151

comunicacao-expressao

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 1/151

Page 2: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 2/151

Page 3: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 3/151

Nilza Carolina Suzin Cercato

EDITORA UNIFACS – Laureate

Salvador

2013

Page 4: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 4/151

©Copyright 2013 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados osdireitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal,art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

C412c

Cercato, Nilza Carolina Suzin

Comunicação e expressão / Nilza Carolina Suzin Cercato. – Salvador:UNIFACS, 2013.

146 p. : il. ; 24 cm.

ISBN 978-85-87325-38-9

1. Comunicação. 2. Expressão. I. Título.

CDD: 302.2

Page 5: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 5/151

Sumário

Noções de texto e aspectos da comunicação ..............................................5

Fatores de textualidade ......................................................................................19

Coesão e coerência/revisar conectivos .........................................................33

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo ............................57

Tipos e gêneros textuais .....................................................................................75

Hipertexto................................................................................................................87

Leitura: objetivos, estratégias, contextos .....................................................97

Produção de texto: características de bons textos, argumentação,estilo, autoria .......................................................................................................121

Page 6: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 6/151

Page 7: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 7/151

Noções de texto e aspectos da

comunicaçãoO maior presente que você pode dar

a outra pessoa é a pureza da sua atenção.

Richard Moss

Nesta primeira aula da disciplina Comunicação e Expressão vamos trabalhar os

conceitos de texto, discurso, valorizando os aspectos da comunicação.Quando se conceitua texto, sabe-se que ele é uma unidade de sentido, portan-

to o significado de uma parte não é autônomo, ele só faz sentido quando relaciona--se com outras partes. Texto, como tecido, constrói-se numa relação de fios que seentretecem.

Para ter o significado global de um texto, é preciso estabelecer uma combinaçãogeradora de sentido, em que cada parte se inter-relacione.

A seguir, vamos analisar algumas definições de texto, de autores que servem de

referência para este estudo.

Segundo Koch e Travaglia,

O texto será entendido como uma unidade linguística concreta, que é tomada pelos usuários dalíngua, em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido ecomo preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente dasua extensão. (KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 9)

Vamos compreender a definição. Em primeiro lugar: ao dizer unidade linguística,

os autores pressupõem que essa construção tenha começo, meio e fim, formando um

todo compreensível. Quando os autores afirmam que o texto envolve uma situação deinteração, trazem o valor da presença de interlocutores, isto é, quem fala e para quemfala; o termo específica significa, nesse contexto, alguém que fala de um lugar para seuinterlocutor que ocupa outro lugar. Lugar , nessa definição, refere-se a um lugar social.Por exemplo: o pai que fala ocupando o lugar de pai, pode, em outra situação, falar dolugar de empresário, ou de marido. Nessa situação, deverá haver um funcionamentoda língua, trazendo sentido para os interlocutores.

Page 8: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 8/1516

A língua tem como constituinte a interação verbal, que vem a ser a relação entredois indivíduos: o locutor e o interlocutor, que se reconhecem socialmente. Mas, casonão haja a presença real do interlocutor, pode ser citado o papel social que desempe-nha. Nota-se que o interlocutor está sempre marcado, pois não há possibilidade deum enunciado dirigido a um ser abstrato; encaminha-se, portanto, para uma funçãodesempenhada, para o papel social desse interlocutor, como diretor, professor, aluno,

gerente, etc. Veja o exemplo a seguir:

Aquele pai não entende nada

- Um biquíni novo?

- É, pai.

- Você comprou um no ano passado...

- Não serve mais. Eu cresci, pai.

- Como não serve mais? No ano passado você tinha 14 anos, agora tem 15, nãocresceu tanto assim...

- Não serve, pai.

- Está bem, está bem. Toma o dinheiro. Compra um biquíni maior.

- Maior, não, menor, pai.

Aquele pai, também, não entendia nada.

(VERISSIMO; Luís Fernando. Disponível em: <http//chaodeestrelascassilandia.blogspot.

com/2011/05leitura-e-interpretacao-de-text—cornica-html>)

Você deve ter percebido que nesse breve conto de Luís Fernando Verissimo, não

aparecem os nomes das personagens, mas são identificadas pelo lugar social queocupam: pai e filha.

Fazendo uma paráfrase do que diz M. H. Duarte Marques (1990), podemos dizerque um texto, para ser definido como tal, deve ter coerência e coesão. Isso significa queos enunciados devem estar inter-relacionados, encadeados entre si.

    N   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 9: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 9/151

Por outro lado, a extensão do texto pode ser variável e a materialidade com que seapresenta também varia: pode ser uma foto, um vídeo, uma frase, poesia, prosa, umaconversa informal ou telefônica, também pode apresentar-se como um artigo científico,notícias, um filme etc.

Desdobrando o conceito, a autora propõe a presença da coesão e coerência

para que o significado esteja presente entre os interlocutores. Note-se que tambémcoloca a necessidade de uma unidade de sentido para que realmente estabeleça acomunicação.

O acréscimo que a autora coloca está na citação de formas de texto. O importanteé que faça sentido na situação de uso, isto é, que funcione, que comunique. Afinal,tudo é texto.

Um exemplo clássico, muito citado, é o caso de Victor Hugo, escritor do romanceOs Miseráveis. Quando a obra ficou pronta, ele mandou os originais para o seu editor,

com um bilhete, no qual havia apenas: “?”. Depois que o editor leu o romance, escreveuoutro bilhete em que estava: “!”.

Hoje em dia, mesmo fora da situação de comunicação entre autor e editor,podemos compreender: Victor Hugo interroga seu editor: Que tal? Está bom? Ao que oeditor responde significando: Maravilhoso! Estupendo!

Na contemporaneidade, quando se lê Os Miseráveis, surgem as mesmas exclama-ções, no caso, agora pelo leitor.

Segundo Fiorin e Savioli (2006, p. 18), “Um todo organizado de sentido, delimitado

por dois brancos e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo.”

Os autores trazem um acréscimo na definição de texto: a presença de um sujeito.Aqui não se está falando do sujeito gramatical (aquele que pratica ou sofre a ação doverbo), mas sim de um indivíduo que ocupa um determinado lugar e fala desse lugar,num espaço (lugar) não geográfico, mas numa situação social, e num tempo, pois éimportante verificar “o quando” para o texto ter sentido.

Esse lugar no discurso é governado por regras anônimas que definem o que podee deve ser dito. Somente nesse lugar constituinte, o texto (discurso) vai ter um dado

efeito de sentido. Se for falado em outra situação que remeta a outras condições deprodução, seu sentido, consequentemente, será outro. Na medida em que retiramos deum discurso fragmentos e inserimos em outro discurso, fazemos uma transposição desuas condições de produção. Mudadas as condições, a significação desses fragmentosganha nova configuração semântica (BRANDÃO, 1993).

Page 10: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 10/1518

DiscursoDepois de termos trabalhado com a definição de texto, vai ser muito interessante

ver o que é o discurso.

Segundo Brandão (1998), discurso é o espaço em que emergem as significações ea língua é a materialidade na qual o discurso aparece. Dessa forma, acontece o uso deuma mesma língua, falando sobre o mesmo referente, mas não o mesmo discurso.

Para Eni Orlandi (2001, p. 64), “[...] discurso é o efeito de sentido entre locutores”,tendo na língua sua possibilidade de existência. Ao surgir, o discurso mobiliza condiçõesdeterminadas, pistas que devem ser interpretadas ou descobertas pelo alocutário.

Vemos que as duas autoras concordam na definição de discurso. O que precisapara que um texto seja um discurso? Segundo elas, o discurso é o funcionamento, oefeito de sentido construído por dois “personagens”: o locutor, aquele que fala, e o

interlocutor, aquele para quem se fala. Agora, para o discurso funcionar, ele dependeda língua, que é a materialidade, o que permite o surgimento do sentido.

A unidade do texto é verificada pelo sentido, pois um discurso nunca está só,depende de um “já-dito”, que, na Análise de Discurso, se chama de interdiscurso. Inter-discurso vem a ser tudo o que o sujeito sabe ou conhece e usa no momento da cons-trução de seu discurso. A imagem que podemos relacionar com o texto é de uma rede,em que os vazios são preenchidos por conhecimentos anteriores que formam umamemória. Com a imagem da rede, podemos compreender melhor o sentido de incom-pletude que caracteriza o discurso, pois sempre haverá falta, falha e o ainda a dizer.

Devido ao interdiscurso, fica evidente o quanto a incompletude faz parte dodiscurso, pois nada está acabado para sempre, sempre há o que acrescentar. A incom-pletude é constitutiva de qualquer signo – qualquer ato de nomeação é um ato falho,um mero efeito discursivo. Quando falamos em incompletude, estamos dizendo queum mesmo discurso pode voltar com novas materialidades, com novas palavras, comnovas experiências.

O discurso diz muito mais do que seu enunciador pretendia. “A multiplicidade desentido é inerente à linguagem” (ORLANDI, 1988, p. 20).

Veja um caso que aconteceu em sala de aula. O título de uma reportagem de jornal foi oferecido a um grupo, para que cada um dissesse qual seria o teor do textoSementes do Suicídio. E Você, o que entende por Sementes de suicídio?

Os sentidos oferecidos pelo grupo foram: descoberta de uma semente que mata;uma pessoa, sentindo-se ofendida, suicidou-se, a ofensa foi a semente que gerou osuicídio; a violência sofrida por alguém gera sementes de ódio e pode levar ao suicídio.Sua compreensão foi semelhante?    N

   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 11: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 11/151

Veja o que aconteceu. Na verdade, o texto falava sobre uma pesquisa feita pelaindústria da Monsanto, para deixar inférteis as sementes de frutas. Essas frutas foramobtidas por meio de várias experiências, resultando perfeitas quanto ao tamanho, aosabor, à cor, à textura. Quem desejasse plantar essas sementes não conseguiria repro-dução. Essa foi a forma encontrada pela empresa para proteger sua pesquisa.

Aí está a multiplicidade de sentido. Os alunos criaram hipóteses de leitura. Emseguida, refizeram o seu caminho e atribuíram outro sentido, mais outro, construindouma rede. A falha, o furo, no caso do exemplo anterior, está no fato de os alunosempregarem a palavra “semente” em sentido figurado, quando, na verdade, ela estavasendo empregada no sentido literal.

Quando se fala em interdiscurso, faz-se referência ao que fala antes, em outrolugar, o que foi importante para cada leitor trazer o conhecimento que possui em rela-ção às palavras “semente” e “suicídio”, para levantar hipóteses de desenvolvimento dareportagem. Esse conhecimento forma o conhecimento de mundo ou conhecimento

enciclopédico que cada indivíduo acumula ao longo de sua experiência linguística.

Aspectos da comunicaçãoDeve ter ficado claro para você o significado de texto e de discurso. Agora, vamos

ver como os interlocutores funcionam num dos esquemas de comunicação. O maisconhecido e funcional foi traçado por Jakobson (1969). Vejamos:

Locutor e Alocutário

Esses dois primeiros elementos constituem-se em sujeitos, determinados porcondições sociais, historicamente delineáveis e portadores das significações ideoló-gicas de tais condições. O que quer dizer isso? Locutor e alocutário vão ocupar umdeterminado lugar social, (como já vimos anteriormente) e esse lugar é determinadopor condições sociais conhecidas, marcadas pela história e se colocando em seu lugarna luta de classes.

Para melhor conhecer os elementos da comunicação, devem-se colocar em evi-dência os protagonistas do discurso – quem fala? para quem fala? As respostas a essasquestões vão determinar outros dois novos elementos da comunicação:

Código linguístico (que é a materialidade, o idioma)

Locutor (quem fala) Discurso (o que é falado) Alocutário (para quem se fala)

Page 12: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 12/15110

Para que o discurso atinja sua finalidade de comunicação, é fundamental que ocódigo linguístico seja comum ao locutor e ao alocutário. Veja o que aconteceu entreum turista francês e uma baiana de acarajé pelo fato de não usarem o mesmo códigolinguístico (a mesma língua).

Um diálogo entre um turista francês e uma baiana de acarajé, em Amaralina:

Turista: Qu’est que ça? (Traduzindo: o que é isso?)

Baiana: Tem que cessá, sim.

T. : Comment? (Como?)

B. : Com a mão também, sim.

T. Je ne comprend pas. (Eu não compreendo)

B. Se não vai comprar, passe a frente, porque a fila tá grande.

(N.C.)

O caso anterior evidencia o fato de que códigos linguísticos diferentes geram umasituação de não comunicação.

O código linguístico e o tipo de discurso são condicionados aos papéis que

locutor e alocutário desempenham – o discurso é resultante das relações dos papéissociais.

Agora, podemos acrescentar novos elementos:

  LOCUTOR Contexto (Referente) ALOCUTÁRIO

  Remetente Mensagem (Discurso) Destinatário

Contato (Forma como se dá a comunicação)

Código (Linguístico)

Podemos compreender então que, para haver comunicação, segundo Jakobson,há um locutor (aquele que fala), um alocutário (aquele para quem se fala), um contexto(que aqui significa as condições de produção), a mensagem (que é o discurso), o con-tato (via em que o discurso acontece) e, finalmente, o código linguístico (o idioma queé falado).

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   m     C   e

   r   c   a   t   o .

    (    J    A    K    O    B    S    O    N ,    1    9    6    9    )

    N   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 13: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 13/151

É interessante que, a partir do momento em que você conhece os elementos decomunicação, passe a analisar suas falas e as falas do outro dirigidas para você. Se per-gunte, às vezes, de que lugar essa pessoa está falando comigo? De que lugar eu vouresponder à questão proposta? Vai ser uma experiência muito produtiva em matériade comunicação.

Funções da linguagem centradas

nos elementos de comunicaçãoPela nossa experiência pessoal, sabemos que qualquer produção, seja oral ou es-

crita, tem um fim, um objetivo, pois a forma com que construímos nossa comunica-ção pode trazer efeitos diversos. Então, é preciso considerar os seguintes elementos:

emotivos (ver qual a emoção envolvida no momento da comunicação); informativos(buscar compreender as informações que estão sendo passadas) e performativos dalinguagem (que tipo de performance está funcionando).

Continuando com nossa referência, para melhor entender as funções, Jakobson(1969, p. 118-129) traça os fatores constitutivos de todo processo linguístico, de todoato de comunicação verbal, relacionando os elementos de comunicação com as fun-ções da linguagem, como se pode ver a seguir:

Contexto (função referencial)

LOCUTOR(função emotiva)

  Mensagem (função poética) ALOCUTÁRIO(função conativa)

Contato (função fática)

Código (função metalinguística)

Cada um desses fatores vai determinar uma diferente função da linguagem.

A função emotiva está centrada no locutor, é a expressão direta da atitude de

quem fala em relação àquilo de que se está falando. Essa função emotiva deve serusada quando a subjetividade surge aos olhos de todos. No discurso escrito, o estratopuramente emotivo da linguagem é apresentado pelas interjeições, exclamações; nodiscurso oral, pela expressão fisionômica, tom de voz, pausas... Essas marcas são deatitude pessoal do emitente, isto é, daquele que fala. Elas dão um colorido às manifes-tações verbais nos níveis fônico ou gramatical. Por exemplo, conforme se pontua oupronuncia uma expressão, o sentido pode mudar. Leia, em voz alta, o texto a seguir,observando a pontuação:

    (    J    A    K    O    B    S    O    N ,    1    9    6    9    )

Page 14: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 14/15112

Isso é comigo? Isso! É comigo. Isso? É comigo? Isso é comigo! Isso é. Comigo.Isso é comigo...

Ou então:

Booooa noite! Boa noite. Boa noite? Boa noooite!

Existe uma história de um ator cuja peça teatral consistia em dizer de 48 formasdiferentes a expressão boa noite. Tente você também. Não digo as 48, mas umas três.Veja como a função emotiva colabora para a expressão comunicativa.

Se a comunicação estiver orientada para o destinatário, há a função conativa.Ela aparece, em sua forma mais específica, no uso do vocativo e do imperativo. Nessafunção, há o desejo de impulsionar o alocutário ou destinatário da mensagem paraum determinado comportamento. Por isso, o uso do imperativo exerce uma voz de

comando forte. Por outro lado, esse tipo de frase não pode ser submetido ao julga-mento de verdadeiro ou falso. Já as frases declarativas podem ser submetidas à provada verdade. Outra diferença é que as frases declarativas podem ser transformadas eminterrogativas, o que não acontece com a função conativa. A palavra conativa vem dolatim conatus, que quer dizer “ação de coagir”.

Esse tipo de função é muito usado nas propagandas. Basta lembrar aquela quedizia: “Compre baton” repetidamente – mensagem que era transmitida por uma vozautoritária, persuasiva – às vezes, manipulatória.

Se a mensagem estiver orientada para o contexto, teremos a função referencial –denotativa ou cognitiva. Embora ela apareça em muitas mensagens, deve-se considerara participação adicional de outras funções. O uso é variado: reportagens, certo tipo decorrespondência, textos de caráter científico, etc. É uma das funções mais presentes navida cotidiana.

Quando dizemos função referencial, estamos falando do referente, que é o objetoou a situação de que a mensagem trata. A objetividade torna-se uma marca dessafunção. No entanto, um texto impessoal e objetivo traduz um comportamento linguís-tico de quem o produziu. Por isso, é preciso desconfiar de sua aparente neutralidade.Por quê? Porque, quando falamos, escolhemos determinadas palavras que acabamtraindo nossa imparcialidade. Se estivermos diante de uma manchete “impessoal” quediz: cidade abandonada: autoridades incompetentes. Há imparcialidade? Não, emboraseja uma manchete bem objetiva. Agora, compare com essa outra manchete: cidade

cuidada: obras em todos os bairros. Há imparcialidade? Não. Por quê? Há uma intençãode valorizar o que é feito. Se a objetividade é resultado de uma atitude premeditada,pode acontecer uma manipulação a fim de alcançar determinado objetivo. Nos doiscasos, é possível verificar formas de manipulação.    N

   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 15: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 15/151

Outra função da linguagem pende para o contato – suporte físico por meio doqual a mensagem caminha do remetente para o destinatário. Trata-se da função fática.Essa função se evidencia pela troca de fórmulas ritualizadas – presentes nos diálogos–, cujo objetivo é prolongar a comunicação. Como exemplos, podemos citar: “Alô, estáouvindo?”, “Pois é!”. Essa função ocorre também nas situações em que desejamos pre-encher o silêncio, então, falamos do tempo, de filmes etc. É importante levar em consi-

deração se a comunicação se faz por telefone, por carta, num diálogo convencional...

Continuando, vamos encontrar a função da linguagem centrada no código: a me-talinguagem – função metalinguística. O texto volta-se para o código – explicar a lin-guagem, caracterizar a poesia, explicar os usos da linguagem. Metalinguagem significaa linguagem falar da própria linguagem. Por exemplo, Carlos Drummond de Andrade,em uma poesia intitulada O lutador, fala da luta do poeta com as palavras. Vejamos osprimeiros versos:

Lutar com palavras / é a luta mais vã / entanto lutamos/ mal rompe a manhã.

Em todo o texto, o poeta mostra como existe um embate no momento de usar aspalavras.

A função centrada na mensagem recebe o nome de função poética. Quandodizemos poética, a tendência é achar que essa função só se aplica à poesia. Não. Eladeve ser estudada no âmbito dos problemas gerais da linguagem, não pode ser redu-zida apenas à poesia. O exemplo de Jakobson é o seguinte: “Por que você sempre diz

Joana e Margarida e nunca Margarida e Joana? Será porque prefere Joana à sua irmãgêmea? De modo nenhum; só porque assim soa melhor” (JAKOBSON, 1969, p. 128).Essa é uma questão de sonoridade que marca um idioma. A função poética está nabusca do melhor som para enunciar a mensagem.

Então, o estudo da função poética deve abranger toda poesia e ultrapassar esselimite. Não se pode restringir o estudo da poesia à função poética. Por exemplo, apoesia épica põe em destaque a função referencial da linguagem; a lírica, orientadapara a primeira pessoa, destaca a função emotiva; a poesia súplice, ou exortativa, des-taca a segunda pessoa, vem imbuída da função conativa.

A elaboração do texto com função poética parte de um trabalho de seleção earrumação das palavras, da exploração de seus significados, que cria efeitos sonoros,rítmicos no texto, muitas vezes, causando surpresa – o estranhamento dos surrealistasfranceses e formalistas russos.

Quando estudamos as funções da linguagem, devemos ter em mente que é muitodifícil um texto ser de um tipo de função apenas. Haverá uma função dominante, maspodem aparecer outras em segundo plano.

Page 16: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 16/15114

Formações imaginárias –

seu efeito na comunicaçãoUm aspecto importante a ser considerado na comunicação interpessoal diz res-

peito às formações imaginárias. Entendemos por formações imaginárias como vemoso lugar social do locutor. Quando emitimos uma mensagem, uma informação é passa-da de emissor A para receptor B, que ocupam determinado lugar social, comunicam--se de lugares sociais, a partir dos quais os sentidos se constroem. Os interlocutores serepresentam, pois, a partir das chamadas Formações Imaginárias.

Para Pêcheux ([1969] 1997), num discurso, A (locutor) e B (alocutário) se repre-sentam, produzindo um jogo de efeitos de sentido que, a partir do lugar social dosinterlocutores, das relações de poder e força, criam um imaginário.

Quando falamos imaginário, estamos nos referindo à “imagem” que os interlo-cutores fazem de si e do outro. Então, uma imagem é construída simbolicamente e, apartir dela, os sentidos se efetivam. Essa imagem varia de acordo com o papel social de-sempenhado no momento da mensagem, sendo o lugar evidenciado pelo discurso.

De acordo com Pêcheux (1969), podemos estabelecer o seguinte quadro:

Quadro 1 – Funcionamento das Formações Imaginárias

Expressão que designa asformações imaginárias

Significação daexpressão

Questão implícita cuja “res-

posta” subentende a formaçãoimaginária correspondente

A

I (A)

A

I (B)

A

Imagem do lugar de Apara o sujeito colocadoem A

“Quem sou eu para lhe falar assim?”

Imagem do lugar de Bpara o sujeito colocadoem A

“Quem é ele para que eu lhe faleassim?”

B

I (B)

B

I (A)

B

Imagem do lugar de B

para o sujeito coloca-do em B

“Quem sou eu para que ele me fale

assim?”

Imagem do lugar de Apara o sujeito coloca-do em B

Quem é ele para que me fale assim?”

    (    G    A    D    E    T   ;    H    A    K

 ,    1    9    9    0    )

    N   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 17: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 17/151

Por exemplo, o professor diz ao diretor: “Vamos trabalhar com o material do labo-ratório.” O diretor fala: “Hoje é impossível. Você deveria ter reservado o espaço ontem.”

Considerando a fala do diretor como a posição A e a do professor como a posiçãoB, temos:

 Imagem de A em relação à posição de A deriva nesta pergunta: quem sou eu

para falar ao professor assim? Eu falo de um lugar social e responsável pelaorganização do uso do laboratório.

 Imagem de B para o sujeito situado em A: quem é ele para eu lhe falar assim?Ele fala do lugar social de componente de uma equipe que deseja usar olaboratório.

 Imagem de B para o sujeito colocado em B: quem sou eu para que ele me faleassim? Falo do lugar social de professor que deseja usar o laboratório e quedeveria ter reservado o espaço.

  Imagem de A para o sujeito situado em B: quem é ele para que me faleassim? Ele falou do lugar social do responsável pela organização do uso dolaboratório.

Em outra situação de fala, os lugares sociais podem mudar completamente e umanova análise das formações imaginárias é construída.

Seria o caso de o diretor chegar em casa, por exemplo, e sua mulher lhe dizer: porque você não reservou lugar no restaurante? Agora, vamos ficar sem sair. Nesse caso, a

mulher estaria no lugar de A que, no discurso anterior, era ocupado pelo diretor.

Essa mobilidade de papéis sociais, de lugares sociais, dinamiza as formações ima-ginárias a partir das quais os efeitos de sentido são construídos e ativados.

Encerramos aqui o estudo de discurso e texto, digo, encerramos enquanto espaçode tempo, porque o que vimos nesta aula deve acompanhar seus estudos e suas co-municações ao longo de sua vida. Por exemplo, numa situação de comunicação, reflitade que lugar a pessoa está falando ou escrevendo. Essa atitude pode trazer sentidosinesperados ou diferentes da primeira interpretação.

Page 18: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 18/15116

Síntese

Nesta aula, trabalhamos com os aspectos de discurso, texto, textualidade, bemcomo os diversos enfoques feitos por autores da área. É importante ver como, em cadaaspecto, encontramos complementos para orientar o que se entende por comunicar-se,por usar o discurso como instrumento de convencimento.

Questão para reflexão

Reflita à luz das definições e teorias que estudamos sobre frase de Bakhtin: “A lin-guagem é essencialmente ideológica”. ([1939] 2001, p. 96)

Leitura indicada

Para complementar seu estudo, leia o capítulo “O que é um texto”, do livro O Textoe a Construção de Sentido, de Ingedore Koch, da Editora Contexto, 2000.

Site indicado

<www.uff.br/mestcii/ines1.ht>.

Referências

BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV (1939). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:Hucitec, 2001.

BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 7. ed. Campinas,SP: Unicamp, 1998.

FERREIRA, Maria Cristina Duarte. As práticas religiosas sob a mirada do discurso. Debatesdo NER (UFRGS), Porto Alegre, v. 6, 2005.

FIORIN, Luís; SAVIOLI, Platão. Lições do Texto: Leitura e Redação. 5. ed. São Paulo: Ática,2006.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 2001.

    N   o   ç    õ   e   s    d   e   t   e   x   t   o   e   a   s   p   e   c   t   o   s    d   a   c   o   m   u   n    i   c   a   ç    ã   o

Page 19: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 19/151

KOCH, Ingedore G. Villaça; TAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e Coerência. São Paulo: Cortez,1997.

KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto,2000.

______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

MARQUES, M. H. Duarte. Iniciação à Semântica. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

______. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Cortez/EditoraUnicamp, 2001.

______. Discurso e Texto: formação e circulação de sentidos. Campinas, SP: Pontes,

2001.

PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso (1969). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Poruma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.Trad. de Eni P. Orlandi. Campinas: Unicamp, 1990.

Page 20: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 20/151

Page 21: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 21/151

Fatores de textualidade

As palavras têm o poder de destruir e de curar.

Quando são ao mesmo tempo sinceras e gentis,

elas podem mudar nosso mundo.

 Zuangzi 

Na aula anterior, estudamos as noções de texto e os aspectos da comunicação.Esta aula tem o objetivo de que você consiga identificar, nos textos, os fatores de tex-tualidade, bem como usar esses mesmos fatores em suas produções escritas.

Como está dito na primeira aula, um texto/discurso é uma unidade, uma intera-ção entre interlocutores, interpelados como sujeitos a partir de um lugar social. Vimos,também, que as materialidades podem ser as mais variadas: desde uma palavra, como“Uai!”, até um capítulo de romance. Mas, para que seja realmente uma unidade decomunicação, há fatores que caracterizam a textualidade.

Fatores de textualidadeBeaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores de textualidade:

 Coerência;

 Coesão;

 Intencionalidade;

 Aceitabilidade;

 Situacionalidade;

 Informatividade;

 Intertextualidade.

Os fatores internos ao texto, intrínsecos, devem estar claros e presentes. São eles:coesão, coerência e intertextualidade. Os demais fatores, enunciados por Beaugrandee Dressler, estão na periferia do texto, até no contexto. A seguir, vamos tratar sobrecada um deles.

Page 22: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 22/15120

Coerência

A coerência é responsável pela unidade semântica, pelo sentido do texto, envol-vendo não só aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos. Esse fator nãoestá no texto, mas se constrói a partir dele, envolvendo autor e leitor. Com sua expe-

riência de vida, o autor cria uma determinada situação, com uma finalidade. O leitor,também usando seus conhecimentos e experiências, vai produzir uma leitura em queo sentido se faz presente.

Vejamos um exemplo em que o sentido do texto fica incoerente, fica truncado:“No sertão as casas ficaram alagadas devido ao mau tempo, embora não tenha chovido e

a seca fosse intensa”. Ora, existem dois motivos para as casas alagarem: vazamento deágua e chuva. Ativando nossas experiências e conhecimento de mundo, verificamosque, em região de seca, no sertão, pela forma como as pessoas valorizam a água, nãohaveria possibilidade de vazamento; por outro lado, não chovera. Temos uma incoe-

rência cognitiva na qual o sentido está ausente.

Coesão

A coesão garante a unidade do texto por meio do uso adequado dos conheci-mentos gramaticais e lexicais. Enquanto a coerência está diluída no texto, a coesãoaparece claramente no texto. Por isso, afirma-se que, por meio da construção, se perce-be a coesão, que pode ser entendida como a “liga” do texto.

Observe que, no exemplo “Estava dormindo porque o sol nasceu”, o texto fica in-coerente devido ao uso indevido da conjunção “porque”, que dá ideia de causa. O cor-reto seria usar um operador argumentativo de tempo. A frase ficaria: “Estava dormindoquando o sol nasceu”.

Enquanto a “coerência” é subjacente ao texto, a coesão é revelada por meio dasmarcas linguísticas, dos índices formais na estrutura da sequência linguística e superfi-cial do texto que lhe dá um “fio condutor”.

Coesão é a ligação, a relação de nexos que se estabelecem entre os elementos

que constituem uma superfície textual.

Intencionalidade

Essa característica refere-se à competência do autor em elaborar um texto coe-rente e coeso, com a finalidade de atingir o objetivo que pretende ou deseja explicitar.

