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Clusters e Rede de Negócios

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Administração

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  • 2008

  • Renato Telles Doutor em Administrao de Empresas (con-

    centrao em Marketing) pela Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo; Mestre pela mesma instituio, com nfase em Marketing e Finanas; Graduado em Economia pela FEA/USP, Engenha-ria pela Escola Politcnica da USP e Fsica pelo Instituto de Fsica da USP. Professor titular e Pes-quisador em nvel Stricto Sensu em Administra-o da ESPM, atuando na graduao e em MBA; Professor da USCS (graduao e ps-graduao) e Professor convidado, em instituies como FIA/USP e Trevisan. Autor de livros, como B2B: Marke-ting Empresarial, Coleo de Marketing e Canais de Marketing & Distribuio, Clusters e Redes de Negcios.

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    Clusters e redes de negcios: realidade ou fico? 13

    13 | Introduo

    16 | Clusters de negcios: reconhecimento e importncia19 | Redes de negcios: reconhecimento e importncia

    22 | Clusters e redes: uma nova viso da competio empresarial25 | Clusters e redes: uma considerao final introdutria

    Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

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    29 | Introduo

    31 | Agrupamentos de negcios: teorias e falta de consenso

    33 | Agrupamentos de negcios: uma questo de competitividade

    35 | Clusters de negcios: uma proposta de conceito36 | Redes de negcios: uma proposta de conceito

    38 | Clusters e redes de negcios: bases para a competitividade

    Por que sistemas supraempresariais? 51

    51 | Introduo

    53 | Auto-organizao e governana

    54 | Conceito de empresa X conceito de negcio

    57 | Entidade supraempresarial: uma opo de perspectiva

    58 | Implicaes da perspectiva de entidades supraempresariais

    61 | Consideraes sobre entidades/sistemas supraempresariais

    O processo de auto-organizao 73

    73 | Introduo

    74 | Nucleao do processo de auto-organizao

    75 | Desenvolvimento do processo de auto-organizao

    77 | Velocidade de auto-organizao

    78 | Caracterizao de sistemas auto-organizados

  • 79 | Declustering: autodesorganizao de clusters de negcios 81 | O efeito perverso ou insuficiente da auto-organizao

    82 | Auto-organizao: uma considerao final sobre o processo

    Governana e estratgia 89

    89 | Introduo

    91 | Governana supraempresarial: conceito sem consenso

    93 | Governana supraempresarial em clusters e redes

    97 | Governana e relaes externas ao agrupamento98 | Governana e estratgia de agrupamento

    Clusters de negcios: base conceitual 103

    103 | Introduo

    105 | Clusters de negcios: comprovao da importncia e batismo106 | Clusters: evidncias e perplexidades 108 | Clusters: busca pela compreenso (linha do tempo) 116 | Clusters, sistemas ou arranjos produtivos locais?

    Operao de clusters de negcios 121

    121 | Introduo

    124 | Clusters: concentrao geogrfica e competitividade

    127 | Clusters: fundamentos competitivos do cluster133 | Clusters: auto-organizao e a instituio da governana

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    Redes de negcios: base conceitual 141

    141 | Introduo

    142 | Consideraes sobre contextos de negcios em redes

    144 | Redes de negcios: estratgia e qualidade de setores

    145 | Avaliao de negcios em rede

    Operao de redes de negcios 161

    161 | Introduo

    163 | Redes: processo de fidelizao e competitividade

    169 | Redes: fundamentos competitivos da rede de negcios

    173 | Redes: auto-organizao e a instituio da governana

    Abordagem estratgica de clusters e redes de negcios

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    179 | Introduo

    181 | A questo da estratgia

    183 | Estratgia e competitividade

    185 | Sistemas supraempresariais X empresas componentes

    187 | Balanceamento em clusters e alinhamento em redes192 | Perspectiva estratgica em clusters e redes

    Gabarito 197

    Referncias 207

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    edes de Negcios

    ApresentaoAo menos nos ltimos dois sculos, estiveram

    presentes na histria, concentraes espaciais de empresas e relacionamentos consistentes ba-seados em confiana mtua entre organizaes. As concentraes espaciais colocavam-se contra uma lgica de fornecedor e os relacionamentos fiis iam de encontro condio de vantagem propiciada pela livre escolha de fornecedores e clientes. No raro, essas configuraes foram consideradas imperfeies econmicas, que se decomporiam com o tempo. Entretanto, suas longevidades no s demonstravam estabilida-de, como indicavam nveis de competitividade superiores s organizaes operando de forma diferente. A literatura passa a reconhecer essas configuraes idiossincrticas, ainda que de forma tmida, medida que sua capacidade com-petitiva se impe sobre empresas concebidas dentro da melhor tradio lgica.

    Reconhecidas como sistemas constitudos por negcios, dotados de elevada competitivi-dade, verifica-se, por esses conceitos, interesse imediato de entidades governamentais, empre-srios, associaes e pesquisadores, entre outros pblicos envolvidos. O primeiro batismo para ne-gcios concentrados localmente foi clusters (de negcios) e para negcios operando fidelizada-mente, redes de negcios. Outras designaes, ao longo do tempo, foram propostas para ambas as condies: Distritos Industriais, Arranjos Produ-tivos Locais ou APLs, Sistemas Produtivos Locais, e Cadeias Produtivas, de Suprimento, Abasteci-mento, Distribuio.

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    edes de Negcios

    Partindo-se da afirmao de Paulo Freire de que conhecimento no se transfere, se cons-tri, os contedos obedecem a uma arquitetura orientada para a construo de conhecimento. Especificamente, o entendimento sobre entida-de supraempresarial est condicionado pers-pectiva integrada de outros conceitos, noes e ideias, que se no costuradas de forma articula-da e progressiva, comprometem a compreenso e o desenvolvimento conceitual proposto. Em contrapartida, os conceitos, quando considera-dos de forma isolada, so relativamente simples e de fcil entendimento.

    Em decorrncia da importncia atribuda sequncia proposta para a estrutura do conte-do, parte-se da discusso sobre a constatao da existncia e competitividade de clusters e redes de negcios, apresentando-se caractersticas e desafios para sua compreenso; desenvolvem- -se os conceitos de sistema supraempresarial, auto-organizao e governana supraempresa-rial. Dada essa plataforma terica, inicialmente focaliza-se no tema Clusters de Negcios, consi-derando sua compreenso, sua gnese, evoluo e operao; posteriormente aborda-se Redes de Negcios, com a pavimentao conceitual desse sistema supraempresarial como base para a discusso de sua gnese, evoluo e operao, concluindo-se com uma abordagem de nature-za estratgica desses agrupamentos.

    Nesse sentido, a construo do presente tra-balho procura oferecer, de forma intransigente, conceituao teoricamente sustentvel e prati-camente acessvel.

  • Clusters e redes de negcios: realidade ou fico?

    IntroduoA administrao, como rea de conhecimento, passou

    a ser entendida e admitida como tal no incio do sculo XX. Frederick W. Taylor, a partir de sua formao em en-genharia e experincia na produo nos EUA, desenvol-veu uma abordagem orientada para a racionalizao e sistematizao de procedimentos, divulgada em 1905 sob o ttulo de Administrao Cientfica. A obra pode ser considerada o marco zero para a histria moderna da administrao, que propunha uma perspectiva de compreenso, prtica e aperfeioamento da gesto. A diviso do trabalho em operaes unitrias, a integrao sequencial dessas operaes como base para o planejamento, sua formalizao documentada, o controle da realizao de tarefas, a con-cepo de procedimentos e dispositivos voltados para a reduo de esforo e tempo dedicado a essas tarefas, ampliando eficcia e eficincia produtiva, conduziram a um aumento justificado e consistente de competitividade das organizaes nesse perodo.

    Na segunda dcada do sculo XX, a contribuio decisiva da 1.a edio da obra clssica de Henry Fayol, propondo uma viso compreensiva e abran-gente das funes e atividades da administrao, e a adoo dos conceitos emprestados da teoria burocrtica de Max Weber desenvolvida cerca de 30 anos antes, forneciam conjugadas a Administrao Cientfica de Taylor um entendimento estruturado da empresa e de seu gerenciamento.

    A composio das contribuies oferecidas pelos estudio-sos da administrao no incio do sculo XX, particularmente, a articulao das ideias desenvolvidas por Taylor, Fayol e Weber, constituiu a base de uma compreenso das organizaes e do processo de gesto dessas denominado de Teoria Clssica da Administrao. Nesse momento, possvel reconhecer a admi-nistrao como um campo do conhecimento.

    Frederick Taylor.

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    Henry Fayol.

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    Clusters e Redes de Negcios

    Sob essa perspectiva, empresas eram entendidas como mquinas (embora dotadas de alguma complexidade) e seu funcionamento, como um processo a ser planejado, acompanhado, controlado e aperfeioado pela adminis-trao. Ou seja, a administrao se constitua em uma ati-vidade dedicada a assegurar e a aprimorar os processos de operao existentes das empresas.

    A partir da dcada de 1930 do sculo XX, a abordagem da psicologia sobre a administrao demonstrou que trabalhadores no podiam ser com-preendidos como uma das peas da mquina organizacional, idealizada pela Teoria Clssica.

    Afinal, esse elemento decisivo na operao das em-presas possua a capacidade de modificar, mas princi-palmente ampliar, produtividade e competitividade, em funo de seu comportamento, percepo e atitude (MAYO, 1968). Ou seja, o ser humano como agente de alavancagem do resultado da empresa passava a ser

    reconhecido como dimenso crucial na administrao, como um domnio a ser melhor compreendido.

    Entretanto, no havia consideraes, explicaes ou re-comendaes a esse respeito no Manual da Teoria Clssica. Esse movimento, colocando a Teoria Clssica em xeque, conhecido como Escola das Relaes Humanas e forne-ceu as bases para o conceito de motivao, ideia-chave da viso e das teorias comportamentalistas, que se seguiram com Maslow (1954) e Herzberg (1966), entre outros.

    Esses movimentos na primeira metade do sculo XX do origem a uma compreenso menos mecanicista e mais sistmica das organizaes. Na metade do sculo XX, o uso de modelos matemticos em atividades de plane-jamento, operao e controle, desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mun-dial, ofereceu aumento do domnio sobre processos, atraindo o interesse dos cursos universitrios associados administrao de empresas e fornecendo o alicerce para sua introduo no suporte ao gerenciamento das organizaes. Em poucos anos, as organizaes, dotadas de instrumental mais consistente de gesto sobre operao, procedimentos, atividades e recursos (inclusive hu-manos), passaram a dar importncia crucial definio de seus objetivos.

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    Max Weber.

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    Elton Mayo.

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    Abraham Maslow.

