, 2002, p.10)

Page 11: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

12

Sendo assim, é necessário entender em que lugar histórico se

constroem essas categorias e qual o significado particular que acompanha a

origem desses conceitos, essa é, na visão de França (2002, p.10), uma condição

indispensável para o entendimento das diferenças entre esses termos.

O terceiro setor, por exemplo, é herdeiro de uma tradição anglo-saxônica, particularmente impregnada pela idéia de filantropia. Essa abordagem identifica o terceiro setor ao universo das instituições sem fins lucrativos, as quais apresentam cinco características essenciais: elas são formais, privadas, independentes, não devem distribuir lucros e devem comportar um certo nível de participação voluntária. (FRANÇA, 2002, p.10)

Já as noções de Economia Solidária e Economia Social, inscrevem-se num

contexto europeu mais geral, e francês, em particular. Em contraste, no que se

refere à noção de terceiro setor (tipicamente norte americana), a relação com o

Estado Social, na Europa, é constituída das experiências associativistas.

Contrastando com a idéia de terceiro setor, as noções de economia social e

economia solidária são herdeiras de uma tradição histórica fundamental,

relacionada com o movimento associativista operário da primeira metade do

século XIX na Europa, que foi traduzido numa dinâmica de resistência popular,

fazendo emergir um grande numero de experiências solidárias largamente

influenciadas pelo ideário de ajuda mútua (mutualismo), da cooperação e da

associação.

A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais

na tentativa de gestão da riqueza, ou seja, na tentativa de resolução das suas

problemáticas sociais.

Na prática, pois, o termo Economia Solidária identifica hoje uma série de

experiências organizacionais inscritas numa dinâmica atual em torno de novas

formas de solidariedade. O fato é que se vem verificando a emergência e

desenvolvimento de um fenômeno de proliferação de iniciativas e práticas

socioeconômicas diversas. São as chamadas iniciativas locais na Europa. Elas

assumem , na maioria dos casos, a forma associativa e buscam responder a

Page 12: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

13

certas problemáticas locais e especificas. Essa expressão “economia

solidária” vem assim, num primeiro momento, indicar a associação de duas

noções historicamente dissociadas, isto é, iniciativa e solidariedade. E ainda

sugerir, com essas experiências, a inscrição da solidariedade no centro mesmo da

elaboração coletiva de atividades econômicas.

Como fenômeno, a emergência de uma economia solidária está

intimamente ligada à problemática de uma exclusão social crescente, que se

define cada vez mais como questão urbana, num contexto atual, mas que remonta

aos anos de 1980, de crise do Estado Providência.

A economia social define uma série de iniciativas associativistas que, ao

recusarem a autonomia do aspecto econômico nas suas práticas, em face aos

demais aspectos – social, político, cultural, etc...- e simbolizam um ideal de

transformação social que não passa pela tomada de poder político via aparelho do

Estado, mas pela possibilidade de multiplicação das experiências de reprodução

das relações de produção.

Já a noção de Economia Popular é utilizada, na maioria das vezes, para

identificar uma realidade heterogênea, um processo social que pode ser traduzido

pela aparição e expansão de numerosas pequenas atividades produtivas e

comerciais no interior de setores pobres e marginais da América Latina. Os

biscates ou ocupações autônomas, as microempresas familiares, as empresas

associativas ou, ainda, as organizações econômicas populares, constituem alguns

exemplos de iniciativa desse universo.

Conforme defende Singer(2002, p.13), a economia solidária surge como

modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado

periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados pelos

mercado de trabalho. A economia solidária casa o principio da unidade entre

posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de

mercadorias) com o principio da socialização destes meios (do capitalismo). Sob o

capitalismo, os meios de produção são socializados na medida em que o

progresso técnico cria sistemas que só podem ser operados por grande número

Page 13: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

14

de pessoas, agindo coordenadamente, ou seja, cooperando entre si. Isso se

dá não somente nas fábricas, mas também nas redes de transporte, comunicação,

de suprimento de energia, de água, de vendas no varejo e etc.

O modo solidário de produção e distribuição parece à primeira vista um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadorias. Mas, na realidade, ela constitui uma síntese que supera a ambos. A unidade típica da economia solidária é a cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que a utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o numero de cooperadores não é demasiado) ou por representação; repartição da receita liquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os cooperadores. A cota básica do capital de cada cooperador não é remunerada, somas adicionais emprestadas a cooperativa proporcionam a menor taxa de juros do mercado. (SINGER, 2002, p.13)

Ainda segundo o mesmo autor, a economia solidária não pode ser considerada

criação intelectual de alguém, embora os grandes autores socialistas

denominados “utópicos” da primeira metade do século XIX (Owen, Fourier,

Buchez, Proudhon etc.) tenham dado contribuições decisivas ao seu

desenvolvimento. “A economia solidária é uma criação em processo contínuo de

trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o

capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra, em toda a sua

evolução.” Singer(2002, p.13).

Um momento de degeneração da economia solidária foi a recusa de

grandes e poderosas cooperativas de consumo européias, no fim do século XIX,

de adotar a autogestão nos estabelecimentos fabris e comerciais que iam criando.

O mesmo foi feito pelas grandes cooperativas agrícolas, na Europa e América do

Norte e mais tarde nos demais continentes. O que chocou as lideranças históricas

do cooperativismo, principalmente de extração socialista cristã, que davam

prioridade às cooperativas de produção autogeridas como meio de liberação da

classe operária. Segundo Singer, a partir daí, seguiu-se uma polêmica na qual se

formulou a teoria de que cooperativas de produção não tinham condições de se

desenvolver no seio do capitalismo, cabendo à elas duas possibilidades: ou

Page 14: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

15

fracassam como empresas ou, quando tinham sucesso econômico,

degeneravam, acabando como empresas capitalistas comuns.

Para compreender a lógica da economia solidária é fundamental considerar

a critica operária e socialista ao capitalismo. O que ela condena no capitalismo é

antes de tudo a ditadura do capital na empresa, o poder ilimitado que o direito de

propriedade proporciona ao dono dos meios de produção, pois, todos os que

trabalham na empresa só o podem fazê-lo por ato de vontade do capitalista, que

pode demitir qualquer um tão logo sua vontade mude.

A economia solidária é o projeto que, em inúmeros paises há dois séculos, trabalhadores vem ensaiando na pratica e pensadores socialistas vem estudando, sistematizando e propagando. Os resultados históricos deste projeto em construção podem ser sintetizados do seguinte modo: 1. homens e mulheres vitimados pelo capital organizam -se como produtores associados tendo em vista não só ganhar a vida mas reintegrar-se à divisão social do trabalho em condições de competir com as empresas capitalistas; 2. pequenos produtores de mercadorias, do campo e da cidade, se associam para comprar e vender em conjunto, vi sando economias de escala, e passam eventualmente a criar empresas de produção socializada, de propriedade deles; 3. assalariados se associam para adquiri em conjunto bens e serviços de consumo, visando ganhos de escala e melhor qualidade de vida; 4. pequenos produtores e assalariados se associam para reunir suas poupanças em fundos rotativos que lhes permitem obter empréstimos a juros baixos e eventualmente financiar empreendimentos solidários; 5. os mesmos criam também associações mutuas de seguros, cooperativas de habitação etc. (SINGER, 2002, p.14)

Seria um erro supor que a economia solidária é a única opção de

sobrevivência das camadas mais pobres e excluídas das classes trabalhadoras.

Não é verdade que a pobreza e exclusão tornam suas vitimas eminentemente

solidárias. O que se observa é que há muita solidariedade entre os mais pobres e

que a ajuda mutua é essencial à sua sobrevivência. Mas esta solidariedade se

limita aos mais próximos, com os quais a pessoa se identifica. A mesma pessoa

que se mostra solidária com parentes e vizinhos, disputa com unhas e dentes

qualquer oportunidade de ganho com outras, que lhe são estranhas”. E muito

deles internalizam os valores do individualismo que fundamentam a instituição do

capitalismo.

