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Comportamento Motor,

Controlo e Aprendizagem

Pedro Passos (editor)

Um Corpo de Conhecimentos

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 3

Índice

O CONTROLO DOS MOVIMENTOS E A APRENDIZAGEM MOTORA 5

João Barreiros e Pedro Passos

UMA (AS)SIMETRIA QUASE (IM)PERFEITA: 27 UM PASSEIO PELAS ASSIMETRIAS CORPORAIS E FUNCIONAIS Olga Vasconcelos e Paula Rodrigues

A APRENDIZAGEM ENQUANTO PROCESSO DE MUDANÇA 49

João Barreiros e Pedro Passos

FATORES DE APRENDIZAGEM 59

Filipe Melo e João Barreiros

SUPORTE BIOLÓGICO DA APRENDIZAGEM 73

Filipe Melo

O CONCEITO DE PROGRAMA MOTOR 85

Pedro Passos e João Barreiros

TEORIA DO ESQUEMA NA APRENDIZAGEM DE MOVIMENTOS 103

Pedro Passos e João Barreiros

A VARIABILIDADE E O PROBLEMA DOS GRAUS DE LIBERDADE: 115 O CONTRIBUTO DE NIKOLAI BERNSTEIN Pedro Passos e João Barreiros

A ABORDAGEM ECOLÓGICA AO CONTROLO MOTOR 137

Rita Cordovil e João Barreiros

COMPLEXIDADE, NOÇÕES BÁSICAS 153

APLICADAS AO COMPORTAMENTO MOTOR Pedro Passos e João Barreiros

ABORDAGEM BASEADA NOS CONSTRANGIMENTOS 165

Pedro Passos e João Barreiros

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Universidade Técnica de Lisboa

FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA

4

179 VARIABILIDADE, INTERFERÊNCIA E TENDÊNCIAS CONTRADITÓRIAS Pedro Passos e João Barreiros

195 APRENDIZAGEM E COORDENAÇÃO INTERPESSOAL Pedro Passos e João Barreiros

215 COMPORTAMENTO MOTOR E CRIATIVIDADE NA APRENDIZAGEM DA MÚSICA – O CASO DO JAZZ Nuno Correia, João Barreiros e Pedro Passos

235 INFORMAÇÃO DE RETORNO SOBRE O RESULTADO Mário Godinho

245 GLOSSÁRIO

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 5

O controlo dos movimentos e a aprendizagem motora

João Barreiros e Pedro Passos

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

O que é aprender?

Quando olhamos para o comportamento de pessoas realmente habilidosas, fi -

camos impressionados com a suavidade e graça dos movimentos. De facto, as ações

de peritos muito experientes apresentam um conjunto de características que somos

capazes de reconhecer: a efi ciência dos movimentos, a leveza suprema da ação, a

suavidade, mas também a forma como o movimento se ajusta ao detalhe perante pe-

queníssimas alterações que têm lugar no meio em que o movimento se desenrola, ou

no próprio executante.

A adaptabilidade do movimento habilidoso é talvez a característica mais excecio-

nal, porventura porque transforma a incerteza do meio em surpreendentes ajustamen-

tos do movimento.

É tão comum observar movimentos habilidosos que raramente se questiona o

modo como eles são atingidos. Com facilidade somos, mesmo, levados a supor que se

trata de um dom natural, nascido com a pessoa, ou parte integrante e indissociável do

ser. Na realidade, quase todas as pessoas possuem algumas ações em que são real-

mente habilidosas, ainda que, por tais ações serem relativamente comuns, não nos atin-

jam com a surpresa com que nos impressiona o executante habilidoso de coisas raras.

Quando as ações são generalizadas a virtualmente todos os seres de uma espé-

cie, elas surgem-nos com uma marca de naturalidade que esconde a imensa complexi-

dade da sua produção. É o caso da nossa locomoção, do domínio do andar e do correr,

ou dos movimentos de extraordinária fi nura que nos permitem produzir sons, imitar pes-

soas, cantar, ou tocar instrumentos. Porque tais aquisições são feitas em idades muito

precoces, não temos recordação do modo como a aprendizagem foi feita.