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    Ou, em outras palavras, as empresas entendiam como fundamental para seu desempenho, a adoo e a formalizao de referncias de orientao e propsito, fixando alvos e metas. O fato relevante, decorrente dessa postura das empresas, era o entendimento de que as empresas se constituam em sistemas com complexidade tal que necessitavam definir orientaes unifi-cadoras e integradas para o conjunto de suas partes: os objetivos (ou prop-sitos do todo).

    Como consequncia natural da importncia atribuda aos objetivos, as l-timas trs dcadas do sculo XX foram marcadas, no cenrio da administra-o, pela progressiva relevncia da questo da estratgia, enquanto orien-tao para alcance dos objetivos do negcio. Inicialmente, tratada como planejamento estratgico, a estratgia nos ltimos dez anos do sculo passado mereceu interesse crescente, sendo que o livro Competindo pelo Futuro de G. Hamel e C. K. Prahalad de 1994 considerada a obra mais ven-dida vinculada ao tema at a 1.a dcada do sculo XXI, sugerindo a ateno que o assunto desperta em empresas, executivos, pesquisadores e professo-res associados administrao.

    Focalizando 1990, em particular, estudiosos, que se concentravam na compreenso das fontes de vantagens competitivas, foram surpreendidos por uma informao at certo ponto relativamente paradoxal e desconcer-tante. Constatou-se de forma documentada e metodologicamente indiscu-tvel a elevada competitividade de agrupamentos de negcios concentrados geograficamente e, por induo, de agrupamentos de negcios integrados em termos de trocas na construo de um produto final para consumo.

    O reconhecimento da capacidade competitiva de agru-pamentos regionais de organizaes correlatas, atribudo a Michael Porter, que os denominou de clusters (clusters de negcios), resultou de um projeto de pesquisa de trs anos, patrocinado pelo governo americano, simultneo em 10 pases selecionados, focalizado na identificao das fontes de vantagem competitiva para as naes.

    O livro The Competitive Advantage of Nations (1990) apresentou extenso relato sobre os aspectos, as condies e as indicaes derivadas da inves-tigao conduzida. Nesse livro, ao iniciar a apresentao dos resultados, o autor atesta o batismo quando afirma [...] os setores competitivos de uma nao no so disribudos uniformemente atravs da economia, mas esto

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    Michael Porter.

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    Clusters e Redes de Negcios

    associados a algo que chamo de cluster, que consiste em setores relaciona-dos por conexes de vrios tipos (PORTER, 1990, p. 131). A concluso da pesquisa de Porter simples e forte: a concentrao geogrca dos negcios para produzir um determinado produto est associada vantagem compe-titiva para as respectivas cidades, atestada pelo seu sucesso na competio mundial. A abrangncia da pesquisa e a quantidade de dados no permitiam dvidas sobre esta concluso. No deixa de ser curioso perceber que Porter, procurando pela vantagem competitiva de naes, achou vantagem com-petitiva de cidades (apud ZACCARELLI et al., 2008, p. 23).

    Os mesmos autores afirmam que num primeiro momento, pessoas, que leram o livro de M. Porter ou o seu artigo, ao final de 1989, na Harvard Busi-ness Review (PORTER, 1989), e procuravam entender a concentrao de neg-cios semelhantes ou correlatos em determinadas regies consideraram que enfim havia uma explicao. Essas concentraes espaciais de empresas deixavam de ser vistas imperfeies econmicas instveis, caracterizando-se como casos de clusters de negcios, normais e naturais.

    Porter concebeu um modelo para explicar o fenmeno, o modelo dia-mond, que nunca demonstrou robustez suficiente para a representao desses agrupamentos. Mas, isso no era importante de fato. Sua contribui-o, nesse sentido, foi a demonstrao de que agrupamentos de negcios, de diferentes naturezas, no eram raros e com frequncia, mostravam-se competitivos.

    Clusters de negcios: reconhecimento e importncia

    Na literatura econmica e de negcios, encontram-se diferentes autores cujas obras versam sobre a seleo de um local timo para o estabelecimen-to de uma empresa. Esses trabalhos orientavam-se para a maximizao do lucro e, considerando esse aspecto, diversas solues eram propostas. Pra-ticamente todas pregavam a necessidade de se manter afastado da concor-rncia. Recomendao razovel, medida que um competidor prximo, ao conquistar parte do mercado, reduz o potencial de receita da regio.

    Existem, todavia, determinadas regies que apresentam uma concen-trao de empresas correlatas, que exploram um determinado segmento de negcios. Isso acontece nas diferentes regies do globo, sendo possvel no

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    Brasil, rapidamente reconhecer esse fato na indstria de sapatos em Franca no estado de So Paulo, nas confeces de roupas de l, em Monte Sio, no sul de Minas Gerais ou na produo moveleira de Santa Catarina.

    Esses trs casos poderiam ser vistos apenas como contraexemplos do que os autores e pesquisadores recomendam ou, ento, serem desconsiderados por no possurem expresso global. Entretanto, existem diversos exemplos in-ternacionais desse tipo de fenmeno, que no podem ser desprezados, como:

    o Vale do Silcio (figura 1), que abrange vrias cidades no estado da Califrnia, ao sul de So Francisco, um polo tecnolgico, com fatu-ramento de muitos bilhes de dlares, que foi capaz de gerar diversas empresas que hoje esto entre as maiores do mundo, como a Apple, a AMD, a HP, a Intel, o Google, o Yahoo! e mesmo a Microsoft (que atual-mente est em Redmond, perto de Seatle);

    na Inglaterra, h uma concentrao de empresas ligadas s competies automobilsticas na regio do vale do Rio Tamisa, oeste de Londres (ver figura 1), que na dcada de 1990, empregavam mais de 50 000 pessoas, a maioria altamente qualificada, projetando e fabricando trs quartos de todos os monopostos de corrida, usados no mundo inteiro.

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    Figura 1 Exemplos de clusters nos EUA e Inglaterra.

    Vale do Silcio EUA

    Vale do Automobilismo Inglaterra

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    Clusters e Redes de Negcios

    Outro exemplo de sucesso o da cidade de Dalton, na Gergia, sul dos EUA, estudado por Paul Krugman (1991; 1999) (Figuras 2 e 3).

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    A cidade de Dalton, na Gergia

    Figura 2 Localizao da regio de Dalton.

    Catherine Evans Whitener, moradora prxima de Dalton, em 1895, iniciou a fabricao artesanal de colchas de cama, cujo sucesso podia ser medido pela ocupao da maior parte dos trabalhadores locais, colaborando so-bremaneira para a populao da regio enfrentar a Grande Depresso da dcada de 1930, originando posteriormente diversas indstrias. As colchas produzidas em Dalton foram, por muitos anos, referncia para esse produto, sendo conhecidas e consumidas em todo pas (EUA).

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    Catherine Evans Whitener.

    Colcha de Dalton.

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    Figura 3 A fundadora do cluster da regio de Dalton e seus produtos.

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    Fenmenos desses tipos no so novos e em alguns locais da Europa possvel encontrar aglomeraes de empresas com sculos de existncia. Embora j h algum tempo, tenha se percebido o fenmeno da concentra-o geogrfica, apenas recentemente verificou-se que essa concentrao implica algum tipo de benefcio para seus membros. A vantagem do agrupa-mento para as empresas que o integram e para a regio em que se localiza tornou-se efetivamente reconhecida aps a publicao do livro Vantagem Competitiva das Naes, de Michael Porter. Apesar do foco do livro ser as naes, o trabalho de Porter teve o mrito de deixar claro que a concen-trao geogrfica de empresas afins numa regio, cidade, ou conjunto de cidades prximas capaz de ampliar a capacidade competitiva de seus par-ticipantes como um todo. A consequncia natural da aceitao dessa ideia foi o aumento do nmero de interessados nesse assunto, como investidores, empresrios, administradores, tanto quanto governos e lideranas preocu-pados e engajados na promoo do desenvolvimento regional, que clusters poderiam potencializar e fomentar.

    Redes de negcios: reconhecimento e importncia

    Nos pases capitalistas as decises relativas produo so tomadas pelo mercado e no por um rgo de planejamento central, como ocorre nas economias comunistas. Seria, portanto, natural pensar que nas economias de mercado, as empresas seriam basicamente independentes entre si e que seus proprietrios poderiam tomar suas decises relativas produo da forma que lhes parecesse mais conveniente. Dessa forma, segundo sua per-cepo do mercado, as organizaes, independentemente umas das outras, decidiriam o que seria produzido, em qual quantidade, para quem seria ven-dido e a qual preo. Em sntese, seria razovel o entendimento de que, nesse sistema, o empresrio seria livre, devendo ser capaz de definir totalmente o seu negcio, dotando-o dos limites e contornos que desejasse.

    No incio do sculo XX, na poca da produo em massa, muitos empre-srios pensavam em estender seu negcio ao mximo, verticalizando-o to-talmente. Assim, o negcio partiria do recurso natural necessrio para fazer o produto e incluiria todas as etapas necessrias para entregar o produto acabado ao consumidor ou usurio.

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    Clusters e Redes de Negcios

    Como exemplo dessa viso, pode-se citar a aquisio de jazidas de ferro e usinas de ao, alm de um vasto seringal na Amaznia brasileira adquirido por Henry Ford I, interessado em obter matria-prima para sua fbrica de automveis.

    Numa poca em que a economia mudava mais lentamente e na qual de-veria ser difcil encontrar fornecedores confiveis, esse raciocnio parecia fazer sentido, mas num mundo globalizado, informa-es, crises e oportunidades viajando em tempo real, seria curioso pensar nos problemas que a Ford teria para, por exemplo, prever com 15 anos de antecedncia, sua demanda de modo a ter o tempo necessrio para ajustar a produo da plantao de seringueiras, j que esse o prazo que essas rvores levam para se desenvolver.

    Com o tempo e o avano do pensamento sobre a gesto das empresas, ficou claro que, ao invs de produzirem todos os produtos, insumos ou ser-vios que necessitam, as empresas poderiam adquiri-los no mercado, ado-tando como critrio para essa deciso, a busca do fornecedor com a maior eficincia fosse ele interno ou externo (BESANKO et al., 2000, p. 43).

    O passo seguinte na histria do relacionamento das empresas com seus fornecedores e clientes veio com os trabalhos de Porter (1980) sobre a con-corrncia e a busca da vantagem competitiva. Quando suas ideias tornaram--se conhecidas e as empresas conscientizaram-se do interesse dos clientes e fornecedores em se apropriarem do seu lucro, passou-se a discutir a cadeia de abastecimento e as formas possveis de torn-la mais eficiente.

