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6 julho/agosto/setembro 2017 olivicultura A evolução da espécie Olea europaea L. A oliveira ( Olea europaea L.) apresenta uma enorme diversidade de genótipos que constituem as formas selvagens e as for- mas cultivadas. A grande rusticidade da oliveira perante condições climáticas adversas (p.e. verão quente, seco e extenso), a facilidade de se multiplicar vegetativamente e a importân- cia dos produtos derivadas desta planta, determinaram o começo da sua utilização agrícola associada com a fixação/sobrevi- vência dos primeiros acampamentos pré- -históricos (Lavee, 1996). O centro primário de domesticação da oli- veira acredita-se que tenha sido no Cres- cente Fértil, na antiga Mesopotâmia, atual Iraque. Seguiu-se o Egito e, posteriormen- te, a Grécia. No segundo milénio a.C. a cultura da oliveira foi levada para Itália e Norte de África (Figura 1). A chegada à Península Ibérica deveu-se, principalmen- te, aos Romanos e Fenícios. Em Portugal, os exemplares de oliveira mais antigos aparecem, sobretudo, na proximidade do leito navegável dos rios Mondego, Tejo, Sado e Guadiana. Como foi a origem das variedades autóctones? O período de seleção da oliveira, muito provavelmente, ocorreu num número re- duzido de gerações. Originalmente, exis- tiriam populações de formas selvagens (Figura 2), os zambujeiros, detentoras de uma diversidade genética muito grande e que se reproduziam por via seminal (Ca- ballero e Del Río, 1999). O processo de domesticação da oliveira correspondeu a uma seleção varietal empírica, realizada localmente, dos genótipos que apresenta- vam as características mais desejadas, no- meadamente, produção, tamanho do fruto, Como podem os recursos genéticos responder às necessidades de uma olivicultura moderna? Na génese da olivicultura estiveram oliveiras dispersas. Inicialmente apareceram olivais nas zonas marginais – olival tradicional – seguindo-se o olival intensivo, e atualmente ganham expressão os olivais de alta densidade. Curiosamente, a ‘Arbequina’, uma variedade autóctone originária da Catalunha, é das variedades melhor adaptadas ao mais recente sistema de produção. A matéria-prima para inovar e enfrentar os desafios do futuro reside na diversidade genética da espécie, e por isso a importância de estabelecer/preservar/avaliar os Recursos Genéticos. Figura 1 – Migração e distribuição da Olea europaea L. na bacia Mediterrânica (a negro).

Como podem os recursos genéticos responder às necessidades ... · gatório nos novos olivais e a densidade de oliveiras aumentou. A densidade média de plantação passou de 70-80árvores/ha

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6 julho/agosto/setembro 2017

olivicultura

A evolução da espécie Olea europaea L.A oliveira (Olea europaea L.) apresenta uma enorme diversidade de genótipos que constituem as formas selvagens e as for-mas cultivadas.A grande rusticidade da oliveira perante condições climáticas adversas (p.e. verão quente, seco e extenso), a facilidade de se multiplicar vegetativamente e a importân-cia dos produtos derivadas desta planta, determinaram o começo da sua utilização agrícola associada com a fixação/sobrevi-vência dos primeiros acampamentos pré--históricos (Lavee, 1996).O centro primário de domesticação da oli-veira acredita-se que tenha sido no Cres-cente Fértil, na antiga Mesopotâmia, atual Iraque. Seguiu-se o Egito e, posteriormen-te, a Grécia. No segundo milénio a.C. a cultura da oliveira foi levada para Itália e Norte de África (Figura 1). A chegada à Península Ibérica deveu-se, principalmen-te, aos Romanos e Fenícios. Em Portugal,

os exemplares de oliveira mais antigos aparecem, sobretudo, na proximidade do leito navegável dos rios Mondego, Tejo, Sado e Guadiana.

Como foi a origem das variedades autóctones?O período de seleção da oliveira, muito provavelmente, ocorreu num número re-duzido de gerações. Originalmente, exis-

tiriam populações de formas selvagens (Figura 2), os zambujeiros, detentoras de uma diversidade genética muito grande e que se reproduziam por via seminal (Ca-ballero e Del Río, 1999). O processo de domesticação da oliveira correspondeu a uma seleção varietal empírica, realizada localmente, dos genótipos que apresenta-vam as características mais desejadas, no-meadamente, produção, tamanho do fruto,

Como podem os recursos genéticos responder às necessidades

de uma olivicultura moderna?