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Universidade Técnica de Lisboa

FACULDADE DE MOTRICIDADE HUMANA

6

Repare-se, por exemplo, na sequência de movimentos de escrita de um adulto,

combinando traços de dimensões muito reduzidas, produzidos em sequências muito

rápidas e com uma dosagem absolutamente controlada da força exercida no instru-

mento. Para se perceber a sequência de elevadíssima complexidade da escrita é

preciso introduzir uma grande lentidão na fi lmagem, dado que os nossos olhos não

conseguem acompanhar a rapidez com que a ponta da caneta se desloca. A análise

destes movimentos evidencia a produção de sequências muito longas de movimentos

fi níssimos, várias vezes com segmentos inferiores a um milímetro, orientados de for-

ma muito precisa no espaço.

Figura 1. Descrição de movimentos de escrita em crianças (exemplo coletado pelo Prof. Christian Marquardt e gentilmente cedido pela Stabilo).

Com algum esforço recordamo-nos da difi culdade que tínhamos, nos primeiros

anos de escolaridade, para desenhar as letras na forma certa, e para que se asse-

melhassem ao longo das frases. Daí até conseguirmos produzir assinaturas com seg-

mentos de escrita realizados a velocidades de mais de 100 mm/s (Mavrogiorgou et al.,

2001) vai uma enorme evolução, que se pode observar não apenas em parâmetros

espaciais e temporais, mas também na própria estabilidade da produção escrita. A

formação da caligrafi a individual é um belíssimo exemplo de um efeito específi co da

aprendizagem: somos capazes de manter uma identidade caligráfi ca mesmo escre-

vendo com canetas diferentes, em papéis diferentes, e palavras e frases diferentes.

Ao longo deste livro voltaremos à questão da identidade do movimento e da robustez

que caracteriza a sua estabilidade.

Considere-se, por exemplo, a sequência de movimentos de escrita em tecla-

dos. Somos relativamente lentos quando compomos a escrita (cerca de 19 palavras

por minuto) e bastante mais rápidos quando transcrevemos sem preocupação de es-

truturação de conteúdo (33 palavras por minuto). Porém, uma dactilógrafa profi ssional

pode atingir 80 palavras por minuto, e alguns dactilógrafos muito habilidosos chegam

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 27

Uma (as)simetria quase (im)perfeita: Um passeio pelas assimetrias corporais e funcionais

Olga Vasconcelos1 e Paula Rodrigues2

1Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, LACM, CIFI2D 2CIIERT/Edutec, ESE – Campus Académico de Vila Nova de Gaia, Instituto Piaget

Os dois lados do corpo:

Um passeio com estórias pela história da assimetria corporal

E no início dos inícios… foi a assimetria! No momento da grande expansão

do Universo, conhecido por Big Bang, foram criadas iguais quantidades de matéria

e de antimatéria. Contudo, imediatamente após esta criação, gerou-se uma ligeira

assimetria, por causas desconhecidas, e a matéria prevaleceu sobre a antimatéria,

sendo esta teoria denominada Bariogénese. De acordo com a opinião de Noël (1989),

foi este pequeno desequilíbrio entre matéria e antimatéria, no Universo primordial,

que criou as condições para a existência de vida. Numa interpretação mitológica, e de

acordo com Aristófanes, o homem era originalmente esférico, com a face voltada para

o céu e os seus redondos pés assentes no chão. Não possuía, portanto, lado direito

ou lado esquerdo. Contudo, o homem tornou-se orgulhoso e arrogante e Zeus, furio-

so, castigou-o, fendendo-o de cima a baixo em duas partes. Lançou-as, em seguida,

para Apolo, que moldou uma nova face, já não voltada para o céu, e uns genitais,

em cada semi-hemisfério, criando um lado direito e um lado esquerdo. Depois, Zeus

ameaçou: “Se o homem persistir na sua arrogância e impertinência, dividi-lo-ei uma

vez mais e terá então de saltitar numa só perna!”. Ironicamente, Zeus pareceu cum-

prir a sua ameaça, senão fendendo-nos, pelo menos privando-nos da nossa simetria

(Corballis & Beale, 1976).

Com esta história mítica de Aristófanes, talvez tenha sido na antiga Grécia

que surgiu a primeira teoria sobre assimetria corporal, num lugar e num tempo em

que qualquer desvio da simetria era considerado como mais um exemplo da distinção

entre os homens e os deuses. Na realidade, a assimetria é um conceito humano, pois,

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 31

Olga Vasconcelos e Paula Rodrigues

Uma (as)simetria quase (im)perfeita: Um passeio pelas assimetrias corporais e funcionais

questão: Que acontecerá com os sinistrómanos, ou seja, os indivíduos para quem

o lado “direito” do corpo é o esquerdo? Verão o mundo como o refl exo de um espe-

lho? Como em todas as minorias e segundo os valores das diferentes sociedades,

os sinistrómanos foram estigmatizados com os mais variados defeitos. Victor Hugo,

nos Miseráveis, sugere que os canhotos são preciosos, pois ocupam lugares con-

siderados inconvenientes para os indivíduos normais. Muitos investigadores, entre

os quais destacamos o médico e criminologista italiano Lombroso (1903), sugeriram

uma relação entre a preferência pela mão esquerda e a pertença a grupos de crimi-

nosos, delinquentes, negros, selvagens e prostitutas. O próprio Freud não resistiu em

especular sobre uma eventual relação entre a preferência esquerda de Leonardo da

Vinci e a sua hipotética homossexualidade.

