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Novidades Legislativas comentadas Página1 COMENTÁRIOS À LEI 12.694/2012 (JULGAMENTO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU DE CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS) Márcio André Lopes Cavalcante* Foi publicada no dia 25/07/2012 mais uma importante novidade legislativa. Trata-se da Lei n. 12.694/2012 que, em linhas gerais, busca conferir mecanismos de segurança aos magistrados que atuam processos criminais. A Lei é fruto de anteprojeto de lei sugerido ao Congresso Nacional pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) com o intuito de garantir maior segurança aos magistrados, especialmente àqueles que atuam em processos envolvendo organizações criminosas. No processo de elaboração do anteprojeto original, destaca-se a participação dos excelentes juízes federais Sergio Fernando Moro e Marcello Granado. Infelizmente, durante sua tramitação no Parlamento, o projeto sofreu algumas alterações que desnaturaram vários pontos relevantes da proposta. De maneira específica, a Lei 12.694/2012 trata sobre os seguintes temas: I – Prevê a possibilidade de julgamento colegiado em primeiro grau para os crimes praticados por organizações criminosas; II – Define organização criminosa no direito brasileiro; III – Dispõe sobre a alienação antecipada de bens que tiverem sido objeto de medidas assecuratórias para fins de processo penal; IV – Institui a possibilidade de confisco de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior; V – Autoriza a adoção de medidas de segurança para os prédios do Poder Judiciário; VI – Autoriza que os veículos utilizados por membros do Judiciário e do MP que atuem em processos criminais possam, temporariamente, ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários; VII – Assegura porte de arma de fogo para uso dos servidores do Poder Judiciário e do MP que exerçam funções de segurança; VIII – Prevê a proteção pessoal ao magistrado, ao membro do MP e aos seus familiares a ser prestado pela polícia em caso de situações de risco decorrentes do exercício da função. Vamos tecer algumas considerações sobre cada uma dessas oito relevantes alterações. I – JULGAMENTO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU Julgamento colegiado em primeiro grau de instrução PONTO IMPORTANTE: A Lei n. 12.694/2012 estabelece que: - em processos ou procedimentos - relativos a crimes praticados por organizações criminosas - o juiz da causa poderá instaurar um colegiado de 3 juízes (ele e mais outros 2) - para a prática de qualquer ato desse processo.

COMENTÁRIOS À LEI 12.694/2012 (JULGAMENTO … · III – Dispõe sobre a alienação antecipada de bens que tiverem sido objeto de medidas assecuratórias para fins de processo

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COMENTÁRIOS À LEI 12.694/2012 (JULGAMENTO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU DE

CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS) Márcio André Lopes Cavalcante* Foi publicada no dia 25/07/2012 mais uma importante novidade legislativa.

Trata-se da Lei n. 12.694/2012 que, em linhas gerais, busca conferir mecanismos de segurança aos magistrados que atuam processos criminais. A Lei é fruto de anteprojeto de lei sugerido ao Congresso Nacional pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) com o intuito de garantir maior segurança aos magistrados, especialmente àqueles que atuam em processos envolvendo organizações criminosas. No processo de elaboração do anteprojeto original, destaca-se a participação dos excelentes juízes federais Sergio Fernando Moro e Marcello Granado. Infelizmente, durante sua tramitação no Parlamento, o projeto sofreu algumas alterações que desnaturaram vários pontos relevantes da proposta. De maneira específica, a Lei 12.694/2012 trata sobre os seguintes temas:

I – Prevê a possibilidade de julgamento colegiado em primeiro grau para os crimes praticados por organizações criminosas; II – Define organização criminosa no direito brasileiro; III – Dispõe sobre a alienação antecipada de bens que tiverem sido objeto de medidas assecuratórias para fins de processo penal; IV – Institui a possibilidade de confisco de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior; V – Autoriza a adoção de medidas de segurança para os prédios do Poder Judiciário; VI – Autoriza que os veículos utilizados por membros do Judiciário e do MP que atuem em processos criminais possam, temporariamente, ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários; VII – Assegura porte de arma de fogo para uso dos servidores do Poder Judiciário e do MP que exerçam funções de segurança; VIII – Prevê a proteção pessoal ao magistrado, ao membro do MP e aos seus familiares a ser prestado pela polícia em caso de situações de risco decorrentes do exercício da função.

Vamos tecer algumas considerações sobre cada uma dessas oito relevantes alterações.

I – JULGAMENTO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU Julgamento colegiado em primeiro grau de instrução

PONTO IMPORTANTE:

A Lei n. 12.694/2012 estabelece que: - em processos ou procedimentos - relativos a crimes praticados por organizações criminosas - o juiz da causa poderá instaurar um colegiado de 3 juízes (ele e mais outros 2) - para a prática de qualquer ato desse processo.

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Natureza do processo ou procedimento em que o colegiado pode ser instaurado

O colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas, seja antes, durante, ou mesmo depois da ação penal. Em outras palavras, o colegiado pode ser instaurado antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução. Exemplo de instauração antes da ação penal: colegiado para que seja decidido um pedido de interceptação telefônica requerido no bojo do inquérito policial. Exemplo de instauração durante a ação penal: colegiado para a prolação da sentença. Exemplo de instauração após a ação penal: colegiado para decidir quanto à regressão de regime prisional. O colegiado pode ser instaurado para atuar no processo principal (ação penal) ou em processo incidente (ex: decidir incidente de falsidade). Justiça Federal ou Justiça Estadual

O julgamento colegiado poderá ser adotado tanto nos processos de competência da Justiça Federal como da Justiça Estadual. O único requisito exigido é que o processo ou procedimento tenha por objeto crimes praticados por organizações criminosas. O julgamento colegiado de que trata esta Lei poderá ser adotado no Tribunal do Júri?