    A cadeia de suprimentos, no seu conceito inicial, pode ser associada pers-pectiva de um negcio de otimizao de suprimentos, compreendendo no ser suficiente influir apenas nos fornecedores diretos, mas tambm monitorar e influenciar os fornecedores dos fornecedores, se possvel retroagindo at o ponto onde o fluxo se inicia, mapeando-se uma rede de negcios. A tica do-minante em uma rede de distribuio baseia-se no interesse de uma empresa otimizar a distribuio de seus produtos, reconhecendo-se no ser suficiente influir somente nos seus clientes diretos, mas tambm, na medida do possvel, nos clientes dos seus clientes diretos, at atingir os consumidores. Entretanto, a juno da cadeia de suprimentos e da rede de distribuio de uma empresa no necessariamente cria uma rede de negcios, pelo menos no no sentido que lhe do os estrategistas.

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    Planta Industrial da Ford no incio do sculo XX.

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    Figura 4 Viso esquemtica de cadeias de negcios.

    Deve-se fazer uma distino entre cadeia de abastecimento segundo autores da rea de produo/logstica e de estratgia. Para os primeiros, cadeia de abastecimento o conjunto de entidades envolvidas no projeto de novos produtos e servios, a busca por matria-prima, sua transformao em produtos semiacabados e acabados e sua entrega ao consumidor final (SWAMINATHAN; TAYUR, 2003; CHRISTOPHER, 2001; CHOPRA; MEINDL, 2001; SIMCHI-LEVY, KAMINSKY; SIMCHI-LEVY, 2003; LEE, PADMANABHAN; WHANG, 1997; MUNSON; ROSENBLATT, 2001). Produo e logstica focalizam produ-o e entrega ao consumidor. Estrategistas abordam o conceito sob a pers-pectiva de expanso de fronteiras de escopo nas relaes entre terceiros. Redes, para estrategistas, no surgem da evoluo da cadeia de abasteci-mento ou distribuio, mas sim, do reconhecimento da similaridade com clusters, que oferecia algum entendimento sobre seu sucesso.

    Particularmente no ramo do agrobusiness, percebeu-se a existncia de conjuntos de empresas que eram bem-sucedidos na competio mundial, mas, como plantaes e criaes de animais exigem grandes espaos, no estavam agrupados (concentrados) em uma limitada rea geogrfica. Dessa forma, o desempenho competitivo desses agrupamentos empresariais no podia ser justificado pelo conceito de clusters de negcios. Redes de neg-cios capazes de gerar vantagens competitivas podem ser encontradas em diferentes regies do mundo. No Japo, existem as keiretsu, que so arranjos verticais agrupados em torno de uma kaisha (grande empresa), sendo exem-plos disso a Toyota e a Nissan. Na Coreia h as chaebol, que se constituem em redes formadas ao redor dos negcios liderados por pessoa ou famlia influente, como a Daewoo, a LG e a Samsung. No Brasil, pode-se, ainda, por

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    Clusters e Redes de Negcios

    exemplo, destacar a rede de negcios ligada aos produtos derivados do frango, liderada pela Sadia, ou s redes de negcios na indstria automotiva, lideradas pelas montadoras de automveis.

    Uma definio de rede de negcios que atendesse viso estratgica, con-forme proposta por Zaccarelli (2004), seria a de um sistema supraempresarial, cujas principais partes componentes so empresas com negcios relacionados a um tipo de produto e/ou servio, que interagem com fidelizao recproca em seus negcios, de forma que o conjunto como um todo consiga vantagens competitivas sobre empresas fora de rede ou sobre outra rede de negcios menos evoluda. Ou seja, na viso do estrategista, o elemento central do con-ceito de rede de negcios constitudo pela fidelizao nos negcios entre as empresas que a compem. A fidelizao um tema de destaque em outras reas, como o marketing. A busca por benefcios decorrentes da fidelizao nas relaes entre as empresas e seus clientes o objeto central do marke-ting de relacionamento e, em especial, do Customer Relationship Mangement CRM, que definido por autores como Brown (2001), Wehmeyer (2005) e Peppers; Rogers (2000), de forma quase consensual, como o processo de con-quistar clientes lucrativos e estabelecer com eles um relacionamento regular, capaz de evoluir e auxiliar a empresa a atingir seus objetivos. Esse conceito, quando levado prtica por meio de sistemas de informtica que, alis, no mercado amide se confundem com o prprio termo CRM dispe de tcni-cas capazes de avaliar tais relacionamentos, seus benefcios e oferecer manei-ras de fazer com que eles evoluam. A disseminao do uso de sistemas de CRM no deixa de ser uma evidncia de que as empresas reconhecem os benefcios de um relacionamento de intensidade crescente com seus clientes, inclusive se dispondo a investir seus recursos para isso.

    Clusters e redes: uma nova viso da competio empresarial

    Se o conjunto e o nmero de concepes tericas sobre a administrao indicavam uma certa maturidade desse campo do conhecimento cientfico, ao final do sculo XX, alguns paradoxos permaneciam sem bases conceituais disponveis. O reconhecimento da capacidade competitiva de agrupamentos empresariais, particularmente quando esses agrupamentos baseiam-se na proximidade geogrfica (clusters de negcios) ou no relacionamento com na-tureza de fidelizao (redes de negcios), efetivamente ocorrido a partir dos

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    anos 1990, ofereceu um novo domnio de interesse, de pesquisa e de inquieta-o, no apenas cientfica, mas principalmente econmica, poltica e social.

    Todavia, no deixa de ser surpreendente que um conjunto de empresas pudesse ser bem-sucedido sem possuir executivos, estrategistas, acionistas ou controladores ou, ao menos, um organograma... Ou seja, o paradigma ainda, de certa forma, vigente, a viso de mundo da administrao no for-nece facilidades no acesso ao conceito; entretanto, j no possvel relevar as ideias de clusters e de redes de negcios: as evidncias de sua existncia e as manifestaes de sua capacidade competitiva no podem ser contes-tadas ou desconsideradas. A no ser que se admita que as evidncias no passam de completa fico.

    No restavam dvidas que esses sistemas supraempresariais tm uma ca-pacidade de competir maior do que as empresas congneres isoladas. Em outros termos, as empresas componentes desses agrupamentos de neg-cios desfrutam de vantagens competitivas sobre empresas concorrentes iso-ladas, sendo que a fonte para essas potenciais vantagens no foi construda conscientemente por nenhum empreendedor ou estrategista. Clusters de Negcios e Redes de Negcios no so invenes recentes. Eles existem desde a Idade Mdia, pelo menos. O que foi percebido que, sob certas con-dies, as empresas formavam um determinado tipo de sistema dotado de uma capacidade superior para competir e para crescer, quando comparado s empresas da mesma indstria fora desse tipo de sistema.

    Governos, autoridades, investidores, polticos e pesquisadores interessa-ram-se natural e rapidamente por essa nova forma de compreenso sobre articulaes entre organizaes, ainda pouco ou insuficientemente explica-das at ento. A despeito de no serem construes modernas, o reconhe-cimento e a possibilidade de compreenso de Clusters e Redes de Negcios estimulava e sustenta a expectativa de que estes tipos de sistema pudessem oferecer a chave para o desenvolvimento de economias ou, ao menos, alter-nativas mais eficazes para o enfrentamento de questes dessa natureza.

    As redes de negcios, assim como os clusters de negcios, constituem-se em arranjos compostos por diferentes negcios que mantm vnculos e relacionamento em alguma medida entre si. Enquanto o elemento-chave para clusters encontra-se na proximidade geogrfica, para redes, o elemen-to-chave dessa integrao, entre diferentes negcios, est ligado aos rela-cionamentos de troca como, por exemplo, numa cadeia produtiva. As redes

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    Clusters e Redes de Negcios

    de negcio apresentaram importante vantagem sobre os clusters: a sua exis-tncia era reconhecida. Faltava a conscincia da capacidade competitiva da rede de negcios possuir a condio de ser superior efetivamente compo-sio da capacidade competitiva de empresas isoladas, assim como quanto mais evoluda for uma rede de negcios, maior ser seu poder competitivo. Desta forma, as redes de negcios no tiveram de ser descobertas e bati-zadas, como foram os clusters. As redes de negcios, no se constituindo num agrupamento de empresas em um dado local, no confundida com a localizao, facilitando a visualizao de conjunto e das organizaes, que a compem, entretanto, por outro lado, torna-se mais difcil a percepo do efeito decorrente do arranjo integrado das empresas sobre a capacidade competitiva do conjunto.

    Da mesma forma que os clusters, as redes de negcios existem h muito tempo. Elas esto presentes na histria das naes. Na histria do Brasil, um exemplo particularmente importante, datado do sculo XVI, a rede formada pela Companhia das ndias Ocidentais que, entre outras coisas, trouxe o culti-vo e o processamento da cana-de-acar para o Brasil, articulada aos agentes responsveis pela distribuio da produo na Europa. Quando os holandeses foram expulsos do Brasil, a Companhia das ndias Ocidentais deslocou delibe-radamente a componente agrcola de sua rede para as Antilhas.

    invivel a fixao ao certo de datas ou momentos para a descoberta da capacidade competitiva das redes de negcios como entidades supraem-presariais. Quando surgem artigos argumentando que [...] no a empresa Toyota que est vencendo a empresa General Motors, a rede de negcios da Toyota que est vencendo a rede da GM, no existe dvida: a capacidade competitiva das redes de negcios j tacitamente reconhecida.

    importante notar que a resistncia psicolgica ao reconhecimento da existncia de redes de negcios como um sistema , aparentemente, ainda maior do que a resistncia mencionada no caso dos clusters de negcios. Cada empresrio quer e procura acreditar que sua empresa [...] dele e nin-gum capaz de qualquer interferncia nas suas decises; por isso, sua em-presa no parte de um sistema de nvel superior ao nvel da empresa dele.

    Aceitando este argumento, seria natural no mais acreditar em clusters e redes de negcios. Insistir em acreditar nesses conceitos corresponde a aceitar que essas empresas participam de sistemas supraempresariais sem estarem conscientes ou terem sido consultadas sobre essa participao. o

  • Clusters e redes de negcios: realidade ou fico?

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    equivalente a dizer que uma pessoa convive intensamente com um grupo de amigos e no est consciente que faz parte do grupo. Porm, apenas admitir a existncia, a presena ou a participao em clusters ou redes de negcios no resolve ou contribui para a eliminao da perplexidade potencial dos componentes desses sistemas. Portanto, h que se encontrar razes e justifi-cativas conceituais e empiricamente defensveis da capacidade competitiva desses tipos de arranjo de empresas.