Muitas culturas, no passado – e algumas mesmo num passado recente – en-

corajaram pais e professores a forçar as crianças sinistrómanas para o uso da mão

direita. O resultado desta medida traduz-se num certo grau de ambidestria, numa per-

da da efi ciência de ambas as mãos e num sentimento de desajuste e marginalização

perante um mundo “destro” orientado num sentido contrário ao de quem nutre uma

preferência pela mão esquerda. Desordens da coordenação motora e problemas ao

nível da postura parecem, também, ser mais frequentes nos sujeitos sinistrómanos,

como resultado da sua adaptação a esse mundo destro (Vasconcelos, Rodrigues,

Figura 1. Mãos desenhando – M.C. Escher, 1948. As duas mãos do ser humano violam o prin-

cípio da simetria. De um ponto de vista anatómico, são enantiomorfas. De um ponto de vista

funcional, variam na expressão da sua assimetria de acordo com a pessoa, o seu envolvimento

sociocultural e o tipo de tarefa a executar.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 59

Fatores de Aprendizagem

Filipe Melo e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Introdução

O processo de aprendizagem é infl uenciado por um vasto conjunto de variá-

veis com características de participação diferenciadas no desenvolvimento do próprio

processo. Pretende-se neste capítulo apresentar de forma sistematizada um grupo de

fatores que sobressaem, pela sua importância, de entre um conjunto mais alargado de

variáveis já identifi cadas. Numa primeira fase, é abordada a classifi cação de fatores,

seguindo-se a apresentação das variáveis com maior relevância no processo de apren-

dizagem.

Classifi cação dos fatores

Uma das categorizações de fatores de aprendizagem mais comuns é a que es-

tabelece a divisão em fatores relativos ao indivíduo, à tarefa e ao envolvimento (Knapp,

1980). Nesta classifi cação existe a preocupação de distinguir os efeitos das variáveis

inerentes ao aprendiz (os seus traços pessoais), das variáveis inerentes ao objeto de

aprendizagem (a tarefa) e das variáveis que, sendo externas a estes dois elementos,

não deixam de os infl uenciar (as variáveis do envolvimento). Esta forma de olhar para

a aprendizagem foi também adotada por outros autores, de entre os quais se destaca

Karl Newell, que sugeriu um modelo que considerava os constrangimentos organísmi-

cos (incluindo os aspetos neuronais, fatores morfológicos e biomecânicos, a dimen-

são metabólica e energética, etc.), os constrangimentos do envolvimento (iluminação,

acústica, temperatura, etc.), e os constrangimentos da tarefa, incluindo os objetivos da

tarefa, os instrumentos a utilizar, ou os aspetos regulamentares que obrigatoriamente

tenham que ser considerados (Newell, 1986).

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 73

Suporte biológico da aprendizagem

Filipe Melo

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

O principal objetivo deste capítulo prende-se com a análise da aprendizagem

relacionada com a aquisição e/ou modifi cação do comportamento motor, e mais con-

cretamente a aprendizagem de tarefas motoras. Os processos comportamentais as-

sociados a este domínio são tão estáveis e previsíveis que podem ser caracterizados

através de leis. Estas leis estão, no entanto, dependentes dos diferentes níveis de aná-

lise, das perspetivas de abordagem do comportamento motor, e das teorias e conceitos

que lhes servem de suporte. Conceitos como programa motor, feedback, deteção do

erro, constrangimento, podem ser interpretados de forma diferente em função do posi-

cionamento científi co adotado.

Qualquer situação típica de aprendizagem envolve um organismo motivado

que explora ativamente a informação do envolvimento, procedendo a uma consequen-

te adaptação do seu comportamento. A análise do processo de aprendizagem numa

perspetiva neurofi siológica envolve a compreensão de diferentes aspetos relacionados

com o tratamento da informação sensitiva, com fatores motivacionais e decisionais,

com os mecanismos de controlo da ação, ou com o funcionamento de circuitos de

retroação, num ciclo de perceção-ação.