Page 15: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

16

É importante registrarmos a visão de Gaiger sobre o tema, para o qual

a economia solidária guarda semelhanças com a economia camponesa. Em

primeiro lugar, porque as “relações sociais de produção desenvolvidas nos

empreendimentos econômicos solidários são distintas da forma assalariada. Muito

embora, também aqui, os formatos jurídicos e os graus de inovação no conteúdo

das relações sejam variáveis e sujeitos à reversão, as praticas de autogestão e

cooperação dão a esses empreendimentos uma natureza singular, pois modificam

o principio e a extração do trabalho excedente. Assim, aquelas praticas: a)

funcionam com base na propriedade social dos meios de produção, vedando a

apropriação individual desses meios ou na sua alienação particular; b) o controle

do empreendimento e o poder de decisão pertencem à sociedade de

trabalhadores, em regime de paridade de direitos; c) a gestão do empreendimento

esta presa à comunidade de trabalho, que organiza o processo produtivo, opera

as estratégias econômicas e dispõe sobre o destino do excedente produzido. Em

suma, há uma unidade entre as posse e o uso dos meios de produção.

2.2 ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

O cooperativismo chegou ao Brasil no começo do século XX, trazido pelos

emigrantes europeus. Tomou principalmente a forma de cooperativas de consumo

nas cidades e de cooperativas agrícolas no campo. As cooperativas de consumo

eram em geral por empresa e serviam para proteger os trabalhadores dos rigores

da carestia. Nas décadas mais recentes, as grandes redes de hipermercados

conquistaram os mercados e provocaram o fechamento da maioria das

cooperativas de consumo. As cooperativas agrícolas se expandiram e algumas se

transformaram em grandes empreendimentos agroindustriais e comerciais. Mas

nenhuma destas cooperativas era ou é autogestionária. Singer(2002, p.122). Sua

direção e as pessoas que a operam são assalariadas, tanto nas cooperativas de

consumo como nas de compra e vendas agrícolas. Por isso não se pode

considerá-las como parte da economia solidária.com a crise social das décadas

Page 16: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

17

perdidas de 1980 e de 1990, em que o país se desindustrializou, milhões de

postos de trabalho foram perdidos, acarretando desemprego em massa e

acentuada exclusão social, a economia solidária reviveu no Brasil. Ela assumiu em

geral a forma de cooperativa ou associação produtiva, sob diferentes modalidades

mas sempre autogestionária.

A economia solidária começou a ressurgir, no Brasil, de forma esparsa na década de 1980 e tomou impulso crescente a partir da segunda metade dos anos 1990. Ela resulta de movimentos sociais que reagem à crise de desemprego em massa, que tem inicio em 1981 e se agrava com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990. Em 1991, tem inicio o apoio de assessores sindicais a operários que conseguem se apossar da massa falida da empresa que antes o empregava, formando uma cooperativa de produção, que retoma as operações e assim salva os postos de trabalho ate então ameaçados de fechamento. Três anos depois, diversas empresas autogestionárias com esta origem fundam a ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação Acionaria. (SINGER 2002, p.25)

Ainda na década de 80, a Cáritas, entidade ligada à Conferencia Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB), financiou milhares de pequenos projetos

denominados PACS, Projetos Alternativos Comunitários. Uma boa parte dos

PACS destinava-se a gerar trabalho e renda de forma associada para moradores

das periferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões

do país. Uma boa parte dos PACS acabou se transformando em unidades de

economia solidária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das

comunidades de fiéis, outros conseguindo se consolidar economicamente

mediante a venda de sua produção no mercado.

Um outro componente da economia solidária no Brasil é formado pelas

cooperativas e grupos de produção associada, incubados por entidades

universitárias, que se denominam Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas

Populares (ITCPS). As ITCPS são multidisciplinares, integradas por professores,

alunos de graduação e pós-graduação e funcionários, pertencentes às mais

diferentes áreas do saber. Elas atendem grupos comunitários que desejam

trabalhar e produzir em conjunto, dando-lhes formação em cooperativismo e

Page 17: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

18

economia solidária e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam

viabilizar seus empreendimentos autogestionários.

Objetivando uma atuação mais eficiente em nível nacional, as ITCPS

constituíram uma rede que se reúne periodicamente para trocar experiências,

aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar dentro do movimento

nacional de economia solidária. Posteriormente a rede se filiou á Fundação

Unitrabalho, que reúne mais de 80 universidades e presta serviços, nas mais

diferentes áreas, ao movimento operário. Desde então, a Unitrabalho desenvolve

um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidária.

Nos últimos anos, estas entidades começaram a receber um números

crescente de trabalhadores desejosos de formar empreendimentos solidários. Os

meios de comunicação de massa começaram finalmente a tomar conhecimento

desta movimentação e incluem em seus noticiários esporadicamente reportagens

sobre cooperativas que conseguiram gerar trabalho e renda para os seus

membros. Cada vez que reportagens como essas são exibidas na televisão,

dezenas de grupos procuram as incubadoras universitárias e outras entidades que

apóiam o novo cooperativismo.

Economicamente, a situação de cooperativas e grupos de produção associada é muito variada, desafiando generalizações, mesmo porque há apenas levantamentos parciais em alguns estados. Mas duas tendências podem ser apontadas como prováveis: 1. A maioria das cooperativas sobrevive por anos, apesar da extrema debilidade do que chamamos bases de sustentação; 2. A maioria das cooperativas ainda depende muito do apoio das entidades que as garantem e continuam acompanhando. (SINGER, 2002, p.27)

A necessidade de consolidar os empreendimentos solidários de modo

que possam se sustentar reciprocamente já é reconhecida e deu lugar à formação

de foros de economia solidária e cooperativas populares em diversas regiões do

país. Mas tais esforços ainda não conseguiram quebrar o isolamento econômico

das cooperativas, embora os contatos entre elas se multipliquem. Cresce a

compreensão de que a construção da competência de empreendimentos se dá

Page 18: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

19

por um processo de aprendizagem, que envolve membros das cooperativas e

das entidades de apoio.

2.3 EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

Ao tratarmos de empreendimentos situados no campo da Economia

Solidária, estamos no referindo a uma organização que pode assumir formato de

cooperativa, empresa autogestionária, rede e outras formas de associação para a

produção e/ ou aquisição de produtos e serviços. Moura(2002, p.79)

A literatura atual sobre a economia solidária converge em afirmar o

caráter alternativo das novas experiências populares de autogestão e cooperação

econômica. Dada a ruptura que introduzem nas relações de produção capitalistas,

elas poderão representar a emergência de um novo modo de organização do

trabalho e das atividades econômicas em geral.

Nestas organizações o trabalho exerce um papel nitidamente central, por

ser fator preponderante, senão exclusivo, em favor do empreendimento. Nessa

condição, determina uma racionalidade em que a proteção àqueles que detém a

capacidade de trabalho torna-se vital.

Ao propiciar uma experiência efetiva de dignidade e equidade, o labor produtivo é enriquecido do ponto de vista cognitivo e humano. O maior interesse e motivação dos associados, o emprego, mutuamente acordado, da maior capacidade de trabalho disponível, a divisão dos benefícios segundo o aporte em trabalho, são fatos relacionados com a cooperação, no sentido de acionar e favorecer um maior rendimento do trabalho associado. (GAIGER, 1999, p.12)

À medida que essas características ecentuam-se, provocam uma reversão

do processo ocorrido nos primórdios do capitalismo, quando o trabalhador foi

separado dos objetos por ele produzidos e converteu-se em propriedade de

outrem, em mercadoria adquirida e destinada ao uso do capital. A autogestão e a

cooperação são acompanhadas por uma reconciliação entre o trabalhador e as

forcas produtivas que ele detém e utiliza. Não sendo mais um elemento

Page 19: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

20

descartável e não estando mais separado do produto do seu trabalho, agora

sob seu domínio, o trabalhador recupera as condições necessárias, mesmo se

não suficientes, para uma experiência integral de vida laboral e ascende a um

novo patamar de satisfação, de atendimento a aspirações não apenas materiais

ou monetárias. Por conseguinte, as relações de produção dos empreendimentos

solidários não são apenas atípicas para o modo de produção capitalista, mas

contrarias à forma social de produção assalariada: nesta, o capital emprega o

trabalho: naqueles, os trabalhadores empregam o capital.

Podemos entender os empreendimentos solidários como expressão de

uma forma social de produção especifica, contraposta à forma típica do

capitalismo e, no entanto, com ela devendo conviver, para subsistir em formações

históricas ditadas pelo modo de produção capitalista. Nos dias atuais, as

inovações principais que a nova forma traz e mostra-se capaz de reproduzir

concentram-se no âmbito das relações internas, dos vínculos mútuos que definem

o processo social imediato de trabalho e de produção dos empreendimentos

solidários. A economia solidária não reproduz em seu interior as relações

capitalistas, no melhor dos casos as substitui por outras, mas tampouco elimina

ou ameaça a reprodução da forma tipicamente capitalista. Iniciativas de grande

interesse estão aparecendo, como as redes e clubes de troca, as cooperativas de

credito e outras, alternativamente à lógica mercantil do dinheiro e das trocas em

geral, porem de modo ainda experimental, suplementar e subsidiário em muitos

casos.

