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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises sócio-econômicas de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Maria Heloisa Lenz SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá Trimestral Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 31 n. 1 p. 01-212 Jun. 2003 CONSELHO DE REDAÇÃO Maria Heloisa Lenz Adalberto Alves Maia Neto Maria Lucrécia Calandro Martinho Roberto Lazzari Miriam De Toni Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Maria Heloisa Lenz Álvaro Antônio Louzada Garcia Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Indicadores Econômicos

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e EstatísticaSiegfried Emanuel Heuser que divulga análises sócio-econômicas de caráter conjuntural no âmbito daseconomias gaúcha, nacional e internacional.

EDITORMaria Heloisa Lenz

SECRETÁRIA EXECUTIVALilia Pereira Sá

Trimestral

Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 31 n. 1 p. 01-212 Jun. 2003

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Heloisa LenzAdalberto Alves Maia NetoMaria Lucrécia CalandroMartinho Roberto LazzariMiriam De ToniTeresinha da Silva Bello

CONSELHO EDITORIALMaria Heloisa LenzÁlvaro Antônio Louzada GarciaMaria Aparecida Grendene de SouzaPedro Cezar Dutra FonsecaOtília Beatriz K. CarrionDercio Garcia MunhozLeda PaulaniMaurício CoutinhoLuiz G. Belluzzo

IndicadoresEconômicos

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INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988)- . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . - v.- Trimestral Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988. Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1; 1973-1990 em v. 19, n. 1; 1973-1992 em v. 21, n. 4; 1992-1994 em v. 23, n. 3.

ISSN 0103-3905

1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. CDU 33(05) CDU 31(05)

Indicadores Econômicos FEE está indexada em:

Ulrich's International Periodicals Directory

Índice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE)

International Bibliography of The Social Sciences (IBSS)

Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE)

Cambridge Science Abstrats (CSA)

Tiragem: 600 exemplares.

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)Revista Indicadores Econômicos FEE - SecretariaRua Duque de Caxias, 1691 - Porto Alegre, RS — CEP 90010-283Fone: (51) 3216-9049 — Fax: (51) 3225-0006E-mail: [email protected]

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TEMA EM DEBATE ...........................................................................A guerra contra o Iraque, o "império" norte-americano e a crise sistê-mica — Paulo Fagundes Vizentini ..................................................Depois do choque e do pavor: reflexões acerca da Guerra do Iraque —Amaury Patrick Gremaud e Maria Fernanda Lombardi FernandesA segunda Guerra do Golfo e as relações econômicas internacionais —Roberto Camps Moraes ................................................................A questão do petróleo e suas implicações na Guerra do Iraque —Claudia Musa Fay ...........................................................................Os desafios para a instauração de uma governança mundial demo-crática na atual conjuntura internacional: síntese de um debate — Car-los S. Arturi ..................................................................................Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial: o que sepode esperar das contas externas com a nova internacionalização daeconomia brasileira? — André Luís F. Scherer e Celso Afonso M.Pudwell .........................................................................................

ARTIGOS DE CONJUNTURA ............................................................Uma outra estratégia é possível — Franklin Leon Peres Serrano ....Indicadores de mudança da distribuição espacial da produção de grãosno Brasil — 1990-02 — Maria D. Benetti .......................................Algumas considerações sobre a consolidação no setor bancário brasi-leiro — André Moreira Cunha e Julimar da Silva Bichara ...........Evolução das exportações gaúchas do agronegócio entre 1993 e 2002 —Martinho Roberto Lazzari ............................................................

Sumário

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5-130

7

37

131-212

75

165

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197

95

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TEMA EM DEBATE

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A guerra contra o Iraque,o “império” norte-americano

e a crise sistêmica

Paulo Fagundes Vizentini Professor Titular de História Contemporânea e Coordenador do Núcleo de Relações Internacionais do ILEA-UFRGS. Pós-Doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics.

ResumoO artigo discute a guerra anglo-americana contra o Iraque a partir de fatoresestruturais, como a construção de uma estrutura de tipo imperial pelos EUA.Questionando as razões empregadas pela diplomacia norte-americana para jus-tificar a invasão, contrariando o sistema das Nações Unidas e a posição damaioria da comunidade internacional, identifica um contexto de crescentes difi-culdades internas nos Estados Unidos e a emergência de mudanças profundasno pós-Guerra Fria, como a emergência de novos protagonistas. Externamente,essas tendências revelam uma crise sistêmica que demonstra o esgotamentoda estratégia de reestruturação político-econômica dos últimos 30 anos.

Palavras-chaveGuerra EUA versus Iraque; diplomacia norte-americana; unilateralidadeversus multipolaridade.

AbstractThis article discusses the anglo-american war against Iraq based on the analysisof structural factors such as the built of the US neoimperial hegemony. Byquestioning the reasons presented by US diplomacy to justify the invasion indissonance with the UN system and the majority of the international communityit identifies a context of growing domestic difficulties in the US and the emergenceof deep changes in the post-cold war world, including the rise of new players. At

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the external level, this trends reveal a systemic crises that demonstrates theexhaustion of the world’s political-economic restructuring strategy of the lastthirty years.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 05.05.03.

“O sistema internacional que se configurou [como fim da Guerra Fria] sob o regime da unimultipo-laridade americana tem características poucoestáveis. A mais longo prazo, esse regime ouconduzirá a uma consolidação e generalizaçãoda hegemonia americana ou, diversamente, acen-tuará suas características multipolares, gerandouma ordem mundial algo semelhante à do sécu-lo XIX.”

Hélio Jaguaribe

A guerra dos Estados Unidos, com apoio anglo-australiano, contra o Iraqueconstitui um evento da máxima importância e gravidade no atual sistema inter-nacional, como parte de um fenômeno mais amplo de luta pela reestruturaçãodo sistema mundial e pela liderança dentro deste. Lamentavelmente, os pretex-tos levantados pelos dirigentes de Washington acabaram pautando os grandesmeios de comunicação e, através deles, deturparam uma análise propriamentecientífica nos meios acadêmicos. Nesse sentido, o presente artigo, dirigido aum público qualificado, visa levantar alguns pontos para uma reflexão mais rea-lista e menos ligada às diversas conjunturas, com suas explicações post facto,efetuadas por analistas que apenas recobrem superficialmente com considera-ções acadêmicas uma visão predominantemente jornalística e ideológica, próxi-ma de uma propaganda política oficial. Assim, vamos diretamente ao ponto: aguerra teve como objetivo estratégico outros adversários potenciais, e não oIraque exclusivamente.

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A diplomacia norte-americana na passagemdo século

A administração republicana de George W. Bush iniciou sob o signo daconfrontação com o chamado “eixo do mal” e do unilateralismo em relação aosaliados e às organizações internacionais, tanto conceitualmente como em suaaplicação prática. O atentado de 11 de setembro, um episódio ainda obscuro,serviu de catalisador e legitimador à agenda anteriormente anunciada pelo novogoverno no plano internacional.1 Dessa forma, a guerra ao terrorismo serviu pararesgatar a confiança interna da população, mas gerando, simultaneamente, umclima assim definido pelo famoso escritor inglês John Le Carré: “O público nosEUA não está sendo só enganado. Está sendo ameaçado e mantido num esta-do de medo e ignorância permanente” (FSP, 2003).

Paralelamente, Washington tentava reafirmar-se internacionalmente, mos-trando que seu poder não fora corroído e que o mundo continuava sendo o mes-mo de antes dos atentados. Depois do golpe sofrido, fez-se necessário reafir-mar ainda mais o poder e relançar a hegemonia norte-americana de formaexplícita, diferentemente da sutileza empregada por Clinton, através das organi-zações internacionais (Pecequilo, 2000). Mas a França e a Alemanha, respecti-vamente potências diplomático-nuclear e econômico-financeira, que são o nú-cleo duro da União Européia, um ano depois dos atentados, pareciam não maisaceitar incondicionalmente a estratégia norte-americana.

O apoio da Inglaterra e de países de segunda linha, como os mediterrâ-neos e os europeus orientais, não chegaram a compensar a ausência de seusvelhos aliados de peso na guerra anterior contra o Iraque. Da mesma forma, osaliados árabes da Casa Branca temiam por sua legitimidade e estabilidade. Areeleição de Ariel Sharon em Israel, por outro lado, contribuiu para reforçar apolítica da Casa Branca para a região. A guerra contra o Iraque aprofundou aindamais o abismo entre os dirigentes árabes e suas populações, um cenário queparece não preocupar Washington. Apenas as minúsculas petromonarquias doKuwait, Bahrein e Qatar apoiaram os EUA abertamente.

A pressão sobre os aliados europeus e árabes representou, mais do que asimples busca de legitimidade diplomática para o desencadeamento da guerra,

1 Agenda colocada em prática em episódios como o abandono do Protocolo de Kyoto e daConferência da ONU sobre o racismo, bem como no abandono da política de conciliação queo Presidente Clinton havia encetado com Irã, Coréia do Norte e China antes do 11 desetembro (Vizentini, 2002).

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uma forma de subordiná-los à lógica da supremacia norte-americana e a neces-sidade de obter apoio financeiro para o conflito que, devido à necessidade deocupar e reconstruir a infra-estrutura e o Estado iraquianos, seguramente teriaum custo bem mais elevado. Vale lembrar que, na segunda Guerra do Golfo (aprimeira foi a de Iraque versus Irã), os EUA contribuíram com, aproximadamen-te, três quartos dos meios militares e apenas um quarto dos recursos financei-ros. Em meio a dificuldades econômicas e tentando estabelecer certa autono-mia internacional, os aliados da guerra anterior buscaram, então, se desengajardo conflito.

Da mesma forma, Rússia, China e França, membros permanentes do Con-selho de Segurança da ONU, mostraram-se contrariados com a forma unilateralpela qual a superpotência norte-americana passou a tratar os assuntos interna-cionais. Além disso, os dois primeiros sentem-se, indiretamente, ameaçadospela guerra ao terrorismo. Por outro lado, vigorosos movimentos pacifistas espa-lharam-se pelo mundo, inclusive nos EUA. Já a Inglaterra, que, entre as duasguerras mundiais, transferiu a seus descendentes do outro lado do Atlântico ahegemonia do sistema mundial anglo-saxão (por falta de meios frente ao desafioalemão), mantém sua presença como potência apenas na condição de aliadasubordinada de Washington, sempre contra os interesses do continente euro-peu.

Por outro lado, entre 1991 e 2001, houve uma estranha e sutil cumplicida-de entre Bagdá e Washington, pois o embargo permitiu a Saddam manter o seupoder. O regime iraquiano jogou com os inspetores da ONU, pois essa era suaúnica maneira de fazer política internacional. Depois, iniciou um processo denormalização diplomática com os europeus, com os vizinhos árabes, com aRússia e com a China. Já os EUA, face a uma virtual ameaça iraquiana (propo-sitalmente exagerada pela Casa Branca), obtinha um excelente pretexto paramanter sua presença militar na região, através da qual controlava aliados cadavez mais ambíguos, como a Arábia Saudita. Mas as coisas mudaram depois do11 de setembro. Fatores geopolíticos e econômico-estratégicos, como o contro-le da região e do petróleo, foram decisivos, além de representar uma oportunida-de de propiciar uma demonstração de força e a construção de uma nova gera-ção de armamentos.

Sentido que a hora da verdade havia chegado, e sem meios para resistir,Saddam teve medo e fez todas as concessões solicitadas, numa desesperadatentativa de sobreviver. Ganhando a simpatia de algumas potências, mas semdemover os EUA de seu intento, ele recuou suas forças para as cidades, comomeio de evitar uma deserção em massa e utilizar a população como escudohumano. A máquina militar norte-americana teria, então, que invadir os centrosurbanos, sofrendo baixas e causando um elevadíssimo número de mortes entre

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a população, o que implicaria um custo político-diplomático excessivamentealto. Tudo isso para evitar o ataque que, uma vez desencadeado, produziria ocolapso do cambaleante regime iraquiano. Ou seja, o resultado do conflito esta-ria, no plano diplomático, determinado antes mesmo do seu desencadeamento.

A terceira Guerra do Golfo e suasconseqüências

Sentindo que a posição francesa, a russa e, mesmo discretamente, a chi-nesa não seriam vencidas no Conselho de Segurança2 e que a oposição à guer-ra pela França, pela Bélgica e, surpreendentemente, pela Alemanha bloqueou omecanismo militar da OTAN, os Estados Unidos desistiram de votar a moção naONU autorizando o uso da força e partiram para a guerra apoiados apenas pelosgovernos da Inglaterra, da Austrália e da Polônia. Tony Blair ficou em posiçãodelicada (no início, chegou a manifestar-se contra o uso da força) pela oposiçãointerna, e o apoio dos demais foi apenas simbólico. Antes, durante e depois daguerra, os movimentos pela paz realizaram manifestações gigantescas, comefeitos políticos importantes, especialmente em países cujos dirigentes apoia-vam politicamente o ataque, como a Espanha, a Itália e a Inglaterra.

O ataque iniciou em 20 de março, e, em menos de um mês, o regimeiraquiano foi derrotado e o País ocupado pelas tropas anglo-americanas. Foi umresultado sem grandes surpresas para os que, desde o início, interpretaramcorretamente o problema. Agora, busca-se analisar as conseqüências e os pos-síveis desdobramentos do conflito. Primeiramente, a previsível vitória militar nor-te-americana teve um enorme custo político-diplomático, que apenas começoua se manifestar. Os movimentos pacifistas transformaram-se numa influentecorrente política internacional, que não refluiu com o final da guerra, até porqueos EUA logo passaram a ameaçar a Síria.

Algo notável, que todos observam, mas poucos comentam, é que as ar-mas de destruição massiva não apareceram e que o “poderoso” exército iraquianosó existia na propaganda política. Enfim, a ameaça que o ditador do Iraquerepresentava era fictícia. Mesmo assim, algumas centenas (ou mesmo deze-nas) de milicianos com armas leves e ultrapassadas causaram embaraços eperdas às tropas norte-americanas, desgastando a teoria da “guerra com mortezero”. Por fim, a morte de jornalistas que realizavam uma cobertura objetiva, o

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2 Ao que se somou a recusa dos países do Terceiro Mundo que integravam o Conselho,inclusive aliados latino-americanos, como Chile e México.

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caos e os saques tolerados pelas tropas de ocupação e a misteriosa pilhagemdos museus deixaram no ar uma série de perguntas cujas respostas aindacausarão embaraços futuros.

Mas há outras especulações mais graves: a “evaporação” da Guarda Re-publicana. Em 27 de março, uma semana depois de iniciada a Guerra, as forçasanglo-americanas não haviam conquistado nenhuma cidade importante (apesardas proclamações iniciais), e suas colunas avançadas haviam atingido o primei-ro anel defensivo iraquiano em Kerbala/Nadjaf/Hilla. A forte resistência de 30 milguardas republicanos e as baixas ocasionadas às extensas linhas de suprimen-to norte-americanas pelos fedayns levaram os comandantes a solicitarem umreforço de 120 mil soldados. Sem receber os reforços, mas empregando bom-bas não identificadas, superaram a resistência iraquiana, que desapareceu sú-bita e completamente. O mesmo aconteceu em 7 de abril, quando 40 mil guar-das republicanos trazidos de Tikrit montaram uma vigorosa ofensiva contra asunidades da coalizão que haviam ocupado o aeroporto Saddam Hussein emBagdá.

Isso não seria novidade, pois munições de urânio empobrecido foram em-pregadas contra o Iraque em 1991 e contra a Iugoslávia em 1999. Em contatocom elas ou no campo de batalha, 140 mil soldados norte-americanos contraí-ram diversas formas de câncer, ocasionando deformações genéticas nos filhos,e milhares já morreram. Sessenta mil dentre eles já obtiveram o status de invá-lidos de guerra, e os demais demandam tal reconhecimento e compensaçãona Justiça norte-americana. Sobre as populações locais, não há informações(LE CRI..., 2003). De qualquer forma, o exército iraquiano era fraco, e, nessaguerra (especialmente nas referidas batalhas), o que estava em jogo não era avitória (que era apenas uma questão de tempo), mas um certo custo políticoprovocado por eventual excesso de baixas. Por outro lado, isso evidenciaas limitações do exército norte-americano, que Liddel Hart já havia identifica-do na Segunda Guerra Mundial. Não é o caso da marinha e da força aérea, quepossuem excelente capacidade operacional.

O Oriente Médio pós-Saddam

Com o encerramento das operações militares convencionais no Iraque e ofim do regime de Saddam Hussein, começa a esboçar-se um novo mapa políticono Oriente Médio. O proclamado poderio militar iraquiano não existia, e a vitóriaanglo-americana foi relativamente fácil, mas agora se inicia a difícil fase de esta-belecer um regime iraquiano estável. A ocupação militar norte-americana deveser complicada, pois começam a emergir as contradições internas do Iraque,

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anteriormente contidas por um regime autoritário: curdos de várias facções, xiitaspoderosos, um centro sunita enfraquecido e um governo oriundo de uma oposi-ção dividida e com poucas bases de apoio interno.

Ao mesmo tempo, a situação social e econômica é desfavorável, além dea população ter em seu poder aproximadamente três milhões de armas de fogo,que serão empregadas tanto com fins políticos como criminais. A queda daditadura, por outro lado, gerou um clima de ansiedade nos demais regimes depaíses árabes ou muçulmanos, pró ou antiamericanos, todos eles autoritários.Apenas o Irã e o Líbano possuem eleições realmente disputadas.3 Por fim, apresença de tropas americanas gera um fator de reação que, num curto prazo,deve adquirir força, especialmente se forem instaladas bases permanentes noIraque.

A fácil vitória militar, por sua vez, teve um custo político inesperado paraWashington, face aos cálculos iniciais. A Turquia, a Arábia Saudita e o Paquistãoadotaram uma política crítica e tendem a agir com maior independência. A Tur-quia, além de limitar a presença militar norte-americana, tem certo poder deinfluência no novo Iraque, numa postura anticurda. Os sauditas, por seu turno,solicitaram a retirada das bases americanas estabelecidas em seu território emfunção da anterior guerra contra o Iraque, e, por essa razão, os EUA pensamestabelecer bases neste último, bem como um controle sobre o petróleo. Nocaso da Arábia Saudita, a Casa Branca tem na memória o choque da perda deum aliado estratégico, como ocorreu em relação ao Irã em 1979. Já foi anuncia-da oficialmente a retirada de bases norte-americanas da Arábia Saudita (ironica-mente, uma das reivindicações de Bin Laden, líder da organização terrorista AlQaeda).

Os custos da ocupação do Iraque devem ser qualitativamente maiores queno Afeganistão, onde uma guarnição norte-americana estabelecida em Cabul ena base aérea de Bagram garante um governo sem poder real, sendo necessá-rio pagar aos chefes tribais para combaterem os talibãs, que continuam ativos.A lealdade desses chefes é duvidosa, pois eles entregaram aos EUA apenasprisioneiros sem importância (nenhum dirigente), e as tropas da Aliança do Nor-te permanecem sob certa influência russa. Além disso, a apreensão dos vizi-nhos iraquianos, pró ou contra os Estados Unidos, tem um peso maior que emrelação ao Afeganistão (uma periferia sem petróleo).

Mas a questão central consiste no que fazer depois. Nesse sentido, maisuma vez Washington procura agir pela linha de menor resistência, escolhendo oalvo mais fácil, no caso a Síria, país sem petróleo e encravado entre regimes

3 Sobre a região, ver Vizentini (2002).

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pró-norte-americanos (Turquia, Israel, Jordânia e, agora, Iraque). A Síria, aliadado Irã e próxima da França, controla o regime libanês e é o único país a confron-tar Israel (através do grupo xiita libanês Hezbollah), para não falar do contenciosodas colinas de Golã, ocupadas pelo Estado hebreu. É preocupante que, devidoao descaso em relação ao Direito Internacional, o ônus da prova não cabe maisao acusador. Assim, o Presidente Bush já acusou Damasco de possuir armasde destruição massiva, de ter ajudado militarmente o regime iraquiano e deestar dando refúgio aos líderes deste, sem levar em conta que eles são inimigoshistóricos e que a Síria apoiou os EUA em 1991.

A visita do Ministro das Relações Exteriores da França à Síria, ao Egito, àArábia Saudita e ao Irã mostra que os europeus, com apoio da Rússia, nãoestão dispostos a permitir uma nova guerra nessa região, já fragilizada doponto de vista geopolítico. Se Bagdá possuía uma situação político-diplomáti-ca frágil (agressora e ditatorial), embora estivesse no caminho da normalização,tal não é o caso de Damasco, que vive plena normalidade diplomática com acomunidade internacional. Mas a guerra seria tentadora para os EUA, pois cria-ria um espaço compacto sob seu controle e deixaria Israel sem adversários emseu entorno imediato.

Os objetivos econômico-estratégicos dos EUA no conflito, por sua vez,extrapolam a questão iraquiana e são mais claros a cada dia. O anunciadoplano de paz prevendo a criação de um Estado palestino em 2005, em troca dasegurança de Israel, conhecido como Mapa de Rota, retomaria as negociaçõesentre ambos e constituiria uma compensação norte-americana aos árabes. Pa-ralelamente, o Presidente Bush anunciou a intenção de criar uma zona de livrecomércio entre os EUA e o Oriente Médio, o que propiciaria meios para a esta-bilização dos regimes pró-norte-americanos e consolidaria os interesses eco-nômicos de Washington na região em detrimento daqueles dos concorrenteseuropeus.

Mas a verdadeira cruzada que Washington iniciou contra o mundo islâmico,com seus regimes “politicamente incorretos” e militarmente incapazes de sedefender, arrisca a envolver os EUA em problemas complexos e custosos, polí-tica e economicamente. Por detrás da diplomacia russo-européia (apoiada pelo“silêncio” sino-japonês) e dos movimentos pacifistas, o mundo deseja o fim dosconflitos que desembocam em novos conflitos e a retomada do crescimentoeconômico, depois de três anos de estagnação global.

Paulo Fagundes Vizentini

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Uma vitória de Pirro: transformando aliadosem rivais

As principais conseqüências do conflito já eram observáveis em suas cau-sas, ou seja, antes da guerra. O declínio da produção norte-americana, osendividamentos externo e interno e o excesso de importações (o déficit comer-cial anual, que era de US$ 100 bilhões em 1990, atingiu US$ 450 bilhões em2000)4, fizeram o País depender agudamente da produção e do investimentoestrangeiro, especialmente europeu e japonês. O saldo negativo nas contasnorte-americanas deve ser coberto, a cada ano, pelo ingresso maciço de capitalexterno. Além disso, o hiperconsumo doméstico torna o País dependente deoutras áreas, que precisam ser mantidas sob influência dos EUA.

Mas a globalização e sua liberalização comercial criaram um mundo ondeos blocos econômicos são uma realidade emergente, especialmente com odesaparecimento de qualquer ameaça séria à paz mundial, devido ao fim daGuerra Fria. Ora, essa dupla tendência está tornando os Estados Unidos umasuperpotência relativamente dispensável, tanto em termos político-militares comoeconômicos, ainda que não imediatamente. A percepção dos riscos futuros con-tidos nesse processo de perda de vitalidade, aliada à ilusão de poder decorrentedo colapso do bloco soviético, fez os EUA optarem por uma estratégia imperial,buscando construir uma nova hegemonia.

O problema é que os meios para tanto não mais existem. Se os EstadosUnidos estão superarmados como nação, faltam-lhes os meios militares parapoderem controlar e estabilizar um planeta complexo, povoado e problemático,cujas potencialidades foram dinamizadas pela globalização. Mais ainda, os su-cessivos governos norte-americanos não têm conseguido criar uma estratégiacoerente e, menos ainda, aplicá-la sistematicamente, optando por uma linha demenor resistência, caso a caso. Não podendo manter o controle econômicosobre o Japão e a União Européia, muito menos desarmar ou desagregar aRússia (única potência ainda com capacidade estratégico-militar equivalente),Washington optou por desenvolver um militarismo teatralizado contra os maisfracos integrantes do “eixo do mal”, os países árabe-muçulmanos, que não pos-suem capacidade de defesa.

Ao exagerar perigos que não existem na dimensão apregoada, a CasaBranca fomenta um campo de conflitos que lhe permite resgatar sua utilidademilitar para a comunidade internacional, que, ao mesmo tempo, assiste a um

4 Disponível em: http://www.census.gov/foreign-trade

A guerra contra o Iraque, o "império" norte-americano e a crise sistêmica

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show de poder que recomenda maior tolerância dos aliados para com as neces-sidades da potência “protetora”. O problema é que o ritmo e a forma com queessa política está sendo desenvolvida têm produzido o resultado oposto. A auto-nomia da diplomacia francesa ressurgiu com força, a Alemanha surpreendeu aoopor-se a Washington pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, e aRússia, considerada vencida, reapareceu na cena internacional, estabelecendo--se um eixo Paris-Berlim-Moscou, que representa exatamente o que os EUAdesejariam evitar. O controle sobre o Oriente Médio, por sua vez, está longe deassegurado, pois o real problema é a ascendência cada vez mais precária sobrealiados antigos, como Turquia, Paquistão e Arábia Saudita, os novos “elos fra-cos”, que ameaçam escapar do controle.

A insistência dos EUA, durante a atual administração, em exibir poderperante o mundo, agindo unilateralmente e, inclusive, como “Estado louco”, naexpressão de Emmanuel Todd, é, por si só, um signo de fraqueza ou percepçãode fraqueza. Já Maquiavel considerava que o bom príncipe deve reinar mais pelasabedoria e astúcia e menos pelas armas, que seriam complementares. Segun-do a apresentação do livro Après l’ Empire, de Emmanuel Todd (2003),

“(...) não haverá império americano. O mundo é demasiado vasto,diverso e dinâmico para aceitar a predominância de uma única potência.O exame das forças demográficas e culturais, industriais e monetárias,ideológicas e militares que transformam o planeta não confirmam aatual visão banal de uma América invulnerável”.

E, numa visão prospectiva, esse autor acrescenta que“(...) um quadro realista [mostra] uma grande nação cuja potência foiincontestável, mas que o declínio relativo parece irreversível. OsEstados Unidos eram indispensáveis ao equilíbrio do mundo; elesnão podem hoje manter seu nível de vida sem os subsídios do mundo.A América, pelo seu ativismo militar de teatro, dirigido contra Estadosinsignificantes, tenta mascarar seu refluxo. A luta contra o terrorismo,o Iraque e o ‘eixo do mal’ não são mais do que pretextos. Porque elanão tem mais a força para controlar os atores maiores que são aEuropa e a Rússia, o Japão e a China, a América perderá esta últimapartida pelo domínio do mundo. Ela se tornará uma grande potênciaentre outras” (Todd, 2003).

Assim, a postura unilateral dos EUA frente a seus próprios aliados repre-senta menos uma descortesia do que a tentativa de manter a subordinação dosmesmos. Exatamente por isso, está emergindo o eixo Paris-Berlim-Moscou(que implicitamente abarca Beijing e Tóquio), que representa o verdadeiro pro-blema. Este já denominado “eixo da paz”, e não o “eixo do mal”, constitui o realdesafio. Nos dois extremos da Eurásia emergem bases produtivas dinâmicas,

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interligadas por uma Rússia ainda militarmente autônoma e capaz de responderao armamento estratégico norte-americano. Uma Rússia que há três anos vol-tou a crescer economicamente. Depois de estabelecer uma parceria estratégi-ca com a China há dois anos, Putin declarou, no Bundestag em Berlim, emsetembro de 2002, que a Europa e a Rússia devem colaborar nos planos militare econômico, proposta bem-recebida pelos europeus. Assim, a intervenção nor-te-americana no Oriente Médio e na Ásia Central, iniciada com a invasão doAfeganistão, possui uma lógica geopolítica racional e clara: quebrar a chamadaponte eurasiana antes que ela se consolide.

Um império virtual, a crise sistêmicae a multipolaridade

Mas esses países, que desejam um lugar ao sol na estrutura mundial depoder (e não afrontar os EUA), não podem ser enfrentados diretamente porWashington. Daí a estratégia indireta que está sendo empregada contra os fra-cos Estados da linha de fratura, e, nesse sentido, a obra de Brzezinski (ex-assessor do Presidente Carter) é bastante clara (Brzezinski, 1997). E a regres-são do ethos universalista norte-americano, condição indispensável para a cons-trução de um império, foi explicitada em obras como O Choque de Civiliza-ções, de Huntington (1997). Assim, a diplomacia norte-americana está abrin-do mais contenciosos do que pode dar conta, e a racionalidade de um tal com-portamento está em evitar a emergente multipolaridade.

A Europa possui o euro, e o núcleo duro da UE oficializou, logo após aGuerra do Iraque, a criação de um exército independente da OTAN e dos EUA;a Rússia já superou o pior e volta ao grande jogo internacional. Se, por um lado,é mais fraca que a antiga URSS, por outro, isso facilita suas alianças com aEuropa Ocidental e a Ásia Oriental, na medida em que não é mais percebidacomo ameaça (papel que hoje cabe aos EUA). A China continua a crescer eco-nomicamente e a capacitar-se militarmente, enquanto o Japão resiste e os Ti-gres Asiáticos mantêm sua pujança. A Índia, por sua vez, recusou o Tratado deNão-Proliferação Nuclear e manteve sua capacidade atômica, enquanto o Irãbusca adquiri-la, em aliança com a Rússia. Enfim, o Brasil e a África do Sulpassaram a desenvolver uma diplomacia mais independente, a forjar um espaçoregional de influência e a apoiar a construção de um mundo multipolar.

Segundo o decano do estudo das relações internacionais no Brasil e ex-conselheiro do Presidente Fernando Henrique Cardoso, Professor Hélio Jaguaribe,

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“(...) a instabilidade do presente sistema internacional tende a conduzi-lo, até meados do século, a uma alternativa básica: consolidação dahegemonia americana, gerando um longo período de Pax Americana,ou, diversamente, formação de um novo sistema multipolar, em queos Estados Unidos deverão, seguramente, exercer um papel relevante,mas em que tenderão a ser também relevantes países ou sistemascomo China, Rússia, União Européia e alguns outros. As maisimportantes variáveis para o segundo cenário são, por um lado, ocontinuado desenvolvimento da China e a superação, pela Rússia, desuas condições caóticas e, por outro lado, a adoção pela UE de umapolítica externa e de defesa própria. Não dispondo os Estados Unidosde condições para a eliminação de rivais (China e Rússia) ou preventivocontrole da UE, a tendência de que venha a prevalecer, em meadosdo século XXI, uma ordem mundial multipolar — em detrimento daPax Americana — depende, predominantemente, mas nãoexclusivamente, de um exitoso desenvolvimento chinês” (Jaguaribe,2001).

Tanto Todd como Jaguaribe apresentam análises extremamenteinstigantes, que superam largamente as visões superficiais e ideológicas (dedireita e de esquerda), tão comuns sobre esse tema. Detectam, com muitaargúcia, a emergência gradual e sistemática de novos pólos de poder e, porconseqüência, de um sistema mundial multipolar. E é contra esse fenômenoque os EUA se mobilizam. Contudo, por suas crescentes dificuldades internase externas devidas à interdependência da economia mundial, não é possívelenfrentar os problemas frontalmente. Interessantemente, o desafio maior parteda situação objetiva de busca de autonomia por parte de aliados, como a Euro-pa e o Japão (em relação à qual seus líderes não têm total consciência). Mesmoa Rússia e a China tentam, de alguma maneira, cooperar com os EUA, mas arealidade os empurra em direção oposta, para desgosto dos novos capitalistasde Moscou e dos reformistas de mercado de Beijing.

Mas há alguns aspectos a complementar ou questionar. Certamente, osEUA continuarão sendo os maiores jogadores internacionais por certo tempo,mas uma neo-hegemonia parece cada dia mais problemática, devido ao contí-nuo desgaste de alguns elementos fundamentais do poder norte-americano,como a incapacidade de produzir consenso. Não se trata de algum desafiomilitar, que somente existe em relação à Rússia, mas de algumas tendênciasinquietantes no campo econômico. A confiança na segurança dos papéis norte--americanos foi abalada pelas fraudes escandalosas, como as da Enron, a situ-ação das Bolsas de Valores permanece frágil, e a indústria norte-americanaperde terreno a cada ano, num quadro em que emerge o euro e novos pólos

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econômicos. A função de garantir a demanda global que os EUA ainda têm podedesaparecer de forma mais ou menos rápida se, por alguma razão, o afluxo decapital externo for limitado.

Evidentemente, trata-se somente de tendências que apenas agora come-çam a emergir, sendo os EUA ainda a única superpotência, governada por umgrupo de falcões, que é capaz de iniciar novas guerras, mesmo contra a vontadeda comunidade internacional e de suas instituições. Contudo o que está sendoapontado como uma demonstração de força pode ser interpretado como umaprova de debilidade crescente em meio a uma crise sistêmica, simultaneamen-te econômica e política. A questão é saber se os EUA vão gastar com suficienteinteligência a energia que lhes resta, durante a contagem regressiva para aemergência de novos pólos de poder, como forma de criar um sistema mundialonde seu papel ainda seja predominante, em lugar de qualquer utopia imperial.Sem espaço para desenvolver o tema, apenas lançamos algumas idéias quenecessitam ser debatidas e aprofundadas, mas cremos que os problemas inter-nacionais (e dos EUA) são hoje maiores que antes do ataque ao Iraque.

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Depois do choque e do pavor: reflexõesacerca da Guerra do Iraque

Amaury Patrick Gremaud Professor Doutor do Departamento de Economia da FEA-RP da Universidadede São Paulo.Maria Fernanda Lombardi Fernandes Mestre e Doutoranda em Ciência Política na FFLCH da Universidade de São Paulo.

ResumoO artigo procura discutir as conseqüências, principalmente econômicas, da Guerrado Iraque. Após algumas considerações acerca das motivações para essaGuerra, as conseqüências dividem-se em três ordens de questões: microeconômi-cas, macroeconômicas e aquelas envolvendo os organismos multilaterais. Porfim, tecem-se algumas considerações acerca dos impactos dessas conseqüên-cias sobre o Brasil e a América Latina.

Palavras-chaveTerrorismo; incerteza; unilateralismo.

AbstractThe purpose of this article is to present an evaluation of the consequences,mainly the economic consequences, of the war in Iraq. After some reflectionsabout the USA motivation to declare the war, the article is divided into threeaspects: the impact on microeconomics and macroeconomics terms and on themultilateral organisms. The final remarks discuss those impacts on Brazil andLatin America economies.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 28.04.03.

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Apesar de terem ocorrido muitos debates acerca das reais motivações quelevaram os EUA a invadirem o Iraque e da legalidade ou não desse ato, nestemomento, dado o fato ocorrido, interessante parece ser discutir também algumasdas conseqüências dessa invasão, partindo da idéia de que a Guerra, em si,tenha terminado. Assim, buscaremos dar ênfase ao período pós-guerra, partindodo pressuposto de que os aspectos bélicos da invasão estejam praticamenteresolvidos neste momento.

Obviamente que, num exercício de previsão do futuro, algumas observaçõesacerca dos motivos para se fazer a guerra devem ser abordados. Isso faremosna primeira parte do presente artigo. Na segunda parte, discutiremos algumasconseqüências que podem ser levantadas a partir do atual cenário econômico epolítico internacional. Estas foram divididas em três grupos: apresentamos, inicial-mente, alguns elementos considerados de cunho microeconômico; a seguir,certos aspectos macroeconômicos são considerados, e alguns itens relativosàs negociações e aos organismos multilaterais também são tratados ao final dasegunda parte. Por fim, na terceira parte, tecemos alguns comentários finais,onde se ressaltam possíveis implicações para o Brasil dos aspectos anterior-mente discutidos.

1 - Motivações para uma ocupação

Se nos fiarmos no discurso oficial dos EUA, existiram vários bons motivospara a invasão do Iraque. Nas apresentações feitas, ainda no ano passado, aoConselho de Segurança da ONU, mais de uma dezena de itens foram levantados,os quais iam desde o fato de que o Iraque financiava grupos e ações terroristasaté o tratamento desumano infligido a certas minorias, passando, obviamente,pelas questões da posse e do desenvolvimento de armas químicas, biológicas,nucleares — armas de destruição em massa. Para efeitos externos, duas pare-cem ser as motivações principais alegadas para a invasão.

Por um lado, existe a idéia de uma guerra preventiva, uma doutrina quetomou corpo a partir de 11 de setembro, mas que já era defendida pelos chamados“falcões” de Washington — onde se destaca Donald Rumsfeld, Secretário deDefesa norte-americano —, ou seja, uma guerra que preveniria um possível ataqueaos EUA ou ao mundo ocidental por parte de grupos terroristas. No caso emtela, esses grupos estariam sendo acobertados pelo Governo iraquiano, como aexposição de Colin Powell na ONU em 2002 procurou mostrar, principalmenteem relação à Al Qaeda de Bin Laden. Esse fato, conjugado com a possibilidadede o próprio Iraque possuir um arsenal de armas de destruição em massa, fariado País um “Estado terrorista”, o que justificaria a guerra preventiva, já que um

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inimigo que poderia atingir milhares de pessoas sem que fosse necessáriomobilizar grandes exércitos para efetuar tais ações não é um inimigo convencionale, portanto, a ele pode ser imposta a “ação preventiva”.

Essa razão parece ter sido bastante questionada, principalmente pelasinspeções realizadas pelos observadores destacados pela ONU, que não conse-guiram encontrar vestígios significativos da posse desse tipo de arsenal. Mesmoos discursos de altas autoridades do Governo norte-americano em pleno Conselhode Segurança da ONU não foram suficientemente convincentes, pelo menospara alguns dos ouvintes do próprio Conselho e também para uma parcelasignificativa da população, à exceção de uma grande parte dos cidadãos norte--americanos, talvez ainda sensibilizados pelo 11 de setembro e pela coberturajornalística da imprensa norte-americana, que também sofreu com os atentadosde 2001.

Assim, mesmo que as próprias autoridades norte-americanas estivessemconvencidas de que a posse de armas de destruição em massa por parte doIraque não fosse suficiente para pôr em risco a própria segurança dos EUA, oumesmo dos seus interesses no Oriente Médio, elementos ligados à mobilizaçãosocial e à política interna norte-americana não podem ser deixados de ladonessa discussão. A idéia de que o mundo se tornou mais perigoso a partir daação coordenada de terroristas em solo norte-americano passou a ocupar asmentes dos norte-americanos e tornou-se um fermento poderoso em mãosconservadoras que cercam o Presidente Bush.

A outra idéia difundida é a da libertação do povo iraquiano de um ditadoropressivo, sanguinário e sem escrúpulos. Apesar de não se duvidar de que ascaracterísticas atribuídas ao então Governo iraquiano estejam certas, parte daopinião internacional tem dificuldade em acreditar que um motivo como essepossa ter levado os EUA a desencadear uma tão custosa invasão e ocupação,mesmo porque parte dos integrantes da coalizão que apóia os EUA são ditadurastão ou mais indefensáveis que a do Iraque. Além do mais, a ditadura de Saddamremonta à década de 70 e, ao menos durante a década de 80, foi avalizada peloGoverno norte-americano. Mesmo que não seja a real motivação, a idéia delibertação possui claros elementos ligados à estratégia de ocupação do território,já que se contava com o apoio da população iraquiana para se operar a derrubadado regime. Porém, apesar das cenas finais de estátuas destruídas e de júbilopopular nas ruas de Bagdá, a dimensão do apoio não foi a esperada. A felicidadepela queda da ditadura veio acompanhada pela desconfiança em relação àstropas da coalizão, desconfiança que parece aumentar a cada dia e que existenão só entre os iraquianos, mas também entre as populações e os governos depaíses árabes e islâmicos da região.

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Por outro lado, não podemos esquecer que a libertação de povos oprimi-dos e a defesa de ideais da civilização fazem parte do receituário político norte--americano desde o século XIX, afinal, pela teoria do Destino Manifesto, os norte--americanos estavam imbuídos de uma missão divina em relação aos povosatrasados, e, mesmo antes da doutrina da ação preventiva de Rumsfeld, oCorolário Roosevelt deu o aval para as intervenções dos Estados Unidos emCuba e na Nicarágua, no século XX.

Outros motivos não claramente declarados são debatidos principalmenteagora, com o fim da Guerra. Podemos levantar mais duas ordens de fatores:primeiro, a questão geoestratégica, lembrando que a invasão do Iraque se seguiuà tomada do Afeganistão. Essas duas ocupações demonstrariam a reorientaçãoda política norte-americana na região em função da contínua perda de confiançados Estados Unidos em que seus interesses pudessem ser sustentados porum punhado de pequenos emirados, mas, sobretudo, pelos sauditas. Assim, osEstados Unidos buscam modificar as alianças na região, ao eliminarem antigosparceiros. Além disso, a ocupação de regiões como o Iraque e o Afeganistão semostra importante como “efeito-demonstração” para Estados perigosos naavaliação norte-americana e de Israel, tais como Síria e Irã. A posição desteúltimo parece ser bastante delicada no novo xadrez do Oriente Médio, já que,agora, cercado pelos novos Iraque e Afeganistão, o tradicional Estado onde oantiamericanismo é bastante forte vê-se isolado e ameaçado. A despeito dasreiteradas ameaças à Síria, parece-nos que, a princípio, o Irã era um alvo maispreciso; aquela, porém, também se vê em posição geográfica mais difícil nestemomento, afetando, por sua vez, o Líbano e a Palestina.

A questão da Arábia Saudita também deve ser levada em consideração. Otradicional aliado dos Estados Unidos na região vem, gradativamente, afastando--se, principalmente devido a problemas internos, já que o Governo, longe de serdemocrático, vê-se bastante questionado por uma população árabe-muçulmanaque não enxerga a aliança entre o seu Estado e os Estados Unidos com bonsolhos. Além disso, apesar da aliança entre os Estados, não nos esqueçamosque a Al Qaeda e outros grupos terroristas são financiados por sauditas e contamcom a presença destes em seus quadros, em profusão, sendo Osama Bin Ladenapenas o mais famoso deles.

Desse modo, além de eliminar alguns daqueles grupos que, em algummomento, foram (ou ainda são) parceiros, a ocupação dessas regiões já bastantedebilitadas econômica e militarmente se mostra importante tanto como efeito--demonstração quanto na supervisão política de outros países não tão debilitadose que podem impor efetivas perdas aos interesses norte-americanos e tambémisraelenses na região, além do que os Estados Unidos também se preocupamcom possíveis perdas de controle no caso de antigos fiéis aliados.

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Parte desses interesses gira, é claro, em torno do petróleo. Este se cons-titui, aqui, no segundo fator não declarado por trás da invasão. O que não é claroé qual a intenção do Governo norte-americano em relação à economia e à polí-tica petrolífera internacional que justificaria a invasão iraquiana. Neste ponto,podem-se ver duas grandes possibilidades levantadas na imprensa, no períodorecente. A primeira é uma tentativa de intervenção do Governo norte-americanono sentido de se apropriar dos poços iraquianos como forma de limitar o contro-le da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) sobre os pre-ços dessa commodity. Essa limitação ocorreria tanto do ponto de vista político,introduzindo-se novas intrigas dentro dos já tortuosos acordos no seio da OPEP,como do de tentar promover a descoberta de novos campos utilizando tecnologiasmais sofisticadas, além de um significativo aumento da produção iraquiana1,forçando, assim, uma sensível queda dos preços.

A promoção de uma forte queda dos preços do petróleo poderia ser justificadapela importância que ele ainda possui na estrutura tecnológica e produtiva norte--americana. Porém não se pode esquecer que uma parte da própria economianorte-americana se baseia na exploração de petróleo, de modo que, se a quedado preço pode ter um efeito benéfico diminuindo os custos, por outro lado, existeuma parte das empresas petrolíferas norte-americanas de médio porte que nãoresistiria a essa queda de preços, justamente um grupo de empresas mais pró-ximo politicamente do atual Governo norte-americano.

A segunda explicação envolvendo a idéia de uma guerra do ou pelo petróleoseria a anexação pura e simples dos poços iraquianos de petróleo pelos EUA esua entrega para empresas norte-americanas teoricamente ligadas ao GovernoBush, assim como de toda a estrutura de serviços ligados à exploração edistribuição do petróleo. Nesse sentido, imagina-se uma ligação forte do Governonorte-americano com as grandes empresas de petróleo daquele país, empresasque tenham capacidade de recuperar a estrutura produtiva, além de realizarnovos investimentos no Iraque, ajudando, assim, o Governo norte-americano apagar os custos dessa guerra, custos estes que, nesse caso, não poderiam serdivididos, como o foram na primeira Guerra do Golfo, com outros parceiros ociden-tais, não apenas porque estes se esforçaram contra a Guerra no Conselho deSegurança, mas também porque suas empresas estariam alijadas desse novomercado.

1 A proteção efetuada pelos marines ao Ministério do Petróleo durante a onda de saques aBagdá e o pedido do fim das sanções impostas pela ONU ao Iraque para que este possaretomar e aumentar suas exportações petrolíferas parecem corroborar essa hipótese.

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Ainda é difícil dizer, mas, apesar de essa hipótese parecer fazer sentido,além de ser explícita em demasia, sua implicação em termos de custos parecepouco provável de ser concretizada, pois significa alijar o Iraque de qualquerpossibilidade de reconstrução sem que todo o auxílio financeiro parta dos própriosEUA. É mais provável que o petróleo continue sendo de propriedade iraquiana,com um governo mais confiável, e que as empresas norte-americanas passem acompetir junto com as outras irmãs ocidentais por margens de lucro em contrapar-tida da realização de investimentos. Desse modo, mantém-se uma boa capaci-dade financeira do próprio Iraque, diminuindo as implicações financeiras para osEUA da ocupação e da reconstrução daquele país (Sadoviski, 2003).

Um último elemento ainda deve ser mencionado: a afirmação dos EUAcomo potência central no cenário internacional, justamente em um mundo que,depois da queda do muro e do colapso da União Soviética, poderia configurar-secomo de dimensões multilaterais. A forma como os EUA deflagraram o ataquenão deixa de ser mais um elemento de um conjunto de posturas adotadas peloatual Governo norte-americano, rejeitando justamente essas negociações decunho pluri ou multilateral. A busca de apoio dos Estados Unidos à sua posturana comunidade internacional e a posterior rejeição a um papel mais ativo dessamesma comunidade, posto que não conseguiu o apoio desejado, põem emrelevo a guinada dos EUA em direção a uma política internacional unilateral oumesmo imperial.

Essa guinada já se mostrava de modo bastante claro no documento intituladoEstratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América, enca-minhado pelo Governo Bush ao Congresso norte-americano em setembro de2002. Esse documento consagra o terrorismo global como a grande ameaçanos novos tempos pós-Guerra Fria e propõe uma reformulação dos instrumentosde proteção e de defesa, assim como dos serviços de informação dos EUA. Odocumento reafirma, também, a posição hegemônica dos EUA, mas tal posiçãoserá exercida com uma ênfase, agora, mais significativa em aspectos coercitivos,deixando em segundo plano práticas consensuais na afirmação dessa hegemonia(Fausto, 2002/2003). E provável que não exista uma causa ou uma explicaçãopara a posição adotada pelo Governo norte-americano, mas um conjunto delase vários dos elementos acima mencionados devem ter feito parte do cálculopara a tomada de posição.

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2 - Conseqüências de um ataque

Tomando por base alguns elementos descritos na primeira parte, podemostentar discutir alguns aspectos relativos às suas prováveis conseqüências.Iniciaremos com aquilo que denominaremos de aspectos microeconômicos, aseguir, faremos algumas observações de caráter macroeconômico e, por fim,algumas considerações envolvendo as entidades multilaterais.

2.1 - Aspectos microeconômicos

O combate ao terrorismo ou a prevenção de possíveis ataques desferidospor grupos radicais que se opunham não apenas aos EUA, mas, de um modomais geral, à cultura ocidental e a seus tentáculos imperialistas foi uma dasalegações usadas pelos EUA para empreender a invasão iraquiana. Porém, sejaqual for o resultado final da ocupação iraquiana, assim como daquela realizadano Afeganistão, dificilmente o atual grau de tensão entre grupos árabe-muçul-manos e ocidentais será minimizado, pelo contrário, enquanto questões comoas da Palestina não forem solucionadas, pode se esperar um acirramento dessecenário, com o crescimento de correntes fundamentalistas que contestam osvalores e a ingerência ocidental na região.

Mesmo que tais invasões propiciem o desmantelamento de certas redesde apoio aos grupos mais radicais que pretendam desferir ações retaliadoras deenvergadura, a ampliação de um ambiente de contestação e de repulsa ao cha-mado domínio ocidental tende a propiciar, por outro lado, o crescimento da predis-posição de setores ou grupos antes pacifistas ou alienados a participarem deorganizações engajadas em um combate mais acirrado e belicoso àquilo queeles enxergam como o inimigo de sua cultura e tradição.

O fundamentalismo, como foi afirmado anteriormente, tende a ganhar terrenolevando a bandeira nacionalista, que se opõe à ocidentalização e ao seu conceitode modernização. Assim, num aparente paradoxo, tendem a perder os gruposmais moderados e identificados com o Ocidente, justamente os grupos que sãovistos pelos Estados Unidos, principalmente, como possíveis reconstrutores deuma nova ordem na região, nova ordem esta onde o diálogo com o Ocidente sejamais fácil. Ao mesmo tempo, a presença de tropas ocidentais, notadamentenorte-americanas, em número cada vez maior nos países do Oriente Médio,torna o conflito mais visível e faz dos militares estacionados nessas praçasalvos fáceis dos ataques terroristas. Os ódios tendem a florescer quando a pre-sença militar é ostensiva, a história dá-nos uma série de exemplos acerca dessaquestão. Não é à toa que os ingleses, que já possuíram um grande império,

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tiveram um cuidado maior que os norte-americanos no próprio conflito do Iraque,o que pôde ser visto na tomada de Basra e no prosaico procedimento do uso deboinas ao invés de capacetes por parte dos soldados britânicos.

Ou seja, o estado de insegurança que aflige o cenário mundial não pareceser aplacado por ações como a dos EUA no Iraque, muito pelo contrário. Apermanência ou o acirramento, no curto e no médio prazo, da possibilidade deações retaliadoras aumenta, assim, a sensação de insegurança e de incerteza.O crescimento da percepção de risco por parte de governos, empresas e mesmodas famílias tem conseqüências que denominaremos microeconômicas, especial-mente sobre o desenvolvimento econômico. Esse sentimento de incerteza possuiefeitos negativos sobre a própria predisposição dos agentes a fazerem investi-mentos, a se endividarem, etc. Esses elementos afetam, de maneira negativa, ocrescimento econômico.

