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Compêndio de produção do Grupo de Estudos e Pesquisa "Direito Processual e Acesso à Justiça"

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Compêndio de produção científica do Grupo de Estudos e Pesquisa "Direito Processual e Acesso à Justiça"

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COMPÊNDIO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO

GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA EM “DIREITO

PROCESSUAL ACESSO À JUSTIÇA”

2013-2014

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Tatiana Mareto da Silva

Tauã Lima Verdan Rangel

(Organizadores)

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Direito Processual e Acesso à Justiça 4

COMPÊNDIO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO GRUPO DE ESTUDO E

PESQUISA EM “DIREITO PROCESSUAL E ACESSO À JUSTIÇA”

Comissão Científica

Tatiana Mareto da Silva

Tauã Lima Verdan Rangel

Editoração, padronização e formatação de texto

Tatiana Mareto da Silva

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

Os autores

É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados.

Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

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Direito Processual e Acesso à Justiça 5

Í N D I C E

RESUMO EXPANDIDO p. 08 O DIREITO FRATERNO NO TRATAMENTO DO CONFLITO: A CONSTRUÇÃO

DA CULTURA DO DIÁLOGO COMO MECANISMO DE EMPODERAMENTO

LEGITIMIDADE DAS GRAVAÇÕES MIDIÁTICAS NO PROCESSO CIVIL: UMA

REFLEXÃO À LUZ DA TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENADOS

DIREITO FRATERNO: PATRONO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA

COMPOSIÇÃO DOS LITÍGIOS

A APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA NO

PROCESSO CIVIL

A APLICABILADADE DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO COMO

SOLUÇÃO DA MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO

A BOA FÉ OBJETIVA COMO REGRA GERAL DO DIREITO CIVIL EM PROL DA

JUSTIÇA COMETIDA AOS CONTRATOS

A MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA

CIDADANIA EM UM CENÁRIO JURÍDICO CAÓTICO

A TUTELA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR EM CONGRUÊNCIA ÀS

CONDICIONANTES PRINCÍPIOLÓGICAS SOCIAIS E ESTERTORES

INDIVIDUAIS DA DISSOLUÇÃO CONJUGAL

AFETIVIDADE NO PROCESSO DE FAMILIA

CONCILIAÇÃO COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS: A CULTURA DO

DIÁLOGO EM SEDE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS

CONCILIAÇÃO NA PAUTA DO DIA: O ABANDONO DA CULTURA

ADVERSARIAL EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE ACORDOS

DEMANDISMO JUDICIAL: O DESENFREADO ACESSO À JUSTIÇA E SUAS

CONSEQUÊNCIAS PARA O AUMENTO DA MOROSIDADE

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COMO GARANTIA REAL DE

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UMA EXECUÇÃO FISCAL

ESTUDOS E REFLEXÕES SOBRE A FRAUDE À EXECUÇÃO

LIAME ENTRE O DIREITO FRATERNO E A MEDIAÇÃO: EM BUSCA DE UM

PARADIGMA NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO

MUTIRÕES DE CONCILIAÇÃO EM PAUTA: A CONSTRUÇÃO DE ACORDOS

COMO ALTERNATIVA À MOROSIDADE PROCESSUAL

NOVOS HORIZONTES PROCESSUAIS: AVANÇO OU RETROCESSO COM A

INFORMATIZAÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS?

O DEVIDO PROCESSO LEGAL AO LONGO DA HISTÓRIA E SEU

NASCIMENTO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

O FENÔMENO DO ATIVISMO JUDICIAL BRASILEIRO: MOROSIDADE NA

PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL COMO BASTIÃO

ORIENTADOR DA APLICAÇÃO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS

OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL COMO

BUSCA POR UMA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL MAIS RÁPIDA E EFICAZ

PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE NO MICROSSISTEMA DO JUIZADO

ESPECIAL CÍVEL

ARTIGOS COMPLETOS p. 97 MEIOS ALTERNATIVOS AO JUDICIÁRIO E SUA EFICÁCIA PRÉ REFORMA

DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O CONTRADITÓRIO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL E O PRINCÍPIO

DA ORALIDADE

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O JUIZ LEIGO NO BRASIL E NO DIREITO

COMPARADO

A COMUNIDADE COMO LOCUS DE PROMOÇÃO DAS PRÁTICAS DE

MEDIAÇÃO: O EMPODERAMENTO DO INDIVÍDUO NO TRATAMENTO DE

CONFLITOS

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Direito Processual e Acesso à Justiça 7

O SISTEMA DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO BRASIL: OS DESAFIOS

DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TÁBUA

PRINCIPIOLÓGICA

A MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA

CIDADANIA EM UM CENÁRIO JURÍDICO CAÓTICO: ANÁLISE CONCRETA

DO LEGADO DO PROGRAMA “BALCÃO DE DIREITOS” NAS COMUNIDADES

DO RIO DE JANEIRO

A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO:

CRÍTICAS A EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS, A

PARTIR DE UMA ANÁLISE CONSTRUTIVA DAS TRADIÇÕES CIVIL LAW E

COMMON LAW

A PROTEÇÃO DA PROLE DIANTE DO CONTURBADO TÉRMINO DAS

RELAÇÕES AFETIVAS

A MOROSIDADE PROCESSUAL COMO ENTRAVE AO ACESSO A JUSTIÇA

DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS:

INFORMALIDADE E INSTRUMENTALIDADE COMO PARADIGMAS DE UMA

JUSTIÇA MAIS CÉLERE

A VALORAÇÃO DO PRECEITO DA BUSCA PELA FELICIDADE ENQUANTO

AXIOMA DE INSPIRAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS

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RESUMOS EXPANDIDOS

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O DIREITO FRATERNO NO TRATAMENTO DO CONFLITO: A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DO DIÁLOGO COMO MECANISMO DE EMPODERAMENTO

ATHAYDE, Sarah Scheideger1 SILVA, Bruna Martha Paineiras Simões2 RANGEL, Tauã Lima Verdan 3

INTRODUÇÃO

As formas modernas e padronizadas de se dizer o direito acaba por mascarar o rosto do sujeito, impedindo a visibilidade das demandas históricas e encobrindo as diferenças simbólicas que entremeiam todo e qualquer tipo de conflito social. A dogmática jurídica tradicional castra os sentidos, reduz o acesso e diminui a possibilidade de se compreender a complexidade presentes nos litígios. Surgindo, por tanto na necessidade de uma forma de resolução de conflito capaz de visualize as sutilezas e as complexidades dos sujeitos que discutem a posse de um determinado direito. Essa maneira é a mediação que se encontra atrelada as ideias advindas do Direito Fraterno que tem como fundamento político e filosófico nas reflexões feitas pelo jurista italiano Eligio Resta frente aos novos desafios impostos hoje à humanidade como um todo. A mediação não pretende erradicar com o conflito, afinal, conflitos movem estruturas, constituem basilares da evolução e da reforma.

METODOLOGIA

O presente trabalho respaldou-se em uma pesquisa bibliográfica existente sobre o tema, visando conceder especial destaque aos entendimentos doutrinários a cerca do Direito Fraterno, enquanto instrumento basilar da mediação bem como a influencia princípio da dignidade da pessoa humana e ótica constitucional dispensada por Ana Carolina Ghisleni, Fabiana Marion Spengler e Marieta Izabel Martins Maia. De igual modo, buscou-se a utilização de entendimentos adotados pelo doutrinador Eligio Resta , bem como Jurisprudências.

                                                                                                                         1 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 2 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 3 Professor Orientador. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”.

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OBJETIVOS

Objetiva-se lançar uma luz sobre o Direito Fraterno para tanto se esquadrinhara as bases conceituais e jurídicas do referido princípio ao longo da evolução sócio filosófica da humanidade visando compreendê-lo e entregá-lo sob a ótica da sociedade contemporânea com aplicação pratica de resolução de conflitos. Haja vista que a proposta fraterna é o pilar teórico da mediação e das demais formas alternativas de resolução de conflitos sociais, pois insere um numero de complexidade no que tange do justo sobre o bom.

DESENVOLVIMENTO

Os moldes tradicionais de composição de conflitos, mantém sempre um grau de inconformidade com a proposta conciliatória apresentada, e geralmente imposta, pelo juiz. Deste modo concluísse que, depois de homologada, uma parte sai vencedora e conseguintemente a outra perdedora. A crescente multiplicidades dos conflitos, quer em âmbito familiar, profissional ou de vizinhança, gera necessidade de um forma alternativa de resolver os mesmo, o que acabou por se tornar um desafio para os operadores do Direito.

A mediação surge como resposta a essa necessidade, entretanto esta necessita de uma categoria ética subjetiva que não se extingue na diligencia de um sujeito que direcionasse ao outro, na atitude de uma moralidade ou normatividade imperativa respaldada num momento de predomínio ou zona de conforto de identidades, pois nessas condições onde não se desprende de si mesmo, sujeito, em permanece na posição central da realidade e do conflito. Haja vista que unidos pelo conflitos, os litigantes esperam por um terceiro que os solucione geralmente o estado. O Direito Fraterno como fomentador de políticas públicas gestoras da mediação de conflitos, esta última como forma alternativa de tratamento das demandas litigiosas. A escolha do tema ocorreu, justamente, em razão da necessidade de se apresentar uma nova opção para a solução dos conflitos, desvinculando-se das decisões impostas pelo Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se portento que a mediação pode ser considerada uma das melhores formas de representação do ideal fraterno, haja vista que sua exercia é formada pela decisão dos conflitantes, não pela imposição judicial. Destarte, além da celeridade e aplicabilidade, trata-se também de um aspecto mais humano para a dissolução das lides. Para tanto é relevante considerar que é somente a partir do

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Direito Fraterno, que se dissolvi não só a lide, mais a real causa dela, oriunda de um sujeito titular de deveres e direitos no que tange as relações interpessoais.

REFERÊNCIAS:

GHISLENI, Ana Carolina. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos a partir do Direito Fraterno. Disponível em: http://www.unisc.br/portal/upload/com_editora_livro/e_book_mediacao.pdf. Aceso em: 15 abr. 2014. MAIA, Marieta Izabel Martins. Direito Fraterno: em busca de um novo paradigma jurídico . Disponível em: epositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/63904/2/TESE%20MARIETA%20OK.pdf. Aceso em: 15 abr. 2014

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LEGITIMIDADE DAS GRAVAÇÕES MIDIÁTICAS NO PROCESSO CIVIL: UMA REFLEXÃO À LUZ DA TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENADOS

MACHADO, Patrícia Portela4 BRAGA, Felipe Babiski5 RANGEL, Tauã Lima Verdan6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca refletir sobre a legitimidade das provas midiáticas no Processo Civil, visto que é direito previsto constitucionalmente o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como à intimidade e à privacidade. O que se busca, então, é entender em quais momentos um direito poderá prevalecer em relação ao outro, ou seja, relativizar os direitos previstos na Carta Magna. Para tanto, foi preciso entender sobre a teoria geral das provas, analisando de quem é o ônus de provar os fatos alegados, bem como os controvertidos.

METODOLOGIA

O presente foi alicerçado utilizando pesquisas bibliográficas, leitura de artigos, leis e jurisprudências para embasar as informações que serão transmitidas.

OBJETIVOS

Objetiva-se refletir sobre o tema proposto, buscando compreender a importância das provas na resolução de conflitos, uma vez que elas são uma forma de reconstruir fatos e aproximar o juiz da verdade, tornando, assim, possível a aplicação da lei abstrata. Para tanto, é necessário fazer ponderações de direitos fundamentais ao caso concreto. Haja vista que o Código de Processo Civil, em seu art. 332, esclarece quais os tipos de prova aceitos, quais sejam: “os meios legais e moralmente legítimos são capazes de provar a verdade dos fatos”. A partir disto, busca-se abarcar a legitimidade, ou não, das gravações midiáticas no processo civil.

                                                                                                                         4 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 5 Graduando do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 6 Professor Orientador. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”.

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DESENVOLVIMENTO

Sabe-se que é direito das partes litigantes o contraditório, ou seja, contradizer, contestar o que foi dito, e a ampla defesa que trata do direito de provar o que se alega por todas as formas possíveis e não defesas pelo ordenamento jurídico. Pois bem, uma discussão bem atual é sobre a legitimidade das gravações midiáticas como forma de prova em um processo. Para que a parte convença o juiz sobre o fato alegado por ela é preciso mostrar para o magistrado a verdade de um fato e a forma que a parte tem de demonstrar é por meios das provas. Com ela, há uma reconstrução histórica dos acontecimentos. Portanto, para se conseguir reconstruir um fato a fim de que a norma abstrata seja adequadamente aplicada é preciso buscar a verdade sobre ele e o objeto de prova recai sobre os fatos controvertidos e relevantes, os quais ainda restam dúvidas, e uma vez elucidados contribuem para a melhor compreensão do caso.

No entanto, as provas no processo não podem ser feitas de forma irrestrita, elas devem ser legais e moralmente legítimas. O ordenamento jurídico veta as provas obtidas por meio ilícito. As gravações midiáticas suscitam esta discussão a respeito de sua legitimidade, pois ferem ou não o direito à intimidade e a privacidade, bem como do sigilo das informações, todos previstas em nossa lei maior, a Constituição Federal? Trata-se de uma questão bastante controvertida. Tanto o é que a Corte Suprema já entendeu por diversas vezes que tratam estas de provas ilícitas, portanto, não podem ser usadas. Entretanto, entendeu, também, que poderiam ser usadas, desde que o que se pretenda provar seja mais importante que o que se deseja preservar, como a intimidade dos indivíduos, Nestes casos, é preciso relativizar os direitos e analisá-los segundo o fato concreto, analisando-o ponderadamente. A conclusão de que a norma elimina a necessidade de qualquer outra ponderação poderia ser. Aceita se a sua incidência se desse em casos uniformes, o que não ocorre.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referido trabalho permite entender que os direitos são relativos e não absolutos. Para compreendê-los é preciso ponderá-los, juntamente com o caso em concreto, pois somente desta forma poderá se prever o que é uma prova licita ou ilícita, sejam elas gravações clandestinas ou até mesmo uma confissão, pois sendo feita sob coação também será ilegítima.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 abr. 2014. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Processo de Conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MARQUES, Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Campinas: Milleniun Editora Ltda., 2003. WAMBIER, Luiz Rodrigues; Almeida, Flavio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de Processo Civil. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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DIREITO FRATERNO: PATRONO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA COMPOSIÇÃO DOS LITÍGIOS

FERREIRA, Caroline Valero7 ALVES, Paloma da Conceição8 SERPA, Verônica de Souza9 RANGEL, Tauã Lima Verdan10

INTRODUÇÃO

A tendência para a resolução dos conflitos na contemporaneidade é a espera da tutela jurisdicional miraculosa, para isso o Estado tornou-se legitimo de tal maneira para a solução dos conflitos, que o cidadão nada mais faz do que sentar-se e esperar, literalmente. Nesse ponto, ressalta-se a mecanização do Direito positivo, as contendas, fatos derivados de fatores diversos, não se enquadram facilmente com o texto disposto nas normativas jurídicas. Depreende-se a necessidade da figura devidamente investida e previamente disposta para dirimir as soluções das pendengas triviais. Em face de Direito Fraterno, o que se propõe nada se equipara em uma relação com certo grau de hierarquia. O desenlacedos conflitos sociais se dará por meio de pessoas equiparadas. Apresenta, ainda, a controvérsia entre a necessidade do conflito para análise e aprimoramento das técnicas resolutivas, e ainda a necessidade do mesmo para a evolução social. Demonstrar, a partir da pesquisa bibliográfica, a utilidade do Direito Fraterno para a composição dos litígios de forma a defender a dignidade da pessoa, em razão de seu caráter harmônico.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta..

                                                                                                                         7 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 8 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 9 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 10 Professor Orientador. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”.

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DESENVOLVIMENTO

Perquire-se que o Direito Fraterno nasce do próprio arbítrio da fraternidade interposta com princípio basilar social pela Declaração Universal dos Direitos dos Homens. Fraternidade nada mais é, sobrepondo-se a etimologia da terminação, amor ao próximo, viver em harmonia como irmãos. No Direito Fraterno a figura abstrata do Estado delimitando o atuar humano e trazendo a pauta aquele que está certo não mais existirá, o contencioso se resolverá entre partes iguais, não se trata, pois, da necessidade de sujeito legitimo a dizer o direito, apenas do reconhecimento das ânsias e limitações da boa convivência social pelas pessoas que concorrem a lide, não havendo para tanto jogos políticos ou situações de impedimento geográficos, o justo será apresentado onde quer que o conflito apareça.

Remete-se que o sistema de resoluções conflituosas hodierno propicia às pessoas que sempre recorram ao Estado juiz para a composição de seus litígios, esquecendo que este apenas pode decidir os conflitos e não acabar com os mesmos, impedindo por hora aquela relação de conflito, mas não impedindo o aparecimento de outras. As formas alternativas à solução das demandas beneficiam tanto as partes quanto Estado, pois as partes se incorporam ao procedimento de forma equilibrada e harmoniosa tornando a solução flexível e descentralizada embasando a resolução dos conflitos no direito fraterno, onde a principal ideia é a existência de relações solidárias, fraternas e amigas entre os indivíduos prevenindo a ocorrência de novos conflitos sociais abarcado por regras de convivência mútua.

CONCLUSÃO

Neste ínterim, a mediação vem a ser o meio pelo qual ocorre a concretização do direito fraterno, visto que converte o conflito potencial em diálogo, oportunizando as partes a exporem suas ideias e propostas de acordo no balbucio de compor o litígio . A figura de um terceiro decidindo pelas partes (juiz) não se encaixa na mediação, a contrário senso a figura do terceiro atípico a pugna tentar ajudar,aos interessados da conclusão de suas ânsias, a chegar em um acordo, onde ambas as partes iram se beneficiar. E dessa forma não criando inimizade, e ainda, longos julgamentos onde uma das partes sempre ira sair prejudicada, epílogo ordinário do sistema judiciário.

Ao interregno, a lei da amizade, um dos pilares do direito fraterno, pressupõe igualdade e semelhança em excelência moral, fugindo de tudo que é imposto. Logo, a composição de conflitos alicerçada no direito fraterno é também

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um modo defensor da dignidade da pessoa humana advindo de seu caráter harmônico.

REFERÊNCIAS

SPENGLER, Fabiana Marion. Uma nova abordagem dos conflitos sócios jurídicos por meio do direito fraterno. Monografia (Graduação em Direito) - Direito em Debate, 2006. VIAL, Sandra Regina Martini. Direito Fraterno na Sociedade Cosmopolita. In: Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos: Divisão Jurídica. Bauru, vol. 40, n. 46, p. 119-133, julho. 2006.

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A APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA NO PROCESSO CIVIL

COUTINHO, Larissa Gonçalves de Oliveira11 RANGEL, Tauã Lima Verdan12 MENDONÇA, Elissandra da Silva13

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de fundamentar o uso das provas derivadas da ilícita em se tratando de Processo Civil, uma vez que, a Teoria dos Frutos da Árvore envenenada diz que os frutos de uma prova ilícita (as provas obtidas sem a observação das normas que às regem), assim como esta, devam ser considerados nulos, ou seja, quando houver uma prova lícita, mas que só foi alcançado por que derivou de uma primeira prova, a qual, foi considerada ilícita, deverá, também, ser nula, proibindo, portanto, a utilização das mesmas dentro de um processo. Mas, para que se analise este tipo de prova, faz-se necessária a descrição dos meios de prova e a forma de suas obtenções, de tal modo, é fundamental que se conheça a Teoria das Provas, sendo estas, utilizadas pelo Magistrado para a formação de seu convencimento. Por isso a atividade probatória desenvolvida pelas partes, em um processo, é, além da Lei, instrumento fundamental, já que o objetivo maior é convencer o Juiz sobre os fatos controversos e relevantes para o julgamento da lide. Em contrapartida, busca o Magistrado a verdade real dos fatos através das provas, para, assim, exercer a jurisdição de forma equilibrada. De igual modo, diz o artigo 332 da Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, podem servir como prova, todos os meios de provas, desde que moralmente legítimos, mesmo que não estejam especificados no Código de Processo Civil, por isso se diz que o Código possui um rol exemplificativo de espécies de prova, entre elas, o depoimento pessoal, a confissão, exibição de documento ou coisa, prova documental, prova testemunhal, prova pericial e inspeção judicial.

                                                                                                                         11 Graduanda do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]; 12 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 13 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, faz uma ponderação entre o direito material e a busca da verdade real, elevando a proteção ao direito material e proibindo, portanto, a prova ilícita e a prova contaminada. Todavia, claro é, que o assunto em questão trata-se de um conflito entre a aplicabilidade de uma Teoria e de um Princípio que se convergem ao tratarem de um mesmo assunto, qual seja, a eficácia ou a ineficácia da prova derivada da ilícita. Segundo a Teoria dos frutos da árvore envenenada, tanto a prova ilícita quanto a derivada da ilícita serão totalmente nulas, não produzindo, de tal modo, seus respectivos efeitos. Em contrapartida, temos o Princípio Pas Nulite Sans Grief, que traz uma visão eclética no sentido de que não é porque a prova é ilícita, que o fato sobre o qual recai a prova, não possa ser novamente provado, agora, por meio lícito, neste sentido aduz a doutrina: “A prova obtida de modo ilícito pode propiciar uma outra prova, que então estará contaminada, mas nada impede que o fato que se desejou demonstrar seja objeto de uma prova que com ela não tenha qualquer vinculação” (MARINONI; ARENHART, 2008. p. 401), ou seja, a prova mesmo sendo ilícita ou ilícita por derivação, só será nula se causar algum prejuízo às partes e à busca da verdade real dos fatos, caso contrário, ela não será desentranhada do processo, como determina o artigo 157, caput, da Lei 3.689 de 03 de outubro de 1941, que institui o Código de Processo Penal, ou seja, continuarão existindo no processo, entretanto, o Magistrado não poderá fundamentar sua decisão, única e exclusivamente em tais provas.

Com efeito, cuida anotar que a Teoria da Contaminação da Prova derivada da Ilícita conhecida como, Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, aduz que, a prova é considerada contaminada quando deriva de uma prova ilícita, ou seja, a prova contaminada pode até ter sido produzida de modo lícito, porém, possui uma conexão, uma ponte com àquela, sendo assim, não existiria, se a primeira prova, obtida de forma ilícita, não tivesse sido produzida (TOURINHO FILHO, 2009, p. 114). Porém, caso seja provado que a segunda prova poderia ter sido produzida mesmo inexistindo a primeira, ou ainda por outro meio, poderá permanecer nos autos produzindo seus respectivos efeitos. Quadra apontar que, segundo Braga, Machado e Rangel (2014), a doutrina fruits of the poisonous tree é não apenas a orientação capaz de dar eficácia à proibição constitucional da admissão da prova

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ilícita, mas também a única que realiza o principio de que, no Estado de Direito. Ora, não é possível sobrepor o interesse na apuração da verdade real à salvaguarda dos direitos, garantias e liberdades fundamentais, que tem seu pressuposto na exigência da legitimidade jurídica da ação de toda autoridade pública. O Princípio pas nulite sans grief significa que não há nulidade sem prejuízo, ou seja, nenhum ato processual será nulo se este não tiver causado algum tipo de prejuízo ao processo, nem houver influenciado na Decisão ou na busca da verdade real.

Para a resolução deste conflito é preciso uma analise da conexão existente entre a prova ilícita e a derivada da ilícita. Pois caso a segunda pudesse ter sido provada por outro meio, haverá uma ruptura dessa conexão, afinal, como já foi visto no decorrer do trabalho, a ilicitude da prova não contamina o fato, podendo ser provado novamente, agora por meio probante lícito, sendo assim, não resta dúvidas que a prova ilícita não contamina todo material probatório, de acordo com Braga, Machado e Rangel (2014). Cuida apontar que não fará sentido a nulidade e o desentranhamento de uma prova derivada da ilícita, porem, que não trouxe nenhum prejuízo ou contribuição para as partes e, portanto, para o processo não causa nenhum efeito. Deste modo, verifica-se a necessidade de se aplicar, mais uma vez, o Princípio da proporcionalidade e fazer uma ponderação em ter princípios, normas, valores e acima de tudo aos direitos fundamentais amparados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica nítida a ideia de que as provas são as peças chave para a formação da convicção do juiz. Todavia, para a obtenção de tais provas, devem ser observadas normas que as regem, caso contrário, serão consideradas ilícitas, e estas, podem gerar outras provas, que então, estarão contaminadas. O que não significa que serão ineficazes para o processo, bem como aduz o Princípio dos Frutos da Árvore envenenada. Sendo aplicável, todavia, além do Princípio da Proporcionalidade e a proteção aos direitos fundamentais, o Princípio Pas Nulité Sans Grief, para que sejam eficazes tais provas. Necessário também se faz a analise do caso concreto para verificar os meios lícitos, sobre os quais o fato poderia ter sido provado, e sendo a constatação da prova obtida de forma ilícita inevitável e independente, poderá ser peça capaz de fundamentar uma decisão. Afinal, em alguns casos é preciso “sacrifício”, e sacrifício para o Direito é a renúncia a interesses menores para a proteção a bens maiores.

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REFERÊNCIAS

BRAGA, Felipe Babiski; MACHADO, Patrícia Portela; RANGEL, Tauã Lima Verdan. Legitimidade das gravações midiáticas no processo civil: uma reflexão à luz da teoria da árvore dos frutos envenenados. Revista Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/28091/legitimidade-das-gravacoes-midiaticas-no-processo-civil-uma-reflexao-a-luz-da-teoria-da-arvore-dos-frutos-envenenados>. Acesso em: 09 jun. de 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014. __________________. Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 08 mai. 2014. __________________. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869 compilada.htm>. Acesso em 05 abr. 2014. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. v. 02. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 03. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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A APLICABILADADE DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO COMO SOLUÇÃO DA MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO

SOUZA, Bárbara Pinto de14 RANGEL, Tauã Lima Verdan15

INTRODUÇÃO

O estudo em questão visa abordar a aplicabilidade do principio da duração razoável do processo como forma de solucionar a morosidade do poder judiciário, demonstrando toda a construção histórica deste, até sua elevação como garantia constitucional. O estudo tem como base também demonstrar se o principio em tela tem aplicabilidade e se existem barreiras que impossibilite a mesma. Será abordado ainda a possível reparação por sua não observância, e seus reflexos no projeto para o novo código e processo civil.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxilio de revisão bibliográfica a temática proposta.

DESENVOLVIMENTO

Antes da Constituição de 1988, o acesso ao judiciário era restrito, e gerava um alto custo, tanto com as custa quanto com advogados, mais com o principio do acesso a justiça, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da carta magna, esse contexto mudou, e a sociedade tem buscado com maior frequência as vias judiciais para a solução dos conflitos. Essa aproximação do judiciário fica comprovada na pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no final do ano de 2013, que segue: “O Relatório Justiça em Números 2013, divulgado nesta terça-feira (15/10), revela que o número de processos em trâmite no Judiciário brasileiro cresceu 10,6% nos últimos quatro anos e chegou a 92,2 milhões de ações em tramitação em 2012” (BRASIL. 2013, p. 01). Verifica-s, assim, que o aumento no volume de processos ocorre, conquanto tenha havido a melhora na produtividade

                                                                                                                         14Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]; 15Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected].

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dos magistrados e servidores e resulta, sobretudo, “do aumento de 8,4% no número de casos novos em 2012 e de 14,8% no quadriênio” (BRASIL. 2013, p. 01).

Por conta dessa crescente demanda, o legislador resolveu elevar o principio da duração razoável do processo ao patamar de garantia constitucional, insculpida no artigo 5º, da carta maior, inciso LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Ficando clara a preocupação do mesmo com a crescente demanda que abarrota o judiciário. Contudo, cumpre ressaltar que antes de ser elevada a garantia constitucional o principio da duração razoável do processo, já estava presente no ordenamento pátrio, como por exemplo, no principio do devido processo legal, no principio da ampla defesa e do contraditório e também no Pacto de San José da Costa Rica.

O campo de maior abrangência do referido principio, e de maior enfoque do presente trabalho é o poder judiciário, visto que cabe a este dar a resposta jurisdicional, que vem sendo assegurada de forma célere, mais com razoabilidade para que, não comprometa a segurança jurídica. A morosidade é uma chaga que aflige o poder judiciário, e os jurisdicionados que esperam desses a devida prestação, conforme entendimento doutrinário: “A lentidão da resposta da Justiça, que quase sempre torna inadequada para realizar a composição justa e controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes, injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim denegação de justiça”. (THEODORO JÚNIOR, 2005, p.25).

Assim sendo, a doutrina vem admitindo a possibilidade de reparação por possíveis danos causados pela demora excessiva para a solução do conflito. Para tanto, deve ficar comprovado o nexo entre o dano causado com a demora na prestação jurisdicional. Assim, aduz a doutrina: “a ausência do serviço devido ou seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em agravo dos administrados”. (MELO, 2002, p. 150). De forma semelhante, também, acrescenta: “Não importa ao administrado as razões que levam à prática ou à omissão das medidas judiciais requeridas e não deferidas em tempo hábil; provado que o dano decorreu, efetivamente, dessa morosidade, o Estado não poderá se esquivar alegando a própria desídia”. (ALCÂNTARA, 1998, p. 01). Elevar o princípio da duração razoável do processo a garantia constitucional, foi um grande passo do legislador, mais ainda falta um longo caminho para sua efetivação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elevação do principio da duração razoável do processo, como garantia constitucional foi um avanço para desafogar o Judiciário, que conforme demonstrado nos dados do CNJ, esta abarrotado de processos, contudo não é o único meio, devendo o Estado buscar formas para que tal garantia se concretize. Cumpre ressaltar ainda que a constituição além de garantir tal duração, compromete o estado a buscar formas de melhorar sua estrutura, para a efetivação de tal garantia, mais enquanto isso não acontece cabe ao jurisdicionado buscar a reparação pelos possíveis danos causados pela demora excessiva, como uma forma de demonstrar que necessita da aplicação da garantia constitucional.

REFERÊNCIAS

ALCÂNTARA, Maria Emilia Mendes. Responsabilidade do Estado por atos legislativos e jurisdicionais. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/26625-numero-de-processos-em-tramite-no-judiciario-cresce-10-em-quatro-anos>. Acesso em 18 de jun. de 2014. __________________. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 39. ed. São Paulo: Rideel, 2012. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. THEODORO JÚNIOR, Humberto, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano VI, n. 36, jul/ago. 2005.

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A BOA FÉ OBJETIVA COMO REGRA GERAL DO DIREITO CIVIL EM PROL DA JUSTIÇA COMETIDA AOS CONTRATOS

XAVIER NETO, Jayme16 CABANEZ, Flávia Cassa17 RANGEL, Tauã Lima Verdan18 MENDONÇA, Elissandra da Silva19

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa de 1988 revolucionou o modo de se interpretar o Direito, uma vez que trouxe uma cartela de princípios que foram incorporados com maestria em todos os ramos do direito, devendo ser observados, juntamente com os direitos fundamentais, como o sentido da norma jurídica, sob pena de nulidade. O Direito Civil foi intimamente afetado pela existência das normas constitucionais, uma vez que estas entalharam todo o seu modo de ser, passando muitos doutrinadores a chamá-lo Direito Civil Constitucional. É devido respeito e obediência a cada princípio, pois estes representam o alicerce de todo o ordenamento. O descumprimento a qualquer um deles fere a todas as normas vigentes. Os princípios tragos pela Constituição proporcionaram ao ordenamento jurídico um caráter ético, infundindo-o valores sociais, o que propiciou uma flexibilidade necessária, permitindo uma constante adequação das normas às circunstâncias. Dentre os princípios consagrado pela Carta Magna, está o princípio da Boa-fé objetiva, o qual tem extrema relevância para o Direito Civil, principalmente à realização dos contratos, devendo ser observado em todas as suas fases, para que se assegure aos indivíduos a justa proteção de seus direitos. Para que as reais expectativas almejadas com a celebração do contrato sejam garantidas a ambas as partes e não haja detrimento de uma em virtude da astúcia da outra.

                                                                                                                         16 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 17 Graduanda do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 18 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected] 19 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected] Cachoeiro de Itapemirim – ES, junho de 2014.

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MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta.

DESENVOLVIMENTO

O principio da boa-fé objetiva tem sua gênese no Direito alemão, caracterizado pela expressão “treu und glauben”, que significa lealdade e confiança e que foram incorporadas ao Direito brasileiro com a descrição de “boa-fé objetiva”. A real positivação do princípio da boa-fé objetiva no Direito brasileiro veio com o Código de Defesa do Consumidor, colocada como parâmetro para propiciar uma harmonia entre as relações de consumo e permitindo que se tornem inválidas cláusulas que estabelecem obrigações em desacordo com o princípio da boa-fé. Sua aplicabilidade nas relações de consumo tornou-se de grande valia, pois os contratos devem obedecer à sua função social e assim não podem trazer onerosidades excessivas, desproporções e injustiças sociais, tornando passíveis de anulação às cláusulas consideradas abusivas e que não estejam em consonância com o principio da boa-fé para que se evite que haja um prejuízo pelo não cumprimento das expectativas criadas e que isso possa influenciar de algum modo a razão e maneira de agir das partes. Essa proteção à parte mais frágil na relação de consumo é na verdade a consagração do principio da dignidade da pessoa humana e a aproximação da Ética e o Direito.

No Código Civil de 2002 a boa-fé atinge seu ápice no ordenamento jurídico, pois passou a ser analisada não somente no seu caráter subjetivo e passou assim a servir também como fonte de deveres autônomos sobre os contratos tanto civis como empresariais e não mais ficando restritas apenas às relações de consumo. Segundo Mônica Yoshizato Berwagen (2033, p. 53) a grande novidade não é a “invenção” da boa-fé objetiva na sistemática do código civil, mas sim o seu esforço por meio de uma cláusula geral no prólogo das normas de direito contratual. No que tange à relação contratual, o princípio da boa-fé objetiva faz-se presente com a função hermêutica-integrativa, no preenchimento de espaços deixados por situações jurídicas não previstas no contrato. Sua função interpretativa de contratos permite que, caso não esteja expressamente exposto no contrato, o magistrado buscará a melhor forma de interpretá-lo, e, assim fazendo, não estará criando novas regras e nem revendo as mesmas, mas apenas ajustando as exatas dimensões, atendendo as expectativas e promovendo a lealdade e honestidade entre as partes.

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O que compele dizer que, segundo a boa fé objetiva, não é bastante o cumprimento da obrigação principal, mas é extremamente necessário que os contratantes estejam atentos à pessoa e ao interesse da outra parte, que condizem com obrigações anexas, e não sendo cumpridas, independente do cumprimento da obrigação principal, podem levar ao inadimplemento contratual. Esses deveres são reflexos da função integrativa do princípio da Boa-Fé, portanto podem ou não estar previstos nos contratos ou serem previstos expressamente em lei para terem aplicabilidade, valores como a lealdade, a confiança, a transparência e a cooperação são exigíveis em qualquer contrato, e, serão analisados pelo magistrado conforme cada caso concreto, uma vez que a boa fé é cláusula geral.

O princípio da boa-fé objetiva, não impede que uma parte obtenha vantagens sobre a outra, uma vez que é próprio da natureza contratual que cada um busque a realização de seu interesse, e ninguém é obrigado a contratar, se mesmo assim, houver o pacto, aduz que ambas as partes tinham total conhecimento das condições e a possibilidade de um ou de outro obter vantagem. Como se vê, é permitido considerar nula uma ou algumas cláusulas contratuais pactuadas pelas partes, com a intenção de reprimir qualquer prática ou tentativa de desvirtuar a aplicação da boa-fé objetiva, havendo assim, uma interferência na autonomia da vontade. Porém, não se admite, segundo o principio da Boa-Fé com regra de hermenêutica, que o magistrado adentre no mérito do contratado, pois se entende que haveria uma degradação do negócio jurídico, tornando-o enfraquecido juridicamente e abalada a estrutura que o sustenta, ou seja, o princípio da força obrigatória da convenção e da autonomia da vontade. Essa é a razão da vedação ao aplicador do Direito de modificar a essência do contrato, restando-o o dever de “não permitir que o contrato atinja finalidade oposta ou divergente daquela para o qual foi criado, e que, à vista, de seu escopo socioeconômico, seria razoável e licitamente esperada pelos contratantes” (GENEROSO, 2014, s.p.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da Boa-fé Objetiva permite ao julgador, dentro de vários tipos de conduta, valorar o comportamento das partes, com o intuito de proteger os contratantes do princípio da autonomia da vontade, segundo o qual a vontade das partes gera lei entre elas, o que poderia causar dano a uma parte que, ignorando o verdadeiro sentido de uma cláusula, viesse a concordar com ela. Este princípio garante que valores como a lealdade, a confiança, a transparência e a cooperação sejam exigíveis em qualquer contrato.É verdade que todos são livres para contratar e, que certas vantagens são próprias da natureza negocial, por isso não

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se admite o uso de tal princípio para alteração da prestação principal do contrato. Mas em caso de abuso de direito é claramente válido a intervenção jurídica, que deverá utilizar do princípio da boa-fé objetiva para interpretar as cláusulas contratuais de modo a impedir que o contrato não atinja a finalidade para o qual foi contratado.

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REFERÊNCIAS

BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 abr. 2014. ____________________. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do Consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 abr.2014. ____________________. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 abr. 2014. GENEROSO, Fabio Augusto. O instituto da boa-fé no Direito Civil. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/7190.pdf> Acesso em 13 abr. 2014.

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A MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA EM UM CENÁRIO JURÍDICO CAÓTICO

SERPA, Verônica de Souza20 RANGEL, Tauã Lima Verdan21 MENDONÇA, Elissandra da Silva22

INTRODUÇÃO

Em um cenário jurídico caótico, devido ao engessamento do Poder Judiciário, é possível colocar em destaque que a mediação comunitária apresenta-se como um instrumento robusto que objetiva, por meio da construção e fortalecimento do diálogo e da reflexão, a conjugação de esforços para a resolução dos conflitos, de maneira que a decisão tomada satisfaça ambas as partes. Com destaque, a solução para os conflitos e dissensos surgidos em comunidades está estruturada na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais as partes aprendem possibilidades de se expressar. Verifica-se, dessa maneira, que há uma paulatina desconstrução do ideário alicerçado na cultura ganhador-perdedor que subsiste no sistema tradicional judiciário, passando, em substituição, florescer uma abordagem pautada na cooperação entre as partes envolvidas.

Desta forma, faz-se necessário destacar que as comunidades que se desenvolveram à margem dos centros urbanos oficiais, a exemplo de assentamentos e favelas, viabilizam aos seus moradores a substancialização de uma identidade comunitária, dotada de aspectos singulares, na qual cada um de seus componentes humanos “tem voz e vez e podem colocar em ação suas iniciativas, desenvolverem sua criatividade, mas seu ser não se esgota nelas mesmas: elas se completam na medida em que se tornam um ‘ser para’” (GUARESCHI, 2009, p. 96),de maneira a exercitar sua plena vocação na condição de animal político e social.

Independentemente de subsistir um cenário imerso em um período temporal dotado de intensa judicialização da política e de ativismo, na qual o magistrado não é simplesmente la bouche de la loi, de forma inversa ao que

                                                                                                                         20 Graduanda do 5º período B do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, verô[email protected]; 21 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected] 22 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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acontecia em períodos pretéritos, agindo ativamente diante das mazelas e das falhas das instituições, é forçoso reconhecer que esse ativismo, objeto também de profundas críticas, não é capaz, por si só, de solucionar o sucedâneo de necessidades e emergências que surgem a cada dia na realidade de cada comunidade.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta.

DESENVOLVIMENTO

O Brasil vivencia um acentuado cenário de conflitos sociais que se estendem por diversos seguimentos, fomentado, em especial, pela dogmática constitucional de acesso à justiça. Verifica-se uma generalização de conflitos que se desencadeiam em razão do estresse característico da contemporaneidade, conjugado com a ausência de mecanismos eficientes na resolução de conflitos, de maneira extrajudicial, e que permita a manutenção das relações continuadas. Com destaque, cuida anotar que “áreas urbanas e rurais, bairros de diferentes classes e também escolas estão sendo palco de agressões físicas e psicológicas quase diárias, gerando uma sensação de insegurança e revolta na população do país” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 282).

Com efeito, tal fato deriva da deterioração e desvirtuação das instituições sociais que são responsáveis pelo desenvolvimento dos cidadãos e pela manutenção da segurança dos indivíduos. Nesta condição, é comum destacar que a família, a escola e os órgãos de segurança pública, entre outras tradicionais instituições, estão falhando no cumprimento de suas funções. Nas ultimas décadas houve uma progressiva deterioração da estrutura que fundamenta a sociedade brasileira, agravada em decorrência da distorção de valores e costumes adotados, tal como influenciado, pelo ritmo frenético que emoldura a vida contemporânea, notadamente nos grandes centros urbanos.

Conforme assinala Morais e Spengler (2008, p.54), “o conflito transforma o individuo, seja em sua relação um com o outro, ou na relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfiguradas e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras”. Notadamente nas ultimas três décadas, em especial nas comunidades é possível observar a implementação de projetos que buscam privilegiar a mediação de conflitos, sendo empregado como instrumento que “objetiva não apenas auxiliar a boa resolução de litígios entre as partes

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envolvidas, mas bem administrar as relações existentes, para que as pessoas mantenham seus vínculos afetivos e possam construir uma sociedade fundada numa cultura de paz” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 290.).

Nesse sentido, a construção de uma vivencia democrática requer uma gestão que esteja firmada na inclusão da comunidade em geral, garantindo, por consequência, a igualdade de participação, assim como possibilitar a expressão das ideias que sejam passíveis de serrem discutidas e apreciadas em momento de deliberação coletiva. Sendo então, imprescindível o exercício da comunicação, uma vez que, quando os indivíduos passam a usufruir de oportunidades plenas de interagir, debater e deliberar acerca dos problemas concretos apresentados pela comunidade, possível faz-se o desenvolvimento da capacidade de lidar com estes problemas, tal como convergir esforços e empenho para a resolução.

Em um procedimento dotado de liberdade e autocorretivo de comunicação, o surgimento de conflitos entre os entre os indivíduos é algo inevitável, inerente as relações interpessoais, devido ao fato de cada individuo apresentar um modo distinto de analisar as necessidades, fins e consequências, bem como de tolerar níveis distintos de desgaste. Há que se falar que a solução para mencionados conflitos encontra descanso na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais os envolvidos aprendem mecanismos para externar sua manifestação, fortalecendo o diálogo. A mediação comunitária subtrai o aspecto negativo do conflito, conferindo-lhe um significado positivo, natural e imprescindível para a lapidação das relações, tal como sua boa administração representa o percurso para o entendimento e para o restabelecimento da pacificação entre as partes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sombra dos apontamentos explicitados, salienta-se que o procedimento de mediação nasce como instrumento robusto para o tratamento de conflitos, estando norteada pelo bom senso, técnica de negociação, valoração da equidade e disposição para a promoção do diálogo, com especial paciência em grande parte dos casos, apresenta-se como mecanismo essencial para concretização de uma democracia participativa em que os envolvidos nos conflitos, por meio de mudança de paradigmas e valores, passam a deter maturidade e preparo para obter a solução para os próprios litígios. Em especial nas comunidades carentes e favelas, que carecem da atuação do Estado, sendo muitas vezes norteada, por um leque de costumes e valores próprios e um poder paralelo, decorrente do tráfico de drogas, faz-se necessário a estruturação de mecanismos que permitam a

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prevenção dos cidadãos, o fortalecimento de uma mentalidade que busque o restabelecimento da pacificação social e a manutenção das relações continua.

De tal modo, na tentativa de melhorar a qualidade de vida por meio da pacificação e participação social, é notável que o projeto “Balcão de Direitos”, durante seu período de atuação, em cerca de vinte comunidades carentes e favelas na cidade do Rio de Janeiro, apresentou-se ao estruturar a mediação comunitária voltada para a edificação de pilares conscientização da população, fortalecimento de uma cultura pautada no dialogo e a pacificação por meio da resolução de conflitos de maneira conjunta satisfazendo ambos os envolvidos. A construção da democracia participativa proporcionada pelo referido projeto, oportunizou aos envolvidos participarem concretamente do Estado Democrático de Direito, por meio da mediação comunitária, promovendo, portanto, a dignidade humana, uma vez que, aqueles se tornaram capazes de compreender a sua realidade e, por si, solucionar suas controvérsias.

REFERÊNCIAS

GUARESCHI, P. A. Pressupostos epistemológicos implícitos no conceito de Liberação. In: GUZZO, R.S.L.; JUNIOR, F. L. (Org.). Psicologia Social para a América Latina: o resgate da Psicologia da Libertação. Campinas: Editora Alínea, 2009. MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à jurisdição. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. SALES, Lilia Maia de Morais; ALENCAR, Emanuela Cardoso O. de; FEITOSA, Gustavo Raposo. Mediação de Conflitos Sociais, Polícia Comunitária e Segurança Pública. Revista Sequência, nº 58, p. 281-296, jul. 2009. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br>. Acesso em 04 mai. 2013.

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A TUTELA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR EM CONGRUÊNCIA ÀS CONDICIONANTES PRINCÍPIOLÓGICAS SOCIAIS E ESTERTORES INDIVIDUAIS DA DISSOLUÇÃO CONJUGAL

ALVES, Paloma da Conceição 23 RANGEL, Tauã Lima Verdan24

INTRODUÇÃO

Inicialmente, quadra salientar que corolário do desenvolvimento social, em razão ao feitio individual do ser humano, em muito transmutou o instituto celular "família", da qual indutivamente forma-se a sociedade. Em se tratando da constituição de um casal, que em prima facie, solidificará associação família, existe a colisão de interesses peculiares aos mesmos, suas ânsias pessoais, suas características advindas da criação recebida em sua derradeira instituição familiar, que em muito influenciam sua percepção do meio ao qual estão inseridos, a totalização de suas ambições e planejamento de ofícios a realizar, as formas das quais se apropriam para realização daquilo que traz tranquilidade a seu intelecto e constituição física.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

De forma basilar, o Direito da Família acresce ao longo dos anos, inúmeras transmutações de agrupamento, a ciência social aponta, e ainda, o próprio conhecimento axiológico divaga, que o advento do art. 226, da Constituição Federal vigente, metamorfoseou a centralização do casamento em si para as relações de um todo equivalente, decorrendo ou não de sua existência. Em razão da tutela protecionista da família, denotando-se o ideário deste agrupamento social provedor das interações de valia moral, cultural, religiosa e ainda

                                                                                                                         23 Graduanda do 5º Período B do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa "Direito Processual e Acesso à Justiça", [email protected]; 24 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa "Direito Processual e Acesso à Justiça" e Coordenador da sublinha "Direito Fraterno e Mediação", do Grupo de Estudo e Pesquisa "Constitucionalização de Direito" do Centro Universitário São Camilo, [email protected]

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econômica, realizava-se de forma grupal, todavia a dignidade dos membros constituintes se faz abroquelada de forma singular em razão dos novos ares constitucionais (TEPEDINO, 2006, p.2).

Ao lado disso, faz manifesta a adoção ao sistema jurisdicional da Emenda Constitucional Nº 66, de 13 de julho de 2010, possibilitando que o fenômeno da dissolução das relações afetivas pelos meios adequados, seja utilizando-se do divórcio ou fruindo-se da separação, potencializados pela própria transformação socioeconômica vivenciada de forma global, torne-se célere e cômoda, como objetiva-se a realidade vigente. O casal não mais se alicerça sobre interesses exclusivamente patrimoniais, morais e sociais e onde se faz obvio o elo de submissão de uma das partes, enquadrando-se aos séculos XVIII, XIX e ainda meados do século XX, a figura feminina, que ainda galgava sua libertação econômica ao meio, encadeando a deserção do modelo conservacionista patriarcal (RANGEL, 2013, p. 2).

Destarte, a necessidade da concentração de valores econômicos privilegiados pela legislação civil, tornou-se efígie singular, a partir de então a família afastou-se da configuração patriarcal, da qual se enaltece o homem o responsabilizando pelas problemáticas do cotidiano do seio familiar. A célula familiar, encarregada de delinear os fundamentos da sociedade, deve, ante a tudo, propor-se a formar um individuo habituado à dignidade humana, pleno de suas necessidades, concordando com a busca natural pela felicidade transposta pelo ser humano. Preconiza-se que em face da ritualidade da recensão habitual econômica, ao que se espelha as renovações necessárias à uma sociedade urgente, com vitaliciedade cíclica, que em demasia aos enlaces perenais doutro sazão, nos dias que correm tornou-se fugaz a convivência parentelar, o desapego ao seio familiar sustenta números não acompanhados pela infraestrutura estatal.

É cediço que a lei, como deve, é letra fria, ente abstrato, assim como Estado, solucionador dos conflitos sociais, dos quais se abarcam inúmeros sentimentos. No exposto, conceitua-se o conflito com uma das maiores cargas sentimentais passíveis, haja vista que a situação da separação traz a pauta de julgamento todos os ares de frustração que culminaram no ato. A irracionalidade dos envolvidos, como o esperado, não se amolda ao sistema defasado atuante, por este modo, a mediação, por suas próprias características, eleva aos indivíduos ao método construtivo ao reconhecimento dos limites alheios, ao olhar austero, e ainda, a responsabilização de encontrar, em conjunto atuante, o consenso de suas ânsias somadas a de seu, até então inimigo, que em face de mediação, nada mais se tornado do que seu cointeressado. O conflito será apurado tão somente com o diálogo, sendo o indivíduo o responsável pelo direcionamento de sua lide.

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Denota-se, desta sorte, que a mediação, formadora da relação partes conflituosas e terceiro imparcial que alavanca as possibilidades de resolução, que serão ditas pelas próprias partes compositoras do conflito em razão de seu poderio, diligência a paz social. Salienta-se, que assim como no casamento, e seus equivalentes, a maior preocupação diante à separação deve ser fracionada aos filhos, com a correr natural das novas interações dos até então cônjuges, faz-se natural o surgimento de um cenário atípico à zona de conforto vivenciada pela criança, ou adolescente, podendo lhes causar enorme instabilidade psíquica e emocional, a estafa da separação judicial permitir a maior exposição da prole, os inserindo ao desgaste exorável e oscilação comportamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao esmiuçar-se o tema em debate, aponta-se que, a busca pela felicidade, direito adquirido em cede constitucional, a retirada do cunho patrimonial à celular familiar, a aceitação da diversidade constituinte do ser humano e ascensão da mulher na sociedade, trouxeram possibilidades infinitas a composição familiar. Aludindo-se que a fugacidade do cotidiano ditou, em conjunto ao individualismo crescente, a elevação das numerosas de dissoluções conjugais. Em altos alaridos, verifica-se, que o escopo da lei e a dinamicidade do julgar jurisdicional que sub-roga as partes as vezes de inimigos, de forma fria, não se enquadra a necessidade da pessoalidade e avença de uma separação, visto que os componentes nada mais são do que pessoas que se permitiram a vida a dois, constituindo a célula inicial da sociedade, por certo lapso temporal. A mediação amolda-se à suas ânsias, haja vista, que terceiro imparcial, apenas lhes possibilitará de por si mesmos alçarem um consenso, tornando-se justos, austeros, e permitindo-se a governança racional de seus atos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 17 jun. 2014.

_____________. Ementa Constitucional Nº 66, de 13 de Julho de 2010. Dá nova redação ao §6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispões sobre a dissolução do casamento pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia a separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2014.

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RANGEL, Tauã Lima Verdan. A Mediação Familiar enquanto Mecanismo de Proteção dos Influxos Traumáticos do Término das Relações Conjugais In: II Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, 2013 Out. 8-11, Belo Horizonte, MG. ANAIS... Disponível em: <http://www.2coninter.com.b/trabalhos?gt=gt16acesso-a-justica-direitos-humanos-e-cidadania>. Acesso em: 13 jun. 2014.

TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina Civil - Constitucional das Relações Familiares. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15079-15080-1-PB.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2014.

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AFETIVIDADE NO PROCESSO DE FAMILIA

OLIVEIRA, Poliana Nascimento25

PIZETTA, Valéria Batista26 RANGEL, Tauã Lima Verdan27 MENDONÇA, Elissandra da Silva28

INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda questões de suma importância para a sociedade contemporânea, relatando a importância que a família tem para o setor judiciário e para a sociedade de modo coletivo. O direito de família até os dias de hoje passou por muitas mudanças, uma das que mais se destaca, é o comparativo dos requisitos familiares de 1916 e os requisitos das famílias no tempo atual. Em 1916 um dos maiores requisitos era o casamento entre homem e mulher, o que nos tempos atuais já não se fazem distinções, atualmente o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a união homoafetiva, ou seja, casamento entre pessoas do mesmo sexo. Há também os tipos de família que nos dias atuais são inúmeros monoparentais, homoafetivas, parental, anaparental, mosaico entre tantas outras, que muitas das vezes não há a necessidade de um pai, uma mãe e sua prole, “família tradicional”, hoje basta que haja um grupo de pessoas com afinidades e afeto uma pelas as outras, convivendo juntas para que se considere uma família, os laços consangüíneos já não possuem mais tanta prioridade como o afeto nas relações de jurídicas envolvendo o direito de família. Entre outros as responsabilidade civil familiar que os pais têm para com seus filhos, uma vez que não cumprido caracteriza-se o abandono afetivo do individuo, que pode sofrer danos psicológicos em razão de tal comportamento dos responsáveis. Partindo da importância que a família tem para o âmbito jurídico e social, pode-se compreender também a busca pela felicidade a qual todos os dias a sociedade tem objetivado. A que se lembrar também das decisões que o Supremo Tribunal Federal tem tomado aplicando-se o principio a busca pela felicidade, no intuito de fazer jus ao trabalho que lhe fora confiado, com base do artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no qual são garantidos pelo estado o                                                                                                                          25 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: [email protected] 26Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: [email protected] 27 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 28 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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mínimo para que se consiga chagar a busca pela felicidade. Além disso, a Proposta de Emenda Constitucional Nº. 19, de 07 julho de 2010, que altera o artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca pela felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotado pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito, busca expressamente consagrar a busca pela felicidade como direito dotado de aspecto constitucional.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

Família, como prevista na Constituição Federal Brasileira de 1988, artigo 226, é à base da sociedade, e tem especial proteção do estado. Seus direitos estão especificados no rol do Código Civil Brasileiro, mas nada impede que também não esteja prevista em outros ramos do direito, tais como: Código Penal Brasileiro, (dos crimes contra a família), no direito processual sobre tudo em relação da suspeição de juízes em virtude de parentesco com as partes litigantes. Por tanto, é evidente a previsão do direito de família sobre todo o direito de forma geral, um fato indispensável de se tratar em todos os setores da ciência jurídica.

O conceito de família não é necessariamente oriundo de um suposto casamento. Ao reverso, o novo conceito de família baseia-se no afeto que está amparado pelo principio da dignidade da pessoa humana, bastando, para tanto, a comunidade constituída por indivíduos cujo liame que os unes esteja calcado em afetividade e carinho recíproco. O afeto com o passar do tempo vem se tornando mais presente nas relações jurídicas, devido à evolução que as famílias tem sofrido. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inovou já que a antiga carta dizia que só seria núcleo familiar a que fosse constituída pelo casamento.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei Nº 10.406/2002 reconheceram como família a decorrente de matrimonio, e entidade familiar, não apenas a que for oriunda de união estável, mas também a comunidade monoparental, que pode ser formada por qualquer dos pais e seus descendentes, sendo assim independente do vinculo conjugal que venha ter originado. Entretanto, a família monoparental também conhecida como unilinear,

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desvincula-se da imagem de um casal com seus filhos, uma vez que os filhos vivem com apenas um de seus genitores, em razão de diversos fatores. Além disso, há as famílias oriundas da união homoafetiva, sendo assim a união de duas pessoas do mesmo sexo, que possuem afinidades entre si e pretendem se casar, legalizando assim a situação de suas vidas afetiva. O Supremo Tribunal Federal reconheceu por meio de jurisprudência em maio de 2011 a união civil homoafetiva, entendendo que ninguém será privado de direitos nem sofrer qualquer restrição de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual.

É possível falar em responsabilidade civil familiar, uma vez que, os pais possuem responsabilidade para com seus filhos, podendo responder civilmente em caso de descumprimento com as normas que estão elencadas a esse principio. O descumprimento da responsabilidade civil devida aos filhos gera o abandono afetivo. Dar-se o nome de abandono afetivo a ação interposta contra os pais, que em razão de uma separação judicial, ou de um relacionamento relâmpago que deu frutos, veio por meio de um rompimento amoroso afastar-se de seus filhos, perdendo-se assim o contato, e assim deixando de praticar os atos que lhe são confiados perante o principio da responsabilidade civil. A ausência de amor e afeto não são pressupostos fundamentais do dano nas relações de família, no entanto ninguém é obrigado a amar e cuidar de ninguém, porém há uma responsabilidade que essa sim é indispensável, entendendo-se que pode o individuo vir a sofrer ofensa psicológica.

De acordo com Castelo Branco (2006, passim), o direito contemporâneo no âmbito do qual a proteção aos filhos assume papel de destaque, é possível se deparar com as hipóteses de alguns comportamentos adotados que caracterizam o dano moral, uma vez violando os direitos da personalidade na qual os filhos são titulares. À luz dessa ponderação pode se notar que o abandono afetivo constitui como contraprestação a indenização, que por sua vez afronta o direito de realização plena do individuo como cidadão, pois a quantia paga não se pode igualar a ausência de afeto, educação, amor, além disso, não iria ressarcir a falta que os pais fazem na formação cidadã do individuo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado teve como objetivo apresentar o comparativo entre o afeto e as normas que norteiam o direito. Entretanto pode-se observar que tudo conspira em torno de um único objetivo que é a busca pela felicidade, afinal ninguém procura o judiciário se não para resolver um conflito, ou ao menos evitá-lo. A afetividade também está presente no processo civil, quando se fala em responsabilidade civil familiar, uma vez que, há um ser humano abalado

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moralmente e psicologicamente, ao se sentir abandonado ou rejeitado pelos seus pais. Apesar da indenização por abandono afetivo não suprir o sentimento de desprezo, ela pune e de uma maneira grossa ensina que todos têm afeto, sentimento, que são humanos. Por fim conclui-se que ao se deparar com as famílias do século 20, nota-se grandes mudanças, muitas delas para melhor, mas ao se analisar outros requisitos tais como respeito, afeto, fraternidade etc. entende-se que a cada tempo que se passa as famílias tem perdido ainda mais a sua essência, e além disso essas famílias são a base da sociedade e da ciência jurídica, o que ainda mais tem preocupado a sociedade, a violência está absurda cresce a cada dia mais e o afeto se perde a cada minuto, a cada instante.

REFERÊNCIAS

BRANCO, Bernardo Castelo. Dano moral no direito de família São Paulo: Editora Método, 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jun. 2014.

_________________. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 23 jun. 2014.

_________________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jun. 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 5. 26 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

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CONCILIAÇÃO COMO SOLUÇÃO DE CONFLITOS: A CULTURA DO DIÁLOGO EM SEDE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS

VALERO, Caroline29 RANGEL, Tauã Lima Verdan30 MENDONÇA, Elissandra da Silva31

INTRODUÇÃO

Cuida reconhecer que a criação do microssistema dos Juizados Especiais surgiu, no ordenamento jurídico, como um facilitador de resolução de conflitos, sobretudo em sede de causas menores, ou seja, aquelas que, devido ao valor atribuído e menor complexidade, vindicavam uma tramitação mais célere e despida do rigorismo formal moroso que caracterizava o sistema tradicional processualista. Mais que isso, é possível assinalar que o microssistema dos Juizados Especiais, introduzido por meio da Lei Nº. 9.099/1995, cuja pedra angular está assentada na promoção do diálogo desenvolvido por meio da conciliação, objetivou dar vazão às demandas reprimidas, permitindo ao cidadão que, ao utilizar a via judicializada para o tratamento do conflito, não encontrasse as tradicionais barreiras de custas altas e procedimentos infindáveis para obter o pronunciamento do Estado-juiz.

É notória que a adoção do tratamento do conflito configurou verdadeiro avanço, sobretudo quando se coloca em destaque a promoção da cultura do diálogo e o paulatino abando da beligerância processual existente. Mudanças ocorreram para facilitar, resolver alguns pequenos problemas sociais, os quais, quando negligenciados, desencadeavam complexas questões a serem tratadas, especialmente quando judicializados. Tais alterações vieram para atender a necessidade de pessoas menos favorecidas financeiramente, as quais encontravam, nas altas custas e taxas cobradas pelo Poder Judiciário, obstáculos instransponíveis para o exercício do direito constitucional do acesso à justiça e ao judiciário.

                                                                                                                         29 Graduanda do 5º período B do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, [email protected]; 30 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected] 31 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

A introdução do microssistema dos Juizados Especiais, no ordenamento jurídico nacional, representou importante avanço em prol da substancialização do direito humano fundamental de acesso à justiça. Pautando-se em características peculiares, as quais preconizavam a diminuição das formalidades inerentes aos procedimentos ritualísticos adotados e a celeridade na resolução das demandas judiciais dotadas de menor complexidade e com valores econômicos inferiores a quarenta salários mínimos, tal como a isenção do pagamento de custas processuais e taxas, em sede de primeiro grau, a Lei 9.099/1995 foi o ápice legislativo de mudanças de paradigmas tradicionais. Trata-se da constante mutabilidade que se presencia na Ciência Jurídica, já que o Direito é um organismo vivo, peculiar, contudo que não envelhece nem permanece jovem, apenas é contemporâneo à sua realidade. “O fascínio da Ciência Jurídica descansa justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais” (RANGEL, 2012).

Impregnado por um cenário que cambaleava, em seus primeiros passos, em prol da facilitação do cidadão ao acesso ao Poder Judiciário, o legislador constituinte de 1988, entalhou no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal a previsão dos Juizados Especiais Cíveis, como mecanismo de ratificação da experiência implantada pela Lei Nº. 7.244/1984, a fim de aprimorar a experiência obtida com a legislação supramencionada. Constata-se, assim, que a Lei Nº. 9.099/1995 ambicionou aprimorar o sistema, alargando a competência do Juizado, tanto em relação à matéria, quanto em relação ao valor. Dessa maneira, é possível pontuar que o cidadão comum encontrou o foro no qual procurava resolver suas pendências cotidianas, aquelas que antes ficavam afastadas da apreciação do Poder Judiciário, alimentando, assim, um sentimento de injustiça. “O caráter didático da atuação do Juizado hoje pode ser medido na atitude da pessoa comum que, diante de uma injustiça, não deixa de procurar seus direitos”. (BONADIA NETO, 2006, p. 03). É possível salientar que apenas no ano de 2012, na Justiça Capixaba, foram ajuizadas, conforme dados apresentados pelo Conselho Nacional

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da Justiça (2013, p. 325), 46.625 (quarenta e seis mil e seiscentos e vinte e cinco) novas demandas, em sede de Juizados Especiais.

Nesse passo, carecido faz-se compreender de que a criação do microssistema dos Juizados Especiais deveu-se aos destinatários que possuíssem causas de solução dotadas de maior simplicidade e de diminuta expressão econômica, os Juizados Especiais Cíveis, instituídos em 1995, devem primar pela concretização dos objetivos de efetivação da tutela jurisdicional de forma rápida, ou seja, que se preste a satisfazer o interesse do cidadão em tempo razoável à utilidade daquela tutela. “A criação, então, dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje denominados Juizados Especiais Cíveis, pretendeu, em última análise, dotar o Poder Judiciário de meios que permitissem a composição célere, adequada e efetiva dos litígios de pequena expressão econômica”. (SODRÉ, 2005, p.xxvii).

Arrimado no entendimento ora explicitado, é possível afirmar que o processo ajuizado perante o microssistema dos Juizados Especiais, além de ser célere, simples e informal, deve, igualmente, trilhar pela via mais econômica, buscando sempre o aproveitamento dos atos processuais, reduzindo os custos do processo e encontrando alternativas que representem um menor ônus tanto para o Poder Judiciário quanto para o cidadão que pretende ver seu interesse tutelado de forma mais econômica. Verifica-se, nessa linha de dicção, que o corolário da conciliação passa a tremular como importante marco orientador, eis que privilegia a resolução das demandas apresentadas ao Estado-juiz pela construção de acordos e composições que reflitam os interesses dos atores processuais. Mais que isso, o princípio da pacificação, instrumentalizado processualmente pela possibilidade de conciliação, contempla a possibilidade de uma cultura pautada no empoderamento dos atores processuais, os quais passam a usufruir de capacidade para solucionar os conflitos existentes, na proporção que, por meio do amadurecimento e do reconhecimento da corresponsabilidade, constroem acordos e composições que possam, concomitantemente, satisfazer ambos os envolvidos no litígio. Nesta linha, é possível reconhecer, ainda, que o microssistema dos Juizados Especiais, ao contemplar a resolução dos conflitos por meio da valoração da conciliação e dar vazão às demandas reprimidas, possibilita, em decorrência de sua mens legis, que seja perseguida a pacificação social, empoderando, assim, os indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se, diante das ponderações apresentadas, que a introdução do microssistema dos Juizados Especiais representou um importante avanço na promoção de acesso ao judiciário, eis que inseriu um procedimento especial,

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delineado por aspectos voltados para a celeridade, economia processual, informalidade, oralidade e simplicidade, tal como na isenção de custas processuais, em sede de primeiro grau. Mais que isso, é possível, ainda, salientar que a adoção da conciliação, como pedra de sustentação do novel procedimento contido na Lei Nº. 9.099/1995, representou a desconstrução da tradicional cultura adversarial que caracteriza os processos judiciais, valorando, em contrapartida, o diálogo como mecanismo apto para o tratamento dos conflitos.

REFERÊNCIAS

BONADIA NETO, Liberato. Juizados Especiais Cíveis – evolução – competência e aplicabilidade – algumas considerações. Disponível em: <www.advogado.adv.br>. Acesso em: 09 jun. 2014. BRASIL. Conselho Nacional da Justiça. Justiça em Número (2013). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014. _____________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014. _____________. Lei Nº. 7.244, de 07 de Novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014. _____________. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014.

SODRÉ, Eduardo. Juizados Especiais Cíveis: Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. RANGEL, Tauã Lima Verdan. Os Critérios Inspiradores do Juizado Especial Cível: A Valoração dos Princípios na Lei Nº. 9.099/1995. Revista Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 18 out. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br>. Acesso em: 09 jun. 2014.

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CONCILIAÇÃO NA PAUTA DO DIA: O ABANDONO DA CULTURA ADVERSARIAL EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE ACORDOS

SILVA, Silvia Estácio da32 RANGEL, Tauã Lima Verdan33

INTRODUÇÃO

É fato que, diariamente, o Poder Judiciário vivencia a frustração da prestação da tutela jurisdicional, em decorrência do elevando ajuizamento de demandas, impulsionado sobremaneira pelo ativismo judicial. Com efeito, verifica-se uma morosidade acentuada das marchas processuais, visto que o elevado acervo conjugado com o diminuto quadro de recursos humanos, desemboca em uma prestação jurisdicional deficiente e que não logra êxito em tratar o conflito. Neste cenário, debruça-se o presente em analisar o instituto da conciliação, na condição de método extrajudicial de tratamento de conflito, notadamente em razão da possibilidade de edificarem um acordo que reflita os anseios e as particularidades envolvidas na situação concreta.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxilio de sites diversos, artigos e vídeo-aula para melhor conhecimento do acerca do presente assunto.

DESENVOLVIMENTO

De início, cuida assinalar que o vocábulo conciliação origina-se do latim conciliation, que significa conciliar. Ao longo do trabalho será mostrado como este recurso vem sendo utilizado, quem o conduz e como o mesmo vem sendo inserido aos Juizados Especiais. A conciliação é uma forma de resolução de conflitos de forma mais pacífica, onde o conciliador não é totalmente imparcial como o mediador, o conciliador conduz o processo. Este recurso é utilizado mais comumente para tratar conflitos do direito de família, direito comercial, de propriedade, civil e do consumidor, fazendo com que as partes não sofram tanto

                                                                                                                         32 Graduanda do 1º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, [email protected]; 33 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]

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com processo que geralmente são demorados e possuem altos custos, além da burocracia, os conflitos, muitas vezes, estão relacionados à falta de diálogo.

Durante muito tempo, esses pequenos conflitos eram resolvidos na Justiça comum, mediante um procedimento burocrático, caro e demorado. Diante desse quadro, a Constituição Federal de 1988 autorizou, em seu artigo 98, inciso I, a criação de sistema jurisdicional diferencial, baseado em princípios próprios, que reduzisse a demanda da Justiça comum e facilitasse o acesso à justiça mediante um processo mais célere e com menos custos. (LEÇA, 2012, s.p.)

A conciliação é um método de tratamento de conflito que já vem sendo empregado, de maneira mais robusta, nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública, tanto em âmbito estadual, quanto em seara federal, é uma forma mais branda e mais rápida de solucionar conflitos. O mesmo ocorre devido à crise vivida pelo Poder Judiciário, este meio vem auxiliando na redução de processos, entre outros benefícios. A conciliação é um dos meios alternativos de pacificação social, como processo facilitador dos processos judiciais. Uma das diferenças entre a mediação e a conciliação é que nessa o conciliador buscar intermediar a construção de um acordo entre os envolvidos, pontuando aspectos positivos e negativos do prosseguimento da marcha processual.

Um dos objetivos da conciliação é que haja uma solução mais justa para as partes, refletindo, assim, os anseios dos envolvidos e os aspectos caracterizadores peculiares, os quais não podem ser olvidados. O conciliador irá dirigir o processo sugerindo um possível acordo, usando técnicas legais e psicológicas. A conciliação é um recurso ainda pouco utilizado, mas que com a passar dos anos vem ganhando espaço na sociedade. Segundo dados do Centro de Conciliação em Campina Grande- Paraíba, o número de conciliação entre procedimento e atendimento foram os seguintes: Em 2010- 225 casos, em 2011- 277 casos, já em 2012, no período de janeiro a abril, foram calculados entre atendimento e procedimento 109 casos. (AZEVEDO; AZEVEDO, 2012).

A busca para resgatar os meios de tratamento de conflitos, vem sendo fortemente percebida, principalmente por meio de projetos como, Conciliar é Legal, que passa mais segurança para os cidadãos e estes começam a buscar com mais freqüência a conciliação, a mediação e a arbitragem e com isso possa reduzir a cultura das sanções, que está enraizada na sociedade. O acesso à justiça é direito que todo ser humano possui, direito este que é garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XXXV. Mas o acesso à justiça não é apenas

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aquele feito pelo Poder Judiciário em processos, mas este acesso é dado também por meio de uma conversa, aconselhamento e consultoria.

Segundo, Kazuo Watanabe, desembargador aposentado do TJSP: “o princípio de acesso à justiça, inscrito na Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. Assim, cabe ao Judiciário não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica. Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-la cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação”. (WATANABE, 2011.)

A conciliação é uma das ferramentas que constituem o acesso à justiça que não seja o tradicional ativismo de todo o poder jurisdicional, ou seja, é um meio alternativo que evita toda a movimentação do aparato jurisdicional. Sendo dessa forma é evidente que por se tratar de meio alternativo traz consigo características como a celeridade, pois evita a movimentação de todo poder estatal, pois o processo do atual sistema jurisdicional necessita de tramites que devem ser seguidos em regra, fazendo com que seu andamento fique engessado em uma linha que deve ser seguida e o custo é baixo uma vez que optando para a solução do conflito por meio da conciliação o estado muita das vezes não é acionado para andar, acompanhar e dar prosseguimento a marcha processual, evitando assim o acionamento de varias repartições e consequentemente fazendo com que seu custo caia consideravelmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz do exposto sobre conciliação, conclui-se que esta ferramenta precisa ser mais divulgada pelos operadores do direito e pela sociedade, pois é imprescindível que seja quebrada esta cultura das sentenças, que foi implantada estruturalmente na sociedade, mostrando para os cidadãos que nem todos os conflitos precisam se encaminhados ao Poder Judiciário para ser solucionados. Deve ser mostrada aos cidadãos que a conciliação também é uma forma da justiça

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ser feita, pois além de beneficiar ambas as partes envolvidas no conflito, também possibilita maior acesso à justiça.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Bruno; AZEVEDO Thiago. Tema Jurídico Fasisa- conciliação, mediação e arbitragem. Campina Grande. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Tca25J3YNsA>. Acesso em 15 jun. 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28 jun. 2014. CARVALHO, Marilei Gama De. A Conciliação no Juizado Especial Estadual Cível. Disponível em: <http://www.faceca.br/revista/index.php/monogr2/article/view/133>. Acesso em 28 jun. 2014. LEÇA, Laíse Nunes Mariz. Conciliação nos Juizados Especiais Cíveis. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, n. 96, jan. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11014&revista_caderno=21>. Acesso em 30 jun. 2014. WATANABE, Kazuo. Conciliação e mediação. São Paulo. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/EGov/Conciliacao/Default.aspx>.

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DEMANDISMO JUDICIAL: O DESENFREADO ACESSO À JUSTIÇA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O AUMENTO DA MOROSIDADE

ZORZANELLI, Luciane Donna Pedruzzi34 RANGEL, Tauã Lima Verdan35 MENDONÇA, Elissandra da Silva36

INTRODUÇÃO

Verifica-se, sobretudo nas últimas décadas, com a promoção do acesso à justiça, o intenso aumento de demandas judiciais, sendo que questões corriqueiras e, por vezes, de índole essencialmente administrativa, tem chegado ao Poder Judiciário. Busca-se, cotidianamente, em decorrência da cultural adversarial caracterizadora do sistema processual vigente, a emissão do pronunciamento do Estado-juiz, a fim de estabelecer o “ganhador” e o “perdedor”. Vários são os fatores que têm resultado no aumento do demandismo judicial, e embora não se tenha a pretensão de enumerá-las, será impossível não citá-las e até mesmo comentá-las, eis que refletem, de maneira direta, uma busca reprimida pelo acesso ao Judiciário, oportunizado com a Constituição da República Federativa de 1988. O resultado de toda esta demanda tem sido o aumento pela busca de serviços na área jurídica, emperrando o sistema existente, permitindo um número de processos em massa cada vez maior e que, muitas vezes, se arrastam por longos anos atravancando o Judiciário, frustrando, via de consequência, os anseios das partes envolvidas na resolução do conflito existente.

Ao tratar de paradigmas referentes ao Judiciário, verifica-se que em meio ao crescimento exacerbado da busca em promover a justiça e o direito do indivíduo, seja por meios gratuitos ou não, ocorre um acúmulo de processos. Tal fato deriva da premissa que os elementos humanos responsáveis pela prestação jurisdicional, servidores e magistrados, é robustamente diminuto, diante da escala de demandas vivenciada. Tal aumento tem assumido papel tão alarmante que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em busca de reprimir a morosidade observada, tem estabelecido, cada vez mais, campanhas em prol de conciliações e mecanismos que atalhem a marcha processual. Necessário é a busca de soluções práticas para

                                                                                                                         34 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, [email protected]; 35 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 36 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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diminuir esta demanda, proporcionando a efetivação da ação judicial, mas de maneira que não haja empilhamento de processos. MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

Partindo do princípio de que “não há sociedade sem direito” (ubi societas ibi jus), e que o direito pretoriano dimensiona a sociedade na busca de um Judiciário mais acessível em atendimento as suas necessidades, constata-se, na atualidade, um número cada vez maior de indivíduos que buscam resolver suas demandas, sejam simples ou complexas, por meio da máquina chamada “justiça”, substancializada na prestação jurisdicional. O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição do dia 23/09/2009, CAD. A-3 revela: “Realizada pelo CNJ, a pesquisa “Justiça em Números’ recém-divulgada cobre o exercício de 2008. Com mais de 300 páginas, o documento revela que o número de processos em tramitação em todos os tribunais passou de 67,7 milhões, em 2007, para 70,1 milhões, no ano passado, entre casos novos e pendentes” (BRASIL, 2009). Ainda em relação aos dados supramencionados, cuida salientar que apenas 25 (vinte e cinco) milhões de processos, de todos os setenta milhões e cem mil processos ajuizados em 2008, foram julgados pelo Poder Judiciário, contabilizando-se, inclusive, os braços especializados e todas instâncias existentes. “O aspecto negativo do demandismo coloca o Brasil numa posição vergonhosa para a credibilidade do Estado Social, gerando um sentimento de que o gasto público é exorbitante, porque aos olhos da sociedade a justiça brasileira está caótica” (SCHÜTZ, 2011).

Embora pareça que a matéria publicada em 2009 esteja ultrapassada, ela é exatamente o reflexo da problemática vivenciada na atualidade. O aspecto negativo do demandismo trás para o país uma imagem de vergonha, de descrédito e a certeza que os exorbitantes gastos públicos são sinônimos do caos instalado na justiça brasileira. Mas, porque o Brasil esta mergulhado neste mar de processos? Talvez a responsabilidade esteja assentada em um fenômeno verificado nas últimas décadas, denominado demandismo judicial, resultado do conhecimento adquirido pela mídia e os demais meios de comunicação que o cidadão comum passou a ter sobre os seus direitos, ou talvez a democratização e a facilidade do acesso à justiça, sem falar na gratuidade, que promove uma busca exacerbada na garantia dos direitos, muitas vezes, resultando em processos

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desnecessários diante da pouca relevância dos fatos. Enfim, seja qual for a responsabilidade, a urgência de frear ou de desatravancar o sistema judiciário é eminente.

Várias têm sido as ações realizadas pelo judiciário para solucionar a problemática do demandismo judicial, por meio de bancas permanentes de mediação, conciliação, arbitragem, como também os Centros de Pacificação Social, que buscam promover a resolução dos conflitos, mas estas ações não tem sido suficientes. A partir do crescimento do consumismo, vários processos têm sido abertos para reclamar de produtos e serviços. Até mesmo a ineficiência dos extratos bancários, com suas cobranças de taxas abusivas e pouco esclarecedoras tem sido alvo de clientes que procuram o poder judiciário em busca de seus direitos (PASSOS, 2014a, s.p.). Conflitos de ordem familiar, entre vizinhos, entre condôminos, cada vez mais tem buscado no direito a resolução de suas questões.

Com o aquecimento da economia brasileira, verificou-se o aumento do acesso à justiça e, concomitante com tal quadro, houve o expansionismo do consuma entre as mais diversas camadas sociais, permitindo, inclusive, conforme Passos (2014b, p. 02) assinala, que as classes mais humildes vivenciam um processo de conscientização e buscassem os seus direitos. Mais que isso, o que era para ser aliado na resolução dos problemas, passa a ser um gerador a mais de conflitos, como é o caso da tecnologia utilizada no Judiciário. Processos que são resolvidos, por exemplo, em mais de um Estado da Federação, ao conterem erros de informações, como números de processos ou o nome das partes, impedem o bom andamento do processo, trazendo lentidão e atraso na conclusão dos mesmos. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que haja diminuição da demanda de processos judiciais são necessárias inúmeras ações, mas a principal destas ações talvez seja a prevenção de conflitos, pois isto resultaria na diminuição de abertura de processos e consequentemente a redução dos custos processuais. Outra ação seria restringir a gratuidade da justiça somente a casos comprovadamente de ausência de recursos financeiros ou mesmo falta de bens a serem penhoráveis, promovendo uma justiça social ao cidadão que de fato dela necessite. Os demais casos deveria haver um reembolso das despesas processuais, pois evidente é que com isto haveria uma diminuição na busca para resoluções de conflitos de pequena relevância, impondo maior responsabilidade o juridicamente necessitado.