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 23: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 23/151

Por exemplo, se quero viajar e viajo, normalmente o meu desejo causará o evento querepresenta, o ato de viajar com todos os outros necessários para realizar a viagem.Há, portanto, conexão interna entre a causa e o efeito, porque se tenho um desejo(viagem), que é a causa, vai originar um efeito, que é eu viajar.

AceitabilidadePara que o texto seja aceito, deve apresentar coesão e coerência, além de ser útil e

ter relevância. Precisa, também, ter verdade, mesmo sendo ficção, mesmo que seja umsimulacro do real; ter autenticidade e quantidade: um número tal de informações quepermitam ao leitor tomar posse do texto, sem que haja vazios e lacunas que tornemo texto sem sentido. A cooperação do leitor faz-se presente desde que o autor corres-ponda a uma necessidade do leitor.

Analisando a frase “Aquele rapaz disse isso”, podemos afirmar que essa frase solta

não pode atender às necessidades do leitor. Que rapaz? Disse o quê?

Note a diferença:

Paulo Lima Duarte, autor conceituado (aquele rapaz), disse que todos nós pre-cisamos rever o que escrevemos a fim de estarmos certos de ter feito o melhor (disseisso).

SituacionalidadeO texto deve estar adequado a um contexto, situado em relação aos fatos em

volta dele. Deve ter compatibilidade com a situação, ser coerente com o contexto emque aparece. Vejamos o texto a seguir:

A jovem motorista de 25 anos estacionou seu carro em vaga de idoso no sho-pping. Uma senhora idosa, que estava para estacionar naquele espaço, esperou a

 jovem sair do carro e disse:

– Poderia me dar o telefone de seu dermatologista ou de seu cirurgiãoplástico?

Sem entender direito, a jovem perguntou:

– Por quê? Como?

Page 24: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 24/15122

A senhora respondeu:

– Ora, porque você está muito bem conservada.

Compreendemos esse diálogo devido à situacionalidade. Vaga de idoso é re-servada para pessoas acima de 60 anos. É claro que a jovem de 25 terá a aparência

correspondente a essa idade, daí a ironia da senhora ao querer saber quais médicosteriam efetuado aquela maravilha: uma idosa com aparência de 25 anos.

Informatividade

Refere-se às informações que são colocadas no texto. É um aspecto delicado, poisinformações demais deixam o texto sem criatividade e até infantilizado; por outro lado,se faltar de informações, o texto não atinge o objetivo de comunicabilidade. Um textocriativo pode ter menor informatividade, ser menos previsível, no entanto, ser interes-sante, envolvente, desde que venha ligado a dados conhecidos.

Vejamos o exemplo desse texto jornalístico:

No México, os comerciais dirigidos a crianças precisam trazer alguma mensa-gem educativa. Os anunciantes podem mostrar as crianças se entupindo de sucri-lhos ou de chocolate, desde que no pé da tela corra um letreiro com os dizeres ‘Comalegumes e verduras’ ou ‘Escove os dentes três vezes ao dia’

(Disponível em: <http://www.escritoresalagoanos.com.br/texto/2140>).

Intertextualidade

Vem a ser a relação de um texto com outros textos. Para identificar a intertextua-lidade, é importante uma história de leituras, uma vez que um texto se constrói emcima de um “já-dito”. A intertextualidade acontece da seguinte forma: existe um textoprimeiro e sobre ele se constrói um outro, com passagens, versos ou frases que permi-

tem ao leitor identificá-lo, relacionando-o com o primeiro. O segundo texto fica, diga-mos, “contaminado” pelas ideias ou pela construção daquele sobre o qual se constrói.E esse processo é contínuo, pois há sempre um “a-dizer” marca da incompletude dalinguagem. Portanto, intertextualidade é o processo de produzir um texto construídocomo absorção ou transformação de outros textos, e um discurso se elabora em “vista”do outro.

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 25: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 25/151

Estamos entrando no campo do dialogismo de Bakhtin – “em que o outro” per-passa, atravessa, condiciona o discurso do “eu”. Por exemplo, a primeira experiênciade linguagem a criança aprende da mãe e dos familiares que a cercam. À medida quecresce, ela vai elaborar sua própria linguagem – até esquecendo a origem primeira. Oseu discurso será então uma elaboração sobre as outras vozes, outros discursos. Porexemplo: o discurso citado será colocado entre aspas e em nota, indica-se o autor e de

onde ele foi retirado – mas essa citação deve ser tecida no texto.

O conceito de intertextualidade diz respeito ao processo de construção, reprodu-ção ou transformação do sentido – um novo texto que tem como suporte um outro.Veja um exemplo:

Pero Vaz de Caminha, na carta ao rei de Portugal, diz: “As águas são muitas einfindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, porcausa das águas que tem” (CASTRO, 1996, p. 97).

No início dos anos 1980, houve um movimento iniciado no Sul do Brasil, que pre-tendia separar o chamado “sul maravilha” do Nordeste. Um dos argumentos usados foio seguinte:

O Nordeste atrasa o Sul, os nordestinos são preguiçosos e usam a seca comodesculpa. Caminha mesmo escreveu para o rei: “A terra é tão maravilhosa que nelase plantando tudo dá”. (Transcrito de uma entrevista na TV)

O entrevistado transformou e manipulou o que Caminha escreveu realizandoum apagamento significativo. Na carta, Caminha fala das águas, e o entrevistado deuênfase para terra.

Às vezes, produz-se um apagamento intencional do já-dito, pois a intenção é dizeralgo novo. No exemplo, há uma voz institucionalizada – Caminha – que é usada comoargumento de autoridade.

Para a compreensão global de um texto, muitas vezes, é preciso entender as alu-sões e referências que ele faz a outros textos. No exemplo citado, se o ouvinte da entre-vista não tem conhecimento do texto primeiro, a Carta ao rei, por ocasião da descobertado Brasil, poderá inocentemente ou ingenuamente concordar com o entrevistado.

Tendo Foucault como fonte teórica, Courtine (1981 apud   BRANDÃO, s.d., p. 78)distingue comportamentos linguísticos que constroem a intertextualidade:

 O domínio da memória – É o texto preexistente – que a memória discursivasepara e elege numa determinada contingência histórica. É o texto que subjaz

Page 26: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 26/15124

ao texto novo – ausente na escritura, mas presente na memória pelas seme-lhanças ou rompimentos que o novo texto traz.

  Constitui o domínio da memória uma voz sem nome, fruto de todo conhe-cimento dominado por um leitor. Como tal é irrepresentável, pois vem a sertudo o que sabemos, e aqui não está significando memória como antônimo

de esquecimento, mas todo o saber de um indivíduo. Um domínio da atualidade – Trata-se de sequências discursivas do passadoreatualizadas. É um campo de presença. É o texto atual fundado sobre o outro.É um texto que sobre outro que surge da semelhança ou da ruptura.

 Um domínio de antecipação – Segundo Courtine, revela o caráter aberto darelação discursiva. São as possibilidades que um texto oferece de ser repetido,refeito em outra circunstância, trazendo novos sentidos. “Se há um ‘sempre-já’do discurso, pode-se acrescentar que haverá um ‘sempre-ainda’” É impossível

atribuir um fim a um processo discursivo. Há sempre novas possibilidades,novas intertextualidades.

Vamos exemplificar os três itens anteriores com uma parte da letra da músicaMonte Castelo, de Renato Russo.

Ainda que eu falasse a língua dos homens

E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

Para compor esse texto, Renato Russo se valeu do domínio da memória, pois otrecho em questão faz parte da carta de São Paulo aos Coríntios, 13, 1 e 2: “Se eufalasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos e não tivesse amor, [...] eu nadaseria”. Essa carta foi escrita entre os anos 50 e 51 d.C. Esse é o domínio da memória.

O domínio da atualidade se faz presente no momento em que Renato Russocompôs essa letra e acrescentou uma parte da carta de Paulo e outra do soneto deCamões, que também é do domínio da memória. O modo como reuniu suas ideias àsde Paulo aos Coríntios e ao soneto de Camões traz para o domínio da atualidade um

texto do passado.

Quanto ao domínio da antecipação, qualquer autor pode fazer uso dos dizeresda Carta de São Paulo e trazer para o domínio da atualidade, do seu modo, com seuscritérios. É um texto sempre disponível para novas interpretações, novas construções apartir dele. Esse é o sempre-ainda.

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 27: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 27/151

A percepção das relações intertextuais, da referência de um texto a outro, de-pende do repertório do leitor. Daí a importância da leitura, para ter a compreensão dotexto e ao mesmo tempo para o despertar da criticidade – da leitura crítica e conscien-te. Por exemplo, uma pessoa pode muito bem cantar toda a música Monte Castelo sem jamais saber que parte dela vem dos anos 50/51 d.C., o mesmo acontecendo com osoneto de Camões que faz parte da música.

Ao ler o texto, é preciso levar em conta os seguintes aspectos:

 Dialogismo - É a presença do eu e do outro. No caso da música Monte Castelo,estão presentes eu-leitor e o outro-compositor. Há um leitor inscrito no textodo autor, alguém em quem ele pensa no momento da composição.

 Polifonia  - Refere-se às várias vozes do texto. No texto Monte Castelo, nóstemos claramente as vozes de Paulo, de Camões, de Renato Russo.

 Intertextualidade - Diz respeito a vários textos que se entrecruzam no tempo

e no espaço. Está visível a intertextualidade no texto, observam-se textos quese entretecem.

As formas de intertextualidade em evidência são: citação, paráfrase, paródia.

A citação consiste em apresentar um discurso de outro no próprio discurso. Acon-tece quando escrevemos um trabalho ou uma pesquisa e, para referendar o que pre-tendemos provar, citamos outro autor. Essa citação vem marcada por aspas, nome doautor e do livro em que ela aparece. Outra forma de citação é a de ditados popularesou frases do senso comum presentes na cultura de um país.

A  paráfrase consiste em reafirmar, com palavras diferentes, o mesmo sentido deoutro texto. A paráfrase consiste no “mesmo” dito de outra forma. Trata-se do já-dito,o estável, o retorno constante ao mesmo. Há um texto que é a matriz do sentido – eessa matriz é repetida com o mesmo sentido, mas com outras palavras – há um deslo-camento sem que haja traição ao seu significado primeiro. Por exemplo, Caetano, naletra da música Sampa, diz: “Narciso acha feio o que não é espelho”. Nesse caso, temosuma paráfrase da mitologia grega.

A paródia estabelece uma ruptura com o texto primeiro. O distanciamento é ab-

soluto. A linguagem torna-se dupla sendo impossível a fusão de vozes: é uma escritatransgressora, que engole e transforma o texto primitivo, articula-se sobre ele, reestru-tura-o, mas, ao mesmo tempo, o nega – estabelecendo a intertextualidade e possibili-tando a dupla leitura. A paródia não se reduz a uma mera repetição do texto primitivo,mas soa como um eco deformado e as palavras do outro se revestem de algo novo e setornam bivocais. Leia os textos a seguir para ver como ocorre a paródia.

Page 28: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 28/15126

Texto Primeiro

No Meio do Caminho

Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas

Nunca me esquecerei desse acontecimento

que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no

meio do caminho

no meio do caminho

tinha uma pedra

Parafraseando Drummond – Intertextualidade

No Meio do CaminhoNilza Cercato

No meio do caminho tinha aqueles olhos

tinha aqueles olhos no meio do caminho

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 29: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 29/151

tinha aqueles olhos

no meio do caminho tinha aqueles olhos.

Nunca esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

que no meio do caminho

tinha aqueles olhos.

Tinha aqueles olhos no meio do caminho

No meio do caminho tinha aqueles olhos.

 Ah! Que olhos!!! Seguem-me até hoje.

Depois de ter visto como acontecem as formas de textualidade, podemosconcluir que:

 uma estrutura nunca está constituída completa e perfeitamente, uma vez sóe para sempre, antes da leitura que a tira do limbo e a repõe em movimento,

no ato interpretativo que cada leitura engaja – “[...] mas se elabora em relaçãoa uma outra estrutura”(MAINGUENEAU, 1989, p. 39) –, o que quer dizer quepodemos ter um texto voltando, com significados diferentes, desde que oautor ponha em funcionamento a linguagem e as condições de produção;

 quando dizemos “[...] todo texto é absorção e transformação de outro texto”(MAINGUENEAU, 1989, p. 39), trazemos a questão da citação, com a qual umtexto não resulta nem direta nem exclusivamente de uma língua natural, masde outros textos, seus predecessores.

Proponho a você que leia a letra da música Bom Conselho, de Chico Buarque, eprocure relacionar com os ditados populares que seguem o texto. Veja como o autortrabalha a intertextualidade. Divirta-se.

Page 30: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 30/15128

Bom Conselho

Chico Buarque

Ouça um bom conselho

que eu lhe dou de graça

Inútil dormir que a dor não passa

Espere sentado

Ou você se cansa

Está provado,

quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo

Deixe esse regaço

brinque com meu fogo

tenha se queimar 

Faça como eu digo

Faça como eu faço

 Aja duas vezes antes de pensar 

Corro atrás do tempo

Vim de não sei onde

Devagar é que não se vai longe

Eu semeio vento na minha cidade

Vou pra rua e bebo a tempestade

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 31: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 31/151

Provérbios populares“Uma boa noite de sono combate os males” 

“Quem espera sempre alcança” 

“Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” 

“Pense, antes de agir” 

“Devagar se vai longe” 

“Quem semeia vento, colhe tempestade

(Disponível em: http://<www.thefreelibrary.com/revisitando o conceito de proverbio.-

a020011751>.)

Espero que tenha notado como a intertextualidade está presente em nosso coti-diano. Nem sempre é fácil identificar se há intertextualidade, por isso eu recomendoleitura. Quanto mais você conhecer, mais fácil será identificar a origem de uma paródiaou analogia, ou paráfrase.

Síntese

Os fatores de textualidade são relevantes para oferecer sentido ao texto. Quando

um texto está incoerente, ou sem coesão, por exemplo, não há como estabelecero sentido adequado. Outros elementos situam-se em torno desses dois, que sãofundamentais.

Questão para reflexão

Reflita sobre a frase de Maingueneau (1989, p. 39): “Um discurso não vem aomundo numa inocente soletude, mas constrói-se por meio de um já-dito em relação

ao qual toma posição.”

Leitura indicada

Para complementar seu estudo, leia o capítulo “Atividades e estratégias de pro-cessamento textual”, do livro O Texto e a Construção de Sentido, de Ingedore Koch,da Editora Contexto, 2000.

Page 32: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 32/15130

Sites indicados

<www.foa.org.br/cadernos/edicao/04/57>.

<www.slideshare.net/cleiantjohnny/4o-dia-tp5-os-princpios-da-textualidad>.

Referências

BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to Text Linguistics. London, Long-man, 1983.

CASTRO, Silvio. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L & PM, 1996.

CHAROLLES, Michel. Introduction aux Problèmes de la Cohérence Textuelle. Paris:

Langue Française, 1978.

KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo:Cortez, 2002.

______. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto, 2000.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1969.

MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise de Discurso. SP, Campinas: Pontes,1989.

ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

    F   a   t   o   r   e   s    d   e   t   e   x   t   u   a    l    i    d   a    d   e

Page 33: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 33/151

Page 34: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 34/151

Page 35: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 35/151

Coesão e coerência/revisar conectivos

O mais importante na comunicação é

escutar aquilo que não foi dito.

Peter Drucker 

Vimos, na aula passada, que coesão é a ligação, a relação de nexos que se estabe-lecem entre os elementos que constituem uma superfície textual.

Nesta aula, daremos um passo mais adiante, vamos ver como empregar elemen-

tos de coesão e coerência, reconhecê-los e, principalmente, utilizar os conectivos ne-cessários para que um texto tenha coesão.

Num texto, há coesão quando existe uma conexão entre os períodos, produzindoo sentido do texto. Para alcançar esse patamar de união entre os vários enunciados,existem classes de palavras chamadas de elementos de coesão ou conectivos. São elas:preposições, conjunções, pronomes e advérbios.

Entre elas, destacamos as conjunções, que têm a função de pôr em evidência asrelações entre os enunciados. Os pronomes, por sua vez, podem substituir ou determi-

nar um nome, e os advérbios podem modificar o sentido de um verbo. Esses elemen-tos não são formas vazias que podem ser substituídas entre si, sem nenhuma conse-quência, ao contrário, são formas linguísticas que carregam um significado, trazem acoerência e, para usá-las, fazem-se necessários critérios especiais em seu emprego, taiscomo:

 manter uma estrutura do texto – é o momento de vermos se o texto está orga-nizado, “arrumado”, com começo, meio e fim;

 visualizar o conjunto – uma leitura atenta, verificando se o “todo” do texto faz

sentido;

  observar como se realiza a “liga”, a conexão entre os enunciados – vamosverificar se um período está ligado ao outro e se acontece o mesmo com osparágrafos.

Page 36: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 36/15134

Vamos trabalhar duas modalidades de coesão:

Modalidade 1 – Coesão referencial

Esse tipo de coesão acontece entre elementos do texto que remetem (ou permi-tem recuperar) uma mesma referência, ou um mesmo assunto. Pode ser dividido em:

 Substituição  – ocorre quando se retoma um termo enunciado, usando-se,para isso, um pronome, verbo ou advérbio, deixando de repetir o elemento jácitado.

Ex.: Marcos e Pedro, apesar de serem gêmeos, são muito diferentes. Por exemplo,este é calmo, aquele é explosivo.

Nesse exemplo, temos uma substituição dos nomes dos gêmeos: “este” refere-se aPedro e “aquele” refere-se a Marcos.

 Reiteração – que se faz por meio de sinônimos, de nomes genéricos, expressõesnominais definidas, de repetição do mesmo item lexical, de nominalizações.

Observe o exemplo que segue em que foi usada a reiteração com a repetição dosmesmos itens lexicais: educação e saúde.

Ex.: Os problemas do Brasil se encontram na área de educação e saúde. Educação porque não há escolaridade e conhecimento de formas para resolver situações pesso-ais e da comunidade. Saúde, pelo desconhecimento dos cuidados básicos e pela faltade projetos no sentido de esclarecer a população.

Outro exemplo, em que um nome genérico e uma expressão nominal definida éreiterada. Note como a palavra homens aparece no exemplo a seguir:

Ex.: Um país precisa de homens conscientes; de homens honestos; de homenscorajosos para defender suas posições e suas ideias.

Modalidade 2 – Coesão sequencial

Esse tipo de coesão é usado para manter a sequência entre as ideias expressasfacilitando, dessa maneira, a produção de sentidos.

 Recorrência ou parafrástica – que é obtida pela recorrência (repetição) determos, de estruturas (paralelismo), de conteúdos semânticos (paráfrase), derecursos fonológicos segmentais ou suprassegmentais e de aspectos verbais.

O paralelismo consiste em repetir uma palavra ou expressão para que se mante-nha unidade equilibrada no enunciado.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 37: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 37/151

Ex.: O ser humano foi criado para a perfeição, para a verdade, para dirigir seuspróprios passos, para construir sua história.

Observe que o paralelismo foi construído por meio do uso do termo “para”.

Outro modo de estabelecer a coesão sequencial é pelo uso de elementos segmen-tais ou suprassegmentais (ritmo, rima, aliteração, eco etc.). Constrói-se a coesão pelo

uso dos recursos sonoros, muito explorados nos poemas, como por exemplo, os versosde Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares) na definição que faz de poeta:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor

Que finge tão completamente

Que chega fingir que é dor

A dor que deveras sente.

Se você ler em voz alta o poema anterior, vai observar como a sonoridade, obtidaatravés das rimas (dor e ente), traz um ritmo, uma melodia própria da poesia.

 Coesão por progressão – é feita por mecanismos que possibilitam:

1) manutenção temática – pelo uso de termos de um mesmo campo lexical.

Ex.: As vozes são agradáveis quando sonoras e suaves, falas agudas sãodestoantes.

Observe que vozes e falas são termos do mesmo campo.

2) encadeamentos – que podem se dar por justaposição ou conexidade:

 Justaposição – uso de partículas sequenciadoras ou continuativas de enun-ciados ou sequências textuais que dizem respeito à linearidade e à ordenaçãode partes do texto.

Ex.: Entre vários fatores para resolver sua ação, sugiro dois. Em primeiro lugar , vocêdeve ter um plano de ação; em seguida, pô-lo em prática.

Você já deve ter concluído que a justaposição está nas expressões “primeiro lugar”e “em seguida”, que mantêm a ordenação do enunciado.

 Encadeamento por conexão – ocorre por meio de conectores, das conjunçõesou através dos operadores do discurso – justificação, explicação, conclusão.

Ex.: Luciana apresentou-se de forma competente, logo foi aprovada.

Você tem medo porque não sabe correr riscos.

Page 38: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 38/15136

No primeiro exemplo, a conjunção logo  dá a ideia de conclusão. No segundo,temos uma justificação por meio do uso do operador argumentativo “porque”.

A relação entre coesão e coerência é um processo de mão dupla: na produçãodo texto se vai da coerência (profunda), a partir da intenção comum, desde o aspectoprático e do uso de linguagem, do nível superficial até o mais profundo.

Muitas vezes, lendo textos, você pode observar que nem sempre os elementosde coesão são necessários e nem sempre são suficientes – haverá necessidade do co-nhecimento de mundo da colaboração dos interlocutores, de saber em que situaçãoacontecem os dizeres e, por último, a forma em que foram usadas as normas sociais.

Por outro lado, o mau uso dos elementos linguísticos de coesão pode causar incoe-rências locais pela violação de sua especificidade de uso e função, por exemplo:

Naquele dia, quando todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor expli-cava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

Note como a frase fica incoerente devido ao mau emprego do elemento de coesãoquando. Verifique, agora, o sentido:

Naquele dia, enquanto todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretorexplicava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

A explicação para o uso de “enquanto” em lugar de “quando” está no fato de asações serem simultâneas: todos aguardavam e o diretor explicava. Usamos “quando”com verbos no pretérito perfeito, tempo esse que expressa ação iniciada e encerradano passado. Note a diferença no exemplo a seguir:

Quando os funcionários souberam o resultado, traçaram as metas a serematingidas.

Como você notou, é importante conhecer os operadores para o bom uso dosmesmos, evitando incoerências. Pela sua própria experiência, você sabe avaliar o do-mínio da escrita, analisando um bilhete, uma carta, ou mesmo um cartão. Para aperfei-çoar sua escrita, a elaboração de seus textos, vamos estudar, a seguir, as conjunções eo seu uso.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 39: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 39/151

Conjunções – Quadro de operadores

do tipo lógico e do tipo discursivoO que nos interessa, neste momento, é fazer uma revisão do uso de operadores

argumentativos, representados pelo uso das conjunções.

Celso Ferreira da Cunha (1972, p. 532) conceitua conjunções como: “vocábulosgramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes damesma oração”. Divide-as em: coordenadas e subordinadas e afirma que se percebefacilmente a diferença entre as conjunções coordenativas e as subordinativas quandocomparamos construções de orações a construções de nomes.

(1) Estudar e cantar. O estudo e o canto.

(2) Estudar ou cantar. O estudo ou o canto.Vemos que a conjunção coordenativa não se altera com a mudança de constru-

ção, pois liga elementos independentes, estabelecendo entre eles relações de adição,como no primeiro caso, e de alternatividade, como no segundo. Essa é a característicadas conjunções coordenadas, como o próprio nome diz, elas (co)ordenam sem quehaja dependência entre os elementos.

Nos enunciados seguintes:

(3) Quando tiver estudado o assunto, pode ensaiar o canto.

(4) Depois do estudo, o canto.

Note que, no exemplo três, há dependência do primeiro termo (quando tiver estu-dado o assunto) em relação ao segundo (pode ensaiar o canto). Já, no exemplo quatro,em lugar da conjunção subordinativa “quando”, temos uma preposição (depois) queestá colocando a dependência de um elemento a outro. (Só depois de ter estudado éque pode ensaiar).

Operadores do tipo lógico e do tipo discursivoTendo visto como se organizam os elementos de um período, em relação à coor-

denação e subordinação, é importante situá-los. Portanto, vejamos, entre os recursosque nos auxiliam na manutenção da coesão, quais são os principais operadores argu-mentativos, cujo papel, no texto, é manter a logicidade e oferecer coerência:

Page 40: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 40/15138

Tipos de relações dos operadores do tipo lógico

Disjunção  –  ou.

Condicionalidade –  se, caso, desde que.

Causalidade  – 

  já que, visto que, tanto (assim) que, porque, então, assim, porisso.

Mediação –  para que, para, a fim de que.

Tipos de relações dos operadores do tipo discursivo argumentativo

Disjunção – ou – quando se propõe “isto ou aquilo”.

Conjunção – e, também, tanto quanto/como, além disso, além de, nem (=e não),

não só...mas também, ainda -quando se acrescenta, soma.

Contrajunção – e (=mas), mas, no entanto, porém, entretanto, todavia, contudo,embora, apesar de, ainda que, mesmo que – quando coloca oposição entre os elemen-tos do período.

Explicação – pois, porque, que – para justificar ou explicar.

Conclusão – assim, portanto, logo, por isso, então, pois, por conseguinte – parademonstrar a que resultado chegamos.

Se você prestar atenção ao que fala, ou lê, verá que os operadores lógicos e argu-mentativos pontuam todo o dizer. Essas expressões dão sentido e organizam logica-mente a nossa comunicação, seja oral ou escrita.

CoerênciaCoesão e coerência são duas faces do mesmo fenômeno.

Define-se coerência textual como uma lógica interna que deve existir para darverossimilhança e verdade ao texto.

A incoerência pode acontecer quando:

1.° – O locutor usa dois processos verbais em duas fases distintas de sua realiza-ção, como em: (por processos verbais entendem-se fatos acontecidos em determinadoperíodo de tempo).

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 41: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 41/151

Ex.: Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavandoroupa.

Observamos que, no exemplo, acontece o uso do verbo tinha lavado que dá ideiade processo acabado e ainda estava lavando, ideia de processo não acabado.

Seria correto dizer:

Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda não tinha passado aferro.

2.° – Há uma relação de oposição contrariando a relação de causa que parece sera mais plausível e esperada, como no exemplo:

Ex.: João não foi à aula, entretanto estava doente.

Vamos notar que a ligação entre as duas partes do período não estão coesas,porque o termo “entretanto” dá ideia de oposição. Deveria ser usada uma relação decausa, no caso, uma das conjunções: pois, porque, devido ao fato de..., entre outras.

Então a construção da frase fica assim:

João não foi à aula porque estava doente. Ou, pois estava doente. Ou ainda, Joãonão foi à aula devido ao fato de estar doente.

3.° – por contrariar o conhecimento geral, como em:

Ex.: A galinha estava grávida.

Julgar se um texto é coerente ou não, depende:

A – da combinação entre os elementos linguísticos do texto.

Vamos ver como, na letra de “Águas de Março”, há uma combinação dos elemen-tos linguísticos:

Águas de março

Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho,

É um resto de toco, é um pouco sozinho

É um caco de vidro, é a vida, é o sol,

É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira,

Page 42: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 42/15140

Caingá, candeia, é o Matita Pereira

É madeira de vento, tombo da ribanceira,

É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira,

É a viga, é o vão, festa da cumeeira

É a chuva chovendo, é conversa ribeira,

Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira,

Passarinho na mão, pedra de atiradeira

É uma ave no céu, é uma ave no chão,

É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pãoÉ o fundo do poço, é o fim do caminho,

No rosto o desgosto, é um pouco sozinho

É um estrepe, é um prego,

é uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando,

É uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando,

É a luz da manhã, é o tijolo chegando

É a lenha, é o dia, é o fim da picada,

É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama,

É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,

É um resto de mato, na luz da manhãSão as águas de março fechando o verão,

É a promessa de vida no teu coração

É uma cobra, é um pau, é João, é José,

É um espinho na mão, é um corte no pé

São as águas de março fechando o verão,    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 43: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 43/151

É a promessa de vida no teu coração

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,

É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão, a promessa de vida

no teu coração,É pau, é pedra,...

(Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tom-jobim/49022/>.)

Para valorizar o que diz o poeta Tom Jobim, nós, os leitores, devemos produzirnossa leitura. Imagine a época do ano de que o texto fala: o fim do verão, as águasde março chegando. Imagine-se passeando por um local de veraneio, e acompanhe opoeta no seu trajeto. A coerência do texto se estabelece pelos elementos da natureza,

que ele descreve, como numa pintura em que o verbo ser (é, são) define a construçãoda paisagem, pequenas coisas que fazem o dia a dia desta época do ano. Por outrolado, essa descrição de uma natureza viva, no trajeto do poeta, abre para o verso mag-nífico que é a proposta do autor: “a promessa de vida no teu coração”. O fim de umaestação como o verão, traz em seu bojo a promessa de novo tempo. Como as chuvasde março renovam a natureza, também teu coração será renovado, essa é a promessa.

Esse modo de ler, num texto como “Águas de Março”, o autor o apresenta com aintenção de que seja um texto, e nós, leitores, agimos cooperativamente e aceitamos a

sequência como um texto e procuramos determinar-lhe o sentido.B – Do conhecimento prévio sobre o mundo em que o texto se insere. 

Um exemplo é a fábula do lobo e do cordeiro, em que há incoerência nas afirma-ções do lobo, mas a coerência se faz para obter o resultado desejado: a lição de moralda fábula.

