COCCO Giuseppe Capitalismo cognitivo trabalho redes e inovação 2

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    Bases conceituais empesquisa, desenvolvimentoe inovao:

    Implicaes para polticas no Brasil

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    Braslia DF2010

    Bases conceituais empesquisa, desenvolvimentoe inovao

    Implicaes para polticas no Brasil

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    C entro de G esto e Estudos Estratgicos (C G EE)Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e

    inovao: Implicaes para polticas no Brasil

    ISBN - 978-85-60755-27-1

    Presidenta

    Lucia Carvalho Pinto de Melo

    Diretor Executivo

    Marcio de Miranda Santos

    Diretores

    Antonio Carlos Filgueira Galvo

    Fernando Cosme Rizzo Assuno

    Edio / Tatiana de Carvalho PiresDesigner Grfico / Eduardo Oliveira

    Capa / Mayra Fernandes

    Diagramao / Gabriela Alves

    C entro de G esto e Estudos Estratgicos

    SC N Q d 2, Bl. A, Ed. C orporate Financial C enter sala 1102

    70712-900, B raslia, D F

    Telefone: ( 61) 3424.9600

    http://www.cgee.org.br

    Esta publicao parte integrante das atividades desenvolvidas no mbito do C ontrato de G esto C G EE 15

    Termo Aditivo/Ao/Subao: B ases conceituais em P& D e inovao /M C T/2009.

    Todos os direitos reservados pelo Centro de G esto e Estudos Estratgicos (C G EE). O s textos contidos nesta

    publicao podero ser reproduzidos, armazenados ou transmitidos, desde que citada a fonte.

    Impresso em 2010

    C 389b

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao:

    Implicaes para polticas no Brasil B raslia: C entro de G esto e Estudos

    Estratgicos, 2010.

    214 p.; il.; 24 cmISBN 978-85-60755-27-1

    1. Bases conceituais em pesquisa. 2. pesquisa, desenvolvimento e

    inovao Brasil. I. C G EE. II. T tulo.

    C DU 5/6(81)

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    Bases conceituais em pesquisa,desenvolvimento e inovaoImplicaes para polticas no Brasil

    Superviso

    Antonio Carlos ilgueira GalvoAntnio Glauter efilo Rocha

    Consultores

    Liz-Rejane Issberner (Coordenadora)Alessandro Maia PinheiroAnne-Marie Maculanabio StallivieriGiuseppe Cocco

    Jos Eduardo Cassiolato

    Maria ereza Leopardi MelloPaulo Bastos igre

    Equipe Tcnica CGEE

    Antnio Glauter efilo Rocha (Coordenador)

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    S

    . Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas parao debate Liz-Rejane Issberner

    . Indicadores de inovao e capitalismo cognitivo Giuseppe Cocco

    . Os servios de I e a inovao do sculo : necessidade de uma novaagenda para a produo de indicadores Alessandro Maia PinheiroPaulo Bastos igre

    . Indicadores de inovao: dimenses relacionadas aprendizagem Jos Eduardo CassiolatoFabio Stallivieri

    . A importncia das interaes para a inovao e a busca porindicadores Anne-Marie Maculan

    . Inovao, atividade inovativa e P&D na legislao: uma anlisecomparativa dos conceitos legais e suas implicaes Maria ereza Leopardi Mello

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    A

    O que ocorre de importante no ambiente de inovao que os indicadores tradicionais no mos-

    tram? aceitvel a ideia de que as empresas brasileiras sejam mais inovativas do que revelam os

    indicadores? Tais indagaes foram o ponto de partida da pesquisa Bases Conceituais em P&D e

    Inovao. O objetivo principal deste trabalho consiste em identificar e analisar condicionantes da

    inovao no mundo contemporneo e propor novas abordagens para a formulao de indicadores

    de pesquisa, desenvolvimento e inovao.

    A capacidade de inovao considerada a pedra de toque do desenvolvimento e da prosperidade

    dos pases, regies e empresas em nossos tempos. fonte de competitividade sustentvel e fator

    essencial para a gerao de riqueza e bem estar na sociedade. No por outra razo que os gover-

    nos e organizaes tanto se empenham para identificar meios para promover a inovao e aperfei-

    oar as formas de capturar e avaliar essas atividades. Desde a dcada de , um esforo contnuo

    vem sendo realizado por instituies e pesquisadores no sentido de aprofundar os conhecimentosrelativos inovao, o que significa identificar esses fenmenos, descrev-los, observar suas proprie-

    dades e regularidades, conceitu-los, elaborar metodologias de aferio e avaliao, etc. Sem isso, as

    polticas de inovao correm o risco de serem incuas, insuficientes, ou ainda, de seus resultados

    no serem identificados dentro de um quadro de referncias adequado.

    No estamos isolados na preocupao com o melhor entendimento do processo de P&D e inova-

    o. Os debates entre os especialistas sinalizam para o carter incipiente ou restrito das definies ecategorizaes das inovaes adotadas nos manuais que orientam as principais surveys e as meto-

    dologias para a elaborao de indicadores sobre inovao em um grande nmero de pases, inclu-

    sive o Brasil. Tal preocupao est refletida nas atuais agendas governamentais de vrios pases e nos

    programas temticos dos principais eventos internacionais da rea de indicadores e polticas de P&D

    e inovao (Blue Sky I e II e European Network of Indicator Designers, ENID).

    De fato, desde os primeiros manuais Frascati, originados por iniciativa da OCDE h algumas dcadas,

    muitos foram os avanos realizados na elaborao de indicadores. Apesar do imenso legado de estu-

    dos originados nas principais escolas dedicadas ao tema, ainda hoje muitas so as dificuldades de se

    apreender os fenmenos associados inovao. Apreender o processo de inovao perseguir um

    alvo mvel; inova-se hoje de forma diferente de como se inovava no passado. Detectar as transfor-

    maes, que esto sempre no passado, e desenhar polticas para o cenrio que est no futuro o

    principal desafio dos formuladores de poltica.

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    Tendo um carter exploratrio, o presente estudo traz como resultados no respostas definitivas ou

    ideias consolidadas, mas um conjunto de reflexes que sinalizam para questes relevantes na formu-lao de poltica e que podem servir para orientar a elaborao de futuras pesquisas mais aprofun-

    dadas sobre o tema. Trata-se aqui de inaugurar uma nova trajetria de investigao ou engendrar o

    incio de uma rodada de estudos e pesquisas visando revisitar e atualizar o arcabouo conceitual e

    metodolgico subjacente elaborao de indicadores e de polticas de inovao. Assim, desprovida

    da inteno de elaborar propostas consolidadas para a produo de indicadores de P&D e inova-

    o, a pesquisa buscou identificar novos enquadramentos tericos e metodolgicos para reorientar

    a percepo dos processos envolvidos nessas atividades, bem como lanar indagaes que faamavanar o conhecimento sobre o tema

    Para explorar as novas bases conceituais da produo de indicadores de pesquisa e desenvolvi-

    mento e inovao, foram convidados pesquisadores de reconhecida competncia nos seus respec-

    tivos campos de atuao. Eles contriburam com um conjunto de seis notas tcnicas sobre diferen-

    tes aspectos do tema, que foram transformadas em captulos desta publicao. So eles: Liz-Rejane

    Issberner , que tambm organizou esta publicao, Giuseppe Cocco, Alessandro Pinheiro, PauloTigre, Jos Eduardo Cassiolato, Fbio Stallivieri, Anne-Marie Maculan, Maria Tereza Leopardi Mello.

    O primeiro captulo visa trazer tona as ideias confluentes e divergentes encontradas nos captu-

    los subsequentes, perfazendo um sobrevoo pelos temas apresentados nas quatro notas tcnicas.

    Cumprindo tambm o papel de mapa para a leitura dos trabalhos, o primeiro captulo contm uma

    interpretao livre, estando assim sujeita a eventuais descompassos com ideias e abordagens desen-

    volvidas pelos autores. O segundo captulo, elaborado por Giuseppe Cocco, apresenta um pano-rama da economia atual sobre o qual enquadram-se as discusses sobre as formas de valorizao e

    de apreenso da inovao. Para isso, o autor identifica e discute o papel central do conhecimento

    no regime de acumulao que caracteriza a abordagem do capitalismo cognitivo, destacando a

    questo dos intangveis e das formas de trabalho nas redes.

    No terceiro captulo, Alessandro Pinheiro e Paulo Tigre discutem as formas de inovao nos servi-

    os intensivos em conhecimento, em particular os relacionados produo de software, que so

    hoje temas centrais devido ao potencial que detm de promover e difundir inovaes no tecido

    produtivo. As questes so desdobradas em sugestes para a elaborao de indicadores mais apro-

    priados para esse tipo de servio e para a elaborao de polticas no Brasil. No quarto captulo, Jos

    Cassiolato e Fbio Stallivieri abordam as diversas dimenses dos processos de aprendizagem envol-

    vidos na inovao, a partir da contribuio de algumas das principais vertentes do pensamento na

    rea. Alm disso, realizam um exerccio analtico com um conjunto de informaes retiradas da

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    Pesquisa de Inovao Tecnolgica (Pintec), demonstrando eventuais relaes entre indicadores de

    aprendizagem nas empresas e o desempenho inovativo em produto e processo. Por fim, os autoresapontam sugestes para a elaborao de indicadores de aprendizagem e elementos para polticas

    industriais e tecnolgicas.

    J Anne-Marie Maculan, no quinto captulo, discute as atuais transformaes relacionadas s formas

    de colaborao e de interao e ainda de formao de redes para a inovao, destacando as princi-

    pais questes envolvidas na chamada inovao aberta (open innovation). A autora chama a ateno

    para as implicaes dessas modalidades de atividade para as formas de apropriao dos resultadosde pesquisas e de acesso aos conhecimentos.