Muito mais que a democratização da justiça e da divulgação do conhecimento dos direitos adquiridos, necessário é que o Estado atue por meio de

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campanhas disciplinares e de conscientização outras formas de resoluções de conflitos, pois a partir do instante que os anseios sociais forem acolhidos e solucionados o demandismo diminuirá, os gastos públicos serão reduzidos e o comportamento conflituoso dará lugar a soluções mais efetivas. REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional da Justiça. Justiça em Número (2013). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 05 jun. 2014. _____________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jun. 2014. _____________. Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Disponível em: <http://www.jfms.jus.br/>. Acesso em 05 jun. 2014. PASSOS, Carlos Eduardo da Fonseca. Mais uma forma de demandismo: exibição judicial de extratos bancários. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br> Acesso em 06 mai. 2014a. ______________. Relação de consumo, gratuidade de justiça, abuso do direito e demandismo. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br> Acesso em 07 mai. 2014b. SCHÜTZ, Hebert Mendes de Araújo. A Função Intervencionista do contemporâneo Estado de Direito na prevenção dos conflitos derivados das relações de consumo. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul. 2011. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9866&revista_caderno=10>. Acesso em 04 jun. 2014.

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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COMO GARANTIA REAL DE UMA EXECUÇÃO FISCAL

MARTINS, Marcos Vinícius37 CORDEIRO, Vinícius Coutinho Sampaio38 RANGEL, Tauã Lima Verdan39 MENDONÇA, Elissandra da Silva40

INTRODUÇÃO

Nota-se, desde sua chegada ao ordenamento jurídico, em meados dos anos 60, que o instituto tratado vem desempenhando papel muito importante, declinando o véu da pessos juridica, na qual os administradores se escondem. A pessoa jurídica, na condição de entidade abstrata, tem seus bens separados do patrimônio dos sócios. O instituto em análise busca explicitar a exceção legislativa, permitindo, por meio do levantamento do véu da personalidade e desconsideração da personalidade jurídica, superar a divisão dos bens da empresa e dos seus sócios, para efeito de cumprimento de determinadas obrigações, notadamente no que tange às débitos fiscais existentes. MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto. DESENVOLVIMENTO

A desconsideração da personalidade jurídica ocorre com o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade das atividades regulares da pessoa jurídica, bem como a confusão patrimonial dos bens desta com os dos sócios administradores, conforme versa Amadeu Braga Batista Silva:

Apesar de os patrimônios da sociedade e dos sócios serem diversos, a utilização de ambos indiscriminadamente, como, por exemplo, bens de

                                                                                                                         37 Graduando do 7º período do Curso de Direito, [email protected] 38 Graduando do 7º período do Curso de Direito, [email protected] 39 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 40 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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sócios registrados indevidamente como patrimônio da sociedade, dentre outros, justifica a desconsideração da personalidade jurídica (SILVA, 2012, s.p.)

Versando sobre direito tributário, é cediço que o instituto em questão, ganha um novo pressuposto para sua identificação, denominado fraude à lei. Surge, então, a tríade de caracterização da desconsideração da personalidade jurídica Segundo os pensamentos de Alexandre Couto Silva:

A desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá quando o conceito de pessoa jurídica for utilizado para promover fraude, evitar o cumprimento de obrigações, obter vantagens da lei, perpetuar o monopólio, proteger a pratica do abuso de direito, propiciar a desonestidade, contrariar a ordem pública e justificar o injusto. Nessas hipóteses, o Judiciário deverá ignorar a pessoa jurídica, considerando-a como associação de pessoas naturais, buscando a justiça. A pessoa jurídica deve ser, obrigatoriamente, utilizada para fins legítimos, e não para negócios escusos, situação em que deverá ser desconsiderada. Entretanto, a desconsideração deve ser a exceção, não a regra. (SILVA, 2000, p. 780)

A fraude à lei, que consiste na dificuldade imposta pelos sócios para o cumprimento da obrigação, bem como demais práticas para obtenção de vantagens; A confusão patrimonial, que se refere à conduta do administrador, a fim de se beneficiar dos bens da pessoa jurídica e o desvio de finalidade, configurado pelo abuso da personalidade jurídica, afastando qualquer ato da socidade de sua finalidade legal. Assim, a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer em razão de uso fraudulento ou abusivo do instituto da personalidade jurídica, de confusão patrimonial, ou de uso que objetiva atingir fins ilegítimos e ilegais, em desvio de sua função social, mesmo ainda, o artigo 50 da Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, reconhecendo apenas o pressuposto do abuso de personalidade. Partindo do princípio da efetividade do processo, na qual o Estado deve promover todos os meios cabíveis para satisfação da tutela executiva, a desconsideração da personalidade jurídica impõe no redirecionamento da dívida aos administradores, em que estes responderam pela dívida, passando a figurar juntamente com a pessoa jurídica, no polo passivo da execução fiscal.

No tocante à execução fiscal, o requisito de admissibilidade que caracteriza a desconsideração, praticado com maior frequência pelos administradores é a fraude à lei. Dentre as diversas práticas interpretadas como fraude a dissolução irregular possui papel de destaque. A dissolução consiste no encerramento das

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atividades da sociedade empresária, sem a devida baixa dos atos constitutivos na Junta Comercial. Segundo entendimentos jurisprudências, a dissolução irregular é identificada como fraude à lei, tendo em vista que o sócio age de forma ilegítima e ilegal, na qual é necessário e obrigatório a alimentação da junta comercial com qualquer informação pertencente à empresa. Neste sentido, dispõe a súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. (BRASIL, 2014)

A dissolução irregular não deve ser analisada isoladamente como causa de redirecionamento da dívida. A prática fraudulenta deve está aliada com a intenção do administrador de dificultar o cumprimento das obrigações, bem como a identificação de seus bens pessoais com os da empresa (confusão patrimonial). Considerando que a prática de encerramento das atividades sem a devida baixa nos atos constitutivos configura infração a lei, conforme elucidado anteriormente, é devidamente possível reconhecer a dissolução irregular como causa de desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que neste caso específico, existe uma fraude à lei, agindo o administrador de forma ilegítima e ilegal, havendo então, a possibilidade de adentrar ao véu da pessoa jurídica para atacar os bens e responsabilizar o sócio pessoalmente. Desta maneira, a desconsideração da personalidade jurídica apresenta-se como instituto jurídico essencial para o levantamento do véu da personalidade, afastando-se, via de consequência, a tábua axiológica que sustenta a ficção da pessoa jurídica, permitindo, assim, toca o patrimônio dos sócios e satisfazer os débitos existentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de execução é amparado pelo princípio do desfecho único, na qual o processo de execução busca o resultado pretendido, qual seja, o adimplemento da obrigação. Neste sentido, resta cristalino que o referido instituto apresenta grande importância para garantia de uma execução fiscal. Um exemplo hipotético para ilustrar uma situação que comprove a importância deste instituto, é quando o oficial de justiça, buscando realizar alguma diligência, constata que ocorreu o encerramento das atividades empresarias, estando neste sentido, impossibilitado de tocar a presente execução, por meio de mandado de citação ou penhora. Nesta ocasião, verificada a dissolução irregular, seria possível o redirecionamento da dívida aos sócios, a fim de prosseguir com a execução. Isto posto, é importante destacar que a junta comercial possui papel fundamental para caracterização da dissolução irregular, em que será observado as ultimas

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alterações, estando comprovado que não houve a devida baixa dos atos constitutivos. REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf>. Acesso em 09 mai. 2014. SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. III. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica: Limites para sua Aplicação. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 89, 780/47 ed, out. 2000, v. 780. SILVA, Amadeu Braga Batista. Requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário brasileiro. Revista da PGFN/Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, v.2, n.1 (jan./jul.2012), paginas 203/228, Brasília/DF, PGFN, 2012.

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ESTUDOS E REFLEXÕES SOBRE A FRAUDE À EXECUÇÃO

MARTINS, Marcos Vinícius41 CORDEIRO, Vinícius Coutinho Sampaio42 RANGEL, Tauã Lima Verdan43 MENDONÇA, Elissandra da Silva44

INTRODUÇÃO

No decorrer do processo de execução, denotam-se diversas situações provenientes das manobras ardis utilizadas pelos executados, a fim de fraudar o Fisco, a lei e a execução. Dentre outras manobras, a alienação fraudulenta visando uma falsa situação de insolvência é determinada pelo instituto de fraude à execução, importante para proteger o princípio do desfecho único do processo de execução. Existem diversas ferramentas além desta elucidada no decorrer do processo de execução, porquanto a fraude à execução junto com a desconsideração da personalidade jurídica e a detecção de sucessão empresarial é a mais utilizada. Portanto, há de se tratar esse instituto supracitado como fundamental para que ocorra o devido processo de execução, na qual a dívida em questão tem possibilidade de quitação graças a este instituto jurídico. MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o apoio do atual entendimento jurisprudencial, bem como de doutrina especializada na temática proposta e revisão de artigos científicos.

DESENVOLVIMENTO

O instituto da fraude à execução constitui “verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair” (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 166-167). A fraude à execução está estritamente relacionada com a responsabilidade patrimonial do devedor, bem como seu responsável legal. Os artigos 591 e                                                                                                                          41 Graduando do 7º período do Curso de Direito, [email protected] 42 Graduando do 7º período do Curso de Direito, [email protected] 43 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 44 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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seguintes da Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, tratam da responsabilidade patrimonial, prevendo a fraude à execução nos termos do artigo 593 e seus incisos:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I- Quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II- Quando, ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III- Nos demais casos expressos em lei. (BRASIL, 2014c)

A alienação fraudulenta fundada no inciso I, quando constatada, torna ineficaz e não nula a venda do imóvel. Assim, havendo bens ou quantia em dinheiro que satisfaça a ação, não há necessidade de envolver o bem alienado. Caso a ação fundada em direito real seja extinta sem que haja necessidade de tocar no imóvel alienado, cessa a fraude à execução. Já no caso do inciso II do referido artigo, quando há demanda capaz de tornar o devedor insolvente, a alienação se torna fraudulenta, haja vista que não há patrimônio suficiente para satisfazer tal demanda, impossibilitando a doação ou a venda de qualquer bem que componha o patrimônio, comprometendo-os para garantir que o direito da parte contrária seja satisfeito.

O inciso III do referido artigo, engloba varias situações previstas na legislação brasileira referente à fraude, como por exemplo, quando o terceiro negar o débito em conspiração com o devedor no que tange à sua quitação, quando se tratar de penhora de credito, nos termos do artigo 672, §3º da Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil. Outra situação de falseamento que pode ser constatada na legislação brasileira está prevista no artigo 185 da Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966, que institui o Código Tributário Nacional que dispõe: “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa” (BRASIL, 2014b).

Conforme dispositivo acima, a fraude à execução fiscal se configura quando há alienação ou oneração de bens, desde o momento da inscrição em Dívida Ativa, presumindo-se que o devedor tem ciência do inadimplemento quanto ao pagamento dos tributos em tempo hábil, provocando a respectiva cobrança. Tal entendimento só pode ser acolhido após a nova redação do artigo 185 da Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966, que institui o Código Tributário Nacional, dada pela Lei Complementar Nº 118/2005, que altera e acrescenta dispositivos à Lei no

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5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei, no qual no fim do caput havia o termo “em fase de execução”, possibilitando assim que o devedor fosse beneficiado pela lacuna existente. Assim a alienação era considerada fraudulenta após a regular citação do devedor. Ora, o lapso temporal existente desde quando a Fazenda Pública inscreve o devedor em Dívida Ativa, passando pelo prazo de possível cobrança em Juízo, até a regular citação do devedor em processo de execução é grande o suficiente para que o devedor não se preocupasse tanto com a alienação de bens, visto que haveria tempo para se planejar tal manobra.

Tal instituto é considerado remédio, pois, em decorrência dele, as artimanhas utilizadas pelo executado são desmascaradas, auxiliando no prosseguimento da execução. Não obstante às artimanhas, o próprio parcelamento da dívida pode ter caráter protelatório, uma vez que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário. Por isso, a constatação de fraude à execução, acaba se tornando a saída que o exequente encontra de obter garantias reais de quitação do crédito em questão. Moacyr Amaral Santos mostra que a mera conduta visando protelar a execução e/ou criar uma situação falsa de insolvência já configura fraude, independente da intenção de fraudar, nestes exatos termos:

A fraude à execução tem por pressuposto que, ao tempo da alienação, ou da oneração, se tenha iniciado o processo condenatório ou executório contra o devedor. A alienação, ou a oneração, se destina a fraudar a execução iniciada, ou em perspectiva de o ser pela existência de uma ação em juízo. O intuito do alienante de prejudicar o credor é manifesto, evidente, donde independer a fraude de execução de prova (da intenção de fraudar). (SANTOS, 1997, p. 51)

Ademais, o instituto da fraude à execução define o socorro para preservar o princípio da boa-fé e da segurança jurídica, além de resguardar a dignidade da justiça. Considerando que, os tributos são voltados para a manutenção da ordem social, escusar-se da responsabilidade reflete não só em prejuízo à Fazenda Pública, bem como promove estrago imensurável ao bem estar da sociedade, uma vez que o dever de manter-se regular perante o Fisco é lei. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando o disposto até aqui, consolida-se a ideia da importância do instituto da fraude à execução para garantir a eficácia da execução e da satisfação da dívida tributária. Cabe ressaltar que, apesar de ensejar um mesmo resultado que a desconsideração da personalidade jurídica, estes são meios diferentes de se prosseguir com a ação, detectados em determinado momento, visando o fim

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satisfatório da mesma, inibindo possíveis manobras promovidas pelos administradores. Para que o processo de execução possua seu desfecho esperado, é necessário que tantos outros institutos como este atuem durante todo o decorrer do processo, observando fatores que em muita das vezes se tornam cruciais para configurar a má-fé do executado, como a alienação fraudulenta tão frisada no instituto jurídico em questão. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Complementar Nº 118, de 09 de Fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp118.htm>. Acesso em 26 abr. 2014a. ____________. Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Institui o Código Tributário Nacional. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em 25 abr. 2014b. ____________. Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869 compilada.htm>. Acesso em 05 abr. 2014c. SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. III. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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LIAME ENTRE O DIREITO FRATERNO E A MEDIAÇÃO: EM BUSCA DE UM PARADIGMA NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO

ATHAYDE, Sarah Scheideger45 SILVA, Bruna Martha Paineiras Simões46 RANGEL, Tauã Lima Verdan47 MENDONÇA, Elissandra da Silva48

INTRODUÇÃO

As formas modernas e padronizadas de se dizer o direito acaba por mascarar o rosto do sujeito, impedindo a visibilidade das demandas históricas e encobrindo as diferenças simbólicas que entremeiam todo e qualquer tipo de conflito social. A dogmática jurídica tradicional castra os sentidos, reduz o acesso e diminui a possibilidade de se compreender a complexidade presentes nos litígios.

Surgindo, por tanto na necessidade de uma forma de resolução de conflito capaz de visualize as sutilezas e as complexidades dos sujeitos que discutem a posse de um determinado direito. Essa maneira é a mediação que se encontra atrelada as ideias advindas do Direito Fraterno que tem como fundamento político e filosófico nas reflexões feitas pelo jurista italiano Eligio Resta frente aos novos desafios impostos hoje à humanidade como um todo. A mediação não pretende erradicar com o conflito, afinal, conflitos movem estruturas, constituem basilares da evolução e da reforma.

Na atualidade a sociedade se mantém estagnada enquanto suas desavenças são dirimidas por um juiz, esquecendo-se que a transição de responsabilidade do particular para o judicial, desconsidera que essencialmente o conflito se traduz em um mecanismo complexo, oriundo de extensa gama de fatores, que não se definem de maneira estritamente normativa ou decisiva.

                                                                                                                         45 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 46 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 47 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected] 48 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho respaldou-se em uma pesquisa bibliográfica existente sobre o tema, visando conceder especial destaque aos entendimentos doutrinários a cerca do Direito Fraterno, enquanto instrumento basilar da mediação bem como a influencia princípio da dignidade da pessoa humana e ótica constitucional dispensada por Ana Carolina Ghisleni, Fabiana Marion Spengler e Marieta Izabel Martins Maia. De igual modo, buscou-se a utilização de entendimentos adotados pelo doutrinador Eligio Resta, bem como Jurisprudências.

DESENVOLVIMENTO

Conforme João Roberto da Silva (2004, p. 91) todo o conflito, seja constituído pelo coletivo, ou pelos individuais, tem pessoas envolvidas as quais são responsáveis pelos acontecimentos. Será aqui analisada principalmente a visão positiva do conflito, que o considera um “ciclo de reciclagem, pelo qual as pessoas estão se renovando constantemente, através de sua visão não negativa destes”. Portanto todos os acontecimentos da sociedade são fenômenos da natureza humana, gerados por ações de circunstâncias externas sobre os indivíduos; se, neste caso, os pensamentos e sentimentos estão sujeitos a leis fixas, sendo assim consequência dessas precedentes. O poder estatal só existe em razão de uma ordem instituidora, de forma que um mande e os outros obedeçam. “O Estado é descrito como o poder que se encontra por trás do Direito, que impõe o Direito” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 21). Ora, se existe, é pelo fato de que o Direito em si é efetivo e na ideia de que normas jurídicas prevendo sanções motivam a conduta dos indivíduos e exercem uma compulsão psíquica sobre os indivíduos (KELSEN, 1998, p. 274).

Os moldes tradicionais de composição de conflitos mantêm sempre um grau de inconformidade com a proposta conciliatória apresentada e, geralmente, imposta pelo juiz. Deste modo concluísse que, depois de homologada, uma parte sai vencedora e, conseguintemente, a outra perdedora. A crescente multiplicidades dos conflitos, quer em âmbito familiar, profissional ou de vizinhança, gera necessidade de um forma alternativa de resolver os mesmo, o que acabou por se tornar um desafio para os operadores do Direito. Objetiva-se tratar da fraternidade e, consequentemente, do Direito fraterno como aquele que abandona as fronteiras fechadas da cidadania, respeitando os direitos humanos, e que, ao retornar ao binômio constituído de Direito e fraternidade, “recoloca em jogo um modelo de regra da comunidade política: modelo não vencedor, mas possível” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 09). Apesar de não tão difundido, já de algum tempo vem sendo divulgado tendo por seu precursor o italiano Elígio Resta (2004), cujo livro,

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escrito com o mesmo título constitui o alicerce para essa nova doutrina retomando a ideia de fraternidade já anunciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A mediação, então, floresce como resposta a essa necessidade, entretanto esta necessita de uma categoria ética subjetiva que não se extingue na diligencia de um sujeito que direcionasse ao outro, na atitude de uma moralidade ou normatividade imperativa respaldada num momento de predomínio ou zona de conforto de identidades, pois nessas condições onde não se desprende de si mesmo, sujeito, em permanece na posição central da realidade e do conflito. Haja vista que unidos pelos conflitos, os litigantes esperam por um terceiro que os solucione geralmente o estado. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação total das partes, inclusive na decisão final, faz com que a mediação se sobreponha às demais formas extrajudiciais de tratamento de conflitos. Tal procedimento, além da celeridade e eficiência, traz mais satisfação e sucesso, visto que atua na verdadeira causa do problema e proporciona mudanças sociais na vida dos demandantes e da sociedade como um todo, permitindo a reconstrução do conflito, a partir da corresponsabilização das partes. O Direito Fraterno como fomentador de políticas públicas gestoras da mediação de conflitos, esta última como forma alternativa de tratamento das demandas litigiosas. A escolha do tema ocorreu, justamente, em razão da necessidade de se apresentar uma nova opção para a solução dos conflitos, desvinculando-se das decisões impostas pelo Estado.

A mediação, como ferramenta material do Direito Fraterno, necessita de uma categoria ética subjetiva que não se extingue na diligencia de um sujeito que direcionasse ao outro, na atitude de uma moralidade ou normatividade imperativa respaldada num momento de predomínio ou zona de conforto de identidades, pois nessas condições onde não se desprende de si mesmo, sujeito, em permanece na posição central da realidade e do conflito. Haja vista que unidos pelos conflitos, os litigantes esperam por um terceiro que os solucione geralmente o estado. Conclui-se, portanto que a mediação pode ser considerada uma das melhores formas de representação do ideal fraterno, haja vista que sua essência é formada pela decisão dos conflitantes, não pela imposição judicial. Destarte, além da celeridade e aplicabilidade, trata-se também de um aspecto mais humano para a dissolução das lides.

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REFERÊNCIAS

GHISLENI, Ana Carolina; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos a partir do Direito Fraterno. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MAIA, Marieta Izabel Martins. Direito Fraterno: em busca de um novo paradigma jurídico. Disponível em: epositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/63904/2/TESE%20MARIETA%20OK.pdf. Aceso em: 15 abr. 2014. RESTA, Elígio. O Direito fraterno. Tradução e coordenação de Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. SILVA, João Roberto da. A mediação e o processo de mediação. São Paulo: Paulistanajur, 2004.

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MUTIRÕES DE CONCILIAÇÃO EM PAUTA: A CONSTRUÇÃO DE ACORDOS COMO ALTERNATIVA À MOROSIDADE PROCESSUAL

PEREIRA,Reynaldo Batista49 SANTOS, Edvelton Salmar dos50 RANGEL, Tauã Lima Verdan51 MENDONÇA, Elissandra da Silva52

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa discorrer sobre o tema da conciliação, abordando tal instituto como um dos meios de resolução de conflito, que objetiva desobstruir a via judicial, conduzindo o conflito para uma resolução mais célere, com um tramite mais ágil e satisfatório para ambas as partes, garantindo um preceito fundamental, o acesso à justiça, aos brasileiros natos e naturalizados. O acesso à justiça busca não somente a celeridade, também a eficiência, para que o cidadão brasileiro consiga chegar a justiça sem precisar esperar um trâmite processual demorado e não ter a certeza que a decisão será satisfatória. MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

A conciliação é um meio extrajudicial de tratamento de conflitos que evita toda a movimentação do aparato jurisdicional. Sendo dessa forma é evidente que por se tratar de meio extrajudicial traz consigo características como a celeridade, pois evita a movimentação de todo poder estatal. No mesmo sentido o doutrinador Luiz Antunes Caetano diz:

                                                                                                                         49 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”; [email protected] 50 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES; [email protected] 51 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 52 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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Os meios alternativos da solução de conflitos são ágeis, informais, céleres, sigilosos, econômicos e eficazes. Deles é constatado que: são facilmente provocados e, por isso, são ágeis; céleres porque rapidamente atingem a solução do conflito; sigilosos porque as manifestações das partes e sua solução são confidenciais; econômicos porque têm baixo custo; eficazes pela certeza da satisfação do conflito (CAETANO, 2002, p. 104).

Sendo assim, Cândido Dinamarco (2005, p. 138), em seu magistério, com clareza, diz que “o processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade”. Com isso fez necessário a implementação da política nacional de conciliação com a Resolução Nº 125 do Conselho Nacional de Justiça que tem como fim:

Tornar efetivo o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, Constituição da República) como “acesso à ordem jurídica justa”. A Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses busca assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade (BRASIL, 2014c).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante a todo cidadão o acesso total à justiça. E, no mesmo sentido, Alexandre Cesar preleciona dizendo:

A garantia de efetivo acesso à Justiça também constitui um Direito Humano e, mais do que isto, um elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário. Por conta disso é que José Alfredo de Oliveira Baracho afirma que ele ‘é primordial à efetividade dos direitos humanos, tanto na ordem jurídica interna como na internacional. O cidadão tem necessidade de mecanismos próprios e adequados para que possa efetivar seus direitos (CESAR, 2002, p. 46) .

A visão de acesso à justiça não pode ser entendida como o mero direito de acionar o Poder Judiciário, o acesso à justiça vai além de uma simples demanda judicial, o cidadão ao impetrar uma ação com o fim de solucionar seu problema tem mais que a simples pretensão de ter sua demanda julgada. Ao acionar o poder do estado de julgar suas demanda o cidadão esta buscando objetivar outros direitos garantidos constitucionalmente como o ter uma sociedade justa, resguardado no artigo 3º da Constituição de 1988, ou então ter o direito de resposta, resguardado no inciso V do artigo 5º dando margem, ainda, para outro direito fundamental que e englobado pelo acesso à justiça que é o direito a ampla

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defesa. Ora, garantir o acesso à justiça é essencial, da mesma maneira que assegura aos que estão demandando sua ampla defesa e contraditória, fazendo que o acesso à justiça tremule como paradigma sustentador de um processo legal e principiológico.

Assim, consoante magistério de Ingo Wolfgang Sarlet (2005, s.p.) diz: “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa”. Assim, a materialização de tal plexo que direitos desdobram tanto na seara processual quanto na órbita concreta. Diverso não ocorre com acesso à justiça, afigurando-se como incumbência que repousa sobre os ombros do Estado Democrático de Direito por meio da chancela do acesso a justiça como Direito fundamental.

Mais que uma ferramenta de solução de conflito, há que se anotar a imprescindibilidade de envidar esforços para que a conciliação logre êxito em seu intento, reclamando, pois, de estruturação do aparato existente. Nesta toada, o Poder Judiciário, visando dar vazão às demandas paralisadas, organizam mutirões de conciliação, buscando promover o deslinde da demanda pela edificação de um acordo que reflita os anseios de ambos os envolvidos. O Conselho Nacional de Justiça promove todo o ano o dia nacional de conciliação onde todos os Tribunais do país se mobilizam para ocorrência de audiência visando à solução de conflitos levados a eles, tal iniciativa ocorre desde 2006 e vêm todos os anos ultrapassando a marca de 40% de acordos efetuados, são processos que normalmente levariam anos para sua solução, entretanto com a conciliação e os mutirões faz com que o cenário mude. Ver-se, nitidamente, que unindo a forma alternativa de solução de conflitos com a aplicação do mesmo, o cidadão e a justiça brasileira ganha em muito, pois soluciona o problema do cidadão e desobstrui os tribunais, atualmente com pilhas e pilhas de processos a serem julgados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando o que fora até aqui disposto, a conciliação é um importante meio de tratamento dos conflitos, eis que está calcada na busca pelo tratamento do conflito, a partir da perspectiva dos envolvidos diretamente nesse, primando pela edificação do acordo como resultado. Em sede de Poder Judiciário, cuida reconhecer que a conciliação materializa uma substancial ferramenta de acesso à justiça muito eficaz, uma vez que é um meio que tem como princípios a celeridade e empoderamento das partes visando o melhor tratamento da lide trazida pelo cidadão ao conciliador. Ora, percebe-se, também, que tal instituto e de extrema importância para tratar a atual crise do sistema judiciário, que sofre constantemente com o acúmulo de processos existentes no Poder Judiciário

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nacional, entretanto há que se observa a melhor aplicação da conciliação no sistema jurídico atual, tendo em vista a melhor aplicação do instituto e capacitação dos conciliadores. REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2013. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br> Acesso em 29 jun. 2014a. ________________. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 14 mai. 2014b. ________________. Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/conciliacao/politica_nacional.htm>. Acesso em 11 mai 2014c. BESSA, Leandro Souza. Colisões de Direitos Fundamentais. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/125.pdf> Acesso em 14 abr 2014. CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e Mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002. CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: Editora Universitária, 2002. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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MUTIRÕES DE CONCILIAÇÃO EM PAUTA: A CONSTRUÇÃO DE ACORDOS COMO ALTERNATIVA À MOROSIDADE PROCESSUAL

PEREIRA,Reynaldo Batista53 SANTOS, Edvelton Salmar dos54 RANGEL, Tauã Lima Verdan55 MENDONÇA, Elissandra da Silva56

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa discorrer sobre o tema da conciliação, abordando tal instituto como um dos meios de resolução de conflito, que objetiva desobstruir a via judicial, conduzindo o conflito para uma resolução mais célere, com um tramite mais ágil e satisfatório para ambas as partes, garantindo um preceito fundamental, o acesso à justiça, aos brasileiros natos e naturalizados. O acesso à justiça busca não somente a celeridade, também a eficiência, para que o cidadão brasileiro consiga chegar a justiça sem precisar esperar um trâmite processual demorado e não ter a certeza que a decisão será satisfatória.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

A conciliação é um meio extrajudicial de tratamento de conflitos que evita toda a movimentação do aparato jurisdicional. Sendo dessa forma é evidente que por se tratar de meio extrajudicial traz consigo características como a celeridade, pois evita a movimentação de todo poder estatal. No mesmo sentido o doutrinador Luiz Antunes Caetano diz:

                                                                                                                         53 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”; [email protected] 54 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES; [email protected] 55 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 56 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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Os meios alternativos da solução de conflitos são ágeis, informais, céleres, sigilosos, econômicos e eficazes. Deles é constatado que: são facilmente provocados e, por isso, são ágeis; céleres porque rapidamente atingem a solução do conflito; sigilosos porque as manifestações das partes e sua solução são confidenciais; econômicos porque têm baixo custo; eficazes pela certeza da satisfação do conflito (CAETANO, 2002, p. 104).

Sendo assim, Cândido Dinamarco (2005, p. 138), em seu magistério, com clareza, diz que “o processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade”. Com isso fez necessário a implementação da política nacional de conciliação com a Resolução Nº 125 do Conselho Nacional de Justiça que tem como fim:

Tornar efetivo o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, Constituição da República) como “acesso à ordem jurídica justa”. A Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses busca assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade (BRASIL, 2014c).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante a todo cidadão o acesso total à justiça. E, no mesmo sentido, Alexandre Cesar preleciona dizendo:

A garantia de efetivo acesso à Justiça também constitui um Direito Humano e, mais do que isto, um elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário. Por conta disso é que José Alfredo de Oliveira Baracho afirma que ele ‘é primordial à efetividade dos direitos humanos, tanto na ordem jurídica interna como na internacional. O cidadão tem necessidade de mecanismos próprios e adequados para que possa efetivar seus direitos (CESAR, 2002, p. 46) .

A visão de acesso à justiça não pode ser entendida como o mero direito de acionar o Poder Judiciário, o acesso à justiça vai além de uma simples demanda judicial, o cidadão ao impetrar uma ação com o fim de solucionar seu problema tem mais que a simples pretensão de ter sua demanda julgada. Ao acionar o poder do estado de julgar suas demanda o cidadão esta buscando objetivar outros direitos garantidos constitucionalmente como o ter uma sociedade justa, resguardado no artigo 3º da Constituição de 1988, ou então ter o direito de resposta, resguardado no inciso V do artigo 5º dando margem, ainda, para outro

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direito fundamental que e englobado pelo acesso à justiça que é o direito a ampla defesa. Ora, garantir o acesso à justiça é essencial, da mesma maneira que assegura aos que estão demandando sua ampla defesa e contraditória, fazendo que o acesso à justiça tremule como paradigma sustentador de um processo legal e principiológico.

Assim, consoante magistério de Ingo Wolfgang Sarlet (2005, s.p.) diz: “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa”. Assim, a materialização de tal plexo que direitos desdobram tanto na seara processual quanto na órbita concreta. Diverso não ocorre com acesso à justiça, afigurando-se como incumbência que repousa sobre os ombros do Estado Democrático de Direito por meio da chancela do acesso a justiça como Direito fundamental.

Mais que uma ferramenta de solução de conflito, há que se anotar a imprescindibilidade de envidar esforços para que a conciliação logre êxito em seu intento, reclamando, pois, de estruturação do aparato existente. Nesta toada, o Poder Judiciário, visando dar vazão às demandas paralisadas, organizam mutirões de conciliação, buscando promover o deslinde da demanda pela edificação de um acordo que reflita os anseios de ambos os envolvidos. O Conselho Nacional de Justiça promove todo o ano o dia nacional de conciliação onde todos os Tribunais do país se mobilizam para ocorrência de audiência visando à solução de conflitos levados a eles, tal iniciativa ocorre desde 2006 e vem todos os anos ultrapassando a marca de 40% de acordos efetuados, são processos que normalmente levariam anos para sua solução, entretanto com a conciliação e os mutirões faz com que o cenário mude. Ver-se, nitidamente, que unindo a forma alternativa de solução de conflitos com a aplicação do mesmo, o cidadão e a justiça brasileira ganha em muito, pois soluciona o problema do cidadão e desobstrui os tribunais, atualmente com pilhas e pilhas de processos a serem julgados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observando o que fora até aqui disposto, a conciliação é um importante meio de tratamento dos conflitos, eis que está calcada na busca pelo tratamento do conflito, a partir da perspectiva dos envolvidos diretamente nesse, primando pela edificação do acordo como resultado. Em sede de Poder Judiciário, cuida reconhecer que a conciliação materializa uma substancial ferramenta de acesso à justiça muito eficaz, uma vez que é um meio que tem como princípios a celeridade e empoderamento das partes visando o melhor tratamento da lide trazida pelo cidadão ao conciliador. Ora, percebe-se, também, que tal instituto e de extrema importância para tratar a atual crise do sistema judiciário, que sofre

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constantemente com o acúmulo de processos existentes no Poder Judiciário nacional, entretanto há que se observa a melhor aplicação da conciliação no sistema jurídico atual, tendo em vista a melhor aplicação do instituto e capacitação dos conciliadores. REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2013. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br> Acesso em 29 jun. 2014a. ________________. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 14 mai. 2014b. ________________. Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/conciliacao/politica_nacional.htm>. Acesso em 11 mai 2014c. BESSA, Leandro Souza. Colisões de Direitos Fundamentais. Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/125.pdf> Acesso em 14 abr 2014. CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e Mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002. CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: Editora Universitária, 2002. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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NOVOS HORIZONTES PROCESSUAIS: AVANÇO OU RETROCESSO COM A INFORMATIZAÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS?

MARALHA, Ana Lucia57 RANGEL, Tauã Lima Verdan58

INTRODUÇÃO

A crescente demanda processual tem gerado dificuldades ao Superior de Justiça na concretização de sua missão, que é: Processar e julgar as matérias de sua competência originária e recursal, assegurando a uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais e oferecendo ao jurisdicionado uma prestação acessível, rápida e efetiva. Com o crescente aumento dos processos em trâmite no STJ, também aumenta a necessidade de um maior espaço físico para acomodar os papéis dos processos. Alguns processos, muitos com mais de 100 volumes e mais de 20.000 páginas, é excessivamente trabalhoso conseguir encontrar nos autos determinado documento ou prova, seja pelo trabalho físico de manuseio como também pela enorme quantidade e variedade de provas e documentos reunidos. Os problemas que se apresentam trazem enorme morosidade à solução dos conflitos de interesse na via judicial.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta.

DESENVOLVIMENTO

No panorama da crescente informatização do judiciário tupiniquim, a magna legislação 11.419/2006 possui como intuito norteador a otimização da tramitação e dos passos do Processo Judicial, tendo como principal pano de fundo a diminuição da burocracia cartorária e do tempo de duração da ação, fazendo dessa maneira com que os débitos referentes aos acompanhamentos de uma causa sofram decréscimos. Alcançando dessa forma uma maior acessibilidade de todas as partes aos autos do processo.

                                                                                                                         57 Graduanda do Curso de direito do Centro Universitário são Camilo-ES, [email protected] 58 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]

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Neste contexto, o que se deseja abolir das novas práticas jurisdicionais no Estado Brasileiro são os efeitos colaterais de diversos princípios processuais. Com certo destaque, é necessário evidenciar o Princípio de Celeridade que, de maneira negativa pode fazer com que os autos do processo permaneçam determinados períodos na inercia, sem nenhuma atividade efetiva, mergulhados assim na burocracia estatal e ficando cada vez mais distantes do real entendimento constitucional da duração razoável do processo. Com a informatização, fases puramente de atravancamento dos processos como remessas e carimbagens são realizadas de maneira automática pelo sistema, não existindo nessa prerrogativa precisão da atribuição de um servidor para sua realização.

A aplicação de tal legislação já mencionada implica com que as rotinas de trabalhos dos magistrados sejam alteradas, de modo a aumentar a priori a carga de trabalho desses. Não há maneira de se dimensionar de forma precisa os impactos legislacionais na atual conjuntura dos tramites processuais em papel como referência. Para o completo entendimento da lei na esfera da magistratura, é preciso observar os efeitos práticos das ações desenvolvidas e, em caráter secundário, utilizar-se de dispositivos de ajuste que poderão determinar uma eventual transformação relativa entre o numero de magistrados e servidores e na celeridade da tramitação do processo, em seu tocante primário.

Outro fato plausível a modernização do Sistema Judicial Brasileiro é o fato de o atendimento ao público seja transformado em viés positivo. O crescente uso da internet leva a uma considerável redução do fluxo de pessoas aos ambientes jurídicos estatais, resumindo-se esta precisão apenas em caráter das audiências. Outro efeito disso são as tele audiências, que fazem com que os detentos não sejam transportados de suas unidades prisionais, mas que tenham seu atendimento garantido. Nesse caso, o autoatendimento será cada vez mais empregado na esfera judicial, tornando essa área mais cômoda aos cidadãos nela inserida e, assim exigirá adequações dos órgãos estatais competentes a essas prerrogativas, com grande destaque nisso aos Fóruns.

Devido à globalização, com o aumento da população e o advento da era digital, o crescimento de lides se torna cada vez mais constante, fazendo com que a máquina do Poder Judiciário seja acionada e consequentemente acarretando um aumento considerável no volume de processos em tramitação a serem solucionados, atulhando os corredores já abarrotados dos tribunais e assim comprometendo os julgamentos dos processos nos tribunais. Segundo Alvim e Cabral Júnior (2008, p. 10), o Poder Judiciário pensando em como resolver essa difícil situação, vem colocando em prática alguns projetos, como por exemplo,

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criação de leis que diminuem o trâmite dos processos, incentivo a acordos extrajudiciais, implementação de tecnologia para andar junto com o Direito, etc.

Diante dessa situação que se apresenta tais medidas se tornam necessárias para diminuir os prejuízos causados a sociedade, tentando com isso alcançar os ideais dos Tribunais e, assim, oferecendo maior acessibilidade, celeridade e efetividade nos processos, desta forma conseguindo oferecer uma justiça mais célere e eficaz para toda a sociedade. Com o constante avanço da tecnologia e da internet, essa verdadeira revolução tecnológica ganha cada vez mais espaço e força os Tribunais a buscarem a virtualização dos processos, cujo objetivo principal é reduzir custos e consequentemente acarretando celeridade e economia processuais. De acordo com Almeida Filho (2010, p. 18), não existe consenso na utilização do termo processo, pois, para alguns autores não houve a criação de um processo eletrônico, e sim a criação de um procedimento eletrônico que será desenvolvido dentro de um processo. Dessa forma, segundo Rover aponta, o termo processo eletrônico designa:

A total informatização de um conjunto mínimo e significativo de ações e, por consequência, de documentos organizados em uma forma determinada e diversificada de fluxos que garantisse a esses documentos, individual e em conjunto, autenticidade, integridade e temporalidade (ROVER, 2010, s.p.)

Ainda segundo Silva, o processo eletrônico é fruto de toda efervescência cultural da sociedade moderna, que, acostumada à rapidez e à qualidade na prestação dos serviços privados, busca reproduzi-las também nos serviços públicos, a fim de trazer maior celeridade aos processos e ampliar acesso dos cidadãos à justiça. Finalizando, cabe ressaltar que o processo eletrônico já está sendo implantado em vários Tribunais, permitindo que o Poder Judiciário expeça documentos como despachos e decisões, além de armazenar todos os dados relativos ao processo. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescente aumento da população, o aumento da expectativa de vida, a demora na tramitação do processo, a falta de funcionários e de infraestrutura, o consequente volume e aumento de processos, foram alguns dos motivos que levaram o poder Judiciário a reconhecer que através da informatização seria possível melhorar a (tão sonhada) prestação de serviços esperada pelas pessoas no judiciário. Os Tribunais buscaram, assim, uma saída com o objetivo de manter a qualidade e a eficiência de seus serviços. Assim, implementaram a informatização

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dos processos, convertendo-os em processo eletrônico, com o intuito que essa mudança dará uma agilidade na distribuição dos processos, aumentando assim a produção de julgados e conseguindo uma justiça célere, além de ter eliminado os processos de papel. Nota-se assim que é imprescindível que o Poder Judiciário se alie a novos métodos – os eletrônicos–, para assim assegurar a eficiência da prestação jurisdicional, pelo menos é o que esperam todos os envolvidos nesse processo. REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. A informatização judicial no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. ALVIM, J.E.Carreira; CABRAL JUNIOR, Silvério Luiz Nery. Processo judicial eletrônico (Comentários à Lei 11.419/06). Curitiba: Juruá, 2008 ROVER, Aires José. Definindo o termo processo eletrônico. UFSC, Florianópolis, set. 2008. Disponível em: <http://www.infojur.ufsc.br/aires/arquivos/conceitoprocessoeletronico.pdf>. Acesso em 27 mai. 2014. SILVA, Samuelson Wagner de Araújo. Processo eletrônico. O impacto da Lei nº 11.419/2006 na mitigação da morosidade processual na prestação jurisdicional brasileira. Jus Navigandi, Teresina, a. 15, n. 2.553, 28 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/15112/processo-eletronico>. Acesso em 27 mai. 2014.

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O DEVIDO PROCESSO LEGAL AO LONGO DA HISTÓRIA E SEU NASCIMENTO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

NASCIMENTO, Nubia Nara59 DARROS, Scaletty Pereira 60

RANGEL, Tauã Lima Verdan61 MENDONÇA, Elissandra da Silva62

INTRODUÇÃO

O devido processo legal teve seu marco inicial com a Magna Carta Libertatum, ainda na idade média, e se fortalecer, posteriormente, na Inglaterra e Estados Unidos e com o passar dos anos se fez um principio dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro, sendo expressa na Constituição Federal de 1988. Neste sentido, os relatores do presente resumo buscaram fundamentar todo o contexto histórico do devido processo legal dentro da história das Constituições, até sua consagração dentro do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Tudo sendo abordado de forma clara e objetiva, tendo sempre em foco que o devido processo legal é essencial para um processo justo e igualitário.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho foi desenvolvido com base em revisão bibliográfica e realização de levantamento de dados por meio de contextos históricos e diplomas legislativos, utilizando-se, primordialmente, das Constituições Federais que foram promulgadas no território nacional.

DESENVOLVIMENTO

Originariamente, pode-se dizer que o princípio do devido processo legal teve suas raízes na Inglaterra e nos Estados Unidos, por meio da Magna Carta Libertatum e das jurisprudências. No primeiro destes, o marco do surgimento se deu por meio da Magna Carta Libertatum, documento feito pelo clero e nobreza,                                                                                                                          59Graduanda do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: nú[email protected]; 60 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: [email protected]; 61 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]; [email protected] 62 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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para assegurar garantias individuais, no qual o rei também se submetia a ele, sendo incorporado depois por diversos países em suas constituições. Dentre os princípios englobados dentro da estrutura da Magna Carta Libertatum, estaria lá o due process of law, que dentro deste documento vinha garantir o direito de um processo justo, que, posteriormente, serviria para garantir um direito material em si. Já nos Estados Unidos, o surgimento se deu por meio dos colonizadores Ingleses, e o primeiro documento a contemplá-lo foi a Declaração de Direitos da Virginia, na Secção 8ª, dispondo que “nenhum homem seja privado de sua liberdade, exceto pela lei da terra ou julgado pelos seus pares” (DHNET, 2014).

Após a guerra da independência, foi redigida a Constituição e nela fora incluído o Bill of rights (Carta de Direitos), composta por dez emendas. Aludidas emendas objetivaram garantir direitos individuais aos cidadãos e limitava a atuação do governo federal. Pode-se, ainda, encontrar o devido processo legal no artigo 5º da sobredita Carta, mas só no ano de 1968, obtiveram um grande marco com a inclusão da décima quarta emenda, que viria limitar a atuação estadual, sendo chamada de cláusula do devido processo legal.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 em seu art. 113, 24, prevê que: “A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com todos os recursos e meios essenciais a esta” (BRASIL, 2014). Posteriormente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1937 foi verificado o contraditório, ligada as aplicações criminais, no art. 122, item 11, onde neste item não se previu, necessariamente, o devido processo legal dentro de seus bojos constitucionais, mas teve, de forma expressa, duas garantias oferecidas pelo devido processo legal que são o contraditório e ampla defesa.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1946, no seu artigo 141, § 25, assegura, novamente, ampla defesa e contraditório na instrução criminal. Já a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, artigo 150, §15, garantia aos acusados ampla defesa, e vedava foro privilegiado e os tribunais de exceção, mas por razão do golpe militar ocorrido em 1964, o que poderia ser verificar de direitos e garantias individuais ficavam restritos apenas ao papel, pois estes não eram respeitados. E só foi possível reestabelecer a democracia com a vinda da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que se verifica o princípio do devido processo legal, no artigo 5°, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 2014).

Após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem-se a verificação de um processo muito importante, no qual o Estado, renovando-se pela valorização dos ideários democráticos e pela observância de direitos e garantias fundamentais, se tornando um Estado democrático de direito, onde tem o direito

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de prever e proteger os direitos fundamentais, e tem a constituição como a norma máxima, suprema, não podendo nenhuma outra norma violar a mesma, o que veda também a arbitrariedade do Estado, pois o mesmo deve atuar dentro do que está previsto, não lhe sendo, portanto possível violar qualquer direito nela previsto. Verifica-se, assim, que a edificação do princípio do devido processo legal, sobretudo no histórico constitucional pátrio, refletiu a busca pela própria edificação dos direitos humanos e sua imprescindibilidade na promoção do indivíduo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se, diante das ponderações apresentadas, que o devido processo legal, também conhecido como due process of law, desde seu nascimento a partir de 1215 com a Magna carta Libertatum, logo com a declaração de Direitos da Virginia, por seguinte a o Bill of rights (Carta de Direitos), e por fim a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi se materializando por meio do anos, até se tornar hoje, no Brasil, um direito fundamental de todos os cidadãos. Desde a Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 e 1937, já são oferecidos dois princípios de muita relevância social hoje, que estão elencados dentro do devido processo legal, são o Princípio do Contraditório e o Princípio da Ampla Defesa. Desta forma o devido processo legal ao longo de sua história busca nada mais do que um “processo justo”. Norberto Bobbio (2004, p. 25) faz uma colocação relevante: “O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”. Com tal fundamentação é nítida a percepção de que o principio do devido processo legal vem proteger e garantir aos direitos dos cidadãos, dando a esse um mínimo de dignidade. Mais que isso, não se pode olvidar que o princípio do devido processo legal substancializa direito humano imprescindível ao pleno desenvolvimento do ser humano.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 24 abr. 2014.

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_______________. Constituição da República Federativa dos Brasil, 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 24 abr. 2014. _______________. Constituição da República Federativa dos Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 24 abr. 2014. _______________. Constituição da República dos Estados Unidos Brasil: 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 24 abr. 2014. _______________. Constituição da República dos Estados Unidos Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm >. Acesso abr. 2014. CONRADO, Paulo César. Introdução á Teoria Geral do Processo Civil, 2a ed. São Paulo: Max Limodad, 2003. LIBERTATUM. Magna Carta. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6582/Magna-charta-libertatum>. Acesso em 24 abr. 2014. RIGHTS. O Bill of rights. 1689. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/decbill.htm>. Acesso em 24 abr. 2014. THEODORO JUNIOR, Humberto. A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal. 1 ed. Rio de Janeiro: Aide, 1987. VIRGINIA. Declaração de Direitos da Virginia, 1776. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1776.htm>. Acesso em 24 abr. 2014.

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O FENÔMENO DO ATIVISMO JUDICIAL BRASILEIRO: MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

PEREIRA,Reynaldo Batista63 SANTOS, Edvelton Salmar dos64 RANGEL, Tauã Lima Verdan65 MENDONÇA, Elissandra da Silva66

INTRODUÇÃO

O tradicional ativismo judicial vem sofrendo uma crise, no qual se observa que, milhares de processo abarrotam o sistema judicial, bem como são aforadas, diariamente, um número expressivo de demandas. De igual modo, há que se mencionar que o diminuto quadro de recursos humanos, agravado com a inexpressividade de servidores, e com uma quase infinita possibilidade de recursos, dotado, por vezes, de cunho essencialmente protelatório, que contribui, ainda mais, para a longevidade do processo. Ao lado disso, denota-se que esses mecanismos processuais, em muitos casos, prolongam a espera por uma decisão coerente e, assim por se dizer, também, coercitiva pondo fim a fase de conhecimento do processo. Assim, a morosidade encontrada, muitas das vezes, não traz o cunho satisfatório para nenhuma das partes, acarretando o descrédito no Poder Judiciário.

Esse cenário caótico desencadeia uma imprescindível sobre refletindo um meio alternativo como a conciliação, conclui-se que a apreciação por um processo custoso não indica a nenhum momento a satisfação dos litigantes, com isso o meio da conciliação vem buscar uma decisão comum, em conforme acordo ente as partes, onde possa ser satisfatória, não só a uma, mais ambas as partes, e o dever cumprido pelo conciliador, consequentemente a diminuição de processo nos tribunais que vivem abarrotando o judiciário, deste modo tem-se a conciliação como um meio significante para a desobstrução de um sistema superlotado.

                                                                                                                         63 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”; [email protected] 64 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES; [email protected] 65 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 66 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

O sistema jurídico brasileiro sofre com questões que vão além da possibilidade ou não do ingresso do cidadão com o fim de solucionar seus problemas. A justiça brasileira tem em suas veias herança trazida pelo o sistema jurídico adotado, o civil law, que traz todas as suas lei escritas e encontrando semelhança entre o mundo real e a lei vigente aplica-se tal lei, ora essa situação faz com que o autor fique delimitado em padrões que engessam e dificultam a situação de um processo, em contra partida o acesso a justiça é um dos grandes culpados, uma vez que a legalidade decorrida pelo sistema jurídico faz com que ocorra uma grande demanda de ações que muitas das vezes são infundadas. Em questão da morosidade e abarrotamento processual Ada Pellegrini Grinover diz:

A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os "justiceiros"). Por outro lado, o elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade moderna, e os esforços rumo à universalidade da jurisdição (um número cada vez maior de pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem ao Judiciário) constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. E a solução não consiste exclusivamente no aumento do número de magistrados, pois quanto mais fácil for o acesso à Justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de neve (GRINOVER, 2014).

Ocorre, também, que, essas demandas fundadas em um simples aborrecimento ou frustração e que sobrecarregam o Judiciário faça que autor e suposto “detentor” do direito em questão não abra mão de protelar a ação, sendo a

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conciliação muita das vezes subentendida como um leilão, onde a pretensão é supervalorizada pelo autor. Diante disso, o processo parte para sua próxima fase e para uma demora que se faz desnecessária, haja vista que se o direito realmente se baseia em fundamentos fúteis, como uma simples frustração ou aborrecimento corriqueiro, o juiz indeferirá o pedido, podendo condenar ainda o autor em custas e honorários sucumbenciais.

Muitos dos problemas do judiciário brasileiro decorrem do motivo da Constituição da República Federativa de 1988 ter proporcionado a judicialização dos conflitos, decorrente do grande período em que o Brasil ficou em estado de Ditadura, com o fim desse período se supervalorizou os direitos que antes estavam privados e consequentemente fez com que a volta dos direitos antes privados fossem supervalorizados, fazendo com que toda e qualquer lide possa ser solucionada através do judiciário. As exageradas demandas que todos os dias são impetradas, as lides fundadas em questões fúteis, o aparato processual que engessam o andamento do processo, todas essas característica e a utilização do acesso a justiça usada de maneira inadequada fazem com que os números da justiça em relação a processos não julgados só aumente. De acordo com a pesquisa Justiça em Números 2013 do Conselho Nacional de Justiça

O total de processos em tramitação no Poder Judiciário aumenta gradativamente desde o ano de 2009, quando era de 83,4 milhões de processos, até atingir a tramitação de 92,2 milhões de processos em 2012, sendo que, destes, 28,2 milhões (31%) são casos novos e 64 milhões (69%) estavam pendentes de anos anteriores Por outro lado, houve crescimento do total de processos baixados, atingindo-se 27,8 milhões de processos no último ano. Em mais um ano, o número de processos baixados foi inferior ao de casos novos. Isso aponta para uma tendência de que o estoque aumente para o ano de 2013. Em termos relativos, os casos novos são os que mais cresceram, com aumento de 8,4% no ano, enquanto os baixados tiveram incremento de 7,5% e as sentenças em 4,7%. O maior gargalo do judiciário apresenta-se na liquidação do estoque, visto que, inobstante os tribunais terem sentenciado e baixado quantidade de processos em patamares semelhantes ao ingresso de casos novos, o quantitativo de processos pendentes tem se ampliado em função dos aumentos graduais da demanda pelo Poder Judiciário (BRASIL, 2014a)

Com efeito, cuida reconhecer que o ativismo judicial vivenciado no Poder Judiciário Brasileiro, impulsionado sobremaneira pela direito constitucional de acesso à justiça, bem como pela promulgação de diplomas legais que materializam tal direito, acarretou em um inchaço expressivo do acervo processual existente. Aludida situação deriva da premissa de um sistema processual

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anacrônico e ultrapassado, conjugado com a carência de recursos humanos, os quais apenas contribuem para uma prestação jurisdicional morosa, contribuindo, de maneira determinante, para o desgaste das partes e o agravamento do conflito existente. Tal pesquisa apenas comprova a necessidade de desjudicialização dos conflitos, buscando novos meios de tratamento das lides.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz das considerações apresentadas, verifica-se que a substancial quantidade de demandas que, diariamente, são ajuizadas encontram como núcleo sensível lides fundadas em questões fúteis. Tal fato contribui para que o aparato processual fique engessado e congestionado, restando frustrada a prestação jurisdicional aguardada pela população. Ao lado disso, a utilização do acesso à justiça usada de maneira inadequada, empregada, por vezes, como meio de vingança privada, faz com que os números de acervo processual estagnado apenas aumentem. Assim, o fenômeno do ativismo judicial se revela como um dos maiores desafios do Poder Judiciário Brasileiro, eis que a prestação jurisdicional encontra-se diretamente afetada pelo acesso equivocado em busca de justiça. Mais que isso, o ativismo judicial reflete o pensamento deturpado da população brasileira em judicializar questões fúteis ou de pouca expressividade, em busca de promoção de uma vingança institucionalizada, ao invés de promoção de justiça. REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2013. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br> Acesso em 10 mai. 2014a. ________________. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 14 mai. 2014b. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justiça Conciliativa. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em 10 mai. 2014.

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O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL COMO BASTIÃO ORIENTADOR DA APLICAÇÃO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS

ALBINO, Karinne Machado67 SILVA, Lívia Dilem da68 BRITO, Pamela Pacheco69 RANGEL, Tauã Lima Verdan70

INTRODUÇÃO

A aplicação da Lei dos Juizados Especiais está diretamente ligada à harmonia dos princípios, para que não seja um comprometedor a Carta Magna. Os princípios são espécies do conjunto de normas jurídicas – gênero -, ambos que compõem o ordenamento jurídico, situando em níveis distintos nesse. Os princípios são dirigidos a indeterminadas circunstâncias e pessoas. Já as regras possuem um maior grau de concretude, sendo uma forma imediata de aplicação do Direito. Havendo colisão entre os princípios e as regras jurídicas, o primeiro prevalece, constituindo maior grau hermenêutico, em decorrência de constituírem a base do ordenamento jurídico. Os princípios são potencializadores no que tange a textualidade e redação das previsões, normas jurídicas escritas. O presente busca analisar o princípio da celeridade processual, em sede de Juizados Especiais, bem como sua influência para a concreção do direito fundamental à duração razoável do processo.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

É possível, em um primeiro momento, salientar que a busca pela resolução dos conflitos rememora a priscas eras, sendo, inclusive, patente o exemplo contido

                                                                                                                         67 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 68 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 69 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 70 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]

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no Livro de Êxodo, em seu capítulo 18, versículos 13-27, que, em apertada síntese, o sogro de Moisés, vendo-se sozinho a resolver as situações do populoso Egito, escolher homens para resolvessem as pequenas demandas, conforme já ponderou Ronaldo Frigini (2007, p. 13). Em um país no qual as diferenças étnicas, culturais, religiosas e status social se apresentam como importantes aspectos influenciadores para múltiplos âmbitos da sociedade. Diverso não ocorre com os conflitos gerados e com sua consequente busca pela resolução dos litígios, notadamente com a ótica em alargar e propiciar o acesso à justiça, notadamente na condição de direito assegurado a todos, sem qualquer distinção. Mais que isso, o acesso à justiça, na contemporaneidade, traduz-se em uma acepção eminentemente humanística, integrando a extensa, porém imprescindível, rubrica dos direitos humanos, eis que atalha as disparidades sociais e promove o exercício da cidadania.

O legislador infraconstitucional, ao insculpir a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, pretendeu ofertar concretude ao comando constitucional que determinou a criação do microssistema dos Juizados Especiais, permitindo, via de consequência, o acesso a uma justiça essencialmente informal, célere e econômica, tanto em relação ao sistema jurisdicional, quanto para os jurisdicionados que dele dependem, tal como mais acessível àqueles que, até então, não ingressavam na morosa e excessivamente burocrática justiça comum. “Os juizados especiais cíveis, dotados da incumbência de conciliar, julgar e executar as causas de menor complexidade, têm sede na Constituição Federal em seu artigo 98, I, e, seguindo os princípios da oralidade, informalidade, economia processual, celeridade e simplicidade”, (BONADIA NETO, 2006, p. 03), cumprindo, assim, a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes, atendendo a uma demanda reprimida, mediante a oferta de um processo rápido, econômico e simples.

De acordo com a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, o processo deve demorar o mínimo possível, mesmo sabendo-se que existe um inevitável tempo para a tramitação normal do processo, observando que devem ser respeitados os prazos processuais existentes. O inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, diz: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 2014a). Ao lado disso, o inciso em destaque veio a repelir tentativas dos órgãos de deixar os processos parados por muito tempo. Só é possível à aplicabilidade desse princípio se respeitados todos os outros que norteiam os juizados especiais, uma vez que eles guardam estreita relação com a celeridade processual, obviamente que não serão desrespeitados nenhum

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princípio fundamental do processo, como o princípio da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da segurança jurídica, entre outros.

É possível observar a aplicabilidade do princípio da celeridade quando frustrada a tentativa de conciliação, automaticamente a audiência poderá se transformar em instrução e julgamento, onde se faz possível à apresentação de defesa, a manifestação sobre os documentos apresentados na inicial, a produção de provas, e a prolação da sentença, sempre que possível e esgotado todos os atos cabíveis, observados os princípios constitucionais acima lembrados. Ao lado disso, o artigo 22, em seu parágrafo único, da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, reza que “obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo” (BRASIL, 2014b). Demonstrando que na própria audiência será prolatada a sentença que irá homologar o acordo firmado entre as partes.

Com destaque, quadra salientar que justamente na função de ser célere que está domiciliado o diferencial dos Juizados Especiais Cíveis, na condição de um microssistema processual singular e dotado de rito especial, das demais demandas que tramitam perante a Justiça Comum. Nessa linha de exposição, salta aos olhos que o princípio da celeridade recebe especial proeminência em sede de Juizados Especiais Cíveis, só se materializando caso os demais postulados que permeiam o instituto forem contemplados em sua integralidade, permitindo que a essência que emoldura a Lei Nº. 9.099/1995. Assim, a celeridade configura a prestação jurisdicional com rapidez e presteza, sem que haja com isso prejuízo à segurança dos pronunciamentos emanados pelo Estado-juiz. Mais que isso, o princípio da celeridade, na condição de bastião orientador do microssistema dos Juizados Especiais, preconiza que a marcha processual não deve se arrastar de maneira indefinida, causando desgaste às partes que litigam. Ao reverso, o Poder Judiciário, com o escopo de assegurar a concreção do direito fundamental da duração razoável do processo, deve primar pelo desenvolvimento da marcha processual de maneira dinâmica, despindo-se das formalidades engessadoras e das estruturas ultrapassadas, privilegiando-se a celeridade como novel construção paradigmática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De plano, carecido faz-se compreender de que a criação do microssistema dos Juizados Especiais deveu-se aos destinatários que possuíssem causas de solução dotadas de maior simplicidade e de diminuta expressão econômica, os Juizados Especiais Cíveis, instituídos em 1995, devendo primar pela concretização

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dos objetivos de efetivação da tutela jurisdicional de forma rápida, ou seja, que se preste a satisfazer o interesse do cidadão em tempo razoável à utilidade daquela tutela. Assim, é possível afirmar que o processo ajuizado perante o microssistema dos Juizados Especiais, além de ser célere, simples e informal, deve, igualmente, trilhar pela via mais econômica, buscando sempre o aproveitamento dos atos processuais, reduzindo os custos do processo e encontrando alternativas que representem um menor ônus tanto para o Poder Judiciário quanto para o cidadão que pretende ver seu interesse tutelado de forma mais econômica.

Salta aos olhos que a edificação de tais ideários caminhou pela adoção de critérios e princípios que buscassem assegurar uma maior celeridade ao microssistema inaugurado, o que se tornou, ainda mais, substancial com a introdução do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelecendo que os processos, tanto em âmbito administrativo, quanto na seara jurídica, deveriam apresentar uma duração razoável. Objetivou-se, assim, dinamizar o tradicional sistema processual que vigorava, assegurando o desenvolvimento da marcha processual de maneira mais célere.

REFERÊNCIAS

BONADIA NETO, Liberato. Juizados Especiais Cíveis – evolução – competência e aplicabilidade – algumas considerações. Disponível em: <www.advogado.adv.br>. Acesso em: 12 mai. 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 16 jun. 2014a. ______________. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jun. 2014b. FRIGINI Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora JHM, 2007.

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OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL COMO BUSCA POR UMA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL MAIS RÁPIDA E EFICAZ

ALBINO, Karinne Machado71 SILVA, Lívia Dilem da72 BRITO, Pamela Pacheco73 RANGEL, Tauã Lima Verdan74

INTRODUÇÃO

A aplicação da Lei dos Juizados Especiais está diretamente ligada à harmonia dos princípios, para que não seja um comprometedor a Carta Magna. Os princípios são espécies do conjunto de normas jurídicas – gênero -, ambos que compõem o ordenamento jurídico, situando em níveis distintos nesse. Os princípios são dirigidos a indeterminadas circunstâncias e pessoas. Já as regras possuem um maior grau de concretude, sendo uma forma imediata de aplicação do Direito. Havendo colisão entre os princípios e as regras jurídicas, o primeiro prevalece, constituindo maior grau hermenêutico, em decorrência de constituírem a base do ordenamento jurídico. Os princípios são potencializadores no que tange a textualidade e redação das previsões, normas jurídicas escritas. Os princípios que se aplicam a determinada norma jurídica, em sua maioria não vêm expressamente estabelecidos

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

É possível, em um primeiro momento, salientar que a busca pela resolução dos conflitos rememora a priscas eras, sendo, inclusive, patente o exemplo contido no Livro de Êxodo, em seu capítulo 18, versículos 13-27, que, em apertada síntese,

                                                                                                                         71 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 72 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 73 Graduanda do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected] 74 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected]

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o sogro de Moisés, vendo-se sozinho a resolver as situações do populoso Egito, escolher homens para resolvessem as pequenas demandas, conforme já ponderou Ronaldo Frigini (2007, p. 13). Em um país no qual as diferenças étnicas, culturais, religiosas e status social se apresentam como importantes aspectos influenciadores para múltiplos âmbitos da sociedade. Diverso não ocorre com os conflitos gerados e com sua consequente busca pela resolução dos litígios, notadamente com a ótica em alargar e propiciar o acesso à justiça, notadamente na condição de direito assegurado a todos, sem qualquer distinção. Mais que isso, o acesso à justiça, na contemporaneidade, traduz-se em uma acepção eminentemente humanística, integrando a extensa, porém imprescindível, rubrica dos direitos humanos, eis que atalha as disparidades sociais e promove o exercício da cidadania.

Entre os vários problemas enfrentados para o acesso digno à justiça, é perceptível que recebem destaque a morosidade do sistema processual brasileiro, engessado sobremaneira pela burocracia e práticas arcaicas, impulsionado, por vezes, pelas complexidades dos procedimentos estabelecidos. Neste passo, Montesquieu, corroborando com essa característica mazela, chegou afirmar em algumas de suas obras que, se “examinando sem dúvidas as formalidades existentes são demais” (MONTESQUIEU, 2014). Além do mais o pequeno números de juízes em relação às demandas do judiciário, é outra triste realidade. Não basta só questionamentos dos problemas ou uma busca ferrenha para que mais normas venham regularizar a aplicação de uma justiça mais célere a conflitos de menor potencial, é preciso que o Judiciário se adeque e crie possibilidades para que o sistema trabalhe conforme a realidade.

O legislador infraconstitucional, ao insculpir a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, pretendeu ofertar concretude ao comando constitucional que determinou a criação do microssistema dos Juizados Especiais, permitindo, via de consequência, o acesso a uma justiça essencialmente informal, célere e econômica, tanto em relação ao sistema jurisdicional, quanto para os jurisdicionados que dele dependem, tal como mais acessível àqueles que, até então, não ingressavam na morosa e excessivamente burocrática justiça comum. “Os juizados especiais cíveis, dotados da incumbência de conciliar, julgar e executar as causas de menor complexidade, têm sede na Constituição Federal em seu artigo 98, I, e, seguindo os princípios da oralidade, informalidade, economia processual, celeridade e simplicidade”, (BONADIA NETO, 2006, p. 03), cumprindo, assim, a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes, atendendo a uma demanda reprimida, mediante a oferta de um processo rápido, econômico e simples.

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Nesse passo, carecido faz-se compreender de que a criação do microssistema dos Juizados Especiais deveu-se aos destinatários que possuíssem causas de solução dotadas de maior simplicidade e de diminuta expressão econômica, os Juizados Especiais Cíveis, instituídos em 1995, devem primar pela concretização dos objetivos de efetivação da tutela jurisdicional de forma rápida, ou seja, que se preste a satisfazer o interesse do cidadão em tempo razoável à utilidade daquela tutela. “A criação, então, dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje denominados Juizados Especiais Cíveis, pretendeu, em última análise, dotar o Poder Judiciário de meios que permitissem a composição célere, adequada e efetiva dos litígios de pequena expressão econômica”. (SODRÉ, 2005, p.xxvii). Assim, é possível afirmar que o processo ajuizado perante o microssistema dos Juizados Especiais, além de ser célere, simples e informal, deve, igualmente, trilhar pela via mais econômica, buscando sempre o aproveitamento dos atos processuais, reduzindo os custos do processo e encontrando alternativas que representem um menor ônus tanto para o Poder Judiciário quanto para o cidadão que pretende ver seu interesse tutelado de forma mais econômica.

O juizado especial cível possui princípios informativos, também chamados de princípios explícitos, que norteiam as suas diretrizes. São eles: a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade na prestação jurisdicional, todos elencados no artigo 2º da lei nº 9.099, 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, diz: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível à conciliação ou a transação" (BRASIL, 2014). Além desses princípios explícitos, verifica-se que, no sistema implantado com os Juizados Especiais, subsumem-se outros princípios implícitos, tais como: princípio da autocomposição, da instrumentalidade e equidade entre outros que norteiam e fundamentam o processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou observar os Princípios dos Juizados Especiais Cíveis relacionando-os as normas jurídicas existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Bem como fazer uma abordagem histórica até a complexidade, e realidade do sistema judiciário atual: a burocracia do sistema, a utilização desses princípios abordados ao caso concreto, a escassez de juízes. Os princípios que norteiam os Juizados Especiais Cíveis são considerados um ponto de equilíbrio no âmbito judiciário. Os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade juntamente com os princípios implícitos da

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autocomposição, equidade e da instrumentalidade visam a aplicabilidade de forma mais eficaz para a resolução de litígios. Com efeito, o tema aqui abordado tem como objetivo trazer uma reflexão e contribuição aos operadores do Direito, servindo de instrumento de questionamento e de constante busca para o aprimoramento do sistema jurídico, em busca de uma Justiça igualitária e célere a todos, não apenas visando a criação de mais normas, mais sim a aplicabilidade à realidade social e a necessidade dos agentes envolvidos no processo.

REFERÊNCIAS

BONADIA NETO, Liberato. Juizados Especiais Cíveis – evolução – competência e aplicabilidade – algumas considerações. Disponível em: <www.advogado.adv.br>. Acesso em: 12 mai. 2014. BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jun. 2014 FRIGINI Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora JHM, 2007. MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Disponível em <www.arcos.org.br>. Acesso em 16 jun. 2014. SODRÉ, Eduardo. Juizados Especiais Cíveis: Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

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PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE NO MICROSSISTEMA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

ZORZANELLI, Luciane Donna Pedruzzi75 RANGEL, Tauã Lima Verdan76 MENDONÇA, Elissandra da Silva77

INTRODUÇÃO

Diante de uma sociedade imediatista em suas ações, cada vez mais consumista e informada através da globalização das comunicações, torna-se necessário que todos os âmbitos desta sociedade correspondam esta urgência imposta pelos frenéticos dias atuais. No âmbito jurídico não é diferente. Ao entrar com um processo solicitando o ressarcimento de determinado valor, espera-se uma resposta imediata por parte da justiça. Neste contexto, o Juizado Especial Cível, instituído pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, trás em sua essência muito mais que desobstruir o sistema judiciário superlotado pelo demandismo processual. O microssistema do Juizado Especial Cível configurou verdadeiro instrumento legislativo de promoção do acesso ao Poder Judiciário, sobretudo para aqueles cidadãos que eram inibidos pelo próprio sistema processual oneroso, burocrático e eivado de morosidade, tendo em vista que suas causas eram de pequena expressão monetária e os custos produzidos, por vezes, obstavam o exercício pleno de tal direito humano fundamental.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da temática proposta, conjugada com o entendimento jurisprudencial assentado sobre o assunto.

DESENVOLVIMENTO

Buscando uma maior praticidade e uma legítima acessibilidade ao Poder Judiciário, por meio da eliminação dos tradicionais obstáculos e entraves, assegurando a concreção de um direito dotado de essência humanística e

                                                                                                                         75 Graduanda do 5º Período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça”, [email protected]; 76 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito” do Centro Universitário São Camilo, [email protected] 77 Professora Coorientadora. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cândido Mendes, [email protected]

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constitucional, a Lei Nº 9.099/1995 introduziu, no ordenamento jurídico vigente, o microssistema dos Juizados Especiais. A nova lei trouxe, em seu texto, princípios que regulam suas normas que são: a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, especificadas no art. 2º do sobredito diploma legal. Destes princípios norteadores, a informalidade mostra que, objetivando a promoção da duração razoável do processo, é possível o elastecimento do formalismo exacerba que engessa os ritos ordinário e sumário do processo civil, evidenciando a finalidade a que se propõem os atos processuais, permitindo que sejam deixadas de lado formalidades dispensáveis do processo, a partir do instante que não ocorram agravos para as partes. Nesta linha de dicção, o princípio da informalidade se orienta pela valorização do fim colimado pelo ato, despindo-se do tradicional e anacrônico excesso de formalismo, o qual, corriqueiramente, contribui apenas para uma morosidade sem par.

O princípio da informalidade busca facilitar a aplicabilidade da lei e promover agilidade dos processos sempre pautada numa justiça simplificada, objetiva e eficiente, deixando de lado formalidades que prejudicam a celeridade das decisões. Além disso, compreende-se do princípio da informalidade, que os atos processuais podem ser conduzidos por juízes leigos, buscando a otimização do tratamento do conflito e a construção de acordos que reflitam os interesses das partes envolvidas na demanda, o que permite uma ação mais voltada para as necessidades locais. Um bom exemplo disto são os casos de juízes que atuam em comunidades menores, em que conhecem toda a problemática da sociedade local, diferente dos juízes mais experientes que são transferidos das comarcas em que atuam. O princípio da informalidade através dos Juizados Especiais permite ao juiz atuar por meio de um parâmetro menos rígido, isto é, de forma mais flexível, mas sem comprometer em nada todo o procedimento padrão já designado pela lei. O juiz tem a liberdade para usar soluções alternativas que agilizem o término do litígio, sem que haja prejuízo para as partes. Mais que isso, cuida salientar que, devido ao acervo exacerbado de processos e a pouca vazão propiciada pelo sistema processual vigente, o princípio da informalidade possibilita o abandono, ainda que gradativo, dos rigores formais que apenas auxiliam para a morosidade da marcha processual.

A legislação sustentadora do microssistema dos Juizados Especiais é repleta de disposições visando a materialização da informalidade do processo e estabelecendo que os atos processuais são válidos, desde que preencham as finalidades para as quais foram realizadas, como bem dicciona o artigo 13 da referida legislação. Igualmente, a possibilidade de solicitação da prática de atos processuais em outras comarcas por qualquer meio de comunicação se revela

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como mecanismo estruturado pela Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, objetivando assegurar maior informalidade aos apostilados que tramitam sob a égide do sobredito diploma. Pode-se citar, ainda, que a possibilidade de que o pedido oral seja reduzido a escrito pelo Cartório do juizado, sendo possível a utilização de fichas ou formulários impressos também se revela como manifestação do critério da informalidade. “Em se tratando de pedido de balcão, cabível a aplicabilidade do Princípio da Informalidade, de modo a propiciar, de forma célere efetiva prestação jurisdicional”, conforme entendimento consagrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2014), ao julgar o Recurso Inominado Nº. 7100391968. Ao lado disso, pode-se, ainda, citar, como manifestação do critério da informalidade, que “o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva e, se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”, conforme bem delineia Silva Júnior (2010, p. 09), nos termos preconizados no artigo 46 da Lei dos Juizados Especiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação dos Juizados Especiais Cíveis trouxe novas perspectivas ao Direito, possibilitando as partes, em litígio, maior agilidade nas decisões efetivadas pelos juízes, pois o princípio da informalidade permitiu a aplicabilidade da lei sem a burocracia usual em processos jurídicos, permitindo que a informalidade gere resultados em tempo hábil. Com isto, a adoção do princípio da informalidade reflete de forma positiva nos rumos do novo processo civil, trazendo para o cidadão comum uma justiça simplificada, mas eficiente; rápida, porém precisa. A credibilidade no Poder Judiciário se renova e a sociedade contemporânea sente-se melhor servida de uma justiça acessível, democrática e eficaz.

REFERÊNCIAS

BOCHENEK, Antônio César. Princípios orientadores dos juizados especiais. Disponível em: <http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadepoimentos/n11/5.pdf> Acesso em 14 jun. 2014. BRASIL. Lei nº 9.009, de 26 de setembro de 1995, Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em 16 jun. 2014.

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Direito Processual e Acesso à Justiça 96

CATALAN, Marcos Jorge. Juizados Especiais Cíveis uma Abordagem Crítica à Luz da sua Principiologia. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/download/je/DOUTRINA/Uma_abordagem_%20critica.pdf> Acesso em 14 jun.2014. PISKE, Oriana. Princípios Orientadores dos Juizados Especiais. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/download/je/DOUTRINA/Uma_abordagem_%20critica.pdf> Acesso em 17 jun 2014. SILVA, Clarissa Teles. Juizados Especiais Cíveis – Origem, finalidade e princípios. Disponível em: <www.unifacs.br/revistajuridica/arquivo/edicao_outubro2006/.../dis5.doc> Acesso em 14 jun 2014. SILVA JÚNIOR, Alcides Leopoldo e. Arts. 1 e 2. In: TOSTA, Jorge (coord.). Juizados Especiais Cíveis. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010.