Podemos levantar outros dois tipos de problemas associados à proliferaçãodo terrorismo e à ampliação da sensação de risco que também acabam pordiminuir a possibilidade, em médio prazo, de desenvolvimento econômico mundial:a ampliação dos custos de transação, principalmente no comércio internacional,e a alteração na forma como os agentes gastam suas rendas, com a conseqüentediminuição de externalidades positivas sobre o crescimento.2

Neste último caso, pode-se usar como ilustração o caso das famílias edas empresas das áreas metropolitanas brasileiras: estas, em função do cresci-mento da criminalidade, passaram a despender parte de sua renda em produtose serviços visando a sua segurança, como alarmes, grades, etc. Deixando, as-sim, de despender recursos em saúde e/ou educação, não é difícil imaginarque, apesar de os gastos em segurança atenderem às necessidades prementesdessas famílias, parte do desenvolvimento potencial delas fica comprometidaem função das escolhas que foram obrigadas a fazer. O mesmo se pode dizerdas empresas que são obrigadas a investir seus recursos em sistemas de segu-rança e que deixam de investir produtivamente.

Guardadas as devidas diferenças, podemos fazer uma analogia com ospaíses ocidentais. Nestes, muitas famílias e empresas passam a se preocuparcom questões ligadas ao terrorismo, mas principalmente os gastos públicos deum modo geral são realocados na direção de sistemas de proteção e segurança.Supondo um montante fixo de dispêndios públicos globais, o aumento dos recur-sos em segurança significa uma redução em outras áreas, ditas tanto sociais(assistência, saúde e educação) como de investimentos. Se, no curto prazo,

2 Os argumentos a seguir estão, em parte, baseados em Lenain, Bonturi e Koen (2002).

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essa realocação de gastos não produz mudanças no nível de renda agregada,no médio prazo existem potenciais efeitos negativos.

Pode ser contraposta a hipótese bastante difundida, mas não tão claramentedemonstrada empiricamente, que os gastos públicos norte-americanos em defesae segurança possuem impactos positivos sobre o desenvolvimento tecnológicodos EUA. Porém devem ser levados em consideração dois elementos importantes:(a) nem todos os gastos alocados em segurança ou defesa geram externalidadespositivas, e parte desses gastos possui efeitos até negativos; (b) as possíveisexternalidades dos gastos em defesa vêm substituir as geradas por gastos emeducação e saúde e os chamados “dividendos da paz” — externalidades de umambiente pacífico que também não devem ser subestimadas. Não se deve esque-cer que os intensos ganhos de produtividade obtidos na economia norte-ameri-cana, nos anos Clinton, foram obtidos essencialmente em um contexto de paze que, apesar de os gastos militares poderem ter efeitos positivos de curto pra-zo, estes arrefecem ao longo do tempo (Mandel et al., 2003).

Por fim, mesmo que estejamos a argumentar a respeito de efeitos sobrecrescimento/desenvolvimento, não se podem esquecer os óbvios efeitos negativosdessa realocação em termos de eqüidade ou justiça social.

O outro efeito aqui chamado de microeconômico de médio prazo é o aumen-to dos custos de transação. Podemos levantar dois elementos que exemplificamesse ponto. Por um lado, quanto aos desembaraços alfandegários, estes entramem uma trajetória que reverte a tendência anterior, que era justamente a de dimi-nuir os entraves existentes no comércio internacional, em função, agora, doaumento do risco de ações terroristas — por exemplo, o risco de contaminaçãopor meio de Antrax —; esses desembaraços tendem a ser mais demorados emfunção de maiores cuidados com análises, verificações, etc. Nesse sentido,aumentam as restrições, os custos de estocagem e o próprio tempo de liberaçãode mercadorias, dificultando, por exemplo, a ação de técnicas de Just-in-Timeou similares que cresceram de maneira significativa dentro do contexto da globa-lização produtiva.

É interessante notar que tais medidas de segurança, ao diminuírem a fluidezdo comércio, se aplicam ao comércio interno dos países, mas devem ser aindamais sentidas no comércio internacional. Por outro lado, também os custoscom seguros nas transações comerciais tendem a crescer por dois motivos:existem maiores preocupações dos envolvidos no comércio, fazendo com quedeterminadas operações em que antes não se contratavam seguros passem atê-los, mas, principalmente, pelo aumento que os custos relativos a segurossofreram por parte das seguradoras. O aumento da sensação global de incerteza,sendo que parte desta pode, de algum modo, ser transformada em um riscoquantificável quanto às próprias perdas que várias das seguradoras enfrentaram

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nos últimos anos, fez com que essas empresas aumentassem os seus prêmios,aumentando, assim, os gastos incorridos pelos agentes.

2.2 - A questão macroeconômica

Do ponto de vista macroeconômico, a grande questão diz respeito aosgastos com a invasão, a ocupação e a recuperação do Iraque. Inúmeras estima-tivas já se fizeram acerca de quanto os EUA já gastaram e quanto ainda irãodespender para manter efetivos e promover a reconstrução no Iraque. Algunsnúmeros já parecem claros com os recentes pedidos de suplementação orçamen-tária, tendo em vista gastos com a defesa feitos nos últimos meses. Os custosefetivos foram objeto de várias estimativas e giram em torno de US$ 100 bilhõespara a investida armada, mais US$ 300 bilhões a US$ 600 bilhões para manuten-ção de tropas e reconstrução da infra-estrutura do País. Esses gastos, além derelançarem a questão acerca do impacto de uma política fiscal expansionista,colocam um problema claro: como serão financiados?

Diferentemente da primeira Guerra do Golfo, a possibilidade de contar coma sustentação financeira de países amigos reduziu-se drasticamente no momentoatual, mesmo que se imagine que parte da reconstrução envolva, de algummodo, as Nações Unidas e os parceiros tradicionais.

O primeiro impacto desses números, como já foi levantado anteriormente,remete à questão do petróleo. Supondo que pelo menos uma parte da reconstru-ção deva ser financiada pelo próprio Iraque, não se pode imaginar que este con-siga fazer frente a tal processo se for destituído de sua principal fonte de recursos:o petróleo. Assim, parece difícil imaginar que o Iraque não recolha parte dosbenefícios de sua principal riqueza mineral de modo a poder fazer frente aoscapitais que devem ser aplicados na sua própria reconstrução. A probabilidademaior, nesse caso, é de que o petróleo continue sendo iraquiano, explorado poruma companhia, talvez, “estatal” iraquiana, mas as empresas petrolíferas interna-cionais com joint ventures e outras parcerias deverão compartilhar essa explora-ção, os investimentos e seus lucros.

Na OPEP, um grande produtor passará a ser mais sensível às demandas eàs necessidades do mundo ocidental,3 mas, como já foi visto anteriormente,

3 O que seria extremamente importante para os interesses norte-americanos, também abala-dos na América do Sul com os sucessivos reveses que o caso Venezuela acabou imputan-do ao Governo Bush. Não nos esqueçamos da importância da Venezuela no mercado depetróleo mundial.

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isso não deve significar uma queda drástica dos preços de petróleo no médioprazo.

O outro ponto diz respeito à própria economia norte-americana. Uma dasestratégias de superação da debilitação econômica interna dos EUA do atualGoverno Bush é a redução dos impostos. Apesar de esta vir acompanhada decortes em determinados gastos, estes nem atingem o setor de segurançanacional, nem são do mesmo montante da perda de receita. Assim, mesmoantes da Guerra do Iraque, os déficits públicos norte-americanos já se elevavam,e a perspectiva era de continuarem crescendo. Com a Guerra, esses númerosdevem ser ainda maiores. Desse modo, configura-se um cenário que, de algummodo, lembra a perspectiva inicial do Governo Reagan — o supply sideeconomics —, reforçado com uma espécie de “keynesianismo de guerra”, ondenão apenas se prevêem gastos com defesa, como no fim dos anos 70, masestes significam, em parte, destruição em massa de obuses e outros objetos(Warde, 2003).

Os impactos de uma política como essa são bastante incertos. Pode-seaté esperar que, no curto prazo, os gastos públicos norte-americanos e a reduçãode impostos devam gerar efeitos positivos sobre o crescimento econômico, comuma possível retomada dos indicadores no segundo semestre deste ano e iníciode 2004, porém a sustentação disso a médio prazo também é questionada, emfunção dos problemas associados ao financiamento do déficit público norte--americano.

Na verdade, não existem muitas alternativas para isso, apesar de, no casodos EUA, existirem mais do que em outros países. Ou a política é revertida, ouseja, volta-se a arrecadar mais impostos e cortam-se mais gastos, ou passama ser necessárias alternativas de financiamento. Nessa segunda opção, duassão as possibilidades: a emissão monetária cobrindo a diferença ou a colocaçãode títulos. No primeiro caso, a vantagem de os EUA gerarem o ativo de liquidezinternacional permite uma maior flexibilidade para que esse tipo de financiamentose faça sem impactos inflacionários sensíveis. Porém existem limites para tal eestes se encontram na própria confiança dos mercados no dólar, a qual, nosúltimos meses, não é muito forte. Por outro lado, se o risco de inflação nos EUAestá descartado no curto prazo em função da debilidade de sua própria economia,o mesmo não se dará se os indicadores de crescimento efetivamente respon-derem, no curto prazo, à política fiscal expansionista. Sendo assim, esta podemuito bem vir acompanhada de uma perda mais significativa de valor da moedanorte-americana.

No segundo caso, o financiamento do déficit pelo mercado deve exigir acolocação de mais títulos por parte do Governo norte-americano, o que, imediata-mente, contra-arresta uma parte do pretenso potencial de recuperação do cresci-

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mento econômico pelo corte de impostos. O problema, nesse caso, é que, nomomento atual, os fluxos de capital não estão se dirigindo para os EUA, dificultan-do, assim, a colocação desses títulos; dessa maneira, a forma de reverter talsituação é elevar a taxa de juros significativamente, de modo a poder financiar odéficit público. Essa elevação, por um lado, atrairia capital para os EUA e poderia,inclusive, reverter a atual tendência de desvalorização da moeda norte-americana,inibiria um possível início de processo inflacionário, mas não seria positiva emtermos de recuperação do crescimento econômico dos EUA. Se nos fiarmos naprópria experiência do Governo Reagan, a mistura do chamado supply sideeconomics com gastos em defesa acarretou, naquela época, uma elevação dataxa de juros, que, por sua vez, trouxe conseqüências sobre o resto do mundoque ainda são sentidas em várias partes.

Assim, mesmo que a política macroeconômica norte-americana, combinadacom as implicações de gastos da Guerra, possa acarretar um efeito positivosobre o crescimento econômico dos EUA no curto prazo, este não parece sersustentável no médio prazo. Nesse prazo, além de entrarem em ação poderososefeitos microeconômicos já levantados, também a questão da sustentabilidadedo déficit público norte-americano deve ser levada em consideração.

2.3 - As negociações multilaterais

A forma como os EUA decidiram promover o ataque e a invasão ao Iraqueleva a uma outra questão importante: o papel dos organismos internacionais eas negociações econômicas multilaterais.

A postura norte-americana, nesse caso — passando por cima das resolu-ções do Conselho de Segurança da ONU —, coloca em evidência algo que já sedeixava antever há algum tempo: o fato de que, no novo contexto políticointernacional, o multilateralismo passou a desempenhar um papel acessório naestratégia dos EUA.4 No já referido texto encaminhado ao Congresso em setembrode 2002, transparece com clareza a idéia de que, para os EUA, não se faznecessária a busca de consensos para a tomada de decisões no cenário interna-cional quando estas envolvam seus interesses. O unilateralismo deixou de seruma opção em última instância e passou a ser a principal opção na sua estratégiainternacional. Nesse sentido, não parece fazer parte do centro das preocupaçõesdo Governo norte-americano a valorização das organizações de caráter global;

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4 Este parágrafo está fortemente baseado em Amorim (2003).

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justamente ao contrário, sua postura coloca em perigo a complexa estruturacriada desde o pós-guerra tanto em termos de paz e segurança internacionalcomo também daquelas organizações associadas mais diretamente às questõeseconômicas. Pois, se, do ponto de vista da política internacional, noções comosoberania, integridade territorial, legítima defesa e o papel do Conselho de Segu-rança foram colocadas em xeque, ao mesmo tempo, também a busca de acordosconsensuais em fóruns, como a OMC e o FMI, se mostrarão cada vez maisdifíceis.

Nesses fóruns acima citados, nos últimos anos vários acordos consensuaisforam alcançados às custas de negociações intensas e também por meio de“artimanhas lingüísticas” usadas com maestria para não se frustrarem as própriasnegociações. Se for bem verdade que as negociações nunca se mostraramfáceis nesses organismos, a posição atual dos EUA não as torna mais fáceis. Aprovável reação dos outros atores relevantes nesse contexto pode levar a umasituação de impasse completo, onde nem os recursos filológicos sejam capazesde dar alguma solução.

É provável, contudo, que a pressão internacional leve à diminuição do impulsounilateral dos EUA e que alguma preocupação por parte dos norte-americanospasse a existir no sentido de reconstruir o próprio Conselho de Segurança e aONU, além da OTAN e de outros organismos e fóruns internacionais. Do mesmomodo, os países que se alinharam em posição contrária à Guerra também devemprocurar solucionar o impasse criado. Porém tal reconstrução certamente sefará em bases diferentes daquelas que, de algum modo, foram concebidas emum mundo bipolar no pós-guerra. Em se mantendo a posição hegemônica ecoercitiva dos EUA, principalmente se esta tiver sustentação política interna,por mais que haja pressões internacionais, dificilmente se poderiam reconstruirorganismos multilaterais que, de alguma maneira, não reconhecessem a hegemo-nia norte-americana.

Do ponto de vista econômico, esse reposicionamento, como dissemos,não alivia as dificuldades das negociações então em curso, predizendo novospercalços como aqueles já provocados, por exemplo, pela não-corroboração doProtocolo de Kyoto por parte dos EUA. Ao mesmo tempo, outro elemento parecetambém perder força: a possibilidade de que as críticas à globalização pudessem,de alguma forma, se fazer valer em termos de reconstrução da ordem mundial,mesmo que somente de pequenas paredes da arquitetura econômica internacio-nal. A impressão que se tinha antes é que, em função não apenas das pressõesdo movimento antiglobalização, mas também da crescente clareza para ospróprios organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial etc.) de que os propaladosganhos da globalização não foram distribuídos de maneira eqüitativa, certosaspectos da ordem econômica mundial passariam a ser discutidos em fóruns

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relevantes e medidas efetivas poderiam começar a vir a ser tomadas nessesespaços. Desse modo, a necessidade, agora, de uma reconstrução de váriosdesses fóruns e o acirramento nas posições dificultam a entrada em cena dequestões que poderiam redirecionar possíveis ganhos de um mundo pretensa-mente globalizado.5

3 - Considerações finais

De um modo geral, as perspectivas aqui levantadas a partir da Guerra doIraque não são alvissareiras para o cenário econômico global. Diminuição daprodutividade em função de um mundo mais incerto, aumento dos custos detransação no mercado internacional, problemas com o financiamento da própriaGuerra, dentre outros, são alguns dos elementos aqui levantados que conferemuma perspectiva de médio prazo negativa, mesmo que, no curto prazo, possamexistir efeitos positivos.

O posicionamento do Brasil frente a esse cenário requer, é claro, enormescuidados. Olhando de uma perspectiva global, o cenário não parece claramentefavorável para o Brasil e para a América Latina. Porém, em toda situação, devem--se olhar possibilidades a serem exploradas, além dos riscos sobre os quais háque se tomar medidas preventivas. Desse ponto de vista, o cenário de crescimentointernacional não parece ser uma perspectiva significativa. Existe alguma possibili-dade de problemas relativamente graves nos fluxos de capitais para a AméricaLatina em função da possível necessidade de os EUA terem que financiarsignificativos déficits, e, para tal, um aumento dos juros norte-americanos não étotalmente uma carta fora do baralho.

Por outro lado, supondo que a idéia de terrorismo global não atinja da mes-ma maneira a América Latina como a outras regiões do mundo, podemos imagi-nar a exploração de algumas possibilidades. Do mesmo modo que sempre seantevê um redirecionamento do turismo para a América Latina em função de nãoexistir a possibilidade significativa de atentados terroristas, o redirecionamentode plantas produtivas e de investimentos nessa região poderia também ser

5 Cabe ressaltar, também, a provável dificuldade em relação à reconstrução dos organismosmultilaterais, se as várias previsões acerca do recrudescimento do fundamentalismo setornarem realidade. A aceitação por parte de países que aplicam a sharia desses organis-mos e da própria concepção ocidental que está na base dessas instituições tende a não seefetivar. Nesse sentido, não são boas as perspectivas de construção de um mundo maisharmonioso e equilibrado no futuro próximo.

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antevisto, mesmo porque os custos de transação e os gastos de prevençãopoderiam ser menores aqui do que em outras regiões.

Porém deve-se também olhar internamente, e, se é verdade que a questãoda segurança internacional é favorável ao Brasil, o que dizer da questão relativaà segurança interna? Até que ponto os elementos acima descritos relativos aum ambiente internacional inseguro não poderiam ser aplicados ao caso brasileiro,porém, sem se fazer referência ao terrorismo internacional, ao menos em suavertente fundamentalista? Pois, se, por um lado, aparentemente a América Latinase encontra livre dessa ameaça, por outro, é o território onde cresce um outrotipo de terrorismo, classificado como tal pelas autoridades norte-americanas: onarcotráfico.

A situação da Colômbia é paradigmática, e o País já sofre com a ingerênciados EUA no chamado Plano Colômbia. No Brasil, a escalada da violência urbana,associada aos desmandos do tráfico, que parecem ter entrado numa espiralcrescente no primeiro trimestre de 2003, também coloca o País numa posiçãodelicada quanto às questões de segurança. É claro que há uma grande diferençaentre as duas situações: em relação ao que estamos denominando “terrorismofundamentalista”, acusam-se, formalmente, Estados de serem patrocinadoresdessas ações, o que possibilitou, inclusive, a formulação e a aplicação da teoriado ataque preventivo. No segundo caso, que se aplica à América Latina, não sãoos Estados patrocinadores do terrorismo, mas, sim, reféns. No entanto, paraefeitos de investimentos internacionais, Estados reféns também são inseguros,o que nos coloca em posição delicada.

Outra possibilidade a ser explorada diz respeito ao unilateralismo norte--americano. Se, por um lado, é verdade que as negociações nos organismosinternacionais podem se complicar, por outro lado, a força dos EUA poderádepender, em futuro não muito distante, de uma América mais unida. Se,efetivamente, a ruptura do pacto europeu não se concretizar, pode ser necessárioaos EUA uma ampliação de seu mercado e da própria área de influência dodólar. Nesse sentido, as negociações com relação à ALCA podem mudar defigura ao realçar a importância de certos países latino-americanos, aumentandoseu poder de barganha. Nessa direção, o posicionamento do Governo brasileirono conflito parece ter sido bastante razoável em termos de aumentar o própriocacife para entrar numa negociação futura difícil justamente com a nação hege-mônica.

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Referências

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FAUSTO, Boris. Hegemonia: consenso e coerção. Política Externa, São Paulo:Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais Pol. Com. Da USP, v. 11, n. 3,p. 45-49, dez./fev., 2003.

LENAIN, Patrick; BONTURI, Marcos; KOEN, Vincent. The economic con-sequences of terrorism. [S.l : s.n.], 2002. July (OECD Economic DepartmentWorking Paper, n. 334).

MANDEL, Michael et al. Guerra afetará economia a médio prazo. Valor Eco-nômico, p. A-9, 7 abr., 2003.

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WARDE, Ibrahim. L’ordre américain, coûte que coûte. Le Monde Diplomatique,Paris: Centre D’Etudes Diplomatiques et Stratégiques, n. 589, p. 20-21, abr.,2003.

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A segunda Guerra do Golfoe as relações econômicas

internacionais

Roberto Camps Moraes Professor Titular da UFRGS

ResumoEste artigo apresenta informações e dados relevantes para uma análise doseventos que conduziram à recente Guerra do Iraque e dos impactos potenciaisda mesma sobre a conjuntura econômica mundial. Além disso, também co-menta, narra e analisa o contexto que envolveu o conflito, salientando as di-mensões econômicas e políticas nas relações internacionais.

Palavras-chaveGuerra do Iraque; recessões de Bush; economia mundial 2001-02.

AbstractThis article brings up data and information which are relevant for an analysis ofthe events related to the recent war in Iraq and its potential impacts over theworld economy. In addition to that, it makes comments, it narrates and analisesthe conflict´s background emphasizing the political and economical dimensionsin connection with international relations.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 30.04.03.

O objetivo do presente artigo é analisar os efeitos potenciais mais prová-veis da segunda Guerra do Golfo Pérsico. Para uma delimitação no tempo doconflito armado, o início do mesmo ocorreu no dia 20 de março de 2003, após a

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declaração da Ilha dos Açores, no dia 16 de março. Quanto ao término, pode-seconsiderar o dia 9 de abril, quando a estátua de Saddam Hussein foi derrubadaem Bagdá, evento televisionado ao vivo para todo o mundo, como uma datasimbólica que se candidata a ser a referência do final, embora alguns choquesarmados localizados continuassem e, possivelmente, continuem a aconteceresporadicamente.1 Usando-se essa referência, a Guerra teria durado 21 dias eseria a mais curta em que os EUA se envolveram. A primeira Guerra do Golfo,iniciada em 17 de janeiro de 1991, durou um mês e 10 dias e era a mais curtaaté então.

Quando analisada no contexto mais geral, a economia dessa guerra, ago-ra que ela foi encerrada, parece um evento menor, principalmente se comparar-mos alguns dos cenários abaixo esboçados com o que veio a acontecer. Mas aexpectativa que a precedeu teve um impacto considerável, especialmente quan-do somada aos demais fatores que são também considerados neste artigo.Além disso, muita incerteza ainda perdura quanto ao pós-guerra.

O contexto conjuntural da Guerra

Do ponto de vista da economia mundial, essa guerra ocorreu em um mo-mento singularmente dramático e, curiosamente, exibe um paralelismo engano-so com a primeira Guerra do Golfo. Tal como a última, essa guerra envolveu umpresidente Bush no terceiro ano do seu mandato contra o mesmo personagem,12 anos depois. Ambas aconteceram em meio a uma recessão da economianorte-americana. A primeira recessão teve o seu vale em março de 1991, en-quanto a mais recente teve um vale no terceiro trimestre de 2001, restandoainda a dúvida se ela produzirá um segundo vale. A exuberante popularidade deGeorge H. Bush durante a Guerra esvaiu-se no ano eleitoral de 1992, com ocrescimento da taxa de desemprego ao longo do mesmo, embora a economia jáestivesse em recuperação.2 O mesmo fenômeno ameaçará George W. Bushem 2004. Mas os anos 90 iniciaram em um clima global de fim da Guerra Fria e

1 Se quiséssemos ser mais rigorosos quanto à data final da Guerra, poderíamos acrescentarmais uma semana, no máximo, para incluir o cessar-fogo definitivo. Mais problemático édelimitar quando haverá uma situação de segurança completa, o que ainda não existe nemno Afeganistão. Quando este artigo estava sendo escrito, anunciava-se que W. Bush iriafazer uma declaração de final de combate no dia 1º de maio.

2 Um fato estilizado do political business cycle norte-americano é que, em ano eleitoral, se odesemprego aumenta, o partido que está no governo perde a eleição presidencial.

Roberto Camps Moraes

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de choque tecnológico positivo, com a informatização crescente das economiase o boom da alta tecnologia nos mercados financeiros e no comércio interna-cional. Em 2003, a conjuntura mundial exibe um clima diametralmente oposto.Após o período mais longo de prosperidade ininterrupta da economia norte-ame-ricana — de março de 1991 a março de 2001 —, a explosão da “bolha” domercado de ações, o ataque às torres gêmeas de 11 de setembro de 2001, oescândalo da contabilidade das S/As iniciado com a Enron e a epidemia dapneumonia asiática convergiram numa sucessão de choques negativos, quetornou a recuperação econômica norte-americana, induzida pelos instrumentosfiscais e monetários, uma tarefa extremamente difícil. Além disso, os outrospilares da economia mundial encontram-se ciclicamente sincronizados na bai-xa. O Japão, particularmente, encontra-se em um estado de estagnação desde1990, experimentando uma das mais longas deflações da História — desdefevereiro de 1999, as taxas mensais de inflação têm sido negativas, com rarasexceções, atingindo uma taxa média de -0,85% ao ano nesses 36 meses. Ataxa de desemprego (5,5% em janeiro de 2003) está dramaticamente acima dopadrão histórico japonês, abaixo de 3% até 1995. As economias integradas daUnião Européia exibem taxas crescentes de desemprego e uma fortedesaceleração.

O Gráfico 1 mostra uma comparação entre as duas últimas recessõesnorte-americanas através das taxas de desemprego e de juro básico (FederalFunds rate). Os níveis de ambas as taxas são menores no período mais recen-te, refletindo a pronunciada queda do desemprego e da inflação ao longo dadécada de 90. Mas o que é mais relevante é o pouco espaço remanescente parao uso de uma política monetária expansionista em 2003, dado que a taxa dejuros se encontra perigosamente perto de 0% (1,23% ao ano). A taxa de jurosreal já se encontra negativa desde outubro de 2002.

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O Gráfico 2 mostra dados anuais para o déficit federal norte-americanocomo percentual do PIB e a taxa de juro básico em termos reais (Federal Fundsdescontada a inflação dos preços ao consumidor). Ele mostra o contraste entreo panorama fiscal da década de 80 — desinflação com juro real alto e a expan-são fiscal de Reagan — e o da década de 90 — redução do déficit promovida porClinton, o bônus do fim da Guerra Fria que acompanhou a prosperidade prolon-gada. É interessante notar que as duas administrações republicanas recentesda família Bush reverteram uma trajetória de crescente responsabilidade fiscal,ambas marcadas pelas Guerras do Golfo. Os quatro anos de superávit fiscalobtidos entre 1998 e 2001 foram rapidamente desfeitos por W. Bush com umacombinação de redução de tributos e aumentos de gastos, estes últimos asso-ciados à luta contra o terrorismo e às Guerras do Afeganistão e do Iraque. Asprojeções de déficits para os próximos anos apontam um aumento pronunciadodos mesmos. Esse fato também é relevante para indicar, na área fiscal, o redu-zido espaço remanescente para uma política expansionista.

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Os custos estimados da Guerra3

Antes da Guerra, as projeções sobre os seus custos eram baseadas emcenários alternativos, que variavam conforme a sua duração, o grau de resistên-cia iraquiana, o grau de destruição da infra-estrutura no Iraque, o número debaixas civis e militares, o potencial de um conflito não convencional e o grau deseu transbordamento além do Iraque, o tipo de desfecho e a extensão do perío-do da presença militar norte-americana no pós-guerra, além, naturalmente, doseu impacto sobre a produção e os preços do petróleo. O estudo mais citado éo do Professor William Nordhaus, de Yale, disponível emwww.econ.yale.edu/~nordhaus/iraq.html. Uma versão abreviada do mesmo foipublicada no New York Review of Books (Nordhaus, 2002).

3 Os custos da segunda Guerra do Golfo obviamente também incluem as mortes e os feridosde ambos os lados. No entanto, nos estudos que serão referidos a seguir, esses custos nãoestão incluídos, devido às dificuldades de estimá-los. Até o presente, as estimativas maisconfiáveis são de menos de 100 baixas no lado anglo-americano. Quanto aos iraquianos,provavelmente pelo menos mais de 3.000 mortos serão computados, o que só saberemosaproximadamente e depois de muito tempo.

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Nordhaus (2002) parte de cenários propostos em estudos anteriores aoseu — Cordesman (2002), O‘Hanlon (2002), House Budget Committee (2002) eCongressional Budget Office (CBO) (2002) — e que estimaram os custos dedeslocamento, instalação e manutenção de tropas baseados nas experiênciasrecentes da primeira Guerra do Golfo, da Bósnia e de Kosovo, dentre outras.Dois cenários básicos foram considerados em House Budget Committee (2002):Vitória Rápida e Conflito Prolongado. No primeiro, haveria a capitulação e acaptura dos comandos dirigentes do regime iraquiano, após um período quelevaria entre 30 e 60 dias de combates aéreos e terrestres. Não ocorreriamsaques e descontrole da população no pós-guerra, que demandaria em torno dedois meses e meio de presença de tropas norte-americanas. No segundo cená-rio, uma série de eventos poderiam ocorrer, como luta urbana prolongada, efeitonegativo nos preços do petróleo, envolvimento de Israel no conflito, ataquesterroristas no mundo, uso de armas de destruição em massa, altos custos deassistência humanitária, ocupação militar e preservação da paz e reconstruçãonacional e institucional. Tanto os estudos do staff do Partido Democrata —House Budget Committee (2002) — como o do CBO — Congressional BudgetOffice (2002) — estimaram os custos diretos no cenário Vitória Rápida, masnão o fizeram para o cenário alternativo. Nordhaus (2002) estimou para ambos.Esses resultados estão na Tabela 1.

Tabela 1

Estimativas das despesas militares diretas da Guerra do Iraque segundo os cenários alternativos — 2002

ESTUDOS VITÓRIA RÁPIDA (US$ bilhões)

CONFLITO PROLONGADO (US$ bilhões)

% do PIB

House Budget Committee …. 48-60 - 0,450-0,566 Congressional Budget Office 44 - 0,415 Nordhaus ……………………. 50 140 0,470-1,320

FONTE: NORDHAUS, William. The economic consequences of the war. The New York Review of Books, [S.l.: s.n], 5 dec. 2002. NOTA: US$ de 2002.

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Sobre os números da Tabela 1, é preciso dizer que eles apenas incluem asdespesas militares diretas. Segundo o Pentágono, até 16 de abril de 2003, jáhaviam sido gastos US$ 20 bilhões com toda a operação, estimando que, atésetembro deste ano, mais US$ 10 bilhões seriam gastos. O trabalho de Nordhaus(2002) também estima os custos pós-guerra, que seriam distribuídos ao longode 10 anos (2003-12), sob os dois cenários alternativos. A discriminação dessescustos está na Tabela 2.

Tabela 2

Estimativas da distribuição dos custos do pós-Guerra do Iraque segundo os cenários alternativos — 2003-12

% DO PIB DISTRIBUIÇÃO DOS CUSTOS

VITÓRIA RÁPIDA

(US$ bilhões)

CONFLITO PROLONGADO

(US$ bilhões) Vitória Rápida

Conflito Prolongado

Ocupação e manutenção da paz ........................................... 75 500 0,710 4,720 Reconstrução nacional ............. 25 100 0,230 0,940 Assistência humanitária ........... 1 10 0,009 0,094 Impacto sobre o petróleo .......... -30 500 -0,280 4,720 Impacto macroeconômico ........ 0 345 0,000 3,250 TOTAL (excluindo despesas militares) ................................... 71 1 455 0,670 13,740 TOTAL (incluindo despesas militares) ................................... 121 1 595 1,140 15,100

FONTE: NORDHAUS, William. The economic consequences of the war. The New York Review of Books, [S.l.: s.n], 5 dec. 2002. NOTA: US$ de 2002.

O número negativo representa benefícios advindos da redução do preço dopetróleo e da estabilização da sua produção no período. O preço do petróleobruto (Brent do Mar do Norte), que havia chegado a US$ 35,00 por barril em 28de fevereiro de 2003, antes da Guerra, sofreu uma queda acentuada, atingindoUS$ 25,73 por barril em meados de abril, no mercado spot, com o mercadofuturo apontando para uma queda adicional. Se olharmos para os números dasTabelas 1 e 2 e os cotejarmos com as informações recebidas em abril de 2003,poderemos dizer que, por enquanto, o cenário favorável tem predominado. Aduração do conflito armado propriamente dito foi inferior ao limite mais baixo dointervalo de previsão do cenário Vitória Rápida. Os gastos realizados e previstosficaram abaixo das previsões otimistas também. O impacto sobre os preços do

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petróleo tem sido positivo. Os mercados financeiros têm reagido muito positiva-mente — o índice Dow Jones das blue chips exibiu uma média de fechamentoem fevereiro, antes da Guerra, de 7.916,18 (7,3% abaixo da média de fechamen-to de janeiro), passando essa média para 7.977,18 em março e para 8.306,63até o dia 24 para o mês de abril. Tudo isso, no entanto, pode mudar muitorapidamente para melhor ou para pior, à medida que o tempo passe e que asconseqüências políticas sobre a região e o mundo se façam sentir.

Segundo Carstens (2002), o Plano Marshall envolveu despesas de US$13,3 bilhões ao longo de quatro anos, equivalendo a 4,5% do PIB de 1950. Emtermos de 2002, esse percentual equivaleria a US$ 476,38 bilhões. Olhandopara a Tabela 2, esse número fica muito acima do cenário favorável e muito maisabaixo do cenário desfavorável. É lícito supor que, sob este último cenário aeconomia norte-americana não estaria disposta a — ou não teria como — su-portar esse custo. Em dólares de 2002, o custo total da Guerra do Golfo em1991 foi de US$ 80 bilhões (0,75% do PIB), pagos por vários países. O custototal da guerra no Afeganistão, até setembro de 2002, foi de US$ 13 bilhões,pagos pelos EUA. Nordhaus (2002) é bastante cético quanto à capacidade dosEUA de sustentarem um fluxo de gastos permanente ao longo do tempo de umaordem de magnitude que seja realisticamente suficiente para a reconstrução doIraque. Uma das questões pendentes é constituída pelos US$ 300 bilhões decréditos externos desde 1991 — devidos especialmente à França, à Rússia e àAlemanha — associados a investimentos contratados já realizados e por reali-zar na recuperação da capacidade produtiva de petróleo. Essa questão foi im-portante nas diferentes atitudes que os países tiveram tanto nas pressões econtrapressões pelo relaxamento das condições impostas pela ONU desde 1991como no debate do Conselho de Segurança antes da Guerra. Certamente, elavoltará a estar presente na determinação do papel da ONU na reconstrução doIraque. De um lado, os EUA e a Grã-Bretanha necessitam parcerias para parti-lharem os ônus dessa tarefa. Por outro lado, esses dois países, que sofreramos custos econômicos e políticos de uma guerra altamente reprovada no restodo mundo — e cuja reprovação foi mais profunda devido às atitudes dos Gover-nos francês, alemão e russo —, não desejam premiar as economias dessespaíses. Voltaremos a essa questão adiante.

O petróleo e a Guerra

O petróleo sempre está presente quando guerras acontecem no OrienteMédio. Uma das explicações mais freqüentes que se encontram sobre as duasGuerras do Golfo é que ambas nada mais são do que uma simples briga pelo

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controle do petróleo da região. Certamente, o petróleo é importante, mas muitomais do que isso está envolvido. A Tabela 3 mostra as reservas provadas depetróleo em 2001. Como pode ser observado, o Iraque possui a segunda maiorreserva, com 10,7% do total mundial. O Kwait possui a terceira ou a quartaposição nesse ranking, com 9,2%. Quando Saddam Hussein invadiu o Kwaitem 1990, ele passou a, potencialmente, controlar um quinto das reservas mun-diais de petróleo. Naquele momento, ele achava que essa conquista seria digeridapelos países ocidentais, pois ele acabara de ser um aliado encoberto dessesmesmos países na longa guerra que havia sido recém-encerrada e que ele mes-mo iniciara contra a república islâmica do Irã. No seu cálculo, entre uma teocraciaardentemente antiocidental e um regime militar autoritário nacionalista, os paí-ses ocidentais optariam por uma acomodação a uma parceria com este último,visando à preservação do abastecimento regular e estável de petróleo.

Se os fatores envolvidos nos conflitos da região fossem redutíveis ao petró-leo, o seu cálculo teria sido bem feito. O problema é que o Muro de Berlim haviacaído no final de 1989, e o conflito entre árabes e judeus continuava a existir.Sendo assim, apesar das ofertas feitas por Saddam de preservação dos fluxosde petróleo aos países ocidentais, o primeiro Presidente Bush conseguiu formaruma aliança extremamente ampla para desalojar Saddam do Kwait, em nomede uma “nova ordem mundial” liderada pelos EUA.

Em 1991, o Japão, que encerrava um longo período de alto crescimento ese constituía na estrela econômica mundial, importava 15,2% do petróleo inter-nacionalmente comercializado no mundo, conforme a Tabela 4 mostra, e, dessepetróleo, 90% provinham do Oriente Médio. Ainda em 2001, conforme a Tabela 5mostra, 81,2% continuam vindo do Oriente Médio. Essa dependência do petró-leo do Oriente Médio também continua enorme, especialmente na Europa (73,9%)e na Ásia. Dos países norte-americanos, o que mais depende do petróleo árabesão os EUA (24%), enquanto a dependência sul e centro-americana é inferior a22%.

Devido à importância do Oriente Médio como abastecedor de petróleomundial — um fato que já havia ficado evidente por ocasião dos dois choques dopetróleo da década de 70 — e ao controle que o Iraque passaria a deter, confor-me acima mencionado, grande parte dos países consumidores aceitaram a par-ticipação direta ou indireta na expulsão de Saddam do Kwait. Além do mais, osvizinhos árabes, sentindo-se diretamente ameaçados pelo expansionismoiraquiano, também participaram. Novamente, se a questão fosse exclusivamen-te petróleo, por que os EUA decidiram parar no meio do caminho em 1991,evitando chegar a Bagdá e, em vez disso, estabelecer uma situação de conten-ção com áreas de exclusão aérea ao sul e ao norte e preservando o regime de

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Saddam? Por várias razões estratégicas, diplomáticas e políticas. O fato é queos eventos que se sucederam ao longo dos 12 anos do pós-guerra alteraramradicalmente a situação no Oriente Médio.

Tabela 3

Percentual do total mundial de reservas provadas, produção e consumo de petróleo em países e regiões selecionados — 2001

PAÍSES E REGIÕES RESERVAS PROVADAS PRODUÇÃO CONSUMO

Arábia Saudita ............................. 24,9 11,8 1,8 Iraque .......................................... 10,7 3,3 - Emirados Árabes ......................... 9,3 3,3 0,4 Kwait ............................................ 9,2 2,9 0,3 Irã ................................................ 8,5 5,1 1,5 Venezuela .................................... 7,4 4,9 0,6 Federação Russa ........................ 4,6 9,7 3,5 EUA ............................................. 2,9 9,8 25,5 Líbia ............................................. 2,8 1,9 - México ......................................... 2,6 4,9 2,4 China ........................................... 2,3 4,6 6,6 Nigéria ......................................... 2,3 2,9 - Total dos 12 com maiores reservas ...................................... 87,5 65,0 42,6 Japão ........................................... - - 7,0 Alemanha ..................................... - - 3,7 França .......................................... - - 2,7 Grã-Bretanha ............................... 0,5 3,3 2,2 Total da Europa (exceção da ex- -URSS e da ex-Iugoslávia) .......... 7,8 9,0 21,7 Argentina ..................................... 0,3 1,1 0,5 Brasil ............................................ 0,8 1,9 2,4

FONTE: British Petroleum.

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Tabela 4

Percentual dos totais mundiais das exportações e das importações de petróleo — 1991 e 2001

DISCRIMINAÇÃO 1991 2001 CRESCIMENTO (a.a.)

Países e regiões importadoras

EUA .............................................. 24,1 26,6 4,1

Europa ......................................... 31,4 26,3 1,3

Japão ........................................... 15,2 11,9 0,5

Resto do mundo ........................... 29,2 35,2 5,0

Total do mundo (milhares de barris/dia) ..................................... 32 338 43 754 3,1

Países e regiões exportadoras

EUA .............................................. 3,1 2,1 -0,9

Canadá ........................................ 3,4 4,1 5,0

México .......................................... 4,5 4,3 2,5

Américas Central e do Sul ............ 6,0 7,2 4,9

Europa ......................................... 3,9 4,4 4,6

Ex-URSS ...................................... 5,8 10,7 9,7

Oriente Médio .............................. 42,8 43,6 3,3

Norte da África ............................. 8,6 6,2 -0,2

África Ocidental ............................ 7,7 7,3 2,4

Ásia no Pacífico ........................... 7,0 6,6 2,5

Resto do mundo ........................... 11,1 3,5 -8,3

FONTE: British Petroleum.

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Tabela 5

Matriz de fluxos internacionais de petróleo segundo a origem e o destino — 2001

DESTINO

ORIGEM EUA Cana-

dá México Américas Central e

do Sul Europa África

EUA ......................................... - 11,1 75,6 14,5 1,9 0,4 Canadá ................................... 15,3 - - 0,4 0,1 - México ..................................... 12,3 2,3 - 16,9 1,7 0,4 Américas Central e do Sul ...... 22,0 10,6 9,4 - 2,4 1,1 Europa..................................... 8,1 50,9 1,9 4,1 - 12,8 Ex-URSS ................................. 0,7 - - 13,1 31,8 0,9 Oriente Médio ......................... 24,0 12,7 6,9 21,7 30,9 73,9 Norte da África ........................ 2,4 6,3 5,0 7,9 17,0 7,0 África Ocidental ....................... 11,9 1,8 - 20,8 6,1 2,7 Sul e Leste da África ............... - - - - - - Australásia .............................. 0,4 - - - - - China ...................................... 0,2 - - 0,5 0,0 - Japão ...................................... 0,1 - - - 0,0 0,4 Outros países asiáticos do Pa-cífico ....................................... 1,6 0,3 1,3 - 0,4 0,5 TOTAL (milhões de toneladas) 573,7 56,8 16,0 54,3 569,9 55,5

DESTINO

ORIGEM Austra- lásia China Japão

Outros Países

Asiáticos do

Pacífico

Resto do

Mundo

TOTAL (milhões

de toneladas)

EUA ........................................ 0,9 0,3 0,2 0,9 6,3 43,6 Canadá ................................... - - - 0,1 - 88,9 México .................................... - - 0,4 0,2 1,4 93,6 Américas Central e do Sul ...... - 0,3 0,2 1,3 - 154,5 Europa..................................... - 1,2 0,0 1,2 - 95,3 Ex-URSS ................................ - 6,0 0,3 2,1 16,3 230,1 Oriente Médio ......................... 29,8 38,7 81,2 74,9 17,7 946,6 Norte da África ........................ - 0,3 0,2 1,6 22,7 134,2 África Ocidental ...................... - 4,3 0,3 8,7 - 158,3 Sul e Leste da África ............... - 5,7 0,5 0,2 - 7,3 Australásia .............................. - 1,1 1,5 3,3 - 21,2 China ...................................... 0,9 - 1,6 2,0 - 14,5 Japão .................................... 0,6 1,2 - 0,6 - 4,5 Outros países asiáticos do Pa-cífico ....................................... 63,6 30,8 13,3 2,6 5,7 104,8 TOTAL (milhões de toneladas) 30,5 88,3 257,2 423,0 14,1 2 159,3 FONTE: British Petroleum. NOTA: Percentual por origem.

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Os antecedentes da Guerra

No curto prazo, a neutralização da ameaça militar do Iraque na região, em1991 — o programa nuclear iraquiano foi exposto, o uso de armas químicascontra os curdos foi conhecido, foram estabelecidos regimes de inspeção dearmas e de troca de petróleo por alimentos supervisionados pela ONU —, foiseguida de um novo calendário para a paz no Oriente Médio, derivado dos acor-dos de Oslo. A gradual implementação desse calendário trouxe um período deotimismo na região — o crescimento da renda per capita em parte das regiõesocupadas por Israel, Margem Ocidental do rio Jordão e Gaza, atingiu 3,79% aoano, no período 1991-98, enquanto, em Israel, essa taxa foi 1,98%, inferior à dasdécadas passadas, conforme Maddison (2001) — e de crescimento econômico.A educação média dos palestinos aumentou muito nesse período.

Infelizmente, vários fenômenos contribuíram para a interrupção desse pro-cesso. Em primeiro lugar, o crescimento do terrorismo internacional, impulsio-nado pela formação de organizações como a Al Qaeda, que passaram a atrairjovens muçulmanos sem perspectivas e frustrados com a presença militar dosEUA nos países árabes como decorrência da primeira Guerra do Golfo, com oseventos da Bósnia, da Chechênia e o estado geral de pobreza e marginalidadede grande parte das comunidades islâmicas no mundo. O estado de anomiaque se seguiu à saída dos russos do Afeganistão gerou o controle talibã doPaís. Fenômenos parecidos aconteceram na Somália e em outros países afri-canos. Um novo ativismo internacionalizado do fundamentalismo muçulmanocresceu ao longo da década de 90, atingindo os mais de um bilhão de muçulma-nos espalhados pelo mundo. Partidos e organizações muçulmanas surgiram efortaleceram-se em países como França, EUA, Grã-Bretanha e Alemanha. Aslideranças muçulmanas locais moderadas sofreram uma crescente competiçãodo elemento radical, sendo, muitas vezes, sobrepujadas por ele.

Um dos elementos unificadores de todos esses movimentos é a causapalestina, invocada por Bin Laden no atentado de 11 de setembro de 2001 e porSaddam na primeira Guerra do Golfo em 1991, ao lançar mísseis Scuds sobreIsrael. O lançamento da segunda intifada em setembro de 2000 foi uma decisãoque encerrou definitivamente as esperanças de paz remanescentes para a con-tinuidade dos acordos de Oslo. Em Camp David, no final da presidência deClinton, os palestinos rejeitaram uma proposta que os israelenses e os norte-americanos consideravam irrecusável. A vitória de Sharon nas eleições israelen-ses reafirmou o fim do clima necessário para a continuidade das negociações.

Enquanto isso tudo acontecia, Saddam havia expulsado os inspetores daONU em 1998 e continuava a pressionar pelo fim das sanções ao Iraque, con-tando com a simpatia crescente de alguns países europeus, interessados nos

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contratos milionários para a exploração do petróleo. Com uma retórica semprelembrando a causa palestina, ele passou a indenizar as famílias dos suicidasque praticavam os seus atentados em Israel na segunda intifada. A sua imagemcomo único governante árabe a enfrentar Israel e os EUA ampliou-se, associadaao crescente antiamericanismo, derivado da intensificação do conflito judeu--árabe e da rivalidade entre a União Européia e os EUA.

Quando o segundo Presidente Bush assumiu em janeiro de 2001, os seusprincipais assessores de política externa já haviam escolhido como uma dasprioridades a “mudança de regime” em Bagdá. Para tanto, foram iniciados e/ouretomados vários contatos com membros da oposição iraquiana. A nova estraté-gia norte-americana — idealizada pelos agora chamados de neo-conservado-res, Richard Perle, Paul Wolfowitz e Donald Rumsfeld — partia do pressupostode que qualquer nova iniciativa de paz no Oriente Médio, no ambiente lá existen-te no início de 2001, nasceria morta, devido à equação de forças em vigor. Se-gundo eles, os sistemas políticos nacionais autocráticos do mundo árabe ti-nham uma dinâmica necessariamente disfuncional para a paz. A única maneiraviável seria alterar essa situação, fazendo surgirem regimes mais democráticosna região. Portanto, a solução do Iraque ajudaria a solução do Oriente Médio.Uma forte iniciativa norte-americana bem-sucedida alteraria a relação de forçasem favor da paz.

As torres gêmeas e os seus impactos

Quando o atentado das torres gêmeas ocorreu,4 o mundo mudou de repen-te, especialmente para os norte-americanos. Todas as regras até então vigentesforam tornadas obsoletas instantaneamente. Novas regras — de convivência, detransporte, de comércio, de imigração, de arquitetura e engenharia, etc. — pre-cisariam ser criadas, passando pelo filtro da segurança contra kamikazes mu-çulmanos. Todos os sistemas de segurança até então em vigência partiam dopressuposto de que o possível terrorista procuraria salvar a sua vida após o

4 Esse atentado foi apenas a segunda vez na História em que forças estrangeiras atacaramfisicamente o território norte-americano, a primeira tendo sido Pearl Harbor, no Hawaí, noataque realizado pelos japoneses em 1942. Foi, portanto, a primeira vez que o territóriocontinental-americano foi efetivamente atacado. A reação ao primeiro foi finalizada com ouso de duas bombas atômicas. A crise dos mísseis nucleares em Cuba, em 1962, foiprovocada pela ameaça de ataque nuclear ao território norte-americano. Não sabemoscomo esta vai terminar, mas, certamente, não será pela invasão do Iraque.

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atentado. Só Israel conhecia o cotidiano desse novo mundo. O próprio Bin Ladengabou-se disso, alegando ter levado o horror do Oriente Médio à América.

A hiperpotência — como os franceses gostam de chamá-la — havia sidodesafiada. Não por um Estado nacional ou qualquer “eixo” de Estados nacio-nais, mas por um inimigo invisível, potencialmente presente na sua vizinhança,disperso pelo mundo, com uma aparência ocidental inofensiva, mas com umadeterminação e um ódio interior focados em infringir o maior número de mortospossível na sua ação suicida.

Em qualquer circunstância histórica, a primeira vítima do terrorismo é aliberdade em geral. As regras de segurança sobrepõem-se a tudo. Os direitosindividuais são reduzidos. E isso, sem dúvida, passou a acontecer com a legis-lação e as ações repressivas desencadeadas depois do 11 de setembro de2001. No plano econômico, o impacto foi brutal. Os vôos comerciais foramsuspensos por vários dias e alguns aeroportos nunca voltaram a ter um tráfegocomparável ao de antes.5 A aviação comercial no mundo inteiro, que já se en-contrava em crise devido à recessão, aprofundou o seu problema, sendo rarasas companhias aéreas, hoje, que não estejam à beira da falência e pedindosocorro financeiro aos seus governos. O turismo internacional também foi grave-mente ferido. Em compensação, os fluxos de turismo doméstico por via terres-tre foram reativados.

Segundo dados da OMC, mostrados nos Gráficos 3 e 4, as quedas ocorri-das no comércio internacional em 2001 foram as maiores dos últimos 20 anos.O Gráfico 3 mostra que as quedas na produção e nas exportações mundiais demercadorias, nesse ano, foram de 0,78% e de 4,37% respectivamente. Dentrodo G-7, como mostra o Gráfico 4, o mais afetado foi o Japão, e o que menossofreu, a Itália. O caso dos países do Mercosul, também mostrado no Gráfico 4,apresenta a particularidade de que eles já se encontravam numa crise de co-mércio desde 1999, devido à desvalorização do real. Mesmo assim, as quedasforam mais pronunciadas do que as verificadas nos anos anteriores, inclusivepara o Brasil, em plena trajetória de ajuste externo.

5 Calcula-se que, desde aquela data, 3.000 aeronaves, nos EUA, foram postas fora de açãopor motivos econômicos. A frota estimada de aeronaves no mundo inteiro, segundo estudoda Boeing, era de 15.271 unidades, esperando-se que ela crescesse para 32.495 unidadesem 2021.