    Adotando uma abordagem jurdico-econmica, Maria Tereza Leopardi Mello debrua-se no sexto

    e ltimo captulo sobre dois temas relacionados poltica de inovao e s atividades de pesquisa

    e desenvolvimento no Brasil. Primeiramente, so apresentados e analisados os conceitos adotados

    nas trs leis brasileiras relacionadas ao tema, quais sejam: a Lei de Inovao (Lei ./), a Lei de

    Informtica (Lei ./) e a chamada Lei do Bem (Lei ./). Em segundo lugar so ana-lisadas, sob a perspectiva dos impactos sobre a inovao, as implicaes jurdicas das mudanas na

    contabilidade dos ativos intangveis introduzidas na Lei das S/A pela Lei n ./. Apesar do

    carter diferenciado dos demais captulos, o estudo se reveste de substancial importncia medida

    em que investiga as especificidades do ambiente institucional da poltica de C&T brasileira e possibi-

    lita uma avaliao detalhada do desempenho das diferentes polticas pblicas de inovao.

    Lucia Carvalho Pinto de Melo

    Presidenta do CGEE

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    Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    1. Em direo a uma nova abordagem da inovao:

    coordenadas para o debate

    Liz-Rejane Issberner1

    1.1. Introduo2

    Neste captulo de abertura sero discutidos de forma transversal os temas que os demais autores

    apresentaro nos captulos que se seguem, ou seja, a inovao no capitalismo cognitivo, inovao

    no setor servios, aprendizagem para a inovao e inovao em redes. A ideia aqui colocar os tpi-cos discutidos pelos autores em contraposio uns com os outros, identificando as diferentes pers-

    pectivas adotadas e vislumbrando complementaridades, eventuais convergncias e tambm diver-

    gncias. Ao final, so relacionadas as principais questes derivadas deste trabalho que podem con-

    tribuir para subsidiar futuras pesquisas voltadas para a elaborao de indicadores e polticas de ino-

    vao apropriadas p ara o atual estgio da economia. Embora os temas abordados pelos autores no

    tenham sido concebidos com a inteno de seguir uma lgica, possvel estabelecer certos nexos

    entre os assuntos tratados, mesmo considerando as eventuais superposies e lacunas existentes.

    Em linhas gerais, um fio condutor possvel para as leituras dos textos parte de uma apresentao

    crtica elaborada por Cocco sobre o atual cenrio em que o capitalismo cognitivo se organiza, con-

    dicionando as atividades de inovao, suas estratgias e polticas. A partir da descrio feita por

    Cocco, possvel derivar duas categorias analticas. Uma referente s redes de interaes, entendi-

    das como os canais que servem de base para os fluxos de informaes entre os diferentes agentes,

    1 Liz-Rejane Issberner doutora em engenharia de produo na rea de inovao e organizao industrial (Coppe/URJ) e pesqui-sadora titular do Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e ecnologia (IBIC)

    2 A autora agradece a preciosa colaborao de Alessandra Morgado Ramiro de Lima, mestranda do Programa de Ps-Graduaoem Cincia da Informao - convnio IBIC/URJ, no trabalho de organizao da pesquisa que gerou essa publicao..

    3 A citao dos nomes de Giuseppe Cocco, Maculan, Pinheiro e igre, Cassiolato e Stallivieri efetuada vrias vezes neste captulorelaciona-se aos trabalhos apresentados neste volume. Por esse motivo, no feita a referncia autoral completa.

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    Liz-Rejane Issberner

    e outra categoria referente prpria natureza da informao e sua finalidade bsica, que de gerar

    e transformar conhecimentos.

    A primeira categoria analtica, ou camada estrutural do capitalismo, comporta as redes baseadas

    em tecnologias de informao e comunicao (TIC). De acordo com Cocco, o capitalismo cog-

    nitivo recorre s TIC para organizar a produo dentro da prpria rede de circulao ou propa-

    gao da produo.

    Pinheiro e Tigre focalizam seu trabalho justamente na parte mais valorizada das redes, ou seja, nosservios baseados em TIC, particularmente no mercado de softwares. Certamente a infraestrutura

    (mquinas e equipamentos e demais dispositivos fsicos que compem as redes) so tambm fun-

    damentais na dinmica produtiva atual, mas no centrais, j que elas existem para dar suporte ao

    fluxo de informaes e mediar a prestao de servios.

    Desdobrando o outro aspecto do capitalismo cognitivo, qual seja, o das redes enquanto meio de

    propagao de significados e valorizao produtiva, Cocco assume que as redes detm um papelsemelhante ao das fbricas do capitalismo industrial. Tem-se a uma segunda categoria analtica,

    referente a um espao relacional onde ocorrem as interaes, onde os conhecimentos so gerados e

    transmitidos e tambm onde se desenvolvem diferentes formas de aprendizagem. Certamente, essa

    categoria no est separada da primeira. Ao contrrio: ela est fundamentada nos servios que do

    funcionalidade s redes e permitem operar um enorme conjunto de tarefas especializadas, propicia-

    das no mbito das redes. sobre ela que sero construdos os diversos dispositivos de comunicao

    e delimitadas as esferas de interaes, seja a partir de redes formais ou informais, empresariais, acad-

    micas ou governamentais, de blogs, ou qualquer outra entre as diversas modalidades de interao.

    As redes so tambm cada vez mais estudadas como um importante ambiente de inovao e uma

    instncia de agenciamento de aprendizagem, evidenciando que, no mundo atual, para se tornar

    inovativo, o aprendizado e a interatividade precisam andar juntos. Esses dois temas so transversais

    nas abordagens que formam o conjunto deste trabalho, sendo que Stallivieri e Cassiolato tratam da

    aprendizagem de forma mais aprofundada. Esses autores investigam especificamente o aprendizado

    voltado para a inovao, destacando a natureza interativa que essa atividade vem assumindo emface crescente complexidade e riscos envolvidos nesse processo.

    A interatividade no processo de inovao o foco do trabalho de Maculan, destacando que, junta-

    mente com o aprendizado, as formas de interao tm seu desenvolvimento fortemente associadas

    disponibilidade das tecnologias da informao, cuja importncia estratgica est na possibilidade

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    Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    de integrar concretamente atividades de pesquisa espacialmente dispersas, resultando na formula-

    o dos conceitos de redes de pesquisa e de redes de conhecimento.

    R PDI

    Na tentativa de se chegar s razes pelas quais se deve buscar novos caminhos para elaborar indi-

    cadores de P&D e Inovao, foram elencados alguns argumentos, baseados nos textos dos autores,

    que fornecem evidncias ou indcios importantes para essa compreenso:

    Porque a noo de valor se transformou - no se trata apenas de que as referncias de valor

    mudaram, mas a prpria noo de valor que j no mais a mesma.

    Porque os indicadores que hoje existem foram moldados em outra poca - as mudanas em

    relao fase anterior e as principais caractersticas da atual fase do capitalismo cognitivo

    e suas tendncias precisam ser avaliadas visando direcionar a elaborao de indicadores

    para reas crticas do processo de inovao.

    Porque o setor servios hoje considerado o motor da economia no entanto, os indica-

    dores de inovao adotados nos principais surveys foram elaborados tendo em conta o

    setor manufatureiro.

    Porque ainda sabemos pouco sobre o papel do aprendizado na inovao o conhecimento

    um fator-chave do processo inovativo, mas cabe indagar: que tipo de conhecimento se

    deve buscar e gerar alm dos cientficos e tecnolgicos? Como se obtm conhecimentos?

    Com quem se aprende? Dentro da prpria organizao? Com clientes? Com fornecedores?

    E ainda, de que forma as surveys apreendem o processo de aprendizado?

    Porque a interao e colaborao vm ganhando importncia ante o esquema tradicional

    linear de se conceber o processo inovativo - as redes de informao baseadas na internet e

    a chamada inovao aberta (open innovation), do um novo sentido e significado s rela-

    es entre a cincia, a tecnologia e conhecimentos de outra natureza.

    A natureza das transformaes: da evoluo para a mutao

    No captulo , Cocco se dedica tarefa de desenhar os contornos do panorama contemporneo,

    conformando uma paisagem de ideias sobre a qual pensar a inovao, seus indicadores e polticas.

    O autor traa um cenrio que se afirma a partir de uma crise do valor, ou do que seria o padro de

    referncia do valor. Para discutir o processo de valorizao dentro do capitalismo contemporneo,

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    Liz-Rejane Issberner

    Cocco montou um esquema analtico que se desenvolve no entrecruzamento de duas linhas de

    reflexo: de um lado, o capitalismo cognitivo, que captura valor dentro das dinmicas cogniti-vas (crise do ponto de vista do capital) e sociedade plen (crise do ponto de vista do trabalho).

    Dos termos que resultam dessa operao, temos uma nova perspectiva sobre o valor, vale dizer,

    no apenas do que valorizado, mas a prpria noo de valor. Essa resultante analisada sob um

    ponto de vista antropolgico em que o valor derivado da capacidade de criar significados ou de

    criar mundos. Em seguida, se encontra uma tentativa de por meio de uma figura, representar este

    esquema analtico:

    CAPITALISMOCOGNITIVO

    capitalSOCIEDADE PLEN

    trabalho

    VALOR

    noo de valor

    MODELO ANTROPOGENTICO

    produo do homem

    F 1: Eq

    Nessa abordagem, o conhecimento a chave para explicar o modo de produo contemporneo.

    Para esse autor, o conhecimento era j um fator-chave no capitalismo ps-fordista que antecedeu

    o modelo vigente, mas estava relacionado de forma diferente, com a produo de mercadorias. No

    modelo passado, a produo de mercadorias se d por meio do conhecimento, ou seja, o conheci-mento um meio ligado a uma finalidade: produzir bens. J no capitalismo atual, o conhecimento

    permanece sendo um meio, mas passou a ser tambm um fim, ou seja, a relao de produo que

    gera valor agora produo de conhecimento por meio de conhecimento.