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ARTIGOS COMPLETOS

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Direito Processual e Acesso à Justiça 98

MEIOS ALTERNATIVOS AO JUDICIÁRIO E SUA EFICÁCIA PRÉ REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

SILVA, Tatiana Mareto78 SOUZA, Bárbara Luiza Pinto de79 SILVA, Diego Rocha da80

Resumo: Muito tem se falado sobre meios alternativos de conflitos e sua importância para possibilitar o tão desejado acesso à justiça, objetivando, com esses, o rompimento de algumas das barreiras evidenciadas por Mauro Cappelletti (1978). Decerto, o Brasil vive atualmente uma crise de justiça, evidenciada por apelos frequentes de retorno ao mais primitivo meio de solução dos conflitos sociais, a autotutela, quando grupos de pessoas se reúnem para linchar e punir, conforme suas próprias razões, aqueles que supostamente teriam cometido infrações tanto à norma escrita quanto àquela norma admitida pela comunidade como regra moral a ser seguida – mesmo que não esteja positivada no ordenamento jurídico. O que se observa, com o transcorrer de anos, é que essa Jurisdição, como meio de solução estatal dos conflitos, vem deixando de cumprir com seu papel pacificador. São vários os fatores que influem para uma ineficácia da Jurisdição, todos responsáveis conjuntamente pela crise de justiça. Inicialmente, observa-se que os conflitos aumentam em quantidade e se modificam com a evolução da sociedade, que a legislação comumente não acompanha. Conjuntamente à constante evolução dos conflitos, tem-se o aumento populacional - que gera mais interesses sobre bens cada vez mais escassos - e uma visão egoística do cidadão, que pretende obter a maior vantagem possível com o menor sacrifício, mesmo que isso signifique prejuízo para outrem ou para a coletividade. Somando esses fatores a um sistema estatal de solução de conflitos que não está aparelhado de forma suficiente para atender à demanda, chega-se a um dos problemas que mais incomoda o cidadão Brasileiro no que se refere à Jurisdição - a demora excessiva no trâmite processual, culminando com uma sensação de injustiça, tanto no aspecto criminal quanto no aspecto civilista, em que o Estado parece falhar em oferecer a prestação jurisdicional em tempo hábil para resolver o conflito antes que o direito a ele relacionado pereça. Fala-se, então, de meios alternativos ao Judiciário. Meios de solução de conflitos que não estejam sob a tutela exclusiva do Estado, meios que nem mesmo se apresentam como novidade, haja vista já terem sido previstos em leis de séculos passados: mediação, conciliação e arbitragem, que surgem como a solução mais provável para reduzir a crise e para impedir a falência do Judiciário. A questão que merece                                                                                                                          78 Professora de direito no Centro Universitário São Camilo-ES, Mestre em Políticas Públicas e Processo pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU), especialista em Processo Civil pelas Faculdades de Vitória (FDV), advogada com atuação principal em direito de família. 79 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES; 80 Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES;

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apreço aborda, no entanto, a utilidade e a vantagem desses meios, como vêm sendo realizados e propostos no Brasil na atual sistemática do já ultrapassado códex processual de 1973, para possibilitar uma reflexão jurídica com base nos estudos de Cappelletti e das barreiras ao acesso à justiça - a quem esses meios servem, afinal? Possuem eles o objetivo de desobstruir o Judiciário e permitir um processo mais célere, a fim de assim possibilitar ao cidadão uma resolução mais simples e menos custosa - em termos temporais - de seu conflito? Ou esses meios vem servindo apenas aos cidadãos das classes mais favorecidas, tanto econômica quanto intelectualmente, que já não sofrem - tanto - com o acesso à justiça e ao próprio Judiciário que, sobrecarregado, está com a máquina empacada? Em verdade, não é preciso que um método substitua o Judiciário para contribuir para a pacificação social. A cooperação entre eles é suficiente para possibilitar que os conflitos surgidos entre os indivíduos possam ter solução mais simples e eficaz. O problema reside quando se analisa a aplicabilidade e efetividade dos meios alternativos de solução de conflitos, pois eles não se apresentam para a população em geral nem funcionam conforme exigido pela realidade nacional. Buscando resposta a essas questões, torna-se imprescindível uma breve análise desses meios de resolução de conflitos e de como foram idealizados para funcionar em território nacional, objetivando compreender a intenção do legislador e identificar, caso existam, as possíveis falhas de execução que os tornariam ineficazes ao fim a que se propõem. Palavras-chave: meios alternativos de resolução de conflitos, morosidade, reforma processual. Abstract: A lot has been said about the alternative dispute resolutions and its relevance to provide the much wanted access to justice, aiming, with those, to overpass a few of the barriers outlined by Mauro Cappelletti (1978). Brazil is nowadays experiencing a crisis of justice, demonstrated by the frequent apeals of returning to the most primitive way of conflicts resoluction, while groups of people are reunited to beat to death, according to their own judgement, those who were supposedly guilty of inflicting the positive law and the law community accepts as the moral rule to be followed – even if this law isn’t writen in positive ordinament. What is possible to witness, as years go by, is that Jurisdiction, as governamental way of dispute resolution, fails to accomplish its pacificatory role. Many are the reasons which influentiate the failure of Jurisdiction, all of them part of the crisis of justice. First, it’s evident that conflicts increase and modify according to society evolution, which positive law rarely follows. Herewith conflicts evolution there is population augmentation – which generate more interests over each day rarer property – and a selfish vision of citizens, who were intended to gain the largest advantage possible with less sacrifice, even if it represents prejudice to others and coletivity. Adding, to these, a governamental system of dispute resolutions which is not adequate planned to attend the demand, it’s possible to outline one of the most inconvenient problems to Brazilian citizen in lines of Jurisdiction – the excessive lenght of processual procedure, ultimated to a sensation of injustice, in criminal and civil aspects, obvious when Govern fails to offer

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the resolution of the conflicts in a tolerable amount of time, before the plead becomes permanently ineffective. Discussion begins about the alternative dispute resolutions, which were not under governamental exclusive control, which were not even new, considering being possible to evoke since the past Centuries: mediation, conciliation and arbitration, emerging as the most desirable solution to reduce crisis and stop Judicial failure. What has to be appreciated is about these alternative dispute resolution utility and their benefits, in the way they’re being executed in Brazil in its present procedure law, to permit a juridical reflection based on Cappelletti studies and his barrires to acquire justice – to whom these alternative dispute resolutions suit? Are they able to unblock Judiciary and allow a faster procedure, to give citizens a simpler and cheaper solution to their conflicts? Or are these methods serving only to the richer and most intelectualized parcel of society, whose don’t suffer – much – with barriers to access to justice, and to Judiciary itself which, overloaded, is already stuck? In fact, isn’t necessary a dispute resolution to replace the governamental system to contribute to peace. Cooperation among them would be enough to allow simpler and more effective solutions to conflicts. The problem lies where effectiveness and applicability of these alternative dispute resolutions are analysed, as they aren’t representative to Brazilian citizens in general and don’t work as expected. Seeking for answers to these questions, it’s necessary a quick analisis of these alternative dispute resolutions and how they were idealized to be functional in Brazil, aiming to understand lawmaker’s intentions and identify, if existent, their execution failures. Palavras-chave: alternative dispute resolutions, slowness, procedure reform.

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O direito processual civil Brasileiro vislumbra uma reforma total de seu ordenamento, em futuro próximo. O Projeto de Lei 166/2010, elaborado por uma comissão de juristas, encabeçada por Luiz Fux, aguarda aprovação no Legislativo pátrio para substituir o já cansado Código de Processo Civil de 1973.

Dentre as suas muitas inovações, a mediação e a conciliação, meios pacíficos de abreviação do processo judicial, ganharam força no ordenamento jurídico Brasileiro, sendo que a conciliação já tem previsão legal robusta, consubstanciada nos artigos 331 (audiência preliminar com objetivo de conciliação) e 447 do Código de Processo Civil, bem como na Lei 9.099 de 1995 (Lei dos Juizados Especiais), cujo artigo 1º evidencia o caráter conciliatório do processo nos Juizados Especiais.

A mediação vem contemplada com maior ênfase no projeto de reforma do Código de Processo Civil (PINHO, 2013), porém não possui aplicação processual no

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ordenamento jurídico recente, tendo sido, inclusive, vetada da Lei 12.318 de 2010 (Lei da Alienação Parental), quando da exclusão do artigo 9º de citada norma.

Não obstante tais previsões e o incentivo legislativo para os meios alternativos de resolução de conflitos, deve-se considerar se eles estão cumprindo o papel esperado, ou seja, se estão servindo para não apenas resolver conflitos pacificamente, mas para desobstaculizar, ao menos parcialmente, o já tão abarrotado e atrasado Poder Judiciário. Verificações como os índices de eficiência desses meios bem como a sua abrangência são de extrema valia para a ponderação de sua utilidade atual como potenciais soluções para a crise de justiça que é notória, não apenas no Brasil, mas em diversos países de civil law.

Nessa esteira, com o objetivo de constatar a eficácia dos meios alternativos de resolução de conflitos, mais exatamente no tocante à sua popularização, tenta-se traçar algumas linhas que demonstrem os dados desses métodos no Brasil e algumas ponderações sobre sua disseminação na legislação e a previsão da judicialização de mediação e conciliação no Novo Código de Processo Civil.

2 BREVE ENSAIO HISTÓRICO E INTERNACIONAL DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Desde tempos remotos, com o surgimento do homem, começaram os mais complexos tipos de conflitos entre diferentes membros do grupo social. Como parte do conjunto consuetudinário para a solução de conflitos, surgiram também os primeiros registros de mediação ainda na Antiguidade. Na Grécia antiga, a mediação era compreendida pelos filósofos como solução para relacionar elementos diferentes. Há registros de comunidades religiosas desde tempos bíblicos, que recorreram a mediação para a solução de seus conflitos, mas há também registros em algumas das mais clássicas obras da literatura universal. Em Ilíada, Homero nos apresenta Ideu, como mediador no duelo entre Heitor e Ajax, e aponta que um bom mediador deve preservar virtudes essenciais como de “prudência” e “sabedoria”, a fim de se obter êxito no processo. Além de Homero, Shakespeare também contemplou o instituto da mediação em sua magnífica obra O Mercador de Veneza.

Quando fala-se em Arbitragem e mediação, não se pode deixar de mencionar o Chartered Institute of Arbitrators (CIArb), que se trata de uma organização fundada em 1915 no Reino Unido, e hoje possui mais de 12 mil membros com base em mais de 100 países do mundo. Pela relevância conferida aos meios alternativos ao Judiciário pelo Direito Britânico, o Instituto foi

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incorporado em 1979 pelo Royal Charter81 e em 1990, foi reconhecido como instituição de utilidade pública em todo o Reino Unido.

Nos Estados Unidos, país que também adota o sistema da common law, as câmaras de mediação e Arbitragem têm sua história a partir da criação da Junta de Conciliação Judaica da América, fundada em 1920 e posteriormente em 1939 com a criação da primeira Corte de Conciliação em Los Angeles, que tinha como objetivo primeiro, preservar a vida familiar.

A mediação foi adotada em toda a União Europeia a partir da Diretiva nº 52, de 21 de maio de 2008 como meio alternativo de resolução de litígios em matéria civil e comercial, a fim de simplificar e melhorar o acesso à justiça. Dois anos depois, em 2002, foram apresentados os modos alternativos de solução dos litígios nas citadas áreas, principalmente quando as lides se apresentem sob aspectos transfronteiriços, mas também internos, de cada Estado membro.

O Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu, destacam que com a citada Diretiva, a solução de conflitos, apresenta a rapidez, os baixos custos, a maior disposição das partes e a preservação da relação amigável dos interessados, como as principais vantagens da mediação.

Na Alemanha, a preocupação por uma maior celeridade nos processos (Beschleunigungsprinzip) começou no final do século XIX, quando o legislador, passou a inserir ações com o fim de diminuir o tempo entre o início e o final de um processo. De lá pra cá, houve vários avanços na legislação germânica no tocante à busca pela celeridade, entre elas a mais recente, de 2001, a qual, no § 278, Abs. 2; 5, ZPO, foi inserida a chamada “audiência de boa negociação” (Güteverhandlung), que tem natureza jurídica de audiência extrajudicial, sendo o acordo surgido dela, de natureza judicial. Para isso, em 2005 foram criados em algumas cidades o projeto “Juízes-Mediadores”.

Na Espanha, as câmaras de mediação e Arbitragem são coligadas com a Sociedade Espanhola de Arbitragem (SEA) (PINHO; PAUMGARTEN, 2013)

Na Itália, embora a mediação e Arbitragem sejam praticadas há muito tempo, passaram a ser reconhecidas pelo Decreto Legislativo 28, de 4 de março de 2010, apenas.

                                                                                                                         81 Por sua importância, uma instituição incorporada à Carta Régia, só pode ter seus estatutos modificados com autorização do governo. Atualmente são raríssimos os casos de incorporações à Royal Charter, geralmente somente instituições de caridade que tem um histórico sólido de realização, que são financeiramente sólidas e que represente um campo único de atividade que não seja coberto por outros organismos profissionais.

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3 A ARBITRAGEM E SUA APLICABILIDADE NO BRASIL

Arbitragem, etimologicamente, pode ser compreendida como a “ação de arbitrar” (HOLANDA, 2010). Em uma visão jurídica, Arbitragem é “o método pelo qual as partes outorgam a uma pessoa ou um grupo de pessoas a tarefa de pacificar um litígio” (CAVALCANTI: 2010, p. 5) ou, em conceito mais específico, “meio extrajudiciário de solução de disputas, em que as partes em um contratou em apartado estabelecem que as controvérsias dele surgidas serão dirimidas por árbitros independentes e imparciais por elas indicados” (LEMES).

É meio de resolução de conflitos que preexiste aos métodos estatais (TEIXEIRA: 1997), sendo observado claramente no Direito Romano, através dos procedimentos das legis actiones e per formulas. Naquela época, a Arbitragem era obrigatória. Sálvio de Figueiredo Teixeira (1997) afirma que o Estado, no entanto, buscando forças na concentração de poder, acabou por minar a força do instituto até que ele praticamente desapareceu por completo, o que também aconteceu em outros países de sistema civil law.

Já nos países de common law a Arbitragem persistiu, em conjunto com outras técnicas alternativas à resolução Estatal (mediação e conciliação), o que podia ser observado amplamente no direito anglo-americano (TEIXEIRA: 1997). Com pouca força nos Séculos XVI e XVII e, posteriormente, no Século XIX, em razão da burocratização excessiva imposta por Napoleão (DELGADO), foi no Século XX que a Arbitragem retomou sua importância no âmbito internacional de resolução de conflitos.

A Arbitragem Brasileira, instituída no contexto pós Carta de 1988 pela Lei 9.307/96, é meio de resolução de conflitos análogo à Jurisdição, com a intervenção de um terceiro imparcial - o árbitro - que determinará “aquele que tem razão” em uma disputa por direitos. Não se trata, na verdade, de um instituto novo no Brasil. A Constituição do Império, em 1824, previa a possibilidade da arbitragem para determinados litígios.

O mesmo aconteceu no Código Comercial, atualmente parcialmente revogado. Nas palavras de Guilherme Luís Quaresma dos Santos (2013), “[…] no século XIX, o Código Comercial de 1850 previa originariamente um juízo arbitral obrigatório em lides oriundas de locação mercantil (art. 245) e nas alusivas à liquidação de sociedade (art. 294); [...]”. A Arbitragem perdeu espaço na resolução de conflitos, no decorrer dos anos, fazendo com que o instituto desaparecesse do ordenamento jurídico. O controle estatal da solução de litígios trouxe dúvidas quanto à exequibilidade (força coercitiva) das decisões dos árbitros e a

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credibilidade do instituto foi colocada em xeque (SANTOS: 2013. p. 194). Sua retomada deu-se apenas 8 (oito) anos após a Constituição Federal de 1988.

Apesar de não se tratar de instituto novo, a Arbitragem sofreu longo preconceito pelo Direito Brasileiro, o que ocasionou resistência tanto por parte dos juristas quanto do jurisdicionado. Como afirma Carlos Alberto Carmona (2009),

A resistência histórica à arbitragem, por conta dos empecilhos criados pelo antigo Código Civil, que maltratava o compromisso arbitral, seguido pelo Código de Processo Civil de 1939 (que não avançava muito em termos de juízo arbitral), culminando com o Código de Processo de 1973 (monumento jurídico, sem dúvida, mas que ficou devendo um tratamento vanguardeiro ao juízo arbitral), era justificável, criando-se entre nós [Brasileiros] a sensação de que a falta de tradição no manejo da arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias no Brasil fadaria o juízo arbitral ao total abandono.

Dessa forma, foi preciso tempo e paciência para que o juízo arbitral fosse absorvido e tivesse aderência de toda a comunidade jurídica – o que ainda não acontece, de todo. O Judiciário, que supostamente rebelar-se-ia contra a “concorrência” arbitral, não o fez (CARMONA: 2009, p. 2) e, aos poucos, a Arbitragem ganhou espaço como meio alternativo para resolução de conflitos, crescendo tanto em território nacional quanto incentivando Brasileiros a optar por ela em conflitos internacionais.

Somente pessoas capazes civilmente podem fazer-se valer da Arbitragem, para fins de solucionar controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, conforme redação expressa do artigo 1º da Lei 9.307/96. Ou seja, nem todos podem socorrer-se do instituto, bem como não são quaisquer litígios que podem ser resolvidos através da Arbitragem (apenas os patrimoniais e disponíveis). Do próprio texto legislativo já se extrai que poucos, em termos qualitativos, são os conflitos possivelmente abrangidos pela Arbitragem, que vem sendo usada, em sua maioria, para resolver questões contratuais envolvendo grandes valores e objetos muito valiosos (SANTOS: 2013).

Não se trata, portanto, de um meio popular de resolução de litígios e pode-se presumir que a parcela mais pobre da sociedade Brasileira nem mesmo sabe da sua existência. O instituto baseou-se, até o presente momento, à instalação de câmaras arbitrais, algumas de grande porte que cobram altos valores pelo processo arbitral82, com alicerces em características que nem mesmo se

                                                                                                                         82 Observa-se esse comportamento na Câmara Arbitral da Fundação Getúlio Vargas (http://camara.fgv.br/conteudo/honorarios-para-um-arbitro) e na Câmara de Comércio Brasil Canadá

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apresentam tão importantes para muitos dos envolvidos em conflitos, como sigilo e ausência de recursos.

O instituto sofreu um impulso nos últimos anos e, dentro do modelo de câmaras e tribunais, vem sendo amplamente aplicada, principalmente em grandes centros urbanos83. Porém essa evolução, significativa e relevante, ocorreu não apenas pela conscientização daqueles que podem valer-se do instituto, mas também por causa da proliferação de câmaras especializadas que "vendem" o serviço de arbitragem e direcionam-se para grupos muito específicos de pessoas, sejam físicas ou jurídicas.

Nas palavras de Selma Maria Ferreira Lemes (2011), “as grandes demandas [pela Arbitragem] são nas áreas de construção civil, seguros e societária. Há também demandas nas áreas de investimentos, propriedade intelectual e cumprimento de contratos comerciais em geral”. Percebe-se claramente uma tendência da Arbitragem em resolver conflitos oriundos de grupos seletos, em sua maioria de natureza empresarial. Ou seja, indiferente para boa parte da população nacional.

Em verdade, a Arbitragem, no entendimento de Carlos Alberto Carmona (2009), não teria o condão de resolver, por si só, a crise pela qual passa o Judiciário. Como revela na reedição de seus comentários à Lei 9.307/96,

na maior parte dos Estados, as partes não se socorreram da arbitragem para resolver as controvérsias de menor complexidade levadas aos Juizados, sendo certo também que não houve, país afora, uma explosão de causas arbitrais que pudesse revelar uma preferência da população pela via arbitral em detrimento do processo estatal.

Observa-se assim que o cidadão que busca a Arbitragem dificilmente teria problemas de acesso à justiça, dentro da problemática econômica tratada por Cappelletti (1978), caso optasse pela Jurisdição para solucionar seu conflito. Esse cidadão poderia arcar com os custos de advogado e processo, bem como teria condições de produzir todas as provas ao seu alcance. Em verdade, pode-se considerar que o cidadão mais favorecido economicamente tem inclusive condições de suportar a demora do processo sem sofrer prejuízos mais sérios, pois sua condição financeira lhe permite esperar por mais tempo e com mais conforto.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      (http://www.ccbc.org.br/arbitragem.asp?subcategoria=tabela%20de%20custos), nas quais os custos com a arbitragem podem ser considerados elevados. 83 Nesse sentido, notícias relevantes sobre o tema podem ser encontradas em: Otimismo na economia impulsiona arbitragem no Brasil em http://www.conjur.com.br/2010-mar-07/clima-otimismo-economia-impulsiona-arbitragem-brasil, Cresce o número de conflitos resolvidos por arbitragem em http://www.camaraimobiliaria.com.br/artigo190905.htm e Aplicação no Brasil atinge padrão internacional, afirma advogada em http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/12/1/aplicacao-no-brasil-atinge-padrao-internacional-afirma-advogada/. Acesso em 12 jun 2013.

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Apesar dessa constatação, a Arbitragem tem potencial para tornar-se importante aliada do Judiciário na pacificação social. Isso porque a Lei 9.307/96 não exige nenhuma burocracia excessiva para a sua instauração, nem mesmo que sejam cobradas "custas" para sua realização. Pelo contrário, do texto legislativo afere-se que qualquer cidadão, independentemente do seu conhecimento técnico sobre seu determinado assunto, possa ser escolhido, bilateralmente, para apresentar solução ao litígio instaurado entre pessoas (artigo 3º da Lei 9.307/96). Em teoria, de forma bastante utópica, pode-se extrair que o legislador pretendeu dar ao cidadão a oportunidade de escolher julgador que lhe seja de confiança, o que legitimaria a decisão proferida e reduziria a possibilidade de inconformismo com a possível "derrota".

É fato, no entanto, que o modelo de Arbitragem presente no Brasil está, a princípio, na contramão dessa proposta. As partes que optam por câmaras (tribunais) arbitrais escolhem os árbitros dentro de um corpo de especialistas pré determinado84, sem conhecê-los previamente e sem a presença do requisito confiança. Na prática, deu-se preferência à especialização e profissionalização da figura do árbitro em detrimento da sua laicidade, ou seja, incentiva-se a escolha de um árbitro que possua determinados conhecimentos e que, de certa forma, mantenha sua posição de afastamento e imparcialidade, como se um juiz togado fosse.

Os dados da Arbitragem no Brasil tem se mostrado significativos, considerando a progressão da procura pelo procedimento arbitral desde a publicação da Lei 9.307/96. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, encabeçada pela advogada Selma Ferreira Lemes, em entrevista publicada pelo Valor Econômico (2013) determinou que as 5 maiores câmaras arbitrais do Brasil (são elas: Amcham, CCBC, Fiesp/Ciesp, Camarb e FGV) julgaram, no ano de 2011, aproximadamente 122 processos. Os valores chegam a R$3.000.000.000,00 (três bilhões de Reais), o que equivale a um aumento de 1.000% nos valores envolvidos em arbitragem em um intervalo de 6 anos.

Dados da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CCBC), levantados em 2010, indicam que a câmara julgou 180 processos arbitrais em 30 anos, sendo que, apenas em 2009, foram 49 processos, com duração média de 14 meses cada. As matérias mais comuns, que originaram a busca pela Arbitragem, estavam relacionadas à construção civil, contratos e questões empresariais.

                                                                                                                         84 Considerando a possibilidade expressa da escolha de um serviço especializado, como previsto no parágrafo terceiro do artigo 13 da Lei 9.307/96, observa-se que essa é a forma mais difundida desse meio de solução de conflitos no Brasil, sem que haja dados estatísticos significativos de outros métodos de instituição da arbitragem.

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Empiricamente, pode-se observar que a Arbitragem evolui no Brasil, mesmo que seus números nem mesmo se aproximem dos levantados pelo Judiciário. A diferença pode se arrimar na especialidade da Arbitragem, que atende apenas uma gama muito seleta de questões (apenas as patrimoniais e que envolvam direitos disponíveis, exigindo-se que as partes sejam capazes). O elemento cultural Brasileiro, que indica desde a negação do conflito até a litigiosidade excessiva, também contribui para a maior busca pelo Judiciário, em razão da baixa propensão do Brasileiro em compor os litígios de forma amistosa (OLIVEIRA: 2002).

Após mais de 15 anos de vigência da Lei 9.307/96, fala-se em "nova lei" de Arbitragem, com o objetivo de adequar o procedimento arbitral Brasileiro aos padrões internacionais e possibilitar uma arbitragem mais efetiva85. No entanto, é preciso considerar que, além do foco restrito que possui hoje a arbitragem no Brasil, existe ainda um componente cultural a prejudicar a expansão desse meio alternativo de solucionar conflitos, que é o descrédito (MARTINS; LEMES; CARMONA: 1999). O cidadão Brasileiro não crê que seu litígio possa ser legitimamente resolvido por um terceiro que não carregue o título de juiz de direito. Enquanto não se dedicar especial atenção à promoção da Arbitragem em território nacional, partindo da educação principalmente daqueles que laboram diariamente com o Direito, não será a aprovação de novas legislações que popularizará o instituto.

Dessa forma, a Arbitragem pode ser uma excelente ferramenta de solução de litígios por suas características especiais, como confidencialidade e especialidade dos árbitros, mas não parece prestar-se a desafogar a malha judiciária uma vez que está posta apenas para uma gama muito seleta de conflitos. 4 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO EM UMA PERSPECTIVA ESTATÍSTICA

Mediação e conciliação possuem diferenças de cunho teórico-acadêmico que não justificam uma análise mais profunda, por não se ressaltarem na prática. Relevante apenas observar que são meios de resolução de conflitos pautados na voluntariedade das partes em se reunirem para discutir o problema e chegar a uma solução que interesse a elas (PINHO; PAUMGARTEN: 2013). Nesse patamar, tanto mediação quanto conciliação seriam métodos decorrentes da

                                                                                                                         85 As palavras do Ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, dão conta de que “A ideia é criar, no campo da arbitragem, uma lei à altura da situação que o Brasil ostenta hoje no cenário internacional. Já temos uma lei eficiente, que funciona, mas que precisa de alguns aprimoramentos”. Em http://www.oab.org.br/noticia/25741/oab-auxiliara-comissao-de-juristas-que-estuda-nova-lei-de-arbitragem, acesso em 12 jun 2013.

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autocomposição, que prestigiam o acordo, a vontade das partes em compor os litígios e dar um fim à contenda.

O Conselho Nacional de Justiça, órgão criado em 2004 com a finalidade de “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da Sociedade” (CNJ), vem trabalhando e tentando implementar a conciliação e a mediação a fim de alterar a realidade caótica das demandas que aguardam julgamento no Brasil. Nesse mesmo caminho, o Novo Código de Processo Civil, que aguarda aprovação no Congresso, tenta aproximar essas práticas da realidade forense.

Nesse sentido, a aplicação da mediação e da conciliação, visa contribuir para que esses números alarmantes sejam reduzidos, auxiliando o judiciário na solução dos conflitos. Essas ferramentas ainda não são tão conhecidas pela maior parte da população, visto que a cultura brasileira é a do litígio, as pessoas não buscam outras formas de resolver seus conflitos, a não ser pela via judicial.

A conciliação vem sendo vista como aliada do Poder Judiciário, estando inserida no Código de Processo Civil (artigo 331). O que se observa, no entanto, em audiências de conciliação é que não são obtidos grandes resultados. Segundo Clóvis Brasil Pereira (2007), as audiências de conciliação não são tratadas com o devido respeito e não são feitas as intervenções necessárias para se alcançar um acordo. Mesmo não atingido o êxito esperado no âmbito do Judiciário, a busca pela conciliação não é de todo imprestável na esfera judicial. Na semana de conciliação promovida pelo CNJ em 2010 os resultados foram positivos: só no âmbito da justiça estadual foram marcadas, 316.113 audiências, sendo realizadas 252.405, ou seja, 79,8%, obtendo 122.683 acordos efetuados, correspondendo a 48,6%.

Assim como a Arbitragem, existem câmaras de Mediação e Conciliação espalhadas pelo território nacional, com maior incidência de conflitos de natureza empresarial. Pode-se citar, como exemplo, a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem, que pertence a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), e possui 47 filiais espalhadas pelo Brasil e cinco Postos Avançados de Conciliação Extraprocessual (PACEs), decorrentes de parcerias com os Tribunais de Justiça. Estão localizadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Piauí, Acre, Amazonas e também no Distrito Federal. Dentre os acordos que são propostos 70% restam frutíferos, enquanto a conciliação judicial tem percentuais de mais ou menos 15%, conforme informação publicada em 11/08/2010, no site da Agência nacional de noticia do SEBRAE.

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Apesar dos significativos números, a mediação e a conciliação realizadas nas câmaras instituídas padecem do mesmo “problema” da Arbitragem: não são populares, ou seja, não atingem a parcela mais empobrecida e menos formalmente instruída da população (uma vez que tais câmaras são, em sua maioria, vinculadas a órgãos comerciais e visam atender aos seus associados, tornando seu público alvo pessoas jurídicas de diversas naturezas).

A conciliação judicial, tal como se apresenta, de forma obrigatória e coercitiva, não atinge o objetivo final de minimizar a duração dos conflitos, fazendo com que os processos terminem antes da fase instrutória. Em verdade, há divergências quanto à utilidade da conciliação obrigatória, uma vez que se trataria de um desvirtuamento do próprio instituto (PINHO; PAUMGARTEN: 2013). Ou seja, as partes, constrangidas a participarem de uma conciliação sem o desejo de fazê-lo, tendem a não estarem abertas ao acordo, o que frustraria a proposta da solução pacífica do litígio.

Conforme exposto acima, o instituto da mediação e conciliação, não é algo tão conhecido da população brasileira, e vem proposto de forma mais ampla no projeto do novo código de processo civil, para que segundo Pinho, se torne mais popular, e ganhe a visibilidade que foi concedida a arbitragem, ainda que mais utilizada pela camada mais nobre da sociedade.

5 CONCLUSÕES

Em consideração aos números levantados e após análise histórico-

conceitual dos meios alternativos de resolução de conflitos, algumas conclusões ressaltam ao tema. Inicialmente, pode-se observar que arbitragem, mediação e conciliação vem se desenvolvendo no Brasil, uma vez que passaram do esquecimento pelo Legislador ao posto de métodos que, regularmente implantados, serão relevantes contribuidores para o fim da crise judiciária e a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.

De fato, os meios alternativos ao Judiciário primam pela rapidez em suas conclusões e pela legitimidade das soluções atingidas (SANTOS: 2013). Uma vez que, na mediação e na conciliação, são as próprias partes em conflito que chegam à resolução da disputa e que, na Arbitragem, os juízes são escolhidos pelos litigantes, possibilitando a compreensão de que suas decisões serão mais facilmente absorvidas, pode-se concluir, então, que esses meios são potências do que se diz perseguição da paz social.

Não se pode, no entanto, comparar os índices já obtidos com índices judiciários, principalmente por se considerar a pouca cultura histórica do Brasil no

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tocante à resolução extrajudicial de conflitos (OLIVEIRA: 2002). Apesar dos números dos meios alternativos serem bastante inferiores aos do Judiciário, isso não os desqualifica como pouco eficientes ou desinteressantes para a população em geral.

Uma segunda conclusão, não tão positiva, reside na pouca disseminação da Arbitragem, que não pode ser considerada um meio popular de resolver disputas individuais. Por estar direcionada à solução de conflitos empresariais, não apenas no Brasil, a Arbitragem movimenta valores muito elevados e lida com questões complexas sem, no entanto, garantir o acesso de pessoas físicas e, mais precisamente, de menor renda, com conflitos menos valiosos. A população em geral não faz uso da Arbitragem, sendo que muitos não têm consciência de que podem resolver suas disputas através desse meio (CARMONA: 2009).

Mediação e conciliação vem sendo utilizadas apenas no âmbito judicial e essa tendência se reforça com as propostas do Novo Código de Processo Civil. Tentar conciliar é um dever do magistrado, assim como a realização de audiências conciliatórias a qualquer tempo, além da previsão de uma conciliação específica, na presença de pessoa não investida de jurisdição (conciliador) nos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95). Ocorre que, com essa metodologia, os institutos perdem parte de suas características, principalmente no que se refere à voluntariedade de suas constituições. Mediação e conciliação acontecendo de forma obrigatória não se prestam, em muitas vezes, ao fim a que se destinam.

Com isso, seria preciso mais empenho do Poder Público, em suas atribuições, e da sociedade em um todo, para o sucesso da desjudicialização dos conflitos. O sucesso dos meios alternativos não acontecerá, muito provavelmente, em razão da sua positivação em diversos ordenamentos jurídicos, mas da disseminação de sua cultura e da desestatização dos conflitos. Enquanto o cidadão acreditar que apenas o Estado pode solucionar pacificamente os litígios, tanto individuais quanto coletivos, não será capaz de acreditar em sua própria habilidade de resolvê-los.

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O CONTRADITÓRIO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL E O PRINCÍPIO DA ORALIDADE

SILVA, Tatiana Mareto86 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo uma breve análise do princípio do contraditório, desde o nascimento do Direito mundial até o século XXI, pontuando sua importância e valorização no decorrer dos anos e durante as modificações sofridas pelas sociedades no mundo. Busca ainda demonstrar a atual relevância do contraditório e seus novos contornos mundiais, em um século de valorização dos direitos humanitários e da justiça como meio efetivo de pacificação social. Por fim, analisar a correlação entre o contraditório efetivo e a oralidade no processo, analisando desde a importância da oralidade para um processo mais célere e justo até a influência desta nas garantias do contraditório pleno. Palavras-chave: processo civil, contraditório, oralidade, direitos fundamentais, processo justo. Abstract: This paper aims a brief analysis of contradictory as a procedural principle, since Law, in an worldwide matter, is created until XXI Century, pointing its importance and raise through the years and during the changes of society in world. It also claims to show how contradictory is relevant nowadays and its new world outlines, in a century of Human Rights and justice as an effective way of social pacification. By the end, its about to analyse correlation between contradictory and orality in law procedure, to the importance of orality to a faster and fairer process to the influence of these garanties in full contradictory. Keywords: civil procedure, contradictory, orality, fundamental rights, fair process. INTRODUÇÃO

A importância do contraditório já passou por diversas variações ao longo da história do Direito. Já foi concebido como parte fundamental, inerente ao próprio

                                                                                                                         86 Professora de direito no Centro Universitário São Camilo-ES, Mestre em Políticas Públicas e Processo pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU), especialista em Processo Civil pelas Faculdades de Vitória (FDV), advogada com atuação principal em direito de família.

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processo e já foi praticamente descartado do processo, no entendimento de que o juiz era suficientemente apto a decidir a lide sem a necessária participação das partes. No Direito dos séculos XX e XXI, o contraditório reassume importância basilar, sendo introduzido como garantia no texto das Constituições dos mais proeminentes países e reconhecido pela Corte Européia dos Direitos Humanos como uma das mais fundamentais garantias de um processo justo e humano.

Com esta visão garantística e constitucional da importância do contraditório, suas conceituações e definições necessariamente passaram por revisões, uma vez que o então “princípio” processual foi alçado ao mais alto grau, o de garantia constitucional do homem.

Outros princípios passaram a ser analisados conjuntamente com o contraditório. No entendimento que este seria a participação efetiva das partes no decisum e, mais ainda, a participação igualitária das partes no processo, princípios como o da ampla defesa, o da igualdade, o do juiz natural, o da oralidade, vêm a integrar e a conjugarem-se com o contraditório. O devido processo legal deixa de ser um conjunto de formas processuais que devem ser observadas para constituir-se em uma garantia fundamental do litigante, e não somente do litigante em juízo ordinário cível ou penal. Qualquer procedimento deve ser permeado pelo contraditório, em razão da sua nova roupagem constitucional, sob pena de nulidade absoluta de todos os atos nele exercidos.

Não basta mais estar garantido o direito de peticionar contradizendo fatos e direitos alegados pela parte contrária. O contraditório é vivo, humano, requer participação efetiva das partes e do juiz, requer contato direto através de audiências bilaterais, requer igualdade real entre as partes, porque para haver contraditório efetivo não pode haver privilégios processuais de uma parte em relação a outra.

Dentre os princípios que se relacionam com o contraditório, um dos mais importantes e bastante desprestigiado na maioria dos países do sistema da civil law é o da oralidade. Processo oral significa processo de maior proximidade entre as partes, o que consequentemente significa mais participação e até mesmo cooperação.

Busca-se o melhor aproveitamento da oralidade nos procedimentos nacionais, sejam civis, penais ou administrativos, para que o contraditório efetivo deixe de ser mais uma garantia prevista na constituição que na prática não é aplicada. 1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

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O contraditório é uma característica do processo, e não do direito material.

Sua importância variou ao longo dos séculos, acompanhando as modificações que sofreu o Direito e aquilo considerado garantia processual.

O seu conceito, no entanto, permaneceu intacto apesar de o contraditório ter praticamente desaparecido em alguns períodos do século XIX.

PICARDI (1998, p. 673-674)) ensina que o contraditório, nos anos 800, era considerado “um « princípio de razão natural »; ele era conectado à natureza das coisas e era considerado, então, « inerente » o próprio processo”. Nesta época, o contraditório, além de princípio processual, era necessário para que houvesse processo. Não se entendia processo sem contraditório, pois este era parte daquele.

Nesta visão processual do contraditório, este foi elevado à categoria de ‘princípio processual’. GRECO FILHO (1995, p. 80), tratando do princípio do contraditório, entende que “a sentença do juiz deve resultar de um processo que se desenvolveu com igualdade de oportunidades para as partes se manifestarem, produzirem suas provas, etc. É evidente que as posições das partes (como autor ou como réu) impõem uma diferente atividade, mas na essência as oportunidades devem ser iguais.”

Neste mesmo sentido, entende CRETELLA NETO (1999, p. 103), ensinando que o contraditório seria “princípio segundo o qual ambas as partes devem ser ouvidas, em igualdade de condições, no processo. Requisito de imparcialidade, assegurado, junto com a ampla defesa, pela Constituição Federal, art. 5º. LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral. [...] O que se exige é a oportunidade dada para contradizer, que pode ou não ser aproveitada pela parte.”

Algumas observações podem ser feitas a respeito dos conceitos acima formulados, que ajudam a compreender o contraditório. Primeiro, é importante separar o contraditório do direito de defesa. Ambos são constitucionalmente garantidos87, porém não se confundem. No direito à ampla defesa está contido o ônus de apresentar contestação dos fatos e alegações trazidos. Uma vez não apresentada contestação – ou réplica, ou tréplica, ou resposta, ou contra-razões; dependendo da fase processual o recurso da parte pode receber diversas nomenclaturas, a parte assume o ônus a revelia, significando que os atos não contestados por si podem ser tomados como verdadeiros.

Já o contraditório possui conceito que transcende o simples contestar fatos das partes, mas participar efetivamente de todo e qualquer ato do processo. No

                                                                                                                         87 BRASIL. Constituição da República Federativa, 1998. Art. 5º., LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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contraditório devem estar compreendidas a produção de provas, a participação ativa em audiências, a ciência prévia de qualquer ato do juiz que possa influenciar na decisão do processo, etc... Por exemplo, o réu pode deixar de apresentar contestação – e consequentemente de exercer seu direito de defesa e tornar-se revel – porém tem ainda o direito de participar da produção de determinada prova ou de contestar atos do juiz.

Este é o conceito garantístico de contraditório, que adquire força no final do século XX e início do século XXI. GRECO (2005, p. 71) entende, neste mesmo diapasão, que o contraditório é “elemento essencial do próprio direito de acesso à Justiça”, sendo ainda “um princípio que impõe ao juiz a prévia audiência de ambas as partes antes de adotar qualquer decisão”, para que todas as partes do processo pudessem ter as mesmas oportunidades.

Também é importante ressaltar que o contraditório, conforme a definição supra de CRETELLA NETO (1999), e conforme o entendimento garantístico deste princípio, deve ser observado em qualquer procedimento, seja judicial, seja administrativo, seja policial.

O princípio do contraditório nem sempre entendido como garantia processual e acesso à justiça. Em verdade, a relevância do contraditório foi questionada e modificada diversas vezes ao longo da evolução do Direito e do Processo, sendo que por vezes o contraditório teve sua importância negada, chegando praticamente a desaparecer no primeiro pós-guerra.

A audiência bilateral teve origem na Grécia antiga, tendo sida mencionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca. Na época medieval, o processo fora observado à luz da lógica e da ética, sendo que a busca da verdade era o pressuposto de qualquer conhecimento. O contraditório, no século XII, deixou de significar simplesmente à ciência inicial do réu para fazer parte da preparação de toda e qualquer decisão adotada em um processo (PICARDI, 1998).

A audiência bilateral, base do contraditório, impunha igualdade de tratamento, e para isso o juiz deveria zelar pela paridade de armas, deixando de lado uma postura passiva para efetivamente regular o processo (CAPPELLETTI, 1971, p. 116).

O processo então adquiria dimensão social, e era para o homem medieval “sua esfera de proteção e de resistência em contraposição ao arbítrio dos governantes”88.

Aos poucos, porém, a função axiológica do princípio do contraditório passou a esvaziar-se, e segundo PICARDI (1998, p. 675) foi “inevitável que o

                                                                                                                         88 GRECO, Leonardo. op. cit. p. 72.

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contraditório, um pouco cada vez, viesse desclassificado ao rol de categoria secundária até perder cada ligação com a essência do fenômeno processual”.

Começou então um movimento contrário, que entendia o contraditório em todas as fases processuais como exagerado. Ocorre que no primeiro pós-guerra realizou-se uma reconstrução do conceito de processo, mais rigoroso e normativo.

Na década de 30, na Alemanha, chegou-se a sugerir a abolição total do contraditório, absorvendo-se o processo de partes na jurisdição voluntária. No segundo pós-guerra, contudo, a idéia de contraditório reacendeu-se quando Carnelutti trouxe a questão quindi est iudictium?, referindo-se a um movimento de retorno ao juízo e à formação do juízo. GRECO (2005, p. 72) ensina que relevaram-se novamente “o método dialético de solução de conflitos e a paridade de tratamento dos litigantes”, depois de diversas experiências com regimes autoritários e de supressão dos direitos. E PICARDI (1998, p. 678) já tratava do “claro sinal do despertar do interesse do jurista pelos mecanismos de formação do juízo e, antes de tudo, pelo contraditório e a colaboração das partes na busca da verdade”.

A legislação Constitucional passou, então, em nível mundial, a inserir o princípio do contraditório nos textos das Constituições dos Estados Sociais e Democráticos. A primeira Constituição a tentar elevar o contraditório ao nível de garantia foi a Italiana, com a conjugação dos artigos 24 e 3º. do texto constitucional.

No Brasil, somente a Constituição de 1988 trouxe o princípio do contraditório como garantia processual, inserido como cláusula pétrea no artigo 5º. Entendia a doutrina brasileira, anteriormente à Constituição Federal de 1988, em consonância com a definição de ALMEIDA (apud PORTANOVA, 1999, p. 161), que o contraditório constituía apenas a “ciência bilateral dos atos e termos do processo”, não tratando necessariamente da efetiva participação das partes em todos os atos processuais, sejam da parte contrária ou do juiz.

GRECO (2005, p. 73) aponta que a evolução do contraditório no final do século XX e no início do século XXI trata exatamente desta transição: deixar o contraditório de ser um simples princípio processual para adquirir o status de garantia constitucional, transformando-se “em uma ponte de comunicação de dupla via entre as partes e o juiz”. Para PORTANOVA (1999, p. 160-161), “pode-se dizer que [o contraditório] é inerente ao próprio entendimento de processo democrático, pois está implícita a participação do indivíduo na preparação dos atos de poder”. Este mesmo autor considera o contraditório como “uma das facetas da igualdade” (PORTANOVA,

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1999, p. 161), entendo-se assim que a existência de igualdade processual passa, necessariamente, pela existência do contraditório efetivo.

Instituiu-se o que podemos chamar de contraditório participativo, sendo que cabe ao juiz abandonar uma postura burocrática e a existência de um diálogo humano e construtivo (CAPPELLETTI, 1971, p. 92-93). Para PICARDI (1998, p. 680), o contraditório saiu da margem a qual estava relegado para estar novamente no centro do processo. GRECO (2005, p. 73) ainda ressalta que Cappelletti denominou esta evolução de processo justo, quando “às partes são asseguradas todas as prerrogativas inerentes ao contraditório participativo”.

Por ser garantia das partes e não mera faculdade processual, o princípio do contraditório decorre da Constituição, e deixou de ser garantia do processo jurisdicional para abranger todos os tipos de processos, incluindo-se o administrativo e qualquer outro ligado à vida pública. Isso não acontecia no primeiro pós-guerra, como relata PICARDI (1998, p. 675-676), porque o processo foi reconstruído somente como procedimento jurisdicional. 1.1 Previsão constitucional do contraditório no Brasil e direito comparado.

Como já foi visto, o contraditório ao longo da evolução do Direito deixou de ser tratado como um princípio processual para adentrar o rol de garantias processuais constitucionais. De fato, o contraditório faz parte do próprio direito de acesso à justiça, uma vez que este direito não se confunde com o direito de petição. O acesso à justiça inclui também o direito a defender-se adequadamente e não ter sua esfera privada atacada por decisões que se não pode interferir.

Este pensamento garantístico do contraditório é típico do final do século XX e início do século XXI, mas não foi exatamente neste período histórico que o contraditório passou a fazer parte das constituições da grande maioria dos países.

No sistema da common law, as leis escritas são em menor quantidade do que no sistema da civil law, e o contraditório está previsto como parte do due process. Nos Estados Unidos, a constituição prevê a obrigatoriedade do contraditório através da inserção da due process clause e da 14th ammendment.

Em 1215, João Sem Terra na Inglaterra assinou a Magna Carta, em razão dos abusos que cometia no poder. A Magna Carta assinada por John Lackland – que se traduzindo obtém-se ‘João Sem Terra’, primeira constituição escrita e até hoje a constituição inglesa, trazia em seu texto a garantia do respeito ao direito e ao due process of law. E era exatamente dentro do entendimento do que seria o due process of law que estaria inserido o contraditório. A redação original da clause da Magna Carta de previsão do due process of law é: “No Freeman shall be taken, or

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imprisoned, or be disseized of his Freehold, or liberties, or free Customs, or be outlawed, or exiled, or any otherwise destroyed; nor will we pass upon him, nor condemn him, but by lawful Judgment of his peers, or by the Law of the Land.”

Nos Estados Unidos, existem mais leis escritas e sua força vinculante é maior do que na Inglaterra. A Constituição Americana, apesar de possuir apenas sete artigos, foi emendada vinte e seis vezes, e cada emenda porta consigo garantias fundamentais e processuais. Quanto ao contraditório, conforme já visto acima, este está inserido na due process clause. Segundo PALERMO (2002, p. 03), “espalhados por entre os dispositivos primitivos e as emendas posteriores, há princípios jurídicos e regras hermenêuticas e de aplicação, que se denominam clauses, em razão dos artigos da Constituição: Supremacy Clause (superioridade da constituição); Full Faith and Credit Clause (mesmo valor jurídico em todos os territórios): Due Process Clause (processo civil e criminal em que se assegurem ampla defesa, o contraditório, a proibição de dupla condenação); Commerce Clause (proibição de leis que criem empecilhos ao livre comércio)”.

A due process clause trata do Devido Processo Legal – equivalente em Língua Portuguesa do ‘due process of law’ – em geral, e o entendimento de contraditório passa pelo entendimento e procedure fairness. “Procedural due process is essentially based on the concept of procedural fairness. As a bare minimum, it includes an individual's right to be adequately notified of charges or proceedings involving him, and the opportunity to be heard at these proceedings. In criminal cases, to ensure that an accused person will not be subjected to cruel and unusual punishment, which occurs when an innocent person is wrongly convicted.”

Assim, o Direito Norte Americano inclui o contraditório dentro do due process of law e mais precisamente inserido no conceito de procedure fairness. A ‘justiça do processo’ possui três modelos, o outcomes model, o balancing model e o participation model. O contraditório vem descrito no terceiro modelo, uma vez que “the idea of the participation model is that a fair procedure is one that affords those who are affected an opportunity to participate in the making of the decision. In the context of a trial, for example, the participation model would require that the defendant be afforded an opportunity to be present at the trial, to put on evidence, cross examination witnesses, and so forth.”

Este entendimento de contraditório foi reproduzido nos países de sistema da civil law, que foi ao longo dos séculos se tornando uma garantia constitucionalmente prevista. A Constituição Italiana foi a primeira a ensaiar a inserção do contraditório como garantia fundamental do processo. Porém, esta previsão, conforme já analisado no item 1.1, podia-se extrair da conjugação de

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dois artigos, ou seja, não era expressa, mas implícita. Em 1940, com o codice di procedura civile em sua última redação, o Direito italiano inseriu um artigo especialmente para tratar do contraditório. “Art. 101 (Principio del contraddittorio) Il giudice, salvo che la legge disponga altrimenti, non puo' statuire sopra alcuna domanda, se la parte contro la quale e' proposta non e' stata regolarmente citata e non e' comparsa.”

Determinava a Lei Italiana, então, que ocasionaria nulidade processual a decisão judicial que versasse sobre questão sobre a qual uma das partes não pode manifestar-se. A faculdade da parte em participar de todos os atos processuais e colocar-se a respeito de qualquer questão constituía um direito, e ocasionaria um dever-ônus para o magistrado, que deveria observar estritamente o contraditório antes de decidir sobre qualquer questão, a não ser que houvesse previsão legal que o anuísse agir diferentemente.

Com a Constituição Italiana de 1947, o contraditório veio então expressamente previsto como garantia constitucional naquele sistema, tratando o art. 111 ainda da igualdade das partes e imparcialidade do juiz. “Art. 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata. [...]”

Pela redação do artigo constitucional, observa-se que o processo que não tramitar seguindo as três determinações elencadas, tornar-se-ia nulo por deixar de observar expressa garantia constitucional.

Neste mesmo entendimento, está o Direito Francês. O nouveau code de procédure civile possui uma sessão voltada ao contraditório, dentro do Livro I [ dispositions communes à toute les jurisdictions ], Título I [ dispositions liminaires ], Capítulo I [ les principes directeurs du process ]. “Section IV – La contradiction. Art. 14. Nulle partie ne peut être jugée sans avoir été entendue ou appelée. Art. 15. Les parties doivent se faire connaître mutuellement en temps utile les moyens de fait sur lesquels elles fondent leurs prétentions, les éléments de preuve qu'elles produisent et les moyens de droit qu'elles invoquent, afin que chacune soit à même d'organiser sa défense. Art. 16. Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations. Art. 17. Lorsque la loi permet ou la nécessité commande qu'une

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mesure soit ordonnée à l'insu d'une partie, celle-ci dispose d'un recours approprié contre la décision qui lui fait grief.”

Como ‘princípio diretor do processo’, o contraditório aparece no Novo Código de Processo Francês, recém reformado em 1999, como garantia de que nenhuma parte pode ser julgada sem ser ouvida. A Constituição Francesa, no entanto, não possui um artigo expresso para garantia do contraditório, mas seu artigo 66 determina que a autoridade judiciária deverá guardar as liberdades individuais e garantir os princípios garantidos por lei89. Como o contraditório é um princípio que vem salvaguardado pelo nouveau code de procedure civile, estaria subentendida sua tutela constitucional.

No Brasil, somente em 1988 com a promulgação do último texto constitucional, o contraditório passou a fazer parte do rol de garantias constitucionais fundamentais. Antes desta data, o contraditório era garantido como princípio processual que deveria ser observado, porém acabava por reduzir-se ao direito de apresentar contestação aos fatos alegados pela parte contrária.

Com a inserção do contraditório no artigo 5º., LV da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, aquele elevou-se a garantia constitucional do processo, devendo não somente ser observado, mas podendo gerar a nulidade do processo caso não seja.

De fato, a previsão constitucional brasileira do contraditório tem a seguinte redação: art. 5º., LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Além da previsão constitucional, o contraditório está espalhado por todo o código de processo civil brasileiro. 2 ANÁLISES A RESPEITO DO CONTRADITÓRIO

Independente do seu conceito, é necessário delimitar o que deve acontecer, efetivamente, para que se considere o contraditório como ocorrido dentro de um processo judicial.

Importante ressaltar que o contraditório é uma garantia processual, que fora elevada a garantia processual constitucional pela relevância significativa que representa se conjugado tal “princípio” com as garantias de acesso à justiça, ampla defesa e devido processo legal. Em verdade, inexiste garantia ao contraditório no Direito Material pela sua simples inviabilidade.

                                                                                                                         89 FRANCE. Constitution francaise. 1958. Art. 66 - Nul ne peut être arbitrairement détenu. L'autorité judiciaire, gardienne de la liberté individuelle, assure le respect de ce principe dans les conditions prévues par la loi.

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O contraditório, conforme se pensava na Grécia nos anos 800, é parte fundamental do processo, garantindo às partes litigantes o direito a influenciar a decisão proferida pelo magistrado, bem como o direito a se manifestarem a respeito de todos os fatos e fundamentos alegados pela parte contrária, de forma a realmente produzir convencimento no juiz do processo.

Para que isso ocorra, alguns acontecimentos precisam se suceder no processo, demonstrando assim a existência do contraditório pleno. GRECO (2005, p. 74-75) entende a existência de diversos atos processuais que necessariamente devem ocorrer para configuração de existência de contraditório, no processo civil, sendo dentre eles a audiência bilateral, a ampla defesa, a flexibilidade dos prazos e a igualdade concreta.

Como audiência bilateral, pode-se conceber àquela o sentido de que deva acontecer “adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais” (GRECO, 2005, p. 74), sendo que o contraditório deverá ser permanente. GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA (1998, p. 55), ao discorrerem sobre o princípio do contraditório e suas características, entendem que “o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano audiatur et altera pars. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente mesmo à própria noção de processo.”

Outra característica do contraditório é sua previedade. O contraditório deve ser prévio para que sejam permitidas “afastar toda sorte de surpresas e segredos que de forma alguma se compatibilizam com um processo democrático” (PORTANOVA, 1999, p. 161).

Neste mesmo entendimento, GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA (1998, p. 57) ressaltam que “o contraditório não admite exceções: mesmo nos casos de urgência, em que o juiz, para evitar o periculum in mora, provê inaudita altera parte [...], o demandado poderá desenvolver sucessivamente a atividade processual plena e sempre antes que o provimento se torne definitivo.”

GRECO (2005, p. 74) ressalta ainda o entendimento de que o contraditório efetivo é sempre prévio, devendo as liminares e antecipações de tutela serem casos realmente excepcionais nos quais o direito não pode esperar em risco de perecimento. Deve o juiz fazer uma análise profunda dos direitos em jogo antes de conceder liminares que não respeitem o contraditório prévio.

O contraditório também trata da produção das provas, uma vez que para as partes influenciarem eficazmente na decisão é importante que participem da

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produção das provas, possam requerer provas e até mesmo produzi-las de acordo com seu interesse.

“A parte tem direito de participar na formação e na produção de todos os meios de prova. Assim como não se faz prova sem juiz, não se faz prova sem a parte”. Este entendimento, levantado por PORTANOVA (1999, p. 163), mostra a dimensão da importância do contraditório a nível processual, no sentido de que até mesmo no indeferimento ou deferimento de um meio de prova é fundamental a existência de ciência das partes, dando-lhes a possibilidade de participarem em sua produção e de contestarem as razões que levaram o magistrado a entender necessária ou desnecessária determinada prova.

A participação das partes na produção das provas também constitui pressuposto da ampla defesa, prevista constitucionalmente junto com o contraditório na Constituição Federal brasileira, no art. 5º. LV.

GRECO (2005, p. 75) entende ainda ser a flexibilidade dos prazos uma característica do contraditório. Para o autor, a Lei ignora as necessidades materiais das partes, e que os prazos deveriam ser flexibilizados quando não são razoáveis ou suficientes para a parte produzir suas alegações ou sua defesa.

Existe ainda um quarto aspecto do contraditório, que seria um dos aspectos mais relevantes em todas as definições desta garantia, que é destacado por GRECO (2005, p. 76) como a igualdade concreta.

A igualdade processual não é exatamente um pressuposto do contraditório, mas de um Estado Democrático de Direito, que porta a igualdade dos cidadãos em litígio. Esta igualdade não pode ser formal, ou seja, respeitando-se meramente o que a Lei determina como garantias de igualdade. A igualdade processual, efetiva, que realmente importa em participação da parte, é aquela material, a igualdade concreta, que importe em o juiz oferecer chances iguais às duas partes de se manifestarem, de responderem alegações, de produzirem provas, de demonstrarem o direito e os fatos que alegam existir ou não.

Por algumas vezes – quiçá muitas – o juiz terá que oferecer diferenciais a uma parte, que por alguma razão específica ficaria prejudicada se a ela fosse oferecido somente o mesmo que fora oferecido à outra. Este tratamento, aparentemente desigual e preferencial, tem amparo na igualdade concreta. Nem sempre as partes estão em iguais condições processuais. O simples fato de uma parte residir a longa distância da comarca na qual tramita a Ação já é suficiente para que o prazo a ela oferecido pela Lei seja infinitamente inferior ao prazo igual oferecido à outra parte, residente na comarca. Estes detalhes processuais, que determinam diferenças significativas entre as partes, precisam ser observados

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pelos magistrados e é importante que a Lei preveja discricionariedade para o juiz quando a desigualdade processual se mostra necessária de intervenção.

Este ‘princípio’, da igualdade concreta, em muito se relaciona com o da flexibilização dos prazos, uma vez que os prazos deveriam ser flexibilizados exatamente quando houvesse uma desigual distribuição dos mesmos, por razões até mesmo não processuais.

Para que este aspecto seja respeitado, o juiz deve modificar sua postura de expectador do processo e adotar uma atitude ativa, em vista de realmente equilibrar as partes quando uma delas se mostra em situação de inferioridade. Este posicionamento CAPPELLETTI (1971, p. 161) também adota, informando que o sistema da common law passou por diversas reformas para que o juiz passasse a ser mais atuante.

Como parte da igualdade concreta, GRECO (2005, p. 76) ainda ressalta que para o pobre é necessário garantir-lhe aconselhamento jurídico inclusive extrajudicial, a fim de que ele possa defender-se em posição de paridade. 2.1 O CONTRADITÓRIO EM PROCEDIMENTOS DIVERSOS DOS DE CONHECIMENTO

Existem ainda outros aspectos do contraditório considerados por GRECO (2005, p. 77), como a necessidade de contraditório em todos os procedimentos, inclusive no processo Executivo, na jurisdição voluntária, no processo administrativo, etc..., uma vez que “os poderes investigatórios do juiz não excluem a participação dos interessados”.

Neste mesmo sentido, PORTANOVA (1999, p. 163) ressalta que “todo processo vai ser tocado pelo contraditório, inclusive o executivo. Desimporta que na execução não se discuta o mérito. [...] o contraditório tem sentido mais amplo do que a só apresentação de defesa. Também no processo de execução o devedor tem o direito de receber as informações necessárias e de apresentar razões de fundo (como a exceção de pré-executividade) e de forma (como impugnação ao valor da avaliação), que são frutos do seu direito ao contraditório.”

Este é também o entendimento de MAGALHÃES (1998): “Resta, portanto, que da mesma forma que no processo de conhecimento, o contraditório se aplica também no processo de execução. [...] a aplicação no processo de execução se dá de forma bem menos elástica e abrangente do que no de conhecimento, até porque neste tipo de processo já se encontra superada a fase cognitiva, partindo-se do pressuposto de que o direito invocado já se encontra reconhecido num título. Contudo, não se pode olvidar que, embora de forma reduzida, dentro de algumas particularidades, o contraditório se reveste como necessário ao processo

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executivo, para a garantia de um processo justo. E não há que se falar aqui de embargos como única forma de contraditório dentro do processo executivo. Mecanismos outros existem que possibilitam ao devedor impugnar o processo executivo, instalando-se o contraditório, como a exceção de pré-executividade da qual falaremos mais adiante.”

O contraditório não pode sofrer limitações a não ser aquelas necessárias para evitar o perecimento do direito urgente, e o juiz não pode privar os interessados de influir eficazmente nas suas decisões. Assim sendo, o simples fato do processo Executivo puro e simples não tratar da discussão do mérito não significa que todos os fatos ocorrentes durante seu trâmite sejam, necessariamente, desinteressantes para o contraditório.

GRECO (2005, p. 77-78) levanta também o problema do contraditório no inquérito policial, que se encontra em franco debate no direito do século XXI porque as provas são produzidas em total revelia do acusado, e posteriormente são utilizadas em uma acusação penal e algumas vezes são a única base de uma condenação.

Mesmo as provas irrepetíveis, ou seja, aquelas produzidas antes de se chegar ao acusado, devem ser tidas com ressalvas por não terem sido produzidas à luz do princípio do contraditório. Este é o entendimento também de AGUIAR (2000), no sentido de que “por ser desprovido do contraditório, o inquérito policial, peça informativa dos elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por si só decisão condenatória, devendo, pois, no decorrer do processo-crime colhidos elementos que a justifique sob pena de ferir o art. 5º, LV da CF/88.”

Este também é o entendimento de DIAS (2005), para quem “no procedimento investigatório, não se fala em contraditório no início das investigações, mas somente após o reconhecimento dos indícios da conduta delituosa que motivaram o indiciamento. O contraditório, após o indiciamento, não conspira contra o êxito das investigações, ao contrário, assegura maior legitimidade as conclusões da investigação. Como conseqüência, [...], a adoção do princípio do contraditório, dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, mas com valor de prova na instrução, consequentemente, mais célere e mais rápida a prestação jurisdicional.”

Em verdade, qualquer tipo de procedimento é passível de contraditório, talvez mais amplamente em alguns casos e mais restritamente em outros. O contraditório no Brasil não é mais, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, um mero ‘princípio processual’, mas uma garantia constitucional em qualquer procedimento, incluindo-se mesmo os administrativos – como os procedimentos instaurados pela Administração Pública e o Inquérito Policial.

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Dessa forma, não é mais admissível o entendimento doutrinário de que existam procedimentos sem contraditório por não serem judiciais ou por não serem cognitivos. O contraditório não deve se apresentar somente perante o juiz, mas em qualquer momento em que haja um procedimento através do qual possa sobrevir uma decisão que interfira na esfera real de direitos das partes.

Muito mais do que a garantia de apresentar contestação, o contraditório é o direito das partes em participar do processo a ponto de poder influenciar na decisão final. E este direito pode ser plenamente exercido em qualquer tipo de procedimento, devendo ser observado sob pena de nulidade. 2.2 O CONTRADITÓRIO NAS QUESTÕES LEVANTADAS DE OFÍCIO

Uma difícil análise se dá a respeito do contraditório quando o juiz determina questões de ofício. A faculdade discricionária do magistrado em determinar questões de ofício está presente em todos os grandes países do sistema da civil law e da common law, destacando-se na Europa a Itália, França e Alemanha como representantes do primeiro sistema e Inglaterra e Estados Unidos da América como representantes do segundo sistema.

GRECO (2005) destaca, inclusive como parte do conteúdo do contraditório, a problemática das questões apreciadas de ofício pelo judiciário. DENTI (1968) realizou estudos aprofundados exatamente sobre este ponto. Afinal, é assegurado constitucionalmente o direito ao contraditório. Mas o que fazer com esta garantia quando a questão não é levantada pela parte, mas sim pelo magistrado, através de seu poder discricionário de observar algumas questões e trazê-las ao processo ex officio?

DENTI (1968) esclareceu que o termo “questões” seria um termo vago para poder se definir ‘questões de ofício’, e que por isso seria preciso primeiro determinar que questões influenciariam o processo a ponto de gerarem uma necessidade de contraditório. Segundo o doutrinador italiano, o termo “questões” possui, juridicamente, duas distinções, sendo estas entre questões de fato e de direito e questões de simples e questões prejudiciais. Em sua análise, entendia que a distinção entre questões de fato e de direito não seria relevante para a problemática da aplicação do contraditório.

A relevância estaria se a questão é simples ou prejudicial, pois esta última pode ser tornar objeto de cognição por iniciativa exclusiva do juiz. Caso o juiz exerça cognição exclusiva sobre uma questão e através do entendimento gerado por ela decida o processo, o contraditório estaria maculado. Isso porque as partes não tiveram nenhuma oportunidade de participarem na formação da questão e de

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influenciarem no convencimento do juiz, ou seja, não participaram em nenhum momento da formação da fundamentação talvez mais importante da decisão final. Por este motivo, Denti analisou ainda que importaria, então, se a questão fora efetivamente julgada pelo juiz, e não somente conhecida (DENTI, 1968, p. 21).

A doutrina sempre se preocupou em definir questão prejudicial, por considerar que o juiz deveria decidir sobre a prejudicial antes das outras questões ventiladas. Isso porque, conforme PLÁCIDO E SILVA (1973, p. 1281), “a questão prejudicial [...] é a que surge para antepor-se ou contrapor-se a outra questão, a fim de anular ou tornar ineficaz qualquer influência dela. Assim, sendo o seu reconhecimento ou a sua aceitação como procedente e certa, tem a influência ou a eficácia de tornar desnecessária a decisão acerca de outra questão a que se antepôs. [...] O sentido de prejudicialidade, atribuído à questão, resulta numa dupla significação: na de preliminaridade, para que se conheça e decida antes que qualquer outra questão, e a de prejudicialidade, propriamente, quando a decisão tomada a respeito dela torna impossível qualquer decisão à outra questão.”

Neste mesmo sentido, o entendimento de CRETELLA NETO (1999, p. 369) determina que questão prejudicial é “questão relevante de Direito Material ou de fato, arguida antes da decisão sobre a questão principal (de mérito), e de cuja solução depende a decisão sobre a lide. A questão prejudicial é antecedente lógico da sentença (isto é, deve ser resolvida antes) [...].”

No entendimento de DENTI (1968, p. 20-21), as questões prejudiciais não seriam somente aquelas em que se deva decidir antes, mas aquelas, tanto de fato quanto de direito, que possam definir o juízo e que possam ser objeto de uma das pronúncias do artigo 279, 1, 2 e 4 do codice di procedura civile Italiano90. Em verdade, para o estudioso italiano, o importante seria a ‘capacidade’ de influenciar na decisão do juízo que a questão teria, e não se ela seria de fato ou direito.

Não há contrariedade entre a existência de poderes instrutórios para o juiz e a garantia do contraditório. Não é porque existe a possibilidade de o juiz impulsionar o processo – princípio do impulso oficial – que isso signifique lesão à garantia de contraditório para ambas as partes. Segundo DENTI (1968), tanto os poderes instrutórios do juiz quanto o contraditório têm que estar em harmonia, sendo o contraditório garantia de ampla defesa, com participação ativa e colaboração no desenvolvimento do processo.

                                                                                                                         90 ITALIA. Codice di procedura civile. 1940. Art. 279. Il collegio quando provvede soltanto su questioni relative all'istruzione della causa, senza definire il giudizio, pronuncia ordinanza. Il collegio pronuncia sentenza: 1) quando definisce il giudizio, decidendo questioni di giurisdizione o di competenza; 2) quando definisce il giudizio, decidendo questioni pregiudiziali attinenti al processo o questioni preliminari di merito; [...] 4) quando, decidendo alcune delle questioni di cui ai numeri 1, 2 e 3, non definisce il giudizio e impartisce distinti provvedimenti per l'ulteriore istruzione della causa;

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Isso significa que só porque o juiz do processo civil dos séculos XX e XXI deixou de ser passivo e adotou uma posição ativa e de controle, o contraditório não se tornou secundário ou incompatível com esta conduta judicial.

Está previsto no codice di procedura civile Italiano no artigo 183, § 2º. que o juiz indique às partes as questões de ofício para que se dê a oportuna instrução. Por ocasião deste artigo, a doutrina italiana iniciou uma discussão sobre se a instrução prevista seria uma imposição legislativa ou uma mera faculdade do juiz. Entendendo obrigatória a instrução a respeito das questões de ofício, Grasso (apud DENTI, 1968, p. 217) afirmou que esta previsão veio a corroborar com o princípio da colaboração entre partes e juízes para a edificação do processo.

Apesar de Grasso, Cappelletti, Denti e Andrioli entenderem que o juiz tinha o dever de instaurar contraditório inclusive nas questões determináveis de ofício, a prática processual demonstrou aos poucos que deste dever não decorria uma prestação real, até mesmo porque se tratava somente de dever do juiz instrutor [ na Itália existe a figura do juiz preliminar e do juiz instrutor, ambos atuando em primeira instância ].

E, independente da previsão normativa, que foi considerada falida pela grande massa da doutrina que defendia a instrução obrigatória, o fato da inexistência de contraditório neste caso não geraria nulidade absoluta das decisões sem sua observância. DENTI (1968, p. 219) ainda ressalta que o dispositivo do artigo 101 do codice di procedura civile Italiano nunca foi de interpretação restrita, uma vez que outros dispositivos prevêem o contraditório em atos sucessivos à constituição inicial do processo – momento da contestação.

Ainda para este mesmo doutrinador, o provimento jurisdicional que se embasasse em questão não amplamente contradita pelas partes era sim, inválido. E esta invalidade decorreria de previsão constitucional, não expressa porém já existente. A invalidade do provimento que descartasse o contraditório e não fosse proferido com a colaboração das partes poderia embasar-se no art. 24, § 2º. da Costituzione Italiana, criando-se assim uma categoria de nulidades processuais que desrespeitassem normas constitucionais e não somente processuais (DENTI, 1968, p. 219).

Denti ainda analisa que a decisão sobre questões prejudiciais determinadas de ofício trataria de uma exceção e o princípio do contraditório concerne tanto à demanda quanto às exceções. Assim sendo, a existência de questões prejudiciais levantadas de ofício ampliam o thema decidendum e assim as partes têm o direito de intervir para eficazmente interferirem no processo. “As questões prejudiciais determinadas de ofício não podem ser decididas se o juiz não as submeteu

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previamente ao contraditório das partes” (DENTI, 1968, p. 231), causando assim nulidade da sua decisão, na categoria do art. 101 do codice di procedura civile Italiano.

São considerados também sobre o contraditório a questão do iura novit curia, na qual o juiz deve propor às partes, antes da decisão, a norma ou as normas às quais entenda poder referir-se em caso concreto, suscitando uma discussão sobre a aplicabilidade das mesmas; ou o dever do juiz em abrir contraditório quando da determinação de ofício de fattispecie impeditiva, modificativa ou extintiva; e o direito de defesa que pressupõe o direito da parte em intervir ao menos uma vez em todas as questões sobre as quais o juiz decidirá o processo.

O dispositivo do art. 101 do codice di procedura civile Italiano tem origem remota na ZPO alemã (Zivilprozessordnung), e como observa LENT (apud DENTI, 1968, p. 225), no processo alemão “nem mesmo com base no princípio inquisitório o juiz pode valer-se de elementos conhecidos sem primeiro tê-los discutido com as partes, não lhe sendo autorizado examiná-los pela primeira vez na motivação da sentença”. Por razão do aumento dos poderes do juiz, um movimento análogo aconteceu no direito francês, enquanto no common law o juiz tem alguns poderes excepcionais de conhecer questões de ofício, acompanhados do dever de provocar o debate entre as partes. Caso o juiz deixe de observar o contraditório entre as partes, a sua decisão fica passível de impugnação.

Foi de Chiovenda o primeiro projeto para a inserção do princípio do contraditório amplo e obrigatório, projeto este que sofreu diversas atenuações acompanhando-se o esvaziamento do conceito de contraditório pelos anos. 3 O CONTRADITÓRIO E O PRINCÍPIO DA ORALIDADE

Existe uma tendência geral dos doutrinadores internacionais a limitar o problema do processo ordinário ao processo executivo e aos procedimentos especiais. O processo executivo é essencialmente escrito, e os procedimentos especiais também, por prescindirem de prova imediata e robusta, uma vez que necessitam preparar o juiz para uma cognição imediata. Em compensação, nos procedimentos menores, como a justiça de paz – existente com muita relevância na França e na Itália, há o predomínio da oralidade, uma vez que tais procedimentos necessitam de rapidez, simplicidade, economia e acessibilidade.

CAPPELLETTI (1971, p. 161) realizou uma análise detalhada da questão da oralidade no procedimento ordinário, entendendo que o problema da oralidade está relacionado ao problema da administração da prova e à admissibilidade e apreciação da prova escrita.

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Em sua obra, CAPPELLETTI (1971, p. 161) traz que os doutrinadores são unânimes ao afirmar que nos sistemas jurídicos modernos não existe um processo fundado sobre a forma puramente oral. Existe sim uma conjugação entre elementos orais e escritos, que trazem o problema da predominância ou coordenação entre um e outro, porém nunca exclusão.

Numerando-se as vantagens e desvantagens de ambas as formas – oral e escrita, pode-se ter: i) a forma escrita possui o mérito da precisão, pela qual o juiz aparentemente teria uma maior certeza a respeito da existência ou conteúdo de um ato; ii) a forma oral torna o processo mais vivo, captando a atenção do juiz somente para os fatos mais relevantes. Possui a vantagem do predomínio da simplicidade sobre o formalismo.

O problema da oralidade e da escrita, então, acaba por relevar-se à sua coordenação, em especial sobre as “divergências entre as soluções práticas adotadas nos diferentes países” (CAPPELLETTI, 1971, p. 161).

Mauro Cappelletti entende que aos países da commom law não interessa o estudo da oralidade. O problema dos países deste sistema partiu de como transformar um processo arcaico, formalista, essencialmente escrito, desprovido de caráter imediato e de concentração, em consonância com as modernas reformas.

O problema residia no fato de que esses procedimentos eram essencialmente calcados sobre o modelo canônico do “comum”. Quem teceu as maiores críticas a este modelo foi BENTHAM (apud CAPPELLETTI, p. 69), que questionava o fato das partes não serem chamadas a comparecerem frente o juiz, uma vez que tudo se passava por intermédio dos procuradores. As petições escritas eram admitidas sem limites e as testemunhas eram interrogadas sem publicidade e sem exame cruzado pelas partes interessadas.

Bentham ainda defendia um tipo de processo “natural”, em contrapartida a um processo “técnico”, fundado precisamente nos critérios da oralidade, propondo como reformas: as partes deveriam ser tratadas como testemunhas, que prestariam esclarecimentos frente o juiz para se obter o verdadeiro objeto do processo. As testemunhas seriam ouvidas através de interrogatórios cruzados; as sessões dos tribunais não seriam jamais interrompidas, ou seriam fixados intervalos; e o juiz que produzisse as provas seria o mesmo que pronunciaria a decisão.

Seria, então, necessária uma reforma radical do processo e do direito nos povos anglo-americanos. Analisou-se que uma a principal causa da insuportável duração dos processos seria o procedimento extremamente complexo e formalista, consistente especialmente na exclusão da prova oral em privilégio da prova escrita.

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Grandes reformas iniciaram-se na Inglaterra com a Chancery Amendment Act de 1852, que facultava à parte o interrogatório oral das testemunhas, pelas regras do examination, cross-examination e re-examination. Outras mudanças importantes aconteceram, que puderam ser consideradas uma verdadeira revolução, todas no sentido de suprimir a equity do processo e privilegiar a administração das provas oralmente, em audiência pública (viva voce and in open court), sendo que o juiz teria toda a liberdade em apreciar o resultado das provas. Evoluções praticamente análogas em todos os países da família da common law.

Em análise relativa ao sistema da prova na common law, pode-se dizer que a grande diferença deste sistema para a família da civil law é a existência do júri. Havendo um júri, a prova escrita deixa de ser predominante porque não é interessante a ele. O debate oral in open court, o mais concentrado possível, é o ideal para o sistema do júri. E o sistema de apreciação das provas muito rígido e abstrato seria inconciliável com a ausência de experiência jurídica do júri.

De outra forma e com algum atraso, o sistema da common law também aboliu a prova legal, pelas mesmas razões que o processo continental o fizera. A passagem realizou-se através de um sistema igualmente formalista, abstrato e a priori de regras de exclusão. Como era impossível que o júri apreciasse as provas de forma determinada, passou-se a limitar que provas poderiam ser levadas à apreciação. E provas inadmissíveis eram o mesmo que provas nulas. As partes e os terceiros interessados estavam excluídos do examination e do cross-examination que passaria a acontecer in open court.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a coordenação entre oralidade e escrita delineia-se principalmente pela existência de duas fases bem distintas: a pre trial e a trial.

A fase do pre trial tem caráter preparatório e se desenvolve entre as partes, sendo possível alguma intervenção judicial. Nesta fase, as partes utilizam as escrituras, para determinar a matéria de fato e prepararem o trial. Existe, também, a possibilidade inquisitória, na qual as partes se confrontam livremente e é também livre a ‘comercialização’ dos documentos. Trata-se de uma fase que se desenvolve nos escritórios dos advogados, com raras intervenções judiciais, estas apenas para garantir o fair play. Existe oralidade, porém entre as partes e não frente o juiz.

As discoveries são mais desenvolvidas na Inglaterra, porém existe uma maior intervenção do Master – órgão distinto da Corte, mas que a representa. Frente a este Master existe a realização de uma fase oral, porém preparatória para os atos escritos, visando apenas a celeridade do trial.

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A fase do trial, ao contrário do que normalmente se imagina, extrapola o limite dos discursos dos advogados, compreendendo a administração das provas in open court. Neste momento, a oralidade predomina soberana, e as peças escritas são direcionadas aos advogados da parte contrária, e não exatamente à Corte. Trata-se de uma fase concentrada, e na Inglaterra a decisão e dada no mesmo dia, também in open court. É exatamente no trial que se revela a característica tipicamente oral do procedimento da commom law, porém CAPPELLETTI (1971, p. 21) salienta que a prolação da decisão no day in court é exceção à regra, e que a fase do pre trial pode prolongar-se por anos.

Outra característica do processo da oralidade no processo da commom law é a preferência pelas provas orais, em razão do júri. Estas provas orais são amplamente debatidas no trial através das cross examinations. No entanto, a preferência absoluta pela prova oral vem se atenuando ao longo dos anos, principalmente na Inglaterra.

Cappelletti também ressalta, como ponto importante a respeito do processo da common law, a limitação da apelação às questões de direito. Como não é possível repetir-se toda a fase do trial, na fase apelatória a oralidade não é mais predominante.

A oralidade é um princípio bastante deficiente nos países seguidores do sistema da civil law, e esta deficiência tem bases históricas. Os defeitos do processo em vigor nos países do continente Europeu estão relacionados à idéia de oralidade entre os países da civil law. Isso porque esse processo originou-se do direito romano-canônico e do jus commune, com características dominantes que sempre privilegiaram o procedimento escrito.

Historicamente, o Direito Romano era basicamente oral, com todos os atos processuais realizados de forma oral. Houve uma lenta evolução para o sistema misto, conjugando oralidade e escrita. Mesmo assim, “a oralidade e a imediatidade mantiveram-se, em regra, como tônicas do processo ao lado das atas redigidas, meio de amparo à sentença que, embora escrita, era publicada oralmente” , conforme nos ensina GUEDES (2003, p. 21).

O processo romano-canônico surgiu para substituir o processo primitivo que estava em vigor na Idade Média. Neste, a publicidade e a oralidade dominavam, e a administração da justiça tinha, de certa maneira, um caráter de assembléia.

No processo primitivo as provas eram substituídas por provações, o “juízo de Deus”, e o direito da época tinha um extremo rigor formal. O processo romano-canônico substituiu esse tipo de processo, passando o procedimento a “girar em torno” do princípio da escritura, com uma glorificação dos recursos e o controle

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exato da precisão e dos fundamentos do juiz. O juiz formava sua convicção com base nos seus “conhecimentos privados”, não possuindo as partes um mínimo de garantia do contraditório.

Havia também, como características, o caráter secreto da produção das provas para não contaminar as testemunhas e o quesito da apreciação legal das provas, feita abstratamente pelo legislador, para evitar arbitrariedades do juiz.

CAPPELLETTI (1971, p. 41-46) enumera algumas características mais relevantes do direito romano-canônico que serviram para acentuar a problemática da oralidade em relação aos países da civil law: i) a predominância do elemento escrito, que advém de um monopólio para a afirmação do princípio quod non est in actis non est in mundo. Em razão deste princípio, decisão proferida em processo que não estivesse inteiramente fundado em atos escritos, era considerada absolutamente nula; ii) a conseqüente ausência de relações diretas entre o juiz e demais sujeitos do processo, bem como a ausência de contato direto do juiz com os elementos objetivos da prova; iii) a ausência de publicidade do processo; iv) O excesso de réplicas em razão das peças escritas. O desenvolvimento do processo perdeu seu caráter concentrado típico daquele frente ao judex e passou a ser desmembrado e fragmentado em várias etapas; v) a ausência de uma intervenção direta do juiz no desenrolar do processo, dando margem às partes que atrasem a marcha do processo quando lhes for interessante, e ainda aos advogados que protocolem petição sobre petição para valorizar seu trabalho, causando uma duração insustentável do processo; vi) a possibilidade de recursos imediatos de todos os atos do juiz, e a facilidade de se apresentar fatos e provas novas em apelação; vii) E por último, a característica mais significativa, o sistema da prova legal, que trata de uma série de regras obrigatórias para a admissão e apreciação das provas.

Neste sistema de provas legais, as testemunhas eram interrogadas em segredo pelos notários ou gráficos, e a redação era geralmente em latim, ou seja, uma língua diferente daquela falada por elas. Sem dados importantes para uma apreciação crítica das provas, o juiz devia observar uma regra para a hierarquia de valoração das provas, que levava em consideração a nobreza, a religião, o sexo, a idade, a condição econômica, etc. A apreciação das provas não era feita pelos elementos concretos, mas pela lei. O juiz limitava-se a computar: probatio nulla, probatio plena e semiplena probatio.

Na França, houve a abolição do “princípio do inquérito sigiloso”, uma conquista da legislação revolucionária e que só foi acolhida por outros países muito tardiamente.

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O sistema romano-canônico passou a ser visto com severas críticas no período denominado “época das luzes”, e foi a ideologia da Revolução Francesa que anteviu o que futuramente seria concretizado na legislação revolucionária.

A reforma francesa pode ser considerada como o modelo de realização de um sistema de processo oral, em total contrapartida ao procedimento escrito do sistema romano-canônico. O que ocorreu foi que a França se inspirou mais no sistema do processo da commune sumário do que no ordinário, mais formalista.