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É difícil exagerar o impacto do atentado às torres gêmeas sobre a econo-mia mundial. Não só os seus efeitos diretos sobre os fluxos internacionais demercadorias, serviços e capitais devem ser computados, mas também os efei-tos permanentes sobre os custos de transação em geral precisam ser levadosem consideração. Na verdade, estes devem ter sido muito superiores aos possí-veis efeitos derivados da introdução hipotética de um imposto de Tobin6, propos-to pelos críticos da globalização. Isto porque o atentado atingiu o coração daglobalização de uma forma muito mais poderosa que um acordo internacionalpacífico o teria na forma de um novo tributo.

O impacto econômico da Guerra

O impacto macroeconômico potencial da Guerra pode ser analisado emdois aspectos relevantes. O mais importante seria o tipo de choque que elapoderia causar no mercado internacional do petróleo. Embora o Iraque seja asegunda reserva conhecida de petróleo, a sua produção recente equivalia a ape-nas 3,3% da oferta mundial, conforme pode ser observado na Tabela 3. Essebaixo nível é devido aos efeitos das guerras e da falta de investimento no setor.Além disso, segundo as restrições impostas pela ONU desde 1991, a maiorparte de sua produção estava sob controle do programa Petróleo por Alimentos.Uma interrupção da produção iraquiana seria facilmente compensada por umaumento na oferta dos demais produtores. Em particular, a Arábia Saudita, omaior produtor e detentor das maiores reservas, já havia anunciado o seu com-promisso de estabilizar a oferta mundial durante o conflito. Os maiores perigospotenciais nessa área residiam na possibilidade de Saddam (a) incapacitar ospoços iraquianos através do mesmo recurso que usou nos poços do Kwait em1991, quando incendiou os mesmos, causando uma catástrofe ambiental eeconômica, e (b) fazer o mesmo, através do uso de mísseis, em poços daArábia Saudita e de outros produtores vizinhos. Também havia a possibilidadede, dependendo do desdobramento da Guerra, ocorrer um boicote árabe atravésdo petróleo, tal como aconteceu em 1974. Segundo Perry (2001), um cenáriocomposto pela ocorrência desses três elementos poderia implicar um aumento

6 O chamado Tobin tax foi uma proposta de James Tobin feita há muito tempo, com o propósitode “colocar areia” na mobilidade internacional do capital, a fim de reduzir a volatilidade dasflutuações cambiais. Recentemente, essa proposta foi apropriada por alguns movimentosradicais antiglobalização, com os quais Tobin declarou publicamente que não concorda.

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no preço do petróleo para US$ 75,00 por barril, com conseqüências parecidascom as dos choques da década de 70. O pico do preço do petróleo bruto nopassado foi de US$ 52,50 (em dólares de 1996) por barril em 1981, após o inícioda guerra entre Irã e Iraque. Esse valor, em dólares de 2002, equivaleria a US$60,10. A média histórica do preço no período 1947-98, em dólares de 2002, seriaem torno de US$ 22,00 por barril.

Mas o cenário acima descrito seria o pior de todos. Sabemos, agora, queapenas alguns poços foram incendiados no próprio Iraque, e a interrupção daprodução iraquiana foi muito breve. Na verdade, na maioria dos cenários pré--guerra, devido à pequena produção iraquiana e à firme disposição anunciada daOPEP e dos demais países produtores de manterem a estabilidade da oferta,os impactos previsíveis eram mínimos.7

Um outro aspecto dos impactos macroeconômicos possíveis é constituídopelos efeitos da Guerra sobre a demanda agregada. Nesse caso, se, de umlado, um aumento de gastos militares pode provocar um efeito expansionista decurto prazo, como foram os casos da Segunda Guerra Mundial e da Guerra daCoréia, por outro lado, uma deterioração fiscal pode comprometer o desempe-nho futuro da economia, através de um aumento permanente da taxa de juros.No caso da primeira Guerra do Golfo, como pode ser observado nos Gráficos 1e 2, a recessão praticamente começou com a guerra. Nesse caso, a economiaacha-se saindo de uma recessão, no meio de uma recuperação que perde fôle-go e sendo sujeita a uma sucessão de choques negativos. Uma das esperan-ças dos analistas otimistas com a guerra era a de que uma rápida solução doconflito dissiparia muito das incertezas que predominavam antes da mesma,paralisando os investimentos, e produziria uma retomada destes últimos. A re-construção do Iraque atrairia muitos investimentos, e os possíveis efeitosestabilizadores na região gerariam um clima otimista.

O comportamento das Bolsas de Valores ao longo destes últimos mesesparece corroborar essa visão otimista. Enquanto houve a expectativa de guerrae a realização da mesma, os seus desdobramentos comandaram as flutuaçõesdiárias dos índices, sendo perceptível que, quando se tornou clara a irreversibilidadedo conflito, os índices reagiram positivamente. Uma vez encerrada a etapa mili-tar, no entanto, as flutuações dos índices voltaram a refletir as informaçõeseconômicas normais. O Gráfico 5 mostra o comportamento do índice das blue

7 Depois das experiências da década de 70 e dos períodos posteriores, uma regra que osprodutores tentam manter é que o preço do barril se situe numa faixa entre US$ 20 e US$ 30.

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chips norte-americanas para médias mensais de fechamento. Ele permitevisualizar o tamanho da queda provocada pela explosão da “bolha” a partir de2000, além dos impactos causados pelo atentado às torres gêmeas — setem-bro de 2001 — e pelo início da perspectiva de guerra no Iraque e aumento daincerteza — setembro de 2002.

No atual momento conjuntural — fim de abril de 2003 —, pode-se afirmarque (a) os piores cenários de antes da Guerra foram dissipados pela rapidez davitória militar e pelo impacto quase insignificante sobre os preços do petróleo,mas que (b) resta ainda saber como vão se desdobrar a reconstrução do Iraquee as relações entre os EUA e os países europeus que se opuseram à Guerra,assim como as repercussões políticas no Oriente Médio. Um período aproxima-do de seis meses talvez esclareça essas questões. Isso implica que muitaincerteza ainda perdurará no curto prazo.

A Guerra e as relações internacionais

Todo esse quadro analisado ocorreu em um período pós-Guerra Fria, emque os fundamentos das relações internacionais estão se alterando. De um

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mundo bipolar, estamos ingressando em um mundo multipolar ou unipolar? Queclivagens predominarão nos alinhamentos dos países aos blocos e que blocossurgirão? Haverá um confronto de civilizações, como sugere Samuel P. Huntington(1996)? Todas estas são questões relevantes a que o tempo responderá. Masalgumas tendências já podemos visualizar. Certamente, o perigo de uma divisãoentre muçulmanos e ocidentais encontra-se bem palpável na guerra contra oterrorismo e nos discursos fundamentalistas de ambos os lados.8 Mas tambémuma divisão no bloco ocidental ficou clara nos eventos recentes envolvendo aGuerra do Iraque. E essa divisão não surgiu por acaso; ela foi o prolongamentológico de uma rivalidade crescente entre a União Européia e os Estados Uni-dos.9 Antes dessa divisão, as escaramuças de uma guerra comercial entre ambosjá emergiram ao longo da década de 90, através de inúmeras pendências queforam parar na OMC. Além disso, as discordâncias entre ambos sobre o Proto-colo de Kioto e a Corte Internacional Criminal aguçaram-se desde que W. Bushassumiu, sendo esse presidente norte-americano tão popular na Europa de hojequanto Johnson o era na China da revolução cultural.

Essa cisão no bloco ocidental será posta à prova agora no modo pelo qualos EUA e a ONU se organizarão no esforço de reconstrução do Iraque. Umimpasse não resolvido nessa questão terá conseqüências graves, aprofundandoa divisão e acentuando os boicotes recíprocos ao consumo de produtos norte--americanos na Europa e de produtos europeus no mercado norte-americano.Rodadas sucessivas de retaliações comerciais teriam efeitos parecidos com osda época da grande depressão de 1929-33, quando a contração do comérciointernacional provocada pelo aumento das barreiras tarifárias e das desvaloriza-ções agressivas magnificou e multiplicou os choques negativos. Nesse cenário,as implicações políticas no Oriente Médio seriam, provavelmente, as piores pos-síveis.

O cenário extremo oposto — uma intervenção inteligente, eficaz e legítimasob os auspícios conjuntos da ONU e dos anglo-americanos em harmoniaoperacional e em parceria econômica — poderia gerar poderosas forças de de-

8 Bin Laden usa o termo “cruzados” para se referir aos seus inimigos, e o próprio W. Bushusou o termo “cruzada” em um de seus primeiros discursos depois da queda das torresgêmeas.

9 Além dessas relações conflituadas, em parte arrefecidas pela solidariedade pós-destruiçãodas torres gêmeas, o grau de exposição física ao mundo muçulmano, seja pela menordistância em relação aos países de maioria islâmica, seja pela maior importância de popula-ções dessa religião na Europa, desempenhou, certamente, um papel importante na diferentepercepção dos perigos da Guerra do Iraque nesse continente.

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mocratização, pacificação e crescimento econômico na região. Mas esse cená-rio é muito improvável, dadas as realidades atuais.

Algo intermediário deve prevalecer. De um lado, os interesses econômicose as estratégias nacionais são muito fortes para serem abandonadas, mas, poroutro lado, o que está em jogo é suficientemente importante para gerar algumarranjo pragmático que evite as piores conseqüências. Esse cenário interme-diário deve gerar forças contraditórias tanto na política do Oriente Médio comona economia mundial.

Referências

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CONGRESSIONAL BUDGET OFFICE. Estimated costs of a potential conflictwith Iraq. Sept. 2002. Disponível em: www.cbo.gov

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HOUSE BUDGET COMMITTEE, DEMOCRATIC STAFF. Assessing the cost ofmilitary action against Iraq: using desert shield; desert storm as a basis forestimates, [S.l.: sn.], 23 Sept., 2002.

HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição daordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.

MADDISON, Angus. The world economy: a millennial perspective. Paris:OECD, 2001.

NORDHAUS, William. The economic consequences of the war, The New YorkReview of Books, [S.l.: s.n.], 5 Dec., 2002.

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PERRY, George L. The war on terrorism, the world oil market and the USeconomy, 24 Oct., 2001. Disponível como: Analysis Paper #7em: www.brook.edu/views/papers/perry/20011024.htm

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A questão do petróleo e suasimplicações na Guerra

do Iraque

Claudia Musa Fay Doutora em História pela UFRGS, Professora do Departamento de História da PUCRS.

ResumoA guerra contra o Iraque, iniciada em março de 2003, chamada pelos norte--americanos de “liberdade iraquiana”, representou mais uma demonstração dasua superioridade militar e da estratégia traçada para assegurar a manutençãoda hegemonia na região, nos próximos anos. O esfacelamento dos regimescomunistas na Europa e a dissolução da União Soviética colocaram fim à estruturabipolar do sistema internacional, abrindo uma nova era nas relações entre asnações, caracterizada pela supremacia dos EUA. Este artigo pretende analisarem que medida as alterações de poder no sistema internacional se relacionamcom o conflito no Iraque. Procuramos relacionar, historicamente, os conflitosocorridos no Golfo Pérsico com as alterações de poder na ordem internacional.Enfocamos a questão do petróleo como um fator que acirra as disputas, bemcomo as intervenções na região.

Palavras-chaveIraque; relações internacionais; petróleo.

AbstractThe war against Iraq begun in March 2003, called by North-Americans as Iraqifreedom, has represented one more demonstration of its military superiority andstrategy, devised to assure the maintenance of the hegemony in the region forthe years to come. The breakdown of the communist regimes in Europe and thedissolution of the Soviet Union have put an end to the bipolar structure of theinternational system, opening up a new era in the relations among nations,characterized by the U. S. supremacy. The present article aims to analyze to

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what extent the alterations of power in the international system relate with theconflict in Iraq. We have attempted to historically relate the conflicts occurred inthe Persian Gulf with the alterations of power in the international arena. We havefocused on the issue of petroleum as a factor that stirs up the disputes as wellas the interventions in the region.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 05.05.03.

O esfacelamento dos regimes comunistas na Europa e a dissolução daUnião Soviética colocaram fim à estrutura bipolar do sistema internacional, abrindouma nova era nas relações entre as nações, caracterizada pela supremacia dosEUA. Em contraste com o final do século XIX, quando o Império britânico disputavaa hegemonia com outros Estados, os norte-americanos não encontram, hoje,um adversário equivalente.

A guerra contra o Iraque, iniciada em março de 2003, chamada pelos norte--americanos de “liberdade iraquiana”, representa mais uma demonstração dasua superioridade militar e da estratégia traçada para assegurar a manutençãoda hegemonia na região, nos próximos anos.

Desde o início do Governo Bush, houve uma mudança na forma de atuar doEstado norte-americano no cenário internacional. Enquanto a AdministraçãoClinton privilegiou a diplomacia econômica e a cooperação multilateral, o governode George W. Bush endureceu as relações com outros países, recusandosubmeter-se aos acordos multilaterais e, ao mesmo tempo, aumentando amilitarização.

Depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o Governonorte-americano, além de ter ampliado os investimentos na tecnologia militar,inclusive desenvolvendo projetos de militarização do espaço, não tem respeitadoos esforços internacionais sobre questões relacionadas ao controle do meioambiente, aos direitos humanos e à manutenção da paz.

Neste artigo, pretendemos analisar em que medida as alterações de poderno sistema internacional se conectam com o conflito no Iraque. Procuramosrelacionar, historicamente, os conflitos ocorridos no Golfo Pérsico com asalterações de poder na ordem internacional. Enfocamos a questão do petróleocomo um fator que acirra as disputas, bem como as intervenções na região.

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1 - Um século de conflitos na região do Oriente Médio

Desde o final do século XIX, um novo fator, o petróleo, aumentou considera-velmente o interesse pelas regiões do Oriente Médio e do Golfo Pérsico. A divisãodos territórios asiáticos pertencentes ao Império otomano, que se esfacelava,foi feita através de acordos secretos entre as potências imperialistas durante aPrimeira Guerra Mundial. Depois do término do conflito, a Grã-Bretanha e aFrança, através do Tratado de Sèvres1, passaram a exercer o controle da região,conforme o acertado anteriormente. Aos ingleses interessava garantir o controleda rota da Índia, através do canal de Suez, e a anexação da Mesopotâmia. ATurquia, embora tenha mantido o poder em Constantinopla, assegurou liberdadede navegação internacional nos estreitos da região e perdeu, definitivamente, aArábia Saúdita, que se tornou independente, a Síria, o Líbano, o Iraque, a Pales-tina e a Transjordânia, convertidos em “mandatos” pelos franceses e britânicos.

Ao término da Segunda Guerra Mundial, consolidou-se uma alteração naordem mundial, passando-se a hegemonia para os EUA e a URSS, e explodiram,na região, movimentos nacionalistas pela descolonização. Esses movimentosrepercutiram na questão do petróleo, provocando a nacionalização das empresas.

Como havia feito, em 1947, no Mediterrâneo Oriental, a Grã-Bretanha reco-nheceu que não possuía mais condições de dominar a região e solicitou a inter-venção dos EUA, que avançaram para ajudar e para assumir a função de potênciaprotetora na Grécia e na Turquia.

Em 1951, no Irã, a nacionalização da Companhia Anglo-Iraquiana de Petró-leo, controlada por capitais britânicos, foi exemplo de mudanças na região. Aempresa inglesa explorava o petróleo na região desde o início do século.

Em 1953, os EUA e a Grã-Bretanha realizaram uma intervenção conjuntana região e mantiveram o Xá do Irã, no poder frente ao movimento nacionalistaque desejava retirá-lo do trono. Na ocasião, garantir o fluxo de petróleo era essen-cial para a luta contra os comunistas na Coréia.

Durante as décadas de 50 e 60, o petróleo manteve-se estável, como severifica na Tabela 1. O preço do barril de petróleo manteve-se baixo, contribuindopara o aumento do consumo. O regime petrolífero era um oligopólio privado comestreitos laços entre as empresas e os governos dos países consumidores. Até

1 O Tratado de Sèvres foi assinado em 11 de agosto de 1920.

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então, as empresas petrolíferas, conhecidas por Sete Irmãs2, determinavam aquantidade de petróleo produzida.

2 Sete Irmãs — expressão criada por Enrico Mattei, Sette Sorelle, para designar a Aramco--Jersey (Exxon), a Socony-Vacuum (Móbil), a Standard of Califórnia (Chevron) e a Texaco,além da Gulf, Royal Dutch/Sell e da British Petroleum. Uma oitava irmã era a francesa CPF,que não cabia na designação anglo-saxônica (YERGIN, 1992, p. 519).

Durante as duas guerras do Oriente Médio (1956 e 1967), os países ára-bes tentaram estabelecer um embargo petrolífero, mas não foram bem-sucedi-dos, porque os EUA utilizaram suas reservas para produzir petróleo e fornecê--lo para a Europa. No entanto, quando a produção norte-americana decaiu em1971, os EUA começaram a importar petróleo, perdendo o poder de equilibrar omercado petrolífero, que passou para países produtores como a Arábia Sauditae o Irã.

Em 1960, quando foi criada a Organização dos Países Produtores e Exporta-dores de Petróleo (OPEP), grande parte dos membros ainda mantinham laçoscoloniais com os países europeus.

Em 1961, a Grã-Bretanha, mesmo enfraquecida, reagiu e evitou a tentativairaquiana de anexar o Kwait, mas, por volta de 1971, ela pôs fim a seu papel a

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VALOR1950 1,75 1978 12,701970 1,80 1979 13,341973 (1) 2,18 1980 26,001973 (2) 5,12 1981-82 34,001974 (3) 10,84 1983 29,00

NOTA: Os preços têm como base os da Arábia Saudita.

(1) O dado refere-se ao mês de setembro. (2) O dado refere-se ao mês deoutubro. (3) O dado refere-se ao mês de janeiro.

Tabela 1

Preços do barril de petróleo — 1950-1983

FONTE: MAGNOLI, Demétrio. O mundo contemporâneo. São Paulo: Ática, 1992. p. 174.

ANOS ANOS(US$)

VALOR

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leste de Suez. Os EUA, por sua vez, em 1971, estavam envolvidos com a Guer-ra do Vietnã e relutaram em desempenhar um papel militar no Golfo Pérsico.

Em 1972, a nacionalização, pelos iraquianos, da Irak Petroleum Company,dominada por três quartos de capital anglo-saxão, foi inaceitável para os norte--americanos. Desde então, não somente o petróleo iraquiano não foi mais paraas companhias norte-americanas, como novos produtores chegaram ao mercado.Isso contribuiu para a queda dos preços, aumentando a oferta.

A quarta guerra árabe-israelense no Oriente Médio deu um impulso à OPEP.Num sinal de que poderiam usar o seu poder, os países árabes cortaram ofornecimento de petróleo em 1973.3

Após 1973, houve uma importante alteração no regime que geria o petróleo.Os países produtores estabeleceram o ritmo da produção e, por conseguinte,tiveram forte influência nos preços. Houve um deslocamento de poder para aOPEP, que tinha como membros a Argélia, a Arábia Saudita, a Indonésia, oIraque, o Irã, o Qatar, o Kwait, a Líbia, os Emirados Árabes Unidos e a Venezuela,países que, reunidos, respondiam por 80% das exportações mundiais. A consoli-dação da OPEP representava uma tentativa de mudar o cartel privado para umgovernamental.

O choque do petróleo terminou por apresentar vantagens para os EUA, queganharam por diversos motivos. De um lado, porque eram menos dependentesque os europeus e os japoneses da importação de petróleo; de outro, porque ospaíses produtores de petróleo investiram os recursos obtidos com o comérciodo petróleo no mercado financeiro norte-americano, o que provocou valorizaçãodo dólar frente às demais moedas. Os perdedores foram os países subdesenvol-vidos dependentes do petróleo.

A situação na região havia se alterado por completo, e todos os paíseslocais eram independentes. Simultaneamente ao crescimento do nacionalismo,assistiu-se a um aumento nos custos de intervenção militar. Era muito maisdispendioso usar a força contra um povo nacionalista, desperto e descolonizado.

Assim sendo, o Presidente Nixon e o Conselheiro de Segurança HenryKissinger desenharam uma nova estratégia, assentada fortemente nos poderesregionais. O instrumento escolhido foi o Irã, pois julgavam que um país compoder hegemônico na região poderia substituir o papel de policial britânico deforma barata.

3 A Guerra do Yom Kippur teve início em 6 de outubro de 1973.

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2 - A questão do petróleo

Depois das crises do petróleo da década de 70, a política norte-americanade importação do produto tem sido feita no sentido de diversificar os fornecedores.Num esforço para reduzir sua dependência energética do Oriente Médio, osEUA têm feito seus aprovisionamentos com os vizinhos Canadá, México,Venezuela e Colômbia, com os produtores europeus, como a Grã-Bretanha e aNoruega, e com os países africanos produtores de petróleo, caso de Angola,Nigéria e Gabão. Todos esses fornecedores, bem como a Arábia Saudita e oIraque, disputam o gigantesco mercado norte-americano. O Iraque, mesmo sobembargo, era o quinto fornecedor em 2001, com 740.000 barris/dia, dentro doacordo Petróleo por Alimento da ONU.

A tentativa dos países produtores de petróleo de intervir no conflito do OrienteMédio, decretando o embargo de 1973, inaugurou, no contexto da Guerra Fria,um período de incertezas e inquietações. Havia a preocupação em preservar asegurança do aprovisionamento de petróleo do mundo industrializado.

Dois anos depois da revolução islâmica iraniana de 1979, explodiu a guerraentre Irã e Iraque. No conflito, os EUA apoiaram oficialmente o Iraque. O ditadorSaddam Hussein recebeu o apoio de países árabes de maioria sunita, do Ocidentee de Israel para conter a expansão da “revolução islâmica”, conclamada pelolíder religioso xiita aiatolá Khomeini.

A guerra entre o Irã e o Iraque fez com que aumentasse, nos EUA e nacomunidade internacional, a preocupação em garantir as reservas de petróleo.Essas inquietações resultaram numa contínua presença militar norte-americanano Golfo Pérsico e na permanente reavaliação dos laços políticos, militares eestratégicos entre os países da região.

3 - A importância do petróleo para a hegemonia norte-americana

As reservas atualmente conhecidas podem fornecer petróleo para ospróximos 40,9 anos. Dois terços das reservas já descobertas em 1998 seencontram no Oriente Médio — 25% na Arábia Saudita, 10% no Iraque, 9% noKwait e 9% nos Emirados Árabes — (Chalmin, 1999, p. 95).

A repartição do aprovisionamento de petróleo é o mais inquietante. Ospaíses do Oriente Médio pertencentes à OPEP, que hoje possuem o domínio de27% da produção mundial, passarão a deter 62% em 2020, segundo projeçõesda Agência Internacional de Energia (AIE).

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Chalmin analisa os recursos naturais disponíveis no início do século XXI(Tabela 2), demonstrando que mais preocupante que a falta do petróleo é a suaconcentração geográfica nos países da região do Golfo e membros da OPEP.Mesmo levando em conta o alerta do autor sobre suas reflexões, pois não sedeve deixar de considerar a capacidade de adaptação e a inventividade humana,os dados apresentados ajudam a formar um cenário e proporcionam uma maiorcompreensão do problema nos nossos dias.

Tabela 2

Produção e projeção da produção de petróleo no mundo — 1996, 2010 e 2020

(milhões de barris/dia)

DISCRIMINAÇÃO 1996 2010 2020

Países da OPEP do Oriente Médio .................................. 17,2 40,9 45,2

Resto do mundo ................. 45,5 38,0 27,0

TOTAL ………….………..… 62,7 78,9 72,2

FONTE: AIE, 1998 apud CHALMIN, Philippe. Géopolitique des resources naturelles: prospective 2020. RAMSES 2000. Paris: Dunod, 1999. p. 95.

Entre 1995 e 2020, segundo a AIE, a demanda mundial de energia aumen-tará 66%, devendo 95% desse crescimento ser fornecido pela energia fóssil.

O primeiro cenário é o de uma desestabilização na região do Golfo, tornandoimpossível o fornecimento de petróleo dessa região. A Guerra do Golfo seria umexemplo. O outro cenário seria o da reconstituição da OPEP na versão 1974 a1985 (Tabela 3), quando a organização conseguiu impor seu preço ao mercado.Os dois cenários não favorecem a manutenção da hegemonia norte-americana.

Na questão do petróleo, a partir do momento em que os EUA passaram aconsumir mais do que produzir, com a perspectiva de, num futuro próximo, setornarem dependentes, passou a ser necessário garantir o fluxo de petróleo doGolfo Pérsico.

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Pierre Noel, ao estudar a questão do petróleo, demonstrou que, desde1949, os EUA passaram a ser importadores de petróleo. Entre 1949 e 1970, opetróleo importado passou de 10% para 23% do total consumido no País. Entre1978 e 1985, as importações baixaram devido ao desenvolvimento da prospecçãono Alasca (Prudhoe Bay) e à queda da demanda, ligada ao aumento dos preçospromovidos pela OPEP (Noel, 2003, p. 7).

Nesse mesmo período, conforme os estudos do autor, a produção norte--americana caiu ao ritmo de 2% ao ano, enquanto as importações cresceram5% em média. Ou seja, os EUA, atualmente, já importam 54% do petróleo queconsomem e podem chegar a 2020 precisando importar 70% do que necessitam.

A política adotada pelo Governo norte-americano foi a de garantir o aprovisio-namento. Para compreender essa estratégia, é preciso considerar que os EUAconsomem mais petróleo do que produzem e que esse desequilíbrio será agravadonos próximos anos. Essa dependência crescente contraria a política da potênciaúnica, que não pode depender de uma região conflituosa, nem de uma organizaçãode produtores articulada, para garantir o suprimento de suas necessidades.

Dessa forma, segundo o autor, enquanto não ocorre uma revolução tecnoló-gica nos transportes, os EUA devem continuar implementando e investindo maciça-mente na segurança das regiões produtoras e na construção do mercado mundialde petróleo não regulado pela OPEP.

Tabela 3

Estado das reservas mundiais de petróleo — 1997

(milhões de barris/dia)

DISCRIMINAÇÃO RESERVAS

América do Norte, Europa, África e Rússia .............................................

13,1

Países exportadores não membros da OPEP ......................................

14,4

OPEP ……………..………………..... 75,2

FONTE: BP Statistical Review apud CHALMIN, Philippe. Géopolitique des resources naturelles: prospective 2020. RAMSES 2000. Paris: Dunod, 1999. p. 95.

Claudia Musa Fay

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4 - Política externa norte-americana para manutenção da hegemonia

A partir do Governo Reagan, no início da década de 80, foi formulada umapolítica energética em relação às reservas de petróleo. A opção por uma políticaliberal implicou, necessariamente, para os EUA, a dependência do petróleo. Defato, o momento Reagan correspondeu à entrada do País numa dependênciaaceita e assumida.

No seu governo, foi, então, formulada uma política de segurança das reservasde petróleo que envolvia a segurança do Oriente Médio. O esforço constituiu-seem melhorar o acesso das reservas mundiais aos capitais privados de exploraçãoe de produção, ou seja, implantar uma política de portas abertas no Oriente Mé-dio, com o objetivo de favorecer a diversificação da oferta de petróleo mundial eenfraquecer a OPEP (Noel, 2003, p. 10).

Essa política vem sendo mantida, como demonstram as recomendaçõesde Paul Wolfowitz e I. Lewis Libby, no estudo intitulado Defense Policy Guidance(1992-1994 apud Golub, 2001), para garantir a posição de potência única adotadapelos EUA. Embora tenham sido escritas pouco depois da queda da URSS e daprimeira guerra contra o Iraque, tais recomendações continuam sendo muitoatuais, mesmo porque seus autores ocupam, hoje, postos de destaque nogoverno de George W. Bush.

Paul Wolfowitz, atual Secretário-Adjunto de Defesa encarregado do SudesteAsiático e da zona do Pacífico, e I. Lewis Libby, Conselheiro para Questões deSegurança do Vice-Presidente Dick Cheney, pretendiam “(...) impedir todapotência hostil de dominar regiões cujos recursos lhes permitam ascender aostatus de grande potência” e “(...) desencorajar os países industrializadosavançados de toda tentativa visando a desafiar nossa liderança ou a modificar aordem política e econômica estabelecida e prevenir a emergência futura de umconcorrente global” (Golub, 2001, p. 3).

Em 1999, durante a campanha presidencial, Bush declarou que o Paísdevia ter uma posição forte para que nenhuma potência, ou coalizão de potências,viesse ameaçar a estabilidade, particularmente na Ásia. Ao mesmo tempo, oVice-Presidente Dick Cheney afirmava que “(...) o problema era definir os nossosinteresses estratégicos, os que merecem mobilização de forças e a eventualperda de vidas americanas” (Klare, 2001, p. 6).

Logo após sua eleição em 2000, George W. Bush pediu ao Secretário deDefesa Donald Rumsfeld a definição de uma estratégia de guerra norte-americanapara o século XXI. No início de 2001, o Presidente criou um grupo de estudosdenominado National Energy Policy Development Group, e confiou ao Vice-Presi-

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dente Dick Cheney a missão de determinar uma política energética para os 25anos futuros. Esse grupo elegeu como prioritários dois objetivos: aumentar asimportações do Golfo e colocar em prática uma política rigorosa de diversificaçãodas fontes de abastecimento. O Oriente Médio é a pedra angular da estratégia:para Washington, é fundamental conservar a região dentro de sua esfera deinfluência.

Para Klare (2001, p. 6), o Governo Bush construiu uma nova estratégia dedefesa, que o autor chamou de “americanocentrismo”, já que ele coloca os EUAno centro. Ela está baseada em três pilares: em uma doutrina de utilização detodas as forças para maximizar os interesses nacionais; na capacidade que oPaís tem de projetar suas forças militares por todo o mundo; e na supremaciaperpétua, ou seja, na garantia da permanência dos EUA como potência única.

Na realidade, a experiência do início da década de 70 fazia com que a altados preços fosse interessante para os EUA, que passaram a desejá-la por quatrorazões: obtinham maiores lucros na exploração; aumentavam a dependência daEuropa e do Japão; asseguravam para seus aliados, clientes e produtores, comoo Irã e a Arábia Saudita, um grande rendimento; e favoreciam os bancos anglo-saxões, onde o ganho com o petróleo ajudava a frutificar os capitais norte-ame-ricanos e ingleses.

A partir de 1988, o cisma islâmico deixou de constituir uma ameaça para omundo árabe e, em particular, para os regimes petrolíferos pró-norte-americanos.Os problemas continuavam sendo o Iraque e seu nacionalismo, as idéias sobrea unidade árabe e os interesses do petróleo. Aos olhos norte-americanos, umsucesso do islamismo poderia ter suas conseqüências indesejáveis.

A diminuição do preço do barril pelo aumento da oferta árabe não interessavaaos norte-americanos nem aos ingleses, uma vez que o preço de extração dopetróleo no Mar do Norte chegava a ser 10 vezes maior que no Oriente Médio.4

A segunda conseqüência indesejada é que a unidade árabe ameaçava a existênciado Estado de Israel.

Até a Guerra do Golfo (1990), o Iraque exercia uma pressão de baixa dospreços do barril que era contrária à estratégia norte-americana, fundada sobre aotimização dos rendimentos do Kwait e da Arábia Saudita.

Em 1990, o Iraque resolveu invadir o Kwait pelo não-pagamento da guerracontra o cisma iraniano. Foi esse também, o ano da reunificação alemã e doesfacelamento soviético, uma situação desfavorável ao Iraque, que não podiacontar com o auxílio soviético para se contrapor aos EUA. Os norte-americanos

4 O custo da produção do barril do petróleo no Iraque é baixo, apenas cinco euros contra 15nos EUA. Conseqüentemente, propicia maiores lucros para quem o explora no OrienteMédio.

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organizaram uma coalizão internacional — formada por Grã-Bretanha, França,Síria, Emirados Árabes Unidos, Egito e Arábia Saudita — contra Saddam Husseine conseguiram a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

Na década de 80, a postura norte-americana na região fora diferente: noconflito entre o Irã e o Iraque, os EUA não intervieram diretamente. Eles utilizaramo Iraque para conter o Irã.

A guerra entre o Irã e o Iraque foi anunciada como defensiva por SaddamHussein; os EUA ficaram como espectadores. Na época, Washington não aprova-va as idéias de pan-islamismo pregadas por Saddam e tinha relações rompidascom Bagdá.

Mas, em 1982, a situação havia mudado. Em fevereiro daquele ano, o Ira-que já não figurava mais na lista dos Estados terroristas. O risco passou a ser oexpansionismo do Irã na região. Os EUA passaram a apoiar o Iraque na tentativade conter o crescimento do poder dos aiatolás do Irã na região.

Depois do sucesso inicial, o exército de Saddam enfrentava dificuldades, eas tropas iranianas aproximavam-se de Bassorah, segunda cidade do País. Seela caísse, o Irã ameaçaria tomar o Kwait, os Emirados Árabes e a ArábiaSaudita, colocando em risco o fornecimento de petróleo para o Ocidente. Paraevitar o fracasso iraquiano, a Administração Reagan e, a seguir, o governo deGeorge Bush (pai) decidiram apoiar Saddam Hussein.

A decisão oficial de 26 de novembro de 1983 estipulou que os EUA fariamo que fosse necessário para evitar uma derrota iraquiana. O País passaria afornecer ao Iraque produtos químicos, inseticidas, tubos metálicos, mísseis ecomputadores para uso civil e militar.

Veja-se o depoimento de Howard Teicher (apud Leser, 2003, p. 4), membrodo Conselho Nacional de Segurança do Governo Reagan e um dos responsáveispela política em relação ao Iraque, fornecido num testemunho sobre o processode vendas de armas para o Iraque:

“Os Estados Unidos sustentaram ativamente o esforço de guerrairaquiano. Eles forneceram créditos, informações, conselhos militares,e seguiram atentamente a provisão de armas para o país a fim deassegurar que Bagdá teria o equipamento necessário para não perdera guerra” (Leser, 2003, p. 4).

A segunda crise do Golfo começou em 2 de agosto de 1990, quando SaddamHussein invadiu o Kwait. O Iraque reclamava que o Kwait era uma criação artificialdos colonizadores e que ele não deveria ser um Estado independente.

Havia profundas razões econômicas para esse gesto. O Iraque ficaraarrasado pela guerra de oito anos com o Irã e possuía uma dívida de US$ 10bilhões por ano. O Kwait, com enormes excedentes de petróleo e populaçãoreduzida, não estava cumprindo os acordos petrolíferos da OPEP.

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A agressão iraquiana suscitou uma reação norte-americana, com apoio doConselho de Segurança da ONU, através da operação denominada “tempestadeno deserto”, mobilizando uma vasta coalizão de 32 países, dentre eles a Inglaterra,a França e países árabes, como Egito, Síria, Paquistão, Bangladesh e Marrocos.

A invasão do Kwait pelo Iraque, em 1990, e a mobilização internacionalcontra Bagdá marcaram uma conjuntura internacional caótica, que acompanhavao esfacelamento da URSS, e vieram a legitimar a permanência de forças militaresnesses países.

Depois desse episódio até a crise atual, passando pelos atentados terroris-tas de 11 de setembro de 2001, o Governo de Washington não parou de se preo-cupar com sua influência no Golfo.

É possível dizer que as imposições e sanções feitas ao Iraque pelo Conselhode Segurança das Nações Unidas podem ser comparadas a uma guerra nãodeclarada. Os sofrimentos impostos à população iraquiana nos últimos 12 anosassemelham-se aos resultantes de uma guerra. Os resultados são, praticamente,os mesmos: mesma destruição de seu bem-estar e comprometimento de seufuturo. Além disso, poucos imaginam a extensão dos desgastes feitos à infra--estrutura civil iraquiana durante os bombardeios de 1991. A maior parte não foirefeita depois da guerra devido à falta dos rendimentos do petróleo, insuficientespor causa das sanções, e ao isolamento do Iraque.

Em 1996, as vendas autorizadas de petróleo através da Jordânia e ocontrabando chegavam a US$ 500 milhões. Cabe lembrar que, em 1980, as ex-portações de petróleo chegavam a US$ 26 bilhões. As quantidades autorizadaspela ONU através do acordo Petróleo por Alimento não satisfaziam um quartodas necessidades da população. A retirada do embargo estava condicionada aodesarmamento do País. A economia havia se exaurido, e a população estavasubalimentada. A população civil iraquiana foi vítima da queda de braço entre osEUA e o Iraque.

O embargo levou o País a condições pré-industriais. No entanto, ele nãoenfraqueceu o regime de poder, que podia contar com a venda do petróleo nomercado negro estrangeiro para comprar simpatizantes e manter a segurança.

Entre 1995 e 1996, o preço do petróleo voltou a subir, ficando em torno deUS$ 24,00 o barril. O retorno do Iraque ao mercado em 10 de dezembro de 1997,através do acordo Petróleo por Alimento com a ONU, significou um aumento de500.000 barris/dia e um montante de US$ 2 bilhões. Em 1998, o barril oscilouentre US$ 20,50 e US$ 18,00 e, em 2000, custava US$ 25,70, atingindo osníveis de 1991 (Bilan du Monde, 2000, p. 182).

Essa inversão de tendência foi feita pelos produtores, que tiveram, no anode 1998, perdas de 40% de seus rendimentos. O excesso de produção conjugadocom a crise asiática, que diminuiu a demanda, fragilizou os exportadores de

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petróleo. Para parar as perdas, três países, a Arábia Saudita, a Venezuela —membros da OPEP — e o México, decidiram reagir e diminuíram a produção, oque fez baixar os estoques mundiais.

As tensões entre a ONU e o Iraque voltaram a elevar os preços. Depois de10 anos, Bagdá contestava o embargo. Reagindo às queixas norte-americanasde volta da inflação, Arábia Saudita, México e Venezuela prometeram garantir aestabilidade dos preços em nível conveniente aos produtores e consumidores.Em 2001-02, de menos de US$ 20,00, o preço começou a oscilar entre US$25,00 e US$ 30,00 o barril, para terminar o ano em US$ 33,00.

As últimas semanas de dezembro de 2002 foram marcadas pela paralisaçãototal da produção na Venezuela, oitavo produtor e quinto exportador mundial. Omovimento de contestação ao Presidente Hugo Chávez fez o barril subir a maisde US$ 30,00 dólares. Para tentar resolver a questão, os 11 países da OPEPresolveram, em 12 de dezembro de 2002, elevar a quantidade de petróleo ofere-cido. Aparentemente, uma medida contraditória, mas que visava dar credibilidadeà organização no mercado internacional. A produção foi fixada em 21,7 bilhõesde barris/dia, excluído o Iraque devido ao embargo.

A queda dos preços, em 1998, ainda está na memória dos países produ-tores. Os mercados deprimidos foram dramaticamente ampliados pelas vendasindisciplinadas dos países produtores da OPEP: o preço do barril caíra paramenos de US$ 10,00.

Depois dos atentados de 11 setembro de 2001, a posição da Arábia Sauditapassou a ser vista com desconfiança. Como se viu, o País é o primeiro produtormundial e possui as maiores reservas, seguido pelo Iraque. Além disso, controlaa OPEP. O País, aliado tradicional dos EUA, começou a ter dificuldades paraconter o sentimento antiamericano na sua população. Para o Governo norte--americano, o controle do Iraque contribuiria para regular, de forma duradoura, opreço do petróleo.

Estabilizar os preços do petróleo poderá representar uma injeção de ânimonas economias européias e norte-americana e diminuir a presença central daArábia Saudita, que, aos olhos norte-americanos, parece desempenhar um papelsuspeito no financiamento do islamismo radical e do terrorismo.

A questão da baixa dos preços agitou o meio do petróleo ao longo dooutono e do inverno de 2002. Depois de cair até US$ 18,00 o barril durante oinverno de 2001, o custo do petróleo bruto tornou a subir a US$ 30,00 no final desetembro de 2002 e voltou ao seu preço médio de US$ 24,00 no início de dezembrode 2002 para chegar a US$ 31,20 no final de dezembro devido à situaçãovenezuelana (Bilan du Monde, 2002, p. 198). O mundo todo começou a sentiruma diminuição no crescimento econômico.

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A perspectiva de um retorno rápido do petróleo iraquiano ao mercado, nocaso de uma rápida vitória dos EUA, foi vista como uma boa nova no início daGuerra. O País voltaria a ser, potencialmente, o segundo produtor mundial, poisdispõe de reservas importantes, depois da Arábia Saudita e da Rússia. SegundoSadowski (2003, p. 18), as reservas iraquianas de petróleo bruto são de 112,5bilhões de barris. Resta saber quanto custará recolocar o potencial industrialem ordem, muito deteriorado depois da Guerra e do embargo econômico. Estudosfeitos por especialistas indicam que os investimentos em novas tecnologias e oreaparelhamento dos poços poderão dobrar a produção.

A retirada de Saddan Hussein do poder poderá proporcionar aos EUA oacesso a um dos petróleos mais competitivos do mundo e um dos mais fáceisde extrair. Um sonho para o país de George W. Bush, que é o primeiro importadorde petróleo do mundo e cuja relação com o maior fornecedor, a Arábia Saudita,se tensiona.

Por trás da queda do regime ditatorial, estava o futuro da segunda reservamundial de petróleo. A colocação de ferramentas novas de extração, extenuadasdepois de 12 anos de embargo, deve provocar um aumento da produção e dasexportações.

A administração de George W. Bush invocou numerosas razões para justificara Guerra: eliminar armas de destruição em massa, combater o terrorismo, prevenirameaças contra Estados vizinhos, libertar o Iraque do ditador. Até mesmo onovo conceito “guerra preventiva” foi usado. No entanto, a fragilidade dos argu-mentos utilizados não conseguiu convencer a comunidade internacional. A provadisso foram as posições da França, da Rússia, da China e da Alemanha, alémdas manifestações pela paz que se espalharam pelo mundo.

Conclusão

Analisando a atuação internacional norte-americana desde o final daSegunda Guerra Mundial, percebemos mudanças na forma de agir, motivadastanto pela alternância na ordem mundial quanto por questões conjunturais eregionais.

Até a Segunda Guerra, a região do Golfo Pérsico foi dominada pelosinteresses ingleses e franceses: acordos assinados no final da Primeira Guerrahaviam deixado para a Inglaterra o controle da Mesopotâmia, hoje Iraque.

Com o final da Segunda Guerra, houve a descolonização da região e oaumento dos nacionalismos. As duas potências vencedoras, EUA e URSS,passaram a disputar influência na região. Na década de 70, os EUA passaram aapoiar os poderes regionais, primeiramente o Irã e depois o Iraque. Após, com o

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esfacelamento da URSS, os EUA formularam uma nova política para a região,pois o Iraque fugia ao controle.

A guerra entre Irã e Iraque teve grande importância, pois foi decisiva naremobilização de forças, justificou o orçamento militar norte-americano e conser-vou suas bases militares planetárias. A Guerra do Golfo, em 1991, salvou o com-plexo militar-industrial dos EUA, inquieto frente à perspectiva de uma ampladesmobilização decorrente da derrocada da URSS. Mas só esse terceiroconfronto — a Guerra do Iraque em 2003 —, com a retirada de Saddam Husseindo poder, permitirá aos norte-americanos uma ocupação mais efetiva da regiãoe o acesso às reservas de petróleo.

No final da Segunda Guerra Mundial, as bombas de Hiroshima e Nagasakiforam utilizadas para mostrar ao mundo e, principalmente, à URSS o poderionorte-americano. Causa horror imaginar que a população civil do Iraque e partede sua cultura milenar necessitem desaparecer para os EUA assegurarem suahegemonia na região.

Resta esperar que outras regiões consideradas estratégicas como o Iraquee que possuem grande interesse por representarem parte do aprovisionamentonorte-americano de petróleo — caso da Venezuela, dos países da região do MarCáspio e do Golfo da Guiné (África) — não necessitem enfrentar situação similar.

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Os desafios para a instauração de umagovernança mundial democrática na

atual conjuntura internacional:síntese de um debate

Carlos S. Arturi* Doutor em Ciência Política pelo Institut d’Etudes Politiques de Paris e Professor do Departamento de Ciência Política e dos PPGs em Ciência Política e em Relações Internacionais da UFRGS.

ResumoO trabalho tem como objetivo principal discutir os problemas teóricos e osdesafios práticos postos à instauração de uma governança mundial democráti-ca, a partir da análise de algumas experiências internacionais e nacionais quearticulam agências estatais, instituições internacionais e organizações não-gover-namentais. O debate sobre a possibilidade de uma regulação social e democrá-tica da ordem mundial foi impulsionado pelas mazelas da globalização econômica,pela indefinição e pelos conflitos da nova ordem mundial, bem como pelo apa-recimento de novos atores internacionais após a Guerra Fria (ONGs, blocosregionais, grandes empresas transnacionais, etc.). A concepção de capital so-cial, que enfatiza a importância da participação popular, da vida associativa eda vitalidade da sociedade civil como base da democracia política, também écoberta pela problemática da governança. Contudo a constituição de um espa-ço público mundial e democrático defronta-se com uma série de problemas:caráter normativo do debate teórico sobre o tema; tendência de algumas ONGsde se articularem diretamente com instituições internacionais e grandes empre-sas, em detrimento de órgãos estatais, sobretudo nos países mais pobres;falta de legitimidade de muitas associações e ONGs que se auto-intitulam re-presentantes de setores sociais; imposição de normas, práticas e instituiçõesocidentais, sem considerar as especificidades culturais e históricas das comu-nidades envolvidas, dentre outros que constituem o objeto deste trabalho.

*E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveGovernança mundial; democracia; globalização.

AbstractThis paper has as its main objective to discuss the theoretical problems as wellas the practical challenges for the instauration of a democratic world governancebased upon the analysis of some experiences national and international thatarticulate state agencies, international organizations and non-governmentalorganizations. The dilemmas of economic globalization, the in definition and theconflicts of the new world order as well as the appearing of new internationalactors post cold war (NGO´s, regional blocks, gig international corporations),stimulated the debate about the opportunity of a world social regulation basedon the democratization, participation and decentralization of the planning andexecuting of public policy. However, the constitution of a democratic world publicsphere faces a series of problems, these being: the normative nature of thetheoretical debate about this issue; the tendency of some NGO´s to articulatedirectly with international institutions and big business, in detriment of stateorgans, particularly in those which present more poverty; lack of legitimacy ofseveral associations and NGO´s that call themselves representatives of thesocial sectors; imposition of norms, practices and occidental institutions withoutconsidering the cultural and historical specificities of the communities.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 05.05.03.

O cenário internacional, desde o término da Guerra Fria, nunca se encon-trou tão distante da constituição de uma nova ordem mundial equilibrada emultipolar. Ao contrário, permanecem, no início do século XXI, a verticalizaçãodas hierarquias de poder, a disputa acirrada entre as nações, bem como asrelações estratégicas e militares que aprofundam os conflitos internacionais,como bem o demonstram os atentados de 11 de setembro e a Guerra do Iraque.Com efeito, o desmantelamento da União Soviética em 1991 inaugurou umaépoca de transição de ordem mundial ainda indefinida e grávida de crises, quepode ser sucintamente resumida em forma de alternativa: ou a supremacia nor-te-americana — nos campos econômico, militar e tecnológico — consolida-se

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em hegemonia e unilateralismo nas relações internacionais, ou configura-se ummundo multipolar, com diversos centros de poder, embora díspares. Atualmente,assistimos à tentativa de imposição da primeira alternativa, por via militar e,também, pelo estabelecimento de regras compatíveis com a pax americana,normas que governam, de uma certa maneira e em uma direção determinada, aglobalização econômica, mas que não respeitam as dimensões sociais e de-mocráticas, limitando-se às esferas comerciais e financeiras. Essas regras se-riam o resultado de regimes internacionais desenvolvidos no seio de institui-ções, tais como o G-7, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial, a União Européia e a Organiza-ção de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que são dominadaspor alguns Estados apenas: os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, aFrança e o Japão.

A globalização econômica e o surgimento de novos atores na cena interna-cional (ONGs, blocos regionais econômicos, grandes empresas transnacionais)implicaram também o questionamento das prerrogativas dos Estados nacio-nais, da qualidade da democracia no mundo ocidental e da necessidade dacriação de um espaço público mundial e democrático que inclua atores nãoestatais. A partir do horizonte prescritivo e hipotético de que uma regulaçãodemocrática da política internacional seja possível, este trabalho investiga ascondições e os obstáculos para a constituição de uma governança mundialdemocrática. O avanço da democracia em escala internacional, a dissemina-ção de experiências de gestão mais participativas e a constituição de fóruns dedebate para a construção de alternativas para a ordem mundial, verificados nosúltimos anos, não nos permitem, todavia, ignorar os problemas e os desafiosque constrangem a instauração de uma eventual governança democráticamundial (Rosenau, 1997). Trata-se, portanto, de um exercício teórico-especulativoque permite identificar e problematizar algumas questões originadas pelos pro-blemas decorrentes da aceleração do processo de globalização, baseado qua-se exclusivamente numa lógica mercantil, e pela atual conjuntura mundial,marcada por vários conflitos bélicos.1

A construção de um mundo multipolar e de instituições internacionais ca-pazes de assegurar um mínimo de ordem e segurança, com o respaldo damaioria das nações, pressupõe também a existência de uma União Européia,

1 Este artigo está baseado, em parte, na Introdução, redigida pelo autor e por Renato deOliveira para o livro organizado por Milani, Arturi e Solinís (2002).

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que, além de potência econômica, desenvolva uma política externa e de defesacomum, bem como de outros centros de poder, como a China e a Rússia, e,igualmente, de blocos regionais, como o Mercosul. A necessidade de umagovernança mundial deve-se ainda, para muitos autores, aos efeitos deletériosda globalização econômica atual, tais como o aumento da concentração dariqueza nos países ricos em detrimento dos países mais pobres, o agravamentodas desigualdades sociais no interior de quase todas as sociedades nacionaise a inexistência de instrumentos e instituições de controle democrático do pro-cesso de mundialização. A especulação teórica sobre as possibilidades de umaregulação social e democrática da ordem mundial foi, por sua vez, impulsionadapela literatura concernente à concepção de capital social, que enfatiza a im-portância da participação popular, da vida associativa e da vitalidade da socieda-de civil como base da democracia política.2 O desafio de incrementar o capitalsocial, sobretudo das populações pobres dos países do Terceiro Mundo, deveser, ainda, confrontado aos problemas adicionais provocados pela multiplicaçãode atores, heterogêneos e dotados de recursos desiguais, envolvidos em pro-gramas e políticas de desenvolvimento, que abarcam desde organizações lo-cais até organizações internacionais. Assim, a noção de governança mundialdemocrática recobre e problematiza a temática do capital social, ao alertarpara fatores de ordem política que podem obstaculizar seu desenvolvimento.

