Compreensão Clínica Em Gestalt-Terapia

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  • 7/23/2019 Compreenso Clnica Em Gestalt-Terapia

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    LILIAN MEYER FRAZO

    As emoes so um uni verso sagrado. pr eci so cui dado

    respei t o e permi sso para penet rar nesse espao

    to del i cado, to poderoso...

    O objetivo do presente capitulo compartilhar algumas

    reflexes feitas nas ltimas dcadas a respeito do diagnsti-

    co em Gestaltterapia. Embora comumente no campo da psi-

    cologia se pense em diagnstico como um processo investigativo que deve preceder o tratamento ou a interveno

    clnica como ocorre quando se fala em estudo de caso

    acredito que esse modelo, que em muito se assemelha ao

    modelo mdico, no seja adequado Gestaltterapia, dada

    sua concepo de homem e de processo teraputico. Uma

    vez que concebemos o homem como uma totalidade, em

    constante processo de crescimento e desenvolvimento, o que

    inclui no apenas ateno a suas dificuldades e sofrimentos,

    mas tambm a suas possibilidades e potencialidades, fazse

    Compreenso clnica em Gestalt--terapia: pensamento diagnstico

    processual e ajustamentos criativosfuncionais e disfuncionais

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    necessria uma concepo de diagnostico que contemple es

    ses aspectos sem excluir os demais.

    E m Gestalt-terapia, pensar diagnosticamente demandauma atitude de investigao inicial e tambm ao longo de todo

    o processo psicoteraputico, comungando investigao e trata-

    mento que devem caminhar lado a lado. Alm disso, conforme

    investigao e tratamento se desenvolvem ao longo do processo

    psicoteraputico, reconfiguram o diagnstico, de forma que

    pensar diagnosticamente em Gestaltterapia implica um proces-

    so dinmico e contnuo de formao e destruio de Gestalten.

    No pensamos em diagnstico como algo fixo nem como

    um perigoso rtulo como alegavam o movimento huma-

    nista e a anripsiquiatria da dcada de 1960, que rejeitaram a

    ideia de diagnstico por achlo despersonalizante e por acre-ditar ser ele um rtulo limitante que pouco contribua para a

    compreenso e o desenvolvimento do paciente. Acreditavase

    que o diagnstico reduzia as pessoas a conceitos e as catego-

    rizava, tornandose assim antiteraputico e politicamente re-

    pressivo (Deslile, 1990).

    Talvez isso tenha relao com o fato de que, ao pensar emdiagnstico, esses movimentos consideravam os critrios

    diagnsticos, cuja funo operacional e cujo objetivo ofe-

    recer uma conveno que possibilite uma conmnalidade de

    linguagem e de critrios. Para tanto, agrupam, nomeiam e

    classificam aquilo que se refere perda dos mecanismos nor-mais de funcionamento como o caso dos Manuais Diag

    nosricos e Pstatsticos de Transtornos Mentais (DSMs) e das

    Classificaes Internacionais de Doenas (CIDs).

    Embora a classificaes desse tipo possam ser teis por

    proporcionar uma l inguagem coomumim p

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    dotrabalho interdisciplinar, no so suficientes.Elasvem o que h em comum entre as pessoasterminado distrbio, como o caso das alucinaes nos psicticos sejam elas visuais, auditivas, olfativas etc. mas nodescrevem o contedo singular delas em

    c a d a p a c i e n t e , t a m pouco seu significado.

    Sem negar a importncia de tais classificaes, precisoconsiderar que elas so insuficienres para o desenvolvimento

    do trabalho clinico, demandando tambm a compreenso ddinmica e da complexidade de cada paciente em sua singularidade existencial.

    Se os cr itrios diagnsticos nos oferecem a comunalidade o que h de comum entre os homens , faltalhes a singulari-dade(o que h de diferente, prprio, singular em cada homem).

    Para tanto, preciso que nos afastemos do modelo mdico,

    que supe, conforme colocado por Rogers (1972, p. 195):

    que uma situao orgnica tem uma causa que aantecede;

    que o controle dessa situao mais possvel se essa

    causa for conhecida;

    que a descoberta e a descrio exata da causa so um

    problema que pode ser cientificamente investigado.