A primeira obra jurídica importante relacionada ao princípio da oralidade foi o Código de processo civil de Hannover, em 1850, e logo depois a Zivilprozessordnung alemã de 1879. Essas duas obras legislativas adotavam como fundamento uma concepção bastante rígida e doutrinal da oralidade. Cappelletti explica que, se o processo escrito era entendido como a inexistência de qualquer ato que não resultasse da acta, o processo oral deveria ser entendido como a inexistência de qualquer ato não comunicado oralmente ao juiz, em audiência, pelas partes ou seus advogados (CAPPELLETTI, 1971, p. 56).

Esta concepção extremamente teórica e doutrinal e outros defeitos da Zivilprozessordnung alemã de 1977 foram corrigidos ou atenuados em reformas ulteriores. Qualquer traço das instituições típicas do sistema da prova legal e a concepção do processo civil como escolha das partes desapareceram do código alemão, e com isso veio novamente o processo fundado exclusivamente sobre as peças escritas.

A legislação que previa a relação direta entre juiz e prova foi relaxada, causando assim problemas relativos à duração do processo. Com a insatisfação geral relacionada à eficiência do processo alemão, mais reformas surgiram, sendo que as mais coerentes levaram à acentuação da concentração do debate oral compreendendo também a administração das provas, que deveriam ser feitas frente o órgão que julga.

A reforma austríaca de 1895 demonstrou que os erros alemães não seriam repetidos, compreendendo-se que a idéia de um processo oral se realiza sem exageros e fantasias. O processo misturava oralidade e escrita, sendo que a fase principal era predominantemente oral e pública. Os recursos eram admitidos em princípio somente para as decisões definitivas.

De todas as reformas, a que havia demonstrado maior eficiência fora a austríaca, com cerca de 40% dos processos terminando em menos de um mês. Não se podia encontrar dados assim em outros países, a não ser na Suécia. A maioria dos países a demora do processo era causada pelos defeitos típicos do processo escrito, sendo que a situação italiana era considerada problemática. A escrita dominaria praticamente todo o processo civil, e ainda seria relevante tratar da

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duração excessiva dos recursos. Ainda, a produção e administração das provas acontecia entre várias audiências sem um mínimo de oralidade, sem concentração e sem nenhuma relação imediata do juiz com os elementos do processo.

Conforme já visto anteriormente, a oralidade foi introduzida e valorada de forma diferente nos sistemas jurídicos mais significantes. Entre common law e civil law as diferenças são muitas, e mesmo dentro da civil law é possível identificar diferenças marcantes entre os países do continente Europeu e os países socialistas.

Como diferenças mais marcantes entre os procedimentos da civil law e dos procedimentos anglo-americanos, pode-se enumerar: i) a ausência do júri no procedimento civil da civil law e de um episódio equivalente ao do day in court, relativo à administração das provas; ii) a tendência existente no sistema da civil law de atribuir maior importância à prova escrita que à prova oral; iii) a ausência, ou a raridade, de poderes inquisitórios das partes, no sistema da civil law, sendo que estes poderes são atribuídos ao juiz; iv) a possibilidade ampla de um jus novorum na fase apelatória na civil law, com possibilidade de introdução dos fatos e de provas novas, ao contrário do que normalmente é autorizado na commom law. Este fator causa desvalorização do primeiro grau de jurisdição, e invariavelmente prolonga a duração dos processos.

Entre os países pertencentes ao sistema jurídico da civil law, também se pode encontrar diferenças relativas à coordenação dos elementos escritos e orais. Segundo CAPPELLETTI (1971, p. 22), as soluções espanhola e latino americanas são as mais fiéis ao esquema antigo de jus commune, uma vez que os elementos escritos são dominantes, o que permite uma fragmentação excessiva do processo e uma gravidade maior do problema da duração do mesmo. Esta fidelidade ao jus commune também seria a causa da ausência de uma relação direta entre o órgão judicial e os elementos probatórios.

Apesar de melhor, a situação na França e na Itália ainda não é a ideal. Os debates orais não compreendem a administração das provas, limitando-se aos discursos dos advogados, que muitas vezes nem acontece. Os advogados comumente preferem se referir às peças escritas.

Tais discursos seriam mais interessantes se precedessem uma instrução efetiva do processo. Porém a preparação do processo, mais ainda na Itália, consiste basicamente na troca de peças escritas. Esta prática serve para alongar ainda mais o processo, uma vez que não existem instrumentos eficazes de investigação como nas discoveries americanas e as intervenções do juiz servem apenas para tentar equilibrar o processo.

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Existe ainda o fato de que a administração das provas não é imediata, o que é uma outra característica da oralidade. O juiz que recolhe as provas não é o mesmo que julga, e nem mesmo faz parte do colégio julgador.

A aplicação da oralidade é melhor e mais bem desenvolvida nos países da Europa central e nos escandinavos, aonde a duração do processo é mais suportável. A apresentação da demanda é escrita, mas segue-se da preparação do debate oral principal, que se funda no contato direto entre o juiz e as partes.

O juiz está munido de poderes de direção e aceleração do processo e exerce esses poderes eficientemente. O debate oral principal se desenvolve frente o mesmo juiz que preparou o processo, e é geralmente concentrado, apesar de quase nunca ser possível a realização do one day in court como no sistema da common law.

É importante, contudo, ressaltar duas tendências evolutivas dos países da civil law, conforme determinou CAPPELLETTI (1971, p. 29): a primeira consistiria no abandono da colegialidade em primeira instância e a segunda seria limitar a admissibilidade de inovações na apelação, o que seria muito importante para atenuar a desvalorização da primeira instância e, consequentemente, da sentença.

Entre as diferenças importantes, as que mais se aprofundam são as dos países do Leste Europeu. Em relação aos elementos orais do processo, entendidos aqui como a fase preparatória e não o debate oral principal, sendo que CAPPELLETTI (1971, p. 30-35) destacou i) a investidura dos juízes por eleição, o que os tornaria mais populares e menos aptos a se servirem utilmente das escrituras; ii) o caráter popular da justiça, na qual todos teriam acesso garantido sem necessidade de advogado, autorizando assim que os pedidos fossem feitos informalmente diretamente ao juiz, que exerceria uma função “assistencial” e de “consultoria”, na perseguição a uma igualdade real entre todas as partes processuais; iii) a importância da publicidade do processo, que é uma garantia constitucional de quase todos os países socialistas – no ano em que Cappelletti escreveu a obra ora invocada, ainda existia União Soviética e consequentemente os países socialistas – porque o processo era encarado com a missão fundamental de educar as massas; iv) o princípio do papel ativo do juiz, em busca da verdade material; v) a unificação da apelação e a revisão (ou cassação); vi) uma certa tendência de predomínio da escrita na Polônia e Yugoslávia – que ainda existia à época.

O processo nos países do Leste Europeu é de interesse de ordem pública, e não puramente privada. Existe um contato direto entre o juiz e as partes (incluindo testemunhas, peritos, etc...), o que torna a oralidade muito mais desenvolvida. Porém existe a obrigatoriedade de que algumas provas sejam produzidas por

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escrito, não exatamente para que se tornem provas mais eficazes, mas para garantir o controle público sobre as atividades.

Os advogados abusam de uma excessiva escrita nas frases preparatórias e a tendência dos tribunais em evitar a fadiga de uma discussão oral.

Existem, no entanto, formas interessantes encontradas pelos sistemas jurídicos de conjugarem a escritura e a oralidade em seu procedimento ordinário. Cappelletti, em seu estudo, delineou algumas das quais entendeu mais significativas: i) a predominância da oralidade nas fases do trial do sistema anglo-americano, mas não na fase pre trial; ii) a tendência da predominância do elemento oral ao desenrolar do processo inteiro, incluindo-se a fase preparatória, nos países “socialistas” (hoje países do Leste Europeu) e também nos países de influência desse sistema; iii) com um sistema de processo oratório-protocolar, um pouco mais oral que de outros países, os discursos, quando ainda existem, limitam-se a discutir o processo quando a instrução já terminou, enquanto que a instrução mesma, que compreende a administração das provas, ficam confiadas a um juiz friamente chamado de juiz de instrução; iv) um sistema processual praticamente todo escrito, na Espanha e nos países latino-americanos, que faz limitação a um contato direto entre o órgão jurisdicional e os demais sujeitos do processo, ou seja, que limita a oralidade. 4 CONCLUSÕES

A análise do contraditório em relação ao tempo e à sua importância faz concluir que nem sempre este princípio foi considerado de importância basilar, porém a compreensão internacional de que o homem possui direitos fundamentais que nem mesmo em períodos de guerra podem ser afastados, fez com que o contraditório passasse de simples característica do processo para o mais alto nível de garantia processual constitucional.

Em diversos dos maiores sistemas jurídicos mundiais, o contraditório está constitucionalmente previsto e a Corte Européia dos Direitos Humanos considera inaceitável qualquer processo, seja jurídico ou não, sem a existência do contraditório amplo e efetivo, que significa muito mais do que a simples apresentação de petição contestando fatos iniciais alegados pelo autor.

Desta forma o contraditório deixou de ser um simples princípio processual. No Brasil, a previsão constitucional obriga o administrador do processo a observar o contraditório amplamente, porém na prática ainda se precisa de muita evolução para que o processo brasileiro adquira os contornos desejados para a garantia do contraditório efetivo.

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O aumento da oralidade nos processos seria um avanço para a maior proximidade partes-juiz, e para, consequentemente, uma maior participação daquelas no convencimento deste. Sem a participação constante das partes em todos os atos, sem a ciência das partes de todos os fatos, fundamentos e condições que levarão – ou levaram – ao convencimento do juiz para a prolação da decisão, inexiste o contraditório ideal defendido pelas cortes internacionais.

Não será possível, no entanto, o aumento da oralidade e uma melhor conjugação desta com as escrituras enquanto não houver uma mudança de hábitos e costumes daqueles que são encarregados de operar o processo, sejam juízes ou administradores. Para que o contraditório efetivo seja uma concreta garantia processual – e não apenas uma previsão constitucional pouco significativa no geral – é fundamental que se desprenda o Direito brasileiro das amarras do Direito romano-canônico, que amplamente desvalorizava o que não estava escrito. E também que os formalismos excessivos sejam esquecidos, para que o processo possa se tornar mais humano e passe a exercer a função para o qual foi criado: a pacificação social.

Se o processo visa simplesmente satisfazer códigos e artigos de Lei, não serve ao seu propósito de compor a lide. O processo é para a sociedade e não para a justiça. Deve ser guiado e estruturado pela Lei, porém deve ser conduzido para as partes, que possuem um único objetivo, o de ver o conflito terminado o mais rapidamente possível, para que o equilíbrio relacional possa ser refeito. E enquanto o real e efetivo contraditório não for observado; enquanto a oralidade não fizer parte do processo como um meio de humanizar as relações deste, o equilíbrio não será restaurado pela simples prolação da sentença, já que o processo será decidido sem todas as necessárias interferências. REFERÊNCIAS AGUIAR, João Marcelo Brasileiro de. Contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1049. Acesso em 27 dez. 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa. Brasília : Congresso Nacional. 2002. 415p. CAPPELLETTI, Mauro. Procédure orale et procédure écrite. Oral and written procedure in civil litigation. Milano : Giuffrè editore. 1971, 116 pp.

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BREVES APONTAMENTOS SOBRE O JUIZ LEIGO NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO

SILVA, Tatiana Mareto91 Resumo: Este projeto envolve o estudo a respeito de um dos fatores que influenciam a Justiça democrática, através de um processo justo, com respeito aos direitos humanos, por parte do Estado, aos litigantes. Dentre todos os fatores que compõem uma Justiça eficiente, que realmente ofereça a paz social, pode-se destacar a efetividade das decisões, que devem oferecer a prestação jurisdicional de forma célere, uma vez que o processo deve tramitar em prazo razoável para que o direito perseguido fique o máximo de tempo com aquele que o possui. O presente projeto realizará, então, uma análise dos os juízes leigos, existentes nos sistemas jurídicos de diversos países – principalmente relacionados à common law, vezes comparativa aos juízes profissionais, dominantes hoje no sistema jurídico brasileiro, visando apresentar sua relevância para a legitmação das decisões e para a garantia da ordem democrática. Palavras-chave: juiz leigo, juízes profissionais, justiça democrática, processo justo, legitimação, comprometimento, efetividade, prazo razoável. Riassunto: Questo progetto compila lo studio riguardo uno dei fatori che fanno influenza alla Giustizia democrática, attraverso una procedura giusta, con il rispetto ai diritti dell’uomo, per parte dello Stato, ai litiganti. Tra tutti i fatori che compongono uma Giustizia eficiente, che veramente offra la pace sociale, possiamo staccare l’effetività dei pronunciamenti giudiziali, che devono offrire la prestazione giurisdizionale a tempo ragionevole, una volta che la procedura deve offertare il diritto per il tempo massimo che la parte possa godere. Il presente studio attuarà una analise fra i giudici laici, aventi nei sistemi giuridichi di diversi paesi – principalmente relativi alla common law, e alcune volte comparativa coi i giudici proffesionali, oggi prevalente nel sistema giuridico brasiliano, visando presentare la rilevanza per la legitimazione delle decizioni e garanzia dell’ordine democratica.

                                                                                                                         91 Professora de direito no Centro Universitário São Camilo-ES, Mestre em Políticas Públicas e Processo pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU), especialista em Processo Civil pelas Faculdades de Vitória (FDV), advogada com atuação principal em direito de família.

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Parole-chiavi: giudici laici, giudici professionali, giustizia democratica, giusta procedura, legitimazione, coinvolvimento, efettività, tempo ragionevole. 1 O JUIZ LEIGO NO DIREITO ROMANO

O Direito Romano serviu de inspiração e base para diversos sistemas jurídicos, principalmente em relação aos países latinos de civil law. Itália, França, Espanha, Portugal e Brasil, em exemplo, desenvolveram seu Direito através do que existia em Roma. Até mesmo nos países de civil law o Direito Romano teve sua importância, não como sendo aplicado pelo Estado, mas estudado nas Universidades, como ocorreu na Inglaterra (CUENCA, xx, p. 27).

De fato, a jurisdição (jurisdictio) como poder de administrar a justiça remonta ao Direito Romano. Na aplicação da justiça, porém, os romanos não diferenciavam questões de cunho jurídico das demais questões estatais. Como não havia a concepção de Estado como aquela que surgiu partir do século XVIII, justiça e demais questões de estado não possuíam separação definida (SCIALOJA, 1954). Os juízes, em geral, também ocupavam cargos políticos. Não havia independência entre administração e aplicação da justiça. Tal fato não impediu que o Direito Romano tivesse uma organização complexa, e uma distribuição do ‘poder’ de julgar entre diversas categorias de magistrados diferentes.

No período da realeza romana, o juiz único era o rei. Ele possuía assessores que lhe auxiliavam na solução de questões, mas somente o rei era considerado juiz. Com a queda da realeza e conseqüente instituição da república em Roma, substitui-se o rei como juiz por duas figuras, o praetor nos períodos de guerra e os iudices nos períodos de paz (ALVES, 1999, p. 13).

No Direito Romano havia uma diferenciação acentuada entre os termos magistrado e juiz (iudex), indicando indivíduos com competências diferenciadas quando da aplicação da jurisdição. Em verdade, havia dois momentos distintos durante o processo romano: a fase in iure, desenvolvida perante o magistrado e a fase de iudicium, desenvolvida perante o juiz. Isso significava que o magistrado era responsável pelo processo até o momento da fixação da controvérsia, quando proferia uma fórmula. A partir de então, cabia aos juízes, o iudex, a investigação e a determinação da sentença. Chegou-se a afirmar que os magistrados seriam juízes de direito, enquanto os juízes seriam juízes de fato. Em posição contrária, SCIALOJA (1954, p. 116-117) afirmou que os juízes, stricto sensu, também desempenhavam funções ‘de direito’.

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Dentre os magistrados, aquele que obteve maior destaque por sua função é, indubitavelmente, o pretor. Tratava-se de uma classe de magistrados que surgiu quando Roma decidiu estender aos plebeus o ‘direito’ de participar do ordenamento jurídico, mais precisamente quando começou a crescer a república e o consulado foi aberto também para a plebe (SCIALOJA, 1954, p. 108). Isso porque o pretor reunia as funções legislativas, executivas e judiciais em um só indivíduo. Enquanto os cidadãos consideravam o cumprimento das leis como uma atividade quase sagrada, o pretor se via compelido a ser sagaz e muito hábil para adaptar leis arcaicas e desatualizadas à evolução da sociedade e, assim, resolver os conflitos. Desse trabalho do pretor em interpretar as leis antigas – como a Lei das Doze Tábuas – à realidade da sociedade surgiu o Direito Pretoriano.

De fato, o pretor não realizava os julgamentos ou analisava os fatos, como o juiz moderno, em um primeiro momento do Direito Romano, denominado de ordo iudiciorum privatorum. O pretor se limitava a apresentar a fórmula, que seria levada ao juiz – escolhido pelas partes, geralmente – para que investigasse os fatos e proferisse a decisão. Na verdade, SCIALOJA (1954, p. 116) traz que a distinção do processo romano em duas fases fundou-se na compreensão de que o magistrado deveria conduzir o processo até a fixação dos termos do litígio e a partir daí assumia o juiz propriamente dito.

Apesar da inquestionável importância da figura do pretor, tanto para o Direito Romano quanto para o Direito Moderno, por seu legado, ele não necessitava ser expert em Direito. Não era preciso que o pretor entendesse profundamente das Leis, porque ele possuía uma equipe de jurisconsultos à sua disposição. Pode-se dizer, então, que o pretor era um julgador que tanto podia ser técnico quanto leigo, apesar de que, na realidade, os pretores geralmente foram grandes juristas da época.

De qualquer forma, aparecia a função do pretor como uma função de experts em Leis, que, se não fossem o pretor em si, seriam seu corpo de juristas à disposição. Mesmo que o pretor pudesse ser leigo, a sua função aparecia como precipuamente inerente a um indivíduo técnico no conhecimento jurídico. A função do pretor era definitivamente ligada ao conhecimento da Lei, o que não ocorria com a função do juiz. A este último não era exigido conhecimento das leis, e, portanto, ao juiz não eram esperadas as mesmas qualificações que o pretor. Eram, quase que em sua totalidade, homens leigos. Assim eram os juízes, os árbitros e os jurados. Eram eles que analisavam os fatos e diziam a decisão. E eram geralmente escolhidos, melhor dizendo nomeados, pelas partes em litígio, que deveriam indicá-los já na fórmula do pretor (CUENCA, 1957, p. 25). Eram julgadores temporários, nomeados para atuar em cada caso específico.

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O juiz era um indivíduo que tinha a função de realizar a averiguação as questões de fato que lhe eram levadas à apreciação (CUENCA, 1957, p. 24). Stricto sensu, deveriam ser estritamente observadores da fórmula oferecida pelo pretor, não podendo inovar: ou os fatos eram comprovados e a parte condenada ou os fatos não eram observados e a parte absolvida.

SCIALOJA (1954, p. 117) discordou, em sua obra, da afirmação acima, trazendo que os juízes romanos não eram meros observadores dos fatos, mas verdadeiros juízes de direito e de fatos. Exemplifica para justificar seu posicionamento as questões de boa fé, que não eram decididas através de textos legais. Observa-se, no entanto, que esse autor tratou dos iudex em sentido lato, abordando os juízes, os árbitros e os jurados, enquanto aquele, ao afirmar que os juízes tratavam somente de questões de fato, limitou sua análise aos juízes stricto sensu.

As características que deviam ter um juiz também não se apresentaram muito claras. CUENCA (1957, p. 25) afirmava que era obrigatório serem maiores de 25 anos e deveriam ser escolhidos, inicialmente, entre os senadores romanos, somente; enquanto SCIALOJA (1954) dizia que podiam ser juízes até cidadãos com 18 anos. Posteriormente, podiam ser escolhidos cidadãos comuns, dignos, que foram aumentando a lista de juízes dentre os quais as partes poderiam escolher o seu julgador.

Além do juiz conforme explicitado acima, existia também no Direito Romano a figura do árbitro, que se tratava de outro julgador que não precisava ser técnico em Leis. Terminologicamente, o termo iudex, acima mencionado, referia-se tanto ao juiz quanto ao árbitro, com a existência de poucas características que separavam os dois tipos de julgadores.

Para os romanos, o juiz era único, sempre. Não se falava de juízes, mas de juiz, no singular. Os árbitros (arbiter), no entanto, podiam ser vários. Ainda, aos árbitros era dada maior liberdade de analisar os casos, não sendo necessário que se ativessem tão estritamente à fórmula do praetor, nas denominadas ‘ações arbitrárias’ e nas ‘ações de boa fé’. Em tais ações, o árbitro podia se pronunciar através da equidade, paradoxalmente oposto ao juiz, que estaria preso à fórmula do pretor. SCIALOJA (1954) afirmou que o iudicium era “estrito e rigoroso” enquanto o arbitrium era “moderado e suave”.

Além dos juízes considerados singulares, em Roma também existiam tribunais colegiados, nos quais vários juízes, lato sensu, atuavam em um caso. Dentre eles, podemos destacar uma instituição que era próxima do hoje considerado júri, consubstanciada nos recuperatores. Eram colegiados temporários, e se formavam sempre que o magistrado os encomendava para decidirem uma

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causa. Similares aos juízes, diferenciavam-se somente pelo fato de serem um colegiado. SCIALOJA (1954, p. 26) afirma que não são claro as razões que levavam o magistrado e as partes a escolherem juízes ou recuperatores, mas que, segundo os textos históricos, os recuperatores eram tribunais compostos por estrangeiros que decidiam questões internacionais. Compunham uma instituição basicamente laica da justiça romana, sendo que os escolhidos para a função eram cidadãos comuns.

Os recuperatores não eram os únicos representantes dos tribunais colegiados, que ainda contavam com os centumviri e os decemviri. Tribunais bastante antigos do Direito Romano, não existem dados muito precisos sobre eles. Sabe-se que os decemviri eram um tribunal permanente, e, portanto, nesse aspecto, diferenciados dos recuperatores. Decidiam sobre questões de estado, liberdade e cidadania, ou seja, decidiam sobre o estado de escravidão ou liberdade de um indivíduo (CUENCA, 1957, p. 27). Os julgadores que formavam os decemviri eram nomeados pelo povo, e considerados magistrados menores.

Também permanente era o tribunal dos centumviri, que decidia sobre questões de sucessões. Segundo Cuenca, os centumviri também eram denominados de tribunal de heranças, e sabe-se que a jurisprudência do tribunal dos centumviri influenciou bastante a formação do Direito Civil (SCIALOJA, 1954, p. 118). 2 ORDENAÇÕES PORTUGUESAS E O BRASIL IMPERIAL – OS JUÍZES LEIGOS

O Direito Brasileiro iniciou-se do Direito Português, uma vez colônia de Portugal. Até a independência brasileira, o Direito que atuava na colônia – o Brasil – era o Direito da corte – Portugal. Iniciamos a análise a partir das Ordenações Filipinas, última e mais moderna das ordenações do Reino de Portugal, e que delineou com bastante expressão a figura de juízes leigos: os ordinários e os de paz.

As Ordenações Filipinas sucederam as Manuelinas, já no início do Século XVII, e foram promulgadas pelo Rei Filipe I. Como colônia de Portugal, o Brasil se submetia a todas as regras de Direito da corte, e, portanto, estavam sob égide da legislação filipina no Séc. XVII.

As regras para os juízes ordinários apareciam no Título LXV do Livro I das Ordenações Filipinas, que também tratavam dos juízes de fora. As duas figuras se diferenciavam no fato de que os juízes ordinários eram eleitos anualmente, pelos cidadãos e pela Câmara, enquanto os juízes de fora eram nomeados pelo Rei. Neste momento do Direito à época, os métodos de escolha de juízes eram sempre a eleição e a nomeação, ficando claro que a nomeação pelo Soberano se dava para

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juízes de maior responsabilidade, que atuavam praticamente como ‘fiscais’ do Governo que os nomeava (ALMEIDA, 1870, p. 134).

Enquanto o juiz de fora era letrado, ou ao menos instruído no Direito Romano, o juiz ordinário era leigo, independente, e seguia as regras dos costumes locais, alteradas somente pelos mesmos costumes (ALMEIDA, 1870, p. 134). Para que todos soubessem que tipo de juiz era cada, os de fora eram obrigados a utilizarem uma vara branca, que indicava o juiz letrado, enquanto os ordinários utilizavam a vara vermelha. Eram, então, identificados semioticamente. O juiz que deixasse de utilizar sua bandeira poderia ser punido, conforme disposição do item 1 do Título LXV.

A competência dos juízes ordinários – os leigos – era bastante variada, incluindo até mesmo substituir os juízes dos órfãos, quando na cidade ou vila não existirem esses (ALMEIDA, 1870, p. 135). As ordenações conferiam ‘jurisdição’ aos juízes ordinários i) nas cidades com mais de duzentos habitantes, podiam decidir sem apelação ou agravo as causas de até mil Réis, em se tratando de bens móveis; ii) ou nas cidades com duzentos habitantes ou menos, podiam decidir sem apelação ou agravo as causas de até seiscentos Réis para bens móveis e de até quatrocentos Réis para bens imóveis (de raiz); conforme o Item 7 do Título LXV do Livro I das Ordenações Filipinas.

O processo nas causas de até quatrocentos Réis, versando sobre bens móveis, era bastante simples: as partes eram ouvidas verbalmente, destacando a oralidade, e não havia, conforme a própria lei dispunha, um processo propriamente dito92. A condenação ou absolvição era tomada a termo por um tabelião, e o juiz ordinário mesmo dava execução das decisões, através de alvará.

Se a causa ultrapassasse os quatrocentos Réis – a competência não podia extrapolar os mil Réis, em cidades com mais de duzentos habitantes, o processo seria todo tomado a termo pelo tabelião, e não somente a decisão, como no primeiro caso. Também cabia a execução dessas decisões aos juízes que as proferiam, os ordinários. Observa-se que, mesmo sendo leigos os juízes ordinários, tinham a competência da iurisdictio e do imperium, conforme definidas pelo Direito Romano. Eles proferiam e executavam decisões, fazendo cumprir as sentenças para as causas que lhes eram competentes.

A lei dispensava um cuidado maior quando o bem envolvido na disputa era bem imóvel, denominado pelo legislador à época de bens de raiz, ou quando o

                                                                                                                         92 Extrai-se do disposto no Item 7 do Título LXV das Ordenações Filipinas que a inexistência de processo, nas causas ali determinadas, referia-se a um processo mais burocrático, formal, escrito, mais consoante com a concepção de autos e procedimento. O processo, no sentido de instrumento para a busca da jurisdição, acabava por acontecer, uma vez que as partes era ouvidas pelo juiz e a decisão era tomada, ocorrendo, assim, a prestação jurisdicional.

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valor da causa era elevado – acima de mil Réis. Nesses casos, havia um processo instituído pela própria Ordenação, que deveria ser respeitado.

Os juízes, fossem os leigos ou os letrados, tinham uma estrita responsabilidade atribuída pela Lei, em caso de agirem de má fé (ALMEIDA, 1870, p. 136-137). Também, os juízes deviam despachar sempre com os vereadores, por força do Item 25 do Título LXV das Ordenações, em uma evidente demonstração que a separação de poderes não era muito nítida àquela época, no Reino de Portugal. Também existia uma competência penal para os juízes ordinários, em caso de injúrias verbais. Nesses casos, o juiz ordinário poderia processar e julgar o acusado, e as sentenças de condenação em até seis mil Réis seriam executadas por eles mesmos, sendo vedada qualquer condenação de maior valor. Não havia igualdade formal entre as partes, uma vez que, dependendo da qualidade do injuriado, mesmo havendo desistência da parte ofendida o processo poderia prosseguir por interesse do juiz. Isso acontecia quando os ofendidos eram fidalgos ou pessoas de importância para a Corte (ALMEIDA, 1870, p. 139).

Além dos juízes ordinários, as Ordenações Filipinas instituíram o juiz de paz, outra categoria de juiz leigo, com diferentes competências, através do aditamento produzido pela Lei 15 de outubro de 1827, quando do Brasil já independente. Os juízes de paz estavam aparentemente ligados a uma influência que a Igreja exercia sobre o Estado, uma vez que a existência deles estava conectada ao fato de a freguesia possuir uma capela (ALMEIDA, 1870). E a Lei de 11 de setembro de 1830 mandou que se elegessem juízes de paz em todas as capelas filiais curadas.

Eleitos em conformidade com os Vereadores, podiam ser juízes de paz quaisquer cidadãos que pudessem ser eleitores, ou seja, que estivessem em gozo de seus direitos civis.

A competência do juiz de paz era bastante variada, consubstanciada na solução de conflitos menores: i) conciliar as partes em litígio, não sendo admitido que compareçam as mesmas através de procuradores; ii) o julgamento de pequenas demandas, de valores não superiores a XX; iii) impedir as aglomerações nocivas e chamar as forças armadas para combater os motins; iv) prender indivíduos em condição de embriaguez; v) impedir a formação de quilombos e destruir os existentes; vi) proporcionar a conservação do meio ambiente – naquele ordenamento considerado como matas e florestas públicas – e impedir o corte irregular de madeira; e vii) atuar frente os moradores, cidadãos do seu distrito, para dirimir suas dúvidas e compor as contendas referentes a servidões e outras questões relativas a imóveis.

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Das sentenças dos juízes de paz havia recurso para uma comissão formada por eles mesmos, chamada de Junta de Paz.

Os juízes de paz também possuíam uma competência no âmbito do crime, no sentido de impor sua ordem e mandar conduzir o desobediente a sua presença, sob pena de multa ou prisão, em caso de não poder pagar a multa. As sentenças de condenação criminal do juiz de paz deverão ser confirmadas ou revogadas pelos juízes criminais, não cabendo recurso dessa decisão.

O júri, outra instituição que funciona como julgador leigo, também existia no século XVII no Brasil, com influência da legislação portuguesa, nos mesmos moldes que existia na corte. O Código de Processo, que foi reformado em 1832, instituiu o júri para processos criminais, com bases no princípio que levava o acusado a ser julgado por seus pares (NEQUETE, 2000, p. 53). Eram de competência do júri os crimes com pena superior a seis meses fossem de prisão ou de degredo, através de julgamento com processo oral. Os júris eram presididos por juízes de Direito, com a função de realizar o julgamento da matéria de direito, somente. Isso porque, conforme se verá mais adiante, o júri se sustenta na característica de julgar somente os fatos da causa levada à sua apreciação, sem, no entanto, aplicar o Direito (PERROT, 2000 e HAZARD, 1991).

Ocorreu que o júri, no entanto, não perdurou muito tempo como regra para os procedimentos criminais acima descritos. Não muito depois de sua instituição no Código de Processo Criminal, o júri foi contestado no aspecto da dificuldade que havia em reunir o número obrigatório de jurados – chegando a sessenta para dois conselhos. Foi proposta, em 1835, a abolição do júri como procedimento geral, sendo que somente nas cidades de grande população ou as consideradas capitais persistisse o julgamento por júri (NEQUETE, 2000, p. 66).

Os jurados, efetivos juízes que compunham o júri, eram indivíduos comuns, sendo que também em 1835 foi proposto que somente cidadãos com renda de pelo menos 500$000 pudessem participar. A intenção da proposta foi trazer maior nível intelectual e maior independência do jurado, entendendo-se que somente pessoas mais abastadas financeiramente seriam aptas a reunir tais características (NEQUETE, 2000, p. 66). A partir do Código de 1832, iniciou-se um declínio das funções do juiz de paz, podendo-se dizer até mesmo do juiz leigo, no Brasil. Em 1841 foi apresentada uma outra proposta que criticava veemente os juízes de paz, principalmente em suas funções criminais. Em verdade, a Constituição já dava mostra de objetivar manter os juízes de paz somente nas funções conciliatórias, mantendo a eleição popular. O juiz de paz era questionado em sua imparcialidade, considerando-se que ele favorecia os seus eleitores e perseguia os que não o apoiavam.

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Havia outra espécie de juiz à época, os juízes municipais. Eram eleitos pelos vereadores, e tinham competência muito superior às suas capacidades cognitivas (NEQUETE, 2000, p. 68). De fato, sobravam críticas também aos juízes municipais, que eram também eleitos. Criticava-se o fato de que não seria adequado entregar aos juízes municipais, leigos, sem qualquer conhecimento legal, o conhecimento de causas complexas. De fato, essa é uma das críticas mais incisivas ao juiz leigo, conforme se verá adiante mais especificamente. A questão da falta de capacitação também incidia veemente sobre o juiz de paz no tocante à sua competência criminal. Considerava-se que o juiz de paz não era adequado para ter, sob sua exclusiva competência, a formação da culpa.

Foi nesse panorama desfavorável, o juiz de paz teve suas atribuições reduzidas pela Lei de 03 de dezembro de 1841, principalmente no âmbito criminal, que passaram praticamente todas para os chefes de polícia. De fato, os juízes de paz na época pós-independência do Brasil eram reunidores de funções judiciais e administrativas. Muitas das funções criminais dos juízes de paz eram, na verdade, funções que são atribuídas à administração como Poder Executivo, como funções de polícia e manutenção da ordem. Essas funções lhes foram tiradas quando da entrada em vigor da mencionada Lei.

Também foram extintas as Juntas de Paz, ressaltando-se que, na prática, tais comissões já não mais se reuniam e deixavam, por muitas vezes, os litigantes sem a decisão do recurso de apelação previsto pelo Código de Processo de 1832 (NEQUETE, 2000, p. 69). 3 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO JUIZ LEIGO NA COMMON LAW: INGLATERRA E ESTADOS UNIDOS

Não é equivocado dizer-se que o sistema jurídico da common law comporta maior quantidade de juízes leigos, no mundo ocidental, em relação ao sistema jurídico da civil law.

Tal afirmativa se justifica porque o sistema da common law é diferenciado pelo emprego dos costumes e precedentes em maior escala do que da lei; o sistema da common law possui poucos códigos e menor número de legislação esparsa. Não se quer dizer que na common law não exista lei escrita, porém ela existe em menor quantidade, é em muitas vezes é aplicada com maior grau de interpretatividade, por parte do julgador. Em total contraste, a se perceber, com o sistema jurídico da civil law, que se embasa praticamente somente em leis codificadas e escritas, e com pouquíssima chance à interpretação dos dispositivos (DAVID, 1997).

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Exatamente porque o sistema da common law dá mais ênfase aos precedentes e costumes, poder-se-ia concluir, em uma análise superficial e simplória, que o julgador, neste sistema, não careceria de uma formação legal tão ampla e especializada; ou que nem em todos os casos essa formação seria fundamental para a atuação da jurisdição. O juiz não precisaria, necessariamente, conhecer códigos e artigos, mas entender o sistema, participar da vida em sociedade, estar atualizado quanto aos litígios que vêm sendo solucionados em determinada sociedade.

Não se esperaria do juiz, na common law, que seja um “expert” em leis, mas um sensível perceptor da questão que lhe é levada à apreciação. Como foi visto no primeiro capítulo, cada país ou sociedade determina quais as características mais importantes devem conter em um julgador. E, para a common law, somente conhecer a lei não é desejado em todos os juízes.

Inicialmente, deve-se observar que o juiz, na Inglaterra, é nomeado pelo Executivo. Durante muito tempo, essa função era basicamente realizada pelo Lord Chancellor através de uma ‘sondagem secreta’ por seus funcionários (LEOPOLD, 2004, p. 282). Este fato não passava despercebido sem críticas, principalmente em relação à transparência do método de seleção dos juízes. Ainda, levantava-se que a nomeação dos juízes na Inglaterra seria causa de uma justiça que, apesar de possuir grande número de juízes leigos, não teria tanta representatividade, como pela pouca quantidade de juízes mulheres e minorias étnicas. De fato, pode-se sustentar que “esse sistema favorece a nomeação de um tipo homogêneo de pessoas e que resulta potencialmente discriminatório no confronto de mulheres e minorias étnicas [...]” (LEOPOLD, 2004, p. 282)93.

Em 2003 levantou-se a proposta de alteração no sistema, mas não seria uma alteração plena. A nomeação continuaria, porém de candidatos que seriam levantados por uma comissão, a Judicial Appointments Commission (JAC). De qualquer forma, a escolha acabaria se procedendo ainda por nomeação, que verdadeiramente é uma das formas de seleção de magistrados que denota menor independência, como foi estudado anteriormente.

Os sistemas da common law existentes nos Estados Unidos e Inglaterra se diferenciam em alguns aspectos, como vêm se diferenciando ao longo dos anos, porém ambos comportam a figura do juiz leigo em número significativo. Sejam os jurados, sejam os Justice of the Peace, os lay justices ou outros nomes e cargos para os quais os juízes sem formação jurídica são recrutados, eles existem e exerce função judiciária, proferindo sentenças e emitindo ordens.

                                                                                                                         93 Citação original dá conta de que “questo sistema favorisce La nomina di una tipologia omogenea di persone e che risulta potenzialmente discriminatório nei confronti di donne e minoranze etniche [...]”.

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Na verdade o juiz, ou judge, no sistema da common law, geralmente possui alguma formação jurídica. Porém existe em sua contraposição a justiça exercida pelo juiz leigo, seja ele representado pelo júri, que não possui formação jurídica alguma, ou pelos lay justices, que atuam conjuntamente com outros judges. O júri, composto de um “colegiado” de juízes leigos – lay justices, decide praticamente todas as causas de relevância, sejam elas civis ou criminais. E mesmo o juiz singular, profissional, é geralmente eleito ou indicado, carecendo possuir maior representatividade popular em detrimento da formação jurídica.

Para se tratar do juiz no sistema da common law, mister se faz uma análise do sistema judiciário completo, a fim de precisar como, quando e por quais motivos o juiz leigo aparece, e como vem se desenvolvendo a participação dos lay justices no processo civil da common law.

Em primeira análise, deve-se frisar que o Direito Inglês não se formou à margem do Direito Romano e ignorou totalmente suas premissas e contribuições, como parece em análise superficial. Na Inglaterra sempre se ensinou o Direito Romano nas universidades. No âmbito universitário, entre os juristas e pesquisadores, o Direito Romano era estudado e interpretado, como ocorreu em todas as universidades dos países da civil law, como exemplo França e Itália. Porém não muito do que era ensinado era levado efetivamente para a prática. Os estudos sobre o Direito Romano eram meramente acadêmicos. Não se aplicava diretamente o que se aprendia a respeito do Direito Romano nas universidades inglesas, como era feito em praticamente toda a Europa continental (DAVID, 1997, p. 01-02).

Em termos jurídicos, o sistema judiciário Inglês equivale àquele que atua em todo o Reino Unido, seja compreendendo Inglaterra, Irlanda, Escócia e Pais de Gales. De início, deve-se ressaltar que inexiste uma demarcação rígida entre jurisdição civil e criminal na Inglaterra (INGMAN, 2005, p. 01), o que faz com que os estudos acerca do sistema judiciário inglês acabem por desenvolver-se relacionando uma e outra, apesar do enfoque civilista que se pretende dar ao presente trabalho. Em caráter excepcional, somente as county courts exercem a jurisdição exclusivamente civil, enquanto todos os demais tribunais e juízes que veremos podem assumir competência civil ou criminal.

O sistema jurisdicional inglês é composto de cortes e tribunais. Existe uma diferença tênue entre ambos, e pode-se dizer que “while every court is a tribunal, not every tribunal is a court” (INGMAN, 2005, p. 02)94. Em verdade, não é fundamental para a compreensão do juiz neste sistema que se identifique o que é

                                                                                                                         94 Em tradução livre, “enquanto toda corte é um tribunal, nem todo tribunal é uma corte.”

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tribunal e o que é corte, bastante que se entenda como o juiz pode acender a esta posição.

Além a divisão entre cortes e tribunais, o Judiciário inglês também comporta uma outra divisão, entre eles, na qual podemos destacar as cortes inferiores e as cortes superiores. A grande diferença entre os dois tipos de cortes está mais precisamente na matéria levada a apreciação de cada uma, nos juízes que as compõem e nas normas procedimentais que cada uma realiza – o processo em si mesmo.

Necessário se faz a explanação de que o Direito, no Reino Unido, nunca foi diretamente ligado às questões de direito material, mas processuais. Não quer dizer que o Direito não se importava com as questões materiais, mas não era pensando nelas que as normas eram idealizadas. Era, enfim, um Direito voltado para o contencioso, para o litígio frente o Estado, e não para normas de conduta que as pessoas deveriam observar. A conduta do cidadão era regida por costumes locais, pelo que era aceitável ou não de acordo com a comunidade.

No entanto, havendo crise, conflito; havendo necessidade de se sancionar determinada conduta ou de impor a alguém uma ordem, tinha-se o recurso ao Judiciário, ou seja, criava-se o contencioso e instaurava-se um processo. Era nesse sentido que se organizava todo o Direito inglês, em direção a montar um aparato processual que permitisse às partes a busca da tutela jurisdicional quando surgisse um conflito.

Por esta razão, as normas de Direito inglesas sempre foram extremamente rigorosas e burocráticas, mas voltadas somente para questões processuais. Todo o Direito era voltado para o processo, e assim somente. Tal fato deu origem a um Direito exageradamente formalista e rigoroso, e também muito custoso para os litigantes. O excesso de preocupação com o processo fez com que esse acabasse por se tornar importante demais, em razão do foco da jurisdição ter-se praticamente deslocado do conflito para o processo. CAPPELLETTI (1978) mesmo demonstra que uma das maiores barreiras que enfrenta o litigante, em processo, é exatamente seu alto custo. Exagerado, no Direito inglês.

A divisão em cortes inferiores e superiores tem uma origem muito antiga, mais precisamente pelo motivo da rivalidade que criou atritos entre os senhores feudais – que exerciam a justiça em âmbito local – e as Cortes Reais, que surgiram para absorver toda a competência judicial na Inglaterra. Não houve, por parte dos senhores feudais, uma aceitação tranquila da intromissão que as Cortes Reais vieram para causar, e por isso, para evitar maiores conflitos, tais cortes resumiam sua competência na exceção: para que a causa fosse por elas apreciada

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e julgada, era necessário que a parte convencesse a corte de que a causa a ela levada deveria ser por ela processada (DAVID, 1997, p. 05).

Um breve delineamento do sistema jurisdicional inglês pode-se apresentar da seguinte forma:

- Supreme Court of the United Kingdom, antiga House of Lords95, de jurisdição basicamente apelatória, composta por 12 juízes96;

- Court of Appeal, com jurisdição civil e criminal, composta por juízes ex officio97 e até o número de 37 juízes ordinários;

- High Court of Justice, com jurisdição quase que puramente civil, composta pelo Lord Chancellor, pelo Lord Chief of Justice, pelo vice-presidente da Queen’s Bench Division, o presidente da Family Division, o Vice-Chancellor, o Senior Presiding Judge e um número de puisine judges.

- Crown Court, com jurisdição mais complexa, envolvendo uma série de casos, e composta por juízes que são High Court judges, circuit judges, recorders, district judges (magistrates) e justices of the peace.

- County Courts, com jurisdição limitada geograficamente, composta por circuit judges e district judges98.

- Magistrate’s Courts, composta por juízes profissionais e leigos – lay justices, que vem recebendo cada vez mais críticas a respeito do caráter político que acabaram assumindo os juízes leigos.

No ano de 1990 o sistema judiciário Inglês sofreu uma reforma substancial, que influenciou diretamente na forma de escolha e recrutamento dos juízes. O Court and Legal Services Act de 1990 alterou, além de outros aspectos do Judiciário, a forma de escolha dos juízes. Os solicitors, que são um tipo de advogado comum em jurisdições da common law – como Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, etc... – que geralmente são os responsáveis por orientar e representar os clientes, passaram a se qualificar para mais cargos judiciários, e a elegibilidade dos juízes não era mais restrita aos solicitors mesmo ou aos barristers – outro tipo de advogado da common law, que compartilha a profissão com o solicitor. Enquanto o solicitor está em contado direto com o cliente, o barrister é aquele que geralmente                                                                                                                          95 A House of Lords foi abolida como corte pela reforma ocorrida em 2004 no Reino Unido (The Constitutional Reform Bill of 2004), criando então a Supreme Court of the United Kingdom, a fim de garantir a independência do Judiciário e uma forma independente de recrutamento e seleção de juízes. 96 O recrutamento dos juízes da Suprema Corte é realizado através de seleção rigorosa, não se afastando do sistema escolhido para recrutamento escolhido pela House of Lords. Para estar apto ao cargo na Suprema Corte, necessário se faz: i) ter um high judicial office por dois anos; ii) ter qualificação de 15 anos para a Suprema Corte, de acordo com o s.71 do Courts and Legal Services Act 1990; iii) ter praticado por 15 anos como advogado na Escócia, ou como solicitor entitulado para aparecer na Corte de Sessão e na High Court of Justiciary; iv) ter praticado por 15 anos como membro do Bar of Northern Ireland. 97 ‘The ex officio judges are the Lord Chancelor, any former Lord Chancelor willing to sit, any Lord of Appeal in Ordinary willing to sit, the Lord Chief Justice, the Master of the Rolls, the President of the Family Division of the High Court, and the Vice Chanceler of the Chancery Division (Supreme Court Act 1981)’. INGMAN, 2005, p. 14-15. 98 Havia o posto de country court judge, que desapareceu após o Courts Act em 1971, no qual todos os court judges se tornaram circuit judges.

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lida somente com a causa, com a questão legal. São mais especializados e têm mais conhecimentos jurídicos, em geral. A partir de então, os juízes seriam escolhidos através dos seus rights of audience em cortes e outros órgãos autorizados.

Os juízes nas Crown Courts e County Courts podiam se misturar entre profissionais e leigos, uma vez que os justices of the peace são, em verdade, juízes leigos. Eles não atuam sozinhos nas Crown Courts, sendo sempre acompanhados por juízes da High Court, juízes de circuito ou recorders. Os justices of the peace responsáveis por um caso não podiam exceder a quatro (INGMAN, 2005, p. 32).

Além dos justices of the peace e outros lay justices espalhados pelas cortes Inglesas, um dos aspectos mais significativos relacionados ao juiz leigo no sistema Inglês é o sistema do júri, ou do trial by jury. 4 BREVES CONJECTURAS ACERCA DO JULGAMENTO PELO JÚRI.

O júri é um sistema de julgamento formado por um colegiado de juízes leigos, ou seja, pessoas sem qualquer formação jurídica, que exercem a função de julgadores de fato, ou seja, que julgam as questões de fato e deixam as questões de direito a cargo de um juiz singular, togado.

Esse sistema de julgamento é muito mais difundido no sistema da common law, principalmente no tocante ao direito civil. Os países da civil law também possuem julgamentos através do júri, porém somente em jurisdição criminal. Na common law, o júri atua significativamente na jurisdição civil, sendo esse um ponto diferenciador dos dois sistemas.

Não obstante a valorização do júri na common law, um paradoxo existe nos seus dois grandes sistemas jurídicos: na Inglaterra observa-se que o júri está se tornando uma exceção, e cada vez mais excepto, enquanto nos Estados Unidos é bastante comum a atuação do júri em qualquer tipo de processo, seja ele civil ou criminal.

A discussão a respeito da pertinência dos julgamentos com o júri reside em uma série de aspectos, os quais mais comuns são, mais uma vez, o custo do procedimento e a validade dos julgados. Quando se discute a validade dos julgamentos realizados pelo júri, levanta-se a questão da parcialidade e da neutralidade, que será mais abordada adiante, mas que se costuma contestar a existência plena entre os jurados. Sendo os jurados homens comuns, cidadãos expostos ao quotidiano, sem qualquer formação jurídica e sem conhecimento pleno das leis, pode-se supor que suas decisões poderiam ser ou não parciais ou, ainda, conter uma carga emocional elevada.

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Nos Estados Unidos, no entanto, o julgamento por júri – trial by juri – é ainda muito utilizado, inclusive na jurisdição civil. Assim mesmo, ainda que no Direito Inglês o júri venha sendo utilizado cada vez menos, observa-se que suas bases foram todas construídas sobre o processo com o júri, o que por si só já diferencie bastante do processo da civil law (HAZARD, 1991). O Direito da common law prestigia, seja em forma de colegiado seja em forma de julgador singular, o juiz leigo.

Em um primeiro aspecto, percebe-se uma crítica significativa quanto ao júri, no estudo do processo. Em geral, a mentalidade do estudioso do Direito não se concilia com a do jurado, pois este último tem traços de um pensamento mais holístico, impressionista e concreto (HAZARD, 1991, p. 480). O jurado é leigo. Ainda, é fato que o processo desenvolvido perante o júri é mais custoso e demorado do que o processo desenvolvido perante um juiz profissional, uma vez que o jurado não possui a formação jurídica que se entende, em geral, compatível com a função de julgador, e portanto isso faz com que o processo dure mais tempo e, assim, seja mais caro.

O jurado também, por costume, ignora a letra da lei. Ignora porque, na grande maioria das vezes, a desconhece. O júri já foi restrito a classes médias, mas no Direito moderno é concebido como a participação ampla de todas as classes e inclusive dos desempregados, podendo abarcar uma quantidade grande de indivíduos que não possuem sequer o ensino médio – high school. Esse indivíduo geralmente desconhece as leis mais específicas, e até mesmo o seu conhecimento das leis mais genéricas – como a Constituição Federal – não é técnico e apurado como o de um juiz profissional, ou de qualquer outro operador do Direito. Assim sendo, não é difícil pensar que o jurado ignore, em alguns casos, a letra da lei e julgue conforme os costumes; conforme as suas próprias convicções (HAZARD, 1991, p. 480).

PERROT (2000, p. 282) evidencia que o jurado pode ser facilmente influenciável pela eloquência teatral dos advogados, e ainda por simples incidentes que ocorrerem nas audiências. É exatamente o fato de ser leigo que o torna mais “impressionável”. Para este autor, um fator que sugere a aparente ‘decadência’ do júri na Inglaterra seria o fato de que “o sistema do júri não oferece mais hoje em dia as garantias necessárias, tanto no que concerne à aptidão para julgar quanto à independência requisitada” (PERROT, 2000, p. 282).

Por esta análise, pode-se destacar que o júri possui algumas características especiais que tornam o processo no qual atua deveras diferenciado. Pode-se destacar, entre elas, i) que os jurados são leigos, sem formação jurídica; ii) que o júri é composto para determinado processo, ou seja, é temporário, perdurando

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somente enquanto durarem os debates e o julgamento; iii) que o júri somente se responsabiliza pela determinação da validade e eficácia das provas, e não com quais serão produzidas e sua admissibilidade; iv) que a fase de debates é concentrada e ininterrupta, uma vez que o jurado está interessado em terminar o mais rapidamente possível o processo; v) que o júri somente decide questões de fato, nunca questões de direito; e que essa diferença deve ser aposta imediatamente para o corpo de jurados; e vi) que os meios de prova devem ser produzidos e validados da forma mais popularmente conhecida, sem terminologias complexas, de forma que qualquer um cidadão possa compreendê-los.

Talvez a questão mais debatida sobre o júri resida na diferenciação entre questões de fato e questões de direito. Isso porque o jurado deve sempre decidir, sempre, somente as questões de fato, de acordo com as instruções que lhe forem passadas pelo juiz togado que preside a sessão (HAZARD, 1991, p. 481). Os jurados não decidem questões de direito, simplesmente porque não possuem formação jurídica que lhes justifique tal encargo, uma vez que as questões de direito são sempre complexas demais para um julgador com os requisitos do jurado (PERROT, 2000).

O problema reside não no sentido do tipo de matéria que o juiz leigo deve decidir, mas da diferenciação entre questões de direito e questões de fato. É uma árdua tarefa distinguir tais questões, que por vezes misturam-se e tornam por demais complexa a função do júri e do juiz presidente da sessão, que não saberiam exatamente onde estaria a linha separatória entre os fatos e o direito.

Em uma análise simplória do sistema jurídico britânico, pode-se chegar a uma conclusão no sentido de que a jurisdição deve ser exercida de perto pelo maior número de indivíduos comuns possível, e que cabe aos advogados todo o conhecimento jurídico para montar toda uma teoria, seja defendendo autor ou réu. Em verdade, a justificativa da utilização do juiz leigo passa não só pela representatividade, mas pela forma como todo o processo é conduzido no sistema jurídico da common law: oral, concentrado, com trocas de informações constantes, com investigação realizada pelas partes (cross examination), com oitivas de testemunhas na presença dos juízes que decidirão, efetivamente, a causa. 5 A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA NA CIVIL LAW EUROPÉIA

O Brasil sofreu influência direta de alguns países europeus, na formação de sua legislação mais atual, o que por si só torna de grande importância analisar o juiz leigo nesses países. De fato, grande parte dos países europeus adotaram o sistema jurídico da civil law em sua organização judiciária, assim como o Brasil. E

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países como França e Itália realizaram, além das mais significativas influências na codificação brasileira, uma implementação nos seus juízes leigos, demonstrando a possibilidade – ou não – da utilização do instituto pela civil law.

Por este motivo, foram selecionados exatamente esses dois países para representar, por amostragem, os países europeus seguidores da civil law: França e Itália. 5.1 O SISTEMA JUDICIÁRIO FRANCÊS E OS TRIBUNAIS PARITÁRIOS.

Antes de se iniciar uma análise do sistema judiciário Francês, é interessante tratar do fato de que a magistratura Francesa nunca foi exatamente independente e menos ainda se prezou um controle de constitucionalidade das leis. O medo que se teve do controle do Estado pelos juízes fez com que os juízes fossem controlados pelo Estado. Somente depois de diversos anos os juízes Franceses começaram a se tornar independentes.

Nesse aspecto, ZAFFARONI (1994, p. 187) levanta que o resultado da complicada história da magistratura Francesa acabou por causar efeitos desastrosos, como mediocridade intelectual, autoritarismo das cúpulas de magistrados e sacralização da jurisprudência. E segundo o autor, o retrocesso causado pelo sistema, que ele denomina de tecno-burocrático, ainda não foi superado totalmente.

Retomando uma análise mais sistemática do Judiciário Francês, imediatamente, se permite levantar uma de suas características marcantes: a existência de diversos órgãos de jurisdição especial, além da existência dos tribunais administrativos. Essa distinção se torna fundamental quando no estudo do juiz leigo por uma tendência francesa: a jurisdição comum é exercida pelos juízes togados enquanto na jurisdição especial predominam os juízes leigos e honorários (HABSCHEID, 1985, p. 33).

Dentro da jurisdição comum francesa pode-se destacar os Tribunal d’instance e Tribunal de grande instance, que compõem o órgão julgador de primeira instância. O Tribunal d’instance tem competência basicamente patrimonial de baixo valor, sendo de competência de jurisdição única para causas de valores até 7 mil Francos. Nesses casos, não haverá possibilidade de apelação, autorizando a lei o recurso somente para causas a partir de 7 mil Francos e até 20 mil Francos99. Para o Tribunal de grande instance, temos a competência de primeira

                                                                                                                         99 Vide Decreto n. 81/81 de setembro de 1981, em seu artigo R 321, I – Código de organização judiciária - França.

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instância remanescente, ou seja, das demais causas que não comportem o direito patrimonial de até 20 mil Francos e que não sejam questões possessórias diversas.

Como dito anteriormente, a jurisdição comum na França é tipicamente formada por juízes togados, e baseada na fidelidade ao princípio do colegiado. As decisões proferidas, até mesmo em primeira instância, são colegiadas. No Brasil inexiste essa possibilidade, uma vez que todas as decisões de primeira instância são monocráticas e até mesmo em segunda instância e nas instâncias superiores pode haver decisões monocráticas. Existe, no entanto, na França, uma tendência segura ao juiz monocrático, principalmente em primeira instância (HABSCHEID, 1985, p. 32). O artigo 763 do Código de Processo Civil Francês mesmo determina que a causa será instruída por um juiz singular. Porém, este magistrado não é o juiz da causa, mas somente um instrutor que preparará a sentença colegiada. No Tribunal d’instance também se observa a existência de juízes monocráticos, que tem poderes de decisão.

A participação dos juízes leigos na França é tipicamente das jurisdições especiais. Pode-se ressaltar o Tribunaux de commerce, que é inteiramente formado por juízes leigos comerciantes, como em suas origens napoleônicas. E o Conseil de prud’hommes é formado por juízes leigos escolhidos paritariamente entre trabalhadores e empregadores.

O sistema trabalhista Francês já influenciou algumas criações brasileiras, como as recentes Comissões de Conciliação Prévia. Isso porque na França, antes de se levar o litígio à apreciação do tribunal, realiza-se a tentativa de conciliação no Bureau de conciliation, de forma obrigatória. Ou seja, é pressuposto para a apreciação da lide trabalhista que a mesma já tenha se submetido ao Bureau de conciliation, e não se tenha obtido um resultado positivo. No caso do resultado negativo, leva-se a lide ao Bureau de jugement. Já no Tribunal paritaire de baux ruraux e no Tribunal des affaires de sécurité sociale, ou antiga Comission de sécurité sociale, misturam-se juízes leigos e profissionais na decisão das lides.

Os Tribunaux de commerce exercem uma competência exclusiva para as lides relacionadas ao comércio, bem como somente os comerciantes podem ser partes nas lides levadas à sua apreciação. No Brasil o Código Comercial de 1850 instaurou Tribunais de comércio, que foram extintos não muito tempo depois. Na França, no entanto, tais tribunais persistiram e até hoje existem com competência exclusivamente comercial. Os juízes são também comerciantes, ou seja, a representação do julgamento pelos pares. Os comerciantes decidem as causas dos comerciantes.

Para a apreciação de lides relativas a contratos de trabalho, existe o Conseil de prud’hommes. A formação paritária do tribunal, ou seja, de trabalhadores e

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empregadores, teria a função de realizar julgamentos imparciais. O Conseil de prud’hommes tem origem bastante antiga, e semioticamente se relaciona com o conceito de homem de valor, homem de honra. Atualmente, a relação do nome está para o defensor das profissões, portanto com competência exclusivamente trabalhista. Os juízes, empregadores e trabalhadores, são totalmente leigos e sem qualquer formação jurídica, e são eleitos. As condições de elegibilidade são: i) ter idade igual ou superior a 21 anos; ii) ser de nacionalidade Francesa; e iii) ser titular dos direitos civis.

Interessante o fato de que para se eleger o Conseil de prud’hommes também são necessárias algumas características. O eleitor precisa ter 16 anos ou mais e exercer alguma atividade relacionada no Código Trabalhista Francês, caso contrário não é apto a escolher os membros do Conseil.

Quanto aos tribunais mistos, temos que o Tribunal paritaire de baux ruraux possui jurisdição relacionada às lides envolvendo terras e contratos rurais. Compõe-se basicamente de um juiz presidente, que é profissional, ou seja, togado, e quatro juízes leigos, sendo dois representantes dos proprietários rurais e dois representantes dos trabalhadores rurais. Novamente, percebe-se um tribunal de composição paritária visando resolver conflitos dos seus iguais. O processo que se desenvolve no Tribunal paritaire de baux ruraux é geralmente oral, principalmente pelo fato da sua composição primordialmente laica.

Também com a composição mista, o Tribunal des affaires de sécurité sociale são formados por um juiz togado, que o preside, e representantes dos empregados e empregadores da seguridade social. O juiz presidente é um membro do Tribunal de grande instance, proveniente da jurisdição comum que é tipicamente togada. A competência do Tribunal des affaires de sécurité sociale é ligada às questões da seguridade social, como o próprio nome indica. Exerce jurisdição de primeira instância, com possibilidade de apelo, e de instância única, ou seja, sem possibilidade de apelação.

Não obstante a França ter aderido à civil law como sistema jurídico, é fato que manteve, ao longo de sua história, a existência dos tribunais de jurisdição especializada que mantiveram, por conseqüência, diversos cargos de juízes leigos. O ideal da justiça do julgamento por seus próprios pares predominou na organização judiciária Francesa e mesmo no século XXI mantém-se a estrutura judiciária com a existência de diversos juízes leigos espalhados por todo o território nacional, exercendo jurisdição com poderes decisórios e algumas vezes até mesmo sem possibilidade de recurso de apelação. O próprio Ministério da

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Justiça Francês se utiliza do slogan de que ser juiz é uma missão que a lei conferiu aos cidadãos100. 5.2 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ITALIANA E OS GIUDICE DI PACE.

Na organização da justiça Italiana não se observa a mesma quantidade de tribunais de jurisdição especializada como na França, mas também se pode encontrar uma boa quantidade de juízes leigos espalhados por todo o Judiciário. Em sede de primeira instância, na justiça comum, existiam as figuras dos conciliadores – que completavam o quadro junto com os pretores e tribunais – são o representativo do juiz leigo e honorário. Decidindo por equidade, a previsão dos conciliadores estava no artigo 113, II, c do Codice di Procedura Civile italiano. Atualmente, tal dispositivo prevê a existência dos giudice di pace, e não mais dos conciliadores.

Os pretores possuem alguma competência criminal para delitos menos graves e competência civil para causas de baixo valor, com previsão legal nos artigos 8 e 413 do Codice di Procedura Civile. Enquanto os tribunais arrebanham a competência que não é dos conciliadores nem dos pretores, para julgamento das causas em sede de primeira instância.

O Poder Judiciário Italiano não difere da maioria dos sistemas de civil law com relação ao juiz leigo, dando larga preferência a juízes togados, profissionais. Mesmo assim, é dos países da Europa ocidental que mais valorizou o juiz leigo em seus diversos aspectos, principalmente com o relevo dado à figura do giudice di pace, com sua competência firmada no artigo 7 do Codice di Procedura Civile101. De fato, Habscheid já observava essa tendência italiana de valorização da justiça honorária em 1985, através de dispositivos constitucionais que prestigiavam juízes leigos (HABSCHEID, 1985, p. 38).

A estrutura judicial Italiana é também permeada de tribunais, e pode ser resumida em i) giudice di pace; ii) Tribunale; iii) Tribunale di Sorveglianza; iv) Tribunali per i Minorenni; v) Corte d’Apello; vi) Corte di Cassazione. Juntamente com esses órgãos, existem particularmente a Corte di Assise, que é formada por dois                                                                                                                          100 No site oficial do Ministère de la Justice: “Juger est un métier, mais c'est aussi une mission que la loi confie à des citoyens.” Em http://www.justice.gouv.fr/index.php?rubrique=10031&SS rubrique =10261&article=12020 101 Em redação original, o artigo 7 do Código de Processo Italiano traz: Il giudice di pace è competente per le cause relative a beni mobili di valore non superiore a euro 2.582,28, quando dalla legge non sono attribuite alla competenza di altro giudice. I) Il giudice di pace è altresì competente per le cause di risarcimento del danno prodotto dalla circolazione di veicoli e di natanti, purché il valore della controversia non superi euro 15.493,71. II) È competente qualunque ne sia il valore: 1) per le cause relative ad apposizione di termini ed osservanza delle distanze stabilite dalla legge, dai regolamenti o dagli usi riguardo al piantamento degli alberi e delle siepi; 2) per le cause relative alla misura ed alle modalità d'uso dei servizi di condominio di case; 3) per le cause relative a rapporti tra proprietari o detentori di immobili adibiti a civile abitazione in materia di immissioni di fumo o di calore, esalazioni, rumori, scuotimenti e simili propagazioni che superino la normale tollerabilità ;

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juízes togados e seis leigos e possui competência para o julgamento de delitos mais graves e os Tribunale Regionale delle Acque Pubbliche e Tribunale Superiore delle Acque Pubbliche, que são competentes para conhecer de causas que versem sobre demanda hídrica.

Porém esses órgãos seriam apenas aqueles que comporiam a jurisdição ordinária, também dita jurisdição comum, uma vez que a Itália ainda comporta diversas jurisdições especializadas: i) Jurisdição administrativa, com competência dos Tribunali Amministrativi Regionali (T.A.R.) e Consiglio di Stato, para conhecer de causas nas quais a Administração Pública é parte; ii) Jurisdição contábil, exercida pela Corte dei Conti com competência em matéria de contabilidade pública; iii) Jurisdição militar, através dos Tribunali Militari, da Corte d’Apello Militare e pelos Tribunali Militari di Sorveglianza; iv) Jurisdição tributária, exercida pelas Commissioni Tributarie Provinciali e pelas Commissioni Tributarie Regionali, para processar e julgar lides tributárias.

Apesar da enorme estrutura judiciária Italiana, com tantas jurisdições especializadas e tantos tribunais diferentes, e apesar de uma tendência italiana em prestigiar o juiz leigo, ele não se encontra em todos os órgãos jurisdicionais. Ao contrário, está limitado à categoria dos giudici di pace e dos juízes populares das Corte di Assise. Cappelletti abordou o fenômeno de instituição dos giudice di pace como um “renascimento” (CAPPELLETTI, 1992, p. 134) do fenômeno do juiz leigo na Itália, depois do declínio dos conciliadores.

Os giudici di pace italianos substituíram os conciliatori em 01 de maio de 1995. São honorários e com mandato de quatro anos, possuem competência para as causas de até €2.582,28, por exclusão: somente nas causas em que a lei não atribuir competência a outro juiz. Ainda, podem decidir sobre questões de trânsito, ambientais, condomínios e também mau uso da propriedade, como barulho excessivo e propagação de fumaça102. De uma forma interessante, podemos aferir que a lei italiana deu ao giudice di pace certa competência típica do juiz da vizinhança; do juiz de bairro, daquele que é capaz de contribuir para o bem estar da comunidade com decisões simples e eficientes.

Para se candidatar à função de juiz de paz, o cidadão deve cumprir algumas exigências legais, quais sejam: i) ter pleno gozo dos direitos civis e políticos; ii) não ter sido condenado por crimes dolosos ou a detenção por contravenção, além de não estar submetido a medidas de prevenção ou segurança; iii) possuir idoneidade física e psíquica; iv) ser graduado em jurisprudência; v) não estar

                                                                                                                         102 Informações do site oficial dos juízes de paz de Bologna, disponível em http://www.giudicedipace.bologna.it/quando_quale.htm, visitado em 23 set 2007, e também do site oficial do ofício de juiz de paz, disponível em http://www.giudicedipace.it/programma/ readarticle.php?article_id=2, vistado em 23 set 2007.

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submetido a qualquer atividade laborativa de índole pública ou privada; vi) ter-se habilitado para o exercício da profissão forense103.

Não obstante o estudo levantar dados de que a forma mais interessante de escolha do juiz leigo é a votação popular, o giudice di pace italiano é escolhido mediante um procedimento complexo, que culmina com a sua nomeação pelo Ministro da Justiça italiano. Sempre que vagarem postos de giudice di pace, a publicação dos postos vacantes ocorrerá no site oficial do Ministério da Justiça e na Gazzetta Ufficiale - o Diário Oficial italiano. Os interessados devem apresentar sua solicitações, com a documentação requerida. As solicitações serão apreciadas, sendo que a duração das admissões é de seis meses. O próprio Conselho da Magistratura italiano aprova ou não as solicitações pendentes, e depois é feita uma lista em ordem crescente de idoneidade. Os cidadãos mais idôneos ao cargo são então nomeados ao cargo de giudice di pace104.

Aos 75 anos, o giudice di pace deve aposentar-se da função, mesmo que ainda esteja com seu mandato a expirar.

Em verdade, o giudice di pace italiano não aparece como um julgador plenamente leigo, uma vez que deve ser ao menos graduado em jurisprudência. Ainda, deve estar habilitado ao exercício da prática forense, o que faz aferir forçosamente que o giudice di pace tem conhecimentos jurídicos, mesmo que em menor escala que os juízes de carreira. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O juiz leigo esteve presente no Direito internacional, inclusive no Direito Romano, que ofereceu as bases para aquele que foi desenvolvido no Brasil, como uma figura importante para a composição do Poder Judiciário, de poder decisório, vezes investigativo, conciliatório, com uma competência para causas menos complexas, ou de menores valores patrimoniais envolvidos.

Mesmo no Brasil, desde as Ordenações, ainda durante o período colonial, o juiz leigo desempenhava uma função bastante importante e, como foi detalhado na pesquisa, assumia uma competência significativa, podendo decidir livremente e definitivamente as causas sob sua competência sem a necessidade de qualquer tipo de homologação ou fiscalização de um juiz técnico.

As experiências passadas brasileiras não foram satisfatórias, como o juiz classista trabalhista, que foi extinto em 1999. Os juízes leigos das Ordenações ficaram presos ao passado distante, não tendo nenhum aproveitamento no

                                                                                                                         103 Informações do site oficial do Ministério da Justiça Italiano, disponível em http://www.giustizia.it/giudice_pace/giudice_pace3.htm, visitado em 23 set 2007. 104 idem, disponível em http://www.giustizia.it/giudice_pace/giudice_pace3b.htm, visitado em 23 set 2007.

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ordenamento jurídico atual. Os conflitos entre indivíduos se mostram a cada dia mais especializados, necessitando de conhecimentos por vezes nada simples para sua solução. E o Poder Judiciário já é suficientemente oneroso para fazer com que as demandas se tornem excessivamente caras. Mais juízes serviriam apenas para inchar a máquina. O juiz leigo, como tido em sua concepção história, pode não ter serventia para resolver as questões técnicas e que demandam conhecimentos amplamente especializados. Para o seu aproveitamento no Direito contemporâneo, seria mister uma revisitação de seus conceitos e atribuições para uma adequação à realidade do Século XXI e suas demandas.

Por derradeiro, não se deve encarar o juiz leigo como a solução de todos os problemas de justiça. O acesso à justiça não vai se aprimorar somente porque o juiz leigo foi instituído no Judiciário. A simples ideia não é suficiente. Como ficou demonstrado, existem diversos pontos negativos na utilização do juiz leigo, e alguns erros que foram cometidos outrora devem ser revistos. A instituição precisa de aprimoramento, e de ser tratada com responsabilidade. A escolha do juiz leigo, por exemplo, é um dos fatores de maior importância para que esse juiz possa ser considerado um representante legítimo do cidadão. Não é qualquer indivíduo que pode ser considerado representante de uma massa, e não é através da escolha de indivíduos dentro de uma categoria seleta que se estará levando representatividade a todas as categorias. REFERÊNCIAS

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INGMAN, Terence. The English legal process. Oxford : Oxford Univ. Press, 2005. LEOPOLD, Patricia. Strutura della Magistratura Britannica e Costituzione. In GAMBINO, Silvio (org). La Magistratura Nello Stato Costituzionale. Milano : Giuffrè, 2004. NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2000. p. 53. PERROT, Roger. Institutions Judiciaires. 8 ed. Paris : Montchrestien, 2000. SCIALOJA, Vittorio. Procedimiento Civil Romano – ejercicio y defensa de los derechos. Trad. Santiago Sentis Melendo e Marino Ayerra Redin. Buenos Aires : Ediciones Juridicas Europa-America. 1954. pp. 105-129; 343-355. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires : EDIAR, 1994. 283 p.

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A COMUNIDADE COMO LOCUS DE PROMOÇÃO DAS PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO: O EMPODERAMENTO DO INDIVÍDUO NO TRATAMENTO DE CONFLITOS

RANGEL, Tauã Lima Verdan105

Resumo: Embora o Texto Constitucional de 1988 tenha assegurado o exercício da democracia participativa, é necessário reconhecer, no cenário contemporâneo, que a materialização de tal direito se apresenta como um dos grandes desafios enfrentados pela sociedade brasileira, em especial nas comunidades periféricas que surgem à margem dos centros urbanos oficiais, a exemplo de favelas e assentamentos. Ao lado disso, a promoção do tratamento eficaz de conflitos, de maneira a extirpar a cultura tradicional da transmissão de culpa para o semelhante, bem como preservando as relações continuadas e a obtenção, em fim último, de pacificação social encontram uma série de obstáculos ideológicos, advindos da cultura adversarial nutrida pelo processo, no qual uma das partes sempre será vitoriosa e outra perdedora, conjugado com o desgaste dos litigantes e a morosidade do Poder Judiciário em resolver as questões colocadas sob sua análise, desenvolve-se um cenário caótico, no qual o descrédito da justiça e da resolução de conflitos se torna uma constante. Neste substrato, a mediação comunitária se apresenta como um instrumento proeminente que busca, por meio do encorajamento do diálogo e da reflexão, a conjugação de esforços para o tratamento dos conflitos, de maneira que a decisão tomada satisfaça ambas as partes. Com realce, a solução para tais conflitos está estruturada na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais as partes aprendem possibilidades de se expressar, colocando fim a beligerância adversarial costumeira.

Palavras-chaves: Mediação Comunitária. Participação Social. Democracia Participativa. Abstract: Though the 1988 Constitutional Text has asserted the practice of democracy, it is necessary to recognize, in a contemporary scenario, that the materialization of this right show up as one of the biggest challenges faced by the

                                                                                                                         105 Bolsista CAPES. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, vinculado à linha de Pesquisa “Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos”. E-mail: [email protected]

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Brazilian society, particularly in outlying communities that arise at the border of the officials urban centers, an example of shantytowns and settlements. Besides that, the promotion of the effective treatment of conflicts, in way to extirpate the traditional culture of guilt transmission to the similar, as well preserving continuing relations and the obtainment , last order, of social pacification found a series of ideological obstacles, arising from the adverse culture fed by the process, in which one of the parts will always be victorious and the other loser, conjugate with the wearing of the litigants and the slowness of the Judiciary in solving the questions put in under its analysis, develop chaotic scenario, in which the justice discredit and the solution of conflicts turn into a constant. In this substrate, the community mediation present itself as a prominent instrument that search for, by encouragement of dialogue and reflection, the conjugation of efforts to the treatment of conflicts, in a way which the decision made satisfy both parts. With distinction, the solution for such conflicts is structured on friendly cooperation, and that the controversies ought to be converted on cooperatives enterprises, in which both parts learn possibilities to express themselves, putting an end to customary adversarial belligerent. Key words: Community Mediation. Social Participation. Participatory Democracy. 1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS: A RESSIGNIFICAÇÃO DO VOCÁBULO “CONFLITO” NA REALIDADE CONTEMPORÂNEA

É fato que o conflito é algo intrínseco à condição humana, surgindo a partir do momento em que a sociedade é constituída, derivando das pretensões adversas apresentadas pelos indivíduos em contínua convivência. Neste sentido, o conflito materializa o dissenso, decorrendo das expectativas, valores e interesses contrariados. “Embora seja contingência da condição humana, e, portanto, algo natural, numa disputa conflituosa costuma-se tratar a outra parte como adversária, infiel ou inimiga” (VASCONCELOS, 2012, p. 19). Desta feita, a percepção do conflito experimentada pela sociedade contemporânea transmuda a parte como adversária, apenas por apresentar objetivos distintos e dissonantes, tal como responsabiliza aquela como causadora do conflito, sendo, portanto, a raiz do problema que atenta contra a pacificação social, devendo, pois, ser expurgado. Ao lado disso, a partir de uma perspectiva puramente legal, “o conflito é resultado de uma violação da lei ou de uma desobediência a um padrão, fato que lhe confere uma aversão social”, segundo Foley (2011, p. 246).

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Corriqueiramente, é verificável uma conjunção de esforços, por vezes sobre-humanos, para concentrar todo o raciocínio e elementos probatórios na busca insaciável de alcançar novos fundamentos para fortalecer o posicionamento unilateral, com o objetivo único de enfraquecer e destruir os argumentos apresentados pela parte ex-adversa. Tal cenário é tangível, principalmente, em processos judiciais nos quais o desgaste das partes é evidente, quer seja em razão da morosidade, quer seja em decorrência do envolvimento psicológico na questão. A visão tradicional que envolve o conflito, como sendo algo ruim, é tão arraigada na sociedade contemporânea que obsta os envolvidos de analisarem a questão de forma madura, compartilhando a responsabilidade sobre a questão, mas sim promovendo uma constante busca em transferir “ao outro” a culpa pelo surgimento e o agravamento do conflito. Ao invés de envidar esforços para tratar o conflito, por meio de estratégias sóbrias e racionais, a abordagem tradicional do dissenso concentra todos os empenhos em identificar o culpado pelo surgimento do conflito e puni-lo. Foley, neste sentido, anota que:

No sistema judicial oficial, o conflito é solucionado por meio da aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto. O processo é o palco no qual interesses são dialeticamente confrontados sob uma aura adversarial que confere ao conflito uma dimensão de disputa. O vencedor da demanda encontra satisfação de seus interesses materiais e o derrotado, em geral, sente-se injustiçado. Não há um processo de compreensão das origens e das circunstâncias em que se situa o conflito, tampouco se verifica uma participação na busca de uma solução criativa capaz de contemplar os reais interesses em disputa. (FOLEY, 2011, p. 248).

O sistema jurídico, em vigor, apresenta como robusto aspecto a confrontação entre as partes em litígios, agravando, corriqueiramente, conflitos inúteis, alongando as batalhas e fomentando o confronto entre os envolvidos no dissenso causador da lide. Trata-se da valoração do dualismo perdedor-ganhador fomentado pelo sistema processual adotado, no qual, imperiosamente, a morosidade do processo acarreta o desgaste ainda maior, comprometendo, por vezes, o discernimento dos envolvidos para uma abordagem madura da questão. No sistema vigente, pautado na conflituosidade que caracteriza os procedimentos judiciais, os litigantes são obrigados, comumente, a apresentar motivos justificadores a existência do dissenso, buscando se colocar em situação de vítima e a parte ex-adversa como culpada pela ocorrência do conflito, utilizando, por vezes, de argumentos que são hipertrofiados e que não refletem, em razão do grau

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de comprometimento psicológico dos envolvidos, a realidade existente, aguçando, ainda mais, a beligerância entre os envolvidos.

Ademais, a tônica desenvolvida na liturgia processual, pragmática, engessada, voltada à satisfação de índices e metas estabelecidos, com o único intento de promover a materialização ao direito fundamental e constitucional à duração razoável do processo, mascara um sistema ineficiente, no qual não se trata o problema (conflito), mas tão somente coloca fim a mais um processo, atendendo as expectativas frias e débeis de finalização de processos. Ora, é crucial destacar que o apostilado processual não se resume a uma sequência lógica de peças que observam um rito, previamente estabelecido, culminando, em sede de primeiro grau, com a prolação de uma sentença que, por excelência, encerra a prestação jurisdicional. Ao reverso, trata-se de um compêndio que reflete, comumente, as angústias e anseios dos envolvidos, os quais, mais que o pronunciamento do Estado-juiz, buscam o tratamento do conflito, das causas ensejadoras e consequências decorrentes do dissenso, de maneira a abreviar uma situação que cause desgaste emocional, psicológico e físico.