Nessa perspectiva, verifica-se, no meio acadêmico e no seio de algumasinstituições internacionais, intensa reflexão sobre possibilidades, experiênciase obstáculos para a construção de uma governança mundial, marcada por pro-cessos democráticos e participativos. O presente trabalho analisa várias expe-riências concretas de políticas e programas que articulam atores locais, nacio-nais e internacionais — governamentais e não-governamentais. Essas expe-riências foram objeto de debate no seminário Democracia e Governança Mun-dial, realizado no âmbito do primeiro Fórum Social Mundial, em Porto Alegre,em janeiro de 2001, e patrocinado pelo programa Management of SocialTransformations (MOST) da UNESCO, em colaboração com o Departamento deCiência Política da UFRGS e com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta-do do Rio Grande do Sul (FAPERGS). O evento reuniu uma dúzia de pesquisa-dores e de especialistas de vários países, todos com largo envolvimento emprogramas e políticas de governança, e autores de reflexões críticas sobre es-

2 A noção de capital social, originariamente cunhada por James Coleman, refere-se aoconjunto de redes, normas e práticas que permitem aos cidadãos, mesmo os mais pobres,interagirem com eficiência em prol da consecução de seus interesses comuns.

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sas experiências. Este artigo procura analisar, à luz dos trabalhos do seminá-rio3, os problemas que desafiam a possibilidade de uma governança mundialdemocrática, bem como identificar questões teóricas e metodológicas postasàs ciências sociais pela globalização e pelas diversas experiências de governançaem prática no mundo.

As principais questões em estudo que orientaram aquele evento foram:como reforçar a capacidade das democracias de gerir a globalização em provei-to de seus cidadãos? Que instâncias de regulação internacional seriam neces-sárias para tal? Que meios são necessários para instaurar uma governançamundial fundada em princípios democráticos? Que papel devem desempenharas Nações Unidas? Que papel estaria reservado para os atores não-governa-mentais? Como incrementar o capital social das classes mais pobres? Nessesentido, como se pode pensar a participação dos movimentos associativos, dascomunidades de bairros, das ONGs em geral, dos sindicatos e das empresas,nos diferentes contextos históricos e políticos, na constituição de um novo es-paço público em torno de uma governança mundial mais democrática? Tendoem vista esses questionamentos, na primeira parte do artigo, de cunho maisteórico, trata-se das relações entre governança, democracia e poder político noespaço público mundial. Na segunda, analisam-se alguns exemplos de articula-ções entre diferentes atores envolvidos em políticas e programas de governançaque vinculam vários níveis de poder, do local ao internacional. Finalmente, naterceira parte, aborda-se especificamente a experiência do Orçamento Participativo(OP) de Porto Alegre sob a ótica da governança.

I

O fim da Guerra Fria, a globalização econômica e o surgimento de novosatores na cena internacional (ONGs, blocos regionais econômicos, megaem-presas transnacionais) implicaram igualmente o questionamento das prerrogati-vas dos Estados nacionais, da qualidade da democracia no mundo ocidental eda necessidade da criação de um espaço público mundial e democrático. Umdos principais estímulos para o debate sobre governança tem sido justamente abusca de uma mundialização positiva, alicerçada em espaços públicos de-

3 Os trabalhos foram publicados na coletânea Democracia e Governança Mundial: queregulações para o século XXI?, da qual o autor foi um dos co-organizadores (Milani;Arturi; Solinís, 2002). A edição francesa do livro está no prelo, a sair pela Editora Khartala.

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mocráticos, que não constitua apenas mera reação à globalização econômica.A governança é aqui entendida como um conjunto de processos, instituições epráticas, através das quais os cidadãos e os diferentes grupos sociais — locais,nacionais e internacionais — articulam seus interesses e posições, formandoum complexo sistema de elaboração de políticas e de tomada de decisões maisvasto que a arena estatal.4 Ora, a noção de governança é polissêmica e quasesempre marcada por forte conteúdo normativo e prescritivo. Freqüentementeadjetivada como “boa” ou “democrática”, muitas vezes a governança seria consi-derada perfeitamente complementar à regulação pelo mercado global. Em con-seqüência, há um grande potencial de mistificação e um grande risco de mani-pulação ligados ao uso da noção de governança (Milani; Solinís, 2002). Comoressalta Kazancigil, a referência feita às questões essenciais da gestão, semmenção ao papel direto do Estado, tornou a governança um conceito convenien-te à utilização dos experts econômicos e tecnocratas financeiros mundiais,pois a

“(...) governança se adapta muito bem às condições da cenainternacional, na qual não há nenhuma autoridade central e na qualos investidores, isto é, os estados soberanos, as corporações multi-nacionais, as organizações internacionais e, mais recentemente, asONGs, geram políticas sobre questões específicas e regimesregulatórios. (...) Sem dúvida [a governança] é participativa, mas porenvolver somente estes investidores interessados na questão emconsideração, não substitui as instituições democráticas, as quaisrepresentam a totalidade dos cidadãos e tratam do interessesmultissetoriais comuns da sociedade como um todo” (Kazancigil, 2002,p. 54).

Para Kazancigil, negando que a globalização não possua regras próprias,existem normas que governam, de uma certa maneira e em uma direção deter-minada, a globalização econômica, mas que não respeitam as dimensões so-ciais e democráticas e se encontram limitadas às esferas comerciais e financei-ras. Essas regras seriam o resultado de regimes internacionais desenvolvidosno seio de instituições, tais como o G-7, o FMI, a OMC, o Banco Mundial, aUnião Européia e a OCDE, que são dominadas por alguns Estados apenas: osEstados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, a França e o Japão. Com efeito, aorigem da expressão governança encontra-se no mundo empresarial, desig-nando a articulação cada vez mais complexa entre empresas de grandes gru-

4 Conforme relatório Our Global Neighbourhood do PNUD (1996).

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pos econômicos e destes entre si, sendo posteriormente, incorporada ao jargãodas instituições intergovernamentais e internacionais, como FMI e Banco Mun-dial, já sob a denominação de boa governança, para referir-se ao conjunto derelações entre essas entidades e os governos e ONGs locais, no intuito de obteruma eficiente execução de programas de ajustamento preconizados de cimapara baixo aos países em desenvolvimento.5

O qualificativo democrático exige que uma governança mundial seja de-senvolvida com distribuição de poder entre os que governam e aqueles que sãogovernados, processos de negociação entre os envolvidos e descentralizaçãoacompanhada por um fluxo de informações para o centro (Beausang, 2001, p.42). Essa acepção põe questões teóricas de fundo, aqui apenas indicadas à luzdos trabalhos comentados, que se referem a problemas de ordem política comreflexos concretos imediatos, tais como: é necessária a constituição de umasociedade civil mundial para a existência de uma governança mundial? Umagovernança mundial democrática pressupõe a mundialização da democraciacomo regime político das nações?6 Respostas positivas a essas questões de-vem ser nuançadas, pois, muitas vezes, não consideram a desigualdade depoder entre os diversos atores do sistema internacional — Estados ricos e po-bres, grandes e pequenas empresas, ONGs internacionais e locais, blocoseconômicos díspares, dentre outros — e os problemas de legitimidade e derepresentatividade de muitas dessas entidades, como é o caso de ONGs quesão consideradas “representantes” de determinadas comunidades e setoressociais. Nesse sentido, Beausang avança dizendo que “(...) a sociedade civilnão pode ser considerada o único pilar da democracia; estados e partidos polí-ticos programáticos são indispensáveis na canalização das demandas para agovernança” (Beausang, 2001, p. 19). É imperativa, portanto, a análise de desa-fios e perspectivas postos pela adoção crescente, decorrente de dinâmicas po-líticas internas e/ou de pressão externa, dos princípios e instituições da demo-cracia representativa, mesmo nas regiões e culturas não ocidentais, bem comopela expansão de práticas democráticas participativas pelos Estados no mun-do. Com efeito, a análise das adaptações e evolução que ocorrem nas institui-ções típicas dos regimes democráticos ocidentais, quando elas são adotadaspelos países emergentes, pode auxiliar, em muito, a compreensão dos desafios

5 Para um inventário de seis acepções de “governança”, ver Rhodes (1996).6 Discussões aprofundadas sobre essas questões se encontram em Francesca Beausang

(2001) e Milani e Solinís (2002).

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para a instauração de uma governança democrática mundial e também daslimitações dessas instituições nos próprios países das quais são originárias.7

Guy Hermet (2002) aborda frontalmente esse problema ao alertar que osimperativos da boa governança mundial, defendida e promovida por institui-ções internacionais e algumas ONGs, não devem ser implantados em detrimen-to das prerrogativas dos Estados, sobretudo daqueles que apenas recentemen-te, e de maneira ainda precária, democratizaram seus regimes políticos. Assis-te-se, freqüentemente, à defesa do estabelecimento de relações diretas e prefe-renciais entre instituições internacionais, especialmente aquelas voltadas aosprogramas de ajuda pública ao desenvolvimento, e às ONGs, reservando umpapel secundário às instituições governamentais, sob a argumentação de queos estados dos países emergentes ou pobres carecem de condições para levara cabo, com eficácia, políticas públicas. Opondo-se a essa justificativa, Hermetargumenta que os programas de desenvolvimento das instituições financeirasinternacionais e regionais, bem como aqueles das Nações Unidas, devem pro-curar reforçar o papel do Estado para cumprir suas funções, respeitando astradições culturais locais. Caso contrário, corre-se o risco de provocar a frag-mentação das experiências participativas, bem como a arrogância e opaternalismo de instituições internacionais e de ONGs que se auto-proclamamrepresentantes da população. Em situações em que os emergentes Estadosdemocráticos são desacreditados em sua capacidade e legitimidade já pre-cárias, tanto a boa governança como a consolidação da democracia corremsérios riscos.

Também na perspectiva de fortalecimento das instituições estatais paraatingir uma boa governança democrática, Razafy-Andriamihaingo (2001) con-tribui com uma análise comparativa sobre as condições e os obstáculos para apromoção da democracia nos países francófilos e na Ásia. Essa tarefa — queexigiria, segundo o autor, a instauração de instituições judiciárias independen-tes, imparciais, acessíveis e eficazes — encontra seus maiores obstáculos nas

7 Nesse sentido, ver o artigo de Jaime Preciado Coronado sobre a governabilidade democrá-tica no México pós-priista, onde o autor examina os enormes desafios que enfrenta oMéxico para construir um sistema democrático após as últimas eleições presidenciais, quepermitiram, pela primeira vez em muitas décadas, a alternância no poder. De fato, o autorconsidera o caso mexicano como um laboratório privilegiado para se examinar o alcance dagovernabilidade democrática, e seu artigo identifica e avalia as principais medidas adotadaspela Presidência Fox para tentar alcançá-la, sobretudo as que concernem à recomposiçãodas relações entre atores políticos, grupos intermediários, ONGs e agentes estatais(Coronado, 2002).

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resistências cultural e política para a universalização dos direitos do homem.Apesar dessas dificuldades, sobretudo na Ásia e na China, o autor identificouum progresso considerável na promoção do estado de direito na comunidadedos países francófilos, creditado aos esforços de organismos intergovernamentaisvoltados para a universalização dos direitos humanos, como é o caso da AgenceIntergouvernementale de la Francophonie. Em sua opinião, portanto, a contribui-ção de instituições intergovernamentais é fundamental na promoção tanto dademocracia como do desenvolvimento. Todavia Dorcella Bazahica (2001) apre-senta uma reflexão sobre as adaptações que as instituições representativasdos regimes democráticos devem sofrer para se enraizarem e serem úteis àssociedades de outras áreas culturais não ocidentais, sob pena de serem inefi-cazes ou até mesmo contraproducentes. No caso, a autora examinou as ten-sões políticas ligadas à divisão da população do Burundi em duas etnias princi-pais — os Tutsis e os Hutus — que a regra tradicional da democracia represen-tativa “um homem, um voto” agrava, pois, como uma das etnias é majoritária, elapoderia eternizar-se no poder. Assim, segundo a autora, deveria ser instauradoum regime democrático adaptado à realidade sociocultural local, que pudessegarantir a sobrevivência política e a possibilidade de alternância no poder paratodas as etnias do País. Para isso, seria necessário privilegiar o consenso emdetrimento da concorrência entre os grupos, dentre outras medidas. Já o traba-lho de Sarah Ben Néfissa (2002) aborda os resultados de uma reforma políticademocrática pontual: o fato de, pela primeira vez, as eleições legislativas de2000, no Egito, terem se desenrolado sob o controle da Justiça, diminuindosignificativamente as fraudes eleitorais nas salas de votação, que, até então,eram controladas pelos representantes locais do poder (sobretudo líderes reli-giosos e famílias tradicionais), que ela qualifica de “notáveis locais”. Essa alte-ração, provavelmente, terá um grande impacto no sistema político do País. Comefeito, a ausência de poder executivo municipal no Egito, bem como a centrali-zação administrativa do País, reforçava as relações clientelistas entre deputa-dos e notáveis locais. Assim, em termos prospectivos, a principal conseqüênciado controle judiciário sobre as eleições poderia ser, doravante, o estabelecimen-to de uma relação direta entre os candidatos e os eleitores, dispensando os“grandes eleitores informais”, que controlavam e manipulavam as eleições. Comoconseqüência, viria a se constituir a categoria, até então inexistente, de “eleitorindividual”, o que implicaria, certamente, importante redefinição da vida políticano Egito, embora a autora alerte que poderiam, também, surgir novos “notáveis”.

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II

As articulações e tensões entre o Estado, as instituições internacionais eos atores da sociedade civil constituem outro tema central quando se debate agovernança. Trata-se de alianças e relações de poder entre essas entidades,sob a influência da globalização econômica e das reformas neoliberais, “(...) quereduzem a capacidade dos regimes democráticos nacionais para enfrentar osefeitos domésticos de decisões que são tomadas em nível global” (Kazancigil,2002, p. 56). Assim, privilegiam-se, na análise que segue, as inter-relações emníveis local e nacional dos processos estudados com a dimensão global dagovernança e da democracia.

Um trabalho recente investiga as relações entre instituições intergoverna-mentais, governos e ONGs, especificamente no que se refere a políticas de lutacontra o tráfico de drogas ilícitas de caráter multilateral (Aureano, 2002). ParaGuillermo Aureano, que analisa a Sessão Extraordinária da Assembléia Geraldas Nações Unidas dedicada ao problema mundial das drogas, em 1998, aparticipação de ONGs que discordam da política oficial internacional de comba-te às drogas, baseada na proibição e na repressão, tem sido tolhida e pratica-mente ignorada pelas instituições multilaterais e internacionais. Estas últimaspreferem se relacionar com outras ONGs, favoráveis às políticas adotadas pelasagências da ONU (sobretudo o Programa United Nations Office for Drug Controland Crime Prevention (UNODCCP), em Viena). Naquele evento, a única ativi-dade de proposições alternativas à política internacional antidrogas vigente queobteve sucesso e visibilidade pública partiu de uma ONG — o Lindesmith Cen-ter —, que ignorou o fórum oficial e trabalhou diretamente com a mídia. Aureano(2002) examina, também, a posição e a influência da política externa do Canadáno sentido de promover uma abertura e uma discussão crítica das políticasantidrogas de caráter multilateral. Seu sucesso parcial reforça a centralidadedos Estados, sobretudo dos mais poderosos, em promover políticas que pos-sam resultar numa governança mais democrática.

Algumas importantes questões concernentes à discussão sobre capitalsocial e sobre os avanços e limites na participação de atores governamentais enão-governamentais na implementação de políticas públicas são também exa-minadas por Maria da Graça Bulhões (2002), ao estudar uma das mais impor-tantes políticas de emprego do Brasil, o Plano Nacional de Qualificação doTrabalhador (Planfor), tal como foi executado no Rio Grande do Sul. Com efeito,esse plano está orientado para atuar de forma descentralizada, com participa-ção, integração e parceria entre Estado e sociedade civil. Ele é implementadopelo Ministério do Trabalho, mas composto pelos planos de qualificação de

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todas as unidades da Federação, e executado pelos respectivos governos esta-duais, com aprovação das Comissões Estaduais de Emprego, compostas deforma paritária por representantes do Governo, dos empresários e dos trabalha-dores. O Plano busca inserir em seu planejamento e em sua gestão os poderesmunicipais e criar Comissões Municipais de Emprego, também tripartites eparitárias. As comissões dos municípios devem, por sua vez, articular atoresestatais e não estatais. Esse plano complexo avançou, desde 1996, no queconcerne aos objetivos ligados à descentralização e à participação, mas apre-sentou limites definidos no que diz respeito à atuação e à articulação dos atores,ressentindo-se da ausência de uma instância estatal que permitisse a formaçãoespecializada de agentes públicos capazes de planejar, articular e implementaruma política dessa envergadura, subsidiando as comissões municipais e osatores da sociedade civil. A presença estatal mostra-se, mais uma vez, essen-cial para que as políticas de descentralização não se transformem em fragmen-tação de esforços e na reprodução de desigualdades entre as diferentes locali-dades e regiões.

A discussão atual sobre a governança urbana procura saber se ela servesobretudo para garantir a eficácia econômica ou a regulação de conflitos, numaépoca em que as cidades se tornaram centros de desenvolvimento econômico esocial, mas também o lugar de exclusão e carências de todos tipos, agravadospela globalização. Annik Osmont (2002) bem demonstra o impactodesestabilizador sobre as comunidades de base e os poderes locais ocasiona-do pelos processos de concentração urbana e de metropolização, que foramintensificados pela globalização econômica. Com efeito, as principais institui-ções financeiras internacionais e as grandes empresas transnacionais conside-ram o desenvolvimento urbano como um aspecto do desenvolvimento econômicoe passaram a impor diversas políticas e estratégias de intervenção sobre ascidades, na procura da máxima eficácia econômica. Assim, os governos nacio-nais, e sobretudo os locais, viram-se ultrapassados por instituições e atoresinternacionais e multilaterais, inclusive ONGs, muito mais poderosos. Esse quadrotorna decisivo o papel dos experts como agentes de mediação, de negociação ede intermediação entre as mais diversas instituições que atuam na governançaurbana. A autora identifica, também, a ingenuidade daqueles que consideramque a descentralização e a participação podem, por si só, resolver os problemaslocais, pois a democracia não pode ser imposta. Assim, seria necessário levarem conta as particularidades de cada caso, o que os programas impostos decima para baixo não conseguem incorporar, e considerar que as cidades sãotambém o espaço de constituição de contrapoderes e de democracia.

Na mesma perspectiva de estudar as dificuldades para o desenvolvimentode políticas urbanas, David Westendorff (2002) examina as relações de parceria

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entre autoridades locais e organizações da sociedade civil a partir do estudo dealguns casos envolvendo grandes cidades de países em desenvolvimento eemergentes. Os efeitos negativos das políticas neoliberais sobre as populaçõesmais carentes levam ao enfraquecimento e à desestruturação de suas associa-ções, e as reformas do Estado e as privatizações do setor público não contri-buem para construir uma governança democrática. Segundo o autor, as organi-zações não-governamentais de desenvolvimento (ONGDs) podem exercer o pa-pel de fortalecer as entidades e os governos locais e servir como intermediáriasentre essas instituições, os governos centrais e outros órgãos internacionais.Bunker Roy (2002), por sua vez, expõe uma experiência de desenvolvimentolocal rural no Rajastão (Índia), conhecida no mundo da cooperação internacionalcomo o “colégio dos pés descalços” (Barefoot College). Trata-se de uma práticade desenvolvimento endógeno que visa desmistificar o conhecimento em proldas populações menos favorecidas numa das províncias mais pobres da Fe-deração indiana, que, nos últimos cinco anos, vem se expandindo por outras 13províncias. Além dos benefícios de projetos de educação e de desenvolvimentotecnológico alternativo, o autor analisa o potencial de transformação estruturaldos resultados de tais projetos junto a populações mais emancipadas e cons-cientes de seu papel político, sobretudo no que concerne à democratização dasrelações de poder num país profundamente marcado pelas desigualdades rela-cionadas com o sistema tradicional de castas.

III

A expansão da democracia local e as tensões entre a democracia repre-sentativa e a participativa são temas centrais na discussão atual sobre governançademocrática mundial. Quando se faz referência ao êxito de uma experiênciaparticipativa local, o exemplo do OP de Porto Alegre freqüentemente é evocado,o que o torna um objeto de estudo muito interessante para o debate sobregovernança democrática. Todavia, ao abordar sucintamente essa experiência,faz-se necessária uma análise prévia das vicissitudes do processo político re-cente no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul, em particular, que permitaqualificar as questões que atualmente pautam o debate sobre democracia,governança e espaço público na era da mundialização. O processo de democra-tização no Brasil, nas duas últimas décadas, ilustra os avanços, limites e desa-fios do novo regime para consolidar-se, os quais também condicionam as opor-tunidades de existência de uma governança democrática no País. De fato, alonga e gradual transição política brasileira (1974-90) foi largamente controlada

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pelos antigos dirigentes autoritários, que garantiram não só sua sobrevivênciapolítica como a permanência no poder de boa parte de seus líderes civis.8 OEstado, por sua vez, continua prisioneiro de interesses privados e clientelistas,e as reformas de cunho neoliberal realizadas na última década não melhoraramesse quadro, cuja face social continua marcada por forte desigualdade de rendaentre as classes sociais e entre as regiões do País. Todavia, no que concerneàs liberdades políticas, o avanço foi significativo, apesar de freqüentementemenosprezado por parcela dos antigos opositores ao regime autoritário, quecritica a carência de progressos substantivos do regime democrático no que dizrespeito a políticas de distribuição socioeconômica e aos direitos humanos.

O fim do Estado autoritário e o início da democracia no Brasil ocorreramconcomitantemente com o advento de uma sociedade muito mais complexa doque aquela que sofrera o golpe de Estado em 1964. Essa sociedade preponde-rantemente urbana, industrializada, diversificada e heterogênea, onde convivemdesde comunidades pré-industriais até setores cosmopolitas pós-modernos,constituiu-se, em boa parte, durante o regime autoritário, que implantou umapolítica econômica desenvolvimentista e modernizante, embora socialmenteexcludente. Assim, quando se desenvolveu a transição pelo alto, sobretudo naprimeira metade dos anos 80, o regime autoritário não podia mais gerir e contro-lar uma sociedade muito complexa, cuja economia já se encontrava em recessãoe onde a maioria de seus setores sociais organizados apoiava a oposição de-mocrática. Embora o novo regime democrático, resultado da transição conser-vadora, também não tenha sido capaz de construir políticas que incluíssem amaioria dos brasileiros nos benefícios de uma das 10 maiores economias domundo, há mais de uma década se assiste ao florescimento de associações eorganizações da sociedade civil de todo tipo, o que torna esse período o maislivre e democrático da história do País.

Um dos constrangimentos mais importantes para a consolidação da de-mocracia e para o desenvolvimento de uma governança democrática no Paísorigina-se, entretanto, no seio mesmo da antiga oposição ao regime autoritário.O longo período de autoritarismo militar (1964-85) provocou, em boa parte dasorganizações de oposição na época, uma confusão entre Estado, regime e go-verno. Isso se deve ao fato de que qualquer oposição aos governos militares eraconsiderada pelos detentores do poder como um desafio ao seu regime e umatentado contra o Estado e a Nação. Assim, muitos dos movimentos de oposi-

8 Para uma análise mais detalhada do processo de transição no Brasil, ver Carlos S. Arturi(2001).

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ção, sobretudo aqueles ligados à Igreja, desenvolveram um profundo sentimentoantipolítico e uma exaltação das organizações de base da sociedade civil,deslegitimando a esfera da atividade político-institucional e, por conseqüência,o regime democrático representativo. Esse preconceito contra o Estado e oregime democrático “formal” é o mesmo encontrado em discursos e concep-ções de governança “sem governo” de instituições financeiras internacionais,cujos projetos de desenvolvimento são criticados pelas próprias organizaçõesde base.9 Ora, num país e numa região cuja tradição republicana é rarefeita eonde a sociedade civil se encontra incipientemente organizada, o preconceitoantipolítico reforça e beneficia os setores sociais mais poderosos, bem como ocorporativismo e a autolegitimação dos grupos mais organizados, tanto à direitaquanto à esquerda do espectro político. Neste artigo, parte-se do princípio deque a institucionalização, por intermédio do Estado, de práticas políticas inicia-das pela sociedade civil é condição sine qua non para a transformação social alargo prazo.

As experiências políticas recentes realizadas no Estado do Rio Grande doSul (Brasil) e em sua capital, Porto Alegre, podem efetivamente contribuir parailuminar melhor essas questões sobre democracia, governança e participação,pois, nesses casos, houve uma significativa experiência de alternância no po-der. Com efeito, uma aliança de partidos de esquerda, liderada pelo Partido dosTrabalhadores, encontra-se, desde 1989, no comando da Prefeitura de PortoAlegre. A ascensão da esquerda ao poder originou desafios práticos no queconcerne às relações entre democracia e participação e entre Estado e socie-dade civil, que não se configuraram da mesma maneira para os governos nacio-nais, liberais e conservadores que se sucederam após o final da década de 80.Conseguirá a esquerda construir uma alternativa à democracia “liberal” e umespaço público legitimado? Estariam sendo criadas as condições necessáriaspara construir uma governança democrática em Porto Alegre? Muitos daquelesque respondem afirmativamente a essas questões utilizam, como seu principalargumento, a criação da já internacionalmente conhecida experiência do OP dePorto Alegre para definir as prioridades do orçamento através da participaçãodireta da população. O OP já foi adaptado e implementado em muitas outrascidades do Brasil e do mundo por administrações de várias colorações políticas.Tornou-se, assim, uma espécie de símbolo de participação política e panacéiauniversal para democratizar o planejamento e a gestão de políticas públicas.

9 Para uma discussão sobre esse tema, ver Rosenau (1997).

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Todavia essa importante experiência participativa também possui seus limitese pode provocar efeitos políticos deletérios para a própria governança demo-crática.

De fato, esse processo de construção participativa do orçamento da capi-tal do Rio Grande do Sul, implantado desde 1990, foi reconhecido como umsímbolo da nova governança democrática e tornou-se objeto de muitos estudosacadêmicos e de polêmicas político-partidárias que, além de destacarem seusméritos, começam também a apontar seus limites. Dentre esses, destacam-seos seguintes problemas: a contradição potencial entre a racionalidade de umapolítica geral para a cidade contraposta à lógica local/setorial do processo dedecisões do OP; a tendência dos setores mais organizados da população afazerem valer suas posições em detrimento daqueles menos organizados e maisexcluídos; a possível cooptação de lideranças locais que se inserem diretamenteno OP, enfraquecendo o outrora pujante movimento de associações de bairros,independente dos governos; o esvaziamento das prerrogativas e funções daCâmara Municipal de Vereadores, e, portanto, da representação político-partidá-ria; e, finalmente, os riscos de instrumentalização política do OP pelo Governo.Verifica-se, portanto, que a experiência do OP na cidade de Porto Alegre e noEstado do Rio Grande do Sul dá origem a questões de fundo teórico e a proble-mas políticos práticos acerca da governança democrática, que devem ser objetode conhecimento científico e de discussão pública. Um artigo de Marcia RibeiroDias (2002), que sintetiza sua tese de doutorado sobre o debate político emPorto Alegre acerca da institucionalização formal do OP e do impacto dessemecanismo sobre as funções e prerrogativas da Câmara de Vereadores, abordaalguns desses problemas, tendo como pano de fundo as tensões entre os prin-cípios e as práticas das instituições representativas e aqueles da democraciaparticipativa.

Observações finais

A existência de uma sociedade civil mundial é freqüentemente citada comoessencial para o desenvolvimento de um espaço público mundial animado poruma governança democrática (Lipschutz, 1996). De fato, seria dificilmenteimaginável uma governança mundial que não estivesse referida ao conjunto deorganizações e movimentos de alcance internacional que, hoje, compartilhamcom as instituições estatais e intergovernamentais a política mundial. Todaviaos trabalhos e as discussões realizadas no seminário Democracia e GovernançaMundial e parte da literatura atual sobre o tema alertam que a tentativa de refor-ço das sociedades civis nacionais e das organizações não-governamentais no

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cenário internacional não deve ocorrer em detrimento dos Estados nacionais edas instituições governamentais, indispensáveis para a manutenção do caráterpúblico, democrático e universalista das políticas adotadas. Pensar a governançademocrática mundial não significa prescindir do Estado como ator político einstitucional essencial.

Verifica-se, igualmente, uma profunda mudança na conceituação degovernança em contraposição à noção até então dominante, equiparada à boagestão sobre o processo de tomada de decisões e à eficácia na gestão depolíticas (boa governança). Debate-se a necessidade de dar um conteúdomais substantivo à noção de governança e de vinculá-la ao desenvolvimentosocial e à participação democrática de todos aqueles envolvidos nas decisões.Assim, a inclusão dos princípios da democracia, do respeito aos direitos huma-nos e às culturas locais, da participação dos atores da sociedade civil no pro-cesso de negociações, da distribuição do poder e da descentralização da ges-tão revelam-se dimensões essenciais de uma governança democrática. Aschances de instauração de uma governança mundial desse tipo também depen-dem diretamente da existência da democracia e de mecanismos de gestãoeficientes no interior dos Estados nacionais. Isso não significa, contudo, que oregime democrático ocidental possa ser implantado sem considerar as tradi-ções culturais e políticas dos países envolvidos, bem como a estrutura estatalexistente. O conceito mesmo de governança deve estar impregnado dehistoricidade e referido a contextos sociais e culturais específicos.

Pensar a governança mundial e implementar políticas no sentido de suademocratização exige análise crítica e rigorosa sobre a variedade de atorespolíticos e sociais — os operadores econômicos, os movimentos sociais —implicados nos diferentes esforços atuais de regulação mundial. Pressupõe,igualmente, o reconhecimento da diversidade de contextos locais e nacionaisnos quais se desenvolvem os modelos democráticos. Sobretudo, é necessário,do ponto de vista teórico e prático, superar “(...) o debate maniqueísta [que]tende a reduzir o econômico ao mercantil, e o político ao Estado, sem concebera pluralidade nos modos de participação na vida política (por exemplo, a vidaassociativa) e econômica (por exemplo, a economia solidária e ecologicamenteresponsável)” (Milani; Solinís, 2002, p. 276). Por sua vez, a contestação interna-cional antiglobalização pode afetar de maneira negativa as possibilidades deuma governança mundial. Em primeiro lugar, muitos desses movimentos desen-volvem uma crítica acerba quanto à democracia representativa e ao Estado,que, como se argumentou, são centrais para a democratização de uma regulaçãosocial mundial; em segundo lugar, quando algumas organizações antiglobalizaçãoapelam para a violência política, como foi o caso em Gênova, em 2001, ocorre

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uma deslegitimação do conjunto dos movimentos, que são, portanto, essen-ciais para uma governança democrática mundial; finalmente, percebe-se, apóso 11 de setembro de 2001, o início de articulações interestatais para vigiar,controlar e, eventualmente, reprimir tais movimentos, constituindo uma espéciede governança “securitária”, que pode se revelarem um entrave para a democra-tização do espaço público mundial.10

Em suma, o rápido exame realizado neste trabalho sobre o debate atual arespeito da governança mundial democrática mostrou que, para instaurá-la, sãonecessários a precedência do político sobre o econômico na construção doespaço público mundial, a sinergia entre democracia e governança eficaz, bemcomo o estabelecimento de relações estreitas entre organizações da sociedadecivil e instituições estatais e internacionais. Hoje, além desses enormes desa-fios, a governança mundial, para se efetivar, deve superar os obstáculos prove-nientes da deterioração das relações internacionais após o ataque de 11 desetembro de 2001, pois o unilateralismo da política externa norte-americana e oreforço do componente militar, em detrimento do diplomático, restringiram opapel da cooperação e das instituições internacionais, a começar pela ONU, oque afeta negativamente o ambiente e os espaços institucionais necessáriospara sua efetivação.

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10 A esse respeito, ver Montes (2001) e Jacquet (2002).

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial: o que se pode

esperar das contas externas com a nova internacionalização da

economia brasileira?*

André Luís Forti Scherer Economista da FEE e Professor do Departamento de Economia da PUCRS.Celso Afonso Monteiro Pudwell Economista do BRDE e Professor do Departamento de Economia da PUCRS.

ResumoA superação da vulnerabilidade externa é um elemento essencial para a retoma-da do crescimento econômico no Brasil. Procura-se, neste artigo, salientar aimportância da manutenção de saldos comerciais positivos para a redução dafragilidade externa. Questiona-se a possibilidade de aprofundamento dessessaldos em um contexto de retomada da atividade econômica a partir da débilinserção comercial brasileira em produtos dinâmicos no comércio mundial e daforma da internacionalização ocorrida após o Plano Real. Mostra-se que cercade 60% do comércio externo brasileiro é realizado, hoje, através de empresasmultinacionais, o que introduz uma vinculação entre as arbitragens realizadaspelos executivos dessas empresas e o saldo comercial brasileiro.

Palavras-chaveProdutos dinâmicos no comércio mundial; empresa multinacional;comércio intrafirma.

* Este artigo contou com o apoio do acadêmico Marcos Vinícius Guterres Ibias.

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AbstractThe overcoming of the external vulnerability is a key element for the retaken ofthe economic growth in Brazil. The importance of maintaining a positiveinternational trade of goods balance in order to reduce this external fragility ispointed out in this article. However, the improvement of such positive results in acontext of economic growth retaking rises as a questionable matter, due, first,to the rather weak commercial insertion of Brazilian goods in the worldwide dynamicproducts trade and, second, to the way internationalization occurred in Brazilafter the Plano Real implementation in 1994. The article also shows that about60% of the Brazilian foreign trade is held by multinational companies, thereforeintroducing a strong entailing between the corporation’s day-by-day decisionsand the Brazilian foreign trade balance.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta editoria em 08.05.03.

A vulnerabilidade externa surgiu como a principal preocupação referente àsustentabilidade da economia brasileira no governo do Presidente FernandoHenrique Cardoso. Após a desvalorização cambial de 1999, estaria aberta a viapara a redução dessa fragilidade, a partir, principalmente, da reversão do saldocomercial e da obtenção, em curto prazo, de expressivos saldos nessa conta. Aestabilidade da economia — entendida como um nível de crescimento apropria-do à criação de empregos sem desequilíbrio insustentável e progressivo emconta corrente — poderia ser finalmente conquistada.

O bom desempenho da conta comercial brasileira, especialmente a partirde 2001, poderia dar razão a esse viés analítico. As oscilações do nível cambialcom o novo regime, entretanto, mostraram que os bons resultados comerciaisnão eram suficientes para estabilizar o câmbio e, pior, eram dele dependentes.A estabilidade da economia, tal como definida acima, ainda não foi testada nonovo regime cambial, pois a economia brasileira não apresentou crescimentominimamente aceitável no período. A combinação da aceleração da desvaloriza-ção cambial com a redução do crescimento do nível da atividade interna foi ofator fundamental para o ajuste obtido.

Pelo fato de os saldos comerciais estarem, em grande medida, ligados àredução das importações domésticas, em decorrência do reduzido nível deatividade interna — uma imposição motivada pela desaceleração da economia

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mundial, a qual impediu um crescimento mais firme das exportações brasilei-ras —, por muitas vezes, foi aventada a necessidade da retomada de um “pro-cesso de substituição competitiva de importações”. Este estaria ainda em cur-so e seria o responsável pela obtenção dos saldos comerciais necessários àredução da fragilidade externa.

Uma observação mais atenta do nível de investimentos da economia brasi-leira nos anos 2001 e 2002 permite apontar que esse processo de substituiçãode importações não se deu em sua forma “clássica”, ou seja, em um contextode crescimento da economia e da formação bruta do capital. O objetivo desteartigo é o de analisar as possibilidades de continuidade e de aprofundamentodesse processo de redução da vulnerabilidade externa em um contexto de reto-mada do crescimento da economia brasileira.

O exame da vulnerabilidade externa da economia brasileira torna-se maiscomplexo na medida em que a economia mundial tende a passar por um perío-do razoavelmente prolongado de debilidade, aumentando sua instabilidade“congênita”, presente de forma acentuada ao menos desde a crise dos paísesdo Sudeste Asiático em 1997. Essa situação se reflete nas perspectivas quantoà possibilidade de incremento significativo das exportações brasileiras ao mes-mo tempo em que o fluxo de capitais em direção ao País tende a tornar-se aindamais volátil. A instabilidade dos fluxos de capitais externos é ainda agravadapelo componente de incerteza geopolítica que advém da agressiva política ex-terna norte-americana — a chamada guerra contra o terrorismo —, da qual seteve, recentemente, um exemplo com a Guerra do Iraque. Essa política portaem si um potencial de novos conflitos e pendências, na medida em que suaestratégia tenta legitimar a “guerra preventiva”, com conseqüências sobre aprevisibilidade da economia internacional, o que reforçará ainda mais a necessi-dade de o Brasil garantir um elevado saldo comercial como única forma segurade redução da vulnerabilidade externa.

Por outro lado, um aspecto essencial que não tem tido a devida atençãodiz respeito aos efeitos da internacionalização da economia brasileira no pós--Plano Real. Esse é, ao nosso ver, um condicionante fundamental das perspec-tivas do setor externo brasileiro para o próximo decênio. E, nesse sentido, ainformação de que os principais canais de comercialização externa no País sãohoje detidos por empresas transnacionais em nível semelhante àquele da eco-nomia mundial aponta uma realidade que não pode ser negligenciada: as pos-sibilidades do ajuste comercial brasileiro são hoje, mais do que no passado,dependentes do interesse imediato das matrizes das empresas multinacionais.

É nossa hipótese, então, que as arbitragens orientadas por critérios finan-ceiros, realizadas por essas empresas, possuem, atualmente, um caráter

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determinante quanto às potencialidades comerciais da economia brasileira e,como resultante, sobre a própria vulnerabilidade externa futura.

O processo em curso de redução dessa vulnerabilidade seria, até o mo-mento, mais uma expressão da adequação ao interesse dessas empresas daredução relativa dos custos no País — seja pela redução do nível de saláriosreais, seja a partir do efeito da desvalorização cambial sobre os preços relati-vos — do que o reflexo de ganhos estruturais de competitividade da economiabrasileira. O processo de ajuste do balanço de pagamentos brasileiro asseme-lha-se, assim, àquele que Fajnzilber denominou de “competitividade espúria”,colocando em dúvida os efeitos de uma recuperação do nível de atividade daeconomia brasileira sobre o ajuste do balanço de pagamentos verificado no pe-ríodo recente. Fica aberta, nesse caso, a possibilidade de que um aumento noscustos para essas empresas — quase uma precondição para a retomada de umcrescimento acelerado — possa representar uma reconstituição de sua prefe-rência por insumos e produtos importados em detrimento de sua produção locale das exportações.

Na primeira parte deste artigo, tratar-se-á da evolução dos indicadores devulnerabilidade externa da economia brasileira e do ajuste realizado no períodorecente, mostrando a importância da reversão do saldo comercial para esseajuste. A seguir, será realizada uma análise dos produtos mais dinâmicos dapauta comercial brasileira, de modo a caracterizar qualitativamente a inserçãorecente do País nos fluxos de comércio internacional. Uma terceira seção seráconsagrada à importância dos fluxos de investimentos diretos externos para ocomércio internacional, com destaque para a evolução dessa relação no Brasil,nos anos 90.

Buscar-se-á fundamentar a idéia de que os saldos comerciais, decididos,em grande parte, a partir do interesse das matrizes das 200 principais corporaçõesmundiais, tendem a se mostrar mais voláteis do que no passado, com os ajus-tes das empresas às mudanças nos custos relativos ocorrendo de forma maisrápida do que nos processos de substituição de importações “clássicos”. Des-se modo, explicita-se a necessidade de uma política de desenvolvimento volta-da para investimentos que possibilitem, no futuro, uma efetiva substituição deimportações.

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1 - A evolução da vulnerabilidade externa na economia brasileira e a “substituição de importações”

A vulnerabilidade externa da economia brasileira durante toda a década de80 esteve associada à necessidade da geração de megassuperávits comer-ciais, a fim de o País saldar seus compromissos externos, tais como os jurosda dívida externa e a remessa de lucros das empresas multinacionais. Logo, ainexistência de um fluxo substancial na conta capital desde 1982, com a mora-tória mexicana, praticamente impediu que o País tivesse déficits na conta cor-rente. Durante todo esse período, o regime cambial caracterizou-se pela adoçãode crawling peg passivo1, a fim de manter a competitividade comercial do País.

O cenário internacional e as perspectivas para a América Latina começa-ram a mudar desde o Plano Brady, em 1989. A partir de então, a dívida dasgrandes economias da região foi renegociada, o que, concomitantemente à pro-moção de reformas de cunho liberal preconizadas no decálogo conhecido comoo Consenso de Washington, tornou a região novamente atraente para os fluxosinternacionais de capitais.

Essa agenda reformista também chegou ao Brasil ao final da década de80. Com o início do Governo Collor, o País passou a promover um conjunto dereformas, as quais se consubstanciaram em um amplo programa de privatizaçõese na abertura comercial e financeira, permitindo o acúmulo de reservas em divi-sas. Apesar disso, o regime cambial não foi alterado, e a economia brasileiracontinuou obrigada a manter elevados superávits comerciais e um relativo equi-líbrio em conta corrente.

A manutenção de um elevado saldo comercial e o retorno dos capitaisestrangeiros ao País a partir de 1992, atraídos, em grande parte, pelo elevadodiferencial de juros interno e externo e pela possibilidade de ganhos em Bolsade Valores, permitiram o acúmulo de superávits no balanço de pagamentos e aformação de um colchão de reservas internacionais, que atingiria praticamenteUS$ 40 bilhões no final do primeiro semestre de 1994.

O equilíbrio das contas externas do País associado a um cenário de liquidezinternacional levaram, então, as autoridades brasileiras ao lançamento do PlanoReal, em julho de 1994, com a mudança do regime cambial, que se caracterizou,inicialmente, pela fixação de um teto (R$1,00 = US$1,00), podendo a taxa de

1 O regime de crawling peg passivo caracteriza-se por forte intervenção da autoridade mone-tária na formação da taxa de câmbio, fazendo com que a taxa nominal de câmbio sejadesvalorizada de acordo com a inflação passada (Carvalho et al., 2000, cap. 21).

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câmbio flutuar livremente abaixo do teto. Além disso, utilizou-se uma elevadataxa de juros a fim de combater o processo inflacionário e não permitir que onovo plano de estabilização pudesse perder credibilidade frente aos agenteslogo na sua estréia.

A combinação de um teto cambial e de taxas de juros elevadas permitiuuma apreciação nominal do câmbio, que teve por efeito a reversão dos saldoscomerciais já em novembro do mesmo ano. O segundo semestre de 1994 foi,então, marcado pelo crescimento substancial do consumo, da apreciação cam-bial e da redução significativa do superávit comercial.

Em dezembro de 1994, a crise mexicana fez com que os fluxos externosde capitais apresentassem uma inflexão, deixando temporariamente a AméricaLatina. Assim, em março de 1995, o Brasil modificou sua política cambial,adotando o regime de crawling peg ativo, onde a taxa de câmbio sofria umadesvalorização anual de 7% ao ano e de 0,6% ao mês. A intenção era corrigir adefasagem cambial acumulada desde o início do Plano Real, sem reacender amemória entre correção cambial e inflação passada. Tal política foi utilizada atéjaneiro de 1999, quando foi abandonada, sendo adotado o regime flutuante decâmbio.

A adoção da chamada âncora cambial (do teto cambial ou do crawling pegativo) entre julho de 1994 e janeiro de 1999 promoveu a reversão dos saldoscomerciais, com um aumento substancial dos déficits em conta corrente. Es-ses déficits sucessivos elevaram a dívida externa brasileira de US$ 140 bilhõesem 1994 para US$ 240 bilhões em 2003, com o aumento do passivo externolíquido2 da economia brasileira. Esse desequilíbrio refletiu-se na crescente de-pendência de maiores volumes de capitais estrangeiros para o fechamento dascontas externas, acarretando uma maior vulnerabilidade financeira ao País.

Os crescentes déficits comerciais dificultaram os pagamentos com juros eremessas de lucros e de dividendos ao Exterior, levando a uma trajetória dedesequilíbrios em conta corrente que se tornou progressivamente insustentávelentre 1994 e 1998. O acúmulo dos déficits em conta corrente e o aumento nasnecessidades externas de financiamento conduziram a um aumento significati-vo do passivo externo do País, o qual, por sua vez, remete a uma elevaçãopotencial no déficit com serviços, agravando a trajetória deficitária em contacorrente.

2 O conceito de passivo externo líquido de um país (Giambiagi, 1997; Carta da Sobeet, 2001;Miguel; Cunha, 2001) procura agregar todos os passivos somando a dívida externa totalcom os estoques de investimento direto estrangeiro e em portfólio, descontando as reser-vas cambiais. O passivo externo líquido e a conta corrente são importantes indicadores paraa verificação da vulnerabilidade externa, sendo o primeiro um indicador de estoques e osegundo de fluxos.

André Luís Forti Scherer; Celso Afonso Monteiro Pudwell

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Em 1997, com a eclosão da crise asiática, as dificuldades de financiamen-to externo da economia brasileira e seu crescente desequilíbrio comercial e emconta corrente tornaram-se ainda mais evidentes. Naquele ano, dada a instabi-lidade financeira mundial, o volume de amortizações pagas pelo País passou deUS$ 14 bilhões em 1996 para cerca de US$ 29 bilhões em 1997, o que, devidoa um déficit em conta corrente da ordem de US$ 31 bilhões e a uma saída doscapitais de curto prazo de US$ 19 bilhões, levou a uma perda de reservas próxi-ma a US$ 8 bilhões.

No início de 1998, o retorno dos fluxos de capitais de curto prazo ao Brasile a privatização do sistema Telebrás — a qual, conduzida sob uma ótica estrita-mente financeira, possibilitou um aumento expressivo no volume de ingresso decapital estrangeiro de longo prazo — tornaram aparentemente crível a manuten-ção da política cambial vigente. No entanto, com a crise cambial russa em junhode 1998, o Brasil passou a sofrer novo ataque especulativo, o qual resultou emuma continuada perda de reservas cambiais — somente em setembro daqueleano, as reservas do País caíram US$ 22 bilhões.3 A necessidade total de finan-ciamento externo do País, em 1998, foi de US$ 91 bilhões, inclusive com aperda líquida de cerca de US$ 8 bilhões nas reservas, naquele ano (Tabela 1)4.

No final desse mesmo ano, o País conseguiu um acordo de ajuda do FMIque aportou quase US$ 10 bilhões, a fim de evitar uma crise do balanço depagamentos ainda maior (esse empréstimo aparece como operação de regula-rização na Tabela 1).

Em 13 de janeiro de 1999, o Governo brasileiro, não mais podendo susten-tar o processo de ancoragem cambial devido à continuada saída de recursos doPaís mesmo após o acordo com o FMI, admitiu o câmbio flutuante. O novoPresidente do Banco Central, que assumiria a condução da política cambial,5

Armínio Fraga, destacava, já em seu discurso de posse, a necessidade naredução da vulnerabilidade externa da economia (Gráfico 1). Por sua vez, o ex--Presidente Gustavo Franco, em seu discurso de despedida, não comentou odesastre resultante de sua política para o setor externo da economia brasileira,

3 É importante salientar que, no início de 1998, houve um crescimento significativo das reser-vas cambiais brasileiras, havendo uma perda considerável no segundo semestre. Assim, ovalor apresentado na Tabela 3 demonstra uma perda líquida de reservas, em 1998, de US$7,97 bilhões, o que não é incompatível com uma perda de reservas de US$ 22 bilhões emsetembro.

4 Na Tabela 1, a variação positiva das reservas representa uma perda, enquanto uma va-riação negativa representa um aumento das reservas cambiais, seguindo as regras dacontabilidade do balanço de pagamentos.

5 Com a saída de Gustavo Franco, assumiu, por duas semanas, o Economista FranciscoLopes, e, só então, foi convidado o Economista Armínio Fraga.

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limitando-se a falar sobre a evolução das variáveis domésticas, tais como ainflação, a política monetária e a reestruturação do sistema financeiro.

André Luís Forti Scherer; Celso Afonso Monteiro Pudwell

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Tabela 1

Usos e fontes do balanço de pagamentos do Brasil — 1995-00 (US$ milhões)

DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Usos ..................... -24 828 -41 364 -66 995 -91 414 -78 123 -64 623 Transações cor-rentes .................. -17 972 -23 136 -30 916 -33 611 -25 062 -24 608 Financiamento às exportações .......... -679 -211 -566 -2 755 -742 -439 Amortizações ........ -11 023 -14 419 -28 714 -33 587 -49 120 -34 690 Capitais de curto prazo .................... 18 834 5 358 -18 929 -27 333 -8 452 -6 384 Variação nas re-servas (1) ............. -12 919 -8 666 7 907 7 970 7 822 2 262 Fontes .................. 22 735 43 079 69 806 95 320 77 966 62 169 Investimento ......... 4 663 15 540 20 662 20 759 30 042 29 559 Outros ................... 18 072 27 539 49 144 74 561 44 958 42 933 Operações de re-gularização ........... - - - 9 324 2 966 -10 323 FONTE: BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasilia: BACEN, ago. 1999. BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasília: BACEN, abr. 2001. (1) Os valores negativos correspondem a aumento das reservas.

FONTE: PUDWELL, C. A. M. Fragilidade financeira externa, a partir de Minsky, e os desequlíbrios externos no Plano Real.

(1994-1998) Porto Alegre: UFRGS, 2001. (Dissertação de Mestrado).

Índice de fragilidade financeira externa — 1992/99 Gráfico 1

0,3980,550

0,6050,706

0,818

0,709

0,9500,967

0,000

0,200

0,400

0,600

0,800

1,000

1,200

2º tr

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2

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3

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9

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6 O IFE é um índice trimestral, onde M = importações; Dj = despesas com juros do balanço depagamentos; Dos = despesas com outros serviços; A = amortizações; CCP = estoque decapitais de curto prazo desde 1991; PLA = estoque do investimento em portfólio acumuladodesde 1991; X = exportações; Rj = receita com juros; Ros = receita com outros serviços;Id = investimento direto estrangeiro; Eml = empréstimos de médio e longo prazos; eRE = reservas cambiais.

7 Ver também o Gráfico 2.

Com relação à vulnerabilidade financeira, Paula e Alves Júnior (1999) apre-sentam um indicador de fragilidade financeira externa (IFE) que procuracompatibilizar variáveis de fluxos e estoques, bem como desagregar passivosde curto prazo e de longo prazo.

