Upload
dinhcong
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Como uma brigada blindada conquistou Bagdá
ALEX ALEXANDRE DE MESQUITA, Major de Cavalaria do Exército Brasileiro, Mestre em Ciências
Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército em
2007/2008, Mestre em Operações Militares pela Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais em 2000, Instrutor do Centro de
Instrução de Blindados no período de 2003 a 2006. Atualmente é
Chefe da 1ª Seção da 1ª Divisão de Exército.
“Os blindados não só podem combater em ambiente urbano, como
também prevalecer”. (ZUCHCHINO. David. Thunder Run – The Armored Brigade
Strike to Capture Baghdad. Ed 2004, p. 65 e p. 69).
1 ANTECEDENTES
A conquista de Bagdá foi a última etapa da Operação Liberdade do Iraque
conduzida pelos Estados Unidos da América durante o primeiro semestre de 2003
operação esta que tinha por objetivo depor Sadam Hussein do governo e embora já
se tenha passado quase cinco anos de seu término os eventos daquele dias de
2003 ainda suscitam estudos e reflexões.
A Operação Liberdade do Iraque iniciou-se em 20 de março com uma ação
ofensiva terrestre a partir do Kuwait, conduzida por uma coalizão entre Estados
Unidos e Inglaterra, principalmente. Sincronizada com a ofensiva terrestre, ocorreu
uma série de ataques aéreos com mísseis e bombas a Bagdá e arredores. Os
efetivos, assim como os meios materiais do exército iraquiano, haviam sofrido forte
deterioração, desde a Guerra do Golfo (1991), e Sadam contava agora com 17
divisões do exército regular (contra as 40 que possuíam na guerra de 1991), além
das seis divisões da Guarda Republicana.
Diferentemente de 1991, em março de 2003 as forças da coalisão eram
bem menores em número total de homens e meios, porém eram ainda mais
qualificados e acabaram enfrentanto um Exército Iraquiano degradado pelo
isolamento de suas fontes estrangeiras de suprimento, sem lideranças expressivas e
com o moral depreciado.
O Exército Iraquiano era formado pela Guarda Republicana (constituída pela
Divisão Mecanizada Adnan, Divisão de Infantaria Bagdá, Divisão de Infantaria Abed,
Divisão Blindada Medina, Divisão de Infantaria Nabucodonossor e a Divisão
Mecanizada Hamurabe1), pelo Exército Regular (constituído por cinco corpos de
exército que incluíam Div Mec, Div Inf e Div Bld) e por unidades especiais como a
Unidade 999, o Serviço de Segurança Militar e o Exército do Povo. A Força Aérea
Iraquiana (FAI) e a Marinha eram pouco expressivas e apresentavam um baixo
índice de disponibilidade, o que reduzia o poder de combate daquele país.
Além das chamadas forças regulares, Sadam Hussein contava ainda com
um efetivo de tropas irregulares, combatentes muito mais dedicados do que aqueles
que integravam as forças regulares. Conhecidos como fedayins (mártires), esse
combatentes eram na sua maioria oriundos de outros países árabes disposto a
combater a guerra santa contra os EUA. Por conta da sua organização e pela
permeabilidade que possuíam para entrar e sair do país, era muito difícil identificar e
calcular o efetivo total desses mártires.
Por outro lado, as forças da Coalizão contavam com um poder de combate
cujo principal ponto de desequilíbrio estava na qualidade dos militares e na
tecnologia envolvida. Coube ao Comando Central (CENTCOM) a condução da ação
1 A Guarda Republicana mantinha seu efetivo de sessenta mil homens, embora seu equipamento sofresse com a falta de peças de reposição. As divisões Adnan, Bagdá e Abed ficavam estacionadas ao norte de Bagdá; as divisões Nabucodonossor e Hamurabe, ao sul; e a Divisão Medina, na periferia da capital. (KEEGAN, John. A Guerra do Iraque. 1.ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2005. p.162).
militar, enquadrando forças norte-americanas da Marinha, dos Fuzileiros Navais, do
Exército e da Força Aérea. As forças terrestres do CENTCOM estavam subdivididas
em duas grandes estruturas, sendo uma delas constituída exclusivamente por
organizações do Exército enquadradas pelo 5º Corpo de Exército, e a outra liderada
pela 1ª Força Expedicionária de Fuzileiros que enquadrou a 1ª Divisão Blindada
inglesa, entre outros grupamentos de forças2.
No dia 20 de março de 2003 iniciou-se a ofensiva terrestre com o 1º
Batalhão do 7º Regimento de Fuzileiros Navais a partir do Kwait. Além do 1º /7º
Regimento, mais de cinqüenta unidades valor batalhão também romperam a linha de
partida com o objetivo de conquistar os campos petrolíferos iraquianos para que não
fossem destruídos, o que poderia causar um grande desastre ambiental.
Estimava-se que o inimigo combateria as forças de coalizão com oito
divisões, mas já se tinha a informação de que boa parte de suas forças havia
desertado e retornado à vida civil. Isso aconteceu principalmente em função da
violenta ofensiva a partir do Kwait, da campanha aérea contra Bagdá e das ações de
operações psicológicas conduzidas antes da ação bélica propriamente dita.
Até a conquista da capital iraquiana havia a necessidade de assegurar a
uma importante passagem sobre o rio Eufrates próximo à pequena cidade de
Nasiriyah e o corredor de Karbala, por onde passava a Rodovia 8, porta de entrada
dos subúrbios da cidade. Em Bagdá, outro objetivo era o Aeroporto Internacional de
Bagdá, que tinha grande valor simbólico para o regime e alto valor militar para a
coalisão, pois permitiria a ligação aérea com o exterior.
Em 2 de abril, a 3ª Divisão de Infantaria começou a se preparar para cruzar
o rio Eufrates, cujas pontes não haviam sido destruídas, como muitas outras no
decorrer dos combates. Nessa mesma data carros de combate norte-americanos
começaram a cruzar o rio e tropas iraquianas tentaram impedí-los, mas sem
2 O 5º Corpo de Exército era formado pela 3ª Divisão de Infantaria, por elementos da 101ª Divisão Pára-quedista, uma Brigada da 82ª Divisão Pára-quedista e elementos da 4ª Divisão de Infantaria. A Força Expedicionária de Fuzileiros Navais era formada pela 1ª Divisão de Fuzileiros Navais, pela Força Tarefa Tarawa, que era composta por uma brigada de fuzileiros navais, reforçada e pela 3ª Brigada Aérea de Fuzileiros Navais. Ibidem, p.167 e 168.
sucesso. Estavam criadas as condições para o investimento a Bagdá pela 3ª Divisão
de Infantaria Mecanizada, investimento esse que se iniciou com a conquista do
Aeroporto Sadam Hussein em e do centro de Bagdá pela a “2nd Brigade Combat
Team”3. A seguir, será analisada a ação dessa brigada investindo em Bagdá,
realizando o que ficou conhecido como “Thunder Run”4.