O estado emocional fomenta as polaridades e atalha a percepção do interesse comum, mascarando-o sob a falsa perspectiva de atingir apenas o interesse individual, mantendo-se incólume aos efeitos reflexos advindos do desgaste proporcionado pela gestão ineficiente do conflito. Como bem destacam Morais e Spengler (2008, p. 54), “o conflito transforma o individuo, seja em sua relação um com o outro, ou na relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfiguradas e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras”. Partindo da premissa que o conflito interpessoal não tem solução, é possível estabelecer diretrizes sóbrias que busquem solucionar as disputas pontuais, confrontos específicos, dispensando ao dissenso um aspecto positivo. Acerca do tema, Vasconcelos anota:

O conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. É impossível uma relação interpessoal plenamente consensual. Cada pessoa é dotada de uma originalidade única, com experiências e circunstâncias existenciais personalíssimas. Por mais afinidade e afeto que exista em determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum conflito estará presente. A consciência do conflito como fenômeno inerente à condição humana é muito importante. Sem essa consciência tendemos a demonizá-lo ou a fazer de conta que não existe. Quando compreendemos a inevitabilidade do conflito, somo capazes de desenvolver soluções autocompositivas. Quando o demonizamos ou não o encaramos com responsabilidade, a tendência é que ele se converta em confronto e violência.

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O que geralmente ocorre no conflito processado com enfoque adversarial é a hipertrofia do argumento unilateral, quase não importando o que o outro fala ou escreve. Por isso mesmo, enquanto um se expressa, o outro já prepara uma nova argumentação. Ao identificarem que não estão sendo entendidas, escutadas, lidas, as partes se exaltam e dramatizam, polarizando ainda mais as posições. (VASCONCELOS, 2012, p. 19-20).

Com efeito, a solução transformadora do conflito reclama o reconhecimento das diferenças e do contorno dos interesses comuns e contraditórios, subjacentes, já que a relação interpessoal está calcada em alguma expectativa, valor ou interesse comum. Já restou devidamente demonstrada que a visão tradicional não produz os resultados ambicionados, já que a eliminação do conflito da vida social é algo que contraria a existência e interação em sociedade. O mesmo pensamento vigora com a premissa de que a paz social só pode ser alcançada, essencialmente, com a erradicação do conflito; ao reverso, a paz é um bem precariamente conquistado por pessoas e sociedades que apreendem a abordar o conflito de forma consciente e madura, dispensando um tratamento positivo, em prol do crescimento e amadurecimento dos envolvidos e não como elemento de destruição.

Segundo Foley (2011, p. 246), toda situação conflituosa deve ser analisada como uma oportunidade, na proporção em que possibilita a veiculação de um processo transformador. Ora, os conflitos são detentores de sentidos e, quando compreendidos, as partes neles envolvidas têm a possibilidade de desenvolver e transformar a sua vida, logo, como são elementos constituintes da vida humana, não podem ser concebidos como exceção, mas sim como mecanismos oriundos da coexistência em sociedade que permite o amadurecimento dos envolvidos e, por vezes, a alteração da ótica para analisar as situações adversas a que são submetidos. Neste passo, conceber o conflito como uma aberração social é contrariar a própria essência do convívio em sociedade, no qual indivíduos complexos, com entendimentos e posturas variadas e plurais, em convívio contínuo, tendem a apresentar interesses opostos, os quais, inevitavelmente, entram em rota de colisão.

É imperioso a ressignificação do vocábulo “conflito”, adequando-o à realidade contemporânea, de modo que não seja empregado apenas em um sentido negativo, mas sim dotado de aspecto positivo, permitindo aos envolvidos o desenvolvimento de uma análise madura e sóbria da questão, de modo a enfrentar o dissenso como algo corriqueiro e integrante da vida em sociedade e não como uma exceção a ser combatida. Ressignificar o conflito, neste cenário, é extrair a

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moldura tradicional que desencadeia a incessante busca dos envolvidos em determinar o culpado e demonizá-lo, mas sim assegurar que haja o tratamento dos motivos e causas que desencadeiam os dissensos, propiciando a estruturação cultural de uma nova visão do tema.

2 OS MÉTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO106 DE CONFLITOS NA PAUTA DO DIA: A MEDIAÇÃO E A PERSPECTIVA RELATIVA AO CONFLITO NAS RELAÇÕES CONTINUADAS

Ao partir da necessidade de mudança de paradigmas no tocante ao tratamento dispensado ao conflito, é possível, utilizando a definição apresentada por Roberto Portugal Bacellar (2003, p. 174), que mediação consiste em uma técnica lato senso que tem como assento a aproximação das pessoas interessadas no tratamento107 de um conflito, induzindo-as a encontrar, por meio do estabelecimento de um diálogo, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas. Em mesmo sentido, Vasconcelos (2012, p. 42) descreve mediação como “um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, em ambiente seguro e ambiência de serenidade, com a colaboração de um terceiro [...], expõem o problema, são escutadas e questionadas”, estabelecendo um diálogo construtivo e identificando interesses em comuns, opções e, de maneira eventual, estabelecer um consenso. Garcia e Verdan apontam que:

A mediação é um meio alternativo simples, essencialmente extrajudicial de resolução de conflitos e efetivo no acesso a justiça. Ocorre quando as partes elegem um terceiro (mediador) alheio aos fatos para conduzi-las à solução do conflito por meio de um acordo sem que haja uma interferência real do mesmo. O objetivo da mediação é responsabilizar os protagonistas, fazendo com que eles mesmos restaurem a comunicação e sejam capazes de elaborar acordos duráveis. A mediação não é instituto jurídico, mas sim, uma técnica alternativa na solução de conflitos que propõe mudanças na forma do ser humano enfrentar seus problemas. (GARCIA; VERDAN, 2013, p. 13). (grifei).

                                                                                                                         106 No presente, será empregada a expressão “tratamento” ao invés de “resolução” de conflitos, perfilhando ao entendimento apresentado por Fabiana Spengler (2010, p. 26), no qual os conflitos sociais não são passiveis de serem “solucionados” pelo Poder Judiciário na acepção de resolvê-los, suprimi-los, elucidá-los ou mesmo esclarecê-los. Tal fato deriva do princípio que a supressão dos conflitos é algo relativamente raro. É rara, também, na ótica adotada, a plena resolução das causas, das tensões e dos contrastes que originam os conflitos. Deste modo, a expressão “tratamento” apresenta-se mais adequada na condição de ato ou efeito de tratar ou medida terapêutica de discutir o conflito, objetivando uma resposta satisfatória. 107 Conquanto o autor empregue o termo “resolução”, pelas razões aduzidas em nota anterior, será mantida a expressão “tratamento”, ao abordar os conflitos.

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Distintamente do sistema adversarial processual que vigora, a mediação busca a estruturação de uma mudança cultural, especialmente no que se refere ao poder dos indivíduos de tomar às decisões que influenciam a realidade em que se encontram inseridos. Conforme Waltrich e Spengler (2013, p. 172) apontam, a mediação, na condição de espécie do gênero justiça consensual, permite uma acepção ecológica de tratamento dos conflitos sociais e jurídicos, na qual o escopo de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada proveniente de uma sanção legal. A mediação possibilita um tratamento igualitário entre os envolvidos, na condição de seres humanos, observando as características de cada indivíduo, não comportando qualquer forma de julgamento, mas sim fomentando uma compreensão recíproca e uma responsabilidade compartilhada.

Desconstrói-se a figura da vítima e do agressor, do autor e do réu, erigindo, em seu lugar, os “mediandos”, em situação de igualdade e, a partir da edificação de diálogos e responsabilização compartilhada, amadurecidos para promover, culturalmente, a mudança de paradigmas no enfrentamento do conflito, de modo que não há uma busca sedenta pelo estabelecimento do culpado, mas sim na construção de um consenso proveniente da vontade dos envolvidos. Assim, opondo-se à dogmática processualista tradicional, que busca a eliminação do conflito por meio da simples emissão de um pronunciamento do Estado-juiz, a mediação, alçado a método transformador de uma cultura adversarial, objetiva o enaltecimento da dimensão afetivo-conflituosa, tratando as origens, as causas e as consequências advindas do conflito.

A visão da mediação transformadora sobre o conflito percebe-o como uma situação-problema comum ao convívio e que deve servir de oportunidade ao amadurecimento das relações. Contrariamente, o poder jurisdicional percebe no conflito a lide judicial a qual deve ser posta termo, visto que reflete algum distúrbio ou quebra da ordem social. A decisão autoritária põe fim à lide processual, permanecendo ou até mesmo piorando o conflito, pois na maioria dos casos a determinação judicial trabalha de forma binária com a ótica de vencedores e perdedores, não satisfazendo muitas vezes o resultado a nenhuma das partes. (BEZERRA, 2011, p. 219)

Supera-se o ranço tradicional de transferir para o Estado-juiz, de maneira exclusiva, a possibilidade para a resolução dos conflitos, notadamente os inseridos na esfera privada, assegurando, por consequência, o empoderamento dos envolvidos, de modo a desenvolver a cidadania e autonomia para a construção de

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consensos e promover a cultura de paz. Trata-se, com efeito, de privilegiar a autonomia da vontade das partes, ao invés de recorrer a um terceiro que decida por eles, sendo que o Estado-juiz é o último recurso, quando todas as vias de negociação fracassaram. Com destaque, o provimento jurisdicional prestado pelo Estado-juiz, comumente, está revestido apenas da técnica processual, pautado na legislação fria e em precedentes jurisprudenciais, poucas vezes volvendo um olhar sensível para as peculiaridades e nuances que emolduram a situação concreta levada a Juízo. Por mais uma vez, há que se resgatar que, diante da política de números e estatísticas que passou a inundar o Judiciário, o qual busca incessantemente demonstrar a concreção do acesso à justiça108 e a duração razoável do processo, o que importa é a finalização de processos, sem que isso, necessariamente, reflita na construção de consensos entre os envolvidos.

A visão transformativa propiciada pela mediação, consoante Foley (2011, p. 247), permite que o conflito seja encarado como uma oportunidade dúplice, na qual, concomitantemente, há o desenvolvimento e exercício da autodeterminação, consistente no empoderamento109 dos mediandos, e na confiança mútua, por meio do fomento à reciprocidade entre os envolvidos no conflito. Com destaque, a resposta ideal ao conflito não consiste em buscas desenfreadas e beligerantes de extirpá-lo para promover a resolução do problema; ao contrário, o conflito reclama uma gestão madura, a fim de materializar um processo de transformação dos indivíduos nele envolvidos. Neste passo, a mudança paradigmática de ótica no tratamento do conflito é responsável por alterar o comportamento dos mediandos diante do dissenso, fomentando a responsabilidade compartilhada e solidarizada, de modo a não estabelecer polos antagonistas, mas sim partes complementares.

A mediação, principalmente o enfoque transformador, traça um novo contexto dentro do qual é possível lidar com as diferenças de forma não binária, convocando para estabelecer uma ponte entre um e outro, sem eliminação e sem fusão, entre esses polos de relação. É um convite para se reconhecer o outro e seu co-protagonismo na solução do problema vivenciado por eles. (SOARES, 2010, p. 113).

                                                                                                                         108 No presente, a locução “acesso à justiça” é empregada de maneira restrita como sinônimo de acesso ao Poder Judiciário, enfatizando as críticas do autor às políticas estabelecidas até o momento, materializando o monopólio do Estado em “tratar” os conflitos. Com efeito, acesso à justiça compreende múltiplas ferramentas, dentre as quais a possibilidade dos indivíduos de tratarem os conflitos em que se encontram inseridos, gozando da faculdade de recorrer ao Estado-juiz apenas quando todas as demais possibilidades restaram frustradas. 109 A expressão “empoderamento” é utilizada como um conceito associado à autonomia, desenvolvida em um processo paulatino, amadurecido e consciente de transformação pessoal por meio do qual os indivíduos passam a controlar suas vidas. Com efeito, a expressão “empoderamento” passa a emprestar substância a uma ideologia segundo a qual é possível assegurar que cada indivíduo exerça sua autonomia e autodeterminação de maneira plena, consciente e madura, notadamente no tocante ao tratamento dos conflitos e dissensos gerados do convívio em sociedade, a fim de assegurar a responsabilização compartilhada, em detrimento da cultura tradicional que busca identificar culpados e transferir responsabilidades.

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Warat (2001, p. 80-81) já se posicionou no sentido que a mediação não está cingida a somente o litígio, ou seja, com a verdade formal contida nos autos, alheia à moldura factual que enquadra o dissenso entre os envolvidos. De igual maneira, a mediação, na condição de método extrajudicial de tratamento de conflitos, não busca como única finalidade a obtenção de um acordo que, corriqueiramente, não reflete substancialmente a vontade das partes nem permite a responsabilização solidária dos envolvidos. Ao reverso, o fito maior é ajudar os interessados a redimensionar o conflito, compreendido como conjunto de condições psicológicas, culturais e sociais que foram responsáveis por causar a colisão entre as atitudes e os interesses no relacionamento de pessoas envolvidas. A perspectiva valorada não está assentada no ideário puramente acordista, que concebe o acordo como o fim último do processo, o qual transmite o ideário mascarado de tratamento do conflito, colocando fim em mais um número que tramita nos sistemas de gerenciamento de dados dos Tribunais de Justiça. Ao reverso, a ótica privilegiada está calcada na construção paulatina e imprescindível do consenso, no qual o mediador atua na construção de uma relação alicerçada no diálogo, possibilitando o entendimento de sentidos, a partir da determinação da autonomia e empoderamento dos indivíduos.

Como bem assinala Silva (2004, p. 15), “a base do processo de mediação é a visão positiva do conflito. A ciência desta ensina o conflito como algo necessário para o aperfeiçoamento humano, seja pessoal, comercial, tecnológico, ou outro qualquer”, sensível às complexas e intricadas realidades apresentadas por cada indivíduo e que contribuíram para a abordagem do conflito. Deve-se destacar, com ênfase, que “a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e o desenrolar do mesmo é feito com base na consensualidade” (RIOS, 2005, p. 11), eis que tão somente assim são alcançadas as soluções que satisfazem os interesses de ambos os envolvidos. Na mediação, os indivíduos não atuam como adversários, porém como corresponsáveis pela solução do conflito, contando com a colaboração do mediador, o terceiro – que deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido ou aceito. Acerca do tema, esclarecem Morais e Spengler:

Através deste instituto, busca-se selecionar conflitos mediante a atuação de um terceiro desinteressado. Esse terceiro denomina-se mediador e exerce uma função como que de conselheiro, pois pode aconselhar e sugerir, porém, cabe às partes constituir suas respostas. Com auxílio do mediador, os envolvidos buscarão compreender as fraquezas e as fortalezas de seu problema, a fim de tratar o conflito de forma satisfatória. Na mediação, por constituir um mecanismo consensual, as

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partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal tradicional, na qual este poder é delegado aos profissionais do direito, com preponderância àqueles investidos nas funções jurisdicionais. (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 134).

É necessário colocar em destaque, também, que a mediação, na condição de método de tratamento extrajudicial de conflitos, combate a escalada de desentendimentos decorrentes do moroso e litigioso procedimento adotado no cenário jurídico vigente, não permitindo que as partes alcancem o conflito extremo, permitido pelo sistema adversarial. “A ideologia ganhador-perdedor vigente no sistema tradicional judiciário é substituída por uma nova abordagem baseada na cooperação entre as partes envolvidas e não na competição” (SANTA CATARINA, 2004, p. 04). Deste modo, a mediação apresenta-se como forma inovadora, no território nacional, de abordagem jurídica e também como alternativa ao sistema tradicional judiciário adotado para tratar os conflitos, nos quais se valoram a cooperação e a disponibilidade em promover a solução, destacando-se, via de consequência, como elementos imprescindíveis para a construção de um consenso entre os mediandos.

É plenamente perceptível que a mediação exige terreno próprio para atuação, em decorrência dos aspectos a que se propõe, notadamente a mudança cultural no tocante ao enfrentamento do conflito, já que suas bases se pautam na busca de um consenso qualitativo que só pode ser alcançado com o tempo e com a mudança cultural das partes que preferencialmente esperam ouvir, atender uma ordem do Estado a tomar uma decisão por si. Sobre tal assunto, Dierle José Coelho Nunes (2011, p. 174) afirma “que existem situações em que os acordos são impostos, mesmo quando sejam inexequíveis para permitir a pronta “resolução do caso”, com a adequação à lógica neoliberal de produtividade”, e isso, por óbvio, não é o que se espera da mediação de conflitos. Neste passo, a mediação propõe a responsabilização dos envolvidos para tratarem o conflito, de maneira que consenso seja resultante da conjunção de esforços e reflita as vontades dos mediandos, não se traduzindo, via de consequência, em um pronunciamento emanando por um terceiro (Estado-juiz), alheio às nuances e particularidades que emolduram o dissenso.

3 A COMUNIDADE COMO LOCUS DE PROMOÇÃO DAS PRÁTICAS DE MEDIAÇÃO: O EMPODERAMENTO DO INDIVÍDUO NO TRATAMENTO DE CONFLITOS

A comunidade, em um primeiro momento, seria aquilo ao qual o

indivíduo está ligado e aquilo que o liga e outros indivíduos. De igual modo, como

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Spengler (2012, p. 154) assinala, a comunidade é também aquilo que engole o indivíduo, tornando-o “apenas mais um”, que faz indistinta a identidade, uma vez que inclui no mesmo espaço no qual os demais indivíduos estão incluídos e isso, corriqueiramente, pode significar perder a subjetividade, a individualidade, a autonomia e a subjetividade. Essa complexidade e fragmentação da realidade social são os traços característicos da contemporaneidade, impressos nas esferas mundial e local. Os grupamentos humanos unidos por diversas identidades, dentre elas a territorial, que confere à comunidade o status de locus propício para o desenvolvimento de mecanismos que possibilitem a transformação social. “Onde há coesão social, há identidade compartilhada, cuja criação depende da mobilização social e do envolvimento com os problemas e soluções locais” (BRASIL, 2008, p. 26).

Ora, desenvolver a comunidade é um processo complexo que agrega valores éticos à democracia e constrói laços de solidariedade, sendo imprescindível a promoção de esforços para o amadurecimento da população, de maneira a gozar de autonomia para tratar os conflitos e dissensos existentes, de maneira positiva e responsavelmente compartilhada. Cuida assinalar, neste sedimento, que “tudo aquilo que puder ser feito pela própria sociedade deve ser feito por ela, quando ela não puder fazer, o Estado interfere, mas não se trata de um Estado mínimo ou máximo, mas sim do Estado necessário” (MONTORO, 2002). Essas palavras, proferidas pelo professor André Franco Montoro, em Seminário sobre o “Federalismo e o fortalecimento do poder local”, expressam o coração do tema ora posto em reflexão: a perspectiva de um Estado mediador, que se encontra em um meio termo (nem absenteísta, nem interventor) e abraça um povo que se coloca como ator e responsável pela realidade que o cerca. Nessa projeção, sinaliza-se para o fenômeno do fortalecimento da sociedade civil, consolidando sua responsabilidade na realização do bem comum, tendo por meta a efetivação de uma democracia possível, com a concretização do primado da dignidade da pessoa humana e o reconhecimento de valores como a solidariedade e a participação popular.

É possível destacar que as comunidades periféricas, que florescem à margem dos centros urbanos oficiais, tais como assentamentos e favelas, permitem aos seus moradores a consolidação de uma identidade comunitária, na qual “têm voz e vez podem colocar em ação suas iniciativas, desenvolvem sua criatividade, mas seu ser não se esgota nelas mesmas: elas se completam na medida em que se tornam um ‘ser para’” (GUARESCHI, 2009, p. 96), exercitando sua plena vocação de animal político e social. Ainda que seja experimentado viver em um tempo de judicialização da política e de ativismo judicial, no qual o

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magistrado não é simplesmente la bouche de la loi, agindo ativamente ante as mazelas e falhas das instituições, é forçoso reconhecer que esse ativismo (igualmente foco de críticas) não é capaz de dar vazão a todas as necessidades e emergências que surgem a cada dia na realidade de cada comunidade. Neste passo, como bem salientou Aléxis Tocqueville:

[...] um poder central, por mais que se possa imaginá-lo civil e sábio, não pode abranger sozinho todos os detalhes da vida de um grande povo, não pode, porque um trabalho assim supera as forças humanas. Quando quer criar e fazer funcionar, apenas com as suas forças, tantos elementos diferentes, ou contenta-se com um resultado muito incompleto, ou esgota-se em esforços inúteis (TOCQUEVILLE, 1963, p. 29).

Na esfera do Poder Judiciário, os obstáculos a seu acesso são notáveis, principalmente àqueles menos favorecidos, o que estimula o desenvolvimento e a consolidação de novas fórmulas, surgindo, neste contexto, a mediação comunitária, como força pulsante na solução de conflitos. Superando a realidade de que a maioria desconhece seus direitos (e deveres) e que o processo judicial essencialmente dispendioso, o é proporcionalmente ainda mais caro aos mais pobres, como já observou Boaventura de Souza Santos (1985, p. 167). Assim, a mediação comunitária se fortalece “por perseverar as relações sócio-afetivas, encarando o indivíduo como responsável por suas próprias ações e, como tal, capaz de solucionar seus problemas, atuando como sujeito de seu destino, desperta a mediação nos que a ela recorrem a consciência de seu papel de ator social” (MOREIRA, 2007, p. 212). Neste quadrante, a mediação, ao preservar o respeito à dignidade do indivíduo, resgata em sua clientela o sentimento de cidadania que neles se encontra dormente.

Na atualidade, o Brasil verifica um acentuado quadro de conflitos sociais que se estender por distintos segmentos. Trata-se de uma generalização de conflitos que se desenvolve fomentado pelo estresse da contemporaneidade, conjugado com a ausência de mecanismos eficientes na resolução de conflitos, de maneira extrajudicial e que permita a manutenção das relações continuadas. “Áreas urbanas e rurais, bairros de diferentes classes e também escolas estão sendo palco de agressões físicas e psicológicas quase diárias, gerando uma sensação de insegurança e revolta na população do país” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 282). Tal fato decorre, em especial, devido à erosão das instituições sociais que são responsáveis pelo desenvolvimento dos cidadãos e pela segurança dos indivíduos. Neste aspecto, comumente destaca-se que a família, a escola e os órgãos de segurança pública, entre outros, estão falhando no

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cumprimento de suas funções sociais. Denota-se, deste modo, que nas últimas décadas houve um progressivo esfacelamento da estrutura que sustenta a sociedade brasileira, agravo robustamente em decorrência da distorção de valores e costumes, bem como influenciado pelo ritmo frenético que caracteriza a vida contemporânea, em especial nos grandes centros.

Especialmente nas grandes metrópoles, a difícil crise vivenciada pelos poderes judiciais locais, a crescente heterogeneidade sócio-cultural, a especialização da divisão do trabalho, a diversificação e fragmentação de papéis sociais, e os problemas e dificuldades de acesso das camadas populares a bens materiais e imateriais valorizados no âmbito da sociedade abrangente, são fatos que favorecem a noção de complexidade do mundo contemporâneo. Constata-se uma significativa mudança nos padrões “tradicionais” relativos aos valores e crenças, que se deslocam em busca de adequação a um novo establishment. A valorização do indivíduo encontra um papel determinante não só na dimensão econômica, como também na dimensão interna da subjetividade. O trânsito entre mundos sócio-culturais distintos favorece os inúmeros choques de valores e interesses, demandando a utilização de novos padrões de comportamento e comunicação, em cujo cenário a “negociação” é a fonte primária dos interrelacionamentos (entre partes e organizações). (MENDONÇA. 2006, p. 31).

Salta aos olhos que, em decorrência da contínua judicialização dos conflitos e o ativismo propiciado à população, acarretam o engessamento do Poder Judiciário que, em razão do vultoso número de demandas ajuizadas diariamente, assim como ausência de recursos humanos suficiente e um sistema processualista desarmonioso com a realidade em que está inserido, não logra êxito em uma de suas funções estruturantes, qual seja: a pacificação social. Morais e Spengler (2008, p. 54) destacam que “o conflito transforma o individuo, seja em sua relação um com o outro, ou na relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfiguradas e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras”. Em razão deste caótico cenário, no qual o desgaste das partes e o agravamento do conflito se tornam uma constante, conjugado com a necessidade de desenvolvimento de uma cultura pautada no diálogo entre os indivíduos, em especial nas comunidades, observam-se, em especial nas últimas três décadas, o desenvolvimento e a implantação de projeto que buscam a mediação de conflitos, sendo empregado como instrumento que “objetiva não apenas auxiliar a boa resolução de litígios entre as partes envolvidas, mas bem administrar as relações existentes, para que as pessoas mantenham seus vínculos afetivos e possam

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construir uma sociedade fundada numa cultura de paz” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 290).

Na mediação com índole comunitária, tem-se como pré-condição a ideia de que o conflito não é apenas fato social com repercussão e consequências negativas, mas desafio catalisador da potencialidade de construção do diálogo. Para tanto, é imprescindível que se tome a nova concepção de justiça pelo sentido positivo dos conflitos, com superação criativa e, sobretudo, solidária. Sabe-se que muitas vezes, mesmo pela via da conciliação, o acordo não se mostra eficaz em relação ao senso de justiça de cada parte, haja vista que a adesão aos termos do ajuste move-se por razões de cunho estritamente instrumental. Nesse contexto, a edificação do consenso pelo ideal da justiça dá-se, necessariamente, por intermédio de um processo voluntário, com a colaboração de um Mediador, que é terceiro desinteressado no conflito e não tem poder de decisão, culminando com a solução construída pelas partes em conflito. (LOPES, 2012 p. 1.241)

No mais, cuida destacar que uma sociedade democrática é caracterizada pela existência de cidadãos capazes de solucionar, com habilidade, os problemas e embates sociais, decorrentes do convívio com outros indivíduos, em especial quando o fenômeno judicializante que vigora no Brasil obsta a pacificação social e a manutenção dos laços de convivência contínua, estando voltado para o julgamento mecânico das lides e atendimento de metas. Tal capacidade, com efeito, decorre da estruturação de uma educação associada ao desenvolvimento da acepção estrutural de cidadão, enquanto integrante da vida pública, e por meio da prática cotidiana da participação livre e experiente da cidadania. “Participação e cidadania são conceitos interligados e referem-se à apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino” (NASCIMENTO, 2010). Ora, é verificável que ambos estão umbilicalmente atrelados, porquanto a cidadania só é substancializada na presença de uma participação social entendida enquanto ação coletiva e o seu exercício consciente, voluntário e conquistado. Nesta esteira, a construção de uma vivência democrática transparente reclama uma gestão que se alicerce na inclusão da comunidade em geral, assegurando, por extensão, a igualdade de participação, tal como possibilite a expressão das ideias que possam ser discutidas em momento de deliberação coletiva.

Assim, é imprescindível o exercício da comunicação, eis que quando os indivíduos passam a ter oportunidade plena de interagir, debater e deliberar a

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respeito dos problemas concretos que a comunidade apresenta diariamente, é desenvolvido a capacidade de lidar com estes problemas, bem como convergir esforços para a sua resolução. Ao lado disso, não se pode olvidar que em um procedimento tão livre e autocorretivo de intercomunicação, o surgimento de conflitos entre os indivíduos é algo inevitável, principalmente que cada um tem seu modo de encarar as necessidades, fins e consequências, tal como tolerar níveis de desgaste. Com realce, a solução para tais conflitos está jungida na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais as partes aprendem possibilidades de se expressar. A gestão democrática e participativa de conflitos requer o desenvolvimento de um olhar de cada espaço como um elo de resolução das pendências e colisões de interesses interpelando os envolvidos e os demais integrantes da comunidade à participação e ao envolvimento nesse procedimento.

É possível destacar, em um primeiro momento, que a mediação consiste em um procedimento consensual de resolução de conflitos por meio do qual um terceiro indivíduo, imparcial e capacitado, escolhido ou aceito pelas partes, atua para encorajar e facilitar a resolução de conflitos. Os mediados estruturam a decisão que melhor os satisfaça, sendo resultantes da convergência das vontades de ambas as partes, estando, portanto, atento às particularidades e nuances da situação concreta. Verifica-se, assim, que há a desconstrução da ideologia pautada no ganhador-perdedor, que vigora no sistema tradicional judiciário, passando, em seu lugar, subsistir uma abordagem assentada na cooperação entre as partes envolvidas e não na competição beligerante processual. É observável, neste cenário, que a mediação se apresenta como um instrumento de solução de litígios, empregado pelas próprias partes que, impelidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória.

Na mediação, procura-se evidenciar que o conflito é natural, inerente aos seres humanos. O conflito e a insatisfação tornam-se necessários para o aprimoramento das relações interpessoais e sociais. O que se reflete como algo bom ou ruim para as pessoas é a administração do conflito. Se for bem administrado, ou seja, se as pessoas conversarem pacificamente ou procurarem a ajuda de uma terceira pessoa para que as auxilie nesse diálogo, será o conflito bem administrado. Se as pessoas, por outro lado, agredirem-se física ou moralmente, ou não conversarem, causando prejuízo para ambas, o conflito terá sido mal administrado. Assim, não é o conflito que é ruim; pelo contrário, ele é necessário, a sua boa ou má administração é que será positiva ou negativa. A premissa de que o conflito é algo importante para a formação do indivíduo e da coletividade faz com que as posturas

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antagônicas deixem de ser interpretadas como algo eminentemente mau para se tornar algo comum na vida de qualquer ser humano que vive em sociedade. Quando se percebe que um impasse pode ser um momento de reflexão e, em consequência, de transformação, torna-se algo positivo. (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 291).

A mediação comunitária, nesta faceta, retira do conflito o seu aspecto negativo, conferindo-lhe um significado positivo, natural e imprescindível para a lapidação das relações, tal como a sua boa administração representa o percurso para o entendimento e para o restabelecimento da pacificação entre as partes. Sobre o tema, Foley (2011, p. 252) salienta que “quando a prática da mediação ocorre na esfera comunitária, pode haver uma integração das estratégias de fortalecimento da comunidade: o acesso à informação, a inclusão e a participação, a corresponsabilidade, o compromisso e a capacidade de organização local”. Em decorrência de seus aspectos característicos, a mediação se revela como um mecanismo de solução adequado a conflitos que abordem relações continuadas, aquelas que são mantidas apesar do problema existente. Tal fato deriva da premissa que nessa espécie de conflitos se encontra as maiores dificuldades para a manutenção do diálogo e da comunicação, em razão da intensidade dos sentimentos envolvidos e da proximidade existente entre as partes, configurando verdadeiro obstáculo a reflexão. “A mediação conduz a um determinado grau de democratização, equivalente à realização de cidadania plena alcançada por quem dela participa, ao passo em que gere cidadãos ativos que compartilham efetivamente da vida social de sua comunidade”, como bem evidencia Nascimento (2010).

A mediação comunitária representa a coesão e a solidariedade sociais desejando a efetividade das chamadas democracias de alta intensidade. A mediação comunitária aglomera as comunidades mais carentes em busca da solução e prevenção dos seus conflitos, almejando a paz social, com base na solidariedade humana. Sendo essa mediação realizada em comunidades periferias, onde o desrespeito aos direitos constitucionais é flagrante, representa um meio ainda mais efetivo de transformação da realidade. A mediação comunitária é um processo democrático de solução de conflitos, na medida em que possibilita o acesso à justiça (resolução dos conflitos) à maior parte da população de baixa renda. Além de possibilitar essa resolução, oferece aos cidadãos o sentimento de inclusão social. Ao lado disso, quadra salientar que a base do processo de mediação é o princípio da solidariedade social. A busca de soluções adequadas para casos, pelas próprias partes, incentiva a conscientização das mesmas para a necessidade da convivência em paz.

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Conforme sublinha Sales (2004, p. 136), a mediação comunitária estimula o indivíduo a participar ativamente da vida política da comunidade em dois sentidos: “quando possui a responsabilidade de resolver e prevenir conflitos (mediador) e ainda quando se tem a certeza de que existe um local, próprio da comunidade, direcionado a resolver as controvérsias que apareçam (mediados)”. Desta feita, a mediação comunitária viabiliza a construção de uma identidade política comum, ou melhor, a construção de um senso de pertencimento físico e espiritual com relação a uma dada localidade, privilegiando a comunidade como o locus fértil para o exercício de tal método de tratamento de conflitos. Ao promover a capacidade para a autogestão dos conflitos, empodera a comunidade sob uma perspectiva relacional, afixando um poder comunitário expressado no “poder com o outro”; na horizontalidade da conquista compartilhada e no resgate da consciência de que cada ser humano, num contexto coletivo, identifica-se como ator social, protagonista de destinos.

4 MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO AXIOMA DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: O FOMENTO DO DIÁLOGO NA COMUNIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DE DECISÕES COLETIVAS

À sombra do pontuado até o momento, cuida anotar que, em sede de mediação, subsiste um cuidado, por parte do mediador, de promover a facilitação do diálogo entre as partes, de modo a viabilizar a comunicação pacífica e a discussão efetiva dos conflitos. “O ato de conversar (ou seja, não somente falar, mas também ouvir) e de poder olhar o problema de novas maneiras ajuda as pessoas a encontrarem, juntas, os melhores caminhos para a solução de seus conflitos” (BRASIL, 2008, p. 16). Nesta linha, conforme Carvalho (s.d., p. 04) destacou, diálogo não tem seu sentido associado apenas a manutenção de uma conversa, mas sim na possibilidade de se colocar no lugar do outro, a fim de compreender seu ponto de vista, respeitar a opinião alheia, compartilhar as experiências vividas, partilhar a informação disponível e tolerar longas discussões para se alcançar um consenso que satisfaça tanto os envolvidos quanto à comunidade direta e indiretamente afetada. Dentre os principais objetivos adotados por este procedimento, é possível mencionar a solução extrajudicial dos conflitos. Entrementes, em que pese sua importância, cuida destacar que essa não dever ser o único fito a ser ambicionado na mediação de conflitos; ao reverso, outros objetivos da mediação devem ser enfocados, como, por exemplo, a má administração dos conflitos, o que permite o tratamento adequado do problema e a manutenção dos vínculos afetivos existente entres as partes, tal como a busca

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pela inclusão social e da pacificação social. Neste aspecto, verifica-se, por mais uma vez, que a mediação é

instrumento apto ao desenvolvimento do diálogo entre os envolvidos, com o auxílio e participação da comunidade, de modo geral, para que seja possível a superação do litígio, bem como a afirmação dos valores estruturantes da própria democracia participativa, despertando no cidadão a necessidade de um papel ativo. “Busca-se trabalhar a mediação como instrumento de promoção da paz social e de diminuição da violência. Assim, a paz social é entendida como algo que vai além da inexistência de violência física e moral, passando pela necessidade de efetivação dos direitos fundamentais” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 291). Com efeito, a estruturação de um diálogo entre os envolvidos e a pacificação social não são alcançadas em comunidades em que há fome, elevados índices de desemprego, indivíduos realizando trabalhos forçados ou mesmo em condição análoga à de escravidão, maciça exploração sexual infantil, carência de moradias dignas, baixos níveis de educação e saúde, além de outras mazelas sociais que interferem, de maneira direta, no desenvolvimento harmônico e sustentável da sociedade, afetando, inclusive, na paz social.

Fomenta-se a paz quando se resolve e previne a administração inoperante dos conflitos; quando se busca promover o diálogo; quando se possibilita a discussão sobre direitos e deveres, bem como responsabilidade social; quando se viabiliza a substituição o sentimento de competição, inerente ao sistema adversarial estruturado no Brasil, pelo ideário de cooperação. “É nos espaços de participação construídos através de uma mediação democrática que os envolvidos aprendem e vivenciam a cidadania. Rompendo o silêncio, abre-se à participação para além dos espaços privados da comunidade” (NASCIMENTO, 2010), contribuindo, assim, para o fortalecimento deste ambiente social e, secundariamente, na construção de um Estado que propicie a democracia participativa em seus plurais desdobramentos. Ora, a mediação, na condição instrumento pacífico e participativo de resolução de conflitos, vindica das partes envolvidas o diálogo acerca dos problemas, dos comportamentos, dos direitos e deveres de cada um, sendo que toda essa discussão se assenta na forma cooperativa, fortalecendo o compromisso ético com o diálogo honesto.

Nesse contexto, no âmbito comunitário, em especial, o procedimento de mediação de conflitos promove uma maior responsabilidade e participação da comunidade na solução dos seus conflitos, o que contribui favoravelmente para a preservação das relações, a satisfação dos interesses de todas as partes e a economia de custos de tempo e dinheiro na solução do conflito. É dada maior relevância à necessidade

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de tornar os cidadãos conscientes do seu poder para resolverem os seus conflitos através do diálogo produtivo, construindo pontes que edificam relações cooperativas entre os membros da comunidade, abrindo novos caminhos para uma positiva transformação sociocultural. A mediação comunitária realiza-se nos bairros de periferia, com o intuito de propiciar à comunidade a conscientização de seus direitos e deveres, além da resolução e prevenção de conflitos em busca da paz social. Essa mediação permite a criação de maiores laços entre os envolvidos, incentivando a participação ativa dos membros daquela comunidade na vida social, ensinando-os a pensarem coletivamente e não mais individualmente. (CARVALHO, s.d., p. 04).

Há que se reconhecer, neste cenário, que o fomento ao empoderamento dos indivíduos propicia um processo transformativo aberto e externado pela participação cidadã, culminando na autonomia de tratamento de conflitos, ao tempo em que fortalece o desenvolvimento comunitário. Ao lado disso, os objetivos ambicionados pela mediação em comento consistem no desenvolvimento entre a população de valores, conhecimentos e comportamentos que conduzam ao fortalecimento de uma cultura de paz. De igual modo, em substituição a tradição visão adversarial ganhador-perdedor, enfatiza-se a relação entre os valores e práticas voltados à realização da democracia e da convivência pacífica, contribuindo para a construção de um consenso entre os indivíduos, no qual o respeito e a tolerância são os aspectos característicos mais proeminentes. Há um caminho para o exercício da cidadania participativa, consistente na possibilidade da busca conjunta, consciente e amadurecida das partes envolvidas em prol do tratamento do conflito existente. Vezzula (2010, p. 56) salienta que “a mediação, recuperando os conceitos de participação responsável da comunidade na abordagem e na resolução dos conflitos entre seus integrantes, foi fortalecendo a sua identidade e, com isso, consolidou a capacidade de protagonismo dos moradores”.

“A mediação nas comunidades traduz o exercício de cidadania e de democracia, pois permite que os cidadãos, até então socialmente excluídos, resolvam por si mesmos seus conflitos com o auxílio de um mediador” (CARVALHO, s.d., p. 05). Com efeito, por estar calcada em uma mudança de cultura, a mediação possibilita aos indivíduos, até então, marginalizados a possibilidade de terem responsabilidade sobre suas vidas e serem incluídos socialmente, reafirmando o preceito basilar de empoderamento dos envolvidos. Mais que simplesmente dialogar (conversar), a abordagem do conflito, a partir de uma perspectiva pautada na responsabilidade solidária e compartilhada, assegura aos mediandos a construção de um consenso decorrente da confluência de vontades,

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no qual se deteriora a ideologia de ganhador-perdedor, edificando, em seu lugar, uma doutrina em que ambas as partes são exitosas ao final. Há uma participação direta dos envolvidos na tomada de decisão, de maneira que o consenso atingido reflete a vontade livre, consciente e amadurecida dos envolvidos, exercendo uma democracia participativa plena, sem mitigações ou obstáculos, o que repercutirá diretamente na qualidade de vida.

Convém destacar que “a mediação desenvolvida em bairros das cidades (mediação comunitária) propicia o diálogo entre as pessoas que convivem diariamente, auxiliando na solução dos seus conflitos e contribuindo para a construção da paz social” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 292). Ora, como a prática da mediação estabelece a reclamação ativa dos envolvidos no tratamento de conflitos, passa-se a não apenas a debater sobre questões de feição individual, mas também questões de aspecto coletivo. As experiências brasileiras em mediação110-111, especialmente aquelas realizadas nas periferias dos municípios, têm revelado mudanças de comportamento das pessoas: tornaram-se mais participativas nas decisões individuais e coletivas, refletindo a conjunção de esforços entre os envolvidos, compartilhando a responsabilidade em relação ao tratamento do conflito. É possível, assim, observar que a mediação, ao fomentar o empoderamento dos indivíduos, na construção dos consensos e responsabilidade compartilhada, também alimenta a participação do cidadão na tomada de decisões, conscientizando-o não apenas acerca das questões individuais, mas também sobre as questões coletivas e seus desdobramentos. 5 A COMUNIDADE E O MEDIADOR: A NECESSIDADE DE EDIFICAÇÃO DA IDENTIDADE DO TERCEIRO IMPARCIAL NA CONDUÇÃO DO TRATAMENTO DOS CONFLITOS

Ao se considerar a mediação comunitária como detentora, em um primeiro momento, do papel de devolver a confiança aos subúrbios e às comunidades periféricas, mergulhando em suas respectivas realidades, é necessária considerar que para o exercício de tal fito, a concretização de uma democracia urbana, os                                                                                                                          110 Neste sentido, é possível citar, como exemplo paradigmático de projeto bem sucedido de mediação comunitária, o Projeto “Balcão de Direitos”, desenvolvido pela ONG Viva Rio. Falcão (s.d., p. 02), ao discorrer acerca do programa, descreve que: “O Programa Balcão de Direitos do Viva Rio existe há oito anos nas favelas do Rio de Janeiro. São ao todo cinco balcões, instalados em prédios comunitários, onde estudantes e outros voluntários atendem à comunidade. Mais de 70 mil atendimentos já foram feitos, de cálculos trabalhistas a mediação e conciliação, passando por orientação jurídica em processos judiciais. Nos primeiros anos, cerca de 25% dos serviços demandados se relacionavam com ações judiciais. Hoje, esse número caiu para cerca de 15%. O que demonstra que, na medida em que a comunidade cria seus próprios mecanismos de resolução de conflitos, a procura pelo Judiciário tende a ser menor”. 111 É possível, também, citar o Programa de Núcleos de Mediação Comunitária, fomentado pelo Ministério Público do Estado do Ceará, e o Programa de Justiça Comunitária, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que, dentre as ferramentas desenvolvidas, utiliza a mediação comunitária e, em termos estatísticos, atendendo 774 (setecentas e setenta e quatro) pessoas (BRASIL, 2008, p.80).

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cidadãos tornem-se cidadãos de fato, responsabilizando-se pela comunidade e cidade em que estão inseridos. Ao lado disso, é possível, ainda, sublinhar que a mediação comunitária passa, em razão dos aspectos característicos, deter legitimidade e confiança que inspira as partes. Para tanto, é de preponderante importância a figura do mediador que, imperiosamente, deverá ter construída uma identidade que permita estabelecer um liame com a comunidade em que atua. “A mediação comunitária é conduzida por mediadores que são membros da comunidade. ‘É mediação para, na e, sobretudo, pela comunidade’” (SPENGLER, 2012, p. 234). No mais, ao se considerar que a mediação está calcada no potencial dialógico para promover o tratamento dos conflitos, é imprescindível a preservação de uma relação pautada na horizontalidade com que o mediador comunitário conduz o processo e também na participação da comunidade como corresponsável na edificação do consenso que assegure, em um futuro próximo, o alcance da pacificação social, dentro de um cenário caracterizado pela diversidade.

Ora, há que se reconhecer que, em sede de mediação, como mecanismo extrajudicial para tratamento de conflitos, inexiste um processo judicializado que afixa e delimita os parâmetros nos quais o diálogo será estabelecido. Distintamente do magistrado que usufrui da legitimação estatal para tratar os conflitos, o mediador comunitário possui uma legitimidade fundada na sua conduta e nos seus valores pessoais, cuja consequência mais robusta desdobra na inspiração dos mediandos de que os seus problemas serão tratados por um igual. Nesta perspectiva, “o mediador atua no sentido de ajudar as partes, estimular e facilitar a resolução do conflito, sem indicar a solução, para que estas sejam capazes de, por si próprias, chegarem a um acordo em que proteja os seus reais interesses” (CARVALHO, s.d., p. 03). Como Spengler (2012, p. 234) observa, os conflitos endereços à mediação comunitária contam com a presença de um terceiro que conhece a realidade peculiar da comunidade, os valores compartilhados e os hábitos dos conflitantes. O terceiro envolvido no tratamento dos conflitos fala a mesma linguagem dos mediandos e possui uma legitimidade que não é atribuída pelo Estado, mas sim conferida pelas próprias partes, em razão da presença de um conjunto de característicos que identificam o mediador com a comunidade.

Tal qual um pastor que, em sua tarefa religiosa, dedica-se a atender às necessidades espirituais, o mediador comunitário deve ouvir as partes, reconhecer os seus clamores e suas emoções e, ao fornecer um ambiente seguro, permitir que as raízes do conflito floresçam. Nesse sentido, há um aspecto restaurativo na justiça comunitária, pelo qual os disputantes podem reconhecer uns aos outros e, desenvolvendo aptidões para a

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comunicação, trabalham na direção de cura dos danos causados pelo conflito, assim como na aptidão para evitar problemas futuros. (FOLEY, 2003, p. 86).

Tradicionalmente, os litigantes aguardam por um terceiro, o Estado-juiz, que solucione o conflito, emitindo um pronunciamento formal e técnico que estabeleça qual dos polos tem mais direito ou, ainda, quem ganhou a demanda. É o fomento da ideologia processual adversarial calcada no binômio antagonista ganhador-perdedor. Verifica-se, claramente, uma transferência de responsabilidades quanto à gestão do conflito, sendo direcionada à figura do magistrado que o traduz em sua linguagem, utilizando, por vezes, de um arcabouço e uma vivência que são distintos dos experimentados pelos indivíduos que estão inseridos em específica comunidade. A resposta apresentada pelo terceiro, legitimado pelo Estado, não reflete, comumente, os anseios apresentados pelos envolvidos, já que está engessada pelo dogmatismo contido no arcabouço jurídico. Com efeito, há que se reconhecer que a solução apresentada não trata do conflito, apenas elimina a lide, entregando, via de consequência, o prestação jurisdicional do Estado-juiz.

De outro modo, o mediador comunitário não emite um pronunciamento, impondo uma decisão aos envolvidos, mas sim promove a facilitação do diálogo entre os mediandos. Mais que o técnico em conhecimento jurídico específico, o mediador comunitário reclama uma aceitação pela população em que atuará, permitindo-se que sejam reconhecidos pelos demais como pessoas capazes de conduzir o diálogo entre os mediandos; trata-se do cidadão atuando entre os cidadãos. “Os mediadores cidadão não vêm trazer uma solução externa, mas estimulam a liberdade, a coragem, a vontade própria. Ser mediador cidadão é uma arte que, como todas as artes, não termina jamais de refinar-se”, segundo Spengler (2012, p. 237). O mediador comunitário é aquele indivíduo que, mesmo sendo grande técnico, é uma pessoa inserida na comunidade, cuja visão o coloca dentro do conjunto em que atua, possibilitando a edificação de uma identidade que o legitima a conduzir os diálogos entre os mediandos. A presença do mediador comunitário não é imposta aos mediandos, mas sim decorre de uma escolha consensual, em razão de um reconhecimento no terceiro imparcial como um igual, em nível horizontal, capaz de auxiliar no tratamento do conflito existente.

Dentre os aspectos característicos primordiais do mediador, é possível apontar: capacidade de ouvir, paciência para compreender os problemas, tolerância para não julgar, bom humor para fomentar a concórdia e a paz entre os mediandos, imparcialidade para não cometer injustiças, ética para oferecer os melhores caminhos para as partes e não mediar os conflitos que envolvam os

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amigos, inimigos ou parentes. De igual modo, o consenso a ser construído na mediação comunitária deve ser fruto da conjunção de esforços entre os mediandos, após a estruturação de um diálogo maduro e capaz de estabelecer uma responsabilidade compartilhada e não reflexo da vontade imposta do mediador. “O respeito que os mediadores conquistam no desempenho de sua função, com perícia e honestidade, é decisivo para que a mediação comunitária se consolide como processo eficaz para a solução de controvérsias” (SALES; LIMA; ALENCAR, 2008, p. 719).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do cenário apresentado, é possível pontuar que, conquanto a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também nomeada de “Constituição Cidadã”, assegurar, formalmente, o acesso à justiça, há que se salientar que o Poder Judiciário, em decorrência do pragmatismo existente e da visão processual adotada, diariamente, frustra a promoção de tal direito. Na realidade, a busca insaciável por diminuição de processos, com emissões de pronunciamentos do Estado-juiz, pautado, corriqueiramente, na distorcida visão do acordo como elemento de satisfação das partes, apenas atende o aspecto quantitativo de índices e dados que buscam demonstrar que o Judiciário, como zeloso e sensível Poder constituído, trava uma batalha pela materialização do princípio da duração razoável do processo. Ora, a falaciosa cultura acordista, adotada no modelo nacional, não trata o conflito nem as causas que o desencadeiam; ao reverso, fomenta apenas o tradicionalismo adversarial arraigado que, imperiosamente, agrupa os envolvidos em polos conflitantes que, uma vez infantilizados pelo monopólio na solução dos litígios, transferem ao terceiro, Estado-juiz, a capacidade de gerir o dissenso e determinar, a partir do arcabouço jurídico posto, qual dos envolvidos é detentor do direito pleiteado ou mesmo quem ganha e quem perde.

Em oposição à visão negativa de abordagem dos conflitos, a mediação, como método extrajudicial de tratamento dos dissensos, busca promover uma mudança cultural, pautada no empoderamento dos envolvidos, de modo que, a partir do diálogo e amadurecimento dos mediandos, seja possível estabelecer uma responsabilização compartilhada, em substituição à figura do culpado, culminando na construção de consensos que decorram, de fato, da confluência da vontade dos envolvidos. Não mais vigora a ideologia dualística do ganhador-perdedor, mas sim uma ótica segundo a qual o diálogo estruturado permite que ambos os envolvidos experimentem uma nova percepção do conflito, algo intrínseco e inseparável da

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convivência em sociedade. A cultura de empoderamento dos indivíduos possibilita que seja desenvolvida uma autonomia participativa que refletirá diretamente na construção dos consensos formados, eis que derivarão da conjunção de esforços e anseios dos envolvidos. Neste cenário, o consenso é fruto da vontade dos envolvidos que, uma vez empoderados, logram êxito na gestão do conflito e no melhor mecanismo para tratá-lo, distinguindo-se, via de consequência, do pronunciamento estatal que, corriqueiramente, é imposto pelo julgado, alheio às nuances e aspectos caracterizadores dos envolvidos, estando atrelado apenas ao arcabouço jurídico.

Inexiste a figura do juiz togado, cuja legitimidade é proveniente do reconhecimento dispensado pelo Estado e pelo sistema burocrático, mas sim o mediador, o terceiro imparcial, escolhido consensualmente pelos envolvidos, cuja legitimação decorre do próprio reconhecimento da comunidade que, ao invés de emanar uma decisão, apenas orientará a condução do diálogo, permitindo que os mediandos alcancem o tratamento mais adequado ao conflito existente. À luz do exposto, a mediação desenvolvida em comunidades se apresenta como robusto instrumento de empoderamento dos envolvidos, eis que possibilita o desenvolvimento de uma cultura participativa, na qual os indivíduos passam a gozar de autonomia e amadurecimento necessário para tratar os dissensos, sem que haja a necessária intervenção do Estado-juiz e todo o aparato processual enrijecido que o sustenta. Em especial nas comunidades que florescem à margem das cidades oficiais, que padecem da atuação ativa do Estado, sendo, por vezes, governada por um poder paralelo, decorrente do poderio do tráfico de drogas, necessário se faz a estruturação de mecanismos que permitam a preservação dos cidadãos, o fortalecimentos de uma mentalidade que busque o restabelecimento da pacificação social e manutenção das relações contínuas.

Assim, diante cenário no qual as pessoas são desassistidas em seus direito individuais e sociais, na tentativa de melhorar a qualidade de vida através da pacificação e participação social. É possibilitada uma valoração dos aspectos compartilhados pelas comunidades e não apenas um saber técnico-jurídico, por vezes, estranho àquelas, tendente a edificar barreiras que obstam o diálogo e tão somente hierarquiza os envolvidos. É o cidadão quem orienta a gestão do conflito, promovendo o diálogo e a mudança cultural, retirando do Estado o monopólio tal tarefa. Em tom de arremate, mediação, mais que um conjunto de técnicas e métodos extrajudiciais que tratam o conflito, é sinônimo de autonomia e exercício de democracia participativa, permitindo que o indivíduo seja capaz de construir consensos, superar as divergências e promover uma cultura de paz.

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O SISTEMA DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO BRASIL: OS DESAFIOS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TÁBUA PRINCIPIOLÓGICA

RANGEL, Tauã Lima Verdan112

Resumo: Em decorrência do sistema jurisdicional unificado, consagrado pelo Texto Constitucional, o qual atribui, ao Poder Judiciário, a competência para apreciação da lesão e ameaça de direito. Aludida modalidade de sistema estabelece que todos os litígios, administrativos ou de caráter privado, estão sujeitos à apreciação e a decisão da Justiça comum, ou seja, aquela constituída por juízes e tribunais do Poder Judiciário. Insta anotar que, em sede de sistema da unidade da jurisdição – una lex una jurisdictio -, somente os órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões com o caráter de definitividade. Com efeito, cuida reconhecer que as demandas envolvendo a Administração Pública, como parte interessada nas demandas, reclama uma mudança de ótica, com o escopo de manter harmonia com a tábua principiológica peculiar, sobretudo em prol de assegurar a isonomia da população jurisdicionada, com o fito de preservar corolários proeminentes, quais sejam: segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé, sem olvidar da promoção do preceito processual maior, o devido processo legal. Há que se reconhecer que os princípios são mandatos de otimização, cujo aspecto caracterizador repousa no sedimento que permite o cumprimento em diferente grau e que a proporção devida de seu cumprimento não apenas reclama as possibilidades reais, mas também as jurídicas. Nesta esteira, o presente se debruça sobre uma análise, à luz da tábua axiológica da jurisdição administrativa, observando estabelecer breves linhas a mazelas corriqueiras e que reclamam uma abordagem concatenada com a promoção do administrado. Palavras-chaves: Justiça Administrativa. Procedimento Administrativo. Desafios Processuais.

                                                                                                                         112 Bolsista CAPES. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, vinculado à linha de Pesquisa “Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos”.

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1 A EXTENSÃO DA LOCUÇÃO JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA: BREVES PONTUAÇÕES AO SISTEMAS DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO E DA UNIDADE DA JURISDIÇÃO

Em sede de apontamentos introdutórios, cuida estabelecer, de maneira clara, as acepções assumidas pelas locuções justiça administrativa e jurisdição administrativa, eis que fazem menção, respectivamente, aos órgãos jurisdicionais destinados à apreciação e julgamento dos litígios de direito público ou de interesse da administração pública, no que toca ao primeiro, e a natureza e o alcance da jurisdição prestada por aqueles, no que concerne ao segundo. Ao lado disso, é necessário trazer à colação o oportuno esclarecimento de Ricardo Perlingeiro (2005, passim), notadamente quando emoldura os motivos que levam os juristas nacionais e a sociedade em geral a não assimilarem tais conceitos e a extensão da justiça administrativa. Ora, consoante o autor supramencionado, a falsa compreensão dos termos multicitados decorre da premissa que, no território nacional, foram vinculadas, de maneira exclusiva, ao contencioso administrativo extrajudicial, tendo, pois, raízes históricas.

Nessa linha, ainda, o sentido da expressão justiça administrativa manteve-se o mesmo da época do Conselho de Estado do Império, que, conquanto fosse inspirado no Conselho de Estado Napoleônico, não acompanhou a evolução deste para um órgão verdadeiramente jurisdicional, sendo extinto com o advento da República. Aduz, também, Ricardo Perlingeiro (2005, passim) que, na ocasião, a justiça administrativa esta intimamente atrelada ao ideário de um controle concentrado nas mãos do Imperador, não detendo, por conseguinte, a natureza judicial ou jurisdicional. No Brasil, contemporaneamente, a real dimensão assumida pela locução mencionada alhures está atrelada aos órgãos judiciais com competência para julgar a Fazenda Pública e ao denominado “direito processual público”.

Após a ditadura Vargas o Brasil se reconstitucionalizou em 1946 e o modelo do Estado de Direito que o país adotou foi ainda o do Estado-Providência, delineado na Europa no Primeiro Pós-Guerra e caracterizado pela absoluta supremacia do interesse público sobre os direitos individuais. Será nesta época que se estruturará o “direito administrativo brasileiro” que se caracterizará pela auto-executoriedade dos atos da Administração Pública. O Código de Processo Civil de 1973, inspirado na doutrina europeia do Direito Processual das causas entre particulares, não se preocupou em tratar de modo especial a litigiosidade entre aqueles e o Estado, a não ser em disposições esparsas que concederam privilégios à Administração Pública, com prazos

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especiais e o duplo grau de jurisdição obrigatório, ou em transposição de regras constitucionais, como regulação da execução contra a Administração Pública através do sistema de precatórios (MORAES, 2012, p. 04).

É admitido, no Brasil, a partir do final do século XIX, o denominado contencioso de jurisdição plena para a salvaguarda e proteção de direitos subjetivos, em que pese a tradição de que apenas os litígios estavam sujeitos a uma legislação processual de direito privado, ao passo que o controle judicial de validade exercido sobre o ato administrativo estava subordinado a um procedimento diferenciado e específico de jurisdição administrativa. Verifica-se, assim, que o sistema de dualidade da jurisdição, também nomeado de contencioso administrativo ou, ainda, sistema francês, estabelece que, ladeando o Poder Judiciário, há uma Justiça Administrativa, constituída de juízes e tribunais pertencentes a outro Poder Instituído. Com efeito, em ambas as Justiças, as decisões emanadas são revestidas de coisa julgada, assegurando que cada uma decida de maneira independente, não sendo, por conseguinte, comportada a reapreciação da causa por Justiça diversa daquela que proferiu o pronunciamento. Ademais, em havendo conflito entre ambas, competirá a um órgão superior a ambas as estruturas, manifestar o entendimento, com vistas a colocar termo o conflito. A crítica existente ao sistema em apreço repousa na premissa que fica mitigada, em favor dos litigantes privados a garantia da imparcialidade, eis que na Justiça Administrativa o Estado, in these, é parte e juiz do conflito. Sobre o sistema contencioso administrativo, Carvalho Filho já estruturou o seguinte esclarecimento:

O sistema do contencioso administrativo, também denominado de sistema de dualidade de jurisdição ou sistema francês, se caracteriza pelo fato de que, ao lado da Justiça do Poder Judiciário, o ordenamento contempla uma Justiça Administrativa. Esse sistema, adotado pela França e pela Itália entre outros países sobretudo europeus, apresenta juízes e tribunais pertencentes a Poderes diversos do Estado. Em ambas as Justiças, as decisões proferidas ganham o revestimento da res iudicata, de modo que a causa decidida numa delas não mais pode ser reapreciada pela outra. É desse aspecto que advém a denominação de sistema de dualidade de jurisdição: a jurisdição é dual na medida em que a função jurisdicional é exercida naturalmente por duas estruturas orgânicas independentes – a Justiça Judiciária e a Justiça Administrativa. A Justiça Administrativa tem jurisdição e competência sobre alguns litígios específicos. Nunca serão, todavia, litígios somente entre particulares; nos conflitos, uma das partes é necessariamente o Poder

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Público. Compete-lhe julgar causas que visem à invalidação e à interpretação de atos administrativos e aquelas em que o interessado requer a restauração da legalidade quando teve direito seu ofendido por conduta administrativa. Julga, ainda, os recursos administrativos de excesso ou desvio de poder. A organização da Justiça Administrativa é complexa e se compõe de várias Cortes e Tribunais administrativos. Na França, situa-se em seu ponto mais elevado o conhecido Conselho de Estado (Conseil d’État) e, no caso de conflito de atribuições entre as duas Justiças, a controvérsia é dirimida pelo Tribunal de Conflitos, criado fundamentalmente para esse fim. A vantagem desse sistema consiste na apreciação de conflitos de natureza essencialmente administrativa por uma Justiça composta de órgãos julgadores especializados, razão por que têm contribuído de forma significativa para o desenvolvimento do Direito Administrativo (CARVALHO FILHO, 2011, p. 931-932).

A título de robustecimento, cuida transcrever que aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, do mesmo passo que lhes é retirada competência para conhecimento de ações que tenham por objeto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público, conforme já assentou entendimento o Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, quando da apreciação do Conflito de Competência Nº JSTA00062619, de relatoria do Conselheiro Antônio Alves Velho (PORTUGAL, 2014). Daí que, como se vem reafirmando, só interessem à justiça administrativa as relações jurídicas administrativas públicas, reguladas por normas de direito administrativo, passando, em regra, a determinação das competências por um critério material que assente na distinção material entre o direito público e o direito privado. Em mesmo sentido, quadra anotar, oportunamente, que “a atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (Administração, intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo”, conforme decidido no Conflito Nº JSTA000P15744, de relatoria do Conselheiro Salreta Pereira (PORTUGAL, 2014).

Dessemelhantemente do exposto, cuida apontar que não existe “no Brasil uma justiça administrativa estruturada a partir do primeiro grau até a Corte Suprema, mas cabe ao Poder Judiciário exercer a jurisdição administrativa, dirimindo os conflitos em que há interesse do Poder Público” (MORAES, 2012, p. 05). Diversamente do sistema de dualidade da jurisdição, o sistema jurisdicional nacional adotou, de maneira expressa, a unidade de jurisdição, também conhecido como sistema do

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monopólio de jurisdição ou sistema inglês. Aludida modalidade de sistema estabelece que todos os litígios, administrativos ou de caráter privado, estão sujeitos à apreciação e a decisão da Justiça comum, ou seja, aquela constituída por juízes e tribunais do Poder Judiciário. Quadra assinalar que, em sede de sistema da unidade da jurisdição – una lex una jurisdictio -, somente os órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões com o caráter de definitividade. Acerca do sistema em comento, inclusive, Pietro já apontou que:

O direito brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário tem o monopólio da função jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos. Afastou, portanto, o sistema de dualidade de jurisdição em que, paralelamente ao Poder Judiciário, existem órgãos do Contencioso Administrativo que exercem, como aquele, função jurisdicional sobre lides de que a Administração Pública seja parte interessada (PIETRO, 2013, p. 816).

Com efeito, mesmo nos casos das raríssimas exceções contempladas pelo Texto Constitucional, conferindo essa função ao Congresso Nacional, não servem para desfigurar o monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário. O fundamento da adoção do sistema da unidade da jurisdição, pelo Brasil, está, com clareza ofuscante, sufragado pelo inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que, em altos alaridos, reza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 2014). O preceito é inteligível, permitindo a interpretação que “nenhuma decisão de qualquer outro Poder que ofenda direito, ou ameace ofendê-lo, pode ser excluída do reexame, com foros de definitividade, por órgãos jurisdicionais” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 932). Em complemento, “cabe ao Poder Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três poderes constitucionais, e, em vislumbrando mácula no ato impugnado, afasta a sua aplicação”, conforme decidido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento Nº. 640.272/DF, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (BRASIL, 2014).

Assim, cuida salientar que a Administração Pública em nenhum momento exerce função jurisdicional, de forma que seus atos sempre serão passíveis de reapreciação pelo Poder Judiciário, em decorrência, repise-se, do preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Os defensores do sistema em análise sustentam que há maior vantagem no que concerne à imparcialidade dos julgamentos, porque o Estado-Administração e o administrado se colocam, a todo

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o momento, em plano jurídico de igualdade, quando seus conflitos de interesse são deduzidos nas ações judiciais. 2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: REVISITANDO A TÁBUA AXIOLÓGICA DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA

Inicialmente, cuida assinalar que o vocábulo princípio tem seu sentido atrelado ao ideário de começo, gênese, ponto de partida de algo. Quadra apontar que uma das maiores preocupações das últimas décadas, em sede de Ciência Jurídica, envolveu a natureza e a relevância dos princípios jurídicos. Após a superação dos debates iniciais, tornou-se inquestionável sua natureza normativa, sendo que os princípios deixaram de ser considerados como propostas de cunho irrelevante, despidas de vinculação. Na lição de Miguel Reale (1999, p. 23), os princípios são definidos por “verdade ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”. Trata-se, em um primeiro contato, de bastiões dotados de proeminência, eis alicerçam o amplo leque de juízos, orientando, pois, o sistema erigido. Em mesma linha de dicção, Paulo Bonavides (2007, p. 256) explicita que os princípios substancializam verdades objetivas, nem sempre inseridas no mundo do ser, senão do dever-ser, na condição de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade. Verifica-se, assim, que aos princípios foi atribuída força normativa, ultrapassando-se o singelo aspecto de sedimento de fundamentação, passando a tremular como flâmula vinculadora do ordenamento jurídico.

Marçal Justen Filho (2011, p. 108-109) assinala que os princípios tem o condão, por vezes, de estabelecer obrigações mais densas e robustas do que as regras, eis que a infringência de um princípio é mais grave do que descumprir uma regra. Tal premissa deriva do ideário que o princípio é uma síntese axiológica, substancializando, por conseguinte, uma síntese axiológica: os valores fundamentais são salvaguardados por meio dos princípios, os quais refletem as decisões essências da Nação. A regra, por seu turno, traduz uma solução concreta e definida, substancializando escolhas instrumentais; os princípios indicam uma escolha axiológica, permitindo a concretização de uma pluralidade de alternativas concretas. Em uma retomada de valores, o Direito passa a gozar de uma robusta consistência e coerência, sendo detentor de uma base concreta as ideologias, os objetivos e as exigências peculiares e caracterizadores da sociedade no qual será aplicado. E, neste cenário de hegemonia axiológica, os princípios, expressos ou não, ascendem a um grau de proeminência singular. “Passam a ser não só o norte de

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toda e qualquer interpretação e aplicação do Direito, servindo de alicerce e moldura do ordenamento jurídico, mas configuram normas jurídicas de aplicação autônoma” (ARAGÃO, 2010, p. 32).

De modo geral, a regra torna válida uma válida uma solução determinada, enquanto o princípio impõe a invalidade de soluções indeterminadas. Em contrapartida, todas as escolhas compatíveis com certo princípio podem ser praticadas – o princípio não fornece solução única, mas propicia um elenco de alternativas, o que exige uma escolha, por ocasião de sua aplicação, por uma dentre as diversas soluções compatíveis com o princípio. A função do princípio reside, basicamente, em excluir a validade das alternativas que sejam contraditórias com os valores nele consagrados [...] (JUSTEN FILHO, 2011, p. 109).

Robert Alexy (2007, p. 86), ao tratar o tema, destaca que os princípios são normas que têm o condão de ordenar que algo seja realizado na maior medida possível, em um cenário de possibilidades jurídicas e reais existentes. Com efeito, há que se reconhecer que os princípios são mandatos de otimização, cujo aspecto caracterizador repousa no sedimento que permite o cumprimento em diferente grau e que a proporção devida de seu cumprimento não apenas reclama as possibilidades reais, mas também as jurídicas. Diante do painel pintado, sobreleva assinala que a tábua principiológica adotada pela Ciência Jurídica usufrui de maciça relevância, notadamente no que concerne ao âmbito administrativo, eis que a atividade administrativa traduz o exercício de poderes-deveres, significando verdadeira vinculação ao fim a ser colimado. “Pode-se dizer, então, que os princípios desempenham função normativa extremamente relevante no tocante ao regime de direito administrativo. Com algum exagero, poder-se-ia afirma que os princípios possuem influência mais significativa no direito administrativo do que no direito privado” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 109).

Tecidos estes comentários, resta patentemente demonstrada a proeminência dos princípios na contemporânea sistemática, sobretudo devido ao tratamento dispensado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim, em que pese o reconhecimento da robusta tábua axiológica consagrada no caput do artigo 37 do Texto Constitucional, compreendendo, de maneira expressa, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o presente se debruça sobre uma cartela peculiar, buscando conceder especial enfoque aos princípios orientadores da justiça

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administrativa113, propondo uma análise da seguinte plêiade de axiomas: legalidade, isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, segurança jurídica e confiança legítima e devido processo legal, este último corolário maior do sistema processual vigente.

2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Cuida ressoar, de início, que o Estado Democrático de Direito tem suas

bases fundamentais alicerçadas sobre uma dicotomia entre a atuação dos particulares e a atuação do Poder Público. No que tange à atuação dos particulares, dotada de ordem permissiva, é norteada pela máxima do que aquilo que a lei não proíbe, é permitido. Aqui, algumas ponderações são bem-vindas. Pode-se destacar, com altos alaridos, que “se denota a pedra fundante do referido mandamento na redação que inaugurou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto dos ideais advindos do Iluminismo” (VERDAN, 2009, s.p.). Ora, o corolário em comento tem suas balizas fincadas em um período pós-revolucionário, no qual se buscou consolidar os direitos essenciais do indivíduo. Sem perder de vista tal ensinamento, o artigo 8º da Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão trouxe à baila que: “Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente publicada” (SÃO PAULO, 2014).

Fato é que os sobreditos postulados tiveram o condão de se desdobrar e produzir consequências no âmbito interno dos países, passando a se irradiar por seus ordenamentos jurídicos, ao tempo em que integravam, de modo claro e robusto, suas Cartas Políticas. No Brasil, por exemplo, “a primeira manifestação de tais ditames foi vislumbrada na Carta Magna de 1824” (VERDAN, 2009, s.p.). Desta feita, é possível verificar que, mesmo se tratando de um período no qual o Estado Brasileiro, quando império, encontrava-se imerso em uma aura de absolutismo e ideários que se contrapunham aos axiomas de democracia e liberdade, o constituinte positivou tal dogma. Destarte, em um ambiente no qual as ideias de concentração de poder na figura de um único indivíduo, o Imperador, tinha pleno aceite, as concepções emanadas pelo Iluminismo permitiram o favorecimento do princípio da legalidade, mesmo que de forma tão tímida e limitada. Nesta senda, a

                                                                                                                         113 Neste sentido: Em sede de exposição de motivos do Projeto de Código Modelo de Processos Administrativos – Judicial e Extrajudicial – para Ibero-América, Ada Pellegrini Grinover et all (2012, p. 04) faz expressa menção aos corolários fundamentais do processo administrativo extrajudicial: “Os princípios fundamentais do processo administrativo extrajudicial foram classificados quanto à sua natureza material ou processual. Os princípios que regem a Administração, na dicção do Projeto, são os da constitucionalidade, convencionalidade, legalidade, moralidade, boa-fé, impessoalidade, publicidade, eficiência, motivação, proporcionalidade, razoabilidade, segurança jurídica e confiança legítima (art. 2o). Além destes, incluem-se como princípios próprios do processo administrativo extrajudicial os da isonomia, contraditório, ampla defesa, razoável duração do processo, oficialidade, verdade material, preclusão administrativa e formalismo moderado (art. 4o)”.

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guisa de exemplificação, pode-se trazer a lume a Constituição Outorgada de 1824, que apresentou essas premissas no artigo 179, sob a égide “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brasileiros”:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. (texto na íntegra) (BRASIL, 2014a).

A partir da década de 1960, progressivamente, é possível verificar o fortalecimento de uma atmosfera marcada pela maciça repressão, decorrente de um regime ditatorial, cujas características mais substanciais estão atreladas ao total desrespeito as instituições basilares de um Estado Democrático. Com realce, cuida salientar que a década de 1960, no cenário pátrio, inaugurou o período de ditadura militar, caracterizado pela supressão de garantias e pelo aviltamento aos direitos essenciais do indivíduo, bem como pelo desrespeito aos aspectos basilares da Tripartição de Poderes. Subsistiu, assim, o ultraje ao cidadão, enquanto ser humano dotado de potencialidades a serem desenvolvidas, as quais foram abreviadas pelo regime ditatorial adotado.

Todavia, com o decorrer das décadas e a insatisfação popular, buscando o estabelecimento da democracia, tal como dos ideários por ela ostentados, a ditadura militar brasileira ruiu, em meados da década de 1980. Em razão de tais fatos, tornou-se imperiosa a construção de uma Carta Política que agasalhasse, em suas linhas, os anseios básicos da população, bem como os valores ultrajados e desrespeitados por um regime ditatorial, resguardando, por consequência, a população da manifestação arbitrária do ente estatal. Desta sorte, o constituinte de 1988, influenciado por tais necessidades, inaugurou uma nova ordem, cujo pavilhão orientador estava alicerçado no garantismo constitucional. Neste sentido, ao adentrar nas linhas da Constituição Cidadã, vislumbra-se que o princípio da legalidade, no que concerne ao particular, foi abarcado no artigo 5°, incisos II e XXXIX, como cláusulas pétreas, elencando tal preceito como Direitos e Garantias Fundamentais. Destarte, urge trazer à tona a redação dos referidos incisos, os quais sustentam:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis) II - ninguém

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será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (omissis) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (BRASIL, 2014b).

Por outra banda, ostentando o reverso desta liberdade restringida pela lei, ao administrador público só lhe é conferida a capacidade para agir em conformidade com os regramentos alinhados pelo próprio povo na Casa Legislativa ou de internos inerentes aos atos administrativos. Consagrado na redação do caput do artigo 37 da Carta de Outubro de 1988, o princípio da legalidade figura, dentro da Administração Pública, como diretriz fundamental, mormente no que concerne aos regramentos de seus agentes. Com efeito, o constituinte desfraldou flâmula orientadora para atuação da Administração Pública, vinculando, via de extensão, o seu comportamento e tomada de decisão em consonância com os baldrames emanados pelo corolário em comento. O mandamento em exame, fruto da evolução política no decorrer de séculos, tem por embrião a criação do Estado de Direito, isto é, o Estado deve respeitar as próprias leis que produz.

Nesta esteira, adotando por preceito as ponderações vertidas até o momento, é possível colocar em destaque que a atividade administrativa, em sua atuação, reclama prévia autorização dos diplomas normativos, pois, caso contrário, materializa atividade ilícita. Ao lado disso, com o escopo de robustecer as ponderações aventadas, é possível evidenciar que “significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 21). Bem se amolda ao esposado a premissa de que a vontade da Administração Pública tem como variante originária o que da lei decorre, ou seja, não se vislumbra uma essência subjetiva, ao contrário tem como ponto de derivação a redação das normas que integram o ordenamento jurídico. “A Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei” (PIETRO, 2013, p. 65). Nesse sentido, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

No Estado de Direito a Administração só pode agir em obediência à lei, esforçada nela e tendo em mira o fiel cumprimento das finalidades assinaladas na ordenação normativa. Como é sabido, o liame que vincula a Administração à lei é mais estrito que o travado entre a lei e o comportamento dos particulares. Com efeito, enquanto na atividade privada pode-se fazer tudo o que não é proibido, na atividade administrativa só se pode fazer o que é permitido. Em outras palavras, não basta a simples relação de não-contradição, posto que, demais disso, exige-se ainda uma relação de subsunção. Vale dizer, para a legitimidade de um ato administrativo é insuficiente o fato de não ser

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ofensivo à lei. Cumpre que seja praticado com embasamento em alguma norma permissiva que lhe sirva de supedâneo (MELLO, 2013, p. 976).

Ora, é patente que a legalidade, enquanto corolário da administração, implica em o administrador público ter sua atuação condicionada aos mandamentos dos diplomas normativos e às exigências do bem comum. Nesta esteira, ainda, não é possível que aquele se afaste ou mesmo desvie de tais preceitos, sob pena de praticar ato eivado de invalidade, tal como se expor a responsabilidade de essência disciplinar, civil e criminal, conforme a situação concreta materializada. “A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da lei 9.784/99” (MEIRELLES, 2012, p. 89). Desta maneira, resta clarividente que, além da atuação em consonância com o contido nos diplomas normativos, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos. No mais, em sede de Administração Pública inexistem liberdade e vontade pessoal.

Neste sentido, inclusive, pode-se frisar, segundo os ensinamentos de Gasparini (2012, p. 61), o princípio da legalidade é a lídima manifestação de estar a Administração Pública, ao exercer sua atividade, atrelada aos postulados insculpidos na lei, não podendo, em hipótese alguma, dela se afastar, pois, caso o faça, a consequência imediata é a invalidade do ato e a responsabilidade do autor. Em aspectos teóricos, pode-se, por fim, gizar que o princípio da legalidade é base de todos os demais princípios que instruem, limitam e vinculam as atividades administrativas, sendo que a Administração só pode atuar conforme a lei. Consoante assentado por Perlingeiro

O princípio da legalidade visa à submissão da Administração ao direito, e a sua previsão nas leis de procedimento administrativo tende a reforçá-lo [...] Ademais, é bom frisar que a Administração deve zelar não apenas pela legalidade ou pela constitucionalidade, mas também pela convencionalidade, e, dessa forma, está autorizada a descumprir a lei ou a norma administrativa, desde que, sem prejuízo do princípio da subordinação hierárquica, represente aos órgãos de controle competentes para a declaração de anticonvencionalidade ou de inconstitucionalidade (PERLINGEIRO, 2012, p. 10).

Cuida salientar, oportunamente, que deverá a Administração Pública operacionalizar, de maneira eficaz, o procedimento atinente à representação, não sendo, porém, justificável omitir-se ou conformar-se com a legislação considerada inconstitucional ou anticonvencional, aguardando, conforme observa Perlingeiro

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(2012, p. 10), a intervenção jurisdicional, quer seja nacional, quer seja internacional. “A autoridade administrativa poderá deixar de cumprir a lei ou o ato que considerar inconstitucional ou anticonvencional, representando ao órgão competente para a declaração de inconstitucionalidade ou de anticonvencionalidade” (GRINOVER et all, 2012, p. 08). Nesta linha, observa-se que o princípio da legalidade configura verdadeira flâmula de vinculação da Administração Pública, incidindo, inclusive, em sede de jurisdição administrativa.

2.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Em um primeiro momento, prima pontuar que o corolário da impessoalidade administrativa, expressamente inserido no caput do artigo 37 da Constituição de 1988, equivale ao princípio da igualdade administrativa e, segundo Ricardo Perlingeiro (2011, p. 106), “não passa de uma especificidade do princípio geral da igualdade previsto no art. 5º, caput, do texto constitucional”. O corolário em apreço preconiza a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. Nessa linha, para que haja verdadeira igualdade administrativa, é imprescindível que a Administração volte-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, consequentemente, o favorecimento de alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Sobre o corolário em análise, Carvalho Filho (2011, p. 19) já afixou que “como a lei em si mesma deve respeitar a isonomia, porque isso a Constituição obriga [...], a função administrativa nela baseada também deverá fazê-lo, sob pena de cometer-se desvio de finalidade, que ocorre quando o administrador se afasta do escopo que lhe deve nortear o comportamento”.

Ao lado disso, o princípio em destaque, também, está previsto na Lei Nº 9.784/1999, devendo, pois, guiar o conteúdo das decisões e dos atos administrativos, não sendo, em decorrência de tal axiologia, permitido o tratamento diferenciado de cidadãos que se encontram em idêntica situação. Ao voltar uma análise para a concreção do princípio da isonomia, em sede de Poder Judiciário, notadamente nas demandas que orbitam causas de direito público, em que esteja em análise o comportamento ou atuação administrativa de alcance geral, a isonomia que deriva da prestação jurisdicional é duplamente necessária, maiormente em decorrência do dever de igualdade a que a Administração Pública, na esfera material e extrajudicial, sempre estava subordinada. “Resvalando inevitavelmente na justiça administrativa, a impessoalidade da Administração é o epicentro de um dos maiores desafios da doutrina e do legislador contemporâneo,

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enquanto determinados à diminuição dos processos judiciais repetitivos em matéria de direito público” (PERLINGEIRO, 2011, p. 106).

