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Compagnon, A. - o Demonio Da Teoria Livro

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    Este li vro 011 p:1tl e dl:1c n:l o putl ,, ."l'" H.: pl' tldII Z ld Cl pl l!' qualque r llleiO se m ;J ul o ri z:I \ 'i) (1 esc rita do Editor

    C736d Compagnon, Antoine

    O demnio da teoria: literatura e senso comum/ Antoine Compagnon; traduo de Cleonice Paes Barreto Mouro, - Belo Hori-zonte: Ed. UFMG, 1999.

    305p. - (Humanitas) Traduo de: Le dmon de la thorie:

    littrature et sens commun

    1. Literatura - Teoria I. Mouro, Cleonice Paes Barreto 11. Ttulo m. Srie

    CDD :801 CDU:82

    Cata logao na publicao: DivisflO de Planejamento e Divulgao da Biblioteca Universitria - UFMG ISBN: 85-7041-184 -7

    EDITORAO DE TEXTO Ana Maria de Moraes PROJETO GRFICO

    Glria Campos - Mallg CAPA

    Paulo Schmidt ILUSTRAO DA CAPA

    Jos Alberto Nemer. sem ttulo, aquarela sobre papel, IlOx75clll, 1993, foto Rui Cezar dos Santos, coleo Helvcio llelizrio

    REVISO DE TEXTO E NORMALIZAO Simone de Almeida Gomes

    REVISO DE PROVAS Lilian Valderez Felcio Maria Stela Souza Reis PIWDUO GRFICA Jonas Rodrigues Fris

    'FORMATAO Marcelo Delico

    EDITORA UFMG Av. Antnio Carlos, 6627 - Biblioteca Central - sa la 405 Campus Pampulh" - 31270-901 - !leio Horizonte/ MG

    Te!.: (31) 499-4650 - Fax: (31) 499-4768 E-mail: Eclitofa @bu.lIfmg.br

    http://www.cditoras.com/lIfmg

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor: Francisco C6af de S Barreto

    Vice-Reitora: Ana I.

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  • CAPTULO IV

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    Os mundos l'icciol1ais O mundo dos livros

    O LEITOR A leitura fora do jogo A res istncia do leitor Recepo e influncia O leitor implcito A obra aberta O horizonte de expectativa (fantasma) O gnero como modelo de leitura A leitura sem amarras Depois do leitor

    O ESTILO O estilo e todos os seus humores Lngua, estilo, escritura Clamor contra o estilo Norma, desvio, contexto O estilo como pensamento O retorno do estilo Estilo e exemplificao Norma ou agregado

    A HISTRIA Histria literria e histria da Iitemtura Histria literria e crtica literria Histria das jdias, histria social A evoluo 'li~erria O horizont.e de expectativa A filologia disfarada Histria ou literatura? A histria como literatura

    O VALOR Na sua maioria, os poemas so ruins, mas so poemas A iluso esttica O que um clssico? Da tradio nacional em literatura Salvar o clssico ltima defesa do objetivismo Valor e posteridade Por Ulll re lativismo moderado

    11 ,1

    I i t ,t l 12 (, I :U In 139 139 143 146 147 153 156 157 159 163

    165 166 173 176 180 184 187 189 192

    195 198 201 204 207 209 214 218 222

    225

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    o QUe ~e~rou De NO~~O~ AMO~c~~

    1' :11':1 (l pobrt.: Scrates, s havia o Demnio da proibio; o meu \ 11111 gra nde af'innador, o meu um Demnio de ao, um

    Demnio ele combate. Baudelaire, "Espanquemos os pobres!"

    P:ll'odi:lndo uma clebre frase: "Os franceses no tm a III V III (,,! te ri ca." Pelo menos at a exploso dos anos sessenta I ' ~l.: t L: nt:l. A teoria literria viveu ento seu momento de glria, \'0 111 0 se a f do proslito lhe houvesse, de repente, permitido 1'I,.','lg:llar quase um sculo de atraso num timo de segundo. Os 'sludos lite rrios franceses no conheceram nada semelhante

    : I () fo rmali smo russo; ao crculo de Praga, ao New Criticism ang lo-americano, sem falar da estilstica de Leo Spitzer nem I:i lopologia de Ernst Robert Curtius, do antipositivismo de

    Ik nedetto Croce nem da crtica das variantes de Gianfranco ;ontini, ou ainda da escola de Genebra e da crtica da cons-:i ncia, ou mesmo do antiteorismo deliberado de F. R. Leavis e le seus discpulos de Cambridge. Para contrabalanar todos 'sses movimentos originais e influentes que ocuparam a pri-

    meira metade do sculo XX na Europa e na Amrica do Norte, s poderamos citar, na Frana, a "Potica" de Valry, segundo o ttulo da ctedra que ocupou no Colgio de Frana (936) - efmera disciplina, cujo progresso foi logo interroinpido pela guerra, depois pela morte - , e talvez as sempre enig-mticas Fleurs de Tarbes [Flores de TarbesJ, de Jean Paulhan (941), tateando confusamente a definio de uma retrica geral, no instrumental, da lngua: esse "Tudo retrica", que a desconstruo deveria redescobrir em Nietzsche, por volta de 1968, O manual de Ren Wellek e Austin Warren , Theory of Literature [Teoria da Literatura], publicado nos

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  • 1"i ltid ' l'j IIllld'l 'I "111 1 ~)It) . l' IIIIJlIII .I\.1 'U' til ,,! 1111 11 "u i ( I\(IH llil ll d' lll ,1111 111 ,'I\'.'IlI l' lIln '), 1' 111 1'1< 1> ,11111( 11, ),Ij )(1 11 0,'1, 11 ,11 1. 111 11 , ,dl' III ,I(" '() IV!II10, IH)I 'lllg I1 0,-:, dIi1:111I:II'ljll C'll , .'1V I VO t' I'O: II :I, Hl '1I11 1IIIIdVl'l10 ,

    " II Vt'O , Ilvhr..:u, l'OIIIl:nO, i'inl:lnds C guj:lrali , 1I1:IS n :l ll (' 111 I'r:lncs, Idioll1 :1 no qual s 1'0 i publicael o l:111 1971, COI11 o llul o de La '/Z)(;orie Lill/'Clim [A Teo ria Literria] , um dos primeiros da ")Iefio "Po tique", nas ditions du Seuil, sem nunca ter feito p ~lrLe ela coleo de bolso. Em 1960, pouco antes de morrer, Spitze r atribua esse atraso e esse isolamento franceses a trs 1':ll o res: um velho sentimento de superioridade ligaelo a uma I radi o literria e intelectual contnua e eminente; o esprito ge ral dos estudos literrios, sempre marcado pelo positivismo 'ie ntfico do sculo XIX, procura das causas; a predomi-

    n:1 nc ia da prtica escolar d~ explicao de texto, isto , de uma lescri fio ancilar das formas literrias, impedindo o desen-

    vo lvrme nto de mtodos formais mais sofisticados. Acrescen-1:lria ele bom grado, mas isso evidente, a ausncia de uma lin g stica e de uma filosofia da linguagem comparveis s IlI l: invadiram as universidades de lngua alem ou inglesa, /esde Gottlob Frege, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein : I{udolf Carnap, assim como a fraca incidncia da tradio

    he rme nutica transformada, entretanto, na Alemanha, intei-ram e nte, por Edmund Husser! e Martin Heidegger.

    Em seguida, as coisas mudaram rapidamente - alis, come-'aram a se mover, no momento em que Spitzer fazia aquele diagnstico severo -, a tal ponto que, por uma muito curiosa reve rso que leva a refletir, a teoria francesa viu-se, momen-laneamente, alada vanguarda dos estudos literrios no mundo, um pouco como se tivssemos, at ento, recuado para saltar melhor, a menos que um tal fosso, subitamente transposto, tenha permitido inventar a plvora com uma ino-c ncia e um ardor tais que deram a iluso de um avano, elurante esses mirficos anos sessenta, que se estenderam, de fat, de 1963, fim da guerra da Arg lia, at 1973, com o pri-meiro choque petroleiro. Por volta ele 1970, a teoria literria estava no auge e exercia um ime nso atrativo sobre os jovens da minha gerao. Sob vrias de nominaes - "nova crtica", "potica", "estruturalismo", "se ll1i o logia", "narratologia" -, ela brilhava em todo seu esple ndo r. Quem viveu esses anos fe-ricos s pode se lembrar el e les com nostalgia. Uma corrente poderosa arrastava a toel os ns. Naquele tempo, a imagem do

    12

    [1/i lll d lj 1I11,' ldu, 1" 'j l l. dd :1I1.1 111' 1" I I ~ I II I ; I , 1) 1,1 M'dlll OI,I, !lVII' lI :1 1\'11, 11 111111':1111 "

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  • II I. I, ,I

    expostos nas vitrinas das livrarias do Quartier Latin -, mas isso no motivo para fazer dela uma metafsica nem uma mstica. No a tratemos como uma religio. A teoria literria no teria seno um "interesse terico"? No, se estou certo ao sugerir que ela tambm, talvez essencialmente, crtica, oposi-tiva ou polmica.