Sob o prisma das relações que cultivam entre si e com os demais agentes

econômicos, as iniciativas solidárias vivem um momento de profusão, ao mesmo

tempo em que de debilidade. A todo instante, surgem novas organizações de

credito, troca e consumo solidário, alem de noticias de avanços nas que já

existem, gerando um ambiente de emulação pródigo em encontros e projetos:

cooperativas de credito, bancos populares, moedas sociais, redes de troca, etc.

Entretanto, salvo poucas iniciativas de maior porte ou relativa maturidade, esses

mecanismos são experimentais, valem por seu significado intrínseco, não pelo

seu impacto.

Page 20: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

21

Para assegurar sua reprodução, os empreendimentos solidários precisam lidar adaptativamente com as externalidades capitalistas. As tentativas de romper o circulo,

ao entrarem em contato, reforçam-se moral e politicamente, mas carecem por hora de praticas efetivas de intercambio econômico, tanto mais quando envolvem segmentos e atores sociais diferentes. (GAIGER, 2002, p.16)

2.4 GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

De acordo com Lisboa, muitas são as debilidades e os problemas

constantes no cotidiano dessas organizações, tais como carência de capital de

giro, acesso ao credito, design, controle de qualidade, comercialização e

tecnologia. “Na gestão de empreendimentos solidários, além de lidarmos com os

valores individualistas e de competição, há percalços de ordem material e

relacionados ao pouco aprendizado da produção coletiva.” Lisboa(1999, p.2). Ele

lembra ainda que todos os esforços, no conjunto, são ainda insuficientes para

fortalecer os pequenos empreendimentos solidários.

Um outro aspecto a ser considerado, conforme defende Moura (2002, p.83),

é a necessidade do aprendizado da gestão coletiva e a quebra do distanciamento

entre produção e gestão, ou seja, o desafio de romper com a divisão entre

trabalho manual e intelectual que se expressa na dicotomia entre produção e

gestão, pois os que produzem não se ocupam da gestão do empreendimento por

não se sentirem em condições para tanto.

Segundo Lisboa (1999, p.1), o campo da Economia Solidária, baseado na

pequena empresa comunitária, na agricultura familiar, no trabalho doméstico,

autônomo, nas cooperativas e empresas de autogestão, aos poucos supera o

“desafio do mercado” e viabiliza sua competitividade no mesmo, constituindo-se

como uma alternativa desde o interior das relações mercantis. Trata-se de um

outro circuito econômico diferenciado do mercantil-capitalista e do estatal no qual

os pobres constroem suas próprias alternativas comunitárias de provisão material

de sua existência através de relações de solidariedade.

Apesar de recentemente descobertas pelos intelectuais, as atividades que

dão substrato a Economia Solidária são muito antigas, e somente não eram

Page 21: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

22

visíveis para o olhar regido pelos “parâmetros da razão econômica-social

iluminista”. Nos países semiperiféricos , em particular, a acumulação capitalista

não levou à desorganização da pequena produção mercantil, conforme nos revela

Lisboa(1999, p.2): sempre tivemos um grande conjunto da população

“sobrevivendo” às margens do mercado numa economia de “subsistência”,

subordinada sem dúvida.

Cresceram nos anos 90 ações institucionais de apoio as iniciativas

populares e solidárias, em geral através de múltiplas políticas de geração de

emprego e renda. Mas, no momento, apesar de todos estes esforços (que no

conjunto ainda representam uma pequena gota no oceano) muitas ainda são as

debilidades dos empreendimentos solidários, os quais carecem de estabelecer um

selo comum que identifique os produtos e serviços por eles gerados (desafio da

certificação), além de generalizadamente ter problemas como o acesso ao crédito,

á mídia, design, controle de qualidade, embalagens, código de barras, distribuição

e comercialização (desafio mercadológico), bem como os decorrentes de barreiras

legais (desafio do marco legal), do desenvolvimento tecnológico, da carência de

entidades de apoio e de padrões gerenciais adequados (desafio da autogestão e

da construção da metodologia do empreendedorismo solidário).

Conforme defende Veiga (2001, p.70), a experiência recente de formação

de grupos associativos com finalidade econômica demonstra que a combinação

de mudanças tecnológicas e organizacionais com exigência de novas atitudes e

comportamentos na superação de 6 dificuldades principais para o

desenvolvimento dessas formas de trabalho, ocupação e geração de renda. Essas

dificuldades são:

As barreiras culturais que devem ser vencidas junto aos trabalhadores

no sentido de superação do emprego tradicional como horizonte de ocupação a

ser atingido. Prevalece ainda uma mentalidade de busca da imaginada segurança

proporcionada pelo vínculo empregatício (e, portanto, da subordinação e não da

liberdade e independência) e das garantias trabalhistas (cujos benefícios podem

ser obtidos de outra forma como, por exemplo, através de fundos opcionais nas

Page 22: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

23

cooperativas). A alternativa do associativismo econômico só surge como

último recurso ante a impossibilidade de recolocação no mercado de trabalho

tradicional. No entanto, esta tem sido uma tendência crescente.

Torna-se necessário incentivar a formação de uma mentalidade

empreendedora e solidária que potencialize a criação e o desenvolvimento do

associativismo econômico e sua ligação com o mercado globalizado em termos de

tendências, necessidades e gostos, mas com princípios éticos, preço justo, peso e

medidas respeitados, pureza e qualidade dos produtos.

A barreira cultural também esta presente nos empresários, setores do

sindicalismo, técnicos do governo, quadros das agencias tradicionais de

capacitação, qualificação, fomento e financiamento, que não estão preparados

para lidar com trabalhadores não qualificados ou semiqualificados que atualmente

ingressam no mercado do associativismo econômico, assim como desconhecem

as propostas da Economia Solidária e as experiências em curso no país. Faz-se

necessária uma mudança na cultura destes agentes de desenvolvimento social e

econômico no sentido de sua adaptação à nova realidade social de seu público-

alvo, da criação e utilização de novas metodologias de capacitação e

aprendizagem.

Mesmo do ponto de vista do financiamento destas novas iniciativas, há

uma nova barreira cultural que deve ser superada. Os critérios tradicionais de

funcionamento para empreendimentos econômicos em termos de garantias para o

empréstimo de capital, mecanismos de repasse e avaliação dos resultados são

inadequados a essa nova realidade. É preciso criar novos critérios que

disponibilizem fundos já existentes que ultrapassem os atuais critérios baseados

em garantia patrimonial, ficha cadastral junto à entidade do sistema financeiro e a

lucratividade como principal indicador de resultado. Viabilidade mercadológica,

existência de apoio técnico e gerencial adequados, capacitação de pessoal e

geração de trabalho e renda como indicadores de resultados mensuráveis,

passiveis de avaliação devem nortear os novos mecanismos de financiamento

necessários para o desenvolvimento do associativismo econômico. Mas

Page 23: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

24

fundamentalmente será a constituição de cooperativas de crédito que poderão

atender às exigências destes novos empreendimentos, beneficiando ampla

parcela da população local.

Uma característica deste momento inicial de desenvolvimento de novas

formas de empreendimentos associativos econômicos é a existência ainda de uma

fragmentação muito grande das diversas experiências. Este fato leva a um

desperdício de oportunidades em termos de troca de experiências e iniciativas

conjuntas que poderiam alavancar muitos dos projetos em andamento. Torna-se

necessário a criação de instrumentos, mecanismos e instituições que possibilitem

um associativismo em escala municipal e regional entre os diversos grupos que se

formam.

Mesmo quando as barreiras anteriormente citadas são superadas, há a

falta de acompanhamento duradouro das iniciativas dos diferentes grupos por

parte dos órgãos de apoio e financiamento. Esta falta de acompanhamento tem

deixado espaço para estes grupos enfrentarem dificuldades – muitas vezes

determinadas pela inexperiência administrativa e de gestão – que de outra

maneira poderiam ser evitadas. É preciso que o acompanhamento duradouro dos

grupos associativos seja sistemático e esteja combinado com a existência de

espaços que permitam a troca de experiências e a realização de iniciativas

conjuntas por parte desses grupos. Daí que a incubagem, inclusive como espaço

publico disponibilizado para alavancar os grupos por um determinado período,

seja imprescindível.