Não seria lógico que uma atuação administrativa originariamente dirigida à coletividade, uma vez judicializada, fosse oponível tão somente aos que se dispusessem demandar; o Judiciário não pode ser associado a uma exegese capaz de romper com o princípio da isonomia administrativa. Por outro lado, o princípio da igualdade a ser observado pela Administração não serve de justificativa para negar direitos subjetivos. Realmente, conceder a um cidadão um direito que também poderia ser estendido a todos os que estivessem na mesma situação, sem efetivamente estendê-lo, implode a ideia de igualdade. O erro, porém, está no fato de a Administração não estender esse benefício, e não no fato de o Judiciário reconhecer o direito. (PERLINGEIRO, 2012, p. 11).

Em uma feição mais processual, o corolário da igualdade, também, deve ser invocado na direção de paridade de armas, flâmula do princípio do contraditório, que, neste aspecto, não é materializado com grande clareza nas legislações concernentes aos procedimentos administrativos, a exemplo do que se verifica na justiça administrativa ou no direito processual civil. Mais que isso, consoante Moraes (2012, p. 12), não é permitido ao Poder Judiciário atuar como agente fomentador da estratificação social, pois a Administração Pública está vinculada aos princípios da isonomia e da legalidade. Ao lado disso, cuida salientar que, de acordo com o Código Modelo de Processos Administrativos para Ibero-América, a isonomina da Administração deve ser observada:

Sempre que a questão de fundo de uma pretensão individual estiver relacionada com os efeitos jurídicos de um comportamento administrativo de alcance geral, o desfecho do conflito passará a ser do interesse da coletividade destinatária daquele comportamento e, portanto, a solução deverá advir de uma decisão administrativa, única e com efeitos erga omnes (GRINOVER et all, 2012, p. 09).

Entretanto, concretamente, é possível verificar que, em multiplicidade de situações, a vinculação ora mencionada acaba por ser afastada, em decorrência de expressa determinação emanada pelo Poder Judiciário, notadamente quando profere decisões divergentes, acarretando que administrados, em situações fáticas idênticas, tenham tratamento distinto. Há que se reconhecer, no cenário apresentado, que um dos maiores desafios do direito administrativo

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contemporâneo está relacionado à ausência de uniformidade das decisões de cunho administrativo, no que concerne aos interessados na mesma situação fática, “alimentando a pluralidade de demandas repetitivas, principalmente na esfera jurisdicional, com o potencial de abalar a segurança jurídica” (PERLINGEIRO, 2012, p. 11). Assim, é imprescindível, sobretudo para salvaguardar a segurança jurídica, decisões isonômicas, diante de situações similares, evitando-se, por extensão, as contradições em julgamentos que reúnem os mesmos elementos e desencadeiam pronunciamentos distintos. 2.3 PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

De início, o princípio da razoabilidade preconiza que a Administração, ao atuar no exercício da discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em alinho ao senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que sustentaram a outorga da competência exercida. Insta mencionar, oportunamente, que se pretende colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas as condutas que discreparem da razoabilidade, incoerentes ou praticadas em desacordo às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada, consoante aponta Mello (2013, p. 111). Mister faz-se, ainda, colacionar o entendimento explicitado pelo Supremo Tribunal Administrativo Português, ao julgar o Recurso Jurisdicional Nº JSTA00068476, de relatoria de Dulce Neto:

Sustentar a existência de discricionariedade administrativa perante conceitos indeterminados e a sua insindicabilidade jurisdicional porque existem casos em que pode ser admitido mais do que um ponto de vista razoável ou casos em que pode subsistir uma dúvida ineliminável, é ignorar que o que se deve essencialmente controlar é o plano de justificação normativa que tem de servir de base à actividade de interpretação e integração dos conceitos, é a adequação e a idoneidade do processo de avaliação e valoração escolhido e dos parâmetros utilizados, e é a congruência e a razoabilidade da solução encontrada e da decisão tomada. (PORTUGAL, 2014).

O princípio da proporcionalidade, por seu turno, enuncia que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade correspondente ao que seja, concretamente, demandado para

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cumprimento da finalidade do interesse público a que estão vinculadas. Ao lado disso, “segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência” (MELLO, 2013, p. 113), superando, assim, os limites que naquele caso lhe corresponderiam. Como Perlingeiro aponta (2012, p. 10), apesar de ambos os princípios serem mencionados no artigo 2º da Lei Nº 9.784/1999, apenas o corolário da proporcionalidade foi explicitado, notadamente quando estabelece que é vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas consideradas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, devendo, pois, haver adequação entre meios e fins. Em tom de complemento ao exposto, Pietro, em sua obra, acena no sentido que:

Embora a Lei nº 9.784/99 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas seguindo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto. Com efeito, embora a norma legal deixe um espaço livre para decisão administrativa, segundo critérios de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz no caso concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução [...] Se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado os limites da discricionariedade e o Poder Judiciário poderá corrigir a ilegalidade (PIETRO, 2013, p. 81).

Quadra apontar, oportunamente, que essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado – inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa –, adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, questões pertinentes ao direito administrativo. Ao lado disso, cuida anotar que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são cânones do Estado de

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Direito, bem como regras que tolhem toda ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. Ademais, consoante Piske (2011, s.p.), os preceitos ora mencionados são responsáveis por obstar o próprio alargamento dos pontos limítrofes do Estado, ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, sendo, portanto, dotados de força cogente, no que concerne à sua normatividade e vinculação, inclusive da Administração Pública.

Há que se rememorar que o princípio da proporcionalidade ambiciona inibir e neutralizar o abuso do Poder Público no exercício de suas funções que lhes são inerentes. A partir de tal perspectiva, o postulado em apreço, na condição de categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como parâmetro para aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. “Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável”, consoante já decidiu o Ministro Celso de Mello, ao relatoriar o Habeas Corpus Nº 111.844 (BRASIL, 2014d), prevenindo, assim, a produção, em sede de comportamento institucional, de situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, subversão dos fins que orienta o desempenho da função estatal. Nesta esteira, ainda, é possível salientar que os princípios em comento encontrarão sedimento autorizador de sua incidência, em conjunto com os corolários da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica, notadamente quando se verificar a atuação discricionária da Administração Pública. 2.4 PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA CONFIANÇA LEGÍTIMA

O princípio da segurança jurídica opera como limitante ao poder de autotutela da Administração, eis que o desfazimento dos atos, das normas ou das decisões administrativas, quando inquinados de ilegalidade, mas que tenham produzido efeitos favoráveis aos administrados, reclama processo judicial e deve ocorrer, em uma ótica objetiva, somente dentro de prazo determinado, ressalvada a hipótese de comprovação de má-fé, ou, em uma seara subjetiva, quando não implicar quebra de confiança do interessado na estabilidade do comportamento da Administração. Expressamente incluído no artigo 2º, caput, da Lei Nº 9.784/1999, o corolário em comento buscou vedar a aplicação retroativa da nova interpretação de lei no âmbito da Administração Pública. Pietro aponta que:

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O princípio [da segurança jurídica] se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação em determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera segurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública. Daí a regra que veda a aplicação retroativa (PIETRO, 2013, p. 85).

Nesta esteira, apontar é carecido que o princípio da segurança jurídica não deve ser empregado como obstáculo que impeça a Administração de anular atos praticados com inobservância da lei. Em sobredita situação, prima sublinhar que não se trata de mudança da interpretação, mas sim do reconhecimento da ilegalidade que inquina o ato administrativo, produzindo, em decorrência disso, efeitos retroativos, porquanto atos ilegais não têm o condão de gerar direitos. Consoante anota Perlingeiro (2012, p. 11), em sede de direito administrativo francês, o princípio da segurança jurídica está vinculado aos princípios da irretroatividade e d o respeito aos direitos adquiridos (situações consolidadas legalmente). “Caso haja modificação de uma situação estabilizada, porém ilegal, a Administração francesa concilia os princípios de segurança jurídica com a ‘obrigação de restabelecer uma situação conforme o direito’ e, assim, a decisão administrativa constitutiva de ‘direitos’ contra legem podem ser desfeita, mas desde que dentro de um prazo” (PERLINGEIRO, 2012, p. 11).

Convém, ainda, salientar que o ideário axiológico da segurança jurídica tem estreita relação com a boa-fé, eis que, se a Administração adotou determinada interpretação como a correta e a aplicou a casos concretos, não pode, posteriormente, vir a anular atos anteriores, sob o argumento de que esses foram praticados com arrimo em equivocada interpretação. “Se o administrado teve reconhecido determinado direito com base em interpretação adotada em caráter uniforme para toda a Administração, é evidente que a sua boa-fé deve ser respeitada” (PIETRO, 2013, p. 86). Ora, se a lei deve respeitar o direito adquirido, salta aos olhos que o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por obediência ao princípio da segurança jurídica, é inadmissível que o administrado tenha seus direitos flutuando sabor de interpretações variáveis e oscilantes com o decurso do tempo.

Quanto ao princípio da segurança jurídica, a lei brasileira de procedimento administrativo, passível de críticas, adotou as seguintes regras: 1. Vedação da interpretação retroativa de norma administrativa (art. 2º, XIII); 2. Necessidade de motivação quando não se aplicar

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jurisprudência administrativa ou súmula vinculante (arts. 50, VII, e 64-A); 3. Necessidade de motivação dos atos ou decisões que importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo (art, 50, VIII); 4. Respeito aos direitos adquiridos como condição à revogação dos atos administrativos (art. 53); 5. Decadência de 5 (cinco) anos do poder de anular atos administrativos com efeitos favoráveis, salvo comprovada má-fé (art. 54); 6. Possibilidade de convalidação de atos com defeitos que não acarretem lesão ao interesse público ou a terceiros (art. 55) (PERLINGEIRO, 2011, p. 107-108).

O princípio da confiança legítima, também denominado de princípio da proteção à confiança, por seu turno, está atrelado a uma dimensão subjetiva da boa-fé baseada nos direitos fundamentais, e derivado da segurança jurídica e do Estado de Direito. “Na realidade, o princípio da proteção à confiança leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pela própria Administração e por terceiros” (PIETRO, 2013, p. 87). Cuida assinalar que no direito brasileiro não há previsão expressa do princípio da proteção à confiança, o que não significa que ele não decorra implicitamente do ordenamento jurídico. Nesta toada, o princípio em comento salvaguarda a boa-fé do administrado, ou seja, a confiança que se protege é aquela que o particular deposita na Administração Pública. Ora, há que se reconhecer que o particular confia em que a conduta da Administração esteja correta, de acordo com os ditames legais e axiológicos. 2.5 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

De plano, quadra anotar que o corolário do devido processual legal o

princípio fundamental da ordem jurídica, no que se diga, principalmente e especificamente, ao processo. Importante observar que o princípio do devido processo legal não possui tão somente relação com os princípios já mencionados anteriormente neste artigo, mas também com o princípio da legalidade e da legitimidade. Nesse propósito, Cintra, Dinamarco e Grinover (2010, p. 131), afirma que o devido processo legal é o “Processo devidamente estruturado, mediante o qual se faz presente a legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade”. Nesse mesmo diapasão, cuida transcrever o magistério de Acquaviva (2001, p. 34), em especial quando assevera que o princípio do devido processo legal: “Gera a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam; significa também que o poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos”.

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Baptista (1997, p. 12) registra que “o processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados”. Alvim (1999, p. 64), destaca que um dos exemplos do devido processo legal se encontra suscitado no princípio de que nula poena sine iudicio, ou seja, não há pena sem processo. No ordenamento jurídico, o princípio do devido processo legal está garantido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV, o qual reza que: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 2014b). Para Fredie Didier Júnior (2009, p. 29-30), “o aludido princípio consiste no postulado fundamental do processo, podendo ser aplicado genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e á liberdade. Inclusive na formação de leis”. Destarte, segundo ainda o eminente e considerável processualista:

O devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas, seja na fase pré-contratual, seja na fase executiva, por a Constituição brasileira admitir através de sua “moldura axiológica” a ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não só o Estado como toda a sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 29-30).

Importante destacar que, no entendimento majoritário, o devido processo legal representa um sobreprincípio, supraprincípio ou ainda princípio-base. Ademais, destaca-se que a dilatação das normas das garantias constitucionais processuais, bem como as penais e processuais penais não é um acontecimento somente brasileiro. Com a adoção da Convenção Europeia de Direitos Humanos por diversos países do mundo, ocorreu paralelamente a este fato, o alargamento especial dos direitos e garantias nela apreciados no domínio europeu. Isto é, por meio de uma explanação dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em concordância com o disposto na Convenção da Europa, verifica-se, atualmente, o eficaz aumento da definição dos direitos essenciais e fundamentais previstos constitucionalmente.

Neste mesmo diapasão, é necessário acordar que o artigo 6º, inciso I, da Convenção Européia dos Direitos do Homem, estabelece, dentre outros, o direito a um processo equitativo (o que seria o devido processo legal, mormente, o direito a um processo pisado na celeridade, ou seja, em um prazo aceitável e, que seja analisado, publicamente, por um tribunal ou foro autônomo e imparcial). Jansen, nesse patamar, afirma que:

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É preciso que se diga que o princípio do devido processo legal inicialmente tutelava especial o direito processual penal, mas já se expandiu para processual civil e até para o administrativo. Em uma nova fase, invade a seara do direito material (JANSEN, 2014, s.p.).

Há que se reconhecer que o devido processo legal, na condição de pilar robusto do sistema processual, compreendendo a esfera judicial e a órbita extrajudicial, reclama a imperiosa observância, já que encerra em seu âmago plural leque de princípios e corolários que norteiam a marcha processual, assegurando um desenvolvimento garantista e voltado para a busca da verdade real, sem que isso implique em desatendimento das estruturas axiológicas consagradas. José Afonso da Silva frisa, também, que:

O principio do devido processo legal combinado com o direito de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Assim, garante-se o processo com as formas instrumentais adequadas, de forma que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um, o que é seu (SILVA, 2005, p. 431-432).

Anelada a estes entendimentos, destaca-se que o referido princípio é constitucionalmente aninhado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que através da limitação da atuação do Poder Estatal, visa a tutelar os bens maiores dos cidadãos, tais sendo vida, liberdade e propriedade. As ações estatais (jurisdicionais, legislativas ou administrativas) serão legítimas se implementadas sem atingir ou malferir arbitrariamente estes bens jurídicos mais essenciais do homem. Desta forma, legislador, administrador e julgador são dotados de poderes confinados pela exigência de respeito a esses valores fundamentais, e qualquer transgressão abusiva a estes limites, configura-se como violação à garantia do devido processo legal.

Reveste-se o dwe process of law da qualidade de postulado fundamental do Estado Democrático de Direito, que funde, agrega, sedimenta em seu conceito, de forma harmônica, os mais variados princípios constitucionais – como o direito a um procedimento ordenado, ao contraditório, à ampla defesa, ao juiz natural, à razoabilidade/proporcionalidade, à igualdade, à publicidade etc., todos eles oponíveis aos diferentes Poderes do Estado. E é a concretização deste princípio-síntese (due process of law) que assegura ao homem o amplo acesso a uma ordem jurídica justa.

Nota-se que ele é um amálgama, e não mera justaposição, de princípios. Justamente por ser a síntese, enquanto em determinadas situações um dos

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princípios cede passo em favor de outro, pode dizer-se que o devido processo legal sempre é aplicável em sua inteireza. Pode-se, ainda, dizer que o referido princípio é uma instituição jurídica provinda do direito-anglo-saxão e, portanto, de um sistema diverso das tradições romanas ou romano-germanas, quais os ibéricos e francês, por exemplo), no qual algum ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei, sendo ele originado na primeira constituição, conforme mencionado anteriormente.

Já no preceito de cunho constitucional, o corolário em comento adapta-se como garantia não somente pessoal, mas também coletiva, extravasando a esfera de abrangência original e adaptando-se aos diversos ramos do direito, podendo avançar também como o próprio poder legislativo do Estado, como uma restrição imposta ao próprio ato de se fazer uma lei, podendo então ser denominado como devido processo legislativo. Desta forma, verifica-se que o Princípio do Devido Processo Legal é miscigenado por diversas ramificações que possuem o condão de garantir aos cidadãos um procedimento judicial justo, eficaz e com direito de justificação, carecendo o Juiz estar submisso às características processuais e materiais deste princípio, conforme será exposto.

3 O SISTEMA DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA NO BRASIL: OS DESAFIOS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TÁBUA PRINCIPIOLÓGICA

É fato que, em decorrência de um sistema de jurisdição una, expressado consagrado no Texto Constitucional, no qual estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Insta rememoras que aludida modalidade de jurisdição estabelece que todos os litígios, administrativos ou de caráter privado, estão sujeitos à apreciação e a decisão da Justiça comum, ou seja, aquela constituída por juízes e tribunais do Poder Judiciário. Insta anotar que, em sede de sistema da unidade da jurisdição – una lex una jurisdictio -, somente os órgãos que compõem a estrutura do Poder Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões com o caráter de definitividade. Está-se, assim, diante de um cenário em que se pode afirmar que o direito administrativo brasileiro possui dois grandes desafios em matéria de procedimentos administrativos. “Tratam-se dos princípios de direito material, da igualdade e da segurança jurídica, que, quando mal concretizados, podem pôr em xeque a finalidade dos procedimentos administrativos”, conforme estabelecido por Perlingeiro (2011, p. 114).

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A respeito da jurisdição administrativa, mais importante do que conceber uma estrutura judiciária autônoma é acolher princípios e regras que compatibilizem o interesse público com o interesse privado na formação de decisões sobre atuações administrativas, individuais ou gerais, inclusive atos políticos ou de governo, editados por quaisquer dos poderes do Estado ou por particulares no exercício dessas atuações (GRINOVER et all, 2012, p. 06)

A primeira questão é referente à extensão erga omnes dos efeitos favoráveis das decisões e pronunciamentos administrativos. Ora, se por um lado, os procedimentos administrativos visam legitimar a atuação administrativa, por meio de prévia oportunidade de participação efetiva dos interessados - substancializado pelos direitos de petição, de ampla defesa e de contraditório -, por outro lado, não seria adequado que aqueles que optassem pela via ora supramencionada fossem os únicos beneficiados pelo pronunciamento administrativo, sobretudo quando se verifica que existem outras pessoas diante das mesmas situações de fato e de direito. Com efeito, insta anotar, oportunamente, que tal situação compreende aqueles que poderiam ser beneficiados pelo pronunciamento administrativo e não as pessoas cujo direito possa ser tangido pela decisão.

Ninguém duvida que a Administração esteja submetida ao princípio da igualdade. Mas então, por que também continuamos a permitir que interpretações diferenciadas da ordem jurídica possam resultar decisões administrativas conflitantes? Por que exigir das pessoas procedimentos administrativos para obter direitos subjetivos que já tenham sido concedidos pela Administração a outros em idênticas condições? Não deve a Administração agir de ofício? (PERLINGEIRO, 2011, p. 115).

Nesta linha, o problema repousa na premissa quando as pretensões são individuais somente na aparência estrutural. Entretanto, a questão de fundo de uma pretensão individual estiver relacionada com os efeitos jurídicos de um comportamento administrativo que permite um alcance geral. Verifica-se, concretamente, que o desfecho do conflito, em decorrência da identidade da questão de fundo, passará a ser do interesse da coletividade destinatária daquele comportamento e, portanto, a solução produzida deverá advir de uma decisão administrativa, única e com efeitos erga omnes. Nesta linha, cuida anotar que não se trata de permitir a participação popular no procedimento administrativo de elaboração dos atos administrativos com efeitos gerais, mas sim no estabelecimento de instrumentos procedimentos concernentes às pretensões que tenham origem controvérsias associadas com os efeitos concretos de atos gerais,

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de normas administrativas ou da própria lei. A ausência de norma legislativa competente para a proteção dos interesses

coletivos nos procedimentos administrativos leva a outra situação considerada mais grave, eis que ocasiona processos repetitivos na justiça administrativa, causando a ocorrência de um acervo processual que não consegue receber vazão, sendo estruturados instrumentos apenas para tentar auxiliar na diminuição. Em que pese a problemática existente, é possível afirmar que a solução para tal questão reside na possibilidade da Administração estender, de maneira automática e uniforme, os efeitos favoráveis de uma decisão que tenha reconhecido o interesse coletivo, ainda que incidentalmente, a todos os procedimentos que se encontrarem na mesma situação de fato e de direito, mesmo que não estejam representados no procedimento administrativo. Com efeito, cuida reconhecer que tal perspectiva encontra-se intimamente associada ao ideário de expurgar, da própria Administração, a tolerância de decisões discrepantes, sendo imprescindível, conforme Perlingeiro (2011, p. 117) observa, a reestruturação das competências administrativas.

A segunda problemática identificada faz menção à boa-fé como um dos elementos preponderantes para a segurança jurídica, maiormente em sede das demandas envolvendo a Administração. Pietro (2013, p. 88) explicita que “o princípio da boa-fé abrange um aspecto objetivo, que diz respeito à conduta leal, honesta, e um aspecto subjetivo, que diz respeito à crença do sujeito de que está agindo corretamente”. Em sede da Lei Nº 9.784/1999, convém destacar que a legislação sequer sublinha a possibilidade da instrumentalização da ampla defesa ou do contraditório, na condição de cânones do devido processo legal, em procedimento administrativo. Tal fato deriva da premissa que a convalidação do ato inválido não depende apenas do reconhecimento da boa-fé, mas sim essa associada ao transcurso do lapso temporal de cinco anos, o que, nos dizeres de Ricardo Perlingeiro (2011, p. 118), “é demasiadamente extenso e, por si só, contrário à ideia de segurança ou confiança legítima”.

O artigo 54 da Lei nº 9.784/99 agasalhou uma hipótese em que é possível a aplicação dos três princípios [segurança jurídica, proteção à confiança e boa-fé], quando estabelece que “o direito da Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. Trata-se de mais uma hipótese em que o legislador, em detrimento do princípio da legalidade, prestigiou outros valores, como o da segurança jurídica, nos aspectos objetivo e subjetivo; também prestigiou o princípio da boa-fé quando, na parte

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final do dispositivo, ressalvou a hipótese de ocorrência de má-fé (PIETRO, 2013, p. 89).

Com efeito, a crítica descansa na premissa que a boa-fé empregada para convalidar atos administrativos inválidos, com efeitos favoráveis, logra êxito apenas após o transcurso do período de cinco anos. Ora, com bastante pertinência, em suas exposições, Perlingeiro (2011, p. 118-119) indaga-se como admitir segurança jurídica em um cenário que a Administração Pública conta com o prazo de cinco anos para invalidar um ato administrativo, aparentemente legal, mesmo quando o administrado têm direitos consolidados e está calcado na boa-fé? Ora, o transcorrer do lapso temporal não se apresenta como o único elemento a ser considerado pelo princípio da segurança jurídica, razão pela qual deveria ser considerado independente do corolário da boa-fé, para fins de convalidação dos atos administrativos inválidos. Inclusive, sobre a questão posta em análise, o Supremo Tribunal Federal já assentou, ao julgar a Ação Cível Originária Nº 79, de relatoria do Ministro Cézar Peluso, que:

Ora, assim como no direito alemão, francês, espanhol e italiano, o ordenamento brasileiro revela, na expressão de sua unidade sistemática, e, na sua aplicação, vem reverenciando os princípios ou subprincípios conexos da segurança jurídica e da proteção da confiança, sob a compreensão de que nem sempre se assentam, exclusivamente, na observância da pura legalidade ou das regras stricto sensu. Isto significa que situações de fato, quando perdurem por largo tempo, sobretudo se oriundas de atos administrativos, que guardam presunção e aparência de legitimidade, devem estimadas com cautela quanto à regularidade e eficácia jurídicas, até porque, enquanto a segurança é fundamento quase axiomático, perceptível do ângulo geral e abstrato, a confiança, que diz com a subjetividade, só é passível de avaliação perante a concretude das circunstâncias. A fonte do princípio da proteção da confiança está, aí, na boa-fé do particular, como norma de conduta, e, em consequência, na ratio iuris da coibição do venire contra factum proprium, tudo o que implica vinculação jurídica da Administração Pública às suas próprias práticas, ainda quando ilegais na origem. O Estado de Direito é sobremodo Estado de confiança. E a boa-fé e a confiança dão novo alcance e significado ao princípio tradicional da segurança jurídica, em contexto que, faz muito, abrange, em especial, as posturas e os atos administrativos, como o adverte a doutrina, relevando a importância decisiva da ponderação dos valores da legalidade e da segurança, como critério epistemológico e hermenêutico destinado a realizar, historicamente, a ideia suprema da justiça [...] (BRASIL, 2014d, p. 07-08).

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Nesta premissa, a segurança jurídica consagraria, sobremaneira, a estabilidade ao beneficiário (destinatário ou terceiro) do ato administrativo a ser desfeito, compreendendo tal vocábulo tanto a revogação quanto a anulação, decorrente da boa-fé depositada por aquele, independente do cômputo ou do aperfeiçoamento do prazo. Nesta linha de dicção, o contraditório e a ampla defesa, em um procedimento ou processo destinado ao desfazimento do ato favorável, teriam por escopo aferir a presença de boa-fé, nestas circunstâncias, culminaria na preservação da situação ou, caso não conveniente ao interesse público, à apuração de perdas e danos, como já sublinhou Perlingeiro (2011, p. 119). “A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão [...] representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio” (BRASIL, 2014d), consoante voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, em sede de Mandado de Segurança Nº 26.117/DF Em tom de complemento, é possível transcrever, oportunamente, as ponderações apresentadas no voto da Ministra Cármem Lúcia, em sede de julgamento da Ação Cível Originária Nº 79, em especial quando aponta que:

Entretanto, como é próprio do Direito Administrativo, e isto desde muito tempo, a circunstância de haver mesmo atos ilegais, por exemplo, um funcionário, o chamado de fato, que entra ilegalmente, pratica atos, convalidam-se esses atos, porque os terceiros de boa-fé não podem ser aqueles que respondem exatamente por essas consequências. (BRASIL, 2014d, p. 74).

Em que pese a solução clara que ofusca os olhos, convém mencionar que havendo a boa-fé, deverão os direitos subjetivos ser preservados, convalidando-se o ato administrativo inválido ou, ainda, em observância ao interesse público, promovendo-se uma reparação econômica em favor do cidadão. Inexistindo boa-fé, o transcurso do lapso temporal, cujo cômputo se inicia a partir do conhecimento da invalidade, pode ser considerado, para o mesmo fito de convalidação, excepcionadas as hipóteses de fraude e corrupção. Assim, não cabe interpretação administrativa inovadora da lei com efeitos retroativos, orientados à promoção da restrição ou da negação de direitos subjetivos que tenham sido constituídos anteriormente. Desta feita, não cabe interpretação em detrimento de efeitos favoráveis de fatos ocorridos, quando situações jurídicas idênticas eram reconhecidas pela Administração.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De início, cuida anotar que o sistema de jurisdição unificada, expressamente adotado pelo Texto Constitucional, incumbindo ao Poder Judiciário à apreciação e a resolução das lesões e ameaças de direito, emanando pronunciamentos, o que contribui, de maneira direta, em decorrência do sistema processual vigente, no congestionamento e na morosidade da marcha processual, qualificando, assim, o descontentamento da população jurisdicionada. Conforme dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, as causas originárias da relação jurídica de direito público representam maioria em tramitação no Poder Judiciário nacional, o que, imperiosamente, reclama a necessidade de aperfeiçoamento dos procedimentos para uma diminuição das demandas envolvendo tais assuntos.

Assim, melhor seria se o sistema brasileiro contivesse uma tábua estruturada dos princípios elementares da justiça administrativa, que, efetivamente, mantém com os procedimentos administrativos uma inevitável relação de dependência. Ora, há que se anotar que a efetividade ou a ausência de efetividade no procedimento administrativo produz efeito diretamente na justiça administrativa. Mais que isso, não se pode olvidar que o impacto dessas questões resulta na emergência de uma estruturação processual peculiar para atender as necessidades de oferecer respostas a uma espécie diferenciada de litígio, apartada daqueles tradicionalmente abarcados no processo civil. REFERÊNCIA:

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A MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA EM UM CENÁRIO JURÍDICO CAÓTICO: ANÁLISE CONCRETA DO LEGADO DO PROGRAMA “BALCÃO DE DIREITOS” NAS COMUNIDADES DO RIO DE JANEIRO

SILVA, Daniela Juliano114 RANGEL, Tauã Lima Verdan 115 VALADARES, Diego Boher116

Resumo: Em um cenário jurídico caótico, devido ao engessamento do Poder Judiciário, é possível colocar em destaque que a mediação comunitária apresenta-se como um instrumento robusto que objetiva, por meio da construção e fortalecimento do diálogo e da reflexão, a conjugação de esforços para a resolução dos conflitos, de maneira que a decisão tomada satisfaça ambas as partes. Com destaque, a solução para os conflitos e dissensos surgidos em comunidades está estruturada na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais as partes aprendem possibilidades de se expressar. Verifica-se que há uma paulatina desconstrução do ideário alicerçado na cultura ganhador-perdedor que subsiste no sistema tradicional judiciário, passando, em substituição, florescer uma abordagem pautada na cooperação entre as partes envolvidas.

Palavras-chave: Mediação Comunitária. Participação Social. Solução Amigável. 1 COMENTÁRIOS À PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS COMUNIDADES: A CONCREÇÃO DO IDEÁRIOS DE DEMOCRACIA

Em Seminário sobre o “Federalismo e o fortalecimento do poder local”,

André Franco Monteiro destacou que “tudo aquilo que puder ser feito pela própria sociedade deve ser feito por ela, quando ela não puder fazer, o Estado interfere, mas não se trata de um Estado mínimo ou máximo, mas sim do Estado necessário” (MONTORO, 2002). A partir do excerto colacionado, é perceptível o ponto nodal do tema colocado em reflexão orbita em torno da perspectiva de um Estado mediado, que se encontra em um meio termo, conciliando aspectos de um ente absenteísta e                                                                                                                          114 Bolsista CAPES. Mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. 115 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”. 116 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense.

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um ente interventor, abarcando um povo que se coloca na condição de ator e responsável pela realidade que o cerca. Neste cenário, é denotável a construção de um fenômeno pautado no fortalecimento da sociedade civil, consolidando, via de extensão, a responsabilidade na materialização do bem comum, apresentando, como meta, a efetivação de uma democracia possível por meio da concretização do ideário da dignidade da pessoa humana e o reconhecimento de valores como a solidariedade e a participação popular.

Desta feita, destacar faz-se que as comunidades que frutificam à margem dos centros urbanos oficiais, a exemplo de assentamentos e favelas, viabilizam aos seus moradores a substancialização de uma identidade comunitária, dotada de aspectos singulares, na qual cada um dos seus componentes humanos “têm voz e vez podem colocar em ação suas iniciativas, desenvolvem sua criatividade, mas seu ser não se esgota nelas mesmas: elas se completam na medida em que se tornam um ‘ser para’” (GUARESCHI, 2009, p. 96), de maneira a exercitar sua plena vocação na condição de animal político e social. Apesar de subsistir um cenário imerso em um período temporal dotado de intensa judicialização da política e de ativismo, na qual o magistrado não é simplesmente la bouche de la loi, ao contrário do que acontecia em períodos pretéritos, agindo ativamente diante das mazelas e das falhas das instituições, é forçoso reconhecer que esse ativismo, objeto também de profundas críticas, não é capaz, por si só, de solucionar o sucedâneo de necessidades e emergências que surgem a cada dia na realidade de cada comunidade. Neste passo, como bem salientou Aléxis Tocqueville:

[...] um poder central, por mais que se possa imaginá-lo civil e sábio, não pode abranger sozinho todos os detalhes da vida de um grande povo, não pode, porque um trabalho assim supera as forças humanas. Quando quer criar e fazer funcionar, apenas com as suas forças, tantos elementos diferentes, ou contenta-se com um resultado muito incompleto, ou esgota-se em esforços inúteis (TOCQUEVILLE, 1963, p. 29).

Na órbita do Poder Judiciário, os óbices edificados a seu acesso são notáveis, essencialmente quando os litigantes são aqueles menos favorecidos, o que impulsiona o desenvolvimento e a consolidação de novos mecanismos para colocar termo as controvérsias. Neste contexto, denota-se que a mediação comunitária frutifica, como força pulsante, na solução de controvérsias, mecanismo alternativo que busca conferir legitimação e dignidade às populações desprovidas de condições basilares para a concreção de suas potencialidades. Ultrapassando a realidade de que a maioria desconhece seus direitos (e deveres) e que o processo judicial é fundamental dispendioso, é fato que, proporcionalmente, a situação

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concreta tende a se agrava aos mais pobres, como bem assinala Boaventura de Souza Santos (1985, p. 167). Desta feita, a mediação comunitária passa a se fortalecer, eis que preserva as relações socioafetivas, avaliando o indivíduo como responsável por suas próprias ações, inclusive como “capaz de solucionar seus problemas, atuando como sujeito de seu destino, desperta a mediação nos que a ela recorrem a consciência de seu papel de ator social” (MOREIRA, 2007, p. 212). Neste passo, destacar é necessário que a mediação, ao preservar o respeito à dignidade do indivíduo, resgata, em sua clientela, o sentimento de cidadania que nela se encontra dormente.

Tecidos estes comentários introdutórios, passa-se a analisar questões pontuais da temática a ser abordada. Daí, por certa, uma reflexão quanto à mediação comunitária como axioma de efetivação da Democracia Participativa, lançando-se, por fim, um olhar sobre a realidade da mediação comunitária no Brasil, notadamente a desenvolvida nas comunidades do Rio de Janeiro, por meio do projeto “Balcão de Direitos”, trazendo uma abordagem mais empírica, pontuando as experiências que tendem a reforçar os contornos de uma sociedade civil responsável e democrática.

2 A EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA POR MEIO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: O FORTALECIMENTO DOS VALORES DE COOPERAÇÃO EM DETRIMENTO DA CULTURA BELIGERANTE PROCESSUAL

Contemporaneamente, o Brasil vivencia um acentuado cenário de conflitos

socais que se estendem por distintos segmentos, fomentada, em especial, pela dogmática constitucional de acesso à justiça. Verifica-se, desta sorte, uma generalização de conflitos que se desenvolve em razão do estresse característico da contemporaneidade, conjugado com a ausência de mecanismos eficientes na resolução de conflitos, de maneira extrajudicial, e que permita a manutenção das relações continuadas. “Áreas urbanas e rurais, bairros de diferentes classes e também escolas estão sendo palco de agressões físicas e psicológicas quase diárias, gerando uma sensação de insegurança e revolta na população do país” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 282). Com efeito, tal fato deriva da erosão e desvirtuação das instituições sociais que são responsáveis pelo desenvolvimento dos cidadãos e pela manutenção da segurança dos indivíduos. Nesta esteira, é comum destacar que a família, a escola e os órgãos e de segurança pública, entre outras tradicionais instituições sociais, estão falhando no cumprimento de suas funções. É denotável, assim, que, nas últimas décadas, houve uma progressiva deterioração da estrutura que fundamenta a sociedade brasileira, agravada em decorrência da

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distorção de valores e costumes adotados, tal como influenciado, sobremaneira, pelo ritmo frenético que emoldura a vida contemporânea, notadamente nos grandes centros urbanos.

Especialmente nas grandes metrópoles, a difícil crise vivenciada pelos poderes judiciais locais, a crescente heterogeneidade sócio-cultural, a especialização da divisão do trabalho, a diversificação e fragmentação de papéis sociais, e os problemas e dificuldades de acesso das camadas populares a bens materiais e imateriais valorizados no âmbito da sociedade abrangente, são fatos que favorecem a noção de complexidade do mundo contemporâneo. Constata-se uma significativa mudança nos padrões “tradicionais” relativos aos valores e crenças, que se deslocam em busca de adequação a um novo establishment. A valorização do indivíduo encontra um papel determinante não só na dimensão econômica, como também na dimensão interna da subjetividade. O trânsito entre mundos sócio-culturais distintos favorece os inúmeros choques de valores e interesses, demandando a utilização de novos padrões de comportamento e comunicação, em cujo cenário a “negociação” é a fonte primária dos interrelacionamentos (entre partes e organizações) (MENDONÇA, 2006, p. 31).

Em decorrência da massificação da judicialização dos conflitos e o ativismo proporcionado pela população, propiciada, sobremodo, pela doutrina de amplo acesso à justiça, consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, elencado, inclusive, no rol de direitos e garantias fundamentais, desencadeiam o engessamento do Poder Judiciário que, devido ao vultoso número de demandas aforadas diariamente, bem assim a ausência de recursos humanos suficientes e um sistema processualista desarmonioso com a realidade no qual se encontra inserto, apresentando, inclusive, aspectos anacrônicos e obsoletos, não alcança êxito em uma de suas funções estruturantes, a saber: a pacificação social por meio da resolução dos conflitos. Como bem assinala Morais e Spengler (2008, p. 54), “o conflito transforma o individuo, seja em sua relação um com o outro, ou na relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfiguradas e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras”. Dado este cenário caótico, pontuado pelo desgaste das partes processuais e o agravamento do conflito tornam-se uma constante, pareado com a necessidade de construção de uma cultura alicerçada no diálogo entre os indivíduos, em especial nas comunidades é possível observar, notadamente nas últimas três décadas, a implantação de projetos que buscam privilegiar a mediação de conflitos, sendo empregado como instrumento que “objetiva não apenas auxiliar a boa resolução de litígios entre as

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partes envolvidas, mas bem administrar as relações existentes, para que as pessoas mantenham seus vínculos afetivos e possam construir uma sociedade fundada numa cultura de paz” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 290.).

Quadra salientar, deste modo, que uma sociedade democrática ostenta característicos que primam pela constituição de cidadãos aptos a solucionar, com habilidade e competência, problemas e embates sociais, proveniente do convívio direto com outros indivíduos, em especial quando o fenômeno judicializante que vigora no Brasil obsta a pacificação social e a manutenção dos laços de convivência contínua, estando voltado para o julgamento mecânico das lides e atendimento de metas. Ao lado disso, é verificável que mencionada capacidade deflui da estruturação de uma educação fundada no desenvolvimento da acepção estrutural de cidadão, maiormente no que se refere à sua condição de integrante da idade pública, e por meio da prática cotidiana de participação livre e experiente da cidadania. “Participação e cidadania são conceitos interligados e referem-se à apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino” (NASCIMENTO, 2010). É verificável, assim, que ambos os aspectos encontram-se umbilicalmente associado, posto que a cidadania só alcança êxito em sua materialização na presença de uma robusta participação social encarada como ação coletiva e o exercício coletivo, voluntário e conquistado.

Nesta linha de análise, a edificação de uma vivência democrática, caracterizada por uma substancial transparência, vindica uma gestão que esteja firmada na inclusão da comunidade em geral, garantindo, por consequência, a igualdade de participação, assim como possibilitar a expressão das ideias que sejam passíveis de serem discutidas e apreciadas em momento de deliberação coletiva. É imprescindível, deste modo, o exercício da comunicação, uma vez que, quando os indivíduos passam a usufruir de oportunidades plenas de interagir, debater e deliberar acerca dos problemas concretos que a comunidade apresenta em sua vida cotidiana, possível faz-se o desenvolvimento da capacidade de lidar com estes problemas, tal como convergir esforços e empenho para a resolução. Não é possível olvidar, ao lado disso, que em um procedimento dotado de liberdade e autocorretivo de comunicação, o surgimento de conflitos entre os indivíduos é algo inevitável, inerente às relações interpessoais, em especial devido ao fato que cada indivíduo apresenta um modo singular de analisar as necessidades, fins e consequências, bem como tolerar distintos níveis de desgaste. Há que se destacar que a solução para mencionados conflitos encontra descanso na cooperação amigável, sendo que as controvérsias devem ser convertidas em empreendimentos cooperativos, nos quais os envolvidos aprendem mecanismos para externar sua manifestação, fortalecendo o diálogo.

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Nesta trilha, a gestão democrática e participativa de conflitos reclama o desenvolvimento de uma visão na qual cada espaço constitui um elo para a resolução das pendências e colisões de interesses dos envolvidos e os demais integrantes da comunidade, sendo necessária a participação e o envolvimento de todos nesse procedimento. Em um primeiro momento, é possível realçar que a mediação consiste em um procedimento alicerçado na resolução consensual de conflitos por meio do qual um terceiro indivíduo, imparcial e capacitado, escolhido ou aceito pelas partes, atua para encorajar e facilitar a resolução do conflito existente. Ao contrário do que ocorre no procedimento contencioso, no qual um terceiro afixa por meio do provimento jurisdicional (sentença) sua decisão, a mediação comporta e incentiva a construção de uma decisão pautada na justaposição de interesses dos envolvidos, consistindo na confluência de diálogo dos mediados. “Na medida em que a mediação capacita as pessoas no sentido da comunicação pacífica e do diálogo, estimulando o estabelecimento de parcerias e de redes de colaboração em torno de objetivos comuns” (MOREIRA, 2007, p. 101), exercendo uma função educativa que orienta o caminho de práticas democráticas coletivas responsáveis.

A mediação de conflitos vai ao encontro dessa expectativa, pois trabalha no sentido de envolver os participantes em todas as fases do seu procedimento; nela, as próprias partes constroem, mediante o diálogo, as melhores alternativas para solucionar o problema, o que proporciona um sentimento de inclusão e responsabilidade sobre as decisões tomadas e, consequentemente, no cumprimento dos pontos acordados (MOREIRA, 2007, p. 103-104).

Nesta esteira, sobreleva explicitar que os mediados estruturam a decisão de maneira que os satisfaça, sendo resultante da convergência das vontades externadas por ambos os envolvidos, estando, desta maneira, sensível às particularidades e nuances que emolduram a situação concreta. Assim, é verificável que há a desconstrução da ideologia beligerante do ganhador-perdedor que emoldura o sistema tradicional judiciário, florescendo, em seu lugar, uma abordagem alicerçada na cooperação entre as partes envolvidas e não na competição processual. É observável, neste cenário, que a mediação se apresenta como um instrumento de solução de litígios, empregado pelas próprias partes que, impelidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. Ora, as soluções alcançadas a partir da mediação são mutuamente satisfatórias, uma vez que têm seu nascedouro no consenso surgido a partir do estabelecimento da cooperação entre as partes, que vivenciam o problema e são

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capazes de indicar as sendas mais adequadas para uma solução que objetive preservar os relacionamentos afetivos e restabeleça a harmonia perdida. Deve-se destacar, ainda, que “a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e o desenrolar do mesmo é feito com base na consensualidade, pois só assim se alcançam soluções que servem os interesses de ambas as partes” (RIOS, 2005, p. 11).

Na mediação, procura-se evidenciar que o conflito é natural, inerente aos seres humanos. O conflito e a insatisfação tornam-se necessários para o aprimoramento das relações interpessoais e sociais. O que se reflete como algo bom ou ruim para as pessoas é a administração do conflito. Se for bem administrado, ou seja, se as pessoas conversarem pacificamente ou procurarem a ajuda de uma terceira pessoa para que as auxilie nesse diálogo, será o conflito bem administrado. Se as pessoas, por outro lado, agredirem-se física ou moralmente, ou não conversarem, causando prejuízo para ambas, o conflito terá sido mal administrado. Assim, não é o conflito que é ruim; pelo contrário, ele é necessário, a sua boa ou má administração é que será positiva ou negativa. A premissa de que o conflito é algo importante para a formação do indivíduo e da coletividade faz com que as posturas antagônicas deixem de ser interpretadas como algo eminentemente mau para se tornar algo comum na vida de qualquer ser humano que vive em sociedade. Quando se percebe que um impasse pode ser um momento de reflexão e, em consequência, de transformação, torna-se algo positivo (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 291.).

A mediação comunitária, nesta perspectiva, subtrai do conflito o seu aspecto negativo, conferindo-lhe um significado positivo, natural e imprescindível para a lapidação das relações, tal como a sua boa administração representa o percurso para o entendimento e para o restabelecimento da pacificação entre as partes. Em decorrência de seus aspectos característicos, a mediação apresenta-se como um mecanismo de solução adequado a conflitos que abordem relações continuadas, aquelas que são mantidas apesar do problema existente. Nessa espécie de conflitos encontra-se as maiores dificuldades para a edificação do diálogo e da comunicação, em decorrência da intensidade dos sentimentos envolvidos e da proximidade existente entre as partes, o que, por vezes, configura maciço obstáculo à reflexão. “A mediação conduz a um determinado grau de democratização, equivalente à realização de cidadania plena alcançada por quem dela participa, ao passo em que gere cidadãos ativos que compartilham efetivamente da vida social de sua comunidade” (NASCIMENTO, 2010).

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3 A MEDIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA CIDADANIA EM UM CENÁRIO JURÍDICO CAÓTICO: ANÁLISE CONCRETA DO LEGADO DO PROGRAMA “BALCÃO DE DIREITOS” NAS COMUNIDADES DO RIO DE JANEIRO

Sensível às ponderações explicitadas acima, destacar faz-se carecido que,

em sede de mediação, prevalece uma cautela, por parte do mediador, de privilegiar a facilitação de diálogo entre os mediados, de maneira a materializar a comunicação pacífica e a discussão construtiva acerca dos conflitos. Ao lado disso, não é possível suprimir que “o ato de conversar (ou seja, não somente falar, mas também ouvir) e de poder olhar o problema de novas maneiras ajuda as pessoas a encontrarem, juntas, os melhores caminhos para a solução de seus conflitos” (BRASIL, 2008, p. 16). Assim, é possível aludir que a solução extrajudicial de conflitos apresenta-se dentre os principais objetivos adotados para o procedimento em destaque. Contudo, há que se assinalar, apesar da maciça importância que emoldura o escopo supramencionado, esse não deve ser o exclusivo objetivo a ser perseguido pela forma de solução extrajudicial de conflitos em análise; ao contrário, outros fitos da mediação devem receber especial enfoque, notadamente a má administração dos conflitos, o que permite a adoção do tratamento adequado para o problema e a manutenção dos liames afetivos existentes entre as partes envolvidas, assim como a busca pela inclusão e a pacificação social.

Nesta trilha, é observável, de maneira reiterada, que a mediação apresenta-se como instrumento eficaz para a promoção do diálogo entre as partes envolvidas, contando com o auxílio e a participação da comunidade, a fim de que haja conjunção de esforços para superar o sucedâneo de conflitos existentes. Do mesmo modo, é possível destacar que a mediação possibilita a afirmação dos valores estruturantes da democracia participativa, eis que desperta, no cidadão, a necessidade de um papel ativo na sociedade, com o escopo de materializar uma mudança de cultura e paradigmas adotados. “Busca-se trabalhar a mediação como instrumento de promoção da paz social e de diminuição da violência. Assim, a paz social é entendida como algo que vai além da inexistência de violência física e moral” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 291), privilegiando, desta sorte, a necessidade de concreção dos direitos fundamentais. Além disso, a edificação de um diálogo entre os envolvidos e a pacificação social não são materializadas em comunidades em que é verificável a ausência de condições mínimas de sobrevivência, caracterizadas pela fome, elevados índices de desemprego, indivíduos realizando trabalhos forçados ou mesmo em condição análoga à de escravidão, maciça exploração sexual infantil, carência de moradias dignas, baixos níveis de educação e saúde, além de outras mazelas sociais que interferem, de

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maneira direta, no desenvolvimento harmônico e sustentável da sociedade, afetando, inclusive, na paz social. Neste sentido:

A mediação comunitária representa a coesão e a solidariedade sociais desejando a efetividade das chamadas democracias de alta intensidade. A mediação comunitária aglomera as comunidades mais carentes em busca da solução e prevenção dos seus conflitos, almejando a paz social, com base na solidariedade humana. Sendo essa mediação realizada em comunidades periferias, onde o desrespeito aos direitos constitucionais é flagrante, representa um meio ainda mais efetivo de transformação da realidade. A mediação comunitária é um processo democrático de solução de conflitos, na medida em que possibilita o acesso à justiça (resolução dos conflitos) à maior parte da população de baixa renda. Além de possibilitar essa resolução, oferece aos cidadãos o sentimento de inclusão social. A base do processo de mediação é o princípio da solidariedade social. A busca de soluções adequadas para casos, pelas próprias partes, incentiva a conscientização das mesmas para a necessidade da convivência em paz (SALES, 2002, p. 05).

O restabelecimento da cultura da paz social só é fomentado quando é possível superar a administração inoperante dos conflitos; quando há promoção do diálogo, em detrimento da cultura beligerante processual; quando é viabilizada a discussão acerca de direitos e deveres, tal como a responsabilidade social; quando é superado o sentimento de competição, característico substancial do sistema adversarial estruturado no Brasil, pelo ideário de cooperação. Como bem destaca Nascimento (2010), “é nos espaços de participação construídos através de uma mediação democrática que os envolvidos aprendem e vivenciam a cidadania. Rompendo o silêncio, abre-se à participação para além dos espaços privados da comunidade”, auxiliando, desse modo, para a estruturação desse ambiente social e, de maneira secundária, na edificação de todo o Estado. Nesta perspectiva, é possível destacar que a mediação, na condição de método alternativo, pacífico e participativo de resolução de conflitos extrajudicialmente, reclama dos mediados o diálogo acerca dos problemas vivenciados, dos comportamentos externados, dos direitos e deveres de cada um, assentando toda a discussão em uma mútua cooperação, robustecendo o compromisso ético com o diálogo franco e claro.

Nesta linha, “a mediação desenvolvida em bairros das cidades (mediação comunitária) propicia o diálogo entre as pessoas que convivem diariamente, auxiliando na solução dos seus conflitos e contribuindo para a construção da paz social” (SALES; ALENCAR; FEITOSA, 2009, p. 292). Desta feita, como a mediação possibilita o diálogo ativo dos envolvidos na solução de conflitos, busca-se não somente

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debater questões de aspecto individual, mas também assuntos de feição coletiva, de interesse de toda de uma comunidade. As experiências brasileiras em mediação, especialmente aquelas realizadas nas periferias dos municípios, têm revelado mudanças de comportamento das pessoas: tornaram-se mais participativas nas decisões individuais e coletivas. Dentre os projetos, cuida abordar o “Balcão de Direitos”, estruturado pela Organização Não Governamental “Viva Rio”, que se apresentou, durante o período de sua existência, como um exemplo consistente da mediação de conflitos em comunidades que apresentam um histórico de violência acentuada, incidindo em mais de vinte comunidades do Rio de Janeiro, podendo, inclusive, citar as comunidades carentes e favelas Rocinha, Chapéu Mangueira e Babilônia, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, no Morro Santa Marta, no Parque Maré, na Praia de Ramos, Santa Cruz, Pedra de Guaratiba e Acari.

“Criado em 1997, o Balcão de Direitos promove, em favelas e periferias, o estabelecimento de espaços comunitários de mediação e conciliação e a democratização do conhecimento do direito e dos serviços públicos” (NASCIMENTO, 2010). Os Balcões mesclavam conhecimentos acadêmicos, com as regras locais vivenciadas pelos moradores das favelas, com o escopo de prestar assistência judiciária gratuita, bem como ensinar aos moradores seus direitos. Tratava-se, dessa maneira, de uma instância de resolução alternativa de conflitos, sensível às especificidades locais, a fim de adequar a abordagem estruturada com os anseios mais proeminentes das comunidades carentes e favelas. Participavam do projeto advogados, estudantes de direito e agentes de cidadania residentes nos locais. Há que se destacar que a convivência produtiva, conjugada com as especificidades locais, tal como a assimilação das normas gerais oferta legitimidade aos mediadores, possibilitavam a construção de uma solução assentada no diálogo em torno das disputas, além de uma ação preventiva. Com efeito, em médio prazo, em decorrência do somatório de atendimentos individuais contribuíam para o desenvolvimento de uma cultura de não violência e de maior integração entre os vizinhos, familiares, colegas de trabalho, de escola.

[...] o objetivo do projeto é integrar-se à vida das comunidades, envolvendo-se com seu cotidiano, influenciando a conquista de direitos coletivos e individuais e reduzindo distâncias culturais e geográficas que poderiam limitar a busca do pleno exercício da cidadania pelos moradores do Balcão de Direitos dessas comunidades carentes, valorizando os recursos locais para a efetivação dos direitos civis e sociais das comunidades. O Balcão de Direitos visa ampliar o acesso dessa população à justiça, desenvolver mecanismos de resolução de conflitos, facilitar a obtenção de documentos básicos de identificação, entre outras ações. A assessoria jurídica do projeto inclui a orientação

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legal ao cidadão sobre seus direitos e deveres, assistência jurídica nos casos não resolvidos por acordo nas áreas de Família, Propriedade, Trabalho (PALMISCIANO, 2005, p. 55).

Verifica-se, deste modo, que o projeto “Balcão de Direitos”, ao desconstruir a cultura beligerante das comunidades carentes e favelas em que era instalado, passou a desenvolver nos indivíduos um pensamento pautado na construção de diálogo e na resolução amigável de conflitos. Ao lado disso, quando necessário, além de mediar os conflitos e dispensar uma orientação qualificada à população, o “Balcão de Direitos” atuava como uma instância intermediária entre a comunidade e as outras instituições estatais, orientando o morador da comunidade no sentido de facilitar seu acesso às diversas instâncias. Tratava-se da valorização dos componentes humanos e suas múltiplas complexidades que constituem a comunidade, eis que a realidade existente nas comunidades carentes e nas favelas, por vezes, acaba por colidir com o direito positivo, em razão de uma teia e trama de costumes e valores desenvolvidos, de modo particular, pelos moradores. Assim, é perceptível que a mediação comunitária que era estruturada pelo Balcão, atenta à realidade peculiar daquela população, tenderia a ser mais justa para as partes envolvidas.

Como o Balcão não tem qualquer poder de punição ou de coação no que tange ao cumprimento das conciliações e mediações que realiza, procura conscientizar os envolvidos no processo de que aquela forma de resolução alternativa tenderia a estar mais atenta às suas realidades. Procura-se, pois, atuar de forma a legitimar esse tipo de atuação e resolução de conflitos entre os moradores das comunidades. Não existem estatísticas sobre o cumprimento/descumprimento desses acordos mediados pelo projeto, contudo, tendo em vista que a grande massa de envolvidos nos acordos não retorna, presume-se que estejam sendo respeitados com valor de lei, pelas partes. Os coordenadores relatam ainda que o Balcão é procurado como alternativa ao poder do tráfico, também reconhecido nessas comunidades como legítimo e, por sua vez, como alternativa à ausência ou escassez da malha de proteção estatal a essas populações (PALMISCIANO, 2005, p. 56-57).

Em um aspecto preliminar, é verificável que a atuação do projeto buscou eliminar três obstáculos reconhecidos ao acesso à justiça, quais sejam: (i) propiciar o acesso ao direito, por meio da cultura da informação aos moradores das comunidades carentes e favelas; (ii) abreviar a distância geográfica entre os moradores e a justiça, já que todo o aparato estatal, assim como escritórios de advocacia estavam localizados na região central da cidade; e (iii) reverter a atual tendência de descrença das camadas populares em relação ao Poder Judiciário. É

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observável, desta maneira, que o projeto “Balcão de Direitos” buscou desenvolver uma cultura pautada na democratização da informação, isto é, mais importante que assegurar o acesso à Justiça seria frutificar uma linguagem dos direitos inerentes aos moradores das comunidades carentes e favelas atendidas pelo programa, objetivando ativas expectativas e argumentos para a garantia dos direitos. Assim, por meio da disseminação de uma linguagem dos direitos que se processa também pela formação e capacitação de multiplicadores de informações jurídicas, em especial nas áreas do Direito nas quais seja desnecessária a atuação de um advogado, a exemplo das demandas de competência do Juizado Especial, questões previdenciárias de benefícios, mediação, entre outras.

Os coordenadores citam alguns exemplos para ilustrar o impacto da divulgação dessa linguagem de direitos para as comunidades em contato com Balcão. Um desses é o de uma moradora formada na turma dos agentes de direito que se deparou com a recusa de um supermercado da Zona Sul em fazer valer um dispositivo do Código de Defesa do Consumidor: a moradora foi a certo supermercado atraída por anúncio de oferta de leite em pó. Ao chegar ao supermercado e perceber que a loja não dispunha da mercadoria anunciada, reclamou ao gerente, exigindo que lhe fosse vendido leite semelhante pelo valor divulgado no folheto de ofertas do mercado, conforme preceitua o Código de Defesa do Consumidor. O gerente recusou-se a atender o pedido da moradora, e ela se dirigiu à Delegacia de Direitos do Consumidor, na Gávea, relatando o caso ao delegado. O delegado deu razão à moradora e acompanhou-a até o referido supermercado, obrigando o gerente a cumprir o CDC. Outro relato interessante feito pelos coordenadores do projeto é o de alguns moradores do Morro Santa Marta formados pelas turmas de agentes de direito: após uma aula sobre os direitos e garantias individuais elencados no art. 5o da Constituição Federal, esses copiaram o dispositivo que assegura a inviolabilidade do domicílio e o colocaram nas portas de suas casas, no intuito de inibir as frequentes invasões de policiais (PALMISCIANO, 2005, p. 66).

O projeto em comento buscou alargar a comunicação entre os indivíduos envolvidos em conflitos e sua autodeterminação, possibilitando, sobretudo, a redução dos recursos violentos de solução de litígios, sejam elas sustentadas pelo sistema legal, pela força física ou mesmo pela imposição do poderio das armas de fogo. Verifica-se, deste modo, que o “Balcão de Direitos”, na condição de manifesta concreção da mediação comunitária, desenvolveu um ideário pautado no reforça da cultura da paz, fomentando, para tanto, o diálogo claro e aberto entre os mediados e a estruturação de pactos entre indivíduos e instituições. Reflexamente, o projeto ora mencionado germinou o ideário e democracia direta, arrimada na participação cidadã, a fim de alcançar interesses coletivos e o monitoramento do Poder Público. É verificável, também, a aproximação do discurso do Direito, por

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meio da conscientização da população das comunidades carentes e favelas acerca de seus direitos e deveres, sensível a complexa realidade das diferentes regiões em que foi instalado o “Balcão de Direito”, utilizando os aspectos característicos, valores e costumes peculiares como mecanismos que propiciem o crescimento. Outro escopo ambicionado pelo projeto em comento está alicerçado na busca pelo surgimento de novos paradigmas no tratamento das diferenças, ensejando um cenário caracterizado pelas transformações culturais em órbita coletiva e individual, desconstruindo o litígio como instrumento de beligerância entre os envolvidos, mas sim como o ponto de partida para fomentar um diálogo e construir decisões que sejam resultantes das vontades dos envolvidos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À sombra dos apontamentos explicitados, é possível salientar que, no cenário jurídico caótico no qual o Poder Judiciário engessado pelo ativismo judicial e pela ausência de elementos mínimos que assegurem a concreção dos direitos e garantias fundamentais, o procedimento de mediação floresce como instrumento robusto para a resolução extrajudicial de conflitos. Desconstrói-se, a partir de uma tradição pautada no diálogo e na cooperação, a essência ideológica beligerante que permeia os processos, no qual a polarização entre ganhador e perdedor, ao invés de colocar termo aos conflitos, tende a agravar a situação e desgastar os envolvidos. Assim, a mediação, norteada pelo bom senso, técnica de negociação, valoração da equidade e disposição para promoção do diálogo, com especial paciência em grande parte dos casos, apresenta-se como mecanismo preponderante para a consolidação de uma democracia participativa, na qual os envolvidos nos conflitos, por meio da mudança de paradigmas e valores, passam a deter maturidade e preparo para alcançar a solução para os próprios litígios.

Nesta perspectiva, os conflitos comunitários são, em sua grande maioria, pouco monetarizados, decorrentes da convivência social propriamente dita, tais como conflito de vizinhança, intensos e comuns nas ruelas estreitas das comunidades; a perturbação do som alto das igrejas; a defesa do consumidor; os conflitos de essência familiar, envolvendo pensão alimentícia, guarda e visita dos filhos. Em especial nas comunidades carentes e favelas que são estruturadas em torno dos centros urbanos oficiais, que carecerem da atuação do Estado, sendo, por vezes, norteada por uma gama de valores e costumes próprios e um poder paralelo, decorrente do poderio do tráfico de drogas, necessário se faz a estruturação de mecanismos que permitam a preservação dos cidadãos, o

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fortalecimento de uma mentalidade que busque o restabelecimento da pacificação social e manutenção das relações contínuas.

Assim, diante cenário no qual as pessoas são desassistidas em seus direito individuais e sociais, na tentativa de melhorar a qualidade de vida através da pacificação e participação social, é observável que o projeto “Balcão de Direitos”, durante o período de sua atuação, em cerca de vinte comunidades carentes e favelas, na cidade do Rio de Janeiro, apresentou-se, ao estruturar a mediação comunitária volvida para a edificação de pilares de conscientização da população, fortalecimento de uma cultura pautada no diálogo e a pacificação por meio da resolução de conflitos de maneira conjunta, satisfazendo ambos os envolvidos. Ao lado disso, não é possível olvidar que a construção dessa democracia participativa, propiciada pelo projeto em destaque, oportunizou aos residentes em comunidades carentes e favelas a participarem concretamente do Estado Democrático de Direito, por meio da mediação comunitária, promovendo, deste modo, a dignidade humana, porquanto aquelas se tornam capazes de compreender a sua realidade e, de por si, resolver suas controvérsias.

REFERÊNCIAS

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A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: CRÍTICAS A EFETIVAÇÃO DO INSTITUTO DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS, A PARTIR DE UMA ANÁLISE CONSTRUTIVA DAS TRADIÇÕES CIVIL LAW E COMMON LAW

GARCIA, Cláudia Moreira Hehr117 RANGEL, Tauã Lima Verdan 118

RESUMO: O trabalho se propõe a verificar as condições da formação da Federação dos Estados Unidos da América e do Brasil, utilizando tais informações como “pano de fundo” para a formação dos sistemas jurídicos adotados pelos dois países. Por meio de comparativo entre os sistemas civil law e common law, especificamente no que tange a Alternative Dispute Resolution – ADR do tipo mediação, pretende-se demonstrar que o teor sobre o tema, contido no Projeto de Lei n.º 8046/2010 – Projeto do novo Código de Processo Civil, deixa a desejar no que se refere a essência do instituto da mediação. Palavras-chave: Mediação, sistemas jurídicos, cultura.

1 INTRODUÇÃO

Não é possível compreender o sistema jurídico de uma sociedade sem se

pautar na cultura local. Como o Estado é constituído pelos homens e não por um “Leviatã” com vida e atitudes próprias, a cultura social de um Estado democrático consta impregnada nos ordenamentos jurídicos. Diante disso, o presente artigo pretende demonstrar que a construção social dos Estados Unidos da América e do Brasil fortificam suas opções pelos sistemas common law e civil law respectivamente. Dessa forma, o artigo se propõe a tratar das diferenças entre os sistemas jurídicos dos dois países, em principal, naquilo que se refere à ADR - Alternative Dispute Resolution (Resolução Alternativa de Litígios) do tipo mediação, na intenção de demonstrar que a inclusão do instituto no Projeto do novo Código de Processo Civil pode não corresponder ao que exatamente se espera dele.

                                                                                                                         117 Bolsista CAPES. Doutoranda vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. 118 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”.

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Para tanto, no primeiro capítulo, far-se-á uma análise da construção federalista dos dois países, demonstrando que o processo de independência desses e a construção cultural de ambas as sociedades são tão antagônicas quanto seus sistemas jurídicos. Após, serão analisadas algumas diferenças clássicas entre os dois sistemas, com atenção especial para os tipos de ADR, com ênfase na mediação, com a devida análise do texto do Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados que, na atualidade, aguarda manifestação do Senado Federal. Por fim, apresenta-se um capítulo em vias de conclusão, onde doutrina processual defende a mesclagem dos dois sistemas jurídicos naquilo que ambos apresentam de melhor, em virtude, principalmente, do processo de globalização. A conclusão é apresentada a seguir, com uma retrospectiva de todos os assuntos abordados conduzindo o leitor à compreensão real dos desígnios do instituto mediação e a demonstração de sua utilização pelo sistema jurídico brasileiro.

Para realização do trabalho, adotou-se uma metodologia de pesquisa bibliográfica, com análise de Projetos de Lei e legislação pertinente.

2 A CULTURA LOCAL COMO INSTRUMENTO NORTEADOR DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Não se pode observar o sistema processual de um país separado da cultura

do povo que o compõe. Todo sistema jurídico reflete os princípios basilares da nação que o adota, e ainda, transparece a cultura popular do local. Nesse sentido, é de interesse do presente ensaio que se analise a construção cultural americana e brasileira com fins de demonstrar que as diferenças entre os sistemas civil law e common law se distanciam e se aproximam conforme a confluência cultural de tais nações, se é que isso é possível. Sob o foco de que os processos judiciais “refletem os valores, sentimentos e crenças (a “cultura”) da coletividade que os utiliza”, Oscar Chase (2003, p. 116) demonstra que a cultura americana se reflete nas regras processuais que disciplinam os litígios.

Em uma análise mais detalhada sobre o modo de vida americano, é possível verificar a importância que o “indivíduo” representa dentro do sistema. Para melhor reflexão, mesmo que sucinta, cabe relembrar a formação do povo americano por meio das lutas pela independência e, também, sua formação religiosa, o que se entende por relevante neste estudo.

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2.1 DA COLONIZAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E DO BRASIL A colonização Americana foi impulsionada no século XVI com o reinado de

Elizabeth I, entretanto, somente com o reinado de Jaime I, no século XVII, com a criação da Companhia de Londres e da Companhia de Plymouth que a colonização realmente ocorreu. As colônias que à época da independência somavam treze foram colonizadas de formas diferentes ao Sul, ao Norte e no Centro. (AQUINO; LEMOS; LOPES, 1990, p. 83-85).

Devido ao clima favorável, as colônias do Sul desenvolveram o sistema de plantations com predominância do trabalho escravo, caracterizando-se assim, como colônias de exploração. Diferentes disso, as colônias do Norte, que não apresentavam boas condições climáticas, serviram de colônias de povoamento principalmente para as famílias protestantes que fugiam das perseguições religiosas ocorridas na Inglaterra (Ibid., 1990, p. 88). As colônias do centro foram colonizadas por último, sendo utilizadas como prêmio para nobres ingleses que quisessem aumentar suas terras produtivas. (Ibid., 1990, p. 85-82).

Como não podia deixar de ser, a Metrópole se interessou pelas colônias de exploração deixando as colônias de povoamento à sua sorte. Contudo, apesar da adversidade climática, estas colônias respaldadas pelos ideais religiosos começaram a reger-se sem maiores interferências o que resultou em comércio com outras regiões além da própria Inglaterra. Além disso, todas as colônias possuíam Governador, Conselhos e Câmaras, o que “reforçava os sentimentos de autogoverno.” (AQUINO; LEMOS; LOPES, 1990, p. 93). Concomitante ao autogoverno das colônias, a Inglaterra teve seu “tesouro enfraquecido devido aos gastos com as guerras européias e coloniais” (AQUINO; LEMOS; LOPES, 1990, p. 113) e, por isso, e também visando frear o comércio autônomo das colônias, o Parlamento inglês taxou vários itens com impostos rigorosos. Dessa forma, inconformados com o retrocesso social, político e comercial que a Inglaterra tentava impor às colônias americanas, os colonizadores deram início a Guerra da Independência que culminou com a Declaração da Independência americana em 04 de julho de 1776.

Em 1781, quatro anos após a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América, as treze colônias assinaram um tratado conhecido como Artigos de Confederação, o que lhes rendeu o reconhecimento internacional de Estados independentes que, uma vez reunidos em confederação, deram origem aos Estados Unidos da América. Entretanto, cabe ressaltar que apesar de assinado em 1781, os Artigos de Confederação já estavam escritos desde 1777, restando apenas a ratificação por parte de todas as colônias, o que ocorreu em 1781. Nesse ínterim,

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tais artigos serviram como base para a formação da Constituição Americana. Entretanto, o referido tratado assinalava em seu artigo segundo o seguinte: “Each State retains its sovereignty, freedom, and independence, and every power, jurisdiction, and right, which is not by this confederation, expressly delegated to the United States, in Congress assembled.” (UNITED STATES OF AMERICAN, 1781).119

Com o tempo percebeu-se a fragilidade da Confederação, pois existiam vantagens em se manter unidos os Estados que antes formavam as treze colônias, entretanto, interesses individuais que correspondiam aos ideais de soberania, liberdade e independência dos Estados-membros, contidos no artigo segundo do tratado de confederação, colaboravam para a concorrência entre os mesmos e deixava em aberto a existência do direito de secessão que poderia contaminar a união dos Estados.

A partir disso, surgem as primeiras ideias de federação. Artigos escritos por Alexander Hamilton, John Jay e James Madson (2003) disseminaram ideais federalistas que culminaram em um novo Congresso na cidade de Filadélfia no ano de 1787. Nessa época, os autores acima citados publicaram no “Daily Advertiser de Nova Iorque uma série famosa de artigos destinados a esclarecer o espírito público nos Estados recém-libertos do jugo britânico preparando-os para receber favoravelmente as instituições republicanas delineadas na projetada Constituição.” (HAMILTON, 2003. p. 05).

O teor dos artigos tratava da separação política entre federalistas do Norte e republicanos do Sul. Aqueles liderados por Hamilton e estes por Thomas Jefferson, cujas discussões, principalmente sobre o que tange ao poder centralizador, terminaram por criar uma nova forma de governo, o federal. O federalismo americano apresenta a união dos Estados por meio de um poder central expresso pela figura do Presidente eleito; o poder central se divide em executivo, legislativo e judiciário; o direito de secessão é extinto; o poder político é compartilhado pela união (poder central) e pelos Estados federados; a base do Estado federado é a Constituição e nesta consta a divisão dos poderes de cada ente da federação.

Diferente disso, o Brasil foi colonizado a partir do século XVI. O povoamento do território se deu exclusivamente com fins de exploração, o que resultou em latifúndio e mão de obra escrava conforme se exige o sistema de plantations. Portugal dividiu o Brasil em 15 imensos lotes de 300 kilômetros de largura cada um, destinando a doação desses àqueles que possuíssem condições

                                                                                                                         119 Cada Estado mantém a sua soberania, liberdade, e independência e todo poder, jurisdicional, naquilo que não for por esta Confederação expressamente delegado aos Estados Unidos reunidos em Congresso. Tradução nossa.

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financeiras de colonizá-los por conta e custas próprias. Vários direitos foram cedidos aos donatários, restando à Coroa o monopólio do pau-brasil e o recebimento de percentuais sobre outros bens. Entretanto, tal sistema não resistiu devido aos grandes gastos dos donatários com a proteção das capitanias, transporte de colonizadores, ataque dos índios, e também, devido ao alvará expedido por D. João III que declarava “as capitanias do Brasil território de “couto e homizio”, ou seja, uma região na qual crimes cometidos anteriormente em outros lugares ficavam instantaneamente prescritos e perdoados.” (BUENO, 1999, p. 91).

Até 1791 as Capitanias ainda existiam, mas Portugal já havia implantado os governos gerais devido à falência daquelas. Todavia, naquilo que foi possível, o sistema de capitanias auxiliou na colonização e na formação de vilas que mais tarde, em período republicano, transformar-se-iam em Estados.

As revoltas internas no Brasil ocorriam desde o século XVII. A maioria delas pregava sentimentos republicanos regionais, tendentes ao desmembramento de territórios até então componentes da colônia. No sentido de unificação nacional, em 1808, a Corte portuguesa foi transferida para o Brasil criando-se o Reino de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815. (ANDRADE; ANDRADE, 2003, p. 33). Dom João retornou a Portugal e a Independência do Brasil foi proclamada em 1822, por seu filho Dom Pedro I que, mantendo o Estado unitário, outorgou uma Constituição em 1824. Entretanto, Manuel Correia de Andrade (2003, p. 46) demonstra que ideais federalistas permeavam o Brasil no final do século XVII.

Em 1891, com a proclamação da República e a queda da Monarquia, o sistema federativo foi implantado à imagem e semelhança dos Estados Unidos da América, passando o Brasil a se denominar “Estados Unidos do Brasil”. Diferente do movimento federalista ocorrido nos Estados Unidos da América, no Brasil, a federação se formou de dentro para fora, em movimento centrífugo, enquanto naquele, o movimento foi de fora para dentro, em movimento centrípeto.

Em suma, é possível notar que enquanto o povo americano se organizava na busca pela liberdade sob a base da igualdade por meio do respeito à individualidade de cada um, no Brasil, o movimento se dava ao contrário, pois uma vez colônia exclusiva de exploração, a colonização se deu por meio de indivíduos desinteressados pela construção da nova pátria.

Outra questão que cabe salientar, diz respeito à religião. A América do Norte foi predominantemente povoada por protestantes puritanos, enquanto no Brasil houve a predominância católica. Aparentemente, talvez não seja possível identificar a influência da religião nos sistemas processuais dos países em

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discussão, mas, conforme os ditos de Gilvam Hansen120(informação verbal), a colonização puritana não negava a existência de Deus, mas ao contrário, defendia que para alcançá-lo dever-se-ia trabalhar muito e, portanto, acumular bens não seria sinônimo de pecado. Diferente disso, a filosofia católica afirmava que para se alcançar o reino dos céus, os homens deveriam se contentar com o pouco, dividindo com os demais seus bens mais preciosos. Dessa forma, a filosofia religiosa apoiava o individualismo americano, enquanto no Brasil, o fato ocorria ao inverso.

Outra questão relevante que pode se conjugar ao fator de formação religiosa dos Estados Unidos e do Brasil é o laissez-faire. Com a política Americana de afastar o Estado das relações privadas valorizou-se o querer-poder individual. O “cidadão tem direito a ser deixado em paz pelo Governo” (CHASE, 2003, p. 120), o que não se alterou com a aplicação da política do welfare state, ao contrário, se fortaleceu, uma vez que perante o Estado consignou-se obrigações para com os indivíduos, o que ocorreu de forma diferente no Brasil, onde a implantação de tal política foi considerada por alguns como um simulacro. (STRECK; MORAIS, 2003, p. 58).

Portanto, a formação do povo, sua religião, suas guerras, vitórias e derrotas, corroboram para a formação da identidade e, consequentemente, das diferenças comportamentais dos povos, o que inclui o pensamento, comportamento e atitudes jurídicas.

3 AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS PROCESSUAIS ENTRE OS SISTEMAS JURÍDICOS CIVIL LAW E COMMON LAW

Na intenção de demonstrar que as diferenças existentes nos sistemas

jurídicos de cada povo se pautam não só, mas principalmente, nas suas origens culturais, apresentar-se-á, ainda que de forma sucinta, algumas diferenças clássicas entre os sistemas civil law e common law. Para tanto, serão utilizados como exemplo dos sistemas informados quando aplicados, o Brasil e os Estados Unidos da América. Entretanto, antes de adentrar propriamente ao estudo das diferenças mais pontuais, insta salientar que os dois grandes grupos de sistemas ocidentais em estudo – civil law e common law – se apresentam conforme a cultura romano-germânica e anglo-saxônica respectivamente e, conforme Barbosa Moreira, são classicamente classificadas como: processo inquisitória e processo adversarial. (MOREIRA, 2007, p. 40-41).

                                                                                                                         120 HANSEN, Gilvan. Aulas de Epistemologia. PPGSD-UFF. 1º semestre de 2012. A informação foi verbalizada no decorrer dos estudos sobre Karl Marx.

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O processo adversarial sugere uma disputa entre as partes com pouca intromissão do Estado, enquanto o processo inquisitorial se apresenta sob o controle desse. Diante do processo de formação dos Estados Unidos da América e do Brasil é possível reconhecer que o individualismo, igualitarismo e ideais de liberdade estão exemplificados no processo adversarial, diferente do que ocorre no Brasil, cujo assistencialismo e dependência estatal despontam no processo judicial.

Baseado nos estudos de Oscar G. Chase é possível afirmar que as principais diferenças processuais existente no processo americano são: o júri civil; a discovery do pré-trial dominada pelas partes; o juiz passivo e os peritos escolhidos pelas partes. (CHASE, 2003, p. 118).

Os Estados Unidos da América são o único país a utilizar em seu sistema processual o júri civil. Nem mesmo a Inglaterra, precursora de tal prática,

manteve em seu ordenamento (com raras exceções) tal instituto jurídico.

Não é difícil ver como o histórico apego americano ao júri se funda em valores americanos centrais. É essencialmente uma instituição igualitária, populista e antiestatista. É “fortemente igualitária” porque confere a pessoas leigas, sem qualificação especial alguma, um poder de afirmação de fatos superior ao do juiz. Conquanto seja verdade que o juiz presidente do julgamento pode rejeitar o veredicto do júri e proferir decisão “como de lei” contra a parte favorecida pelo júri, esse poder é limitado. (CHASE, 2003, p. 128)

Essa limitação reforça o poder dos jurados que, como representantes da

sociedade, por vezes emitem veredictos com força de lei. Assim, “os jurados são bem conscientes de seu poder de agir como “minilegislador” em casos tais” (CHASE, 2003, p. 128). Em outras palavras, a existência do júri civil possibilita a participação ativa da sociedade na economia, consumo, atos privados, entre outros, por meio das decisões emanadas. As decisões do júri civil possuem o poder de modificar as práticas sociais servindo como indicadores comportamentais da sociedade America. Óbvio que o júri civil é um instrumento governamental, mas uma vez instrumentalizado pelos cidadãos americanos transparece aos litigantes os valores individuais e antiestatais, conforme a cultura americana, mesmo porque, o veredicto deve se apresentar como uma unanimidade entre os jurados. Deve-se alcançar o consenso social.

No sistema civil law, tendo como modelo o Estado brasileiro, o júri se aplica exclusivamente no sistema penal. Não existe júri civil. As decisões civis são emanadas por juiz singular ou por colegiados que representam o Poder Judiciário. A sociedade não possui direito de se manifestar em tais causas. Outro mecanismo

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jurídico adotado pelo sistema americano é a discovery no pre-trial. Tal procedimento comprova automaticamente a prevalência do individualismo, do antiestatismo e do igualitarismo nas relações judiciais.

As regras processuais americanas permitem aos advogados tentar descobrir provas fora do tribunal e, não obstante, ter o apoio da autoridade judiciária no reclamar a cooperação de adversários e testemunhas. Consoante as típicas regras americanas, cada parte tem o poder de exigir do adversário (ou de testemunhas potenciais) que se submeta a perguntas orais sob juramento sem a presença do juiz (deposition), que responda sob juramento a perguntas escritas (interrogatories), que abra seus arquivos à inspeção, ou, quando se põe em questão a condição física ou mental, que se sujeite a exame medido por um profissional escolhido pelo adversário. (CHASE, 2003, p. 131)

Cabe ressaltar que a discovery no pré-trial não ocorre de forma igualitária em todos os países que adotam o sistema common law. Na Inglaterra, por exemplo, os atos de investigação não são tão amplos como ocorre nos Estados Unidos. Na Inglaterra, apesar do sistema instituído ser também o common law, os julgamentos concentrados constituem regra e não exceção. (CHASE, 2003, p. 132-133).