Esse índice pode ser expresso a partir da fórmula:6

IFE = (M + Dj + Dos + A + CCP-1 + PLA-1)/(X + Rj + Ros + RE-1 + Id + Eml)As variáveis de estoque, pelo lado passivo (numerador), são o estoque de

capitais de curto prazo (CCP) e o estoque de investimentos líquidos em portfólio(PLA), ambos defasados em um período (-1). Pelo lado ativo (denominador), oíndice apresenta o volume das reservas cambiais, também defasado em umperíodo (-1).

Os investimentos diretos (Id) e os empréstimos de médio e longo prazos(Eml) foram incluídos no lado do ativo. Dessa forma, o ativo representa todas asfontes de financiamento do País para fazer frente aos compromissos mais ime-diatos em moeda estrangeira.

O IFE permite observar a evolução da fragilidade financeira ao longo dotempo e qual a capacidade da economia para responder aos seus passivosmais imediatos com os fluxos de capitais que possui, suas disponibilidades esua capacidade de refinanciamento em longo prazo. Ao analisar o estoque decapitais de curto prazo e de investimento em portfólio e sua relação com asreservas cambiais, tem-se o que Calvo e Mendonça (1996) propõem como pro-blemas de estoques, sobretudo para o caso da crise mexicana (1994-95), ondeos passivos acumulados cresceram de forma desproporcional às reservas cam-biais, o mesmo tendo acontecido com o Brasil (Pudwell, 2001). O Gráfico 1apresenta a evolução do IFE desde o primeiro trimestre de 1992 até o segundotrimestre de 1999.

A evolução do índice de fragilidade financeira externa demonstra a incom-patibilidade da política cambial com a sustentabilidade das contas externas,mesmo com as taxas de crescimento econômico relativamente reduzidas,sobretudo nos anos de 1997 e 1998.7 Note-se que o índice atinge 0,95 no início

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de 1999, demonstrando que o País possuía US$ 0,95 para cada US$ 1,00 depassivo de curto prazo, ou seja, mesmo dispondo da totalidade das reservascambiais para esses pagamentos, ainda assim não seria possível conter a fugade capitais do período.

Com a adoção do câmbio flutuante, a taxa de câmbio rapidamente sedesvalorizou, passando de R$ 1,20/US$ 1,00 no final de 1998 para uma cotaçãonominal próxima de R$ 2,00/US$ 1,00 no anos de 1999 e 2000 (Gráfico 2).A resposta do saldo comercial veio quase de forma instantânea, recuperando-see atingindo uma balança comercial praticamente equilibrada (Tabela 2).

André Luís Forti Scherer; Celso Afonso Monteiro Pudwell

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Além disso, com o risco cambial próprio nesse regime de câmbio, os ca-pitais de curto prazo e os investimentos em portfólio reduziram-se, o que contri-buiu, também, para a redução no nível de fragilidade externa.

O Gráfico 2 demonstra a relação entre a taxa nominal de câmbio e a balan-ça comercial trimestral do País. A adoção do câmbio flutuante e a desvaloriza-ção cambial promoveram a melhoria substantiva da conta comercial e do déficitcorrente, com a redução do ingresso de capital “especulativo” no País, o que,em tese, minimizou o problema da vulnerabilidade externa.

FONTE: IPEA. Séries estatísticas. Disponível em: www.ipeadata.gov.br Acesso em: 04.05.03.

Volatilidade cambial e da balança comercial — 1994/03

Gráfico 2

-6 000

-4 000

-2 000

0

2 000

4 000

6 000

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4

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5

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9

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0

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0

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im./0

1

2º tr

im./0

2

1º tr

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3

00,511,522,533,544,5

Balança comercial (US$ milhões) Taxa de câmbio (R$/US$)

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Tabela 2

Balanço de pagamentos do Brasil — 2001-02 (US$ milhões)

DISCRIMINAÇÃO 2001 2002

Balança comercial ................... 2 642 13 126 Exportações ............................... 58 223 60 361 Importações ............................... 55 581 47 235 Serviços .................................... -7 749 -5 083 Rendas ...................................... -19 743 -18 191 Conta corrente ......................... -23 023 -7 757 Conta capital e financeira ....... 27 295 12 003 IDE ............................................. 24 715 14 084 Investimento em carteira ........ 77 -5 119 Outros ...................................... 2 503 7 200

FONTE: BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. Brasília: BACEN, abr. 2003. NOTA: Esta tabela usa a quinta versão do Manual de Balanço de Pagamentos do FMI, enquanto a Tabela 1 utiliza da quarta versão.

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

Em 2001, a taxa nominal de câmbio passou a se situar em um patamarsuperior a R$ 2,00/US$ 1,00, o qual, combinado a uma economia relativamentedesaquecida, em função das crises financeiras argentina e norte-americana,causou o primeiro superávit comercial desde 1994 (Tabela 2).

Em 2002, a instabilidade dos mercados financeiros internacionais e aexpectativa eleitoral fizeram com que a disponibilidade de crédito internacionaltivesse uma queda significativa e levasse o País a recorrer novamente aos em-préstimos do FMI. A restrição do crédito externo (exceto FMI) levou a uma de-preciação cambial, onde a taxa de câmbio operou acima dos R$ 3,00/US$1,00,atingindo até mesmo R$ 4,00/US$ 1,00 em outubro de 2002. A desvalorizaçãocambial, a estagnação econômica brasileira e a falta de crédito internacionalpossibilitaram, assim, um novo e importante ajuste nas contas comercial e cor-rente, fazendo com que a relação entre o déficit em conta corrente e o PIBficasse em torno de 1,7% em 2002.

O ajuste externo em 2002 foi obtido através de um novo patamar cambial,com a queda considerável no nível de importações, no nível de consumo e daformação bruta de capital fixo, ou seja, em um cenário de estagnação econômica

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e de redução dos investimentos.8 Depreende-se, então, que não se encontra emcurso um processo de “subtituição de importações” em moldes clássicos, poisnão se fizeram os investimentos correspondentes a essa mudança na pautacomercial do País.

Sendo assim, embora a vulnerabilidade externa da economia brasileira seapresente, hoje, em nível bastante inferior àquele verificado no Plano Real, aindanão é possível afirmar se tal evolução é estrutural ou conjuntural. No primeirotrimestre de 2003, o retorno dos fluxos de capitais ao País, dados os elevadosdiferenciais de juros interno e externo e as expectativas otimistas com relaçãoao novo governo por parte dos mercados financeiros nacional e internacional,vem promovendo rápida valorização cambial. Pode-se esperar, novamente, umaumento da vulnerabilidade externa, uma vez que o retorno do País ao mercadointernacional de capitais se dá, fundamentalmente, com a atração de investi-mentos de curto prazo, com a redução acentuada dos investimentos diretoslíquidos no primeiro trimestre de 2003 frente ao mesmo período de 2002.

2 - As mudanças nos padrões internacionais da competitividade comercial e a qualidade da inserção brasileira9

Uma das promessas da liberalização comercial era a melhoria da qualida-de da inserção brasileira no comércio mundial. O direcionamento dos investi-mentos privados (principalmente externos, no centro da nova dinâmica do inves-timento) aos setores nos quais o País tivesse vantagens comparativas garantiriauma participação mais positiva do Brasil no comércio mundial.

No entanto, essas previsões se mostraram demasiado otimistas. Se sepodem constatar sinais de um movimento em direção à maior qualidade dainserção comercial brasileira, esta ainda se apresenta demasiado tímida, princi-

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8 A formação bruta de capital apresentou um “crescimento negativo” de 1,14% e de 5,20% nosanos de 2001 e 2002 respectivamente (IPEA, 2003). A esse respeito, é importante salientarque, durante o Plano Real, houve, em princípio, uma ligeira melhora nesse indicador, que, noentanto, se manteve sempre em nível insuficiente para garantir o crescimento sustentado daeconomia brasileira.

9 Esta seção baseia-se em informações sobre o comércio mundial, tendo como fonte o WorldInvestment Report 2002 (2002). Os dados sobre a inserção comercial brasileira têm porbase diversos estudos sobre a mesma realizados pelo IEDI.

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palmente quando comparada à de países com nível de desenvolvimento similare que vêm viabilizando, a partir de políticas adequadas, uma inserção comercialcom maior dinamismo.

Cabe, portanto, antes da análise qualitativa da forma da inserção brasileiranos fluxos mundiais de comércio, uma visita aos novos padrões que toma acompetitividade no comércio mundial, destacando os setores mais dinâmicos eos países que conseguiram bem aproveitar as oportunidades proporcionadaspelo comércio internacional.

2.1 - Novos padrões internacionais da competitividade comercial

Tradicionalmente, o sucesso da inserção comercial de um país é medidopelos avanços em sua participação no total do comércio mundial — a chamadacompetitividade revelada. Apesar de sua relativa expansão nos últimos 20 anos,o comércio mundial permanece extremamente concentrado em poucos países.

O Brasil está longe de fazer parte do seleto grupo de 20 países — em suamaior parte, países desenvolvidos — com maior participação nas exportaçõesmundiais, os quais concentravam 75% do volume total das exportações mun-diais no ano 2000. Pior, não participa do grupo de 20 países que apresentaramo maior crescimento em sua participação nas exportações mundiais (os países“ganhadores”) entre 1985 e 2000. Este último grupo é composto principalmen-te por países em desenvolvimento, que, a partir de políticas diversas, vêm ga-nhando espaço no comércio mundial. Dentre estes, destacam-se a China, aMalásia, a Tailândia, o Taiwan e Cingapura, o que permite entrever mudançasfuturas na lista das economias mais competitivas.

Essas modificações são tributárias das oportunidades abertas por fatoresque se encontram na confluência de duas causas, a inovação tecnológica e asmudanças institucionais. Por um lado, as mudanças na logística da produção,possibilitadas, em grande parte, pela adoção de novas tecnologias, acarretammodificações organizacionais e locacionais na produção internacional. Por ou-tro lado, as mudanças institucionais trazidas pela criação da Organização Mun-dial do Comércio (OMC) e a adoção de novas regras para o comércio mundialforam respondidas pelos países mais competitivos com a adoção de políticascomerciais ativas e adequadas a essa nova institucionalidade.10

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10 Conforme Belluzzo (2003), “(...) saíram-se bem apenas os que souberam atrelar de formaativa e inteligente os projetos nacionais de desenvolvimento à nova configuração da eco-

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Essa nova distribuição geográfica se conforma paralelamente ao estabele-cimento de novas tendências estruturais nos fluxos de comércio internacional.Essas tendências passam pelo deslocamento da pauta do comércio mundialem direção aos produtos com maior conteúdo tecnológico e à maior participa-ção das partes e componentes em detrimento do comércio de produtos acaba-dos. Outro aspecto importante, fortemente negligenciado pela falta de dados nomesmo nível de detalhamento relativamente àqueles que podem ser obtidospara o comércio de produtos, diz respeito ao crescimento do comércio interna-cional envolvendo o setor serviços.11

O avanço do conteúdo tecnológico das exportações mundiais pode servisto a partir da queda na parte dos produtos primários e das manufaturas ba-seadas em recursos primários. Esses produtos respondiam por apenas 28% dototal comercializado em 2000 e têm apresentado uma queda constante em suaparticipação nos fluxos mundiais de comércio, nas últimas duas décadas.12

Isso implica que uma estratégia de avanço no comércio, mundial baseada emprodutos primários e seus derivados somente pode ser obtida a partir do deslo-camento de países competidores nesses produtos, demonstrando a dificuldadede crescimento nesses setores.

Na segunda metade da década de 90, as manufaturas de maior conteúdotecnológico foram as que apresentaram o maior ritmo de crescimento, emboraaquelas com conteúdo tecnológico médio venham se mantendo com a maiorparticipação.

Os países em desenvolvimento vêm ganhando espaço na comercializaçãode produtos tecnologicamente mais complexos, como mostra o Quadro 1. En-tretanto esses ganhos de competitividade em relação ao grupo de produtosmais dinâmicos da pauta comercial se concentram fortemente nos países doLeste e do Sudeste Asiáticos, região cuja participação no comércio mundial

nomia mundial proposta pelas multinacionais”. Isso se dá a partir da internacionalizaçãode suas megaempresas (Coréia e Taiwan) ou da imposição de compromissos aos inves-tidores estrangeiros (China).

11 As exportações de serviços representavam, aproximadamente, 20% do total das exporta-ções mundiais de bens em 2000 (US$ 1,4 bilhão). Para uma visão otimista quanto aocomércio internacional de serviços e suas modalidades, ver Mcguire (2002).

12 As exportações de bens baseados em recursos naturais foram ultrapassadas por bensnão baseados em recursos naturais ainda em 1984 (World Invest. Rep. 2002, 2002,p. 144).

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apresentou um incremento de 8,6 pontos percentuais entre 1985 e 2000.13 Ospaíses latino-americanos tiveram uma performance menos brilhante, agravadapelo fato de seus novos mercados estarem relacionados aos processos deintegração regional (Mercosul e Nafta), enquanto as exportações dos paísesasiáticos ganharam participação junto aos principais mercados consumidoresmundiais (Japão, Estados Unidos e Europa).

Essa elevação do conteúdo tecnológico da pauta do comércio mundialaparece também na lista de produtos que apresentaram um maior dinamismono comércio mundial entre 1985 e 2000, os quais se concentram principalmentena indústria eletrônica e em seus componentes.14 O produto de maior cresci-mento no período foram os circuitos microeletrônicos, com uma participação,em 2000, de 3,38% do comércio mundial (crescimento de 2,56 pontos percentuaisem relação a 1985), seguido das partes e acessórios para máquinas deprocessamento de dados e das unidades centrais digitais de armazenamentode dados. Partes e equipamentos para rádio e televisão e equipamentos paratelecomunicações também apresentaram dinamismo excepcional no período.Fora da indústria eletrônica, destacam-se, dentre os 40 produtos de maior cres-cimento — os quais representaram mais de um terço do total do comérciomundial em 2000 —, aqueles pertencentes às indústrias farmacêutica, auto-motiva, aeronáutica, do vestuário e de brinquedos.

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

13 Os 10 principais países em desenvolvimento exportadores de bens industrializados con-centram cerca de 80% das exportações de manufaturas realizadas por esse grupo depaíses (World Invest. Rep. 2002, 2002, p. 151).

14 Dos 40 produtos com maior crescimento da pauta mundial de comércio entre 1985 e2000 — classificação a quatro dígitos da Standard International Trade Classification(SITC) —, 12 pertenciam à indústria eletrônica. Esses produtos participavam com 13% docomércio mundial em 2000, o que mostra um crescimento de nove pontos percentuais emrelação ao ano de 1985 (World Invest. Rep. 2002, 2002, p. 146).

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110Quadro 1 Vinte países mais dinâmicos no comércio mundial por grupamento tecnológico de produtos — 1985-00

POSIÇÃO TODOS OS SETORES

MANUFATURAS COM BASE EM

RECURSOS NATURAIS

MANUFATURAS NÃO BASEADAS EM

RECURSOS NATURAIS

MANUFATURAS DE ALTA

TECNOLOGIA

MANUFATURAS DE MÉDIA

TECNOLOGIA

MANUFATURAS DE BAIXA

TECNOLOGIA

1° China Irlanda China China China China 2° Estados

Unidos Estados Unidos México Malásia México Estados Unidos

3° Coréia do Sul

China Malásia Taiwan Estados Unidos México

4° México Coréia do Sul Estados Unidos Coréia do Sul Coréia do Sul Indonésia 5° Malásia Índia Tailândia Cingapura Espanha Tailândia 6° Irlanda Rússia Coréia do Sul México Taiwan Malásia 7° Tailândia Tailândia Cingapura Filipinas Malásia Canadá 8° Taiwan Indonésia Filipinas Tailândia Tailândia Turquia 9° Cingapura Israel Indonésia Irlanda Hungria Índia

10° Espanha Japão Taiwan Finlândia Indonésia Polônia 11° Filipinas Suíça Irlanda Hungria Polônia Vietnã 12° Hungria Chile Hungria Indonésia República

Tcheca Bangladesh

13° Vietnã Espanha Espanha Israel Portugal Honduras 14° Índia Austrália Polônia Costa Rica Cingapura República

Dominicana 15° Israel Polônia Turquia Polônia Turquia Paquistão 16° Polônia Hong Kong,

China Índia República

Tcheca Argentina Tunísia

17° Turquia Emirados Árabes Israel Turquia Índia Sri Lanka 18° República

Tcheca México Vietnã Malta Irlanda El Salvador

19° Chile Irã República Tcheca Espanha Eslováquia Guatemala 20° Portugal Argentina Bangladesh Marrocos Austrália Marrocos

FONTE: WORLD INVESTMENT REPORT 2002. Genebra: UNCTAD, 2002. p. 150.

André Luís Forti Scherer; Celso Afonso M

onteiro Pudwell

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111

Deve ser observado que a maior participação de partes e componentes nocomércio mundial deve-se à criação de redes mundiais de comércio por partedas firmas multinacionais, as quais reorganizam o espaço geográfico da produ-ção em função de seus interesses imediatos. A regionalização da economiamundial a partir de acordos de livre comércio pode ser vista como a expressãoinstitucional dessa reorganização. O crescimento do comércio intra-industrial,cuja lógica será objeto de detalhamento na seqüência deste trabalho, apresen-ta-se como o veículo privilegiado para essa expansão do comércio de bensintermediários. Seu resultado também pode estar superestimado, uma vez queesses produtos podem ser objeto de várias transações internacionais antes desua incorporação aos bens finais e os sistemas estatísticos vigentes não pos-sibilitam a detecção dos casos de dupla contagem. Grande parte das exporta-ções de bens finais em países ganhadores do comércio mundial esconde umagrande participação de componentes importados,15 o que serve para relativizar osucesso aparente de alguns países.

2.2 - A qualidade da inserção comercial brasileira

A redução da vulnerabilidade externa de forma sustentável depende essen-cialmente do desempenho do saldo comercial brasileiro, como foi mostrado naprimeira seção deste trabalho. Entretanto o desempenho positivo desse saldofoi obtido principalmente pela redução das importações no período1999-01. A análise da qualidade da inserção brasileira (e, principalmente, dopotencial de crescimento de suas exportações) passa a ser, então, fundamentalpara a redução futura da fragilidade externa da economia brasileira.

As exportações brasileiras mantiveram, ao longo da década de 90, umaparticipação relativamente estável em torno de 1% das exportações mundiais(1,2% em 2001). Esse volume exportado encontra-se bem abaixo daquele apre-sentado por outros países em desenvolvimento, como a China (5,3%) e o Méxi-co (3,2%).

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

15 Países como o México e a Irlanda apresentam uma importação de partes e de componentesvariando entre um quarto e a metade de suas importações totais (World Invest. Rep. 2002,2002, p. 145).

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Ainda pior, em um contexto onde o conteúdo tecnológico dos produtosdinâmicos no comércio mundial se aprofunda, o País apresenta a participaçãodas exportações de produtos industrializados estagnada, há cerca de duas dé-cadas, em torno de 56% do valor total vendido ao Exterior, enquanto a médiamundial se situa em 80% (IEDI, 2003, p. 8). Isso se reflete na redução da parti-cipação dos grupos de produtos com “demanda crescente”16 no comércio mun-dial na pauta brasileira de exportações, em contraste com a participação des-ses setores dinâmicos na pauta de importações do País, a qual se mantém emtorno dos 50% (Gráfico 3).

16 Os produtos com “demanda crescente” são aqueles que apresentam um crescimento aci-ma da média total em um dado período de tempo. Equivalem, por definição, aos produtosdinâmicos.

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124

55 5548

104

58

435456

48 51

27

Número de setores nomundo

% da exportação nomundo

% da exportação noBrasil

% da importação noBrasil

1992-94 1994-98 1998-00 Legenda:

Gráfico 3

Setores de demanda crescente nas exportações e nas importações brasileiras relativamente à média mundial — 1992

FONTE: IEDI. O comércio exterior brasileiro nos anos 90 e as mudanças após a des- valorização cambial de 1999. São Paulo: IEDI, 2002. p. 7. Disponível em: www.iedi.org.br Acesso em: 09.01.02.

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No período 1998-00, apenas 27% das exportações brasileiras direcionaram--se aos setores de demanda crescente, o mais baixo percentual dentre os dospaíses ditos “emergentes”. O incremento das exportações brasileiras após adesvalorização do real deu-se, então, principalmente em grupos de produtosque apresentam baixo potencial de crescimento em sua demanda internacional.Em um mercado internacional desaquecido, as commodities agrícolas são ogrupo de produtos que mais sofrem em termos de preços, compensando des-vantajosamente as elevações nas quantidades exportadas pelo Brasil, o quedemonstra a importância da elevação da participação das manufaturas na pautade exportações.

A lista dos grupos de produtos brasileiros de exportação que apresentaramo maior dinamismo entre 1996 e 2001 mostra uma dispersão muito grande quantoao grau de conteúdo tecnológico, com a presença expressiva de produtos pri-mários e de produtos industrializados de base primária contrastando com atendência ao aumento do conteúdo tecnológico apresentada pelos produtos maisdinâmicos no comércio mundial (Tabela 3).

Em conseqüência, enquanto os produtos brasileiros que tiveram ganhosde competitividade17 com a desvalorização cambial responderam por 71% dasexportações brasileiras entre 1998 e 2001, a participação de produtos dinâmi-cos em termos mundiais no total das exportações brasileiras restringiu-se aapenas 19% do volume exportado no mesmo período.

Um outro indicador da falta de dinamismo das exportações brasileiras seencontra tanto na expressiva participação de “setores em decadência”18 no totaldas exportações do País (32% em 2001 face a uma média mundial de 18%),quanto na pequena participação dos “setores muito dinâmicos”19 na pauta brasi-leira de exportações (cerca de 15% em relação a uma média mundial de 26%).Esses resultados colocam o Brasil como o país que apresenta a pauta de ex-portações mais deslocada em relação às tendências apresentadas anterior-mente para o comércio mundial comparativamente a outros países em desen-volvimento com participação expressiva nesse mesmo comércio.

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

17 Consideram-se produtos com ganhos de competitividade aqueles que cresceram em suasexportações mais do que a média mundial.

18 “Setores em decadência” são aqueles que apresentaram crescimento negativo entre 1996e 2001.

19 Os “setores muito dinâmicos” foram definidos como aqueles que apresentaram um cres-cimento de 5% entre 1996 e 2001, equivalente ou superior ao dobro do crescimento médiodas exportações no período (2,5%).

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Tabela 3

Setores classificados, segundo o crescimento das exportações, no Brasil — 1996-01

2001 SETORES

Exportações (US$ milhões)

Pauta (%)

% no Mundo

CRESCIMENTO MÉDIO 2001/1996

(%)

Aparelhos de televisão ... 178 0,3 0,70 153,8 Petróleo cru .................... 721 1,2 0,42 123,2 Algodão .......................... 164 0,3 3,63 111,3 Pedra, areia, cascalho ... 42 0,1 1,46 78,8 Equipamentos de tele-comunicações, partes,acessórios ...................... 1 437 2,5 0,77 73,0 Aeronaves, espaçona-ves, etc. .......................... 3 554 6,1 3,57 50,7 Milho, exceto milho doce 497 0,9 5,68 47,3 Produtos comestíveis,preparados ..................... 281 0,5 1,61 42,2 Carne de vaca fresca,resfriada, congelada ...... 739 1,3 6,64 30,6 Gasolina pesada/óleosbetuminosos ................... 1 333 2,3 2,33 29,1 Manufaturados de couro,etc. ................................. 53 0,1 3,78 26,1 Veículos de passageirosa motor, exceto ônibus ... 1 951 3,4 0,69 25,8 Equipamentos/veículos para ferrovia ................... 46 0,1 0,60 24,1 Aparelhos de medição econtrole .......................... 185 0,3 0,29 23,3 Sementes para óleo,etc. — óleo soft .............. 2 731 4,7 19,49 21,8 Tubos, válvulas, etc. ...... 208 0,4 0,11 17,7 Material ótico .................. 48 0,1 0,28 20,2 Peixe fresco, resfriado,congelado ...................... 78 0,1 0,41 19,9 Outra maquinaria de ge-ração de energia ............ 43 0,1 0,81 19,6 Transistores, válvulas,etc. ................................. 208 0,4 0,11 17,7

FONTE: IEDI. Radiografia das exportações brasileiras. São Paulo: IEDI, 2003. p. 7 Disponível em: www.iedi.org.br

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A parte das exportações brasileiras de elevado conteúdo tecnológico (altoe médio-alto) vem progressivamente aumentando no País. No entanto, encon-tra-se ainda bastante abaixo da média mundial. Levando em conta apenas asexportações manufatureiras, 47% das exportações brasileiras correspondiam asetores de elevado conteúdo tecnológico, enquanto a média mundial se encon-trava em 55%, em 2001. É interessante observar que os países em desenvolvi-mento, com desempenho mais dinâmico no comércio mundial, apresentam gran-de parcela de suas exportações de manufaturas com elevado conteúdotecnológico (Gráfico 4).

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 95-130, jun. 2003

Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

p. 25. Disponível em: www.iedi.org.br FONTE: IEDI. Radiografia das exportações brasileiras. São Paulo, abr., 2003.

Participação dos setores de alta e de média-alta tecnologia, por países, no total das exportações manufatureiras — 1996, 1998 e 2001

Gráfico 4

0102030405060708090

Argenti

naBras

ilChil

eChin

a

Cingap

ura

Filipina

s

Irland

a

Mundo

1996 1998 2001Legenda:

(%)

Por último, não se deve esquecer que essa tendência à elevação do con-teúdo tecnológico dos produtos internacionais se manifesta com igual intensi-dade sobre as importações dos países em desenvolvimento, dentre eles, o Bra-sil (Gráfico 5). Nesse sentido, como já se havia constatado anteriormente, umaparticipação em produtos de maior dinamismo no comércio internacional podeser enganosa em relação ao potencial do país em gerar elevados saldos comer-ciais e reduzir sua vulnerabilidade externa.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 95-130, jun. 2003

FONTE: IEDI. Abertura, política cambial e comércio exterior brasileiro: lições dos anos 90 e pontos de uma agenda para a próxima década. São

Paulo, ago., 2000. p. 30. Disponível em: www.iedi.org.br

Gráfico 5 Participação das manufaturas de alta e de média tecnologia, por países, no total das importações manufatureiras — 1991, 1994 e 1998

0

10

20

30

40

50

60

70

Argentina Brasil México EstadosUnidos

França Coréia Chile

1991 1994 1998Legenda:

(%)

O caso mexicano é bastante ilustrativo a esse respeito, uma vez que umaparticipação crescente nas exportações mundiais vem sendo acompanhada poruma cada vez maior propensão a importar de parte das principais empresas queparticipam ativamente das redes mundiais de comércio.

Nesse sentido, cabe ressaltar a importância cada vez maior das empresasmultinacionais na constituição dessas redes, como detentoras dos principaiscanais de comercialização. A relocalização da produção mundial é tributária dosinteresses e das arbitragens de caráter financeiro que se encontram na lógicadessas empresas. As implicações estruturais da forma de internacionalizaçãoda economia brasileira na década de 90 serão analisadas na terceira seçãodeste artigo.

3 - O comércio dominado pelas multinacionais: a internacionalização da economia brasileira e as implicações para o saldo comercial

O investimento estrangeiro direto foi alçado — na falta de outro elementodinâmico — ao centro da “estratégia de crescimento” da economia brasileiradurante a segunda metade da década de 90. Caberia ao capital multinacional o

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

aporte financeiro, tecnológico, logístico e mercadológico que possibilitaria a re-tomada do crescimento sustentado brasileiro. O pífio crescimento da economiabrasileira pós-real conjugou-se a records de entrada de investimento multinacionalno País, em um paradoxo que, até hoje, não teve a reflexão merecida, a qualultrapassaria em muito o escopo deste artigo.

Esta seção divide-se em duas partes. A primeira tratará das mudanças nascaracterísticas do investimento estrangeiro direto nas últimas duas décadas ede seus reflexos para a forma de internacionalização da economia brasileiradepois de 1994. A segunda tratará dos efeitos dessa nova internacionalizaçãopara o comércio exterior e para os saldos comerciais brasileiros.

3.1- As mudanças nas características do investimento estrangeiro direto e a nova internacionalização da economia brasileira

A aposta no investimento multinacional como elemento dinâmico da eco-nomia brasileira, implícita na política econômica do período, estava, desde seuinício, fadada ao fracasso. O investimento estrangeiro direto não pode represen-tar o mesmo papel desempenhado entre as décadas de 50 e 80, simplesmenteporque suas características se transformaram radicalmente desde então. Emsua busca por mercados, as empresas multinacionais passaram a privilegiar asaquisições como principal forma de entrada em um país, deixando de lado osinvestimentos de tipo greenfield e participando pouco para a formação bruta decapital. O setor serviços, não comercializável externamente em muitos casos,passou a ser o novo horizonte para os investidores em detrimento do investi-mento industrial. A lógica financeira, estimulada pelas regras da governançacorporativa, passou a comandar as decisões das matrizes, acirrando cada vezmais a concorrência entre trabalhadores de diversas regiões do globo, forçandoa redução de salários e a restrição de direitos sociais.

Essas empresas reforçaram seu papel ativo nos processos de especula-ção no mercado cambial e de derivativos, não perdendo seus centros financei-ros em tamanho e em atividade para muitas das principais instituições financei-ras em operação no desregulado mercado financeiro mundial, arbitrando cons-tantemente custos e ganhos potenciais que possuem como medida as possibi-lidades oferecidas pelos mercados financeiros em sua diversidade de “produ-tos”. Suas decisões de localização e de comercialização, bem como sua políti-

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ca para com os fornecedores, estão submetidas, constantemente, a essa arbi-tragem de caráter financeiro e aos seus resultados de curto prazo.20

Hoje, no balanço entre custos e benefícios do investimento estrangeirodireto, é possível apontar um custo potencial correspondente a qualquer benefí-cio potencial da implantação de capital estrangeiro, dependendo o resultadofinal para o país exatamente da política de atratividade e dos objetivos que o paíspossui ao abrir suas fronteiras a esse tipo de capital.

A geração de empregos, sempre citada pelos governos em sua política deabertura e estímulo ao capital estrangeiro, é bastante rara em casos de implan-tação por fusão e aquisição — o modo predominante nos anos 90 —, normal-mente se impondo o efeito contrário (estando entre os principais motores dessemodo de implantação a racionalização das estruturas administrativas, a racio-nalização da pesquisa tecnológica e a supressão de marcas concorrentes).

Sobre o balanço de pagamentos, as discussões sobre as conseqüênciasdo investimento estrangeiro direto podem ser infindáveis, sendo a única certezasobre o fato a de que a entrada de investimentos externos possui influênciaduradoura tanto sobre o saldo em transações correntes quanto sobre o saldo daconta de capitais, tal é o grau de relação entre comércio externo e investimentodireto, o estoque de investimento multinacional e a remessa de lucros e dedividendos e as relações financeiras (empréstimos e reinvestimento de lucros)entre matrizes e filiais.

Em resumo, ao contrário do que é comumente apregoado, não existe in-vestimento estrangeiro bom ou mau em si mesmo, devendo seus efeitos poten-ciais serem analisados caso a caso em função das necessidades estratégicasdo país receptor.21 Isso pressupõe uma política de investimentos integrada àpolítica industrial e comercial do país (em realidade, uma só e coerente políticade desenvolvimento), exatamente o elemento de todo ausente quando se anali-sa o caso brasileiro na década de 90, no qual predominou a visão de que a

20 Sobre a natureza financeira do investimento direto em nível mundial e suas característicasatuais, ver Scherer (1999). Quanto à relação conflituosa entre as empresas multinacionaise os Estados nacionais, ver Vernon (1998).

21 A constatação da “obsessão” dos governos em adotar medidas investment-friendly e aspolíticas regulatórias que poderiam ser elaboradas podem ser vistas em Woodroffe (2000).Michalet, por sua vez, apresenta a rationale de empresas e governos em um manual sobrea formulação de uma política estratégica de atração de investimentos (Michalet, 1999).

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entrada de investimentos em um país carente de recursos, emprego e tecnologiade ponta somente poderia ser vista como boa.22

Em relação ao comércio internacional, os investimentos estrangeiros diretostiveram um crescimento bastante superior àquele experimentado pelo comérciomundial nas últimas duas décadas. Em resumo, a direção do comércio interna-cional passou a ser condicionada pelas escolhas de localização das empresasestrangeiras e por suas estratégias de produção integrada. Como resultado, asempresas multinacionais participavam com dois terços do comércio mundial nofinal dos anos 90, restando apenas a outra terça parte para a participação dasempresas de base exclusivamente nacional.23 Ressalte-se que um terço docomércio mundial se dá, atualmente, sob a forma de comércio intrafirma, ouseja, comércio resultante da relação entre unidades produtivas pertencentes aomesmo grupo localizadas em diferentes países. Essa tendência se dáconcomitantemente ao aumento do comércio de partes e de componentes, prin-cipalmente na indústria eletrônica. Nos bens finais, o comércio intrafirma desta-ca-se na indústria de veículos de transporte (incluindo a construção de navios ea fabricação de aeronaves).24 Os principais indicadores do crescimento do in-vestimento direto, da produção e do comércio mundial para o período 1996-00podem ser observados no Gráfico 6.

A excepcional entrada de investimento estrangeiro direto no Brasil, na se-gunda metade da década de 90, foi, como não poderia deixar de ser, condiciona-da pelas mudanças na forma desse investimento em termos mundiais. Assim,reencontram-se as tendências ao aumento das aquisições de empresas, aocrescimento da participação estrangeira no setor serviços e à maior participa-ção das filiais estrangeiras no comércio mundial.

22 Com exceção da “festa fiscal” que deu forma ao regime automotivo do Mercosul, a políticade atratividade de investimento multinacional para o País consistiu na forma de elaboraçãoe na condução do programa de privatizações brasileiro, o qual resultou, dentre outrosefeitos discutíveis, no “apagão” de 2001.

23 Deve-se ter em conta que os dados concernentes à participação das empresasmultinacionais no comércio mundial não são precisos, uma vez que os dados sobre ocomércio geralmente não fazem a distinção quanto à origem do capital da empresa expor-tadora ou importadora. Esses números são resultados da extrapolação de tendênciasverificadas em países desenvolvidos que realizam pesquisas regulares com empresasmultinacionais (World Invest. Rep. 2002, 2002, p. 153).

24 Sobre o crescimento da participação do comércio intrafirma nas exportações das filiais demultinacionais norte-americanas, ver World Investment Report 2000 (2002, p. 288).

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

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120

É importante ressaltar o extraordinário volume desse ingresso de investi-mento direto no País, mais do que dobrando, após 1995, o estoque de capitalestrangeiro acumulado em toda a história anterior da economia brasileira (Tabe-la 4). Dessa forma, o estoque de investimento direto medido pelos Censos deCapital Estrangeiro do Banco Central, realizados em 1995 e 2000, apresentaum crescimento de 147% em apenas cinco anos, tendo outros US$ 42,1bilhões entrado no País no período entre janeiro de 2001 e março de 2003.

Gráfico 6

2002. p. 302.

Indicadores do crescimento anual do investimento estrangeiro direto, do comércio mundial e do PIB mundial — 1986-00

F0NTE: WORLD INVESTMENT REPORT 2002. Genebra: UNCTAD,

23,626,4

23,3

49,8

15,8

8,74,2

11,56,5

1,2

20,0

40,1

0

10

20

30

40

50

60

1986-90 1991-95 1996-00

Entrada de IEDFusões e aquisições internacionaisExportação de bens fatores e serviços não fatoresPIB ao custo de fatores

Legenda:

(%)

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Vulnerabilidade externa e volatilidade da balança comercial:...

Tabela 4 Distribuição setorial do estoque do investimento estrangeiro direto no Brasil — 1995-2003

31.12.95 31.12.00 2001-MAR/03 MAR/03

DISCRIMINAÇÃO Estoque % Estoque % Somatório

do Fluxos% Estimativa do

Estoque Atual %

TOTAL .................................. 41 696 100,0 103 015 100,0 42 130 100,0 145 145 100,0 Agricultura, pecuária e ex- trativa mineral ..................... 925 2,2 2 401 2,3 2 280 5,4 4 681 3,2 Indústria ............................... 27 907 66,9 34 726 33,7 15 344 36,4 50 070 34,5 Automotivo ............................ 4 838 11,6 6 351 6,2 3 468 8,2 9 819 6,8 Produtos químicos ................ 5 331 12,8 6 043 5,9 3 239 7,7 9 282 6,4 Alimentos ............................... 2 828 6,8 4 619 4,5 2 494 5,9 7 113 4,9 Máquinas e equipamentos .... 2 354 5,6 3 324 3,2 771 1,8 4 095 2,8 Demais indústrias .................. 12 556 30,1 14 389 14,0 1 302 3,1 15 691 10,8 Serviços ............................... 12 864 30,9 65 888 64,0 24 416 58,0 90 304 62,2 Telecomunicações ................ 399 1,0 18 762 18,2 8 572 20,3 27 334 18,8 Serviços prestados a em- presas ................................... 4 952 11,9 11 019 10,7 1 703 4,0 12 722 8,8 Intermediação financeira ....... 1 638 3,9 10 671 10,4 3 511 8,3 14 182 9,8 Energia elétrica e gás ........... 0 0,0 7 116 6,9 3 301 7,8 10 417 7,2 Comércio ............................... 2 886 6,9 10 240 9,9 3 930 9,3 14 170 9,8 Demais serviços .................... 2 988 7,2 8 080 7,8 1 955 4,6 10 035 6,9

FONTE DOS DADOS BRUTOS: ESTIMATIVA da distribuição do estoque setorial, mar. 2003. Disponível em: www.sobeet.com.br

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Essa expressiva entrada de investimento estrangeiro alterou de maneirasignificativa a composição setorial da presença de capital estrangeiro no País,tradicionalmente associado ao setor industrial. Estimulado pelas privatizaçõese por outras mudanças no marco regulatório da economia brasileira, o setorserviços passou a concentrar a maior parte do capital estrangeiro no País, comconseqüências para os fluxos de comércio, que serão analisadas a seguir. Éimportante ressaltar que, após a desvalorização cambial de 1999, o capital es-trangeiro tem aumentado, junto aos setores exportadores da economia brasilei-ra, sua presença nos produtos primários e em seus derivados, embora o ritmode entrada tenha se reduzido frente aos anos anteriores. As fusões e as aquisi-ções, estimuladas também pelas privatizações e pela abertura comercial e fi-nanceira do País, aproximaram-se da média mundial, embora se apresentemmuito voláteis nos últimos anos.

3.2 - Impactos da nova internacionalização da economia brasileira sobre o comércio exterior

Os dados dos censos realizados pelo Banco Central junto às empresasestrangeiras no País, em 1995 e em 2000, permitem estimar a importânciadessa safra de investimentos diretos estrangeiros para o saldo comercial brasi-leiro e para outras contas do balanço de pagamentos.

O censo distingue as empresas com participação do capital estrangeirono Brasil em majoritárias (mais de 50% de participação estrangeira) e minoritárias(entre 10% e 50% de participação estrangeira). Para o propósito deste artigo,interessa especificamente o comportamento das primeiras, uma vez que o con-trole estratégico das decisões, nesse caso, está inequivocamente vinculado àsmatrizes dessas empresas. Conforme o Censo de 2000, as esmpresas decapital estrangeiro majoritário representavam 85,2% das 11.404 empresas queresponderam o levantamento naquele ano.

Antes de se passar ao comércio exterior das empresas de capital estran-geiro, cabe uma observação quanto aos efeitos desse tipo de investimento so-bre o balanço de pagamentos como um todo.25 Estudo realizado pelo IEDI (2003b)

25 A principal diferença entre empresa estrangeira e empresa nacional reside no “impactoperpétuo” da empresa estrangeira sobre as contas externas do país receptor (Gonçalves,2003, p. 85). Esse impacto, como se procurou mostrar neste artigo, está longe de restrin-gir-se às remessas de lucros e de dividendos ao Exterior e afeta todos os principaisgrupos de contas do balanço de pagamentos. É importante lembrar que o investimento

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direto não possui um caráter pontual, mas, sim, uma dimensão intertemporal, que dá lugara fluxos (produção, troca e repatriamento de lucros, dentre outros) que se estendem porlongos períodos (Chesnais, 1998, p. 75).

26 A contribuição das empresas de capital estrangeiro minoritário é positiva para o resultadoem transações correntes. No entanto, apresenta-se estável nesse mesmo período —-15,9% do déficit em transações correntes em 1995 e -16,2% em 2000 (IEDI, 2003b, p. 28).

com base nos resultados dos censos realizados pelo Banco Central aponta ofato de que, mesmo a receita líquida na conta capital proveniente dos fluxoslíquidos de investimentos diretos tendo sido, por vezes, suficiente para cobrirtodo o déficit em transações correntes, a contribuição das empresas de capitalestrangeiro para esse mesmo déficit cresceu de 17,9% para 45,2% entre 1995e 2000. A participação das empresas de capital estrangeiro majoritário paraesse déficit é ainda mais significativa, passando de 38,4% em 1995 para 61,4%em 2000.26 Essas mesmas empresas foram responsáveis por 45% das remes-sas líquidas de juros, lucros e dividendos para o Exterior em 2000 (35,6% em1995) e por 66% do acréscimo da dívida externa brasileira no mesmo período.

Esses resultados mostram a importância do comportamento dessas em-presas e de suas relações com o Exterior para a questão da fragilidade externada economia brasileira, bem como a necessidade de uma política que leve emconta esses efeitos financeiros, os quais ultrapassam a mera criação potencialde empregos e a possível transferência de tecnologia, como oficialmenteapregoado.

As empresas com participação do capital estrangeiro participaram em 60,4%das exportações brasileiras no ano 2000. O total exportado por essas empre-sas alcançou US$ 33.250 milhões naquele ano, apresentando um crescimentode 52,9% frente a 1995. Esse crescimento foi bastante superior ao crescimentodas exportações brasileiras no período, o qual alcançou apenas 18,4%. Do totalexportado pelas empresas de participação estrangeira, 68,5% corresponderama empresas de capital estrangeiro majoritário (crescimento de 56,9% frente a1995).

Por outro lado, a parcela correspondente às empresas com participaçãode capital estrangeiro no total das importações brasileiras cresceu de 38,8%em 1995 para 56,6% em 2000. As empresas de capital estrangeiro majoritárioparticiparam com 87,1% dos US$ 31.553 milhões importados pelas empresascom participação de capital estrangeiro em 2000 (81,1% em 1995). As importa-ções realizadas por empresas de capital estrangeiro apresentaram um cresci-mento de 62,9% entre 1995 e 2000, taxa bastante superior aos 11,6% de cres-cimento das importações totais do País no mesmo período.

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Na Tabela 5, pode-se ver a evolução do saldo comercial das empresasmultinacionais instaladas no Brasil entre 1995 e 2000. Nota-se que o saldo totaldas empresas com participação estrangeira no Brasil caiu 27,6% no período eque esse saldo é positivo apenas devido ao desempenho das empresas comparticipação minoritária do capital estrangeiro. As empresas com participaçãoestrangeira majoritária praticamente quadruplicaram seu déficit comercial nes-se período, independentemente da desvalorização cambial ocorrida em 1999.

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Tabela 5

Evolução do saldo comercial das empresas com participação estrangeira no Brasil — 1995 e 2000

VALOR (US$ milhões) DISCRIMINAÇÃO

1995 2000

VARIAÇÃO %

Empresas com participação estrangeira 2 374 1 717 -27,6 Minoritárias ................................................. 3 563 6 400 79,6 Majoritárias ................................................. -1 189 -4 703 295,5 Brasil ......................................................... -3 466 -697 -79,9

FONTE DOS DADOS BRUTOS: CARTA DA SOBEET, São Paulo: Sociedade Brasileira de Empresas Transnacionais e da Globalização, v. 5, n. 24, 2003.

Do mesmo modo que a participação das empresas de capital estrangeirono comércio brasileiro, o comércio intrafirmas também assume proporção equi-valente aos padrões internacionais no ano 2000. As exportações brasileirasintrafirmas cresceram 131,9% entre 1995 e 2000, com as importações intrafirmasavançando 113,8% no mesmo período. O comércio intrafirmas representava38,2% das exportações brasileiras e 32,7% das importações do País em 2000,números alinhados àqueles verificados nos países desenvolvidos e que se esti-mam como média para o comércio mundial.

O comércio intrafirmas encontrava-se bastante concentrado no Setor Se-cundário (83,4% das exportações intrafirmas e 73,77% das importaçõesintrafirmas), no ano 2000, embora o Setor Terciário venha avançando celerementena esteira das mudanças setoriais na composição do investimento direto noPaís no período. Em relação ao total das exportações industriais, 42,8% foramrealizadas na modalidade intrafirmas, nesse mesmo ano. Entre as indústriascom maior participação do comércio intrafirmas encontram-se produtos alimen-

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tícios e bebidas (82% do total exportado por essa indústria em 2000), fabricaçãode produtos químicos (48,2%) e fabricação e montagem de veículos automotores(45,8%).

Por outro lado, 32,9% das importações industriais do País no ano 2000ocorreram a partir do comércio intrafirmas, sendo as principais indústrias parti-cipantes a montagem de veículos automotores (61,8% das importações dessaindústria se deram sob a forma intrafirmas) e o setor químico (56,8% das impor-tações dessa indústria). Essa repetição de setores industriais exportadores eimportadores mostra a integração do comércio exterior do País à rede mundialde comércio das firmas que dominam essas indústrias, tornando o País sujeitoà arbitragem de custos que orienta as decisões dessas empresas.27

Verifica-se, assim, que o comércio exterior brasileiro passa a apresentarresultados derivados da forma como se deu a internacionalização recente desua economia e que podem ser resumidos como segue:

a) o crescimento do comércio externo do País é tributário, em grandemedida, do avanço da inserção externa das empresas de capital es-trangeiro, as quais apresentam participação crescente tanto nas expor-tações quanto nas importações;

b) esse crescimento da participação das empresas estrangeiras no co-mércio brasileiro não se traduz em uma expressiva representatividadedas exportações do País naqueles produtos de maior crescimento nocomércio mundial (ver os resultados da seção 2);

c) existe um expressivo aumento da parcela do comércio intrafirmas tantonas exportações quanto nas importações do País, principalmente nosetor industrial, o que sujeita o saldo comercial a variações repentinase abruptas em resposta às mudanças nos custos relativos das empre-sas multinacionais aqui instaladas;

d) esse alinhamento da participação no comércio exterior das empresasestrangeiras instaladas no Brasil com as tendências observadas apon-ta a necessidade de uma maior consciência de parte do poder públicoquanto aos efeitos do investimento estrangeiro direto sobre o balançode pagamentos e, mais diretamente, sobre a balança comercial.

27 Um exemplo desse comportamento das empresas e da ameaça de um aumento dos custospara as empresas multinacionais sobre o saldo comercial pode ser visto na pequena notapublicada, em 14.03.03, no jornal Valor e que tem por título Dólar Baixo Diminui Naciona-lização de Peças, mostrando a reação imediata do setor automotivo à recente valoriza-ção do real (Olimos, 2003, p. A7).

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4 - Considerações finais

A vulnerabilidade externa da economia brasileira, embora se encontremomentaneamente controlada pela desvalorização cambial ocorrida em 2002 epelo baixo nível de atividade, tem de ser compreendida a partir da qualidade dainserção da economia brasileira nos fluxos de comércio e de investimento es-trangeiro nos anos 90. Nesse sentido, cumpre salientar a necessidade da ma-nutenção de saldos comerciais elevados no País em detrimento da visão simplistaque propugna um aumento da corrente comercial como redutora em si mesmadas fragilidades de geração de divisas do País. Não se deve esquecer que ainstabilidade geopolítica decorrente da política norte-americana de “guerra aoterrorismo” e seus efeitos sobre as expectativas dos agentes econômicos tor-nam ainda mais voláteis os sentimentos dos investidores internacionais e osfluxos de capitais, reforçando a necessidade de geração de saldos comerciaispositivos em um país com elevado passivo externo.

Dois problemas foram apontados neste artigo face a essa necessidade degeração de saldos comerciais em volume importante e crescente. O primeirodiz respeito à precária qualidade da inserção comercial do País quando se ana-lisam as tendências predominantes no comércio mundial, nos últimos 20 anos.O segundo deriva da inserção desordenada do País como receptor de investi-mento estrangeiro direto nos anos 90, a qual se traduz em um componenteestrutural e determinante da possibillidade de elevação dos saldos comerciaisem um contexto de crescimento econômico e de redistribuição de renda.

A mudança na distribuição setorial do estoque de investimento e a impor-tância cada vez maior das estratégias das empresas multinacionais para o sal-do do balanço de pagamentos brasileiro trazem mais um elemento de “incertezaestratégica” quanto à possibilidade de obtenção desses saldos em um contextode crescimento da economia. As relações dessas empresas com suas filiais noExterior, em um contexto de grande capacidade ociosa na maioria dos merca-dos mundiais, podem se traduzir em rápidas e violentas reversões de suas cor-rentes de comércio, pautadas unicamente pelas arbitragens de caráter estrita-mente financeiro, constantemente realizadas pelas matrizes. Esse elementodeve estar presente em qualquer análise sobre a evolução da vulnerabilidadeexterna do País e as possibilidades de sua superação.

No Brasil, como no resto dos países receptores de investimento estrangei-ro direto, os fluxos comerciais serão cada vez mais determinados pelas estraté-gias das empresas estrangeiras aqui instaladas, sendo necessário integrar po-lítica industrial, de investimento estrangeiro e comercial de modo coerente e

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ativo, para se poder interferir de modo eficiente frente a esse desafio.28 Essapolítica tem de abrir, inclusive, a possibilidade de recusa daquele investimentodito produtivo que não se integre aos interesses estratégicos da Nação. Esse éo caminho seguido pelos poucos países em desenvolvimento que se inserem demodo relativamente soberano no processo de internacionalização da economiamundial que se convencionou chamar de “globalização”.

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28 Um dos problemas da internacionalização crescente da economia mundial diz respeito àquestão “a quem os governos respondem?” A resposta de Rodrik é contundente: suaspolíticas são feitas para agradar aos investidores estrangeiros, aos gerentes de fundosinternacionais sediados em Londres e em Nova Iorque e a um pequeno grupo de exporta-dores domésticos (Rodrik, 1999, p. 4).