Na génese da olivicultura estiveram oliveiras dispersas. Inicialmente apareceram olivais

nas zonas marginais – olival tradicional – seguindo-se o olival intensivo,

e atualmente ganham expressão os olivais de alta densidade. Curiosamente, a ‘Arbequina’, uma

variedade autóctone originária da Catalunha, é das variedades melhor adaptadas

ao mais recente sistema de produção. A matéria-prima para inovar e enfrentar

os desafios do futuro reside na diversidade genética da espécie, e por isso a importância

de estabelecer/preservar/avaliar os Recursos Genéticos.

Figura 1 – Migração e distribuição da Olea europaea L. na bacia Mediterrânica (a negro).

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teor em gordura, vigor vegetativo, etc. E portanto, as atuais variedades não estão geneticamente muito afastadas dos seus progenitores ancestrais.A difusão dos materiais selecionados rea-lizou-se, necessariamente, por processos de propagação vegetativa, nomeadamente o enraizamento direto de estacões (ramos lenhificados com 4 a 5 anos) e a enxertia sobre zambujeiros ou outras espécies do género Olea L. A domesticação possibili-tou estabelecer olival em locais de latitu-de e altitude superiores às do limite bio-climático natural das formas selvagens. Enquanto estas ocupam principalmente a faixa litoral mais temperada da bacia Me-diterrânica, a forma cultivada apresenta maior adaptabilidade, suportando climas com características mais continentais.A antiguidade das variedades nos países olivícolas tradicionais remonta ao início da olivicultura. Em Espanha, a cultivar mais importante, ‘Picual’, era já referen-ciada no século XV. Em Portugal existe uma referência do século XVIII sobre a

‘Durazia’, variedade abundante na região de Coimbra, que pela descrição agronómi-ca e morfológica do fruto parece corres-ponder à ‘Galega Vulgar’, uma das princi-pais variedades no olival em Portugal.

As regiões olivícolasNa sua maioria, as variedades estão confi-nadas a uma determinada zona geográfica bem delimitada – região olivícola. Esta região não coincide necessariamente com os limites de um país, uma vez que foi determinada pelo condicionalismo eda-foclimático; também as dificuldades de comunicação entre povoações permitiram configurar, até à atualidade, uma estrutu-ra varietal estável e muito diversificada.A expansão do olival para regiões tradi-cionalmente não olivícolas (Argentina, Brasil, Chile, EUA…) obrigou à necessi-dade de importar material vegetal originá-rio de outros locais. Também a plantação de grandes áreas de olival intensivo e su-perintensivo, mesmo nas regiões olivíco-las tradicionais, carece de elevado número

de plantas, o que pode ser impossível na região. As variedades com maior difusão são, principalmente, as que os viveiristas têm mais facilidade em disponibilizar. Entre elas destacam-se ‘Arbequina’, ‘Ar-bosana’, ‘Frantoio’ e ‘Picual’, que estão a colonizar regiões muito distantes daque-las em que foram empiricamente selecio-nadas e sem que se realizasse um estudo experimental nas novas regiões. Não obs-tante, o setor viveirista também se adapta às exigências dos sistemas de produção do olival e às características varietais mais procuradas pelos olivicultores.

Os recursos genéticos de oliveiraA erosão da diversidade genética foi iden-tificada como uma ameaça crescente em todas as espécies utilizadas na agricultu-ra. A conservação dos recursos genéticos vegetais ex situ tem por objetivo preservar a integridade genética e a variabilidade para determinado genepool.Os Bancos de Germoplasma de oliveira estabelecidos ex situ são coleções de árvo-res que incluem, normalmente, a diversi-dade varietal. Na maioria dos países oliví-colas da região Mediterrânica existe este tipo de programas para a conservação/ /preservação/valorização da variabilidade genética de oliveira existente. Na atuali-dade, em oliveira, enumeram-se 22 Cole-ções Nacionais e 3 Coleções Mundiais: em Córdova (Espanha), em Marrakech (Mar-rocos) e em Ismir (Turquia).O estabelecimento das variedades em co-leção ex situ permite que esses materiais expressem potencialidades genéticas an-teriormente latentes, nomeadamente, de produtividade, rendimento em gordura e tolerância a fatores de stress. Este proce-dimento é de enorme importância porque determinado genótipo pode revelar po-tencialidades que favoreçam a sua ime-diata difusão ou então ser eleito para pro-genitor num programa de melhoramento

Figura 2 – Forma selvagem de Olea europaea L. localizada em Serpa (Fotografia de Carla Inês).

