21
Série Estratégias de Ensino 17 EDITORA AFILIADA

Coisas Que to Do Professor

Embed Size (px)

Citation preview

Série Estratégias de Ensino 17

editora afiliada

Série Estratégias de Ensino

1. O ensino do espanhol no BrasilJoão Sedycias [org.]

2. Português no ensino médio e formação do professorClecio Bunzen & Márcia Mendonça [orgs.]

3. Gêneros catalisadores — letramento e formação do professorInês Signorini [org.]

4. A formação do professor de português — que língua vamos ensinar?Paulo Coimbra Guedes

5. Muito além da gramática — por um ensino de línguas sem pedras no caminhoIrandé Antunes

6. Ensinar o brasileiro — respostas a 50 perguntas de professores de língua maternaCelso Ferrarezi

7. Semântica para a educação básicaCelso Ferrarezi

8. O professor pesquisador — introdução à pesquisa qualitativaStella Maris Bortoni-Ricardo

9. Letramento em eja

Maria Cecilia Mollica & Marisa Leal10. Língua, texto e ensino — outra escola possível

Irandé Antunes11. Ensino e aprendizagem de língua inglesa — conversas com especialistas Diógenes Cândido de Lima (org.)12. Da redação à produção textual — o ensino da escrita

Paulo Coimbra Guedes13. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social Roxane Rojo14. Libras? Que língua é essa? Audrei Gesser15. Didática de línguas estrangeiras Pierre Martinez

17. Coisas que todo professor de português precisa saber Luciano Amaral Oliveira

a teoria na prática

Luciano Amaral Oliveira

Editor: Marcos Marcionilo

Capa E projEto GráfiCo: Andréia Custódio

foto da Capa: banco de imagens iStockphoto

ilustraçõEs ContraCapa: banco de imagens Stock.xchng

ConsElho Editorial: Ana Stahl Zilles [Unisinos] Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] Gilvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol] Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela] Kanavillil Rajagopalan [Unicamp] Marcos Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UFES] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP] Salma Tannus Muchail [PUC-SP]

Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]

Direitos reservados àParábola EditorialRua Sussuarana, 216 - Ipiranga04281-070 São Paulo, SPFone: [11] 5061-9262 | Fax: [11] 5061-8075home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-7934-020-8

© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, abril de 2010

CiP-BraSil. CataloGaÇÃo-Na-foNte SiNdiCato NaCioNal doS editoreS de liVroS, rJ

o45c oliveira, luciano amaral, 1964-

Coisas que todo professor de português precisa saber : a teoria na prática / luciano amaral oliveira. - São Paulo : Parábola editorial , 2010.

-(estratégias de ensino ; 17)

inclui bibliografiaiSBN 978-85-7934-020-8

1. língua portuguesa - estudo e ensino. 2. aprendizagem. 3. Prática de ensino.

4. Professores - formação. i. título. ii. Série. 10-1266. Cdd: 469.07 CdU: 811.134.2(07)

ParaIvoneEdvaldo (em memória)DinhoLuciana

Eu estudei só seis meses. Agora eu fui me valer do livro. Que não era o livro didático não. Eu não queria saber de categorias gramaticais não. Queria saber de outras coisas. Eu lia era revista, era livro, era jornais. Eu queria era satisfazer minha curiosidade, não ler gramaticalmente como vocês por aí não.

Neste globo terrestreapresento os versos meusporém eu só tive um mestree esse mestre é Deus.

Patativa do Assaré

Sumário 7

Sumário

Nota do Editor ........................................................................ 9

iNtrodução ................................................................................ 11

5 coisas quE todo profEssor dE português prEcisa sabEr ..................................................................... 231.1 O que é ensinar? ..................................................................... 241.2 O que é método de ensino? .................................................... 301.3 O que é língua? ....................................................................... 321.4 O que é saber português? ........................................................ 381.5 Para que ensinar português a brasileiros? ................................ 42

o ENsiNo pragmático da lEitura......................... 592.1 Tipos de conhecimentos necessários para a leitura ................. 592.2 Esquemas mentais e processamento da informação ................ 682.3 Estratégias de leitura .............................................................. 712.4 Tipos e gêneros textuais nas aulas de leitura ........................... 772.5 Os elementos de textualidade e o ensino da leitura ................ 872.6 Análise de atividades de livros didáticos ................................. 1002.7 Duas controvérsias: a leitura em voz alta e o texto como pretexto 104

o ENsiNo pragmático da Escrita ......................... 1093.1 Fala e escrita: parecidas... mas diferentes ................................ 109

