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Silvia Regina Nun SILVIA REGINA NUNES BAPTISTA COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação científica e conhecimento tradicional Rio de Janeiro 2014

COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS … · pesquisa brasileiros e periódicos de comunicação científica, como uma dimensão global das redes observadas. Registramos

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Silvia Regina Nunes Baptista

SILVIA REGINA NUNES BAPTISTA

COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS

ORIENTADAS A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação

científica e conhecimento tradicional

Rio de Janeiro

2014

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO EM SAÚDE - PPGICS

ICICT/ FIOCRUZ

Silvia Regina Nunes Baptista

COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS

A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação científica e

conhecimento tradicional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu do Instituto de

Comunicação e Informação Científica e Tecnológica

em Saúde, área de concentração Configurações e

Dinâmicas da Informação e da Comunicação em

Saúde como requisito parcial para obtenção do grau

de Mestre em Ciências.

Orientadora: Prof. Dra. Paula Xavier dos Santos

Coorientadora: Prof. Dra. Annelise Caetano Fraga

Fernandez

Rio de Janeiro

2014

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Silvia Regina Nunes Baptista

COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS

A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação científica e

conhecimento tradicional

Aprovado em 31 de março de 2014.

Banca Examinadora:

_____________________________________________

Prof. Dra. Inesita Soares de Araújo

_____________________________________________

Prof. Dra. Mara Zélia de Almeida

_____________________________________________

Prof. Dra. Adriana Kelly Santos

_____________________________________________

Prof. Dra. Nina Cláudia Barbosa da Silva

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Dedico esse trabalho

À minha mãe Lourdes Martins de Carvalho pelo entusiasmo, pelo velho dicionário sem capa

dos tempos de infância e pelas plantas medicinais.

Aos meus irmãos Sandro, Sarah e Bruninha pela paciência e pelos sobrinhos tão

questionadores.

Aos tios Walter, Luiza e Roberto pelo exemplo.

À Annelise Fernandez e Sandra Magalhães Fraga pelas novidades e compromisso.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do PPGICS/ICICT/FIOCRUZ, em especial à Paula Xavier dos Santos e

Inesita Soares de Araújo pela paciência, pelas críticas necessárias e pelo percurso tão

promissor.

Aos colegas do PPGICS/ICICT/FIOCRUZ por tantos momentos de inspiração.

Ao Paulo Henrique de Oliveira Léda, parceiro de primeira hora.

Aos integrantes dessa pesquisa, seus coautores : Alzeni da Silva Fausto; Arlindo Pereira;

Bernardete Montesano; Claudemar Mattos; Dalila Sylvia de Oliveira Silva; Fátima Cristina D.

Sanches; Francisco Caldeira de Souza; Jorge da Costa Pinto; José Antônio Pereira; Lúcio de

Sampaio Filho; Márcio Mattos Mendonça; Maria C. Rosa; Marisa Pimentel Amaro; Nádia

Aparecida C. P. Reis; Nádia Aparecida C. P. Reis; Renato Baldez de Moraes; Rosângela de

Almeida; Rosângela Mangili; Sandra Santos Fernandes; Sandra Aparecida C. Magalhães

Fraga; Sonia Nascimento de Oliveira; Tania Maria de Souza; Valdecy Ferreira de Lima;

As agricultoras e agricultores do Maciço da Pedra Branca pelo aprendizado proporcionado

nesses anos de caminhada.

Aos profissionais do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde/Farmanguinhos/ Fiocruz

por apresentarem a complexidade ao nosso território e feito isso terem demonstrado as

matizes entre a teoria e a prática;

À Miriam Langenbach e demais cestantes da Rede Ecológica;

À Bernardete Montesano e demais amigos da Rede Carioca de Agricultura Urbana e à

Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro com suas redes de redes;

À Dra Mara Zélia, Mayara Queiroz e demais organizadores do I Simbafito pela nova

oportunidade de observar outro território e ver questões similares.

À amiga recente Monica Alvarenga pela presença e estímulo.

À Alice Franco, pelas provocações e parceria.