Sim, com exceção do veredicto dos jurados. Assim, a decisão sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido no julgamento em Plenário, deverá ser sempre tomada pelos jurados, por força constitucional (art. 5º, XXXVIII, c). No entanto, o colegiado de juízes de que trata esta lei poderá atuar em todas as demais fases do Júri: no inquérito, na fase de formação da culpa (1ª fase do Júri) e até mesmo no julgamento em Plenário, elaborando, por exemplo, a sentença na qual será realizada a dosimetria da pena. Ressalte-se que esse foi o entendimento do STF ao julgar a ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 30 e 31.5.2012,

proposta contra a Lei Estadual n. 6.806/2007, de Alagoas. Quais os atos processuais que o colegiado de juízes poderá praticar?

O colegiado poderá praticar quaisquer atos nos processos ou procedimentos em que atuar. Vale ressaltar, no entanto, que a decisão que instaurar o colegiado de juízes deve mencionar os atos para os quais ele tem competência. A Lei enumera alguns exemplos de atos que poderão ser realizados: I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; III - sentença; IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; V - concessão de liberdade condicional; VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

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PONTO IMPORTANTE: O colegiado poderá ser convocado para praticar atos instrutórios ou somente atos decisórios? Entendo que o colegiado poderá praticar tanto atos instrutórios como decisórios. A ementa fornece indícios dessa possibilidade ao afirmar que a Lei “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado”, sinalizando que não apenas o julgamento, mas também os demais atos do processo podem ser realizados de forma colegiada. Em reforço a essa conclusão, o art. 1º é enfático ao afirmar que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual (...)” Acrescente-se a isso o fato de que a grande maioria das ameaças contra os magistrados ocorre durante a instrução do processo e não apenas no momento da prolação da sentença ou de outras decisões. Dependendo do nível de ameaça e da periculosidade real da organização criminosa, o mais recomendado é que toda a condução do processo (todos os atos instrutórios e decisões) seja realizada pelo colegiado. Quem instaura

O colegiado é instaurado pelo juiz natural da causa, em decisão fundamentada. Fundamento para a instauração

A instauração do julgamento colegiado ocorre quando o juiz natural da causa entender que a prática de atos naquele processo ou procedimento poderá gerar risco à sua integridade física. Como já dito, exige-se que a decisão de instauração seja obrigatoriamente fundamentada, devendo o magistrado indicar os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física. PONTO POLÊMICO: Apesar da Lei exigir que a decisão de instauração seja fundamentada, não se pode impor ao magistrado que apresente fatos cabais ou efetivas provas de que há risco à sua integridade física, considerando que ainda não se está julgando os agentes envolvidos na suposta organização criminosa. Ex: se o processo refere-se a um grupo de extermínio acusado da prática de vários homicídios, inclusive de autoridades, ainda que não tenha havido uma ameaça real à integridade física do magistrado, este, diante das circunstâncias que envolvem tais investigados/acusados, poderá concluir que há risco pessoal na condução singular do processo e, então, decidir pela instauração do colegiado. Seria irrazoável exigir que o juiz primeiro recebesse ameaças para que só então decidisse pela instauração do colegiado, até mesmo porque, dependendo do grau de periculosidade do grupo criminoso, os ataques à integridade do julgador poderiam ser perpetrados mesmo sem uma ameaça prévia. Não se pode perder de vista, portanto, o caráter de “precaução” da lei (que possui um sentido mais amplo que a mera “prevenção”), abarcando também riscos ainda não totalmente conhecidos e provados. PONTO IMPORTANTE: Outra questão relevante é que o juiz, na decisão que instaura o colegiado, deve ter cautela quanto às expressões empregadas, não podendo cometer excesso de linguagem contra os investigados/acusados, sob pena de tornar-se suspeito para julgar a causa (ex: quando o juiz afirma que está instaurando o colegiado porque o processo “trata de um grupo criminoso perverso, de alta periculosidade, que já fez várias vítimas”. Nessa hipótese, o juiz já teria prejulgado os envolvidos e não seria mais isento para conduzir a causa). Deve, assim, o magistrado evitar a chamada “eloquência acusatória”, terminologia utilizada pelo ex-Ministro do STF Sepúlveda Pertence para criticar o excesso verbal do julgador na sentença de pronúncia do Júri. Apesar da lei falar apenas em risco à integridade física do juiz (§ 1º do art. 1º), parece razoável (e até óbvio) entender que o colegiado poderá ser instaurado também quando as circunstâncias indicarem risco à integridade física dos familiares do magistrado.

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Vale ressaltar, ainda, que a instauração é facultativa para o juiz natural da causa, ou seja, mesmo havendo risco à sua integridade física ele pode optar por não decidir instaurar o julgamento colegiado, conduzindo o processo de forma singular. Previsão do julgamento colegiado e processos anteriores à vigência desta Lei

A Lei n. 12.694/2012 entrará em vigor no dia 23/09/2012. É possível a formação do colegiado para julgar um processo que já tinha sido instaurado mesmo antes da

vigência da Lei n. 12.694/2012?