2 A AÇÃO NORTE-AMERICANA
Até a chegada aos subúrbios de Bagdá a ofensiva da coalizão estava sendo
conduzida com uma extraordinária velocidade e os comandantes não pretendiam
interromper ou reduzir esse ímpeto, agora que estavam prestes a investir contra a
capital iraquiana. Entretanto, as lembranças dos combates em Mogadíscio ainda
estavam vivas na memória de todos os combatentes desdobrados no Iraque.
O general Tommy Franks, comandante do V Exército Norte Americano,
estava convencido de que os oponentes haviam perdido os meios para uma defesa
organizada em Bagdá e desta forma deu liberdade para que ações de
reconhecimento em força fossem realizadas pelos seus elementos subordinados.
Sua intenção era a levantar o dispositivo, a composição e valor do inimigo que
possivelmente estivesse no interior da cidade.
Essa autorização está relacionada às estimativas referentes ao valor do
inimigo. Era possível conceber que incursões relâmpago ao centro da cidade
pudessem ser bem sucedidas, pois funcionariam como demonstrações de força e
ação de choque. Isso fez com que em 5 de abril a 3ª Divisão de Infantaria
Mecanizada realizasse uma operação de reconhecimento em força que ficou
conhecida como Thunder Run (mapa 1).
3 Não há uma tradução literal que defina o termo Brigade Combat Team, mas em termos militares essa é uma organização do nível brigada, que poderá ter organização variável de acordo com a missão a ser desemenhada, contando normalmente com unidades de carros de combate e infantaria blindada. No caso da 2ª Brigada, para o ataque ao centro de Bagdá, ela era composta por duas FT batalhão de carros de combate e uma FT batalhão de infantaria blindado, além dos meios orgânicos de apoio logístico e apoio ao combate.
4 Corrida do Trovão. O Thunder Run é uma técnica de reconhecimento em força utilizada pelos norte-americanos desde a Guerra do Vietnam, quando teve origem esse termo.
Mapa 1: 1º Thunder Run Fonte:http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acessado em abril de 2007.
Para cumprir essa missão, foi designado o 1º Batalhão do 64º Regimento
Blindado, que a partir das suas posições localizadas nos subúrbios de Bagdá seguiu
rumo à região do Distrito Governamental, onde se localizava o Palácio Presidencial
e os ministérios. Sabia-se que o centro da cidade estava repleto de fedayins, de
elementos remanescentes da Guarda Republicana, de remanescentes do Exército
regular e de fanáticos estrangeiros e o avanço do 1º/64º Regimento Blindado acabou
por levantar importantes informações a esse respeito.
O sucesso dessa operação contribuiu para assegurar que os iraquianos
estavam realmente debilitados e não tinham condições de conduzir uma defesa
organizada. Na realidade o que se apresentava era uma resistência descontínua,
onde não havia unidade de comando, por conta de a campanha aérea ter reduzido a
um mínimo a capacidade de comando e controle de Sadam e de seus generais5.
Em 7 de abril o comandante de 3ª Divisão de Infantaria, general Blount
concluiu que poderia mais uma vez se valer da ação de choque de seus meios
blindados para, de uma forma decisiva, conquistar o centro da capital do Iraque.
5 O inimigo estava desorganizado e a cidade não havia sido preparada para resistir à ofensiva norte-americana.
Para isso, ele decidiu empregar a 2ª Brigada, então comandada pelo coronel
Perkins, para realizar um segundo Thunder Run, agora com a missão de conquistar
e manter a região dos palácios, que foi designada como objetivo DIANE6 (mapa 2).
Mapa 2: 1º Thunder Run Fonte:http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acessado em abril de 2007.
A 2ª Brigada foi organizada com o 3º Batalhão do 15º Regimento de
Infantaria, dotado de VBC Fuz Bradley; o 1º e 4º Batalhões do 64º Regimento
Blindado, dotados de CC Abrams, o Esquadrão E do 9º Regimento de Cavalaria
Blindado, dotado de CC Abrams e VBC Fuz Bradley e o 1º Batalhão do 9º
Regimento de Artilharia de Campanha, com VBC Obus M 109. Com essa
organização, é possível identificar que brigada era forte em carro de combate.
O acompanhamento de inteligência identificou e informou que a missão não
seria tão fácil quanto a executada no dia 5 de abril. As forças inimigas começaram a
estabelecer posições de bloqueio na região dos entroncamentos principais da
cidade, empregando áreas minadas e construindo obstáculos com escombros para
6 Desde o início da campanha o coronel Perkins tinha a seguinte convicção “uma maneira de chegar ao fim rápido dessa guerra é colocar carros de combate na região dos palácios de Sadam.” (LACEY. Jim. Take Down – The 3rd Infantry Division´s Twenty-one day Assault on Baghdad. Ed 2007, p.219). O Pentágono não pretendia repetir a desastrosa operação conduzida em Mogadíscio em 1992, quando foram empregadas forças leves na capital somali, por isso a decisão de empregar uma brigada blindada ao invés das forças leves aerotransportadas (ZUCHCHINO. Ed 2004, p.3). Ainda sobre Mogadísicio, o comandante da operação General Garrison escreveu uma carta desculpando-se pelo ocorrido e afirmando que, “A força de reação blindada teria ajudado.” ( BOWDEN.Mark. Falcão Negro em Perigo – A História de uma Guerra Moderna. Ed 2002, p. 410).
impedir qualquer movimento. A rodovia 8, principal via de acesso em direção à
cidade estava toda minada.
David Zucchino, repórter norte-americano que acompanhou os combates,
registrou a situação do inimigo em seu livro Thunder Run, segundo a explanação do
E2 da 2ª Brigada, Maj Charles Watson, conforme citação a seguir:
“The city was still under the control of Sadam´s Special Republican Guards, some the same units that joined with Fedayeen and Arab volunteers […]He did not believe they had many tanks left, but they did have armored personnel carriers, artillery, antiaircraft guns, mortars, and virtually inexhaustible supplies of RPGs and AK-47 assault rifles.” (ZUCCHINO. 2004. p. 79).
“A cidade ainda está sob o controle da Guarda Republicana de Sadam Hussein, algumas das unidades que combateram no dia anterior contra o Batalhão Rogue se juntaram aos fedayeen e aos voluntários árabes. [...] Ele não acreditava que eles tivessem perdido muitos carros de combate, mas eles tinham viaturas blindadas de transporte de pessoal, artilharia, armas antiaéreas, morteiros e um inexaurível suprimento virtual de RPG e fuzis de assalto AK-47”.
A operação foi planejada de modo que a FT 1º/64º Regimento Blindado
conquistasse e mantivesse o objetivo DIANE, enquanto a FT 4º/64º Regimento
Blindado7 conquistaria dois outros palácios próximos ao rio Tigre, objetivos
designados como WOOD WEST e WOOD EAST (Mapa 3). Desataca-se que ambas
as FT eram fortes em carros de combate e dessa forma pouco aptas a manter o
terreno.