    No campo da psicoterapia, o diagnstico deve ser enten-

    dido como a descrio e a compreenso de cada cliente em

    sua singularidade existencial, ou seja, preciso compreender

    o que cada sintoma e queixa significam no contexto especfico

    em que surgiram e no conjunto da vida cia pessoa, bem comoa que propsito serviram

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    AJUSTAMENTOS CRIATIVOS FUNCIONAIS

    A Gestaltterapia tem uma concepo holstica de Homem

    qual concebido como ser biopsicossocial dotado de mlt'

    pias dimenses: fsica, afetiva, intelectual, social, cultural

    espiritual. A experincia fruto da interao do indivduo

    com o meio ambiente.

    O que possibilita a experincia em tal interao contato

    e awareness .

    A w aren ess a capacidade de aperceberse do que se pas-

    sa dentro e fora de si no momento presente, seja em que di-

    menso for (corporal, mental, emocional). a possibilidadede perceber, simultaneamente, os meios externo e interno,

    mediante recursos perceptivos e emocionais, embora em de-

    terminado momento algo possa se tornar mais proeminente

    (Frazo, 1999).

    Para que haja awaren es s necessrio que exista contato,embora possa haver contato sem awareness (Peris, Hefferline

    e Goodman, 1998).

    O contato se d por meio daquilo que em Gestalt

    terapia chamamos de funes de contato: viso, audio,

    olfato, tato, fala e movimento. pelas funes de contato

    O diagnstico no deve ser vinculado

    a u m a d o n e a o u a n o r m a l i d a d e , e s i ma o m o d o d e e x i s t i r d e a l g u m ( o q u e

    p o d e i n c l u i r u m a d o e n a / a n o r m a l i d a d e ,

    m as esta no e l e m e n t o s u f i c i e n t e p a r a u m a c o m p r e e n s om a is a m p la ) . D i a g n o s t i c a r i m p l i c ap e n s a r e m p r o c e s so s d e a ju s ta m e n t o s

    c r i s t i v o s f u n c i o n a i s e d i s f u n c i o n a i s ,razo pela quale sc la re o m i n h a c o m p r e e n s o d e l e s a s e g u i r .

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    que nossa percepo se organiza e nossos sentimentosadquirem significado

    .Contato com awareness empobrecida resulta em contatoque carece de qualidade. o processo de contato de boa

    qualidade que propicia que a interao indivduo/ambiente

    seja nutritiva e que ocorram mudanas no campo relacional

    pessoaambiente, isto , crescimento e desenvolvimento.

    E m n o s s a v id a , te m os n e c e s s id a d e s d i st in t a s e

    interrelacionais: as de natureza fisiolgica (comer, beber,

    dormir) e as de natureza psicolgica (relacionarmonos com

    o outro, expressarmos emoes, sermos amados e respeitados).

    Ao longo do desenvolvimento, nossas necessidades tornamse

    progressivamente mais complexas e abran gem diferentes

    mbitos de insero social e cultural. Qualquer que seja anatureza ou a abrangncia da necessidade, no campo in

    divduo/ambiente que ela se manifesta e se realiza.

    Desde o incio da vida, as experincias da pessoa so re

    lacionais. Para o recmnascido, esse campo est, em grande

    parte, delimitado pela relao mebeb.

    A me, por meio de sua awarene,pode capt

    mente seu beb, percebendo suas necessidades. Uma vez que

    ela que, a um s tempo, supre as necessidades fisiolgicas e

    estjunto do filho amorosa e respeitosamente, ela o primeiro

    outro significativo com quem a criana tem contato; constitui

    a primeira e mais importante possibilidade de estabelecimentode relao, sendo nesse campo relacionai mebeb que ter

    meio o processo de desenvolvimento. Pouco a pouco, medi

    que desenvolva autossuporte e se sinta segura, a criana

    Poder ampliar seu contato com o mundo, ampliando cada

    vez mais o mbito e a complexidade de suas experincias.

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    Embora em geral se pense no beb como "aquele

    que de pende", creio ser importante assinalar que existe tambm

    uma interdependncia, uma relao de reciprocidade m e

    filho, um interjogo de satisfao mtuas. Ao mesm o tempo

    que a me satis faz o beb, sentese satisfeita, tanto quanto o

    beb precisa ser amam entado, tambm a me precisa aliviar

    a presso do seio re pleto de leite; aos incmodos sentidos

    e manifestos pelo beb correspondem desconfortos na prpriame. As reaes da me no sentido d e aliviar o filho d os

    incmodos que manifesta cumprem, tambm, a funo recproca

    de proporcionar a si mesmo satisfao. Dessa forma, a relao

    mebeb envolve interdependncia e certa m utualidade.