Exemplo:

O lobo e o cordeiroVendo um lobo que certo cordeirinho matava a sede num regato, imaginou

um pretexto qualquer para devorá-lo. E embora se achasse mais acima, acusou-ode sujar-lhe a água que bebia. O cordeiro explicou-lhe que bebia apenas com aponta dos beiços e, além disso, que, estando mais abaixo, nunca poderia turvar-lhe o líquido. O lobo exposto ao ridículo, insistiu:

    (    E    S    O    P    O .    E    N    C    I    C    L    O    P    É    D    I    A    U    N    I    V    E    R    S

    A    L    D    A

    F    Á    B    U    L    A ,   v .    3 .   p .    7    6    )

Page 44: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 44/15142

– No ano passado, ofendeste meu pai.

– No ano passado, eu não tinha nascido, replicou o cordeiro.

O lobo, então replicou:

– Tu te defendeste muito bem. Mas nem por isso vou deixar de te devorar.

Moral: Contra a força não há argumentos.    (    E    S    O    P    O .    E    N    C    I    C    L    O    P    É    D    I    A    U    N    I    V    E    R  -

    S    A    L    D    A    F    Á    B    U    L    A ,   v .    3 .   p .    7    6    )

Observe que a argumentação do cordeiro nega a afirmação do lobo, mostrandoo quanto ele está incoerente. No entanto, o que dá a coerência ao texto é o desejo doautor de mostrar que contra a força não há argumentos. É a denúncia da lei do maisforte.

C – Do tipo de texto.

Se for uma propaganda, ou um outdoor  é preciso que se tenha conhecimento demundo, das circunstâncias em que aquele texto foi produzido. Por exemplo, se for umareceita, ter um comportamento adequado, se for uma carta, agir cooperativamente, eassim por diante, verificando qual tipologia textual.

Por exemplo:

Caro Amigo Francisco. Em minha viagem pelo Chile, lembrei-me de ti, por issoescolhi esse cartão postal dos lagos chilenos, com a intenção de que te animes efaças esse passeio com tua esposa. Vê que maravilha! Um abraço de teu companhei-

ro de luta.

Pedro

Esse é um texto característico dos cartões postais.

A coerência, às vezes, é subjacente, subentendido, ligado a fatores históricos esócio-culturais, que podem ser:

 Intenção comunicativa – Deve responder à pergunta: o que desejo comuni-

car? Há uma canção de protesto que diz: Tudo está tão certo como dois e doissão cinco. Se ficarmos no limite da matemática, veremos que há uma incoe-rência, mas se pensarmos que esses versos estão denunciando um períodohistórico em que não havia liberdade de expressão, veremos que a intençãocomunicativa é dizer que tudo está errado.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 45: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 45/151

 Formas de influência do falante na situação de fala – É preciso compreen-der que, conforme o lugar social que o falante ocupa, sua fala pode ter maisforça, por ele gozar de influência. Por exemplo, a fala do diretor da empresatem mais força que a fala do empregado.

 Regras sociais determinadas pelos lugares sociais – Existem expressões tí-

picas que compõem as regras sociais. Por exemplo: há formas de cortesia paravelórios, casamentos, ações jurídicas. Por exemplo, seria uma “gafe” enormealguém chegar num velório em que a mãe chora a perda de seu filho dizer:“Meus parabéns”.

Vimos várias formas de manter a coerência, de dar sentido ao que escrevemose de observar como se pode atribuir sentido ao que lemos. Procure praticar o que foiexposto anteriormente para assegurar qualidade e verdade a seus trabalhos.

Tipos de coerênciaAgora, aprimorando ainda mais nossa competência em relação à coerência, vamos

ver como se identificam os tipos de coerência nas diversas formas comunicativas.

Coerência semântica – É a relação entre significados dos elementos das frasesem sequência em um texto. Observe a incoerência semântica (significado) das expres-sões a seguir:

Exemplo 1 – executar problemas. Qual o sentido de executar problemas? Executartem o sentido de realizar, como em executar uma tarefa. Então, a incoerência está emdizer que em lugar de resolver problemas, o autor da fala está dizendo que vai “criar”mais problemas.

Exemplo 2 – cuidar do stress. O sentido do verbo cuidar está relacionado com aideia de proteção, de dar cuidados especiais, como por exemplo, cuidar da plantinha,cuidar da criança. Daí ficar claro que a incoerência se faz presente pelo fato de o autorda fala, em lugar de eliminar o stress, cuida dele permitindo que ele cresça, floresça.

Exemplo 3 – correr atrás do prejuízo. Neste caso, claramente, notamos a incoe-rência. Se o autor da fala corre atrás do prejuízo, este estará sempre à frente dele, nãohavendo meios de sanar o prejuízo.

Exemplo 4 – risco de morte. Risco de morrer todos nós corremos. Afinal, a morte écerta. O que deve ser dito é “correr risco de vida”, uma vez que a vida corre perigo.

Page 46: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 46/15144

São expressões do cotidiano em que o sentido contradiz o que se deseja, mas sãotão corriqueiras que nem sempre o locutor se dá conta de que está sendo incoerente.Mas não vamos esquecer que, para dar sentido a essas expressões, precisamos verificarem que contexto elas foram faladas.

Coerência estilística – é o uso do registro de linguagem numa situação comuni-

cativa. Se culto, não introduzir gíria ou expressões populares. Se, para dar cor ou impri-mir maior comunicabilidade, for necessário usar gíria no registro culto, o que se podefazer é introduzir expressões como: “Se me permitirem o termo...” ou “Para usar umapalavra bem expressiva...”.

Exemplo: Nossa vida nem sempre atende às nossas expectativas. As decepçõese os desencontros fazem parte do cotidiano, mas nem por isso, se me permitirem otermo, pode-se “chutar o pau da barraca”.

Coerência pragmática – Os atos de fala devem satisfazer as mesmas condições

presentes em uma dada situação comunicativa. Todo o dizer traz uma consequência.Por exemplo:

para pedido é coerente atendimento

pedido recusa justificativa

É uma situação óbvia: quando se faz um pedido, em um ato de fala, podemos terduas situações, a primeira, atender ao que está solicitado; a outra, recusar. Observe asduas possibilidades no trecho a seguir:

Exemplo:

– Pode me emprestar o carro? (pedido)

– Não posso, hoje eu vou viajar. (recusa e justificativa de porque não pode em-prestar o carro)

Ou então:

– Aqui está a chave. (atendimento)

Veja outro exemplo:

– O namorado prometeu ir ao cinema com a namorada.

Pela nossa experiência pessoal, sabemos que a namorada espera que a promessase cumpra – se não der para ir ao cinema, o namorado deve-se justificar e muito bem...

Dessa forma, podemos perceber que coerência é a unidade de sentido do texto:nada é ilógico, contraditório ou desconexo.    C

   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 47: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 47/151

Níveis de coerênciaUm texto bem escrito deve ter coerência, mas ela se organiza em diversos níveis:

para a narrativa, há um percurso; para argumentação, os operadores; para descrições,as imagens figurativas. O que veremos é como esses níveis se articulam.

Estudando a narrativa, Fiorin e Savioli (1997, p. 56) propõem quatro fases paramelhor estruturar o texto. São elas:

 manipulação – alguém é induzido a querer ou dever realizar uma ação;

 competência – adquire um poder ou um saber para realizar aquilo que deveou quer;

 performance – quando realiza a ação;

 sanção – recompensa ou castigo pelo que realizou.Vamos exemplificar esses níveis de coerência através da história infantil  A Cinde-

rela. Vejamos:

A manipulação vai acontecer quando a Cinderela quer ir ao baile em que o prínci-pe vai escolher uma princesa por esposa.

A competência é externa, quando a fada madrinha aparece e faz as transforma-ções. Quem torna a Cinderela competente para ir ao baile é a fada.

A performance ocorre quando Cinderela vai ao baile e dança com o príncipe, dei-xando-o encantado por ela.

Na história, Cinderela sofre duas sanções, uma negativa outra positiva. A negativaacontece quando perde a noção da hora e ouve o relógio marcar as doze badaladas dameia-noite, e tudo volta ao que era antes de a fada madrinha ter feito a transformação.A positiva é ela ser finalmente reconhecida pelo príncipe e ser a escolhida.

Veja, a seguir, algumas formas de incoerência narrativa:

 1.ª forma – As quatro fases se pressupõem, a posterior depende da anterior.Constitui-se incoerência narrativa uma performance de alguém sem a compe-tência; ou a sanção, sem a  performance. Um exemplo é o processo de Kafka.Nesta obra, um trabalhador é preso, julgado e condenado sem ter feito nada.Embora ninguém ache culpa nele, ele é condenado. Se ele foi preso, é porquefez alguma coisa. A obra é uma crítica aos governos ditatoriais.

 2.ª forma – Se um personagem adquire objeto de um outro, este deixa, por-tanto, de possuí-lo. Mas se, por exemplo, numa parte do texto, está dito que

Page 48: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 48/15146

uma mulher vendeu um colar de pérolas negras, ela não pode aparecer, emoutra parte, usando tal colar, sem outras explicações anteriores.

 3.ª forma – Com relação à caracterização dos personagens e às ações a elesatribuídas – a dupla face precisa ser esclarecida –, o leitor deve ter o domí-nio do que está sendo explicitado. Se, no texto, aparece um mendigo, que, na

verdade, é uma pessoa que tem poder, riqueza, mas que, para resolver umadeterminada situação, está somente se fazendo passar por mendigo, isso deveser explicado.

Observamos, portanto, que a coerência é fundamental para a comunicação, poisquando um texto apresenta uma das formas anteriores de incoerência fica evidente,para o leitor, que algo não está funcionando na narrativa.

Coerência figurativa

É a articulação harmônica das figuras do texto com base na relação de significadoque mantêm entre si. As figuras devem constituir um bloco temático. A ruptura podeproduzir efeitos desconcertantes – às vezes, essa ruptura produz a sátira, a ironia, aridicularização. Por exemplo: Num convite para festa, está explicado que o traje será àvontade e a festa ao ar livre, uma pessoa que compareça de smoking ou com vestidolongo de seda pura, estará em desarmonia, perto do ridículo.

Coerência argumentativaOcorre quando, no texto, há um jogo de pressupostos, dados e inferências, de que

se tiram conclusões que conduzem para onde se deseja chegar. Se os pressupostosnão permitirem as conclusões desejadas, há a incoerência argumentativa. É precisosempre ter em mente a que conclusão se deseja chegar. Por exemplo: Um chefe querque seus subalternos cumpram horários, sejam pontuais. Além de estabelecer esseshorários claramente, ele também deve dar o exemplo para que haja coerência.

Toda linguagem é argumentativa, porque desejamos que o interlocutor aceite

nossos pontos de vista. Por isso, é fundamental desvendar, no texto, os pressupostos esubentendidos, além de manter a coerência de atitudes diante do que afirmamos.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 49: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 49/151

Conhecimento de mundoEntendemos por conhecimento de mundo nossa experiência de vida. Alguns

autores usam a expressão biblioteca vivida, outros, repertório de ideias. Vamos usar aexpressão que é usada por Koch.

O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência:se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentidoe ele nos parecerá destituído de coerência. É o que aconteceria a muitos se nos defrontássemos comum tratado de física quântica. (KOCH, 1995, p. 60)

Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomamos contato com omundo que nos cerca e experienciamos uma série de fatos. Mas, ele não é arquivadona memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocosque se denominam modelos cognitivos. Segundo Koch e Travaglia (1995, p. 60), existemdiversos tipos de modelos cognitivos. Entre eles, vale citar:

 Os frames – conjuntos de conhecimentos armazenados na memória debaixode um certo “rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles.” Ex.: Carna-val: confete, serpentina, desfile, escola de samba, bloco, fantasia, abadá, baileetc.

 Os esquemas  – conjuntos de conhecimentos armazenados em sequênciatemporal ou causal. Ex.: pôr um aparelho a funcionar, a rotina do dia de cadapessoa.

 Os planos – conjunto de conhecimentos sobre como agir para atingir deter-minado objetivo. Ex.: como vencer uma partida de xadrez.

 Os scripts – conjunto de conhecimentos sobre modos de agir, altamente es-tereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem. Ex.: formasde cortesia, as praxes jurídicas.

 As superestruturas ou esquemas textuais  – conjunto de conhecimentosobre os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção quetemos contato com esses tipos e fazemos comparação entre eles. Ex.: conse-guir decodificar as metáforas de um texto.

É importante que locutor e alocutário partilhem conhecimentos para que umtexto possa ter sentido e coerência. No caso do estudante, por exemplo, ele traz paraa academia um mundo de conhecimento e, a partir do estudo, novas informaçõesvão-se acrescentando. Dizemos que há a informação velha e a nova. Para que um textoseja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre o conhecimento de mundo e a in-formação nova. Se um texto contivesse apenas informações novas, seria ininteligível,pois faltariam ao alocutário as bases, as “âncoras” a partir das quais ele pode proceder

Page 50: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 50/15148

ao processo cognitivo do texto. Por outro lado, se houvesse apenas informação de co-nhecimento de mundo já dada, o texto seria redundante, isto é, seria um texto circular,próximo do círculo vicioso.

As inferênciasInferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o alo-

cutário de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos dotexto que ele busca compreender e interpretar.

Quase todos os textos exigem que se façam inferências para poder compreendê--los integralmente. Todo texto se assemelha a um iceberg – o que fica à tona é a parteexplicitada do texto e é uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja,implícito.

Ex.: Paulo comprou um Audi novinho em folha.

Que ideias podem estar implícitas nessa afirmação? Conforme o contexto, podemestar implícitas as seguintes ideias: Paulo tem um carro novo. Paulo tinha recursospara comprar o carro. Paulo é rico. Paulo é melhor companhia que você, que não temcarro.

Observe o diálogo:

– A campainha!

– Estou de camisola.

– Tudo bem!

As inferências permitem que o alocutário entenda:

– A campainha está tocando, vá atender.

– Não posso, estou de camisola.

– Tudo bem, deixe que eu atendo.Ao ler o texto do Professor José Luis Fiorin, publicado na revista Língua Portuguesa,

de setembro de 2009, você vai ver que perceber o que há em tudo aquilo que se apre-senta à nossa frente é um dos desafios da interpretação dos discursos implícitos.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 51: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 51/151

O dito pelo não dito A todo momento multiplicam-se os exemplos cotidianos que mostram como

o conteúdo implícito dos atos de fala comunica muito mais do que aparenta

José Luiz Fiorin

Na edição passada de Língua, mostramos que os conteúdos de nossos atos de

fala podem ser explícitos ou implícitos. Estes últimos são inferências. Classificam-se

em pressupostos e subentendidos. Vimos que os pressupostos são conteúdos implí-

citos que decorrem necessariamente de uma palavra ou expressão presente no ato

de fala produzido.

Assim o jornalista Mathew Shirts escreveu “[...] acabara, havia pouco, O homem

do Avesso, de Fred Vargas, um policial francês, mas interessante”. (O Estado deS. Paulo, 3/10/2005). Nessa frase há cinco informações explícitas:

(1) tinha acabado de ler um livro; (2) o livro era um romance policial; (3) o

romance foi escrito por Fred Vargas; (4) a autora é francesa; (5) o livro é interessante.

Da ligação com a conjunção adversativa “mas” decorre a informação implícita

de que todos os romances policiais franceses são chatos.

Observe-se que os conteúdos postos (explícitos) se constroem sobre os pressu-

postos. Se o autor não julgasse que os romances policiais franceses são chatos, nãohaveria nenhum sentido em notar que esse policial é francês e é interessante.

Analisemos agora os subentendidos. Em discurso proferido na Festa da Uva,

em Caxias do Sul, o presidente Lula disse:

– Vocês sabem que no Palácio da Alvorada, todas as recepções que nós damos

são com vinho brasileiro. E, obviamente, que, de vez em quando você vê gente

de outro país botar na boca e não sentir o mesmo gosto que sente se ele antes

passou na França para tomar um vinho francês de qualidade. (O Estado de S. Paulo,18/6/2006)

O que o presidente deixou subentendido é que o vinho brasileiro não é de boa

qualidade. O subentendido é uma informação implícita veiculada por um falante,

cuja atualização depende da situação de comunicação. Qual é a diferença entre o

subentendido e o pressuposto? Este é indiscutível tanto para o falante quanto para

Page 52: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 52/15150

o ouvinte, pois decorre necessariamente de um marcador linguístico. Já o subenten-dido é de responsabilidade do ouvinte. O falante pode refugiar-se atrás do sentidoliteral das palavras e negar que tenha querido dizer aquilo que o ouvinte inferiu.

No caso do presidente Lula, quando alguém lhe declarasse que ele afirmaraque os vinhos brasileiros não têm boa qualidade, ele poderia simplesmente dizer

que apenas estava constatando que as pessoas sentem que têm um gosto diferentedaquele do vinho francês. No entanto, na situação de comunicação em que o pre-sidente formulou essa constatação (um almoço oferecido por produtores de vinho,em que afirmou que nas refeições oficiais do governo brasileiro só se serve vinhobrasileiro) nota-se que as pessoas sentem um sabor diferente do vinho francês dequalidade, quando provam a bebida servida no Palácio. Por isso, pode-se perfeita-mente inferir que o presidente não tem em alta conta o produto nacional.

No caso, certamente se trata de um deslize no improviso da fala, mas o suben-

tendido é utilizado, argumentativamente, para que o falante diga alguma coisa semcomprometer-se, pois ele apenas sugere, diz sem dizer.

O pressuposto é uma inferência que não depende do contexto, enquantoo subentendido está ligado à situação de comunicação em que o ato de fala éproduzido.

A insinuação e a alusão são dois tipos de subentendidos. O primeiro é um im-plícito maldoso (por exemplo, em “X cuida muito bem de seu dinheiro, conseguiu,depois que entrou na política, aumentar seu patrimônio vinte vezes”, está-se insi-

nuando que X é corrupto, mas o falante pode dizer que está apenas fazendo umaconstatação objetiva e tirando a conclusão de que X é um bom aplicador de seudinheiro).

A alusão é um subentendido de conteúdo licencioso, com conotação sexual; éa referência a um fato do conhecimento de apenas alguns dos envolvidos na trocaverbal ou é a remissão a conteúdos de outros atos de fala (por exemplo, em “Y é umamoça, mas uma moça mesmo”, pode-se inferir que o falante não quis dizer que Y ébem educado e homossexual, quando o governador Alckimin disse que, no seu go-

verno, o Brasil vai “crescer pra chuchu”, está fazendo remissão ao apelido que lhe foidado no jornal Folha de S. Paulo por José Simão, “picolé de chuchu”).

Os implícitos têm função argumentativa muito importante: os pressupostos apre-sentam como verdade indiscutível o que não é necessariamente incontestável, apri-sionando o interlocutor na lógica criada pelo falante; com os subentendidos, o falantediz, mas sem dizer; não se compromete com o que insinuou, com o que sugeriu.

José Luis Fiorin é professor de Linguística na USP e autor, entre outros, do livro Lições de Texto.    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 53: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 53/151

Você imagina se tivéssemos que dizer tudo sempre, sem os pressupostos e ossubentendidos, sem as alusões e as insinuações? Teríamos uma linguagem redundante,repetitiva. É muito importante investigar o que há por trás do dito, o que não está sendodito, mas está com efeito de sentido e pode ser apreendido num texto, numa fala.

PRÁTICA

 Analise a coesão e coerência presentes (ou ausentes) nos textos a seguir:

 Vamos fazer uma experiência, seguindo a orientação proposta para o conto aseguir: procure os operadores argumentativos e seu significado;

 Estabeleça o tipo de coerência ou incoerência encontrada no texto;

 Em caso de incoerência, proponha uma forma coerente;

 Demonstre a presença de implícitos, identificando os pressupostos esubentendidos.

Cenas de um casamento

(CERCATO, Nilza C. S., 2001)

Ao acordar, pela manhã:

– Eu não suporto mais! Você é incapaz de colocar a toalha molhada no banhei-

ro, deixa sempre em cima da cama!

– Eu é que não suporto mais suas reclamações. Você só sabe reclamar...

– Mas claro. Olha como você deixa suas roupas jogadas pela casa toda! Ai, achoque a gente não se entende mais.

– Que porcaria de café é esse, mulher? Frio, fraco, pão velho, manteiga dura decongelada! Que droga!

Ao meio-dia, durante o almoço:

– Você podia ter adiantado a arrumação da mesa para me ajudar. Eu tenho quefazer tudo nesta casa, e ainda preciso trabalhar...

– Tá bom... pare de reclamar. Acho que a gente não se entende mais. Eu nãoconsigo te agradar, nada do que faço te satisfaz.

Page 54: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 54/15152

– Não é bem assim... É que você é um egoísta, só pensa no seu conforto.

– Ah! Que horror, como você tem coragem de servir uma comida dessas? Saldemais, carne torrada, arroz “unidos venceremos”. Puxa, mulher...

– Achou ruim, vá comer no restaurante, ora.

À noite, após o jantar:

– Vamos para cama, estou cansado, tive um dia difícil.

– Eu também. Meu chefe estava complicando tudo.

No quarto:

– Luz acesa ou apagada?

– Você que sabe.

– Vamos deixar acesa, tá bom?

– Certo.

Depois de uns quinze minutos, muitos gemidos e suspiros:

– É acho que a gente ainda se entende, não é querido?

– E como, meu amor.

Numa primeira leitura parece-nos incoerente o casal chegar à conclusão de queainda se entendem, uma vez que as queixas são constantes e os resmungos de parte aparte desafiam a convivência pacífica.

Para manter a coerência foi usada uma unidade temporal: cena pela manhã, aomeio-dia, após o jantar. Essa divisão em cenas dá coesão ao texto. As duas primeirascenas dão ênfase para o desentendimento do casal, nas pequenas rotinas que cons-tituem a vida a dois. A frase “acho que a gente não se entende mais” que aparece nas

duas cenas preparam o leitor para um desfecho que seria o fim do casamento. Noentanto, para surpresa do leitor, na última cena, a esposa afirma: “acho que a genteainda se entende” ao que o marido responde: “e como, meu amor”.

Pelo desenrolar das cenas, verificamos que o texto apresenta coerência por meiodos implícitos e subentendidos, além do conhecimento de mundo.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 55: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 55/151

Agora você: O que você acha que tornou o texto coerente?

Continuando a especulação, pela cena depois do jantar, há coerência na afir-mação do casal de que eles ainda se entendem?

Leia o período que se segue:

Chegaram instruções repletas de recomendações para que os enfermeiros e fo-noaudiólogos participantes do congresso, que, por sinal, acabou não se realizandopor causa de fortes chuvas que inundaram a cidade e paralisaram todos os meios decomunicação.

É compreensível conteúdo?

Qual é o seu grande defeito?

Dê coesão e coerência à notícia, redigindo o texto claramente.

(Se tiver dúvida, consulte a tutoria)

Escrever bem é fruto de exercício, ler produzindo sentidos da leitura também. Masnão o fazemos no espaço, sempre temos à mão recursos que nos apoiam, facilitamnossa compreensão. Esta aula trata especificamente desses recursos, use-os e vocêterá garantido o sucesso no seu empreendimento de leitor e de escritor.

Síntese

Observamos e analisamos textos em que a coerência e a coesão são fundamen-tais para estabelecer o sentido. Também vimos como os implícitos compõem o quadrocomunicativo, sinalizando para a cooperação do leitor. Constatamos que não menosimportantes são os operadores argumentativos que introduzem as ideias que se su-bordinam à principal. Além disso, verificamos que o conhecimento de mundo facilita acompreensão e apreensão do sentido.

Questão para reflexão

Comente a seguinte afirmação: Coesão e coerência são duas faces do mesmofenômeno.

Page 56: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 56/15154

Leitura indicada

Para complementar o seu estudo, leia: “A construção do sentido no texto: a coesãoe a coerência”. Você encontra esse capítulo em: KOCH, Ingedore G. Villaça. O Texto e aConstrução de Sentido. São Paulo: Contexto, 2000. p. 35.

Site indicado

<www.foa.org.br/cadernos/edicao/04/57>.

Referências

CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Fename,1982.

ESOPO. Enciclopédia Universal da Fábula. v. 3. Porto Alegre: L&pm Pocket. 1997.

FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o Texto. São Paulo: Ática, 1997.

GREGOLIN, M. (Org.). Filigranas do Discurso: as vozes da história. Araraquara: FCL/Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000.

JOBIM, Tom. Águas de Março. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tom- jobim/49022/>. Acesso em: 5 jan. 2012.

KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual. São Paulo:Contexto, 1995.

KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto,2000.

______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

    C   o   e   s    ã   o   e   c   o   e   r    ê   n   c    i   a    /   r   e   v    i   s   a   r   c   o

   n   e   c   t    i   v   o   s

Page 57: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 57/151

Page 58: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 58/151

Page 59: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 59/151

Fala e escrita, variação, registro,

níveis de formalismoSeria interessante saber do que o homem tem mais medo:

se dar um novo passo ou pronunciar uma nova palavra.

Hannah Arendt 

Nesta aula, vamos trabalhar com as distinções entre fala e escrita. Para tanto,veremos os níveis de fala, a linguagem formal e informal, dando ênfase especial às

variações linguísticas.

Você já ouviu dizer que se pode falar de qualquer jeito, por isso a linguagem oralé menos correta que a escrita? Você concorda com isso? Vamos ver como será sua opi-nião ao final desta aula.

Fala e escrita

As gramáticas tratam, em geral, das relações entre fala e escrita tendo comoparâmetro a língua escrita. Esse procedimento dirige para uma visão um tanto precon-ceituosa, valorizando a língua escrita como a fonte, quando, na verdade, o indivíduoaprende, em primeiro lugar, a fala e depois a escrita.

Quando a criança entra na escola, mesmo nos anos iniciais, já domina a fala, expõesuas opiniões, tem consciência de proximidade, distância inclusive de tamanho. Nessaperspectiva, é preciso verificar:

 como se processa a linguagem oral, isto é, como funciona a linguagem oral;

 quais os pontos de contato e afastamento entre a linguagem oral e a escrita;

 quais os componentes em evidência no ato de fala e na escrita, quer dizer, o queé evidente no momento da fala e no ato de escrever, mas, principalmente;

 como se tecem as habilidades orais e escritas na estrutura da língua, como nósusamos nossa capacidade de comunicação oralmente e na escrita.

Page 60: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 60/15158

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Quando Marcuschi, que é um linguista que se dedica ao estudo da linguagem oral,aprofunda o estudo das marcas conversacionais, em Análise da Conversação (1986), aolongo da obra, mostra como se comete o equívoco de considerar a fala como um lugarde linguagem errada. Na verdade, segundo ele, os gramáticos estão confundindo alinguagem falada com a linguagem escrita, que deve seguir determinados códigos. Oque se pode falar é em linguagem diferente e não linguagem errada.

Também Marcos Bagno, (1999, p. 52-53) analisa o mito de que “[...] o certo é falarassim, porque se escreve assim”, evidenciando as diferenças entre a fala e as “forçasinternas que governam o idioma”.

Como se vê, é comum a valorização da escrita em detrimento da fala.

Pensamentos como esses decorrem do fato de se associar a fala com um dosníveis de uso da linguagem, ou seja, toma-se a fala como sinônimo de informalidade.Na verdade, tanto a fala como a escrita se encaminham do nível mais informal ao mais

formal, passando por graus intermediários.Como vimos na primeira aula, em toda a comunicação, devemos considerar quem

fala e para quem se fala. Um mesmo indivíduo em situação diferente muda o registro,o nível de fala. Por exemplo: um empresário em reunião de negócios usa um nível delinguagem; já estando em família, ao falar com o filho pequeno, o nível será outro.

Para marcarmos as diferenças entre fala e escrita, vamos apresentar algumascaracterísticas que marcam essas modalidades.

A fala apresenta as seguintes características:

 Pressuposição de um ouvinte – a comunicação é imediata, logo, na lingua-gem oral, há um falante e um ouvinte. Até mesmo naquele caso em que ofalante diz que “fala com seus botões”, para dizer que está falando sozinho, hánecessidade de um ouvinte.

 Rapidez na enunciação  – pensa-se e logo se enuncia, não há elaboraçãovocabular. Quando há diálogo, a fala acontece com naturalidade.

 Comunicação em que não há fontes para pesquisa – fala-se o que se sabe

ou se tem em mente, o que se diz é fruto de um saber e, se houver dúvida, opróprio interlocutor, no caso, o ouvinte, esclarece no momento da fala.

 Possibilidade de explicações, em caso de turnos de fala – os pontos quetiverem ficado obscuros podem ser explicados. Por turnos de fala entende-seque, num diálogo, ou conversa de grupo, cada locutor fala e dá espaço paraque outro falante tome a palavra.

Page 61: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 61/151

 Retomadas, repetições e explicações, ainda em turnos de fala – o interlo-cutor retoma, repete e explica conforme o seu desejo.

A escrita, por sua vez, apresenta:

 Presença de um leitor – sem, necessariamente, a presença física do autor, e

mais, entre o momento da escrita e o tempo da leitura pode acontecer distân-cia no tempo e no espaço;

 Produção reflexiva – deve-se ter um plano de escrita, visto que, de acordocom a estrutura desejada, construímos um projeto do que vamos escrever epodemos recorrer a outros textos a fim de fundamentar as ideias;

 Revisão do texto – as reescritas serão marcas propostas pelo próprio produ-tor do texto;

 Texto à disposição do leitor – depois de considerado pronto pelo autor e

publicado, o texto fica à disposição do leitor, sem que o autor tenha domíniosobre as consequências. Um exemplo que deixa clara essa característica acon-teceu no filme “O poeta e o carteiro”. O poeta Pablo Neruda compôs um poemade exaltação de sua esposa. Para conquistar a namorada, o carteiro copia opoema e o dedica à moça. Quando o poeta soube, disse que ele não podiafazer isso, porque aquele poema era para outra mulher, e não a namoradado carteiro. Então, o carteiro respondeu: um poema serve para quem precisadele. O poeta riu e assentiu;

 Possibilidade de escritas e reescritas – muitas vezes, as escritas e reescritassão dependentes da autocrítica ou de posições do leitor; aliás, o segredo debem escrever é reescrever até que o autor se sinta satisfeito.