Mapa 3: dispositivo previsto pelo 1-64 Tank Battalion
Fonte:http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acessado em abril de 2007.
7 Essas FT equivalem ao nível batalhão/regimento no Exército Brasileiro.
A terceira unidade, a FT 3ª/15 Regimento de Infantaria8, forte em fuzileiros,
ficou com a missão de manter a posição inicial da brigada, objetivo SAINTS, com
parte de seu efetivo, estabelecer uma linha de comunicação e suprimento desse
ponto até os objetivos WOOD e bloquear a rodovia 8, devendo conquistar e manter
as três maiores interseções ao longo da rodovia. Esses objetivos receberam os
nomes de a CURLEY, LARRY e MOE. (Mapa 2)
O Cel Perkins já havia percebido que a principal tática dos iraquianos era
atacar as forças norte-americanas quando estas estavam estacionadas, por isso foi
tomada a decisão de manter a brigada sempre em movimento. A FT 1º/64º
Regimento Blindado, que liderou o movimento não deveria parar sob hipótese
alguma, qualquer viatura danificada deveria ser ultrapassada, seus integrantes
socorridos e no menor espaço de tempo dever-se-ia destruí-la ou inutilizá-la.
O ataque iniciou às 05h38min, mas teve que inicialmente vencer uma área
minada, o que levou cerca de vinte minutos e às 06h00min a brigada iniciava o seu
Thunder Run. Por volta das 06h11min a subunidade testa estabeleceu contato com
o inimigo, sofrendo fogos de armas automáticas, RPG e morteiros, danificando um
CC que foi deixado para trás e sua guarnição socorrida, como havia determinado o
coronel Perkins9.
Contudo essa resistência, mais uma vez desorganizada não foi suficiente
para deter o avanço da brigada. Verificava-se que embora os iraquianos tivessem
tido tempo de preparar posições defensivas eficientes isso não ocorreu. Não havia
integração entre o fogo e a manobra, as posições e as áreas de obstáculos não
eram batidas por fogos. Na verdade, mais e mais se confirmava que o inimigo
conduzia uma resistência descontínua.
8 Cada FT valor unidade recebeu uma companhia de engenharia em reforço para as ações de mobilidade, contra mobilidade e proteção.
9 Essa determinação foi por que no “Thunder Run” do dia 5 de abril a coluna ficou exposta ao inimigo ao tentar evacuar as viaturas avariadas.
Às 07h56min a FT 4º/64º Regimento Blindado informou que havia conquistado
seus objetivos e os mesmos já haviam sido vasculhados, entretanto essa informação
não reduziu um sério problema ocorrido às 07h00min, quando o Centro de
Operações Táticas (COT) da brigada foi atingido por um míssil ou foguete10 (Foto 1).
Esse fato retirou do comandante a capacidade de coordenar a manobra e o apoio de
fogo, o que poderia comprometer toda a missão. Somente às 09h00min é que o
COT voltou a funcionar em plenas condições.
Foto 1: Foto do COT destruído Fonte:http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acessado em abril de 2007.
O combate continuou intenso até o dia 8, mas a maioria do inimigo era
formada por fedayins, que embora não possuíssem formação militar de combate
mostravam-se bastante determinados em cumprir a sua missão pela causa árabe.
Assim, eles desfechavam ataques suicidas com carros bombas e homens bombas,
além de disparos a curta distância com RPG. O único local em que se apresentaram
elementos da Guarda Republicana foi próximo ao centro de Bagdá. Próximo ao
objetivo MOE onde os iraquianos atacaram com uma FT de T-72 e BMP-1 e
empregaram também armas antiaéreas realizando o fogo direto.
No dia 8 de abril, pela manhã a 2ª Brigada sofreu um contra-ataque vindo
de leste do rio Tigre. Os iraquianos formavam pequenos grupos de 10 a 20 homens 10 45 minutos após a destruição do COT a brigada já havia desdobrado um novo Centro de Operações Táticas. LACEY. 2007, P. 244.
com RPG e armas automáticas. Muitos usavam roupas civis, mas alguns foram
identificados como integrantes da Guarda Republicana. A ação foi rechaçada e
enfim a posição da 2ª Brigada se estabilizou e a linha de comunicação e suprimento
havia sido estabelecida.
Isso permitiu que a 3ª Divisão de Infantaria Mecanizada determinasse que a
3ª Brigada atacasse Bagdá pela Rodovia Nr1 em 9 de abril, ligando-se com a 2ª
Brigada. No dia seguinte a 1ª Brigada realizou a limpeza da Rodovia Nr 8, desde o
aeroporto, vindo por fim a ligar-se com 2ª Brigada no centro de Bagdá.
Não foram contabilizadas todas as perdas iraquianas, mas com certeza
chegaram à casa do milhar e mais de cem veículos foram destruídos. Não houve
prisioneiros de guerra, aqueles que se rendiam eram desuniformizados e liberados,
pois os únicos iraquianos que os norte-americanos queriam prender eram os
assessores de Sadam e o próprio presidente.
O emprego de meios predominantemente blindados na conquista de
Bagdá surpreendeu muitos especialistas militares que previam uma derrota
fragorosa da coalizão combatendo em ambiente urbano. Entretanto a
lembrança de Mogadíscio, onde tropas leves foram cercadas e quase
destruídas por somalis ainda persistia na mente dos comandantes norte-
americanos, como registra Zucchino : “Blout e Perkins não queriam repetir
Mogadísico. [...] A coluna blindada tem distintas vantagens sobre as forças
leves de Rangers e Delta Forces que conduziram o ataque em Mogadíscio” (
ZUCCHINO. 2004, p. 74).
Além disso, era senso comum que os blindados dentro de Bagdá seriam
alvos fáceis para os iraquianos e que, assim como em Grozny, o resultado seria
desfavorável ao atacante. Os próprios comandantes norte-americanos temiam pelo
sucesso da missão, mas ao final tudo se transformou em sucesso.
3 A MISSÃO
A missão da 2nd Brigade Combat Team era conquistar a região do distrito
governamental onde se localizava o Palácio Presidencial e os demais edifícios
ministeriais do governo iraquiano, de modo a contribuir com a missão da 3ª Divisão
de Infantaria de conquistar Bagdá.
O comando da 3ª Divisão, ouvido o comandante da 2ª Brigada, resolveu
empregar a sua grande unidade com maior quantidade em carros de combate e
veículos blindados. Isso foi decorrente do fato de que a missão compreendia a
conquista de objetivos específicos, que não demandariam, obrigatoriamente, a
necessidade de vasculhamento. Isso justifica emprego de uma Bda Bld e a utilização
da técnica de investimento seletivo.