SIM. As normas da Lei n. 12.694/2012 que disciplinam o julgamento colegiado são regras de direito processual, de modo que possuem eficácia imediata. Logo, o colegiado poderá ser instaurado para o desempenho de qualquer ato processual que ainda não tenha sido praticado no processo, mesmo que este tenha se iniciado antes da vigência da Lei. Composição:

O colegiado é formado por 3 (três) magistrados:

o juiz natural do processo; e

mais 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

Os juízes criminais que poderão ser escolhidos nesse sorteio eletrônico são apenas os que estiverem lotados na mesma comarca (Justiça Estadual) ou seção judiciária (Justiça Federal) que o juiz do processo? NÃO. Se isso fosse exigido, a lei estaria inviabilizada, considerando que existem inúmeras comarcas no interior do Brasil nas quais não há três juízes atuando. Justamente por essa razão, a Lei previu que, se o colegiado for formado por juízes domiciliados em cidades diversas, a reunião entre eles para tomar alguma decisão poderá ser feita pela via eletrônica (§ 5º do art. 1º). Repare que a Lei não exigiu que a reunião do colegiado fosse feita por videoconferência, mencionando apenas a expressão “via eletrônica”. Desse modo, as discussões e deliberações do colegiado poderão ser tomadas por variadas formas eletrônicas, que vão desde o uso dos sistemas de processos virtuais até uma simples troca de e-mails, devendo, em todos os casos, ser assegurada que a manifestação dos juízes é autêntica, o que pode ser feito com o uso de certificação digital. Vale ressaltar que os tribunais, no âmbito de suas competências, deverão expedir normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento (§ 7º do art. 1º). Comunicação à Corregedoria

A Lei determina que o juiz que instaurou o colegiado deverá dar conhecimento de sua decisão ao órgão correicional. Qual a finalidade dessa comunicação à Corregedoria? A Lei não menciona, no entanto, deduz-se que essa comunicação é feita para atender aos seguintes objetivos:

Registro para fins estatísticos e elaboração de políticas públicas para a segurança dos magistrados;

Controle correicional de eventual utilização manifestamente abusiva desse mecanismo por parte dos juízes.

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A Corregedoria tem competência para rever a instauração do colegiado? Reputo que não. Em meu sentir, a decisão do magistrado que instaura o julgamento colegiado possui natureza jurisdicional, sendo tomada com base em seu livre convencimento motivado, somente podendo ser impugnada mediante habeas corpus em caso de decisão manifestamente ilegal. Desse modo, entendo que é vedado à Corregedoria imiscuir-se no mérito da decisão tomada. É possível, no entanto, como já dito, que o órgão correicional analise eventual e patente utilização reiterada dessa medida por parte do magistrado, tendo em vista que nenhum direito pode ser utilizado de forma abusiva. Recurso contra a decisão do juiz que instaura o colegiado

Não há previsão de recurso na lei (decisão irrecorrível). Como já dito acima, caso a decisão de instauração seja flagrantemente ilegal ou teratológica, poderá ser impugnada por meio de habeas corpus. Competência do colegiado

A Lei afirma que “a competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado” (§ 3º do art. 1º).

Ex: o juiz do Processo n. XXX/2012 decide instaurar um colegiado de magistrados para decidir sobre os pedidos da autoridade policial para busca e apreensão e prisão temporária dos membros de uma organização criminosa que estaria praticando diversos delitos. Esse colegiado não terá competência para sentenciar a ação penal que for proposta, salvo se a decisão de instauração do colegiado também mencionar expressamente a prática desse ato. Desse modo, na decisão do magistrado que determinar a instauração deverá ser mencionado expressamente o(s) ato(s) para o(s) qual(is) o colegiado foi convocado. Importante esclarecer que a lei não determina que o colegiado seja instaurado para a prática de apenas um ato processual. Assim, é possível que o colegiado seja convocado para a prática de uma série de atos referentes a um único processo. É o caso, por exemplo, da decisão do juiz da causa que instaura o

colegiado para a instrução e julgamento do Processo n. YYY/2012. Conforme já sustentado, dependendo do nível de ameaça e da periculosidade real da organização criminosa, o mais recomendado é que toda a condução do processo seja realizada pelo colegiado, devendo, no entanto, o ato de convocação ser expresso nesse sentido. Sigilo das reuniões envolvendo os juízes do colegiado

PONTO POLÊMICO: A Lei determina, em seu art. 1º, § 4º:

§ 4º As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

A redação desse § 4º não é das melhores e deixa margem a algumas dúvidas.

De que reuniões trata esse dispositivo? Imagina-se que sejam as reuniões entre os juízes do colegiado para a prática de algum ato processual.

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Essas reuniões são públicas ou sigilosas? Pela literalidade do dispositivo, a regra é a de que as reuniões são públicas. Excepcionalmente, podem ser sigilosas quando houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

Essa previsão, no entanto, merece algumas críticas. Vejamos: Por força da CF/88, os atos processuais praticados pelo colegiado devem ser, em regra, públicos, salvo se o sigilo for necessário para a defesa da intimidade ou por razões de interesse social (art. 5º, LX, CF/88). Assim, as decisões judiciais (espécie de ato processual) tomadas pelo colegiado, também devem ser, em regra, públicas. No entanto, as reuniões do colegiado para discutir sobre a deliberação de algum ato processual são obviamente sigilosas. Essa conclusão decorre do fato de que a própria Lei determina que as decisões do colegiado deverão ser publicadas sem qualquer referência a eventual voto divergente (§ 6º do art. 1º). Em outras palavras, se dois juízes votarem pela condenação e o terceiro magistrado pela absolvição, a decisão será publicada sem que seja mencionada essa divergência, a fim de preservar a segurança dos juízes que contrariaram os interesses do réu. Dessa forma, se as reuniões do colegiado realizadas para a tomada de decisões forem públicas, como poderia parecer em uma leitura apressada do § 4º do art. 1º, haveria uma incompatibilidade com o § 6º do mesmo artigo, além de contrariar os próprios objetivos da Lei, considerando que os membros da organização criminosa saberiam exatamente qual(is) do(s) juiz(es) votaram pela sua condenação ou contra os seus interesses. Decisões do colegiado