    Clusters e redes: uma considerao final introdutria

    Clusters de negcios e redes de negcios esto presentes h muito tempo, sculos para diversas situaes. Estranhamente, muitos dos mais brilhantes estudiosos no se deram conta desses fenmenos e, quando irrefutavelmen-te foram reconhecidos, passaram a significar um desafio, envolvendo umas entidades sociais, desprovidas de caractersticas, que a tipificariam como tal, a exemplo de atributos como existncia legal ou institucional. Entretanto, a diferencial capacidade competitiva demonstrada, em especial, sua condi-o de vencer concorrentes, impunham a busca por respostas consistentes e defensveis. Elementos e aspectos ainda no explicados de forma consen-sualmente aceita permanecem como domnios de estudo e pesquisa. Em se admitindo a plataforma conceitual proposta por Zaccarelli et al. (2008) sobre a evoluo e o desenvolvimento da competitividade de clusters e redes de negcios, uma natural perspectiva de futuro seria admitir que no mais sero assumidas posies passivas em relao concepo e evoluo volunt-ria desses sistemas supraempresariais.

    Indivduos na condio de potenciais investidores, com objetivos polti-cos ou na funo de executivos, sob presso em relao a decises de cartei-ra, desenvolvimento regional e desempenho de negcio, respectivamente, tenderiam a no aguardar a construo de uma viso terica conclusiva e conceitualmente estabelecida e aceita consensualmente. A deciso de se aguardar o prazo potencial para se atingir essa situao implicaria perda ou reduo das vantagens da explorao inicial em termos de resultados. As propostas desenvolvidas por esses autores sugerem e recomendam estra-tgias e aes efetivas para se potencializar evoluo e dinmica de clusters de negcios e de redes de negcios. Aqueles adotantes iniciais de recomen-daes sobre comportamento e atuao de organizaes em relao sua

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    Clusters e Redes de Negcios

    posio nesses agrupamentos empresariais, mesmo que sem domnio com-pleto de efeitos e consequncias decorrentes, tenderiam a auferir um saldo positivo entre benefcios e custos inerentes a essa deciso.

    As entidades supraempresas, ou supraempresariais, baseadas em pers-pectivas de natureza estratgica, no estaro restritas a sistemas de neg-cios, como clusters e redes. Configuraes distintas dessas j esto presentes e, certamente, novos formatos sero concebidos. As condies de contexto favorecem esse processo como, por exemplo, o avano do conceito de fran-quias e o desenvolvimento integrado de redes relacionadas a suprimento e distribuio. Esse movimento estimularia e amadureceria uma viso inova-dora e compreensvel da reduo da liberdade das organizaes em favor de um sistema superior, ao qual, mais que integradas esto envolvidas e de cujo sucesso dependem.

    Ampliando seus conhecimentos

    Clusters e redes de negcios uma nova viso para a gesto dos negcios

    (ZACCARELLI et al., 2008)

    A administrao e a estratgia empresarial, em particular, no se limitam mais compreenso da relao entre um negcio e seu ambiente competiti-vo. A maior parte da literatura na rea de gesto permanece apegada aos mo-delos clssicos de anlise e deciso, considerando como ambiente tudo que esteja externo empresa. Ainda mais grave a premissa que a organizao uma unidade isolada do meio, com autonomia integral para adotar sua estra-tgia. Essa miopia ou astigmatismo dos gestores pode ter custos elevados para acionistas e sociedade.

    O mundo mudou! Empresrios e administradores sabem. Mas, o que mudou na administrao dos negcios? Presso competitiva, globalizao de mercados, exigncia de clientes [...] Essas so condies relevantes na gesto das empresas e que os executivos tm procurado responder com grande apli-cao. Mas ainda restritos a um olhar tradicional [...]

  • Clusters e redes de negcios: realidade ou fico?

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    O inicial conceito de cadeias produtivas evoluiu para o de cadeias de su-primentos e agora so interpretadas sob a perspectiva de Redes de Neg-cios. Concentraes geogrficas de negcios correlacionados deixaram de ser vistas como imperfeies econmicas e foram reconhecidas como formas competitivas de alta performance: os Clusters de Negcios. Essas novas vises exigem um novo entendimento para a gesto dos negcios!

    Atividades de aplicao 1. Por que clusters de negcios e redes de negcios podem ser conside-

    rados fenmenos importantes e objetos de interesse para o desenvol-vimento econmico de um pas?

    2. Apresente e discuta trs dificuldades para se aceitar o conceito de clusters de negcios, que potencialmente justificariam o ritmo relativa-mente lento do avano do conhecimento nesse domnio.

    3. Redes de negcios, embora se apresentem mais facilmente identific-veis do que clusters, no raro so vistas com ceticismo no que tange ao incremento no desempenho dos negcios como resultado da expan-so da competitividade do agrupamento. Por qu? Justifique.

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    IntroduoClusters e Redes de Negcios so resultados de articulaes entre empre-

    sas que, em funo da dinmica peculiar estabelecida em cada um dos dois tipos de arranjo, do origem constituio de um sistema composto pelas organizaes que o compem. Clusters de negcios, como concentraes espaciais de empresas com atividades correlacionadas, e redes de negcios, como cadeias de empresas vinculadas por relaes de troca, interdependn-cia de fluxos na construo de valor e processos de fidelizao recproca, no oferecem a priori interesse particular na sua compreenso. Ambas as configuraes de relacionamento entre negcios poderiam ser considera-das meras possibilidades de estruturas/processos do cenrio competitivo de uma dada empresa.

    Entretanto, o reconhecimento dessas combinaes de relao entre ne-gcios ocorreu no por deciso de pesquisadores sobre um domnio parti-cular de estudo, ou como resultado de reflexo terica sobre opes de vn-culos entre organizaes. Clusters e redes de negcios, como conjugaes de inter-relao entre empresas, impuseram a necessidade de sua compreen-so pela superior competitividade que apresentam e, nesse sentido, por sua capacidade de vencer a competio em relao a negcios no-vinculados a outros clusters e redes.

    Em outras palavras, as consequncias da presena de clusters e redes de negcios foram sentidas antes que se houvesse desenvolvido a conscincia de sua existncia ou importncia. Os efeitos percebidos refletem o poder de competio desses sistemas de empresas, restando justamente a compreender as bases em que se desenvolviam, se estabeleciam e operavam tais sistemas. Uma concluso era certa: o entendimento desses agrupamentos demandava avano do conhecimento, que se dispunha, medida que a constatao da

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    Clusters e Redes de Negcios

    competncia competitiva desses arranjos no encontrava explicaes sufi-cientes na Administrao.

    Esse progresso da cincia demandado de forma cada vez mais urgen-te ao longo do tempo esbarrava em algumas dificuldades. Como abordar estruturas sem responsveis ou processos sem gestores? Clusters e Redes de Negcios no possuem acionistas, membros, proprietrios, tampouco contam com executivos, empregados ou representantes, no dispem de capital social, no recolhem impostos, nem endereo fsico ou virtual, no so regulados por qualquer legislao ou possuem registro em cartrio.

    Sua potencial existncia, pelos argumentos apresentados, seria to velada, etrea e fluida, que a confirmao de sua presena demanda investigao a partir das evidncias associadas a seus efeitos. Razovel se admitir que Clus-ters e Redes de Negcios podem ser concebidos como sistemas, cujos com-ponentes mais relevantes se constituem em organizaes em interao. Do mesmo modo, sua notvel competitividade, de algum modo, guarda relao com a configurao das interaes entre os negcios, que os compem. A natureza ou o carter dessa configurao, ou seja, um dado formato espe-cfico e peculiar de se estabelecerem as relaes ou as interaes entre as empresas constituintes desses agrupamentos asseguram sua principal ca-racterstica: a capacidade competitiva.

    Aproximando-se mais da questo sobre a efetiva existncia ou no de clusters e redes de negcios, verifica-se outro atributo desses sistemas: eles manifestam uma surpreendente dinmica evolutiva, parecendo dotados de vida, capacidade de aperfeioamento e habilidade de ampliao de sua com-petitividade. Clusters e redes de negcios enquanto expandem seu volume de produo, tambm se aperfeioam, tornam-se progressivamente mais complexos e com maior competitividade. Esse processo natural desenvolve--se de forma relativamente lenta, demandando, em geral, dcadas. Durante essa fase de evoluo deparam-se e sobrevivem frequentemente a diferen-tes condies adversas, como guerras, crises, revolues etc.

    Esse contexto, que poderia ser compreendido, do ponto cientfico, como pouco explorado, destitudo de bases de partida seguras, marcado por con-ceitos abstratos, simultaneamente representa especial interesse para empre-srios, altos dirigentes das naes e pesquisadores, por oferecer uma nova perspectiva da competio entre negcios.

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

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    Agrupamentos de negcios: teorias e falta de consenso

    O estudo da localizao tima para negcios e, em particular, para plan-tas produtivas foi objeto de apreciao de diferentes pesquisadores. Entre eles, poderiam ser citados Christaller (2000), Lsch (1967), Weber (1965) e von Thnen, mencionado por Bisset (2005), entre outros. O fundamento dessas anlises orientava-se para a maximizao do lucro das organizaes. As prescries decorrentes dessas pesquisas, em geral, apontavam para a necessidade das empresas guardarem distncia dos concorrentes. A anli-se desenvolvida por esses estudiosos racionalmente partia dos interesses dessas empresas e, nesse sentido, no estava equivocada, porm no expli-cava a formao dos clusters.

    O fato que preciso o reconhecimento da existncia de outra lgica, associada ao pensamento estratgico, que justificava a concentrao espa-cial dos negcios, ou seja, algum acesso a vantagens para as organizaes sob essa condio. Uma das vertentes para a compreenso desse cenrio especfico fundamenta-se nos interesses dos clientes. Consumidores finais, por exemplo, utilizam um raciocnio para avaliao e escolha do local, a ser visitado para suas compras, baseado numa abordagem de custo/benefcio. A opo por concentraes de ofertantes tende a oferecer, na percepo desses clientes, menores preos, em funo da concorrncia, maior varie-dade e sortimento, em funo do elevado nmero de ofertas, assim como maior quantidade de alternativas de pagamento.

    Considerando as condies apresentadas, pode-se admitir que a seleo da localizao de negcios resulta do confronto de duas foras antagnicas: uma associada aos interesses dos compradores, agindo no sentido de apro-ximar as empresas, favorecendo a formao de clusters, e outra, vinculada aos interesses das empresas, operando no sentido contrrio. O mapeamen-to e a compreenso dessas duas tendncias opostas fornece a base para a identificao da direo que potencialmente prevalecer como movimento preferencial. Assim, em havendo excesso de demanda, o interesse das em-presas ser prevalente, podendo manter-se distanciadas umas das outras; se, por outro lado, verificar-se oferta superior demanda, circunstncia mais fre-quente, prevalecer o interesse dos compradores, estimulando as empresas vendedoras a se agruparem. Entretanto, iniciado o processo de agrupamento,

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    Clusters e Redes de Negcios

    surgem vantagens significativas para as empresas, que no raro so descon-sideradas na deciso das organizaes em se compor a outras e, por vezes, no percebidas durante a operao em clusters.