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RESUMO

Os diferentes usos e apropriações das plantas medicinais mobilizam recursos

por todo o mundo. Laboratórios, instituições de pesquisa, indústrias investem bilhões de

dólares em busca de novas moléculas tendo como ponto de partida o acesso ao conhecimento

tradicional associado à biodiversidade. Os povos e comunidades tradicionais e agricultores

familiares tem se utilizado de estratégias, muitas vezes insuficientes, para proteger ou

negociar o conhecimento constituído por seus antepassados. Consideramos a exclusão das

classes populares aos sistemas de decisão política propondo que o estudo de uma unidade

territorial poderia dar conta de relacionar as diferentes fragmentações a que a participação

política se reporta. Enquanto objeto de estudo, investigamos o conhecimento sobre plantas

medicinais tanto do ponto de vista da Saúde Coletiva como da Agroecologia. Esses campos

são também como fronteiras epistemológicas para analisar a relação entre informação

científica e o conhecimento tradicional na comunicação informal que vincula os atores em

redes sociotécnicas de plantas medicinais. As redes são delineadas em sua dimensão local a

partir de projetos e práticas orientadas à produção e consumo de plantas medicinais entre a

zona oeste do Rio de Janeiro e parte da região metropolitana. Utilizamos como procedimentos

metodológicos a pesquisa-ação incluindo uma livre apropriação da sistematização em

composição com a análise documental, observação participante, entrevistas e reuniões. Como

resultado foi identificado o estado de reciprocidade ao conhecimento tradicional em grupos de

pesquisa brasileiros e periódicos de comunicação científica, como uma dimensão global das

redes observadas. Registramos o papel das feiras agroecológicas como nós da rede e como

mercado simbólico. Concluímos que a predominância do conhecimento tradicional na

comunicação informal qualifica a rede sociotécnica identificada. Sendo seu elemento mais

relevante a reciprocidade. A partir dos resultados apresentados espera-se que o imperativo

ético derivado dessa dimensão da dádiva se estenda aos objetos ou quase objetos como

elementos críticos da promoção da saúde e inclusão produtiva dos agricultores familiares,

povos e comunidades tradicionais.

Palavras-chave: Informação e Comunicação em Saúde. Agroecologia. Rede Sociotécnica.

Interdisciplinaridade. Plantas Medicinais.

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ABSTRACT

The different uses and appropriations of medicinal plants mobilize resources

worldwide. Laboratories, research institutions and industries invest billions of dollars in

search of new molecules having as a starting point the access to the tradicional knowledge

associated with biodiversity. The tradicional people and the traditional communities and

family farmers have been using strategies, often insufficient, to protect or negotiate the

knowledge constituted by their ancestors. We consider the exclusion of the popular classes to

political decision systems proposing that the study of a territorial unit could handle to relate

the different fragmentations that political participation reports. As an object of study , we

investigated the knowledge of medicinal plants from the point of view of Public Health as of

Agroecology. These fields are also as epistemological boundaries to examine the relationship

between scientific information and traditional knowledge in informal communication that

links the actors in socio-technical networks of medicinal plants. The networks are outlined in

your local dimension from projects and practices oriented to the production and consumption

of medicinal plants between the west of Rio de Janeiro and part of the metropolitan region.

We use as methodological procedures the research-action including a free appropriation of

systematization in composition with documentary analysis , participant observation,

interviews and meetings. As a result it was identified the reciprocity condition to traditional

knowledge in brazilian research groups and scientific journals , as a global dimension of the

observed networks. We registered the role of agro-ecological fairs as network nodes and as

symbolic market. We conclude that the prevalence of traditional knowledge in informal

communication qualifies the identified socio-technical network. Being its most important

element the reciprocity. From the results presented it’s expected that the ethical imperative

derived from this dimension of the gift extends to objects or almost objects as critical

elements of health promotion and productive inclusion of family farmers , peoples and

traditional communities.

Keywords: Information and health communication. Agroecology. Sociotechnical

networks. Interdisciplinarity. Medicinal Plants.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................14

1.1 OBJETIVOS ...............................................................................................................................25

1.2 JUSTIFICATIVA........................................................................................................................26

2 CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................................................32

2.1 TIPO DE ESTUDO ....................................................................................................................32

2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ..................................................................................35

2.3 FONTES DE DADOS .................................................................................................................39

2.4 COPARTICIPANTES DA PESQUISA .......................................................................................40

2.5 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA .............................................................................43

2.6 CAMPO OBSERVACIONAL.....................................................................................................45

2.7 ROTEIRO DA SISTEMATIZAÇÃO .........................................................................................46

2.8 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E ANÁLISE DE DADOS ................................................48

3 REFERENCIAL TEÓRICO ..........................................................................................................52