1

2

3

8 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

3.2 Conhecimentos necessários para a escrita ............................... 1133.3 Escrita: produto, processo, planejamento ................................ 1193.4 Os elementos de textualidade no ensino da escrita ................. 1283.5 Tipos e gêneros textuais nas aulas de escrita ........................... 1423.6 Análise de atividades de livros didáticos ................................. 1603.7 Avaliação da produção escrita dos alunos ............................... 163

o ENsiNo pragmático da litEratura ................ 1714.1 O ensino tradicional da literatura ........................................... 1724.2 Textualidade literária: quando um texto é literário? ................ 1804.3 Para que serve a literatura? ..................................................... 189

o ENsiNo pragmático do vocabulário ........... 1955.1 O que é necessário para conhecer uma palavra? .................. 1955.2 Fenômenos semânticos no ensino do vocabulário ............... 1995.3 Novo Acordo Ortográfico: fazer o quê? ...................................... 2105.4 As palavras têm poder expressivo? ....................................... 2145.5 Quem tem medo dos estrangeirismos? ......................................... 223

o ENsiNo pragmático da gramática ................. 2316.1 O que é gramática? .............................................................. 2316.2 A natureza tridimensional da gramática .............................. 2376.3 Cuidado com a nomenclatura gramatical! ........................... 2496.4 Patrulhamento gramatical: isso está e-rra-do! ..................... 259

coNclusão ................................................................................... 265

rEfErêNcias bibliográficas ........................................... 267

4

5

6

Nota do Editor

Certa vez, Irandé Antunes, autora de tanta importância para a Parábola Editorial, reconheceu que, às vezes, se sente repisando antigas ideias, como se ela, logo ela, não tivesse nada de novo a dizer a seus leitores. Ela se referia às posições desde muito estabelecidas em lin-

guística, mas que não são, nem remotamente, conhecidas, muito menos in-corporadas à prática de ensino de língua materna. Eu lhe disse:

— Irandé, ainda teremos de repetir muito, em todos os lugares onde queiram nos ouvir e ler, essas ideias que lhe parecem tão repisadas. E elas soa rão como novidade absoluta e terão a força inovadora das novas concep-ções, o vigor das novas ideias... e farão professores e professoras reconhece-rem nosso esforço de publicar livros que os levem a mudar de perspectiva e a transformar sua prática em sala de aula.

Nossa ambição, com cada livro novo que incorporamos ao catálogo da Parábola Editorial, é fazer os leitores saírem de onde estão e moverem-se para um lugar incômodo, o lugar da mudança, a mesma mudança pela qual se batem nossos autores e todos os pesquisadores que vêm repensando o ensino de língua portuguesa no Brasil há quase cinquenta anos. Se a antiga prática de ensino é renitente, nós somos insistentes.

Pensei nessa conversa quando decidimos publicar este Coisas que todo professor de português precisa saber – a teoria na prática, de Luciano Amaral Oliveira. Autor e livro vêm reforçar as fileiras daqueles que insistem em pen-

Nota do Editor 9

sar a formação do professor de língua portuguesa como uma tarefa à qual de-vemos nos aplicar com esforço diariamente renovado, especialmente diante do fracasso da escola brasileira em ensinar leitura e produção de textos. Para ensinar leitura e produção de textos aos estudantes é preciso ensinar leitu-ra e produção de textos, antes, aos professores. Com esse objetivo, Luciano Amaral Oliveira conversa com professores de português, tanto em formação quanto em atividade. E, assim, escreve um livro claro, corajoso e coloquial.

Claro, porque consegue dizer o que das teorias linguísticas todo pro-fessor deve reter para enriquecer sua prática de ensino e desenvolver uma atividade consequente com o que já se estabeleceu como conhecido na aca-demia, mas que ainda não entrou pelos portões das escolas. E precisa entrar, e precisa se estabelecer no cotidiano da sala de aula.