    Diferentes eixos de compreenso para clusters de negcios foram desen-volvidos e propostos, segundo Newlands, citado por Perry (2005). Essas pro-postas tericas focalizavam principalmente:

    vantagens originadas para as organizaes compondo clusters;

    relao entre a natureza dessas vantagens e a concentrao espacial; e

    balano entre competio e cooperao, associadas a essas vantagens.

    Uma sntese das principais contribuies ao conhecimento e compre-enso de clusters de negcios, limitada inteno de ilustrar distintas pers-pectivas sobre o fenmeno, apresentada a seguir, baseada em Siqueira e Telles (2006):

    a teoria da aglomerao, iniciada por Marshall, que explica que as empresas se aproximam umas das outras para compartilhar recursos, como servios ou um conjunto de mo-de-obra habilitada, e para per-mitir a especializao individual. Segundo essa viso, os clusters so vistos como uma coleo de negcios isolados ligados por relaes de mercado e no pela colaborao deliberada;

    a teoria dos custos de transao (escola californiana), que prega que o mpeto para se agrupar comea com mudanas no mercado e inovaes tecnolgicas, que aumentam a incerteza enfrentada pelos negcios individuais e o risco de se tornarem presos a tecnologias re-dundantes, transformando as cadeias produtivas em um conjunto de negcios conectados por transaes de mercado. O agrupamento se-ria uma forma de minimizar os custos dessas transaes;

    a especializao flexvel, segundo a qual as empresas dentro de um cluster se beneficiam da troca recproca de informao e ao mesmo tempo so dirigidas por obrigaes mtuas, que regulam seus com-portamentos. Mais do que minimizao dos custos de transao, as empresas ganham com a transferncia de inteligncia sobre a inds-tria, alm das transaes formais;

    a formao de centros de inovao, uma vez que nos clusters h um processo coletivo de aprendizado, em funo da mobilidade da mo-

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

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    -de-obra especializada, das interaes cliente-fornecedor, da disposi-o de algumas empresas em compartilhar conhecimento e at mes-mo do efeito cafeteria1, que ocorre em contatos informais;

    a perspectiva da economia evolucionista e institucional, para a qual o desenvolvimento tecnolgico depende dos caminhos escolhidos e a sequncia de passos dados, que conduzem a escolhas irreversveis. Em uma mesma comunidade, os negcios e as dependncias institu-cionais podem fazer com que surja uma resposta comum. Os clusters seriam, dessa forma, acidentes da histria.

    As teorizaes apresentadas, assim como a maioria da literatura sobre clusters de negcios, oferecem explicaes ou descries sobre potenciais razes que conduziriam prosperidade desses agrupamentos, entretanto, se mostram insuficientes ou relativamente inconsistentes na explanao de como esse processo evolutivo se d.

    Agrupamentos de negcios: uma questo de competitividade

    Na dcada de 1980, o interesse na compreenso do desempenho de pases e regies intensificou-se de forma clara. O aumento da competitividade de diferentes naes, mas, em particular do Japo, pressionava pases desenvol-vidos, como os Estados Unidos, a buscarem alternativas mais eficientes de in-cremento de seus nveis de produtividade. Pases subdesenvolvidos, em meio a um ambiente global instvel, influenciados por fatores como os ajustes pro-vocados pelos choques do petrleo, dedicavam-se a buscar, cada vez com maior urgncia, alternativas para estimular o desenvolvimento eco-nmico.

    Pesquisas de peso, como a Made in USA, eram realizadas sob o patroc-nio de governos preocupados com esse novo contexto que se desenhava. A maioria dessas pesquisas, entretanto, investigava caractersticas latentes ou associadas s empresas, buscando razes ou fatores condicionantes da competitividade de pases ou regies. Luciano Coutinho, da Unicamp, pode ser destacado pelas pesquisas conduzidas nesse momento. O nmero e o cuidado das investigaes desenvolvidas tendiam a assegurar que a questo da competitividade no se localizava no interior das organizaes e sim no ambiente em que essas operavam.

    1 efeito cafeteria: pode ser associado s conversas rpidas, mas com diversos agentes mais e menos co-nhecidos, sobre temas em foco, favorecendo a divul-gao de conhecimento e a composio de solues mais complexas devido ao aporte de diferentes competncias.

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    Clusters e Redes de Negcios

    Ao final da dcada de 1980, Michael E. Porter, pela reputao que possua em funo da importante contribuio para a teoria de estratgia, obteve patrocnio do governo americano para uma pesquisa de porte voltada para fatores relacionados s bases de vantagem competitiva das naes. Dez pases e mais de uma centena de produtos com liderana mundial foram objeto de anlise minuciosa por 3 anos.

    O resultado foi publicado como um livro intitulado Vantagem Competitiva das Naes em 1990. Para cerca de metade dos produtos pesquisados, a van-tagem competitiva estava associada a cidades ou regies e no a naes. Os produtos fabricados nessas localidades, onde se verificava a concentrao de negcios correlatos, eram competitivos internacionalmente. A vantagem competitiva, no entanto, no podia ser vinculada s empresas individual-mente. Zaccarelli et al (2008, p. 15) especulam que

    Porter deve ter ficado surpreso com estas constataes, pois no livro de 1990, quando denominou esses agrupamentos de clusters, tratou esses arranjos pela primeira vez, no havendo qualquer meno anterior, incluindo as definies dos propsitos da pesquisa e o modelo diamond, utilizado para o planejamento da mesma.

    O resultado relevante da pesquisa de Porter no foi a constatao da com-petitividade superior de um agrupamento de empresas dedicadas a certo produto, o que, de alguma maneira, vinha se mostrando de forma cada vez mais evidente para envolvidos na competio, administradores e economis-tas esclarecidos. O resultado, que fazia diferena, se constitua no reconhe-cimento indiscutvel da frequncia desses agrupamentos e na sua vocao competitiva em diferentes regies e pases, para diferentes produtos e com certa independncia do arsenal tecnolgico ou base financeira disponveis, assim como sua efetiva importncia no desempenho das naes. O assunto cluster passava a ser de interesse de todos.

    O avano nas concepes tericas ao final do sculo pode ser considera-do relevante, como evidencia-se, por exemplo, nas contribuies de Krug-man (1991; 1999). No incio do terceiro milnio, importantes consideraes sobre a geografia econmica foram apresentadas. Baseando-se em Neary (2001), referenciado por Perry (2005, p. 122), uma colocao, em especial, deve ser destacada:

    [...] em particular na nova geografia econmica existem limitaes no tratamento de:(1) rendimentos crescentes (com a escala de produo); (2) estratgia da empresa; (3) custos de transportes; (4) espao (afetado pelas modernas redes de transportes).

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

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    Depreende-se da afirmao que at recentemente economistas reco-nhecidos no se sentiam confortveis com seus modelos de compreenso sobre geografia econmica. Uma segunda inferncia relevante a cons-cincia sobre a importncia da estratgia na deciso de localizao de negcios.

    Todavia, o nmero de trabalhos sobre o tema aumentava em termos de publicao em peridicos, participao em congressos, notas sobre pesqui-sas etc., sugerindo que o interesse e a necessidade de progresso nessa rea de conhecimento se intensificava. A anlise das pesquisas produzidas deno-tava dois aspectos peculiares:

    frequncia com que os pesquisadores desprezavam a necessidade de uma abordagem do todo (o cluster) e optavam pela focalizao em dois ou trs elementos ou fatores potencialmente intervenientes na competitividade do agrupamento; e

    dificuldade principalmente de autores em pases desenvolvidos de estudar evidncias da evoluo dos clusters, ao longo do tempo, em funo da idade da maioria desses, impossibilitando observao de movimentos de mudana ou acesso a fundadores do agrupamento.

    Em clusters mais recentes, por outro lado, a presena decisiva de novas tecnologias como fator de peso, em geral, oferece um desafio especfico de identificao de movimentos associados introduo de tecnologias e/ou decorrentes dos efeitos da dinmica do agrupamento. Em contrapartida, via de regra, so acessveis depoimentos e dados mais fidedignos, assim como a constatao e o registro da evoluo manifestada pelos clusters.

    Clusters de negcios: uma proposta de conceito

    Um cluster de negcios pode ser entendido como um sistema evolutivo supraempresariais cujos principais componentes so organizaes estabele-cidas de forma concentrada geograficamente, com negcios relacionados a um tipo de oferta, e que, a partir dessa configurao, auferem vantagens com-petitivas em relao a organizaes isoladas externas ao cluster ou em relao a outro cluster menos evoludo.

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    Clusters e Redes de Negcios

    Dessa forma, estabelece-se um critrio de identificao e distino entre clusters e outras formas de concentrao. Renunciando-se as caractersticas como nmero mnimo de empresas ou distncias mximas entre essas, prio-riza-se o efeito do agrupamento: capacidade de oferecer vantagem compe-titiva. Em caso positivo, h um cluster. O carter evolutivo do cluster tambm privilegiado, por se constituir em uma das plataformas para apreciao, diagnstico e prescrio estratgica.

    Deve-se reconhecer ainda que clusters de negcios no so os nicos agrupamentos de empresas com dinmica e efeitos que merecem ateno. Condio anloga constituda por organizaes que, embora distanciadas geograficamente, apresentam capacidade diferencial de criao de vanta-gem competitiva: as redes de negcios. Nesse caso, a base para essa capa-cidade decorre da natureza dos relacionamentos interempresariais estabe-lecidos, envolvendo desenvolvimento, elaborao e oferta de produtos a usurios especficos (consumidores finais e clientes empresariais).

    Redes de negcios: uma proposta de conceito Inter-relacionamentos com efeitos positivos podem surgir entre empre-

    sas no s em funo da proximidade geogrfica. Um exemplo disso o setor do agrobusiness, no qual os negcios e parceiros de algumas empre-sas esto espalhados por uma regio relativamente extensa, s vezes de centenas de quilmetros quadrados. Esse aspecto no possibilita caracte-rizar essa associao entre negcios como um cluster geogrfico. No lugar da concentrao espacial, a origem das vantagens competitivas associadas a esse tipo de agrupamento deriva de um atributo distintivo na relao entre essas empresas e que favorece sua competitividade individual: a na-tureza das transaes baseada num modelo ligado fidelizao.

    Um agrupamento empresarial desse tipo pode ser chamado de rede de negcios e entendido como sendo um sistema supraempresarial, evolutivo, no qual as principais partes componentes so empresas com negcios rela-cionados a um tipo de produto/servio, que interagem com fidelizao rec-proca, de forma a conseguir vantagens competitivas sobre empresas de fora da rede ou sobre outra rede menos evoluda.