3.1 A COMUNICAÇÃO COMO FENÔMENO MAIS AMPLO. .....................................................53

3.2 CIENCIA E TRADIÇÃO – CAMINHOS ENTRE O GLOBAL E O LOCAL.............................67

3.3 SAÚDE COLETIVA E AGROECOLOGIA COMO FRONTEIRAS ...........................................79

3.4 A JUNÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE PROCESSOS, DISCIPLINAS, SETORES .............91

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A INTER-RELAÇÃO ENTRE A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA

E A TRADICIONAL ........................................................................................................................93

4.1 DE UMA PRÁTICA COMUNICATIVA A UMA REDE SOCIOTÉCNICA ...............................94

4.2 DA MEMÓRIA À COMUNICAÇÃO INFORMAL ..................................................................126

4.3 FEIRA AGROECOLÓGICA: TROCAS SIMBÓLICAS E COMUNICAÇÃO ORAL ...............142

4.4 REDES TRAÇADAS PELA PARTICIPAÇÃO-PODER ...........................................................162

4.5 A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL EM

PLANTAS MEDICINAIS ..............................................................................................................173

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5 ELEMENTOS CRÍTICOS PARA APOIO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E INCLUSÃO

PRODUTIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES .....................................................................189

6. CONCLUSÃO ............................................................................................................................196

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................203

APÊNDICES ..................................................................................................................................210

ANEXOS........................................................................................................................................221

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LISTA DE SIGLAS

AARJ – Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro

AFRNI – Associação Feira da Roça de Nova Iguaçu

AFERQ – Associação Feira da Roça de Queimados

AGROPRATA – Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra Branca

AGROVARGEM – Associação de Agricultores Orgânicos de Vargem Grande

ALCRI – Associação dos Lavradores e Criadores de Jacarepaguá

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ASPTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa

CCSDT – Coordenação de Cooperação Social de Desenvolvimento Territorializado

CEP – Comitê de Ética em Pesquia

CIEP – Centro Integrado de Educação Pública

CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa

COFID – Coordenação de Fitoterápicos e Dinamizados

COPAGÉ – Cooperativa dos Pequenos Produtores de Magé

DGP/CNPq – Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa.

EEUU – Estados Unidos

ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública

FAFRE – Feira Agroecológica da Freguesia

FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro

FARMANGUINHOS – Instituto de Tecnologia em Fármacos

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

FRNI – Feira da Roça de Nova Iguaçu

FRQ – Feira da Roça de Queimados

FOCG – Feira Orgânica de Campo Grande

ICICT – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde

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IFICS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

NGBS – Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde

PROFITO – Projeto Plantas Medicinais nas comunidades do entorno do Maciço da Pedra

Branca

REDES FITO - Redes de Inovação para Gestão em Fitomedicamentos

SMS – Secretaria Municipal de Saúde

SMSDC-RJ – Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro

SUS – Sistema Único de Saúde

TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNIVERDE – Cooperativa dos Pequenos Produtores de Nova Iguaçu

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1 INTRODUÇÃO

Estamos acostumados a ouvir elogios à biodiversidade brasileira como sendo uma

das maiores do mundo. Contudo a presença humana no manejo, uso ou melhoramento de

espécies da biodiversidade é constantemente desconsiderada se formos olhar do ponto de vista

dos povos e comunidades tradicionais ou da agricultura familiar. Os estudos relacionados à

agrobiodiversidade têm contribuído para reverter essa invisibilidade, ao tratar de forma

integrada os interesses alimentares e de reprodução dos modos de vida com a preservação dos

ecossistemas.

No âmbito deste debate, destacamos plantas medicinais como um fio condutor diante

de complexas relações que se estabelecem a partir da agrobiodiversidade. O conhecimento

sobre essas espécies foi socialmente construído ao longo de diversas gerações relacionadas às

suas territorialidades específicas. Por muitos séculos, a ciência também tem se dedicado a

investigação de diferentes aspectos dessas plantas medicinais. Muitas vezes de uma forma ou

outra as pesquisas científicas das plantas medicinais partem do conhecimento tradicional

associado à biodiversidade ou já disseminado na sociedade.

Os princípios da agrobiodiversidade ao relacionar plantas, objetos, espaços e

alimentos como partes de um sistema agrícola permitiu problematizar a complexidade de

temas que envolvem as plantas medicinais: o extrativismo, o cultivo ou a produção e,

consequentemente, o consumo de plantas medicinais – todos estes se relacionam com o

acesso à terra, com a documentação do agricultor, com a certificação da produção. Os

mercados existentes e a logística para acesso a esses mercados bem como a oportunidade de

beneficiamento ou não de sua produção são outros fatores relacionados a plantas medicinais.