Corajoso, porque não escamoteia dificuldades, não foge dos problemas e não se alheia do contexto político-econômico ao qual uma reflexão como a dele, para ser consequente, não pode se furtar.

Coloquial, porque assume o tom de uma conversa animada pela intenção de proximidade com o leitor. Proximidade que supõe respeito por aqueles que insistem em saber qual é a ponte que há para unir teorias e prática docente.

Metodologia de ensino, leitura, escrita, literatura, vocabulário e gra-mática serão os eixos em torno dos quais se desenvolverá este livro, que vem se ocupar da tarefa de fazer, de professores e de estudantes, usuários com-petentes do português. Tarefa séria e delicada, à qual não se furtarão Irandé Antunes, Luciano Amaral Oliveira e quantos mais queiram se juntar a nós na mudança de rota no ensino de língua materna.

Esperamos conseguir, com mais este livro, ao menos um pouquinho disso.

Marcos Marcionilo

10 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

Introdução 11

Introdução

Em 2005, ao final de uma palestra realizada em Salvador sobre a situação do turismo internacional, Caio Luiz de Carvalho, ministro do Esporte e Turismo do governo Fernando Henrique Cardoso, ouviu a seguinte pergunta de uma estudante:

— Professor, qual a principal característica que um turismólogo deve ter para ser bem-sucedido como consultor na área de turismo?

Respondeu o ex-ministro:

— Saber redigir em português.

A resposta de Caio de Carvalho, além de ter causado surpresa a muitas pessoas na plateia, que esperavam ouvir alguma característica profissional mais específica, é bastante provocadora. Ela revela a importância de se domi-nar a língua portuguesa na produção textual, domínio estreitamente vincu-lado à competência de leitura. Percebe-se aí a precedência do conhecimento linguístico-textual e da habilidade de se usar esse conhecimento em relação a outras competências na área de consultoria turística. Indo além, pode-se in-tuitivamente afirmar que o domínio da leitura e, principalmente, o domínio da escrita são competências essenciais para a maioria das atividades profis-sionais no mundo contemporâneo. A resposta do ministro revela a impor-tância funcional do ensino da língua portuguesa para a sociedade brasileira contemporânea, fortemente marcada por eventos de letramento, ou seja, por

12 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

situações que envolvem a leitura e a escrita. Podemos citar como exemplos a escrita de bilhetes e recados, a anotação do fiado no boteco, assim como a leitura de outdoors, pôsteres, panfletos, legendas de programas e comerciais de tv, e-mails, faixas, cartazes, camisetas, jornais, revistas e livros.

Não por acaso, o ensino de português tem sido o alvo de reflexões, deba-tes e críticas ao longo das últimas cinco décadas. Desde os anos 1960, tem-se discutido a prática docente e o fracasso, ou o pouco sucesso, dos estudantes brasileiros no que diz respeito à leitura e à produção de textos. Fatores diferen-tes já foram apontados como os responsáveis, ou corresponsáveis, por tal situa-ção: o suposto déficit cultural das minorias e das camadas pobres da população, a falta de estrutura adequada nas escolas, o despreparo teórico dos professores.

A teoria do déficit cultural é preconceituosa e reducionista. De acordo com essa teoria, a aprendizagem por parte dos estudantes pode ser dificul-tada ou até mesmo impossibilitada por sua etnia, dialeto ou cultura. Moody (2008) lembra que a teoria do déficit cultural

enfoca a cultura da pobreza e, estabelecendo como norma a cultura da classe mé-dia branca, sustenta que a cultura da pobreza é deficiente quando se trata de pro-ver as atitudes, experiências e valores necessários para ser bem-sucedido na escola.

Ora, um professor que acredita na teoria do déficit cultural tem grande probabilidade de levar estudantes pobres e estudantes pertencentes a grupos minoritários, como os índios, por exemplo, a terem um desempenho insatisfa-tório na escola exatamente por acreditarem a priori que eles terão dificuldades de aprendizagem. Obviamente, não há como comparar culturas distintas ou etnias distintas com o objetivo de determinar qual é a superior, a não ser que se adote uma postura etnocêntrica, o que é preconceituoso e extremamente prejudicial para o processo de ensino e aprendizagem. Não há como defender seriamente a teoria do déficit cultural como causa do fracasso escolar.