    Porque no do lado terico ou teolgico, nem do lado prtico ou pedaggico, que a teoria me parece principalmente interessante e autntica, mas pelo combate feroz e vivificante que empreende contra as idias preconcebidas dos estudos literrios, e pela resistncia igualmente determinada que as idias preconcebidas lhe opem. Esperaramos, talvez, de um balano da teoria literria, que depois de ter oferecido sua prpria definio de literatura, como definio contestvel - trata-se, na verdade, do primeiro lugar-comum terico: "O que a literatura?" -, depois de ter prestado uma rpida homenagem s teorias literrias antigas, medievais e clssicas, desde Aristteles at Batteux, sem esquecer uma passagem pelas poticas no-ocidentais, arrolasse as diferentes escolas que compartilharam a ateno terica no scu lo XX: forma-lismo russo, estruturalismo de Praga, New Criticism americano, fenomenologia alem , psicologia genebresa, marxismo interna-cional, estruturalismo e ps-estruturalismo franceses, herme-nutica, psicanlise, neomarxismo, feminismo etc . Inmeros manuais so assim: ocupam os professores e tranqilizam os estudantes. Mas esclarecem um lado muito acessrio da teoria. Ou at mesmo a deformam, pervertem-na; porque o que a caracteriza, na verdade, justamente o contrrio do ecletismo, seu engajamento, sua vis polemica, assim como os impasses a que esta ltima a leva sem que ela se d conta. Os tericos do a impresso, muitas vezes, de fazer crticas muito sensatas contra as posies de seus adversrios, mas visto que estes, confortados por sua boa conscincia de sempre, no renunciam e continuam a matraquear, os tericos se pem tambm eles a falar alto, defendem suas prprias teses, ou antteses, at o absurdo, e , assim, anu lam-se a si mesmos diante de se us rivais encantados de se ve re m justifi cados pe la e xtravagn c ia d:1 pos io adve rs: ri :l. Ih sta de ixar fa lar Ulll lerico t.: CO l1t

  • de 1970, a teoria era um contr:lcll s(,'ur,"io que punha em questo as premissas da crtica tradi c lo n:d , O/~ielividade, gosto e clareza, Barthes assim resumi:l,
  • sua tradio antiga e clssica, a teoria da literatura no , em princpio, normativa.

    Descritiva, a teoria da literatura , pois, moderna: supe a existncia de estudos literrios, instaurados no sculo XIX, a partir do romantismo. Tem uma relao com a filosofia da literatura como ramo da esttica que reflete sobre a natureza e a funo da arte, a definio de belo e de valor. Mas a teoria da literatura no filosofia da literatura, no espe-culativa nem abstrata, mas analtica ou tpica: seu objeto so %S discursos sobre a literatura, a crtica e a histria literrias, que ela questiona, problematiza, e cujas prticas organiza. A teoria da literatura no a polcia das letras, mas de certa forma sua epistemologia.

    Nem nesse sentido verdadeiramente nova. Lanson, fundador da histria literria francesa, na virada do sculo XIX para o XX, j dizia de Ernest Renan e de mile Faguet, os crticos literrios que o precederam - embora Faguet fosse seu contemporneo na Sorbonne, Lanson o julgava ultrapas-sado -, que no tinham "teoria literria".5 Era uma maneira polida de lhes dizer que, a seus olhos, eram impressionistas e impostores, no sabiam o que faziam, faltava-lhes rigor, esprito cientfico, mtodo. Quanto a Lanson, este pretendia ter uma teoria , o que mostra que histria literria e teoria no so incompatveis.

    O apelo teoria responde necessariamente a uma inteno polmica, ou opositiva (crtica, no sentido etimolgico do termo): a teoria contradiz, pe em dvida a prtica de outros. til acrescentar aqui um terceiro termo teoria e prtica, conforme o uso marxista, mas no apenas marxista, dessas noes: o termo ideologia. Entre a prtica e a teoria, estaria instalada a ideologia. Uma teoria diria a verdade de uma pr-tica, enunciaria suas condies de possibilidade, enquanto a ideologia no faria seno legitimar essa prtica com uma men-tira, dissimularia suas condies de possibilidade. Segundo Lanson, alis bem recebido pelos marxistas, seus rivais no tinham teoria, seno ideologias, isto , idias preconcebidas.

    Assim, a teoria reage s prticas que julga atericas ou anti-tericas . Agindo assim, ela as institui como bodes expiatrios. La nson, qu e pe nsava poss uir, com a fil o logia e o pos itivismo hi s t ri co, L1ITl;1 I

  • sobre os (bons) leitores, mas so bre le itores no necessaria-mente cultos nem profissionais. A el"Li ca aprecia, julga; procede por simpatia (ou antipatia), por i(k: nlificao ou projeo: seu lugar ideal o salo, do qual a im pre nsa uma metamorfose, no a universidade ; sua prime ira fo rma a conversao.

    Por histria lite r ria compree nd o , e m compensao, um discurso que insiste nos fatores exte rio res experincia d a leitura , por exemplo, na conce po o u na transmisso das obras, ou em outros elementos que e m geral no interessam ao no-especialista. A histria lite r ria a disciplina acadmica que surgiu ao longo do sculo XIX, mais conhecida, alis, com o nome de filologia, Scholarship, Wissenschaft, o u pesquisa.

    s vezes opem-se crtica e hi st ria lite r rias como um procedimento intrnseco e um procedimento extrnseco: a crtica lida com o texto, a histria com o contexto. Lanson observava que se faz histria liter ria a partir do momento em que se l o nome do autor na capa do livro, em que se d ao texto um mnimo de contexto. A crtica lite rr ia enuncia proposies do tipo "A mais belo que TI", enquanto a histria literria afirma: "C deriva de D." Aquela visa a avaliar o texto, esta a explic-lo.

    A teoria da literatura pede que os pressupostos dessas afirmaes sejam explicitados. O que voc chama de literatura? Quais so seus critrios de valor?, perguntar e la aos crticos, pois tudo vai bem entre le itores que compartilham das mesmas normas e que se entendem por meias palavras, mas, se no o caso, a crtica (a conversao) transforma-se logo em dilogo de surdos . No se trata de reconciliar abordagens dife rentes, mas de compreende r por qu e elas so difere ntes.

    O que voc chama de literatura? Que peso voc atribui a suas propriedades especiais ou a seu valor especial?, pergun-tar a teoria aos historiadores . Uma vez reconhecido que os textos literrios possuem traos distintivos, voc os trata como documentos histricos, procurando neles suas causas factuais: vida do autor, quadro social e cultural, intenes a testadas, fontes. O paradoxo salta aos olhos: voc explica pelo contexto um objeto que lhe inte ressa precisamente porque escap a a

    sse contexro e sobrevive a e le. !\ tcoria prO!vsl:1 sempre co ntra o implc ito : inc mo da, e la

    p roWrtJ lIS ( o pt'Il II.'1 I:llll e) da ve lha esco l::stica . Ela pede '() I1I :IS, n:1p ndo!.1 ;1 1'1 il ld :j () d I.' Prousl

  • literrio, ou seja, sobre Lodo ti IH('I 11110 - crtico, histrico, terico - a respeito da lite ratur:1. '1't:111 :IIT IIl OS se r menos ingnuos. A teoria da literatura uma : lp l'~' lld l ", : l gl.: lll da no-ingenuidade. "Em matria de crtica litc r: ri :I", v."i('l\:vi:1 Julien Gracq, "todas as palavras que condu ze m :I
  • 111 11 I '1" l: haja literatura: um em/o!', Illll I furo, um leitor, uma UI/IIII,I v um referente.

    'IH) acrescentaria duas qucslL'S qU l: nfto se situam exata-11

    011' 11 11' 11 0 mesmo nvel e que dize nl l'l"s pl: iI O, precisamente, h'\ 'illlfl e ~l crtica: que hipteses IL:v : lnl ~lmos sobre a trans-I !H IiI . I ~ : 1 0 , o movimento, a evolu :10 lile r:t ria , e sobre o valor, I 11 11 ){111 :t1idade, a pertinncia IiLc r(J ri ~l ? O u ainda: como com-

    1"1 1' lIde mos a tradio literri a, 1:lnl o no seu aspecto din-11111 I1 (:1 histria) quanto no se u aSpl:CIO cst{ltico (o valor)?

    I\/ ,.-

  • de um passado polmico e concebidos como antinomias intransponveis, alternativas absolutas, em termos de tudo ou nada, que estruturam o pensamento, mas tambm o aprisionam numa srie de falsos dilemas .9

    Trata-se de arrombar essas falsas janelas, essas contradies traioeiras, esses paradoxos fatais que dilaceram o estudo literrio; trata-se de resistir alternativa autoritria entre a teoria e o senso comum, entre tudo ou nada, porque a verdade est sempre no entrelugar.

    28

  • c A I' u L o

    A li T C ~A T U ~A

    Os estudos literrios falam da literatura das mais diferentes maneiras. Concordam, entretanto, num ponto: diante de todo estudo literrio, qualquer que seja seu objetivo, a primeira questo a ser colocada, embora pouco terica, a da definio que ele fornece (ou no) de seu objeto: o texto literrio . O que torna esse estudo literrio? Ou como ele define as quali-dades literrias do texto literrio? Numa palavra, o que para ele, explcita ou implicitamente, a literatura?

    Certamente, essa primeira questo no independente das que se seguiro . Indagaremos sobre seis outros termos ou noes, ou, mais exatamente, sobre a relao do texto literrio com seis outras noes: a inteno, a realidade, a recepo, a lngua, a histria e o valor. Essas seis questes poderiam, portanto, ser reformuladas, acrescentando-se a cada uma o epteto literrio, o que, infelizmente, as complica mais do que as simplifica:

    O que inteno literria? O que realidade literria? O que recepo literria? O que lngua literria? O que histria literria? O que valor literrio? Ora, emprega-se, freqentemente, o adjetivo literrio, assim

    como o substantivo literatura, como se ele no levantasse problemas, como se se acreditasse haver um consenso sobre o que literrio e o que no o . Aristteles, entretanto, j observava, no incio de sua Potica, a inexistncia de um termo genrico para designar ao mesmo tempo os dilogos socrticos, os textos em prosa e o verso: "A arte que usa apenas a linguagem em prosa ou versos [' .. l ainda no recebeu um nome at o presente" (1447a28-b9) . H o nome e a coisa.

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    uma na o , estudo qu e os gl: 11l os n:lo s pe rce be ram, 111as no qual tambm forj a ram o esprito .

