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120 CRESCER OUTUBRO 2009 Denise Fraga Tr avessur as de mãe Como nascem os bebês? Por mais liberal que eu possa ser como mãe, con- fesso que tremi nas bases quando veio a pergunta. Sempre falamos tudo o que nos foi perguntado da forma mais simples e natural possível. Uma terapeuta amiga tinha me dito que nunca antecipasse nada, que sempre respondesse somente à neces- sidade da criança para que ela fosse montando o seu quebra-cabeças. E a pergunta che- gou. Nino tinha uns 7 anos e me viu com um absorvente na mão. Há tempos tinha dito a ele pra que servia o tal travesseirinho que a mamãe usava todo mês. Expliquei direi- tinho, dizendo que o sanguinho que saía era formado na parede do útero, a bolsa onde ficava o bebê dentro da mulher etc. e tal. Quando ele me viu com o absorvente naquele dia, montou mais uma peça de seu quebra-cabeças e perguntou: “Por que não nasce o bebê?” A pergunta me assustou a princípio, porque era meio invertida. “Porque a ma- mãe toma um remedinho pra não ficar grávida.” “Por quê?” “Porque não dá pra gente ter um monte de filhos.” “Por quê?” “Porque precisa dar escola, comida, médico, aten- ção pra todo mundo…” E aí veio a dita cuja, enfim, limpinha: “Como tem filho?” Luiz tinha saído e eu fiquei quase culpada por passar por aquele momento-pérola sem a presença dele, mas a pergunta pairava no ar, com as jabuticabas olhando pra mim. “Bem… O papai coloca com o pinto dele uma sementinha dentro da perereca da ma- mãe.” “Como?” Ai, caramba! “A gente transa. Você já ouviu falar de transar?” Ele ba- lançou a cabeça num sim. “Como transa?” Ai, ai, ai. Expliquei tudo direitinho. “A gente namora, faz carinho um no outro, o papai põe o pinto dele dentro da mamãe e aí, uma hora, sai um líquido de dentro…” “O papai faz xixi em você?!” Ai, meu Deus! “Não! É um líquido branquinho que tem as sementinhas. Elas se juntam com uns ovi- nhos que têm dentro da mamãe e formam uma célula, uma coisa bem pequenininha que é o princípio de um bebê. Ele fica ali dentro crescendo e um dia a barriga começa “Luiz tinha saído e eu fiquei quase culpada por passar por aquele momento-pérola sem a presença dele, mas a pergunta pairava no ar, com as jabuticabas olhando pra mim.” a apertar pra ele sair pela perereca de novo.” O que me veio em resposta foi uma ri- sadinha deliciosa. E eu nunca saberei se expliquei do melhor jeito. É engraçado, por mais que a gente tente desmistificar, eles parecem perceber o mistério que envolve o assunto. Acho que, no fundo, faz parte do sexo o silêncio, desde pequeninos. Outro dia, fiz uma cena onde dava ao meu filho, um adolescente de 14 anos, uma ca- misinha. Conversando com ele no set e, no fundo, fazendo uma pesquisinha como mãe, ele me disse: “Não vai ficar fazendo essas perguntas da cena pros seus filhos, né? Maior mico!” Vá saber qual é o caminho certo nesse eterno dilema que é edu- car os pequenos. Mãe é dúvida. Lembro quando o problema era explicar ao peque- no Pedro por que ele não podia tirar seu pinto pra fora em plena padaria. Pedro vivia em conversa com seu pintinho. Um dia nos disse que até tentava, mas que o pinto dizia: “Me põe pra fora, por favooor!” – explicou, fazendo a voz do dito cujo. As per- guntas são escassas, mas vamos intuitivamente dando ingredientes para que nossos filhos montem seus quebra-cabeças sobre o assunto mais e menos falado do mundo. O que a gente quer é que sejam capazes de amar e serem amados da melhor forma possível. Só. Mãe quer tudo. E não pode tudo. Por isso é dúvida. Ponto final. Denise Fraga é atriz, apresenta quadros no Fantástico, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 12 anos, e Pedro, 10 E-mail: [email protected] A pergunta chegou © 1 Shutterstock, 2 Priscila Prade © 2 © 1