O segundo fator apontado, a falta de estrutura das escolas, é muito sério e deve ser levado em consideração na discussão sobre o fracasso dos estudantes na construção de suas competências de leitura e de escrita. Se pensarmos nas escolas públicas, não há como não considerar a estrutura um fator determinan-te no desempenho dos estudantes. Afinal, como um professor pode ajudar seus alunos no seu processo de aprendizagem se não tem acesso a recursos como

Introdução 13

fotocópias, papel, retroprojetor, computador e, principalmente, livros? Há ca-sos, não raros, de escolas em que não há carteiras suficientes para acomodar os alunos na sala, tendo alguns deles de ficar em pé durante as aulas. Situações desse tipo dificultam o trabalho do professor e o aprendizado dos estudantes.

A falta de estrutura das escolas públicas angustia professores e alunos e é um fator complicador para o bom andamento das aulas de qualquer dis-ciplina, não só de português. Entretanto, quando pensamos nas escolas par-ticulares, surge uma questão bastante interessante: se elas possuem toda a estrutura necessária, como recursos audiovisuais, salas climatizadas, carteiras confortáveis, computadores e bibliotecas, por que seus alunos também não atingem níveis significativamente mais elevados de competência de leitura e de escrita? É verdade que esses alunos conseguem ser aprovados nos exames vestibulares das grandes universidades públicas, pois são mais bem treinados para isso. Contudo, suas competências de leitura e de escrita são motivo de reclamação por parte de muitos professores universitários que lecionam em turmas iniciais, independentemente do curso.

A resposta à pergunta pelo insucesso dos estudantes brasileiros em termos de leitura e de escrita reside na falta de estrutura das escolas, no despreparo teórico dos professores, resultado da formação inadequada nos cursos de letras, e da pouca atenção dispensada à educação pelas autoridades governamentais brasileiras, que faz com que os professores sejam mal remu-nerados e indevidamente preparados para o ensino. Não abordaremos aqui a questão da falta de estrutura nas escolas. Embora contribua para gerar uma angústia que tira a energia de muitos professores de português das escolas públicas, ela não se insere no escopo deste livro, que é exatamente discutir questões teóricas relativas ao ensino de português, para que se possam fazer provocações e sugestões que contribuam para reflexão do professor sobre sua prática pedagógica. A questão da maneira como os cursos de letras contri-buem para a má formação dos professores de português será tocada tangen-cialmente, em alguns momentos.

O que motivou a elaboração deste livro, cujo conteúdo é, em grande par-te, resultado de um projeto de pesquisa realizado na Universidade Estadual de Feira de Santana, intitulado “O ensino pragmático da gramática”, foi a cons-tatação da existência de uma grande distância entre, de um lado, as pesquisas

14 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

realizadas nas universidades e os livros teóricos sobre o ensino de português e, de outro, os professores de português do ensino fundamental e do ensino mé-dio. A pesquisa teve um objetivo bem simples: analisar gramáticas normativas e livros teóricos sobre o ensino de português e de gramática para detectar o que ainda precisa ser dito aos professores de português de forma clara e direta, a fim de diminuir essa distância. Inevitavelmente, a pesquisa rumou para a leitura e para a escrita pela simples razão de a língua só ter sua existência materializada por meio de textos. Isso implica que fazer os estudantes estudarem gramática sem levar em consideração o papel que as estruturas gramaticais têm no uso da língua, que toma a forma de textos falados e escritos, é contraintuitivo.

Um elemento que contribui para aproximar professores de português, pesquisadores e teóricos são as oficinas de aperfeiçoamento promovidas pe-las secretarias de educação estaduais e municipais. Essas oficinas podem se constituir em ferramentas importantes para os professores terem acesso a conhecimentos construídos pela linguística aplicada que possam servir de norte para suas aulas. Afinal, a formação de docentes é algo que precisa ser pensado e realizado com cuidado.