    Estar com seu beb amorosa e respeitosamente, aceitando

    o e confirmandoo tal como ele , favorecer a diferenciao e

    o desenvolvimento da individualidade. Esse processo de tornar

    se um indivduo nico decorre da qualidade da relao com o

    outro. E, na medida em que o outro faz parte do ambiente, o

    que possibilita o desenvolvimento psquico saudvel a intera-

    o saudvel indivduoambiente, Eu/no Eu, por meio da qualse dar a satisfao de necessidades sobretudo aquela que

    considero fundamental do ponto de vista psicolgico: o estabe-

    lecimento e a manuteno da relao com o outro.

    O atendimento de necessidades ocorre por intermdio do

    ajustamento criativo, que a capacidade de satisfazer s nos

    sas necessidades de acordo, simultaneamente, com nossa

    hierarquia de necessidades e com as possibilidades no campo

    organismo/meio. Ou seja: a capacidade de interagir de modo d e c o n t a t oativo corn o ambiente na fronteirade

    quando necessrio, a demanda das necessidades spossibili

    dades de atendimento tio ambiente.

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    Ajustamento criativo saudvel implica awareness de

    nossas ne cessidades, bem como ser capaz de priorizlas, de

    acordo com aquilo que Perls (1973) denominou de hierarquia de

    valores ou dominncias e no Brasil convencionamento chamar

    de hierarquia de necessidades:quando diferentes necessidades

    ocorrem ao mesmo tempo, a pessoa atende a necessidade do-

    minante primeiro. Tratase de uma hierarquia que, no caso deajustamentos criativos funcionais, sempre varia, uma vez que

    a todo momento nossas necessidades mudam.

    A medida que a pessoa possa experienciar, ao longo de

    seu desenvolvimento, uma relao amorosa e respeitosa, em

    que possa expressar suas necessidades (sejam elas de que na-

    tureza forem) e exercer seu potencial, poder se desenvolvercomo indivduo nico e singular, interagindo com o ambiente

    por meio do ajustamento criativo, de acordo com sua hierar-

    quia de valores.

    Embora eu esteja focalizando o processo de desenvolv

    mento com base no que ocorre na interao me/beb, proccssos anlogos se dao em outros tipos de relacionamento ao

    longo da vida, com duas diferenas significativas:

    No existe o mesmo grau de dependncia em relao ao

    outro com o na relao me/bebe. Conforme ocorrem os

    processos de desenvolvim ento e crescimento, a independnciaeautonomiadapessoaaumentam.Emboraanecessidadedeserelacionarcomoutropersista,anaturezadessarelaosemodifica:enquantodecresceemgraudedependncia,cresceemgraudereciprocidadeemutualidade. Quantomaisseampliamos

    p r o c e s s o s d e

    d e s e n v o l v i m e n t o

    e m a t u r a o ,

    m a i o r e s

    o m b i t o e a

    l d d

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    das experincias que se apresentam pessoa, e maiorpossibilidade de ela dar conta dessas experincias.

    Sintetizando: considero o ajustamento criativo funcional

    um fenmeno interativo que ocorre na fronteira de contato

    se refere habilidade de se relacionar criativamente com

    ambiente como indivduo nico, com vistas expresso e ao

    atendimento de necessidades mantendo, ao mesmo tempo,

    uma relao respeitosa com o outro em sua unicidade.

    AJUSTAMENTO CRIATIVO DISFUNCIONAL

    Ao longo do desenvolvimento, a satisfao de certas necessi-

    dades pode rivalizar com a manuteno da relao com o ou-

    tro. Quando isso ocorre, a pessoa, por meio do ajustamentocriativo, busca formas diferentes de expressar suas necessida-

    des, mantendo, ao mesmo tempo, a relao com o outro. No

    entanto, se essas tentativas falharem, haver conflito. Uma

    vez que a me necessria para atender s necessidades mais

    primrias, esse conflito poder se tornar crucial, sobretudo se

    ocorrer cedo e repetidamente na vida. De forma menos deci-

    siva, mas ainda assim significativa, o mesmo pode se aplicar a

    outras experincias relacionais ao longo da vida.