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ARTIGOS DE CONJUNTURA

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A Região Sul mantém-se como zona central da produção graneleira; noentanto, à custa de perdas de pontos percentuais de participação na produçãonacional, processo que aparece de forma nítida a partir de 1997, coincidente-mente ao início de uma fase de intenso crescimento da produção de grãos naRegião Centro-Oeste (Gráfico 3). Na verdade, o crescimento da produção, nessaregião, no período foi tão forte que se pode associá-lo ao take off da produçãograneleira na região dos cerrados centrais. A Região SD perdeu também posiçãono agregado. Verifica-se, finalmente, um pequeno avanço na posição da RegiãoND, o que não chega a alterar decisivamente o quadro da distribuição regionalda produção.

Optou-se, ainda, por mostrar os dados da Região Sul sem a produçãogaúcha, com o objetivo de determinar a posição específica do Estado no quadronacional, além de sua contribuição à performance da Região Sul. Os resultadosaparecem nos Gráficos 5 e 6, onde as produções de Paraná e Santa Catarinaaparecem sob a denominação de Sul - Rio Grande do Sul e representam, por-tanto, a diferença entre o total da produção da Região Sul e a do Rio Grandedo Sul.

Indicadores de mudança da distribuição espacial...

90100110120130140150160170180190200210220230240

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Centro-Oeste Sudeste Nordeste Norte Rio Grande do Sul Sul - Rio Grande do Sul

Legenda:

0

Índice

Evolução da produção de grãos em regiões brasileirase no Rio Grande do Sul — 1991-02

Gráfico 5

NOTA: 1. Médias móveis trienais centradas. 2. A base do índice é a média de 1990-92 = 100.

FONTE DE DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

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Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 31.03.03.

O governo que tomou posse em janeiro listou como prioridades a retomadado crescimento econômico com redução das desigualdades e inclusão social.O início da perseguição dessas metas pressupõe, evidentemente, uma melhoriana difícil situação das contas externas do País herdadas do governo anterior.

A estratégia até agora adotada pelo novo governo parece ter sido decididaem meados do ano passado e parece estar baseada na hipótese, difundida pelomercado, de que as dificuldades de financiamento externo enfrentadas pelo Brasilem 2002 foram resultado das incertezas políticas produzidas pelas eleiçõespresidenciais. Dado esse diagnóstico, é natural que toda a política econômicadeste governo esteja concentrada na tentativa de reconquistar a confiança domercado. O ajuste fiscal além do acordado com o FMI, as elevações da taxa dejuros e o desejo do Governo de apressar as reformas estruturais de “segundageração” (em particular a da previdência) explicam-se inteiramente a partir desseobjetivo de ganhar confiança. Espera-se que, uma vez restabelecida a confiança,o Risco-País caia drasticamente, as linhas externas de crédito sejam renovadase até que os investimentos diretos aumentem. A partir dessa melhoria da contade capitais, o câmbio nominal poderia ser estabilizado e até valorizado um pouco,o que ajudaria a combater a inflação. Isso abriria espaço para a redução dosjuros internos e para a expansão do crédito, iniciando uma aceleração docrescimento, que permitiria, mais adiante também, via aumento da arrecadaçãofiscal, um maior crescimento dos gastos públicos.

Mais recentemente, os defensores dessa estratégia passaram a admitirque ela pode tomar mais tempo e ter custos econômicos e sociais bem maiselevados do que se previra devido à possibilidade de uma guerra no OrienteMédio, não apenas por seus efeitos (temporários) sobre o preço do petróleo,mas principalmente devido ao alto risco de que a guerra leve a uma contraçãogeneralizada adicional da oferta de crédito para países emergentes.

Infelizmente, independentemente do efeito da guerra, o diagnóstico descritoacima está profundamente equivocado, e a estratégia do Governo, além de tercustos elevados, está fadada ao fracasso, se não for alterada rapidamente.

A estratégia adotada pelo Governo parece estar baseada na combinaçãode três avaliações equivocadas sobre: (a) a conjuntura internacional; (b) ocomportamento dos agentes nos mercados financeiros; e (c) a situação estruturalda conta corrente brasileira.

Franklin Serrano

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O primeiro equívoco está ligado à idéia de que tudo o que houve foi apenasuma crise de confiança devido à biografia do candidato que veio a vencer. Semdúvida, esse fator teve sua importância, até porque era uma política do governoanterior assustar o mercado e a própria equipe de transição com isso.1 Mas nãose pode esquecer que, depois da moratória argentina, houve uma grande reduçãodos fluxos de financiamento para todos os países ditos emergentes, de formaanáloga (mas, por enquanto, menos drástica) à que ocorreu depois da mora-tória do México em 1982. Por exemplo, de acordo com o The Economist(www.economist.com), as emissões totais de títulos governamentais de paísesemergentes no mercado internacional que chegaram a um pico de US$ 88 bilhõesem 1997 caíram para cerca de US$ 12 bilhões em 2002.

Logo, mesmo que não houvesse o perigo de a guerra levar a uma retraçãoainda maior, o mercado mundial de capitais para países emergentes não devevoltar a ser o que era. Os países emergentes, mesmo os que tenham a plena“confiança” dos mercados, não terão, tão cedo, a mesma facilidade de acesso acrédito, nem spreads nos níveis observados na segunda metade da década de90.

O segundo equívoco consiste numa séria confusão entre a ideologia dosparticipantes do mercado e o seu comportamento efetivo. É mais do que naturalque o “mercado” sempre aplauda e até diga que “exige” medidas como ajustefiscal duro, autonomia do Banco Central, reforma da previdência (de preferênciacom alguma privatização), juros muito mais elevados do que a mera paridade dejuros coberta indicaria, etc.

No entanto, não parece haver a menor evidência de que esse tipo de medidas(ou seu anúncio), por mais que sejam aplaudidas, de fato colaborem para umarecuperação sustentável da liquidez externa e da renovação das linhas de créditoexterno do País, já que, concretamente, não geram divisas e, portanto, nãoampliam a capacidade do País de pagar seus passivos externos. Até agora, detudo o que foi dito e feito, a única coisa que objetivamente ajudou a restabelecerparcialmente a liquidez externa foi a manutenção do acordo com o FMI, pois é aaprovação do FMI que garante a “confiança” do mercado internacional. Todas asmedidas e anúncios adicionais parecem ter sido pouco relevantes, o que se

Uma outra estratégia é possível

1 Como ressalta Francisco Petros em sua coluna (Carta Cap., 2002), desde abril de 2002 oBacen decidira encurtar os prazos de vencimento dos títulos cambiais que venciam a longoprazo (a maior parte em 2004). Isso fez aumentar o volume de vencimentos em 158% (cercade US$ 14 bilhões) entre os meses de setembro de 2002 e janeiro de 2003. Como a conver-são é feita pela taxa de câmbio no mercado à vista, nas vésperas de vencimentos de quanti-dades grandes desses títulos sempre havia um movimento especulativo no mercado paraforçar uma subida na taxa de câmbio e aumentar o rendimento para seus detentores.

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nota pelo fato de que a direção das oscilações do dólar tem sempre sido deter-minada ou pelo cronograma de vencimentos de pagamentos das contas exter-nas, ou pelos movimentos especulativos internos nas vésperas de vencimentode títulos internos indexados ao câmbio citados acima, que o atual governocontinua tolerando.

O terceiro equívoco está em pensar que o Brasil tem apenas um problemade liquidez externa na conta de capital, pois a conta corrente já “estaria ajustada”,e, com ela, o problema da sustentabilidade da trajetória dos passivos externosestaria resolvido por conta da maxidesvalorização cambial ocorrida. Tudo o querestaria a ser feito seria minimizar a repercussão inflacionária da desvalorizaçãoatravés de políticas macroeconômicas contracionistas e de resistência àindexação de preços e contratos.

Infelizmente, tudo indica que, mesmo que a liquidez externa seja plenamenterestabelecida, resta o fato de que as contas externas do País ainda estão numatrajetória insustentável, que, se não for modificada rapidamente, levará à insol-vência e a uma inflação muito mais crônica e elevada.2

Mesmo sem contar a razão passivo externo líquido/exportações, que émuito mais elevada (pois inclui os investimentos diretos), de acordo com o Institutefor International Economics (IIE) — www.iie.com —, a razão dívida externa//exportações brasileiras está acima de 3,8, e 91% das receitas de exportaçõessão consumidas pelo serviço do passivo externo. Segundo o IIE (que, aliás, é deonde vem a expressão “Consenso de Washington”), entre os países emdesenvolvimento, historicamente somente o Chile (crê-se que durante o regimede Pinochet) conseguiu reduzir sua dívida externa a partir de níveis semelhantese entrou numa trajetória sustentável sem algum tipo de reestruturação ou moratóriaexterna.3

O nosso déficit em conta corrente diminuiu rapidamente, mas está longede ser equacionado. As exportações começaram a aumentar muito em volume,mas nem os termos de troca, nem a demanda mundial têm ajudado. É verdadeque os termos de troca estão melhorando, e pode ser que a guerra leve a ulterioresaumentos nos preços de várias commodities que o Brasil exporta, mas, mesmoassim, o atual governo não pode esquecer que, objetivamente, herdou um país

2 Sobre a diferença entre os problemas de liquidez e a sustentabilidade dos passivos exter-nos, ver Medeiros e Serrano (2001).

3 Mesmo nesse caso, além de contar com a “boa vontade” do Governo norte-americano e a“confiança” do mercado, é importante lembrar que o Chile estatizou a dívida externa privada,e o Governo controlava as principais receitas de exportação através da companhia estatalde cobre.

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exportador de commodities de baixa elasticidade-renda e preços altamente vo-láteis, com elevada elasticidade-renda das importações, com elevados passivosexternos, numa situação internacional de baixa liquidez para os países emdesenvolvimento, além de baixo crescimento e alto protecionismo dos paísescentrais.

Como se sabe, a maior parte da redução do déficit em conta corrente veioda queda das importações. A redução observada no déficit deve-se tanto à própriaredução da disponibilidade de crédito externo para algumas importações, aocâmbio real desvalorizado, quanto ao baixo crescimento, não apenas da economiaem geral, mas particularmente ao baixo crescimento da indústria (que é fortementedeficitária) em relação ao da agricultura (que exporta mais).

Na medida em que o Governo permita que o câmbio real se valorize umpouco, tanto pela inflação quanto pela estabilização ou redução da taxa decâmbio nominal (como parece ser o objetivo atual da política macroeconômica),e que o mercado interno e a indústria voltem a crescer, as importaçõesprovavelmente voltarão a crescer rapidamente. Isso fará o déficit em conta correnteaumentar novamente, aumentando mais ainda o passivo externo do País.

Dada essa situação crítica, a estratégia econômica adotada pelo Governodeve ser modificada o quanto antes. A restrição externa da economia brasileiradeve ser atacada direta e imediatamente, devendo tornar-se a prioridade númeroum da política econômica. O Governo tem que pensar em termos de um“orçamento de divisas” quando tomar qualquer decisão de política econômica,pois estes são os recursos mais escassos no País (com a infra-estrutura vindoem segundo lugar).

Naturalmente, alguns irão argumentar que nada pode ser feito além dedeixar o câmbio flutuar livremente e ganhar a confiança dos mercados. Crê-seque a inflação e a queda dos salários reais, bem como o recente início de umaonda de falências de empresas operando no Brasil com muitos custos e/oudívidas em dólar, mostram os limites do que a taxa de câmbio sozinha podefazer.

Além disso, existem várias medidas que podem e devem ser tomadas.Segue-se uma lista de oito pontos que ilustram o tipo de mudança radical deestratégia que é fundamental para evitar o pior: (a) o Governo não deve tomarmedidas de políticas com sérios efeitos econômicos e sociais reais apenas porconta da perseguição da confiança do mercado, que, se “perguntado”, certamentedirá que quer mais e mais “sacrifícios” — já está mais do que claro para todosque o Governo não precisa, não quer e não vai “dar calote” na dívida interna —; (b)o Governo não deve fazer esforços para reduzir o câmbio nominal (nem mesmopara os R$ 3,20 propostos pelo Professor Bresser Pereira), pois o real deve semanter em torno do seu nível nominal atual, bastante desvalorizado, para dar um

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sinal claro ao setor privado de que existe, objetivamente, uma escassez dedivisas que não é temporária e, portanto, justifica investimentos (se houver exces-so de oferta de dólares, o Bacen deve comprar para recompor reservas — veritem h abaixo); (c) o Bacen deve coibir a especulação cambial dos bancos eagentes financeiros sediados no Brasil através de altíssimos requerimentos decapital para essas operações (essas operações em nada ajudam a administraçãodas contas externas do País e criam uma volatilidade espúria e indesejável nataxa de câmbio em datas de vencimentos de títulos internos indexados ao dólar);(d) o Governo deve fazer cumprir a norma ainda existente (como bem lembradopelo Professor Fernando Cardim da UFRJ) de que saídas legais de capital doPaís têm que informar o propósito da transação e identificar o remetente; (e)deve-se cumprir, sim, o que for acordado com o FMI (mas não fazer mais do quefor pedido), porém não há porque abrir mão de tentar negociar “condicionalidades”menos drásticas, principalmente no que diz respeito aos investimentos dasestatais em infra-estrutura, que são estratégicos para a própria redução do Custo--Brasil que encarece nossas exportações; (f) agilizar ao máximo as diversaspolíticas de promoção de exportações; (g) o Governo deve começar, imediatamen-te, a desfazer os “buracos” criados na matriz insumo-produto industrial brasileirapela política comercial desindustrializante do governo anterior através de políticasde substituição de importações, financiando produtores nacionais e atraindoinvestidores externos para os setores relevantes; (h) o Governo deve, dentro dopossível, buscar recompor seu nível de reservas externas e usá-las mais ativa-mente como um fundo para apoiar o financiamento de exportações e também deimportações de bens de capital que sejam usadas para projetos que geremdivisas, seja por exportações, seja também por substituição de importações.

A lista acima está longe de ser exaustiva e é claro que serve apenas parailustrar o tipo de ação que pode e deve ser tomada. O mais importante é que secomece a mudar a política nessa direção o mais rápido possível. Um artigo comuma avaliação semelhante da situação das contas externas brasileiras foiapresentado no ano passado no Fórum Nacional e tinha o sugestivo títuloCorrendo Contra o Relógio. Vários meses já se passaram. O relógio não pára(Coutinho; Sampaio; Appy, 2002).

Referências

CARTA CAPITAL. São Paulo: Carta Editorial, 26 set. 2002.

COUTINHO, Luciano; SAMPAIO, F.; APPY, B. Correndo contra o relógio:condições de sustentabilidade cambial e fiscal da economia brasileira. In: LEITE,

Franklin Serrano

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A. DIAS; REIS VELLOSO, J. P., (Coord.) O novo governo e os desafios dodesenvolvimento. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2002.

MEDEIROS, Carlos; SERRANO, Franklin. Inserção externa, exportações ecrescimento. In: FIORI, J.; MEDEIROS, C., (Org..). Polarização mundial ecrescimento. Petrópolis: Vozes, 2001.

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Indicadores de mudança da distribuiçãoespacial da produção de grãos

no Brasil — 1990-02

Maria D. Benetti Economista da FEE.

ResumoA expansão recente da produção brasileira de grãos nas novas áreas dos cerra-dos brasileiros — em um contexto de elasticidade de oferta de terras para cul-tivo — introduz um grau muito elevado de incerteza sobre o futuro dos setoresprodutores das regiões agrícolas tradicionais, entre os quais, o localizado noRio Grande do Sul. A contribuição deste artigo é mostrar em que medida avelocidade do crescimento desigual da oferta no espaço nacional vem afetandoas posições relativas das regiões na distribuição regional da produção no perío-do 1990-02. Os resultados encontrados mostram uma mudança importante naestrutura regional da produção e apontam quais as linhas de produção queforam as principais responsáveis pelas transformações ocorridas.

Palavras-chaveEconomia agrícola aplicada; crescimento do setor de grãos; desigualda-de espacial do crescimento agrícola.

AbstractThe recent expansion of the production of crops in new areas located in theBrazilian Cerrados — a context characterized by elasticity of cultivable land —introduces a high degree of uncertainty upon the future of traditionally agriculturalregions; Rio Grande do Sul state productive sectors are among those. The aimof this article is to assess to what extent the unequal growth of the production inthe national scenario has affected the positions of the regions between 1990and 2002. The study shows that a significant shift in the regional structure of

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production has taken place and points out which commodities were responsiblefor the major changes.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 28.04.03.

Entre 1990 e 2002, a oferta nacional dos principais grãos produzidos peloRio Grande do Sul — arroz, milho, soja, feijão e trigo — cresceu, em conjunto,a uma média de quase 5% a.a., ritmo que permitiu acrescentar 42 milhões detoneladas aos 54 milhões produzidos em 1990. Para se ter uma idéia do querepresentou essa elevação, basta confrontá-la com a do período 1981-90, noqual a produção aumentou à modesta taxa de 1,1% a.a. Dos 42 milhões detoneladas mencionados, 37 milhões, ou seja, 88%, correspondem aos acrésci-mos das produções de soja e de milho.

A soja liderou, de fato, a expansão da produção, respondendo por mais dametade da mesma (52,4%), o que lhe valeu um aumento importante de contri-buição na produção nacional dos grãos, de 36,9% para 43,6%. Mesmo o bomdesempenho do milho, ao qual se deve 35,6% de tudo que foi produzido a maisem grãos no País, não foi suficiente sequer para garantir a posição que ocupavaem 1990 (Tabela 1). São esses indicadores de produção que permitem associaro desempenho da lavoura de grãos no Brasil, nos anos 90, à expansão da soja.1

1 Confrontados com índices internacionais, como, por exemplo, os de dois dos maioresprodutores mundiais de soja e de milho, Estados Unidos e Argentina, constata-se que odesempenho brasileiro, em termos relativos, se mostrou bastante superior ao norte-ameri-cano e muito inferior ao argentino, particularmente em se tratando do milho. Em termosabsolutos, deve-se registrar que a produção de soja no Brasil cresceu mais que nos Esta-dos Unidos e na Argentina (Tabela 1 do Anexo estatístico).

Maria D. Benetti

Tabela 1 Contribuição dos vários grãos para o aumento da oferta brasileira — 1990 e 2002

PRODUÇÃO EM 1990

PRODUÇÃO EM 2002

AUMENTO DA PRODUÇÃO PRODUTOS

1 000t % 1 000t % 1 000t %

TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO (%)

TOTAL ............. 53 995 100,0 95 846 100,0 41 851 100,0 4,9 Milho ................ 21 348 39,5 36 261 37,8 14 913 35,6 4,5 Soja .................. 19 898 36,9 41 831 43,6 21 933 52,4 6,4 Outros .............. 12 749 23,6 17 754 18,6 5 005 12,0 2,8

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

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Uma segunda característica desse período de crescimento é ter registradouma profunda descontinuidade na sua trajetória a partir de 1997, quando seiniciou uma fase de intenso crescimento, que foi decisiva para explicar os resul-tados alcançados e que terminou colocando o setor de grãos nacional em outro,e mais elevado, patamar.

Gráfico 1

Evolução da produção de grãos no Brasil — 1991-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: 1. Médias móveis trienais centradas. 2. A base do índice é a média de 1990-92 = 100.

Entre 1998 e 2002, ou seja, em quatro anos, a produção aumentou quase22 milhões de toneladas, desempenho excepcional, considerando que havialevado oito anos, de 1990 a 1998, para registrar uma alta de 26 milhões detoneladas. Essa fase de notável crescimento não se esgotou em 2002, comomostram as estimativas da safra a ser colhida em 2003, que prevêem um aumentode 11% na produção de grãos, o que significa um acréscimo de mais de 10milhões de toneladas em apenas um ano.

Ora a estas alturas, em estudos como este, que versam sobre a dinâmicado desenvolvimento espacial da produção nacional de grãos, não cabe mais o

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Índice

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propósito de demonstrar que a produção se expandiu sobretudo nas áreas doscerrados brasileiros, principalmente nas localizadas na Região Centro-Oeste doPaís.2 Informações e argumentos a respeito da importância das novas áreasabertas nos cerrados brasileiros na expansão da produção podem ser encontra-dos nos trabalhos de Macedo (1995), de Helfand e Rezende (1998, 2000),de Ana C. Castro ([19?]), no Projeto RS-2010 (Castro, 1998) e no de Antonio B.Castro (1999). São justamente as informações disponíveis nesses estudos quepermitem apontar uma terceira característica da expansão da produção brasileirano período 1990-02, a de ter ocorrido principalmente nas regiões dos cerradosbrasileiros, fora das áreas tradicionais de cultivo. Aceito isso como pressupos-to, o foco principal deste artigo consiste, então, em mostrar em que medida adistribuição do aumento da oferta no espaço nacional vem afetando as posiçõesrelativas das regiões no período analisado, principalmente a das regiõestradicionais de cultivo, onde se inclui o Rio Grande do Sul.

Para analisar as mudanças nos deslocamentos relativos das produçõesregionais de grãos no período 1990-02, partiu-se da produção conjunta do arroz,da soja, do milho, do trigo e do feijão no ano de 1990, agrupada segundo asRegiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e calculou-se a percen-tagem de cada uma delas na produção nacional. Os índices de densidade re-gionais encontrados expressam os graus iniciais de polarização entre as váriasregiões e permitiram classificá-las como centrais, semiperiféricas ou periféri-cas.3 Adianta-se, ainda, que a fonte primária dos dados utilizados é a base Sidrado IBGE.

2 Quando falamos em cerrados, estamos nos referindo a uma extensão muito grande deterras, formada por 207 milhões de hectares — dos quais 136 milhões são potencialmenteaptos para a utilização agrícola (Macedo, 1995) —, que se estendem pelos Estados deTocantins, Rondônia, Pará, Roraima e Amapá na Região Norte; Maranhão, Piauí, Bahia naNordeste; Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul na Centro-Oeste; e, finalmente, MinasGerais na Sudeste. Na Tabela 2 do Anexo estatístico, aparecem os dados sobre produ-ção física de grãos, discriminados por região fisiográfica do IBGE. Os estados que constamem cada uma delas são os que possuem vegetação do tipo cerrados. A categoria Outros,dentro da região, refere-se àqueles que não possuem esse tipo de cobertura. Para a RegiãoSul, não valem essas referências, uma vez que está fora da área de cerrados.

3 Aqui cabe um esclarecimento: este trabalho segue de perto e em vários momentos as indi-cações contidas nos estudos de Korzeniewicz e Martin (1994, p. 67), os quais propõemanalisar os deslocamentos espaciais da distribuição de um grupo selecionado de commoditiesem âmbito internacional a partir do seu enquadramento inicial entre três zonas: regiõescentrais, ou principais (core zones), semiperiféricas e periféricas (semiperipheral eperipheral zones). Contudo, diferentemente dos autores para quem os conceitos estãoassociados a variáveis como níveis de renda per capita, os aqui utilizados levam em contaapenas o critério dos pesos iniciais das regiões na produção doméstica de grãos.

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1 - O setor graneleiro da Região Sul em marcha à periferização?

Os resultados encontrados mostram que, em 1990, a Região Sul (Sul)detinha 56,8% da produção; as Regiões Centro-Oeste (CO) e Sudeste (SD),20,1% e 16,4% respectivamente; enquanto a Nordeste (ND), 4,3%; e a Norte(NO), 2,4%. Tendo em vista essa distribuição, a Região Sul enquadra-se comocentro, ou coração, da produção graneleira; a ND e a NO, como zonas periféricas;enquanto a CO e a SD, como semiperiféricas. Por outro lado, as Regiões Sul eSD são regiões tradicionais, para não dizer antigas, na produção de grãos; asdemais fazem parte das áreas consideradas como novas frentes de expansãoagrícola nacional. Logo, as regiões tradicionais abrigam a região central e umasemiperiférica; e as novas, uma semiperiférica e duas periféricas. Localizamos,então, no ano de 1990, regiões semiperiféricas na região tradicional (SD) e nasnovas regiões de agricultura (CO). Sendo assim, a primeira poderia ser chama-da de semiperiférica tradicional; e a segunda, semiperiférica de fronteira.

Considerando os anos-limite do período 1990-02, constata-se uma perdade participação significativa da Região Sul, da ordem de 11,3%, e da Região SD,de 2,0%. Isso significa que, entre 1990 e 2002, em média, a Região Sul veioperdendo quase 1% de participação ao ano. Já a Região CO obteve um aumentomuito expressivo de participação, de 10,6%, equivalendo, portanto, aproximada-mente, à perda da Região Sul. Finalmente, a ND ganhou 2,7% na distribuição, ea NO permaneceu na mesma posição.

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Gráfico 2

Distribuição regional da produção de grãos no Brasil —1990 e 2002

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As posições conquistadas pela CO ficam mais evidentes quando se temem mente que ocorreram em um período relativamente curto, ou seja, em poucomais de uma década.

O quadro da distribuição espacial da produção graneleira doméstica aocabo do período, como se mostrou, resulta naturalmente das posições relativasiniciais das regiões e dos seus respectivos dinamismos. Em função destesúltimos, pode-se estabelecer uma hierarquia entre as regiões segundo seu de-sempenho com relação ao do Brasil como um todo. Os dados mostram que,enquanto o crescimento da produção nacional foi de 4,9%, o desempenho daRegião ND foi quase o dobro (9,3%); o da CO, cerca de duas vezes maior(8,7%); o da NO, 4,5%; o da SD, 3,8%; e, finalmente, o da Sul, 3,0%. Diantedesse quadro, pode-se chamar as regiões ND e CO de muito dinâmicas, tendoem vista que seu crescimento foi muito maior que o nacional; a NO, de dinâmica,com taxa pouco abaixo da do Brasil; a SD e o Sul, por registrarem taxas bemmenores que as nacionais, qualificam-se como de desempenho modesto. Assim,esses dados ratificam nosso pressuposto inicial de que a produção se expandiufora das áreas tradicionalmente produtoras.

Isso posto, pode-se requalificar os atributos/conceitos formulados inicial-mente e designar a CO de semiperiférica de fronteira agrícola muito dinâmica; aND, de periférica de fronteira agrícola muito dinâmica; a NO, de periférica defronteira agrícola dinâmica; e as Regiões Sul e SD, respectivamente, de centrale semiperiférica tradicional, ambas com modesto desempenho.

Com base nessas informações, quais poderiam ser as posições relativasdas regiões na produção nacional, nos próximos 10 a 15 anos?

Tomem-se como ponto de partida as regiões novas, localizadas nos cerra-dos brasileiros, que apresentaram intenso crescimento nos anos 90 e no iníciodesta década. A Região CO, que ocupava uma posição semiperiférica com rela-ção à região central, a Sul, mostrou um dinamismo muito grande no período, oque, como se viu, permitiu que chegasse a 2002 com uma participação naprodução de 30,7%. Esta ainda é inferior à da Sul, estimada em 45,5%. Noentanto, a diferença reduziu-se sensivelmente no período 1990-02, pois, em1990, a Região Sul tinha 56,8% da produção; e a CO, 20,1%. Considerando odinamismo passado, em um quadro de elasticidade de oferta de terras paraplantio, pode-se supor que a Região CO esteja caminhando a passos largospara dividir com a Região Sul a liderança da produção de grãos. Ao cabo doperíodo, teria ocorrido uma redução do grau de concentração regional da produ-ção nacional, contra a Região Sul e a favor da Região CO, onde ambas pode-riam ser consideradas como regiões centrais da produção graneleira.

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A Região ND, hoje periférica, devido ao seu dinamismo, poderá vir a cons-tituir-se em zona semiperiférica, com densidades da produção da ordem dasque apresentam hoje as regiões semiperiféricas, por exemplo, a SD.

A NO, considerando a importância relativa marginal em 2002, apesar doseu dinamismo, deverá aguardar mais do que 10 a 15 anos para ganhar o statusde semiperiférica.

Para as regiões tradicionais de grãos, as perspectivas são outras. A Re-gião SD é uma região de agricultura antiga, com posição semiperiférica na pro-dução de grãos, que perdeu posições relativas na década de 90. Nesse caso, épossível imaginar que continuará a perder posições na distribuição especial daprodução, mantendo-se, no entanto, como semiperiférica nos próximos 10 a15 anos.

A Região Sul, finalmente, continuaria como zona central da produção degrãos; no entanto, poderá ver reduzida mais ainda sua participação na ofertanacional.

Assim, no horizonte trabalhado, regiões tradicionais com baixo dinamismocontinuariam nas suas posições, como centrais ou semiperiféricas. As mudan-ças dar-se-iam com relação às regiões novas, mais especialmente, com rela-ção à CO e à ND, que ganhariam o status de central e semiperiférica de fronteiraagrícola.

Os Gráficos 3 e 4 mostram a evolução das produções regionais e da distri-buição espacial da produção ao longo do período 1990-02. Os dados aos quaisestão associados foram suavizados através do método das médias móveis trienaiscentradas, com o objetivo de reduzir as flutuações de curto prazo.4 O primeirodeles realça as diferenças nos ritmos de crescimento; enquanto o segundo,as mudanças relativas na distribuição espacial da produção resultante dosmesmos.

As séries representadas no Gráfico 4 deixam evidente a tendência de des-locamento das regiões tradicionais de produção, Sul (central) e SD (semiperiféricatradicional), para as demais regiões do País e que tal comportamento se deveu,principalmente, ao desempenho da Região CO, semiperiférica de fronteira agrí-cola dinâmica, tendo em vista que a ND, outra das regiões caracterizadas porapresentarem elevado dinamismo, ainda não tinha expressão na produção glo-bal de grãos. Veja-se que se amplia, visivelmente, no curso do período, a áreado gráfico correspondente à Região CO.

4 A produção da Região Sul, correspondente ao último ano da série, por exemplo, reflete umaimportante frustração de safra no Rio Grande do Sul, quando a produção se reduziu,aproximadamente, 3 milhões de toneladas.

Indicadores de mudança da distribuição espacial...

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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148

Gráfico 3

Evolução regional da produção de grãos no Brasil — 1991-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: 1. Médias móveis trienais centradas. 2. A base do índice é a média de 1990-92 = 100.

Maria D. Benetti

0

90100110120130140150160170180190200210220230240

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Centro-Oeste Sudeste Nordeste Norte Sul

Legenda:

Índice

0

Sul

Centro-Oeste

Sudeste

NordesteNorte

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)

Gráfico 4

Distribuição regional da produção de grãos no Brasil — 1991-02

(%)

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra. NOTA: Médias móveis trienais centradas.

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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133

Uma outra estratégia é possível*

Franklin Leon Peres Serrano Professor Doutor Adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ResumoNeste artigo, analisa-se a estratégia política econômica adotada pelo novo governobrasileiro, primeiramente do ponto de vista do erro de diagnóstico do Governoem relação: (a) à conjuntura internacional; (b) ao comportamento dos agentesnos mercados financeiros; e (c) à situação estrutural da conta corrente brasileira.Mostra-se, então, que essa estratégia, além de ter custos elevados, está fadadaao fracasso, se não for alterada rapidamente. Segue-se, então, uma lista deoito pontos que ilustram o tipo de mudança radical de estratégia, com o objetivode tornar o combate à restrição externa da economia brasileira a prioridadenúmero um da política econômica.

Palavras-chaveRestrição externa; economia brasileira; política econômica.

AbstractIn this article the economy policy strategy adopted by the new Brazilian governmentis analyzed, showing first the misleading diagnosis by the government regarding:(a) the international situation; (b) the “agents” behavior in the finance marketsand; (c) the structural situation of the Brazilian current account. Then, it is showedthat this strategy, besides its high costs, is predestined to failure if it is notchanged soon. This is followed by a list of eight points that illustrate the radicalchange in strategy, aiming to turn the fight against the external constraint thenumber one priority of Brazilian economy policy.

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 133-140, jun. 2003

* Texto redigido em 06.03.03.

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São essas informações que permitem afirmar que a Região Sul, emboratenha mantido a hegemonia na produção graneleira, só não perdeu mais posi-ções no ranking dos principais estados produtores graças ao notável dinamis-mo da produção dos Estados do Paraná e de Santa Catarina. No Gráfico 5,pode-se visualizar esse fenômeno. A curva de produção Sul - Rio Grande do Sulafasta-se significativamente da do Rio Grande do Sul a partir de 1994. Issoimplica que, se dependesse da produção gaúcha, seria maior ainda o desloca-mento da produção graneleira, ou, em outras palavras, a periferização da RegiãoSul no sentido de uma tendência à perda de posição como região central(Gráfico 6).

Embora os dados se refiram ao conjunto das produções do Paraná e deSanta Catarina, o ritmo de crescimento representado pela curva Sul - Rio Gran-de do Sul deveu-se ao Paraná, uma vez que a produção de Santa Catarina semanteve constante no período e ao redor de um quarto da paranaense. E isso éum pouco surpreendente, uma vez que seria de se esperar que o Paraná, na sua

Centro-Oeste

Nordeste + Norte

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Rio Grande do Sul

Sul - Rio Grande do Sul

Sudeste

(%)

Gráfico 6

Distribuição da produção de grãos entre grandes regiõesbrasileiras e Rio Grande do Sul — 1991-02

(%)

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: Médias móveis trienais centradas.

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Maria D. Benetti

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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151Indicadores de mudança da distribuição espacial...

condição de tradicional produtor de grãos, não contasse com reservas de terrasdisponíveis para serem incorporadas pela lavoura.5 No entanto, ele quase dobroua produção de grãos, passando de 12 milhões de toneladas para 22 milhõesentre 1990 e 2002. Tais informações desmancham, por assim dizer, a classifica-ção proposta inicialmente, pois o Paraná, embora se inclua na zona tradicionalde cultivo, foi, pelo menos na década de 90, região dinâmica, na verdade, umaverdadeira fronteira agrícola para a expansão nacional da produção de grãos.

Contudo o dinamismo da Região CO, especialmente a apresentada peloEstado do Mato Grosso, foi ainda muito superior ao do Paraná (Gráfico 7), de talforma que os cerrados centrais constituíram a fronteira mais dinâmica do cres-cimento da produção nacional.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Mato Grosso RS ParanáLegenda:

Índice

5 No sentido de que o crescimento da produção de grãos pode ser explicado seja pelo cresci-mento da produtividade, seja pela cessão de terras entre linhas da produção da lavoura e dapecuária, como soja por pastagens.

NOTA: A base do índice é 1990 = 100.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

Gráfico 7

Evolução da produção de grãos nos principais estadosprodutores do Brasil — 1990-02

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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O Rio Grande do Sul, que era o primeiro produtor nacional de grãos noinício da década de 90, chegou aos primeiros anos do novo século ocupando osegundo lugar e, o que é mais importante, com níveis de produção bem abaixodos apresentados pelo Estado do Paraná. Não poderia ser diferente, quando osetor graneleiro estadual cresceu a uma modesta taxa de 0,8% a.a.; enquantoo do Paraná, a 5,6%.

Vale a pena mencionar alguns dados sobre os acréscimos nos volumes daprodução nos três estados mencionados: 1,4 milhão no Rio Grande do Sul con-tra cerca de 11 milhões no Paraná e mais outros 11 milhões no Mato Grosso. Adistância do Paraná com relação ao Rio Grande do Sul e ao Mato Grosso, em2002, andava em mais de 6 milhões de toneladas.

2 - A trajetória espacial de crescimento dos diferentes grãos

Como foi dito no início do texto, a produção do milho e principalmente a desoja foram as grandes responsáveis pelo crescimento do setor graneleiro nacionalno período. Logo, as perdas e os ganhos relativos de posição das várias regiõesna produção doméstica de grãos mostradas no item anterior estão associadasà distribuição inter-regional do aumento da oferta desses dois produtos. A análiseque segue registra justamente quais foram as principais regiões beneficiadaspor esse aumento; destaca também a posição da Região Sul na produção decada um dos grãos.

A Região CO aumentou expressivamente sua participação na produçãonacional da soja, de 32% para 49%, sobrepassando a importância da Sul em2002 (37%), a qual perdeu 21 pontos percentuais na distribuição espacial. Medidoem termos absolutos, o desempenho da Região CO permitiu adicionar 14 milhõesde toneladas com relação à sua produção de 1990; enquanto o da Sul, aumentá--la em 4 milhões. Tais dados permitem concluir que a soja se expandiu principal-mente na região dos cerrados, no centro-oeste brasileiro, a qual se tornou agrande produtora nacional da commodity. O gráfico da distribuição espacial daprodução mostra uma elevada concentração da oferta em duas regiões (Sul eCO), que, juntas, respondem por mais de 80% da mesma (Gráfico 8). Mostratambém, nitidamente, os ganhos de participação da Região CO. Além da CO, aRegião ND ganhou destaque, pois apresentou um significativo aumento departicipação na produção. Sendo assim, foram as regiões novas, de fronteiraagrícola, as relativamente dinâmicas no quadro da distribuição regional daprodução.

Maria D. Benetti

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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153Indicadores de mudança da distribuição espacial...

Quanto ao milho, o aumento da oferta ocorreu de forma mais significativana Região CO, embora as Regiões ND e Sul tenham obtido pequenos ganhosde participação. A Região SD destaca-se por ter sido a que perdeu mais pontosna distribuição espacial do grão. Apesar do dinamismo da cultura nas regiõesde fronteira, as regiões tradicionais de produção, Sul e SD, juntas, apresentamainda um alto grau de participação na oferta nacional: pouco mais de 70% em2002.

Com relação aos produtos analisados, o feijão é a cultura que exibe umamelhor distribuição da produção entre as regiões ao longo do período, onde trêsdelas (ND, Sul e SD) participavam cada uma com 25% a 32% da produção em2002. A mudança mais importante foi a incorporação de uma nova região aogrupo, a CO. Isso deveu-se ao fato de que, mais uma vez, o crescimento daprodução foi mais importante nos cerrados centrais.

Sul

Centro-Oeste

Sudeste

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Nordeste

Gráfico 8

Distribuição regional da produção de soja no Brasil — 1991-02(%)100

80

60

40

20

0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: Médias móveis trienais centradas.

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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154

Cabe destacar o desempenho das regiões periféricas da produção graneleiraconstituídas pelas Regiões ND e NO. Embora a ND seja ainda marginal naprodução de grãos, ela vem aumentando sua participação na oferta nacional deprodutos importantes, como milho e soja, enquanto o desempenho da NO pareceindicar uma promissora entrada no mercado do arroz.

Em que pese tudo isso, a Região Sul é hoje ainda uma grande regiãograneleira, uma vez que contribui com entre 40% e 60% de todo o arroz, soja emilho produzidos no País e concentra 90% da produção do trigo. Sua posiçãona oferta doméstica do feijão é relativamente menos expressiva, cerca de 30%.A região manteve o primeiro lugar no ranking das regiões produtoras no que dizrespeito ao trigo, ao arroz, ao milho e ao feijão. Apenas com respeito à soja, elaperde a hegemonia em favor da CO.

Outra observação interessante é que, apesar de continuar na liderança daprodução nacional de grãos, esta foi mantida com perdas de participaçãoimportantes na produção de soja com relação ao início da década de 90; comreduções de participação também, porém menos significativas, na produção demilho e feijão. Liderança com aumento de participação na oferta nacional ocorreucom o arroz e o trigo, já que passaram a concentrar parcelas maiores da produçãonacional. Essa concentração, no caso do arroz, coincide com o que se poderiachamar de abandono da produção na Região Sudeste e a despeito do que pareceser uma entrada promissora da Região NO nesse mercado.

Maria D. Benetti

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: Médias móveis trienais centradas.

Sul

Centro-Oeste

Nordeste

Sudeste

Norte

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Gráfico 9

Distribuição regional da produção de milho no Brasil — 1991-02(%)1009080706050403020100

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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155Indicadores de mudança da distribuição espacial...

Sul

Centro-Oeste

SudesteNordeste

Norte

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)(%)100

80

60

40

20

0

Gráfico 10

Distribuição regional da produção de arroz no Brasil — 1991-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra. NOTA: Médias móveis trienais centradas.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: Médias móveis trienais centradas.

100

Nordeste

Sul

Sudeste

Centro-OesteNorte

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

(%)

Gráfico 11Distribuição regional da produção de feijão no Brasil — 1991-02

(%)

90

80

60

50

20

100

100

70

40

30

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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O Gráfico 13 resume os achados deste estudo sobre o deslocamento daprodução dos vários grãos da Região Sul, região agrícola tradicional e coraçãoda produção graneleira, para o conjunto das demais regiões. Esse conjuntoinclui a Região SD, caracterizada como zona de cultivo tradicional e por apre-sentar um desempenho relativamente medíocre frente ao das demais. Assim,ela não poderia ter influenciado eventuais deslocamentos da produção agrícolada Região Sul para outros espaços geográficos. Deslocamentos com esse sentidoficariam, então, por conta do conjunto das regiões de fronteira agrícola: CO, NDe NO. Seja como for, o movimento das setas para a esquerda, a partir do pontoinicial, indica que a Região Sul perde posição na produção nacional daquelamercadoria; movimentos para a direita, que ganha posições.

O Gráfico 13 mostra claramente as conclusões a que se chegou utilizandoo conjunto dos gráficos anteriores, que mostram a distribuição da produçãonacional no período 1990-02: tendência de concentração da produção de arroz ede trigo na Região Sul; tendência de deslocamento dos demais grãos para aszonas novas de fronteira. Mostra, também, que essa mudança é muito mais im-portante no caso da soja. As mudanças espaciais observadas no feijão e, principal-mente, no milho não são tão expressivas quanto a mostrada pela soja.

Maria D. Benetti

Gráfico 12

Distribuição regional da produção de trigo no Brasil — 1991-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra. NOTA: Médias móveis trienais centradas.

Sul

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

SudesteCentro-Oeste

(%)

90

80

60

50

20

10

0

100

70

40

30

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 141-164, jun. 2003

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157

Gráfico 13

Deslocamentos da produção de grãos entre a Região Sul e as demais regiões no Brasil — 1990-92 e 2000-02

Região Sul

Indicadores de mudança da distribuição espacial...

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/Sidra.

NOTA: Média aritmética dos períodos 1990-92 e 2000-02.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100

Soja

Feijão

ArrozMilho

Trigo

Demais regiões

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Em resumo, os dados apresentados permitem constatar que os cerradosbrasileiros localizados na região central do País já deixaram de constituir umazona semiperiférica na produção de soja, tornando-se a região central. A regiãoapresenta, também, boas perspectivas para tornar-se zona central na produçãodo milho. Uma possibilidade de rearranjo das posições das regiões é que a COjunto com o Paraná possam vir a ser as áreas centrais das produções de soja ede milho. As Regiões ND e NO, hoje periféricas, marcham, ainda que a passoslentos, para uma maior importância na produção nacional de grãos: a ND, na desoja; a NO, na de arroz. O Rio Grande do Sul poderá vir a tornar-se zonasemiperiférica, considerando o conjunto dos grãos, e manter-se central no quediz respeito ao trigo e ao arroz.

3 - Periferização da Região Sul? Uma agenda para pesquisa

As mudanças ocorridas e as esperadas nas posições relativas das regiõesna produção nacional em função da marcha acelerada da produção graneleirapara as regiões dos cerrados brasileiros não deveriam surpreender. Não poderiam,até quando se sabe que a região constitui uma enorme reserva de terraspara serem incorporadas à produção agrícola e, pelo contrário, que, nas zonastradicionais de agricultura, a oferta de terras, nos níveis dados de tecnologia, éinelástica.

No que diz respeito especialmente ao Rio Grande do Sul, a constataçãode uma importante e continuada redução de sua importância relativa na distri-buição regional da produção desde, pelo menos, o início dos anos 90 não deve-ria levar a supor que estamos diante de uma fase de um processo mais longo dedestruição do seu setor graneleiro. Tampouco autorizaria a pensar que o setorestaria em processo de regressão, de uma economia aberta aos mercadosnacionais e internacionais a de uma fechada, no sentido de que ficaria circunscritoao abastecimento do mercado regional. A questão crucial é mais complexa, eenfrentá-la passa, primeiro, por determinar que padrões de produção definem acompetitividade no mercado brasileiro hoje. Em segundo lugar, como se colocao Rio Grande do Sul nesse contexto. Terceiro, é importante explicar em que aconcorrência que se instalou com as zonas novas de cultivo vem afetando aprodução estadual até aqui. Finalmente, seria extremamente útil desenhar aspossíveis vias de (re)estruturação que se lhe apresentam, quais as qualidadesque deveria assumir, se é que não as possui, e que lhe facultaria uma integração

Maria D. Benetti

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competitiva e sustentável nos mercados nacional e internacional. Considerandotodos esses condicionantes, qual poderia ser o tamanho do setor graneleiroestadual na próxima década? Em que região ou regiões do Estado estarialocalizado?

Essas indagações são fundamentais, porque as conclusões a que sechegou neste estudo se basearam unicamente em informações sobre volumesfísicos da produção e, parafraseando, livremente, Korzeniewicz e Martin (1994,p. 75), dados sobre produção física são o que são, isto é, não refletem aheterogeneidade na natureza dos processos de produção — isto é, nas funçõesde produção —, tampouco mostram as diferenças nas condições físicas, espe-cialmente as associadas a clima e capacidade de uso dos solos, em âmbitoregional. Escalas de produção e clima, por exemplo, são vantagens competiti-vas e comparativas especialmente importantes em se tratando de commoditiesagrícolas. Em quais aspectos o processo produtivo (input) e a produção (output)sul-rio-grandenses diferem das obtidas nas novas frentes de expansão agrícola?Em que tais diferenças o afetam positiva ou negativamente?

Mas existe ainda um outro fator que leva a recomendar uma análise maisacurada sobre as perspectivas do setor graneleiro gaúcho em um horizonte de10 a 15 anos. Lembre-se que a análise baseada nos dados sobre a evolução daoferta no período identificou uma fase de expansão acelerada da produção cominício em 1998. Ora, esta poderia constituir a fase A, ou seja, a fase de prospe-ridade do setor. É bem provável que esse desempenho estivesse influenciadopor condições macroeconômicas internas (depreciação do real) e externas es-pecialmente favoráveis (expansão da demanda internacional de commodities).Sob tais condições, é possível supor que tenha havido um abrandamentoda competição no mercado interno, permitindo a coexistência pacífica de produ-ções oriundas de setores graneleiros com diferentes níveis de competitividade.Na fase B, ou no segmento descendente do ciclo, o confronto das produçõesno mercado aumentaria a competição e levaria à destruição da sua parte menoseficiente. Em qual das partes se incluiria o setor graneleiro do Rio Grandedo Sul?

Como se a agenda apresentada não contivesse temas de investigaçãosuficientes, poderíamos adicionar a ela, pelo menos, outro. Trata-se da questãodas diferentes “elasticidades espaciais” da produção graneleira constatadasneste estudo — em condições de oferta ilimitada de terra de cultivo. Com efeito,por que razão a produção do milho se mostrou relativamente resistente a ummaior deslocamento das Regiões Sul e SD, tradicionais produtoras de cereal,diferentemente do que ocorreu com a soja? Em que isso está associado àconcentração dos elos industriais das cadeias de produção de carnes de aves e

Indicadores de mudança da distribuição espacial...

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160

Anexo estatístico

Maria D. Benetti

Tabela 1

Crescimento das produções de soja e de milho na Argentina e nos Estados Unidos — 1990 e 2002

PRODUÇÃO (1 000t) PRODUTOS E PAÍSES

PRODUTORES 1990 2002

AUMENTO DA PRODUÇÃO

(1 000t)

TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO DA

PRODUÇÃO (%)

52 416

73 201

20 785

2,83

Soja Estados Unidos .................

Argentina ........................... 10 700 30 200 19 500 9,03

201 532

228 696

27 164

1,06

Milho Estados Unidos ................. Argentina ........................... 5 400 14 700 9 300 8,7 FONTE: FAO.

de suínos nessas regiões? Colocando a questão em outros termos, não é preci-samente tal “inelasticidade espacial” que estaria a “atrasar” a transferência dascadeias para as regiões novas de fronteira, especialmente para a Região Cen-tro-Oeste?

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Tabela 2

Evolução da produção brasileira de arroz, feijão, milho, soja e trigo nas regiões fisiográficas e em estados selecionados — 1990-02 (1 000t)

BRASIL, REGIÕES FISIOGRÁFICAS

E ESTADOS SELECIONADOS

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

BRASIL ...................... 53 995 53 712 65 320 67 430 73 426 77 656 67 131

Norte ........................... 1 305 1 464 1 592 1 792 2 095 2 267 1 716 Rondônia .................... 433 438 535 612 769 724 347 Roraima ...................... 15 24 30 0 45 66 46 Pará ............................ 373 458 428 627 608 774 889 Amapá ........................ 1 1 0 1 1 1 1 Tocantins .................... 369 407 468 420 540 568 355 Subtotal ...................... 1 192 1 327 1 461 1 659 1 962 2 134 1 638 Outros (1) .................... 113 137 131 133 132 133 78

Nordeste .................... 2 309 5 134 3 309 3 214 6 785 6 454 4 755 Maranhão .................... 645 1 367 675 1 034 1 622 1 517 889 Piauí ............................ 281 824 231 308 972 894 396 Bahia ........................... 607 1 330 1 482 1 519 1 959 2 104 1 825 Subtotal ...................... 1 533 3 522 2 388 2 861 4 553 4 515 3 109 Outros (1) ................... 776 1 613 922 353 2 233 1 940 1 646

Sudeste ...................... 8 839 12 225 11 981 11 957 11 536 12 115 10 284 Minas Gerais ............... 3 910 5 798 5 757 6 005 6 005 5 923 4 822 Outros (1) .................... 4 930 6 427 6 224 5 953 5 531 6 192 5 463

Sul .............................. 30 680 22 226 34 579 36 002 35 566 38 936 33 364 Paraná ........................ 11 737 10 696 12 941 14 628 15 315 16 413 17 172 Rio Grande do Sul ...... 14 775 8 859 16 844 16 712 15 400 17 349 12 597 Santa Catarina ............ 4 169 2 671 4 794 4 663 4 850 5 174 3 594

Centro-Oeste ............. 10 861 12 662 13 859 14 464 17 445 17 883 17 012 Mato Grosso do Sul .... 3 055 3 360 3 095 3 528 3 800 4 001 3 793 Mato Grosso ............... 4 135 3 902 5 286 5 638 7 320 7 503 7 290 Goiás .......................... 3 534 5 194 5 283 5 121 6 115 6 180 5 737 Subtotal ...................... 10 725 12 456 13 664 14 287 17 235 17 684 16 821 Outros (1) .................... 136 206 195 177 209 199 192 (continua)

Indicadores de mudança da distribuição espacial...