Sempre que for necessário que o colegiado profira alguma decisão ele irá se reunir. Se os juízes forem domiciliados em cidades diferentes, a reunião poderá ser feita pela via eletrônica. Conforme já explicado, apesar do texto da lei não mencionar este aspecto, entendo que a reunião do colegiado para discutir a decisão deverá ser sigilosa, dela participando apenas os magistrados e, eventualmente, servidores da Justiça para auxiliá-los. Os advogados e os réus não podem estar presentes. O resultado da decisão será o que for deliberado pela unanimidade dos três juízes ou, em caso de divergência, prevalecerá a posição dos dois juízes que comungarem do mesmo entendimento. Caso os três juízes discordem entre si, deve ser buscado, internamente, o consenso ou que pelo menos dois magistrados adiram à mesma conclusão. Após chegar à decisão, esta deverá ser formalizada (escrita), devidamente fundamentada, conforme se exige de toda decisão judicial. As decisões do colegiado deverão ser sempre assinadas pelos três juízes, ainda que um deles, durante as discussões internas, tenha discordado do que os outros dois decidiram. A redação do dispositivo legal que trata sobre esse tema é a seguinte:

Art. 1º (...) § 6º As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

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A previsão desse julgamento colegiado em primeiro grau, na forma trazida pela Lei n. 12.694/2012, viola alguma norma da Constituição Federal?

Para uma primeira corrente, a resposta seria sim. Tão logo foi publicada, surgiram as primeiras alegações de que a Lei seria inconstitucional. Pierpaolo Cruz Bottini, em entrevista ao site CONJUR (www.conjur.com.br), ataca, principalmente, dois aspectos do novel diploma: a) O fato da decisão do colegiado não fazer referência a eventual voto divergente

(“O réu tem o direito de saber quais os argumentos expostos, seu teor, e os fundamentos das decisões, em especial daquela que divergiu dos demais. Em tempos de transmissão ao vivo das sessões do STF, do CNJ, e de aprovação da lei de transparência, parece um despropósito a criação de decisões ocultas, que não são expostas ou juntadas aos autos”);

b) A violação da Lei à garantia da identidade física do juiz, já que dois magistrados que integrarão o colegiado poderão sentenciar sem terem participado de fases anteriores do processo, como a produção de provas, interrogatórios e audiências. “Quisesse ser a lei coerente com a identidade física, estabeleceria um colegiado que participasse também dos atos probatórios, da instrução do processo”.

O Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil também declarou, segundo reportagem do site Migalhas (www.migalhas.com.br), que haveria aspectos de inconstitucionalidade em tal previsão. A despeito dessas respeitáveis manifestações, reputo que não há qualquer inconstitucionalidade na

previsão do julgamento colegiado em primeiro grau, na forma trazida pela Lei n. 12.694/2012. O fato da decisão colegiada não fazer referência ao voto divergente não viola a garantia da ampla defesa, o princípio da publicidade ou qualquer outro dispositivo constitucional. A decisão do colegiado deverá ser sempre fundamentada, de modo que o investigado/acusado que for prejudicado saberá exatamente os argumentos utilizados para chegar àquela conclusão. Tendo conhecimento disso, poderá perfeitamente impugnar a decisão nas instâncias superiores, apontando os eventuais erros da sentença. Não é necessário que o réu saiba os argumentos de eventual voto vencido para que possa interpor o recurso ou exercer a ampla defesa. Não há, portanto, qualquer ofensa à ampla defesa. Inexiste também violação ao princípio da publicidade, tendo em vista que a decisão do colegiado será regularmente publicada. Ademais, o interesse social na proteção da independência do Poder Judiciário e da segurança dos magistrados recomenda o sigilo do voto divergente sendo, neste caso, mínimo o sacrifício à publicidade em prol da segurança dos juízes. Não há violação ao princípio do juiz natural, considerando que é ele quem convoca o colegiado, dele fazendo parte. Ressalte-se, ainda, que a composição do colegiado é feita mediante sorteio eletrônico (critério impessoal) que envolve apenas os magistrados com competência criminal, não havendo designações casuísticas dos julgadores. Em verdade, a previsão legal reforça uma das facetas da garantia do juízo natural, que é a da certeza de um julgamento imparcial, o que somente é possível quando o magistrado encontra-se isento de pressões espúrias.

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Ressalte-se que a medida, em algum ponto, guarda semelhança com o desaforamento do julgamento do Júri, previsão esta que nunca recebeu a pecha de inconstitucional. Por fim, não se pode falar em inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Em primeiro lugar, esse princípio não tem exigência constitucional e somente foi inserido, no processo

penal brasileiro, pela Lei n. 11.719/2008. Antes dessa alteração, inexistia esse princípio no processo penal e nem por isso os feitos sentenciados por outro juiz que não o da instrução foram considerados nulos por violação à ampla defesa. O juiz da causa, que realizou a instrução, também participará do colegiado e poderá passar aos demais magistrados suas impressões pessoais sobre a prova testemunhal. Ademais, o princípio da identidade física do juiz não é absoluto, tendo sido reconhecido pela jurisprudência que a ele se aplicam as exceções previstas no art. 132 do CPC (STJ. HC 219.482-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 27/3/2012). As críticas à Lei são fruto do misoneísmo e de uma cultura jurídica predominante no direito brasileiro de que toda e qualquer iniciativa que vise a tornar mais eficiente à persecução penal é logo etiquetada de inconstitucional, como se a ampla defesa impedisse a implementação de novos instrumentos estatais de combate à criminalidade. Na Itália, o combate ao crime organizado somente foi possível com a proteção da magistratura, o que ocorreu por meio de uma medida ainda mais drástica: a adoção do instituto do “juiz sem rosto” em que a decisão é publicada sem a identificação de sua autoria, ou seja, não é divulgado o nome do juiz que sentenciou o processo. Também pode ser encontrado o juez sin rostro nas legislações da Colômbia (art. 158 do Decreto 2.700, de 30 de novembro de 1991) e do Peru (art. 13 do Decreto-Lei 25.475, de 5 de agosto de 1992). O “juiz sem rosto” seria inconstitucional no direito brasileiro, mas a figura do julgamento colegiado em

primeira instância, na forma como disciplinada pela Lei n. 12.694/2012, não padece de qualquer vício. Vale ressaltar que, no direito comparado, segundo informa o juiz Marcus Abreu, o instituto mais próximo

do “julgamento colegiado”, adotado pela Lei n. 12.694/2012, seria a Cour d’Assises, prevista em países como a França, Suíça e Bélgica (http://anamages.org.br/web/artigos/a-lei-12-6942012-nao-cria-a-figura-dos-juizes-sem-rosto-nem-nada-assemelhado-a-figura-mais-proxima-seria-a-cour-dassises/). ADI 4414/AL julgada pelo Supremo Tribunal Federal