    Se a tentativa de expressar as necessidades de forma dife-

    rente falhar repetidamente, a fim de diminuir o conflito e

    manter a relao, dada a hierarquia de valores, a expresso de

    necessidades poder ser distorcida ou at suprimida. O ajus-

    tamento, em vez de funcional, tornarse disfuncional.

    Uma vez que, como vimos, a percepo se organiza e nos

    os sentimentos adquirem significado por meio das funes de

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    contato, o ajustamento criativo disfunconal implicaralgumgrau de desorganizao ou distoro do universo

    das percep- es e dos sentimentos o que,por sua vez , interferir nos processos d e awareness

    Nessas condies, a relao que a criana mantm com sua

    me cm lugar de segurana favorecer o surgimento de desam-

    paro e insegurana, interferindo na qualidade e na possibilidade

    de desenvolvimento das potencialidades da criana e na amplia-

    o do mbito e da complexidade de suas experincias.Tratase de Gestalten abertas, que demandam e buscam

    fechamento. Quanto mais grave, significativa e essencial for

    essa situao, mais os processos de ajustamento criativo per-

    dero sua natureza criativa e se tornaro Gestalten abertas,fixas ou cristalizadas.

    Tobin 1982) referese a esse processo como respostas

    adaptativas necessrias sobrevivncia em funo de situa-

    es infantis difceis (adaptative survival necessary respon-

    s e s todifficult childhood situations). Para ele, tais respostas

    so mantidas em situaes atuais presentes que parecem se-

    melhantes ou idnticas s situaes passadas. Na opinio des-se autor, as pessoas tinham escolhas possveis, apesar de sen-

    tirem como se no as tivessem.

    Gostaria de discutir trs questes relativas colocao

    feita por Tobin.

    Primeira questo: considero interessante a maneira como

    Tobin nomeia o resultado desse processo, exceto peio fato derestringir as respostas a situaes infantis.Embora concorde que

    elas ocorram e sejam significativas sobretudo em situaes infan

    t i s, quando a necessidade de manuteno da relao coinoutro maior e o conflito mais crucial, essas respostas adap

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    tativas necessrias sobrevivncia podem ocorrer em

    situaes relacionais significativas difceis ao longo da vidaSe gunda que s to : acredito que as pessoas tinham

    escolhas possveis, apesar de sentirem como se notives

    sem, porque no p od i am fazlas, seja qual fosse a nature

    da impossibilidade. O fato de a pessoa no poder ter feito

    outra escolha no deve ser entendido como se os pais tivesse

    sido to ruins que ela no teve outra alternativa, nem comose no quisessefazer outra escolha. O que precisa ser conside-

    rado a maneira como a pessoa percebeu o fato e a reao

    que isso suscitou nela; dito de outra forma, de que fundo

    aquela figura emergiu de modo que adquiriu tal significado. A

    escolha feita pela pessoa sempre a escolha que ela, naquela

    circunstncia, com aquela experincia, pde fazer. A escolha

    feita foi em funo de uma necessidade que considero absolu-

    tamente verdadeira e legtima: a de sobreviver como indiv-

    duo mantendo a relao com o outro.

    Essa escolha se constitui num ajustamento criativo que

    pressupe o princpio da pregnncia, ou da boa forma, dapsicologia da Gestalt, de acordo com a qual a organizao

    psicolgica ser sempre to boa quanto as condies rei-

    nantes o permitirem (Koffka, 1975, p. 121).O princpio da

    pregnncia o pressuposto do conceito de autorregulao or

    gansmica da Gestaltterapia, segundo o qual o organismo

    far o melhor que pode para se regular dados simultaneamen-

    te suas capacidades e os recursos do ambiente (Latner, 1973).

    As respostas adaptativas necessrias sobrevivncia que ob

    servamos em funcionamento no saudvel resultam de pro

    essos de autorregulao organsmica, sendo (na origem)

    justamentos criativos e constituindo aquilo que possvel.