    No sentido restrito, a literatura (fronteira entre o literrio e o no literrio) varia consideravelmente segundo as pocas e as culturas . Separada ou extrada das belas-letras, a litera-tura ocidental, na acepo moderna, aparece no sculo XIX, 'o m o declnio do tradicional sistema de gneros poticos, pe rpe tuado desde Aristteles. Para ele, a arte potica - a :Irte dessa coisa sem nome, descrita na Potica- compreendia, 'sse ncialme nte, o gnero pico e o gnero dramtico, com 'xclus:1o do gnero ll'ico, que no era fictcio nem imitativo

    - Lima vez que, nele, o poeta se expressava na primeira pessoa - vindo :t :jer, conseqentemente, e por muito tempo, julgado UlIl gC: ne ro menor. A epopia e o drama constituam ainda os lo is grand es gneros da idade clssica, isto , a narrao e a

    r/,; prese nta o , ou as duas formas maiores da poesia, enten-lida como fico ou imitao (Genette, 1979; Combe). At

    e nto, a lite ratura, no sentido restrito (a atte potica), era o verso. Mas um deslocamento capital ocorreu ao longo do sculo XIX: os dois grandes gneros, a narrao e o drama, abandonavam cada vez mais o verso para adotar a prosa. Com o nome de poesia, muito em breve no se conheceu seno, ironia da histria, o gnero que Aristteles exclua da potica, ou seja, a poesia lrica a qual , em revanche, tornou-se sinnimo de toda poesia. Desde ento, por literatura compreendeu-se o romance, o teatro e a poesia, retomando-se trade ps-' aristotlica dos gneros pico, dramtico e lrico, mas, dora-vante, os dois primeiros seriam identificados com a prosa, e o terceiro apenas com o verso, antes que o verso livre e o poema em prosa dissolvessem ainda mais o velho sistema de gne ros .

    O sentido moderno de literatura (romance, teatro e poes ia) inseparvel do romantismo, isto , da afirmao da re lativi-dade histrica e geogrfica do bom gosto, em o pos io ~l doutrina clssica da eternidade e da universalidade do cno ne esttico. Restrita prosa romanesca e dramtica, e poesia lrica, a literatura concebida, alm disso, em suas re la es com a nao e com sua histria . A literatura, ou me lh o r, as literaturas so, antes de tudo, nacionais.

    32

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  • Po r Outro I:Ido, () PI OIHII) d 'll lf)II\ ' dU:l }\1.\IIt1v.'i V.'l(' I'iI OI'l.:S n:l o ~ st{tve l , mas conhece e nll':ltI :\11 Cc l'I: dcla s): a poes i:\ barroca,

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    Sade , Lautramo nt, os ro manc is ta s do scul o X VIII sJo bo ns exemplos de redescobertas que modificaram nossa de fini o de literatura. Segundo T. S. Eliot, que pensava como um estru-turalista em seu artigo "La Tradition et le Talent IndividueI" [A Tradio e o Talento Individual] (1919), um novo escritor altera toda a paisagem da literatura, o conjunto do sistema, suas hierarquias e suas filiaes:

    Os monumentos existentes formam entre si uma ordem ideal que modificada pela introduo, entre eles, da nova (da verda-deiramente nova) obra de arte. A ordem existente completa antes da chegada da nova obra; para que a ordem subsista, depois da interve no da novidade, o conjunto da ordem exis-tente deve ser alte rado, ainda que ligeiramente; e assim as relaes, as propores, os valores de todas as obras de arte em relao ao conjunto so reajustados. 3

    A tradio literria o sistema sincrnico dos textos liter-rios, sistema sempre em movimento, recompondo-se medida que surgem novas obras. Cada obra nova provoca um rearranjo da tradio como totalidade (e modifica, ao mesmo tempo, o sentido e o valor de cada obra pertencente tradio).

    Aps o estreitamento que sofreu no sculo XIX, a literatura reconquistou desse modo, no sculo XX, uma parte dos terri-trios perdidos: ao lado do romance, do drama e da poesia lrica, o poema em prosa ganhou seu ttulo de nobreza, a autobiografia e o relato de viagem foram reabilitados, e assim por diante. Sob a etiqueta de paraliteratura, os livros para crianas, o romance policial, a histria em quadrinhos foram assimilados. s vsperas do sculo XXI, a literatura nova-mente quase to liberal quanto as belas-letras antes da profis-sionalizao da sociedade.

    O termo literatura tem, pois, uma extenso mais ou me nos vasta segundo os autores, dos clssicos escolares hi s tria e m quadrinhos, e difcil justificar sua ampliao co nte mpo-rnea. O critrio de valor que inclui tal texto no , e m si

    \1 mesmo, literrio nem terico, mas tico, social e ideolg ico, de qualquer forma extralite rrio. Pode-se, entre tanto , de finir I ite rariamente a literatura?

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    1.I'1'1'I{i\ 1'111 ' N'I'I':(JI

    Da Antigidade me tad e do sculo XV IlI , a litc ratu r:1 _ sei que a palavra anac rnica , mas suponhamos qu e e.; la designe o objeto da arte potica - foi geralmente definida como imitao ou representao (m imesis) de aes humanas pela linguagem. como tal qu e ela constitui uma fbula ou uma histria (m uthos). Os dois te rmos (mimesis e muthos) a parecem desde a primeira pgina da Potica de Aristteles e raze m da literatura uma fico - traduo de mimesis s vezes ad o tada , por exempl o, por Kiite Hamburger e Genette - o u , :Iinda , uma mentira , nem verdadeira nem falsa , mas verossmil : Uill "me.; ntir-verdadeiro", como dizia Aragon. "O poeta", escrevia Ari sl le.; les, "deve ser poeta de hist rias mais que de me tros, pois que.; e m razo da mimesis que ele poeta, e o que e le rvprcsc.: nta o u imita (mimeisthai) so aes" (1451b 27).

    1': 111 nome dessa defini o de poes ia atravs da fico, Ar is l te les exclua da potica no apenas a poesia didtica o u satrica, mas tambm a poesia lrica, que pe e m cena o :u cio poeta, e no preservava seno os gneros pico (narra-

    li vo) e trgico (dramtico) . Genette fala de uma "potica essencialista" ou, ainda, constitutivista "na sua verso temtica". Sc.:gundo essa potica, "a maneira mais segura para a poes ia :scapar do risco d e dissolu o, no e mprego corrente d a I i nguagem, e se fazer obra de arte a fico narrativa o u d ramtica".4 O qualifica tivo temtico p arece-me que deve ser evi tado, p o is no h temas (contedos) constitutivamente lite rrios: o que Aristteles e Genette visam ao estatuto onto-lgico, ou pragmtico, constitutivo dos contedos lite rrios, , pois, a fico como conceito ou modelo, no como tema (ou como vazio, no como pleno) ; e Genette, al m disso, p re fe re cham-la ficcionalidade. Referindo-me s distines do lingista Louis Hjelmslev entre substncia do contedo (as id ias), forma do contedo (a organizao dos significados) , subs-tncia da expresso (os sons) efOl'ma da expresso (a orga ni-zao d os significantes), direi que, para a potica clssica, a literatura caracterizada pela fico e nqu anto forma do con-tedo, isto , e nquanto conceito ou modelo .

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    1\ 1,1/, 11 ,11.1 ' li' I11 11111 .1 tll :lI Jl I ~ I ( () 1111 di' 1111 1. 1 /II 'O/JI/('r!(/r!{' tI :1 1I11 ' I.IIII I,I( NIIWI Id ll XIX, :) 111 ~,~ II \ 1.1 qll t' :1 pm:s l:1 lrl C:1 ocupava I' I'I' IIII \) (\ :1 P()l' .'l I. I , l'vprc.;sl' nl :lll (\ o :1, I'I nalnlc l1lc.: , na sua lOlali-d:ld l', l'ss:i t k: l'lnl ~' : l() c.k:vi:t desap:lrcccr. A fi co como conceito

    :Izlo n:lo L' r:1 m:tl s uma co ndi o necessria e suficiente d a II1 vr:llu 1':1 (v(; r(;Il1 Os lU do isso deta lhadamente no Captulo III , .. ;obrc :1 111 [ II1&sls) , e mbo ra, sem dvida alguma, seja sempre :0 1110 fi c o qu e a op inio corrente considera globalmente :1 lil e.; ratura .

    MPREENSO DA LITERATURA: A FORMA DA EXPRESSO

    A partir da metade do sculo XVIII, uma outra definio de lite ratura se ops cada vez mais fico, acentuando o be lo, concebido doravante - por exemplo, na Crtica da Faculdade do juz o (1790) , de Kant, e na tradio romntica - como tendo um fim em si mesma. A partir de ento, a a rte

    a literatura no re metem seno a si mesmas. Em oposio linguagem cotidiana, que utilitria e instrumental, afirma-se que a litera tura encontra seu fim em si mesma. Segundo o Tesouro da Lngua Francesa, herdeiro dessa concepo, a literatura simplesmente "o uso esttico da linguagem escrita".

    A vertente romntica dessa idia foi, durante muito tempo, a mais valorizada, separando a literatura da vida, conside-rando a literatura uma redeno da vida ou, desde o final do sculo XIX, a nica experincia autntica do absoluto e do nada. Essa tradio ps-romntica e essa concepo de lite-ratura como redeno manifestam-se ainda em Proust, que afirma, em O Tempo Redescoberto, que "a verdadeira vida, a vida enfim descoberta e esclarecida, logo a nica vida plena-mente vivida, a literatura" , 5 ou em Sartre, antes da guerra, no final de La Nause [A Nusea), quando uma msica de jazz salva Roque ntin da contingncia. A forma , a metfora , "os elos necessrios do be lo estilo" em proust,6 permite escapar deste mundo, apreender "um pouco do te mpo em estado puro".7

    Mas tal idia tem tambm um lado formalista, mais familiar hoje, que separa a linguagem literria da linguagem cotidiana , ou singulariza o uso literrio em relao linguagem comum.