Outra deficiência parte do poder público, principalmente o municipal, por

ser este o mais próximo dos grupos, que por hora ainda não tem conseguido

gestar uma política pública de geração de trabalho e renda adequada, muitas

vezes se atendo somente a requalificação ou qualificação da mão-de-obra sem se

preocupar com a geração de novos postos de trabalho. Isto ocorre não só no

sentido das suas próprias diretrizes quanto no sentido da dificuldade de um

levantamento de dados confiáveis do seu público-alvo, realização de um cadastro

de desempregados e empregados, o levantamento detalhado da “economia

Page 24: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

25

submersa” que só é possível detectar através de um mergulho em

profundidade indo-se de casa em casa e, ainda, das potencialidades econômicas

do município para que se posssa orientar a formulação de suas diretrizes e os

caminhos para a real concretização de uma política e a implementação de

instrumentos e incentivos necessários como, por exemplo, a criação de feiras ou

locais permanentes de negócios e mesmo de espaço (galpões) para instalação

das unidades mesmo que por um período determinado de tempo para dinamizar a

economia local.

Nas condições atuais , os empreendimentos solidários experimentam uma

dupla subsunção à economia capitalista: de um lado, estão sujeitos aos efeitos da

lógica de acumulação e às regras de intercambio impostas ao conjunto de agentes

econômicos, de conteúdo eminentemente utilitário; de outro, como forma de

responder à premissa de produtividade competitiva, estão compelidos a adotar a

base técnica do capitalismo, os processo materiais de produção por ele

introduzidos continuamente, configurando-se com isso uma subsunção formal

inversa, de uma base sobre uma forma, similarmente ao caso da economia

camponesa, conforme nos revela Gaiger (2002, p.13). Essas coerções,

naturalmente, cerceiam a lógica econômica solidária, pois a obrigam a conviver

com tensionamentos e a conceder em seus princípios, que se fossem adotadas

sem restrições, terminariam por descaracterizar o que há de especifico no

solidarismo econômico.

Na gestão de empreendimentos solidários, merece destaque a eliminação

da parcela do excedente antes apropriada pela classe patronal para fins privados,

pois sua destinação, agora, fica ao arbítrio dos trabalhadores, quer somando-se à

remuneração do trabalho, quer sendo revertida na empresa. A coexistência de

proprietários abastados, empresas insolventes e folhas de pagamento irrisórias

deixa de ter lugar. A supressão das relações assalariadas e do antagonismo entre

o capital e o trabalho a elas intrínseco, desonera a empresa igualmente por

diminuir custos com estruturas de controle e supervisão, com estímulos

pecuniários a fidelidade e eficiência dos que ocupam funções no topo da

hierarquia, com programas destinados a conquistar a adesão dos trabalhadores

Page 25: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

26

aos objetivos da empresa; em suma, com estratégias as mais diversas da

empresa capitalista, fadadas a recompor continuamente o espírito corporativo.

Sendo o zelo e a atitude de colaboração dos trabalhadores, comprovadamente, indispensáveis a qualquer empresa e geralmente mais eficazes do que estratégias patronais de convencimento e coação, com maior razão há de verificar-se quando existe um vinculo imediato entre a performance do empreendimento e os benefícios individuais auferidos, ao lado da menor rotatividade da forca de trabalho e da partilha dos valores e objetivos da organização. O interesse dos trabalhadores em garantir o sucesso do empreendimento estimula maior empenho com o aprimoramento do processo produtivo, a eliminação de desperdícios e de tempos ociosos, a qualidade do produto ou dos serviços, alem de inibir o absenteísmo e a negligencia. Efeitos com esses, ao derivarem da natureza associada e cooperativa do trabalho e das características participativas dos empreendimentos, lhes conferem uma racionalidade própria, virtualmente superior a das empresas capitalistas que acionam os mesmos fatores materiais de produção. (GAIGER, 2002, p.14)

Além do mais, a empresa capitalista, a partir de certos limites, apenas

pode flexibilizar os seus custos econômicos assumindo em contrapartida os

custos sociais decorrentes. Por sua vez, nas cooperativas em que os ganhos são

socializados, o mesmo se admite mais facilmente com as perdas. O incremento

da jornada de trabalho, ou sua redução e conseqüente abatimento das retiradas

individuais, como estratégias de ajuste as flutuações de mercado, uma vez que

aprovadas de forma democrática e transparente, são a melhor garantia contra o

desemprego para os cooperados. De certo modo, a empresa associativa esta

dotada de maleabilidade similar a dos autônomos e dos profissionais liberais, com

a faculdade adicional de diluir custos fixos, assumidos individualmente nos demais

casos, e de poder ampliar mais facilmente sua planta produtiva e de serviços.

Page 26: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

27

3.0 A COOFE E OS SEUS DESAFIOS DE GESTÃO

3.1 Histórico

A Cooperativa Múltipla Fontes de Engomadeira (COOFE), está localizada

no bairro de Engomadeira, é composta de 23 cooperados, na sua maioria

mulheres e residentes no próprio bairro.

Conforme nos revela Silva (2002), a COOFE surgiu de uma iniciativa da

ITCP, Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, que se constitui em um

projeto de pesquisa e extensão da Universidade Estadual da Bahia (UNEB).

Situada na vizinhança do bairro e por notar um certo potencial

organizativo da comunidade a incubadora resolveu investir nesta empreitada

servindo como um verdadeiro catalisador, fomentador e potencializador do

surgimento da organização.

A Cooperativa, embora enfrentando sérios problemas econômicos que

desfiam a sua gestão, apresenta um relativo avanço em questões de registro

legal, de vínculo com organizações de apoio a este tipo de iniciativa e de

amadurecimento da atividade empreendedora, quando comparada com

empreendimentos solidários similares, os quais raramente apresentam essas

características.

A interação incubadora-comunidade deu-se inicialmente por intermédio

das organizações locais, a fim de promover a mobilização de um grupo disposto a

construir um empreendimento solidário. Membros da ITCP distribuíram material de

divulgação aos moradores do bairro, convidando-os para uma reunião na

Associação de Moradores do Bairro e comunicando a possibilidade de fomento de

uma renda alternativa para a população local. A participação dos moradores nesta

reunião, além de ser uma iniciativa associativa, iria refletir o potencial interesse por

esta realidade, e isto denotava uma demanda latente para o projeto. Nesta reunião

foram explicados os objetivos do projeto e suas devidas parcerias. As reuniões

Page 27: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

28

posteriores foram para a definição das particularidades do empreendimento,

sendo a própria comunidade quem decidiu qual atividade exerceriam.

Além do trabalho da ITCP a Coofe vem recebendo o apoio de outras

instituições. A primeira delas é constituída por uma equipe de alunos da Escola de

Administração da UFBa – Universidade Federal da Bahia, com supervisão de

professores do Nepol – Núcleo de Pesquisa de Poderes Locais, cuja iniciativa é da

ACC – Atividade Curricular em Comunidade, um programa de extensão da

universidade em parceria com a escola, atuando por intermédio de alunos da

disciplina Bansol.

Atualmente esses alunos estão assessorando os cooperados no

gerenciamento do empreendimento e monitorando o auxilio financeiro realizado

pelo Bansol à Coofe no último ano, o que permitiu sanear momentaneamente a

cooperativa numa difícil situação de caixa.

Merece registro também o trabalho desenvolvido pelo CEFET-Ba – Centro

Federal de Educação Tecnológica da Bahia, através do cursos de Administração e

por intermédio de alunos da disciplina Administração da Produção II. Tais alunos

realizaram no mês de setembro de 2002 um importante trabalho intitulado

Diagnósticos e Sugestões para a Coofe, com o objetivo de diagnosticar problemas

relacionados à custos, comercialização, organização e produção e propor

soluções a fim de auxiliar nas decisões dosa cooperados e promover o

crescimento da Coofe.

3.2 A Visão do Negócio

Para os membros da Coofe, de modo geral, a cooperativa é vista apenas

como uma possibilidade de obtenção de renda, e isso acaba diminuindo a

capacidade dos indivíduos de resistirem diante das dificuldades encontradas para

levar adiante o projeto. Em alguns casos os cooperados chegaram a abandonar o

trabalho na Coofe, logo que surgiu uma outra possibilidade de geração de renda.

Mesmo quando não surge alternativa de renda, opta-se por ficar em casa sem ter

Page 28: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

29

nada a fazer, do que trabalhar sem a certeza de obter recompensa material

ao final do período.