Pode-se, pois, apresentar as duas modalidades da seguinte forma:

 usamos a linguagem oral em diálogos, bate-papos, entrevistas, palestras, situ-ações conversacionais;

  já a linguagem escrita está presente em nossa vida no artigo científico, nasdissertações, nas cartas, nas composições poéticas, nos contos, nas crônicas,

nos romances etc.

Se compararmos, linguisticamente, fala e escrita, veremos que a fala é mais livre,com expressões dinâmicas, enfatizadas pela expressão corporal, tom da voz, pausas,digressões, às vezes, alguns cacoetes, como “né”, “então”. Por outro lado, a escritaexige maior domínio da língua culta, não se admitem erros de grafia, de concordânciae outros; a estrutura deve ser coerente, a coesão entre as partes do texto deve ficarevidente.

Page 62: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 62/15160

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Variações linguísticas numa

perspectiva sociolinguísticaPartimos do pressuposto de que o caráter social da língua já foi demonstrado ao

longo dos textos que estudamos. Importa, agora, saber que entre língua e sociedadehá uma relação intensa.

Diz Preti (2000, p.11-12):

Desde que nascemos, um mundo de signos linguísticos nos cerca e as possibilidades comunicativasse tornam reais a partir do momento em que começamos a formular nossas mensagens. E durantetoda nossa vida em sociedade, o intercâmbio se fará, fundamentalmente, pela língua.

[...]

Sons, gestos, imagens, diversos e imprevistos, cercam a vida do homem moderno.

Por outro lado, linguagem oral e escrita, verbal e não verbal constituem-se emsituações de contato com o mundo de forma permanente e atualizada. Dessa forma, alíngua passa a ser o suporte de uma dinâmica social que compreende relações diárias,atividade intelectual, fluxo de informações dos meios de comunicação de massa.

É por meio da língua que a realidade se apresenta, com signos, significantes esignificados. Basta pensarmos que tudo o que existe é linguagem, se algo não tem re-presentação na linguagem não existe. Nossos sonhos acontecem com palavras, nossospensamentos são palavras. Tudo o que existe é nomeado, o que não puder ser nome-ado não existe.

Como exemplo do processo vital que envolve língua e sociedade, diz Urban:

[...] a vida meramente vivida não tem sentido. Poder-se-ia pensar que somos capazes de apreenderou intuir diretamente a vida, mas seu sentido não pode captar-se nem expressar-se a não ser numalinguagem, seja ela qual for. Tal expressão ou comunicação é parte do próprio processo vital. [...]Num sentido bem objetivo, os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. (URBAN,1953 p. 13 apud  PRETI, 2000, p. 14)

Vamos refletir um pouco sobre a última frase: “[...] os limites da minha linguagemsão os limites do meu mundo”. De modo especial, o autor nos mostra qual é o limite de

nosso mundo a linguagem. Quanto mais pudermos nos apossar das palavras, sermosseres de linguagem, mais o nosso mundo se alarga, mais desenvolveremos nossoprocesso vital.

Por isso, para dar conta da diversidade linguística, vamos identificar suas dimen-sões que, em princípio, são três: a dimensão do locutor, (aquele que fala ou escreve),do alocutário (aquele com quem se fala ou o leitor) e do contexto situacional (quemdiz o quê, para quem, onde e quando). O lugar que os interlocutores ocupam no pro-cesso de comunicação estabelece o tipo de linguagem que será usada. Por que alguém

Page 63: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 63/151

escolhe determinada palavra e não outra em situação de comunicação? Todas as pes-soas daquele local ou daquele grupo social usam a mesma palavra na mesma situa-ção? Há um significado social nessa escolha? Essas questões, entre outras muitas quese podem fazer, dão a dimensão da variedade e diversificação linguística.

Pense em uma situação em que você expressou a mesma ideia, mas precisou usar

palavras diferentes porque a situação de fala era outra. O que estamos apresentandoé algo que é parte de nossas vidas constantemente, uma rotina tão cotidiana que nemnos damos conta.

Quadro de variedades

Entendemos por variedades as diversas linguagens que usamos conforme asituação. Veremos as variedades sincrônicas, as que são usadas no tempo presente,por isso se diz num mesmo plano temporal; e as variações diacrônicas, mudanças que

acontecem em tempos diferentes, por exemplo, a linguagem de nossos avós é diferen-te da nossa.

 Variedades Sincrônicas  (simultâneas, observáveis num mesmo plano tem-poral). Devem-se a:

 Fatores geográficos – dialetos ou falares próprios em uma região, vila oualdeia. Será que se fala a mesma linguagem no Rio Grande do Sul e no RioGrande do Norte? Veremos que há termos que são diferentes para designara mesma situação.

 Fatores socioculturais – família, classe, padrão cultural, atividades habi-tuais. Classes sociais diferentes apresentam formas diferentes de comuni-cação; por outro lado, conforme a profissão que o indivíduo exerce, podetrazer palavras do trabalho para a linguagem cotidiana.

 Fatores estilísticos – variação observada de momento para momento naatividade linguística de um único sujeito, vista como uma adequação queo mesmo realiza, constituindo-se na satisfação de necessidades cognitivaspróprias de seus atos verbais. Vem a ser a forma como cada indivíduo cons-

trói sua comunicação para ficar adequada à situação de fala. Por exemplo,em uma conferência, há uma variedade de linguagem, no contato familiar,outra.

 Variedades Diacrônicas (as variedades dispostas em vários planos de uma sótradição histórica).

Page 64: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 64/15162

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Trata-se de pesquisar as variações ocorridas em diferentes períodos históricos. Porexemplo, a variação de uma palavra no português medieval, depois no período dosoitocentos e na modernidade.

Vamos a um exemplo usando a palavra “embora” numa visão diacrônica. No séculoXIX, dizia-se “em boa hora”; modernamente, usa-se “embora” mas, na fala de jovens,

hoje, pode-se ouvir “bora” ou até “bó”.Algumas considerações:

 A linguagem toma diferente colorido segundo o tema da conversação:maior paixão, ou indiferença, se detecta pelas palavras escolhidas aocomunicar.

 A escolha das palavras, considerando a situação em que fala e para quem oindivíduo se dirige, também traz variações na linguagem.

 Uma nova compreensão da noção de erro surge no momento em que seconsidera a situação de fala, ou a temporalidade da mesma, ou ainda, oregistro usado para comunicar.

 Um indivíduo entra em contato com uma diversidade linguística diariamen-te, em situações diferentes, e não só compreende como também produz.Para isso, basta estar se comunicando em um grupo social variado.

Chegamos à conclusão de que não existe uma linguagem única, há muitas varian-tes, situações adequadas para cada variação, uma linguagem para cada situação.

Variedades geográficas ou diatópicas

Esse tipo de variedade ocorre num plano horizontal da língua, na concorrênciadas comunidades linguísticas, sendo responsáveis pelos chamados regionalismos,provenientes de dialetos ou falares locais. Entende-se por dialeto qualquer variaçãode grupo, na língua, de natureza geográfica ou cultural. Assim, no Brasil, teríamos umdialeto amazônico, nordestino, baiano, fluminense etc. Veja um exemplo:

A família havia se mudado do Rio Grande do Sul para a Bahia. Eles não conhe-ciam ninguém em Salvador. O que sabiam da Bahia era o que haviam lido em JorgeAmado.

Para se situar na cidade, a leitura do jornal é uma ajuda poderosa. Eis que umdia, num anúncio está escrito: “Troco beijo por cheiro”. Anúncio sintético como deve

Page 65: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 65/151

ser um classificado de jornal. Ana Rosa, a mãe, ficou pensativa, como alguém pode-ria trocar um beijo por um cheiro? Nessa questão, uma vizinha sempre resolve.

Quando interrogada sobre o sentido do anúncio, a vizinha respondeu: Ah! Éuma proposta para a troca de mortalha, do bloco de carnaval Beijo pelo Cheiro deAmor.

– Mortalha? Na linguagem da gaúcha, mortalha é a roupa com que se enterrao defunto.

– É.

Aí ficou evidente, “com essa roupa vou brincar até morrer” metaforicamente,claro. Isso em 1980, porque, hoje, ninguém mais diz mortalha para a roupa do blocode carnaval. Agora é abadá.

E qual o significado de abadá? Em nagô, é um camisolão folgado, no estilo daroupa oficial de Nigéria; também é o nome do uniforme do capoerista. Em árabe,significa grande derrota ou escravo. Em hebraico, o sentido é de pai, de guia.

Qual será o sentido que mais se aplica ao abadá do carnaval baiano? Só quemsai no bloco pode saber.

Nilza Cercato

Mas a oposição fundamental com relação às variedades geográficas está entrelinguagem urbana/linguagem rural: a primeira, cada vez mais próxima da linguagemcomum, pela influência de fatores culturais, como escola, meio de comunicação demassa; a segunda, mais isolada e conservadora, pode extinguir-se ao longo do tempocom a chegada do progresso e da tecnologia. Com a televisão e a internet, essa lingua-gem pode desaparecer, podendo-se perder uma riqueza em comunicação. Há um mo-vimento de pesquisa cujo interesse é preservar o dialeto dos pequenos grupos rurais.

Variedades socioculturais ou diastráticasOcorrem num plano vertical, isto é, dentro da linguagem de uma comunidade

específica urbana ou rural. Essas variações podem ser influenciadas por fatores ligadosdiretamente ao falante ou à situação ou a ambos simultaneamente.

As variações socioculturais devem ser consideradas segundo os aspectos aseguir:

Page 66: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 66/15164

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

 Idade – refere-se à linguagem jovem, linguagem infantil e linguagem adulta.São realizadas análises com intuito de identificar o que uma difere de outraslinguagens, como e quando é usada.

 Sexo – diz respeito à oposição entre a linguagem do homem e a da mulher.Estudos mostram de que forma a linguagem revela o preconceito de gênero

numa sociedade e como os meios de comunicação de massa expressam certostabus em relação ao feminismo e machismo.

 Raça (ou cultura) – corresponde às variações que são fruto de fatores etnológi-cos. No Brasil, por exemplo, as variações em regiões de maior imigração negra,ou de maior imigração europeia.

 Profissão – diz respeito à linguagem técnica em que o locutor utiliza vocá-bulos referentes à atividade que exercem. É rica a variação entre vendedoresambulantes, jogadores e comentaristas de futebol, entre outros profissionais.

 Posição social – o status do locutor determina a linguagem que vai usar. Umpolítico tem uma expressão, um dirigente industrial ou um servente de pe-dreiro também, isto é, a linguagem varia de acordo com a cultura, posiçãosocial e instrução.

 Grau de escolaridade – uma simples frase falada ou escrita já revela a capa-cidade de reflexão, de escolha de variações mais cultas, conforme o grau deinstrução do locutor.

Como podemos verificar, há uma enorme variedade de linguagem e, como dis-semos no início, essas variações levam em consideração quem fala ou escreve, paraquem se fala ou se escreve e em que situação está acontecendo a fala ou a escrita.

A questão da diglossia

Nem sempre é possível notar, claramente, as variações de dialetos socioculturais,no entanto é possível estabelecer a existência de, pelo menos, duas variedades quecoexistem numa mesma comunidade, cada uma desempenhando papel específico. É

a chamada diglossia. Temos uma linguagem culta ou padrão e uma linguagem popularou subpadrão. A primeira tem maior prestígio e se usa em situações de maior formali-dade; a segunda, de menor prestígio, é empregada nas situações coloquiais, de menorformalidade. Assim, se o locutor está em uma aula universitária ou numa conferênciausará a linguagem padrão, e esse mesmo locutor, numa situação de conversa entreamigos ou em família, usará a linguagem popular ou coloquial.

Page 67: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 67/151

Uso e características dos dialetos sociais (diglossia)

Vamos ver, a seguir, aspectos relacionados ao emprego do dialeto culto e do dia-leto popular:

Padrão linguístico formal

 Maior prestígio;

 Situações mais formais;

 Falantes cultos;

 Literatura e linguagem escrita;

 Sintaxe mais complexa;

 Vocabulário mais amplo;

 Vocabulário técnico;

 Maior ligação com as regras gramaticais e com a língua dos escritores. (PRETI,2000, p. 36).

Dialeto popular

 Subpadrão linguístico;

 Menor prestígio;

 Situações menos formais;

 Falantes do povo menos culto;

 Linguagem escrita popular;

 Simplificação sintática;

 Vocabulário mais restrito;

 Gíria, linguagem obscena;

 Fora dos padrões da gramática tradicional. (PRETI, 2000 p. 36).

Em geral, na escrita, usamos o dialeto culto e na fala, o dialeto popular. Fazemosesses usos tão naturalmente que se tornam rotineiros.

Page 68: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 68/15166

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Variações devidas à situação/níveis de fala ou registros

Essa variação diz respeito ao uso que o locutor faz da língua e de suas variedades,em função da situação, entendida como influências determinadas pelas condiçõesextraverbais que cercam o ato da fala. A presença física do ambiente em que a conver-

sação ocorre pode ocasionar um nível de linguagem diferente dos hábitos normais dolocutor. Nesse caso, estão presentes: o grau de intimidade entre os interlocutores, oselementos emocionais que podem alterar a linguagem, levando o locutor até o trunca-mento da frase. Daí surgem os chamados níveis de fala ou registros.

Vejamos o que caracteriza cada nível:

Nível Formal

 Situações de formalidade;

 Predomínio de linguagem culta;

 Comportamento linguístico mais tenso e mais refletido;

 Vocabulário técnico.

Você deve ter notado que é um nível mais elaborado e refletido, exigindo domí-nio da norma culta.

Nível Coloquial

 Situações familiares ou de menor formalidade; Predomínio de linguagem popular;

 Comportamento linguístico mais distenso;

 Presença de gírias;

 Linguagem afetiva, expressões obscenas.

É como falamos em situações cotidianas, sem grandes preocupações com o nívelformal. Veja, a seguir, um texto que exemplifica as variações linguísticas.

Page 69: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 69/151

O sotaque das mineiras (excertos)

Carlos Drummond de Andrade

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.

Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como éque o falar lindo (das mineiras) ficou de fora? (...)

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.

Preferem abandoná-las no meio do caminho, não dizem:

pode parar, dizem: “pó parar”.

Não dizem: onde eu estou?, dizem: “ôncôtô”.

Os não mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e leviana-mente, que os mineiros vivem linguisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não. (...)

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar praoutra:

– “Cê tá boa?”.

Para mim, isso é pleonasmo.Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulhercasada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:

– “Mexe” com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria etc.).

O verbo “mexer”, para os mineiros, tem os mais amplos significados.Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.

Querem saber o seu ofício.

“Sôcê” (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

Page 70: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 70/15168

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

– “Aqui”, não vou dar conta de chegar na hora, não, “sô”. [...]

Mineiras também não dizem apaixonada por.

Dizem, sabe-se lá por que, “apaixonada com”.

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora:

– Ah, eu apaixonei “com” ele...

Ou: – Sou doida “com” ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).

Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe.

É um tal de “bonitim”, “fechadim”, e por aí vai.

Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares dasmineiras.

Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a

oficial esteja com a razão.

Se você, em conversa, falar:

– Ah, fui lá comprar umas coisas...

– “Que’ s coisa?” – ela retrucará.

O plural dá um pulo.

Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um “pelas metade”,

no lugar de “pela metade”. [...]

Até o tchau, em Minas, é personalizado.

Ninguém diz tchau pura e simplesmente.

Aqui se diz: “tchau pro cê”, “tchau pro cês”.

Page 71: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 71/151

É útil deixar claro o destinatário do tchau.

Trem bão também demais sô [...]

Proposta de trabalho (em grupo): Organizar um seminário sobre variações

linguísticas.

Projeto para desenvolver um seminárioCostuma-se apresentar trabalhos de pesquisa ou de análise na forma de seminá-

rio, mas nem sempre sabemos como devemos proceder, ou quais serão os critérios deorganização dessa atividade. Assim, a seguir, você vai encontrar uma orientação paraseu próximo seminário.

O que é um seminário

Trata-se de uma atividade acadêmica, com características de evento que objetivaa reflexão sobre o tema, com análise de textos, aprofundando o tema dado, para umaposterior apresentação oral, em grupo.

Para desenvolver o projeto coletivo

 Preparar disciplinadamente; Construir o conhecimento;

 Contribuir concreta e especificamente para a realização do trabalho;

 Questionar sistematicamente as contribuições e conclusões, acatando asideias dos componentes do grupo;

 Fundamentar a argumentação;

 Participar ativamente das discussões e buscar consenso por parte de todos os

participantes da equipe; Eleger um coordenador que deverá zelar pelo andamento satisfatório doalcance dos objetivos, estimulando a participação de todos, impedindo quealguém se omita;

 Eleger um relator, que deverá registrar de maneira elaborada as contribuiçõesdos membros do grupo;

 Lembrar sempre: todos são responsáveis pelo resultado final a ser apresentado.

Page 72: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 72/15170

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Critérios de elaboração

 Adequação ao público;

 Delimitação e unidade do tema;

 Sequência lógica;

 Pertinência dos subtemas abordados;

 Planejamento da extensão e tempo dedicado a cada subtema;

 Clareza e simplicidade dos argumentos e evidências;

 Precisão e objetividade na apresentação dos resultados e conclusões.

Exposição

 Introdução – apresentar a trajetória expositiva, visão geral do que vai serdiscutido;

 Metodologia – como o estudo foi desenvolvido, enfocando os fundamentos;

 Resultados – é o corpo do trabalho, a parte a ser bem destacada;

 Discussão – exposição convincente, com credibilidade, evitando repetições;

 Conclusões – as fundamentações do trabalho.

Características de uma boa apresentação

 Concisão, clareza e correção do vocabulário empregado;

 Uso da terminologia específica convencional da respectiva área;

 Adequação da linguagem ao público, observando o tempo disponível;

 Elaboração prévia de um plano expositivo;

 Entusiasmo, competência e domínio do assunto a ser exposto;

 Abordagem original.Nossa proposta

 Dividir a turma em quatro grupos, compostos de cinco ou seis acadêmicos;

 Dar um nome para cada grupo;

 Sortear os assuntos (durante o encontro para desenvolver o projeto);

Page 73: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 73/151

 Combinar a data de apresentação;

 Todos os participantes devem falar e apresentar-se no seminário;

 Após exposição oral, deve ser apresentado o texto escrito.

Concluindo

O seminário é um recurso pedagógico de grande valia, quando todos se em-penham para realizar o melhor trabalho possível. Em geral, os testemunhos são deque a aprendizagem se fez de modo agradável, principalmente pela interação entrecolegas.

Em relação às variações linguísticas, sugiro que você fique atento aos vários lin-guajares, livre de preconceitos, pensando na comunicação que se enriquece com todasas possibilidades.

Síntese

Vimos, nesta aula, como o Brasil, tendo um único idioma, pode apresentar varia-ções típicas de cada estado. Um exemplo é o dicionário baianês, em que são elencadasas variações da Bahia. Chamo a atenção parafraseando o que diz o Prof. Marcuschi:tanto para a escrita como para a fala há regras, e não se pode considerar a linguagemoral como uma linguagem de erro.

Questão para reflexão

Reflita sobre o que afirma Marcos Bagno (2005, p. 203):

A unidade linguística do Brasil é um mito: em nosso país, além das línguas indígenas e das línguastrazidas pelos imigrantes, fala-se diferentes variedades da língua portuguesa, cada uma delas comcaracterísticas próprias, com diferenças em seu status social, mas todas com uma lógica linguísticafacilmente demonstrável.

Leitura indicada

Para entender melhor como funcionam as variações linguísticas, sugiro que leiao capítulo “Pondo a mão na massa”, do livro A língua de Eulália, de Marcos Bagno,publicado pela editora Contexto, em 2005.

Page 74: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 74/15172

    F   a    l   a   e   e   s   c   r    i   t   a ,   v   a   r    i   a   ç    ã   o ,   r   e   g    i   s   t   r

   o ,   n    í   v   e    i   s    d   e    f   o   r   m   a    l    i   s   m   o

Sites indicados

<www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/.../art06_irande>.

<www.youtube.com/watch?v=kZ6dhChLUDY>.

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Ed. Loyola,1999.

______. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Loyola, 2000.

______ A língua de Eulália: uma novela sociolinguística. São Paulo: Contexto 2005.

MARCUSCHI, L. A. A concepção de língua falada nos manuais de português de 1.º e 2.ºgraus: uma visão crítica. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas,SP, UNICAMP/IEL, n. 30, 1997.

______. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. 2. ed. São Paulo: Cortez,2001.

MARCUSCHI, L. A. A Linguística do Texto: o que é como se faz. Recife: UFPE, 1983.Série Debates 1.

PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Editora da Universidade deSão Paulo, 2000.

Page 75: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 75/151

Page 76: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 76/151

Page 77: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 77/151

Tipos e gêneros textuais

Um herói é um homem que faz o que pode.

Roman Rolland 

Nesta aula, vamos trabalhar com os gêneros e tipos textuais, com as modalidadesdiscursivas, evidenciando suas características e a necessidade dessa classificação. Esseestudo é importante para que haja uma comunicação mais efetiva, além de economiade esforço e tempo.

Gêneros textuaisUm aspecto interessante da classificação dos gêneros e tipos textuais e discursi-

vos é o fato de que eles nos apontam uma direção de leitura. Por exemplo, ao lermosuma carta, sabemos o que esperar, pela própria prática de leitura. Bakhtin diz (1992,p. 279):

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade

humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discursoque vai diferenciando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

Quando fala em variedade virtual da atividade humana, prevê as possibilidadesde novas formas e novos gêneros que podem surgir. Um exemplo disso são os novosrepertórios de gêneros que apareceram por meio da internet.

Ao comparar a atividade humana com a esfera, faz lembrar o efeito que se obtémao jogar uma pedra em um lago, os círculos se alargam, se expandem. Assim acontececom os gêneros. Alguns desaparecem, depois retornam com variações, novos gêneros

surgem e se instalam.A primeira classificação de gênero se estabeleceu entre prosa e poesia, sendo que

a prosa aparecia em parágrafos e a poesia em versos. Mas sabemos que essa divisãofica limitada quando se pensa na obra de Guimarães Rosa, em que a prosa-poéticaestá presente. Por outro lado, com o advento do Modernismo, o verso livre abandonaalgumas características que eram exclusivas da poesia, como a rima e a métrica a favorda melodia do verso. Aí está o que Bakhtin (1992, p. 279) explicita “[...] à medida que aprópria esfera se desenvolve e fica mais complexa.”

Page 78: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 78/15176

Outra classificação que vem desde Platão é a distinção entre os gêneros líricos,épicos e dramáticos. Essa classificação, com algumas variações, permanece em nossosdias. O gênero lírico se caracterizaria pela presença da voz do autor somente. No gênerodramático, somente as personagens falam. No épico, autor e personagens têm direitoà fala.

Notamos que a classificação dos gêneros é algo construído ao longo do tempo.Por isso, vale lembrar que, além da literatura, a retórica também apresenta uma clas-sificação. Aristóteles dividiu a retórica em gêneros, que são até hoje fontes de conhe-cimento. Ele os classificou de acordo com o objetivo: o deliberativo, para julgar umaação futura; o judicial, para uma ação passada, e o epidíctico, em que o orador louvaou censura, exaltando o sucesso e condenando o fracasso.

Com essas classificações, evidencia-se que o estudo dos gêneros foi uma constan-te. Segundo Brandão (2003, p.19),

Esta diversidade de campos do saber voltados à questão do gênero tem resultado numa variedade deabordagens – o que se atesta pela metalinguagem utilizada; tem-se usado, às vezes, indistintamenteos termos: gêneros, tipos, modos, modalidades discursivas, espécies de texto e de discursos.

Com essas reflexões sobre gêneros e sua classificação histórica, justifica-se a ne-cessidade de uma organização, divisão, para, como dissemos no início, por meio dogênero, direcionar nossa leitura, pois, como vimos, eles são dinâmicos, por isso mesmonão são formas fechadas.

Maingueneau diz isso claramente (2002, p. 59-60):

Tais categorias correspondem às necessidades da vida cotidiana e o analista do discurso não podeignorá-las. Mas também não pode contentar-se com elas, se quiser definir critérios rigorosos. O rigornão impede, contudo, que se aceitem critérios variados, que correspondem a formas distintas deapreender o discurso.

Desse modo, os gêneros podem ser entendidos como um produto coletivo dosdiversos usos da linguagem e que se realizam de diversos modos, de acordo com asnecessidades comunicativas do dia a dia da comunidade.

Gêneros e tipologias na atualidadePodemos entender gêneros como os diversos tipos de discurso associados agrandes setores da atividade social de comunicação. Esses setores da atividade socialsão os canais pelos quais os tipos são apresentados. Maingueneau nos dá um exemploelucidativo (2002, p. 61):

Assim, o talk show  constitui um gênero de discurso no interior do tipo de discurso “televisivo” que,por sua vez, faz parte de um conjunto mais vasto, o tipo de discurso “midiático”, em que figurariamtambém o tipo de discurso radiofônico e o da imprensa escrita.    T

    i   p   o   s   e   g    ê   n   e   r   o   s   t   e   x   t   u   a    i   s

Page 79: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 79/151

Exemplos de gêneros discursivos: carta, convites, cartões de natal, de felicitações,telegramas, novela, piadas humorísticas, cinema, teatro, crônicas, resenhas, propagan-das, história em quadrinhos e assim por diante.

Notamos que os gêneros estão, conforme diz Maingueneau (2002, p. 61): “[...] emtodos os setores da atividade social”.

Vejamos o que diz Bakhtin (1992, p. 279):

Se os gêneros do discurso não existissem e se nós não tivéssemos o seu domínio e se fosse precisocriá-los pela primeira vez em cada processo da fala, se nos fosse preciso construir cada um de nossosenunciados, a troca verbal seria quase impossível.

À mesma ideia refere-se Maingueneau, quando diz (2002, p. 64):

Graças ao nosso conhecimento dos gêneros do discurso, não precisamos prestar uma atençãoconstante a todos os detalhes de todos os enunciados que ocorrem a nossa volta. Em um instantesomos capazes de identificar um dado enunciado como sendo um folheto publicitário ou comouma fatura e, então, podemos nos concentrar apenas em um número reduzido de elementos.

Notamos, então, como a identificação do gênero textual facilita a abordagemdo leitor ou do ouvinte. Mentalmente nos preparamos para o que vamos ler ou ouvir.Claro que, se houver algo diferenciado, refazemos nosso percurso ou identificamos umnovo formato. Esse comportamento é muito natural quando se dominam as formasdos gêneros textuais.

Veja o exemplo a seguir:

Receita de mãeNilza Cercato

Ingredientes:

– 5 xícaras de paciência

– 2 xícaras de dedicação

– 3 xícaras de perdão

– 1 pitada de raiva

– 2 colheres de humor

– 3 xícaras de preocupação

– 2 copos de lágrimas

– Amor à vontade, para dar o ponto.

Page 80: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 80/15178

Modo de fazer:

Misture tudo, mexa com cuidado e junte o sorriso, mesmo nas dificuldades. Sintaa textura desse colo que sempre está à disposição, até quando os filhos forem adultos.Veja como à volta dela a vida gira e acontece. Evite magoá-la. Ao lado dela, semprehaverá amor de sobra para todos. Sirva-se à vontade.

Observe que estamos diante de uma receita, mas, à medida que vamos lendo,constatamos que essa receita não é de culinária comum, porque a autora usou umgênero, para falar de outro. Temos uma receita que se aproxima do gênero poético. Oimportante é que notemos o afastamento do usual de receita logo de início, até pelotítulo, embora os elementos componentes estejam presentes, como ingredientes emodo de fazer, que são marcados nas receitas culinárias. É por isso que Bakhtin (1992,p. 279) diz que “[...] a variedade virtual da atividade humana é inesgotável”.

Tipologia textualCom relação às tipologias, a classificação mais usual na escola é a divisão entre

narração, descrição e dissertação argumentativa. Cada uma delas tem suas especifici-dades, mas é comum encontrarmos descrição em um texto narrativo, como tambémpodemos encontrar narração em forma de poema.

Veja o seguinte exemplo:

O rumor das vozes e dos veículos acordou um mendigo que dormia nos de-graus da igreja. O pobre-diabo sentou-se, viu o que era, depois tornou a deitar-se,mas acordado, de barriga para o ar, com os olhos fitos no céu. O céu fitava-o também,impassível como ele, mas sem as rugas do mendigo, nem os sapatos rotos, nem osandrajos, um céu claro, estrelado, sossegado, olímpico. (ASSIS, 1994, p. 65)

Nesse trecho do romance Quincas Borba, de Machado de Assis, temos uma narra-ção no primeiro período, nos demais, o autor descreve a personagem. Um caso típico

de narração com descrição.

Por isso, é preciso levar em consideração os seguintes aspectos:

 A linguagem é regida pelo princípio do dialogismo, isto é, há um “eu” e um“tu” virtualmente presentes. No exemplo anterior, o autor pressupõe um leitor.Então, o “eu” seria Machado de Assis, o autor; o “tu” seríamos nós, os leitores.