Mas, diante da formação cultural do povo americano, o desenvolvimento do processo, principalmente nessa fase, tende a “nivelar o campo de jogo” (Ibid.). Em outras palavras, encontra-se garantido o ideal americano por meio da possibilidade igualitária das partes construírem suas defesas conforme a competência de cada uma, diante a liberdade de investigação que possuem.

Outras duas questões a se discutir são a participação do juiz no processo judicial e o papel dos peritos. Quando se trata do sistema common law, os juízes são pouco participativos, afinal, o processo é praticamente gerido pelos advogados. Ao contrário, no sistema civil law, onde o processo é de total responsabilidade do Estado, os juízes são ativos e responsáveis pelo direcionamento do processo. Aos advogados cabe menor participação. Nesse item, cabe ressaltar que reformas processuais ocorridas nos últimos anos estão possibilitando uma participação maior do juiz no processo (resultado da confluência entre os sistemas jurídicos), mas a postura do magistrado nos dois sistemas ainda é muito diferente.

Tratando do papel dos peritos no processo americano, estes atuam escolhidos e pagos pelas partes. Quando cada parte apresenta como testemunha um perito, ao júri cabe decidir qual possui a tese mais plausível. No sistema civil law o perito é neutro e de confiança do juiz que lhe estendeu o encargo. Apresenta-se como perito e não como testemunha do processo.

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Além das diferenças clássicas apresentadas, a utilização da autocomposição de litígios também se apresenta diferente nos dois sistemas apesar de ambos adotarem praticamente os mesmos institutos. Dessa forma, devido o interesse do tema versar sobre a mediação de conflitos, passa-se a análise individual da autocomposição de litígios.

3.1 A AUTOCOMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS E SUA DIFERENTE APLICAÇÃO NOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW

No decorrer da evolução na busca por solucionar os conflitos sociais, a

autotutela foi a primeira a surgir. Logo depois, a autotutela deu lugar a autocomposição, que ao invés de fazer uso da vingança contra o ofensor, passou a ressarcir a vítima por meio de uma indenização estabelecida por um árbitro, um terceiro eleito pelas próprias partes. Por último, surgiu a heterocomposição, com a intervenção de terceiro não escolhido pelas partes. Em outras palavras, o Estado tomou para si a responsabilidade em resolver os conflitos, tornando-se o harmonizador oficial da sociedade. (ALMEIDA NETO). A autocomposição representou e ainda hoje representa um dos meios mais democráticos de resolução de conflitos, pois o que prevalece é a vontade das partes, a espontaneidade de decisão, independente da eficácia ou da solução dada pelo terceiro desinteressado.

Nos países que adotam o sistema common law a autocomposição de litígios é representada pela sigla ADR, que significa Alternative Dispute Resolution (Resolução Alternativa de Litígios). As ADR’s cresceram de forma significativa e visam incentivar as partes a negociar o resultado do processo. (MIRANDA NETTO; MEIRELES, 2011).

Nos Estados Unidos costuma-se referir que o início do movimento a favor dos modelos alternativos ao processo clássico coincide com um simpósio jurídico ocorrido em 1976, para celebrar o septuagésimo aniversário do conhecido discurso de Roscoe Pound, um dos maiores juristas da primeira metade do século XX, sobre o tema “The Causes of Popular Dissatisfaction with the Administration of Justice” (“As causas da insatisfação popular com a administração da justiça”). Observou-se, naquele evento, que a despeito de todos os aperfeiçoamentos introduzidos no sistema judiciário e inobstante as inúmeras alterações e inovações no âmbito do processo civil, nos setenta anos transcorridos desde o discurso de R. Pound, persistia o baixíssimo índice de aprovação popular em relação ao funcionamento do poder judiciário e ao serviço por ele prestado. Diante de tal percepção, defendeu-se, no referido simpósio, que talvez pouco adiantasse reformar o processo civil tradicional. A coisa correta a fazer, foi então sustentado, seria “afastar do

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judiciário algumas espécies de controvérsias, que deveriam ser desviadas para órgãos alheios ao aparato judicial, de natureza particular, e que operassem segundo um procedimento mais flexível e informal”. Com isso, seria mantido o processo civil clássico da Common Law para as demandas mais complexas, de maior valor econômico e envolvendo partes capazes de enfrentar o custo mais elevado de tais demandas. (grifo nosso). (FACCHINI NETO, 2011).

Ao final dos anos 70, alguns Estados americanos começaram a implantar os procedimentos de Resolução Alternativa de Litígios, mas foi com a publicação da Civil Justice Reform Act de 1990, que as ADR’s passaram a permear definitivamente o cenário americano. (FACCHINI NETO, 2011, p. 120). A Alternative Dispute Resolution, não se apresenta como um movimento estanque pautado em uma única técnica. Várias são as formas de solução alternativa dos litígios. Além da diferenciação clássica entre formas de resolução endoprocessual e extraprocessual, essa última pode se apresentar solucionada pelas próprias partes por meio de acordo ou através de uma decisão emanada por um estranho à relação, não participante da máquina pública. (FACCHINI NETO, 2011, p. 121).

O primeiro deles – modelo conciliatório – visa compor a controvérsia através de uma solução acordada entre as partes. Várias técnicas inserem-se nesse modelo, como é o caso da mediation, da early neutral evaluation e do summary jury trial. Já o modelo decisional (decision-oriented) procura a solução dos conflitos através de uma decisão emanada de um terceiro, que não o juiz estatal. O arquétipo desse último modelo é a arbitragem. (FACCHINI NETO, 2011, p. 121).

Na justiça americana, além da mediação e da arbitragem, outros institutos também se apresentam como opção para a resolução alternativa dos litígios. Mesmo porque, insta salientar que o processo de mediação e arbitragem, na maioria das vezes, se realiza por meio de empresas privadas americanas que oferecem esse tipo de serviço.

Dentre as outras formas alternativas pode-se citar o Summary Jury Trial e o Ministral, que nada mais são que processos simulados, capazes de indicar o andamento que provavelmente seguirá o processo. Entretanto, a alternativa mais recomendada na fase inicial de um processo é o Early Neutral Evaluation, que conta com a avaliação de um terceiro neutro que apresentará parecer a respeito do provável curso do processo. A conciliação também está inserida no processo judicial americano, aliás, após a publicação da Alternative Dispute Resolution Act of 1998, passou a ter importância destacada na justiça federal. (Ibid., 129-130).

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Portanto, pode-se afirmar que é expressivo o incentivo à Resolução Alternativa de Litígios no sistema common law, muito bem exemplificado pela denominada Alternative Dispute Resolution (ADR) dos Estados Unidos, “a vasta maioria das ações civis americanas termina por acordo antes do julgamento”(CHASE, 2003, p. 121), representado pelos meios de negociação, mediação e da arbitragem, desonerando de maneira significativa o Poder Judiciário Americano.

No sistema civil law brasileiro não ocorre dessa forma. Ao contrário do sistema common law exemplificado pelo modelo jurídico americano, no Brasil, a autocomposição de litígios surge com o objetivo de desafogar a jurisdição brasileira, uma vez que os tribunais se encontravam e ainda se encontram abarrotados de processos.

Na verdade, traçando um paralelo analógico entre a formação dos dois países, Estados Unidos e Brasil, é possível afirmar que o movimento centrípeto e centrífugo não ocorreu apenas na formação da Federação. Quando o assunto é autocomposição o movimento se repete. Nos Estados Unidos, a autocomposição surge a partir da inconformidade social, quando a sociedade não satisfeita com o sistema jurídico procura novos métodos para acelerar e baratear a resolução de seus conflitos. No Brasil, o movimento se fez ao contrário, uma vez que a verificação da necessidade de transformação partiu dos próprios Tribunais que percebendo não ser possível dar solução a tantos conflitos, investiu na propagação de modalidades autocompositivas e no cerceamento do acesso aos Tribunais Superiores.

No que tange as formas de autocomposição de litígios, pode-se afirmar que no Brasil existe a negociação, a conciliação, a arbitragem e a mediação. Lembrando que a arbitragem se apresenta no ordenamento jurídico brasileiro como um método processual previsto em lei. Na verdade, a negociação é uma característica comum em todos os métodos alternativos de solução de conflitos. Porém, na negociação como um meio autocompositivo não existe a figura de um terceiro imparcial, a busca pela solução do conflito se faz apenas pelos envolvidos no litígio. A primeira vista, a negociação não é muito eficaz, não sendo considerado necessariamente um meio autocompositivo. Sendo assim, pode-se dizer que no Brasil, a conciliação, a mediação e a arbitragem são os mais conhecidos modelos autocompositivos de litígios.

A conciliação é conhecida no Brasil desde a Constituição de 1824, quando em seu artigo 161, anunciava que “sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum”. Entretanto, sua consonância com direitos e garantias fundamentais, princípios processuais e

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efetividade de direitos, o que garantiu sua real aplicabilidade, só ocorreu com sua inserção no Código de Processo Civil em 1973, sendo ratificado o modelo autocompositivo com a publicação da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, conhecida nacionalmente como a Lei dos Juizados Especiais. Portanto, existe conciliação fora da esfera jurídica, mas sua predominância é na esfera judicial. A arbitragem no Brasil é disciplinada pela Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, e quando se está diante de litígios relativos a direitos patrimoniais, é facultado às pessoas capazes que se valham dela para solucioná-los. Ressalta-se que a arbitragem é instituída a partir do momento em que a nomeação de um arbitro é aceita por uma ou ambas as partes e, ao ser instituída, existe a necessidade de resultar numa sentença arbitral que constitui título executivo judicial. Também é preciso salientar que esta lei permite várias possibilidades das partes se conciliarem durante o processo. Tal fato privilegia o princípio da autonomia das vontades.

Por fim, a Mediação. Tratando-se de instituto de autocomposição de litígios ainda não regulamentada por lei que conforme Projeto do novo Código de Processo Civil passará a constar também do rol dos procedimentos de autocomposição de litígios endoprocessuais sendo utilizada também nos tribunais brasileiros, cabe aqui, uma análise minuciosa sobre o instituto. Aliás, cabe ressaltar que alguns Tribunais de Justiça brasileiros se anteciparam à aprovação de tal Projeto, e por si, lançaram projetos de mediação nos locais de suas competências.

3.1.1 DA MEDIAÇÃO

A mediação é um meio alternativo simples, essencialmente extrajudicial de

resolução de conflitos e efetivo no acesso a justiça. Ocorre quando as partes elegem um terceiro (mediador) alheio aos fatos para conduzi-las à solução do conflito por meio de um acordo sem que haja uma interferência real do mesmo. O objetivo da mediação é responsabilizar os protagonistas, fazendo com que eles mesmos restaurem a comunicação e sejam capazes de elaborar acordos duráveis. A mediação não é instituto jurídico, mas sim, uma técnica alternativa na solução de conflitos que propõe mudanças na forma do ser humano enfrentar seus problemas.

Ocorre que, como os demais procedimentos de autocomposição de litígios adotados pelo sistema jurídico brasileiro, a mediação está sendo incluída no Processo Civil como ocorreu com a conciliação e a arbitragem. Entretanto, no que se refere a sua efetividade extra ou endoprocessual, algumas comparações com o sistema americano são necessárias.

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Em leitura à proposta contida no Projeto de Lei n.º 8.046, de 22 de dezembro de 2010 não é difícil perceber que se trata da regulamentação endoprocessual da mediação, instituto jurídico não regulado até o momento. Entretanto, diferente do Projeto de Lei n.º 4.827, 10 de novembro de 1998, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, que tentava regulamentar tal instituto, a proposta do Novo Código de Processo Civil se projeta menos didática e mais institucionalizada.

Afirma-se isso porque a Seção V, onde se encontra o conteúdo, enuncia-se conjuntamente mediação e conciliação sob as mesmas bases teóricas, diferentemente do que fora proposto no primeiro Projeto de Lei. Diante das diferenças dos institutos Humberto Dalla Bernardina de Pinho apresenta o seguinte conceito de mediação:

Temos sustentado, numa definição simples e direta, que a mediação é o procedimento por meio do qual os litigantes buscam o auxílio de um terceiro imparcial que irá contribuir na busca pela solução do conflito. Esse terceiro não tem a missão de decidir (e nem a ele foi dada autorização para tanto). Ele apenas auxilia as partes na obtenção da solução consensual. Quer me parecer que a mediação é muito mais um conjunto de técnicas, experiências e hábitos culturais, que vão se estabelecendo na comunidade, do que uma definição teórica. (PINHO, 2011)

Portanto, bem diferente da conciliação, a mediação exige um terceiro imparcial à causa, com capacidade de proporcionar harmonia entre partes com intuito de produzir uma solução independente, sem a intromissão ou direcionamento proporcionado pela parcialidade do mediador. Para tanto, é necessário que as partes sintam a necessidade dessa interferência benéfica e, por vontade própria, busquem a mediação como opção à resolução do litígio. Diferente disso encontra-se a conciliação, cuja característica pressupõe a existência de um terceiro não interessado que direcione a causa por meio de seu conhecimento jurídico. Ambos os institutos estão timidamente conceituados nos parágrafos do artigo 145, do Projeto do novo Código de Processo Civil, mas suas diferenças são tão amplas que mereciam melhor distinção.

A mediação pressupõe a escolha de um mediador que agrade a ambas as partes, enquanto na conciliação este auxiliar da justiça já se apresenta institucionalizado, situação que poderá ser modificada com a introdução do artigo 146, do Projeto de Lei 8046/2010. Mas, na atualidade, o que se verifica nos Tribunais são conciliações ou tentativas de conciliação impostas às partes e, pelo menos no que se percebe, diante do patamar de igualdade instituído pela leitura

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da Seção que trata de ambos os institutos, a mediação tende a caminhar pelo mesmo percurso ou a ser confundida com a conciliação.

Para a institucionalização da mediação necessário será:

Em primeiro lugar, para que seja instituída a mediação, mister que exista a concordância de ambas as partes na adoção de tal meio de solução de conflitos, pois, como vimos anteriormente, a opção pela mediação é, e tem que ser, sempre voluntária. Imprescindível que as partes estejam optando pela mediação de boa-fé, e que conduzam todo o processo nessa perspectiva. Ademais, importante que as partes escolham conjuntamente um mediador (e se emprenhem verdadeiramente nesse processo de escolha), que seja de sua irrestrita confiança e esteja apto a compreender aquele conflito, suas dimensões e potencialidades. (PINHO, 2011)

Em outras palavras, a mediação não combina com a celeridade quantitativa exigida pelo judiciário brasileiro, uma vez que suas bases se pautam na busca de um consenso qualitativo que só pode ser alcançado com o tempo e com a mudança cultural das partes que preferencialmente esperam ouvir, atender uma ordem do Estado a tomar uma decisão por si. Sobre tal assunto, Dierle José Coelho Nunes (2011, p. 174) afirma “que existem situações em que os acordos são impostos, mesmo quando sejam inexeqüíveis para permitir a pronta “resolução do caso”, com a adequação à lógica neoliberal de produtividade”, e isso, por óbvio, não é o que se espera da conciliação e muito menos da mediação de conflitos.

Nesse caso, como ficará o cadastro do mediador disposto nos § 3º e 4º do artigo 147 do Projeto do novo Código de Processo Civil? O mediador também terá que cumprir meta 2 (dois)? Será dispensado de suas funções se não alcançar sucesso nos casos que mediar? Será punido por demora na execução do procedimento?

Muitas outras questões podem ser suscitas como a modificação das disciplinas básicas nos cursos de Direito com intuito a alterar a cultura legalista e litigiosa que predominam nas academias; a condição de que o mediador possa ser outro profissional que não o advogado ou bacharel, uma vez que seu saber jurídico poderia influenciar no consenso autônomo das partes; e, principalmente, a questão da mudança cultural, situação que se apresenta emperrada uma vez que o sistema civil law se distingue do common law, principalmente quando se trata das especificidades da justiça americana, berço de onde o modelo das ADR’s foi retirado.

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4 DA CONFLUÊNCIA DOS SISTEMAS CIVIL LAW E COMMON LAW E A EFETIVIDADE DA MEDIAÇÃO NO BRASIL.

Conforme demonstrado no decorrer do trabalho, as formas de resolução alternativa de litígios brasileira não são exatamente um modelo original. Muito de sua aplicabilidade advêm das Alternative Dispute Resolution existentes no modelo jurídico americano pautado no sistema common law. Entretanto, exatamente por isso, torna-se necessária a análise dos sistemas e a cultura social que permeia os povos formadores de cada um deles. Como dito alhures, o sistema jurídico americano tem como base cultural os mesmos princípios formadores do seu povo: liberdade, igualdade, privacidade, laissez-faire; muitos desses conhecidos pelos brasileiros somente após a Constituição de 1988.

Nesse sentido, a atuação pré-processual americana é muito forte. Há uma cultura antiprocessualista, entendida como antiestatista, o que favorece a resolução dos litígios antes do trial, ainda no processo da discovery, o que resulta a esse país e a Inglaterra que compartilha do mesmo sistema, com algumas técnicas diferentes, um ínfimo percentual de causas ajuizadas (TARUFFO, 2003, p. 148). No Brasil, ínfima são as conciliações, sendo preferência cultural da nação o litígio e o assistencialismo judiciário. Contudo, alguns autores defendem uma oxigenação dos sistemas civil law e common law, no sentido de se misturarem naquilo que cada um tem de melhor, causando, inclusive, distinção entre países que adotam o mesmo sistema jurídico.

Michelle Taruffo (2003, p. 142) alerta para a análise científica daquele que faz a mensuração e a diferenciação dos sistemas jurídicos. Primeiro no que tange a “neutralidade da pesquisa”, o que dificilmente existirá, afinal, o pesquisador jamais será “passivo, neutro ou indiferente à sua própria cultura”. Outra questão é o “objeto” da comparação que, quando extremamente micro, não se presta para avaliar o objeto. Portanto, as questões básicas que diferem os sistemas civil law e common law não são mais suficientes para distinguir um sistema do outro. Questões como predominância do processo escrito e oralidade, inquisitivo e adversarial, não se prestam mais como características determinantes dos sistemas citados, mesmo porque, a modernidade e a eliminação das fronteiras culturais resultaram na adaptação dos sistemas para atender as demandas mundiais. Em outras palavras, Barbosa Moreira (2007, p. 41) afirma o seguinte:

Semelhante divisão, vale ressaltar, não há de ser concebida em termos estáticos. Tem o sabor do óbvio o asserto de que os ordenamentos jurídicos se acham em constante evolução – nos dias que correm, provavelmente, com maior rapidez do que noutros tempos. Ao estudioso

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não é lícito deixar de tomar em consideração esse dinamismo. Semelhanças e dessemelhanças podem aumentar e diminuir, quiçá desaparecer. Nem é necessária, às vezes, uma expressa reformulação de textos legais. À margem deles, mudanças culturais fazem sentir-se na maneira de compreender e valorar o comportamento humano. A interpretação e aplicação das normas jurídicas não escapa a esse processo evolutivo. É oportuno, para não dizer indispensável, que de vez em quando se retomem as comparações, a fim de verificar se ocorreram modificações capazes de tornar obsoletas posições clássicas, ou se – e em que medida – ainda é possível reputá-las válidas.

Portanto, da mesma forma que o sistema common law ampliou a participação dos juízes nas lides e adotou a idéia de códigos processuais, o sistema civil law adotou o limite recursal e pode muito bem implementar as Alternative Dispute Resolution. Entretanto, a formação cultural da sociedade brasileira não pode passar despercebida. Para que os tipos de resoluções alternativas de litígios implantados no Brasil alcancem sua real efetividade como ocorre no sistema jurídico americano, necessário será repensar o papel do Poder Judiciário no Brasil.

5 CONCLUSÃO

O trabalho se apresenta com o escopo de comparar a formação cultural do

povo americano e do brasileiro por meio da construção de suas federações na expectativa de demonstrar que tal formação influi na formação do sistema jurídico de cada local. Uma vez demonstrada a existência da divisão do ocidente em dois sistemas jurídicos: common law e civil law, traça-se uma diferenciação entre ambos, tendo como ponto principal a Alternative Dispute Resolution – ADR. As ADR’s do sistema americano influenciaram no sistema jurídico brasileiro, principalmente após a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, quando a celeridade processual e a dignidade da pessoa humana se tornaram princípios mestres do Processo Civil brasileiro.

Uma vez comparadas as ADR’S com os meios alternativos de resolução de conflitos adotados pelo sistema jurídico brasileiro, fez-se uma análise sobre a possível regulamentação da mediação no Projeto de Lei n.º 8046/2010, que ainda sem alterações propostas pela Câmara dos Deputados, possivelmente instituirá um novo Código de Processo Civil no Brasil. Dessa forma, é possível concluir que mesmo adotando a mais moderna doutrina que aponta para uma convergência entre os sistemas jurídicos em razão da própria globalização, ainda há de se analisar se o instituto mediação coaduna com o perfil cultural da sociedade e do próprio Estado.

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Não será deturpando ou institucionalizando o instituto da mediação que se alcançará a meta de desafogar o Judiciário por meio da retomada pelo cidadão da capacidade de resolução dos seus próprios litígios, uma vez que esse é o objetivo fiel do instituto. Caso o objetivo do Estado seja conduzir a sociedade educando-a a resolver seus próprios conflitos, o que não seria uma tarefa fácil, uma vez que se encontra enraizado no brasileiro a cultura do jeitinho, das facilidades, da dependência e do assistencialismo, dever-se-ia impulsionar a mediação privada, configurando a necessidade dessa ou de outro meio de ADR, para a partir daí, alcançar-se o direito de pleitear em juízo. Mas, aparentemente ao contrário, o Estado novamente prefere incluir, inchar a máquina pública ou invés de delegar ao cidadão o direito de tentar solucionar por si os seus próprios conflitos. E não adianta dizer que a jurisdicionalização da mediação não interfere na sua essência extraprocessual, o que poderá ocorrer a qualquer tempo dependente da vontade do cidadão. Tal afirmativa não é real, pois uma vez o mecanismo disposto dentro do Poder Judiciário, quem o requererá fora de lá?

Para o brasileiro o que importa é a ordem do juiz, mesmo que o exercício da jurisdição esteja sendo exercido por um auxiliar, aos olhos da sociedade, obteve-se uma resolução hierárquica. Sendo assim, para que a mediação exerça seu efetivo papel na sociedade brasileira, necessário será não destinar à mediação o mesmo procedimento dado à conciliação. Em outras palavras, a mediação não deve ser empurrada aos litigantes, esta deve ser querida por eles. Deve-se valorizar e implementar a mediação extraprocessual e privada, bem como, alterar a visão institucional do Poder Judiciário que ao invés de retirar, inclui mais atividade à jurisdição. Pelo Projeto do novo Código de Processo Civil, mesmo com a regulamentação endoprocessual dos meios alternativos de resolução de conflitos, o processo continua a empanturrar os tribunais, só que agora em mesas diferentes, as mesas dos mais novos serventuários, os mediadores. REFERÊNCIAS ALMEIDA NETO, Antonio Prudente de. História e Evolução do Direito do Consumidor. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/17500/historia-e-evolucao-do-direito-do-consumidor>. Acesso em: 12 jan. 2013. ANDRADE, Manoel Correia; ANDRADE, Sandra Maria Correia. A federação brasileira: uma análise geopolítica e geo-social. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2003.

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A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O FORTALECIMENTO DA CIDADANIA: A CULTURA DE PAZ COMO MECANISMO PARA A PROTEÇÃO DA PROLE DIANTE DO CONTURBADO TÉRMINO DAS RELAÇÕES AFETIVAS

SILVA, Daniela Juliano121 RANGEL, Tauã Lima Verdan122

Resumo: No cenário contemporâneo, verifica-se que as células familiares, em decorrência das diversas construções e reconstruções que sofrem, passaram a gozar de especial relevo, concedido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dotada de proeminente destaque, constituindo a base da sociedade. Diante deste painel, mister faz-se anotar que a família é carecedora de uma especial atenção, eis que materializa o ambiente em que o indivíduo apresenta a possibilidade de desenvolver suas potencialidades, afigurando-se como ambiente de concreção da dignidade da pessoa humana, eis que permite a substancialização das inúmeras potencialidades do indivíduo. Verifica-se, também, que a célula familiar vindica maciço zelo, notadamente em decorrência do sucedâneo de conflitos e consequências advindos do término do vínculo afetivo entre os cônjuges/companheiros, configurando um fenômeno de dissociação familiar, o qual desencadeia consequência que projetam efeitos em todos aqueles atingidos direta e indiretamente. Desta feita, tendo em vista o amplo número de conflitos originados no seio da célula familiar, impende destacar o papel substancial desempenhado pelos meios alternativos e complementares de resolução de conflitos, dentre os quais a mediação familiar recebe fundamental enfoque, para a resolução, principalmente devido à ineficiência do Poder Judiciário, muitas vezes, em resolver as situações concretas colocadas sob o seu apreço. Neste passo, o presente debruça-se em desenvolver uma análise acerca da contribuição que a mediação familiar apresenta na resolução dos conflitos decorrentes do término das relações afetivas, substancializando mecanismo importante na preservação da prole do desgaste existente, bem como inspiração para o desenvolvimento de cultura de paz, provocando o empoderamento dos envolvidos e o estímulo à prática da cidadania.

                                                                                                                         121 Bolsista CAPES. Mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. 122 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Integrante da Linha de Pesquisa “Direito Processual e Acesso à Justiça” e Coordenador da sublinha “Direito Fraterno e Mediação”, do Grupo de Estudo e Pesquisa “Constitucionalização de Direito”.

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Palavras-chave: Mediação Familiar. Conflitos Familiares. Cultura de Paz. Abstract: In the contemporary new institutional configurations, the family increases its importance as the society basis, even with the constant reconstructions of its values, having special importance and recognition into Brazilian Constitutional Diploma from 1988. Despite this fact, it is important to notice that in many ways the family does not have all the importance that it deserves, especially considering its importance involving personal growth and self-esteem, representing the perfect environment for the construction of human dignity and the materialization of each ones potentialities. It is important to realize the importance of the maintenance of the familiar cell, especially in delicate moments as the end of the marital bonding. The effects of the disruption of the parents relationship, affects everybody, direct or indirectly. In order to minimize the traumatic effects of this breakage into the family core, alternatives forms of conflicts resolution, especially the family mediation, are gaining special relevance. With the usual inefficiency of the jurisdictional response to deal with these conflicts, mediation seems to be a new glimpse into those delicate relations. This study intends a glance into the contribution of mediation into family matters and how it is important to preserve the children through the breakage of their parents affective relations, transforming a chaotic scenery into a new perspective of peace, empowerment and citizenship. Keywords: Family Mediation. Family conflicts. Peace Culture. 1 A MEDIAÇÃO FAMILIAR NA CONTEMPORANEIDADE: A AFIRMAÇÃO DO EMPODERAMENTO DO INDIVÍDUO NA FORMAÇÃO DE CONSENSOS

No cenário contemporâneo, é possível destacar que o divórcio e a separação, até o advento da Emenda Constitucional N° 66, de 13 de Julho de 2010, que promoveu a alteração no artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tornaram-se acontecimentos corriqueiros na vida ocidental. A célula familiar, alçada ao status de unidade fundamental da sociedade, sofreu maciças transformações, desencadeadas, sobretudo, pelo fenômeno da industrialização e pela alteração de costumes. Ao lado disso, é possível, ainda, colocar em destaque que a possibilidade do desenvolvimento do trabalho feminino, conjugado com o abandono ao modelo clássico de família patriarcal, caracterizada pela adoção de aspectos patrimoniais e pelo conservadorismo,

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contribuíram, de maneira robusta, para a alteração dos contornos estruturantes da entidade familiar. Thomé (2010, p. 21) destaca que “a família matrimonializada se formava para cumprir um papel social da época, sendo chefiada e administrada pelo homem, por meio do poder marital sobre a mulher e o poder familiar sobre os filhos menores de idade”.

Diante do painel pintado, é perceptível que a entidade familiar, em especial nos séculos XVIII, XIX e meados do XX, estava alicerçada em um conjunto de arquétipos que refletiam justamente o aspecto hierarquizado daquela unidade, em especial a instituição de consanguinidade, de parentesco legítimo e duradouro laços afetivos, eis que homens e mulheres, comumente, constituíam suas relações fundamentadas em interesses patrimoniais, sociais e morais, sendo de pouca relevância a realização pessoal de cada integrante do núcleo familiar. Assim, afastada de um ideário humanista e pautado na realização do indivíduo, a entidade familiar configurava o instrumento de concentração de patrimônio e refletia os valores e costumes compartilhados pela sociedade. Tratava-se apenas de uma mera reprodução do cunho patrimonial que concedia a tônica às relações existentes naquele período histórico.

Todavia, em razão da pluralidade de valores que passaram a permear a sociedade brasileira, colocar em destaque é possível que houve um substancial abandono da ótica patrimonialista que concebia o núcleo familiar apenas como célula basilar da sociedade patriarcal, ostentando o homem a figura do provedor e detentor do pátrio poder e a mulher renegada a segundo plano. Como bem afiança Fachin (2001, p. 08), “a família do Código Civil do começo do século era hierarquizada, patriarcal, matrimonializada e transpessoal, de forte conteúdo patrimonialista vez que colocava a instituição em primeiro plano”, configurando, assim, como núcleo de apropriação de bens nas classes abastadas, atuando o indivíduo para a manutenção e fortalecimento da instituição.

O contemporâneo cenário acarretou profundas e drásticas mudanças no papel do homem, que, até meados do século XX, desempenhava a função de provedor e detentor da tomada das decisões, e da mulher, subjugada a uma sociedade machista. É fato que essa alteração de papéis influenciou, de maneira determinante, no relacionamento do casal, possibilitando uma equiparação entre homem e mulher, tanto no que se refere à chefia da família como na tomada de decisões. Ao lado disso, não é possível olvidar que é a busca da felicidade que move o ser humano a desbravar novas formas de se relacionar, propiciando o desenvolvimento de sua personalidade, tal como é no ambiente privado da família que o ser humano busca refúgio das pressões econômicas e sociais, bem como a realização de suas potencialidades na condição de indivíduo singular. Influenciada

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pelos valores emanados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é possível analisar a família como condição de concreção da dignidade da pessoa humana, afigurando-se como núcleo sensível a receber especial proteção pelo ordenamento jurídico.

A família, nos últimos anos, vivenciou inúmeras transformações. O conceito tradicional de família restrito ao conjunto de pai, mãe e filhos já não mais se sustenta diante das mudanças ocorridas no seio familiar e na sociedade como um todo. Vários novos enlaces familiares foram sendo estabelecidos exigindo o reconhecimento e respeito sociais. O princípio da dignidade da pessoa humana exposto constitucionalmente e em documentos internacionais garantidores da efetividade dos direitos humanos serviram de paradigma para a defesa dessas novas relações. Mães ou pais solteiros, uniões estáveis, produções independentes, uniões entre casais do mesmo sexo, pessoas casadas, mas que não dividem o mesmo lar, indivíduos vivenciando o segundo matrimônio com filhos de uniões anteriores, enfim inúmeras são as novas situações existentes que também podem configurar uma família. (SALES, s.d., p. 01-02).

Vivencia-se, assim, um novo ambiente, no qual a família passa a representar

o ponto de partida de todo o ser humano para construir as demais relações afetivas que não se manifestam apenas no modelo nuclear do pai, mãe e filho da pequena célula familiar burguesa, patriarcal, hierarquizada, com destaque ao patrimônio. Ao contrário, verifica-se uma família atrelada às plurais estruturas e aos modelos, passando do singular ao diversificado, preenchendo as multifacetadas formas afetivas que vão se apresentando ao longo da existência humana, pautado em um modelo aberto, sensível aos contornos da nova família contemporânea, imersa em toda a profusão de situação que passam a ditar a tônica da realidade vigente, notadamente no que se refere à busca pela felicidade pelo indivíduo. É a pluralidade diversificada a que caracteriza o indivíduo que permite a reestruturação da unidade familiar, conferindo-lhe a dinamicidade pretendida para ser contemporânea aos indivíduos que a constitui, superando dogmas estanques, revestindo-se, doutro modo, de novos paradigmas e preceitos.

Depara-se, assim, com uma realidade sensível às complexas manifestações individuais, notadamente as alargadas pela continua difusão de informações, permitindo a construção e reconstrução de estruturas, bem como a busca incansável para o alcance da satisfação individual, conferindo à célula familiar a relevância vindicada, em especial no que se refere ao fato de apresentar-se como primeiro núcleo de promoção do indivíduo. Resta patente, desta maneira, que houve a superação, no contemporâneo contexto, da visão segundo a qual a célula familiar consistia em um elemento de concentração de renda, valorizando o

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patrimonialismo e a hierarquização dos integrantes, mas sim como célula que busca a promoção do indivíduo e materialização da dignidade da pessoa humana, revelando-se. “Esse novo contexto social suscitou mudanças concernentes à fecundidade, à queda de popularidade do casamento, ao aumento da instabilidade conjugal, à monoparentalidade e à recomposição familiar” (SANTA CATARINA, 2004, p. 04). Acerca do tema, Gondim sustenta que:

As famílias enfrentam um processo de instabilidade, uma vez que as mudanças ainda não foram assimiladas pela sociedade de um modo geral. Os familiares ainda não conseguem administrar as diferenças que estão surgindo em meio aos novos modelos de entidade familiar. Com as transformações de papéis pré-estabecidos, os familiares precisam negociar a todo o instante suas diferenças. Na verdade, o conflito é inerente às relações familiares, uma vez que a família é dinâmica, composta por complexas relações entre os seus membros. Nesse liame, estão presentes constantemente desavenças, ou seja, no cotidiano das pessoas, as brigas familiares são uma realidade, gerando, em muitos casos a violência doméstica, vitimando principalmente, mulheres, crianças e idosos (GONDIM, s.d., p. 02).

É perceptível, deste modo, que os arranjos familiares tornaram-se mais fluídos e instáveis, não mais se observa a solidez das relações que duravam décadas; ao reverso, a dinamicidade da vida contemporânea e os problemas dela decorrentes, conjugada por uma incessante busca pela felicidade, valor este dotado, cada vez mais, de relevância na cultura ocidental, culminam com o desgaste da convivência entre os cônjuges/companheiros. Nesta linha, o Estado, sobrecarregado, apresenta-se incapacitado de solucionar situações dotadas de ampla complexidade quanto a relação entre o vínculo jurídico e emocional das pessoas envolvidas em processos de divórcio e dissolução de união estável. Tal fato decorre da premissa que sentimentos de amor, ódio e dor, inerentes aos conflitos jurídicos, acabam produzindo consequências permanentes na vida dos envolvidos. “As partes envolvidas acabam discutindo questões afetivas no espaço até agora destinado unicamente à discussão de aspectos jurídicos e patrimoniais” (Braganholo, 2005, p. 71).

Assim, diante de um novo contexto social, dotado de fluidez e dinamicidade, a mediação familiar emerge como instrumento apto a propiciar aos indivíduos uma dissolução menos traumática e contornada de maior humanidade dos vínculos afetivos, em especial devido ao fato de que as formas tradicionais adotadas para finalizar um casamento ou união estável não refletem a realidade dos indivíduos e de sua prole. Transmite-se, comumente, para as mesas de

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audiência aspectos afetivos e sentimentais que não recebem amparo legislativo, eis que configuram situações que são apreciadas a partir de um viés patrimonial, monetarizando questões familiares. Imperioso é reconhecer que a mediação familiar encontra-se inserta em uma orientação de sociedade que fomenta a autopromoção, a comunicação entre os seus indivíduos e o desenvolvimento da responsabilidade. Além disso, não é possível suprimir que “o cotidiano familiar, ao ser interrompido e alterado pela separação conjugal [contemporaneamente apenas pelo divórcio], implica em uma negociação de novas formas e lugares de vida” (SCHABBEL, 2005, p. 15), trazendo um sucedâneo de mudanças que necessitam de compreensão e organização por parte dos envolvidos.

Ao lado disso, o procedimento de mediação pode ser uma forma de busca a aproximação dos mediados para discutir questões de interesse mútuo ou não, observando e mediando os pontos que apresentem divergência e consolidando as questões convergentes. Trata-se de instrumento a propiciar o diálogo entre as partes envolvidas no conflito, despertando, via de consequência um pensamento pautado no empoderamento do indivíduo e na responsabilização das partes, de maneira a construir um consenso fruto da vontade das partes e não imposto por um terceiro alheio ao conflito. Verifica-se, desta maneira, que a mediação apresenta-se como elemento apto a desenvolver a cultura de paz entre os mediados, notadamente no que se refere à responsabilização dos indivíduos, de maneira a não promover a transferência de culpa entre os envolvidos ou ainda o fomento ao confronto caracterizador do processo judicial, mas sim propiciar a convergência de interesses para permitir a construção de um consenso.

Assim, a proposta da mediação voltada para o lado da cooperação, em vez de privilegiar o lado adversarial comum ao Direito, permite despertar nas pessoas que desfazem um vínculo conjugal o desejo real de assumir suas próprias vidas. A mediação fortalece a capacidade de diálogo a fim de se chegar a uma solução mais amena dos conflitos, e possui as seguintes características: a) do ponto de vista externo: trata-se de um processo privado, auto-compositivo e transdisciplinar, definido a partir de critérios de bem-estar social, no qual atuam profissionais com elevado conhecimento técnico para orientar as questões necessárias, buscando possibilidades de soluções para o conflito, limitadas apenas pela Ética e pelo Direito, uma vez que os acordos firmados em mediação referentes à guarda, visitas e pensão alimentícia deverão sempre ser homologados pelo Judiciário. b) do ponto de vista interno: a mediação procura, através da depuração dos consensos e dissensos, um intercâmbio de posições e opiniões, apontar a interferência de conflitos intrapessoais na dinâmica interpessoal dos cônjuges, e objetiva a composição de um acordo pautado na colaboração, preservando a autonomia da vontade das partes. (SCHABBEL, 2005, p. 16). (destaques no original).

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Ao lado disso, a mediação busca a estruturação de uma mudança cultural, especialmente no que se refere ao poder dos indivíduos de tomar às decisões que influenciam a realidade em que se encontram inseridos. Supera-se o ranço tradicional de transferir para o Estado-juiz, de maneira exclusiva, a possibilidade para a resolução dos conflitos, notadamente os inseridos na esfera privada, assegurando, via reflexa, o empoderamento dos envolvidos, de modo a desenvolver a cidadania e autonomia para a construção de consensos e promover a cultura de paz. Trata-se, com efeito, de privilegiar a autonomia da vontade das partes, ao invés de recorrer a um terceiro que decida por eles, sendo que o Estado-juiz é o último recurso, quando todas as vias de negociação fracassaram. Com efeito, o provimento jurisdicional prestado pelo Estado-juiz comumente está revestido apenas da técnica processual, pautado na legislação fria e em precedentes jurisprudenciais, poucas vezes volvendo um olhar sensível para as peculiaridades e nuances que emolduram a situação concreta levada a Juízo. Deve-se destacar, com ênfase, que “a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e o desenrolar do mesmo é feito com base na consensualidade” (RIOS, 2005, p. 11), eis que tão somente assim são alcançadas as soluções que satisfazem os interesses de ambos os envolvidos.

Ora, é verificável, neste primeiro momento, que a mediação familiar viabiliza a confluência de interesses de ambas as partes. Com efeito, é um processo de gestão de conflitos no qual um casal aceita ou mesmo solicita a intervenção confidencial de uma terceira pessoa, dotada de qualificação, para que encontre por si mesmo os fundamentos de uma avença duradoura e mutuamente aceitável, que contribuirá para a reorganização da vida pessoal e familiar. Insta pontuar que “o acordo de mediação, mesmo que parcial, sinaliza o final de meses ou até mesmo de anos de insatisfação e discórdia no casamento, e dá início a uma nova fase da vida familiar na qual novos lares são construídos e relações familiares organizadas” (SCHABBEL, 2005, p. 18). Nesta toada, cuida trazer à colação o entendimento apresentado por Fuga, em especial quando frisa:

A mediação familiar é uma prática para restabelecer relações, quando tudo indica que a família está desmantelada por consequência da dissociação entre o homem e a mulher, tentando minorar os prejuízos para os filhos. Com a intervenção da mediação familiar, é possível compreender que a separação e o divórcio não significam a dissolução da família, mas sua reorganização. [...]. Em matéria de família, só consegue avaliar bem o que ocorre quem está passando pelo sentimento, seja de amor, de ódio ou indiferença. Por isso, são as partes

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as únicas que podem interpretar seus afetos: nem o advogado, nem o juiz, nem o mediador podem fazê-lo. Por isso, a sociedade civil tem afrontado tanto o direito de família. O amor não pode ser interpretado por normas. (FUGA, 2003, p. 75-79) (grifo nosso).

Vale frisar, também, que a mediação familiar combate a escalada de desentendimentos decorrentes do moroso e litigioso procedimento adotado no cenário jurídico vigente, não permitindo que as partes alcancem o conflito extremo, permitido pelo sistema adversarial. “A ideologia ganhador-perdedor vigente no sistema tradicional judiciário é substituída por uma nova abordagem baseada na cooperação entre as partes envolvidas e não na competição” (SANTA CATARINA, 2004, p. 04). Deste modo, a mediação familiar apresenta-se como forma inovadora, no território nacional, de abordagem jurídica e também como alternativa ao sistema tradicional judiciário adotado para tratar os conflitos, nos quais se valoram a cooperação e a disponibilidade em promover a solução destacam-se como elementos imprescindíveis para a realização de um acordo. O sistema jurídico apresenta como robusto aspecto a confrontação entre as partes em litígios, despertando, corriqueiramente, conflitos inúteis, alongando as batalhar e enfraquecendo o relacionamento após a desestruturação do arranjo familiar. Trata-se da valoração do dualismo perdedor-ganhador fomentado pelo sistema processual adotado, no qual, imperiosamente, a morosidade do processo acarreta o desgaste, ainda maior, das partes envolvidas em litígios que versem acerca de questões familiares.

Deve-se, ainda, destacar que a lentidão administrativa, os custos do julgamento concernente ao exercício da autoridade parental e da pensão alimentícia, bem como o desrespeito desses julgamentos contribuem para o agravamento da finalização dos laços familiares. Não é possível olvidar que o sistema adversarial contribui cada vez menos para minorar a dor e o sofrimento experimentados durante a ruptura conjugal, entravando a possibilidade da construção de um acordo amigável. No sistema vigente, pautado na conflituosidade que caracteriza os procedimentos judiciais, os litigantes são obrigados, corriqueiramente, a apresentar motivos justificadores para a dissolução do vínculo existente, os quais são distintos dos verdadeiros, o que tão somente acentua o conflito. “Hoje, o término do amor entre os cônjuges justifica, por si só, a dissolução do vínculo conjugal, da união estável e o estabelecimento de novas relações afetivas com ou sem casamento” (THOMÉ, 2010, p. 25). A mediação não trata dos motivos ensejadores da dissolução dos liames afetivos, mas sim busca solucionar os problemas decorrentes dessa ruptura, com o fito de promover a reorganização futura da célula familiar.

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Cada membro que compõe uma família merece o olhar protetivo do Estado de forma singular e conforme suas peculiaridades para propiciar um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento afetivo, psicológico e físico de todos os seres humanos que compõem as diversas formas das famílias brasileiras. É por esta razão que a dissolução dos laços de casais, por meio de divórcios e dissolução de união estável, deve buscar formas distanciadas dos longos processos judiciais litigiosos para preservar os laços e filiação, a coparticipação parental, pois sem o amparo de uma família, a trajetória pessoal de cada ser humano pode se tornar mais difícil e dolorosa do que aqueles que encontram suporte na família para superar as dificuldades impostas pela vida (THOMÉ, 2010, p. 24).

Neste aspecto, é possível destacar que a mediação, notadamente nas situações em que envolva divórcio e dissolução de união estável, tem assento com o intuito de preencher as lacunas do sistema judiciário clássico, em especial no que se refere às transformações familiares que ocorreram durante as décadas passadas. Ora, cuida salientar que a prolação da sentença pelo Estado-juiz, por si só, não tem o condão de findar o conflito existente; ao reverso, por vezes, pode potencializar os conflitos existentes, eis que não comporta a estruturação de uma cultura de paz pautada no diálogo e na construção de consenso, mas sim na imposição de uma visão do terceiro alheio ao conflito. Assim, para atender a essas mudanças na vida familiar, sem que haja ainda maior desgaste aos integrantes da célula familiar, é imprescindível a estruturação de um procedimento que solucione os problemas sociais e afetivos associados à ruptura conjugal.

Verifica-se, a partir do sedimento apresentado, que o escopo primordial apresentado pela mediação familiar descansa na preservação dos indivíduos, de maneira a propiciar o empoderamento dos envolvidos, a fim de construírem um consenso que satisfaça o interesse de ambos, resguardado a relação continuada existente, em especial quando houve prole que, de maneira indireta, é afetada pelos impactos do término dos vínculos, acarretando uma série de exposições e consequências danosas. “Vale salientar que a importância do uso da mediação familiar é fundamentada como mecanismo de pacificação de lides sob a visão de que o mesmo consolida o aprimoramento das soluções de conflitos familiares” (GONDIM, s.d., p. 02). Trata-se da adoção de uma visão pautada na estruturação de cultura de paz, empoderando os envolvidos no conflito, de maneira que tenham autonomia para alcançar um consenso, fruto do diálogo entre as partes.

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2 DESATANDO NÓS E FORTALECENDO LAÇOS: A PRESERVAÇÃO DOS FILHOS DIANTE DO TÉRMINO VÍNCULOS MATRIMONIAIS

Ao se deparar em procedimentos judiciais no qual é verificável o término

conflituoso da célula familiar, é verificável que o divórcio produz mais inconvenientes do que vantagens para os filhos, porquanto, por vezes, são projetadas as frustrações e angústias dos genitores na prole. Trata-se de uma situação estressante, nas quais os filhos estarão sujeitos após o término da relação entre os genitores, sendo possível destacar, em um primeiro momento, a passagem para a família monoparental, cujo aspecto caracterizador está assentado na redução dos recursos humanos e materiais disponíveis, sem olvidar o estresse decorrente dessa nova realidade, tanto para a mãe, que costumeiramente fica encarregada pela guarda dos filhos, como para a criança. É possível, ainda, destacar que outra situação a buscar adaptação dos integrantes da célula familiar, após a ocorrência do esfacelamento dos vínculos afetivos entre os genitores, por meio do divórcio ou da dissolução da união estável, está “relacionada à guarda compartilhada ou à guarda exclusiva que também constituem evento estressante para as crianças, que deverão adaptar-se a várias transformações, como a mudança de ambiente” (SANTA CATARINA, 2004, p. 16).

A terceira adaptação é a ocorrência de nova união conjugal dos genitores que sedimenta a recomposição familiar, que corriqueiramente pode ensejar a uma probabilidade da alteração da guarda, bem como a adaptação do conjunto dos membros da nova entidade familiar. É fato que, diante de um novo arranjo familiar, no qual um terceiro, até então alheio à estrutura primitiva, poderá defrontar-se com duas manifestações distintas de resistência, a saber: uma atrelada ao medo que o novo parceiro substitua o pai/mãe biológico, e a outra decorrente da rivalidade entre a criança e o novo ou a nova parceira em relação ao genitor que detém a guarda. Com efeito, no tocante a este último aspecto, impende salientar que é corriqueiro verificar uma verdadeira disputa entre a criança e novo companheiro, no que toca à atenção e afeto do genitor, sendo o terceiro muitas vezes encarado como um intruso causador da desarmonia da entidade familiar.

Além disso, não é possível esquecer que as crianças e adolescentes expostos a um término traumatizante dos vínculos conjugais desenvolvem ansiedade, tristeza, medo, agressividade e baixo rendimento escolar, além de carência pelo cenário delicado em que passa a estar inserido, por vezes com desgaste emocional dos próprios genitores. Os conflitos quando perduram, após o divórcio ou a dissolução, tendem a desdobrar seus efeitos, notadamente sobre os

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filhos que passam a apresentar problemas de índole comportamental, refletindo, deste modo, o ambiente estressante em que estão se desenvolvendo. Como bem destacam Morais e Spengler (2008, p. 54), “o conflito transforma o individuo, seja em sua relação um com o outro, ou na relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfiguradas e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras”. Com efeito, um ambiente que apresente conflitos intensos entre os genitores, divorciados ou não, prejudicam o desenvolvimento das potencialidades das crianças, porquanto esses conflitos desencadeiam profundo estresse.

Os filhos precisam consideravelmente dos pais durante o processo de separação, e é exatamente neste período que tanto o pai quanto a mãe estão mais vulneráveis e frágeis, uma vez que há uma perda a ser elaborada e inúmeros sentimentos não são compreendido, além de aspectos práticos a ser resolvidos. Esse ponto pode ser ilustrado pelos casais que chegam às Varas da Família para homologar sua separação, seja por consenso ou para discussão em ação litigiosa, e apresentam um sentimento de perda ao falharem no casamento, sentindo-se profundamente fracassados […] Cada família reage e faz a leitura do processo de divórcio de acordo com sua rede de significados e crenças, aspectos culturais e religiosos, que não podem ser desconsiderados pelos profissionais e instituições que as assistem, devendo sempre tratar a família como um sistema autônomo, de fronteiras delimitadas. A entrada desses “estranhos” na família deverá ser circunstancial e transitória, tendo como objetivo colaborar para a retomada de seu ciclo de desenvolvimento (SCHABBEL, 2005, p. 15).

Desta feita, em decorrência dos prejuízos que um ambiente de discussões e desavenças acarreta aos filhos, necessário se faz conscientizar os genitores a respeito da necessidade de colocar termo, por meio da resolução de conflitos para assegurar o bem-estar dos filhos que corriqueiramente são os maiores atingidos pelas consequências advindas de um divórcio ou de uma dissolução traumatizante. “Sendo uma abordagem de resolução dos conflitos, a mediação ajuda os pais a sair dessa situação. É sabido que as necessidades das crianças que se defrontam com o divórcio de seus pais” (SANTA CATARINA, 2004, p. 17), estando associados à idade e ao estágio de desenvolvimento da prole. Esse conjunto de elementos é determinante para a estruturação de sintomas e reações em relação ao divórcio/dissolução dos pais. Neste aspecto, Fuga salienta que:

[...] há toda evidência de que a mediação familiar reorganiza o conflito e o transforma, demonstrando a nova funcionalidade da família e reaproximando os interesses dos entes envolvidos. Há a remodelação dos contornos familiares, minorando os efeitos de transição decorrentes da ruptura da união conjugal, mesmo aqueles efeitos nefastos que

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atingem as famílias transformadas em monoparentais, porque o que ocorre é uma reestruturação organizacional da família. Os laços são mantidos para além da separação, reforçando a função educativa da mediação. [...]. A mediação familiar garante uma relação materno-filial e paterno-filial. A guarda conjunta tende a se tornar regra, quando os pais se submetem à mediação familiar, visto que ocorre um (re)despertando amor aos filhos e a si próprios. O objetivo final da mediação familiar não é só restabelecer uma comunicação, mas transformar o conflito relacional, mesmo que em apenas algum aspecto (FUGA, 2003, p. 81-82).

Salta aos olhos que a ausência de informação coerente, conjugado com a falta de espaço para expressar seus sentimentos e sua visão acerca dos fatos prejudica a adaptação da criança. Ocorre que, de maneira corriqueira, um maciço número de crianças e adolescentes não foram preparados para o esfacelamento das relações conjugais, nem mesmo foram comunicadas sobre a importante decisão tomada. Cuida salientar, ainda, que há uma confusão entre o fato de participar da tomada de decisão e carregar as consequências advindas de uma decisão importante, eis que “a criança tem o direito de ser informada sobre as decisões que a tangem, tem o direito de expressar seu ponto de vista durante a tomada de decisão, mas a responsabilidade da decisão cabe sempre aos pais, e não à criança” (SANTA CATARINA, 2004, p. 17). Neste quadrante, a mediação familiar apresenta-se como instrumento apto a evitar o agravamento de conflituosidade entre os genitores e suas consequências danosas que incidem sobre os filhos, que, por vezes, são vitimizados pelos anseios e angústias dos genitores.

3 A MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO INSTRUMENTO DE RESGATE DA PESSOA HUMANA NAS RELAÇÕES FAMILIARES: A CULTURA DE PAZ ALÇADA À CONDIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DO CIDADÃO

É cediço que o término dos vínculos conjugais, quer seja por meio do

divórcio, quer seja por meio da dissolução de união estável, causa profundas marcas entre os pais e filhos, contudo, estes ressentimentos são de fácil percepção em condições em que o relacionamento foi rompido com animosidade, beligerância e acentuado estresse. Teruel (1992, p. 195), em consonância com as ponderações estruturadas, destaca que “considera-se que o conflito é inerente a todo e qualquer relacionamento conjugal, contribuindo tanto para a dissolução quanto para o fortalecimento do vínculo”. Com efeito, quando enfrentado da forma adequada, com maturidade e orientado por profissionais competentes, a dissolução do vínculo existente pode ajudar a fortalecer os liames familiares, principalmente

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caso decorram de um processo natural de crescimento, algo característico da relação marital. Desta maneira, não é imprescindível que um conflito existente signifique o fim de uma relação, porém independente de qual fim ocorra, este deve ser concebido como uma oportunidade de amadurecimento e crescimento da relação.

“Os mediados, [...], no caso de divórcio, deveriam recorrer a mediação no intuito de ser mais uma ferramenta para enfrentamento das transformações decorrentes deste novo cenário, com suas renúncias e responsabilidades próprias”, como bem explicita Gondim (s.d., p. 09), a fim prepararem-se para as mudanças que sofrerão com o término dos vínculos matrimoniais/convivenciais. Ora, a mediação familiar, na condição de mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos, apresenta um aspecto mais robusto no que se refere ao seu papel diante da dissolução dos vínculos conjugais, não se limitando a mera discussão da causa do conflito e a responsabilização de um dos envolvidos, colocando sobre aquele a pecha de “culpado” pelo esfacelamento do vínculo matrimonial/convivencial. Quadra anotar que a mediação não se assenta tão somente nas causas que deram ensejo ao desgaste e esfacelamento dos vínculos afetivos entre os mediados; ao reverso, busca, por meio da conscientização e do empoderamento dos mediados, obstar a escalada do conflito familiar, saneando o sofrimento humano decorrente do embate característico do término da relação entre os cônjuges/companheiros, revolvendo o cerne da questão, com o escopo de evitar o crescimento do conflito e a intensificação de seus efeitos nos integrantes da célula familiar. Neste sentido, Oliveira evidencia que:

A mediação vai mais longe, à procura das causas do conflito, para sanear o sofrimento humano que daí se origina ao casal e aos seus descendentes. O objetivo é evitar a escalada de conflito familiar que nem sempre se extingue com mero acordo imposto de cima para baixo. Por meio das seções de mediação, chama-se o casal à responsabilidade pelo reencontro, afim de que se preserve a convivência, senão da sociedade conjugal, de pessoas separadas que sejam conscientes dos efeitos que, inexoravelmente, advém da sociedade desfeita (OLIVEIRA, 2001, p. 106-107).

É cediço, ainda, que a mediação familiar torna-se mais complexa quando há a presença de filhos, porquanto o escopo é resguardar os melhores interesses das crianças e dos adolescentes, a fim de que não sejam expostos aos efeitos danosos decorrentes do término da relação entre os genitores. “Estes conflitos em torno da criança são, na maior parte do tempo, conflitos não resolvidos pelo casal: a criança

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torna-se este instrumento privilegiado permitindo aos pais, que não realizem o luto da relação, permanecer juntos no conflito”, como bem destaca Ganância (2001, p. 08). Tal fato dá-se em decorrência da utilização da criança como instrumento para remediar as feridas advindas do esfacelamento das relações conjugais, sendo, por vezes, empregados como um bálsamo para cuidar do orgulho aviltado ou mesmo um projétil no conflito bélico a que os genitores se encontram inseridos. Verifica-se, de maneira corriqueira, uma busca desenfreada pela punição do outro, sendo que os filhos são condicionados à situação de simples mecanismos de punição do ex-cônjuge/ex-companheiro, convertendo-se em coisas, dando azo a desvios que oscilam desde a desqualificação do outro genitor até a busca pela erradicação deste na formação da prole, conferindo concreção à síndrome da alienação parental.

Ao lado disso, os conflitos entre cônjuges/companheiros, decorrente de uma resolução insatisfatória e deficiente, em grande parte das vezes, extrapolam a esfera daqueles, passando a orbita em torno dos filhos, os quais são utilizados como munição para agravar e desgastar ainda a dissolução conjugal. “A criança e/ou adolescente passa a ser instrumento e lamento para compor os discursos de discórdia. Por vezes passa a ser a própria causa raiz da dissenção entre o casal, seja pelo tipo de criança e da lide de educar” (GONDIM, s.d., p. 09), em razão de uma conjunção de múltiplos fatores, como, por exemplo, a falta de maturidade para passar pelo doloroso processo de dissolução dos vínculos conjugais, bem como o aumento da responsabilidade em prover e educar os filhos. Nazareth (2001, p. 54), ao tratar sobre a criança e/ou adolescente, no doloroso processo de dissolução dos vínculos conjugais, destaca, com bastante pertinência, que: “Ela precisa que seus pais se reconhecem mutuamente, mesmo que separados. Ela precisa de adultos que compreendam suas necessidades e que não satisfaçam suas vontades”.

É imprescindível para os filhos, a partir do explicitado, que os pais mantenham uma relação pautada no respeito mútuo, não podendo, com a dissolução dos liames conjugais, afastar os sentimentos de afeto e compreensão tão necessários para o processo educacional das crianças e adolescentes. Doutro modo, não é possível utilizar o discurso de preservação dos filhos para sustentar uma união desgastada, porquanto em um relacionamento esfacelado é costumeiro haver o fortalecimento de mágoas, acusações recíprocas, angústia, além de um sucedâneo de sentimentos que apenas contribuem para o sofrimento de todos os que se encontram inseridos na célula familiar afetada desencadeando ainda maior sofrimento. “As crianças e/ou adolescente necessitam de um ambiente saudável para o seu crescimento físico e psíquico, sendo bem administrado o divórcio, será mais saudável do que uma união infeliz e desgastada” (GONDIM, s.d., p. 10). Desta

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maneira, buscando estabelecer uma dissolução em que haja a preservação dos filhos dos efeitos negativos, a mediação familiar atua como instrumento que oportuniza ao casal uma reestruturação das relações parentais, de forma pacífica, por meio do confrontamento com a realidade, as angústias e os anseios de ambos, viabilizando a restauração da confiança afetada. Não é demais destacar que:

A família que se busca e se quer promover é aquela representada pelo espaço de realização existencial da pessoa humana, um lugar de afeto, de liberdade, respeito e de reconhecimento da dignidade de cada um de seus membros, o que significa também reconhecer que o afeto, a liberdade, o respeito, a solidariedade e a dignidade não estão presentes em todas as famílias brasileiras. No entanto, essa família, reconhecida pela Constituição Federal de 1988, oferece o caminho para o legislador e todos os envolvidos nas questões relacionadas à mesma, a busca de soluções aos conflitos familiares com base nos princípios estabelecidos pela Carta Magna (THOMÉ, 2010, p. 27).

Um dos mecanismos enfatizados pela mediação está jungido na importância da coparentalidade, notadamente no que se refere à necessidade dos filhos de manter relação, alimentar o envolvimento, proximidade e interação com ambos os genitores. A partir deste viés, é possível destacar que a mediação possibilita uma melhoria nos liames entre o casal desfeito, o que privilegia de sobremaneira a convivência, o relacionamento dos filhos com seus pais. O escopo da mediação familiar é que os mediados resgatem o diálogo rompido, no qual é valorada a solidariedade, a boa-fé e responsabilidade entre aquele, pois o objetivo reside na preservação das relações de índole continuada, propondo uma substancial modificação no paradigma vigente. Trata-se de incentivo às partes para que possam perceber, de maneira positiva, os conflitos, assimilando-os como fatos inerentes à relação entre as partes, permitindo a construção de um consenso que atenda ambas às partes. “Podemos dizer que a mediação familiar tem um poder de operar mudanças ou transformações, abrindo inúmeras portas e caminhos para que cada pessoa envolvida no processo de mediação” (BREITMAN; PORTO, 2001, p. 67).

É possível, a partir desta perspectiva, que os conflitos familiares, precipuamente os que abranjam o divórcio e a dissolução dos vínculos conjugais, podem ser objeto de resolução na mediação familiar, em especial para assegurar a preservação dos integrantes da célula familiar. Ao abordar o tema em destaque, Braganholo (2005, p. 76) coloca em destaque que “o objetivo principal do tipo de intervenção proposto é evitar que os conflitos familiares acabem se tornando crônicos, ao contrário do processo adversarial, que não se preocupa e não tem espaço, em seu

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procedimento, para resolver as crises” nem mesmo os conflitos familiares, propiciando, de outro ângulo, que as partes possam decidir os conflitos e estruturarem consensos pautados no fortalecimento de uma cultura de paz em detrimento do regime adversarial procedimental vigente. Por derradeiro, a mediação familiar opera nas mudanças, permitindo variados posicionamentos, nos quais as partes envolvidas nos conflitos optam pela melhor solução que seja satisfatória mutuamente. Ambiciona-se, neste cenário, a busca pela estruturação o protagonismo e a responsabilização dos mediados, sensibilizando-os da relevância da participação de cada um na tomada das decisões em prol da reorganização da família, fomentando o discurso de empoderamento dos envolvidos, de modo a conscientizá-los na tomada de decisões. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível verificar, a partir do painel pintado, que a célula familiar sofreu

intensa modificação de valores na contemporaneidade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, sendo, de maneira paulatina, abandonada a feição patrimonialista e patriarcal que abalizava a estruturação e manutenção da entidade familiar. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em decorrência dos feixes principiológicos emanados pelo núcleo sensível da dignidade da pessoa humana, a entidade familiar foi alçada ao status de célula mater da sociedade, na qual cada indivíduo objetiva a plena satisfação de suas potencialidades, assim como ambiciona a concreção da busca incessante pela felicidade. Nesta trilha, necessário faz-se a abordagem dos conflitos familiares, notadamente os envolvendo o divórcio e a dissolução da união estável, a partir de um viés humanístico, no qual a situação concreta, com todas as peculiaridades existentes, seja considerada, a fim de se alcançar a preservação dos laços afetivos.

A partir das ponderações arvoradas, buscou-se conferir importância a mediação, enquanto instrumento para a solução dos conflitos familiares, alargando a ótica sobre a pacificação e a inclusão social, bem como o acesso à justiça, saliento, deste modo, o benefício trazido para a sociedade. Dessa maneira, a mediação logra êxito em pacificar a lide florescida dentro da família, sendo de uso adequado para promover a comunicação, isto é, o diálogo, consolidado sentimentos como respeito mútuo e afeto entre os mediados e os demais integrantes da célula familiar. Assim, constata-se que a mediação familiar é eficiente, porquanto resgata a humanização dos envolvidos, configurando verdadeiro pilar de cultura de paz. Muito mais que um paliativo para os conflitos familiares, a mediação revela-se como instrumento robusto de empoderamento

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dos envolvidos, notadamente no que se refere à responsabilização dos envolvidos, de modo a propiciar a edificar um consenso que satisfaça o interesse de ambos, permitindo, ainda, a materialização da cidadania, na medida em que confere aos mediados autonomia para superar o conflito e dirimir as questões que dele decorram.

REFERÊNCIAS:

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RIOS, Paula Lucas. Mediação Familiar: Estudo Preliminar para uma Regulamentação Legal da Mediação Familiar em Portugal. Verbo Jurídico, v. 2, 2005. Disponível em: <http://www.verbojuridico.com>. Acesso 15 jul. 2013. SALES, Lilia Maia de Morais. Conflitos Familiares – A Mediação como Instrumento Consensual de Solução. Disponível em: <http://gajop.org.br/justicacidada/wp-content/uploads/Conflitos-Familiares-%E2%80%93-A-Mediacao-Como-Instrumento.pdf>. Acesso em 15 jul. 2013. SANTA CATARINA (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Mediação Familiar: Formação de Base. Florianópolis, 98p. 2004. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso 15 jul. 2013. SCHABBEL, Corinna. Relações Familiares na Separação Conjugal: Contribuições da Mediação. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 7, n. 1, jun. 2005 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872005000100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso 15 jul.2013. THOMÉ, Liane Maria Busnello. Dignidade da Pessoa Humana e Mediação Familiar. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. TERUEL, Guilhermo. A Crise do Casamento. In: COSTA, Gley P.; KATZ, Gildo (Org). Dinâmica das Relações Conjugais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

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A MOROSIDADE PROCESSUAL COMO ENTRAVE AO ACESSO A JUSTIÇA

PIZETA, Raquel123 PIZETTA, Edimar Pedruzi124 RANGEL, Tauã Lima Verdan125

RESUMO: A morosidade e a ineficiência do sistema judiciário brasileiro são resultados da crise institucional da Justiça, que macula e sobrepesa negativamente em toda a sociedade comprometendo diretamente a visão de sistema sério e competente. O Estado inseriu no sistema alguns meios alternativos para suprir esta deficiência, contudo ainda precisam ser aprimorados para apresentarem resultados satisfatórios. O presente estudo visa esclarecer que o acesso à justiça vai além do acesso ao poder judiciário, e que mesmo estabelecido com garantia fundamental pela Carta Magna de 1988, através de seus princípios, enfrenta dificuldades para a aplicação dessas garantias determinadas em lei de modo a permitir a todos os cidadãos o acesso à verdadeira justiça.

Palavras-chave: Acesso à Justiça; Morosidade Processual; Duração Razoável do Processo; ABSTRACT The slow down and ineffective from brazilian justiciary system are results of institucional crisis justice, that defilement and overweight negatively in all society commiting straight to the view of system trustuvorthy and competente. The state inserted on system some alternative ways to supply this deficiency although. It need to be refined to show satisfactory results. The review intend to clear that the access to the justice go further from the access to thejusticiary power, and that even established with fundamental guarantee by Magna Charta from 1988 above from. Its diapers affront troubees to the application from this guarantees determined em lawin a way to the permit all the citizens to the access to thereal justice.

                                                                                                                         123 Graduanda do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: [email protected] 124 Graduando do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: [email protected] 125 Professor Orientador. Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. E-mail: [email protected]

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Keywords: access to justice, processing delas, reasonable length of proceedings. INTRODUÇÃO

A prestação jurisdicional no Brasil tem demonstrado-se pouco eficiente, com recursos humanos insuficientes, com estruturas físicas inadequadas, haja vista que o Poder Judiciário possui um número ainda pequeno de ferramentas tecnológicas, que poderiam acelerar os trâmites processuais. O que é agravado pelo crescente aumento das demandas, o que vem aumentando, no ano de 2009 existiam 83 (oitenta e três) milhões de processo em tramitação e no ano de 2012 esse número aumentou para 92(noventa e dois) milhões, já se considerando a baixa de 27 (vinte e sete) milhões neste período (BRASIL, 2014, s.p.). Esse aumento é reflexo da profunda transformação que a sociedade brasileira vem sofrendo nos últimos 30 (trinta) anos, influenciadas por fatores como um maior acesso a informação e a educação. O que aumenta o interesse dos indivíduos em buscar por seus direitos, bem como vê-los assegurados seja perante terceiros ou em face do próprio estado.

Cabe lembrar que o termo acesso à justiça tem sentido amplo, que vai além de simplesmente possibilitar o cidadão de usar do instrumento jurídico, mas de obter uma resposta justa para o conflito de interesses o qual se encontra. O presente estudo visa responder a indagação fundamental que norteia o sistema judiciário brasileiro que é: será que o Estado está sendo capaz de assegurar o direito de acesso à justiça? METODOLOGIA

O presente artigo foi elaborado a partir de pesquisa bibliográfica desenvolvida no período de março de 2014 a junho de 2014. AS ONDAS DO DIREITO E SUAS INFLUÊNCIAS

A judicialização dos conflitos é consequência, principalmente, de fatores

sociopolíticos e econômicos dos últimos anos. É nítido o crescimento da população, das relações sociais e consequentemente o nível de complexidade. Sem sombra de dúvida, o direito como regulador das relações, viria a ter seu campo de atuação modificado, no qual foram criadas novas categorias, como, a saber, diversificação de modelos de contratos, a realização de novas relações sociais entre nacionalidades diferentes, até então não trabalhada pelo direito

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pátrio. Ponto de grande relevância apontada pela doutrina de nomes renomados como Alexandre Freitas Câmera, (2010, p. 58) no campo das normas positivadas, foi às ondas do direto. Este movimento, que buscava aprofundar e facilitar o acesso à justiça sofreu grande influência do jurista italiano Mauro Cappelette que, buscando o desenvolvimento científico, classificou como As Três Ondas do acesso à justiça. Sabendo que a prestação dos serviços do Poder Judiciário, quase sempre caracteriza por sua onerosidade o que sempre dificultou o acesso aos serviços prestados aos membros da sociedade economicamente necessitados, surgiu a necessidade de garantir a todos o acesso à prestação à tutela jurídica do Estado. Este primeiro passo de assegurar a assistência judiciária, ficou conhecido como a Primeira Onda do acesso à justiça. O movimento da assistência jurídica teve inicio por volta da década de sessenta, nos Estados Unidos da América, vindo há ter, nos anos 70, grande influência em toda Europa, o que possibilitou uma notável melhora deste instituto nos países que submeteram seu ordenamento a essas modificações.

No direito pátrio, a onda renovatória da assistência judiciária refletiu diretamente na Carta Magna de 1988, em seu Art. 5º, LXXIV (BRASIL, 2014), que proclama a obrigação do Estado em prestar a assistência judiciária gratuita, e integral, aos pobres. Outra garantia deixada pela Constituição de 1988 é verificado no Art. 134 (BRASIL, 2014) a Defensoria Pública, também reflexo da primeira onda renovatória, que mais tarde foi organizada pela Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994 (BRASIL, 2014a). A mudança no ordenamento proporcionou, para aquelas pessoas que não possuíam meios de garantir seus direitos, a oportunidade de reivindicá-los por eles sem comprometer o sustento de suas famílias. Com as conquistas trazidas pela primeira onda, o acesso ao Poder Judiciário pela primeira vez no Brasil passou a não ser mais um privilégio da classe detentora dos poderes econômicos, para então atender também quem sempre esteve à margem da proteção jurídica, à margem da sociedade, em razão de não serem detentores de condições econômicas privilegiadas.

Com a garantia da assistência judiciária, verificou-se que, apesar de todos deterem a capacidade de colocar suas lides à apreciação do Poder Judiciário, constatou-se que, mesmo assim, não era possível a análise de todos os interesses. O desafio baseava-se em torno dos direitos supra-individuais, categoria esta que encontra superior ao direito individual adquirido na Primeira Onda. Assim sendo o problema resumia-se ao fato de o rol desses direitos não serem apreciados, uma vez, não serem próprios dos direitos individuais e sim de toda coletividade. Nesse novo cenário encontravam-se os direitos coletivos e difusos desprotegidos, por

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não serem tutelados pelos meios dos instrumentos garantidores dos direitos individuais.

Deste modo, torna-se evidente o objeto da Segunda Onda de acesso à justiça, caracterizando dessa forma, a proteção dos interesses meta individual, com o propósito de desenvolver garantias e instrumentos para tutelar esse campo (CAPELLETTI, 1988, p.41). Neste cenário, o direito brasileiro edifica vários mecanismos aptos a proteger tais interesses, sendo eles: ação popular, ação cível pública e o mandado de segurança coletivo. Com o objetivo de simplificar, fica evidente a necessidade de citar exemplos de direitos coletivos, como a preservação do meio ambiente, garantia da moralidade administrativa entre tantos outros. Para concluir, os estudos, que proporcionaram ao ramo do direito atual, avanço de suma importância, Mauro Cappelletti (1988, p. 68) dá início às discussões da Terceira Onda, que vem relatar a necessidade de garantir a verdadeira proteção às posições jurídicas de vantagens lesadas ou ameaçadas. Esta onda, por sua vez, buscava a aplicação de mecanismos alternativos para afiançar que todas as garantias conquistadas sejam asseguradas para solução dos conflitos. Ao lado disso, ainda, buscavam a introdução de meios eficazes, como a arbitragem, a mediação e a conciliação, institutos que serão abordados mais adiante, como forma de solucionar as dificuldades, como a demora, o excesso de formalidades, os custos, como novos meios de garantir aos jurisdicionados uma prestação justa e célere, desafogando, assim, o Judiciário.

Nesse caminho seria um incalculável equívoco atribuir aos litigantes, a não prestação de um serviço de qualidade pelo Estado, fundamentado com base no desenvolvimento social, econômico e a facilitação de acesso ao Poder Judiciário como a causa do problema da demora da entrega da prestação judicial pelo Estado- juiz. É de enorme importância afirmar que estaria completamente errado atribuir a culpa da má qualidade do serviço prestado nas mãos dos magistrados, do Ministério Público e servidores em geral do sistema, que exercem suas atividades sem os aparatos adequados. Isso porque é dever do Estado cumprir com essa prestação, uma vez que trazendo para sua responsabilidade a resolução dos conflitos. Para confirmar que o dever da prestação jurisdicional é de competência do Estado, a Constituição Federal, garante o acesso de todos ao Poder Jurídico. Por meio dessa garantia constitucional, toda manifestação de conflito deve ser apreciada e, na possibilidade de um mundo ideal, restaurada a pacificação social.

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O ACESSO À JUSTIÇA Em um primeiro contato o acesso à justiça é garantia constitucional

prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 2014). Isso significa dizer que todos têm direito para postular a tutela jurisdicional reparativa e preventiva de um direito. Essa garantia está assentada no princípio da inafastabilidade do controle o qual jurisdicional, assegura, aos cidadãos, a possibilidade de acesso ao judiciário, toda vez que, de algum modo, venha a não conseguir obter, de forma espontânea, a satisfação de um direito ou tenha um interesse obstaculizado por um conflito, podendo, então, socorrer-se ao Poder Judiciário. O acesso à justiça é muito mais que a movimentação da máquina judiciária por meio dos tramites processuais, assim o acesso à justiça não se confunde com acesso ao judiciário (CAMARA, 2013, p.197). Este é toda a estrutura física e humana que compõe e movimenta o Poder Judiciário. Ao contrário, o acesso à justiça é o ponto mais profundo e completo que se procura ao movimentar o judiciário. É ver os princípios fundamentais sendo usados e respeitados para a garantia de um direito assegurado pela Carta Magna, dessa forma, caminhado para além de uma simples propositura de uma ação judicial perante um órgão do sistema.

O acesso à justiça não fica restrito ao universo estatal, ou seja, ao órgão do Poder Judiciário. O que se almeja é conceder o acesso à justiça não como instituição estatal, mas em possibilitar o acesso à ordem jurídica justa. Assim, a garantia em discussão tem sentido mais abrangente, vez que se estende a todas as pessoas titulares de direitos ou mesmo aqueles com interesses infundados, podendo, desta forma, acionar a tutela jurisdicional não apenas aquele que possui real direito. Dinamarco reforça que:

A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências, em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se como qualificar como garantia-síntese e é o acesso à justiça. Mediante esse conjunto de disposições ela quer aperfeiçoar o processo em si mesma, de modo que ele reflita, em menor, o que em escala maior está à

base do próprio Estado-de-direito. (DINAMARCO, 2009, p.102)

Com efeito, o Estado tomou para si o poder de decisão dos conflitos, de modo a evitar e prevenir que na sociedade prevalecesse a autotutela, garantindo, deste modo, a todos o direito ao direito de pleitear a prestação jurisdicional para a solução dos conflitos existentes. De formar bem sucinta, monopólio de resolução

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de conflitos estatal, resume-se na interferência do Estado por meio da prestação jurisdicional, visando à resolução do conflito entre particulares. O cidadão que busca o acesso ao judiciário procura obter uma solução justa, acima de tudo. Fator como o tempo é peça fundamental para aqueles que almejam uma solução eficiente e justa para lide em que se encontram, e assim determina a Constituição em seu artigo 5º, incisos LIV (BRASIL, 2014) e LXXVIII (BRASIL, 2014), dando garantias do devido processo legal e a duração razoável do processo. Câmara (2013, p. 100) reforça que, para que sejam respeitadas todas as garantias do devido processo legal, sendo deste modo possível proferir uma decisão segura, eficaz e útil às partes.

O inciso LXXVIII, por sua vez, foi inserido no artigo 5°, pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, dentro do título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, passou a então a fazer parte do ordenamento brasileiro. Com essa introdução, o Estado assume mais um compromisso com os cidadãos em prol do Estado Democrático de Direito. Todavia, não era possível definir exatamente o que seria “a duração razoável do processo”, haja vista qual seria o tempo para a conclusão de um processo, seria um padrão igual a todos?

Não obstante, o tempo transcorrido, deve ser analisado de acordo com o caso concreto, levando em consideração as singularidades de cada situação. Todavia é evidente que estabelecer um prazo único para todos os processos é desconsiderar suas particularidades. Com esse dispositivo legal ocorreu à decretação dos limites ao exercício da própria jurisdição. É de extrema necessidade dissertar, que este princípio reuniu um campo vasto de outros princípios constitucionais como a razoabilidade do processo e juiz natural, entre outros. Nesse escopo, evidencia-se que, para um melhor entendimento, ocorre a necessidade de esclarecer o que princípios são as bases de sustentação de um sistema, em que por meio de análise encontra sua verdadeira essência a qual validam todas as partes subsequentes. Miguel Reale define princípio como o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele no qual classifica princípios como:

[...] verdades fundamentais de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem práticas de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

(REALE, 2004, p. 91)

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Segundo Alexandre Freitas Câmera (2010, p. 36), o princípio do devido processo legal com sua consagração na lei Maior é suficiente para que se tenha por assegurado todos os demais princípios do Direito Processual.

MECANISMOS ALTERNATIVOS DE ACESSO À JUSTIÇA

Para suprir a incapacidade do Estado em prover a prestação jurisdicional em tempo razoável, tão almejada por todos os cidadãos, esse lança mão de meios alternativos, em mais uma tentativa de promover o acesso à justiça, utilizando Arbitragem, Conciliação e Mediação. Arbitragem

Os resultados das pesquisas publicadas no ano de 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça evidenciaram que o ano de 2012 começou com um estoque de 64 milhões de processos que, somados aos 28,2 milhões ingressados no decorrer do referido ano, fizeram com que o Poder Judiciário alcançasse o patamar de 92,2 milhões de processos em tramitação, o que equivale a um aumento de 4,3% no ano e de 10,6% no quadriênio (BRASIL, 2014, s.p.). Agravando ainda mais esse quadro, a demora da resolução dos conflitos, permanece, tornando as decisões falhas, e proporcionando perdas para o demandante como também ao demandado. Dessa forma, torna-se relevante, ressaltar a existência de meios que podem assegurar a prestação do serviço jurisdicional, entregando à tutela as partes e desafogando o sistema jurídico nacional, de modo confiável, eficiente e acima de justo (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 80).