É importante observar que a busca de uma alternativa de ocupação e

renda, em si, de modo algum representa uma ameaça para o desenvolvimento do

empreendimento. Na verdade, o perigo está na mera busca de uma fonte de renda

dissociada da consciência dos benefícios inerentes ao trabalho associado, pois a

partir do momento em que o indivíduo passa a compreender profundamente a

essência dos valores do cooperativismo e adquire consciência da importância

dessa modalidade de trabalho em suas vidas, capaz de oferecer recompensas

superiores e não limitadas a remuneração pela forca de trabalho, cria-se um

vínculo muito forte, para com a organização da qual participam e com o projeto

compartilhado por todos.

Ou seja, a simples busca de uma remuneração não faz com que o individuo

sinta-se parte de um grupo, assimile a cultura existente neste ambiente e, muito

menos, esteja disposto a sacrificar-se pelo êxito da empreitada. Tais

características, são fundamentais para a sobrevivência de iniciativas econômicas

sujeitas a todo tipo de adversidade, seja pela sua relativa falta de amadurecimento

ou pelas dificuldades inerentes a empresas de alguma forma situada a margem

do modelo econômico vigente.

3.3 O Perfil dos Cooperados

Em relação ao perfil dos cooperados, estamos certos de que a escolaridade

constitui uma enorme dificuldade não apenas pelo acirramento da competição

entre as empresas, visto que na disputa por mercado o grau de instrução dos

colaboradores é uma ferramenta essencial, mas sobretudo pela limitações

provocadas por esta deficiência, tais como: maior dificuldade em assimilar o

conteúdo dos cursos ministrados por intermédio da ITCP; problemas pelo

desconhecimento da importância de cumprir as orientações relacionadas ao

controle das atividades da cooperativa; dificuldade na transmissão de

conhecimento entre os membros; deficiência muito grande na execução de

Page 29: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

30

atividades e tarefas tradicionalmente exercida pelos níveis mais elevados da

pirâmide hierárquica nas empresas capitalistas, como planejamento, controle de

custos, contabilidade e etc.

É importante citar também que o fato da cooperativa ser constituída

basicamente por mulheres, muitas delas com filhos e exercendo o papel de chefes

de família, contando com a cooperativa muitas vezes como única fonte de renda,

observa-se a dificuldades das mesmas no processo de comercialização, por exigir

grandes deslocamentos levando consigo o carrinho dos pães, o que exige grande

esforço físico da parte de indivíduos cuja média de idade é de 40 anos,

provocando inclusive o afastamento de alguns membros por alegarem ser uma

atividade ”muito puxada”.

Além disso, a questão dos filhos e da responsabilidade de chefiar famílias,

acaba provocando outras complicações, seja por imprimir as mulheres uma dupla

e desgastante jornada de trabalho, ou pela necessidade de sustentação do grupo

familiar, muitas delas, embora bastante apegadas com o trabalho na cooperativa,

acabam tendo que abrir mão temporariamente ou desistindo da Coofe para buscar

uma outra fonte de renda que seja capaz de suprir as suas necessidades.

3.4 A Divisão do Trabalho

A falta de critérios na divisão do trabalho pode produzir algumas

dificuldades, principalmente no tocante a cada cooperado executar

adequadamente as suas atividades, com base nas habilidades e competências

possuídas.

Este problema pode estar diretamente ligado à falhas, tanto da liderança,

quanto do planejamento, que são fatores essenciais para um projeto de gestão ser

bem sucedido. No que diz respeito a liderança, não defendemos aqui uma ação

baseada na hierarquia e na coerção, como ocorre nas empresas capitalistas, pois

isto acabaria por deteriorar o modelo de autogestão tão importante dentro do

cooperativismo. Entretanto, a existência de líderes com visão suficiente para saber

incentivar a criação de critérios que facilitem a alocação adequada dos

Page 30: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

31

cooperados nos postos de trabalho, aliando a questão da produtividade com a

satisfação pessoal.

Por outro lado, apenas o estabelecimento de critérios para a divisão do

trabalho não seriam suficientes para resolver os problemas decorrentes tanto da

má alocação da mão-de-obra dentro da cooperativa, o que acaba por reduzir a

produtividade e a motivação, quanto da má distribuição da força de trabalho,

gerando desequilíbrio nas diversas áreas da organização e, provocando com isso

o protesto de alguns, sob a alegação de estarem trabalhando mais que os demais

membros, sendo esta uma das causas mais comuns de geração de conflitos.

É valido também, registrar que pelo fato da divisão social do trabalho ser

uma característica marcante da empresa capitalista e, neste caso, sendo

determinante na remuneração dos indivíduos e na geração das desigualdades,

esta herança cultural levada pelos cooperados para dentro dos empreendimentos

solidários acaba fomentando a possibilidade de reprodução de mecanismos

notadamente capitalistas, os quais, poderiam vir a distorcer os elementos

característicos das iniciativas associativas solidárias.

3.5 A Divisão das Sobras

No tocante à divisão das sobras, os problemas da Coofe estão

freqüentemente associados à falta de controle eficiente da freqüência e no registro

das horas efetivamente trabalhadas, tendo em vista que a remuneração ou

distribuição das sobras é feita de forma proporcional ao total de horas trabalhadas

num determinado período.

Como este controle é deficiente, se observa novos conflitos entre os

membros, seja pela contestação do montante destinado a cada membro ou por

reclamações questionando a diferença entre o montante recebido e a parcela de

contribuição dada a organização. Portanto, dá-se inicio à uma discussão muito

freqüente nas cooperativas, dentro e fora da economia solidária, a respeito da

forma mais adequada de distribuir as sobras. Sendo que alguns autores defendem

a divisão por igual das sobras, por considerarem este um instrumento mais

Page 31: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

32

igualitário por não oferecer nenhum tipo de diferenciação entre os membros,

no processo de repartição dos resultados.

Um outro método defendido é o baseado na qualificação de cada membro

e, conseqüentemente na função exercida por ele dentro da estrutura da

cooperativa, oferecendo assim, remunerações mais próximas ao que o mercado

oferece, como forma de atrair indivíduos qualificados para a organização.

Observa-se na Coofe, que o valor muitas vezes desprezível ou nulo das

sobras, pode contribuir para a constituição de outra grande barreira para o

funcionamento regular da organização, pois termina sendo a causa principal da

maioria dos afastamentos dos membros da cooperativa, da desmotivação dos que

permanecem e da criação de entraves na atração de membros mais

escolarizados, tão importantes para o fortalecimento do empreendimento.

3.6 O Aprendizado da Produção Coletiva

Os diferentes problemas enfrentados pela COOFE e elos empreendimentos

solidários de forma geral estão, muitas vezes, associados ao ineditismo que a

experiência de produção associada representa para os membros da cooperativa.

A cultura laboral existente na organização possui elementos que são herança do

emprego tradicional, baseado no sistema clássico de recompensas e punições

para cumprimento dos objetivos e metas.

Em todas as áreas da cooperativa é possível detectar os traços dessa

cultura, que precisa ser superada o quanto antes, sob pena de acabar por sufocar

as peculiaridades mais expressivas dessa forma de produção. Pois, para um novo

arranjo organizacional é necessária uma nova cultura, baseada num novo sistema

de valores capaz de possibilitar aos indivíduos a construção de um modelo

eficiente de produção e distribuição de riquezas, baseado na cooperação e na

solidariedade entre iguais.

Vale ressaltar também a importância, mas sobretudo a dificuldade deste

processo de aprendizagem. A importância está na necessidade de

Page 32: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

33

conscientização dos indivíduos quanto à natureza, princípios e objetivos da

iniciativa da qual participam, a fim de promover a motivação e o comprometimento

de todos na superação das adversidades e na busca de solução para os

constantes conflitos. A dificuldade se origina, dentre outros fatores, no ineditismo

do fenômeno na vida dos membros, na deficiência do meio acadêmico em

compreender e explicar as nuances desse tipo de atividade e, na forma

subordinada como os empreendimentos solidários se relacionam com as

empresas capitalistas.

Em suma, o aprendizado dos mecanismos coletivos de gestão é condição

necessária tanto para a viabilidade da cooperativa enquanto empreendimento

econômico, à medida que a produtividade da mesma tende a aumentar e o seus

processos tornarem-se mais eficientes, quanto para a realização de cada individuo

enquanto trabalhador, pela elevação do nível de socialização do grupo.

3.7 Autogestão do Empreendimento

As decisões na Coofe são tomadas, predominantemente, de forma

colegiada, com grande envolvimento dos membros, em especial, no que se refere

a assuntos que eles julgam poder interferir mais diretamente na sua sorte e na da

própria organização, ou seja, muitos assuntos cruciais para o destino da

cooperativa, mas não reconhecidos desta forma pelos membros, acabam ficando

em segundo plano e a responsabilidade por trata-los recai sobre os ombros de um

grupo restrito, em geral formado pelos cooperativados presentes no

empreendimento desde a sua origem.