    T    i   p   o   s   e   g    ê   n   e   r   o   s   t   e   x   t   u   a    i   s

Page 81: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 81/151

 O texto é constitutivamente heterogêneo, polifônico, quer dizer, vozes dife-rentes aparecem no texto, de forma explícita ou implícita. No caso do exem-plo, vemos que há uma reciprocidade entre o mendigo e o céu. Por outro lado,há uma voz que se faz presente pelo modo como opõe o mendigo ao céu.

 Não se textualiza sob uma única forma, podendo, no texto, aparecerem,

concomitantemente, sequências narrativas, descritivas, explicativas, argumen-tativas.

Vamos, agora, caracterizar essas tipologias, apresentando suas características,mas sempre lembrando que, em matéria de comunicação, variações e possibilidadessurgem a cada momento e a cada contato.

Características da narrativa

Na narração, os fatos são apresentados numa sequência temporal e causal, umavez que o interesse reside na ação e é por ela (ação) que as personagens ganhamimportância Concebe-se uma narrativa quando, em seu contexto, aparecem respostasàs seguintes questões:

 O que está sendo contado?

 Quem praticou a ação?

 Quando?

 Em que lugar aconteceu o fato?

 Quem está contando?

Os fatos podem apresentar uma sequência lógica ou não, mas devem estarcoerentes com o que é narrado. A seguir, temos o exemplo da narrativa do romanceMemórias Póstumas de Brás Cubas:

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto ouso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotardiferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, masum defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escritoficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, nãoa pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Ditoisto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, naminha bela chácara de Catumbi. (ASSIS, 1992, p.18)

Page 82: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 82/15180

Observamos que há um narrador que se apresenta na primeira pessoa. Brás Cubasestá contando o fato. Quando? Depois da morte, pois se apresenta como um defuntoautor. Onde? Na chácara de Catumbi. O que está sendo contado? As memórias.

Notamos que a sequência está invertida e o próprio autor coloca sua dúvida comrelação a isso: “[...] suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento [...] me levaram

a usar diferente método.”As narrativas podem aparecer em contos, romances, lendas, novela, ficção cientí-

fica, biografias, crônicas, notícias, reportagens etc.

Notamos que as narrativas estão muito presentes em nossa vida. Contamos paranosso melhor amigo como foi o filme que vimos, o jogo a que assistimos, o encontroque tivemos no dia anterior, como foi a “bronca” do chefe, e assim por diante. Em nossasconversações e em nossos relatos, a sequência narrativa é uma tipologia constante.

Características da descriçãoA tipologia descritiva apresenta traços diferenciadores de um objeto, de um

personagem ou de um lugar. É como fazer uma pintura usando as palavras. Em geral,os substantivos e adjetivos são muito usados, pois essas categorias nomeiam e quali-ficam seres. Descrever exige criatividade, pois, se houver apenas uma enumeração equalificação do objeto a ser descrito, estaremos diante de uma listagem, apenas.

Veja o exemplo:

O ar ali estava mais frio. Sobre a cidade, graças ao céu limpo, o sol ainda brilha-va, posto já sobre o lado do mar a cair, lançando uma luz suave, um afago luminosoa que daqui a pouco responderão as vidraças da encosta, primeiro com archotes vi-brantes, depois empalidecendo, reduzindo-se a um pedacinho de espelho trêmulo,até se apagar tudo e começar o crepúsculo a peneirar a sua cinza lenta entre os pré-dios, ocultando as empenas, apagando os telhados, ao mesmo tempo que o ruídoda cidade baixa esmorece e recua sob o silêncio que se derrama destas ruas altasonde vive Raimundo Silva. (SARAMAGO, 2003, p. 83)

Observamos a beleza poética dessa descrição, o ar, o sol, o crepúsculo, as casas, asruas, o ruído. Um pintor poderia desenhar essa paisagem, mas nunca captaríamos asnuances com que o autor descreve o pôr do sol. Considero essa descrição com traçospoéticos, pela forma como a imaginação é convocada para recriar esse momento tãoespecial do pôr do sol.

    T    i   p   o   s   e   g    ê   n   e   r   o   s   t   e   x   t   u   a    i   s

Page 83: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 83/151

Procure relacionar a qualificação que o autor faz de cada elemento que compõeesse belíssimo quadro, por exemplo: luz suave, afago luminoso, cinza lenta. Proceda damesma forma com os outros elementos.

As tipologias descritivas aparecem quase sempre mescladas com a narrativa.Podemos ter uma descrição do mais belo gol de Neymar, até a da expressão mais sin-

gela de uma criança abrindo um presente. Creio que uma descrição criativa seja umadas formas mais complexas de criar um texto.

Características da argumentação

Argumentar tem o sentido de convencer, por meio de argumentos, isto é, pormeio de ideias convincentes, defende-se um ponto de vista. Esses argumentos podemser expressos por meio de exemplos, causas, consequências, comparações, oposições,dados científicos, resultados de pesquisas, em conversações e debates.

Geralmente, a dissertação argumentativa pressupõe uma tese, que vem a ser aideia a ser defendida, o posicionamento tomado diante de um determinado assunto. Istocomporia a introdução. Em seguida, viriam os argumentos para demonstrar, convencerda legitimidade do que se defende e, por último, uma conclusão que reitera a tese.

Observe o seguinte exemplo:

A divisão social do trabalho, ao separar os homens em proprietários e nãoproprietários, dá aos primeiros poder sobre os segundos. Estes são explorados eco-nomicamente e dominados politicamente. Estamos diante de classes sociais e dadominação de uma classe por outra. Ora, a classe que explora economicamente sópoderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, portanto, se dispuser deinstrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a ideo-logia. (CHAUÍ, 2001, p. 82)

Nesse parágrafo, a autora apresenta o seu ponto de vista em relação à ideologiae às classes sociais. Expõe a construção de uma sociedade formada a partir do poder

econômico e político.

É preciso pensar que não existe linguagem inocente, sem objetivo. Em todo o dis-curso há uma argumentatividade, pois desejamos convencer o outro de nosso pontode vista. Para atingir esse objetivo, a construção de nossa comunicação se faz com osoperadores argumentativos, como as conjunções e preposições, de forma a manter acoerência textual.

Page 84: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 84/15182

Modalidades discursivas na análise do discursoPara complementar esse estudo de gêneros e tipologias, vamos ver uma classifi-

cação usada na Análise de Discurso. As modalidades discursivas foram enunciadas porOrlandi (1987, p.154-156):

Discurso lúdico – diz-se do discurso que apresenta reversibilidade total entre osinterlocutores, isto é, os interlocutores usam indiferentemente a voz, propondo senti-dos, pois resulta de uma polissemia aberta do jogo com a palavra. Não há coerções, oque significa que não há desejo de convencer, apenas, uma expressão de sentimen-tos ou opiniões, uma vez que o imperativo desaparece. Há um jogo de interlocuções(eu-tu-eu dinamizados) em que se percebe menos desejo de convencer; uma vez queo caráter desse discurso é polissêmico – trazendo riqueza de sentidos e encontro denovos significados.

Veja o exemplo:

Há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram nos dicionárioscomo velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-sedesdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas...Pobre velhinho! (Mário Quintana)

O jogo lúdico que o autor faz com as palavras traz uma polissemia aberta, podendo--se estabelecer novas significações, inclusive pelas figuras usadas, personalizando as pa-

lavras e associando-as à figura do próprio eu do autor.

Discurso polêmico – nessa modalidade, há reversibilidade em certas condições;pois se trava um embate/debate no qual a função referencial é disputada pelos interlo-cutores; o “eu” domina, mas ouve o “tu” para rebater, por isso a polissemia é controladae até instigante ao apresentar argumentos que podem ser contestados.

Observe o exemplo:

Geir Campos

Morder o fruto amargo e não cuspir

Mas avisar aos outros o quanto é amargo.

Cumprir o trato injusto e não falhar,

Mas avisar aos outros quanto é injusto.

    T    i   p   o   s   e   g    ê   n   e   r   o   s   t   e   x   t   u   a    i   s

Page 85: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 85/151

Sofrer o esquema falso e não ceder

Mas avisar aos outros o quanto é falso;

Dizer também que são coisas mutáveis...

A presença da adversativa “mas” caracteriza o embate entre duas situações. A cadadenúncia do “eu”, surge a voz de um “tu” para desestabilizar a situação injusta, amarga,falsa. A argumentatividade presente no poema encaminha para o debate entre duassituações que emergem no dizer, por meio das pistas linguísticas. Sabemos que o “mas”é um operador argumentativo que opõe duas situações e, dessa forma, um debate seestabelece.

Discurso autoritário – é assim chamado porque a reversibilidade tende a zero,uma vez que resulta em verdade imposta, verificando-se o exercício de dominação

pela palavra. É um discurso no qual não há lugar para a interlocução, pois o “eu” dominae o “tu” é reduzido ao silêncio, numa forma de discurso exclusivista que não permitemediações, já que é a voz da autoridade que se faz ouvir. O discurso de governos dita-toriais, da igreja, da escola e da família, quando propõem comportamentos, costumaser autoritário.

A seguir, veja um exemplo de discurso autoritário:

Quebre o silêncio. Converse com o seu parceiro e previna-se contra a AIDS. Cuidede você e da sua família. Use camisinha. (Campanha publicitária governamental)

Há, no exemplo, uma voz autoritária, que orienta e ensina no sentido educativo epreventivo. A coerência se faz quando a modalidade autoritária traz uma referência debom senso, promotora do bem-estar social e político. Mas também podemos encon-trar o discurso autoritário prejudicial, quando uma vontade é imposta para dominar,submeter injustamente.

Depois de passarmos por várias teorias sobre os gêneros, tipologias e modalida-des discursivas, verificamos que é um princípio de economia na leitura e no conheci-mento estabelecermos, logo nas primeiras linhas, a que gênero pertence o texto que

estamos lendo. Por outro lado, como escritores, temos diante de nós uma facilidade nainteração com o leitor.

Page 86: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 86/15184

Síntese

Conforme vimos, os gêneros são histórico-sociais e não devem ser fechados emregras aprisionadoras. As possibilidades de utilizar os gêneros e as tipologias facili-tam a leitura, direcionam a comunicação. Vimos também que as tipologias designamuma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de suacomposição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas).

Questão para reflexão

Reflita sobre o que nos diz Bakhtin (1992, p. 259):

Se os gêneros do discurso não existissem e se nós não tivéssemos o seu domínio e se fosse preciso

criá-los pela primeira vez em cada processo da fala, se nos fosse preciso construir cada um de nossosenunciados, a troca verbal seria quase impossível.

Leitura indicada

Você deve aprofundar a questão dos gêneros e tipologias lendo o primeiro capí-tulo do seguinte livro:

BRANDÃO, Helena N. Gêneros e tipologias textuais. In: BRANDÃO, Helena N. (Org.).Gêneros de Discurso na Escola: mito conto, cordel, discurso político, divulgação cien-tífica. São Paulo: Cortez, 2002.

Site indicado

<www.ich.pucminas.br/posletras/06.pdf>.

Referências

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: FTD, 1994.

ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: FTD, 1992.

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

    T    i   p   o   s   e   g    ê   n   e   r   o   s   t   e   x   t   u   a    i   s

Page 87: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 87/151

BRANDÃO, Helena N. Gêneros e tipologias textuais. In: BRANDÃO, Helena N. (Org.).Gêneros de Discurso na Escola: mito conto, cordel, discurso político, divulgação cien-tífica. São Paulo: Cortez Ed. 2002.

CHAUÍ, Marilena. O que É Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2001.

FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Contribuição a uma tipologia textual. Letras & Letras, Uber-

lândia, v.3, n.1, p. 3-10, 1987.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Â. et al .Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas,SP: Pontes, 1987.

______. Análise do Discurso: princípios & procedimentos. 6. ed. São Paulo: Pontes,2005.

SARAMAGO, José. História do Cerco de Lisboa. São Paulo: Folha de S.Paulo, 2003.

Page 88: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 88/151

Page 89: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 89/151

Hipertexto

Ter muito é estar confuso.

Lao-Tzu

Vamos tratar, nesta aula, do hipertexto, suas especificidades, seus usos e suas mo-dalidades, nosso conhecido na prática, pois diariamente estamos conectados, mas éinteressante conhecer algumas teorias a respeito. Para desenvolver esta aula, teremoscomo base o livro Hipertexto, organizado por Luiz Antônio Marcuschi e Antônio CarlosXavier, além de alguns sites da internet, fazendo com isso uma metalinguagem.

HipertextoQuando pensamos na linguagem, verificamos que ela é uma forma de conhe-

cimento variável, flexível, com plasticidade capaz de se adaptar às transformaçõessociais e culturais graças à criatividade do homem.

Agora, ao associarmos linguagem e tecnologias de comunicação virtuais, um uni-

verso se abre devido às inovações, por isso se faz necessário pensar nas mudançastrazidas pelo uso do hipertexto, dos gêneros eletrônicos, do discurso e das diversasformas de comunicação a partir do uso da internet.

Diz Marcuschi (2005, p.13):

Em certo sentido, pode-se dizer que, na atual sociedade da informação, a Internet é uma espécie deprotótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Se bem aproveitada, ela pode tornar--se um meio eficaz de lidar com as práticas pluralistas sem sufocá-las, mas ainda não sabemos comoisso se desenvolverá.

Pela nossa prática no uso da comunicação via internet, temos, simultaneamente,texto, som, imagem com uma rapidez tal que suplanta as demais práticas sociais decomunicação fora do contexto virtual.

E novos gêneros textuais começam a fazer parte do cotidiano do indivíduo. Pen-semos no bate-papo online semelhante às conversações face a face. A diferença, noentanto, está no uso da linguagem oral na conversação e da escrita no bate-papo. Poroutro lado, na conversação face a face, a identificação do interlocutor é real, enquantoque, online, há um nickname que não garante a identidade do interlocutor, às vezes,mesmo com o uso do webcam.

Page 90: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 90/15188

A análise que Marcuschi (2005, p. 17) faz a respeito disso é que:

Criam-se novas formas de organizar e administrar os relacionamentos interpessoais nesse novoenquadre participativo. Não é propriamente a estrutura que se reorganiza, mas o enquadre queforma a noção de gênero. Em suma: muda o gênero. Desde que não tomemos a contextualizaçãocomo um simples processo de situar o gênero numa situação exteriorizada, mas sim como enquadrecognitivo, os gêneros virtuais são formas bastante características de contextualização.

O que vale ressaltar é que os gêneros virtuais se situam como meio de comuni-cação para todos os setores da realidade: empresas, comunidades, grupos de lazer eeducação. Sobre o ensino a distância, diz Paiva (2001, p. 272):

Nas comunidades virtuais de aprendizagem, abandona-se o modelo de transmissão de informaçãotendo a figura do professor como o centro do processo e abre-se espaço para a construção social doconhecimento através de práticas colaborativas. Assim as dúvidas dos alunos são respondidas peloscolegas e deixam de ser responsabilidade exclusiva do professor.

Mudanças de estilo de aprender e de ensinar, mudanças no uso da linguagem,novos modelos de comunicação fazem parte do dia a dia. Sobre isso, Galli (2005,

p. 125) diz:

A linguagem da Internet tem seus pressupostos que, naturalmente, estão caminhando para umnovo modelo de comunicação. A Internet já se transformou num veículo de comunicação com umalinguagem acessível à maior parte dos hiperleitores. Desse modo, há uma exploração dos termosdessa área, os quais são transferidos para o contexto social e divulgados como uma linguagemglobal.

Assim sendo, as mensagens veiculadas nos sites são destinadas a todo tipo depúblico. No entanto, o locutor precisa estar sempre atento ao emprego da uma lingua-gem adequada, uma vez que, “Não é só quem escreve que significa; quem lê também

produz sentidos”, afirma Orlandi (2000, p. 101).

Um dos contextos sociais e econômicos que dizem respeito à questão dainterpretação, da produção de sentidos, vem associado à de persuasão. Assim é queo hipertexto é um veículo importante para vendas, publicidade, além das mensagensinterpessoais. Segue-se por um caminho virtual a um simples toque do mouse. O inter-nauta tem a seu dispor possibilidades de conhecer e adquirir produtos em qualquerparte do mundo, basta dominar formas de comunicação virtual. O universo se expan-de e, portanto, a linguagem passa a ser globalizada.

Usando como referência Robin (1973), podemos distinguir quatro fases do usoda internet, numa linguagem globalizada. A primeira é o uso  por necessidade e diver-

são. Nessa etapa, comunicações importantes que exigem contato imediato tornam-secomuns em empresas, nacionais e internacionais, encurtando distâncias de forma atornar ágil e proveitoso o processo de intercomunicação. A diversão fica por conta dasredes sociais e dos bate-papos.

    H    i   p   e   r   t   e   x   t   o

Page 91: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 91/151

Em seguida, a segunda fase diz respeito a uma linguagem globalizada, em que háuma associação de palavras específicas em outros idiomas, principalmente em inglês,que passam a ser usadas por todos e, embora causem estranhamento no início, arecepção da mensagem não é prejudicada.

A terceira etapa veicula a  persuasão: dialogia/interação, usada especialmente em

publicidade. A sedução se faz pelo uso dos recursos de som, cor, imagem e linguagempersuasiva. Criam-se possibilidades de troca de mensagens entre a empresa fornece-dora de produtos e o interessado em adquiri-los.

A última fase trata da impressão geral da internet: sites> linguagem virtual > globa-

lização. Aqui entram os sites, em geral, de fácil acesso, em que os termos de uso globalpassam a fazer parte do cotidiano dos internautas, inclusive gerando derivações frutodesses termos, como inicializar, digitalizar, servidor etc.

Essas etapas não deixam de lado, no entanto, o texto impresso comum, usual. Ve-

 jamos como pensa Johnson-Eilola (1994, p. 216). Para ele, o hipertexto traz uma possi-bilidade de rever as condições de produção, as formas de transmissão de conhecimen-to. É importante pensar no hipertexto como um modo de dar voz a todos, incluindo ossilenciados na cultura, como um modo de pensar as relações entre autor e leitor.

Sobre a relação entre autor e leitor, diz Chartier:

Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maioresdividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro,os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram a compreensão. (CHARTIER,1999, p. 77)

É importante notar que, se retirarmos a característica da virtualidade da comuni-cação via internet, as formas de comunicação se mantêm. Passamos do meio real parao meio virtual com muita facilidade e certas fórmulas de comunicação se modificam,outras quase desaparecem, como é o caso das cartas via correio. Precisamos fazer di-ferença entre fórmulas e formas: a primeira é a mudança de meio de envio da comuni-cação; a segunda, a organização do discurso. Fundamentalmente, é necessário que otexto seja coerente, tenha coesão e comunique.

Categorias de hipertextosQuais são as categorias do hipertexto? Como se organizam? São questões pon-

tuais em nosso estudo. Vamos acompanhar o que dizem os teóricos a esse respeito.

Michael Joyce (1995, p. 41-42, apud  SNYDER, 1998, p. 30-31) identifica duas cate-gorias de hipertexto:

Page 92: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 92/15190

 Hipertexto exploratório  – nesta categoria, há um autor inicial, mas abreespaço para que os leitores, que são os navegadores, acrescentem informa-ções, quer seja por necessidade pessoal, quer pelo desejo de contribuir. O queacontece, ao final, é ser o texto original modificado, recriado, havendo possibi-lidade de versões da mesma mensagem.

 Hipertexto construtivo – como o próprio nome diz, a autoridade do autordesaparece, sendo recriado todo um conjunto de conhecimentos. É o caso decontos e narrativas compostas por quaisquer leitores virtuais.

Num extremo, no caso do hipertexto exploratório, os usuários são navegadoresque têm que fazer escolhas e seguir como se estivessem numa ação linear. Há umacerta passividade.

Por outro lado, o hipertexto construtivo é aberto, permite interconexões e ousuário pode controlar sua atuação, adicionar notas, e pode produzir seu corpo de

conhecimento.

Por exemplo, um pesquisador necessita de uma informação sobre a arquiteturade um prédio histórico de Salvador. Ele vai navegar por vários sites antes de chegarao que deseja. Depois de várias leituras, chega ao que deseja. É uma construção peloselos, e somos nós que compomos o hipertexto. Mesmo assim, ele terá uma construçãofragmentada. Se ele tiver o site efetivo da arquitetura do prédio, poderá ativar o conhe-cimento mais rapidamente.

Uma construção interessante é a de alguns escritores hipertextuais literários,

cabendo indagar o que significa produzir uma obra virtualmente aberta para um leitorcomum.

Por exemplo, um autor monta uma história de tal forma que, ao final, cada inter-nauta que acesse seu texto tenha quatro formas, à sua escolha, para seguir. O que vaiescolher? Como vai dar continuidade? De repente, pode-se ter uma multiplicação dehistórias, pois elas serão construídas e desconstruídas como num labirinto.

O que temos é um novo espaço de escrita, mas é preciso que ele apresente tex-tualidade, coerência e coesão, embora seja difícil um aprofundamento pelo fato de ser

uma produção fragmentada.

Texto e hipertextoEm sua obra intitulada Hipertexto (2005), Marcuschi afirma que o hipertexto é um

novo espaço de escrita, mas diz também:    H    i   p   e   r   t   e   x   t   o

Page 93: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 93/151

Em certo sentido, pode-se dizer que, na atual sociedade da informação, a internet é uma espécie deprotótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Se bem aproveitada, ela pode tornar--se um eficaz meio de lidar com as práticas pluralistas sem sufocá-las, mais ainda não sabemoscomo isso se desenvolverá. (MARCUSCHI, 2005, p. 13)

Mais adiante, ao situar o hipertexto, acrescenta:

Pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir num só meio

várias formas de expressão, tais como: texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para aincorporação simultânea das múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticosutilizados. (MARCUSCHI, 2005, p. 13)

Além de se afirmar que o hipertexto é um novo espaço de escrita, é comum ouvir--se que o hipertexto representa uma novidade radical, uma espécie de novo paradig-ma de produção textual. A rigor, ele não é novo na concepção, pois sempre existiucomo ideia na tradição ocidental; a novidade está na tecnologia que permite uma novaforma de textualidade.

O hipertexto, aliado às vantagens da hipermídia, consegue integrar notas, cita-ções, bibliografias, referências, imagens, fotos e outros elementos encontrados na obraimpressa, de modo eficaz e sem a sensação de que sejam notas, citações etc.

É interessante o papel do leitor: se, por um lado, ele tem todo o poder, porquepode ir pelo texto como quiser, se é quase tão poderoso como o autor; por outro lado,é um leitor vazio de histórias, parecendo um personagem em eternas férias, sem com-promisso com o real. A comparação que Possenti (2002, p.18) faz é de uma pessoa quepassa em uma livraria e fica bisbilhotando, olha uma figura, uma capa, depois vai numaestante e retira de lá um livro, lê algumas páginas e passa adiante.

Ao analisar o papel do leitor, ele sugere:

O leitor de hipertexto nunca é apresentado como o constituidor de sentidos de um texto, na tensainteração com o autor, a obra (o texto) e tudo o que já se disse sobre a obra ou seu tema. Parece estarsempre lendo pela primeira vez e ele precisa, assim, que lhe forneçam pistas muito claras, e corespara saber em qual momento pode ou deve derivar do texto (trecho?) que lê para outro texto que,eventualmente fornecerá informações a mais. (POSSENTI, 2002, p. 219-220)

O hipertexto traz, portanto, novos comportamentos em relação ao ato de comu-nicação; em geral, são a rapidez, o dinamismo, a possibilidade de interação instantâ-nea, mesmo a distância, acesso a informações, assim como maiores possibilidades de

pesquisa. Há também uma nova visão da autoria, pois a interatividade pode apagar oautor primeiro e, ao final, o texto ser uma composição como um quebra-cabeça, emque as partes se ajustam para formar o todo.

Prática

Marcuschi, ao analisar o hipertexto e a oralidade, coloca algumas questões (veja aseguir). Reflita sobre elas e, com base em sua experiência de internauta, nas explicações

Page 94: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 94/15192

desta aula e em pesquisas responda às questões. Justifique seu ponto de vista e dê exem-plos de como isso acontece.

 Qual é a relação do hipertexto com a oralidade?

 Há maior proximidade desse tipo de escrita com a oralidade do que a escritaimpressa em livros?

No livro Hipertexto, Marcuschi apresenta uma comparação entre os gênerostextuais emergentes e os gêneros preexistentes. Veja a seguir:

Gêneros emergentes Gêneros já existentes

1 E-mail Carta pessoal/bilhete/correio

2 Chat em aberto Conversações (em grupos abertos?)

3 Chat reservado Conversações duais (casuais)

4 Chat ICQ (agendado) Encontros pessoais (agendados?)

5 Chat em salas privadas Conversações (fechadas?)

6 Entrevista com convidado Entrevista com pessoa convidada

7 E-mail educacional (aula por e-mail) Aulas por correspondência

8 Aula Chat (aulas virtuais) Aulas presenciais

9 Videoconferência interativa Reunião de grupo/conferência/debate

10 Lista de discussão Circulares/séries circulares (???)

11 Endereço eletrônico Endereço postal

12 Blog Diário pessoal, anotações, agendas

Agora, escolha um gênero emergente e outro já existente e estabeleça as diferen-ças e semelhanças entre eles. Por exemplo: quais as semelhanças e diferenças entre odiário pessoal e o blog?

O livro Hipertexto  é de 2005. Notamos que ele não coloca o twitter   como umgênero emergente, porque se tornou popular depois da edição do livro. Como vocêcorrelaciona o twitter  com um gênero já existente? Que semelhanças e diferenças comoutro gênero você aponta?

Leia e divirta-se:

    (    M    A    R    C    U    S    C    H    I ,    2    0    0    5    )

Atualizando o blog– Filho, não está funcionando.

– Você ligou os fios como eu te falei?

    H    i   p   e   r   t   e   x   t   o

Page 95: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 95/151

– Liguei.

– Você conectou a rede neural na corrente quântica?

– Acho que sim…

– Como assim “acha”, pai?

– Qual é essa corrente mesmo?

– Varia, é o seu signo cognitivo pra alimentação de força, ele fica sempre nocanto inferior direito da sua interface.

– E onde que eu vejo essa interface?

– Como assim, pai? Você não está vendo a interface? Você calibrou sua redeneural?

– Não sei… como que faz pra calibrar?

– Ai, pai…, espera um pouco que daqui a pouco eu chego em casa.

– Mas eu só quero atualizar meu blog, não dá pra entrar na neuronet pelo com-putador, não?

– Hahahaha claro que não, pai. Entrar na neuronet pelo computador… só vocêmesmo, pai.

(Anônimo)

Como você pode ver, há muito o que se dizer sobre o hipertexto, é um mundo quese descortina, permitindo acesso ilimitado. Para tanto, convido para as descobertasque se podem fazer, contatos que se podem estabelecer e papéis a desenvolver.

Síntese

O uso da internet e dos gêneros que aí surgem fazem parte do dia a dia do indiví-duo da era digital. Como tal, usamos o hipertexto, sem, no entanto, ter os fundamen-tos teóricos para um uso consciente. Importante é lembrar que o hipertexto permitea interação virtual. Também é importante relacionar os gêneros já existentes com osnovos gêneros digitais.

Page 96: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 96/15194

Questão para reflexão

Reflita e discuta com seus colegas sobre a seguinte proposição:

A internet permite uma pluralidade de vozes, diminuindo as distâncias e aproxi-

mando pessoas, inclusive possibilitando que o indivíduo que não tem voz e vez possase manifestar.

Leitura indicada

Para aprofundar os fundamentos do hipertexto, você deve ler o capítulo, deautoria de Marcuschi, intitulado Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia

digital, do seguinte livro:

MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto. Rio deJaneiro: Lucerna, 2005.

Referências

CHARTIER, Roger. Leitura e leitores populares. In: CAVALLO, G.; CHARTIER, R. (Org.).História da Leitura no Mundo Ocidental. São Paulo: Ática. 1999.

GALLI, Fernanda Correia Silveira. Linguagem da Internet, um meio de comunicaçãoglobal. In: MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto. Rio de Janeiro: Lucerna,2005.

JOHNSON-EILOLA, J. Reading and Writing in Hypertext: vertigo and euphoria. C. L.Selfe&Hillingoss, 1994.

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. O futuro dom pensamento na era dainformática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto. Rio de Janeiro:Lucerna, 2005.

PAIVA, Vera Lúcia Menezes (Org.). Interação e Aprendizagem em Ambiente Virtual.Belo Horizonte: FALE – UFMG, 2001.

    H    i   p   e   r   t   e   x   t   o

Page 97: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 97/151

POSSENTI, Sírio. Notas um pouco céticas sobre hipertexto e construção de sentidos.In:______. Os Limites do Discurso. Curitiba: Criar edições Ltda. 2002.

ROBIN, R. História e Linguística. São Paulo: Cultrix, 1973.

SNYDER, L. Page to Screen: taking Literacy into the Eletronic Era. London/New York/London: Routledge, 1998.

Page 98: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 98/151

Page 99: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 99/151

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Se as coisas são inatingíveis... Ora, não é

motivo para não querê-las... que tristes os

caminhos se não fora a presença distante das estrelas [...]

Mário Quintana

Com a leitura podemos criar mundos e conhecer personagens. Nesta aula, vamostrabalhar com leitura, seus objetivos, quais as melhores estratégias; vamos valorizar ocontexto em que é produzida e verificar que tudo pode ser objeto de leitura.

Ler é atribuir sentidosSão muitos os sentidos que se podem atribuir à palavra leitura, desde apenas

identificar letras, até o sentido mais profundo de que ler é atribuir sentidos. Nesta aula,vamos produzir algumas leituras, ver como se constroem seus objetivos, como o textoestá organizado.