Tanto o coronel Perkins, comandante da brigada como o general Blount,
comandante da divisão não aceitavam o consenso convencional de que empregar
blindados em ambiente urbano é uma desvantagem. Para eles, os blindados não só
podiam combater em ambiente urbano, como também prevalecer. (ZUCCHINO,
2004, p. 65 e p. 69)
4 O INIMIGO
Após os combates conduzidos desde o dia 20 de março as forças terrestres
iraquianas estavam desorganizadas, com efetivos incompletos por baixas e
deserções e com equipamento e armamento parcialmente destruído ou obsoleto,
como é possível verificar na foto a seguir do jornal New York Times
Foto 2: Soldados da Guarda Republicana
Fonte: New York Times
Sadam Hussein ainda comandava seu exército e determinou que a defesa
de Bagdá fosse realizada a todo custo. O centro de Bagdá ainda estava repleto de
combatentes da Guarda Republicana, do Exército Regular e dos fedayins. Segundo
fontes do sistema de inteligência norte-americano, Sadam dispunha em Bagdá de
duas brigadas da Guarda Republicana e 15.000 fedayins. Dessa forma ainda havia
em Bagdá carros de combate em número ignorado, viaturas blindadas de diversos
tipos, artilharia de campanha e antiaérea, dentre outros componentes dos diversos
sistemas operacionais11.
Próximas ao centro de Bagdá estavam concentradas as forças regulares
iraquianas que incluíam uma combinação de elementos a pé e mecanizados
pertencentes à Guarda Republicana12. Esse inimigo em particular tinha condições de
atacar com CC T-72 e VBC Fuz BMP-1 (Foto 3) e armamento antiaéreo empregado
para o fogo direto. Havia somente uma posição defensiva organizada com
trincheiras e tocas e outras posições preparadas nos edifícios que dominavam os
entroncamentos rodoviários.
Foto 3: Vtr Bld da Guarda Republicana Fonte: http://www.sfgate.com/
Nesse momento, as forças convencionais ainda atuavam enquadradas por
comando superiores. Particularmente a Guarda Republicana e o comando geral
estavam sob responsabilidade dos filhos do presidente, que nada conheciam a
respeito do emprego rápido de forças militares e não dispunham de meios de
11 Sistemas Operacionais: Manobra; Inteligência; Apoio de Fogo; Defesa Antiaérea; Logística; Mobilidade, Contra-mobilidade e Proteção e Comando e Controle.
12 Segundo o Oficial de Inteligência da 2nd Brigade Combat Team, Maj Watson, provavelmente tratava-se de remanescentes da Divisão Hamurabi. Synovitz. Ron Iraq: Battle For Baghdad Has Begun. http://www.globalsecurity.org/wmd/library/news/iraq/2003/iraq-030405-rfel-164725.htm. Acessado em 11 de fevereiro de 2008.
comando e controle para coordenarem suas ações. Esses fatores contribuíram para
que a resistência iraquiana não respondesse de forma rápida e eficaz a investida
das tropas da coalizão.
As forças militares iraquianas apresentavam uma vulnerabilidade peculiar,
que era o seu sistema de informações públicas. O ministro da Informação Ali
Mohamed Said al-Sahhf insistia em repetir que o combate estava sendo vencido
pelas forças do Iraque e que os norte-americanos estavam sofrendo pesadas
baixas, o que não era verdade. Essa prática foi determinante para que as forças
iraquianas em Bagdá não esperassem o investimento dos norte-americanos, não se
preparando para a defesa efetiva da cidade. Isso contribuiu para reduzir o seu poder
de combate.
Em verdade somente os fedayns continuavam lutando tenazmente, mas por
conta de suas múltiplas origens e procedências esses combatentes não possuíam
uma unidade de comando convencional. Os fedayins também não estavam
habilitados a operar os equipamentos militares mais complexos, como os carros de
combate de origem russa. Assim, a resistência iraquiana ficou reduzida a grupos
armados com armas automáticas e RPG que não chegaram a causar danos
consideráveis aos blindados das forças dos EUA e nem baixas aos soldados.
Ao concentrar o poder em suas mãos e centralizar todas as decisões
Sadam Hussein pode ter contribuído para que houvesse reduzida resistência em
Bagdá. Os seus comandantes subordinados, nos diversos níveis, não puderam se
valer da iniciativa para tomar decisões que poderiam contribuir para a defesa da
cidade, como por exemplo, preparar as edificações como posições defensivas,
preparar túneis para auxiliar na movimentação entre os edifícios ou preparar
destruições em obras de arte diversas.
Outra característica importante é que não havia um sistema de defesa
organizado na cidade, embora Sadam tenha dito que um anel de aço protegia
Bagdá. Isso pode ter sido resultado do desgaste sofrido durante a campanha no
deserto desde a fronteira com o Kwait. Como até a chegada a Bagdá havia
predominado o combate convencional e muitas das forças em Bagdá eram
compostas por militares que haviam se retirado do deserto, não houve tempo nem
coordenação para a execução de uma defesa eficiente.
Ao se observar as ações dos fedaiyns é possível identificar o início de um
combate irregular, principalmente por meio da utilização de técnicas de emboscada.
Também começava a ficar difícil identificar o inimigo, pois este começou a atuar
desuniformizado13 e empregando até mesmo veículos civis, como, por exemplo, o
que os norte-americanos chamam techinicall14. Essa mudança de atitude começou a
configurar um combate assimétrico e os valores numéricos relativos ao poder de
combate do inimigo, previstos nos DAMEPLAN15, já não representavam fielmente as
possibilidades do inimigo.
Foram empregados também muitos dispositivos explosivos improvisados e
também se registrou a ocorrência de homens-bomba, mas em algumas regiões de
Bagdá predominaram as minas terrestres em ruas e avenidas. As minas tinham o
objetivo de reduzir a velocidade de progressão dos militares norte-americanos,
enquanto que os dispositivos explosivos e homens bombas eram empregados para
causarem baixas.
Ainda sobre os fedayins, a sua principal motivação para o combate vinha da
crença e fanatismo religioso. A crença de que tinham a missão de derrotar o grande
Satã e de que estavam lutando uma guerra santa. Isso era um fator moral positivo
para os defensores de Bagdá, mas nem todos agiam ou pensavam como eles.
O fato de Sadam Hussein ter sido um ditador violento e vingativo fez com
que as diversas etnias por ele perseguidas e rivais entre si não apoiassem as ações
em Bagdá, recusando-se a combater, elevando o número de deserções e
dificultando o homizio dos combatentes no seio da população. Os militares do
exército do Iraque simplesmente despiam seus uniformes e se transformavam em
cidadãos normais, não contribuindo mais para o esforço de guerra.
13 LACEY, 2007, p. 253 e ZUCCHINO, 2004, p.70. 14 Caminhonetes civis com armamento instalado ou utilizadas para transporte de combatentes. 15 BRASIL. Exército. Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. ME 101-0-3: Dados Médios de Planejamento Escolar. Rio de Janeiro, 2004.