Sob a perspectiva da saúde coletiva, a predominância do uso tradicional e popular de

plantas medicinais principalmente em classes populares e comunidades periféricas mesmo em

ambiente urbano é um fator cultural importante. Eventualmente, trata-se de um sintoma da

exclusão de populações aos sistemas de saúde pública que, não tem adequação à cultura local.

Em muitos casos, um tratamento à base de plantas medicinais está associado à falta de

atendimento médico de qualidade, levando cidadãos a procurar por meios alternativos o

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alívio aos sintomas desagradáveis que porventura estejam sentindo. Em outras situações

observa-se que cidadãos com acesso aos serviços de medicina convencional escolhem utilizar

o conhecimento tradicional de plantas medicinais.

Esse uso implica em diferentes oportunidades de organizar e criar vínculos para a

saúde coletiva, para geração de renda, para novidades e inovações como processos sociais.

Criar vínculos, por sua vez, seria uma condição para a gestão participativa das políticas,

programas, projetos e serviços direcionados às populações que utilizam tradicionalmente

plantas medicinais.

Elencamos, assim, um conjunto de condicionantes para a produção e consumo

agroecológicos de plantas medicinais. Citamos a terra, o mercado, a logística, a

documentação, o uso assistido ou não por profissionais de saúde. Ao considerarmos a

exclusão das classes populares aos sistemas de decisão política que influenciam esses fatores

pulverizados, pensamos que o estudo de uma unidade territorial poderia dar conta de

relacionar as contradições e questões que envolvem as plantas medicinais, inseridas em um

agroecossistema sendo este, por sua vez, incluído em redes globais.

O território seria então o espaço onde as relações pessoais, intersetoriais e

interdisciplinares são passíveis de observação. Temas, setores econômicos e da administração

pública, pesquisas monodisciplinares que se espalham pelo mundo podem ser observadas a

partir desse recorte territorial. Ao mesmo tempo os territórios no Brasil e no mundo são

lugares de disputas e relações de poder. E, conflitos territoriais tem sua própria complexidade.

Desse modo, essa pesquisa se utiliza do território do Maciço da Pedra Branca como

ponto de partida para o delineamento de uma rede sociotécnica que articula este espaço social

a configurações políticas mais amplas, construída a partir de um projeto de capacitação de

agricultores para a produção de plantas medicinais: o Projeto Profito. Esse primeiro recorte

territorial está situado geograficamente na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Acima de

100 metros do nível do mar existe uma unidade de conservação integral denominada Parque

Estadual da Pedra Branca (PEPB). Denominamos Maciço da Pedra Branca ao conjunto de

relações territoriais além do PEPB, e incluindo o entorno dessa UCI, onde há experiências de

agricultura.

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É nesse território em disputa que se passa a experiência do Profito, um bom caso

para pensar a complexidade que envolve essa proposta de construção de um arranjo produtivo

local de plantas medicinais e que toma agricultores familiares como protagonistas deste

projeto.

A realidade encontrada no maciço não difere de muitos outros lugares ou territórios.

Os conflitos socioambientais encontrados nessa região são similares aqueles que se espalham

por diversas regiões do país e do mundo. Durante décadas se difundiu a ideia de um vazio

demográfico nas montanhas da Pedra Branca. O Estado criou então, na cidade do Rio de

Janeiro uma unidade de conservação integral mantendo a invisibilidade dos sitiantes

tradicionais historicamente habitantes do local.

Toda a região metropolitana apresenta impasses em relação à conservação

socioambiental e à manutenção da agricultura em suas diversas manifestações. Há impactos

na agricultura urbana e nos territórios definidos como urbanos, periurbanos e rurais. Ao

mesmo tempo, o projeto Profito construiu relações com agricultores e agricultoras de vários

municípios. Buscando associar a realidade intramunicipal do Rio de Janeiro a municípios da

Baixada incluímos na pesquisa essas outras realidades. Queimados, por exemplo, tem uma

legislação similar à do Rio de Janeiro. O IPEA configura esse município como 100% urbano.

O ordenamento espacial desse município não prevê a agricultura e não há uma associação

entre a produção agrícola e os impostos urbanos, por exemplo.

Afinal, o Maciço da Pedra Branca é um território rural ou urbano? Apesar de ser

uma indagação recorrente entre as pessoas a própria noção de rural e de urbano se modifica

nesses contextos. A legislação parece simplificar esse contexto. Os municípios do Rio de

Janeiro e de Queimados, por exemplo, são considerados integralmente urbanizados. A

observação e a declaração dos cidadãos, no entanto modificam esse olhar.