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  • g l: I1 \.: I'()S, OS tipos, as I'I g lll':l:l , ti I'lI 'Ml liI 11 111 111 1 \ lIu !' lIllI:1 ('I(' ll r l:i da lite ratura em g\.: ral (; poss (v\J l, (' 111 O!lU...; !t':10:1 UI" :! L!s lll(slil':1 das dife re nas incl ivid ua is .

    LITERARIEDADE OU PRECONCEITO

    Em busca da "boa" definio de literatura, procedemos segundo o mtodo platnico, pela dicotomia, deixando sempre de lado a via da esquerda (a extenso, a funo, a represen-tao), para seguir a via da direita (a compreenso, a forma, a desfamiliarizao). Tendo chegado a esse ponto, finalmente, alcanamos xito? Encontramos na literariedade uma condio necessria e suficiente da literatura? Podemos nos deter aqui?

    Afastemos, antes de tudo, esta primeira objeo: como no existem elementos lingsticos exclusivamente literrios, a literariedade no pode distinguir um uso literrio de um uso no literrio da linguagem. O mal-entendido vem, em grande parte, do novo nome que Jakobson, bem mais tarde, no seu clebre artigo "Linguistique et Potique" [Lingstica e Potica] (1960), deu literariedade. Ele, ento, denominou "potica" uma das seis funes que distinguia no ato de comunicao (funes expressiva, potica, conativa, referencial, metalin-gstica e ftica), como se a literatura (o texto potico) abo-lisse as cinco outras funes, e deixou fora do jogo os cinco elementos aos quais elas eram geralmente ligadas (o locutor, o destinatrio, o referente, o cdigo e o contato), para insistir unicamente na mensagem em si mesma. Tal como em seus artigos mais antigos, "La Nouvelle Posie Russe" [A Nova Poesia Russa] (1919) e "La Dominante" [A Dominante] (1935), Jakobson esclarecia, entretanto, que, se a funo potica dominante no texto literrio, as outras funes no so, contudo, eliminadas. Mas, desde 1919, Jakobson afirmava ao mesmo tempo que, em poesia, "a funo comunicativa [, . .1 reduzida ao mnimo", e que "a poesia a linguagem na sua funo esttica", como se as outras funes pudessem ser esqueciclas.12 A literariedade (a desfamiliarizao) no resulta da utilizao de elementos lingsticos prprios, mas de uma organizao diferente (por exemplo, mais densa, mais coerente , mais com-plexa) dos mesmos materiais lingsticos cotidianos. Em outras palavras, no a metfora em si que faria a literariedade de um

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    dive rsas novas crti cas, n ~o SO Il Il' nI L' po rqu L: s imbo li z:lv:1 ( humanismo e o individualismo qu c a Il!o ria lite r ria qu c ri a eliminar dos estudos literrios, mas tambm porque sua proble-mtica arrastava consigo todos os outros anticonce itos da teoria literria. Assim, a importncia atribuda s qualidades especiais do texto literrio (a literariedade) inversamente proporcional ao atribuda inteno do autor. Os proce-dimentos que insistem nessas qualidades especiais conferem um papel contingente ao autor, como os formalistas russos e os New Critics americanos, que eliminaram o autor para asse-gurar a independncia dos estudos literrios em relao histria e psicologia. Inversamente, para as abordagens que fazem do autor um ponto de referncia central, mesmo que variem o grau de conscincia intencional (de premeditao) que governa o texto, e a maneira de explicitar essa conscincia (alienada) - individual para os freudianos, coletiva para os marxistas -, o texto no mais que um veculo para chegar-se ao autor. Falar da inteno do autor e da controvrsia da qual nunca deixou de ser o objeto antecipar em muito as outras noes que sero examinadas em seguida.

    No vejo melhor iniciao a esse delicado debate do que apresentar alguns textos guias . Citarei trs. O prlogo bem conhecido de Gargntua, no qual Rabelais parece primeiro nos encorajar a procurar o sentido oculto (o "mais alto sen-tido", altior sensus) de seu livro, segundo a antiga doutrina da alegoria, depois zombar dos que acreditam nesse mtodo medieval que permitiu decifrar sentidos cristos em Homero, Virglio e Ovdio - a menos que Rabelais remeta o leitor sua prpria responsabilidade por suas interpretaes, even-tualmente subversivas, do livro que tem em mos. Nem sempre houve acordo sobre a inteno desse texto capital sobre a inteno, prova de que a questo sem sada . Em seguida, o Contre Sainte-Beuve [Contra Sainte-BeuveJ, de Proust, porque esse ttulo deu seu nome moderno ao problema da inteno na Frana: nele Proust defende a tese, contra Sa inte-Beuve, que a biografia, o "retrato literrio", no expli ca a o bra, que o produto de um outro eu que no o eu social, de um eu profundo irredutvel a uma inteno consciente. Ve re mos, n Captulo IV, sobre o leitor, que as teses de Proust abalariam

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    hist l'ia lit e..; r: rl :d t: os 11IO t! V llll llj (. 1 II II V. I \' llt il':I) 1l 0 S . ill W sessenta. Fo uc:.lLIlt pro nuncio u UH!.I l '() I\I'(.' I'l' 11 CI:1 l't.: 1l:l> n: , L' I\\ 1969, intitulada "Qu 'Est-ce qu 'un AlIt L' lIl'r" 10 qu e I": UI\\ Aut o r?l, e Barthes havia publicado, em 1968, um anigo cujo ttulo bOI11-bstico, "La Mort de L'Auteur" [A Morte do Autor), to rno u-se , aos olhos de seus partidrios, assim como de seus adve rs rios, o slogan anti-humanista da cincia do texto. Todas as noes literrias tradicionais podem, alis, ser remetidas noo de inteno do autor, ou dela se deduzirem. Assim tambm, todos os anticonceitos da teoria podem partir da morte do autor. Afirmava Barthes:

    o autor um personagem moderno, produto, sem dvida , da nossa sociedade, na medida em que, ao sair da Idade Mdia , com o empirismo ingls, racionalismo francs, e a f pessoal da Reforma , ela descobriu o prestgio do indivduo, ou como se diz mais nobremente, da "pessoa humana".'

    Esse era o ponto de partida da nova crtica: o autor no era seno o burgus, a encarnao da quintessncia da ideologia capitalista. Em torno dele se organizam, segundo Barthes, os manuais de histria literria e todo o ensino da literatura: "A explicao da obra sempre procurada do lado de quem a produziu" , 2 como se, de uma maneira ou de outra , a obra fosse uma confisso , no podendo representar outra coisa que no a confidncia.

    Ao autor como princpio produtor e explicativo da litera-tura, Barthes substitui a linguagem, impessoal e annima, pouco a pouco reivindicada como matria exclusiva da litera-tura por Mallarm, Valry, Proust, pelo surrealismo, e, enfim, pela lingstica, para a qual "o autor nunca mais que aquele que escreve, assim como eu no outro seno o que diz eu";3 assim como Mallarm j pedia "o desaparecimento elocutrio do poeta, que cede a iniciativa s palavras".4 Nessa compa-rao entre o autor e o pronome da primeira pessoa reconhe-ce-se a reflexo de mile Benveniste sobre "La Nature des Pronoms" [A Natureza dos Pronomes] (956), que teve uma grande influncia sobre a nova crtica. O autor cede, pois, o lugar principal escritura, ao texto, ou ainda , ao "escriptor", que no jamais seno um "sujeito" no sentido gramatical ou lingstico, um ser de papel, no uma "pessoa" no sentido

    50

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    Para que a ps-teoria no seja um retorno pr-teoria, preciso tambm sair da especularidade da nova crtica e da histria literria que marcaram essa controvrsia, e permi-tiram reduzir o autor a um princpio de causalidade e a um testa-de-ferro, antes de elimin-lo. Liberado desse confronto mgico e um pouco ilusrio, parece mais difcil guardar o autor numa loja de accessrios. Do outro lado da inteno do autor h , na verdade, a inteno. Se possvel que o autor seja um personagem moderno, no sentido sociolgico, o problema da inteno do autor no data do racionalismo, do empirismo e do capitalismo . Ele muito antigo, sempre esteve presente, e no facilmente solucionvel. No topos da morte do autor, confunde-se o autor biogrfico ou socio-lgico , significando um lugar no cnone histrico, com o autor, no sentido hermenutico de sua inteno, ou intencio-nalidade, como critrio da interpretao: a "funo do autor" de Foucault simboliza com perfeio essa reduo.

    Depois de termos lembrado como a retrica tratava a inten-o, veremos que essa questo foi profundamente renovada pela fenomenologia e pela hermenutica. Se h uma tal conso-nncia na crtica dos anos sessenta sobre o tema da morte do a~tor, ela no seria o resultado da transposio do problema hermenutico da inteno e do sentido, nos termos muito simplificados e mais facilmente negociveis, da histria literria?