Resumindo, o inimigo enfrentado pelos norte-americanos em Bagdá não
tinha condições de defender a cidade de forma organizada, mas tão somente
apresentar resistências descontínuas. Esse fato muito se deve à aversão que a
população iraquiana sentia por Sadam Hussein, negando-se a combater e perder a
vida por um ditador violento, vingativo e sanguinário.
Embora o ambiente urbano pudesse contribuir para desequilibrar o poder de
combate em favor dos iraquianos, não houve uma preparação prévia de posições
defensivas, linhas de comunicações e suprimento ou mesmo delegação de
competência para que os pequenos grupos adotassem ações que impedissem o
avanço da coalizão.
Somente os fedayins se mostraram resistentes, passando a empregar
técnicas de guerra irregular contra as forças da 3ª Divisão de Infantaria. Entretanto
essas ações se aproximaram mais do martírio advindo do fanatismo religioso do que
propriamente uma resistência militarmente organizada.
Por fim, ao passar de um combate tipicamente convencional em largas
frentes e profundidades, como no deserto, para um combate assimétrico em
ambiente urbano os iraquianos não souberam se adaptar para tirar o máximo
proveito da cidade de Bagdá, das suas características e das limitações que ela
poderia apresentar ao emprego de grandes formações blindadas e motorizadas
norte-americanas.
Foi graças a esse inimigo e a esse modus operandi que a 2ª Brigada pôde
realizar o seu Thuder Run, não se preocupando em vasculhar as regiões
ultrapassadas, mas somente progredir de forma rápida e potente para o seu
objetivo. E foi essa agressividade, somente possível por meio do emprego de meios
blindados, que causou a surpresa ao inimigo e a sua conseqüente derrota.
5 O TERRENO
A capital iraquiana possui uma área de aproximadamente 400 km2 e em
2002 abrigava uma população de cerca de 5.000.000 de habitantes, mas que se
reduziu com o conflito em 2003, não havendo dados disponíveis a respeito.
A cidade é cortada de sudeste para sudoeste pelo rio Tigre, pelo Canal do
Exército e pelo rio Diyala. Além disso, havia pelo menos cinco importantes ramais
ferroviários e diversas rodovias e auto-estradas que chegam à cidade. Isso fazia
com que a cidade fosse dividida em setores segmentados. Essa segmentação era
interligada por pontes, viadutos, passagens de nível e nós rodos-ferroviários que
passaram a ter grande importância para as operações, pois permitiam controlar cada
setor. Essa configuração segmentada dificultou o apoio mútuo entre os elementos
de manobra da 2ª Brigada.
Embora seja uma das cidades mais antigas do mundo, Bagdá passou por
uma grande modernização. Essa modernização lhe conferiu uma configuração
bastante regular no que se refere à disposição das ruas, com largas avenidas, em
quarteirões organizados e grandes espaços abertos, como a região dos palácios16.
Essa organização facilitava a marcação de limites e o emprego de meios blindados,
mecanizados e motorizados em grandes formações de combate. A observação e os
campos de tiro também foram favorecidos pelos espaços amplos e as largas
avenidas principalmente no Distrito Governamental.
As edificações em Bagdá seguiam o seguinte padrão: nos subúrbios casas
e prédios de pequena a média altura. As casas normalmente construídas em tijolos
e os prédios em concreto. Havia também grandes áreas industriais, principalmente
petroquímicas próximas ao leito do rio Tigre. No centro da cidade já predominavam
os prédios de grande altura, com mais de 15 andares, como hotéis e prédios
governamentais, construídos em concreto. Além disso, havia a região dos palácios,
com uma arquitetura toda peculiar.
Por ser a capital do Iraque, Bagdá possuía uma boa infra-estrutura. Havia o
Aeroporto Sadam Hussein, a Estação Ferroviária Central, hospitais, a sede
administrativa do governo. Havia ainda estações de rádio e televisão, estações
elétricas e uma rede de transporte estruturada. Logicamente, após campanha aérea
houve muitos danos a essa infra-estrutura, mesmo com a política de redução de
danos e o emprego maciço de armas inteligentes.
16 Os alvos e objetivos foram selecionados principalmente por que estavam em áreas amplas, facilitando o tiro e do desdobramento das forças. (ZUCCHINO. 2004, p 74).
O tamanho da cidade facilitava em muito a instalação de um sistema
defensivo eficiente, permitia a observação do alto dos principais edifícios e a
utilização da infra-estrutura que ainda estivesse intacta para apoiar as operações
militares. Para os norte-americanos, o fato de investir contra uma metrópole com
cerca de 5.000.000 de habitantes era um desafio extremamente difícil e complexo.
Assim como em outros conflitos em ambiente urbano, a existência de
prédios altos dificultava a realização de fogos indiretos, pois as granadas de
artilharia e morteiro encontravam altos edifícios em suas trajetórias não atingindo o
alvo selecionado. Isso além de reduzir a eficiência do tiro ia de encontro à política de
redução de danos e por vezes contra as regras de engajamento.
Mesmo utilizando munições inteligentes, os norte-americanos causaram
muitos danos às obras de arte em geral e dessa forma algumas ruas ficaram
cobertas de escombros. Para o inimigo isso foi favorável por que limitava o
movimento dos veículos e tropas do oponente. Além disso, esses mesmos
escombros eram utilizados na construção da proteção das posições defensivas.
A existência de túneis diversos, como os de esgoto, facilitava a progressão,
aumentando a mobilidade tática dos iraquianos, principalmente dos fedayins.
Entretanto não houve uma preparação minuciosa da cidade, com a construção de
túneis de interligação entre as diversas posições defensivas e dessa forma essa
vantagem não pode ser explorada na plenitude.
Em resumo, essas eram as principais características do terreno em que os
norte-americanos da 2ª Brigada combateram as forças iraquianas em Bagdá. Por
haver muitas áreas abertas, permitindo a observação e o emprego do armamento
principal do CC foi possível o emprego de carros de combate e de viaturas blindadas
de combate de fuzileiro. Soma-se a isso o fato de que a cidade não havia sido
preparada defensivamente para a ofensiva dos Estados Unidos.
6 OS MEIOS BLINDADOS
A 2nd Brigade Combat Team é na verdade uma grande unidade blindada
com CC Abrams, artilharia auto-propulsada e fuzileiros embarcados em VBC Fuz
Bradley.
Foto 4: CC Abrams e VBC Bradley executando o Thunder Run de 7 de abril: Fonte: .globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acessado em abril de 2007.
O carro de combate M1A1 Abrams é uma modernização do seu original o
M1, cujo desenvolvimento é da década de 1980. Essa versão recebeu um novo
canhão de 120 mm, sistemas de proteção químicos, biológicos e nucleares e um
pacote de robustecimento da blindagem. O carro é dotado dos seguintes
armamentos, além do canhão: uma metralhadora coaxial de 7,62 milímetros, duas
metralhadoras antiaéreas de .50 polegadas e 7,62 mm e seis lançadores de
granadas fumígenas.