Tive a oportunidade de mediar oficinas de aperfeiçoamento promo-vidas pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia para professores de português de escolas públicas estaduais. O contato que tive com 118 cur-sistas nessas oficinas me ajudou a perceber com mais clareza as angústias e inquietações que afligem os professores. Esse contato me ajudou também a perceber que conceitos teóricos fundamentais para o ensino de português ainda não foram incorporados à prática pedagógica da grande maioria dos professores brasileiros de língua materna.

É aí que entra um segundo elemento que pode contribuir para encurtar a distância mencionada acima: um livro escrito para professores de portu-guês, tanto para os professores em formação, ou seja, os estudantes de letras, quanto para os professores que já estão em sala de aula. E um livro escrito para professores de português deve ser objetivo, conciso e claro, e fazer uma ponte entre teorias linguísticas e a prática docente.

A experiência que tive durante as oficinas serviu para eu constatar que um princípio fundamental para o ensino é o vínculo entre prática e teoria. A falta de conhecimento das teorias subjacentes à prática pedagógica pode tor-

Introdução 15

nar o professor um mero usuário inconsciente de livros didáticos, um simples cumpridor de tarefas com um enfoque conteudista. Quando isso acontece, o professor, em vez de usar o livro didático, é usado por ele. É isso que permite a veiculação de um anúncio publicitário como o seguinte:

O material didático Dom Bosco faz o seu professor ainda melhor (Superinteressante, 2008, 11).

O interessante é que o texto do anúncio continua, mesmo após essas palavras, afirmando a autonomia do professor:

O Sistema de Ensino Dom Bosco valoriza a autonomia do professor e a criatividade dos alunos. Mais de 15 mil professores recebem acompanhamento permanente da consultoria educacional.

Superinteressante, né?

Há ainda um problema curioso: a incapacidade que muitos professores enfrentam na hora de distinguir o que procede e o que não procede nas gra-máticas normativas tradicionalmente consultadas. Essa incapacidade precisa ser transmutada em capacidade de distinguir as incongruências e os equívocos apresentados pelas diversas gramáticas normativas à disposição do professor.

Por isso, além de precisar analisar criticamente as gramáticas normati-vas, os professores precisam fazer uma análise criteriosa dos livros didáticos adotados pelas escolas onde trabalham. Todavia, para serem capazes de fazer isso, precisam de conceitos teóricos que fundamentem suas análises.

Os professores de português geralmente demonstram pouco interesse por questões teóricas. Geralmente, isso é reflexo da maneira como muitos pro-fessores de letras, dos quais os professores de português foram alunos, abor-dam teorias linguísticas e literárias: sem a menor articulação dessas teorias com a prática pedagógica. Entretanto, todo professor, de qualquer disciplina, precisa de um mínimo de teoria para sustentar suas ações em sala de aula, para tomar decisões pedagógicas conscientes, para não serem meros usuários inconscientemente passivos de livros didáticos e de gramáticas normativas.

16 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

Por essa razão, o capítulo 1, intitulado 5 coisas que todo professor de português precisa saber, traz cinco questões teóricas essenciais para a prática pedagógica, sobre as quais todo professor de português precisa refletir:

(1) o que é ensinar; (2) o que é método de ensino; (3) o que é língua; (4) o que é saber português; (5) a razão pela qual se ensina português para brasileiros.

Essas questões requerem reflexões teóricas em uma linguagem clara e direta, embora sem descurar do rigor necessário.

As teorias inatista, behaviorista e interacionista são brevemente con-trastadas para que possamos chegar a uma conclusão a respeito do que o ato de ensinar pode significar para o professor de português. A concepção estruturalista e a concepção interacionista da língua são apresentadas, e as implicações que a adoção de uma ou de outra concepção acarreta são apon-tadas para que possamos eleger o conceito de língua mais interessante para o ensino de português no Brasil.

Essa discussão de teorias da aprendizagem e de ensino nos leva na-turalmente a apresentar um conceito operacional muito importante para o ensino: método. Todo professor já ouviu falar em método de ensino. Mas será que ele sabe exatamente o que é um método?