O plano diretor do Rio de Janeiro não deixa espaço para a agricultura, embora ela

exista. Curiosamente alguns moradores e produtores ainda recebem o carnê de pagamento do

Imposto Territorial Rural (ITR). Outros têm conseguido uma isenção do Imposto Predial e

Territorial Urbano (IPTU) por terem agricultura em suas propriedades. Essas imposições

(impostos) demonstram a ambiguidade territorial como campo de luta para agricultores.

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A segunda região metropolitana do Brasil segue na direção de formação de uma

megalópole, promovendo uma conurbação entre o Rio de Janeiro e São Paulo. A conurbação

ocorre quando as cidades perdem seus limites. As duas maiores metrópoles brasileiras tem seu

crescimento urbano acelerado tendendo a esse conglomerado chamado de conurbação. Nesse

cenário, a quantidade de asfalto, concreto, e industrialização é inversamente proporcional à

preservação dos recursos naturais.

O Rio de Janeiro não é diferente também nos impactos sobre as comunidades

tradicionais. Os processos de luta de comunidades indígenas na Aldeia Maracanã e na

comunidade quilombola da Restinga de Marambaia tiveram certa visibilidade na mídia,

recentemente. Mostram que a cidade do Rio de Janeiro não está alheia aos processos de

conflitos socioambientais que ocorrem em outras regiões do país.

Tanto a cidade como toda a região metropolitana está sendo palco de grandes

investimentos financeiros internacionais. Um dos motivos aparentes desses investimentos são

os jogos globais – os Jogos Pan-Americanos, realizados em 2007; a Copa do Mundo realizada

em 2014 e os Jogos Olímpicos que ocorrerão em 2016. Em nome desses eventos são

promovidas profundas transformações urbanas na cidade. Na mesma dimensão investimentos

de grande envergadura, típicos de um determinado modelo de desenvolvimento modifica-se a

configuração da região metropolitana.

Além desses problemas sociais, os impactos ambientais derivados dessas e de outras

intervenções urbanas passadas têm sido visíveis e contabilizados. Estima-se que a região

metropolitana do Rio de Janeiro levou 300 anos para poluir a Baia de Guanabara. O complexo

lagunar da Baixada de Jacarepaguá (Rio de Janeiro/RJ) foi prejudicado severamente em

apenas três décadas. A legislação restritiva de alguns locais de interesse imobiliário é alterada

de modo arbitrário. Na Reserva Ambiental de Marapendi, na Barra da Tijuca, próximo ao

PEPB, há um projeto de construção de um campo de golfe e um resort. Um importante

fragmento de mata atlântica no bairro de Deodoro, zona norte da cidade, está ameaçado pelo

projeto de implantação do autódromo retirado da zona oeste.

O capital parece dispor da cidade sem sequer consultar os seus habitantes. Quando

promove uma audiência pública parece cumprir uma exigência legal. Recentemente um gestor

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de um órgão ambiental estadual afirmou que fazia a consulta à sociedade, mas que seu objeto

em consulta pública não estava em discussão. A decisão já estava tomada. O contexto político

na cidade é de luta e conflito. Multiplicam-se as resistências por todo lugar.

Na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro a população tradicional também

desenvolve processos simbólicos de luta. Constitui tramas e vínculos tecidos na reprodução

de seu modo de vida. Alia-se a diferentes atores sociais na busca do bem-viver. Defende seu

direito à terra para plantar e morar. Defende sua intrínseca relação com a paisagem cultural

que seus ancestrais ajudaram a cultivar. Defende sua proximidade com o mar, os lagos, os

rios, os peixes, os pássaros que marcaram sua infância e que constituem marcos em sua

memória social. Consolida novos territórios pautados pela solidariedade e participação

política.

As resistências populares resultam em fronteiras agrícolas e ambientais. Por toda a

periferia da região metropolitana encontram-se experiências de agricultura ou de proteção

ambiental. Nas três cidades visitadas nessa pesquisa, Nova Iguaçu, Queimados, Rio de

Janeiro, a agricultura se faz presente nos limites das cidades. Em alguns bairros é possível

observar o corte brusco entre o urbano e o rural, de certa forma demonstrando o vetor de

crescimento da cidade.

Ao lado desses espaços onde a agricultura se instala há as unidades de conservação.