    Da importncia renovada do conhecimento - enquanto meio de produo e finalidade produtiva

    - deriva a denominao de capitalismo cognitivo. Entretanto, nessa passagem do capitalismo, o

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    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

    Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    conhecimento perdeu o seu padro de referncia de valor, que eram os bens materiais produzidos

    por seu intermdio. O valor no est no produto fsico; o que ele vale depende de um cenrio (oumundo) forjado para o seu uso ou consumo. Nessa perspectiva, o valor gerado medida que o

    significado associado a um bem fsico se propaga nas redes de interao.

    No capitalismo cognitivo, o trabalhador do conhecimento entendido como o criador de mundos

    (RULANI, , apud COCCO), de significados para os bens fsicos. Para ilustrar esse ponto, Cocco

    se vale de um exemplo retirado do Relatrio Lvy-Jouyet () relativo empresa norte-americana

    Nike, onde os custos de fabricao dos sapatos esportivos so estimados em no mais do que dopreo de venda total. A parcela restante equivale remunerao dos seus ativos imateriais, ou seja,

    marcas, pesquisas, patentes, know how, etc.

    A via da terceirizao e da terciarizao

    Com a finalidade de analisar as transformaes da atual fase do capitalismo pelo lado do trabalho,Cocco emprega o termo terciarizao para se referir ao avano do setor tercirio, ou de servios,

    sobre os demais. Essa noo est imbricada com a de terceirizao dos servios como tendncia

    crescente das relaes de trabalho, onde trabalhador e empregado passam a ser entidades desi-

    dentificadas. O divrcio entre emprego e trabalho significa que o trabalhador est submetido a

    uma relao com o empregador baseada na prestao pessoal (terceirizada) de servio que, por sua

    vez, alimenta o processo de terciarizao. Ou seja: o empregado pode perder o seu vnculo empre-

    gatcio, mas manter o seu trabalho como terceirizado, ou autnomo. Cocco assegura ainda que o

    avano do setor tercirio na economia (terciarizao) implica que as relaes de produo se tornam

    relaes de servios, no seio das quais as relaes pessoais ganham cada vez mais relevncia. Posta

    em prtica, tal dinmica vai mobilizar para a sua operacionalizao certas habilidades do trabalha-

    dor, principalmente comunicativa, lingstica e afetiva (como voc afeta e/ou afetado), que se d

    nas redes de interao.

    Em que pese o avano do processo de terciarizao na reorganizao produtiva atual, ainda no

    esto suficientemente desenvolvidos os esquemas de representao e as metodologias de investiga-o da inovao nesse setor. No captulo , Pinheiro e Tigre identificaram a precariedade das meto-

    dologias de pesquisa da OCDE que norteiam as iniciativas da maior parte dos pases, sublinhando

    4 importante considerar que a temtica do avano do setor tercirio na economia e o seu potencial transformador foi identifi-cada e estudada por autores como ritz Mashlup (1962), aniel Bell (1976), Marc Porat (1977), por volta dos anos 1970. Adotandodiferentes denominaes para assinalar a emergncia de um novo cenrio, tais como economia do conhecimento, sociedade ps-industria, etc., tais autores contriburam para identificar as caractersticas do setor tercirio, seu tamanho relativo, bem como as

    principais transformaes na esfera ocupacional e produtiva.

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    Liz-Rejane Issberner

    que continuam impregnadas de uma concepo de valor baseada em bens fsicos, tipicamente da

    fase do capitalismo industrial. As conseqncias desse vis das pesquisas se refletem diretamentenos pressupostos das polticas de CT&I adotadas mundo afora.

    As redes de colaborao

    As redes j vm sendo utilizadas como uma base de inovao h algum tempo, seja em projetos

    cientficos ou tecnolgicos de carter comercial ou acadmico, mas ainda so um desafio para umaatividade que se fazia tradicionalmente intramuros, em muitos casos cercada de segredo.

    Para falar da importncia das redes na criao de valor, Cocco fala da sociedade plen, utilizando a

    analogia da produo de mel pelas abelhas, em que a organizao e o processo de colheita do mel

    so menos importantes do que a polinizao das flores para o desenvolvimento da agricultura e

    das florestas. Para o autor, o trabalho imaterial e relacional de produo por propagao de signi-

    ficados (ou mundos nos quais o consumo de produtos ganha sentido e valor), muito mais inten-sivo em inovao e criatividade do que o trabalho direto (material) e instrumental de produo de

    suportes materiais. Sob essa lgica, as redes de interao e colaborao so como fbricas de criao

    de significados e sentido que se agregam aos bens fsicos que sero consumidos.

    A noo de sistemas de inovao adotada por Cassiolato e Stallivieri , de alguma forma, compatvel

    com a noo de redes de inovao, embora a nfase dessa abordagem privilegie mais a influncia

    simultnea de fatores organizacionais, institucionais e econmicos no processo de inovao. Na

    medida em que as redes intensificam o fluxo de informao e as interaes elas detm um enorme

    potencial de promover o aprendizado e a gerao de conhecimentos.

    O uso das redes no processo de inovao destacado por Maculan como um tema emergente que

    traz para o debate questes como a escolha das organizaes com que se pretende cooperar, os

    fatores que possibilitam as interaes, os objetivos especficos - e, s vezes, conflitantes - dos atores

    dentro das redes, a governana das redes de pesquisa, as modalidades de apropriao, as condies

    de aplicabilidade da propriedade intelectual.

    Sob outra perspectiva, Pinheiro e Tigre destacam o papel das TIC na configurao de redes de cola-

    borao, assinalando que, sem essa infraestrutura, as tecnologias digitais que auxiliam o processo de

    inovao mais diretamente, a exemplo dos softwares para design, no poderiam materializar seu grande

    potencial, qual seja o de integrar e intensificar o processo de inovao em nveis sem precedentes.

    B it i i d l i t i

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    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

    Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    De fato, esse processo de transformao coletivo e contnuo de conhecimentos, ideias e sentidos

    que ocorre nas redes faz com que assumam cada vez mais o status de locus de gerao de conhe-cimento e, portanto, de aprendizado. De alguma forma, essa noo contribui para o entendimento

    do processo de inovao, complementando o conceito schumpeteriano, que define que o locus

    da inovao a firma, pois a firma que leva os novos produtos ou servios ao mercado onde sero

    ou no validados.

    A dinmica da aprendizagem: reciclando conhecimentos

    A aprendizagem um tema abordado pelo conjunto de autores desse trabalho, mas esse assunto

    adquire centralidade no trabalho de Cassiolato e Stallivieri, no captulo . Segundo os autores, a par-

    tir de estudos recentes no contexto da inovao, possvel perceber que o tema do aprendizado

    tem sido mais investigado do que o do conhecimento. Mas essa dimenso central do processo de

    inovao ainda no encontra suporte metodolgico e analtico adequado. Tal dificuldade expressa

    pelos autores quando enunciam alguns temas que deveriam ser tratados na busca por um conjuntode indicadores de aprendizagem para o Brasil: Como tratar as atividades e recursos intangveis que

    caracterizam os novos setores e a informalidade presente nesses pases (servios, por exemplo)?

    Sob a perspectiva do capitalismo cognitivo apresentada por Cocco, a produo de conhecimento por

    meio de conhecimento configura um caminho de aprendizagem que se propaga gerando sempre

    novas formas, verses, variaes da base do conhecimento de onde se originou. Embora o autor no

    faa outras referncias explcitas ao processo de aprendizagem no seu trabalho, de alguma forma ele

    encontra-se subjacente na explicitao do esquema de produo/propagao de conhecimentos.

    A partir da anlise de Cocco, presume-se que a aprendizagem e a inovao se juntam dentro de uma

    dinmica coletiva de produo de mundos. Enquanto se propagam no mbito das interaes ocor-

    ridas nas redes, os velhos conhecimentos sofrem mutaes sucessivas de um contexto para outro,

    agregando e recombinando saberes. O autor explica que o novo conhecimento no apenas deve

    reproduzir o seu input (o conhecimento anterior); ele deve voltar a gerar suas prprias premissas,

    reconstruindo as condies de um novo incio do ciclo produtivo.

    Assim, mantm-se ativas as condies que justificam a propagao do conhecimento e seu novo

    uso em contextos que so sempre diferentes. Isso porque o fator produtivo (conhecimento) no foi

    consumido pelo uso, como acontece na produo de mercadorias por meio de mercadorias, onde o

    output deve repor o input que foi destrudo na produo de um bem fsico. Dessa forma, possvel

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    C entro de G esto e Estudos EstratgicosCinc ia, Tecnolog ia e Inovao

    Liz-Rejane Issberner

    entender a rede como uma verdadeira usina de reciclagem, em que o conhecimento anterior

    matria-prima do novo conhecimento que, portanto, no se degenera, ao contrrio, ele gerado eregenerado num moto contnuo.

    Sem dvida, identificar as caractersticas do processo de aprendizado e sua relao com a inovao

    traz novos desafios conceituais e metodolgicos. Para explicitar o papel diferenciado do aprendi-

    zado na fase anterior, em relao ao capitalismo cognitivo de hoje, foi elaborado o esquema estili-

    zado a seguir, no qual, por meio das figuras e , se evidencia o aprendizado tpico de cada umas

    dessas duas etapas.

    Na fase anterior do capitalismo (figura ), a inovao envolve um aprendizado voltado essencial-

    mente para a elaborao de um bem fsico, o que significa que est associado capacidade de proje-

    tar produtos e processos novos (inclusive a partir de investimentos em P&D). Tendo como finalidade

    um novo bem fsico, o aprendizado envolve o conhecimento sobre a manipulao e operao de

    matrias-primas e outros bens fsicos, alm de aspectos cognitivos e relacionais. Na figura , que repre-

    senta o a dinmica do capitalismo cognitivo, o aprendizado envolve basicamente a transformao deconhecimento antigo em conhecimento novo, ou seja, o conhecimento um insumo que, por meio

    do aprendizado das pessoas, permite a gerao de novos conhecimentos. Tendo como finalidade o

    intangvel (conhecimento novo, ou um sentido no qual um bem fsico ir se agregar), o aprendizado

    est associado a uma transformao que se d na esfera do intangvel, o que significa que ela engen-

    dra um processo de comunicao e no de manipulao, como na fase anterior do capitalismo.