Inevitavelmente, uma questão de extrema importância é levantada: o que significa saber português? Será que todos os brasileiros, alfabetizados ou não, sabem português? A resposta a essa questão é essencial para compreen-dermos o papel do professor no ensino fundamental e no ensino médio. O conceito de competência comunicativa proposto por Canale serve de base para responder a essa pergunta. Vale lembrar que esse conceito, que tem um caráter pedagogicamente operacional para os professores de línguas, não é apresentado em nenhum outro livro sobre ensino de português no Brasil. Há vários livros que apenas mencionam o conceito de competência comunica-tiva proposto por Dell Hymes, à exceção de um livro que explicita esse con-ceito. Entretanto, o conceito de Hymes não é pedagogicamente operacional, ao contrário do conceito proposto por Canale.

Introdução 17

Um filósofo da linguagem, Paul Grice, é chamado à cena nesse capítulo para que possamos compreender o mecanismo da comunicação humana do ponto de vista pragmático. Assim, o princípio da cooperação, as máximas conversacionais e a implicatura conversacional são articuladas com o concei-to de competência comunicativa para reforçar a ideia de que o professor pre-cisa ajudar seus alunos a se conscientizarem acerca do que está envolvido nos encontros linguísticos, a se conscientizarem de que a linguagem não é neutra.

A partir do esclarecimento dessas questões teóricas, começo a estabele-cer pontes entre teorias linguísticas e a prática pedagógica. Elejo a visão in-teracionista da língua como a concepção mais indicada para nortear a prática docente. Afinal, a língua só existe no encontro entre as pessoas, na interação social, independentemente de esse encontro ser estabelecido pela linguagem oral ou pela linguagem escrita. Como lembra Jean-Paul Sartre, a escrita só se realiza através da leitura, no encontro entre leitor e escritor.

E quais são as formas que os encontros linguísticos tomam? Textos. Esses encontros se materializam em textos falados ou escritos. Por isso, os textos são os elementos que devem ocupar o lugar central nas aulas de por-tuguês, principalmente os textos escritos. E por que textos escritos? Porque ninguém precisa tomar aulas para aprender a falar sua língua materna, mas precisa de instrução formal para aprender a ler e a escrever, embora seja verda-de que a abordagem formal dos gêneros textuais orais precisa ganhar espaço na sala de aula. Assim, outras pontes que estabeleceremos entre teoria e prá-tica encontram-se no capítulo 2, intitulado O ensino pragmático da leitura.

É necessário fazer um esclarecimento breve aqui. A palavra pragmático é muito importante para este livro. Sem entrar em detalhes, que se encon-tram nos capítulos que seguem, esclareço que essa palavra nos remete à ideia de uso. Ela está ligada à chamada virada pragmática, movimento teórico que se consolidou na década de 1970 e que demonstrou, dentre outras coisas, que o ensino de línguas precisa estar voltado para o uso da língua e não para a apresentação mecânica de estruturas gramaticais e de sua nomenclatura.

Pensar no ensino pragmático da leitura é, antes de tudo, pensar em aulas que ajudem os estudantes a se conscientizarem das funções sociais que os textos desempenham no processo de produção de sentidos realizados no momento em que leem algo. Assim, o capítulo 2 traz informações e reflexões

18 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

sobre o ensino da leitura sob a perspectiva pragmática. Conceitos importan-tes como: elementos de textualidade, tipos textuais, gêneros textuais, esquemas mentais e processos de decodificação são apresentados de maneira a deixar clara a articulação desses conceitos com o ensino de português.

Será respondida aqui uma pergunta cuja resposta tem implicações de-cisivas para o ensino: a leitura é uma atividade exclusivamente linguística? A maneira como o professor vê o ato de ler é determinante para suas ações na sala de aula. Nesse sentido, os tipos de conhecimentos necessários para que uma pessoa possa ler textos são analisados, a fim de que o professor se conscientize de que a leitura pressupõe conhecimentos que não se limitam à esfera linguística. Inevitavelmente, abordaremos aqui dois tipos de processa-mento de informação: o ascendente e o descendente.

Em seguida, serão abordados pontos relacionados a tipos textuais e a gêneros textuais. Dentre esses pontos, figura a diferença linguística entre o tipo expositivo e o tipo argumentativo: será que essa diferença existe mesmo?