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    PENSAMENTO DIAGNSTICO PROCESSUAL

    Nessa perspectiva, podemos retomar a questo do diagnsti

    co: este est longe de ser um rtulo limitante, como pensavamalguns autores na dcada de 1970, e deve, a meu ver, ocorrer

    no apenas no incio mas tambm ao longo do processo tera

    putico, quando investigao e interveno caminham lado a

    lado, num processo dinmico e contnuo de formao e des-

    fruio de Gestalten. Em virtude dessa dinamicidade, consi-

    Alm disso, rais ajustamentos muitas vezes revelam possi-

    bilidades que, reconfiguradas, podem revelar potencialidades

    a servio do desenvolvimento de um modo de funcionar sau-dvel e criativo.

    Tercei ra questo: o funcionamento no saudvel implica"

    certa desorganizao ou distoro do universo das percepes

    edos sentimentos; por isso, como colocou Tobin, as situaespresentes parecem idnticas s passadas.

    Enfim, cabe afirmar que considero ajustamento criativo

    disfuncional um fenmeno interativo que ocorre na fronteira

    de contato e se refere inabilidade e/ou impossibilidade de se

    relacionar criativamente com o ambiente. Ao contrrio, a pes-

    soa se relaciona por meio de padres cristalizados e repetiti-

    vos, pelos quais a expresso de necessidades e sentimentos distorcida ou suprimida a fim de manter a relao com o ou-

    tro, por mais artificial ou inautntica que uma relao desse

    tipo possa parecer .Quanto mais intensa a necessidade e maior

    a dificuldade de expressla e satisfazla, e quanto mais pre-

    cocemente ela ocorrer, tanto mais provvel depararmos com

    sintomas graves (fsicos ou psquicos).

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    Esse diagnstico deve acompanhar o processo teraputi-

    co levando em considerao o crescimento do paciente e suasmudanas ao longo do tempo e na sua relao consigo e com

    o outro. por isso que, em lugar de diagnstico, prefiro falar

    em pensamento diagnstico processual.

    Ao diagnosticar precisamos estar atentos quilo que se

    mostra no que aparece e nao apenas no que aparece, comonos mostra a fenomenologia. Dito de outra forma, neces-

    srio compreender a servio de qu se constituiu aquilo

    que aparece.

    O pensamento diagnstico processual no precisa ser

    despersonalizante nem tem relao com um rtulo limitante.

    No se refere ao que a pessoa , mas a como ela est a cada

    momento do processo teraputico.

    Aquilo que o cliente nos traz no aqui e agora no apenas

    seu presente imediato, ahistrico. O aqui e agora inclui o pas

    sado que surge na forma de lembranas e experincias e o

    futuro o que se apresenta na forma de projetos, anseios, planos.

    d e r o m a is ad e q u a d o f a la r e m "p e n s a m e n to

    d i a g n s t i c o p r o c e s s u a l " , t e r m o q u e

    c o n h e c i e m 1 9 8 9 q u a n d o f a l e i d o t e m ap e l a p r im e i r a v e z , n o I I E n c o n t r o N a c i o n a l

    d e G estaltterap ia, e m C a x a m b u , M in a sGerais. A o l o n g o d o p r o c e s s o

    t e r a p u t i c o , c o n s t a n t e m e n t e n o s p e r

    guntamos o que est acontecendo e a servio do qu (para qu).No pensamento diagnstico processual, alm de identifi

    carmos os ajustamentos disfuncionais que por tenderemser padronizados e repetitivos perderam sua natureza criativ

    , devemos identificar os ajustamentos criativos funcionai

    que nos remetem s possibilidades e potencialidades de no

    sos pacientes.

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    o que aparece no relato do paciente uma

    figura que se insere num fundo, e por fundo entendo

    a h is t ria d e v id a d o c lie n t e , s u a s e x p e r i n c ia s ,s eu s re la cio n a m e n to s p a ss ad o s (e m e s p e c ia l a srelaes primrias significativas), seus sucessos e

    insucesso s nas m ais diferentes reas (profissiona l,afetiva, so c ia l e tc . ), suas po tencialidad es e

    seus limites. preciso com preender a relaoe n tre aq u i e ag o ra e l e e n t o ; d o p a s s a d o c o m

    o presente ; entre a figura/queixa e o fundo, pois a

    relao figura/fundo que d sentido figura.A nfase dada pela Gestaltterapia ao aqui e agora fre-

    quentemente gera um malentendido: pensase que o passa-

    do no tem im portncia, devendo ser desconsiderado Ao

    enfocarem a funo da recuperao de cenas passadas,

    Perls, Hefferline e Goodman (1998, p. 105, grifos dos au-

    tores) afirmam:

    [...] o contedo da cena recuperada bastante sem importncia, mas

    [...] o sentimento e a atitude infantis que viveram a cena so da m-

    xima importncia. Os sentimentos infantis no so importantes

    como umpassado que deve ser desfeito, mas como alguns dos pode-res mais belos da vida adulta que precisam ser recuperados [...].