Vejamos, há quem pense que ler é:

 decodificar, apenas, o que faz um recém alfabetizado;

  procurar descobrir o que o texto está dizendo;

 dizer o que entendeu do texto.

Nossa proposta é ir além. É a de que ler é atribuir sentidos. O leitor recria o texto:assim como há uma produção de texto escrito, há também uma produção de leitura.

Quando lemos, devemos considerar que existe um leitor virtual e um leitor real. Oleitor virtual é aquele que é pensado pelo autor no momento da escrita. Por exemplo:ao escrever uma carta, pensamos na pessoa para quem escrevemos, ela está virtual-mente em nossa presença. O mesmo acontece com todos os textos, pois o autor, deseu lugar, imagina um leitor que também ocupa um lugar. O leitor real é aquele que,no momento, está diante do texto atribuindo sentidos. O leitor lê a partir de um lugar.Por exemplo, hoje lemos a carta de Pero Vaz Caminha como leitores reais, uma vez queo leitor virtual de Caminha era o rei de Portugal.

Page 100: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 100/15198

Para melhor atribuir sentidos, devemos levantar hipóteses de leitura. A partir dotítulo, criamos hipóteses para a leitura que fazemos e, se elas não se sustentam, preci-samos refazer os caminhos e criar novas hipóteses. Um exemplo são os romances deficção em que as hipóteses são refeitas a cada capítulo.

Ao longo da leitura, surgem as inferências, os subentendidos e os pressupostos.

Deve-se desvendar o dito pelo não dito, criando possibilidades de novos sentidos.Vamos apresentar alguns aspectos que nos favorecem no momento de atribuir

sentidos:

 O segredo de uma leitura proveitosa é mobilizar saberes em novas com-binações. O que é novo: tipo de vocabulário, expressões criativas e outrosaspectos.

 Outro recurso é buscar a intertextualidade, estabelecendo comparações,apontando analogias ou contrastes. Um novo texto se apoia em outro de

modo claro ou de forma implícita, como já vimos na aula anterior.

 A leitura é um processo de interação entre autor e leitor; cabe ao leitor consti-tuir sentidos. Não podemos saber qual a intenção do autor ao produzir o texto,mas podemos descobrir sentidos por meio das pistas linguísticas (palavras,expressões) que apontam para determinada conclusão.

 A leitura é seletiva, pois há vários modos de ler. Seria responder à questão: comque objetivo vou ler o texto? Lazer? Estudo? Informação? Conhecimento? Possoler um texto somente para saber como determinado autor usa argumentos, ou

então, para determinar como esse texto se encaixa na obra do autor, ou ainda,descarto determinado texto porque não me interessa, não o leio.

 Cada leitor atribui sentido a partir de seu conhecimento de mundo. Isto é fácilcompreender quando pensamos na literatura infantil. Há todo um vocabulá-rio, uma apresentação dos fatos coerente com o desenvolvimento da crian-ça. Veja este exemplo: A mãe ensinava as cores para a filhinha de dois anos.Quando ela mostrou cor-de-rosa, a menina disse: “Mamãe, já sei, o rosa é umvermelho que chega bem devagarzinho.”

 O contexto histórico e o lugar ocupado pelo leitor podem determinar umainterpretação de leitura. O momento e os fatos que aconteceram no momen-to da produção do texto pelo autor devem ser pesquisados pelo leitor a fimde produzir um sentido em profundidade. Por exemplo: determinados assun-tos são tabus em certa época, o leitor deve ter esse dado para “ler” como oautor se refere a eles, considerando que linguagem usou, quais os implícitospresentes.

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 101: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 101/151

Nossa sugestão é de que sua leitura seja produtiva, em que os saberes, a intertex-tualidade, as condições de produção sejam mobilizados para oferecer sentido a sualeitura.

Tipos de leituraHá modos de ler. Conforme o leitor cria seus objetivos, podem-se atribuir senti-

dos, passando por tipologias diferentes. De acordo com os objetivos, pode-se fazer umtipo de leitura. Vejamos:

 Leitura parafrástica – observa-se relevância na relação com o texto. Trata-sede fazer uma paráfrase do texto, isto é, dizer com as próprias palavras de queo texto trata. Em geral, esse é o primeiro comportamento, transportar para alinguagem do leitor o que o autor diz.

 Comparativa – tem o intuito de comparar textos lidos em suas semelhançase diferenças; estabelecer a intertextualidade; ver como textos de autores di-ferentes se posicionam diante de um determinado assunto e a época em queisso acontece.

 Referencial – é informativa, tem como foco o assunto do texto. Geralmente,notícias de jornal, noticiários de TV apresentam textos que pedem uma leiturareferencial. É a forma mais usual de leitura para colher informações.

 Interpretativa – busca-se verificar o que se entendeu do texto. Seria trabalharcom um nível mais profundo de linguagem, de ideias, procurando estabelecero nexo entre elas, como devem ser lidas.

 Polissêmica – procura atribuir sentidos a partir das condições de produção.Essa é a leitura mais produtiva. A polissemia permite trabalhar com as váriaspossibilidades de sentido. Por condições de produção compreende-se: o mo-mento sócio-histórico (quais os fatos relevantes na sociedade e na históriaquando o autor produziu seu texto); o contexto situacional (em que circuns-tâncias o texto foi levado a público ou ao leitor) e o lugar ocupado pelos inter-

locutores, no caso, autor e leitor (seria verificar o papel social e as relações deforça entre interlocutores).

Para uma leitura de qualidade, a Análise de Discurso propõe o trabalho com aleitura parafrástica e a polissêmica. Vejamos, a seguir, como elas acontecem.

Page 102: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 102/151100

A leitura parafrástica privilegia:

 o mesmo, isto é, o uso do mesmo idioma, o mesmo sentido;

 o já-dito, não somos a origem da linguagem, em algum lugar, alguém já disseas palavras que usamos;

 a estabilidade, uma certa fixidez, estrutura;

 o retorno constante ao mesmo, ou seja, o uso de palavras já-ditas;

 a matriz de sentido, a base sobre a qual se vai atribuir sentido.

Não há sentido sem repetição, pois as palavras que usamos podem voltar a qual-quer momento.

Já a leitura polissêmica se caracteriza por apresentar:

 o diferente, conforme a situação o sentido pode ser outro; o ainda a dizer uma característica da incompletude da linguagem, visto quesempre há novas possibilidades – a lógica do eterno retorno;

 o equívoco, que é entendido não como erro, mas com o deslize do sentido(lembre que, numa aula anterior, no caso das Sementes do suicídio, o que houvefoi um deslize de sentido);

  conflito com o já produzido: se podemos atribuir sentido diferente, novasinterpretações podem surgir;

 fonte da linguagem, porque uma mesma palavra pode ganhar sentido novo,se construirmos em outro contexto sócio-histórico;

 sujeitos e discursos múltiplos, considerando o sujeito como lugares sociais,conforme a situação o sentido pode ser outro;

 repetição, pela qual se tangencia o novo, o possível e o diferente, uma vez quea polissemia permite a multiplicação de sentidos;

 a memória, visto que, em todo o dizer há algo que se mantém, mas devemospensar nas possibilidades de formulações sobre o mesmo e, ao mesmo tempo,lembrar dos deslocamentos e rupturas que podem acontecer;

 a leitura que se faz na tensão entre o mesmo (que é a paráfrase) e o diferente(por meio da atribuição polissêmica de sentidos).

Com essas duas formas de ler podemos recriar sentidos, refazer percursos emnossos objetivos, com a finalidade de produzir sentidos.

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 103: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 103/151 1

Veja a seguir, a partir da leitura da letra da música “Leo” de Chico Buarque e MiltonNascimento, um exemplo de como atribuir sentido.

Leo

Chico Buarque e Milton Nascimento

Um pé na soleira e um pé na calçada, um pião.

Um passo na estrada e um pulo no mato,

Um pedaço de pau

Um pé de sapato e um pé de moleque,

Leo.

Um pé de moleque e um rabo de saia, um serão.

As sombras da praia e o sonho na esteira,

Uma alucinação.

Uma companheira e um filho no mundo,

Leo.

Um filho no mundo e um mundo virado, um irmão.

Um livro, um recado, uma eterna viagem,

A mala na mão.

A cara, a coragem e um plano de voo,

Leo.

Um plano de voo e um segredo na boca, o ideal.

Um bicho na toca e o perigo por perto,

Uma pedra, um punhal.

Um olho desperto e um olho vazado,

Leo.

Um olho vazado e um tempo de guerra, um paiol.

Um nome na serra e um nome no muro,

A quebrada do sol.

Um tiro no escuro e um corpo na lama,

Page 104: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 104/151102

Leo.

Um nome na lama e um silêncio profundo, um pião.

Um filho no mundo e uma atiradeira,

Um pedaço de pau.

Um pau na soleira e um pé na calçada.

(Disponível em: <www.chicobuarque.com.br/letras/Leo-78htm>.)

O primeiro passo para atribuir sentidos é analisar as condições de produção, istoé, quando o discurso foi escrito, quais os fatos importantes do período, quem é o autore quem é o leitor virtual.

Condições de produçãoSabemos que as condições de produção compreendem o contexto sócio-histórico,

contexto situacional, que é a cena enunciativa, e os interlocutores “eu-tu”.

Vamos começar abordando o contexto sócio-histórico.

Contexto sócio-históricoO texto “Leo”, que você acabou de ler, foi produzido em 1978, período em que o

Brasil vivia um tempo de ditadura, de cerceamento da liberdade. Havia muitas pes-soas, em especial intelectuais e artistas, que eram perseguidas, exiladas, feitas pri-sioneiras. Houve, também, os grandes heróis anônimos que lutaram em guerrilhas,trincheiras para defender seus ideais. Hoje, temos notícia das ossadas encontradasem regiões diversas. Com a abertura dos dossiês do Departamento da Ordem Políticae Social (DOPS), os brasileiros tomaram conhecimento da repressão, perseguição e

morte de compatriotas que tinham um ideal de liberdade e não temeram em se expore morrer por esse ideal. Nesse contexto histórico, a música de Chico Buarque e MiltonNascimento é gravada.

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 105: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 105/151 1

Cena enunciativa (eu/tu/agora)

Os locutores (representam o ‘eu’)

Chico Buarque e Milton Nascimento são autores e cantores da música popularbrasileira que trazem, em seus textos, uma construção poética. Eles viveram e sofreramas repressões do período da ditadura militar. Chico teve composições proibidas, tendosido interrogado pelo DOPS várias vezes.

O mesmo aconteceu com Milton Nascimento. O recurso que eles passaram ausar foi apresentar uma linguagem em que as ideias não estivessem no sentido literal,mas de forma subentendida, com pressupostos, para que seus textos pudessem sercantados.

Recursos como esse eram constantes: as ideias deveriam estar subentendidas,nunca muito claras, expressas de forma que as palavras dissessem uma coisa e pudes-sem ser entendidas de outra forma.

Os alocutários (representam o ‘tu’)

A classe média brasileira é quem representa o alocutário (o leitor). Essa classe está,no Brasil, cada vez mais achatada e empobrecida. Como formadora de opinião, foi a que

mais sofreu com o período da repressão. Dessa classe, também saíram os “Leos” quetinham um sonho e um plano de voo para executar seu projeto de vida. Pelo respeito eprestígio que os autores gozam junto à classe média, falam de uma situação que todosentenderam e lastimaram o próprio destino. Especialmente, há necessidade de nãoesquecer, de conservar a memória dos fatos para que essa realidade não aconteça mais.

A cena enunciativa (representa o ‘agora’, o contexto situacional)

A cena enunciativa funciona como um teatro em que o locutor e alocutário se

posicionam no tempo e no espaço.

Pela nossa experiência de leitores, sabemos que o modo como o locutor se inscre-ve no tempo e o espaço de seu interlocutor, bem como todas as variações linguísticase a construção sintática que usa, contribuem para construir uma imagem de si para osseus leitores.

O tempo é a década de 1970, período do AI5, da bomba do rio centro, dos sena-dores biônicos, da forte repressão e censura, da guerrilha do Araguaia.

Page 106: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 106/151104

O lugar é o Brasil, posição geográfica-espacial determinada. As imagens do locu-tor e alocutário ganham sentido nesse espaço. Quem sou eu (os compositores) para ti(leitores) e quem és tu para mim.

A seguir, veja exemplo de leitura parafrástica e polissêmica a partir das condiçõesde produção.

Leitura parafrástica

O texto está dividido em seis partes e a marca linguística divisória é o verso comuma única palavra, “Leo”.

Compreendemos o texto como a história de uma vida. Nos versos de 1 a 3, temos ainfância do menino Leo, brincadeiras, o pião, o mato, um pedaço de pau. Vida simples.

Nos versos 4 a 9, temos a adolescência: o momento da paixão, dos sonhos; amaturidade da união amorosa e o nascimento do filho.

Nos versos 10 a 14, há a ideia de que nem tudo vai bem nesse mundo em que ofilho vai viver. O “mundo virado” conota uma reviravolta na história. Há um “irmão” queaparece, um recado, a viagem. É a mudança de rumos e, para iniciar essa nova etapa,Leo tem uma mala, a cara, a coragem e um plano de voo.

Em seguida, nos versos 15 a 19, há apresentação da luta nesse “mundo virado”. ÉUma luta secreta, na sombra, em que as verdades são meias verdades e os horizontesnão são claramente visíveis, daí o verso: “um olho desperto e outro vazado.”

Nos versos 20 a 24, temos a tragédia, o drama que acontece com Leo. O sol naquebrada sugere o surgimento da noite da morte. Essa sugestão confirmada peloverso seguinte: “um tiro no escuro e um corpo na lama”. Na serra distante, em tempode luta, morre o Leo, de forma obscura e sem muito sentido.

Na última parte, correspondente aos versos de 25 a 28, compreende-se que amorte de Leo leva o nome dele para a lama, como se fosse um traidor, mas as explica-ções não vêm, o silêncio em torno do fato é profundo. A vida continua e o filho do Leovive sua infância com as brincadeiras da mesma forma que o pai.

Leitura polissêmica

Estamos diante de um texto de denúncia. Desde o nome do personagem “Leo”,que, no latim, significa ‘leão’, há apresentação de um lutador corajoso, o primeiro entreos seus. Leo é um revolucionário que não aceitou a dominação e, enfrentando todosos obstáculos e dificuldades, vai à luta, sonha com um futuro diferente para seu filho.    L

   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 107: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 107/151 1

A morte que encontra, no entanto, não é gloriosa. Um silêncio cerca o fato e até o nomede Leo é apresentado de forma pejorativa, pois temos, no texto, um ‘nome na lama’.

O texto revela uma circularidade que representa a integração à vida: o início, omeio, o fim e o reinício.

Num texto sintético, muito substantivado, em que os verbos estão de forma subli-

minar e subjazem ao sentido do texto, os autores apresentam uma trajetória de vida.Vida e morte de Leo. No entanto, há uma ênfase especial a determinadas circunstân-cias que são ditas de uma forma poética. Entre elas, destacamos: “o mundo virado; acara, a coragem e um plano de voo; um olho desperto e um olho vazado; a quebradado sol; um silêncio profundo.” São esses versos significativos que permitem uma leiturapolissêmica no momento em que analisamos as condições de produção.

Leo morreu em vão? A criança brinca em sua inocência, mas, e nós? O que faze-mos com a relativa liberdade que gozamos? Temos um plano de voo? Nossa memória

conserva as lições dos heróis anônimos, ou estamos esquecidos, vivemos como se nãotivéssemos passado, como se não tivéssemos histórias para contar para nossos descen-dentes? São reflexões que o texto nos oferece. O mundo não só nos oferece desafios, omomento é de desafiarmos nossa realidade e nos superarmos a todo instante.

Estamos com um pé na soleira, um pé na calçada, mas qual o nosso destino?

Acabamos de apresentar um exemplo de leitura de letra de música. Agora, vamosexemplificar uma leitura da cidade. É possível ler uma cidade?

Texto complementar

Cidade babel: publicidade lambe-lambe

Considera-se a cidade um espaço habitado por uma memória feita de historici-dade, por uma alteridade em que se entrecruzam língua, sujeito e mundo. Por isso,o eu-urbano se forma num espaço interidentitário em que há um sempre a dizer e asignificar. A proposta deste trabalho é um olhar sobre a cidade de Salvador, toman-do como materialidade a publicidade que se faz fora dos cânones regulares e dasregras da economia, nos postes de iluminação: a publicidade lambe-lambe. Essa pu-blicidade desorganiza o espaço pelo muito cheio, não deixando espaços vazios, poiso que não está repleto, é preenchido pelo imaginário. Há, então, uma representaçãodesse imaginário com as condições reais de existência do indivíduo, significada pela

Page 108: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 108/151106

ideologia. São sujeitos marcados pela ambiguidade, numa fusão extrema de univer-sos culturais que se apresentam ao olhar pelo flash, pelo instantâneo.

A publicidade lambe-lambe consiste em um poster de papel, colado, geralmen-te, em muros, postes ou árvores. Sua origem é antiquíssima, basta lembrar os cartazesde “procurado” nos velhos filmes de Hollywood, um exemplo de pré-construído, me-mória do já dito, para saber que esse tipo de comunicação está no inconsciente cole-tivo. Não se encontram referências sobre esse objeto de pesquisa que nasce de formadesordenada, caótica, em alguns casos artística, presente em toda a comunidade. Asreferências vêm de depoimentos de pessoas e publicitários que usam essa mídia.

Um anúncio sobre publicidade em postes afirma que eles são um excelentemeio de comunicação, são uma forma de colocar sua marca na rua, com ótimo custoe grande visibilidade. Para o anunciante, é oferecido retorno imediato, baixo custo,livre local de exposição, durante 24 horas, localizando-se no campo visual de pe-

destres e motoristas. Em Salvador e na Grande Salvador, basta uma autorização daprefeitura (SUCOM) para fazer uso desse tipo de publicidade. Mas nem sempre esseórgão governamental é consultado.

Em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, essa mídia foi proibida, noentanto, há uma resistência discreta, mas firme, pois nesses estados a publicidadelambe-lambe ainda aparece, atraindo pela contravenção.

O nosso olhar, no entanto, vai-se voltar para a cidade de Salvador. E o que é vin-

culado nos posters lambe-lambe? Desde propagandas de shows de forró aos servi-ços mais variados como consultas a videntes, tarólogos, terapias, aluguel de carros,construção de sites, serviço para retirar multas de trânsito, conserto de fogões, de ge-ladeiras, aulas sobre como fazer seu imposto de renda, convite para acessar sites deYoutube e até cursos de pós-graduação. Tudo isso espalhado pela cidade em muros,postes, em abrigos das paradas de ônibus, em árvores e embaixo de viadutos.

A visão que se tem é de uma cidade que se fala em seus serviços, se plenificapelo espaço muito cheio, e o que não está cheio é preenchido por um imaginário,

captado pelo olhar, mesmo distraído. O que vamos demonstrar é que há um dis-curso em que a divisão de classes se presentifica nas condições reais de existênciados indivíduos considerando-se cultura, sociedade e economia, tendo como recortequatro tipos de posters, em oito fotografias.

Quando se fala em cidade, faz-se necessário pensá-la como uma forma de asso-ciação humana com indivíduos socialmente heterogêneos, funcionando em tornode conceitos políticos, econômicos, sociais e culturais, com um conjunto de insti-

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 109: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 109/151 1

tuições de administração política que propõe o brotar da noção de cidadania e decomunidade urbana.

A cidade é um fenômeno contraditório em si mesmo, pois apresenta heteroge-neidade ao lado de uma padronização, necessidade de estar subordinado a exigências,a leis da comunidade, mas, ao mesmo tempo, surge a individualidade e a dispersão.

A cidade observada pelo prisma da materialidade, da escrita, do espaço em quea publicidade lambe-lambe está colocada evidencia uma presença de indivíduose classes que significam a si mesmos e aos outros, numa trama de sentidos.

O modo de funcionamento do discurso, neste tipo de publicidade, permitecompreender a constituição discursiva do sujeito urbano, sua manifestação, formacomo resiste, transforma e se torna visível preenchendo um espaço público. Não nosinteressa, agora, neste trabalho, analisar a questão da poluição visual que causou a

proibição dessa mídia em alguns estados, e sim as formações discursivas e ideológi-cas, memória e materialidade.

Partindo da reflexão de Orlandi (2004 p. 35) que diz “Não restam espaçosvazios na cidade, sua realidade estando toda ela preenchida pelo imagináriourbano”, verifica-se que nesse lugar organizado/desorganizado surge uma narrati-va que atravessa a massividade urbana na forma de um flash. Aí se instala, então, afalha, o equívoco na materialidade dos posters colados na via pública, na calçada,o lugar comum em que os sujeitos urbanos materializam seu estar no mundo.

Longe do apelo ao requinte, à classe, à elegância e ao status que caracterizauma peça publicitária, pois segundo os cânones deve seduzir e persuadir o possívelcliente para o consumo da mercadoria ou do serviço, a publicidade lambe-lambeapregoa o serviço cotidiano, para solucionar problemas funcionais, geralmenteserviços braçais ou técnicos.

Em geral, esses anúncios estão em postes próximos a prédios de vários andares,colados em postes contíguos, que se a rua for olhada em perspectiva, nota-se umaconfiguração em que todos os postes daquela rua estão com a publicidade colada.

Os anúncios dizem respeito a serviços em consertos de aparelhos domésti-cos, móveis, ou reparos de encanamento, construção, pintura. A função poéticada linguagem e das imagens está ausente, o estímulo que o anúncio oferece estána ideia do conserto, no telefone para contato, e, em geral, os serviços são realiza-dos na própria residência do consumidor. Alguns acrescentam o tempo de serviço,oferecem garantias.

Page 110: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 110/151108

Esses anúncios são acontecimentos discursivosirrompendo de uma singularidade única, no lugar eno momento de sua produção. Isso implica uma atua-lidade, compreendida pelo que está posto, reforçadopor uma memória discursiva.

Há uma posição de sujeito funcionando como oanunciante de um serviço – que aparece nesse lugar– e interpela o indivíduo que passa pela rua a ocuparum lugar de sujeito – daquele que fará, ou não, usodesse saber que está colocado em evidência.

No enunciado das figuras 1, 2 e 3, a formaçãodiscursiva permite observar que existe um padrão,um estereótipo, que começa com o serviço oferecido:consertos em refrigeração, lavadora; fogão; alguns

falam do tempo de experiência; outros acrescentamum slogan, como na figura 2 “trabalhamos bem paraservir melhor”. A excelência do serviço está garantidapela indicação da experiência e pelo slogan. A seguirganham importância os números de telefone e, nafigura 2, o e-mail.

Na figura 3, os serviços são colocados sem o es-tereótipo de início, mas da mesma forma, estão elen-cados os serviços a serem prestados. O acréscimo é onome da empresa: Pingo de Tinta, mais o endereço,citando rua e bairro. A expressão etc. não esclarecequais são os outros serviços a serem prestados.

Quando se pensa no urbano como quantidade,pensa-se nos indivíduos se constituindo ou sendointerpelados como sujeito, refletindo o espaço urbanocomo um lugar comum, lugar de convivência, daí anecessidade de comunicação. O anúncio permite ao

indivíduo constituir-se como sujeito e se reconhecerpor meio da prática de si, isto é, práticas que contro-lam seus saberes.

Nesses anúncios nota-se a ausência do nome doprofissional que realiza o serviço. É um silenciamentoque significa. O sujeito anuncia seu trabalho, sua com-petência, mas não sua identidade civil. É um dizer cujaautoria é silenciada, mas existe.

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 1 – Anúncio “Conserta-sefogão.”

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 2 – Anúncio “Consertosem refrigeração, lavadora.”

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a

    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 3 – Anúncio “Pingo detinta.”    L

   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 111: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 111/151 1

Orlandi (2000 p. 75) afirma:

A unidade do texto é efeito discursivo que deriva do princípio da autoria. Dessa maneira atribuímosum alcance maior e que especifica o princípio da autoria como necessário para qualquer discurso,colocando-o na origem da textualidade. Em outras palavras: um texto pode até não ter um autorespecífico, mas pela função-autor, sempre se imputa uma autoria a ele.

Na formulação do pôster, verifica-se o uso de um estereótipo que traz a ideia decoisa fixa, cristalizada, uma vez que consiste numa operação de pensar o real por meiode uma representação cultural pré-existente, um esquema coletivo fixo, pois um indiví-duo pode ser percebido e valorizado em função do modelo pré-construído difundidona comunidade de que faz parte. Essa estereotipagem serve para dar à construção daimagem do sujeito do anúncio, a autoridade e legitimidade do discurso. E ao indivíduointerpelado como sujeito, passando pelo pôster, cabe identificar o anunciante numacategoria conhecida socialmente.

Outra linha de anúncios está em oferecer colaboração social ou solicitar ajuda.

São em menor número, mas também estão presentes na paisagem urbana. Dois exem-plos para ilustrar:

A figura 4 traz um anúncio em que se propõe umatroca social de benefícios. De um lado está o sujeito queoferece um serviço de saúde, em troca de alimentos.Portanto, saímos da área de serviços de consertos.Note-se que não traz o nome da clínica que oferece oexame, apenas dois endereços, em pontos diferentes dacidade. A qualidade do exame está no enunciado: grátis

e computadorizado.

A contribuição do indivíduo que atende ao anúncioconsiste em alimentos.

A imagem do olho, perfeita para um poster de rua,traz um diferencial.

As lacunas são preenchidas pelo imaginário, por meio das questões: que clínicaé essa? Consulta grátis, mas os alimentos não serão uma forma de pagamento? Qual

é o interesse que existe ao oferecer o anúncio? Esses questionamentos trazem à tonaa reflexão de que há uma ambivalência da noção do individual e do social, aliada àquestão do criativo, que oferece um exame de vista e o banal, na publicidade lambe--lambe. Por outro lado, não se pode esquecer o pensamento de Pêcheux em Materialités

Discursives, (1980) de que o sujeito dividido, o deslize dos sentidos, a não transparênciada língua, do sujeito, do sentido, necessitam de interpretação e evidenciam a presençada ideologia.

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 4 – Anúncio “Exame devista.”

Page 112: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 112/151110

Na figura 5 a publicidade cobre uma anterior, mas oferece um serviço de caráterintelectual. Lê-se: Novamente em Salvador. Cursos a distância. Pós-Graduação. São 67cursos nas áreas de: Direito, Educação, Gestão, Saúde. Números de telefone. Após, oe-mail.

Analisando a materialidade discursiva, verificam-se,

em primeiro lugar, os destaques: Salvador, Pós-Gradua-ção, números de telefones.

O nome da cidade, Salvador, está em vermelhosobre o branco; Pós-Graduação em letra duplicada empreto e branco sobre o vermelho e os números de telefo-ne em preto sobre o amarelo. O uso dessas cores exerceuma atração sobre o olhar. Não há como não ver.

Novamente em Salvador: implícito que esses cursos

 já foram ministrados em Salvador, e agora voltam. Sendocurso a distância justifica-se o e-mail e o site. O indivíduoque desejar se inscrever nos cursos tem ao seu dispor asinformações essenciais.

Essa publicidade dirige-se para um público mais restrito. Enquanto outros serviçosinterpelam todo e qualquer indivíduo, para atender a esse anúncio, pressupõe-se anecessidade de um curso de graduação. O que interessa a esse pôster são pessoas comum nível de formação superior. Denota-se, devido a isso, uma melhor qualidade decolorido, destaques, e o espaço físico de colocação, como se pode ver pela foto, próxima

da praia. No entanto, como as demais publicidades lambe-lambe, oferece um serviço.

Na figura 6, há um anúncio de procura-se,em que a foto colorida do procurado é precedi-da pela apresentação do mesmo. A data do desa-parecimento, o nome da pessoa com quem fazercontato, os telefones e endereço. No entanto, háuma frase-chamariz em negrito que catalisa oolhar: “Ofereço excelente recompensa” com efeitode sentido de um estímulo para que o Lorinhoseja devolvido.

Nesse anúncio não falta nem o toque emo-cional, caracterizando sofrimento pela perda: “porfavor, nos ajude!” O apelo está registrado na fraseem negrito e na frase final.

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 5 – Anúncio “Cursos adistância.”

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 6 – Anúncio de “Procura-se.”

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 113: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 113/151 1

Completando essa análise, dois pôsters sobre a mesma temática. O modo decirculação do dizer é público e se faz na quantidade. Nessas duas fotos, os serviçosestão ligados à crença, apresentando formações discursivas diferentes, com a mesmaformação ideológica, em que o oferecido vem com uma promessa mágica. O indivíduoé interpelado como sujeito pela ideologia, numa situação de falha, de falta, de carên-cia; apresenta-se como um ser desejante.

Lemos no primeiro recorte: Ganecha. Taróloga Vidente. Previsões para 2009.Traz a pessoa amada e reza o mal em 48 horas. Seguem-se dois números telefônicos.Iguatemi.

Temos, então, a identificação daquela que oferece os serviços: Ganecha. Emseguida, o que é oferecido: em primeiro lugar, as previsões para o ano.

O desejo de prever o futuro, presente na memória discursiva, é provavelmentetão antigo quanto o ser humano, que tem tentado satisfazer esse impulso de diver-

sas maneiras, dando-lhe, conforme a época e a mentalidade reinante, maior ou menorimportância.

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 7 – Anúncio de“Procura-se.”

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Figura 8 – Anúncio de“Ganecha.”