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Tabela 2

Evolução da produção brasileira de arroz, feijão, milho, soja e trigo nas regiões fisiográficas e em estados selecionados — 1990-02 (1 000t)

BRASIL, REGIÕES FISIOGRÁFICAS

E ESTADOS SELECIONADOS

1997 1998 1999 2000 2001 2002

BRASIL ...................... 73 020 73 086 80 229 81 058 95 015 95 846

Norte ........................... 1 804 1 998 2 409 2 310 2 069 2 223 Rondônia .................... 358 406 450 444 342 371 Roraima ...................... 56 52 71 71 69 91 Pará ............................ 901 898 1 113 986 925 863 Amapá ........................ 1 1 2 2 4 4 Tocantins .................... 408 528 641 659 589 755 Subtotal ...................... 1 725 1 886 2 276 2 162 1 929 2 084 Outros (1) .................... 79 113 133 149 141 139

Nordeste .................... 5 427 3 735 5 621 7 466 5 363 6 710 Maranhão .................... 980 833 1 324 1 536 1 483 1 543 Piauí ............................ 332 210 617 639 466 291 Bahia ........................... 2 636 2 122 2 490 3 463 2 687 2 927 Subtotal ...................... 3 949 3 166 4 432 5 638 4 636 4 760 Outros (1) .................... 1 478 569 1 190 1 828 726 1 950

Sudeste ...................... 11 752 10 992 11 875 11 191 12 224 13 825 Minas Gerais ............... 5 725 5 671 5 954 6 364 5 992 7 323 Outros (1) .................... 6 027 5 321 5 921 4 828 6 232 6 502

Sul .............................. 34 458 36 507 37 209 35 658 48 492 43 633 Paraná ........................ 16 734 17 504 18 838 15 917 23 379 22 548 Rio Grande do Sul ...... 13 679 15 075 14 194 14 732 19 382 16 198 Santa Catarina ............ 4 046 3 928 4 177 5 009 5 731 4 887

Centro-Oeste ............. 19 580 19 854 23 115 24 433 26 867 29 455 Mato Grosso do Sul .... 4 409 4 293 5 082 3 827 5 659 4 922 Mato Grosso ............... 8 296 8 971 10 346 12 082 12 459 15 034 Goiás ........................... 6 639 6 363 7 453 8 256 8 531 9 218 Subtotal ...................... 19 345 19 628 22 881 24 165 26 649 29 174 Outros (1) .................... 235 226 234 268 218 281 FONTE: IBGE/Sidra. (1) Engloba o total da região menos o total dos estados selecionados.

Maria D. Benetti

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Referências

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KORZENIEWICZ, Roberto P.; MARTIN, William. The global distribution ofcommodity chains. In: GEREFFI, Gary; KORZENIEWICZ, Miguel, (Ed.).Commodity chains and global capitalism. London: Praeger, 1994. p. 67-91.

MACEDO, Jamil. Os cerrados brasileiros: alternativa para a produção de ali-mentos no limiar do século XXI. Revista de Política Agrícola, Brasília: Minis-tério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária: Companhia Na-cional de Abastecimento, v. 4, n. 2, p. 11-18, maio/jun., 1995.

CASTRO, Ana Célia; FONSECA, Maria da Graça. A dinâmica agroindustrialno centro oeste: características, problemas, potencial de expansão e fluxosde investimento. [S.l.: s.n.], ([19?]). Mimeografado.

CASTRO, Antonio Barros de (Cons.) Notas para uma estratégia: de periferiaa centro. Porto Alegre: SCP, 1998. (Projeto RS 2010).

REZENDE, Gervásio Castro de; HELFAND, Steven. Distribuição especial daprodução de grãos e a questão da localização do setor de criação eabate de aves e suínos no Brasil. [S.l.: s.n.], 1998. (Cópia de estudo prova-velmente financiado pelo IPEA).

REZENDE, Gervásio Castro de; HELFAND, Steven. Padrões regionais de cres-cimento da produção de grãos no Brasil e o papel da região centro--oeste. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. (Textos para discussão, n. 731).

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Algumas considerações sobre a consolidação

no setor bancário brasileiro*

André Moreira Cunha Professor do Departamento de Economia da UFRGS.Julimar da Silva Bichara Pesquisador da Universidad Autónoma de Madrid.

ResumoNa última década, o setor bancário brasileiro experimentou um importanteprocesso de consolidação. Este trabalho enfatiza as transformações regulatóriasque permitiram a emergência desse processo, pontuando alguns dos seus efeitos.

Palavras-chaveSetor bancário; transformações regulatórias; consolidação de mercado.

AbstractIn the last decade, the brazilian banking industry experienced a important processof consolidation. This paper emphasizes the regulatory transformations thatpermitted the emergence of that process, and point some results.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 18.03.03.

* Esta é uma versão reduzida do trabalho O Sistema Bancário Brasileiro: Reestruturação,Participação do Capital Estrangeiro e Perspectivas, dos mesmos autores, realizadopara a V Reunión de Economía Mundial, em Sevilha, Espanha, em maio de 2003. Todas astraduções de citações foram feitas pelos autores. Versão: fevereiro de 2003.

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Introdução

O sistema financeiro brasileiro, especialmente no segmento bancário1,passou por um processo intenso de transformações ao longo da última década.Dois aspectos merecem destaque: (a) as mudanças normativas, que tornaramas regras prudenciais mais alinhadas às best practices internacionais e quepermitiram o saneamento do sistema em um ambiente de elevada volatilidademacroeconômica; e (b) a consolidação do setor bancário, com a queda daparticipação dos bancos públicos e o aumento do peso do capital estrangeiro,em um movimento que combinou a ação pró-ativa das autoridades monetárias eo interesse estratégico de grandes players do setor privado.

Nesse sentido, o Brasil não foi uma exceção ao movimento mais geral deconsolidação bancária e liberalização financeira que marcou as economiasdesenvolvidas e em desenvolvimento. Da mesma forma, a maior participação docapital estrangeiro nos sistemas financeiros domésticos dos países emdesenvolvimento tem sido uma regra geral, na qual o Brasil se enquadra. Todaviaa experiência brasileira torna-se especialmente interessante, na medida em quea reestruturação do setor evitou a ocorrência de uma crise bancária aberta, nosmoldes da crise asiática de 1997 e 1998. A literatura2 identifica as crises bancáriaspela suspensão da conversibilidade dos passivos bancários que se segue às“corridas bancárias”, levando ao fechamento de instituições, a intervençõesestatais para provisão de liquidez, etc. Elas podem ser localizadas — em pou-cas instituições — ou sistêmicas. No caso brasileiro, as dificuldades de algunsbancos privados e públicos no período que se seguiu à estabilização monetá-ria — o Plano Real (1994) — levou a um amplo processo de saneamento dosetor financeiro. Porém não se verificou o efeito dominó (Sachs, 1998) das corridasbancárias, com quebras sucessivas de instituições. Não houve, a partir de umaperspectiva sistêmica, “queima” de ativos e capital. Os depósitos não caíram.

O sistema financeiro brasileiro vem apresentando taxas de rentabilidadesistematicamente superiores às da média dos outros setores da economia3 e

1 Neste artigo, enfatiza-se o setor bancário, na medida em que este representa mais de 90%dos ativos do sistema financeiro brasileiro (BACEN, 2002).

2 Ver, dentre outros, Sachs (1998); Demirgüç-kunt e Detragiache (1997); World EconomicOutlook (1998); Aziz, Caramazza e Salgado (2000); Mishkin (2000, 2001); Caprio e Klingebiel(2003).

3 A Austin Asis estimou, para o período 1995-02, em 5,6% a rentabilidade média sobre opatrimônio do setor não financeiro da economia brasileira. Já o setor bancário teria umamédia de 17%. Ver Folha de São Paulo (2003).

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4 Cerca de 15% ao ano, em média (e mediana), entre 1994 e 2002; cálculos dos autores,considerando a Over/Selic mensal, deflacionada pelo IGPM e anualizada. Dados obtidosjunto ao IPEADATA, disponíveis em: http://www.ipeadata.gov.br

beneficiou-se das elevadas taxas reais de juros4 praticadas pelo Governo Federalem sua política de financiamento. As receitas de tesouraria, associadas,fundamentalmente, à aquisição de títulos públicos, constituíram-se em importantefonte de receitas para as instituições financeiras (Freitas, 1999; Cardim deCarvalho, 2000; OECD, 2001; Cunha, 2002; Carvalho; Studart; Alves Junior, 2002).A consolidação bancária permitiu o fortalecimento do setor, mas, ao contráriodas expectativas criadas por parte da literatura especializada, a liberalizaçãofinanceira e a maior participação do capital estrangeiro não evitaram a permanênciade problemas estruturais de insuficiência — baixa relação crédito ao setor priva-do/PIB — e de ineficiência — manifesta nos elevados spreads bancários.

Este trabalho estrutura-se em três partes. Inicialmente, são apresentadasalgumas características da experiência internacional recente de consolidaçãobancária. São resgatados os argumentos favoráveis e contrários à maiorparticipação do capital estrangeiro no setor bancário dos mercados emergentes.Depois, apresenta-se a experiência brasileira de consolidação bancária. Porfim, contrapõem-se esses resultados aos fatos estilizados apresentados pelaliteratura.

1 - Transformações no sistema financeiro internacional: globalização da atividade bancária e o papel dos bancos estrangeiros nos mercados emergentes

As mudanças recentes no sistema financeiro brasileiro devem sercompreendidas como parte constitutiva de um conjunto mais amplo detransformações. Nesse sentido, as “(...) mudanças estruturais que têm ocorridonas finanças nacionais e internacionais, durante as últimas duas décadas, podemser vistas como parte de um processo complexo, melhor descrito como sendo aglobalização das finanças e dos riscos financeiros” (INTERNATIONAL..., 1998c,p. 180). Podem-se destacar alguns elementos-chave nessas transformações:(a) a ampliação na competência técnica em desenvolver finanças de precisão, oque significa a capacidade de se criarem novos produtos adequados às demandasespecíficas, especialmente no que se refere à precificação e à redistribuição

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dos riscos; (b) a constituição de um mercado financeiro global, a partir daintegração dos mercados domésticos; (c) a perda de clareza na distinção entreos tipos de instituições financeiras, suas funções e mercados onde atuam;5 (d)a emergência de bancos e instituições financeiras globais, cada qual ofertandoum amplo leque de produtos e serviços nos mais diversos mercados; (e) asmudanças na percepção dos riscos e dos ganhos potenciais tanto dos tomadoresde recursos quanto dos emprestadores, bem como na avaliação dos espaçosrelevantes para suas tomadas de decisão, onde as fronteiras entre os mercadosdomésticos e internacional vão perdendo relevância (Calvo; Liederman; Reinhart,1993; Fernandez-Arias, 1996; World Bank, 1997; INTERNATIONAL..., 1998c;Borio; Tsatsaronis, 1999; McCauley; Ruud; Wooldridge, 2002; CEPAL, 2002).

Percebe-se um movimento de homogeneização das formas institucionaise dos padrões de regulação do sistema financeiro. As fronteiras tradicionaisentre instituições bancárias e não bancárias estariam perdendo relevância diantedo avanço das inovações financeiras e da integração dos mercados — sendoesta percebida como a contraface do processo de desregulamentação e aberturafinanceira (INTERNATIONAL..., 1998c). Os bancos passaram a reagir à pressãoconcorrencial das demais instituições financeiras. Por outro lado, as décadasque se seguiram à ruptura do sistema de câmbio fixo derivado do acordo deBretton Woods foram marcadas pela ocorrência sistemática de episódios decrise financeira. O FMI (World Econ. Outlook, 1998) identificou, para o período1975-97, 158 episódios de crises cambiais e 54 de crises bancárias. Tais crisesforam mais freqüentes nos países em desenvolvimento e implicaram custossignificativos tanto para viabilizar a reestruturação dos sistemas financeiros quantoem termos de queda do produto. Nos casos mais graves, os custos fiscais dascrises oscilaram entre 30% e 40% do PIB. A perda de renda, calculada peladiferença entre a linha de tendência do produto e seu resultado após a crise, foi,em média, de 4,25% (sendo maior nos países em desenvolvimento). Algumasregularidades empíricas vêm marcando as crises financeiras recentes (Kaminsky;Lizondo; Reinhart, 1998; Demirgüç-kunt; Detragiache, 1998; Aziz; Caramazza;Salgado, 2000): a expansão do crédito doméstico, associada à liberalizaçãofinanceira (interna e externa), alimentando um boom nos mercados reais e fi-nanceiros; a apreciação da taxa de câmbio; a fragilização externa, com deterio-ração dos saldos em conta corrente e redução na liquidez (ampliação da rela-ção entre passivos e ativos externos e encurtamento das posições passivas);dentre outros fatores.

5 Trata-se da integração funcional, nos termos de Canuto e Lima (1999).

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Nesse contexto, os países mais afetados pela instabilidade financeira, emespecial os que sofreram crises bancárias abertas, vêm desenvolvendomecanismos para sanear seus sistemas financeiros. Destacam-se dois conjuntosde medidas: (a) a constituição de instituições específicas, normalmente denatureza pública, para intermediar a reestruturação patrimonial dos agentesendividados, promover fusões e incorporações, administrar falências, etc.; e (b)a utilização de recursos fiscais para a compra de créditos sem retorno (WorldEcon. Outlook, 1998d; Stone, 1998). O FMI (World Econ. Outlook, 1998) estimouos custos fiscais e quase fiscais de 19 casos de crises bancárias nas últimasduas décadas. Os casos mais graves foram: as crises do Cone Sul — Argentina(1980-82), Chile (1981-85) e Uruguai (1981-84) —, onde tais custos ficaram entre13% e 55% dos respectivos PIBs, e a recente crise asiática, com estimativassuperiores a 30% do PIB. Caprio e Klingebiel (2003) fornecem um levantamentosistemático mais amplo de crises bancárias sistêmicas e localizadas.

Um dos aspectos marcantes das transformações destacadas anteriormenteestá na globalização dos bancos que operam no mercado internacional. Ainternacionalização das atividades bancárias não é um fenômeno recente. Todaviaa assim chamada “globalização dos bancos internacionais” (McCauley; Ruud;Wooldridge, 2002) diferencia-se da etapa anterior de internacionalização, namedida em que, agora, os bancos internacionais tendem a fundar suas operaçõesativas no Exterior na captação de depósitos nos próprios mercados hospedeiros.No passado, as operações ativas (empréstimos, aquisição de ativos financeiros,etc.) nos mercados exteriores eram lastreadas pela captação de recursos nosmercados de origem. As operações internacionais dos bancos tendiam a seguirde reboque a internacionalização das atividades das empresas não-financeirasdos seus países de origem (World Bank, 1997; INTERNATIONAL..., 1998c; Borio;Tsatsaronis, 1999; McCauley; Ruud; Wooldridge, 2002; Jeanneau; Micu, 2002).

O acirramento da concorrência nos mercados de origem, as inovaçõestecnológicas, a maior abertura financeira e as privatizações nos países emdesenvolvimento (com atrativos diferenciais de juros ante os mercados centrais),dentre outros motivos, alteraram os incentivos para o reposicionamento dasestratégias dos bancos internacionais e de outras instituições financeiras nãobancárias (Group of Ten, 2001). O aumento da participação de bancosestrangeiros nos países em desenvolvimento deu fôlego à polêmica em tornodos custos e benefícios da liberalização nos mercados bancários. O Gráfico 1mostra esse processo em economias selecionadas. Verificou-se, na segundametade dos anos 90, uma rápida desnacionalização dos sistemas bancáriosdos principais mercados emergentes, especialmente no Leste Europeu e naAmérica Latina. Na Ásia, a crise levou a uma maior participação dos estrangeiros,ainda que em níveis inferiores. Nesse mesmo sentido, Martinez Peria, Powell e

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Hollar (2002) estimaram em 13% os créditos de bancos estrangeiros (cross--border e fundado localmente em divisas) no total do crédito ofertado ao setorprivado nos países em desenvolvimento.6 Nos principais países da América Latina,esse valor oscilou, no ano 2000, de 19% no Brasil a cerca de 55% na Argentinae no Peru.

6 Os autores usaram os dados de haveres de bancos internacionais que se reportam ao Bankfor International Settlements (BIS). Disponíveis em http://www.bis.org e na base de dadosdo FMI/International Financial Statistics.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: INTERNATIONAL capital markets: developments, prospects, and key economic issues. Washington, D. C.: International Monetary Fund, 1998c. Sept. FFONTE DOS DADOS BRUTOS: CARVALHO, Eduardo; TUDART, Rogério; ALVES JUNIOR; Antônio José. Desnacionalização do setor bancário e financiamento das empresas: a experiência brasileira recente. Brasília: IPEA, 2002. (Texto para Discussão, n. 882).

NOTA: O dado de 2000 da Turquia refere-se a 1999.

Gráfico 1

Participação do capital estrangeiro no ativo total do sistemabancário em economias selecionadas — 1994 e 2000

(% em 2000)

(% em 1994)

Venezuela

México

Tailândia

CoréiaTurquia

Polônia Hungria

Argentina

Chile

Brasil

Malásia

Colômbia

Peru

0

10

20

30

40

50

60

70

80

0 5 10 15 20 25

República Tcheca

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Há argumentos favoráveis à entrada e/ou à maior participação de institui-ções estrangeiras nos países em desenvolvimento, tais como: (a) a possibilida-de de estes estabilizarem os sistemas financeiros domésticos pelo aporte derecursos externos (mais largos e diversificados que nos mercados hospedei-ros); (b) o crescimento da oferta de crédito; (c) o aprimoramento da eficiência(em termos de redução de custos para os tomadores finais); e (d) a moderniza-ção das práticas bancárias, com reflexos positivos para a estabilidade financei-ra. Ampliar-se-ia a pressão por melhorias nos padrões regulatórios. Com portfóliosmais diversificados, os estrangeiros seriam uma fonte de estabilização dos sis-temas financeiros. Os críticos sugerem que o comportamento dos bancos es-trangeiros tenderia a ser mais pró-cíclico e que crises nos países de origemafetariam negativamente a oferta de crédito nos hospedeiros, mesmo que estesestivessem em condições macroeconômicas adequadas. Não haveria evidênci-as de aumento significativo na oferta de crédito. Os estrangeiros tenderiam a seapropriar das fatias mais nobres do mercado de serviços financeiros, enfraque-cendo as instituições domésticas e gerando uma pressão de concentração demercado (INTERNATIONAL..., 2000; Dages; Goldberg; Kinney, 2000; MartinezPeria; Powell; Hollar, 2002). Em uma avaliação cuidadosa, o FMI aponta que:“(...) até agora, as evidências sobre a entrada de bancos estrangeiros sugeremque a pressão competitiva criada por tal entrada leva a um aprimoramento naeficiência do sistema bancário, mas ainda não está claro se a maior presençade bancos estrangeiros contribui para um sistema bancário mais estável e parauma menor volatilidade na oferta de crédito” (INTERNATIONAL…, 1998c, p. 152).

2 - A consolidação bancária dos anos 90

Entende-se por consolidação o processo de reconfiguração de um mercado,que se dá através de mutações patrimoniais (fusões, aquisições, incorporações)e/ou alianças estratégicas, que têm por determinantes as mudanças regulatórias,tecnológicas e de padrões competitivos, e que gera, como conseqüência,alterações na própria dinâmica de funcionamento dos mercados. O Group of Ten(2001) realizou um detalhado estudo sobre a consolidação do sistema financeironas principais economias industrializadas. Evidenciaram-se as transformaçõesdestacadas no item anterior deste trabalho. Aqui, pretende-se apontar como talconsolidação está se processando no Brasil. É importante reter que, tanto emtermos internacionais quanto no caso brasileiro, a consolidação do sistemafinanceiro é um processo em curso. E mais, que não se deve confundirconsolidação com “estabilidade”.

Algumas considerações sobre a consolidação...

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Três vetores vêm determinando a consolidação do sistema bancário brasi-leiro: (a) a mudança do regime inflacionário, provocada pelo sucesso inicial doPlano Real; (b) a liberalização econômica; e (c) a ação do Banco Central (Bacen)como agente regulamentador e fiscalizador do sistema. Para o Banco Central(1999, 2001, 2002, 2002b), o convívio prolongado com um regime de alta infla-ção garantiu, por um lado, uma significativa expansão do sistema financeiro,mas, por outro, a adoção de práticas ineficientes, especialmente no negóciobancário. A perda dos ganhos de intermediação, potencializados pela inflaçãocrescente, fragilizou as instituições menos eficientes. Além disso, verificou-se,a partir da estabilização monetária, um boom creditício, com posterior fragilizaçãoda qualidade das carteiras de créditos constituídas (aumento da inadimplência).No primeiro ano do Plano Real, o estoque de operações de crédito no SistemaFinanceiro Nacional (SFN) cresceu 50% em termos nominais e 20% em termosreais (Gráficos 1 e 2 do Anexo).

Os ganhos reais de renda — 40% em termos nominais e cerca de 15% emtermos reais —7 e o otimismo gerado pela estabilização estimularam o aumentodos gastos privados, especialmente das famílias. Ampliou-se o endividamento.Para se colocar em perspectiva, basta verificar que, entre julho de 1994 e junhode 1995, houve um crescimento real (deflacionado pelo IPCA) de 70% nasoperações de crédito das pessoas físicas e entre 10% e 50% nos demais setores(indústria, comércio, rural, habitação e serviços).8 A crise mexicana de dezembrode 1994 levou o Banco Central a adotar uma política monetária mais rígida em1995. Os créditos improdutivos passaram de cerca de 5% nos dois anos queantecederam o Real para mais de 10% nos dois anos seguintes (Gráficos 3 a 5do Anexo).

Com isso, detonou-se um processo de reestruturação marcado portransferências de controle, incorporações, cancelamentos e liquidações deinstituições. Houve um enxugamento no sistema financeiro. Em junho de 1994,o sistema bancário era composto por 210 bancos múltiplos, 34 bancos comerciaise duas caixas econômicas, em um total de 246 instituições. Em junho de 2002,havia 182 instituições. Em 1988, as instituições públicas representavam 26%do sistema. No final de 1998, essa participação tinha se reduzido pela metade,

7 Cálculos dos autores, considerando dois indicadores: (a) o rendimento médio do trabalhoprincipal, com carteira de trabalho assinada, nas regiões metropolitanas da Pesquisa Mensalde Emprego do IBGE, deflacionado pelo IGPM e pelo IPCA; e (b) o índice de salário real daRegião Metropolitana de São Paulo, calculado pelo DIEESE. Dados disponíveis em:http://www.ipeadata.gov.br

8 Cálculos dos autores com base nos dados do Banco Central, disponíveis emhttp://www.bcb.gov.br

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para menos de 10%. Em contrapartida, nesse mesmo período, cresceu a parti-cipação de empresas com controle ou participação estrangeira de 18% para46%. A estratégia de reposicionamento dos bancos estrangeiros através da aqui-sição de bancos nacionais — públicos e privados — fez com que sua participa-ção no total de agências bancárias instaladas no País passasse de 1,5% em1988 para 28% em 2001.

O processo de consolidação bancária foi favorecido pelo esforço desaneamento financeiro promovido pelo Banco Central. A estabilização monetáriateria exposto as fragilidades estruturais de muitas instituições. Na verdade, osistema bancário tende a conviver com o risco sistêmico, na medida em quesuas operações ativas e passivas são descasadas temporalmente. Em especialnas carteiras comerciais, os prazos de maturação dos créditos tendem a sermais longos do que as fontes de recursos que os lastreiam. O sistema operaalavancado, na medida em que o capital próprio dos bancos é uma parcelamenor ante o total dos compromissos ativos. As operações passivas — depósitosà vista e a prazo, emissão de títulos de dívida, etc. —, mais do que o capitalpróprio, é que sustentam os créditos ofertados pelos bancos. A confiança deque as instituições não vão “quebrar” é que sustenta o resultado líquido positivonos fluxos de aplicação e retirada dos poupadores. Tal confiança depende de,pelo menos, três fatores: (a) do desempenho econômico-financeiro positivo decada instituição e do sistema como um todo; (b) da situação macroeconômicageral, corrente e prospectiva; e (c) da capacidade da autoridade monetária regulare intervir no sistema, de modo a evitar crises bancárias. Quando há a quebra deconfiança, os depositantes de uma ou mais instituições “correm” para realizarseus ativos (passivos dos bancos). A incapacidade de tornar líquidos seuspassivos é que caracteriza uma crise bancária (World Econ. Outlook, 1998;INTERNATIONAL…1998c; Miskhin, 2000, 2001; Caprio; Klingebiel, 2003).

No caso brasileiro recente, a liquidação dos Bancos Econômico, em agostode 1995, e Nacional,9 em novembro do mesmo ano, precipitou a adoção demedidas visando ao fortalecimento do sistema financeiro. O Banco Central temiaa ocorrência de uma crise bancária sistêmica. Iniciou-se, assim, um amploesforço de reestruturação. A Resolução nº 2.197, de 31.08.95, autorizou a cons-tituição de uma entidade privada, sem fins lucrativos, para gerir recursos volta-dos à proteção dos poupadores. Procurava-se minimizar o risco de uma corridabancária derivada de uma perda de confiança na solidez das instituições finan-

9 Quando da intervenção, essas instituições destacavam-se no ranking dos maiores bancos:o Econômico era o oitavo em termos de patrimônio líquido e o décimo em depósitos; oNacional, o sexto em patrimônio e o quinto em depósitos (BACEN, 2002b, p. 31).

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ceiras (BACEN, 1999, 2002b). Posteriormente, essa iniciativa materializou-sena constituição do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)10. Em novembro de 1995,surgiram outras iniciativas cruciais: (a) a ampliação dos poderes do Bacen pararesponsabilizar civilmente os controladores das instituições financeiras e osauditores independentes, além de fortalecer a sua possibilidade de tomar açõespreventivas para saneamento de instituições fragilizadas, como, por exemplo,condicionar seus aportes de liquidez a mudanças societárias — fusões, incor-porações ou cisões11 —; (b) o estabelecimento de incentivos fiscais12 para esti-mular a incorporação de instituições frágeis pelas mais saudáveis; e (c) a cria-ção do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do SistemaFinanceiro Nacional (Proer)13, dando condições para acelerar o processo defusões e incorporações de bancos, especialmente pela constituição de umalinha especial de assistência financeira. Tais medidas atuariam a favor do pro-cesso de consolidação bancária, ao estimularem as mutações patrimoniais, aomesmo tempo em que o setor público assumiria parte do custo do ajustepatrimonial das instituições problemáticas.

Segundo o Banco Central (1999, p. 13), o Proer visava “(...) proteger osinvestimentos e a poupança da sociedade brasileira através da concessão aoBanco Central de um aparato legal capaz de conduzir o SFN a um novo modelo,outorgando-lhe o poder de viabilizar seu funcionamento com instituições com‘saúde’, liquidez e solidez”. Entre 1995 e 1997, os seguintes bancos utilizaramo Proer para viabilizar seus processos de transferência de controle: Banco NacionalS/A, Banco Econômico S/A, Banco Mercantil S/A, Banorte S/A e BancoBamerindus do Brasil S/A. Além disso, o Proer permitiu a reorganização dosBancos Antônio de Queiroz S/A e Pontual S/A e a viabilização da compra decarteiras imobiliárias pela CEF. Puga (1999, p. 13) reporta que, em 1998, o

10 A aprovação do seu estatuto e do seu regulamento deu-se pela Resolução nº 2.211 doConselho Monetário Nacional (CMN), de 16.11.95. O FGC era um mecanismo previsto noartigo 192 da Constituição Federal de 1988 (BACEN, 1999).

11 O mecanismo legal foi a MP 1.182, de 17.11.95 (atual Lei nº 9.447, de 14.03.97). Foramflexibilizados os critérios de privatização das instituições públicas ou que porventuratenham sido federalizadas.

12 A MP 1.179 de 03.11.95 (atualmente Lei nº 9.710, de 19.11.98) estabeleceu que: “(...) (a) ainstituição incorporadora contabilizasse como prejuízo o valor dos créditos de difícil recu-peração da instituição incorporada e (b) a instituição incorporadora pudesse contabilizarcomo ágio a diferença entre a valor patrimonial da participação societária adquirida e ovalor da aquisição, sendo essa diferença compensada nos exercícios fiscais posteriores”(BACEN, 2002b, p. 31).

13 Editado em 03.11.95, através da MP 1.179 (Lei nº 9.710/98) e da Resolução n° 2.208 doCMN.

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Banco Bozano Simonsen estimou que a assistência recebida pelos bancosprivados através do Proer teria ficado em US$ 21 bilhões, o equivalente a 3,8%do PIB. Já o Banco Central (2002b) afirma que o custo do Programa teria osciladoentre 0,9% e 1,4% do PIB. Destaca-se o fato de que o custo líquido final dasoperações de socorro só será conhecido quando os processos de liquidaçãoforem concluídos.

Um passo adicional no saneamento do sistema foi o equacionamento dosdesequilíbrios patrimoniais dos bancos oficiais estaduais, o que se deu no bojode um ajuste fiscal mais amplo, que envolveu a assunção, por parte do GovernoFederal, de passivos financeiros dos estados. Para tanto, lançou-se mão doPrograma de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária(Proes)14. O Governo Federal aportaria recursos capazes de reequilibrarpatrimonialmente os bancos estaduais pela emissão de títulos federais. Osestados controladores dos bancos poderiam optar pela posterior privatização,extinção, transformação em agências de fomento ou saneamento (mantendo ocontrole da instituição). Os custos brutos dos Programas podem ser estimadosna ordem de 6% do PIB (BACEN, 2002b).15 Antes do Proes, havia 35 instituiçõescontroladas pelos estados. A maioria dos estados aderiu ao Programa. Asexceções foram Mato Grosso do Sul e Tocantins, que não possuíam instituiçõesfinanceiras sob seu controle, e Paraíba e Distrito Federal. Em um balanço recente,o Banco Central (2002b) aponta que, no âmbito do Proes, foram extintas (ouestão em fase de liquidação) 10 instituições; sete bancos foram privatizados;sete outros foram federalizados para privatização; cinco foram saneados; e 16outros transformados em agências de fomento.

Se o Proer e o Proes foram importantes no saneamento do sistemafinanceiro, haveria, também, de se criarem condições para que os bancosestrangeiros pudessem ampliar sua participação no mercado brasileiro. Desdeos anos 30, a legislação tornou-se restritiva a essa participação. Maisrecentemente, a atual Constituição Federal do Brasil foi explícita nessa limitação.A partir do final dos anos 80, foram sendo constituídos instrumentos legais que

14 Criado pela MP 1.514, de 07.08.96, e normatizado no Banco Central pela Resolução nº2.365, de 28.02.97.

15 Cunha (2002) chegou a uma estimativa semelhante. Tomou por referência os desembolsosde quase R$ 52 bilhões (posição em maio de 1999) e o PIB de 1998 a preços de mercado,estimado pelo Bacen em R$ 901,4 bilhões. A razão entre esses dois valores é 5,7%. Essevalor também coincide com a estimativa da Bozano Simonsen (Puga, 1999, p. 15), que, em1998, calculou em US$ 48 bilhões ou 6% do PIB o montante de títulos federais emitidos parasanear os bancos estaduais.

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permitiram uma maior liberalização financeira16. Porém, somente em 1995, coma Exposição de Motivos nº 311, do Ministério da Fazenda, é que o GovernoFederal usou o atributo constitucional de abrir o mercado bancário para a entradade novos players. Justificou-se tal medida nos termos apontados na literaturaconvencional, que defende a maior participação dos estrangeiros no setor bancáriodos países em desenvolvimento: busca de maior eficiência, estabilidade e fontesalternativas (e mais profundas) de recursos. Em linha com essa nova orientação,o Banco Central, através da Resolução nº 2.212, suprimiu a exigência de que ocapital mínimo das instituições estrangeiras fosse o dobro do das nacionais.Assim, além da ação direta de estímulo à concentração e às centralizações decapitais nesse setor, através do Proer e do Proes, o Banco Central passou aapostar no incremento da entrada de grupos estrangeiros no mercado doméstico.

Além disso, em um ambiente de crescente instabilidade financeira nosmercados internacional e local, o Banco Central passou a implementar medidasvisando reduzir o potencial de risco sistêmico no Sistema Financeiro Nacional.Já em 1994, o Banco Central havia ratificado o Acordo da Basiléia (Resolução nº2099, de 17.08.94). Em seus quatro anexos, foram estabelecidos parâmetrosde funcionamento para as instituições financeiras (autorização de funcionamento,transferência de controle societário e reorganização) e limites prudenciais: capitale patrimônio líquido mínimos, limite de diversificação de riscos, limites deimobilização (90% do patrimônio líquido) e endividamento (até 15 vezes opatrimônio líquido). Em 1997, foi criado o Sistema Central de Risco de Crédito17,que também obrigou as instituições financeiras a informarem ao Bacen suacarteira de clientes cujos saldos devedores ultrapassassem R$ 50 mil —equivalendo a US$ 46 mil ao câmbio médio do ano de 1997. Essas informaçõesficam acessíveis a todas as instituições participantes do sistema, permitindoum monitoramento permanente do risco associado a operações de crédito compessoas físicas e jurídicas. Elevaram-se, sucessivamente, os requisitos de capitalponderado pelo risco do padrão básico do Acordo da Basiléia de 8%, até os

16 Esse movimento teve mais força no início dos anos 90. Em 1991, foram criados os Fundosde Privatização-Capital Estrangeiro. Nesse mesmo ano, a regulamentação da captação derecursos no Exterior garantiu o retorno da entrada autônoma de capitais via emissãointernacional de securities. Entre 1991 e 1993, a criação de várias modalidades de fundosde investimento para estrangeiros, pelo Banco Central, e dos Anexos IV e V potencializouesse movimento. Na mesma linha, entre 1994 e 1996, foram regulamentados os fundospara aporte externo de recursos em empresas emergentes. A Emenda Constitucional nº 6,de 1995, redefiniu o conceito de empresa nacional, acabando com o viés contra as estran-geiras. Em 1996, foram regulamentados os depositary receipts (BDRs).

17 Resolução nº 2.390 do CMN.

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atuais 11%.18 Buscando alinhar-se às recomendações do Comitê de SupervisãoBancária da Basiléia (BIS, 1997), o Banco Central determinou a introdução derígidos controles internos nas instituições financeiras (Resolução nº 2.554, dedez./98) e alterou os critérios de classificação e provisionamento dos créditosconcedidos (Resolução nº 2.682). Buscou-se, ainda, minimizar os riscosassociados às variações de preços-chave, como as taxas de juros e o câmbio,bem como de operações com derivativos. Ampliou-se a divulgação das informaçõeseconômico-financeiras das instituições, com a disseminação trimestral deestatísticas.19 Em 2002, entrou em operação o novo Sistema Brasileiro dePagamentos (SBP) que visa otimizar a eficiência do registro e a liquidação dasoperações financeiras.

Por fim, caberia enfrentar os desequilíbrios dos bancos públicos federais.Entre 1995 e 2002, o Governo tomou uma série de iniciativas para a reestruturaçãodos bancos oficiais federais (BACEN, 2002, 2002b). Em 1995, o Tesouro Nacionalcapitalizou o Banco do Brasil (BB) em R$ 8 bilhões (US$ 8,7 bilhões ao câmbiomédio de 1995). O BB caracteriza-se por ser o principal agente financiador daagricultura e do comércio exterior. Buscou-se, com isso, sanear sua carteira decrédito, através do reconhecimento dos créditos de má qualidade concedidosno passado.Com respeito à Caixa Econômica Federal (CEF), instituição líder nocrédito habitacional e no financiamento à infra-estrutura, buscou-se equacionaro problema das dívidas do Fundo de Compensação de Variações Salariais

18 Resolução nº 2.784, de 27.11.97.19 As Resoluções no 2.606/99 e nº 2.891/01 normatizaram a exposição às operações com

ouro e moeda estrangeira. São fixados limites de exposição com respeito ao patrimônio. AResolução nº 2.692/00 normatizou, com base nos modelos VaR (Value at Risk), a exposi-ção às flutuações da taxa de juros. A Resolução nº 2.804/00 determinou os procedimentosnecessários à evidenciação das posições assumidas nos mercados financeiros e decapitais, de modo a explicitar o risco de liquidez. As operações de swap foram regulamen-tadas pela Resolução nº 2.399/97, e os derivativos de crédito, pela Resolução nº 2.933/02.Com respeito à maior transparência das informações, as Resoluções no 2.723/00 e no

2.743/00 determinaram a obrigatoriedade da consolidação global das demonstrações fi-nanceiras de todas as empresas financeiras e não financeiras em que haja controleadministrativo, financeiro ou societário. A Circular nº 2.990/00 criou a obrigatoriedade deelaboração e remessa ao Bacen de informações financeiras trimestrais (IFT); já a Circularnº 3.047/01 determinou o envio trimestral de documento de estatísticas bancárias interna-cionais (IBI).

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(FCVS)20. Seu passivo técnico, estimado em cerca de R$ 62 bilhões em 2001(US$ 26 bilhões ao câmbio médio daquele ano), foi securitizado.21

Em 1999 e 2000, o Banco Central buscou avaliar a situação de solvênciados bancos federais. Constatou-se a existência de comprometimento patrimonialderivado da existência de créditos de baixa liquidez e/ou de difícil recuperação.No período dessas verificações, a regulamentação prudencial do Banco Centralfoi aprimorada. Os critérios de concessão de crédito e provisionamento foramtornados mais rígidos (Resolução nº 2.682), o que explicitou as dificuldadesestruturais. Com vistas a sanear as instituições, de acordo com as exigênciasde adequação às normas de limite mínimo de capital e patrimônio, foi criado, em2001, o Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais(Proef)22.

As principais medidas de saneamento foram: (a) com respeito aos créditosproblemáticos em carteira, houve transferência do risco de crédito para o TesouroNacional ou a cessão de crédito para a Empresa Gestora de Ativos (Emgea),empresa não financeira vinculada ao Ministério da Fazenda, criada,especificamente, para gerir créditos; (b) troca de ativos de pouca liquidez ebaixa remuneração por ativos líquidos, remunerados à taxa de mercado; e (c)aumento de capital, realizado na CEF, no Banco do Nordeste (BNB) e no Banco

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20 O Fundo de Compensação de Variações Salariais foi criado por intermédio da Resolução nº25, de 16.06.67, do Conselho de Administração do extinto Banco Nacional da Habitação(BNH). Seus objetivos são: (a) garantir a quitação, junto aos agentes financeiros, dossaldos devedores remanescentes de contrato de financiamento habitacional firmado commutuários finais do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em relação aos quais tenhahavido, quando devida, contribuição ao FCVS (Decreto Lei nº 2.406, de 05.01.88); (b)garantir o equilíbrio do Seguro Habitacional do SFH, permanentemente e em nível nacional(Lei nº 7.682, de 02.12.88); e (c) liquidar as obrigações remanescentes do extinto Segurode Crédito do SFH (Lei nº 10.150, de 21.12.00).

21 Na década de 90, o Governo Federal procurou equacionar esse passivo contingenteatravés da securitização das dívidas do FCVS. Através da MP 1.520/96 e, depois, da Lei n°10.150, de 21.12.00, autorizou-se a União a novar tais dívidas, após a prévia compensa-ção entre débitos originários de contribuições devidas pelos agentes financeiros ao Fundoe créditos decorrentes dos resíduos apurados dos contratos, condicionado, ainda, aopagamento das demais dívidas no âmbito do SFH. Por meio da novação, o pagamento dadívida do FCVS será efetuado no prazo de 30 anos, contados a partir de 1º.01.97, sendooito anos de carência para o pagamento dos juros — calculados a 6,17% a.a. (operaçõescom recursos próprios) ou a 3,12% a.a. (operações lastreadas com recursos do FGTS) —e 12 anos para o pagamento do principal, mediante a formalização de contratos entre aUnião e os agentes financeiros.Ver: http://www.stn.fazenda.gov.br/divida publica/downloads/fcvs.htm

22 Medida Provisória nº 2.155/01 e suas posteriores reedições.

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da Amazônia (BASA). O impacto dessas medidas teve o custo fiscal líquido deR$ 62 bilhões ou 5,2% do PIB.23 Para evitar novas situações de desequilíbriopatrimonial, a legislação que criou o Proef previu a necessidade de explicitação,na lei orçamentária, dos subsídios associados aos programas de desenvolvimentoeconômico e social operados pelos bancos federais. Além disso, o Banco Centralrecomendou a adoção de aprimoramentos na governança corporativa dasinstituições de modo a compatibilizar suas ações de fomento com o equilíbriofinanceiro prospectivo (BACEN, 2002b).

A análise anterior permite perceber que os programas oficiais de sanea-mento do sistema financeiro — Proer, Proes, Proef — tiveram um papel centralna estratégia de fortalecimento desse setor. Foram adotados em meio a umconjunto de rápidas transformações na economia brasileira e, principalmente,de mudanças abruptas no ambiente econômico internacional. A sucessão decrises financeiras posteriores à crise mexicana de 1994-95 gerou uma crescen-te aversão ao risco por parte dos investidores dos países industrializados e, emsimultâneo, uma redução na liquidez dos mercados financeiros. A entrada líqui-da de capital privado nos países em desenvolvimento atingiu seu auge no ano de1996, com US$ 233 bilhões. Com a crescente instabilidade internacional, aque-le montante atingiu seu menor valor absoluto desde a crise da dívida dos anos80: US$ 8,9 bilhões em 2000. Essa queda deve ser atribuída à forte retração noscréditos bancários e nos fluxos de investimentos em portfólio, muito mais volá-teis do que o Investimento Direto Externo (IDE) (INTERNATIONAL..., 2001). Emtermos relativos, o ano de 1996 marcou o pico da entrada líquida de capitais nosemergentes: 3,5% do PIB conjunto desses países. A partir da crise asiática,esse indicador caiu para níveis tão baixos quanto os verificados no período dacrise da dívida dos anos 80.24

O custo bruto dos programas de saneamento (Proer, Proes, Proef) oscilouentre 10% e 14% do PIB,25 dependendo do critério de cálculo. Por outro lado,eles criaram condições para a consolidação do setor bancário. Grandes bancosprivados de capital estrangeiro e nacional iniciaram uma — ainda inconclusa —temporada de compras e vendas de ativos.

Algumas considerações sobre a consolidação...

23 Estimativa dos autores com base nos dados do Banco Central (2002b).24 Cálculos dos autores com base nos dados do World Economic Outlook. Disponíveis em:

http://www.imf.org25 Estimativas alternativas podem ser encontradas em Caprio e Klingebiel (2002) e em Cepal

(2002).

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2.1 - Algo mudou? Algumas evidências preliminares

A consolidação bancária ocorrida no Brasil implicou um substancial aumentoda participação do capital estrangeiro na área bancária (Tabela 1 e Gráfico 3). Asaquisições de instituições privadas e públicas, com o fim de se ampliar a basede clientes no mercado doméstico, conformou a estratégia tanto de bancosestrangeiros, como o Santander, o HSBC, o ABM-Amro e o Bilbao ViscayaArsentaria (BBVA), quanto de grandes bancos privados nacionais, como oBradesco, o Itaú e o Unibanco (Cunha; Bichara, 2003). Houve uma confluênciade fatores permissivos à entrada dos bancos estrangeiros. A liberalização finan-ceira no País, o processo de saneamento do setor (que criou ativos vendáveis) eo potencial de rentabilidade (já revelado) potencializaram o movimento dereposicionamento estratégico de players internacionais, cada vez maispressionados pela concorrência em seus mercados domésticos.

André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

Tabela 1

Indicadores selecionados do sistema bancário brasileiro — 1993 e 2001 (%)

PATRIMÔNIO ATIVOS DEPÓSITOS OPERAÇÕES DE CRÉDITO DISCRIMINAÇÃO

1993 2001 1993 2001 1993 2001 1993 2001

Bancos com controle es-trangeiro ............................

7,3

30,7

8,4

29,9

4,8

20,1

6,6

31,5

Bancos privados nacio-nais ....................................

48,2

51,1

40,7

37,2

38,8

35,3

31,5

42,1

Bancos Públicos .............. 44,0 16,1 50,9 32,0 56,3 43,2 61,8 24,8

Bancos Públicos (inclusiveCaixa Estadual) ..................

15,0

3,5

13,4

4,3

17,3

7,2

19,9

3,1

Caixa Econômica Federal .. 4,0 3,9 14,5 11,0 27,9 19,1 22,8 7,1

Banco do Brasil .................. 24,9 8,8 22,9 16,8 11,1 17,0 19,1 14,5

Cooperativas de crédito .. 0,5 2,0 0,1 0,9 0,1 1,3 0,2 1,6

ÁREA BANCÁRIA ............. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil (COSIF- DEORF/COPEC). Disponí-vel em: http://www.bcb.gov.br

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

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181Algumas considerações sobre a consolidação...

(%)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

Gráfico 3

Participação no total do patrimônio da área bancária, portipo de controle do capital, no Brasil — 1993-01

0

50

100

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Controle nacionalControle estrangeiroParticipação estrangeira

Legenda:

Gráfico 2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

Participação no total da captação externa, por tipo de controle do capital, no Brasil — 1993-01

0

20

40

60

80

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Controle nacionalControle estrangeiroParticipação estrangeira

(%)

Legenda:

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

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Carvalho, Studart e Alves Junior (2002) destacam o fato de que, no iníciodos anos 90, o potencial do mercado bancário brasileiro era prospectivamenteelevado. Desde a década anterior, os bancos brasileiros conseguiram sobreviverao ambiente de forte instabilidade macroeconômica, apresentando lucroselevados, baixo volume de crédito e um relativo desenvolvimento operacional.Os autores reportam um estudo do Banco Mundial onde a rentabilidade (retornosobre o patrimônio líquido médio) do setor no Brasil (62% a.a.) era quase cincovezes superior à da média das 12 maiores economias latino-americanas. Aparticipação do sistema financeiro na renda brasileira teria praticamente dobradoentre as décadas de 70 e 80 — de 6% para 12%. Os elevados ganhos do setordavam-se, fundamentalmente, pela ampliação da captação de recursos dospoupadores, o que demandava uma ampla rede de varejo e sua aplicação emoperações de tesouraria, especialmente na aquisição de títulos públicos.

Mesmo que a estabilização monetária do Plano Real tenha reduzidodrasticamente os ganhos inflacionários, o potencial de expansão do créditoe/ou a manutenção de um ambiente favorável aos ganhos estritamente financei-ros davam o norte dos ganhos potenciais do setor. Em uma perspectiva ex post,isso se verificou. A instabilidade macroeconômica, a partir das sucessivas cri-ses internacionais, refreou o boom creditício do início do Plano Real (Gráficos 1e 2 do Anexo). Porém a fragilidade fiscal do setor público e as elevadas taxasreais de juros mantiveram a importância das operações de tesouraria no ganhodos bancos (Cunha, 2002). Com isso, a rentabilidade média dos maiores ban-cos brasileiros continuou sendo maior do que em outros países.26 É nesse con-texto que grandes bancos estrangeiros decidiram concorrer, de forma mais in-tensa, no segmento de varejo do mercado bancário. Destacaram-se, nesse sen-tido, os espanhóis (Santander e BBVA), os holandeses (AMRO-Bank) e os in-gleses (HSBC). A maior concorrência nos mercados de origem, a liberalizaçãofinanceira e a maior rentabilidade relativa em “outros mercados” pareciam con-duzir suas estratégias individuais de extroversão (Calderón; Casilda, 2000, Car-valho; Studart; Alves Junior, 2002; CEPAL, 2002). Além disso, os bancos euro-peus ampliaram sua presença em outros mercados em função do crescimentodos investimentos externos de suas empresas não financeiras (Jeanneau; Micu,2002).

É interessante notar que: (a) os grandes bancos privados nacionais —especialmente Bradesco e Itaú, que estão no topo do ranking dos maiores não

26 Estudo da ABM Consulting revela que a rentabilidade média dos seis maiores bancos doBrasil foi de 21% no período 2000-02. Na Inglaterra, foi de 17%; no México e na Espanha,de 15%; nos EUA, de 11%; no Canadá, de 9%; e na Itália, de 8%. Ver Folha de São Paulo(2003a).

André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

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estatais — são tão ou mais ativos em suas estratégias de conglomeração(Cunha; Bichara, 2003); (b) do ponto de vista das captações de recursos noExterior (Gráfico 2), os nacionais e com participação estrangeira seguem lide-rando. Com a desaceleração da economia brasileira e o recrudescimento dainstabilidade financeira internacional nos últimos anos, os bancos estrangeirosreduziram sua participação relativa na captação de recursos no mercado inter-nacional, especialmente em 2001. Somente em 1999 e 2000 há indícios de queos estrangeiros tenham conseguido atuar de forma anticíclica.

Se o período 1996-99 foi marcado pela temporada de compras dos estran-geiros, os últimos dois anos sinalizam no sentido inverso. A venda das opera-ções do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria para o Bradesco sinalizou o que atéagora foi o maior movimento de saída de um banco estrangeiro.27 Também foi ummomento simbólico da reação dos grandes bancos nacionais, na medida emque, no auge da entrada de estrangeiros, o BBVA figurava como um potencialcomprador do Unibanco, o terceiro maior banco privado nacional. A partir demeados de 2001, cerca de R$ 41 bilhões (US$ 14 bilhões ao câmbio médio doperíodo) em ativos foram vendidos pelas instituições internacionais a seusconcorrentes brasileiros.28 Bancos como o Sudameris, controlado pela italianaIntesa e pela Fiat, estavam “à venda”. Bancos estrangeiros tradicionais, comoDeutsche Bank, Dresdner e J. P. Morgan, estavam vendendo parte de suascarteiras ativas, especialmente de asset management para instituiçõesbrasileiras. Antes de 2000, notaram-se alguns reposicionamentos localizados.A Caixa Geral de Depósitos (capitais portugueses) vendeu o Bandeirantes parao Unibanco. O Banco do Espírito Santo (BES), também de Portugal, vendeu oBoa Vista para o Bradesco (Cunha; Bichara, 2003). Isso sugere que o movimentode consolidação bancária no Brasil tende a acompanhar a tendência internacionalde busca de economias de escala e escopo (Group of Ten, 2001), com os bancosprivados nacionais reagindo de forma pró-ativa à entrada dos estrangeiros.

O Gráfico 4 reporta os passivos externos de longo prazo do sistema ban-cário com relação ao total do passivo. Esse indicador sugere a importânciarelativa de recursos externos mais estáveis (porque de longo prazo) enquantofunding das operações ativas no mercado doméstico. Entre 1995 e 1998, verifi-

27 O negócio envolveu o pagamento de US$ 585 milhões e a transferência de uma fatia de4,5% do capital do Bradesco para o BBVA. No Brasil, este contava com 438 agências doBBV, responsáveis pela administração de R$ 16,8 bilhões em ativos pertencentes a 1,3milhão de clientes. Com essa operação, o Bradesco consolidou-se como o maior bancoprivado do País, com 3.366 agências, 14,3 milhões de clientes e R$ 157 bilhões em ativos.Ver: http://www.bradesco.com.br e http://www.portalexame.abril.com.br

28 Estimativas da ABM Consulting reportadas pela revista Exame (2003).

Algumas considerações sobre a consolidação...