Em Queimados há duas áreas de proteção ambiental (APAs). Uma é a APA Guandu e a outra

é a APA Luiz Gonzaga de Macedo, inteiramente municipal. Nova Iguaçu está nos limites da

Reserva Biológica de Tinguá. Criado recentemente, o Parque Estadual do Mendanha (PEM)

liga três municípios da região metropolitana, Nova Iguaçu, Mesquita, Rio de Janeiro. O Rio

de Janeiro além do PEM e de diversas outras unidades de conservação, abriga o Parque

Estadual da Pedra Branca (PEPB).

O PEPB, unidade integral de conservação onde iniciamos essa pesquisa, foi criado

em 1974. Espalha-se principalmente na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. São 12 mil

hectares destinados a conservação integral da biodiversidade, ou seja, por pressuposto,

excluindo a presença humana enquanto lugar de morar e reprodução dos modos de vida.

Paradoxalmente, a falta de investimento para implantação da UC e principalmente a ausência

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de regularização fundiária, criou condições para a preservação da agricultura e das

comunidades tradicionais da região.

Por vivenciar o paradoxo entre uma institucionalidade (PEPB) e a evidente presença

humana, citamos sempre o Maciço da Pedra Branca como expressão da fusão da

agrobiodiversidade com a unidade de conservação. É uma cordilheira de montanhas, no

coração da cidade que já havia passado por diferentes ciclos agrícolas. Houve o ciclo da cana

de açúcar, do café. Nas primeiras décadas do século XX, segundo um agricultor, saíam

“caminhões e caminhões de laranja” da região. Atualmente a principal produção é de

fruticultura, especialmente, banana e caqui. Desse modo, os principais atores desses ciclos

permaneceram no lugar, fazendo tradicionalmente seu ofício de agricultores.

Sem o reconhecimento público de sua existência, os agricultores e sua rede de

parentela formaram pequenas comunidades. Nessas comunidades ocorre esse uso popular e

tradicional de plantas medicinais, principalmente como o sintoma de exclusão citado

anteriormente. O acesso à saúde no Maciço da Pedra Branca é caracterizado pela ausência do

poder público, por isso chamado por alguns de vazio sanitário. É comum ouvir dos

agricultores que “há trinta anos não vão ao médico”. Outro diz que nunca foi a um médico.

Até recentemente, as pessoas recorriam a Dona Nata, a rezadeira local, falecida já.

Conhecendo esses fatores duas pesquisadoras criaram o Projeto Profito Pedra

Branca. Conheci uma delas, Sandra Aparecida Magalhães Fraga, doutora em ecologia,

conservação e manejo, às margens do Rio Paineiras fazendo coleta de material para sua tese,

defendida na Universidade Federal de Minas Gerais. A segunda pesquisadora, Annelise

Caetano Fraga Fernandez, estava na época de criação do Profito fazendo o trabalho de campo

também para sua tese de doutoramento no Programa de Antropologia da Universidade Federal

do Rio de Janeiro.

Houve uma convergência de interesses entre a comunidade tradicional, os interesses

da pesquisadora e a iniciativa do Instituto de Tecnologia em Fármacos

(Farmanguinhos/Fiocruz). Desse modo, em 2006 foi criado o Projeto Plantas Medicinais

como alternativa Agroecológica para as comunidades do Maciço da Pedra Branca. Após

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várias versões e nomes similares ao primeiro, em 2008, o projeto recebeu o nome fantasia de

Profito, termo que usamos para designá-lo desde então.

O projeto criado por Farmanguinhos/Fiocruz teve um objetivo inicial de garantir

renda para os agricultores do Maciço da Pedra Branca. Tinha uma vocação para a

sustentabilidade, bem como de promover a mediação dessas comunidades tradicionais com o

órgão gestor do Parque Estadual da Pedra Branca, na época conhecido como Instituto

Estadual de Florestas (IEF). Atualmente após a fusão com outros órgãos de vocação

ambiental, tornou-se Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

A equipe fundadora do Profito encontrou duas organizações de agricultores já

consolidadas e um grupo com forte vínculo entre si. A Associação de Lavradores e Criadores

de Jacarepaguá (Alcri) era a organização mais antiga e uniu os agricultores de um sub-bairro

chamado Pau da Fome, vizinhos a sede do PEPB. Foi criada em 1986, passou 12 anos

desativada e depois foi reorganizada pelos técnicos da Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Emater) que, na época mantinha um escritório em Jacarepaguá (Fernandez,

2010, p. 298).