O ser humano, tal como muitos outros animais, modifi ca a sua perceção do

mundo em função da experiência adquirida. Este processo, que pode ser designado

por aprendizagem percetiva (perceptual learning – Gibson, 1963), implica que o siste-

ma nervoso possa modifi car a forma como processa a informação, integrando novas

confi gurações sensoriais, necessárias à realização de comportamentos adaptativos.

Numa perspetiva neurofi siológica, aprender é um processo que faz com que a

informação relativa a novos conhecimentos ou habilidades seja integrada pelo cérebro.

Este processo, sendo essencialmente um processo central, não dispensa a participação

ativa dos sistemas sensoriais e motores, pressupondo a existência de uma adaptação

conjunta destes mesmos sistemas. Assim, a aprendizagem é um processo complexo

e total que implica uma melhoria tanto no processo de alimentação informacional do

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 85

O conceito de Programa Motor

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Apesar de séculos de investigação, continua a existir uma falta de consenso em

torno do conceito de programa motor. Ao longo deste capítulo, procuraremos descrever

o que aconteceu ao conceito de programa motor nas últimas três décadas.

As origens do conceito de Programa Motor

A noção de que o comportamento motor pode ser controlado por programas

motores está expressa em relatos anedóticos que datam do século XV. Um exem-

plo desses relatos é a lenda de Klaus Stortebeker (1360-1401), um pirata germânico

condenado à morte por decapitação que pediu como último desejo que, após a sua

decapitação, o deixassem andar em frente dos seus homens colocados em fi la, de

tal modo que tantos quantos conseguisse passar caminhando sem cabeça seriam

considerados homens livres. Diz a lenda que o corpo de Stortebeker conseguiu pas-

sar entre 5 a 12 dos seus homens antes de cair. A única consistência desta história é

que, independentemente de ter passado 5 ou 12 homens, nenhum deles escapou à

decapitação.

Esta história ilustra bem a problemática da localização dos comandos que per-

mitem realizar movimentos controlados; neste caso, a realização de movimentos seria

independente de estruturas centrais de comando localizadas no cérebro. Ou, caso se

pretendesse uma versão mais criativa para explicar a capacidade de andar sem ca-

beça, os comandos necessários à coordenação do movimento de locomoção seriam

residentes em qualquer outra parte do corpo.

Em todos os casos, um conjunto de comandos teria que estar organizado num

centro, que teria que comunicar com todos os músculos necessários a este movi-

mento específi co, de tal forma que pudesse assegurar as imprescindíveis contrações

musculares.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 103

Teoria do Esquema na aprendizagem de movimentos

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

O conceito de programa motor como estrutura central de supervisão, planea-

mento e armazenamento de movimentos foi apresentado nos anos 60 do século XX,

por analogia ao sucesso que a informática tinha registado no desenvolvimento de com-

putadores. De facto, as máquinas eletrónicas da época conseguiam fazer sequências

longas de ações a partir de indicações armazenadas num centro de decisão – uma

vez despoletada uma instrução contida na memória da máquina, os seus periféricos

encarregavam-se de transformar tal instrução em operações.

De entre os pioneiros que fi zeram essa transferência para a produção de movi-

mentos humanos, podemos salientar os contributos de Steven Keele e de Jack Adams.

O primeiro presumiu, corretamente, que movimentos simples podiam ser desempe-

nhados na ausência de regulação por feedback, ou seja, que deveriam ser disparados

por uma estrutura de memória que preparasse e acompanhasse a execução de tais

movimentos. Os argumentos que Keele (1968) utilizou para sustentar esta ideia foram

essenciais para o sucesso da noção de programa motor. Em primeiro lugar, admi-

tiu que muitos movimentos eram demasiado rápidos para permitir tempo de correção

por circuitos de feedback, logo, seriam desencadeados e executados sob controlo de

uma estrutura mnésica que contivesse toda a informação necessária à realização. Em

segundo lugar, usou o princípio de Henry e Rogers (1960) que mostrava que, com

o aumento da complexidade do movimento a produzir, também aumentava o tempo

de reação até ao início do movimento, o que o fez supor que o tempo de resposta

estaria relacionado com a complexidade do movimento e com o encargo neural para

que o programa que o regulasse fosse posto em execução. O terceiro argumento, e

o mais importante, era que alguns animais podem realizar movimentos com alguma

complexidade mesmo na ausência de informação de retorno dos membros que os

executam. Este último argumento baseou-se no trabalho de Lashley (1917) e constituiu

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 115

A variabilidade e o problema dos Graus de Liberdade: o contributo de Nikolai Bernstein

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Para que o leitor se situe, a questão que orienta este capítulo é a seguinte: Como

é que os humanos coordenam a atividade de todos os subsistemas de movimento, de for-

ma a ter controlo postural, transportar, manipular objetos, ou interagir uns com os outros?