Como todo carro de combate, o M1A1 foi desenvolvido para o combate em
ambientes com amplas frentes e grandes profundidades, seu canhão tem a
capacidade de engajar alvos a até 4.000 metros com munição cinética e graças aos
seus sistemas de direção e controle de tiro a identificação desses alvos é de quase
100% de certeza, evitando o risco de fratricídio. Além da munição cinética o canhão
também tem condições de disparar munições químicas explosivas e de cabeça
esmagável. Essas características tornam o Abrams um dos melhores CC do mundo.
A sua guarnição é de quarto militares, como a maioria dos CC em operação
no mundo, com o comandante do carro, o atirador, o auxiliar do atirador e o
motorista. O comandante do carro conta com seis periscópios que permitem
observar o ambiente externo, mas o seu principal instrumento ótico é o visor termal
independente que proporciona uma visão de 360º, estabilizada, dia e noite, com
busca e travamento de alvo selecionado que envia a informação diretamente ao
atirador. Além disso, o comandante, por meio de um punho de prioridade de tiro
pode engajar o alvo desabilitando o atirador. Essas peculiaridades permitem um
engajamento rápido e preciso do inimigo.
O carro conta ainda com um computador digital que processa as diversas
variáveis envolvidas no tiro, quer sejam ambientais (vento, temperatura, etc),
situacionais (velocidade do carro, posição do carro em aclive ou declive, inclinação
lateral, tipo de munição, etc) e do alvo (distância, medida por telemetria laser,
velocidade do alvo, etc).
O motorista, cuja posição é no centro do carro, tem periscópios que
permitem monitorar o ambiente em um ângulo de 120º. Um desses equipamentos é
um intensificador de luz que garante a condução do carro à noite, ou com reduzida
luminosidade.
A composição da blindagem é confidencial, mas há evidência de que
contenha urânio empobrecido, tornando-a bastante resistente, no seu arco frontal, a
armas anticarro portáteis do tipo AT-4 e algumas versões de RPG, além do tiro de
munições explosivas de outros carros de combate. Essa característica garante uma
quase invulnerabilidade ao M1 A1 o que fica claro no comentário de CHIARELLI
(2005, p.9) “The tank often advanced slightly ahead of the Bradley to absorb the
initial energy of the enemy ambushes.”17 Como todo CC, a maior proteção está no
arco frontal e vai decrescendo para a retaguarda. A parte superior da torre também é
bastante vulnerável, bem como a parte inferior do CC, com destaque para as
lagartas.
17 “Os carros de combate freqüentemente avançavam ligeiramente à frente dos Bradley para absorver a energia inicial das emboscadas inimigas.”
Durante a operação Liberdade do Iraque o Abrams se apresentou muito
bem, progredindo pelo deserto, como já havia acontecido na Guerra do Golfo.
Entretanto, havia a preocupação relativa ao seu emprego em ambiente urbano. Essa
preocupação era pelo fato de que os sistemas de armas ficariam comprometidos
pela diminuição da largura e profundidade dos campos de tiro, dificuldade de
engajamento de alvos em locais altos ou muito baixos, por conta da elevação e
depressão do canhão, existência de espaços estreitos, escombros e pelo uso de
armas anticarro pelo inimigo.
Apesar disso, o Abrams mostrou-se extremamente eficiente, resistindo aos
fogos anticarro do inimigo, graças à sua blindagem; engajando alvos a grandes
distâncias, em função da topografia de Bagdá e da configuração das ruas e
quarteirões, causando a ação de choque desejável ao combate, por meio do seu
poder de fogo e mobilidade. O resultado é que nenhum carro foi destruído e uns
poucos foram postos fora de ação, sendo que nenhuma guarnição foi perdida. Essas
características foram determinantes para o emprego do carro dentro da localidade.
Isto é, a sua capacidade de sobrevivência era compatível com a ameaça inimiga.
Para que fosse formado o binômio carro / fuzileiro havia disponível na 2ª
Brigada as VBC Fuz Bradley. A missão do Bradley é proporcionar transporte
protegido e poder de fogo às frações de fuzileiros ou às frações de cavalaria, tais
como os exploradores.
Para isso, o carro possui uma grande mobilidade através campo, por ser um
veículo sobre lagarta. A sua blindagem em grande parte de alumínio, com reforço
em determinadas partes do carro como arco frontal onde também possui blindagem
em aço, protege os ocupantes contra fogos de artilharia, algumas armas anticarro,
fogos de .50 e de armamento leve de todo o tipo.
O seu armamento principal é um canhão de 25 mm, que pode disparar
munições cinéticas e explosivas a uma distância de até 2000 m. Coaxial ao canhão,
há ainda uma metralhadora de 7,62mm. Sua torre é estabilizada com sistemas de
condução de tiro computadorizado e com capacidade de atuação de dia e de noite,
graças ao seu sistema de imagem termal.
O canhão permite ainda a realização de rajadas de até 200 tiros por minuto.
Com esse armamento o Bradley tem a capacidade de derrotar ou causar danos na
maioria das viaturas blindadas existentes, incluindo alguns CC mais antigos.
Outro armamento de relevo no Bradley é o míssil TOW, montado na lateral
do carro em dois lançadores, que ficam prontos para serem empregados, entretanto
o carro necessita parar para efetuar os disparos. O TOW é um míssil guiado, com
alcance aproximado de 4.000 m, sendo capaz de destruir qualquer blindado
existente na atualidade ou destruir posições fortificadas. O Bradley tem uma grande
capacidade de sobrevivência no campo de batalha graças ao seu armamento e a
sua proteção blindada, transportando a guarnição de três homens e um grupo de
combate de seis militares com grande segurança.
Durante o investimento a Bgadá o Bradley mostrou-se extremamente
eficiente na proteção aproximada dos Abrams realizando fogos com seu canhão nos
andares mais altos dos edifícios, onde os CC não podiam atirar, por conta da
deficiência em elevação. Graças à sua capacidade de sobrevivência não houve a
perda de nenhum grupo de combate ou guarnição, possibilitando a progressão
embarcada, mesmo quando recebendo fogos de RPG.
Não resta dúvida de que a vantagem proporcionada por essas duas viaturas
foi determinante para que se decidisse combater com esses meios blindados no
interior de Bagdá. A sua capacidade de sobrevivência aliada à ação de choque foi o
diferencial para o sucesso da conquista da região dos palácios na capital do Iraque,
possibilitando a conquista de objetivos específicos sem a realização de ações de
vasculhamento.