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genético (Caballero e Del Río, 1999).A caracterização da fenologia das varieda-des de oliveira é, igualmente, imprescin-dível em Coleção. Importante para calen-darizar as operações culturais e para deli-near estratégias de adaptação às alterações climáticas. Episódios meteorológicos anó-malos, como, por exemplo, invernos me-nos frios, primaveras demasiado chuvosas e/ou quentes, geadas muito tardias, picos de altas temperaturas acompanhados de vento quente… condicionam o desenvol-vimento floral, a frutificação e a matura-ção da azeitona. Alguns estudos apontam cenários muito preocupantes que chegam à total incapacidade de certas variedades produzirem frutos em determinadas re-giões (De Melo-Abreu et al., 2004).

A diversidade genética em oliveira em PortugalAs principais regiões olivícolas de Por-tugal são o Alentejo, a Terra Quente em Trás-os-Montes, a Beira Baixa, a Beira Alta e o Ribatejo. É no olival tradicional destas regiões que se encontra a maior ri-queza em diversidade varietal autóctone, e onde o risco de erosão genética é maior. Têm contribuído para a perda da variabi-lidade autóctone a reconversão e a inten-sificação de olivais tradicionais e a avan-

çada faixa etária dos proprietários dessas parcelas que, geralmente, não passam às gerações seguintes o conhecimento sobre os materiais da sua exploração.As características mais importantes na di-fusão de variedades foram a adaptação e a rusticidade, seguidas da produtividade, regularidade de produção e rendimento em gordura. Numa dada região e ao longo dos tempos essas exigências foram-se al-terando. Por exemplo, no concelho de Ser-pa (Baixo Alentejo, Portugal), na década de 30 do séc. XX, as variedades ‘Galego Grado Serpa’, ‘Gama’ e ‘Bico do Corvo’, para além da ‘Cordovil de Serpa’ e da ‘Verdeal Alentejana’, eram as mais abun-dantes; atualmente, desses materiais, ape-nas existem árvores isoladas ou pequenos olivais tradicionais (Cordeiro et al., 2014). Estes são exemplos conhecidos e identifi-cados, porém situações homólogas estão a ocorrer em todas as regiões olivícolas.No sentido de identificar e preservar a diversidade genética em oliveira em Por-tugal surgiu no programa ProDeR ação 2.2.3.1 o projeto: “OLEAREGEN: Con-servação e Melhoramento de Recursos Genéticos – OLIVEIRA” – PA 18659. Entre as principais atividades destaca-se a realização de ações de prospeção nas regiões olivícolas portuguesas e a insta-

lação da Coleção Portuguesa de Referên-cia de Cultivares de Oliveira (CPRCO) (Figura 3), na Herdade do Reguengo, do INIAV, I.P., Elvas. Atualmente, a CPRCO inclui mais de 134 denominações varietais (MAM, 2015), e preveem-se continuar as ações de prospeção e de valorização dos materiais em Coleção.A caracterização agronómica de materiais instalados na CPRCO está em curso e os primeiros resultados indicam elevada va-riabilidade, nomeadamente no vigor vege-tativo, na precocidade e na produtividade (Figura 4) (Inês et al., 2017). Também a caracterização da fenologia do desenvol-vimento floral evidencia uma elevada sensibilidade a variações meteorológicas, inclusive ao nível anual. Na Figura 5 apre-

Figura 4 – Histogramas da área da secção do tronco (AST), da produção acumulada/árvore (kg) e da eficiência produtiva (g/cm2 de AST)/árvore ao 4.° ano após plantação de um conjunto de 31 cultivares de oliveira instaladas na CPRCO (Inês et al., 2017).