    ConhecimentoAntigo

    Bem fsico novo

    PRODUTO

    FABRICAO

    INSUMO

    APRENDIZAGEM

    F 2: D

    Bases conceituais em pesquisa desenvolvimento e inovao

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    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

    Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    ConhecimentoAntigo

    ConhecimentoNovo

    PRODUTO

    COMUNICAO

    INSUMO

    APRENDIZAGEM

    F 3: D

    O Imaterial

    O capitalismo cognitivo tem como uma de suas caractersticas a preponderncia do trabalho e da

    produo do imaterial no mbito do que Cocco denomina de fbrica do imaterial. As caractersti-

    cas da fbrica do imaterial no guardam semelhanas com as de uma firma, mas se aproximam s

    de uma cadeia produtiva perpassada por informaes. Apesar de constituir-se na parte mais valo-rizada do processo produtivo, a apreenso do processo de inovao no tarefa fcil, uma vez que

    possui caractersticas muito prximas do trabalho de criao de bens culturais. So inmeros os

    exemplos na rea do design de grife que ilustram a menor importncia do material na valorizao de

    um produto quando comparada com o imaterial. O imaterial e sua conexo com a noo de intan-

    gvel outro tema transversal nos textos dos autores desta obra. De fato, a elaborao de bases con-

    ceituais capazes de representar as caractersticas e propriedades das inovaes dos ativos intangveis,

    bem como a definio de metodologias para captar, medir e comparar os aspectos envolvidos nesse

    processo, continua a desafiar os pesquisadores em todo o mundo.

    Cocco ressalta que uma proposta para o desenvolvimento de novos indicadores de inovao para o

    imaterial passa pela criao de uma infraestrutura de conhecimento, onde as trs categorias cita-

    das pelo autor, a partir do relatrio Lvy e Jouyet (), podem ser um ponto de partida. So elas:

    (a) Os investimentos (tecnolgicos) em Pesquisa & Desenvolvimento e no desenvolvimento

    de softwares se traduzem assim em ativos de patentes, know how, design e modelos e, obvia-mente, softwares.

    (b) Os investimentos (ligados ao imaginrio) de propaganda e comunicao se consolidam em pro-

    priedade intelectual e artstica e marcas.

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    gCinc ia, Tecnolog ia e Inovao

    Liz-Rejane Issberner

    c) Os investimentos (gerenciais) em educao e formao contnua e em softwares e outras tecno-

    logias da informao e da comunicao, bem como as despesas de marketing, se consolidam emcapital humano, database de clientes, fornecedores, assinantes, suportes de venda, cultura gerencial

    e especficos processos de organizar a produo.

    Quest-ce que la proprit?

    O que a propriedade? Com esse ttulo a obra de P. J. Proudhon () discute a instituio da pro-priedade, em uma poca em que a terra e os produtos fsicos da industrializao nascente eram a

    principal fonte de riqueza. Proudhon responde a sua prpria indagao afirmando que a proprie-

    dade o roubo. Dentro da dinmica atual do capitalismo cognitivo, a pergunta de Proudhon pre-

    cisa ser recolocada: o que a propriedade nesta fase de passagem para o capitalismo cognitivo?

    As caractersticas atuais da produo de conhecimento por meio de conhecimento, associada

    lgica da valorizao dos produtos, , em muitos casos, incompatvel com a noo de propriedadeque prevaleceu na fase anterior do capitalismo. Isso porque o regime de propriedade individual,

    antes vinculado ao processo de apropriao das foras produtivas do trabalho, dificilmente se aplica

    a um processo social de gerao de conhecimento em redes de colaborao e compartilhamento

    de saberes. O que hoje se observa que os direitos de propriedade adquiridos na forma de copyright

    e patentes tm dificuldade de se sustentar, principalmente no que se refere aos bens imateriais. Os

    motivos para isso so vrios, como alertam Cocco e Maculam, inclusive porque as tentativas de

    enquadramento da produo desses bens em regimes jurdicos de propriedade no logram impedir

    a cpia e reproduo dos bens cognitivos, como se v diante da proliferao da pirataria. Alm disso,

    as iniciativas visando apropriao privada desses conhecimentos criam, mesmo que temporaria-

    mente, impedimentos ao livre fluxo de informaes nas redes, comprometendo a sua proliferao

    e, portanto, a gerao de inovaes.

    Nesse quadro, a adoo de polticas pblicas para a inovao constitui-se em um srio desafio.

    Cocco adverte que as polticas precisam considerar que a apropriao privada do conhecimento

    que se gera nas redes no favorece a inovao; ao contrrio, inibe a continuao de gerao e rege-nerao de conhecimento. Assim, a dinmica inovativa deixaria de estar associada conquista de

    um monoplio temporrio sobre um conhecimento e exclusividade, mas, sim, capacidade de

    transformar e recriar novos significados.

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    21Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    Maculan assinala que a discusso associada inovao aberta (open innovation) considera que a

    colaborao entre atores detentores de conhecimentos est transformando a estratgia de prote-o exclusiva pela propriedade intelectual. A autora cita o argumento de Chesbrough () que

    afirma que essa estratgia de proteo e apropriao da inovao hoje ineficiente. Assim, a cola-

    borao com outros atores detentores de conhecimentos que permite reduzir o prazo de desen-

    volvimento da inovao e acelerar a introduo dos novos produtos no mercado est se sobre-

    pondo estratgia de proteo exclusiva pela propriedade intelectual.

    preciso considerar que as grandes empresas que efetuam P&D buscam encontrar novas modali-dades de valorizao dos conhecimentos gerados nas atividades de pesquisa. Para isso, investem no

    desenvolvimento de mecanismos de proteo ou apropriao de conhecimentos capazes de valo-

    rizar os resultados da inovao e, assim, assegurar os seus lucros. Entretanto, o que atualmente se

    verifica, que a valorizao dos novos produtos est se dando por outras vias que no a proteo;

    paradoxalmente, se d pela propagao dos conhecimentos. Em muitos casos, bem possvel que

    a proteo intelectual sirva at mesmo como um mecanismo inverso, ou seja, um mecanismo de

    desvalorizao de uma inovao.

    Da mo de obra para a mente de obra

    medida que o homem o nico dotado de um aparato cognitivo e, portanto, capaz de apren-

    der e gerar conhecimentos, ele ganha centralidade no processo de valorizao produtiva. E, ainda, a

    aprendizagem passa a ser uma prtica contnua do trabalhador do conhecimento. No por outra

    razo que esse tema tem sido discutido to amplamente como fonte principal de inovao e foco

    de polticas, como destacam Cassiolato e Stallivieri.

    O trabalhador cognitivo mobiliza na sua atividade inovativa no apenas novos e velhos conheci-

    mentos, mas tambm capacidade comunicativa e relacional. De acordo com Fumegalli (, apud

    Cocco), se os fatores de crescimento so imputveis diretamente atividade humana (...), ou seja,

    produo de formas de vida, a criao de valor agregado que define a natureza da atividade

    humana. Isso vale tambm para a inovao. Precisamos de indicadores que levem em conta as ino-vaes humanas: oframingdo qual temos que dar conta aquele de uma bioeconomia, ou seja,

    da economia como produo de formas de vida.

    No que toca elaborao de indicadores de inovao, um dos principais desafios na abordagem do

    capitalismo cognitivo est na qualificao de recursos humanos. A dificuldade est em definir como

    C entro de G esto e Estudos EstratgicosCi i T l i I

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    Cinc ia, Tecnolog ia e Inovao

    Liz-Rejane Issberner

    se qualificam os novos produtores de conhecimento que tm pela frente a tarefa de gerar os signifi-

    cados que sero atribudos aos bens materiais, ou seja, tero que desenvolver habilidades e exercitara criatividade para criar mundos possveis nos quais vincular os bens materiais.

    I I

    Em linhas gerais, o esforo dos autores deu-se principalmente na direo de melhorar a visibilidade

    dos fenmenos que se processam no ambiente de inovaes no setor de servios, particularmentena produo de software, e, assim, possibilitar a elaborao de parmetros de pesquisas mais apro-

    priados para atividade, bem como de polticas de inovao mais apropriadas.

    Tendo como tema os servios baseados em TI, Pinheiro e Tigre apresentam as caractersticas des-

    sas atividades e propem categorias que so analisadas a partir da sua dinmica produtiva e do seu

    mercado. Alm disso, analisam essas categorias sob o ponto de vista das oportunidades/dificuldades

    de atuao das empresas brasileiras e das estratgias de inovao necessrias. Dessa forma, trazem

    luz elementos importantes para a formulao de polticas e tambm subsdios para a elaborao

    de indicadores especficos para esses servios e para o contexto brasileiro.

    No que toca ao tema dos indicadores, os autores assinalam que, enquanto as inovaes no setor

    servios continuarem sendo mensuradas e avaliadas a partir de conceitos e instrumentos desen-

    volvidos para o setor manufatureiro, poucos sero os meios para se conhecer o que se passa nesse

    setor estratgico. Segundo Pinheiro e Tigre, mesmo a verso mais recente do Manual de Oslo, que

    a referncia internacional para a elaborao de surveys, no adota ainda um enquadramento meto-

    dolgico satisfatrio para representar as inovaes do setor servios. Considerando que atualmente

    j existe uma percepo bastante consolidada entre os estudiosos da rea de inovao acerca da

    importncia do setor servios e da sua natureza distinta em relao aos demais, o atraso na adoo

    de indicadores especficos nas surveys possivelmente est associado s dificuldades em capturar as

    caractersticas intrnsecas da atividade inovativa e, mais ainda, manter as bases de comparao com

    as atividades manufatureiras. Assim, o trabalho dos autores representa uma contribuio significa-

    tiva para o aprimoramento dos estudos sobre a inovao nesse setor.