Coluna Denise Fraga

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Coluna de Denise Fraga na revista Crescer

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Page 1: Coluna Denise Fraga

120 C r e s C e r o u t u b r o 2 0 0 9

Denise FragaTravessuras de mãe

Como nascem os bebês? Por mais liberal que eu possa ser como mãe, con-fesso que tremi nas bases quando veio a pergunta. Sempre falamos tudo o que nos foi perguntado da forma mais simples e natural possível. Uma terapeuta amiga tinha me dito que nunca antecipasse nada, que sempre respondesse somente à neces-sidade da criança para que ela fosse montando o seu quebra-cabeças. E a pergunta che-gou. Nino tinha uns 7 anos e me viu com um absorvente na mão. Há tempos tinha dito a ele pra que servia o tal travesseirinho que a mamãe usava todo mês. Expliquei direi-tinho, dizendo que o sanguinho que saía era formado na parede do útero, a bolsa onde ficava o bebê dentro da mulher etc. e tal. Quando ele me viu com o absorvente naquele dia, montou mais uma peça de seu quebra-cabeças e perguntou: “Por que não nasce o bebê?” A pergunta me assustou a princípio, porque era meio invertida. “Porque a ma-mãe toma um remedinho pra não ficar grávida.” “Por quê?” “Porque não dá pra gente ter um monte de filhos.” “Por quê?” “Porque precisa dar escola, comida, médico, aten-ção pra todo mundo…” E aí veio a dita cuja, enfim, limpinha: “Como tem filho?”Luiz tinha saído e eu fiquei quase culpada por passar por aquele momento-pérola sem a presença dele, mas a pergunta pairava no ar, com as jabuticabas olhando pra mim. “Bem… O papai coloca com o pinto dele uma sementinha dentro da perereca da ma-mãe.” “Como?” Ai, caramba! “A gente transa. Você já ouviu falar de transar?” Ele ba-lançou a cabeça num sim. “Como transa?” Ai, ai, ai. Expliquei tudo direitinho. “A gente namora, faz carinho um no outro, o papai põe o pinto dele dentro da mamãe e aí, uma hora, sai um líquido de dentro…” “O papai faz xixi em você?!” Ai, meu Deus! “Não! É um líquido branquinho que tem as sementinhas. Elas se juntam com uns ovi-nhos que têm dentro da mamãe e formam uma célula, uma coisa bem pequenininha que é o princípio de um bebê. Ele fica ali dentro crescendo e um dia a barriga começa

“Luiz tinha saído e eu fiquei quase culpada por passar por aquele momento-pérola sem a presença dele, mas a pergunta pairava no ar, com as jabuticabas olhando pra mim.”

a apertar pra ele sair pela perereca de novo.” O que me veio em resposta foi uma ri-sadinha deliciosa. E eu nunca saberei se expliquei do melhor jeito. É engraçado, por mais que a gente tente desmistificar, eles parecem perceber o mistério que envolve o assunto. Acho que, no fundo, faz parte do sexo o silêncio, desde pequeninos.Outro dia, fiz uma cena onde dava ao meu filho, um adolescente de 14 anos, uma ca-misinha. Conversando com ele no set e, no fundo, fazendo uma pesquisinha como mãe, ele me disse: “Não vai ficar fazendo essas perguntas da cena pros seus filhos, né? Maior mico!” Vá saber qual é o caminho certo nesse eterno dilema que é edu-car os pequenos. Mãe é dúvida. Lembro quando o problema era explicar ao peque-no Pedro por que ele não podia tirar seu pinto pra fora em plena padaria. Pedro vivia em conversa com seu pintinho. Um dia nos disse que até tentava, mas que o pinto dizia: “Me põe pra fora, por favooor!” – explicou, fazendo a voz do dito cujo. As per-guntas são escassas, mas vamos intuitivamente dando ingredientes para que nossos filhos montem seus quebra-cabeças sobre o assunto mais e menos falado do mundo. O que a gente quer é que sejam capazes de amar e serem amados da melhor forma possível. Só. Mãe quer tudo. E não pode tudo. Por isso é dúvida. Ponto final.

Denise Fraga é atriz, apresenta quadros no Fantástico, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 12 anos, e Pedro, 10 E-mail: [email protected]

A pergunta chegou

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