No Estado do Alagoas, por meio da Lei estadual 6.806/2007, foi criada a 17ª Vara Criminal da Capital, com competência exclusiva para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas dentro do território alagoano. Segundo previu a Lei estadual, essa vara possui “titularidade coletiva” uma vez que é composta por cinco Juízes de Direito, ou seja, ao invés da decisão ser tomada por apenas um magistrado, é proferida por esse colegiado. O Conselho Federal da OAB vislumbrou a inconstitucionalidade dessa previsão e propôs uma ADI questionando a Lei. O STF considerou constitucional a sistemática de julgamento colegiado em 1º grau, ressaltando, dentre outros, os seguintes argumentos: É constitucional a previsão de que, na 17ª Vara Criminal da Capital de Alagoas, os processos sejam

julgados por um colegiado de 5 juízes.

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É possível que lei estadual institua órgão jurisdicional colegiado em 1º grau. Já existem outros exemplos de órgão jurisdicional colegiado em 1º grau, como é o caso do Tribunal do

Júri, da Junta Eleitoral e da Turma Recursal. A lei estadual alagoana atuou, de maneira legítima tendo como objetivo preservar a independência do

juiz na persecução penal de crimes envolvendo organizações criminosas. Sendo o julgamento conduzido por um colegiado de juízes, torna-se mais difícil a ocorrência de

pressões e ameaças sobre os magistrados. Desse modo, a colegialidade funcionaria como reforço à independência dos julgadores. O conteúdo da

decisão tomada no colegiado não pode ser imputado a um único juiz, e assim torna difusa a responsabilidade de seus membros, reduzindo os riscos.

A decisão foi tomada pelo Plenário da Corte na ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30 e 31.5.2012. Desse modo, imagina-se, com base nesse importante precedente, que o STF não considerará

inconstitucional a previsão do julgamento colegiado trazido pela Lei n. 12.694/2012.

II – DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO DIREITO BRASILEIRO Conceito de organização criminosa

A Lei n. 12.694/2012 traz uma definição de organização criminosa:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

PONTO IMPORTANTE: Trata-se do primeiro diploma legal interno que traz uma definição de organização criminosa. CRÍTICA: De forma completamente desnecessária e infeliz, o art. 2º inicia sua redação afirmando que a definição de organização criminosa por ele dada é “para os efeitos desta Lei”, sugerindo, portanto, que este conceito não poderia ser aplicado a outros diplomas legais.

O problema prático está na Lei n. 9.034/95. Essa Lei prevê meios de prova e procedimentos investigatórios para ilícitos praticados por quadrilhas, organizações criminosas e associações criminosas. Ocorre que a Lei

n. 9.034/95 não conceituou o que seja organização criminosa. PONTO POLÊMICO: O ponto polêmico, portanto, é o seguinte: a definição de organização criminosa trazida pelo art. 2º da Lei

n. 12.694/2012 pode ser utilizada para a Lei n. 9.034/95?

Sim. A Lei n. 12.694/2012 traz legítima definição do que seja organização criminosa, podendo este conceito ser aplicado para os demais diplomas que versam sobre direito penal e processual penal. Quando o art. 2º utiliza a expressão “para os efeitos desta Lei” não está querendo afirmar que tal definição somente

é aplicável à Lei n. 12.694/2012. Trata-se apenas de uma expressão tradicional utilizada pela técnica legislativa sempre que a lei conceitua algum instituto.

Desse modo, a definição do art. 2º da Lei n. 12.694/2012 pode ser aplicada para os fins da Lei n. 9.034/95.

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Características da organização criminosa

Os autores divergem sobre quais são as características da organização criminosa. O maior especialista no Brasil em crime organizado, o Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior, afirma que existem características essenciais (sempre presentes) e outras que seriam acidentais, ou seja, que poderiam ou não estar identificadas, a depender do modelo de organização criminosa. PONTO IMPORTANTE: Quais são as características essenciais da organização criminosa segundo o seu conceito legal?

CARACTERÍSTICAS REFERÊNCIAS PRESENTES NA REDAÇÃO DO ART. 2º DA LEI

a) Pluralidade de agentes “3 (três) ou mais pessoas”

b) Estabilidade ou permanência “associação” / “mediante a prática de crimes”

c) Organização “estruturalmente ordenada”

d) Divisão de tarefas “caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente”

e) Finalidade de lucro ou de outras vantagens não econômicas

“com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes”

f) Restrito a crimes abstratamente mais graves ou de caráter transnacional

“crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”

PONTO IMPORTANTE: Tradicionalmente, afirma-se que a organização criminosa possui como uma de suas características a

finalidade lucrativa. A Lei n. 12.694/2012 foi além e afirmou que a organização criminosa pode ser caracterizada mesmo que a prática dos crimes não tenha por finalidade o lucro. Assim, pela definição legal, a organização criminosa pode ter outras finalidades que não apenas econômicas, como por exemplo, sexuais, segregacionistas, religiosas, políticas, entre outras. PONTO IMPORTANTE: A transnacionalidade é uma característica essencial do crime organizado no Brasil? NÃO. Nem toda organização criminosa se dedica a crimes transnacionais, sendo esta uma característica acidental. PONTO IMPORTANTE: Qual é a diferença entre organização criminosa e quadrilha?