Introdução

Uma visão habitual do controlo dos movimentos parte do princípio de que as

estruturas superiores de decisão desempenham um papel intensivo de regulação da

ação, compreendendo as fases de antecipação da resposta, preparação e programa-

ção da mesma, assim como a correção permanente do movimento. Esta forma de

entender a organização dos movimentos requer a existência de um ordenador central e

assenta na suposição da existência de “representações” do movimento, e no princípio

geral de que a regulação dos movimentos é feita em modo top-down: o sistema central

de regulação decide – o músculo periférico executa.

Mas consideremos um princípio geral do pensamento científi co, o princípio da

parcimónia (também conhecido como A Navalha de Ockham), que estabelece que,

entre duas explicações possíveis e equivalentes, a mais simples é geralmente melhor.

Nesse caso, como deveremos perspetivar a regulação dos movimentos? É este prin-

cípio que rege as próximas perspetivas de descrição e explicação da coordenação e

controlo de movimentos em humanos.

Nos capítulos anteriores foram abordadas as perspetivas top-down do controlo

motor, as quais assentam numa estrutura fortemente hierarquizada onde se enfatiza

um controlo prescritivo da ação. Neste capítulo, vamos abordar outra perspetiva para

descrever e explicar ações coordenadas que caracterizam o movimento humano, de-

nominando esta perspetiva de bottom-up.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 137

A abordagem ecológica ao controlo motor

Rita Cordovil e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

A noção de affordances

O trabalho de James Gibson (1904-1979) foi essencial para a construção de

uma nova perspetiva de entendimento do comportamento motor, incluindo o modo

como o processo de aprendizagem e controlo de movimentos decorre.

De acordo com esta perspetiva, o papel da participação do sistema nervoso cen-

tral nos processos de perceção e organização das ações é bastante mais reduzido do

que nas teorias cognitivas tradicionais, sendo a perceção das características do envol-

vimento feita de forma direta. Deste modo, o indivíduo deteta características do envol-

vimento, sufi cientes para especifi car a sua ação sem necessidade de recurso a proces-

sos cognitivos elaborados (i.e., sem recurso a esquemas, programas ou representações

mentais). De certa maneira, é como se o envolvimento possuísse propriedades que são

relevantes para a direção e ajustamento das ações dos animais, que, por sua vez, são

percebidas especifi camente de acordo com as características (ou estados) do ator.

Ainda que a abordagem de Gibson seja absolutamente relevante, o conceito já

tinha sido tratado no âmbito da teoria da gestalt, como se pode observar pelo famoso

exemplo de Koffka (1935): uma fruta diz-me ”come-me”, a água diz “bebe-me”, um

trovão diz “teme-me”. Ou seja, o despertar da ação pode residir na confi guração am-

biental, circunstancial, relativa ao envolvimento e ao estado do animal que o percebe.

As coisas implicam o que fazer com elas.

Assim, a abordagem ecológica de Gibson enfatiza a complementaridade entre o

indivíduo e o envolvimento, defendendo que o indivíduo deteta possibilidades de ação,

ou affordances, no envolvimento. Na ausência de uma expressão que cobrisse cabal-

mente a ideia de que o envolvimento, mais do que informação dispersa, faculta ao or-

ganismo possibilidades de ação, Gibson socorreu-se do verbo “to afford” (proporcionar,

oferecer) para construir a expressão, que não existia em língua inglesa, “affordance”.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 153

Complexidade, noções básicas

aplicadas ao Comportamento Motor

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Complexidade e Sistemas Complexos

A difi culdade de defi nir complexidade fi cou bem ilustrada num episódio narrado

por Melanie Mitchell quando da organização da Escola de Verão em Sistemas Comple-

xos do Santa Fe Institute em 2004. Quando um dos estudantes perguntou, ao painel

dos mais conceituados cientistas da complexidade, “How do you defi ne complexity?”,

nenhum soube responder de forma clara à mais simples das questões (Mitchell, 2009,

p. 94). As origens do termo complexo vêm do latim PLECTERE, que signifi ca entre-

laçar, uma associação curiosa e que expressa bem a essência do que é um sistema

complexo. Yaneer Bar-Yam, do New England Complex Systems Institute, tem uma

defi nição curiosa, sugerindo que um sistema será tanto mais complexo quanto maior

for a sua defi nição (Bar-Yam, 2004).