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

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    No so raros os exemplos bem-sucedidos de arranjos baseados num for-mato de cadeias ou redes dotadas de integrao efetiva e consistente entre as organizaes participantes. Dessa configurao integrativa de processos organizacionais distintos, as redes das montadoras automobilsticas japone-sas constituem exemplos distintivos de capacidade competitiva ampliada: Toyota, Honda e Nissan no se apresentam por acaso como concorrentes in-ternacionalmente destacados. Essa condio foi alcanada pela intensificao do movimento de fidelizao e esforo conjugado entre suas operaes, a de seus fornecedores e subfornecedores. Condio semelhante de acesso con-sistente a vantagens competitivas (derivadas da adoo de modelos de inte-grao entre organizaes participantes de cadeias de construo de valor) pode ser observada na Coreia, onde companhias transnacionais reconhecidas pela elevada competitividade, como Samsung e Daewoo, resultam da forma-o de redes vinculadas a pessoa ou cl influente, mas que ao longo de seu desenvolvimento construram processos de parceria e compartilhamento de negcios, dando origem a processos integrativos de negcios.

    Da mesma forma que, nos clusters de negcios, h uma lgica que explica o seu surgimento e o seu desenvolvimento (a lgica do agrupamento), nas redes de negcio, h tambm uma base lgica de sustentao: a lgica da fidelizao. H tempos, alguns autores j haviam observado o impacto posi-tivo da fidelizao nos relacionamentos de negcios. Em 1975, por exemplo, Williamson afirmava que o aumento da fidelizao pode levar a uma reduo no custo das transaes e Oliveira (2001), posteriormente, ponderou que o aumento da fidelizao permite a reduo na complexidade das transaes e facilita a cooperao entre as empresas.

    Os benefcios da fidelizao podem ser observados em diversas reas. Por exemplo, na distribuio de produtos de consumo, a partir dos anos 1980, proliferaram programas que buscavam ganhos de competitividade por meio da integrao entre as empresas de um mesmo ramo, de modo que suas operaes pudessem ser mais padronizadas, automatizadas e simples, e que ficaram conhecidos como programas de resposta rpida. De forma geral, esses programas, que recebem nomes diferentes dependendo da indstria a que se destinam (por exemplo, Efficient Consumer Response (ECR) para os supermercados, Efficient Food Service Response (EFSR) para alimentao fora de casa, Quick Response para vesturio), combinam tc-nicas como o Just-in-Time com tecnologias de monitorizao de estoques, principalmente a Troca Eletrnica de Dados (EDI) e o gerenciamento por categorias (TAYLOR, 2005).

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    Clusters e Redes de Negcios

    Como tais programas envolvem uma integrao razoavelmente profunda das empresas, para que sejam implantados h a necessidade de investimen-tos em compatibilizao de sistemas, aquisio de hardware e software, trei-namentos e consultorias. Em consequncia, na ausncia de uma perspectiva de continuidade baseada nos processos de fidelizao no haveria inte-resse para esses investimentos.

    Clusters e redes de negcios: bases para a competitividade

    A compreenso de um sistema supraempresas, como clusters ou redes de negcios, no se limita observao de aspectos como concentrao geogrfica ou processos de fidelizao, respectivamente. Prtica e pesqui-sa evidenciaram a necessidade de considerar um conjunto de fundamentos, que se constituem em evidncias observveis da vantagem competitiva do sistema supraempresarial. Esses fundamentos, alm de oferecerem indica-o dos efeitos especficos propiciados pelo sistema, sinalizam a vantagem competitiva do cluster ou rede de negcios.

    Os quadros, apresentados a seguir, exibem o rol de fundamentos, deno-minados Fundamentos da Performance Competitiva de Clusters de Negcios e Fundamentos da Performance Competitiva de Redes de Negcios, que ilus-tram e remetem s bases para a competitividade de ambas as naturezas de agrupamento. O conjunto de fundamentos deve ser entendido como uma relao de efeitos de natureza sistmica, desenvolvidos pelos agrupamentos de empresas, que o conduzem a uma condio de sistema individual, supe-rior ao nvel da existncia e operao dos negcios.

    Quadro 1 Fundamentos da Performance Competitiva de Clusters

    FundamentoImpacto na competitividade

    (ZAC

    CARE

    LLI e

    t al.,

    200

    8, p

    . 24.

    Ada

    ptad

    o.)

    Causa Efeito

    1CONCENTRAO geo-grfica

    Diferencial competitivo na atrao de clientes, isento de despesas especficas.

    Percepo dos clientes de varie-dade superior, poder de esco-lha de fornecedor ampliado e maior confiabilidade de preos.

    2ABRANGNCIAde negcios viveis e re-levantes

    Diferencial competitivo no atendimento (proximidade de fornecedores) e no me-nor custo associado ao aces-so de suprimentos.

    Custos de busca e acesso me-nores para cliente; reduo da necessidade de estoques ele-vados ou prazos de reposio (proximidade de fornecedores).

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    39

    FundamentoImpacto na competitividade

    Causa Efeito

    3ESPECIALIZAOdas empresas

    Diferencial competitivo ba-seado na velocidade de de-senvolvimento com investi-mentos e custos inferiores.

    Especializao dos negcios favorece reduo de despe-sas agregadas de operao e diminuio do volume de investimento necessrio.

    4EQUILBRIOcom ausncia de posi-es privilegiadas

    Diferencial competitivo no menor custo agregado do conjunto dos negcios.

    Lucros equilibrados e no rela-tivamente altos, devido a com-petio entre os negcios.

    5COMPLEMENTARIDADE por utilizao de subprodutos

    Diferencial competitivo associado reduo de custos decorrente da efi-cincia agregada, assim como imagem de conjunto integrado.

    Favorecimento da presena e estabelecimento de novos negcios e aporte de receita adicional.

    6COOPERAOentre empresas do cluster de negcios

    Diferencial competitivo devido a transferncias e desenvolvimento compar-tilhado de competncias.

    Aumento da capacidade competitiva do cluster de forma integrada, devido impossibilidade de conten-o de troca de informaes entre negcios.

    7SUBSTITUIOSeletiva de negcios do cluster

    Diferencial competitivo vin-culado a presena efetiva e permanente de empresas competentes.

    Extino de negcios com baixa competitividade por fechamento da empresa ou mudana de controle.

    8UNIFORMIDADEdo nvel tecnolgico

    Diferencial competitivo na evoluo e acesso tecno-logia em produtos e pro-cessos na produo e oferta das empresas do cluster.

    Estmulo ao desenvolvimen-to tecnolgico e, em funo da proximidade geogrfica e lgica, transferncia de tecnologia para os demais negcios.

    9CULTURAda comunidade adap-tada ao cluster

    Diferencial competitivo ligado ao sentimento de incluso e orgulho dos tra-balhadores das empresas do cluster.

    Aumento da motivao e satisfao com o reconheci-mento da comunidade em relao ao status atribudo relacionado ao trabalho.

    10

    CARTER EVOLUCIONRIOpor introduo de (novas) tecnologias

    Movimento de interven-o, pois com a tendncia uniformidade tecnolgica desestimula mudanas de tecnologia.

    Diferencial competitivo resul-tante de inovao (com redu-o de custos, manuteno ou ampliao de mercados, extenso de oferta etc.).

    11ESTRATGIA DE RESULTADOorientada para o cluster

    Movimento de interveno, como adoo de estrat-gias de combate a clusters oponentes ou de negocia-o com lees da rede.

    Diferencial competitivo ge-rido sob uma perspectiva da ampliao da capacidade de competir ponderada pelo re-sultado integrado do cluster em termos de lucro agregado.

  • 40

    Clusters e Redes de Negcios

    Quadro 2 Fundamentos da Performance Competitiva de Redes

    FundamentoImpacto na competitividade

    (ZAC

    CARE

    LLI e

    t al.,

    200

    8, p

    . 24.

    Ada

    ptad

    o.)

    Causa Efeito

    1

    FIDELIZAOcrescente entre forne-cedoresclientes

    Diferencial competitivo pela integrao e desenvolvimen-to de prticas associadas a ganhos de eficincia com-partilhados.

    Reduo de custos agregados e/ou aumento de benefcio da oferta; favorecimento do processo de auto-organiza-o e estabelecimento de go-vernana.

    2

    COMPRA DIRETAde insumos usurios produtores

    Diferencial competitivo por alinhamento da disponibili-dade de suprimentos, mes-mo externos rede (evitando desvantagem potencial).

    Diminuio ou eliminao de intermedirios, reduzindo-se dificuldades de interao, ba-ses de estocagem e/ou custos adicionais de gesto e opera-o de intermediao.

    3

    ABRANGNCIAde negcios presen-tes na rede

    Diferencial competitivo asso-ciado disponibilidade, velo-cidade de acesso, tecnologia e confiabilidade de insumos produzidos no interior da rede.

    Reduo de custo agregado com a combinao, tima dis-ponibilidade de fornecimento, tecnologia e confiabilidade.

    4ESPECIALIZAOdas empresas presen-tes na rede

    Diferencial competitivo base-ado na velocidade de desen-volvimento com investimen-tos e custos inferiores.

    Especializao dos negcios favorece reduo de despe-sas agregadas de operao e diminuio do volume de in-vestimento necessrio.

    5AGILIDADEna substituio de empresas

    Diferencial competitivo vin-culado a presena efetiva e permanente de empresas competentes.

    Extino de negcios com bai-xa competitividade por fecha-mento da empresa ou mudan-a de controle.

    6

    HOMOGENEIDADEda intensidadede fluxos

    Movimento de interveno vinculado ao balanceamento equilibrado de demandas ao longo da rede.

    Diferencial competitivo por aumento da eficincia agre-gada da rede em funo da reduo de estoques, veloci-dade de resposta demanda e, consequentemente, leadti-me de rede inferior e giro de rede superior.

    7

    INOVAOpara alinhamento de negcios

    Movimento de interveno orientado para manuteno ou aumento da eficincia agregada da rede.

    Diferencial competitivo base-ado em eficcia e eficincia da rede (reduo de estoques, velocidade de fluxos e dimi-nuio de custos de transfe-rncias, entre outros ganhos potenciais).

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    41

    FundamentoImpacto na competitividade

    Causa Efeito

    8APERFEIOAMENTOpor introduo de no-vas tecnologias

    Movimento de interveno, pois assimetrias de informa-o, competncias de intro-duo e capacidade de inves-timento potencialmente no esto disponveis em toda rede.