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA QUADRILHA

Prevista no art. 2º da Lei n. 12.694/2012. Prevista no art. 288 do Código Penal.

Não constitui um tipo penal (crime), mas sim uma figura penal que revela um modo organizacional para a prática de delitos.

Constitui um tipo penal autônomo, ou seja, um crime próprio.

Exige a associação de, no mínimo, 3 pessoas. Exige a associação de, no mínimo, 4 pessoas.

Exige estabilidade ou permanência. Também exige estabilidade ou permanência.

Exige organização. Não exige organização.

Exige divisão de tarefas. Não exige divisão de tarefas.

Exige que as pessoas tenham o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza.

Não se exige esse objetivo para configurar a quadrilha, bastando que os quadrilheiros tenham “o fim de cometer crimes”.

Somente se configura se a associação for para a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Configura-se a quadrilha se a associação for para a prática de quaisquer crimes, não importando a pena ou outras circunstâncias.

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Desse modo, conclui-se que: nem toda quadrilha é uma organização criminosa e, da mesma forma, nem toda organização criminosa é uma quadrilha. PONTO POLÊMICO:

Antes da Lei n. 12.694/2012, havia conceituação legal no Brasil de organização criminosa?

1ª corrente: SIM 2ª corrente: NÃO

O conceito de organização criminosa já podia ser encontrado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 5.015/2004: Artigo 2. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Utilizar a Convenção de Palermo para definir organização criminosa violaria o princípio da legalidade, segundo o qual não pode haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Assim, seria necessária a edição de uma lei em sentido formal e material definindo o que seja organização criminosa.

É a corrente adotada por José Paulo Baltazar Júnior. O STJ também trilhava no mesmo sentido: HC 171.912/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 13/09/2011.

É a posição de Raul Cervini, Luiz Flávio Gomes, Alberto Silva Franco. Na jurisprudência, assim já decidiu a 1ª Turma do STF (HC 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12.6.2012).

III – ALIENAÇÃO ANTECIPADA DOS BENS QUE TIVEREM SIDO OBJETO DE MEDIDAS ASSECURATÓRIAS Alienação antecipada

O combate a determinados tipos de criminalidade, como o tráfico de drogas, o crime organizado, os crimes contra a ordem tributária, os crimes contra o sistema financeiro, os crimes contra a administração pública e outros delitos que geram para seus autores lucros financeiros, somente pode ser feito de forma eficaz se houver medidas estatais que persigam o produto e os proveitos decorrentes desses crimes. O objetivo, portanto, é o de privar as pessoas dedicadas a certos crimes do produto de suas atividades criminosas e, assim, eliminar o principal incentivo a essa atividade. A experiência mostra que, mesmo a prisão cautelar, sem a indisponibilidade dos bens, é de pouca utilidade nesse tipo de criminalidade porque a organização criminosa continua atuando. Os líderes, mesmo presos, comandam as atividades de dentro das unidades prisionais ou então a organização escolhe substitutos que continuam a praticar os mesmos delitos, considerando que ainda detêm os recursos financeiros para a prática criminosa. Desse modo, é indispensável que sejam tomadas medidas para garantir a indisponibilidade dos bens e valores pertences ao criminoso ou à organização criminosa, ainda que estejam em nome de interpostas pessoas, vulgarmente conhecidas como “laranjas”. Ocorre que, após tornar indisponíveis os bens dos investigados, acusados ou interpostas pessoas, surge um problema prático para o Poder Público: o que fazer com tais bens enquanto não ocorre o trânsito em julgado de uma sentença condenatória, quando então haveria o perdimento desses bens em favor da União?

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No Brasil, o trânsito em julgado de uma sentença condenatória pode demorar às vezes 10 anos ou até mais. Nesse período, os bens que foram objeto de medidas assecuratórias ficam perecendo e, ao final do processo, não valem nada ou têm seu valor reduzido absurdamente. Tome-se como exemplo um automóvel que seja apreendido. Este veículo, ao final do processo, ou seja, ao longo de 10 anos em que ficou sem manutenção, valerá muito pouco. A solução que tem sido defendida pelos estudiosos para esses casos, sendo, inclusive, recomendada pelo

Conselho Nacional de Justiça (Recomendação n. 30/2010), é a alienação antecipada dos bens. O que é a alienação antecipada de bens? A alienação antecipada é - a venda, - por meio de leilão, - antes do trânsito em julgado da ação penal, - dos bens que foram objeto de medidas assecuratórias e - que estão sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, - ou quando houver dificuldade para sua manutenção. Qual é o regramento da alienação antecipada?

1ª Fase: redação originária do Código de Processo Penal O tratamento dado pelo CPP, em sua redação originária, foi muito acanhado, tendo em vista que, na época em que foi editado, os processos penais não eram tão demorados e o tipo de criminalidade existente não exigia respostas incisivas a respeito do produto e do proveito dos delitos. Por essas razões, havia apenas um dispositivo autorizando a alienação antecipada somente em caso de coisas facilmente deterioráveis (art. 120, § 5º).

2ª Fase: Lei n. 11.343/2006 (processos da Lei de Drogas) Atenta à nova realidade, a Lei de Drogas permitiu a alienação antecipada de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos naquela Lei (art. 62, § 4º). Pelo texto legal, somente era válida aos processos da lei de Drogas, apesar de alguns autores defenderem sua aplicação analógica a todos os demais procedimentos.