    Assim, o pensamento diagnstico processual implica

    compreender a relao da pessoa com sua histria passada e

    presente, pois a configurao presente est relacionada a

    como a pessoa viveu suas experincias e a como elas a afeta-

    ram e ainda a afetam.

    O conhecimento que posso ter do cliente se d por aquilo

    due ele apresenta: sua expresso verbal e no verbal, sua his

    tria de vida, seus sintomas e queixas, seus sentimentos etc.

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    C o n h e o o t am b m p o r m e io d a q u ilo q u eexperencio em mi nha relao

    com ele: sentimentos, intuio, fantasias e obser vao,

    alm do conhecimento e da minha experincia clnicaprvia (que orientam meu olhar e minha escuta).

    O pensamento diagnstico processual envolve um a

    crio e compreenso do funcionamento psquico de cada indivduo singular, bem como seu desenvolvimento e mudamao longo do processo psicoteraputico.

    O pensamento diagnstico processual com cada cliente to singular quanto cada cliente nico. Embora no seja um

    processo linear, nem o mesmo com todos os pacientes, numa

    tentativa de oferecer alguns indcios de como se pode alcanar

    um diagnstico compreensivo mencionarei alguns aspectosteis para tanto.

    Desde o primeiro momento de contato com o paciente

    quer na primeira entrevista, no telefone quando ele marca

    sua primeira consulta ou no incio de uma sesso, impor-

    tante no ter nenhuma ideia apriorstica em mente. Fazse ne-

    cessrio um estado de disponibilidade interna e de abertura

    ao outro, no qual possvel deixarse entrar em contato comaquilo que possa emergir na relao.

    Alm disso, preciso demonstrar uma atitude respeitosa

    de curiosidade, tomando o cuidado de no invadir, e sim de

    mostrar interesse; perguntar sem insistir, ouvir e acolher sem

    julgar ou avaliar.

    importante estar atento quilo que impacta, quilo que#

    chama a ateno, intriga, no faz sentido, impressiona e assim

    por diante. Isso pode ocorrer no discurso do paciente, na sua

    aparncia, na sua energia, na sua postura corporal, na sua

    afetividade (ou nos bloqueios dela)nasuavozouemexpresso.

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    ses de outra natureza. Em geral, o imapcto sinalizaalgo que, embora talvez no seja compreendido deimediato, pode vir a fazer sentido ao longo do tempo.

    Certa ocasio fui procurada por uma paciente

    de aproxi madamente 50 anos. Ao recebla na sala de espera,

    deparei com um a m ulher m uito m alvestida. Su a roupapareciame ex tremamente inadequada para a idade e muito

    descombinada. medida que caminhavmos para minha sala,observei que tanto suas roupas quanto seus sapatos e sua bolsa

    eram de grifes caras e aquilo me impactou. A cliente relatou queera de origem muito pobre e que, depois de alguns anos casada

    seu marido se tornou um homem rico, mas ela no conseguia

    se sentir parte daquele mundo repleto de pessoas ricas, janta-

    res, viagens etc. Era como se ela fosse uma estrangeira em qualquer lugar: ela no pertencia quele novo mundo e tam-

    bm no pertenciamais as suas origens.

    Essa mulher tinha um srio problema de identidade, no

    sabia quem era. E suas roupas, que haviam inicialmente me

    impactado, revelavam isso.

    Omisses tambm podem ser significativas e esclarecedo-ras. Omisses se referem quilo que o paciente no conta,

    deliberadamente ou no. As omisses, ao contrrio dos im-

    pactos, no so percebidas pelos sentidos, mas por lacunas no

    relato verbal. Podem referirse a perodos de vida, relaes

    significativas, reas de desempenho profissional, sexual ou so-

    cial, sade fsica etc. Lacunas podem indicar reas de dificul-

    dade ou menosprezadas pelo paciente.