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    () d vh:lk so hrc a inLe n:'io do auLo r - sobre o autor " IIl II I;IIlI O Illt c ns:ao - muito antigo, bem anterior aos tempos 1111 Hlvl'll ()s . N ~l o sabe mos bem, alis, se poderia ser de outra Ill i 1/1 :1. Atu :i1m e ntc , te nde-se a reduzir a reflexo sobre a

    I II V II ~':l () ~ Lese do dualismo do pensamento e da linguagem, fi\ l!' do min o u po r muito tempo a filosofia ocidental. Na ver-dnde.: , :1 lese dua li sta d um peso ao intencionalismo, mas a i! vl)j'Ir"IC ia contempornea de dualismo nem por isso resolve I) pro ble ma da inteno . O mito da inveno da escritura no I ,'('dro, de Plato, bem conhecido: Plato afirma que a escri-1\ II'a e1istante ela palavra como a palavra (logos) distante I() pe nsamento ( dianoia) . Na Potica de Aristteles, a duali-1:I

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    Santo Agostinho repetir essa diferena de tipo jurdico entre o que querem dizer as palavras que um autor utiliza para exprimir uma inteno, isto , a significao semntica, e o que o autor quer dizer utilizando essas palavras, isto , a inteno dianotica. Na distino entre o aspecto lingstico e o aspecto psicolgico da comunicao, sua preferncia recai, conforme todos os tratados de retrica da Antigidade, na inteno, privilegiando assim a voluntas de um autor, por oposio ao scriptum do texto. Em A Doutrina Crist O, XIII, 12) Agostinho aponta o erro interpretativo que consiste em preferir o scriptum voluntas, sendo sua relao anloga da alma (animus), ou do esprito (spiritus), e do corpo do qual so prisioneiros . A deciso de fazer depender herme-neuticamente o sentido da inteno no , pois, em Santo Agostinho, seno um caso particular de uma tica subordi-nando o corpo e a carne ao esprito ou alma (se o corpo cristo deve ser respeitado e amado, no por ele mesmo) . Agostinho toma o partido da leitura espiritual do texto, contra a leitura carnal ou corporal, e identifica o corpo com a letra do texto, a leitura carnal com a da letra. Entretanto, assim como o corpo merece respeito, a letra do texto deve ser preser-vada, no por si mesma, mas como ponto de partida da inter-pretao espiritual.

    A distino entre a interpretao segundo a carne e a inter-pretao segundo o esprito no prpria de Agostinho, que assumiu o binmio paulino da letra e do esprito - a letra mata, mas o esprito vivifica -, que de origem e de natureza no estilsticas, mas jurdicas, como na tradio retrica. So Paulo no faz seno substituir o par retrico grego rheton e dianoia, equivalente do par latino scriptum e voluntas, pelo par gramma e pneu ma, ou letra e esprito, mais familiar aos judeus aos quais se dirige. 9 Mas a distino entre a letra e o esprito, em So Paulo, ou ainda entre a interpretao corporal e a interpretao espiritual, em Santo Agostinho, que tendemos

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    Tendo perdido de vista :IS I1U :ln lS da :lntig:1 n.; l ri c l, tendemos, na interpretao das dificuldades dos textos, ~I reduzir o problema da inteno ao do estilo. Ora, essa confuso no o que chamamos tradicionalmente de alegoria? A interpre-tao alegrica procura compreender a inteno oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras. Os tratados de ret-rica, de Ccero a Quintiliano, no sabiam nunca onde colocar a alegoria. Ao mesmo tempo figura de pensamento e tropo, mas tropo em muitas palavras (metfora prolongada segundo a definio habitual), ela equvoca, como se flutuasse entre a primeira parte da retrica, a inventio, remetendo a uma questo de inteno, e a terceira parte, a elocutio, remetendo a um problema de estilo. A alegoria, por intermdio da qual toda a Idade Mdia pensou a questo da inteno, repousa, na realidade, na superposio de dois pares (e de dois prin-cpios de interpretao) teoricamente distintos, um jurdico e outro estilstico.

    A alegoria, no sentido hermenutico tradicional, um mtodo de interpretao dos textos, a maneira de continuar a explicar um texto, uma vez que est separado de seu contexto original e que a inteno do seu autor no mais reconhecvel, se que ela j o foi. 'O Entre os gregos, a alegoria tinha por nome hyponoia, considerada como o sentido oculto ou subter-rneo, percebido em Homero, a partir do sculo VI, para dar uma significao aceitvel quilo que se tornara estranho, e para desculpar o comportamento dos deuses, que parecia doravante escandaloso. A alegoria inventa um outro sentido, cosmolgico, psicomntico, aceitvel sob a letra do texto: ela sobrepe uma distino estilstica a uma distino jurdica. Trata-se de um modelo exegtico que serve para atualizar um texto do qual estamos distanciados pelo tempo ou pelos costumes (de qualquer forma, pela cultura). Ns nos reapro-priamos dele, emprestando-lhe um outro sentido, um sentido oculto, espiritual, figurativo , um sentido que nos convm atualmente. A norma da interpretao alegrica, que permite separar boas e ms interpretaes, no a inteno original, o decorum, a convenincia atual.

    A alegoria uma interpretao anacrnica do passado, uma leitura do antigo, segundo o modelo do novo, um ato

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    Restabelecer o "mundo" ao qual pertence, restitu ir o estado original que o criador tinha "em vista", executar a obra no seu estilo original, todos esses meios de reconstituio histri ca teriam, pois, a pretenso legtima de tornar compreensvel a ve rdadeira significao de uma obra de arte e proteg-Ia da incompreenso, e de uma atualizao falsa . L .. ] O saber hist-rico abre a possibilidade de restituir o que est perdido e de restaurar a tradio, na medida em que e le d vida ao ocasional e ao original. Todo esforo hermenutica consiste , pois, em reencontrar o "ponto de ancoragem" no esprito do artista, nico meio de tornar plenamente compreensvel a significao de uma obra de arte. ' 3

    Assim resumido, o pensamento de Schleiermacher representa a posio filolgica (ou antiterica) mais slicla, determinando rigorosamente a significao de uma obra pelas condies s quais ela respondeu em sua origem, e sua compreenso pela reconstruo de sua produo original. Segundo esse princpio, a histria pode, e deve, reconstituir o contexto original; a reconstruo da inteno do autor a condio necessria e suficiente da determinao do sentido da obra.

    Do ponto de vista do fillogo, um texto no pode querer dizer, ulteriormente, o que no podia querer dizer original-mente, Segundo o primeiro cnone imposto por Schleiermacher

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    se lhe ad e rem, que ne m o aul o r nc m os prime iros k:it o l'l,; s haviam previsto. Toda interpre ta o conlextual, de pende nl,~ de critrios relativos ao contexto onde ela ocorre , sem qu e seja possvel conhecer nem compreender um texto e m s i mesmo. Depois de Heidegger, extinguiu-se, pois, a h e rm e-nutica, segundo Schleiermacher. Toda interpretao e nto concebida como um dilogo entre passado e presente , ou uma dialtica da questo e da resposta. A distncia temporal entre o intrprete e o texto no precisa ser preenchida, nem para explicar nem para compreender, mas com o nome de fuso de horizontes torna-se um trao inelutvel e produtivo da interpretao: esta, como ato, por um lado, faz o intrprete ter conscincia de suas idias antecipadas, e por outro, preserva o passado no presente. A resposta que o texto oferece depende da questo que dirigimos de.nosso ponto de vista histrico, mas tambm de nossa faculdade de reconstruir a questo qual o texto responde, porque o texto dialoga igualnlente com sua prpria histria.

    O livro de Gadamer s foi traduzido em francs muito tarde, em 1976, e parcialmente. Tirando as conseqncias da meta-fsica de Heidegger para a interpretao dos textos, ele se . fazia contemporneo do debate francs sobre a literatura dos anos sessenta e setenta, tanto mais que terminava relacio-nando a hermenutica da questo e da resposta a uma con-cepo da linguagem como meio e interao, em oposio sua definio como instrumento servindo expresso de um querer-dizer anterior. At ento, a hermenutica fenomeno-lgica no havia considerado problemtica a linguagem, mas sustentava que uma significao, aqum da linguagem, se exprimia ou se refletia por si mesma. por isso que a noo husserliana de "querer-dizer" devia tornar-se cmplice do "logo-centrismo" da metafsica ocidental, e criticada por Derrida em La Voix et te Phenmene [A Voz e o Fenmeno], em 1967. No somente o sentido do texto no se esgota com a inteno nem se lhe equivale - no pode ser reduzido ao sentido que tem para o autor e seus contemporneos -, mas deve ainda incluir a histria de sua crtica por todos os leitores de todas as idades, sua recepo passada, presente e futura.

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    2. Pode-se procurar no texto aquil o q ue e le di z C0 111 rd ,'-rncia ao contexto contemporneo do le itor.

    Essas duas teses no so mutuamente excludentes mas, ao contrrio, complementares: elas nos conduzem a uma fo rma do crculo hermenutico, ligando pr-compreenso e compreenso , e postulam que, se o outro no pode ser integralmente desvendado, pode, ao menos, ser um pouco compreendido.

    Os argumentos habituais contra a inteno do autor, como critrio de validade da interpretao, so de duas ordens: 1. A inteno do autor no pertinente. 2. A obra sobrevive inteno do autor. Faamos um breve resumo desses argu-mentos antes de indagar como sua legitimidade pode ser colo-cada em dvida.