Outra pergunta trazida no capítulo 2 é uma inquietação clássica: o que torna um texto um texto? Essa é uma pergunta que todo professor de portu-guês deve ser capaz de responder. Do contrário, a situação fica meio esqui-sita, pois como é que uma pessoa pode dar aulas de produção textual e de leitura se não tem conhecimento explícito do que é um texto e do que não é um texto? Aqui, os elementos de textualidade propostos por Beaugrande e Dressler, importantes teóricos da linguística textual, são trazidos à cena. A ideia é mostrar que, para realizar leituras e produzir textos, é necessário pensar em elementos que não se limitam à coerência e à coesão, os únicos que costumam ser abordados em sala de aula. Afinal, o estudante precisa ter consciência de pontos extremamente importantes: para que se escreve; para quem se escreve; quando, onde e por quem um texto é escrito e lido; e as relações de um texto com outros.

Algumas atividades de leitura constantes em livros didáticos adotados por escolas públicas e/ou particulares são analisadas. A ideia dessa análise é demonstrar a necessidade de o professor de português avaliar criticamente o que é proposto nos livros didáticos para tomar decisões pedagógicas mais conscientes e usar as atividades da maneira proposta pelos livros, adaptá-las ou descartá-las por completo.

Introdução 19

Note-se a relação estreita entre leitura e escrita, que nos leva ao capítulo 3: O ensino pragmático da escrita. Muitas das reflexões realizadas sobre o ensino da leitura no capítulo 2 se aplicam ao ensino da escrita, como, por exemplo, as reflexões sobre os conhecimentos necessários para a produção textual e os elementos de textualidade. Afinal, assim como a leitura, a escrita não é uma atividade exclusivamente linguística e requer do aluno conheci-mentos que vão além da esfera da língua. A implicação dos conhecimentos prévios dos estudantes para a aprendizagem da escrita é abordada aqui.

Uma reflexão que não poderia faltar no capítulo 3 diz respeito à maneira como os professores de português veem a escrita: um produto ou um pro-cesso? Esta pergunta é lançada porque sua resposta tem implicações diretas sobre as formas de ensino e de avaliação da produção escrita dos estudan-tes e porque ela está estreitamente relacionada à discussão sobre os tipos de conhecimentos necessários à produção textual. Nesse capítulo, veremos com atenção o conceito de tópico frasal pelo fato de os livros didáticos em geral não contarem todos os detalhes que esse conceito envolve. Assim, algumas atividades são sugeridas para conscientizar os alunos da importância da estru-turação de parágrafos e textos.

Previsivelmente, abordaremos ainda os elementos de textualidade e suas implicações para o ensino da escrita. Tanto os elementos linguístico-semânticos quanto os elementos pragmáticos de textualidade são abordados à luz da concepção da escrita como processo, o que vai naturalmente desem-bocar na questão dos gêneros textuais no ensino da escrita. A inclusão de determinados gêneros nas aulas de português é sugerida para que o professor perceba a importância de atrelar as situações de letramentos que o estudante encontra fora da escola às atividades desenvolvidas em sala de aula.

Assim como no capítulo 2, atividades propostas por livros didáticos são analisadas com o objetivo de conscientizar o professor da importância de assumir uma posição crítica em relação a tais materiais. E é claro que o capítulo trará uma breve discussão sobre a avaliação dos textos escritos por estudantes no contexto escolar.

E já que a leitura e a escrita são abordadas aqui, eu não poderia deixar de falar do ensino da literatura. É disso que trata o capítulo 4, intitulado O ensino pragmático da literatura. Escrevi esse capítulo pelo fato de testemu-

20 Coisas que todo professor de português preCisa saber | Luciano Amaral Oliveira

nharmos hoje uma separação ilógica de disciplinas no ensino de português: literatura, redação e português ou língua portuguesa. Entretanto, como essa separação existe, mesmo sendo ilógica, abordaremos aqui algumas questões relacionadas aos textos literários. Uma delas é aquilo que chamo de textua-lidade literária: o que torna um texto um texto literário? Afinal, será que há alguma característica inerente aos textos literários ou são os leitores que conferem literariedade a um texto?