O que são sistemas complexos?

A questão central no estudo dos sistemas complexos é: como é que um vasto

conjunto de agentes se auto-organiza (sem ninguém aos comandos!) para que surjam

padrões de comportamento do sistema ajustados à sua fi nalidade. Estes padrões

de comportamento pressupõem que o sistema se comporta como um todo e podem

ocorrer de forma espontânea.

A ideia essencial aos estudos em sistemas complexos é que o todo é maior

que a soma das partes (Scott, 2007). Os sistemas complexos formam um campo de

investigação interdisciplinar que procura explicar como é que um conjunto de entidades

individuais se auto-organiza (i.e., sem infl uência de um controlador central) numa única

entidade com propriedades que só estão disponíveis por referência ao todo e nunca

aos elementos constituintes isoladamente. Sistemas com estas propriedades podem

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 165

Abordagem baseada nos constrangimentos

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Introdução

Podemos olhar para o comportamento motor humano como a manifestação da

sensibilidade a constrangimentos. O corpo faz apenas o que pode fazer: aquilo que ele

próprio permite que se faça e aquilo que externamente limita ou força o corpo a fazer.

Os constrangimentos podem ser físicos ou não-físicos (informacionais).

Os constrangimentos são limites, são barreiras que condicionam o espaço

percetivo-motor onde agimos. Por outro lado, dirigem o comportamento do sistema

pressionando-o em certas direções e não noutras. Por exemplo, a gravidade é um

constrangimento físico que infl uencia a forma como nos deslocamos. Se a força da

gravidade à superfície da Terra tivesse valores diferentes de 9,8 m/s2 a vida no planeta

seria diferente. Por exemplo, se a força da gravidade tivesse valores semelhantes aos

da Lua ou de Marte, o recorde do salto em altura seria substancialmente mais elevado,

os automóveis andariam de outro modo e seriam desenhados de outra forma, e um

qualquer peso poderia ser lançado muito mais longe.

Contudo, os constrangimentos não devem ser vistos apenas numa perspe-

tiva limitadora mas antes numa perspetiva de adaptação ao contexto para agirmos

(interagirmos) melhor. Os sistemas complexos exploram os constrangimentos como

estratégia de evolução, já que é também perante um conjunto de constrangimentos

que têm que se adaptar. A modifi cação de comportamentos em função da prática – a

aprendizagem – decorre também da perceção dos constrangimentos face às ações

e da compatibilidade entre as funções motoras e tais constrangimentos. Tal como no

caso da gravidade atrás referido, temos que aprender a gerir a relação entre o corpo

e os constrangimentos físicos e informacionais cuja dimensão nos é, à partida, desco-

nhecida. Esse processo envolve a exploração das possibilidades de ação e a seleção

de soluções que otimizem a relação indivíduo-meio.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 179

Variabilidade, interferência e tendências contraditórias

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Quando observamos um movimento altamente especializado, parecemos fi car

surpreendidos quando um executante não realiza sistematicamente a mesma ação da

mesma maneira. A razão de tal surpresa é a crença de que níveis muito sofi sticados

de performance são acompanhados de uma estabilização absoluta da forma de exe-

cutar as ações. Este enviesamento é reforçado por outra crença: se praticarmos numa

quantidade adequada e durante tempo sufi ciente, então o movimento será inevita-

velmente estabilizado numa única forma de realização. Por vezes ainda esperamos

que, na eventualidade de surgirem perturbações inesperadas, o executante consiga

manter a estabilidade que o caracteriza, realizando, mais uma vez, aquele movimento

na forma exata em que o costuma realizar.

Este capítulo pretende discutir esta questão da variabilidade do movimento

e, adicionalmente, saber se é possível obter vantagem da manipulação intencional

dessa variabilidade durante o processo de aprendizagem.

Estamos bem preparados para o reconhecimento de padrões

O movimento humano apresenta uma característica universal de variabilidade.