Uns dos meios ainda pouco utilizados, mas com grande potencial de contribuição para o quadro atual, seria a intensificação do uso da Arbitragem. Sua credibilidade fora demonstrada por civilizações antecedentes na resolução de conflitos, principalmente nas relações negociais. Leon Fredja Szklarowsky confirma que entre os povos antigos a arbitragem tinha um grande espaço entre os meios de resolução de conflitos (SZKLAROWSKY, 2014, s.p.). A arbitragem configura como uma forma alternativa de composição da relação litigiosa entre as partes. Consiste no meio pelo qual o conflito pode ser solucionado, tendo a interferência de terceiro ou terceiros apontados pelas partes, sendo de confiança de ambos os lados. Como demonstração de garantia jurídica, a assinatura da cláusula compromissória, a arbitragem passa a ter caráter obrigatório, e por meio

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desse fato, a sentença passa a ter força idêntica a de uma sentença judicial (MORAIS; SPENGLER, 2008, p.81).

A legislação que disciplina a arbitragem no Brasil é a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 (BRASIL, 2014c), que dispõe sobre a arbitragem, com o advento dessa norma, um grande passo foi dado para pôr fim à necessidade de a decisão arbitral ter que passar pelo Poder Judiciário para somente então ter força de decisão. No artigo 1º da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 (BRSIL, 2014c), que dispõe sobre a arbitragem, depara-se com o conceito de arbitragem objetiva, demonstrando que podem ser apreciadas pela arbitragem as questões de direitos patrimoniais disponíveis. No que toca às questões de consumo, as relações e consequências cíveis são arbitráveis (excluindo-se, as consequências penais que não são suscetíveis de serem apreciadas em sede arbitral).

São muitas as vantagens de um processo arbitral, quando comparado com um processo tradicional, dentre elas, pode-se fazer menção ao o curto prazo, uma vez que é desprovido de todo o excesso e formalidade e ritualística que caracterizam o processo judicial. Outra característica importante são os baixos custos, quando comparados com o procedimento tradicional, já que não há pagamentos das custas judiciais e tão pouco a contratação de profissionais do direito, como advogados. E apresenta melhor qualidade da decisão, pois é sempre baseada em argumentos técnicos, próprios da matéria com uma linguagem simples e acessível às partes litigiosas. É possível verificar que este meio de resolução de conflito tem muito a contribuir com o direito pátrio e proporcionar um contato mais humano em face da resolução de uma lide. Conciliação

A conciliação caracteriza por ser outro meio alternativo de prestação jurídica, visando à entrega da tutela de forma célere e evitando proporcionado dessa forma um desgaste acentuado, o que ocorre no procedimento judicial tradicional. O objetivo da conciliação é algo mais amplo que o acordo, na realidade ele caracteriza por um resultado natural da conciliação. O verdadeiro enfoque é calcado no alcance da pacificação e a formação de cidadão com pensamentos voltados a serem capazes de solucionar possíveis conflitos (MORAIS; SPENGLER, 2008, p. 99). As vantagens mais claras da conciliação são caracterizadas por ser um procedimento ágil, flexível, econômico, eficiente e particularizado.

A partir do momento que se chega a um acordo entre as partes litigantes, será este materializado, no qual constará o que foi discutido e, por fim, acordado.

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Esse procedimento e regido pelos artigos 277 e 448 da Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (BRASIL, 2014b), que Institui o Código de Processo Civil, sendo imprescindível a homologação do juiz, para que se possa dar valor de sentença judicial ao documento. Sabendo que pelo explanado não exaurido todo conteúdo da conciliação, mas baseado no supracitado, o meio alternativo, demonstra ter grande potencial para colabora na resolução do problema da morosidade processual brasileira, bastando ser mais trabalhado entre a magistratura, visando prestar um trabalho mais apontado para seu uso, conforme alude, em seu magistério, Fernandes (2008, p. 365).

Mediação

A mediação caracteriza por ser outro importante meio de resolução de conflito. Podendo, assim, ajudar as partes a contorna as limitações jurídicas do sistema atual. O instituto pode ser entendido como a resolução de um litígio por um terceiro, definido como mediador dotado de poder que as partes lhes reconhecem. Sua função é proporcionar a comunicação entre as partes litigantes. O mediador caracteriza por atuar como instrumento capaz de propor ideias, melhor dizendo, proporcionar caminhos para resolução do impasse. Não é competência do mesmo oferecer a solução do conflito, mas a manutenção e a orientação do procedimento. A função do mediador caracteriza em “provocar-te, estimular-te, para te ajudar a chegar ao lugar onde possas reconhecer algo que já estava ali ou em ti. Esse é o papel do mestre e também o papel do mediador” (MORAIS; SPENGLER, 2008, p.88).

Conforme já explanado, a mediação, assim como os demais meios alternativos de acesso a justiça, não caracteriza por ser um mecanismo novo, mas totalmente apto para contribuir com o cenário atual. Faz-se necessário dissertar a respeito das principais características da mediação: a economia financeira e de tempo, tende a ser significativa, quando comparada com os processos da justiça comum. É de extrema importância ressaltar que á custas devem ser analisadas não apenas baseadas nas processuais, mas tornar incluso os custos diferidos decorrentes do prolongamento exacerbado da demanda.

A oralidade aduz a informalidade do processo de mediação, demonstrando a oportunidade de as partes de forma direta e objetiva debater a matéria litigiosa. Essa informalidade causa o efeito contrario do Poder Judiciário tradicional que em determinadas situações distancia cada vez mais as partes envolvidas, por ter um caráter litigante, fazendo das partes um ganhador e perdedor sem visar em momento algum à reconstrução da relação social. Baseado na tradicionalidade da

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justiça de procurar o objetivo de julgar e sentenciar, a justiça informal busca não somente a reparação dos danos matérias, mas, todavia, a reestruturação social. A respeito, Ada Pelegrini aduz:

Que, por vezes, o mecanismo contencioso não se ajusta a determinados tipos de litígios, em que se faz necessário atentar para os problemas sociais que estão à base da litigiosidade, mas do que aos meros sintomas que revelam a existência desses problemas. (GRINOVER,1988, p.282)

Especificamente para proporcionar a pacificação do conflito por meio da mediação é necessário esclarecer as duas formas que podem ser utilizada: mandatória e voluntária. A voluntária consiste na vontade das partes que por meio de acordo desenvolve o processo. Sendo dessa forma iniciada pelo consentimento de todos envolvidos na relação conflituosa. Entende-se por mediação mandatária aquela que seu inicio é provocado por iniciativa do judiciário, baseado em determinação legal ou mediante por força de uma cláusula contratual, dispondo que, caso ocorra qualquer conflito venha ser esse o procedimento a ser adotado. Independente de qual modelo será usado, a mediação demonstra seu potencial por meio da adequação a diversos conflitos por não ter um padrão determinado, proporcionando uma abrangência que ainda não esta sendo explorada em favor da sociedade. INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO

Com advento da informatização, o acesso às informações tornou-se possível à população, materializando o princípio da informação e o principio da publicidade, tendência e efeito de um mundo globalizado, de forma que o Judiciário não poderia ficar à margem dessa nova ferramenta, capaz de proporcionar ganhos nas relações processuais, e essas modificações, que ocorrem na sociedade refletem e são acompanhadas, no sistema jurídico, contudo em passos lentos. Com a inserção da Lei do Processo Eletrônico (BRASIL, 2014e), procurou-se promover o rompimento da barreira do tradicional, para dessa forma deixar a realidade da informatização fazer parte do cotidiano jurídico. Por meio da informatização, busca eliminar os chamados “tempos mortos”, responsáveis por acarretar uma morosidade e lentidão processual desnecessárias na tramitação das demandas ajuizadas, contudo sem macular os demais princípios constitucionais.

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Para o operador do direito, o recurso será um grande aliado contra a tempestividade, podendo realizar os atos processuais em qualquer hora do dia, conforme prever o artigo 3º, parágrafo único, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2014e), que dispõe sobre a Informatização do Processo Judicial; altera a lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1.973 - Código de Processo Civil; e dá outras providências. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A crise vivenciada pelo Poder Judiciário Brasileiro tem sido colocada em pauta de inúmeros debates, desde a promulgação da Constituição de 1988, haja vista que esta veio estabelecer direitos e garantias através de seus princípios constitucionais, como forma de afiançar a todos o acesso à justiça. Essas garantias estabelecidas foram um avanço no campo jurídico constitucional brasileiro, gerando expectativas de efetivação desses direitos, pelos cidadãos, todavia o Poder Judiciário não estava preparado para cumprir sua tarefa de pacificação social por meio da resolução dos conflitos de modo célere e eficiente. Com efeito, mencionado avanço abriu o caminho à justiça, e como forma de garantir esses direitos consagrados na Carta Magna o judiciário passou então ser provocado por demandas sociais então reprimidas, o que consequentemente elevou o número de processos.

Este fato, unido às transformações da sociedade proporcionada pela evolução científica e tecnológica, deixou claro para a população a real situação da estrutura judicial: burocrática, pouco eficiente, e especialmente lenta, em razão do crescente número de demandas, ora agravada pela falta de recursos humanos, altos custos, falta de estrutura do judiciário e legislação inadequada. Com vistas a solucionar os problemas citados acima foi criada pela Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, (BRASIL, 2014d) que dispõe sobre Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, substituindo assim, a já existente Lei 7.244/1984 do Juizado Especial de Pequenas Causas. A Constituição Federal já citava, em seu artigo 98, inciso I (BRASIL, 2014) e parágrafo 1º (BRASIL, 2014) novo processo e um novo rito diferenciado, o rito sumaríssimo, buscando a celeridade processual como modo de garantir o acesso ao Poder Judiciário e a justiça a todos os cidadãos. No entanto é fundamental conciliar a celeridade processual com segurança jurídica e eficiência na qualidade da prestação jurisdicional, mesmo com as inovações do ordenamento jurídico.

Contudo os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em sua nona edição do Relatório Justiça em Números 2013, demonstram que a

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tentativa dar celeridade aos processos, pela criação da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (BRASIL, 2014d), que dispõe sobre Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não está gerando o efeito esperado, como evidenciado na pesquisa:

O estoque de processos do Poder Judiciário aumenta gradativamente desde o ano de 2009, quando era de 83,4 milhões de processos, até atingir a tramitação de 92,2 milhões de processos em 2012, sendo que, destes, 28,2 milhões (31%) são casos novos e 64 milhões (69%) estavam pendentes de anos anteriores (gráfico 2). Por outro lado, houve crescimento do total de processos baixados, atingindo-se 27,8 milhões de processos no último ano. No entanto, em mais um ano o número de processos baixados foi inferior ao de casos novos. Isso aponta para uma tendência de que o estoque aumente para o ano de 2013. Em termos relativos, os casos novos são os que mais cresceram, com aumento de 8,4% no ano, enquanto os baixados tiveram incremento de 7,5% e as sentenças em 4,7%. Um dos pontos principais desse cenário de crescimento gradual das demanda é a liquidação do estoque, visto que os tribunais sentenciaram e baixaram quantidade de processos em patamares inferiores ao ingresso de casos novos, sobretudo a partir de 2011 (BRASIL, 2013, s. p.).

Como assevera Alexandre Freitas Câmara, sistema de prestação de justiça será eficiente se for capaz de conduzir à produção de resultados esperados do processo com o mínimo de dispêndio de tempo e energia (CAMARA, 2013, p.40). Deste modo a garantia prevista pela Constituição de acesso à justiça não faz sentido, se o Estado não tomar medidas positivas que assegure os meios necessários que viabilizem sua efetividade, deixando desta forma o plano teórico e tornando-se realidade para a sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A morosidade processual verificada no sistema judiciário brasileiro transmite aos litigantes a incerteza e a insegurança, com vistas a solucionar este problema inicialmente criou-se o Juizado Especial de Pequenas Causas através da Lei 7.244/84, hoje revogada pela Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, também conhecido como Juizado Especial Cível. A Constituição Federal já citava, em seu artigo 98, inciso I, e parágrafo 1º novo processo e um novo rito diferenciado, o qual utiliza o rito sumaríssimo, buscando a celeridade processual

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como forma de garantir o acesso ao Poder Judiciário e a justiça a todos os cidadãos.

Muito embora os modernos reformadores se concentrem em meios alternativos ao sistema judiciário regular, e a ascensão aos meios tecnológicos, o processo vivência a morosidade e a celeridade proclamada no texto constitucional ainda é realidade distante no sistema judiciário brasileiro. Não basta, portanto, um novo sistema com a implantação de nova lei para que todos os problemas serão resolvidos deu uma vez, não obstante a situação do entrave processual causado esta ligada a inadequação das leis de organização do judiciário dos Estados, na carência de magistrados e serventuários da justiça. É fato que a demora na solução dos conflitos pode acarretar grande prejuízos às partes, o que provoca na maioria das vezes a desistência do processo do economicamente impossibilitados. A criação do Juizado Especial Cível pretendia por fim a estes problemas e assim fazer cumprir os princípios constitucionais como a duração razoável do processo, inafastabilidade, bem com o da economia processual.

Verifica-se que o Estado-juiz é ineficaz para resolver todas as lides do país, haja vista, que o crescente número populacional e, cada vez, mais elevado o número de demandas no poder judiciário, sendo impraticável a celeridade processual pelos meios existentes, desta forma sendo impraticável entregar a prestação jurisdicional em tempo razoável, como determina a Carta Magna. Mais que isso, como forma de cumprir o dever da prestação jurisdicional e garantir a duração razoável do processo como meio de permitir a todos o acesso à justiça, neste momento, diante da insatisfação dos cidadãos, resta ao Estado utilizar de meios alternativos para então dar efetividade ao direito sem que para isso o Poder Judiciário seja diretamente acionado, utilizando assim, da arbitragem, a mediação judicial e extrajudicial, a conciliação buscando sempre restabelecer a ordem na convivência social.

REFERÊNCIAS BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/variados/sumario_executivo09102013.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2014. _________________. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 39. ed. São Paulo: Rideel, 2012. _________________. Lei Complementar Nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve

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normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp80.htm>. Acesso em: 20 mar. 2014a. _________________. Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 02 mar.2014b. _________________. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso: em 22 fev.2014c. _________________. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 01 mar. 2014d. _________________. Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a Informatização do Processo Judicial; altera a lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1.973- Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 22 fev.2014e. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Direito à duração razoável do processo: entre eficiência e garantias. Revista de Processo, São Paulo, v. 223, n. 38, p.39 - 53, set. 2013. _________________. O Princípio da Razoável Duração do Processo: Noções sobre o Acesso Qualitativo e Efetivo ao Judiciário. Revista de Processo, São Paulo, v. 224, n. 38, p.93 -117, out. 2013. _______________. Lições de Direito Processual Civil. V.1. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. FERNANDES, Klícia Roxana Alves. A conciliação como forma de solução célere e eficaz das lides cíveis. Revista da ESMARN, Mossoró, v. 8, n. 1, p. 359-378, jan.-jun. 2008. Disponível em: <http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/download/41/32>. Acesso em: 26 fev. 2014.

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FIUZA, Cezar; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NEVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito Civil: Atualidade II. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. GRINOVER, Ada Pellegrini. Participação e Processo. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, 1988. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil Teoria Geral do Processo. 1.v. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativa a jurisdição. 2. ed., rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A Arbitragem como Meio de Acesso à Justiça. In: 9º Simpósio de Ensino de Graduação. ANAIS..., 2011, 08-10 nov. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/4/434.pdf>. Acesso em: 22 mar.2014.

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DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: INFORMALIDADE E INSTRUMENTALIDADE COMO PARADIGMAS DE UMA JUSTIÇA MAIS CÉLERE

RANGEL, Tauã Lima Verdan126

Resumo: O Juizado Especial Cível reclama uma interpretação à luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao microssistema do Juizado Especial. Nesta senda, não se pode olvidar que os critérios que informam a atuação do Juizado Especial Cível são desdobramentos emanados dos princípios inspiradores do processo civil tradicional, aos quais se subordinam, estando em nível inferior, pois seria inconcebível que por força da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, fossem desprezados os preceitos fundamentais como o do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal (dwe process of law) e da fundamentação dos atos decisórios, compreendendo-se decisões e sentença. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema. Palavras-chave: Duração Razoável do Processo. Instrumentalidade das Formas. Princípios Orientadores. 1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

Em uma primeira plana, ao se analisar sobre o tema colocado em debate, cuida salientar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, tal como as diversas ramificações que a                                                                                                                          126 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. E-mail: [email protected]

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constituem, vindica uma interpretação estruturada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua formação. Nesta toada, explicitando, de maneira robusta, os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso frisar, com grossos tracejos, que não mais prospera a ótica que os preceitos são limitados e estanques, indiferentes às carências e mazelas sociais que passaram a emoldurar os arcabouços normativos. Desta feita, em decorrência das ponderações expendidas, denota-se que não mais subsiste a visão que, em período pretérito, sustentava e orientava a aplicação das leis, sendo, devido às necessidades da sociedade, suprimidos em uma nova sistemática.

Com arrimo em tais valores, quadra desfraldar como pavilhão de interpretação o “brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” (VERDAN, 2009, s.p.). Observa-se, desta maneira, que há uma interação edificada na mútua dependência, eis que o primeiro tem seus princípios sedimentados no constante processo de evolução da sociedade, com o objetivo de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem maculados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta singular dependência das regras acinzeladas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo principal é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore o longínquo passado em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço pilar de sustentação do Ordenamento Brasileiro, principalmente quando se objetiva a adequação do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Nesta esteira de exposição, imperiosamente, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza” (BRASIL, 2014h). Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica descansa, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais, garantindo-lhes contemporaneidade aos eventos produzidos.

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Ainda neste substrato, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan (2009, s.p.), “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

2 A MENS LEGIS DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Em um primeiro momento, a fim de se compreender a essência orientadora dos Juizados Especiais, imprescindível faz-se abordar os Juizados Especiais de Pequenas Causas, instituído pela Lei Nº. 7.244, de 07 de Novembro de 1984, que dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas, o qual, quando de sua instituição, personificou um marco legislativo dotado de caráter inovador e ambicioso, conforme bem observou Dinamarco (1986, p. 01). Tratava-se, assim, da primeira manifestação legislativa que buscava estruturar um Juizado cujas características estavam assentadas em um menor formalismo e voltadas, efetivamente, para a prestação jurisdicional mais célere. Neste sentido, ainda, cuida colacionar:

O Juizado de Pequenas Causas trouxe, no corpo de sua legislação criadora, uma série de novos princípios e paradigmas, os quais pretendiam romper a antiga estrutura processual fundada no formalismo da jurisdição civil comum, buscando, assim, alcançar o objetivo de facilitar o acesso à justiça por parte dos menos favorecidos na sociedade, tornando-o mais célere e eficaz, bem como funcionando como mecanismo de pacificação social. (SILVA, s.d., p. 02).

Cuida reconhecer que, até aquele momento legislativo, a sociedade contemporânea não usufruía de qualquer instrumento que permitisse a concretização de suas pretensões, de maneira mais rápida e com resultados esperados, o que, por vezes, fomentava à descrença e a insatisfação com a tutela jurisdicional ofertada pelo Estado-juiz, bem como com a violação ao acesso à justiça, eis que, em decorrência da morosidade peculiar da justiça civil, o cidadão

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deixava de ajuizar demandas ou mesmo restava frustrada a pretensão já deduzida em juízo. Diante do cenário ora pintado, o legislador ordinário ambicionou instituir um mecanismo que compreendesse em seu bojo a pacificação social, como mecanismo capaz de abrandar as expectativas da população jurisdicionada, na proporção que assegurava um modelo de jurisdição especial mais célere, eficaz e acessível. Ainda nesta linha, é permitido diccionar que o Juizado de Pequenas Causas permitia que serviço jurisdicional apresentasse resultados úteis ao solucionar prontamente os conflitos, antes que eles se expandam e cheguem a incomodar mais do que o aceitável. (DINAMARCO, 1986, p. 02).

Prima sublinhar, também, que, conquanto tenha sido anteriormente à promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, em seu artigo 5º, inciso XXXV, hasteia como flâmula orientadora o acesso à Justiça, o Juizado Especial de Pequenas Causas já abarcava, em seu bojo, o escopo de garantir o acesso ao Poder Judiciário, contemplando, para tanto, mais simplicidade no procedimento adotado e maior celeridade no desenvolvimento da marcha processual. Em concatenação com o exposto, também se configura de suma importância frisar as palavras de Ronaldo Frigini, quando ele diz que “A Lei de Pequenas Causas não resolveu de todo o problema, mas inegavelmente aproximou da justiça o cidadão de baixa renda, fazendo-o vir aos umbrais do judiciário na certeza da composição rápida de seu litígio” (FRIGINI, 1995, p. 27). Neste sentido, é pertinente enfatizar a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, quando assinala que:

O mesmo art. 1º, que autoriza a criação desse órgão judiciário, di-lo competente para processo e julgamento, por opção do autor, das causas de reduzido valor econômico. Concebido para ampliar o acesso ao Poder Judiciário e facilitar o litígio para as pessoas que sejam portadoras de pequenas postulações (especialmente para as menos dotadas economicamente), a lei erigiu o próprio interessado em juiz da conveniência da propositura de sua demanda perante o Juizado Especial das Pequenas Causas ou no juízo comum – e, com isso, deu mais uma demonstração de que não se trata de discriminar pobres e ricos, uma vez que continuam aqueles, querendo, com a possibilidade de optar por este e pelo procedimento mais formal e demorado que ele oferece (DINAMARCO, 1986, p. 04).

Impregnado por um cenário que cambaleava, em seus primeiros passos, em prol da facilitação do cidadão ao acesso ao Poder Judiciário, o legislador constituinte de 1988, entalhou, com profundos sulcos, no artigo 98, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil inseriu a previsão dos Juizados

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Especiais Cíveis, como mecanismo de ratificação da experiência implantada pela Lei Nº. 7.244, de 07 de Novembro de 1984, que dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas, a fim de aprimorar a experiência obtida com a legislação supramencionada. Constata-se, assim, que a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, ambicionou aprimorar o sistema, alargando a competência do Juizado, tanto em relação à matéria, quanto em relação ao valor. Dessa maneira, é possível pontuar que o cidadão comum encontrou o foro no qual procurava resolver suas pendências cotidianas, aquelas que antes ficavam afastadas da apreciação do Poder Judiciário, alimentando, assim, um sentimento de injustiça. “O caráter didático da atuação do Juizado hoje pode ser medido na atitude da pessoa comum que, diante de uma injustiça, não deixa de procurar seus direitos”. (BONADIA NETO, 2006, p. 03).

Salta aos olhos que o legislador infraconstitucional, ao insculpir a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, pretendeu ofertar concretude ao comando constitucional que determinou a criação do microssistema dos Juizados Especiais, permitindo, via de consequência, o acesso a uma justiça essencialmente informal, célere e econômica, tanto em relação ao sistema jurisdicional, quanto para os jurisdicionados que dele dependem, tal como mais acessível àqueles que, até então, não ingressavam na morosa e excessivamente burocrática justiça comum. “Os juizados especiais cíveis, dotados da incumbência de conciliar, julgar e executar as causas de menor complexidade, têm sede na Constituição Federal em seu artigo 98, I, e, seguindo os princípios da oralidade, informalidade, economia processual, celeridade e simplicidade”, (BONADIA NETO, 2006, p. 03), cumprindo, assim, a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes, atendendo a uma demanda reprimida, mediante a oferta de um processo rápido, econômico e simples.

Nesse passo, carecido faz-se compreender de que a criação do microssistema dos Juizados Especiais deveu-se aos destinatários que possuíssem causas de solução dotadas de maior simplicidade e de diminuta expressão econômica, os Juizados Especiais Cíveis, instituídos em 1995, devem primar pela concretização dos objetivos de efetivação da tutela jurisdicional de forma rápida, ou seja, que se preste a satisfazer o interesse do cidadão em tempo razoável à utilidade daquela tutela. “A criação, então, dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, hoje denominados Juizados Especiais Cíveis, pretendeu, em última análise, dotar o Poder Judiciário de meios que permitissem a composição célere, adequada e efetiva dos litígios de pequena expressão econômica”. (SODRÉ, 2005, p.xxvii).

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Arrimado no entendimento ora explicitado, é possível afirmar que o processo ajuizado perante o microssistema dos Juizados Especiais, além de ser célere, simples e informal, deve, igualmente, trilhar pela via mais econômica, buscando sempre o aproveitamento dos atos processuais, reduzindo os custos do processo e encontrando alternativas que representem um menor ônus tanto para o Poder Judiciário quanto para o cidadão que pretende ver seu interesse tutelado de forma mais econômica.

3 A VALORAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA LEI 9.099/1995: A INFLUÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Inicialmente, adotando-se as lições apresentadas por Marquesi (2004, s.p.)

que, com bastante pertinência, assinala que os postulados e dogmas se apresentam como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Neste alamiré, há que se evidenciar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedarem a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.

Com espeque em tais ideários, salientar se faz pungente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Destarte, insta frisar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar” (MARQUESI, 2004, s.p.). Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entretanto, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de ser hasteado à condição de cânone escrito pelos representantes da nação ou, ainda, advir de regra costumeira à qual democraticamente aderiu o povo (MARQUESI, 2009, s.p.).

Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as

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múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do acinzelado, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como supernormas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” (VERDAN, 2009, s.p.). Os princípios passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar (2005, s.p.).

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Juizado Especial Cível deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao microssistema do Juizado Especial. Nesta senda, não se pode olvidar que os critérios que informam a atuação do Juizado Especial Cível são desdobramentos emanados dos princípios inspiradores do processo civil tradicional, “aos quais se subordinam, estando em nível inferior, pois seria inconcebível que por força da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade” (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 06), fossem desprezados os preceitos fundamentais como o do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal (dwe process of law) e da fundamentação dos atos decisórios, compreendendo-se decisões e sentença. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

4 O CRITÉRIO OU PRINCÍPIO DA ORALIDADE

Ao se esmiuçar o microssistema inaugurado pelo Juizado Especial Cível, salta aos olhos que os processos são predominantemente orais, valorando-se, de maneira robusta, o integral diálogo direto entre as partes, as testemunhas e o juiz, restringindo-se tão somente ao necessário a forma escrita. “Há prevalência da palavra oral como meio de comunicação das partes, visando à simplificação e à celeridade dos trâmites processuais, sendo aplicado desde a apresentação do pedido inicial até a fase final dos julgados” (BOCHENEK, s.d., p. 49). Tal critério se revela como pedra fundamental para que se alcance o preconizado nos demais critérios e o principal escopo agasalhado na conciliação ou transação, como

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instrumento de pacificação social, promovendo a participação efetiva das partes envolvidas na solução do conflito. Anote-se que o pedido poderá ser oral e formulado perante Serventia do Juizado Especial e reduzido, na essência, a escrito e de forma sucinta, nos termos contidos no artigo 14 da Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995127, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, podendo, inclusive, a contestação ser ditada em audiência, como estabelece o artigo 30 do sobredito diploma legal128.

O procedimento nos juizados especiais é, eminentemente, oral. Aqui, efetivamente, ao contrário do que se observa em relação ao processo comum – em que se prega a oralidade como princípio, mas a prática demonstra exatamente o inverso, ou seja, que o processo é estritamente escrito -, o procedimento é todo desenhado para desenvolver-se oralmente, reduzindo-se ao máximo as peças escritas e, mesmo, a escrituração das declarações orais. (MARINONI; ARENHART, 2004. p.742)

Há que se assinalar que apenas os atos considerados como essenciais serão reduzidos a termo, de maneira resumida, de forma manuscrita, datilografada, taquigrafada ou estenotipadas. Poderão os demais atos ser gravados, filmados ou mesmo fixados por qualquer outro meio tecnológico existente, em razão da redação contida no §3º do artigo 13 da Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Nesta trilha, ainda, cuida evidenciar que conexo ao princípio da oralidade está o da imediação “pelo qual o juiz ou colegiado deve participar da produção dos elementos de convicção, conciliando as partes e tomando seus depoimentos, bem como de testemunhas e peritos, examinando os lugares e objetos disputados” (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 07); o da identidade física do juiz, cabendo aquele que produziu a prova proferir o ato decisório; e o da concentração, buscando valorar a reunião de todas as atividades destinadas à instrução e à marcha processual em um ato solene ou, ainda, em poucas audiências contíguas.

O que a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, hasteia como flâmula orientadora é a predominância da forma oral, em razão de toda a sistemática principiológica que permeia o processo nesta justiça especializada, ou

                                                                                                                         127 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado”. 128 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor.”.

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seja, coadunando os demais postulados da celeridade, economia processual e simplicidade das formas. Nesta linha de raciocínio, cuida assinalar que o procedimento especial contido no microssistema dos Juizados Especiais reclama a valoração da oralidade, na condição de pilar axiológico estruturante, permitindo, assim, uma dinâmica na qual todos os atos instrutórios são praticados concentradamente ou, ainda, em um lapso temporal exíguo. Acerca do tema em debate, Reinaldo Filho já evidenciou que:

O procedimento do Juizado Especial constitui a verdadeira essência do processo oral sustentado por Chiovenda, assinalado naquelas outras facetas que lhe completam realmente a nota de utilidade: a concentração dos atos processuais, a imediatidade do julgador no contato com os fatos e as provas e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias. A oralidade do procedimento, no seu aspecto da concentração dos atos processuais, traduz-se numa dinâmica em que todos os atos de instrução praticam-se de uma só vez, ou em lapso de tempo o mais breve possível. (REINALDO FILHO, 1996, p.36).

Com efeito, para que o critério de oralidade encontre consonância com os

demais, algumas atenuações se impõem, maiormente nas questões repetitivas, notadamente as meramente de direito, em que, em razão da experiência do magistrado, decorrente de sucedâneos processuais, é improvável o aperfeiçoamento do acordo, pode-se dispensar as audiências de conciliação e de instrução e julgamento. O pensamento explicitado encontrou amparo no Tribunal de Justiça de São Paulo (2014) que, ao editar o Enunciado 15 do Juizado Especial Cível, acinzelou que “não é obrigatória a designação de audiência de conciliação e de instrução no Juizado Especial Cível em se tratando de matéria exclusivamente de direito”. Marinoni e Arenhart, ao discorrer sobre o tema, esclarecem que:

A oralidade, sem dúvida, contribui não apenas para acelerar o ritmo do processo, como ainda para obter-se uma resposta muito mais fiel à realidade. O contato direto com os sujeitos do conflito, com aprova e com as nuances do caso permitem ao magistrado apreender de forma muito mais completa a realidade vivida, possibilitando-lhe adotar visão mais ampla da controvérsia e decidir de maneira mais adequada. Essa característica, especialmente quando observada do ponto de vista dos temas que são levados aos juizados especiais (geralmente caracterizados por conflitos de vizinhança, litígios de pequenas proporções e, especialmente, questões de pessoas mais carentes), mostra-se de sensível importância. (MARINONI, ARENHART, 2004, p.742).

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Por imperioso, a aplicação do critério da oralidade reclama o comparecimento pessoal das partes ou do preposto, caso seja pessoa jurídica, ou do titular de firma individual129, conforme prescreve o artigo 9º da Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, à sessão conciliatória e audiência de instrução e julgamento. Gize-se, ainda, que a ausência do autor acarreta a extinção do processo, sem resolução do mérito, na forma que entabula o artigo 51, inciso I, da Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995130, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com consequente condenação ao pagamento das custas processuais, em consonância com o que preconiza o Enunciado nº. 28 do FONAJE131. Neste sentido, colhe-se o entendimento jurisprudencial que sedimentam as ponderações expendidas:

Ementa: Ausência de comparecimento do Autor. Extinção. Custas. 1.- Ausência do autor na audiência de conciliação ocasiona a extinção do processo. 2.- A reativação do processo depende do pagamento de custas. As custas de reativação possuem caráter punitivo e não podem ser afastadas pelo eventual direito ao benefício da gratuidade. 3.- Nestas condições inexiste direito líquido e certo ao benefício da gratuidade. Ordem denegada. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Terceira Turma Recursal Cível/ Mandado de Segurança Cível Nº. 71002745024/ Relator: Eduardo Kraemer/ Julgado em 17.12.2010) (grifo nosso). Ementa: Embargos de Terceiro. Não comparecimento do Autor à audiência de instrução e julgamento, pela segunda vez. Extinção do processo sem o julgamento do mérito, na forma do art. 51, I, da Lei 9.099/95. Reativação do feito condicionada ao pagamento das custas processuais pelo autor, pois não evidenciada a ocorrência de motivo de força maior para a ausência. Recurso Desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Terceira Turma Recursal Cível/ Recurso Cível Nº 71002097467/ Relator: Eugênio Facchini Neto/ Julgado em 24.09.2009) (destaque nosso).

Ainda no que tange à necessidade de comparecimento pessoal, verifica-se que a exigência, a fim de subsidiar a pacificação social, não está adstrita tão somente a presença do reclamante, estendendo-se, também, à parte reclamada.

                                                                                                                         129 Neste sentido: BRASIL. Fórum Nacional do Juizado Especial. Disponível em: <www.fonaje.org.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Enunciado 20 - O comparecimento pessoal da parte às audiências é obrigatório. A pessoa jurídica poderá ser representada por preposto”. 130 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo”. 131 BRASIL. Fórum Nacional do Juizado Especial. Disponível em: <www.fonaje.org.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Enunciado 28 - Havendo extinção do processo com base no inciso I, do art. 51, da Lei 9.099/1995, é necessária a condenação em custas”.

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Cuida salientar que no que concerne ao reclamado, incidirá o regramento contido no artigo 20 da Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995132, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, sendo-lhe decretada a revelia e aplicando-se a pena de confissão. O citado artigo exige, com dicção expressa e de clareza ofuscante, o comparecimento pessoal do demandado, a rigor da exigência do comparecimento pessoal das partes deve-se ao principio maior dos Juizados Especiais, que é a tentativa de conciliação entre os litigantes.

Para a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, os efeitos da revelia, ou seja, a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, decorrem da ausência do réu à sessão de Conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz. Nesta senda, não se pode olvidar que os efeitos provenientes da decretação da revelia implica em se considerar como verdadeiros os fatos alegados na inicial aplicação dos efeitos da revelia, sendo considerados verdadeiros os fatos alegados na inicial. Ao lado disso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2014), ao julgar o Recurso Inominado Nº. 71003392073, de relatoria do Magistrado Ricardo Hermann Torres, assentou entendimento que “diante da ausência do réu na audiência de conciliação, restou decretada sua revelia, na forma do art. 20 da Lei n.º 9.099/95”. 5 O CRITÉRIO OU PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE É cediço, ainda, que a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, inaugurou um microssistema destinado à solução dos conflitos cotidianos, logo, a valoração do critério da simplicidade se revela de suma importância para a materialização do fito contido naquele diploma. O critério, também denominado de princípio, da simplicidade passou a ser bastião sustentador para o desenvolvimento do rito especial contido na legislação que inaugurou o microssistema dos Juizados Especiais, despindo-se, via de consequência, do formalismo exacerbado e que apenas engessa e retarda a prestação da tutela jurisdicional. “O pedido será formulado de forma simples e em linguagem acessível, constando apenas o nome, a qualificação e o endereço das partes; os fatos e os fundamentos de forma sucinta, e o objeto e seu valor” (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 08). O magistrado, após a oitiva de reclamante e reclamado, deverá empreender investigação no que se

                                                                                                                         132 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo”.

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refere ao interesse de agir e à legitimidade, tal como da presença dos pressupostos processuais.

A simplicidade procedimental, elevada à categoria de princípio informativo do processo especial, está ligada à noção da rapidez na solução dos conflitos, depende de que o processo seja simples no seu tramitar, despido de exigências nos seus atos e termos, com a supressão de quaisquer fórmulas obsoletas, complicadas ou inúteis. A simplificação dos atos e termos é, realmente, uma constante em todo o processo especial. (REINALDO FILHO, 1996, p.37)

Ademais, não se pode exigir, sob pena de indeferimento, que a parte reclamante promova a apresentação, acompanhando o pedido inicial, dos documentos indispensáveis ao aforamento da demanda, quando é possível a requisição junto a órgãos públicos ou que estão em poder da parte ex adversa. A situação em comento é facilmente verificável em relação a Bancos, Planos de Saúde, Seguradora e, de maneira geral, prestadora de serviços, notadamente no que se relaciona a contratos, comprovantes de pagamento e extratos, os quais deverão ser apresentados juntamente com a peça de defesa. Ora, admitir situação distinta seria atentar contra os ideários consagrados no Juizado Especial Cível, eis que de pouca valia seria a formulação do pedido diretamente no Cartório. No mais, Bochenek, ao discorrer acerca do tema, pontua que:

O modo de comunicação processual pode ocorrer por qualquer meio (eletrônico, postal) o que agiliza a ciência dos atos processuais. Não se admitem a reconvenção, a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, evitando trâmites formais, privilegiando-se a rapidez e a simplicidade do procedimento (BOCHENEK, s.d., p. 52).

Nesta toada, o magistrado deve apresentar maior flexibilidade e tolerância, quando da análise dos requisitos da petição inicial, maiormente quando a reclamação for confeccionada pela Serventia e for designada a audiência e realizada a citação independentemente do despacho do juiz. As simples formalidades processuais devem ser desconsideradas, com o escopo de privilegiar a solução do conflito, evitando, via de consequência, a propositura de nova demanda, salvo se as formalidades acarretarem cerceamento de defesa. Ao lado disso, quando verificado que o pedido foi feito em balcão, deve-se prestigiar o princípio da simplicidade que rege os Juizados Especiais. Com o fito de ilustrar o acimado, cuida trazer à colação o entendimento “que, se tratando de pedido de

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balcão formulado pelo próprio consumidor, não se exige rigor técnico, conclusão que deflui dos princípios norteadores do sistema dos Juizados Especiais Cíveis”, conforme entendimento assentado pelo Tribunal de Justiça Gaúcho (2014), ao apreciar o Recurso Inominado Nº. 71003368313, de relatoria do Magistrado Alexandre de Souza Costa Pacheco.

6 O CRITÉRIO OU PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE

Ao se apreciar o critério da informalidade, é observável, com clareza

solar, que o aludido paradigma tem plena aplicação no sistema dos Juizados Especiais, todavia a liberdade das formas processuais por parte do julgador encontra limites nos direitos processuais constitucionalmente garantidos às partes no que tange ao acesso à justiça e ao devido processo legal, do qual sobrelevam anotar o contraditório, a ampla defesa, a igualdade processual, a legalidade e a motivação das decisões, minando os excessos judiciais. “O juiz deverá valorizar, ao máximo, as soluções envolvendo a ideia de efetivação do direito material, com a entrega da solução ao litígio” (BOCHENEK, 2010, p. 52).

A legislação sustentadora do microssistema dos Juizados Especiais é repleta de disposições visando a materialização da informalidade do processo e estabelecendo que os atos processuais são válidos, desde que preencham as finalidades para as quais foram realizadas, como bem dicciona o artigo 13 da referida legislação. Igualmente, a possibilidade de solicitação da prática de atos processuais em outras comarcas por qualquer meio de comunicação se revela como mecanismo estruturado pela Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, objetivando assegurar maior informalidade aos apostilados que tramitam sob a égide do sobredito diploma.

Pode-se citar, ainda, que a possibilidade de que o pedido oral seja reduzido a escrito pelo Cartório do juizado, sendo possível a utilização de fichas ou formulários impressos também se revela como manifestação do critério da informalidade. “Em se tratando de pedido de balcão, cabível a aplicabilidade do Princípio da Informalidade, de modo a propiciar, de forma célere efetiva prestação jurisdicional”, conforme entendimento consagrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2014), ao julgar o Recurso Inominado Nº. 7100391968. Ao lado disso, pode-se, ainda, citar, como manifestação do critério da informalidade, que “o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva e, se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do

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julgamento servirá de acórdão”, conforme bem delineia Silva Júnior (2010, p. 09), nos termos preconizados no artigo 46 da Lei dos Juizados Especiais133.

7 O CRITÉRIO OU PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

À luz das ponderações apresentadas até o momento, pode-se observar que um dos pilares que justificam a existência dos Juizados Especiais é a obtenção de uma solução rápida aos conflitos que lhes são apresentados. Ao lado disso, frise-se que tal premissa deve ser perscrutada por meio do menor número possível de atos a serem praticados pelo magistrado e pelas partes processuais. Como aponta Silva Júnior (2010, p. 09), “a concentração dos atos neste processo é manifesta, uma vez que, não obtida a conciliação e não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa”. Com efeito, em sede de microssistema dos Juizados Especiais, as provas serão produzidas naquele ato, oportunidade em que o juiz ouvirá as partes e decidirá, de plano, todos os incidentes que possam obstar o desenvolvimento regular e válido da marcha processual, cabendo as partes se manifestarem acerca do acervo documental apresentado pela parte adversa, proferindo, ao depois, a sentença. Cumpre citar a definição de Américo Canabarro que diz:

O princípio da economia dos atos processuais consiste na preterição de atos ou formalidades que se tornaram desnecessárias, no curso do processo, em proveito da celeridade da marcha processual. Ocorre, por exemplo, quando o juiz, suprindo alguma nulidade ou corrigindo certa irregularidade, aproveita os atos anteriormente praticados, aos quais o vício não contaminou. (CANABARRO, 1997, p.116).

Resta devidamente configurada a economia processual, quando se admite a formulação de pedido contraposto em que o reclamado formula, em sua peça de defesa, pedido em seu favor, bem como quando se veda qualquer forma de intervenção de terceiro ou assistência. Outrossim, a economia processual está manifestada quando a Lei dos Juizados Especiais apregoa o aproveitamento dos atos processuais, não declarando a nulidade dos atos, sem que tenha havido prejuízo demonstrado no caderno, consoante reza a redação do artigo 13 do

                                                                                                                         133 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”.

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mencionado diploma legal134. Denota-se, assim, que o princípio da economia processual está intimamente ligado à conciliação entre a manutenção dos atos processuais já praticados, desde que não se encontrem inquinados de vícios e irregularidades, o que substancializa um benefício à economia judiciária e a celeridade do trâmite do processo, que é de fundamental interesse para a população jurisdicionada.

Cumpre ressaltar, ainda, que a própria sistemática caracterizados dos Juizados Especiais Cíveis, cujo objetivo ambiciona a transposição dos obstáculos de formalismos exacerbados e exigências burocráticas comuns à justiça não especializada, é que o princípio da economia processual busca dinamizar as marchas processuais que têm seu curso pela via especial. Inúmeros são os exemplos a serem citados que consubstanciam os critérios da economia processual, podendo-se fazer menção à impossibilidade da realização de perícias; a concentração de provas na audiência de instrução e julgamento; os embargos de declaração terão o condão de apenas suspender os prazos e não interrompê-lo; a ausência do autor em audiência acarretar a extinção do processo; a ausência do reclamado resultar na pena de confissão e decretação de revelia. Neste sentido, ainda, pode-se colher o seguinte entendimento jurisprudencial:

Ementa: Embargos Declaratórios. Pretensão à rediscussão do mérito. Inviabilidade. Descabe falar em ausência de fundamentação, quando a decisão colegiada confirma - ainda que parcialmente - a sentença de primeiro grau pelos próprios fundamentos. Decorrência da aplicação dos princípios norteadores dos Juizados Especiais, a saber, a simplicidade, informalidade e celeridade, em atenção aos anseios sociais de rapidez nos julgamentos. Inviável é o acolhimento dos embargos declaratórios que não pretendem sanar omissão, obscuridade, contradição ou dúvida, mas apenas rediscutir o exame probatório. Embargos desacolhidos. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Turma Recursal Cível/ Embargos de Declaração Nº 71003721248/ Relatora: Fernanda Carravetta Vilande/ Julgado em 26.04.2012) (grifo nosso).

O princípio da economia processual tem, no rito especialíssimo dos Juizados Especiais Cíveis, uma conotação mais acentuada, relacionada com a gratuidade do acesso ao primeiro grau de jurisdição, no qual há a isenção do demandante no pagamento das custas e com a facultatividade de assistência das partes por advogado, em demandas que alcancem o patamar máximo de vinte salários mínimos. Salta aos olhos que tal possibilidade provoca o barateamento de custos aos litigantes, assentado na economia de despesas que, com a de tempo e a

                                                                                                                         134 BRASIL. Lei Nº. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mai. 2014: “Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.”.

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de atos (economia no processo), configura uma das mais robustas preocupações e conquistas do Direito Processual na contemporaneidade. Em suma, princípio da economia processual induz a adoção de instrumentos previstos na própria lei que possibilitem a compatibilidade entre a solução rápida dos litígios com a menor onerosidade possível.

8 O CRITÉRIO OU PRINCÍPIO DA CELERIDADE

Em um primeiro contato, dita o corolário da celeridade que o processo deve ter uma solução rápida, de maneira que logre êxito em atender o seu escopo primordial, devendo, pois, satisfazer o interesse do cidadão que apresentou sua demanda à tutela jurisdicional, quando necessitava de uma solução eficaz em relação ao tempo em que ela seja útil. Assim, deve subsistir um critério de decisão que possa assegurar o interesse que recebe a tutela jurisdicional, no momento em que ele é suscitado. Dessa maneira, os Juizados Especiais Cíveis florescem como mecanismo de concretização de sobredito objetivo, devendo o juízo primar pela solução célere dos litígios sob sua competência. Com destaque, cuida colocar em evidência que essa é a pedra angular que distingue o processo a ser albergado pelo procedimento caracterizador da Justiça Comum daquele que correrá pelas vias especializadas do procedimento do Juizado Especial Cível.

A celeridade, no sentido de se realizar a prestação jurisdicional com rapidez e presteza, sem prejuízo da segurança da decisão. A preocupação do legislador com a celeridade processual é bastante compreensível, pois está intimamente ligada à própria razão da instituição dos órgãos especiais, criados como alternativa à problemática realidade dos órgãos da Justiça comum, entrevada por toda sorte de deficiências e imperfeições, que obstaculizam a boa fluência da jurisdição. A essência do processo especial reside na dinamização da prestação jurisdicional, daí por que todos os outros princípios informativos guardam estreita relação com a celeridade processual, que, em última análise, é objetivada como meta principal do processo especial, por representar o elemento que mais o diferencia do processo tradicional, aos olhos do jurisdicionado. A redução e simplificação dos atos e termos, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, a concentração dos atos, tudo, enfim, foi disciplinado com a intenção de imprimir maior celeridade ao processo. (BONADIA NETO, 2006, p. 06).

Com destaque, quadra salientar que justamente na função de ser célere que está domiciliado o diferencial dos Juizados Especiais Cíveis, na condição de um microssistema processual singular e dotado de rito especial, das demais demandas

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que tramitam perante a Justiça Comum. Nessa linha de exposição, salta aos olhos que o princípio da celeridade recebe especial proeminência em sede de Juizados Especiais Cíveis, só se materializando caso os demais postulados que permeiam o instituto forem contemplados em sua integralidade, permitindo que a essência que emoldura a Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Assim, a celeridade configura a prestação jurisdicional com rapidez e presteza, sem que haja com isso prejuízo à segurança dos pronunciamentos emanados pelo Estado-juiz.

9 A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS NO MICROSSISTEMA DO JUIZADO ESPECIAL

Em decorrência da mens legis encerrada no microssistema do Juizado Especial, quadra reconhecer que o princípio da instrumentalidade das formas se apresenta como corolário robusto para a persecução da duração razoável do processo, assinalando que os atos e termos processuais não dependerão de forma determinada, exceto quando a lei, de maneira expressa, a exigir, reputando-se, via de consequência, válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham o escopo essencial.

Constitui seguramente a viga mestra do sistema das nulidades e decorre da ideia geral de que as formas processuais representam tão-somente um instrumento para correta aplicação do direito; sendo assim, a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quanto a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício. (GRINOVER, 2001, p. 28)

Ao lado disso, mesmo quando a lei prescrever forma específica para o ato, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de maneira diversa, tenha alcançado o fim colimado. No mais, é de se anotar que a forma, em sede de atos processuais, afigura-se como meio e não como um fim, logo, o formalismo exacerbado que apenas contribui para o engessamento desnecessário da tramitação processual não encontra amparo no contemporâneo cenário processual. Infere-se, nesse primeiro contato, que o princípio da instrumentalidade das formas apresenta como pano de incidência a aferição de prejuízo ou não para as partes. Nesta linha de exposição, cuida salientar que, conforme entendimento apresentado em Habeas Corpus Nº. 278.210, de relatoria

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do Ministro Jorge Mussi, o Superior Tribunal de Justiça já assentou visão jurisprudencial que:

No âmbito das nulidades processuais vige o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.

No mais, não é possível assinalar que o apego desmedido à formalidade e à literalidade do texto positivado atende à essência do processo, que busca fornecer uma tutela jurisdicional caracterizada pela tempestividade e pela imparcialidade. Ao lado disso, a repetição imoderada e imprudente da lei é capaz e gerar situações estranhas, em que se confere menor importância ao escopo a ser alcançado do que ao instrumento processual empregado para a sua concreção. Quadra, ainda, salientar que o apego desmedido a modelos pré-estabelecidos traduz a negação da justiça, passando o processo a figurar como um fim em si mesmo e não como um meio para a materialização dos direitos vindicados pelas partes envolvidas no litígio. Desta sorte, o princípio da informalidade das formas floresce como um axioma para privilegiar a finalidade do ato, não sem a inobservância do procedimento legal, mas fazendo deste apenas e tão só um expediente para se alcançar o objetivo. Em sede de Lei Nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, o corolário em comento restou salvaguardado, implicitamente, na redação dos artigos 13 e 14, reafirmando, por mais uma vez, a essência caracterizadora do microssistema inaugurado. Acerca do tema, Cândido Rangel Dinamarco edificou magistério no sentido que:

Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas do caminho incauto, mas também sem renegar o valor que têm, o que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia cientifica, mas nada mais do que instrumento. (DINAMARCO, 2005, p. 329).

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Oportunamente, cuida reconhecer que o princípio da informalidade das formas dicciona que, na contemporânea sistemática, na qual se dispensa especial valoração para a concreção dos direitos pleiteados em Juízo, em consonância, em sede de microssistema dos Juizados Especiais, com a observância da tábua orientadora, salta aos olhos que sobredito cânone ganha especial relevo. Tal fato decorre, de maneira robusta, em razão de apregoar que o apego desnecessário ao formalismo exacerbado apenas contribui para desencadear maior morosidade e influenciar para o engessamento da marcha processual, perpetuando, de maneira desnecessária e descabida, o litígio. Nesta senda, o corolário da informalidade desabrocha como cânone contemporâneo que ambiciona a realização plena dos direitos vindicados no processo, ambicionando a promoção do processo como mero mecanismo para substancialização de tais direitos e não como um ser autônomo, cujos direitos nele debatidos sejam renegados a segundo plano.

10 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: INFORMALIDADE E INSTRUMENTALIDADE COMO PARADIGMAS DE UMA JUSTIÇA MAIS CÉLERE

Em um primeiro momento, cuida salientar que a primeira grande conquista do Estado Democrático é justamente a de oferecer a todos uma justiça confiável, independente, imparcial e dotada de meios que a faça respeitada e acatada pela sociedade. Historicamente, é possível salientar que o princípio da duração razoável do processo encontra sedimento estruturante na Convenção Europeia de Direitos Homens, ao prescrever que toda pessoa tenha sua causa julgada em um prazo razoável, assim como na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também denominada de Pacto São José da Costa Rica, que, de maneira expressa e cristalina, faz, igualmente, alusão a essa garantia judicial. No mais, cuida anotar que esse último diploma foi introduzido, na ordem jurídica pátria, por meio do Decreto Nº. 678, de 09 de novembro de 1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa), de 22 de novembro de 1969.

Nesta linha de dicção, cuida colocar em destaque que a Emenda Constitucional Nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, que altera os dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá outras providências, foi responsável por introduzir, no Texto Constitucional, substancial reforma no Poder Judiciário, notadamente no que compete à expressa consagração do inciso LXXVIII do artigo

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5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegurando a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Verifica-se, ofuscantemente, que a inserção de tal inciso materializou reflexo direto da adoção dos ideários provenientes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, passando, portanto, a influenciar todo o ordenamento jurídico.

Trata-se, pois, de importante guinada, no que concerne ao sistema processual existente, que buscou fomentar a prestação jurisdicional de maneira satisfatória, de maneira a assegurar que as demandas apresentadas, sobretudo ao Poder Judiciário, não se arrastassem de modo indefinido, cominando em um sentimento de impunidade para os litigantes. Nesta linha de exposição, cuida rememorar que a demora na resolução dos conflitos apresentados, substancializada na emissão do pronunciamento do Estado-juiz, tem o condão de acarretar a massificação do sentimento de impunidade e de deficiência do Poder Judiciário. Ao lado disso, cuida trazer à colação que, segundo Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 55), arrazoa que o tempo substancializa em fator de corrosão de direito, sendo, portanto, um dos malefícios responsável pelo retardamento do reconhecimento e da satisfação dos direitos vindicados. Em mesma linha, Bedaque assenta magistério que:

[...] o tempo constitui um dos grandes óbices à efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador é necessária a prática de vários atos, de natureza ordinatória e instrutória. Isso impede a imediata concessão do provimento requerido, o que pode gerar risco de inutilidade ou ineficácia, visto que muitas vezes a satisfação necessita ser imediata sob pena de perecimento mesmo do direito reclamado. (BEDAQUE, 2009, p. 15).

Nesta linha, infere-se que o comando constitucional tem como destinatário principal o Estado como um todo, ou seja, deve ser respeitado e efetivado por todos os poderes e em todas as esferas de governo. Ora, incumbe aos entes federativos e seus órgãos diligenciar para assegurar que o corolário em comento alcance substancialização e produza os efeitos almejados. Mais que isso, cuida, ainda, tecer crítica à locução “razoável duração do processo”, porquanto a acepção de demora é relativa, oscilando, de maneira robusta, de pessoa para pessoa. Consiste, portanto, em um conceito essencialmente individual, sendo que para uns processos com duração de seis meses pode ser céleres, ao passo que para outros pode ser moroso. “A duração razoável do processo, por ser um conceito jurídico

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indeterminado, tem a sua efetivação muito dificultada, isso porque, o direito positivo simplesmente estabeleceu uma regra geral, sem conferir parâmetros ou meios de verificação no caso concreto” (LACHTER, 2009, p. 11-12).

Ademais, como já sustentou o Ministro Carlos Ayres Britto, ao relatoriar o Habeas Corpus Nº. 106.518, “o tamanho do direito à razoável duração do processo é ainda maior. Mais forte a sua compleição. Ele é prioridade das prioridades ou o primus inter pares procedimental. A plenificar, por consequência, o correlato dever estatal da não negação da justiça” (BRASIL, 2014h). Prima sublinhar que a locução duração razoável do processo reclama interpretação consoante as circunstâncias particulares da espécie em julgamento, adotando-se, para tanto, três critérios primordiais, a saber: (i) a complexidade das questões de fato e de direito discutidas no processo; (ii) o comportamento da parte e de seus procuradores; e (iii) as atuações dos órgãos jurisdicionados no caso concreto. (DIAS, 2004, p. 200). Verifica-se, assim, que plurais são os aspectos a serem considerados para que se possa atribuir a razoabilidade esperada na tramitação de determinado processo, não sendo, assim, um conceito restrito e milimetricamente

Em se tratando, primacialmente, dos Juizados Especiais Cíveis, para que haja a concretização do preceito constitucional da razoável duração do processo, é necessário que se efetivem reais mudanças no sistema processual que o socorre, estabelecendo-se normas infraconstitucionais que permitam soluções mais próximas de sua realidade. Nessa linha de exposição, ao direcionar o princípio constitucional da duração razoável do processo, em sede de microssistema dos Juizados Especiais, em decorrência da tábua axiológica de celeridade, quadra reconhecer a assunção de proeminente saliência, notadamente em razão da mens legis contida no diploma orientador. Neste passo, mister faz-se anotar que para a concreção de tal ideário, os corolários de informalidade e de instrumentalidade afiguram como especial substrato, eis que contribuem para tal fito.

11 COMENTÁRIOS FINAIS

De plano, carecido faz-se compreender de que a criação do microssistema dos Juizados Especiais deveu-se aos destinatários que possuíssem causas de solução dotadas de maior simplicidade e de diminuta expressão econômica, os Juizados Especiais Cíveis, instituídos em 1995, devendo primar pela concretização dos objetivos de efetivação da tutela jurisdicional de forma rápida, ou seja, que se preste a satisfazer o interesse do cidadão em tempo razoável à utilidade daquela tutela. Assim, é possível afirmar que o processo ajuizado perante o microssistema dos Juizados Especiais, além de ser célere, simples e informal, deve, igualmente,

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trilhar pela via mais econômica, buscando sempre o aproveitamento dos atos processuais, reduzindo os custos do processo e encontrando alternativas que representem um menor ônus tanto para o Poder Judiciário quanto para o cidadão que pretende ver seu interesse tutelado de forma mais econômica.

Salta aos olhos que a edificação de tais ideários caminhou pela adoção de critérios e princípios que buscassem assegurar uma maior celeridade ao microssistema inaugurado, o que se tornou, ainda mais, substancial com a introdução do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelecendo que os processos, tanto em âmbito administrativo, quanto na seara jurídica, deveriam apresentar uma duração razoável. Objetivou-se, assim, dinamizar o tradicional sistema processual que vigorava, assegurando o desenvolvimento da marcha processual de maneira mais célere. Para tanto, é imperioso reconhecer que os princípios da informalidade das formas e da instrumentalidade atuam como verdadeiro ponto nevrálgico para a persecução de tal ideário.

REFERÊNCIAS:

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A VALORAÇÃO DO PRECEITO DA BUSCA PELA FELICIDADE ENQUANTO AXIOMA DE INSPIRAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS

FARIAS, Karina dos Reis135 RANGEL, Tauã Lima Verdan136 TEIXEIRA, Eriane Araújo137 RAMOS, José Eduardo Silvério138

Resumo: Ao se analisar a adoção do preceito da busca pela felicidade, enquanto valor intrínseco

do superprincípio da dignidade da pessoa humana, no cenário pátrio, se revela como robusto instrumento de concreção das potencialidades de cada indivíduo. Neste aspecto, verifica-se que a adoção do cânone supramencionado pelo entendimento jurisprudencial, precipuamente pelas Cortes Superiores, demonstra o relevo do tema, em decorrência da valoração, com a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988 e irradiado pelo Código Civil de 2002, do afeto como núcleo sensível a conceder a tônica aos arranjos e estruturas familiares, abandonando, de maneira definitiva, o aspecto essencialmente patrimonialista contido no Estatuto Civilista de 1916 que impregnou a ótica adotada no cenário pátrio. Nesta esteira, a busca pela felicidade passou a ser desfraldado como elemento de legitimação dos arranjos familiares contemporâneos, refletindo, desse modo, os anseios apresentados pela sociedade.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana; Busca pela Felicidade; Arranjos Familiares Contemporâneos.

1 A CONSTRUÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A PARTIR DE UM RECORTE EVOLUTIVO: COMENTÁRIOS INAUGURAIS

Ao se dispensar um olhar analítico acerca do tema, impende sublinhar que

a acepção originária de dignidade rememora a um passado remoto, tendo seu sentido sofrido evolução, de maneira íntima, com o progresso do ser humano. Em sua origem, os axiomas conceituais da dignidade se encontravam sustentados em                                                                                                                          135 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Mineração e Meio Ambiente” do Grupo de Pesquisa e Estudos “A Constitucionalização dos Direitos” do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]; 136 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Mineração e Meio Ambiente” do Grupo de Pesquisa e Estudos “A Constitucionalização dos Direitos” do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]; 137 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Integrante da Linha de Pesquisa “Mineração e Meio Ambiente” do Grupo de Pesquisa e Estudos “A Constitucionalização dos Direitos” do Centro Universitário São Camilo-ES, [email protected]; 138 Professor de Direito Constitucional e Tributário do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo – ES, onde atua como Coordenador da linha de pesquisa em Meio Ambiente e Mineração, no GEP de Constitucionalização dos Direitos. Advogado sócio do escritório Ramos – Araujo Advogados. Mestre em Direito, na área de Políticas Públicas e Processo pela FDC/RJ, Pós-Graduado em Direito Material e Processual Tributário pelo IBET, [email protected] e [email protected].

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uma reflexão pautada em um âmbito filosófico, proveniente de um ideal estoico e cristão. Quadra anotar que o pensamento estoico, ao edificar reflexões no que tange ao tema, propunha que “a dignidade seria uma qualidade que, por ser inerente ao ser humano o distinguiria dos demais. Com o advento do Cristianismo, a ideia grande reforço, pois, a par de ser característica inerente apenas ao ser humano” (BERNARDO, 2006, p. 231). No mais, ainda nesta trilha de raciocínio, não se pode olvidar que o pensamento cristão, em altos alaridos, propugnava que o ser humano fora criado à imagem e semelhança de Deus.

Ora, salta aos olhos que aviltar a dignidade da criatura, em último estágio, consubstanciaria, a partir da perspectiva originária da acepção conceitual, violação à própria vontade do Criador. Com efeito, a mensagem, inicialmente, anunciada pelo pensamento cristão sofreu, de maneira paulatina e tímida, um sucedâneo de deturpações que minaram o alcance de suas balizas, maiormente a partir da forte influência engranzada pelos interesses políticos. Desta sorte, uma gama de violações e abusos passou a encontrar respaldo e, até mesmo, argumentos justificadores, tendo como escora rotunda o pensamento cristão, subvertido e maculado pelas ingerências da ganância dos detentores do poder. Neste aspecto, os interesses políticos passaram a inquinar e deturpar os feixes que irradiavam a moldura da dignidade.

Nessa esteira, imperioso se faz frisar que o significado da dignidade da pessoa foi, de maneira progressiva, objeto de construção doutrinária, sendo imprescindível sublinhar as ponderações, durante a Idade Média, de São Tomás de Aquino que, na festejada obra Summa Theologica, arquitetou significativa contribuição, precipuamente quando coloca em evidência que “a dignidade da pessoa humana encontra fundamento na circunstância de que o ser humano fora criado à imagem e semelhança de Deus” (SCHIAVI, 2013, p; 04), norteado pela capacidade intrínseca do indivíduo de se autodeterminar. Resta evidenciado, a partir do cotejo das informações estruturadas, que o ser humano é livre, orientando-se segundo a sua própria vontade.

Ainda no que se refere ao desenvolvimento dos axiomas edificadores da acepção da dignidade da pessoa humana, durante o transcurso dos séculos XVII e XVIII, cuida conceder destaque a atuação de dois pensadores, quais sejam: Samuel Pufendorf e Immanuel Kant. Aduzia Samuel Pufendorf que incumbia a todos, abarcando o monarca, o respeito da dignidade da pessoa humana, afigurando-se como o direito de se orientar, atentando-se, notadamente, para sua razão e agir em consonância com o seu entendimento e opção. Immanuel Kant, por sua vez, “talvez aquele que mais influencia até os dias atuais nos delineamentos do conceito, propôs o seu imperativo categórico, segundo o qual o homem é um fim

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em si mesmo” (BERNARDO, 2006, p. 234). Destarte, não pode o homem nunca ser coisificado ou mesmo empregado como instrumento para alcançar objetivos.

Ao lado disso, destacar faz-se necessário que as coisas são dotadas de preço, já que podem ser trocadas por algo que as equivale; as pessoas, doutro modo, são dotadas de dignidade, sendo vedada a estruturação de uma troca que objetive a troca por algo similar ou mesmo que se aproxime. Com enfoque, Martins (2008, p. 07) leciona, em conformidade com os ideários irradiados pelo pensamento kantiano, que todas as ações norteadas em favor da redução do ser humano a um mero objeto, como instrumento a fomentar a satisfação de outras vontades, são defesas, eis que afronta, de maneira robusta, a dignidade da pessoa humana. No intento de fortalecer as ponderações estruturadas até aqui, há que se trazer o magistério de Schiavi:

No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a idéia do direito natural em si, passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade. A dignidade da pessoa humana era considerada como a liberdade do ser humano de optar de acordo com a sua razão e agir conforme o seu entendimento e opção, bem como – de modo particularmente significativo – o de Immanuel Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar o ser humano (o indivíduo) não pode ser tratado – nem por ele próprio – como objeto. É com Kant que, de certo modo, se completa o processo de secularização da dignidade, que, de vez por todas, abandonou suas vestes sacrais. Sustenta Kant que o Homem e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade (SCHIAVI, 2013, p. 04).

Não é possível perder de vista que, em decorrência da sorte de horrores perpetrados durante a Segunda Grande Guerra Mundial, os ideários kantianos foram rotundamente rememorados, passando a serem detentores de vultosos contornos, vez que, de maneira realista, foi possível observar as consequências abjetas provenientes da utilização do ser humano como instrumento de realização de interesses. Além disso, há que se salientar que “os direitos humanos foram extremamente suprimidos pelo fanatismo nazista e a dignidade da pessoa humana foi reduzida a um mero e utópico conceito, sem qualquer atuação, tendo como limite imposto, a vontade de um governante” (VERDAN, 2012). A fim de repelir as ações externadas durante o desenrolar da Segunda Grande Guerra Mundial, o corolário da dignidade da pessoa humana foi maciçamente hasteado, passando a

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ser alçada como flâmula orientadora da atuação humana, restando positivado em volumosa parcela das Constituições promulgadas no pós-guerra, mormente os Textos Constitucionais do Ocidente, tal como na Declaração Universal das Nações Unidas, em seu artigo 1º que dicciona: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (BRASIL, 2013c).

2 A VALORAÇÃO DOS PRINCÍPIOS: A INFLUÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

A partir da perspectiva apresentada acima, é possível evidenciar que, em consonância com a valoração do ser humano, enquanto ser dotado de dignidade e plurais potencialidades a serem exploradas, os princípios, também, passaram a gozar de proeminência, sendo içados à condição de gênese, a pedra angular da existência de algo, in casu a tábua de sustentação do ordenamento jurídico. À sombra do exposto, verifica-se que os princípios são hasteados como verdades fundamentais, que assegurar ou mesmo consagram a certeza de uma diversidade multifacetada de juízos e valores que orientam a aplicação do arcabouço normativo, quando confrontado com situações concretas, promovendo o diálogo e adequação do texto abstrato e genérico às particularidades ostentadas pela do ser humano nas relações fluídas da contemporaneidade. Com a valoração dos princípios, denota-se que o escopo essencial descansa em obstar a exacerbação equivocada do texto legal, imprimindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em exame.

Com arrimo em tais ideários, patente faz-se destacar que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, na condição de doutrina abraçada pelo Ordenamento Jurídico, são responsáveis por fundar e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação dos diplomas normativos. Desta sorte, insta obtemperar que conhecer os princípios é adentro no âmago da realidade jurídica. “Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar” (MARQUESI, 2004). Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sociais e necessidades apresentados por cada população. Todavia, o que mantém a característica fundante dos axiomas está atrelado ao fato de estarem fincados na condição de cânone escrito, positivado pelos representantes de

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determinada nação ou mesmo decorrentes de regramentos consuetudinários, aderidos, de maneira democrática, pela população.

Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grossos, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” (VERDAN, 2009). Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito estrutura-se, segundo a brilhante exposição de Tovar (2005). Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram ao ramo Civilista da Ciência Jurídica, mormente o Direito das Famílias e o aspecto afetivo contido nas relações firmadas entre os indivíduos.

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que a Lei N° 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, que institui o Código Civil, deve ser interpretada a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes ao Direito das Famílias. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afasta qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 A VALORAÇÃO DO PRECEITO DA BUSCA PELA FELICIDADE ENQUANTO AXIOMA DE INSPIRAÇÃO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS

A República Federativa do Brasil, ao estruturar a Constituição Cidadã,

concedeu, expressamente, relevo ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe “dos princípios fundamentais”, sendo positivado no inciso III do artigo 1º. Com avulte, o aludido preceito passou a gozar de status de pilar estruturante do Estado Democrático de Direito, toando como fundamento para todos os demais direitos. Nesta trilha, também, há que se enfatizar que o Estado é responsável pelo desenvolvimento da convivência humana em uma sociedade norteada por caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja

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regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos, no qual a população reste devidamente representada, de maneira adequada, participando e influenciando de modo ativo na estruturação social e política. Ademais, é permitida, inda, a convivência de pensamentos opostos e conflitantes, sendo possível sua expressão de modo público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo resistência por parte do Ente Estatal.

Nesse alamiré, verifica-se que a principal incumbência do Estado Democrático de Direito, em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas que visem a eliminação das disparidades sociais e os desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um sistema pautado na democratização daqueles que detém o poder. Ademais, não é possível olvidar que “não é permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa humana” (RENON, 2009, p. 19), tal ideário decorre da proeminência que torna o preceito em comento em patamar intocável e, se porventura houver conflito com outro valor constitucional, aquele há sempre que prevalecer.

Frise-se, por carecido, que a dignidade da pessoa humana, em razão da promulgação da Carta de 1988, passou a se apresentar como fundamento da República, sendo que todos os sustentáculos descansam sobre o compromisso de potencializar a dignidade da pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante, como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, se faz proeminente, sob pena de não haver razão para a existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida colocar em saliência que a Constituição de 1988 consagrou a vida humana como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de inviolabilidade.

Evidenciar faz-se necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana não é visto como um direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico, mas sim um atributo inerente a todo ser humano, destacado de qualquer requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos alocados sob a epígrafe “fundamentais”, que se encontram agasalhados no artigo 5º da Constituição Cidadã. Ao se perfilhar à umbilical relação mantida entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pode-se tanger dois aspectos basais. O primeiro se apresente como uma ação negativa, ou passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar agressões ou lesões; já a positiva, ou

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ativa, está atrelada ao “sentido de promover ações concretas que, além de evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a todos” (BERNARDO, 2006, p. 236).

Comparato (1998, p. 176) alça a dignidade da pessoa humana a um valor supremo, eis que “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem”, sendo em sua dignidade substância da pessoa, ao passo que as especificações individuais e grupais são sempre secundárias. A própria estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do Estado, conforme as ponderações aventadas, só se justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade da pessoa humana, dispensando esforços para concretizarem tal dogma. Mister faz-se pontuar que o ser humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que, preexistem à sua valoração, descobre-os e passa a dispensar proteção, variando em decorrência do contexto e da evolução histórico-social e moral que condiciona o gênero humano. Não é possível perder de vista o corolário em comento é a síntese substantiva que oferta sentido axiológico à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determinando, conseguintemente, os parâmetros hermenêuticos de compreensão.

A densidade jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana no sistema constitucional há de ser, deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um corolário supremo no trono da hierarquia das normas. A interpretação conferida pelo corolário em comento não é para ser procedida à margem da realidade. Ao reverso, alcançar a integralidade da ambição contida no bojo da dignidade da pessoa humana é elemento da norma, de modo que interpretações corretas são incompatíveis com teorização alimentada em idealismo que não as conforme como fundamento. Atentando-se para o princípio supramencionado como estandarte, o intérprete deverá observar para o objeto de compreensão como realidade em cujo contexto a interpretação encontra-se inserta. Quadra trazer à baila o magistério do Ministro Marco Aurélio, ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 46/DF, quando, ao analisar a interpretação das normas, pontuou:

Interpretar significa apreender o conteúdo das palavras, não de modo a ignorar o passado, mas de maneira a que este sirva para uma projeção melhor do futuro. Como objeto cultural, a compreensão do Direito se faz a partir das pré-compreensões dos intérpretes. Esse foi um dos mais importantes avanços da hermenêutica moderna: a percepção de que qualquer tentativa de distinguir o sujeito do objeto da interpretação é falsa e não corresponde à verdade. A partir da ideia do “Círculo

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Hermenêutico” de Hans Gadamer, evidenciou-se a função coautora do hermeneuta na medida em que este compreende, interpreta as normas de acordo com a própria realidade e as recria, em um processo que depende sobremaneira dos valores envolvidos (BRASIL, 2013e).

Ao lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para assegurar a unidade material da Constituição senão o corolário em testilha. Como bem salientou Sarlet (2002, p. 83), “um Estado que não reconheça e garanta essa Dignidade não possui Constituição”. Ora, considerando os valores e ideários por ele abarcados, não é possível perder de vista que as normas, na visão garantística consagrada no Ordenamento Brasileiro, reclamam uma interpretação em conformidade com o preceito em destaque. Nesta toada, entalhadas tais lições, ao se direcionar uma interpretação para o Direito de Famílias, cuida ter uma visão pautada em valores sensíveis, em razão dos próprios sentimentos que impregnam as relações afetivas.

Trata-se de ramificação da Ciência Jurídica em que é possível contemplar a materialização dos ideários de afeto e de busca pela felicidade. Nesta esteira, ainda, infere-se que o afeto apresenta-se como a verdadeira moldura que enquadra os laços familiares e as relações interpessoais, impulsionadas por sentimentos e por amor, com o intento de substancializar a felicidade, postulado albergado pelo superprincípio da pessoa humana. Ao lado disso, tal preceito encontra-se hasteada como flâmula a orientar a interpretação das normas, inspirando sua aplicação diante do caso concreto, dando corpo a um dos fundamentos em que descansa a ordem republicana e democrática, venerada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Nessa linha de exposição, conforme tem-se colhido em atuais entendimentos jurisprudenciais, notadamente os consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, o afeto e a busca pela felicidade passaram a ser reconhecidos como valores jurídicos imersos em natureza constitucional, apresentando-se como novos paradigmas que informam e inspiram a formulação da própria acepção de entidade familiar. Ora, os reconhecimentos do afeto e da busca pela felicidade encontram robusto descanso na extensa rubrica de direitos compreendidos pelo superprincípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, cuida trazer a lume o seguinte aresto:

Ementa: União Civil entre pessoas do mesmo sexo - Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas - Legitimidade Constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: Posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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(ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) - […] A dimensão constitucional do afeto como um dos fundamentos da família moderna. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. Dignidade da Pessoa Humana e Busca pela Felicidade - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado [...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 477554 AgR/ Relator Ministro Celso de Mello/ Julgado em 16.08.2011/ Publicado no DJe-164/ Divulgado em 25.08.2011/ Publicado em 26.08.2011). (destaque nosso)

Por oportuno, torna-se forçoso o reconhecimento que o novel ideário, no âmbito das relações familiares, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o fito de estabelecer direito e deveres decorrentes de vínculo familiar, consolidando na existência e no reconhecimento do afeto, tal como pela busca da felicidade. Consoante se extrai do entendimento jurisprudencial coligido, os preceitos mencionados algures, decorrem do feixe principiológico advindo da dignidade da pessoa humana, sendo dotados de proeminência e maciço destaque na caminhada pela afirmação, gozo e ampliação dos direitos fundamentais. Ao lado disso, não é possível olvidar que sobreditos paradigmas se revelam como instrumentos aptos a neutralizar práticas ou omissões lesivas que comprometem os direitos e franquias individuais. Nesta senda de exposição, “o direito de família é o único ramo do direito privado cujo objeto é o afeto” (CALHEIRA, 2012).

Forçoso, ainda, colocar em destaque que o direito à busca da felicidade representa derivação do superprincípio da dignidade da pessoa humana, apresentando-se como um dos mais proeminentes preceitos constitucionais implícitos, cujas raízes imergem, historicamente, na própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776. Ao lado

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disso, em ordem social norteada pelo racionalismo, em de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana consonância com a teoria iluminista, o Estado “existe para proteger o direito do homem de ir em busca de sua mais alta aspiração, que é, essencialmente, a felicidade ou o bem-estar” (DRIVER, 2006, p. 32). O homem tem sua atuação motivada pelo interesse próprio, o qual, corriqueiramente, se materializada na busca pela felicidade, competindo à sociedade, enquanto construção social destinada a proteger cada indivíduo, viabilizando a todos viver juntos, de forma benéfica.

No mais, ao se considerar o escopo fundamental da República, consistente na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, que o reconhecimento do direito à busca da felicidade, na condição de ideia-norma que decorre, diretamente, do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana, autorizando, via de consequência, o rompimento dos obstáculos que impedem a tutela jurídica dos arranjos familiares contemporâneos. Nesta esteira de exposição, não é possível esquecer que todo indivíduo tem o direito de constituir uma célula, notadamente em sua função de nascedouro da realização pessoal e refúgio, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. As famílias existem em plurais manifestações, não sendo possível permitir discriminações ancoradas na orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer dos seus integrantes.

Impostergável é o reconhecimento do afeto e da busca pela felicidade, enquanto valores impregnados de juridicidade, porquanto abarcam a todos os indivíduos, suplantando qualquer distinção, promovendo a potencialização do superprincípio em destaque. Ademais, em se tratando de temas afetos ao Direito de Família, o relevo deve ser substancial, precipuamente em decorrência da estrutura das relações mantidas entre os atores processuais, já que extrapola a rigidez jurídica dos institutos consagrados no Ordenamento Pátrio, passando a se assentar em valores de índole sentimental, os quais, conquanto muitas vezes sejam renegados a segundo plano pela Ciência Jurídica, clamam máxima proteção, em razão das peculiaridades existentes. O patrimônio, in casu, não é material, mas sim de ordem sentimental, o que, por si só, inviabiliza qualquer quantificação, sob pena de coisificação de seu detentor e aviltamento à própria dignidade da pessoa humana. 4 PONDERAÇÕES FINAIS

O ser humano tem sua atuação norteada pela satisfação do interesse

próprio, o qual, costumeiramente, recebe concreção na busca pela felicidade,

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precipuamente em decorrência das realizações de cunho pessoal, incumbindo à sociedade, enquanto construção social orientada a proteger o indivíduo em suas singularidades e multifacetadas potencialidades. Nesta seara, o reconhecimento conferido ao afeto e à busca pela felicidade, enquanto valores sensíveis e impregnados de juridicidade, eis que compreende a todos os indivíduos, suprimindo as distinções, apresentando-se como instrumento de substancialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana, notadamente da contemporaneidade, em que as relações passam a gozar de dinamicidade e fluidez substanciais.

Ao lado disso, ao se debruçar sobre os temas atrelados ao Direito de Família, insta conceder relevo substancial às relações mantidas entre os atores processuais, notadamente as pautadas nos liames afetivos e seu desdobramento na busca pela felicidade, eis que ultrapassam a rigidez jurídica dos institutos consagrados no Ordenamento Pátrio, passando a se assentar em aspetos dotados de moldura sentimental, os quais muitas vezes sejam lançados a patamares inferiores pela Ciência Jurídica, vindicam máxima proteção, em razão das nuances e peculiaridades caracterizadores. Neste aspecto, o reconhecimento do princípio constitucional implícito da busca pela felicidade se revela como um importante vetor hermenêutico relativo a temas de direitos fundamentais, objetivando assegurar a concreção da satisfação do indivíduo contemporâneo e, por extensão, a materialização da dignidade da pessoa humana. A acepção da busca pela felicidade imprimiu considerável expansão para, a partir da exegese de dispositivo consubstanciador desse direito inalienável, estendê-lo a situações envolvendo a proteção da intimidade e a garantia do direito de casar-se com pessoa de outra etnia ou do mesmo gênero, de ter a custódia dos filhos menores ou, ainda, de conferir tutela jurídica a situações característica da contemporaneidade, REFERÊNCIAS: ASSIS JÚNIOR, Pedro Prazeres. A Inconstitucionalidade da Monogamia. 28f. Monografia (Especialista em Direito) – Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.emerj.rj.gov.br>. Acesso em 28 ago. 2012. BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil. Breves Reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, nº 08, p. 229-267, junho de 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 28 mar. 2013.

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