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cou-se um processo contínuo de crescimento daquela participação relativa. To-davia os dados consolidados do Banco Central não permitem perceber se esseefeito se deve à maior atividade dos bancos estrangeiros. É possível constatarque, depois de 1998, houve um aumento na volatilidade e uma tendência deredução daquela participação. Deve-se lembrar que, de 1995 a 2002, os ativosdo sistema bancário cresceram entre 40% e 60% em termos reais (dependendodo deflator utilizado). Esse crescimento foi mais intenso até 1998. Esse fato érelevante na medida em que a expansão/contração do funding externo se deuem um período de crescimento do setor bancário. Assim, considerando-se asinformações agregadas de captação reportadas no Gráfico 2 e o fato de que aexposição dos bancos estrangeiros no Brasil vem caindo — de um pico de US$147 bilhões no final de 1997 para US$ 135 bilhões no começo de 200229 —,obtém-se uma evidência indireta de que, em anos recentes, a maior participa-ção de bancos estrangeiros não pode ser apontada como determinante diretade um acesso mais estável a fontes externas de recursos. Essa constataçãopouco rigorosa tende a corroborar estudos céticos em relação à capacidade deos bancos estrangeiros estabilizarem a oferta de créditos (e divisas) para osmercados emergentes (Jeanneau; Micu, 2002, Borio; Tsatsaronis, 1999,McCauley; Ruud; Wooldridge, 2002).

29 Ver International Financial Statistics. Disponível em: http://www.bis.org

André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

Gráfico 4

FONTE: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

Passivo externo de longo prazo/passivo externo total no Brasil — 1995-02

3%4%5%6%7%8%9%

10%11%

Dez

./95

Jun.

/96

Dez

./96

Jun.

/97

Dez

./97

Jun.

/98

Dez

./98

Jun.

/99

Dez

./99

Jun.

/00

Dez

./00

Jun.

/01

Dez

./01

Jun.

/02

(%)

Média: 6,9%

0

(%)11109876540

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30 Cálculos dos autores com base nos dados disponibilizados no site do Banco Central.Disponíveis em: http://www.bcb.gov.br

Algumas considerações sobre a consolidação...

A literatura resgatada no item 2 deste trabalho sugeria que a entrada deestrangeiros tenderia a ampliar a pressão competitiva no mercado, com efeitospositivos sobre a expansão do crédito, a redução dos custos, a ampliação defontes externas de recursos e a criação de um ambiente mais estável. Ao severificar a experiência brasileira, os resultados até agora não podem ser vistoscomo definitivos, nem para corroborar, nem para condenar (definitivamente) taisargumentos. Não houve um aumento da oferta de crédito — com respeito àevolução da renda —, nem uma redução significativa do seu custo. Em dezem-bro de 2000, a relação entre o saldo das operações de crédito e o PIB erade 27,6%. Em 2001 e 2002, essa relação atingiu, respectivamente, 26,4% e24% do PIB, valor este que fora de 35% em 1978 (Carvalho; Studart; AlvesJunior, 2002). A diferença entre as taxas das operações ativas e passivas — osspreads — tem se situado acima de 30% ao ano. Esse fato parece estar asso-ciado a questões estruturais — como a cunha tributária, o excesso de proteçãolegal dos devedores (que dificultaria a realização das garantias dos emprésti-mos) — e idiossincráticas — o comportamento defensivo dos bancos no Brasil,que repassam para seus clientes os riscos da instabilidade macroeconômica(BACEN, 2002c). Pouca profundidade no mercado de crédito e custos elevadosaparecem como características estruturais das economias em desenvolvimento(CEPAL, 2002).

Além da baixa oferta, setores econômicos importantes, como a habitaçãoe a agropecuária, passaram por uma redução relativa na participação do total decrédito ofertado. No início dos anos 90, eles participavam com, respectivamen-te, cerca de 40% e 12% do crédito. No final de 2002, o setor de habitaçãorespondia por menos de 7% do crédito, e a agropecuária, por 9%. Nos últimos15 anos, a indústria manteve sua participação média de 30%, ao passo que ocrédito às pessoas físicas passou de 4% para mais de 20%.30 Com respeito àeficiência, um estudo detalhado para o período 1994-98 (Puga, 1999) não en-controu padrões muito distintos (do ponto de vista de indicadores de rentabilida-de e custo) entre os bancos privados nacionais e estrangeiros. A divergênciaocorria no recorte público versus o privado, onde o primeiro apresentou, no perí-odo, um comportamento nitidamente inferior. Cunha (2002), em uma análiseestática para o ano 2001, também não encontrou indicadores de eficiência sig-nificativamente superiores dos bancos estrangeiros. Já Carvalho, Studart e AlvesJúnior (2002) sugerem que, a partir de 1997, o desempenho em termos decustos operacionais e rentabilidade dos estrangeiros tem sido superior aos dos

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nacionais. Todavia isso parece não estar se traduzindo em custos também infe-riores para os tomadores de recursos. Os bancos públicos seguem tendo o piorresultado. Em todos os estudos, a alavancagem (relação crédito/patrimônio) émenor nos estrangeiros, cuja postura parece ser mais conservadora.

Por fim, é importante verificar o comportamento agregado do sistema finan-ceiro, especialmente do setor bancário. Conforme destacado na introdução des-te trabalho, a literatura associa as crises bancárias à “queima de capital” nosistema e/ou à incoversibilidade dos passivos bancários. Demirgüç-kunt eDetragiache (1997), por exemplo, consideram haver crise bancária (sistêmica)quando ocorre um dos seguintes fenômenos: (a) créditos improdutivos(inadimplência) acima de 10%; (b) nacionalização de instituições em larga escala;(c) operações de socorro com custos superiores a 2%; e (d) corridas bancáriasque levem as autoridades monetárias a adotarem medidas como congelamentode depósitos, feriados bancários, garantias generalizadas, etc. No Brasil, verifi-caram-se somente o aumento da inadimplência (Gráficos 3, 4 e 5 do Anexo) eoperações de socorro a bancos privados e saneamento de bancos públicos comcusto (brutos) elevados. Já Caprio e Klingebiel (2003) esperam encontrar redu-ção do capital quando da ocorrência de uma crise. Isto não se verificou noBrasil. World Econ. Outlook (1998), INTERNATIONAL... (1998c), Aziz, Cara-mazza e Salgado (2000) e Mishkin (2000, 2001) resgatam parte da literaturaonde a crise é evidenciada pelas “corridas bancárias” assim que há uma quebrade confiança na conversibilidade dos seus passivos. Assim, pode-se esperaruma contração nos depósitos, na medida em que os poupadores perdem aconfiança nas instituições. Isto também não ocorreu no Brasil.

Entre 1995 e 2002, houve um crescimento real de cerca de 40% dos ativosbancários. O capital do setor cresceu entre 60% e 100% — valores deflacionadospelo IGPM e pelo IPCA respectivamente (Gráficos 6 e 7 do Anexo). Para secolocar em perspectiva, nesse mesmo período o PIB real cresceu cerca de15%. Os passivos líquidos (depósitos) cresceram, nominalmente, 100%, ouentre 1% e 30% em termos reais (Gráfico 8 do Anexo). Se tivesse ocorrido uma“corrida bancária” sinalizadora da perda de confiança dos poupadores no sistemabancário, haveria de se esperar uma queda nominal e real nos depósitos. Istonão ocorreu. Já o crédito teve uma expansão nominal de 150%. Em termosreais, o crédito cresceu 13%, quando deflacionado pelo IPCA (Gráficos 1 e 2 doAnexo), ou seja, menos que o PIB. Esse fato é consistente com a observaçãode que a maior participação do capital estrangeiro no setor não esteve associada,até agora, a um aprofundamento da oferta de crédito.

André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

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3 - Considerações finais

Este trabalho procurou descrever as transformações no Sistema FinanceiroBrasileiro (SFB) na última década, enfatizando o setor bancário. A liberalizaçãofinanceira e o processo de saneamento desse setor criaram as condições inter-nas para a maior participação dos estrangeiros no segmento bancário, especial-mente no varejo. Esse movimento foi potencializado pelas estratégias de gran-des grupos internacionais que passaram a diversificar e a aprofundar suas parti-cipações em outros mercados. Até agora, a entrada de bancos estrangeiros nãoalterou alguns entraves estruturais do SFB, como a baixa profundidade do mer-cado de crédito e o elevado custo final dos recursos. Esse resultado contrariaas expectativas criadas por parte da literatura. Todavia ele deve ser encaradocom cautela, na medida em que aqueles problemas estão associados a ques-tões macroeconômicas — choques exógenos, fragilidade fiscal e externa,etc. — e institucionais que transcendem a dinâmica de mercado strictu sensu.Por outro lado, percebe-se, nos últimos anos, uma retração do boom inicial dosestrangeiros. Os grandes bancos privados nacionais de varejo foram tão ou maisativos que os estrangeiros em suas estratégias de crescimento. Alguns estran-geiros estão se “retirando” do mercado. Isso sinaliza que o processo de conso-lidação bancária em curso não está finalizado.

Argumentou-se, também, que a crise bancária do início do Plano Real foi,em alguma medida, contida. Evitou-se uma crise aberta e sistêmica, como nocaso asiático. O setor bancário brasileiro seguiu em crescimento. Ativos, depó-sitos e capital expandiram-se em termos reais. Não houve corridas bancáriascom o efeito dominó de quebra de instituições com perda de confiança dosdepositantes, seguido de corridas bancárias, novas quebras, e assim sucessi-vamente. Os problemas localizados do setor privado foram rapidamenteequacionados. A regulamentação prudencial foi aprimorada, os bancos públicosforam saneados e a rentabilidade do setor manteve-se elevada. Isso tornou aexperiência brasileira relativamente menos traumática do que a da crise daseconomias asiáticas, do que o caso argentino recente ou do que outras experi-ências de crises bancárias, especialmente porque não houve uma quebra gene-ralizada de confiança no sistema financeiro. Se isso tivesse ocorrido, seria dese esperar uma fuga em massa de depósitos e a quebra generalizada de insti-tuições.

Algumas considerações sobre a consolidação...

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

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AnexoGráfico 1

http://www.bcb.gov.br

Estoque de operações de crédito no Brasil — 1994-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em:

50100150200250300350400450

Jul./

94

Jan.

/95

Jul./

95

Fev.

/96

Ago.

/96

Fev.

/97

Ago.

/97

Fev.

/98

Ago.

/98

Fev.

/99

Ago.

/99

Fev.

/00

Ago.

/00

Fev.

/01

Ago.

/01

Fev.

/02

Ago.

/02

Valor real (deflacionado pelo IPCA)Valor nominal

Legenda:

(R$ milhões)

André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

Gráfico 2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em:

NOTA: Os dados têm por base jul./94 = 100.

http://www.bcb.gov.br

Evolução nominal e real das operações de créditono Brasil — 1994-02

80

130

180

230

280

Jul./

94

Jan.

/95

Jul./

95

Fev.

/96

Ago.

/96

Fev.

/97

Ago.

/97

Fev.

/98

Ago.

/98

Fev.

/99

Ago.

/99

Fev.

/00

Ago.

/00

Fev.

/01

Ago.

/01

Fev.

/02

Ago.

/02

Índice real (deflacionado pelo IPCA)Índice nominal

Índice

Legenda:

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Gráfico 3

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

NOTA: No período, os critérios de classificação dos créditos e da inadimplên- cia foram alterados conforme as Resoluções nº 1.748/90 e nº 2.682/99 do Ban- co Central. As séries foram harmonizadas considerando improdutivos os crédi- tos com mais de 180 dias de atraso. A inadimplência é a relação entre esses créditos e o saldo total.

Créditos improdutivos no Brasil — 1988-02

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

14%Ju

n./8

8

Fev.

/89

Out

./89

Jun.

/90

Fev.

/91

Out

./91

Jun.

/92

Fev.

/93

Out

./93

Jun.

/94

Fev.

/95

Out

./95

Jun.

/96

Fev.

/97

Out

./97

Jun.

/98

Fev.

/99

Out

./99

Jun.

/00

Fev.

/01

Out

./01

Jun.

/02

(%)

Plano Real

(%)14121086420

Gráfico 4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

NOTA: No período, os critérios de classificação dos créditos e da inadimplência foram alterados conforme as Resoluções nº 1.748/90 e nº 2.682/99 do Banco Central. As séries foram harmonizadas considerando improdutivos os créditos com mais de 180 dias de atraso. A inadimplência é a relação entre esses créditos e o saldo total.

Créditos improdutivos nos setores público e privado,no Brasil — 1988-02

0%5%

10%15%20%

Jun.

/88

Mar

./89

Dez

./89

Set./

90

Jun.

/91

Mar

./92

Nov

./92

Set./

93

Jun.

/94

Mar

./95

Dez

./95

Set./

96

Jun.

/97

Mar

./98

Dez

./98

Set./

99

Jun.

/00

Mar

./01

Dez

./01

Set./

02

Setor público Setor privadoLegenda:

(%)

Plano Real 201510

50

(%)

Créditos improdutivos nos setores público e privado, no Brasil — 1988-02

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(R$ milhões)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

Gráfico 6Capital do setor bancário brasileiro — 1995-02

4090

140190240290340390440

Dez

./95

Mai

o/9

Out

./96

Mar

./97

Ago.

/97

Jan.

/98

Jun.

/98

Nov

./98

Abr./

99

Set./

99

Fev.

/00

Jul./

00

Dez

./00

Mai

o/0

Out

./01

Mar

./02

Ago.

/02

Capital nominalCapital deflacionado pelo IGPMCapital deflacionado pelo IPCA

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

NOTA: No período, os critérios de classificação dos créditos e da inadimplência foram alterados conforme as Resoluções nº 1.748/90 e nº 2.682/99 do Banco Central. As séries foram harmonizadas considerando improdutivos os créditos com mais de 180 dias de atraso. A inadimplência é a relação entre esses cré- ditos e o saldo total.

0%2%4%6%8%

10%12%14%16%18%20%

Jun.

/88

Fev.

/89

Out

./89

Jun.

/90

Fev.

/91

Out

./91

Jun.

/92

Fev.

/93

Out

./93

Jun.

/94

Fev.

/95

Out

./95

Jun.

/96

Fev.

/97

Out

./97

Jun.

/98

Fev.

/99

Out

./99

Jun.

/00

Fev.

/01

Out

./01

Jun.

/02

Indústria HabitaçãoRural Pessoa física

Legenda:

190 André Moreira Cunha; Julimar da Silva Bichara

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

Mai

o/96

Mai

o/01

Gráfico 5

Créditos improdutivos em setores selecionados da economia brasileira — 1988-02

201816

1214

810

0

642

(%)

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191Algumas considerações sobre a consolidação...

NOTA: Os índices nominal e real têm como base dez./95 = 100.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

Gráfico 8

(depósitos) no Brasil — 1995-02 Evolução nominal e real dos passivos bancários líquidos

6080

100120140160180200220240

Dez

./95

Abr

./96

Ago

./96

Dez

./96

Abr

./97

Ago

./97

Dez

./97

Abr

./98

Ago

./98

Dez

./98

Abr

./99

Ago

./99

Dez

./99

Abr

./00

Ago

./00

Dez

./00

Abr

./01

Ago

./01

Dez

./01

Abr

./02

Ago

./02

Valor nominalValor real deflacionado pelo IGPM

Valor real deflacionado pelo IPCA

Legenda:

Índice

0

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 165-196, jun. 2003

Evolução nominal e real do capital do setor bancário brasileiro — 1995-02Gráfico 7

http://www.bcb.gov.br NOTA: Os dados têm como base dez./95 = 100.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. Disponível em:

3080

130180230280330380

Dez

./95

Mai

o/9

Out

./96

Mar

./97

Ago

./97

Jan.

/98

Jun.

/98

Nov

./98

Abr

./99

Set

./99

Fev.

/00

Jul./

00

Dez

./00

Mai

o/0

Out

./01

Mar

./02

Ago

./02

Capital nominalCapital deflacionado pelo IGPMCapital deflacionado pelo IPCA

Legenda:

Índice

0

Mai

o/96

Mai

o/01

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197

Evolução das exportaçõesgaúchas do agronegócio

entre 1993 e 2002*

Martinho Roberto Lazzari Economista da FEE.

ResumoEste artigo descreve a evolução das exportações do agronegócio do Rio Grandedo Sul entre 1993 e 2002, com ênfase na análise dos principais produtos expor-tados e na participação do setor nas vendas externas totais do Estado. O casogaúcho é analisado tendo como comparativo o comportamento de outros esta-dos do País durante o mesmo período.

Palavras-chaveExportações gaúchas; economia gaúcha; agronegócio.

AbstractThis article describes the evolution of agribusiness exports of Rio Grande doSul between 1993 and 2002. The emphasis is placed on the analysis of theprincipal export products and on the participation of this sector in total exports ofthe State. The case of Rio Grande do Sul is compared with the performances ofother regions of the country.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 28.04.03.

* Este trabalho contou com importantes sugestões de Maria D. Benetti e Vivian Fürstenau.

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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1 - Introdução

Nos últimos anos, as exportações brasileiras ligadas ao agronegócio ga-nharam destaque por seu papel estratégico na obtenção de saldos comerciaisnecessários ao enfrentamento do desequilíbrio externo apresentado pela econo-mia brasileira. Somente em 2002, o superávit comercial desse setor foi deUS$ 17,6 bilhões, com as exportações atingindo US$ 21,3 bilhões frente a im-portações de US$ 3,7 bilhões. Outro indicador da importância assumida nosúltimos anos pelas exportações do agronegócio pode ser vista através da evolu-ção da taxa média de crescimento anual das exportações do agronegócio entre1993 e 2002, que foi de 6,4% contra 5,1% das exportações totais do País.

Dada a indiscutível importância do agronegócio na geração de exporta-ções, pretendemos aqui estudar o espaço ocupado pelo Rio Grande do Sul nosetor, chamando atenção para a evolução dos produtos exportados pelo Esta-do, sua participação no agregado nacional e perspectivas quanto ao comporta-mento futuro. Serão analisados os últimos 10 anos (1993-02), tendo como panode fundo comparativo o comportamento dos outros estados brasileiros detento-res de alguma importância nas exportações do agronegócio.

Para tanto, usamos os dados de exportação do Sistema Alice (Análisedas Informações de Comércio Exterior via internet) e do Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A classificação dos produtos doagronegócio respeita ordenamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-tecimento (MAPA), com algumas modificações.1 Da lista original do MAPA,retiramos os capítulos que entendemos serem mais relacionados à indústriapropriamente dita do que à agropecuária. O exemplo mais claro é o capítulo decalçados de couro natural, classificado pelo MAPA como ligado ao agronegócio.Pelo nosso entendimento, tal capítulo obedece mais às normas econdicionalidades da indústria do que da agropecuária.

2 - Posicionamento do Rio Grande do Sul no agregado nacional

Como pode ser visto na Tabela 1 (a tabela completa encontra-se noAnexo), o Rio Grande do Sul aumentou suas exportações agroindustriais entre

1 Em trabalho recente (Lazzari, 2003), foi usada a classificação original do MAPA. Atravésdele, buscou-se revisar, a partir de críticas recebidas, a classificação usual. Portanto, entreaquele trabalho e o atual, surgirão resultados conflitantes.

Martinho Roberto Lazzari

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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199

1993 e 2002, passando de US$ 2,25 bilhões para US$ 2,98 bilhões. Entretantotal crescimento não evitou que o Estado perdesse participação relativa nacomparação com os outros estados brasileiros. De uma participação de 18,4%das exportações nacionais do agronegócio em 1993, o Rio Grande do Sul pas-sou para 13,9% em 2002. Essa perda de posição relativa é refletida noGráfico 1, onde vemos que o RS, já na primeira metade dos anos 90, perde parao Paraná a segunda posição como exportador de produtos agroindustriais. Essainversão de posições — RS versus PR — se mantém até 2002. Podemos ver omesmo por outro ângulo: nos últimos 10 anos, a taxa média de crescimentoanual das exportações desse setor no Rio Grande do Sul (3,2%) foi a metade danacional (6,4%).

Gráfico 1

Participação de estados selecionados nas exportações do agronegócio do Brasil — 1993-02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice).

Evolução das exportações gaúchas...

(%)

0

5

10

15

20

25

30

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

SP PR RSMT MG SC

Legenda:

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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200 Martinho Roberto Lazzari

Tabela 1 Valor das exportações dos 10 principais produtos e total do agronegócio do Rio Grande do Sul — 1993-02

(US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS E MERCADORIAS 1993 1994 1995 1996 1997

24 - Fumo (tabaco) e seus sucedâneos ma- nufaturados .............................................

605 236

627 995

677 194

923 257

1 019 460

2 - Carnes e miudezas comestíveis ............. 185 514 195 543 192 387 237 335 268 729 12 - Sementes e frutos oleaginosos (soja em grão) ........................................................

286 110

216 517

144 444

40 789

314 557

23 - Resíduos e desperdícios alimentares (farelo de soja) ........................................

532 701

467 116

480 450

618 809

596 085

41 - Peles, exceto a peleteria, e couros ........ 156 292 182 534 198 205 239 484 280 054 15 - Gorduras e óleos animais ou vegetais (óleo de soja) ..........................................

190 867

296 587

342 318

252 300

220 029

44 - Madeiras, carvão vegetal e obras de ma- deira ........................................................

29 441

34 578

40 548

61 919

58 057

47 - Pastas celulósicas .................................. 76 272 72 766 133 314 87 190 88 238 16 - Preparações de carne, de peixes ou crustáceos ..............................................

51 451

19 608

38 300

15 088

19 478

20 - Preparações de produtos hortículas e sucos de fruta .........................................

20 806

15 267

14 571

16 739

26 586

Outros ..................................................... 111 958 92 722 103 269 105 603 121 212

TOTAL DO AGRONEGÓCIO ........................ 2 246 648 2 221 233 2 365 000 2 598 513 3 012 485

CAPÍTULOS E MERCADORIAS 1998 1999 2000 2001 2002

24 - Fumo (tabaco) e seus sucedâneos ma- nufaturados ............................................. 888 318 803 594 722 245 823 937 887 376 2 - Carnes e miudezas comestíveis ............. 255 408 271 169 277 692 433 597 459 401 12 - Sementes e frutos oleaginosos (soja em grão) ........................................................

293 536

105 829

267 318

486 683

350 852

23 - Resíduos e desperdícios alimentares (farelo de soja) ........................................

358 864

263 979

208 316

314 429

339 201

41 - Peles, exceto a peleteria, e couros ........ 257 700 242 347 271 144 294 436 331 215 15 - Gorduras e óleos animais ou vegetais (óleo de soja) ..........................................

251 266

183 552

84 190

149 482

209 489

44 - Madeiras, carvão vegetal e obras de ma- deira ........................................................

68 570

68 468

80 247

84 955

110 405

47 - Pastas celulósicas .................................. 76 976 105 267 135 804 81 573 87 369 16 - Preparações de carne, de peixes ou crustáceos ..............................................

28 888

40 331

43 620

52 871

56 480

20 - Preparações de produtos hortículas e sucos de fruta .........................................

22 779

26 399

29 442

22 047

21 390

Outros ..................................................... 113 535 107 937 119 532 203 423 125 453

TOTAL DO AGRONEGÓCIO ........................ 2 615 840 2 218 872 2 239 550 2 947 433 2 978 631 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice). NOTA: Dez principais produtos tendo como base o ano 2002.

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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201

3 - A importância das exportações do agronegócio no RS

O comportamento das exportações do agronegócio do Rio Grande do Sulé motivo de interesse devido à importância desse setor nas vendas externas doEstado. No período aqui analisado, essa parcela aumentou de 43,4% em 1993para 46,7% em 2002, acima da média nacional, que alcançou, neste último ano,35,0% (Tabela 2). Na comparação feita entre os seis principais estados exporta-dores do agronegócio, o RS ocupa a quarta posição na dependência das vendasdo setor. São Paulo e Minas Gerais são os que apresentam uma posição demenor dependência, com apenas um quarto das suas com origem no setor. Poroutro lado, Mato Grosso é o estado que aparece com a maior dependência, compraticamente a totalidade de suas exportações tendo origem na agropecuária.

Se entendemos que produtos de origem agropecuária são relativamentemenos passíveis de agregação de valor, a significativa dependência das exporta-ções do Rio Grande do Sul em relação a esses produtos deve ser motivo depreocupação, ainda mais quando se verifica que as taxas médias de crescimen-to anuais — entre 1993 e 2002 — dos produtos do agronegócio são maiores(3,2%) que as dos produtos industriais (2,3%).

O principal produto do Estado (fumo) representa praticamente 30% dapauta em 2002, valor bem abaixo do principal produto do Mato Grosso (soja emgrão), do de Santa Catarina (carnes) e do de Minas Gerais (café), que possuempautas mais rígidas que a nossa. Já São Paulo e Paraná possuem menordependência de seus principais produtos de exportação — açúcar e soja emgrão respectivamente. É claro que, se utilizássemos o complexo soja (soja emgrão, farelo de soja e óleo de soja), os índices de concentração do Mato Grosso,do Paraná e do Rio Grande do Sul aumentariam, dada a forte presença dessesprodutos em suas pautas. A Tabela 3 também mostra os índices de concentra-ção dos cinco primeiros produtos da pauta. Nesse caso, o Rio Grande do Sulocupa uma posição um pouco melhor, dado que apenas São Paulo tem a pautamais diversificada que a nossa.

Evolução das exportações gaúchas...

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202 Martinho Roberto Lazzari

Tabela 2

Parcela das exportações do agronegócio nas exportações totais de estados selecionados e do Brasil — 1993-02 (%)

ESTADOS E BR 1993 1994 1995 1996 1997

MT 89,9 93,9 89,7 87,0 94,4

PR 70,4 70,8 75,3 77,2 78,2

SC 40,0 44,9 45,2 48,7 46,0

RS 43,4 44,2 45,6 45,9 48,0

MG 13,9 24,4 24,5 23,4 31,7

SP 24,2 28,8 28,7 28,3 25,1

Brasil 31,7 35,8 37,0 37,0 37,6

ESTADOS E BR 1998 1999 2000 2001 2002

MT 98,8 99,0 97,8 99,5 99,3

PR 77,9 76,0 62,0 64,3 65,0

SC 44,2 43,5 41,2 47,7 47,4

RS 46,5 44,4 38,8 46,5 46,7

MG 28,8 28,8 25,0 26,9 26,0

SP 25,0 27,1 19,9 22,9 23,8

Brasil 36,1 36,4 31,1 34,9 35,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice).

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203Evolução das exportações gaúchas...

Tabela 3

Concentração das exportações do agronegócio no principal produto e nos cinco principais produtos de estados selecionados e do Brasil — 1993-02

(%)

ESTA-DOS E BR

NÚME- RO DOS PRODU-TOS

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

MT 1 43,9 36,4 39,0 49,7 49,1 49,2 41,7 54,7 58,1 55,0

5 96,1 96,9 98,3 97,5 97,5 92,8 90,0 95,6 91,5 93,1

SC 1 44,1 39,4 36,8 42,7 46,9 42,8 43,9 46,4 57,6 54,2

5 88,6 89,6 87,1 86,5 87,4 88,0 86,7 86,9 91,1 91,2

MG 1 65,2 74,2 67,5 66,3 72,4 67,3 71,1 59,5 51,5 50,0

5 88,9 94,1 93,3 90,1 92,8 94,1 94,1 91,1 85,0 85,4

RS 1 26,9 28,3 28,6 35,5 33,8 34,0 36,2 32,3 28,0 29,8

5 80,1 81,2 79,9 87,4 82,3 78,5 79,5 78,0 79,8 79,5

SP 1 25,7 23,0 24,0 29,1 23,4 27,8 29,2 25,9 33,4 29,6

5 63,1 60,6 65,7 68,6 68,2 71,1 74,4 67,1 69,9 71,9

PR 1 42,2 34,3 35,2 40,2 31,6 25,5 23,0 24,9 22,3 23,2

5 81,1 79,1 77,3 78,5 78,6 77,6 82,3 83,5 79,7 82,1

Brasil 1 16,3 14,9 12,7 16,6 14,4 13,3 13,6 12,9 13,6 14,4

5 49,5 51,1 52,3 53,7 58,8 54,5 52,2 51,5 55,9 56,6

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice).

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4 - Evolução dos principais produtos exportados

Depois de analisarmos agregadamente o comportamento das exportaçõesgaúchas do agronegócio, podemos remeter o estudo para a evolução dos princi-pais produtos, sempre comparando com os outros estados. Na Tabela 4, estãoordenados, por ordem decrescente de valor exportado em 2002, os oito princi-pais produtos vendidos ao Exterior pelo Rio Grande do Sul. Dentre eles, apenasos capítulos referentes ao fumo e às madeiras tiveram taxas médias de cresci-mento maiores que as nacionais, sendo que este último capítulo apresentareduzida importância nas vendas totais do agronegócio do Estado (o RS repre-sentava, em 2002, apenas 6,3% das vendas nacionais do capítulo das madei-ras). As exportações de fumo avançaram bem no período, com o RS passandode uma participação de 67,2% em 1993 para 88,0% em 2002 das exportaçõesnacionais do produto. Os outros seis capítulos apresentaram taxas menoresque as nacionais, resultando em perdas relativas. O capítulo de peles e o depastas celulósicas reduziram suas participações nacionais entre 1993 e 2002de 39,6% para 34,4% e de 10,6% para 7,5% respectivamente. Vejamos maisdetalhadamente os outros capítulos.

Martinho Roberto Lazzari

Tabela 4

Taxas médias de crescimento anuais das exportações de produtos selecionados para o RS e para o Brasil — 1993-02

(∆% a.a.)

PRODUTOS RIO GRANDE DO SUL BRASIL

Fumo ................................................................ 4,3 1,3

Carnes .............................................................. 10,6 11,9

Soja em grão .................................................... 2,3 13,7 Farelo de soja ................................................... -4,9 1,6 Peles e couros .................................................. 8,7 10,4

Óleo de soja ..................................................... 1,0 8,9

Madeira, carvão vegetal e obras de madeira ... 15,8 8,6

Pastas celulósicas ............................................ 1,5 5,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice).

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Os produtos do complexo soja representam quase 30% das exportaçõesnacionais do agronegócio no ano 2002, emergindo como o principal produto deexportação brasileiro. O Rio Grande do Sul foi o berço, nos anos 70, dessacultura no País, sendo, daí em diante, um dos principais produtores e exporta-dores da oleaginosa e seus derivados. Entretanto, nos últimos 10 anos, a parti-cipação do Estado nas exportações do País declinou anos após ano, atingindo,em 2002, a metade do que era em 1993 (Tabela 5). Enquanto a média nacionalde crescimento anual ficou em 7,1% nesse período, o RS teve uma taxa nega-tiva de -1,3%, puxada pela queda das vendas de farelo de soja, que declinaram4,9% ao ano entre 1993 e 2002. Em contrapartida, na região Centro-Oeste,houve um grande aumento da produção de soja e, conseqüentemente, das ex-portações, notadamente do Mato Grosso, que viu crescer suas vendas externasdo complexo soja a uma taxa média anual de mais de 23%. Como resultadoimediato, o RS, que em 1993 praticamente dividia com o Paraná o postode maior exportador de soja e seus derivados, caiu para a terceira posição, bematrás do Paraná e do Mato Grosso. Ao mesmo tempo, a parcela do complexosoja nas exportações do agronegócio do RS caiu de 45% em 1993 para 30%em 2002.

Evolução das exportações gaúchas...

Tabela 5 Parcela das exportações de estados selecionados nas exportações nacionais do complexo soja e taxa média de crescimento anual das exportações estaduais do complexo soja — 1993-02 (%)

ESTADOS E BR 1993 1994 1995 1996 1997 1998

PR 30,5 34,7 38,2 42,3 40,1 40,7 MT 6,8 8,1 7,2 9,9 13,0 10,2 RS 29,9 22,0 22,9 18,8 18,6 18,2 SP 11,9 11,7 10,1 9,7 9,2 8,1

Brasil (1) 27,6 28,6 24,6 27,5 30,5 27,0

ESTADOS E BR 1999 2000 2001 2002 ∆ a.a.

PR 42,0 35,5 30,3 31,5 7,50 MT 13,9 19,4 20,4 23,9 23,20 RS 13,9 12,7 17,2 14,4 -1,30 SP 9,5 8,4 8,3 8,6 3,40

Brasil (1) 22,9 25,7 27,2 29,2 7,10 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice). (1) Parcela das exportações do complexo soja nas exportações totais do País.

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Junto com a soja, a carne brasileira foi outro produto que experimentou,nos últimos anos, um crescimento forte de suas exportações. O Rio Grande doSul sempre teve papel de destaque nesse segmento, basicamente através davenda de carnes de frango. Nos últimos 10 anos, o RS apresentou taxa médiade crescimento anual (10,6%) levemente inferior à nacional (11,9%), resultandoem perda de posição relativa na comparação com os outros estados exportado-res do produto.

Martinho Roberto Lazzari

Tabela 6 Parcela das exportações de estados selecionados nas exportações nacionais de carnes e taxa média de crescimento anual das exportações estaduais de carnes — 1993-02 (%)

ESTADOS E BR 1993 1994 1995 1996 1997 1998

SC 38,8 41,9 45,5 44,2 46,8 39,5

SP 19,6 17,7 13,1 12,1 11,3 13,6

PR 18,5 16,7 17,6 20,1 16,0 17,3

RS 18,6 19,3 19,9 19,1 20,8 20,5

Brasil (1) 8,2 6,5 5,6 7,0 6,5 6,8

ESTADOS E BR 1999 2000 2001 2002 ∆ a.a.

SC 32,0 32,3 32,6 29,6 8,50

SP 19,3 21,1 16,6 21,5 13,10

PR 20,7 17,4 16,9 17,1 11,00

RS 17,7 17,3 17,0 16,7 10,60

Brasil (1) 8,8 9,4 12,6 12,9 11,90 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice). (1) Parcela das exportações de carnes nas exportações totais do País.

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Dentre os principais produtos exportados pelo Brasil no período aqui estu-dado, os que mais aumentaram suas participações na pauta foram, pela ordem:soja em grão (13,7% a.a.), carnes (11,9% a.a.), açúcar (11,0% a.a.), peles (10,4%a.a.), óleo de soja (8,9% a.a.) e madeiras (8,6% a.a.). Esses dados servem paramostrar duas coisas. A primeira é que o Rio Grande do Sul ficou de fora desseavanço, pois, com exceção das madeiras, em todos os demais produtos oEstado apresentou taxas de crescimento médias anuais abaixo das nacionais.A segunda é que os produtos que tiveram nacionalmente as maiores taxas sãotambém os mais importantes da pauta gaúcha (com exceção do fumo), o quemostra que o Estado perdeu espaço para outros estados nesses itens. Refor-çando, o RS enfrenta concorrência significativa em todos os seus principaisprodutos de exportação (com exceção do fumo) e, o que é preocupante, vemperdendo, como atestam os dados acima, posição para outros estados.

5 - Considerações finais

A perda de dinâmica das exportações do agronegócio do Rio Grande doSul nos últimos anos retrata dois aspectos, um conjuntural e outro estrutural.Dentro do primeiro, estão as exportações de carne, que o Estado viu prejudica-das em anos recentes em virtude da febre aftosa que atingiu os rebanhos bovinoe suíno. É de se esperar que, com a vacinação do rebanho e a reconquista dostatus de zona livre da aftosa, o Estado volte a ganhar importância nas exporta-ções do produto. Nos últimos anos, o Estado apresentou crescimento importan-te nas exportações de carnes, porém abaixo do desempenho exportadordo País.

O aspecto estrutural representa, por sua própria natureza, uma preocupa-ção maior para os rumos do agronegócio no Rio Grande do Sul. Afetando primor-dialmente o complexo soja, a abertura de nova fronteira agrícola no Centro--Oeste, notadamente no Mato Grosso, está gerando perda de importância dasexportações gaúchas do setor. Vantagens físicas (áreas novas a serem aindaexploradas) e organizacionais (predominância de grandes escalas de produ-ção), dentre outros fatores atuantes, estão levando aquela região a obter índicesde produtividade maiores que os do Rio Grande do Sul, afetando sobremaneiraseu desempenho.

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Anexo

Valor das exportações de produtos do agronegócio do Rio Grande do Sul — 1993-02 (US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS E MERCADORIAS 1993 1994 1995 1996

24 - Fumo (tabaco) e seus sucedâneos manufatu- rados .................................................................

605 236

627 995

677 194

923 257

2 - Carnes e miudezas, comestíveis ...................... 185 514 195 543 192 387 237 335 12 - Sementes e frutos oleaginosos (soja em grão) 286 110 216 517 144 444 40 789 23 - Resíduos e desperdícios alimentares (farelo de soja) ..............................................................

532 701

467 116

480 450

618 809

41 - Peles, exceto a peleteria, e couros ................... 156 292 182 534 198 205 239 484 15 - Gorduras e óleos animais ou vegetais (óleo de soja) ...................................................................

190 867

296 587

342 318

252 300

44 - Madeiras, carvão vegetal e obras de madeira 29 441 34 578 40 548 61 919

47 - Pastas celulósicas ............................................. 76 272 72 766 133 314 87 190 16 - Preparações de carne, de peixes ou crustáceos 51 451 19 608 38 300 15 088 20 - Preparações de produtos hortículas e sucos de fruta ...................................................................

20 806

15 267

14 571

16 739

17 - Açúcares e produtos de confeitaria .................. 3 474 4 117 5 305 6 696 8 - Frutas; cascas de cítricos e de melões ............ 5 007 4 908 3 747 2 217 9 - Café, chá, mate e especiarias ........................... 12 873 16 461 21 049 21 741 21 - Preparações alimentícias diversas .................... 5 510 5 329 6 633 9 261 51 - Lã, pêlos finos/grosseiros; fios e tecidos de crina ...................................................................

23 847

17 610

25 205

23 128

10 - Cereais .............................................................. 5 736 1 873 5 379 7 013 5 - Outros produtos de origem animal ................. 5 841 5 272 5 880 4 409 3 - Peixes e crustáceos, moluscos ......................... 29 165 16 419 7 297 2 483 22 - Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres ................. 21 443 15 670 16 008 19 027 13 - Gomas, resinas e outros sucos e extratos ve- getais .................................................................

32

0

1

4

4 - Leite e laticínios ................................................ 0 56 21 1 943 6 - Plantas vivas e produtos de floricultura ............ 457 1 154 1 479 1 511 19 - Preparações à base de cereais ........................ 210 501 1 013 2 240 7 - Produtos hortículas ........................................... 1 849 1 176 1 481 1 722 18 - Cacau e suas preparações ............................... 1 028 1 896 1 639 1 805 1 - Animais vivos .................................................... 335 62 89 25 45 - Cortiça e suas obras ......................................... 20 1 108 130 11 - Produtos da indústria de moagem .................... 89 178 765 160 52 - Algodão ............................................................. 19 7 99 85 53 - Outras fibras têxteis vegetais ........................... 9 14 72 0 14 - Matérias para entrançar ................................... 16 17 0 4 TOTAL DO AGRONEGÓCIO .................................. 2 246 648 2 221 233 2 365 000 2 598 513 (continua)

Martinho Roberto Lazzari

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Valor das exportações de produtos do agronegócio do Rio Grande do Sul — 1993-02 (US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS E MERCADORIAS 1997 1998 1999

24 - Fumo (tabaco) e seus sucedâneos manufatu- rados .................................................................

1 019 460

888 318

803 594

2 - Carnes e miudezas, comestíveis ...................... 268 729 255 408 271 169 12 - Sementes e frutos oleaginosos (soja em grão) 314 557 293 536 105 829 23 - Resíduos e desperdícios alimentares (farelo de soja) ..............................................................

596 085

358 864

263 979

41 - Peles, exceto a peleteria, e couros ................... 280 054 257 700 242 347 15 - Gorduras e óleos animais ou vegetais (óleo de soja) ...................................................................

220 029

251 266

183 552

44 - Madeiras, carvão vegetal e obras de madeira 58 057 68 570 68 468

47 - Pastas celulósicas ............................................. 88 238 76 976 105 267 16 - Preparações de carne, de peixes ou crustáceos 19 478 28 888 40 331 20 - Preparações de produtos hortículas e sucos de fruta ...................................................................

26 586

22 779

26 399

17 - Açúcares e produtos de confeitaria .................. 16 327 9 911 10 223 8 - Frutas; cascas de cítricos e de melões ............ 5 849 7 382 14 395 9 - Café, chá, mate e especiarias ........................... 14 437 23 968 21 824 21 - Preparações alimentícias diversas .................... 12 994 11 505 11 763 51 - Lã, pêlos finos/grosseiros; fios e tecidos de crina ...................................................................

23 138

17 619

11 592

10 - Cereais .............................................................. 6 613 8 540 8 405 5 - Outros produtos de origem animal ................. 6 608 11 617 10 147 3 - Peixes e crustáceos, moluscos ......................... 3 029 4 377 2 289 22 - Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres ................. 21 433 10 765 9 267 13 - Gomas, resinas e outros sucos e extratos ve- getais .................................................................

0

0

662

4 - Leite e laticínios ................................................ 1 647 90 160 6 - Plantas vivas e produtos de floricultura ............ 2 019 2 066 1 804 19 - Preparações à base de cereais ........................ 3 101 1 945 1 613 7 - Produtos hortículas ........................................... 1 594 1 206 1 421 18 - Cacau e suas preparações ............................... 1 744 1 902 1 487 1 - Animais vivos .................................................... 107 193 515 45 - Cortiça e suas obras ......................................... 217 3 7 11 - Produtos da indústria de moagem .................... 266 214 122 52 - Algodão ............................................................. 89 223 225 53 - Outras fibras têxteis vegetais ........................... 0 0 15 14 - Matérias para entrançar ................................... 0 9 1 TOTAL DO AGRONEGÓCIO .................................. 3 012 485 2 615 840 2 218 872 (continua)

Evolução das exportações gaúchas...

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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210 Martinho Roberto Lazzari

Valor das exportações de produtos do agronegócio do Rio Grande do Sul — 1993-02 (US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS E MERCADORIAS 2000 2001 2002

24 - Fumo (tabaco) e seus sucedâneos manufatu- rados .................................................................

722 245

823 937

887 376

2 - Carnes e miudezas, comestíveis ...................... 277 692 433 597 459 401 12 - Sementes e frutos oleaginosos (soja em grão) 267 318 486 683 350 852 23 - Resíduos e desperdícios alimentares (farelo de soja) ..............................................................

208 316

314 429

339 201

41 - Peles, exceto a peleteria, e couros ................... 271 144 294 436 331 215 15 - Gorduras e óleos animais ou vegetais (óleo de soja) ...................................................................

84 190

149 482

209 489

44 - Madeiras, carvão vegetal e obras de madeira 80 247 84 955 110 405

47 - Pastas celulósicas ............................................. 135 804 81 573 87 369 16 - Preparações de carne, de peixes ou crustáceos 43 620 52 871 56 480 20 - Preparações de produtos hortículas e sucos de fruta ...................................................................

29 442

22 047

21 390

17 - Açúcares e produtos de confeitaria .................. 15 219 18 759 17 937 8 - Frutas; cascas de cítricos e de melões ............ 12 731 9 374 16 176 9 - Café, chá, mate e especiarias ........................... 20 484 21 287 15 340 21 - Preparações alimentícias diversas .................... 10 272 13 074 14 250 51 - Lã, pêlos finos/grosseiros; fios e tecidos de crina ...................................................................

11 483

13 402

12 948

10 - Cereais .............................................................. 5 971 94 350 12 753 5 - Outros produtos de origem animal ................. 11 673 10 548 10 928 3 - Peixes e crustáceos, moluscos ......................... 12 873 3 413 9 536 22 - Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres ................. 8 686 6 685 3 237 13 - Gomas, resinas e outros sucos e extratos ve- getais .................................................................

2 035

2 989

3 014

4 - Leite e laticínios ................................................ 125 1 608 2 963 6 - Plantas vivas e produtos de floricultura ............ 1 676 1 713 1 797 19 - Preparações à base de cereais ........................ 2 707 2 873 1 757 7 - Produtos hortículas ........................................... 735 380 1 066 18 - Cacau e suas preparações ............................... 1 763 1 584 720 1 - Animais vivos .................................................... 280 369 431 45 - Cortiça e suas obras ......................................... 35 65 336 11 - Produtos da indústria de moagem .................... 228 193 181 52 - Algodão ............................................................. 526 752 75 53 - Outras fibras têxteis vegetais ........................... 4 3 7 14 - Matérias para entrançar ................................... 2 2 1 TOTAL DO AGRONEGÓCIO .................................. 2 239 550 2 947 433 2 978 631 FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC (Sistema Alice). NOTA: O ordenamento dos produtos obedece ao valor exportado em 2002.

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Sistemade Análise de Informações de Comércio Exterior (MDIC/Sistema Alice). Disponí-vel em: http://aliceweb.mdic.gov.br/

LAZZARI, Martinho. RS é segundo na exportação do agronegócio. Carta deConjuntura FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 3, p. 8, mar., 2003.

Evolução das exportações gaúchas...

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 197-212, jun. 2003

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Presidente: Aod Cunha de Moraes Júnior.Membros: André Meyer da Silva, Ernesto Dornelles Saraiva, Ery Bernardes,Eudes Antidis Missio, Nelson Machado Fagundes e Ricardo Dathein.

CONSELHO CURADOR: Fernando Luiz M. dos Santos, Maria Lúcia Leitão deCarvalho e Suzana de Medeiros Albano.

DIRETORIA:PRESIDENTE: AOD CUNHA DE MORAES JÚNIORDIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIADIRETOR ADMINISTRATIVO: ANTONIO CESAR GARGIONI NERY

CENTROS:ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Maria Isabel H. da JornadaPESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Roberto da Silva WiltgenINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Jorge da Silva AccursoINFORMÁTICA: Antônio Ricardo BeloEDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova NonnigRECURSOS: Alfredo Crestani

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ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

1 - A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundaçãode Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo adivulgação de artigos de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha,nacional e internacional.

2 - Os artigos remetidos à revista Indicadores Econômicos FEE para publicaçãodevem ser inéditos, em língua portuguesa (Brasil), apresentados na sua versãodefinitiva e acompanhados de um abstract em inglês e de um resumo emportuguês, com 10 linhas no máximo.

3 - Devem ser apresentadas as palavras-chave do texto, no número máximo de três.

4 - Os artigos devem vir acompanhados do nome completo do autor, de sua titulaçãoacadêmica e do nome das instituições a que está vinculado, além do endereçopara contato, e-mail, telefone ou fax.

5 - Devem ser encaminhadas três cópias impressas dos artigos, com as páginasnumeradas na margem superior direita e não excedendo 25 laudas de 24 linhas,em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12, incluindo notas, bi-bliografia e outras referências. As cópias impressas devem vir acompanhadasdo arquivo correspondente em MS-Word.

6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e apresentadas em ordem seqüencial.

7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenomedo autor, ano da publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980,p. 8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério do

autor a publicação do original em nota de rodapé.

8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título daobra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas,enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:

a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova internacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 151p.

CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A eco- nomia brasileira em marcha forçada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 217p.

b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâmi- ca financeira e política macroeconômica. In: TA- VARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e di- nheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, p. 243-275.

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c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.

d) artigos de periódicos - BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello (1997). O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “glo- balizados”. Economia e Sociedade, Campinas: UNICAMP/IE, n. 4, p. 11-20.

PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretos mundiais (1997). Carta da SOBEET. São Paulo, v. 1, n. 4, set./out.

e) artigos de jornais - SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras con- quistam mercado externo. Gazeta Mercantil, São Pau- lo, p. A-4, 6-8 mar.

PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São Paulo, 12 dez., p. 2-5.

f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Bra- sil e no mundo: principais ten- dências. Sinopse Eco- nômica. Disponível em: http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm Acesso em: 21 mar.

9 - As tabelas e os gráficos devem ser numerados e apresentar título e fonte com- pletos; os gráficos devem ser gerados no MS-Excel e vir acompanhados das respectivas tabelas.

10 - Os artigos encaminhados à revista Indicadores Econômicos FEE serão submetidos à apreciação do Conselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação, ou da recusa de seus trabalhos.

11 - Em se tratando de artigos aprovados, o Conselho de Redação reserva-se o direito de introduzir as modificações editoriais que julgar convenientes.

12 - O envio espontâneo de qualquer colaboração implica, automaticamente, a cessão integral dos direitos autorais à FEE.

13 - Toda correspondência deverá ser enviada à:Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel HeuserRevista Indicadores Econômicos FEERua Duque de Caxias, 1691CEP 90010-283 — Porto Alegre — RSE-mail: [email protected]: (0XX51) 3216-9050Fax: (0XX51) 3225-0006

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Forma de pagamento

Ficha de compensação bancária (Banco do Brasil, Agência3798-2 - Conta número 72739-3; ou BANRISUL - Agência 073-Rua daPraia - Conta número 03.000484.0-7).

Cheque nominal à Fundação de Economia e Estatística Siegfried EmanuelHeuser (CGC-MF 87.182.796/0001-29).

Desejo receber a revista Indicadores Econômicos FEE pelo preço deR$ 75,00 cada assinatura anual (edição trimestral).

Desejo receber a revista Ensaios FEE pelo preço de R$ 40,00 cadaassinatura anual (edição semestral).

FICHA DE ASSINATURA

As revistas Indicadores Econômicos FEE e Ensaios FEE podem seradquiridas na Livraria da FEE, Rua Duque de Caxias, 1691, térreo, CEP 90010--283, Porto Alegre-RS, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das13h30min às 18h, ou por fone (0xx51) 3216-9118, fax (0xx51) 3225-0006, [email protected], ou, ainda, pela homepage www.fee.tche.br

Você também pode optar por uma assinatura, preenchendo o formulárioabaixo e enviando o cheque ou o comprovante de depósito para a Secretaria dasRevistas, no 6º andar do endereço acima.

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Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig. Secretária: Luz Da Alva Moura da Silveira.RevisãoCoordenação: Roselane Vial.Revisores: Breno Camargo Serafini, Rosa Maria Gomes da Fonseca, Sidonia Therezinha HahnCalvete e Susana Kerschner.EditoriaCoordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.Composição, diagramação e arte final: Alexander Gurgel Marques, Cirei Pereira da Silveira,Denize Maria Maciel, Ieda Koch Leal e Rejane Maria Lopes dos Santos.Conferência: Elisabeth Alende Lopes, Lenoir Buss e Rejane Schimitt Hübner.Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas, Luiz Carlos da Silva e Mauro Marcelino da Silva.

EDITORAÇÃO

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