Embora os nossos olhos nem sempre consigam observar as variações subtis que têm

que existir para que o movimento mantenha ajustamento às condições em que se reali-

za, uma análise mais detalhada inevitavelmente salientará uma infi nidade de pequenos

ajustamentos que, como regra geral, são condição para preservar a macroestrutura do

movimento – o seu padrão. Na verdade, o nosso cérebro está muito bem organizado

para a deteção de padrões, identifi cando-os muito facilmente, e desprezando a miríade

de pequenas fl utuações e variações que os acompanham. Fazemos isso com imagens,

com movimentos, com sons, com músicas, e com todos os nossos sistemas sensoriais.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 195

Aprendizagem e coordenação interpessoal

Pedro Passos e João Barreiros

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Tanto em ações do dia-a-dia como em ações altamente especializadas temos

que coordenar movimentos para obter sucesso. Muitas dessas ações estão inseridas

em processos coordenativos que integram dois ou mais participantes. Estes exigem

um outro nível de coordenação – a coordenação interpessoal – e podem ser observa-

dos em processos interativos de natureza cooperativa ou de oposição.

Uma estrutura coordenativa ou sinergia funcional resulta de uma interação e

controlo distribuído entre vários subsistemas que compõem um organismo, os quais

trabalham de forma cooperativa para concretizarem um comportamento que não po-

derá ser realizado apenas pelas partes individuais. Tal como se encontram padrões de

coordenação entre unidades do mesmo organismo, como acontece entre músculos,

também se podem encontrar padrões de coordenação entre diversos organismos. É

difícil sustentar o argumento de que todas as formas de coordenação entre organismos

implicam a existência de um coordenador central que garanta a fl uidez, articulação e

bom funcionamento de coletivos que por vezes incluem muitos organismos. É o que,

por exemplo, ressalta da observação do movimento coordenado de muitos automobi-

listas, ou para uma ilustração mais distante da atividade humana, da coordenação de

trajetórias de aves num bando.

A noção de controlo distribuído aplica-se à ideia de que o controlo dos movi-

mentos assenta não num comando central mas antes na cooperação entre compo-

nentes do sistema. O mesmo tipo de argumento tem sido aplicado a coordenações

interpessoais.

O comportamento humano pode ser caracterizado por uma vasta quantidade

de movimentos rítmicos, como por exemplo, andar, correr, andar de bicicleta, patinar,

escrever, mexer a sopa, pintar, etc. Todos estes movimentos requerem que se criem

sinergias funcionais entre vários subsistemas (por exemplo, entre as estruturas perce-

tivas e musculares).

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 215

Comportamento motor e criatividade

na aprendizagem da música – o caso do Jazz

Nuno Correia, João Barreiros e Pedro Passos

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

A que nos referimos quando usamos a expressão “aprender música”?

Aprendemos um código novo ou exploramos possibilidades do organismo?

A questão de os princípios da aprendizagem assentarem na riqueza da intera-

ção entre sujeito e envolvimento já é abordada por pensadores desde há muito tem-

po: Comenius (século XVII), Rousseau e Pestalozzi (século XVIII) e Dalcroze (século

XIX) já apontavam, por outras palavras, para a valorização da dimensão ecológica

no processo educativo (Rodrigues, 2003). Na aprendizagem musical, este princípio

poderá concretizar-se através da convivência com o som de uma forma natural, sem

a necessidade de criar momentos formais de aprendizagem. No fundo, sugere-se que

a aprendizagem musical se dê como se processa a aprendizagem de uma linguagem,

não devendo estar limitada aos constrangimentos de um código fechado, muito me-

nos unicamente balizada pela sua expressão escrita.

Será a forma como nos ensinam música a mais adequada?

Na sociedade ocidental, assiste-se à restrição do ensino da música à sua com-

ponente teórica (Rodrigues, 2003), o que leva à ideia comum de que “saber música”

assenta obrigatoriamente no pré-requisito de dominar um determinado código gráfi co.

Provavelmente esta constitui a expectativa dominante em relação ao ensino da mú-

sica. Este aspeto estará certamente relacionado com o enorme legado que a música

escrita representa na cultura ocidental. A necessidade de aprender um código para

poder interpretar, executar e estudar esse legado foi-se sobrepondo à função original

que a própria representação gráfi ca da música tinha, ou seja, comunicar. O meio, de

certa forma, sobrepôs-se ao fi m.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 235

Informação de Retorno sobre o Resultado

Mário Godinho

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

Um dos fatores de aprendizagem posteriores à ação motora, e que é reconhe-

cido como substancialmente importante, é o feedback – ou informação de retorno. É o

retorno de informação que permite ao sujeito avaliar o grau de cumprimento dos objeti-

vos que se propôs, condição obrigatória para ocorrer aprendizagem. O início deste ca-

pítulo é dedicado à clarifi cação de conceitos relacionados com a informação de retorno

sobre o resultado, seguindo-se a apresentação, de forma sistematizada, do conjunto

de propriedades e variáveis estudadas experimentalmente sobre este fator de aprendi-

zagem. A informação de retorno ou feedback é o mecanismo de retroação que permite

controlar a ação produzida, oferecendo informação sobre a qualidade e o sucesso da

ação. Vários tipos de informação de retorno podem ser encontrados, cada um com a

sua especifi cidade e utilidade no processo de controlo motor ou aprendizagem.