7 ENSINAMENTOS
A Operação Liberdade do Iraque demonstrou, sem sombra de dúvida, o
poder militar dos Estados Unidos, não só em termos tecnológicos, como também na
qualidade de seus recursos humanos. Isso ficou provado nos combates na ampla
planície desértica e principalmente nas confinadas ruas de Bagdá. Nesse contexto, o
feito da 2nd Brigade Combate Team registrou-se na história militar como uma
decisão audaciosa e surpreendente, quando cerca de mil militares receberamd a
missão de capturar uma cidade de 5.000.000 de habitantes.
Não há registro da proporção exata de forças envolvidas nessa batalha,
principalmente por que do lado iraquiano houve muitas deserções e o combate foi
conduzido por remanescente, guerrilheiros estrangeiros e os aguerridos fedayins.
Contudo, o fato de Bagdá possuir cerca de 5.000.000 de habitantes indicava que
pela doutrina tradicional haveria a necessidade de um grande efetivo com uma
grande quantidade de fuzileiros para realizar o investimento e o vasculhamento.
Entretanto o Exército dos EUA identificou que era importante se entender o
componente humano, a sociedade iraquiana, de modo a atuar em suas fraquezas
para que a ação militar fosse um sucesso. Uma dessas vulnerabilidades era o fato
de que nem todos apoiavam Sadam Hussein e dessa forma contribuíram para a
ofensiva da coalizão. Poucos foram aqueles que apoiaram os soldados iraquianos e
muitos informaram sobre locais de homizio das forças e lideranças.
Essa relativa afeição também foi fruto da preocupação com a redução de
danos durante o início dos combates e do bombardeio da capital. Isso foi possível
por conta do uso de armas inteligentes. A redução de danos também contribuiu para
que as ruas ficassem menos restritas ao movimento dos veículos, pois foram
reduzidas as ocorrências de escombros.
Os norte-americanos exploraram ao máximo seus conceitos ofensivos de
ataques preventivos, velocidade das ações, manobra, exploração das vantagens
técnicas e superioridade de comando e controle, emprego de armas combinadas,
liderança, exploração da surpresa. Tudo isso foi alcançado quando a 2ª Brigada
penetrou de forma veloz e poderosa rumo ao coração da cidade18. Por isso é que
mesmo atuando em ambiente urbano, onde as ações são mais próprias para
elementos a pé, o Exército manteve o foco no emprego de meios blindados.
18 O coronel Perkins queria que dois batalhões de carros de combate criassem o caos ao atacar com violência e velocidade tornando impossível uma resposta coerente por parte do regime de Sadam Hussein. (ZUCCHINO. 2004, p76).
Essa técnica se mostrou eficiente principalmente por que os meios
blindados norte-americanos eram muitos superiores aos iraquianos e às armas
anticarro em presença. Esse pode ser apontado como um dos fatores mais
importantes que contribuíram para o sucesso do “Thunder Run”. A capacidade de
sobrevivência e a potência de fogo dos Abrams e dos Bradleys permitiram que o
combate fosse conduzido embarcado todo o tempo, sendo que nenhum carro foi
destruído. Mesmo assim, após a guerra modificações foram propostas para que o
Abrams se tornasse mais eficiente em localidade, surgindo um protótipo denominado
Tank Urban Survival (TUSK)19.
As atividades logísticas poderiam ter comprometido toda a missão, pois o
consumo de munição e combustível foi muito grande apesar de a brigada percorrer
somente 20 quilômetros e o inimigo ser relativamente fraco. Assim, deve ser prevista
a limpeza da futura Estrada Principal de Suprimento (EPS) o mais rápido possível de
modo a garantir o ressuprimento e a evacuação de pessoal e material.
Em termos de comando e controle, a principal dificuldade ocorreu quando o
COT da brigada foi bombardeado, mas a missão não foi comprometida, pois os
comandos subordinados sabiam qual era a intenção do comandante e assim
mantiveram a impulsão do ataque conquistando objetivos importantes com WOODY
EAST e WOODY WEST.
O estudo de situação de inteligência foi primordial para o sucesso da
operação. Ciente das fraquezas do inimigo, o Cel Perkins foi capaz de organizar a
sua brigada e investir de forma rápida e agressiva contra pequenos e
desorganizados efetivos inimigos. O sucesso do Thunder Run também está
diretamente ligado à fragilidade do inimigo, que em momento algum apresentou uma
defesa organizada que impusesse obstáculos expressivos ao movimento dos
blindados da 2ª Brigada.
Além disso, foram selecionados objetivos específicos, o distrito
governamental e os três entroncamentos. As ações foram direcionadas para a
19 Kit de Sobrevivência Urbana.
conquista desses objetivos, sem a preocupação de realizar a limpeza da área
ultrapassada, buscando aproveitar a velocidade proporcionada pela ação de choque
dos blindados. A limpeza foi realizada posteriormente por outra tropa, a 1ª Brigada.
Dessa maneira a 3ª Divisão de Infantaria compôs uma força com a missão
específica de atacar e conquistar os objetivos e outra com a missão específica de
limpar o terreno ultrapassado20.
A 2ª Brigada também privilegiou organização de FT valor batalhão com
meios suficientes para que estas organizassem subunidades autônomas,
principalmente com apoio de engenharia. O reforço de engenharia se mostrou
extremamente eficaz no interior da cidade, onde os obstáculos foram superados com
facilidade. Além disso, na fase da manutenção foi possível se aproveitar de
escombros e áreas destruídas para as ações de contramobilidade e proteção.
Ainda no que se refere à organização para o combate, o comandante da
brigada e seu estado-maior levaram em consideração primordialmente as
informações sobre o inimigo. Não foi feita nenhuma consideração a respeito da
proporção entre quantidade de quarteirões a serem conquistados e pelotões
disponíveis, mas sim, qual o valor do inimigo, suas características possibilidades e
limitações. Somente assim foi possível conceber que a ação de uma brigada
blindada, forte em carros de combate, poderia conquistar Bagdá.
Ficou evidenciado que a 2ª Brigada valorizou os princípios de guerra do
objetivo, pois estava perfeitamente definido que a missão era conquistar o distrito
governamental; da ofensiva por meio da execução do próprio Thunder Run; da
manobra, ao empregar seus batalhões para conquistar diversos objetivos
simultaneamente, negando ao inimigo uma reação organizada e colocando-o em
posição desvantajosa.
Ao par disso, no que se refere aos fundamentos das operações ofensivas, a
todo o momento era buscado o contato com inimigo, quer seja pela ação de tropas,
20 A 2ª Brigada era forte em carros de combate, enquanto que a 1ª Brigada era forte em fuzileiros, sendo composta pelo 2º e 3º batalhões do 7º Regimento de Infantaria e pelo 3º Batalhão do 69º Regimento Blindado.
quer seja pelo monitoramento por outros meios e exploração das suas
vulnerabilidades, dois fundamentos importantes das operações ofensivas. A
conquista dos objetivos LARRY, MOE e CURLY, importantes entroncamentos
rodoviários contribuíram para evidenciar outro importante fundamento das
operações ofensivas que é o controle de acidentes capitais, neutralizando a
capacidade de reação do inimigo.