3ª Fase: Lei n. 12.683/2012 (processos da Lei de Lavagem) Prosseguiu na tendência de ampliar a possibilidade de alienação antecipada, afirmando que isso irá ocorrer sempre que os bens que foram objeto de medidas assecuratórias, nos processos de lavagem de dinheiro, estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver

dificuldade para sua manutenção (art. 4º, § 1º da Lei n. 9.613/98). Essa Lei falhou, no entanto, ao prever que essa possibilidade de alienação antecipada seria aplicável apenas aos processos que envolvessem lavagem de dinheiro.

4ª Fase: Lei n. 12.694/2012 (alterou o CPP acrescentando o art. 144-A) Possibilita a alienação antecipada de todos os bens apreendidos sempre que:

estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação; ou

quando houver dificuldade para sua manutenção.

Essa regra trazida pela Lei n. 12.694/2012 vale para todos os procedimentos penais.

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Vejamos qual é o procedimento da alienação antecipada previsto agora de forma ampla no CPP por força

da Lei n. 12.694/2012: Previsão legal:

Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

Forma pela qual os bens serão alienados antecipadamente: Por intermédio de leilão, realizado preferencialmente por meio eletrônico. Valor pelo qual os bens deverão ser vendidos: Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial. Desse modo, na primeira tentativa de alienação, os bens são vendidos pelo preço mínimo da avaliação judicial. Se não conseguir nenhuma proposta nesse valor na primeira vez, deverá ser realizado um segundo leilão. Nesse segundo leilão, os bens podem ser vendidos pelo preço mínimo de 80% da avaliação judicial. O que acontece com o recurso arrecadado com a alienação antecipada? A quantia apurada com a alienação antecipada fica depositada em conta judicial, até o final da ação penal. Se o réu for absolvido, os recursos serão devolvidos a ele. Em caso de condenação, o réu será privado definitivamente dessa quantia, cujo destino irá variar de acordo com o crime cometido:

Se o crime é de competência da Justiça Federal, o valor deverá ser convertido em renda para a União;

Se o crime é de competência da Justiça Estadual, o valor deverá ser convertido em renda para o Estado/DF.

Na hipótese de tráfico de drogas, a quantia arrecadada será destinada ao Fundo Nacional Antidrogas

(art. 62, § 9º, da Lei n. 11.343/2006). Se os bens a serem alienados forem veículos, embarcações ou aeronaves: O juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário. Se os bens apreendidos forem dinheiro (inclusive moeda estrangeira), títulos, valores mobiliários ou cheques: O juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial. O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial. A alienação antecipada é inconstitucional por violar o princípio do devido processo legal, o princípio da presunção de inocência e o direito de propriedade? NÃO. O devido processo legal não é afrontado, considerando que a constrição sobre os bens da pessoa não é feita de forma arbitrária, sendo, ao contrário, prevista na lei que traz os balizamentos para que ela possa ocorrer. Não há violação ao princípio da presunção de inocência, considerando que este não é absoluto e não impede a decretação de medidas cautelares contra o réu desde que se revelem necessárias e proporcionais

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no caso concreto. Nesse mesmo sentido, não é inconstitucional a prisão preventiva, o arresto, o sequestro, a busca e apreensão etc. O direito de propriedade, que também não é absoluto, não é vilipendiado porque o réu somente irá perder efetivamente o valor econômico do bem se houver o trânsito em julgado da condenação.

IV – CONFISCO DE BENS OU VALORES EQUIVALENTES AO PRODUTO OU PROVEITO DO CRIME Confisco de bem de valor equivalente

O art. 91 do Código Penal prevê dois efeitos genéricos da condenação:

Inciso I: a obrigação do condenado de reparar o dano causado;

Inciso II: o confisco dos instrumentos (ilícitos), do produto e do proveito do crime. Vejamos a redação do Código Penal:

Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Instrumento do crime: é a coisa utilizada pelo condenado para a prática do delito. Ex: em um roubo com emprego de arma de fogo, o instrumento é a arma. O instrumento só pode ser confiscado se a sua fabricação, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito. Produto do crime: é a vantagem direta conseguida pelo condenado com a prática do delito. Ex: no roubo de um celular, o produto do crime é o aparelho. Proveito do crime: é a vantagem indireta conseguida pelo condenado com a prática do delito. Ex: no roubo do celular, o proveito do crime é o valor que o agente recebeu com a venda do aparelho roubado.

A Lei n. 12.694/2012 alterou o Código Penal acrescentando os §§ 1º e 2º a esse art. 91. Os novos dispositivos afirmam que, se o produto ou proveito do crime não for encontrado ou se estiver fora do país (o que dificultaria seu confisco), poderão ser confiscados bens ou valores equivalentes. Exemplo: Gregório, servidor público, com o dinheiro decorrente de propinas (corrução passiva) adquire um belo apartamento em Miami Beach, avaliado em 1 milhão de reais. Ao final do processo, como um dos efeitos da condenação, o juiz determinará que Gregório perca 1 milhão de reais em favor da União, valor este equivalente ao proveito do crime, que se encontra no exterior. Vejamos os dispositivos legais acrescentados ao art. 91 do Código Penal:

§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. § 2º Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.