Um outro fato digno de relato relacionado com o processo decisório é a

forte dependência da organização em relação às entidades de apoio, seja a ITCP

ou a UFBA. Embora tais entidades estejam sempre incentivando e promovendo a

independência e autonomia da Coofe na tomada de decisões, verifica-se

freqüentemente que os membros tendem a aguardar orientações no sentido de

apontar o que deve ser feito para resolver os problemas e superar as dificuldade

da organização.

Page 33: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

34

Esse tipo de situação pode estar associado ao baixo nível de

escolaridade do cooperativados, que muitas vezes consideram o “pessoal da

universidade” mais capaz para fazer o diagnóstico dos problemas existentes e

indicar a solução ideal para cada caso, como também, ou à inexperiência dos

membros na gestão da empresa, por se tratar de uma atividade em si bastante

complexa em empresas tradicionais, ainda mais se tratando de empreendimentos

situados no campo da economia solidária.

É válido também lembrar que a tomada de decisões na Coofe, é

influenciada pela capacidade de comunicação do individuo e na sua habilidade em

convencer os demais e obter dos mesmos o apoio na defesa de determinadas

idéias, o que, de certa forma, identifica traços de liderança, mas por outro lado

pode vir a fragilizar a autogestão e o caráter democrático da iniciativa, em função

da inibição de alguns membros para expor as suas idéias, pela timidez ou medo

em falar para o grupo, fazendo com que prevaleça a opinião dos mais hábeis em

se comunicar.

Um outro elemento que deve ser considerado é a forte influencia do grupo

que fundou a cooperativa. Existe forte afinidade e cumplicidade entre eles e,

conseqüentemente o pensamento deste grupo passa a ser hegemônico e

influencia praticamente todas as atividades da organização, não favorecendo o

surgimento de espaços para a germinação de novas idéias trazidas pelos novos

membros e limitando a capacidade destes na implementação de ações capazes

de gerar melhorias para todos.

Esses problemas da Coofe, presentes também em muitos

empreendimentos solidários, sugerem que os trabalhadores conseguem mais

facilmente deter o controle dos meios de produção ao controle da gestão do

empreendimento. Tal barreira, de modo geral, requer tempo considerável para ser

superada, justamente por estar apoiada na cultura existente nas empresas

capitalistas, cuja divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual são

transferidas para as iniciativas solidárias construídas pelos trabalhadores

excluídos do mercado de trabalho.

Page 34: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

35

Por tudo isso, a eficiência das decisões da cooperativa a coloca diante

de um dilema. De um lado, a presença explicita de uma liderança formal ou

informalmente constituída poderia reduzir os conflitos e envolver todo o grupo na

busca das melhorias para a organização e na concentração de esforços para a

superação das dificuldades, mas, ao mesmo tempo, corre-se o risco de ver o

exercício de um modelo inadequado de liderança descaracterizar a natureza

democrática e participativa do empreendimento, comprometendo os seus objetivos

e afastando-o dos princípios sobre os quais ele se estabeleceu e passou a contar

com a simpatia e o apoio da sociedade.

3.8 O Conhecimento Gerencial

Em diversas etapas do trabalho na cooperativa, o grupo precisa atuar como

gerente de negócio: tomando decisões, analisando o mercado, planejando as

ações a serem tomadas, enfim, adotando uma serie de procedimentos que exigem

um certo nível de conhecimento e experiência na arte de administrar.

Daí surge uma outra dificuldade na gestão da Coofe, decorrente da falta de

conhecimento e da inexperiência dos seus membros, no que diz respeito a gestão

de empresarial. Essa é uma das diferenças fundamentais entre as cooperativas

populares e as cooperativas constituídas de trabalhadores que se apossam da

massa falida das empresas. Enquanto no segundo caso o grupo que comandara a

nova empresa já trabalha há anos e possui amplo conhecimento da organização,

do mercado onde ela atua e possui formação específica para atuarem em suas

respectivas funções, no primeiro caso os trabalhadores possuem características

diametralmente opostas, pois na maioria dos casos estão há muito tempo

desempregados, são indivíduos semiqualificados ou sem nenhuma formação e

desconhecem até o perfil do mercado onde pretendem atuar.

A correta realização das funções administrativa tem sido um outro problema

para a Coofe. Atividades como planejamento, organização, direção e controle, tão

importantes para o funcionamento de toda e qualquer empresa, não tem sido

executados de forma satisfatória, sendo muitas vezes negligenciadas.

Page 35: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

36

Como já citado diversas vezes neste trabalho, o reduzido nível de

escolaridade e a inexperiência dos membros em cargos gerenciais tem

prejudicado o trabalho dos mesmos, por reduzir as chances de acertos das suas

decisões. Além disso, mesmo após a realização de alguns treinamentos para

suprir as deficiências dos membros na realização dessas atividades, observa-se o

baixo comprometimento deles na participação nessas tarefas administrativas,

muito provavelmente pela falta de conscientização a respeito da importância

dessas tarefas para o bom gerenciamento do empreendimento.

Vale registrar também a forte dependência da Coofe em relação as

entidades de apoio, a ITCP e a UFBa, no que se refere à realização dessas

tarefas administrativas. Na prática, poucos são os membros que realmente se

interessam e se envolvem com esta importante etapa do processo de gestão.

Dessa forma, fica comprometido o nível de participação coletiva na gestão do

empreendimento e a autogestão.

.Esses fatos nos dão a real dimensão do desafio que essas organizações

terão pela frente, na tentativa de fugir de um desfecho semelhante ao de muitas

empresas capitalistas que todos os anos tentam sua sorte no mercado, cujos

membros se ocupam de todos os detalhes do negócio, exceto com a qualificação

do seu corpo gerencial. Mas, embora o quadro esteja melhorando gradativamente,

as cooperativas ainda não contam com uma gama variada de organizações de

apoio, incentivo e promoção, com acontece com as empresas capitalistas.

3.9 O Conhecimento Técnico da Produção

Uma etapa crucial no processo de implantação da cooperativa é a escolha

da atividade a ser exercida. Geralmente, esta escolha é baseada na afinidade do

grupo, o seu nível de conhecimento e o nível de demanda da comunidade em

relação ao tipo de produto ou serviço que será oferecido. Muito dificilmente esses

três elementos serão combinados, no caso especifico das Coofe, observa-se

razoável afinidade do grupo com a atividade de panificação, o nível de

conhecimento eleva-se continuamente, com o devido auxílio da ITCP, haja visto

Page 36: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

37

que no início das operações da cooperativa este conhecimento era superficial

e restrito à poucos membros. Observa-se que a oferta do produto na comunidade

é bastante elevada, de forma que a concorrência em preço passa a ser acirrada,

por se tratar de um item alimentício cada vez mais pesado no orçamento das

famílias, provocando a sua substituição por alimentos mais acessíveis para as

comunidades de baixa renda.

Este fator, muito provavelmente, contribui em muito para a debilidade da

situação financeira do empreendimento e para as constantes crises de solvência

enfrentadas nos últimos meses, ameaçando inclusive a própria sobrevivência da

iniciativa, que vem se mantendo pelo empenho e pela capacidade dos membros

de se sacrificarem pelo projeto.

Quando comparamos as cooperativas populares com as do tipo tradicional,

no que se refere ao conhecimento técnico dos membros. Observa-se que as

iniciativas tradicionais geralmente contam com profissionais especializados e com

profundos conhecimentos na função que exercem, pois se trata de organizações

surgidas pela associação de indivíduos que trabalham numa determinada área ou

por trabalhadores que assumem a massa falida das empresas em que trabalham

já há algum tempo, portanto, são detentores de ampla experiência e grande

conhecimento acumulado.

Já para as iniciativas populares, as operações são mais difíceis em função

da ausência das condições acima, pois primeiro reúnem-se indivíduos carentes de

alguma ocupação, os quais terão que se adaptar a novas funções e situações

exigidas. Verifica-se assim, a necessidade de multiplicação de entidades de apoio

como a ITCP, bem como a melhoria da metodologia das mesmas, de forma a

estabelecer uma continua promoção da cooperativa, sem retirar a sua autonomia

e sem interferir na autogestão.