A segunda organização já consolidada foi criada com o nome de Associação de

Agricultores Orgânicos da Pedra Branca. Embora seu nome de origem quisesse abranger todo

o Maciço, na realidade seu nome fantasia lhe dá uma territorialidade mais restrita. Hoje, após

a criação da Agrovargem em 2007, passou a se chamar Agroprata, numa referência ao sub-

bairro de Rio da Prata, Campo Grande, cidade do Rio de Janeiro.

A Agrovargem, nome fantasia da Associação de Agricultores Orgânicos de Vargem

Grande nasceu com a participação da comunidade no Profito. Com o desenvolvimento do

diagnóstico participativo promovido pela equipe fundadora do Projeto, encontrou-se no Alto

Mucuíba em Vargem Grande (RJ/RJ), um grupo coeso por laços de parentesco e de

religiosidade. Eram agricultores e comunitários de algumas poucas famílias tradicionais. A

própria criação da associação foi uma demanda do grupo que já tinha essa necessidade

bastante contextualizada. Para eles, o acesso a direitos passava por essa institucionalização de

sua forma peculiar de organização. Assim, após várias reuniões de formação em 12 de

dezembro de 2007 foi criada a Agrovargem.

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As três associações de agricultores, parentes e as comunidades onde se inserem

foram vinculadas como uma rede comunitária através do investimento participativo dos

projetos. Ao repetirem a presença em reuniões, seminários, viagens passaram a criar vínculo

com os laboratórios de Farmanguinhos e por extensão com outros institutos e com o Campus

Fiocruz da Mata Atlântica. Essas relações não ficaram restritas à Fiocruz, se estendendo para

outras organizações governamentais ou não inicialmente convidadas pela equipe fundadora do

Profito. Outras parcerias foram se vinculando ao longo do tempo, focando em atores do

entorno do Maciço da Pedra Branca mas incluindo relações com agricultores da Baixada

Fluminense.

Essa territorialidade do Profito está centrada na agricultura do Maciço da Pedra

Branca e no seu entorno onde se situa três unidades de Farmanguinhos, uma delas no Campus

Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA). Estende-se à parte da região metropolitana do Rio de

Janeiro desde que as organizações de agricultura da Baixada Fluminense, em especial de

Magé, Nova Iguaçu e Queimados, mediante convite passaram a frequentar os seminários do

Profito realizados em 2010 e 2012.

A comunicação em redes foi uma opção metodológica em 2009 quando o Profito

alcançou seu primeiro orçamento institucional através do edital de Desenvolvimento

territorial desenvolvido pela Coordenadoria de Cooperação Social, órgão ligado à presidência

da Fiocruz. A partir dessa visão, o Profito passou a se inserir e ajudar a criação da Rede

Carioca de Agricultura Urbana, derivada do trabalho do Programa de Agricultura Urbana da

organização-não-governamental Assessoria a Agricultura Alternativa (ASPTA). O próximo

pertencimento veio com a participação dos agricultores nas articulações de agroecologia da

metropolitana, estadual e nacional.

Como previsto no projeto de 2009, essa comunicação em redes deu amplos

resultados para os agricultores da Pedra Branca. Eles aumentaram sua participação no

Conselho Consultivo do Parque Estadual da Pedra Banca; alcançaram representação nas

Conferências locais, municipais, estadual e nacional de segurança alimentar; conquistaram

assento no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-Rio). Esse

conselho é fundamental para acesso da agricultura da cidade do Rio de Janeiro a determinados

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direitos. Atualmente é presidido por um agricultor que iniciou sua participação política no

Profito.

A partir da inserção em redes os agricultores do Maciço da Pedra Branca

conseguiram as primeiras Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP), um importante

documento para acesso a crédito e mercados institucionais. Passaram a comercializar para

colégios estaduais da região através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Atualmente cinco escolas do entorno adquirem alimentos orgânicos diretamente da

agricultura da cidade. Esses avanços levaram o atual diretor da Agrovargem, Jorge Cardia, a

afirmar: “Nós não somos mais invisíveis”.

Outra novidade é a territorialidade emergente das feiras orgânicas e agroecológicas

que surgem por toda a cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana. Através da

participação dos agricultores aprendemos que a feira é muito mais que um mercado. Esse

vínculo mostrou que valorizam um mercado onde podem expressar sua cultura oral, sua

dádiva, seu conhecimento. Aqui entendemos a feira como lugar de construção do

conhecimento, como lugar de comunicação e trocas simbólicas. É, portanto, um espaço

valorizado por essa pesquisa.