    Diferencial competitivo base-ado em eficcia e eficincia da rede (reduo de estoques, velocidade de fluxos e dimi-nuio de custos de transfe-rncias, entre outros ganhos potenciais).

    9COMPARTILHAMENTOde investimentos, ris-cos e lucros

    Movimento de interveno focalizado no estmulo a pr-ticas de inovao conjuntas, parcerias de desenvolvimen-to e ganhos compartilhados.

    Diferencial competitivo base-ado em eficcia e eficincia da rede (reduo de estoques, velocidade de fluxos e dimi-nuio de custos de transfe-rncias, entre outros ganhos potenciais).

    10

    ESTRATGIADE GRUPOpara competir como Rede

    Movimento de interveno, assegurando orientaes de ao e deciso de empresas focalizadas em ganhos de competitividade para a rede como um todo.

    Diferencial competitivo resul-tante de gesto estratgica balizada pela prioridade da competio com outras re-des.

    O contato e o reconhecimento desses fundamentos, relacionados aos efeitos de natureza sistmica de Clusters e Redes de Negcios, entretanto, devem merecer algumas consideraes na sua apreciao:

    o fundamento deve ser compreendido como uma condio vinculada competitividade do agrupamento, Cluster ou Rede, de carter poten-cializador da capacidade competitiva;

    a causa apresentada no impacto na competitividade decorre da condi- o instalada, representada pelo fundamento, aspecto que determina consequncias estratgicas para o agrupamento;

    o efeito apresentado no impacto na competitividade reflete a cons- tituio de fontes de vantagens associadas a benefcios e valor para clientes ou posies privilegiadas de custo;

    os Fundamentos 10 e 11 de Clusters de Negcios e os Fundamentos 6, 7, 8, 9 e 10 de Redes de Negcios apresentam causas associadas a Movimentos de Interveno, ou seja, determinadas por ao e deci-so de agentes; os efeitos respectivos foram destacados com cores

  • 42

    Clusters e Redes de Negcios

    mais escuras, sugerindo que o efeito desses fundamentos, condies instaladas deliberadamente, oferecem as bases para a constituio de vantagens para o sistema.

    Quanto mais completo um cluster, mais competitivo ele se apresenta. Se-gundo Zaccarelli (2004, p. 200), existem nove requisitos para que um clus-ter possa ser considerado completo. Clusters que no atendem totalmente a esses nove requisitos so incompletos e ainda se encontram em evoluo. Os nove requisitos so arrolados a seguir:

    concentrao 1. geogrfica;

    abrangncia2. de negcios viveis e relevantes;

    especializao3. das empresas;

    equilbrio4. com ausncia de posies privilegiadas;

    complementaridade5. por utilizao de subprodutos;

    cooperao6. entre empresas do cluster de negcios;

    substituio7. seletiva de negcios do cluster;

    uniformidade8. do nvel tecnolgico; e

    cultura9. da comunidade adaptada ao cluster.

    Esses nove fundamentos dizem respeito a clusters que no possuem uma governana estabelecida (conceito distinto de gesto ou gerenciamento). Caso ela exista, mais dois fundamentos devem ser adicionados lista:

    carter evolucionrio10. por introduo de (novas) tecnologias; e

    estratgia de resultado 11. orientada para o cluster.

    Redes de negcios, a partir da mesma abordagem, apresentam funda-mentos associados sua capacidade competitiva. O elenco de fundamentos para esse tipo de agrupamento, em nmero de dez, podem ser agrupados, da mesma forma como para clusters de negcios, em funo da existncia ou no de governana estabelecida.

    No primeiro grupo, constitudo por aqueles fundamentos que se desen-volvem espontaneamente por processo de auto-organizao, sem a deman-da pela presena de governana, estariam presentes:

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    43

    fidelizao1. crescente entre fornecedores-clientes;

    compra direta 2. de insumos usurios-produtores;

    abrangncia 3. de negcios presentes na rede;

    especializao 4. das empresas presentes na rede; e

    agilidade 5. na substituio de empresas.

    O segundo grupo, composto por fundamentos que necessariamente esto associados presena e ao de uma governana, seria formado por:

    homogeneidade 6. da intensidade de fluxos;

    inovao 7. para alinhamento de negcios;

    aperfeioamento 8. por introduo de Novas Tecnologias;

    compartilhamento 9. de investimentos, riscos e lucros;

    estratgia de grupo 10. para competir como Rede.

    A identificao dos fundamentos crucial no reconhecimento e concep-o da arquitetura de clusters e de redes, assim como para sua abordagem, em termos de estgio evolutivo. medida que o nvel de desenvolvimento, mensurado pela presena dos fundamentos, pode ser estimado, acaba por se constituir numa base consistente para a avaliao de sua competitividade.

    Ampliando seus conhecimentos

    Anlise de sistemas sociais complexos(ZACCARELLI et al., 2008. Adaptado)

    A anlise de um sistema, sem um qualificativo adicional, que o especifique, remete em geral suposio de compreenso ou acesso compreenso de suas partes e interaes, ou seja, o processo resultante da operao de um sistema potencialmente acessvel por completo. A disponibilidade de mtodos prti-cos para uma anlise detalhada e precisa, mesmo que sua dinmica possa ser considerada complexa, induz percepo de viabilidade de domnio dos sis-temas, como regra geral. Entretanto, essa perspectiva se verifica, em particular,

  • 44

    Clusters e Redes de Negcios

    para os sistemas fechados. Os sistemas podem ser classificados em fechados e abertos. Os sistemas fsicos, por exemplo, dotados de uma lgica mecanicis-ta e principalmente preservados da interao com o meio, podem ser estuda-dos e analisados como um sistema autocontido, apresentando, como principal caracterstica, tendncia ao equilbrio (condio de menor energia e aumento de entropia), segundo Miller (1965, p. 195). Os sistemas abertos, por seu turno, possuem interao intensa e dinmica com o meio, estabelecendo-se, a partir dessa situao, um estado de trocas. Outra importante considerao a condi-o dos sistemas abertos manterem uma relao de trocas internas, subjacente ao processo ampliado, sendo que os efeitos destas interaes tm reflexo no sistema, na dimenso de sua funcionalidade e de seu comportamento.

    Conforme afirma Buckley (1968, p. 490), o sistema aberto ajusta-se ao seu ambiente mudando a estrutura e os processos dos seus componentes internos. Assim, sistemas abertos espontaneamente tendem a situaes de equilbrio di-nmico, caracterizados por processos de realimentao (ou retroalimentao ou, ainda, feedbacks), vinculados ao resultado da operao de um processa-mento interno, que conjuga foras de natureza conservadora e inovadora. As primeiras orientadas para busca do retorno ao equilbrio. As segundas associa-das ao potencial adaptativo a mudanas de ambiente. Deste modo, em sntese, os sistemas apresentariam uma tendncia manuteno da relao e equilbrio entre os subsistemas e, portanto do prprio comportamento do sistema, mas, concomitantemente, manifestariam outra tendncia ao ajuste e busca de novas relaes internas, determinando uma nova forma de operar, resultante da relao e do reconhecimento de alteraes do ambiente.

    Uma definio oportuna, associada ao modelo de sistemas abertos, a equifinalidade, como assinala Bertalanffy (1975, p. 133). pressuposto dos sis-temas considerados fechados, a relao de causalidade entre condies iniciais e estado final do sistema. Os sistemas abertos admitem outra lgica de funcio-nalidade, considerando o conceito de equifinalidade, qual seja, a possibilidade de alcance de estados finais pretendidos a partir de condies de partida dife-renciadas e manifestao, nesse movimento, de procedimentos distintos. Essa ideia especialmente relevante medida que oferece viabilidade a objetivos ou estados finais com relativa independncia de condies iniciais.

    Nosso interesse aqui se concentra na explorao de sistemas complexos, ou seja, em alguns aspectos na anlise de sistemas em condies, onde no possvel explicitar e qualificar completamente as interaes entre as suas

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    45

    componentes. Esse tipo de situao decorre, por exemplo, da influncia pro-vocada pelo arbtrio de pessoas, que agem por livre, pessoal e imprevisvel motivao. Os indivduos, na maior parte das ocasies, no esto conscientes ou no consideram a sua participao e os efeitos dessa participao nos sis-temas, em que tomam parte. De certa forma, pode-se admitir que esses agen-tes nem mesmo se do conta da existncia de um sistema. Torna-se invivel definir, dessa forma, com alguma preciso todas as interaes no sistema e, consequentemente, no possvel uma abordagem do sistema nos moldes usuais de decomposio e identificao de componentes e relaes entre essas. Para efeito de discusso, sistemas com as caractersticas mencionadas sero tratados por sistemas sociais complexos.

    Evidentemente sistemas sociais complexos no podem ser examinados com profundidade e acuidade comparveis a sistemas fsicos ou qumicos, por exemplo. Os limites de acesso e domnio no processo analtico de siste-mas sociais complexos esto condicionados s fronteiras de prospeco e compreenso determinsticas (ou mesmo probabilsticas, desde que decodi-ficveis estruturadamente). Todavia, mesmo se reconhecendo que o nvel de entendimento tende a ser menos detalhado e compreensivo, em comparao com a abordagem de sistemas fechados, a compreenso e o conhecimen-to aquilatveis constituem base suficiente para especulaes consistentes, construo consequente de hipteses, teorizaes e proposies orienta-das para a interveno nesses sistemas complexos. No sentido de oferecer ao leitor, um mtodo de entendimento e compreenso das diferenas entre o procedimento para sistemas bem definidos e o procedimento proposto para sistemas sociais complexos, pode ser resgatada a abordagem clssi-ca para os primeiros, apresentada no quadro 1, que se segue. Este procedi-mento invivel na abordagem de sistemas sociais complexos em funo da impossibilidade prtica de inventariarem-se as interaes, resultantes ou vinculadas ao livre arbtrio dos indivduos participantes no sistema.

    Quadro 1 Abordagem clssica de sistemas bem definidos

    Passo Interveno/acesso

    (ZAC

    CARE

    LLI e

    t al.,

    200

    8.)

    [1.]inventariar todas as interaes entre as partes e explicitar a natureza (abstrata) de cada uma delas, sem a preocupao com a descrio detalhada das componentes, a conceituao das partes em si, o carter estrutural ou o critrio de sua composio.

    [2.]

    identificar o efeito direto de cada interao sobre as outras interaes, at se constituir um entendimento integrado das operaes do sistema como um todo, resultando da sua composio encadeada e, nesse sentido, da sua existncia indi-vidual.

  • 46

    Clusters e Redes de Negcios

    Passo Interveno/acesso

    [3.]

    mapear presena e efeitos de circuitos fechados de interaes (closed-loopings), compondo-se um entendimento mais abrangente dos processos de retroalimenta-o (feedbacks), amplificaes e comportamentos cclicos, fluxos de entrada e sada etc.