Dá-se o nome de adivinhação ao conjunto de procedimentos empregados paraobter informação sobre os acontecimentos futuros, recorrendo a meios sobrenaturais.Essa vinculação com o transcendental se depreende da etimologia latina da palavra,

que literalmente significa “descobrimento da vontade dos deuses”. Ganecha se intitulavidente, a que consegue ver os fatos futuros e, com isso, orientar as decisões do indiví-duo que a procura, confirmando a qualidade que se atribui de vidente.

O uso do Tarô, para prever, pressupõe um ritual. A palavra tarô na língua por-tuguesa (ou em outras línguas: tarot, tarock, tarok, tarocco, tarocchi etc.) não possuiuma tradução específica – ninguém sabe ao certo sua real etimologia. Acredita-seque ele possa vir da palavra árabe turuq, que significa “quatro caminhos”, sugerindopossibilidades.

Page 114: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 114/151112

Além de prever o futuro, do uso ritualístico, há a proposta de trazer a pessoaamada. Implícito no discurso a ideia de uma perda, para recuperar o bem perdido, osobrenatural e o misterioso entram em cena.

Como um oráculo, Ganecha se propõe a “rezar”, cujo efeito de sentido, por meioda memória discursiva, no anúncio, significa eliminar um malefício, seja feitiço ou mau-

-olhado por meio de uma reza poderosa, que afastaria o mal em quarenta e oitohoras.

Os dois números de telefone em caracteres maiores constituem uma garantia deque o interessado verá claramente para onde ligar. A indicação do bairro tem um sen-tido subjacente: o local de atendimento está num bairro nobre, garantindo o acessofácil e seguro.

O segundo recorte apresenta a mesma temática, no entanto, verifica-se que nãohá identificação de quem oferece os serviços, havendo um apagamento do locutor, no

entanto, a desinência feminina caracteriza o gênero do autor. Os rituais divinatóriosque oferece são variados: Tarô, runas, bola de cristal. Uma taróloga oferece orientaçõespor meio desses códigos. E mais, a ambiguidade se estabelece quando oferece “traba-lhos gratuitos”. Na memória discursiva, ao longo da história de nossa colonização, essestrabalhos estão relacionados com atividades que eliminam o mal, a bruxaria, o feitiço,o mau-olhado, todos acontecimentos baseados em crenças e crendices.

Comparando os dois recortes, notam-se diferenças nas formações discursivas;enquanto o primeiro narrativiza sua atividade, pois o presente do indicativo é umagarantia do que faz, o segundo apresenta o ponto de sua interferência: união amorosa,

negócios, vícios e outros. Ao acrescentar “outros”, torna ambíguo o que faz, deixandopara o imaginário quaisquer possibilidades.

As cores das letras também são diferenciadas: o primeiro é em vermelho, o se-gundo em azul. O sentido do uso das cores produz um efeito de sentido que energizae pacifica. [...]

Observa-se, portanto, a presença de um pré-discursivo, de uma memória discursi-va presente nos anúncios, que são os mais constantes serviços oferecidos nos anúncioslambe-lambe em postes na cidade do Salvador. Outros anúncios dos mesmos serviços

usam uma variação do tipo “Irmã” ou “Pai de santo” ou obalorixá. O importante é verifi-car que esses serviços estão relacionados com os processos divinatórios, por meio deum ritual.

Compreendendo-se o ritual como uma reprodução de um significado vital paraa dinâmica de uma sociedade, o real da língua e o real da história remetem ao próprioimaginário dos sujeitos. O vínculo entre o símbolo, a coisa, o imaginário efetivo consti-tui-se no processo divinatório em que cada objeto traz uma interpretação, conferindo

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 115: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 115/151 1

ao mesmo tempo um sentido global ao universo e ao lugar ocupado pelo sujeito. Pa-rafraseando o filósofo pré-socrático Heráclito, entre o mito e a consciência projetiva“corre um rio cujas águas nunca são as mesmas”.

Após essa breve análise, pode-se compreender o sentido de ideologia, na qual oshomens que fazem a história, sem o saber, podem passar a ter consciência das condi-

ções que determinam sua história. No entanto, isso só pode acontecer por meio da lutade classes, que aparece cotidianamente na sociedade civil.

Comparando os anúncios dos postes com os outdoors, ou publicidades milioná-rias publicadas em revistas e jornais, pode-se perceber a diferença social e econômicaexistente entre essas mídias.

Para grandes lucros, grandes anúncios, elegância, linguagem em sua funçãopoética, para trabalhadores cuja função é considerada economicamente menor, sobraa divulgação de seus serviços nos postes.

Segundo Chauí (2001, p. 72), “[...] a ideologia não é um processo subjetivo cons-ciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condiçõesobjetivas da existência social dos indivíduos”. Isso significa que, no momento em que osujeito se situa em sua classe, com condições de vida e de trabalho prefixadas, parece--lhe que está construindo sua própria classe.

Entra em cena a alienação, instrumento da ideologia enquanto a experiênciacomum de vida for mantida sem crítica. Mas, a maior força da ideologia é o poder queela tem de ocultar, de cristalizar em verdades fatos invertidos, é fazer com que no lugar

da verdade fale uma pseudoverdade. Há uma manobra camufladora que faz com queo discurso se caracterize pela presença de falhas, lacunas, silêncios e opacidades quepreservam a sua coerência.

Na Análise de Discurso, o papel da ideologia é analisado por meio das formaçõesideológicas que são os processos discursivos que constituem a fonte de efeitos de sen-tido, daí ser o discurso um espaço em que surgem as significações, a constituição dossentidos, a interpretação do dito, fruto da memória e do esquecimento e do a-dizer.O discurso é o lugar onde a ideologia aparece na materialidade da linguagem que estánas condições de produção desse discurso, no uso do estereótipo, na economia de

informações, no espaço em que o anúncio está colocado, isto é, nos postes.

Por outro lado, há uma evidência de sentido, pela linguagem, pela memória, e háuma evidência de sujeito que se fala e se propõe enquanto trabalhador ao tempo emque interpela o indivíduo que passa pela rua, leitor do anúncio, para ocupar um lugarde sujeito.

Page 116: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 116/151114

Cidade Babel remete a uma das narrativas míticas mais surpreendentes doGênesis, para a ideia de projeto unificador (um povo e uma língua). “Vamos construirpara nós uma cidade e uma torre que chegue até o céu. Assim nos faremos um nome.”(BÍBLIA SAGRADA 11,4). Mas, num segundo momento, a torre e a cidade dão lugar àideia de diversidade, sendo a metáfora incompreensão recíproca e dispersão, realça-das pela oposição dicotômica: a unidade e a diversidade.

Faço uso dessa imagem para encerrar a análise da dispersão que caracteriza ourbano em sua visibilidade.

É interessante verificar de que lugar as pessoas falam. Vamos provar isso comas mudanças de sentido que acontecem na leitura, a seguir, da história do Chapeu-zinho Vermelho.

Observe o jogo com os lugares de que as pessoas falam e o sentido que ofere-cem ao que está proposto:

Se história da Chapeuzinho Vermelho fosse verdade, como ela seria contada naimprensa do Brasil? Veja as diferentes maneiras de contar a mesma história.

Jornal Nacional

(William Bonner): “Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobona noite de ontem [...]” (Fátima Bernardes): “[...] mas a atuação de um lenhador evitoua tragédia.”

Programa da Hebe

“[...] que gracinha, gente! Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aquifoi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?”

Cidade Alerta

(Datena): “[...] onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as auto-ridades? A menina ia pra casa da vovózinha a pé! Não tem transporte público! Nãotem transporte público! E foi devorada viva [...] um lobo, um lobo safado. Põe na tela,primo! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo,não!”

Superpop

(Luciana Gimenez): “Geeente! Eu tô aqui com a ex-mulher do lenhador e ela dizque ele é alcoólatra, agressivo e que não paga pensão aos filhos há mais de um ano.Abafa o caso!”

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 117: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 117/151 1

Globo Repórter

(Chamada do programa): “Tara? Fetiche? Violência? O que leva alguém a comer,na mesma noite, uma idosa e uma adolescente? O Globo Repórter conversou compsicólogos, antropólogos e com amigos e parentes do Lobo, em busca da resposta.E uma revelação: casos semelhantes acontecem dentro dos próprios lares das víti-

mas, que silenciam por medo. Hoje, no Globo Repórter.”

Discovery Channel

Vamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.

Revista Veja

Lula sabia das intenções do Lobo.

Revista Cláudia

Como chegar à casa da vovózinha sem se deixar enganar pelos lobos nocaminho.

Revista Nova

Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama!

Revista Isto É

Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.

Revista Playboy

(Ensaio fotográfico do mês seguinte) “Veja o que só o lobo viu”.Revista Vip

As 100 mais sexies – desvendamos a adolescente mais gostosa do Brasil!

Revista G Magazine

(Ensaio com o lenhador) “O lenhador mostra o machado”.

Revista Caras

(Ensaio fotográfico com a Chapeuzinho na semana seguinte)

Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala à Caras: “Até ser devorada,eu não dava valor pra muitas coisas na vida. Hoje, sou outra pessoa.”

Revista Superinteressante

Lobo Mau: mito ou verdade?

Page 118: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 118/151116

Revista Tititi

Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio.

Folha de S.Paulo

Legenda da foto: “Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador”. Na

matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e umimenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelolenhador.

O Estado de S.Paulo

Lobo que devorou menina seria filiado ao PT.

O Globo

Petrobras apoia ONG do lenhador ligado ao PT, que matou um lobo para salvarmenor de idade carente.

O Dia

Lenhador desempregado tem dia de herói.

Extra

Promoção do mês: junte 20 selos mais R$19,90 e troque por uma capa vermelhaigual à da Chapeuzinho!

Meia hora

Lenhador passou o rodo e mandou lobo pedófilo pro saco!O Povo

Sangue e tragédia na casa da vovó.

Correio da Bahia e TV Bahia

Menina usando um chapeuzinho vermelho é atacada por um lobo e nãoconsegue atendimento em nenhum hospital do Estado. Governador Wagner não semanifesta.

Balanço geralCartão vermelho para isto! Ora, desde o tempo da suburbana que todos

conhecem a história, Lobo mau traçou Chapeuzinho lá no tempo da vovózinha,agora a culpa é do Wagner?

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 119: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 119/151 1

Bocão

Passa o rodo! Menor de 13 anos, inocente, é estuprada devorada viva por des-conhecido drogado, quando ia para casa da vovózinha. O safado degolou a velha!O major Cláudio flagrou o meliante e o levou às pressas ao HGE para extração daadolescente! Temos imagens exclusivas da cirurgia. Kd vc Liana Cardoso! É com vc,

na tela! Mas, antes, nós temos R$5.000,00 na roleta, ligue agora 9965-3011.

(CERCATO. Nilza C.S. Trabalho apresentado no V Seminário de Análise de Discurso.

Disponível em: <http.uazi.zip.net>.)

Atividade após a leitura

Imagine um tema e uma situação em que, a partir do lugar ocupado pelo leitor,você crie uma leitura como foi feita com a história do Chapeuzinho Vermelho.

Tenho uma proposta para você. Usando as condições de produção, procureproduzir sentidos no texto a seguir:

Ser filho de médico“Sou viciado em bulas. Principalmente em reações adversas. Sinto todas” 

José Simão

Meu pai era médico, meu irmão é médico e eu sou hipocondríaco. O dia emque não tomo remédio algum, tomo um tylenol. Prá garantir! Crescer entre médicosé crescer ouvindo: espasmos, baixo ventre, tromboflebite, plasil, nádegas, injetável eme liga daqui três dias. E a pior coisa que podia acontecer com um hipocondríaco foio que aconteceu comigo: ficar doente em Istambul! E ler as bulas em turco! Desesperototal, a única palavra que entendia: tablets! Sou viciado em bulas. Principalmenteem reações adversas. Sinto todas! A mais preocupante, por causa do meu trabalho,

é: diminuição da acuidade mental! E a melhor consulta que tive até hoje: “Doutor,toda vez que eu aperto aqui, dói”. “Então, por que aperta?” respondeu o médico!

Meu pai era clínico geral das antigas, atendia doentes em casa. Esse é o meusonho de consumo: ser atendido em casa. O apogeu do hipocondríaco! Quandoele ia ao hospital, eu ficava passeando com as freiras e comendo gelatina de hos-pital. Mas devo ter visto alguma coisa grave que apaguei da memória porque hojenão consigo entrar em hospital, tremo como vara verde e sinto que vou desmaiar!

Page 120: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 120/151118

Quando atendia doentes na região da 25 de Março, me deixava no restaurante dadona Vitória, onde uma roda de libanesas vestidas de preto amassava quibe cru, esempre sobrava pra mim. Talvez o quibe cru tenha me deixado tão forte!

O bom de ser filho de médico é se sentir a vontade no mundo dos remédios.O ruim é você se achar capacitado para se automedicar e medicar os amigos. “Plasilnão, é melhor tomar buscopan”. “Vagostesyl é muito fraco, toma logo um lexotan”. Eusou do tempo do vagostesyl! E o pensamento básico do hipocondríaco quando umamigo ou parente de amigo está doente: se fulano está com isso, eu também estou.Se fulano teve aquilo, eu também tenho. E a hilária definição de urologista: “urolo-gista é aquele que olha pro seu pingolim com desdém, pega com nojo e cobra comose tivesse chupado”. E para terminar tenho que confessar uma coisa que realmenteme envergonha: eu minto para os médicos!

José Simão é colunista do jornal Folha de S. Paulo

(Publicada no jornal do Cremesp em 12/09/2011)

Lembre que, para trabalhar com as condições de produção, você deve em primeirolugar, pensar no contexto sócio-histórico. Procure responder:

 Em que época foi escrito este texto?

 Quais os fatos que podem ser relacionados com o texto? Que circunstâncias estão envolvidas no texto?

Em seguida, analise a cena enunciativa:

 Onde foi publicado o texto?

 Que relação o tema tem com o local de publicação?

Por último, os interlocutores:

 Quem é José Simão, qual a característica dominante dos textos dele?

 Quem é o leitor de José Simão?

Veja como fizemos no texto Leo e na Publicidade lambe-lambe. Essas duas leituraspodem servir de orientação para você produzir suas leituras. O importante é fazer opercurso por meio da análise das condições de produção.

    L   e    i   t   u   r   a   :   o    b    j   e   t    i   v   o   s ,   e   s   t   r   a   t    é   g    i   a   s ,   c   o   n   t   e   x   t   o   s

Page 121: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 121/151 1

Síntese

Ler é atribuir sentidos. A melhor forma de apreender o sentido do texto é construiras condições de produção a fim de produzir uma leitura parafrástica e polissêmica.

Questão para reflexão

A incompletude é condição da linguagem. Um discurso nunca está acabado,sempre há a possibilidade de um dizer. Nada está pronto: há um trabalho contínuo,movimento simbólico e da história. Como você interpreta essa colocação? Você saberiaapresentar um caso em que a incompletude da linguagem permite um novo dizer?

Vídeo indicado

Vídeo Ilha das Flores – produção de Jorge Furtado.

Referências

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Cortez,

2002.ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes,2001.

______. Cidade dos Sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2004.

Page 122: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 122/151

Page 123: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 123/151 1

Produção de texto: características de bons

textos, argumentação, estilo, autoriaNão existe linguagem inocente.

Michel Pêcheux 

Nossa proposta, nesta aula, é produzir textos dentro dos padrões formais, em queo conteúdo e a argumentação coerente devem estar organizados dentro dos parâme-

tros de cada gênero e tipo textual.Você será convidado(a) a produzir textos variados. Lembre-se de que a arte de

escrever é reescrever. Para mim, a maior solidão que existe é quando você está diantedo papel em branco procurando construir seu texto. As palavras terão que ser suas, asideias defendidas com clareza. É um belo trabalho, inspire-se.

Vejamos o que nos diz Neil Ferreira, em entrevista, sobre a arte de escrever.

A arte de escrever é o ofício de reescrever

Um texto não pode ser chato

Neil Ferreira

Um texto não pode insultar a inteligência de quem está o lendo. Um texto temque ter ritmo. Às vezes, você vê um redator brigar que nem um leão por causa deum ponto e vírgula, porque, na respiração desse redator, essa frase tinha um ritmo

tão emocionante que, sem esse ponto e vírgula, talvez fosse quebrado um ritmo,quebrando a comunicação de uma ideia bela, de um raciocínio emocionante. Talvezesse ponto e vírgula não seja nem ao menos essencial ao conteúdo da mensagem.Mas é muito provável que ele seja essencial à forma da mensagem, à roupa que elavai vestir para chamar atenção, para cativar, para emocionar as pessoas. Essa roupavai ser criada e costurada por um homem solitário, neurótico, inseguro e talentoso,irritante e emocionado, que luta com a máquina de escrever, briga com o papel embranco cada dia, não sabendo nunca se ele vai vencer a briga.

Page 124: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 124/151122

Cada linha que ele constrói, ele implora para que o leitor leia a próxima linha.Cada parágrafo implora para que o outro parágrafo seja lido. O talento, o instinto, osuor e o sofrimento desse homem não merecem que um mau editor venha friamentetentar contribuir com o “tira-essa-palavrinha-daqui-e-põe-ali”, derrubando todauma pirâmide de palavras, desarticulando uma forma bela, anarquizando um texto

emocionante [...]

O que eu sei dizer é o que eu sinto. Não existe texto curto ou texto comprido.Existe texto bom ou texto ruim. Não existe texto que o público não lê. Existe textobanal, medíocre, sem surpresa, que não enriquece a vida de ninguém, nem de quemlê, nem do produto que ele está anunciando. Eu costumo dizer para o pessoal quetrabalha comigo: “Olha, gente, quando vocês não têm nada para dizer, não digam.Às vezes, o silêncio fala muito mais do que 30 mil palavras vazias. Quando vocêstêm uma emoção violenta para comunicar, comuniquem de forma violenta. Quandovocês não têm uma emoção para transmitir, mas tem um fato, comuniquem essefato, mas com estilo; e quando vocês não têm nada a dizer, não digam. Acho queesses são os bons textos.”

Disponível em: <www.truveo.com/Entrevista-com-a-dupla-Neil-Ferreira-e-Jos%C3%A9/

id/385352046>.

Após a leitura do texto anterior, reflita e procure respostas para as questões queestão colocadas a seguir:

 Como o autor estabelece uma analogia entre costurar e escrever? Qual é o efeito de sentido que o texto oferece ao traçar a personalidade doescritor?

 Qual é a luta que o autor enfrenta diante do papel em branco?

 O que deixa um escritor indignado em relação ao seu texto?

 O que está implícito com relação à subjetividade na produção de textoescrito?

 Para o autor, o que qualifica um texto como bom?

Agora, leia o poema Escrever , de João Cabral de Melo Neto:

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 125: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 125/151 1

ESCREVER

 João Cabral de Melo Neto

Escrever é estar no extremo

de si mesmo, e quem está

assim se exercendo nessa

nudez, a mais nua que há,

tem pudor de que outros vejam

o que deve haver de esgar,

de tiques, de gestos falhos,

de pouco espetacular

na torta visão de uma alma

no pleno estertor de criar.

O poeta relaciona escrever comapresentar-se nu. Como você compre-ende os cinco últimos versos?

Observe o desenho da autoramostrando como ele imagina o fun-cionamento da língua.

Escreva um texto, entre 15 e20 linhas, interpretando o desenho

de acordo com a sua concepção delinguagem.

Vamos analisar um texto pro-duzido por um aluno ingressante nauniversidade.

    N    i    l   z   a    C   a   r   o    l    i   n   a    S   u   z    i   n    C   e   r   c   a   t   o .

Page 126: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 126/151124

Foi oferecido um título e o escritor deveria produzir um texto em que mesclassenarração e descrição. Vejamos o que foi produzido.

E isso aconteceu...

Eu estava no desfile de 15 de novembro com a minha família e com os meusamigos quando derepente começou a vir bombas de todo que lado era uma con-fusão do cão começaram a correr, e todos começaram a gritar, crianças chorando eo desfile foi uma trapalhada depois começou a chover, estavam todos molhados eas bombas se acabaram ainda bem por que não iríamos aguentar mais tinha algunsferidos mas não teve mortes ainda bem que ninguém morreu por que se não seriamuito ruim para todos os militares estavam socorrendo quem se feriu e acalmandoque estava passando mal mas todos ficaram bem e ai todos foram para a casa con-tentes e ficou tudo bem.

Nesse texto, percebe-se a junção de letras na palavra derepente (de repente).Falta de pontuação e paragrafação, marcas de oralidade. O autor parece desconhecera utilização dos sinônimos, uso da técnica de substituição, a fim de evitar repetiçõesdesnecessárias. Faltam elementos coesivos e, no último período, há uma incoerênciasemântica. Como ele pode afirmar que todos foram para casa contentes, depois detudo o que aconteceu? Apesar de todos os problemas observados, o aluno utilizavários elementos conectores, como: e, com, quando, de repente, todos, depois, porque, quem, mas todos, e ai, entre outros.

Reescrevendo-o e respeitando a variedade linguística do autor, vamos ver comoo texto ficaria:

E isso aconteceu...

Eu estava admirando o desfile de 15 de novembro com minha família e amigos,quando de repente começaram a soltar bombas por todo lado. Tudo ficou muitoconfuso, pois as pessoas começaram a correr e, ao mesmo tempo, gritar; ouvia-se o

choro das crianças, a tentativa das mães de acalmá-las. O que deveria ser um des-file alegre, virou uma confusão. Ainda mais que começou a chover e todos ficarammolhados.

Finalmente, não houve mais bombas, havia algumas pessoas feridas, sem muitagravidade; os militares socorreram os que se feriram, procuraram acalmar a quemestava passando mal.

Depois de tudo, fui para casa. E isso foi o que aconteceu.    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 127: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 127/151 1

Agora é sua vez!

Há, a seguir, também de aluno, um texto com algumas deficiências, que você devenotar e fazer o comentário sugerindo uma nova forma:

E isso aconteceu...Aquele era o último ano que eu ficaria em casa de meus pais. Era o que eu mais

queria, ficar independente, cuidando de mim só, sem as pessoas me darem ordenso tempo todo.

Mas uma coisa inesperada aconteceu... Fiquei desempregado, sem condiçõesde me manter sozinho. Precisaria de ajuda para essa nova etapa. É muito chato vocêse planejar todo e sem mais aquela, fica na dependência, ainda mais depois de ima-ginar um mundo de liberdade. Eu não tinha coragem de pedir ajuda aos meus pais,

depois de tanto falar na minha mudança. E eles não se ofereceram para nada. É assimmesmo. Quando você precisa ninguém fala, nas outras ocasiões que você não quersaber de nada, todo mundo dá palpite. Por tudo isso, fico em casa mais um ano.

Agora, leia outro texto sobre o mesmo tema. Espero que note as diferenças; aelaboração mais cuidada, a linguagem adequada.

E isso aconteceu...

Nariz rente ao vidro, expressão de enfado, ombros caídos, olhos sem vitalidade.Essa era a imagem do menino junto à janela da cozinha. Ele era a imagem da natu-reza chuvosa e fria naquele mês de julho. Nada de novo. Puro tédio. O gato miavarompendo uma monotonia e o silêncio. Mais nada...

Mas, inesperadamente, a casa pareceu criar vida. O menino observou da janelaque todos corriam em direção ao galpão. Alguma coisa nova devia estar movimen-tando o pai, a mãe e o tio. Então ele também correu para lá.

Logo que entrou no galpão ouviu risos e gritos de satisfação. O bezerrinhohavia nascido! Ainda não tinha levantado. Vagarosamente, o menino se aproximou,maravilhado. O bezerro esticou as patas, pôs-se de pé, deu um primeiro mugido.

No coração do menino, o sol nasceu com o bezerro, a nova vida chegava tiran-do tédio, tristeza. Ele sentiu uma bruta vontade de gritar. E nesse momento, o fatomais espetacular aconteceu. O pai olhou para ele e disse:

- Filho, ele é seu.

Page 128: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 128/151126

Sempre que vamos produzir um texto é importante uma releitura atenta. Volta-mos ao primeiro texto dessa aula: escrever é a arte de reescrever. Não importa o tempogasto, reescrever é um ato de coragem para dar qualidade ao texto produzido.

Agora vamos estudar o parágrafo, que é uma unidade mínima de comunicação.Ele pode ser composto por uma ou várias frases. Nesta aula, vamos trabalhar com

parágrafo argumentativo, quando temos como objetivo defender uma ideia.Em geral, um parágrafo argumentativo compõe-se de uma ideia-núcleo, que será

apresentada como fio condutor do texto a ser escrito.

Vamos analisar o parágrafo produzido por João Ubaldo Ribeiro, considerando aideia-núcleo e os argumentos com que trabalha essa ideia:

Todo mundo saberá ler e escrever, num mundo de mensagens instantâneas?Talvez não. Não me refiro a escrever à mão, com lápis ou caneta. Hoje já tem quem

escreva uma página digitando com os polegares e não rabisque três linhas comuma caneta. Mas estou pensando em leitura e escrita sem o uso do alfabeto. De vezem quando, sou tentado a crer que as futuras mensagens instantâneas, torpedos esimilares, serão grafados mais ou menos com ideogramas simples – imagens comoaquelas carinhas Smiley que aparecem em milhares de aplicativos, acrescidas talvezde uma ou outra palavra abreviada em letras. De escrever e ler usando alfabeto esintaxe, como hoje ainda fazemos, não haverá necessidade para grande parte dosusuários de aplicativos de mensagens. Passaremos mais ou menos para hieróglifossimples, que deverão ser perfeitamente adequados ao vocabulário e ao universo de

interesses desses usuários. E talvez os que saibam ler e escrever usando o alfabetovenham a constituir uma categoria especial na sociedade, como eram os escribas daAntiguidade.

(João Ubaldo Ribeiro – Vejaonline – 11/10/2011)

Disponível em: <www.joaoubaldoribeiro/vejaonline/11/10/2011.com>.

Agora, vamos à análise!

  Ideia-núcleo: Todo mundo saberá ler e escrever, num mundo de mensagensinstantâneas? Talvez não.

  Com essa interrogação e a resposta que dá, o autor nos oferece o fio condu-tor para podermos acompanhar a argumentação. Quando responde à própriapergunta, ele propõe uma hipótese que precisará ser explicada através dosargumentos.

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 129: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 129/151 1

  Primeiro argumento: “Não me refiro a escrever à mão, com lápis ou caneta.”

  Esse é um argumento explicativo para deixar claro a que tipo de leitura eescrita ele se refere.

  Segundo argumento: “Hoje já tem [sic ] quem escreva uma página digitandocom os polegares e não rabisque três linhas com uma caneta.”

  Esse argumento é fruto de observação.

  Terceiro argumento: “Mas estou pensando em leitura e escrita sem o uso doalfabeto.”

  O argumento é iniciado pelo operador argumentativo “mas”, que sugere umaoposição ao que foi dito antes. Significa que não está se referindo a quemdigite com polegares e não escreva com caneta.

  Quarto argumento: “De vez em quando, sou tentado a crer que as futurasmensagens instantâneas, torpedos e similares, serão grafados mais ou menoscom ideogramas simples – imagens como aquelas carinhas Smiley que apa-recem em milhares de aplicativos, acrescidas talvez de uma ou outra palavraabreviada em letras.”

  É um argumento explicativo com o qual clareia a quem e a que se refere emrelação à ideia-núcleo.

  Quinto e sexto argumentos: “De escrever e ler usando alfabeto e sintaxe,como hoje ainda fazemos, não haverá necessidade para grande parte dos usu-ários de aplicativos de mensagens. Passaremos mais ou menos para hierógli-fos simples, que deverão ser perfeitamente adequados ao vocabulário e aouniverso de interesses desses usuários.”

  São argumentos com os quais defende o que diz a ideia-núcleo, se todos sabe-rão ler e escrever alfabeticamente.

  Conclusão: “E talvez os que saibam ler e escrever usando o alfabeto venhama constituir uma categoria especial na sociedade, como eram os escribas daAntiguidade.”

Note que essa conclusão conduz à questão que está proposta na ideia-núcleo:saber ler e escrever serão habilidades de poucos.

Por outro lado, note como os argumentos estão ligados entre si por expressões decoesão, por exemplo: “Não, hoje, mas [...]” e assim por diante.

Além disso, quando analisamos o tom do texto, verificamos a ironia como marca,pois todos os argumentos conduzem para uma conclusão que seria uma regressãocultural.

Page 130: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 130/151128

Essa análise mostra como pode ser construído o parágrafo dissertativo. Agora,quando desejamos construir um texto dissertativo em vários parágrafos, é necessárioter uma tese a ser defendida que aparece no primeiro parágrafo.

Veja a sugestão a seguir:

Na Introdução, inicie com uma frase que dê ideia de que tratará o texto. Depois,

construa uma frase que desenvolva, brevemente, o caminho que seguirá ao desenvol-ver a ideia. Em seguida, coloque a tese que pretende defender.

O Desenvolvimento  pode ser apresentado em quantos parágrafos o autordesejar. Veja como fez João Ubaldo no texto que analisamos. Em geral, escolhemosuma forma de desenvolver: usando exemplos, por contraste, por analogia, por causa econsequência, fruto de observação, com citações etc.

Na Conclusão, é preciso apresentar uma posição em relação à tese. Depoisde termos argumentado, mostramos como nos posicionamos diante da tese que

defendemos.