    Tive um paciente cuja aparncia chamou minha aten-

    o: al t o, fo r t e e musculoso. Falava o mnimo possvel e res-

    pondia laconicam ente s m inhas perguntas. A razo que o

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    levara a procurar psicoterapias no era clara para m im,

    e mes mo quando eu lhe perguntava ea nica resposta queobtinha era que o mdico dissera que "ele precisava". Deimeconta de que ele no havia mencionado nada a respeitode sua vida afetivo e sexual. Pergunteilhe a esse respeito, e

    ele me con tou qu e era imp otente. Este era na realidade

    o motivo que o leva ra a bu scar terap ia, e s foi po ssve l

    chegar a ele pela percepo da omisso.Tambm presto ateno as associaes espontneas, isto

    , ao fluxo associativo da expresso verbal e no verbal do

    cliente (quer ela se refira a fatos e/ou a afetos). As associaes

    espontneas podem revelar conexes figura/fundo, das quais

    o cliente muitas vezes no se d conta.

    Certa vez, uma cliente iniciou a se ss o com entan do sobreas flores vermelhas que vira no jardim. Acrescentou que gos-

    tava muito de vermelho, pois essa cor, para ela, significava

    vida e paixo. Em seguida, disse estar muito deprimida,

    sentindose com o folh as secas n o c h o , sem vida nem funo.

    E afirmou: Preciso reciclar e no entanto s vejo coisas ruins:

    quero viver... me transformar". Retomei o que ela dissera a

    respeito das flores vermelhas e apontei que ela no via apenas

    as coisas ruins. No decorrer da sesso, ela se deu conta do

    ciclo no qual folhas caem de rvores e transformamse cm

    fertilizantes que, p or sua vez, nutrem a rvore, tornando pos-

    svel que novas folhas, potencialmente mais fortes, cresam.Acrescentou que vinha sentindo qu e tod as as coisas difceis

    pelas quais passara (um processo longo e doloroso de

    depres so, com srio comprometimento orgnico e embotamento

    intelectual) haviam lhe ensinado muitas coisas: era com ose

    s agora ela comeasse a viver Essa associao, uma vez esclare

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    ada , levoua, p o r m eiode uma metfora, a perc

    nascia de nov o, com o as fo lh as novas e mais fortes da rvore.

    Alm d os impactos, das omisses e das associaes, con-

    sidero til tambm prestar ateno s repeties. Elas podem

    sinalizar cristalizaes, que impedem a fluidez na formao

    de Gestalten. Repeties muitas vezes podem ser ouvidas lite-

    ralmente como repeties,um pedir novamente.

    no atender ao pedido, e sim ouvilo no que concerne sua

    funo, de tal forma que o pedido expresso possa ser ressigni

    fcado e o processo fluido de formao e destruio de G

    ten,restaurado.

    Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 101) chamam a

    ateno para o fato de que "a compulso neurtica repeti-o sinal que uma situao inacabada do passado ainda est

    inacabada no presente. Acrescentam ainda que o esforo

    repetido do organismo para satisfazer sua necessidade que

    causa a repetio (ibidem,p. 103).

    Tive uma paciente que se queixava de ter um pssimo

    relacionamento com o marido. Apesar disso, no conseguia se

    separar dele. Ela dizia no ser capaz de fazer nada sozinha eusar o marido como uma espcie de "m uleta" padro que se

    repetia em diferentes relacionamentos de sua vida: com sua

    me, com sua irm, com seus filhos etc. A cliente se sentia

    ameaada pela possibilidade de se divorciar, pois no se dava

    conta de suas prprias "p ernas" por sinal muito fortes e

    bonias. Sua histria de vida indicava que, na verdade, ela era

    uma mulher forte que perdera contato com suas capacidades

    e possibilidades. Uma vez que ela pde se apossar delas, no

    Precisou mais de relacion am entos tipo " m uleta" : pde se di

    vorciar, administrar sua vida, suas contas, sua casa.