    [4.]

    recompor relaes de causa-efeito, modelando-se operao de processos e iden-tificando-se domnios de interveno sobre interaes, associadas ao cmbio do efeito geral, segundo objetivos de anlise e, por decorrncia, componentes do sistema que convm modificar.

    Diferente da metodologia apresentada acima para sistemas, grosso modo, simples e definidos, ser necessria uma perspectiva adequada ao exame de sistemas sociais complexos, que contemple suas especificidades. No se deve esperar, entretanto, uma conduta alternativa to estruturada quanto apresentada. compreensvel que metodologias, destinadas aproximao de sistemas sociais complexos, estejam associadas menor preciso e objeti-vidade. No entanto, o acesso, mesmo que reconhecidamente distinto do que seria razovel se chamar de ideal, oferece produtos teis numa abordagem sistmica, sendo obviamente prefervel renncia a essa possibilidade de en-tendimento ou, ao menos, avano na compreenso de sistemas sociais com-plexos e de sua dinmica de operao.

    Qualquer opo metodolgica tem, como pontos cruciais de sua funciona-lidade e utilidade epistemolgicas, consistncia e estrutura formal demons-trveis e comprovadamente dotadas de capacidade na aquisio de conheci-mento. Assim, para a situao objeto de investigao, o procedimento deve prescindir da necessidade de conhecimento completo de todas as interaes existentes no sistema, invivel na abordagem de sistemas sociais complexos. Desse modo, o desafio a identificao de algo com papel equivalente ao desempenhado pelas interaes no sistema completo.

    Esse mapeamento dificultado, como discutido por Hegel em Fenomeno-logia do Esprito de 1806, alegando o fato de o homem ser alienado do sistema de que ele prprio vem participando. Devido a essa condio, no seria pos-svel contar com esses homens para uma descrio dos sistemas em que eles prprios esto envolvidos. O uso da concepo de sistema implica a deman-da por uma metodologia, independente do conhecimento integral das rela-es, que constituem o sistema. Uma soluo vivel para o aparente impasse encontra-se no conceito hegeliano de propriedades do sistema distintas das propriedades das partes, que o compem. Entretanto, no h para a anlise proposta interesse em todas as propriedades: s nos importa aquelas pro-

  • Clusters e redes de negcios: substantivos coletivos ou no?

    47

    priedades que so operacionais e do interesse do analista, s quais sero de-nominadas de efeitos do sistema. Nos sistemas simples, com limitado nmero de partes e de interaes entre as partes, o efeito do sistema o efeito direto de certas interaes percebidas externamente ao sistema. No raro, esses efeitos so percebidos mesmo sem a identificao precisa das interaes que produziram tais efeitos, como o caso do equilbrio da bicicleta em movi-mento: mesmo que o ciclista tire as mos do guido e no acione os pedais, a bicicleta apresenta um equilbrio dinmico, que no pode ser atribudo a uma parte qualquer da bicicleta. Ento, este um efeito do sistema e no o efeito de uma pea que faz parte do sistema.

    Pelo seu sentido imaterial, Hegel considerou isso como esprito do sistema em uma de suas obras mais conhecidas (Fenomenologia do Esprito de 1806). Nos sistemas complexos, principalmente nos sociais, esses efeitos remetem a perplexidades e anlises famosas. O livro de Max Weber, A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo, apresenta um caso notvel de anlise do efeito riqueza, perceptvel nas naes de religio protestante, o que equivaleria a admitir-se que a prosperidade verificada nessas regies seria um esprito do sistema ca-pitalista em um ambiente protestante. Resgatando-se a questo da metodolo-gia de anlise de sistemas sociais complexos, pode-se considerar que o ideal seria proceder anlise na forma apresentada para os sistemas simples, mas pela inviabilidade de aplicao em sistemas sociais complexos recorrer-se- aos efeitos do sistema, como ponto de partida para algum entendimento da di-menso mais operacional desses sistemas. Deve ser enfatizado que o objetivo pretendido no compreende o entendimento integral do sistema, mas na im-possibilidade de uma apreenso completa, vlido procurar concepes par-ciais, assim como explorar eventuais hipteses integradoras. O procedimento baseado nos efeitos do sistema, mtodo de apreenso alternativo ao procedi-mento clssico, pode ser descrito, segundo as etapas no quadro que segue.

    Abordagem de sistemas a partir de Hegel

    Passo Interveno/acesso

    (ZAC

    CARE

    LLI e

    t al.,

    200

    8.)

    [1.]inventariar o conjunto de efeitos do sistema, que so do interesse do analista, descrevendo-os e identificando-os individualmente como componentes de um sistema correlato.

    [2.] examinar cada efeito, vinculando-os a seus determinantes e mapeando-os como resultado de relaes causa-efeito pertinentes1 ao escopo de anlise.

    1 Procedimento que equivale a se concentrar em subsistemas, em detrimento de uma abordagem do grande sistema, tratando apenas o que tem interesse imediato para o efeito que est sendo analisado.

  • 48

    Clusters e Redes de Negcios

    [3.]avaliar e validar compatibilidade entre os efeitos identificados, revisando-se etapas anteriores, no caso de reconhecimento e indicaes de qualquer tipo de incongruncia entre efeitos.

    [4.]considerar cada efeito do sistema como um fundamento, que constituiro as componentes de um sistema correlato, porm diferenciado do sistema social complexo original.

    [5.]investigar interaes entre fundamentos, estabelecendo-se lgicas de relacio-namento entre esses, como plataforma de acesso ao sistema, de forma integral, para fins da anlise.

    A terceira etapa (3. passo) completa uma perspectiva compreensiva do sistema social complexo; na quarta fase (4 passo), so desenvolvidas as bases de anlise, que viabilizao potenciais so intervenes, ou seja, condio equivalente na anlise clssica identificao de domnios de interaes pas-sveis de interveno, resultando em modificaes do sistema.

    Esse procedimento sugere primeira vista um processo dotado de relativa simplicidade, entretanto, em geral ele demanda tempo relativamente longo, se comparado s metodologias para sistemas fechados, por exemplo. Essa carac-terstica deriva do ritmo de avano das bases de compreenso, por implicar a construo de um quadro, que se constitui ou construdo gradativamente, pela composio de observaes que tm de ser combinadas, mantendo-se co-erncia interna, consistncia terica e aderncia aos resultados experimentais.

    Atividades de aplicao1. Cluster de negcios pode ser entendido como um sistema evolutivo

    supraempresarial, cujos principais componentes so empresas concen-tradas geograficamente, e que, com essa configurao, obtm vanta-gens competitivas em relao a empresas isoladas externas ao cluster ou a outro cluster menos evoludo. Por que essa definio no seria ade-quada a clusters de negcios?

    2. Ambos os sistemas, clusters e redes, apresentam fundamentos que inde-pendem de governana e fundamentos condicionados presena de go-vernana. Qual a diferena entre esses fundamentos, em termos prticos?

    3. Cite uma das razes pela qual a participao em um cluster de neg-cios deve ser encarada como uma deciso estratgica?

  • Por que sistemas supraempresariais?

    IntroduoOs sistemas supraempresariais (ou supraempresas), enquanto entidades

    manifestando caractersticas de comportamento individual e especfico (no resultantes da composio de atributos das empresas), so constitudos es-truturalmente por organizaes e operacionalmente por processos de inte-rao entre essas. Os dois aspectos singulares, que necessariamente preci-sam ser reconhecidos (figura 1) nesses sistemas so:

    sim

    AGRUPAMENTO DE EMPRESAS

    SISTEMA SUPRAEMPRESAS

    sim

    no

    no

    Instituio Espontnea?

    Funcionalidade Sistmica?

    O a

    utor

    .

    Figura 1 - Agrupamento de empresas X Sistemas supraempresas.

  • 52

    Clusters e Redes de Negcios

    funcionalidade sistmica e, portanto, provida de procedimentos inde-pendentes e autogerados de interao entre agentes e subsistemas, de mecanismos de feedback recprocos, de processos autgenos de ajusta-mento de fluxos e de acionadores espontaneamente desenvolvidos de aperfeioamento de operaes, interaes e de entrega de valor; e

    instituio espontnea e no intencional , ou seja, independente de decises orientadas de composio entre negcios ou orientaes deliberadas de construo de um supraprocesso interorganizacional, a partir de perspectivas lgicas de seus principais agentes: os negcios, que compem o sistema supraempresarial.

    Em decorrncia de sua constituio, esses sistemas (como, por exemplo, clusters e redes de negcios) no tm dono, personalidade jurdica, organo-grama etc. Sendo assim, no possuem chefes, superiores aos presidentes das empresas, ou sequer alguma estrutura hierrquica. Naturalmente, propriet-rios, acionistas e executivos do primeiro escalo das organizaes tenderiam a rechaar essa concepo, por implicar reconhecimento de que sua autonomia e autoridade subordinam-se, em alguma medida, a uma instncia superior.

    Entretanto, a necessidade de explicaes para a capacidade das entida-des supraempresas de se desenvolver, crescer e competir impe uma abor-dagem baseada na perspectiva estratgica de negcio, que decisores utili-zaram na definio de suas aes. Nesse sentido, a instituio de clusters e redes de negcios resulta de formas de pensar dos dirigentes de empresas isoladas que optam por configuraes de maior eficcia para os negcios e alternativas mais eficientes para seus processos.

    Configuraes de maior eficcia para os negcios significam, entre outras possibilidades, estruturas produtivas mais sustentveis, em termos de de-manda, busca por maior acesso a mercados, maximizao da probabilidade de alcance de objetivos organizacionais e minimizao de riscos associados remunerao do capital investido. Alternativas mais eficientes para seus processos envolvem, entre outras perspectivas, condies favorveis e per-manentes de reduo de custos, cenrios mais estveis de operao, faci-lidades de acesso a ganhos por desenvolvimentos de menor investimento e risco, situaes menos suscetveis a perdas por problemas com clientes, planejamento e programao inadequados, despesas no esperadas etc.

    Admitindo-se um pensamento de natureza estratgica, o resultado presu-mido das decises de gestores de negcios sugerem aes que incorporam a

  • Por que sistemas supraempresariais?

    53

    considerao privilegiada de dimenses associadas localizao e interao com outros negcios. Empiricamente, verifica-se importante correlao entre contextos de deciso organizacional de cunho estratgico e caractersticas de localizao de negcios e vnculos de relacionamento entre empresas.

    Embora, numa primeira anlise, faa sentido a constituio de clusters e redes de negcios, segundo uma viso estratgica das organizaes, ne-cessrio compreender a dinmica de instituio, desenvolvimento e evolu-o desses agrupamentos empresariais. Nesse sentido, tor