Vamos analisar o texto argumentativo produzido pelo jornalista da Folha deS. Paulo:

De um lado só

Janio de Freitas

Ainda uma vez, indícios de corrupção em obras públicas levam a um acesso deagitação noticiosa e política. Derrubam um ministro bem enraizado. Dão algumaaparência de vida à oposição. Forçam depoimentos e investigações de servidores. Esobre os que corromperam, nada.

A corrupção nas obras públicas brasileiras tem geração espontânea. É assimaos olhos dos congressistas inquiridores, das polícias, do Ministério Público, do Ju-diciário e do noticiário.

De certa vez, respondi em inquérito da Polícia Federal, com a presençainquiridora também de um procurador da República, a longa e insistente sériede perguntas. A razão foi a fraude em uma grande concorrência de obra pública,anulada porque o resultado foi aqui publicado, sob disfarce, com antecipação. Eram18 grandes empreiteiras que dividiam a concorrência e os bilhões por intermédio dafraude. Pois não me foi feita nem uma só pergunta sobre qualquer das empreiteirasou dos seus dirigentes.

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 131: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 131/151 1

Aquela foi a primeira concorrência de obra pública anulada por revelação defraude. Foi tudo arquivado pela Procuradoria-Geral da República. Mas, bem-suce-dida, a receita praticada então pelas instituições e pessoas responsáveis por mo-ralidade administrativa e aplicação das leis ficou para as sucessivas fraudes e atoscorruptores do serviço público.

Parece lógico que, se um ministro e assessores graduados caem, por indíciosde corrupção, há o lado corruptor. Parece. Mas a lógica a reger tais situações é outra.Provém, por extensão quando as circunstâncias o exigem, daquela, mais que secular,de aplicação dos ônus a um só lado: nos incidentes comuns, a punição aos humildes;nos casos graúdos, o ônus para os menos influentes ou menos afortunados.

E os empreiteiros, se você ainda não notou, com que o ganham no uso dosseus métodos estão ficando donos do Brasil: telefonia, rodovias, ferrovias, petróleo,TV, hidrelétricas, mineração, siderurgia, não tem fim. O Brasil também está ficando

de um lado só.

(FREITAS, Janio de. Folha de S. Paulo. 27 jul. 2011).

Agora, segue a análise:

O Título, “De um lado só”, já dá a ideia de que haverá outro lado para ser falado.

Na Introdução, o primeiro período situa o assunto de que vai tratar o texto:

Ainda uma vez, indícios de corrupção em obras públicas levam a um acesso deagitação noticiosa e política.

Os períodos dois, três e quatro explicam qual será o fio condutor de suaargumentação:

Derrubam um ministro bem enraizado. Dão alguma aparência de vida à oposição.Forçam depoimentos e investigações de servidores.

Observe que ele usa um sujeito indeterminado, caracterizando uma entidade nãopossível de denominar: quem derruba? Quem dá? Quem força?

A Tese está no seguinte trecho:

E sobre os corruptores, nada.

Page 132: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 132/151130

Aí está a explicação para o título. O autor quer falar do outro lado da corrupção.

No que diz respeito ao Desenvolvimento, vamos analisar, a seguir, cadaparágrafo.

No 2.º parágrafo, o argumento é baseado na observação e na visão da políticabrasileira:

A corrupção nas obras públicas brasileiras tem geração espontânea. É assimaos olhos dos congressistas inquiridores, das polícias, do Ministério Público, doJudiciário e do noticiário.

O 3.º parágrafo apresenta um argumento sobre uma experiência pessoal, uma re-alidade pela qual passou, mas a direção argumentativa está dirigida para a tese quandoencerra o parágrafo, justificando ter relatado a experiência pessoal:

De certa vez, respondi em inquérito da Polícia Federal, com a presença inquiri-dora também de um procurador da República, a longa e insistente série de perguntas.A razão foi a fraude em uma grande concorrência de obra pública, anulada porqueo resultado foi aqui publicado, sob disfarce, com antecipação. Eram 18 grandesempreiteiras que dividiam a concorrência e os bilhões por intermédio da fraude.Pois não me foi feita nem uma só pergunta sobre qualquer das empreiteiras ou dosseus dirigentes.

No 4.º parágrafo, há um argumento de consequência em relação ao que foiexplicitado no parágrafo anterior:

Aquela foi a primeira concorrência de obra pública anulada por revelação defraude. Foi tudo arquivado pela Procuradoria-Geral da República. Mas, bem-suce-dida, a receita praticada então pelas instituições e pessoas responsáveis por mo-ralidade administrativa e aplicação das leis ficou para as sucessivas fraudes e atoscorruptores do serviço público.

O 5.º parágrafo traz argumentos dirigidos para a tese, pois esse é o parágrafo comos argumentos mais fortes, a fim de conduzir à conclusão que deseja. Observe quetodos os argumentos usados, até o momento, tinham como finalidade chegar a umargumento definitivo:

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 133: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 133/151 1

Parece lógico que, se um ministro e assessores graduados caem, por indíciosde corrupção, há o lado corruptor. Parece. Mas a lógica a reger tais situações é outra.Provém, por extensão quando as circunstâncias o exigem, daquela, mais que secular,de aplicação dos ônus a um só lado: nos incidentes comuns, a punição aos humildes;nos casos graúdos, o ônus para os menos influentes ou menos afortunados.

Quanto à conclusão, o autor do texto a inicia apresentando a consequência doque documentou no parágrafo anterior, depois conclui, defendendo a posição quevem expressa desde o título. No entanto, aqui, o sentido se aprofunda, porque suben-tendido está o fato de que o Brasil ficar de um lado só significa que o povo brasileironão está ao lado dos ricos poderosos e corruptores, mas do outro lado:

E os empreiteiros, se você ainda não notou, com que o ganham no uso dosseus métodos estão ficando donos do Brasil: telefonia, rodovias, ferrovias, petróleo,

TV, hidrelétricas, mineração, siderurgia, não tem fim. O Brasil também está ficandode um lado só.

Note também que o tom do texto é de denúncia e de indignação diante de umquadro que precisa ser analisado em todos os seus ângulos. É interessante tambémverificar os elementos de coesão. Observemos como ele liga os períodos e parágrafosentre si. Procure marcar, no texto, os elementos de coesão entre os parágrafos e entreas frases.

Gênero: carta

Parece-nos que, hoje em dia, não se escrevem cartas, pois o e-mail resolve todasas formas de contato. No entanto, no mundo comercial, só podemos resolver nossasquestões com cartas, que serão entregues a um funcionário e que deverá registrar orecebimento da mesma. Por isso, esta proposta para escrever carta.

Vamos analisar uma carta: (Atenção: Os números entre parênteses são uma estra-tégia didática para compreender a explicação no final da carta.)

(1)

(2) 1/CC/2003

(3) Salvador, 20 de novembro de 2011.

Page 134: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 134/151

Page 135: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 135/151 1

Porto Alegre, abril de 1966.

Regina:

Recebi sua amável carta, reclamando que a poesia se está ausentando ultima-mente das minhas crônicas, em proveito do lado humorístico da vida... Fiquei desa-pontado, Regina. Primeiro porque pensava que andasse escrevendo coisas muitosérias, inspiradas como eram, precisamente, no lado amargo da vida... Depois porquepensava que a poesia estivesse nas entrelinhas, como aliás acontece na vida.

Além disso, pela sua carta, quer-me parecer que não pertence ao número das

pessoas que pensam que há assuntos “poéticos” e outros não, como também umestilo que possua a exclusividade de ser “poético”... E, precisamente pelo estilo desua carta, vejo que tampouco pertence à escola literária daquela professorinha dointerior que me disse um dia:

– O senhor não imagina como estamos... como “eu” estou contente com a suavisita à nossa cidade!.

(4) Destinatário e endereço – basta a cidade a que se destina – escrito a partir daesquerda.

Com relação aos itens 3, 4 e 8, eles podem aparecer de duas formas: com pon-tuação aberta, isto é sem obrigatoriedade de uso de pontuação, ou com pontuaçãofechada, em que os sinais de pontuação devem ser respeitados. O uso de uma forma

ou outra é indiferente. Somente se deve ter cuidado de ao optar por um tipo, manter acoerência ao longo da carta.

(5) Invocação e vocativo – se for a primeira vez, usa-se apenas: “Senhor(es)” se-guido de dois pontos, se for uma correspondência habitual, pode-se usar: “PrezadosSenhores:” (dois pontos).

(6) Introdução: assunto de que a carta vai tratar.

(7) Desenvolvimento ou explanação: explicações necessárias.

(8) Fecho ou encerramento.

(9) Assinatura.

(10) Iniciais do redator e digitador.

Agora, vamos comparar cartas e estabelecer diferenças. Veja os exemplos aseguir:

Page 136: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 136/151134

E confidencialmente: – aqui a gente não tem com quem falar difícil.

Espero que consiga encontrar consolo na atenção que dei à sua carta.

Com afeto,

Mário Quintana

MINISTÉRIO DA FAZENDA

Direção Geral da Fazenda Nacional

Carta-Patente nº 210

Faço saber que, havendo a Imembuí S. A., estabelecida na Rua Morotim n° 897,

na cidade de Santa Maria (RS), satisfeito todas as formalidades das leis vigentes,conforme despacho no processo n.° 2.034-50, pela presente carta, fica habilitada aefetuar a venda de mercadorias e prestações, mediante sorteios, de acordo com odecreto n° 0000000.

Rio de Janeiro, 16 de junho de 1999.

Diretor Geral

Entre as três cartas, podemos encontrar algumas diferenças, e são essas diferen-ças que vão nos dizer diante de que tipo de carta estamos:

Há três tipos de carta:

 Oficial  – que pode ser memorando diplomático ou documento em que seafirmam, ratificam ou retificam resoluções tomadas pelo governo. No segundocaso, dizemos que ela é uma carta promulgada, como exemplo, a Carta dasNações Unidas.

 Comercial  – tratam de assuntos gerais de uma empresa. Inserem-se aquitambém as cartas bancárias, como pedido de crédito, aviso de cobrança etc.

 Particular ou pessoal – a correspondência trocada de forma íntima: cartasentre amigos, carta para familiares, cartas de amor.

Até há poesia sobre análise de cartas:

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 137: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 137/151 1

Cartas de Amor

Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Tem de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

Page 138: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 138/151136

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

É importante identificar o tipo até para interpretar melhor o teor das informações.Embora hoje em dia sejam poucas as pessoas que usem cartas pessoais, pois preferemo e-mail, ainda se podem escrever lindas cartas de amor, a mão, com nossa próprialetra. É muito mais significativo.

Resenha

Uma atividade acadêmica muito solicitada ao longo do curso é produzir resenhas.Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar cuida-dosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem.

O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade (um jogode futebol, uma comemoração solene, uma feira de livros) ou textos e obras culturais(um romance, uma peça de teatro, um filme, uma representação simbólica com váriostextos).

Para elaborar a resenha, deve-se proceder seletivamente, filtrando os aspectospertinentes, aquilo que é funcional do ponto de vista de uma intenção previamentedefinida.

A estrutura de uma resenha crítica consta de:

a) parte em que se dão informações sobre o texto, tais como:

 nome do autor (ou autores);

 título da obra ou do artigo/ou tema a que a resenha se refere;

 se for o caso, editora, coleção de que a obra faz parte;

 lugar e data da publicação.

Observação: Essa parte pode ser colocada em destaque, antes de iniciar a rese-nha propriamente dita, ou pode constar no corpo da resenha.

b) resumo do conteúdo da obra:    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 139: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 139/151 1

 indicação sucinta do assunto global da obra (assunto tratado);

 ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica, gênero, método,tom);

 resumo em que se apresentam os pontos essenciais do texto e seu plano

geral.c) crítica:

 comentário e juízos de valor sobre as ideias expostas pelo autor;

 valor da obra; contribuições que ela traz;

 indicação – para quem se pode indicar essa obra, esse objeto.

Veja, a seguir, um exemplo de resenha.

Memória – ricas lembranças de um precioso modo de vida.

O diário de uma garota (Record, Maria Julieta Drummond de Andrade) é umtexto que comove de tão bonito. Nele o leitor encontra o registro amoroso e miúdodos pequenos nadas que preencheram os dias de uma adolescente em férias, noverão antigo de 41 para 42.

Acabados os exames, Maria Julieta começa seu diário, anotando em um cader-

no da capa dura que ela ganha já usado até a página 49. É a partir daí que o espaço étodo da menina, que se propõe a registrar nele os principais acontecimentos destasférias para mais tarde recordar coisas já esquecidas.

O resultado final dá conta plena do recado e ultrapassa em muito a proclamadamodéstia do texto que, ao ser concebido, tinha como destinatária única a mãe daautora, a quem o caderno deveria ser entregue quando acabado.

E quais foram os afazeres de Maria Julieta naquele longínquo verão? Forammuitos, pontilhados de muita comilança e de muita leitura: cinema, doce de leite,novena, o Tico-tico, doce de banana, teatrinho, visita, picolés, missa, rosca, cinemade novo, sapatos novos de camurça branca, bem-casados, romances franceses,comunhão, recorte de gravuras, festas de aniversário, Missa do Galo, carta para afamília, dor de barriga, desenho de aquarela, mingau, indigestão... Tudo pareciapouco para encher os dias de uma garota carioca em férias mineiras, das quaisregressa sozinha de avião.

Page 140: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 140/151138

Tantas e tão preciosas evocações resgatam do esquecimento um modo de vidaque é hoje apenas um dolorido retrato na parede. Retrato, entretanto, que, graças àarte de Julieta, escapa da moldura, ganha movimentos, cheiros, risos e vida.

O livro, no entanto, guarda ainda outras riquezas: por exemplo, o tom autênti-co de sua linguagem que, se, como prometeu sua autora, evita as pompas, guarda,não obstante, o sotaque antigo do tempo em que os adolescentes que faziam diá-rios dominavam os pronomes cujo/a/os/as e conheciam a impessoalidade do verbohaver no sentido de existir e empregavam, sem pestanejar o mais que perfeito doindicativo quando de direito.

Outra e não menor riqueza do livro é o acerto de seu projeto gráfico, aoscuidados de Raquel Braga. Aproveitando para ilustração recortes que Maria Julietapregava em seu diário e reproduzindo na capa do livro a capa marmorizada docaderno, com sua lombada e cantoneiras imitando couro, o resultado é um trabalho

em que forma e conteúdo se casam tão bem casados que este Diário de uma garotaacaba constituindo uma grande festa para seus leitores adolescentes a quemrecomendamos a leitura.

(LAJOLO, Marisa. Jornal da Tarde).

Observação: Essa resenha poderia ter a primeira parte destacada como segue:

(Título)

ANDRADE, Maria Julieta Drummond. O diário de uma garota. São Paulo:Record, 1990.

O diário de uma garota é um texto que comove de tão bonito. (E daí em diantesegue a resenha do mesmo modo.)

Propostas de atividade:

1) Identificar as partes que compõem a resenha apresentada e verificar se contêmo que se exige de uma resenha crítica.

2) Produzir um texto argumentativo em que você possa fazer uma análise daforma como conduz seus argumentos para defender a tese e chegar a uma conclusão.

Tema a ser desenvolvido:

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 141: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 141/151 1

Um dos principais desafios das estruturas políticas vigentes é manter umesforço contínuo de conciliação dos tipos e das culturas, de valores aparentementecontraditórios, do poder com os valores sociais. O setor privado vive este paradoxodentro da lógica do capitalismo, dos resultados e das metas econômicas. Valoressociais, econômicos e ambientais são conciliáveis? É possível a construção de

um círculo virtuoso, onde ganham as organizações, os indivíduos e a sociedade?(MARCOVITCH, 2006, p. 36 )

3) Produzir uma resenha crítica do vídeo “Ilha das Flores”, com o qual você traba-lhou na aula 7.

Observe os critérios para ver se seu trabalho está de acordo com o que deveconter uma resenha:

Ficha de autoavaliação1. O texto está adequado aos objetivos de uma resenha acadêmica?

2. O texto está adequado ao(s) destinatário(s)?

3. O texto transmite a imagem que você quer passar de si mesmo?(Isto é, a imagem de quem leu e compreendeu adequadamente o texto ori-

ginal e de quem soube se posicionar em relação a ele de forma crítica?)

4. As informações que o autor do texto original coloca como sendo as mais

relevantes são por você abordadas na resenha?

5. Além do conteúdo propriamente dito, você abordou:

  A - dados sobre o autor do texto?

  B - o conhecimento do autor em relação ao assunto?

  C - a adequação da linguagem usada no texto para o público ao qual se

dirige?

  D - a organização do texto?

  E - os mecanismos linguísticos de que o autor se utiliza para construir sua

argumentação?

6. Você escolheu os marcadores textuais mais apropriados para ressaltar a rela-ção entre as ideias principais?

Page 142: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 142/151140

7. Você procurou ser polido em suas críticas?

8. Você utilizou adjetivos e substantivos para expressar sua opinião sobre otexto?

9. Você variou e escolheu os verbos mais apropriados para traduzir os atos rea-

lizados pelo autor da obra?

10. Não há problemas de pontuação, concordância, erros gramaticais e orto-gráficos etc.?

Caso ache necessário e com base no que foi estudado em sala, avalie outrosaspectos relevantes presentes em sua resenha. Segue uma sugestão de leitura:MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane Gouveia; ABREU-TARDELLI, Lilia Santos.Resenha. In: Leitura e Produção de Textos Técnicos e Acadêmicos. v. 2. São Paulo:Parábola Editorial, 2004.

Agora, vamos analisar textos dissertativos produzidos por estudantesuniversitários.

Tema: A energia nuclear é uma boa solução para o Brasil?

Texto 1

Energia nuclear é a solução?

Percebe-se atualmente uma dinâmica mundial de tendências a novas fontesenergéticas, porém deve-se ressaltar a importância dessas fontes estarem em con-cílio com o ambientalismo.

No Brasil, destaca-se a intenção de investimento em energia nuclear. As estru-turas para a produção dessa fonte energética foram constituídas a partir da décadade 1970 com a construção de Angra I e posteriormente, na década de 1990, coma construção de Angra II. A infraestrutura dessas usinas foram adquiridas pormeio do repasse de reatores e sistemas de antigas usinas europeias. O planopara a abrangência no setor conta com a construção de Angra III e a expansão doenriquecimento de urânio em nosso país.

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 143: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 143/151 1

No ponto de vista favorável, o plano pode viabilizar os problemas enegéticos enfrentados pelo país, contribuir para o meio ambiente não poluindo a atmosferanem contribuindo ao aquecimento global, vantagens na sua utilização em indústria,medicina e agropecuária, além de fortalecer a segurança (caso ocorresse uma guerranuclear).

Em uma antítese, destaca-se a alta peliculosidade  de uma contaminaçãoambiental (como a ocorrida na URSS e em Goiânia), a disponibilidade do lixoradioativo no meio ambiente e afetaria as relações políticas-econômicas brasileirasno cenário internacional, o país poderia ser considerado indulto perigoso a pazmundial, (como o Irã). Trata-se de uma ideia pouco recomendável, pois gastarábastante capital estatal que poderia ser investido em obras sociais.

Considerando a vasta contingência de recursos ambientais no Brasil, conclui-seque o país deveria investir em fontes energéticas que não poderá afetar suas

relações políticas-econômicas, nem tampouco colocará em risco o ecossistemalocal.

Uma dessas fontes é a energia eólica, se seguirmos o modelo da Alemanha,garantiríamos uma fonte energética com o perfil brasileiro: confiável, barata e semobjeções ambientais. Garantindo assim o Brasil como referência em novas fontesenergéticas.

Você pode notar que o texto apresenta uma estrutura argumentativa e trata do

tema proposto. No entanto, observe o que está em negrito. São dificuldades linguísti-cas e impropriedades semânticas, sintáticas e ortográficas. Vejamos:

Há a impropriedade vocabular em “concílio”, no primeiro parágrafo. “Concílio”significa “assembleia de bispos católicos convocados pelo papa para deliberar sobrequestões de fé e outras”. Não se trata de conciliar. Uma sugestão para resolver oproblema seria: “Deve-se ressaltar a importância de conciliar o uso dessas formas deenergia com a preservação do meio ambiente.”

Também é preciso dar atenção à concordância: no segundo parágrafo, o correto

seria “a infraestrutura dessas usinas foi adquirida”. O último parágrafo também apre-senta o mesmo problema. Eis o certo: “fontes energéticas que não afetem [...], nem [...]coloquem em risco [...]”.

Observe as questões de ortografia e concordância, assinaladas em negrito: ocorreto seria “periculosidade” e “energéticos” e “político-econômicas”.

Agora, analise o texto a seguir, sobre o mesmo tema:

Texto 2

Page 144: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 144/151142

A energia nuclear como opção

A expansão da produção de energia nuclear no Brasil com a implantaçãoda usina Angra 3 tem dividido opiniões na sociedade e órgãos protetores domeio ambiente. Há pessoas que defendem essa forma de geração de energia como

alternativa viável, porém muitos a veem como ameaça à humanidade no curto elongo prazos.

De um lado, os defensores do uso dessa forma de energia alegam que suageração não lança gases tóxicos na atmosfera, deixando de contribuir para aumentaro efeito estufa. Além disso, as usinas podem ser construídas perto dos grandescentros urbanos, o que ajuda na redução dos custos da transmissão, tornando-aeconomicamente atraente.

Por outro lado, estão os que criticam  a construção de usinas nuclearesalegando os riscos ao meio ambiente trazidos pelo lixo tóxico produzido. Essesresíduos devem ser mantidos sob vigilância por milhares de anos para que nãocausem danos. O Greenpeace apresentou recente relatório sobre o estudo dainviabilidade de se usar a energia nuclear para conter os efeitos nocivos doaquecimento global, por ser extremamente cara e de demorada implantação. Parao órgão não governamental, há fontes ainda não exploradas de energia hidráulica,além de fontes alternativas que trariam benefícios mais seguros que a construçãode usinas nucleares.

Dessa forma, é  preciso responsabilidade no uso de uma energia cujos resíduosprecisarão ser administrados por várias gerações. Com formas ainda pouco exploradasde energia seguras, não parece ser conveniente  o uso e a expansão de uma fonteenergética na qual erros em sua gestão possam resultar em grandes acidentes.

Note como o texto está bem articulado e organizado de forma simples e direta. Oautor elenca argumentos favoráveis e contrários à utilização da energia nuclear.

A única falha do texto está na conclusão, pois o autor não assume claramente

uma posição. No aspecto linguístico, o texto apresenta domínio da norma culta.

Vamos pontuar alguns aspectos que valorizam esse texto:

O autor fez uma escolha acertada logo no início do texto. O primeiro período ésintético e objetivo, situando o leitor na discussão que vem a seguir. Há apenas umpequeno reparo a fazer: a necessidade de mais uma vírgula. O período ficaria assim: “Aexpansão da produção de energia nuclear no Brasil, com a implantação da usina Angra3, tem dividido opiniões na sociedade e órgãos protetores do meio ambiente.”    P

   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 145: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 145/151 1

Energia diferenciada

A energia nuclear é uma forma de energia muito satisfatória, porém que geramuita polêmica e discussão. Embora seja considerada uma limpa, potencialmente

energética e não poluidora do meio ambiente, ela pode causar vários riscos à natu-reza, principalmente no que se diz respeito ao seu principal produto envolvido: ourânio.

Energia nuclear é um tema muito controverso. Ainda que por um lado ela sejabenéfica ao meio ambiente, não gerando poluição, não agravando o efeito estufaou o aquecimento global, por outro ela é algo a ser discutido com muita cautela,pois o urânio, utilizado como fonte de energia principal, pode, se não descartado ouarmazenado corretamente, contaminar potencialmente a natureza, como lençóisfreáticos, rios, mares, lixo e, principalmente, acarretando sérios problemas, além degerar acidentes, como o que houve em Chernobil.

Utilizar qualquer forma de energia é muito importante; porém, o que se deveé conhecer os benefícios e prejuízos dela, uma vez que formas de vidas estão envol-vidas, além da agressão ao meio ambiente, que compromete sinergicamente a vidahumana e animal.

Exemplos como Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro, e futuramente Angra 3,como já está em andamento, são usinas que até hoje contribuíram para o desenvol-vimento do país, mas vale lembrar que pesquisa, desenvolvimento de práticas quevisem a prevenção de acidentes e bom senso de seu uso, são medidas eficazes quesó tendem a tornar esse tipo de energia cada vez mais potente e segura.

Os argumentos pró e contra o uso de energia nuclear aparecem bem discriminados,com o emprego de expressões como “de um lado”, “os defensores” e “por outro lado”, “osque criticam”. É fácil para o leitor acompanhar o andamento da argumentação.

Nesse contexto argumentativo, em que há clareza e objetividade, observe comoo último parágrafo cria um contraste, por usar expressões vagas e proposições indire-

tas como os trechos assinalados em itálico: “é preciso responsabilidade” e “não pareceser conveniente”.

Agora é sua vez:

Leia o texto a seguir, sobre o mesmo tema, e analise a estrutura, a coesão e acoerência, bem como a correção da linguagem. Para facilitar seu trabalho, algumaspassagens com problemas estão em itálico. Bom trabalho!

Texto 3

Page 146: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 146/151144

Assim sendo, a energia nuclear é e pode ser um grande avanço para a huma-nidade, mas pessoas altamente qualificadas, desenvolvimento de novos métodos,estudos de casos, medidas preventivas, atuação significativa aliada a outras formasde energia, como a eólica, solar, hidrelétrica e outras, só tendem a mostrar ao país e aoutras nações que energia limpa pode e deve ser utilizada, a fim de beneficiar todos,

com segurança e eficiência.

Então, conseguiu uma forma melhor de redação dos trechos assinalados? Notecomo é importante a clareza, a objetividade com relação ao uso de argumentação paradefender um ponto de vista.

Para uma produção de texto de qualidade, sugiro que procure uma tese que re-almente seja produtiva, que traga possibilidades de argumentação. No momento deargumentar, use em primeiro lugar os argumentos mais fracos e termine a parte dodesenvolvimento com os argumentos mais fortes. E... sempre - releitura e reescritura

do texto.

Síntese

Escrever é a arte de reescrever. Nenhum texto de qualidade é produzido num“passe de mágica”. É preciso sonoridade, correção da linguagem, privilegiar uma tipo-logia e suas características.

Escrever é buscar dentro de nós as melhores palavras. Diante do papel em branco,tudo o que vivemos, lemos e estudamos deve vir à tona. É um trabalho solitário, masglorioso quando conseguimos produzir argumentos sólidos, convincentes e capa-zes de mobilizar nosso leitor. Para conseguir isso, precisamos escrever, reescrever, lermuito, observar criticamente a realidade. Um texto argumentativo deve ser coerente,apresentar coesão entre os períodos e entre os parágrafos. É bom revisar a aula sobrecoesão e coerência.

A descrição deve ser uma pintura através de palavras, o leitor deve poder recons-truir a cena mentalmente, a paisagem, o ser que está sendo descrito.

A narração deve responder às questões: O quê? Para quem? Quando? Onde?Como? Um fato deve ser narrado, as impressões que o autor deseja despertar no leitoraparecem de forma subliminar e subjetiva.

Para defender pontos de vista, os argumentos são fundamentais, são os textosdissertativos. Os argumentos devem trazer causas, consequências, exemplos, contras-tes, analogias. Portanto, é preciso cuidar para que os argumentos estejam coesos ecoerentes.    P

   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 147: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 147/151 1

Questões para reflexão

O que eu sei dizer é o que eu sinto. Não existe texto curto ou texto comprido.Existe texto bom ou texto ruim. Não existe texto que o público não lê. Existe textobanal, medíocre, sem surpresa, que não enriquece a vida de ninguém, nem de quemlê, nem do produto que ele está anunciando. De que forma essa passagem orienta parasua produção textual?

Toda a linguagem é argumentativa. Como você compreende esta afirmação?

Leituras indicadas

Filme: Narradores de Javé (2003). Direção: Eliane Caffé.

Sugiro a leitura do 8º capítulo do livro indicado a seguir, por ser um trabalho bemfeito, esclarecedor, que contém os fundamentos necessários para quem deseja come-çar a produzir bons textos.

VIANA, Antônio Carlos. Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipio-ne, 1998.

Referências

EMEDIATO, Wander. A fórmula do texto: redação, argumentação e leitura. São Paulo:Geração Editorial, 2004.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São Paulo: Ática,1997.

INDURSKY, F. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In: ORLANDI,E.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso etextualidade. Campinas, SP: Pontes, 2006.

KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Obje-tiva, 2001. (Série Fundamentos).

LAJOGO, M. et al . Ofício de professor: leitura e escrita. v. 3. São Paulo: Abril, 2002.

MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliana Gouveia; TARDELLI, Lilia Santos. Resenha.In: Leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos. São Paulo: Parábola Edito-rial, 2004.

Page 148: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 148/151146

MARCOVITCH, Jacques. Para mudar o futuro. São Paulo: EDUSP/ Saraiva, 2006.

ORLANDI, E. P.; GUIMARÃES, E. J. Texto, leitura e redação. São Paulo: CENP/SEE, 1985.

VIANA, Antônio Carlos. Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipio-ne, 1998.

    P   r   o    d   u   ç    ã   o    d   e   t   e   x   t   o   :   c   a   r   a   c   t   e   r    í   s   t    i   c   a   s    d   e    b   o   n   s   t   e   x   t   o   s ,   a   r   g   u   m   e   n   t   a   ç    ã   o

 ,   e   s   t    i    l   o ,   a   u   t   o   r    i   a

Page 149: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 149/151

Page 150: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 150/151

Page 151: comunicacao-expressao

8/12/2019 comunicacao-expressao

http://slidepdf.com/reader/full/comunicacao-expressao 151/151