    1. Quando algum escreve um texto, tem certamente a inteno de exprimir alguma coisa, quer dizer alguma coisa atravs das palavras que escreve . Mas a relao entre uma seqncia de palavras escritas e aquilo que o autor queria dizer atravs dessa seqncia de palavras nada assegura em relao ao sentido de uma obra e quilo que o autor queria exprimir atravs dela. Embora a coincidncia seja possvel (enfim no proibido que o autor realize, algumas vezes, estritamente o que ele queria), no existe uma equao lgica necessria entre o sentido de uma obra e a inteno do autor. Essa a refutao mais freqente da noo de inteno entre os tericos (moderados) da literatura, como _We)lek e _Warren, .Northrop Frye, Gadamer, Szondi, Paul Rico:ur. No somente difcil reconstruir uma inteno do autor, como, supondo-se que ela seja detectvel, freqentemente no tem nenhuma pertinncia para a interpretao do texto. Wimsatt e Beardsley, em "Intentional Fallacy" [Iluso Intencional] (946), artigo fun-damental sobre o assunto, julgavam que a experincia do autor e sua inteno, objetos de interesse puramente histricos, eram indiferentes para a compreenso do sentido da obra: "o objetivo, ou inteno, do autor no est disponvel nem desejvel como norma para julgar o xito de uma obra de arte literria" .42 Com efeito, de duas uma: ou o autor fracassou em realizar suas intenes e o sentido de sua obra no coin-cide com elas: ento, seu testemunho sem importncia, uma

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    111 :11 11 :1 dli'i:rc l1 \,':1 c nLre a escri tu ra e a pa lavr,\ segundo o IlI otlc lo do !'edro de Plato, onde o texto escrito descrito ' () 1I1 0 duas ve zes distante do pensamento. Jo texto escrito

    so brc viv e ~I sua e nunciao e no permite os reparos da COll1unicao que a palavra falada permite, do tipo: "No foi () que e u q uis dizer." Relacionando os dois argumentos antiin-Ic ncio nalistas, Gadamer sublinha que o escrito torna-se o )bje to por excelncia d a herme n utica, e m razo da auto-

    no mia de sua recepo e m relao sua e misso :

    o horizonte de sentido da compreenso no tem como limite nem aquilo que o auto r tinha em mente , primitivamente, nem o ho rizo nte do destinatrio, para quem o texto foi originalmente escrito. Numa primeira abordagem, isso pode parecer um cnone hermenutico sensato que , alis, geralmente admitido, ou se ja" nada ver em um texto seno aquilo que o autor ou o primeiro le itor podia m ter em mente. Mas essa regra s verdadeira-mente ap licvel em casos extremos. Isso porque os textos no pedem para serem compreendidos como expresses vivas da subje tividade do auto r ( ... l. O que est fixado por escrito desta-cou-se da contingncia de sua origem e de seu autor e liberou-se positivamente para contrair novas reaes.43

    A inte no, cnte no em suma ace itvel para a palavra e a comunicao orais , torna-se um conceito normativo demais e, alis, irrealista, no qu e concerne literatura ou tradio escrita em geral. Na palavra em s ituao, lembra Paul Ricceur, as ambigidades so suprimidas:

    A inteno subjetiva do sujeito que fal a e a significao de seu discurso se recobrem mutuamente, de tal maneira que a mesma coisa compreender o que o autor quer dizer e aquilo que seu discurso quer dizer ( .. . l. Com o discurso escrito , a inteno do autor e a do seu texto cessam de coincidir (' .. l. No que possamos conceber um texto sem autor: o elo entre o locutor e o discurso no abolido, mas distanciado e complicado (. .. 1; o percurso do texto escapa ao horizonte finito vivido pelo seu autor. Aquilo que o texto diz importa mais do que aquilo que o autor quis dizer. 44

    Gadamer e Ricceur formulam o problema da maneira mais liberal possvel, como se no tomassem partido. Assim fazendo,

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    Desde Frege, os filsofos da linguagem fazem uma distino entre o sentido de uma expresso (Sinn) e sua denotac7.o ou referncia (Bedeutung): "estrela da manh" e "estrela ela tarele" designam o mesmo planeta (Vnus), mas de eluas maneiras distintas (com dois sentidos); a proposio "o rei da Frana calvo" (exemplo de Russell) tem um sentido (ela bem formu-lada), mas no contm uma denotao, porque h muito tempo no existem mais reis na Frana e, assim, ela no falsa nem verdadeira. A fim de refutar a tese antiintencionalista, o terico americano de literatura, E. D. Hirsch estendeu essa distino ao texto, ao separar seu sentido (meaning) e sua significao (significance) ou sua aplicao (using) (Hirsch, 1967 e 1976). Contentemo-nos em nomear esses dois aspectos de uma expresso ou de um texto como sentido e significao, como Montaigne que assim falava dos poemas: "Eles significam mais do que dizem." O sentido, segundo Hirsch, designa aquilo que permanece estvel na recepo de um texto; ele responde questo: "O que quer dizer este texto?" A significao designa o que muda na recepo de um texto: ela responde questo: "Que valor tem este texto?" O sentido singular; a significao, que coloca o sentido em relao a uma situao, varivel, plural, aberta e, talvez, infinita. Quando lemos um texto, seja ele contemporneo ou antigo, ligamos seu sentido nossa experincia, damos-lhe um valor fora de seu contexto de origem. O sentido o objeto da interpretao do texto; a significac7.o o objeto da aplicac7.o do texto ao contexto de sua recepo (primeira ou ulterior) e, portanto, de sua avaliao.

    Essa distino entre sentido e significao ou entre inter-pretao e avaliao, como em Frege, excessivamente lgica ou analtica: ela marca a prioridade lgica do sentido em relao significao, da interpretao em relao avaliao. Ela no designa, de forma alguma, uma prioridade cronolgica nem psicolgica, porque, quando lemos, baseamos nossas interpretaes em avaliaes (as pr-compreenses da feno-menologia), atingimos o sentido por intermdio da significao, embora nem sempre aceitemos que nossas avaliaes sejam

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  • :Xl' 1l1plo , COlllO 1 )cI'I'I( infinitamente) mais particular, e que no so intencionais no sentido de premeditadas . Entretanto, no porque o autor

    n~I O pensou nisso que isso no seja o que ele queria dizer (o que 'le tinha, longinquamente, em pensamento). A significao

    realizada , apesar disso, intencional em sua inteireza, uma vez que ela acompanha um ato ilocutrio que intencional.

    A inteno do autor no se reduz, pois, a um projeto nem :l uma premeditao integralmente consciente ("a inteno clara e lcida" de Picard). A arte uma atividade intencional (no ready-made s permanece a inteno de fazer do objeto um objeto esttico), mas existem numerosas atividades intencionais que no so nem premeditadas nem conscientes. Escrever, se se permite a comparao, no como jogar xadrez, atividade em que todos os movimentos so calculados; mais como jogar tnis, um esporte . no qual o detalhe dos movi-mentos imprevisvel, mas no qual a inteno principal no menos firme: remeter a bola para o outro lado da rede, de maneira que torne mais difcil para o adversrio, por sua vez, devolv-la. A inteno do autor no implica uma conscincia de todos os detalhes que a escritura realiza, nem constitui um acontecimento separado que precederia ou acompanharia a performance, conforme a dualidade falaciosa do pensamento e da linguagem. Ter a inteno de fazer alguma coisa -devolver a bola para o outro lado da rede, ou compor versos - no exige conscincia nem projeto. John Searle comparava a escritura ao caminhar: mover as pernas, levantar os ps, tensionar os msculos, o conjunto dessas aes no preme-ditado mas, por outro lado, elas no se fazem sem inteno: no temos, pois, a inteno de realiz-las quando andamos; nossa inteno de caminhar contm o conjunto de detalhes que o caminhar implica. Como Searle, polemizando com Derrida, lembrava:

    91

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    Em outras palavras, a tese antiintencionalista se base ia numa concepo simplista da inteno. "Intentar dizer alguma coisa", "querer dizer alguma coisa", "dizer alguma coisa intencionalmente" no "premeditar dizer alguma coisa", "dizer alguma coisa com premeditao". Os detalhes do poema no so projetados, no mais que todos os gestos do caminhar, e o poeta ao escrever no pensa nas implicaes das palavras, mas no resulta da que esses detalhes no sejam intencionais, nem que o poeta no quisesse certos sentidos associados s palavras em questo.

    Proust, quando contestava que o eu biogrfico e social estivesse no princpio da criao esttica, longe de eliminar toda inteno, substitua a inteno superficial e confirmada pela vida, por uma outra profunda, da qual a obra era melhor testemunho que o curriculum vitae, mas a inteno penna-necia no centro. A inteno no se limita quilo que o autor se propusera escrever - por exemplo, uma declarao de intenes - nem tampouco s motivaes que o incitaram a escrever, como o desejo de conquistar a glria ou o desejo de ganhar dinheiro nem, enfim, coerncia textual de uma obra. A inteno, numa sucesso de palavras escritas por um autor aquilo que ele queria dizer atravs das palavras utilizadas. A inteno do autor que escreveu uma obra logicamente equivalente quilo que ele queria dizer pelos enunciados que constituem o texto. E seus projetos, suas motivaes, a coe-rncia do texto para uma dada interpretao so, afinal de contas, indicadores dessa inteno.

    Assim, para muitos filsofos contemporneos, no cabe distinguir inteno do autor e sentido das palavras . O que interpretamos quando lemos um texto , indiferentemente, tanto o sentido das palavras quanto a inteno do autor. Quando se comea a distingui-los, cai-se na casustica. Mas isso no implica a volta ao homem e obra, uma vez que a inteno no o objetivo e sim o sentido intentado.

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  • I' u o III

    o MUNDO

    I lo ' I'1i I. tI :I :1 lit el':IIUl'a? A mtmests, desde a Potica de 1I ,11 1" '1, d () tv l'mo mais geral e corrente sob o qual se

    I I fi 1.1111 ,I," I'V l:i es entre a literatura e a realidade. Na 1111111 1111. 11 () !>r:1 de Eri ch Auerbach, Mimesis. La Reprsen-li l/ ,I" l" I\'('(/fll (~ dalls ta Littmture Occidentale [Mimese. A

    1i! !il'Ij II I,H,,"10 d:1 Ika lidade na Literatura Ocidental] (946), lili,1 11 ,11) \"1":1 questionada. Auerbach traava o panorama

    I dll ~~t () d :1 lit eratura compreendendo niuitos milnios, ! 1,! lll l) lIl !I Virg inia Woolf. Mas a mimesis foi questionada

    111 1"111'1,1 111l'i"(j ri:1 que insistiu na autonomia da literatura I1 111, ;\t 1 :1 I' l ' : i1 idade, ao referente, ao mundo, e defendeu

    .111 I li l lllado da forma sobre o fundo, da expresso sobre lIlll IlellI , do significante sobre o significado, da significao

    111 (1 II 1I' l l rvs

  • M:I:-' "111 :10 , IH) I 1111( ' Iv lil Wlt l'I ' l i l ~ ' 1; 1" ' 11' 11 , 1,111 d,l 111 " 1.11111 :' :1 'I ~I Il1l:Snl :l. O IllUIH.lO dos Il vllllI 1I111li l.' I'UlI CO lllp'vI :IIIl('III V ()

    o utro mundo , e n~o samos I1UI H':1 da " 1~lhll () I (':C: 1 t i(.: IbI H.: I", recolhida nas Fices de J3o rgcs, li vro L' ullO dos an os tc6 rltos que Foucault comentava na abe rlu ra de As Palavrcls e as Cuisas (1966), e Gilles Deleuze em Dif.frence et Rptition [Dife re na e Repetio] (1968) .