    Na tentativa de caracterizar o setor servios, Pinheiro e Tigre utilizam o trabalho de Ian Miles ()

    como referncia bsica. Esse autor considera os seguintes atributos como distintivos desse setor: a

    (o custo do elemento fsico representa uma pequena frao do custo total do bem)

    e a (participao ativa e conjunta). Tais atributos so muitas vezes acompanhados de

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    23Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    trs outros: a (produo, processo e consumo ocorrem ao mesmo tempo); a x

    (dificuldade em armazenar e transportar), e a f (alto con-sumo de informao gerando fluxos entre os parceiros). Note-se que tais caractersticas so bastante

    prximas daquelas consideradas por Cocco na abordagem do capitalismo cognitivo.

    O foco dos autores est nos Servios Empresariais Intensivos em Conhecimento (Knowledge-Intensive

    Business Services - KIBS) que so considerados como intensivos em informao e tendo uma traje-

    tria inovativa altamente dependente da difuso das TIC. Assim, apropriando-se de noes dispon-

    veis na literatura recente, Pinheiro e Tigre elaboraram um modelo dinmico de inovao em serviosTI (MODIS) que foi aplicado a trs segmentos de software no mercado brasileiro: Software-pacote;

    Servios em software de baixo valor agregado e Servios em software de alto valor agregado. O resul-

    tado mostra um quadro bastante especfico, onde esses trs segmentos (discriminados tambm

    de acordo com a origem nacional ou estrangeira do capital) so avaliados segundo suas funes

    especficas e as condies particulares de mercado. Para cada um deles, so apresentadas opes

    estratgicas de competio no mercado e os padres de inovao vigentes. A partir da anlise desse

    conjunto de fatores, so sugeridos tpicos para a elaborao de indicadores de inovao.

    A anlise de Pinheiro e Tigre traz insights que podem proporcionar importantes desdobramentos

    para a promoo de polticas no setor. Isso porque permite direcionar de forma discriminada o foco

    para um ou outro segmento de servios baseados em TIC. Fica patente nesse estudo que a questo

    da aprendizagem crucial para o desenvolvimento do setor e que, para ser bem sucedida, qualquer

    estratgia de inovao nesse domnio ter que enfatizar necessariamente o tema da aprendizagem.

    Merece destaque, pelo seu potencial de aplicao, a classificao elaborada por Miles, que discri-

    mina os tipos de aprendizagem que necessitam ser desenvolvidos ante a dinmica inovativa de cada

    segmento do setor servios baseados em TIC.

    Os autores citam que a falta de capacidade gerencial e organizacional tida como um problema

    mundial das empresas de software, pelas suas prprias caractersticas: indstria relativamente recente

    e com maioria de pequenas empresas, cujas atividades muitas vezes esto assentadas em estruturas

    no formalizadas (processos internos sem projeto e projetos internos de inovao) e modalidades

    informais de cooperao e coordenao, sem mecanismos planejados de apropriao dos resulta-dos do esforo inovativo.

    Do ponto de vista do capitalismo cognitivo, esse pode ser um campo promissor de estudos visando

    elaborao de polticas de inovao. Em muitos casos, a inovao precisa ocorrer no modelo de

    negcios. Sendo esta uma atividade que est no centro da atual fase do capitalismo, cabe investigar

    em que medida ela no est adotando modelos gerenciais ultrapassados. Caracterizando-se como

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    Cinc ia, Tecnolog ia e Inovao

    Liz-Rejane Issberner

    uma atividade intrinsecamente voltada para contedo e, em especial, criao de significado, pos-

    svel que requeira um tipo de organizao mais flexvel. Na rea de criao de software, que tem nacriatividade um elemento bsico da atividade inovativa, um ambiente aberto de troca de informa-

    o entre diferentes agentes poderia ser estimulado.

    Ao analisar as opes de estratgias e opes de inovao para os trs setores de produo de soft-

    ware considerados (pacote, baixo valor agregado e alto valor agregado), os autores identificam no

    segmento de software-pacote poucas oportunidades para as empresas nacionais. Entretanto, obser-

    vam que as empresas multinacionais estrangeiras que dominam o mercado brasileiro, por diversasrazes, inovam pouco no mercado interno. Por outro lado, as empresas brasileiras, ainda que pouco

    importantes nesse segmento, so as que detm maior propenso a inovar. Fazendo um nexo com

    a abordagem do capitalismo cognitivo, particularmente no que se refere criao de significados e

    de mundos como forma de produo de valor, seria mesmo de se esperar que empresas produtoras

    de contedo para o mercado brasileiro sejam mais aptas a criar mundos apropriados ao ambiente

    domstico do que as estrangeiras. Assim, a constatao de Pinheiro e Tigre, de certa forma, confirma

    essa tendncia.

    A

    Cassiolato e Stallivieri investigam a questo da aprendizagem, que considerada na atualidade um

    processo fundamental da inovao, no entanto ainda pouco compreendido. Buscam na literatura

    recente pontos de interesse nos quais basear uma anlise especfica para o caso brasileiro que rea-

    lizam no final do trabalho. Os autores apresentam as diferentes vises sobre a aprendizagem nombito das conferncias Blue Sky I e II, do Projeto DISKO e da NESTA. Cada uma dessas entidades

    se dedica ao estudo da aprendizagem, aportando distintas nfases em seus estudos. Entretanto, os

    autores assinalam que ainda falta a essas iniciativas diferenciarem, de forma mais precisa, as espe-

    cificidades das inovaes em produtos daquelas em processos tanto no setor servios, como no

    manufatureiro.

    Um ponto importante destacado pelos autores refere-se relevncia de indicadores externos aocontexto da Cincia e Tecnologia (C&T), para explicar o desempenho dos setores ligados inovao.

    Para isso, foi citado o relatrio do Blue Sky , que atesta que possvel enumerar avanos recentes

    em outras reas que contribuem para o entendimento dos fluxos e da base de conhecimento, trans-

    formando-os em indicadores que buscam captar o carter sistmico do processo inovativo, como

    por exemplo: formas e caractersticas dos processos de aprendizagem, estimativas da produtividade,

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    25Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    estatsticas educacionais e esforos de capacitao de RH, estatsticas da sociedade da informao,

    estatsticas de empresas multinacionais, dentre outros. Cassiolato e Stallivieri destacam que a ori-ginalidade dessa percepo est no fato de que revela a dependncia da inovao de outros fato-

    res que no so tipicamente do ambiente cientfico. Uma implicao importante que se pode

    deduzir desse ponto levantado pelos autores de que no s com polticas de CT&I que se

    promovem inovaes.

    Os autores, de certa forma, compartilham algumas ideias do grupo de Aalborg quando mencio-

    nam que, para eles, o conhecimento um recurso central e um fator de desenvolvimento, mas oque mais importa a capacidade de produzi-lo, dissemin-lo e utiliz-lo, ou seja, a aprendizagem.

    Tambm merece destaque explicao dos autores relacionada com o indicador de capacidade de

    absoro desenvolvido pelo grupo de Aalborg, que expressa a possibilidade de os pases absor-

    verem os fluxos de informao e de conhecimento. Os estudiosos dessa escola definem a capa-

    cidade de absoro como a capacidade da firma de reconhecer novas informaes, assimil-las e

    aplic-las a fins comerciais. Levando-se em conta esse conceito e ainda o de capacitao social

    (ABRAMOVITZ, M., ), Cassiolato e Stallivieri apresentam uma trajetria da elaborao de indi-

    cadores de inovao por diferentes autores e instituies, em que possvel perceber que duas ten-

    dncias preponderam: aquela em que os indicadores reconhecem e valorizam a noo sistmica e

    colaborativa e a dimenso da aprendizagem.

    Ao analisar os avanos desenvolvidos no mbito da NESTA, sigla do rgo chave de C&T do Reino

    Unido, Cassiolato e Sallivieri atestam a importncia do setor de servios na economia Britnica. O

    setor gera, segundo os autores, mais de do valor adicionado, o que tem motivado novas inves-

    tigaes sobre a inovao no setor dos servios, mostrando como a inovao acontece nas empre-sas e como a poltica pode ajudar a superar os obstculos que enfrentam. A partir do ponto levan-

    tado pelos autores, possvel constatar que o Reino Unido assim como a Frana, ao reconhecerem

    a importncia do avano do setor servio, esto adotando iniciativas voltadas para a inovao nesse

    setor e sua mensurao. Com isso, possvel imaginar que o padro de competio nesse setor

    tende a se acirrar no futuro, quando tais polticas apresentarem resultados mais substantivos.

    A partir do mapeamento do tema da aprendizagem na literatura recente e nas agendas dos princi-pais grupos de pesquisa em inovao, Cassiolato e Stallivieri apresentam um modelo exploratrio

    que, com dados obtidos a partir da Pintec e da PIA , identificam os condicionantes do processo de

    inovao de produto e de processo. Como resultado, os autores verificaram que, das variveis que

    5 Vide referncia ao relatrio Relatrio Lvy-Jouyet (2006).

    6 Pintec: Pesquisa de Inovao ecnolgica e PIA: Pesquisa Industrial Anual, ambas do IBGE.

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    26 Liz-Rejane Issberner

    captam a intensidade dos processos de aprendizagem, apenas a aprendizagem interna, a coope-

    rao vertical e a cooperao com C&T influenciam o desempenho inovativo das empresas, rela-cionado introduo de novos processos. Por outro lado, a anlise sobre a inovao em produtos

    mostrou que as variveis relacionadas aprendizagem influenciam positivamente a probabilidade

    de as empresas da amostra introduzirem inovaes em produtos.

    Ainda que, na avaliao dos prprios autores, o trabalho consista em um exerccio exploratrio, no

    sendo objetivo do mesmo esgotar a matria, nem mesmo fornecer indcios definitivos sobre a influ-

    ncia dos processos de aprendizagem no desempenho inovativo das empresas, ele tem o mrito,entre outros, de apresentar que possvel vislumbrar caminhos que possam ser seguidos para o

    melhor entendimento desses processos.