Inúmeras dificuldades tem comprometido a produção de mercadorias pela

Coofe, a começar pelo local onde está instalada, totalmente inadequado para um

ponto comercial. O imóvel é residencial, portanto não foi projetado para funcionar

como fábrica de pães. A Coofe está instalada num edifício de dois andares e em

Page 37: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

38

função do desconforto térmico provocado pela operação do forno, os

moradores do andar superior tiveram que isolar um dos quartos da casa.

Na mesma gravidade estão os fatores referentes à segurança das

operações. Existem problemas com a fiação da casa, cujo aquecimento pode

provocar curtos-circuitos e até princípios de incêndio. Os corredores são muito

estreitos e a movimentação das fôrmas quentes causam acidentes entre os

cooperados, como pode ser contatado nas queimaduras dos braços de alguns

deles.

Além disso, se verificam problemas com o layout do ambiente de trabalho,

com a organização e o planejamento da produção. Em função das vias de

circulação serem muito estreitas, as fôrmas freqüentemente esbarram nas

paredes e os pães são lançados ao chão. Em alguns turnos, chegam a trabalhar

20 cooperados dividindo os mesmos cômodos, o que obstrui toda a produção e o

escoamento das fôrmas. É visível a desorganização do espaço físico na sala de

preparo, a qual serve também como deposito de material e de insumos e as

fermentadeiras ficam espalhadas pelo ambiente, dificultando ainda mais o

trabalho.

Ademais, é notável a ausência de padronização das atividades de produção

na cooperativa, pois a ordem de produção depende da própria equipe de trabalho

do turno da manha e o registro das operações tem sido muito irregular,

comprometendo o planejamento e o orçamento da produção.

3.10 O Modelo de Gestão

Certamente, uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos

empreendimentos solidários diz respeito a ausência de padrões gerenciais

adequados a esta modalidade de organização. Ou seja, ao analisarmos a teoria

administrativa, verificamos que todo o conjunto de idéias formuladas sobre

administração de empresas é direcionado para a gestão da empresa capitalista

tradicional.

Page 38: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

39

Esta carência de um modelo de gestão baseado nas características do

empreendimento solidário, pode provocar o enfraquecimento do mesmo, diante da

sua incapacidade de responder de forma eficiente aos desafios enfrentados

diariamente. Tal problema, acaba produzindo uma dificuldade adicional, pois além

do limitado conhecimento das técnicas de gestão, por parte dos membros da

Coofe, verifica-se também que nem sempre essa técnicas são as mais adequadas

para a solução dos problemas existentes no empreendimento.

Ainda com relação à gestão, observa-se que apesar dos constantes

avanços da arte de administrar na formulação das mais diferentes técnicas de

gerenciamento de empresas, ainda persiste uma grande necessidade de criação

de um modelo que compreenda a realidade das organizações situadas no campo

da economia solidária, baseado num novo perfil de organização, muito mais

participativa, democrática e igualitária.

Sendo assim, revela-se de suma importância o estudo e implementação

dos métodos mais adequados de gerenciamento de organizações como a Coofe,

dando-lhes melhores condições adaptação as contingências da economia

capitalista e, mais adiante, poder lançar as bases de um novo tipo de sociedade.

3.11 O Desafio Mercadológico

Nenhum outro desafio descrito neste trabalho tem ameaçado tão

seriamente a sobrevivência da Coofe quanto o desafio mercadológico, ou seja, as

atividades de seleção do mix de produtos a serem produzidos, a determinação dos

preços, a inexistência de promoções e a atividade de logística estão

comprometendo seriamente a própria continuidade do empreendimento.

Dois elementos, em especial, estão prejudicando seriamente as vendas da

Coofe, o primeiro deles é a falta de um ponto fixo para a cooperativa, que tenha

uma localização mais adequada para uma empresa comercial, visto que

atualmente a cooperativa esta funcionando num imóvel residencial adaptado para

funcionar como empresa, localizado num beco de uma rua de difícil acesso do

bairro da Engomadeira. A segunda dificuldade é a distribuição dos pães, pois o

Page 39: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

40

maior volume de vendas da Coofe está nas operações em domicilio, onde os

membros se organizam em duplas para percorrer as diversas ruas do bairro,

buscando atender aos clientes novos e os habituais.

Levando em consideração o elevado nível de concorrência do mercado de

panificação, a manutenção de preços competitivos tem sido um outro desafio para

a cooperativa, na busca da elevação dos níveis de venda, de modo a alcançar um

patamar aceitável no que diz respeito aos custos da atividade e na geração das

sobras a serem distribuídas aos membros.

Portanto, apesar das deficiências do conhecimento e da experiências dos

cooperativados nas tomadas de decisões referentes a promoção do nível de

vendas do empreendimento, será exigido da Coofe, com o constante trabalho das

entidades de apoio, uma forte atuação no sentido de superar essas deficiências e

posicionar o empreendimento em condições de concorrer com as padarias

existentes no bairro.

3.12 O Processo de Comunicação

Muitos dos problemas apontados nesta pesquisa são agravados pela

deficiência observada na comunicação interna e externa à organização. Uma

cooperativa popular como a Coofe, pelas suas características, requer um modelo

de comunicação amplo e dinâmico, permitindo a todos os cooperativados o pleno

conhecimento das informações referentes a organização, de forma a permitir a

sua participação nas tomadas de decisões.

Diferentemente das empresas capitalistas tradicionais, nas quais as

informações são elementos da disputa pelo poder e o acesso a elas é feito

mediante controle, nos empreendimentos solidários, o livre acesso e posse das

informações é condição necessária para a autogestão do empreendimento.

Portanto, enquanto no primeiro caso temos apenas a figura do gerente utilizando

todas as informações disponíveis para tomar decisões, no caso das cooperativas

populares, é a posse coletiva das informações que garantira a participação de

todos na gestão e o caráter democrático do empreendimento.

Page 40: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

41

Esta eficiência no processo de comunicação é importante não apenas

no que se refere ao relacionamento com o publico interno, pois deve se estender

também a comunidade na qual a cooperativa atua, as entidades de apoio ao

empreendimento e, fundamentalmente, os consumidores. No caso da Coofe, o

que observamos é uma deficiência na comunicação com todos esses agentes.

A comunidade, de modo geral, desconhece a existência, a natureza e os

objetivos do empreendimento. As entidades de apoio precisam estabelecer um

novo padrão de comunicação com a cooperativa, de forma a melhor colaborar

com o seu desenvolvimento, a partir da melhoria do conhecimento de suas

dificuldades e limitações. Já na sua relação com o seu público consumidor, a

Coofe precisa não apenas melhorar a sua divulgação, enquanto empresa que

precisa ganhar mercado e, conseqüentemente aumentar as vendas, mas é

importante também o posicionamento do empreendimento de forma diferencia

dentro do mercado e, acima de tudo, assinalando as suas particularidades e

objetivos mais nobres, indo alem da geração de emprego e renda, cativando a

simpatia dos seus consumidores potenciais e valorizando o espírito associativo da

comunidade.

Page 41: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

42

5.0. CONCLUSÃO

Apesar da proliferação das iniciativas de apoio a economia solidária

ocorrida nos últimos anos, muitos ainda são os desafios a serem enfrentados

pelos empreendimentos, a fim de adquirirem as condições necessárias para

sobreviverem como organizações economicamente viáveis. Em meio à diversas

dificuldades, os empreendimentos solidários vem conseguindo se manter

atuantes, disputando mercado com as empresas capitalistas e desenvolvendo

novas formas de ganhos para os seus membros, ganhos esse diferentes dos

econômicos em si, tais como a auto-estima, a identificação com o trabalho e com

o grupo produtivo, o companheirismo, além de uma noção crescente de autonomia

e cidadania. Tais formas de ganhos são verificados na Coofe e, acreditamos,

serem responsáveis não apenas pela motivação dos membros para o trabalho,

mas sobretudo pela persistência e credibilidade que eles tem com o projeto, o que

os faz perseverar no empreendimento, apesar dos longos períodos trabalhados

sem receber nenhum tipo de recompensa financeira pelo seu trabalho e, quando

isto acontece, o valor recebido é muito aquém do necessário para suprir as suas

necessidades.

Embora a Coofe receba apoio técnico da ITCP-UNEB e apoio financeiro do

Bansol-UFBa, ajuda esta que infelizmente nem todos os empreendimentos

solidários podem contar, verifica-se a continuidade das dificuldades enfrentadas,

inclusive com o agravamento dessas nos últimos meses. Pelo visto, este entrave

ao desenvolvimento da cooperativa pode estar associado à incapacidade da

atividade de panificação, dentro da estrutura atual do empreendimento, de gerar

renda suficiente para todos os membros, sendo atualmente objeto de análise

pelos cooperativados, a implantação de um nova atividade na cooperativa, capaz

de viabilizar economicamente a organização e produzir sobras suficientes para o

atendimento das necessidades dos seus membros.