    Os desenvolvimentos da teoria literria, observa Philippe Hamon, levaram o problema da representao, da referncia ou da mimesis a "juntar-se, numa espcie de purgatrio crtico", 2 s outras questes que a teoria bania, como a inteno ou o estilo. Essas questes tabus, como j disse, renasceram todas de suas cinzas, to logo a teoria foi retirada, a tal ponto que logo, se prestamos ateno, ser preciso lembrar que a literatura fala tambm da literatura. Depois do autor e de sua inteno, devemos deter-nos nas relaes entre a literatura e o mundo.

    Uma srie de termos coloca, sem nunca resolv-lo inteira-mente, o problema da relao entre o texto e a realidade, ou entre o texto e o mundo: mimesis, evidentemente, termo aristo-tlico traduzido por "imitao" ou "representao" (a escolha de um ou outro em si uma opo terica), "verossimilhana", "fico", "iluso", ou mesmo "mentira", e, claro, "realiS1TIO", "referente" ou "referncia", "descrio". Basta enumer-los para sugerir a extenso das dificuldades. H tambm os adgios, como o clebre ut pictura, poesis, de Horcio ("como a pintura, a poesia", Arte Potica, v.361), ou este outro famoso "a momen-tnea suspenso voluntria da incredulidade", que identifi-cado geralmente ao contrato realista ligando autor e leitor, mesmo que se trate da iluso potica proporcionada pela imaginao romntica que Coleridge descrevia nestes termos: willling suspension of disbelief for the moment, which constitutes po"tic faith .3 Enfim, noes rivais devero igualmente ser examinadas, como as de "dialogismo" ou de "intertextualidade", que substituem realidade, enquanto referente da literatura, a prpria literatura.

    r Um paradoxo mostra a extenso do problema. Em Plato, I na Repblica, a mimesis subversiva, ela pe em perigo a unio social" e os poetas devem ser expulsos da Cidade em razo de sua influncia nefasta sobre a educao dos "guar-dies". No outro extremo, para Barthes, a mimesis repressiva,

    98

    11.1 I I I 11 ti 11 Ii t .t '-' I II~' II ~.(I\ ' l:i l , pUI 1':1 1.11 1I )',:ld:1 ~ Itk o logl:1 (:1 IrI,I" !) d.1 \111 ,11 ,:1;1 I' 11 1:-. tl'llll1 c.: nt o . Sllhvl' rs iva o u re pr

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    A MIMESIS DESNATURALIZADA

    Se a mimesis, a representao, a referncia figuraram entre as ovelhas negras da teoria literria, ou se a teoria literria as baniu e transformou-as num impasse, resta compreender como ela pde ao mesmo tempo reivindicar sua filia o pro-funda Potica de Aristteles, cuja mimesis , entretanto, o conceito capital para a prpria definio da literatu ra . Foi a partir da que se disseminou a idia corrente, at as teorias do sculo XX, sobre a arte e a literatura como imitao da natureza. Ora, a teoria literria reivindica a herana aristot-lica e, entretanto, exclui essa questo fundamental desde Aristteles. Isso deve ser o resultado de uma mudana no sentido do termo mimess, cujo critrio , em Aristteles, a verossimilhana em relao ao sentido natural (eikos, o pos-svel), enquanto nos poticos modernos ela se tornou a veros-similhana em relao ao sentido cultural (doxa, a opinio). A reinterpretao de Aristteles era indispensvel para promo-ver uma potica anti-referencial que pudesse apoiar-se na dele.

    102

    Nu Il vllI III 11.1 NI '/III/III!fI , 1'1. 11. 111 , 11' lIlhl'uoo SLl cl lll :l lll \.: llI C, tll rlll ll }\ II I.I , l\ll 11"1' I l( ' I'VI'\.: I'

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    CCap. lI); e m outras palavras, b :ISI!l (l /)se rv: lr qu e :1 lIillI/( ls ls aristotlica conserva um elo f'o r! I () I\ ' I\ '~I, til ' UIIl ':Il! O, po r ( ;t..: t1 t..: ll t..: , "'I ItI , 11\ IV (' :1 1\ 'v \" /1.1 " (lI' I/tl"C,

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    VI,: r'W IS (1l 111 ( ((rll/l/ t llf/ t'/~I()/(( ) Ih ) 11" 1' I' 1'1 I/,II / V, ,I III !III 1I ,l u 1)(' 1", 11.1 sivo ( dIIlICl/tI CljJlIb t lll t l) " (I ~ ((h 1.1>, (' lIi :d ... adl:illi l.' :d'll'lll :IV:I: "Um impossvel pe rsuas ivo (pf/t ll/ o /l "dl/lIC1/0 1l ) ( prt.: f'\,; I' (vt, 1 ao no-persuasivo, ainda qu e possvt.:1 (tljJilhal/ o l/. dl/I/Ci/Oll ) " (1461b 11). Desse modo, a antonmia de eikos (o ve rossmil ) torna-se apithanon (o no-persuasivo), e a mimesis e nCO nLra-s" nitidamente reorientada para a retrica e a doxa, a opinio . O verossmil, como insistiro os tericos, no , pois, aquil o que pode ocorrer na ordem do possvel, mas o que aceitve l pela opinio comum, o que endoxal e no paradoxal, o que corresponde ao cdigo e s normas do consenso social. Essa leitura do eikos da Potica como sinnimo da doxa, como sistema de convenes e expectativas antropolgicas e socio-lgicas, enfim, como ideologia decidindo sobre o normal e o anormal, se ela afasta mais a mimesis da realidade para ver nela um cdigo, ou mesmo uma censura, no inteiramente sem fundamento. Afinal de contas, na idade clssica, o veros-smil era comprometido com as convenincias, como cons-cincia coletiva do decorum, ou daquilo que era conveniente, e dependia explicitamente de uma norma social.

    o REALISMO: R;EFLEXO OU CONVENO

    A teoria literria - acabamos de constatar, mais uma vez, pela releitura da Potica - inseparvel de uma crtica da ideologia, que teria como propriedade a certeza, isto , ser natural, ao passo que, na verdade, cultural ( o tema de uma boa parte da obra de Barthes). A mimesis faz passar a conveno por natureza. Pretensa imitao da realidade, tendendo a ocultar o QQj~to-iTIfitr1te em pr

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    A obra de Bakhtine, conlrapO/lt!o Se :IOS fo rmalisl:IS I'USSOS, depois franceses, que fechava 111 a o bra el11 suas

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    Christopher Prende rgasl., I1UII\ : \ inl (! ('(.:ssanl l! o bra sohn,: :1 mimesis (The Order of Mimesis lA Ord l! 111 da Miml!se.! , 19H), assinala, entretanto, as aporias desse ataque barthesiano conlJ':\ a mimesis. Em primeiro lugar, Barthes nega que a ling uage m em geral tenha uma relao referencial com o mundo. Mas S" o que ele diz verdadeiro, se ele pode denunciar a ilusi' o referencial, se pode, pois, enunciar a verdade da iluso refe-rencial que, ento, apesar de tudo, h uma maneira de falar da realidade e de se referir a alguma coisa que existe, o que significa que nem sempre a linguagem completamente inade-quada. 26 No fcil eliminar totalmente a referncia, pois ela intervm exatamente no momento em que negada, como a prpria condio dessa negao. Quem diz iluso diz reali-dade, em nome da qual se denuncia essa iluso. Nesse jogo gira-se no mesmo lugar. por isso que Montaigne, confron-tando-se ao mesmo problema do ceticismo integral, isto , ao da fratura entre a linguagem e o ser, contentava-se com uma questo que interrompia o giro mecnico: "O que sei eu?", isto , eu s sei que no sei verdadeiramente. Mas Banhes queria mais, queria que eu no soubesse nada.