Primeiramente há que distinguir entre informação de retorno intrínseca e extrín-

seca. A primeira refere-se à informação que o próprio indivíduo consegue percecionar

durante a ação, enquanto a segunda é a informação que resulta da ação e que é for-

necida por qualquer agente exterior ao indivíduo. A informação de retorno intrínseca é

própria da ação, não é possível dissociá-la desta, enquanto a informação de retorno

extrínseca é complementar à informação de retorno intrínseca e portanto pode existir

ou não durante ou após a ação. Os dois tipos de informação podem coexistir.

A informação de retorno recebida simultaneamente com a ação designa-se por

concomitante, e a recebida no fi nal do movimento denomina-se terminal. A distinção

entre estes dois tipos de informação tem a ver com o tempo de atuação do feedback.

Em certos movimentos apenas existe feedback terminal, já que a duração de movi-

mentos muito rápidos impede a formação de ciclos de retroação capazes de atuar

durante a própria ação. Pelo contrário, em movimentos lentos, estão disponíveis os

dois tipos de informação. A Informação de Retorno sobre o Resultado (IRR) é uma

informação de tipo extrínseco e terminal, também designada de Conhecimento de Re-

sultados (Knowledge of Results – KR), que se refere à informação sobre o resultado

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 245

Glossário

Affordance

Uma affordance é o que determinado ambiente oferece a certo animal. Esta com-

patibilidade delimita possibilidades de ação disponíveis para um ator e que são suporta-

das pela interação que este estabelece com um contexto. Esta interação é infl uenciada

pelas dimensões corporais do agente, assim como pelas suas capacidades de ação.

Aprendizagem Motora

Conjunto de alterações da resposta motora em consequência da prática. A

aprendizagem refere-se a alterações mais ou menos duradouras, à capacidade de as

reter decorrido um tempo sem prática, e à capacidade de transferir a aprendizagem

entre contextos de aplicação. A aprendizagem motora refere-se à formação de novos

hábitos ou à reaquisição de hábitos perdidos, como no caso de lesões ou doenças.

Aquisição

Fase dos designs de aprendizagem motora correspondente à repetição con-

tinuada da habilidade a aprender. Nesta fase, os efeitos da prática são observáveis

imediatamente na alteração correspondente da performance. Equivale à alteração da

performance por efeito direto e consequente da prática.

Assimetria Corporal

Quer a morfologia quer a ação motora apresentam assimetrias. Estas assime-

trias estão presentes na facilidade com que executamos movimentos de um lado do

corpo mas não do outro, e podem ser importantes na gestão do processo de apren-

dizagem, sobretudo quando se pretende maximizar a performance dos dois lados do

corpo ou em condições espaciais diferenciadas.

Automatismo

Ação motora estabilizada por efeito de aprendizagem e que exige reduzidos

recursos atencionais para ser realizada.

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Comportamento Motor, Controlo e Aprendizagem 253

Glossário

Transfer de Aprendizagem

Possibilidade de melhorar o desempenho numa tarefa por efeito de prática

numa outra tarefa. A ocorrência de transfer de aprendizagem é um dos critérios de

aprendizagem.

Validade Ecológica

Capacidade de uma variável percetiva para predizer um estado do envolvimen-

to, ou seja, quando se estabelece uma relação entre uma variável percetiva e uma

alteração ao comportamento que esta provoca.

Variabilidade (da prática)

Para além da variabilidade intrínseca à execução de movimentos humanos,

pode existir vantagem em promover a prática em condições de variabilidade contextual

acrescida, pela manipulação das condições de realização da tarefa. A investigação ten-

de a apontar benefícios em termos de retenção e de transfer, mas não de aquisição.

Variável Coletiva

Medida que descreve quantitativamente o comportamento interativo entre dois

ou mais subsistemas/componentes. Uma variável coletiva pode descrever de modo

simples mas poderoso o comportamento de um sistema.

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