Ao empregar unidades blindadas foi possível manter a impulsão,
principalmente por conta da conjunção do fogo e do movimento, concentrando o
poder de combate no momento e local desejados. Todas essas considerações
também vão ao encontro dos fundamentos das operações ofensivas.
Pode-se dizer que a organização de elementos de combate fortes em CC
contribuiu para o sucesso do ataque da 2ª Brigada. Isso por que os CC
proporcionaram ação de choque e efeito psicológico. Soma-se a isso a sua
capacidade de manter a velocidade e o ritmo do combate; a proteção blindada que
oferecem, em função da sua blindagem ter sido modernizada para suportar as
principais armas anticarros portáteis existentes e os sistemas de armas embarcados
que garantem apoio de fogo imediato e preciso, de dia e de noite, e com uma grande
variedade de calibres.
8 CONCLUSÃO
A ação da 2ª Brigada foi inovadora por que mostrou que não só é possível
empregar meios blindados em localidade, como também eles serão responsáveis
por desequilibrar o poder de combate em favor de quem os emprega. Mais ainda, na
operação quem liderava o movimento eram batalhões de carros de combate. Os
seus elementos testa eram FT subunidades de carros de combate, tudo isso vai de
encontro ao consenso geral de que quem deve liderar o movimento são os fuzileiros
embarcados. Os fuzileiros das FT, pelo contrário, permaneciam embarcados,
somente deixando a proteção de seus veículos quando o fogo inimigo se tornava
intenso ou quando necessitavam manter o terreno conquistado.
Outro fator importante refere-se ao componente humano: militares
adestrados, conhecedores do equipamento e do armamento e das suas interações
com o do ambiente, confiantes no seu conhecimento e em suas capacidades. Esse
fator, reunido sob o comando de lideranças bem preparadas e sistemas de
informação eficientes, torna qualquer sistema bélico eficaz, diferentemente do
Exército do Iraque (Fotos 5 e 6).
Foto 4: soldado norte-americano Fonte: www.jamd.com
Foto 5: soldado iraquiano Fonte http://www.sfgate.com/
O sucesso norte-americano se deveu também à débil resistência inimiga,
indicando que ações rápidas levam a surpresa ao inimigo. Isso é possível com a
conquista de objetivos específicos sem a preocupação de realizar a limpeza do
terreno ultrapassado, a não ser para a sua própria segurança.
A técnica do Thunder Run se apresentou como bastante eficiente,
entretanto para a realização de ações dessa natureza é importante comando e
controle bem estruturado, comunicações amplas e flexíveis, constante
adestramento, iniciativa e liderança em todos os níveis, flexibilidade na organização
dos elementos de combate formando conjuntos de armas combinadas e material de
emprego militar compatível com o ambiente urbano.
Por fim, as Forças Armadas Brasileiras, em especial o Exército, devem
considerar o modus operandi dos norte-americanos, analisando de forma bastante
atenta o desencadear das ações, as condições ambientais, materiais, pessoais, de
preparo e adestramento e principalmente os ensinamentos advindos da prática nos
campos de batalha do Iraque para que aprimoremos a nossa instrução, nosso
preparo e o nosso emprego.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação: referências-elaboração. Rio de janeiro, 2002a.
BOWDEN, Mark. Falcão Negro em perigo – A história de uma guerra moderna. 1. ed. São Paulo: Landscape, 2001.
BRASIL. Exército. Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. ME 21- 253: Formatação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses. Rio de Janeiro, 2004.
______. ME 21- 259: Trabalhos acadêmicos na ECEME. Rio de Janeiro, 2004.
______.ME 101-0-3: Dados Médios de Planejamento Escolar. Rio de Janeiro, 2004.
Brasil. Exército. Estado-Maior do Exército. C 20-1: Glossário de Termos e Expressões para uso no Exército. 3. ed. Brasília, DF 2003.
______. C 21-30: Abreviaturas, Símbolos e Convenções Cartográficas. 4.ed. Brasília, DF 2002.
CHIARELLI, Peter; Michaelis, Patrick. Armor in Urban Terrain: The Critical Enabler. Armor Magazine. Fort Knox, p. 7-12, mar. e abr., 2005.
ESTADOS UNIDOS. Army. 3th Infantry Mechanized Division. After Action Report Operation Iraqi Freedom. Washington, D.C., 2003.
______. Center of Army Lesson Learned. On Point The United States Army in Operation Iraqi Freedom-Chapter 6 Regime Collapse. Disponível em http://www.globalsecurity.org/military/library/report/2004/onpoint/ch-6.htm. Acesso em: 25 mar. 2007.
______. Army. FM 3-06: Urban Operations. Washington, D. C., 2003.
______. Army. FM 3-06.11: Combined Arms Operations in Urban Terrain. Washington, D. C., 2002.
______. Army. FM 90-10.1 An Infantryman´s Guide to Combat in Built-up. Washington, D.C., 1993.
______. Department of the Navy. United States Marine Corps. Marine Corps Reserve Forces in Operation Iraqi Freedom: Lessons Learned. Washington, D.C., 2004.
______. Secretary of Defense. Joint Staff. Joint Publications 3-06: Doctrine for Joint Urban Operations. Washington, D.C., 2002.
______. US Army Combined Arms Center. FM 3-06: Doctrine for Joint Urban Operations. Washington, D.C. , 2002.
GUERRA EM BAGDÁ. Direção: Tim Pritchard. Edição: Paul Jarvis e Glenn Rainton. Produção: Tim Pritchard Darlow e Smithson Production, 2004. 1 DVD (100 min), son.,color.
HANN II, Robert F. O Combate Urbano e o Combatente Urbano de 2025. Military Review, Fort Leavenworth, KA, v 81, n. 2, p.36-46, 2. quadrim 2001.
KEEGAN, John. A Guerra do Iraque. 1.ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2005.
KEITH, J.,D.. 3d Squadron, 7th US Cavalry Up Front: Operation Iraqi Freedom Lessons Learned. Armor Magazine, Fort Knox, p. 26-31 set. e out. 2003.
KRIVITSKY, S.; TAYLOR, MICHAEL. Death Before Dismount: Transforming an Armor Company. Armor Magazine, Fort Knox, p. 26-34 mar. e abr. 2005.
LACEY, Jim. Take Down: the 3rd Infantry Division´s twenty-one day assault on Baghdad. 1.ed. Maryland: Naval Institute Press, 2007.
MADDOX, Brian. Checkmate on the Northern Front: The Deployment of TF 1-63 Armor in Support of Operation Iraqi Freedom. Armor Magazine, Fort Knox, p. 6-10, sep. and jul. 2003.
ZUCCHINO, David. Thunder Run: the armored strike to capture Baghdad. 1. ed.
New York: Grove Press, 2003.