    Em suma, a explicao de Barthes sobre o funcionamento desses elementos insignificantes , em si mesma, muito curiosa. Prendergast assinala que a dramatizao retrica a que se entrega Barthes, recorrendo a metforas (cumplicidade do signo com o referente, expulso do significado) e a personi-ficaes ("somos o real") leva o leitor a aceitar uma teoria da referncia das mais sumrias e exageradas. A personifi-cao flagrante: a linguagem personificada para negar que ela mesma seja linguagem. Graas a essas figuras, Baithes ilustra uma espcie de prestidigitao pela qual as palavras desaparecen1, dando ao leitor a iluso de que ele no est diante da linguagem, mas da prpria realidade ("somos o real"). O signo se apaga diante (ou atrs) do referente para criar o efeito de real: a iluso da presena do objeto. O leitor acredita que est lidando com as prprias coisas: vtima da iluso, ele est como que encantado ou alucinado. 27

    Assim, Barthes, para afirmar que a linguagem no refe-rencial e o romance no realista, defende uma teoria da

    118

    (( ' lh !' 1I1 1.1 iI ~ IllI lilfl dl"W'I\'d ll:I(i :I, Ij\II H)I \l lo qu v pe l:i ClllllfJl! ( Idf/tll' do :,IJl II I I (I I1II (I I vI'(.; r

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    1 111 l'rrOmpid ~ 1. Na L'xperincia dL' OmhrL'd ~lI1 e, como 11 :1 hisl rb do bombeiro da Filadlfia, es tam os diante do C:ISO L'X lrL' mo k indivduos para os quais fico e realidade so uma co isa

    s, porque no foram iniciados imagem, ao s igno, ~l re pre-sL' l1la o, ao mundo da fico, Mas basta ler dois romances , VL' r d o is filmes, ir duas vezes ao teatro, para no sermos mais vl imas da alucinao, tal como Barthes a descreve com a fina -I i

  • (l U 111 (.,1 11 (l 1', til' \1111 ;1 {'VIL\ 1111 1' 1 111 I!I ,11".1\ 1 d ,' ,' tlLI 1111 )11)1 .'1 111 ,':1, Anl es tk: l'I..: pt:I1S: lr de m:ln vl l.l 111 \' II Wl 11I :lllIqu I:141:1 :I I'v l.l ~' i1 () entre literatura e realidade, (- pl'~'d l' () ve rli'i C: 11' s\,; el':-; :I 1111)\1\ 11 tica implicava necessariame nl \,; a Il eg:lflo d:\ re l'e rnci :1. 11111 curioso paradoxo resulta, em todo caso, da coincidncia d
  • I H 1 i\1 ~ 1i1 tl; III I
  • 1111111.1111 11,111,1 I ' , '/ i/i: , 111 ( '1 :"/ 11 pl/ill. III "111 ==, d I) 11111 ,11 ' 1/ ,11 .11 11'1 ' 1111 ,1 dI ' plllld""I , III %: I ~' :'1 1J I/n If!lH";! 111 vl':'ir I:1 , dv 11111 ,1 ( '1) 11 n ,l I H,,' : I III ()( 'VIII V, 111 ."' II'lI/II I.' III ,I/ d i:.: .I"HI/ :I/ldO, s (' qll l.'iI' IIII O,'l, 1 t'il ll/ ' : I/II C Il/ ~ , illl~: I'l':SSCS Ol>jvl/ VWi, ('O Ill O St: di z i:1 nUIll :1 ('t' I'I:1 l' PO(':1 n:1 rt: prt:.K!nt:l r:IO do 1'1.:: 11 t: na inLuiiio do st: f1lid o, a UIll :1 s Ll Sp t: i(:iio abso luta da lng ua t: do cli.sc urso , a po nl o dI: :x cluir loda representa o . No fundamento dess:1 passage m :nconlram os ainda Saussure, isto , a dominncia do bin:l-

    l'i s ll1o , de um pensamento dicotmico e manique sta , tud o o u 1l:ld:I, o u a lngua transparente ou a lngua desptica, o u ela -: inl e irame nte boa ou ela inteiramente m . "As coisas n o s ig nifi cam mais ou menos, elas significam ou no significam", k c re tava I3arthes na poca de Sobre Racine,37 confundindo

    ling ua gem e tragdia: "A diviso raciniana rigorosamente bin: ri:l , o possvel no nunca outra coisa seno o contrriO. ".~H Ass illl como a ciso trgica, segundo Barthes, a lngua e a 111t: r:llul'a no so do domnio do mais ou menos, mas do IlIdo o u nada: um cdigo no mais ou menos referencial, o 1'() IlI :ln c(! realista no mais realista que o romance pastoral, :lss ill1 como diferentes perspectivas, em pintura, por serem '1:ls I:llnb m convenes, no so mais ou menos naturais .

    ,01110 sempre reinou nessa discusso, pelo menos desde o :11'1 igo inaugural de ]akobson, "Do RealiSl110 em Arte" (1921), 11111:1 ce rta confuso entre a referncia na lngua e a escola rL: t1i s la e m literatura, identificada ao romance burgus, no possve l ignorar o contexto histrico no qual a tese da arbitra-ri (!dade da lngua foi recebida. Assim, reintroduzir a realidade : 111 literatura , uma vez mais, sair da lgica binria, violenta,

    disjuntiva, onde se fecham os literatos - ou a literatura fala do mundo, ou ento a literatura fala da literatura _, e voltar :10 regime do mais ou menos, da ponderao, do aproxima-damente: o fato de a literatura falar da literatura no impede que ela fale tambm do mundo. Afinal de contas, se o ser humano desenvolveu suas faculdades de linguagem, para tratar de coisas que no so da ordem da linguagem.

    A MIMESIS COMO RECONHECIMENTO

    Os partidrios da mimesls) apoiando-se tradicionalmente na Potica de Aristteles, diziam que a literatura imitava o

    126

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    ou () vc rossrn il do episdi co .""\ Ass int , a mimesis, imitao ou represe nta o de :1\O I.:S

    (1// ll/ esis praxeos), mas tambm agenCiamento dos fa lOS, 6 ~ X: II : llllcnte o contrrio do "decalque do real preexistente" : :1:1 e:t imi ta o criador '. No "duplicao da presena ", "mas inc isqm:-ahl:e-O!t pao da fico; ela instaura a literarie-I:Id

  • iCdll Ullld l.l Il l l Idt : lllllk :I \.' flt) 1111 111' I ti l) 1I; 1 : \I I"II ~ ll lll l' llI t) 11 ;1 111 11'11\:1 \' 1't )l :1 d :1 1IIItl l ', :I,

    l\vll :llld() vSSt l': IIIt1nho, sul ,llltll ,III(/ :1 IlllpOl'l nl1 d :1 pl'illl () I' 11:11 (/ :1 (/l/fI, I1. I/rsis n:1 ! )()('II(.'(/ , '1'l' rl' II l'(.,: Ca ve ~S(' \'("; V~: lI so hre .... S: I l1 o lo um livro t:lo ri co qU :lnl o :1 Mimesis de LH,.; r/) :ll'Il

    ( N('cog l/illol/s: 11 Slltdy in Poelics lReconheci mentos: um Esludo "ob re f> o li ca], 1988). O valor heurstico ela mimesis ~lind : 1 a :Ic

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  • Na ma/Ida ele, o co rtt e LI(.! u , li l 'lllldo , () 1\ ::11 IHlll r: 1 rO r:1111 to ta lme nte a lijados da leo ria Il tv l'(I I'i :1. ' I': ilvc z "f p()ss~lrn ()s dizer que a negao da refe r nc ia o hse rvada pe los te ri cos no tenha sido mais que um libi para poder continuar fal ando do realismo, no da poesia pura, no do romance puro, apesar de sua adeso formal ao movimento literrio modernista e vanguardista. Assim, a narratologia e a potica foram autori-zadas a continuar a ler verdadeiros bons romances, mas como se no tocassem neles, sem beber desse vinho, sem ser por eles enganados. O fim da representao teria sido um mito, pois cr-se num mito e ao mesmo tempo no se cr nele. Esse mito foi alimentado por algumas frases tiradas de Mallarm: "Tudo, no mundo, existe para culminar num livro", ou de Flaubert e de seu sonho de um "livro sobre nada". Paul de Man, como sempre o analista mais duro em relao aos encantos da teoria, observava, no entanto, que, mesmo em Mallarm, o real nunca est de todo ausente em substituio a uma lgica puramente alegrica . Se Mallarm postula um limite no refe-rencial para a poesia e tende de fato a reduzir o papel da referncia em poesia, sua obra no se situa porm nesse limite, que a tornaria afina l de contas intil , mas mais ou menos longe da assntota que a ela conduz. Mallarm, dizia ele, perma-nece um "poeta da representao", pois "a poesia no renuncia to facilmente e a to baixo custo sua funo mimtica [".1. "57 Mas ainda essa violenta lgica binria, terrorista, maniquesta, to a gosto dos literatos - fundo ou forma, descrio ou narrao, representao ou significao - que nos leva a alternativas dramticas e nos joga contra a parede e os moinhos de vento. Ao passo que a literatura o prprio entrelugar, a interface.

    138

  • /

    A. I' LI L o IV

    o lclTO~

    pois de "O que a literatura?", "Quem fala?", e "Sobre qu ?", a pergunta "Para quem?" parece inevitvel. Depois ela literatura, do autor e do mundo, o elemento literrio a ser :xaminado com maior urgncia o leitor. O crtico elo roman-

    ti smo M. H. Abrams descrevia a comunicao literria partindo do modelo elementar de um tringulo, cujo centro de gravidade e ra ocupado pela obra, e cujos trs pices correspondiam ao mundo, ao autor e ao leitor. A abordagem objetiva, ou formal, da literatura se interessa pela obra; a abordagem expressiva, pelo artista; a abordagem mimtica, pelo munclo; e a abordagem pragmtica, enfim, pelo pblico, pela audincia, pelos leitores. Os estudos literrios dedicam um lugar muito varivel ao leitor, mas, para que se veja com maior clareza, como acontece com o autor e com o mundo, no inoportuno partir novamente dos dois plos que renem as posies antitticas: de um lado, as abordagens que ignoram tudo do leitor, e do outro, as que o valorizam, ou at o colocam em primeiro plano na literatura, identificam a literatura sua leitura. Em relao ao leitor, as teses so to radicais quanto em relao inteno e referncia, e, naturalmente, elas no so independentes das precedentes . Meu procedimento consistir ainda uma vez em op-las, em critic-las e procurar uma sada para essa terceira alternativa em que nos fechamos.

    A LEITURA FORA DO JOGO

    Sem remontarmos a muito longe no tempo, a controvrsia sobre a leitura ops, por exemplo, o impressionismo e o posi-tivismo no final do sculo XIX. A crtica cientfica (Brunetiere), depois a histrica (Lanson) criara polmica contra o que ela chamava de crtica impressionista (Anatole France, sobretudo),

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