    A

    De forma geral, os indicadores de interao usuais no do conta das especificidades e da diversi-

    dade de experincias que levam inovao. Grande parte deles foi desenvolvida a partir de uma

    perspectiva da inovao como um processo linear, onde ganham destaque as diversas formas de

    quantificar as colaboraes entre pesquisadores na rea cientfica e acadmica.

    Tais abordagens se mostram insuficientes e at inadequadas para tratar das novas formas de inova-

    o baseadas em interaes e colaboraes entre atores sociais dispersos em vrios pontos de uma

    rede. As diferentes configuraes de redes de produo, consumo, inovao e suas imbricaes so

    a forma bsica de organizao do capitalismo cognitivo, o que tem motivado um nmero crescentede autores a investigar a natureza, as caractersticas e as finalidades das redes.

    A literatura aponta que as inovaes so hoje baseadas em diversas modalidades de redes: locais,

    nacionais e internacionais; virtuais, presenciais; especializadas ou temticas; abrangentes, restritas,

    universais; gerenciadas, auto-organizadas; temporrias, permanentes, entre outras. Alm disso, so

    promovidas por instituies governamentais e no governamentais, empresas, associaes de diver-

    sas naturezas, pessoas, etc. A profuso de novos modelos de colaborao em atividades de inova-o est associada a um conjunto de fatores, inclusive aos altos riscos envolvidos no processo e ao

    ritmo crescente de introduo de inovaes na economia. Stallivieri e Cassiolato ressaltam que as

    empresas no inovam isoladamente, mas, geralmente, o fazem no contexto de um sistema de redes

    de relaes diretas ou indiretas com outras empresas, com a infraestrutura de pesquisa pblica e

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    27Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    privada, com as instituies de ensino e pesquisa, com a economia nacional e internacional e com o

    sistema normativo e um conjunto de outras instituies.

    As redes de inovao so tambm consideradas como uma forma de diluir os altos custos envol-

    vidos na aprendizagem e na assimilao de saberes especializados e avanados requeridos para

    o domnio do conhecimento em reas crticas ou estratgicas. Alm disso, a entrada de novos

    atores globais, notadamente a China, no cenrio da competio internacional, colocou em xeque

    a capacidade de as firmas inovadoras europeias e norte-americanas arcarem com riscos associa-

    dos inovao, em particular quando se considera os efeitos adversos da crise financeira sobre aeconomia dessas regies.

    A noo de inovao como um processo interativo, de colaborao e mltiplos atores de compe-

    tncias diferenciadas vem se difundido nos estudos da chamada inovao aberta. De acordo com

    Maculan, o modelo nasce de uma reflexo sobre a globalizao da inovao, a intensificao do uso

    de P&D externo, a importncia das inovaes desenvolvidas pelos usurios, a integrao com forne-

    cedores, e as mltiplas possibilidades de comercializao externa da tecnologia..

    Reconhecendo a insuficincia dos atuais mecanismos de proteo da inovao, particularmente no

    mbito da colaborao nas redes e da inovao aberta, os estudiosos se dividem quanto legitimi-

    dade e necessidade de se renovar os instrumentos legais de apropriao dos resultados da pes-

    quisa. De fato, o tema atualiza, mas dentro de novos parmetros, a antiga questo sobre o quanto

    de proteo necessria para estimular a inovao, garantindo benefcios ao inovador sem compro-

    meter a difuso e o avano do conhecimento.

    Em meio ao debate, Chesbrough considera, em face s limitaes dos atuais mecanismos de prote-

    o, as grandes empresas que realizam P&D e a inovao aberta precisam encontrar novas moda-

    lidades de valorizao dos conhecimentos gerados nas atividades de pesquisa. Por outro lado, Von

    Hippel (), focando na questo da colaborao das empresas com os usurios, se ope apropria-

    o do conhecimento, posicionando-se de forma favorvel a sua livre circulao como umfree good.

    C fi q f q

    Os trabalhos apresentados pelos autores oferecem um panorama bastante rico e atualizado das

    questes em pauta na rea da inovao. A caracterizao do cenrio contemporneo do capitalismo,

    7 raduo do termo em ingls open innovation, que vem ganhando significado a partir da obra de H. Chesbrough (2003).

    C entro de G esto e Estudos EstratgicosCinc ia, Tecnolog ia e Inovao

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    28 Liz-Rejane Issberner

    suas formas de produo, relaes de trabalho e de gerao de valor serve de pano de fundo para

    discutir trs temas centrais na rea da inovao: a aprendizagem, as formas de colaborao e asespecificidades de uma rea de ponta, dentro do setor mais dinmico da economia, o de servios..

    Mesmo considerando as diferentes vertentes de pensamento dos autores, em sua maior parte, as

    vises so convergentes como nos seguintes pontos: (a) a dependncia da inovao em relao a

    uma educao bsica de qualidade; (b) a importncia dos servios e da paradoxal falta de instru-

    mentos para aferir e avaliar a inovao nesse do setor da economia; (c) a insuficincia dos manais da

    OCDE para lidar com os intangveis; (d) o esgotamento dos mecanismos de proteo inovao;

    (e) a emergncia das redes de interao e sua importncia para a inovao. Todos esses pontos soelementos a serem considerados na elaborao de indicadores e formulao de polticas pblicas,

    conforme consta no final desse item.

    Uma questo a ser ressaltada que as abordagens atuais - e no apenas dos autores que aqui cola-

    boraram - sobre modelos de interao e colaborao em redes de inovao e aprendizagem, de uma

    forma geral, no se aprofundam sobre a construo e gerenciamento dos canais de comunicao

    entre os diferentes atores e suas especificidades e distines.

    De fato, no se encontra desenvolvido um corpo terico do que se poderia chamar de uma micro-

    economia da produo nas redes, envolvendo aspectos associados produo, inovao, s rela-

    es de trabalho etc., dentro desses ambientes que, certamente, guardam diferenas importantes

    em relao s firmas. Alguns autores j vm aportando questes que sinalizam nessa direo, como

    Lundvall () e Novikova (). Lundvall destaca, por exemplo, que o fluxo regular de informa-

    es entre um produtor e um usurio s ocorre quando so estabelecidos canais de comunicao,

    atravs dos quais as informaes circulam. A criao desses canais constitui um investimento inten-sivo em tempo dedicado aprendizagem, envolvendo tambm uma parcela de custos (tanto para

    sua construo como para a sua desativao) e riscos (comportamentos oportunistas, quebra de

    sigilo etc). Quanto mais os canais de comunicao so utilizados, mais efetiva tende a ser a trans-

    misso de informaes. A continuidade desse processo, denominado de learning by interacting

    por Lundvall (ibidem), acaba reforando a eficincia da transmisso de informaes, consolidando

    os canais de comunicao e diminuindo os custos de transao.

    Os elementos citados anteriormente apenas ilustram questes que precisam ser articulados dentro

    de um esquema conceitual, metodolgico e analtico prprio para as redes, contemplando, inclusive,

    os desdobramentos para o tema da apropriao da produo de conhecimentos nesse ambiente

    coletivo e interativo das redes.

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    29Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    Os tpicos a seguir so fruto de uma reflexo prpria sobre a temtica da inovao na contempora-

    neidade, mas, principalmente, refletem alguns dos pontos tratados pelos autores nos captulos quese seguem. So eles:

    O capitalismo cognitivo e a velha economia:

    No mbito da dinmica produtiva do capitalismo cognitivo, ainda no est claro como se dava

    a insero da produo de bens tpicos da fase anterior do capitalismo, onde predominava a

    produo de mercadorias por meio de conhecimento (em contraposio fase atual, de pro-

    duo de conhecimento por meio de conhecimento). Ou seja: como formular estratgias de

    inovao para, por exemplo, bens de capital, mquinas para produo de mquinas ou insu-mos bsicos? Certamente, o imaterial est incorporado nesses produtos, seja na forma de P&D,

    seja no design, na projeo comercial da marca etc., mas at que ponto o valor dessa produo

    depende ou condicionada pela criao de mundos ou de significados?

    O papel das interaes nas inovaes

    Nessa rea das interaes para a inovao, parece que ainda existe um longo caminho de inves-

    tigao. Considerando que a inovao se vale de forma crescente das redes de interao e cola-

    borao, cabe indagar em que medida tais processos de comunicao podem ser induzidospor, por exemplo, polticas pblicas? Poderia haver distores quando no resultam, por exem-

    plo, de uma iniciativa espontnea do setor produtivo? possvel diferenciar quais tipos de inte-

    raes aumentam o potencial de inovao das empresas? Se as interaes estiverem de fato

    ocorrendo, como no caso de empresas e universidades, elas esto levando a um aumento das

    inovaes? Como so abertos canais de comunicao? Qual a intensidade do uso dos canais?

    Inovaes abertas

    Essa modalidade de inovao originria dos Estados Unidos, em funo dos custos elevadosda pesquisa, vem ganhando repercusso crescente nos ambientes acadmicos e empresariais

    em todo o mundo. Ser a inovao aberta uma estratgia adequada ao contexto brasileiro?

    At que ponto vale a pena orientar as polticas de inovao para essa direo? Quais seriam os

    efeitos possveis desse modelo junto s empresas brasileiras?

    Novos parmetros de pesquisa para a Pintec

    A proposta do manual de Oslo verso de aperfeioar a conceituao de inovao organiza-

    cional satisfatria ou preciso renovar o esforo para delimitar com mais preciso as frontei-ras entre os diferentes tipos de inovao nas pesquisas? Mais especificamente: a abertura do

    conceito de inovao de processo produtivo para diferenciar a logstica e outras atividades de

    apoio satisfatria ou se confunde com os conceitos entre inovao de processo e organiza-

    cional? Como diferenciar melhor os conceitos de inovao de produto e marketing? Ou ainda,

    segundo Cassiolato e Stallivieri, possvel e/ou factvel avanar na construo de surveys espe-

    cficos para captar as dimenses analticas desejadas (servios, agronegcios etc.)?