Figura 3 – Coleção Portuguesa de Referência de Cultivares de Oliveira (CPRCO) ins-talada na Herdade do Reguengo, INIAV, I.P., Elvas (Fotografia de Carla Inês).

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senta-se o vingamento muito intenso de frutos partenocárpicos em ‘Galego Grado de Serpa’. Este fenómeno indesejável em alguns anos e em algumas variedades é especialmente intenso.

Os novos desafiosA instalação de rega é um fator quase obri-gatório nos novos olivais e a densidade de oliveiras aumentou. A densidade média de plantação passou de 70-80 árvores/ha no olival tradicional para as 1500-2000 árvo-res/ha nos olivais de alta densidade. A sele-ção de variedades para este sistema de pro-dução privilegia características como a pro-dutividade, a regularidade, o rendimento em gordura e a facilidade de mecanização.Comparativamente ao olival tradicional e familiar, esta “nova forma” de produzir azeitona aporta importantes vantagens, como a diminuição de custos na poda e na colheita, em virtude de maior taxa de mecanização, maiores níveis de produção

e precocidade da 1.ª colheita. Contudo, ou-tras questões se levantam: durante quan-to tempo serão estes olivais produtivos, e não serão estas manchas de olival, pouco diversificado, um estímulo para o agrava-mento da incidência de pragas e doenças que outrora pouca importância tinham para a cultura?Num estudo em ‘Arbequina’, durante 14 anos, observaram-se ao longo do tempo aumentos da produção de frutos e do azei-te em função da densidade de plantação.No que se refere às pragas e doenças, além dos tradicionais agentes, cuja severidade dos ataques é condicionada pelas condi-ções mais ou menos propícias do verão/ /outono, o setor enfrenta agora a ameaça de uma bactéria que, por razões desconhe-cidas, assumiu maior virulência, a Xylella fastidiosa. Acresce ainda o fenómeno das alterações climáticas que interfere com a fenologia da planta e cujas consequências e/ou como as variedades irão responder

está pouco investigado, nomeadamente em Portugal.Apesar da importância socioeconómica da olivicultura, esta só começou a ser estuda-da mais tardiamente do que outras cultu-ras. Os resultados da avaliação agronómi-ca e tecnológica estão muito fragmentados e dispersos. Contribuem para esta circuns-tância a necessidade de longos períodos de estudo e o fraco diálogo entre instituições. Contudo, e principalmente em Portugal, há que contrariar a inércia e recuperar o tempo perdido a fim de construirmos uma identidade olivícola sólida e, tal como o nosso país, muito diversificada.

Carla Sofia França Inês, António Manuel Cordeiro

INIAV, I.P.

BibliografiaCaballero, J.M.; Del Río, C., 1999. Conservación

de recursos genéticos del olivo. Seminario in-

ternacional sobre innovaciones científ icas y su

aplicación en la olivicultura y la elaiotecnia. COI.

Cordeiro, A.M.; Inês, C.; Morais, N., 2014. Prin-

cipais cultivares de oliveira existentes em

Portugal. In: Boas práticas no olival e no lagar.

pp: 44-51. INIAV, IP, Lisboa.

De Melo-Abreu, J.P.; Barranco, D.; Cordeiro,

A.M. et al., 2004. Modelling olive flowering

date using chilling for dormancy release and

thermal time. Agric For Meteorol. 125: 121-127.

Inês, C.; Arias-Calderón, R.; Gomez-Jimenez,

M.C. et al., 2017. Coleção Portuguesa de

Cultivares de Oliveira: vigor vegetativo e

produção de 31 cultivares na campanha de

2016/17. Livro de Resumos, VIII Congresso Ibé-

rico de Ciências Hortícolas. p 163.

Lavee, S., 1996. Biología y fisiología del olivo. In :

Enciclopedia mundial del olivo, 1.ª edição. pp:

60-110. COI, Madrid.

MAM, 2015. Plano nacional para os recursos ge-

néticos vegetais. Ministério da Agricultura e

do Mar, Lisboa, Portugal.

Figura 5 – Variedade ‘Galego Grado de Serpa’ instalada na CPRCO (INIAV, I.P., El-vas) e detalhe do vingamento de frutos fecundados (seta vermelha) e frutos parte-nocárpicos (seta amarela) ao início do verão de 2017 (Fotografia de Carla Inês).