Uma das limitações do presente trabalho é a falta de explicação para a

existência de profundas dificuldades na cooperativa, mesmo contando com

suporte técnico e financeiro, os quais tem se mostrado determinantes para a

Page 42: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

43

consolidação e o sucesso de muitas iniciativas solidárias. Tal explicação

mereceria inclusive a realização de novas pesquisas e estudos sobre o tema.

Um outro elemento que merece a atenção de estudos futuros é a

capacidade das cooperativas populares se desenvolverem no seio do capitalismo

sem degenerarem, ou seja, quais são as possibilidades dos empreendimentos

solidários obterem sucesso econômico sem degenerar, acabando como empresas

capitalistas comuns, principalmente quando o empreendimento se torna maior e

mais complexo.

De modo geral, verificamos que os desafios enfrentados pela Coofe se

enquadram no panorama geral traçado na parte inicial do trabalho, a partir dos

diversos autores que tem estudado os empreendimentos solidários. Esses

desafios nos parece estar freqüentemente associado a três elementos: os desafios

culturais, como conseqüência do ambiente forjado pela conjuntura

socioeconômica em torno da organização; os desafios de ordem técnica, como

conseqüência da baixa escolaridade dos membros, os quais muitas vezes

dominam o processo produtivo mas não estão preparados para pesquisar

mercados em busca de novas oportunidades de negócios, nem para acompanhar

a evolução das tecnologias referentes a produtos e processos; os desafios

inerentes a cada cooperativa em função do seu perfil, pois muitas vezes o tipo de

atividade desenvolvida pela cooperativa pode não ser a mais favorável á este tipo

de organização, pelo menos durante o período de consolidação do

empreendimento, alem disso a eficiência da organização pode estar

comprometida em função do perfil dos membros que a compõem ou da

comunidade onde atua.

Quando tratamos dos desafios definidos com culturais, verificamos na

Coofe a dificuldade da produção coletiva, principalmente no que diz respeito a

divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual e na debilidade da autogestão

do empreendimento, a partir do recuo da grande maioria dos cooperativados dos

espaços de decisão, provavelmente sustentados em vivencias anteriores como

funcionários de empresas tradicionais, nas quais sempre foram excluídos da

Page 43: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

44

gestão. Ainda que na cooperativa as condições sejam diferentes, os

cooperativados não ousam romper o paradigma da submissão vivenciado em

experiências anteriores, o que muitas vezes os impede de construir uma gestão na

qual tenham, verdadeiramente, o poder de decisão.

Podemos facilmente observar a predominância de desafios de ordem

técnico-gerencial existente na Coofe, problemas esses cujas características se

aproximam bastante das relatadas na fundamentação teórica deste trabalho,

especialmente na pesquisa desenvolvida por Lisboa (1999).

É justamente na deficiência dos fatores de ordem técnica que estão os

maiores desafios para a consolidação da Coofe como empreendimento

economicamente viável, capaz de competir como as diversas empresas

capitalistas que atuam no seu ramo de atividade e gerar renda num volume

adequado para todos os seus cooperativados. Ainda no caso da Coofe, os

desafios de ordem técnica são constituídos pela deficiência conhecimento técnico

e de administração por parte dos membros, o que acaba por comprometer a

eficiência das decisões tomadas e a produtividade do trabalho realizado pela

cooperativa. Ao lado desses elementos estão a inexistência de um mecanismo

adequado de divisão do trabalho dentro da organização, que potencialize o

trabalho associativo e reduza a possibilidade de conflitos, alem da formulação de

um modelo de gestão antenado com as especificidades das organizações situadas

no campo da economia solidária, permitindo-lhes alcançar alto nível de

competitividade sem descaracterizar o seu perfil democrático, igualitário e

participativo.

Por fim, ainda sobre os desafios técnicos, observamos a existência de mais

dois fatores cujas dificuldades podem ter sua origem ligada diretamente ao baixo

nível de escolaridade do cooperativados. São eles: o desafio mercadológico,

ligado a gestão da comercialização dos produtos e o desafio de efetivação das

função administrativas dentro do empreendimento, cuja execução esta

freqüentemente associada as entidades externas de apoio, por forca do

Page 44: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

45

desconhecimento dos membros da operacionalização e da importância da

realização dessas atividades para o êxito do projeto.

Quando apontamos os desafios relacionados ao perfil da cooperativa,

estamos nos referindo a três elementos verificados na Coofe. São eles: a limitação

na visão do negócio, onde os membros buscam apenas a obtenção de renda, sem

levar em conta outras formas de ganhos possíveis com o trabalho associado, os

outros elementos são o perfil dos membros da cooperativa e a deficiência do

processo de comunicação da Coofe, fundamental na socialização do

conhecimento técnico-administrativo e na ampliação da participação política.

É importante ainda ressaltar que, como já foi registrado, este trabalho não

possui um caráter normativo, ou seja, ele não pretende apontar caminhos e

oferecer soluções para os problemas enfrentados pelos empreendimentos

solidários, nem esgotar todo o conteúdo referente ao tema, muito embora,

consideramos de grande contribuição as informações aqui registradas, o que de

alguma maneira contribuirá para a geração e desenvolvimento de iniciativas

genuinamente solidárias.

O futuro da economia solidária está diretamente ligado ao sucesso dos

diversos empreendimentos na busca e superação dos seus desafios. Pois, a

economia solidária só se transformará em uma iniciativa superior ao capitalismo

quando ela puder oferecer a parcelas crescentes da população, oportunidades

concretas de autosustento, usufruindo do mesmo bem-estar médio que o emprego

assalariado proporciona. Em outras palavras, para que a economia solidária se

transforme de paliativo dos males do capitalismo em competidor do mesmo, ela

terá que alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias

comparáveis ao da economia capitalista, mediante o apoio de serviços financeiros,

científicos e tecnológicos solidários.

Page 45: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

46

6.0. BIBLIOGRAFIA

CORAGGIO, José Luís. Distintos conceitos para o entendimento da economia solidária. BAHIA ANALISE & DADOS. Salvador, SEI v.12 n.1 pg.34-45 junho, 2002. FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceiro Setor, Economia Social, Economia Solidária e Economia Popular: traçando fronteiras conceituais. BAHIA ANALISE & DADOS. Salvador, SEI v.12 n.1 pg.9-19 junho, 2002. GAIGER, Luiz Inácio. A Economia Solidária diante do modo de produção capitalista. Rio Grande do Sul, 2001. Disponível em:<http://www.ecosol.org.br>. Acessão em: 07 set. 2002. LAVILLE, Jean-Louis. Fato associativo e Economia Solidária. BAHIA ANALISE & DADOS. Salvador, SEI v.12 n.1 pg.25-34 junho, 2002. LISBOA, Armando Melo. Os Desafios da Economia Popular Solidária. Santa Catarina, 2001. Disponível em:<http://www.ecosol.org.br>. Acessão em: 20 out. 2002. LUBISCO, Nídia Maria Lienert; VIEIRA, Sonia Chagas. Manual de estilo acadêmico: monografias, dissertações e teses. Salvador: Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da UFBA, 2001. 100p. ; il. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. MOURA, Maria Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafios da gestão de empreendimentos solidários. BAHIA ANALISE & DADOS. Salvador, SEI v.12 n.1 pg.77-84 junho, 2002. NUNES, Débora. A construção de uma experiência de Economia Solidária num bairro periférico de Salvador. BAHIA ANALISE & DADOS. Salvador, SEI v.12 n.1 pg.59-76 junho, 2002. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22.ed.ver. e ampl. São Paulo: Cortez, 2002. 335p. SILVA, Esdras Hoche dos Santos. Projeto de Estágio. Salvador, 2002. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. SINGER, Paul; SOUZA, André Ricardo (Org.). A Economia Solidária no Brasil: Autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 200.

Page 46: CLEYTON MIRANDA BARROS GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS … · A idéia de Economia Solidária reflete assim a própria ação de grupos locais na tentativa de gestão da riqueza, ou seja,

47

VASCONCELOS, Bianca dos Santos. Economia Solidária na Prática. 2002. 72 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas) – Universidade Salvador, Salvador, 2002.

VEIGA, Sandra Mayrink. Elementos para um projeto de economia solidária.

Proposta , São Paulo, n°88/89, p.60-75, Março/Agosto. 2001.