    C entro de G esto e Estudos EstratgicosCinc ia, Tecnolog ia e Inovao

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    30 Liz-Rejane Issberner

    Aprendizagem, educao, capacitao

    Cocco considera que na transformao do velho conhecimento para o novo conhecimento

    que est a inovao. Mas o que o trabalhador cognitivo precisa conhecer ou aprender para reali-zar essa transformao? Em um ambiente de criao coletiva, como identificar lacunas na capa-

    citao de recursos humanos para a inovao? Que poltica de formao de recursos humanos

    adotar? Segundo Pinheiro e Tigre, a educao formal ainda um entrave inovao no Brasil. Os

    autores recomendam que, no mercado de software de baixo valor agregado, as polticas devem

    se concentrar na esfera educacional (principalmente no nvel tcnico-profissionalizante). Os

    autores constataram que a falta de capacitao foi a varivel crtica identificada em pratica-

    mente todas as empresas entrevistadas e, assim, advertem ospolicy-makers na rea de inovaosobre a necessidade de monitorar no somente os indicadores tradicionais mais diretamente

    vinculados cincia, tecnologia e inovao, mas igualmente aqueles que podem informar algo

    sobre aprendizagem e competncias desenvolvidas no sistema nacional de inovao

    No capitalismo cognitivo, o valor das mercadorias est cada vez mais ligado ao intangvel, ou

    seja, naquela parcela que foi fabricada a partir de ideias, conceitos de vida, marcas e o seu sim-

    bolismo perante a sociedade. Nesse contexto, a inovao passa a estar muito prxima da idia

    de criatividade. Seria a criatividade um elemento valorizado pelo sistema educacional brasi-

    leiro? E mais: em que medida a cultura inovativa pode ser fomentada pelo sistema educacional?

    Como se pode estabelecer polticas para inovao no mbito educacional?

    Redes e infraestrutura

    Considerando que as redes so a infraestrutura por excelncia do capitalismo cognitivo, onde

    se d a produo e propagao dos conhecimentos? possvel considerar uma governana das

    redes visando estimular a inovao? O que leva algumas redes a funcionarem bem e outras no?

    Apropriao privada de conhecimentosEm um mundo onde a inovao passa a assumir caractersticas de criao coletiva e onde a

    apropriao privada dos conhecimentos cada vez mais colocada em xeque, como as polti-

    cas de estmulo s inovaes podero lidar com barreiras impostas pela legislao brasileira da

    propriedade intelectual?

    Em busca de tipologias de inovao

    A elaborao de tipologias para orientar a gerao de indicadores e a formulao de polticas

    de inovao no contexto do capitalismo cognitivo parecem depender do entendimento dasdinmicas de produo do imaterial. Cassiolato e Stallivieri sugerem que a indagao de como

    tratar as atividades e recursos intangveis que caracterizam os novos setores e a informalidade

    presente nesses pases (servios, por exemplo) deve orientar pesquisas futuras nesse tema.

    Conforme citado no texto de Cocco e tambm mencionado antes, no presente captulo, o

    exemplo do Relatrio Lvy-Jouyet relativo empresa Nike que descola o custo de produo

    de um sapato esportivo () do custo do imaterial () pode ser uma pista para se comear

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    31Em direo a uma nova abordagem da inovao: coordenadas para o debate

    a discutir tipologias de inovao compatveis com a noo de capitalismo cognitivo. As trs

    grandes categorias sugeridas pelo relatrio (os investimentos tecnolgicos, os ligados ao ima-

    ginrio, os gerenciais) podem constituir-se em um embrio de tipologia. Assim, um primeiroexerccio seria buscar decompor os itens de custos de um bem ou de categorias de bens de

    modo a enxergar as partes materiais e imateriais de cada um deles e, assim, sucessivamente at

    poder identificar os elementos que compem o imaterial. Tal estratgia de trabalho permitiria,

    por exemplo, que os investimento em inovao pudessem ser mais focados em componentes

    com maior potencial de gerao de valor, ou naqueles considerados estratgicos.

    Rf

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    O objetivo desse trabalho balizar alguns elementos de reflexo sobre esse deslocamento. Mais do

    que sugerir aqui uma nova mtrica de mensurao da inovao, pretendemos, por um lado, mapeara crise da mtrica vigente (aquela industrial - da produo de mercadorias por meio de conheci-

    mento) e, por outro, trabalhar na perspectiva doframing, da definio de um marco dentro do qual

    se possa organizar uma reflexo mais ampla sobre os desafios que precisamos enfrentar para defi-

    nir uma nova mtrica, adequada ao paradigma (ps-industrial) da produo de conhecimento por

    meio de conhecimento.

    Os termos do desafio esto definidos: na modernidade industrial, o conhecimento funcionava

    como uma racionalidade instrumental voltada a um fim: a produo de bens. A objetivao do

    conhecimento em um bem funcionava como padro de valor. Nos mesmos termos, o trabalho que

    era definido como produtivo era aquele, material, produtor de mais-valia: de um bem separado da

    praxis de sua produo.

    Na produo de conhecimento por meio de conhecimento, perde-se o padro de valor. O conhe-

    cimento no mais instrumental voltado a um fim, mas contm o fim dentro dele mesmo, como

    atividade reflexiva: o conhecimento deve produzir sua prpria significao, criando um mundo:

    world making. Essa operao no automtica. Pelo contrrio, ela apresenta uma srie de dificul-

    dades materiais que, pelo menos em parte, explicam os prprios mecanismos da crise financeira

    do capitalismo global dessa virada de dcada. Os centros estratgicos de dominao capitalista

    tm plena conscincia desses desafios, no apenas quando o Presidente norte-americano, Barack

    Obama, declara em janeiro de que quer recuperar cada centavo da ajuda pblica dada

    aos bancos, mas tambm quando lemos o informe publicitrio da Bolsa de Valores de So Paulo

    (BM&F- Bovespa - Nova Bolsa) em um jornal carioca de grande tiragem: Zilda Arns, sua vida valo-rizou toda a humanidade, em homenagem mdica sanitarista brasileira morta durante o terre-

    moto que devastou o Haiti tambm em janeiro de .. A propaganda da BOVESPA argumenta:

    Zilda Arns, conselheira da Bolsa de Valores Sociais e Ambientais e fonte de inspirao para todos

    ns. Outro exemplo muito forte, sempre nesses termos, a propaganda do Banco Santander que

    utiliza uma grande foto de Jos Junior, lder da ONG carioca que atua na favela de Vigrio Geral. A

    propaganda nos convida a nos associarmos ao movimento, por meio do acesso ao site do Banco

    multinacional, na extenso emblemtica de valor das ideias.

    9 O Globo, 16 de dezembro de 2010.

    10 Grifo nosso. Enfatizamos a gravidade da operao, diante da enormidade da tragdia haitiana, no uso da imagem da Sanitaristaparanaense, que concorreu ao Oscar da Paz em 2006. Uma captura que explicita a ambigidade de todas as temticas da respon-sabilidade social.

    11 Jornal O Globo, 6 de maro de 2010.

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    35Indicadores de inovao e capitalismo cognitivo

    Crise do valor e novo paradigma

    Uma boa maneira de se apreender os deslocamentos paradigmticos do capitalismo contemporneo

    cruzarmos, inicialmente, duas linhas de reflexo sobre o deslocamento e, em seguida, colocarmos as

    indicaes que essa operao produz na perspectiva de uma reflexo em termos de antropologia.

    As duas linhas de reflexo que pretendemos cruzar so aquelas que apreendem a mudana de para-

    digma, por um lado, em termos de capitalismo cognitivo e, por outro lado, de sociedade plen. Entre

    as duas linhas, encontramos um intenso debate e aportes recprocos. Ao mesmo tempo, elas indicam

    duas perspectivas diferentes: uma privilegia apreender a mudana desde o ponto de vista do capital,

    ou seja, de um critrio de valorizao que, apesar de todas as transformaes, mantm-se sempre

    o mesmo; a outra privilegia na anlise da mesma mudana apreender o deslocamento desde

    o ponto de vista da sociedade, quer dizer, do trabalho. Cruzando as duas linhas poderemos assim

    esquematizar as transformaes do processo de valorizao bem como da prpria noo de valor.

    O deslocamento do qual se trata de dar conta aquele que diz respeito passagem de um regime

    de acumulao (produo) de mercadorias por meio de conhecimentos a um regime de acumu-lao (de produo e circulao misturadas) de conhecimento por meio de conhecimento. aqui

    que pretendemos fazer intervir a perspectiva proporcionada pela antropologia: em uma primeira

    instncia, obviamente, isso se justifica pelo fato de que dentro dessas transformaes paradigmticas

    (a globalizao, o uso generalizado das TI) assistimos como que a uma acelerao das transforma-

    es antropolgicas, bem no sentido do que afirma Michel Serres (), em Hominescncia: ns

    j no somos mais os mesmos homens, j vivemos na quadra seguinte. Em um segundo momento,

    e como conseqncia disso, a intensidade da transformao antropolgica leva alguns economistas(MARAZZI, ) a dizer que, na passagem do capitalismo industrial para o capitalismo cognitivo

    (depois do interregno ps-Fordista), firma-se um modelo antropogentico: por trs da produo

    de conhecimento por meio de conhecimento, temos, na realidade, uma produo do homem por

    meio do homem. Por um lado, o interesse da mobilizao da antropologia cultural aparece clara-

    mente em uma valorizao que mistura as dinmicas (antropolgicas) de produo e reproduo...

    do homem. Por outro, o que interessa no apenas o aporte da antropologia em geral, mas de uma

    antropologia capaz de problematizar essa valorizao antropogentica, sobretudo no que diz res-peito a suas implicaes antropocntricas.