Temos também uma reflexão problematizadora do modo como a lite-ratura tem sido tradicionalmente lecionada nas escolas. É inevitável abordar nesse capítulo o papel dos cursos de letras na má formação de professores para o ensino da literatura e fazer sugestões de um ensino pragmático da literatura.

O capítulo 5, O ensino pragmático do vocabulário, trata de um elemen-to essencial para o desenvolvimento da competência comunicativa, mais espe-cificamente, da competência lexical dos estudantes: o vocabulário. O que pre-cisamos saber para afirmar que conhecemos uma palavra? Será oferecida uma resposta a essa pergunta, pois ela traz implicações decisivas para a prática do-cente. O ensino da morfologia é discutido aqui com vistas ao desenvolvimento da competência estratégica dos estudantes. Além disso, fenômenos semânticos são abordados para mostrar ao professor a importância de se conscientizar os estudantes acerca de questões relacionadas com a produção de sentidos e com o estilo dos textos que eles produzem. Finalmente, elementos de coesão lexical recebem atenção como parte dos conhecimentos linguísticos que os estudantes precisam desenvolver para melhorar sua capacidade de produção de textos.

Quatro temas controversos não poderiam deixar de figurar neste capítu-lo: o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a linguagem politica-mente correta, o machismo na língua portuguesa e os estrangeirismos. O que professores e estudantes devem fazer diante do novo Acordo Ortográfico? Será que há algo a fazer? Uma discussão, mesmo breve, é necessária diante da controvérsia instaurada pelas mudanças ortográficas impostas pelo Acordo.

A linguagem politicamente correta não poderia deixar de ser abordada aqui, mesmo que sumariamente, e nem pode ficar de fora das aulas de portu-guês nessa época de modernidade líquida. E esse capítulo será o espaço para discutir se a língua portuguesa é machista ou se nela há reflexos do machismo da sociedade brasileira – duas coisas bem diferentes. Finalmente, abordare-

Introdução 21

mos a questão dos estrangeirismos, que tem lugar garantido aqui por ter che-gado ao Congresso Nacional, instância que quer se meter em um assunto que desconhece. As discussões desse capítulo têm o objetivo de ajudar o professor a ajudar seus alunos a terem consciência das escolhas lexicais que fazem e das consequências textuais e extratextuais dessas escolhas.

Finalmente, antes de as considerações finais serem feitas, o capítulo 6, o ensino pragmático da gramática, traz à baila uma discussão necessária sobre o lugar da gramática na sala de aula. Será que é possível ensinar por-tuguês sem ensinar gramática? E o que gramática significa? Há lugar para a gramática no ensino de português? Se houver, como deve ser ensinada? E quanto à nomenclatura gramatical? Há espaço para ela nas aulas de gramá-tica? Respostas são oferecidas para que o professor se sinta provocado e re-flita sobre sua prática docente. Nesse capítulo, é apresentada uma concepção tridimensional da gramática, a qual nos ajuda a analisar pontos gramaticais a serem ensinados não apenas em termos da sua estrutura, mas também em termos do seu significado e do seu uso.

Ao concluir esta introdução, quero agradecer:

A minha mãe, Ivone, e ao meu pai, Edvaldo (em memória), pelos sacrifícios e esforços para que eu e Dinho não ficássemos de fora do sistema escolar;

A Dinho, meu irmão, pelo apoio constante;

A Luciana, minha companheira, pelo apoio e pelos comentários preciosos so-bre literatura;

A Agílson e Railton, pela amizade;

À Profa. Dra. Dianne Larsen-Freeman, pelas sugestões;

À empresa quantiQ, pela autorização para eu usar um de seus anúncios;

A Priscila Brasileiro Silva do Nascimento, Alexandra Soares dos Santos, Lídia Nara Peixoto de Lima e Ana Amabília Carneiro de Santana, pela participação no projeto de pesquisa na Universidade Estadual de Feira de Santana.

Se este livro contribuir para a reflexão de professores que já atuam em sala de aula e para a formação de futuros professores de português, ele terá atingido seu objetivo.

Luciano Amaral Oliveira