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V – PREVISÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA PARA OS PRÉDIOS DO PODER JUDICIÁRIO Medidas de segurança para os prédios do Poder Judiciário

Com o propósito de garantir maior segurança, aos magistrados, servidores e ao público em geral, a Lei n. 12.694/2012 estabelece, em seu art. 3º, medidas de segurança que podem ser adotadas quanto aos prédios que abrigam órgãos do Poder Judiciário:

Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente: I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais; II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes; III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

VI – AUTORIZAÇÃO PARA QUE VEÍCULOS UTILIZADOS POR MEMBROS DO JUDICIÁRIO E DO MP TENHAM PLACAS ESPECIAIS (DESCARACTERIZADAS) PARA IMPEDIR A IDENTIFICAÇÃO DE SEUS USUÁRIOS

Placas com numeração descaracterizada

Com o intuito de garantir a segurança de magistrados e membros do MP que atuem em processos criminais, a Lei prevê que os veículos utilizados por membros do Judiciário e do MP que atuem em processos criminais poderão, temporariamente, ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários. Essa providência somente pode ser adotada em casos excepcionais e após autorização específica e fundamentada da Corregedoria. O órgão de trânsito deverá ser comunicado sobre a utilização dessa placa especial. A Lei estabelece que o CNJ, o CNMP e o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) deverão expedir regulamento conjunto disciplinando esse tema. A previsão é de pouca ou nenhuma eficácia considerando que o crime organizado não identifica o veículo do juiz ou do membro do Ministério Público pela placa, havendo inúmeras outras formas de se descobrir o veículo por ele utilizado. Ademais, se for realmente crime organizado, os criminosos sabem onde o magistrado ou membro do Ministério Público reside, onde seus filhos estudam, onde sua esposa trabalha.

VII – PORTE DE ARMA DE FOGO PARA USO DOS AGENTES DE SEGURANÇA DO JUDICIÁRIO E DO MP Porte de arma de fogo para servidores do Poder Judiciário e do MP que exerçam funções de segurança

Ainda com o objetivo de aumentar a segurança de magistrados e membros do Ministério Público, a Lei n.

12.694/2012 alterou o Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) para permitir que os servidores do Poder Judiciário e do MP que estejam no efetivo exercício de funções de segurança possam portar arma de fogo quando estiverem em serviço.

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O certificado de registro e a autorização de porte de arma de fogo deverão ser expedidos pela Polícia Federal em nome da Instituição, ou seja, em nome do Tribunal ou do Ministério Público. Assim, juridicamente, o porte da arma é para a Instituição e não para o servidor. As armas de fogo utilizadas pelos servidores do Judiciário e do MP serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas Instituições. Vale ressaltar que de todos os servidores do Judiciário ou do MP que exerçam funções de segurança apenas metade (50%) poderão usar arma de fogo. O presidente do Tribunal ou o chefe do Ministério Público designará, a cada seis meses, quais os servidores, no exercício de funções de segurança, que poderão portar arma de fogo. Para receber o porte de arma de fogo, a Instituição deverá: a) comprovar que os servidores que portarão a arma preenchem os requisitos previstos no Estatuto do

Desarmamento (inexistência de antecedentes criminais, ocupação lícita, residência certa, capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo);

b) possibilitar aos servidores formação funcional (instrução e treinamento) em estabelecimentos de ensino de atividade policial;

c) garantir que haja mecanismos de fiscalização e controle interno do porte de arma pelos servidores. Se houver perda, furto, roubo ou extravio de arma, acessório ou munição, a Instituição deverá, em até 24 horas, registrar uma ocorrência policial e comunicar o fato à Polícia Federal.

VIII – PROTEÇÃO PESSOAL PRESTADA PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA AOS MAGISTRADOS, MEMBROS DO MP E SEUS FAMILIARES EM CASO DE SITUAÇÕES DE RISCO

Proteção ao magistrado, ao membro do MP ou a seus familiares em caso de situações de risco

A Lei prevê que, se o juiz ou o membro do Ministério Público estiver exposto a alguma situação de risco decorrente do exercício de sua função, esse fato deverá ser comunicado à polícia, que avaliará a adoção ou não de medidas de proteção. Confira o texto legal:

Art. 9º Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.

CRÍTICA: Trata-se de um retrocesso no sistema de proteção aos magistrados e membros do Ministério Público. Antes da Lei, quando havia uma situação de risco envolvendo um juiz ou membro do MP, o Presidente do Tribunal ou o chefe do Ministério Público requisitava proteção policial para o membro ameaçado. Em atendimento a essa requisição, a autoridade policial reunia-se com a direção da Instituição e com o membro em situação de risco e, em conjunto, era definida a melhor estratégia de segurança. A decisão quanto à necessidade da proteção, contudo, não ficava a cargo da polícia, mas sim da Instituição. Com a nova Lei, em caso de situação de risco, a polícia judiciária agora é comunicada sobre o fato e ela irá avaliar se será necessária ou não a proteção pessoal do magistrado ou membro do MP. A Lei retirou do Judiciário e do MP e atribuiu à polícia a decisão sobre a necessidade ou não de se proteger o Juiz, o Promotor ou o Procurador da República ameaçado.

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Desse modo, esse dispositivo, anunciado como uma preocupação estatal com os juízes e membros do MP, em verdade não traz qualquer avanço e, na verdade, foi uma forma, não tão evidente, de acabar com o poder de requisição do Judiciário e do MP quanto à proteção pessoal de seus membros. Provo isso com um exemplo: Se determinado servidor público (um técnico, um analista, um professor, um médico, um enfermeiro etc.) sofre uma ameaça, no exercício de suas funções, qual é a providência que deverá ser tomada pelo órgão público ao qual pertença? Comunicar tal fato à polícia judiciária (polícia civil ou polícia federal), que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção que deverá ser dada a essa pessoa. Assim, não era preciso acrescentar esse art. 9º ao ordenamento jurídico brasileiro, a não ser que fosse para deixar claro que quem avalia a necessidade de proteção policial, em todos os casos, envolvendo todos os agentes públicos, é a polícia judiciária. Vacatio legis

A Lei n. 12.694/2012 previu vacatio legis de 90 dias, de modo que somente entrará em vigor no dia 23/09/2012. * Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região). Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

Como citar este texto em trabalhos científicos:

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei n. 12.694/2012 (julgamento colegiado em crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br. Acesso em: dd mm aa