    Ns apostamos na reflexo sobre uma nova gerao de indicadores de inovao que deve mobili-

    zar uma nova noo de inovao: inovao por meio de inovao. Isso acontece ao longo de duas

    linhas: a primeira, como j dissemos acima, aquela que permite fazer o trabalho de framing, ou

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    36 G iuseppe Cocco

    seja, colocar o problema da inovao no marco da questo mais geral da significao e do valor; a

    segunda aquela que assume como um terreno de inovao j dado as reflexes antropolgicas deViveiros de Castro (, , , a, b, ) sobre a cosmologia amerndia das terras

    baixas do Brasil. Oframingdiz respeito prpria criao de mundo da qual participa a produo de

    conhecimento. A cosmologia amerndia permite colocar a produo de conhecimento numa pers-

    pectiva antropofgica que ultrapasse a tradicional clivagem antropocntrica (ocidental e moderna)

    que ope cultura e natureza. O primeiro eixo , portanto, oframingda crise, a crise do valor e de

    todos seus indicadores. O segundo eixo aquele de uma inovao que aponta para um desafio: a

    afirmao do terreno brasileiro amerndio de consolidao de uma antropologia simtrica da

    cincia, da poltica e da cultura, bem nos termos propostos por Bruno Latour (:) quando ele a

    articula com a anlise da proliferao de hbridos (de cultura e natureza) com o conceito de coletivo:

    produes de naturezas-culturas, que se diferenciam das sociedades dos socilogos (os homens

    entre si) e da natureza dos antroplogos (as coisas entre si).

    Comearemos, pois, por uma discusso sobre a crise e, em seguida, passaremos a discutir as anlises

    em termos de capitalismo cognitivo e sociedade plen.

    2.2. Apontamentos a partir da crise financeira do capitalismo global

    N h

    A crise financeira do capitalismo global oferece um marco de referncia eficaz para a discusso dosnovos paradigmas econmicos. Com efeito, apreender a mecnica da crise, seus impactos e desa-

    fios nos permite atribuir mais ou menos fora s diferentes abordagens que discutiam as transfor-

    maes do capitalismo global nessa virada de sculo. Cabe aqui resumir algumas indicaes que a

    crise nos oferece:

    a) num primeiro nvel, podemos afirmar que, em termos de governana global, a crise tradu-

    ziu-se em algumas aberturas interessantes. cedo para tirar concluses, mas, com certeza,

    no difcil ver alguns deslocamentos e horizontes abertos: o G foi declarado moribundo.

    12 A referncia antropofagia poltica bem aquela enunciada pelo modernismo de Oswald de Andrade, renovada pelo tropica-lismo e teorizada pela antropologia de Eduardo Viveiros de Castro (2002): ela coloca em seu cerne a capacidade que os ndios temde se ver como outro. No manifesto antropfago, Oswald dizia que a antropofagia nos faz lembrar que a vida devorao (COCCO,2009). Eduardo explicita: a antropofagia o marco de uma voracidade ideolgica, de uma mesma propenso: absorver o outroe, nesse processo, alterar-se, devir. Para voltar ao marco especifico de nossa reflexo, diremos que o funk carioca uma inovaoantropofgica ,da mesma maneira que a quebra das patentes dos remdios contra a AIS uma poltica antropofgica.

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

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    37Indicadores de inovao e capitalismo cognitivo

    Desta vez, no apenas pelas manifestaes de rua, como em Seattle e Genova, mas tam-

    bm pelo posicionamento do ministro das Relaes Exteriores, Celso Amorim, durante

    a ltima cpula (em quila, Itlia); o G e as articulaes geopolticas entre os paseschamados Brics (Brasil, Rssia, ndia e China) j indicam um caminho alternativo de gover-

    nana multipolar, qualificada por fortes relaes horizontais Sul-Sul. Se, por um lado, a

    crise amplifica o horizonte para as polticas de governana da globalizao ao longo do

    eixo Sul-Sul, por outro, isso nos indica que no estamos entrando em nenhuma fase de

    desglobalizao e reverso dos processos de integrao mundial das redes de produo

    e reproduo. A globalizao continua no nosso horizonte, mas sua governana e signifi-

    cao ficam completamente abertas e indeterminadas: abre-se para a economia brasileira

    e suas empresas um horizonte novo de oportunidades.

    b) de maneira mais estrutural, as relaes Sul-Sul tm pela frente a possibilidade e tambm

    o desafio de afirmar caminhos de crescimento alternativos quele que hegemonizava

    a globalizao neoliberal e financeira. Nesse sentido, podemos pensar que a crise oferece

    oportunidades para o Brasil se emancipar ainda mais um pouco da posio que ocupa

    na diviso internacional do trabalho. Por um lado, h o espao para rompermos com a

    diviso internacional do trabalho que, sob o domnio da relao entre China e Amrica

    (Chimrica), estava por trs de um modelo de crescimento global que articulava: o super-consumo a crdito dos Estados Unidos, a superproduo com deflao salarial chinesa e

    os superavits comerciais em commodities agrcolas e de minrio da Amrica Latina (prin-

    cipalmente do Brasil). Por outro lado, h espao para que essa redefinio da hierarquia

    econmica global se traduza no apenas, como dissemos, na reformulao do marco pol-

    tico da governana (o G, os Brics, uma redefinio dos equilbrios de poder no FMI e

    no Conselho de Segurana da ONU), mas tambm em uma revoluo das convenes

    sociais que sustentaram esse modelo de acumulao estamos falando das convenesdo consumo (norte-americano) e de emprego industrial (chins) que se traduziram em

    processos gerais, imediatamente globais, de inflao de crdito (para sustentar o con-

    sumo) e deflao salarial (para controlar a produo).

    c) Podemos avanar a hiptese de que a crise financeira ao contrrio do que supunham

    as anlises que veem nela a oportunidade de uma reduo das finanas enquanto esfera

    fictcia separada daquela real (da produo) acaba tendo conseqncias violentssi-

    mas sobre os resduos de industrialismo que sobravam dentro do capitalismo global e

    cognitivo. Longe de implicar a volta do setor industrial (da esfera real), a crise determina

    um ulterior aprofundamento das dimenses cognitivas e imateriais da acumulao. Isso

    implica, por um lado, que a sustentao do crescimento chins dever encontrar elemen-

    tos de equilbrio internos (no crescimento do mercado domstico) e determinar junto

    multiplicao das lutas e das revoltas s quais j estamos assistindo - a necessidade de

    passar a tolerar as presses salariais; por outro, o enfraquecimento possvel da presso

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    38 G iuseppe Cocco

    negativa sobre os salrios mundiais (gerada pela hiperexplorao dos gigantescos con-

    tingentes de foras de trabalho chinesas) pode traduzir-se no aprofundamento e gene-

    ralizao inclusive na China - dos elementos cognitivos e imateriais da produo e doconsumo. A crise indica um aprofundamento das dimenses cognitivas e imateriais do

    prprio processo de valorizao.

    Um dos eixos de reflexo sobre o novo marco referencial de uma poltica de inovao rene, pois,

    esses trs momentos de reflexo sobre a crise financeira do capitalismo global:

    dar significao globalizao, ou seja, construir um mundo;

    o papel que o Brasil pode vir a ter na redefinio da diviso internacional do trabalho;

    lidar com o fato que a crise determina uma acelerao dos processos de desmaterializao

    da produo de conhecimento.

    C

    Com efeito, o horizonte est aberto e indeterminado. Uma das possibilidades que se coloca diz res-peito redefinio da conveno que liga trabalho e emprego. No regime de acumulao da grande

    indstria, trabalho e capital estavam numa relao de interdependncia dialtica: era o paradoxo do

    socialismo na Rssia ps-revolucionria, onde Lnin queria compatibilizar os sovietes (a democra-

    cia de base dos conselhos) com a eletricidade e o taylorismo, quer dizer, com a disciplina da grande

    fbrica. Aqui, a conveno que liga o trabalho ao emprego (industrial) diz respeito a uma relao

    social de produo que, com base no direito absoluto da propriedade estatal (ou privada) e do con-

    trole separado (pelos trabalhadores intelectuais) da cincia aplicada tcnica, faz com que o traba-lho vivo (o capital varivel), para se tornar produtivo, tenha que se subordinar ao capital fixo (maqui-

    naria, tecnologia: trabalho morto e cincia). Esse tambm o paradoxo das sociedades afluentes,

    como dizia JK. Galbraith (), quando apontava o fato de que nelas preciso produzir bens inteis

    para poder distribuir renda, pois o emprego que funciona como dispositivo de distribuio da

    renda: Ao passo que nossa energia produtiva (...) serve criao de bens de pouca utilidade pro-

    dutos dos quais preciso suscitar artificialmente a necessidade por meio de grandes investimentos,

    sem os quais eles no seriam mesmo demandados o processo de produo conserva quase inte-gralmente seu carter de urgncia, enquanto fonte de renda. Onde o homem unidimensional de

    Herbert Marcuse13 que domina, o trabalho vivo deve submeter-se ao capital fixo para ter acesso

    renda e, pois, integrar-se socialmente pelo consumo (massificado e sem qualidade).

    13 Pensador da escola de rankfurt

    Bases conceituais em pesquisa, desenvolvimento e inovao

  • 7/28/2019 COCCO Giuseppe Capitalismo cognitivo trabalho redes e inovao 2

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    39Indicadores de inovao e capitalismo cognitivo

    Assim, no meio da crise dos subprimes (-), para salvar o emprego da indstria automo-

    bilstica, o governo cria subsdios (por exemplo, reduzindo o IPI) para que se mantenha ou aumentea produo de carros, que, alm de contribuir para o efeito estufa, ficaro engarrafados nas cidades

    congestionadas, a comear por So Paulo, onde a maioria deles produzida e circula. Os paradoxos

    so, na realidade, inevitveis, determinados pela contradio entre valor econmico e significao

    social da mobilizao produtiva. O mecanismo fundamental desse quebra-cabea a conveno

    que nos impe reduzir o trabalho (atividade de produo social de significao) ao estatuto de

    emprego assalariado e dependente. Isso determina a reduo da significao social a dois elementos

    dialticos: o salrio (custo a ser reduzido) e o lucro (objetivo instrumental a ser maximizado). A din-

    mica da inovao e de sua mensurao tambm determinada por esse horizonte.