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    F i n a l m e n t e , g o s t a r i a d e

    m e n c i o n a r o s s i n t o m a sq u e t a m b m p o d e m

    s i n a l i z a r r e l a e s

    f i g u r a / f u n d o . E m b o r a

    e l e s p o s s a m r e m e b e r n o s a

    c a t e g o r i a s n o s o l g i c a s ,

    n e c e s s r i o c o m

    p r e e n d e r a s e r v i o d e q u e l e s s e c o n s t i t u r a m e

    s e m a n t m . O s i n t o m a

    p o d e s e r u m a f o r m a , s v e z e s d r a m t i c a ,

    d e e x p r e s s a r u m a

    n e c e s s i d a d e m u i t o

    p r o f u n d a q u e ,

    p o r a l g u m a r a z o , n o

    p d e s e r e x p r e s s a d e

    o u t r a m a n e i r a

    p e u m g r i to s i le c io s o d es o c o r r o q u e p r e c i s a

    sercuidadosaerespeitosamenteouvido.Revelaumdosmuitosparadoxoshumanos:odeevitarosofrimentogerasofrimento.Nofuncionamentonosaudvel,ossintomaspodemterfunocompensatria,indicandoumdesequilbrio.Talvezelesrevelem,metafoticamente,oqueapessoanopodedizer.svezes,lidocomosintomacomosefossealgocompletamentedesconhecidoparamim,comoseeunosoubesseaqueoclienteestsereferindo.Possopediraelequedescrevaosintoma,queseidentifiquecomoelelhedvoz;outrasvezes,perguntomeemfantasiaoqueosintomafazparaaquelepaciente,aserviodequaquelepacientetemtalsintoma,oqueestefavoreceoudificulta.Halgumtempo,umgastroenterologistaindicouumpacientequetinhaconstantesdiarreiaseperdiapesocomrapidez.Naocasioemquefoiencaminhadopararealizapsicoterapiacomigo,estavatomandocortisonaeseumdicotemiaquenadamaispudesseserfeito.Aolongodotrabalhoteraputico,anaturezacompensatriodessesintomaf o i s e t o r n a n d o c l a r a .

    E l e r e p r e s e n t a v a

    a w a r e n e s s d e m q u a l i d a d e

    d e s e u s s e n t i m e n t o s e ,p o r t a n t o , n o p o d i a

    c a r g o q u e o c u p a r a a c h a v a

    q u e t i n h a d e m a n t e r u m

    r e l a c i o n a m e n t o

    d i s t a n t e c o m

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    samento diagnstico processual no linear nem igual com

    todos os clientes ou em todos os momentos do processo tera-

    putico. Todos esses elementos (os impactos, as omisses, asassociaes espontneas, as repeties, os sintomas etc.) se

    entrecruzam e podem ocorrer ao mesmo tempo. So sinais

    que indicam possveis relaes figura/fundo e sugerem hipte-

    ses diagnosticas que aguam a observao e a discriminao

    do Gestaltterapeuta.

    Desejo reiterar que o pensamento diagnstico processualno envolve apenas os aspectos disfuncionais do paciente.

    igualmente importante atentar para os aspectos funcionais: as

    foras, os recursos, os sucessos em diferentes reas, as poten-

    cialidades, as capacidades, as qualidades, a energia etc.

    Pensar o diagnstico em termos gestlticos implica pen-sar em processo, em relaes de relaes (pensamento dialti

    co); sobretudo, implica compreender (aprender com), alicerce

    central do relacionamento teraputico.

    seus subordinados. Am edida qu e transcorreu a te

    bemos que isso lhe causava irritao e insatisfao. Sua"mer

    da", metaforicamente, indicava sua necessi dad e de exp ressarseussentimentos, e sua diarria apontava para a nicamaneirapossvel, para ele, defazelo uma form a

    perigosa de se livrar dos contedos que o intoxicavam. Algum

    tempo depois, tendo percebido seus sentimentos, ele pde

    buscar meios novos e mais funcionais de se expressar. Umdeles foicom ear a pintar e a faz er vitrais.

    importante ressaltar que no se pensa diagnosticamen-

    te com apenas um ou outro elemento; o caminho para o pen

    Assim, o pensamento diagnstico processual demanda

    uma atitudecuidadosa com o paciente, buscando, por meio de

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    uma relao respeitosa e amorosa genuna, resgatar sua possi-

    bilidade de se relacionar de forma autntica e criativa corn oambiente, a fim de possibilitar o intercmbio nutritivo no cam

    po interacional e o resgate de seu lugar legtimo no mundo.