A percepção atual é que esse conjunto de atores constitui uma grande rede na qual

se apresentam atores humanos e não humanos que se relacionam sob a influência direta tanto

do conhecimento tradicional como da informação científica. Todos, naturalmente, com direito

à participação nas políticas relacionadas às plantas medicinais. Essa dupla informação

costuma gerar alguns impasses entre as redes e coletivos anunciando uma necessária tradução,

mediação e simetria.

A metodologia do Profito se organizava em torno da gestão participativa. Foi um

investimento de anos para gerar a atual relação entre os três núcleos de agricultura e moradia.

Esse processo de formação foi a atividade principal que me conduziu de voluntária no Profito

à profissionalização em Farmanguinhos. A equipe fundadora sentiu a necessidade de

profissionalizar alguém das ciências humanas que implantasse essa gestão participativa.

Assim em 2007 passei a integrar a equipe.

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Essa pesquisa deriva dos desafios dessa convivência entre a tradição agrícola, as

reflexões das ciências humanas e sociais com o laboratório. Foram os desafios e resultados

dessa formação para a gestão participativa que fundamentam esse projeto.

A agricultura familiar e tradicional do Maciço da Pedra Branca e, por extensão, da

região metropolitana do Rio de Janeiro é fragilizada por questões de mercado, de especulação

imobiliária ou limitada pela implantação de unidades de conservação integral que perseguem

o mito da natureza intocada. Ao mesmo tempo é atingida por relações técnicas orientadas por

órgãos governamentais diferentes que nem sempre atuam no sentido de unir. A fragmentação

e setorialização da gestão pública tem seu paralelo na resistência popular também

fragmentada como todo o tecido social. São grupos especializados na luta por moradia, outros

por alimentação saudável, outros por cultura viva, outros por questões ambientais. Outros

coletivos e organizações ainda são voltados para a economia solidária e parecem ligar-se mais

ao artesanato do que a uma visão intersetorial da produção para outra economia possível.

Esses grupos parecem corresponder à divisão contemporânea do conhecimento tão

compartimentalizado em disciplinas, orientada para e por diferentes setores econômicos,

apropriados em distintos espaços geográficos. Entre seus operadores estão aqueles voltados

para a política urbana, de mobilidade, de abastecimento, de educação. São aqueles gestores de

planos e recursos para implantar os aparelhos esportivos voltados aos jogos. São aqueles

definidores dos serviços ambientais e voltados à cultura. São também atores coletivos na

busca de garantir segurança alimentar e nutricional, ligando abastecimento às necessidades

novas ligadas à agroecologia. Simultaneamente e no mesmo território existem os serviços de

saúde pública e investimentos em pesquisas do campo da saúde coletiva.

É, portanto, um amplo leque de ações e serviços que podem convergir com o

pensamento crítico da população organizada. Em cada um desses nichos de poder há cidadãos

tentando fazer valer seu direito à participação. Esses cidadãos se conectam a uma rede ampla

de resistência política e cultural. Porém, essa rede é complexa. A atuação na gestão

participativa do Profito demonstrou que a agricultura da região metropolitana do Rio de

Janeiro é uma agricultura ameaçada. Só recentemente começa-se a ter acesso aos programas

de amparo ao próprio ato (prioritário) de produzir alimento. Muitos agricultores vivem sem

documentação, sem segurança da posse da terra. Desse modo, não poderiam participar de uma

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política pública de plantas medicinais. Precisavam atender a outras prioridades como

estratégia de sobrevivência. Temas mais emergentes se sobrepuseram às plantas medicinais. O

seu uso popular e tradicional dava conta de suas necessidades de autocuidado. Sua prioridade

era o acesso a terra.

Por diversas vezes agricultores demonstraram seu vínculo com as plantas medicinais.

No entanto, as lutas cotidianas para reprodução de seu modo de vida são tão exigentes que o

trabalho com as plantas medicinais se torna secundário. As prioridades são o alimento, a

moradia, a posse da terra. As pessoas querem atuar nas políticas e serviços locais voltados às

plantas medicinais, mas não conseguem. Diante disso, a busca de uma participação politica

não fragmentada tendo por base uma unidade territorial é uma necessidade.

Essa pesquisa enquanto ferramenta de observação e análise propõe a um recorte

temático e territorial do contexto descrito. Verificamos um conjunto de organizações

populares, serviços governamentais, agentes de pesquisa científica, aparelhos públicos,

objetos técnico-científico-informacionais que podem ser descritos e analisados como rede

sociotécnica. Em meio às contradições inerentes ao território recortado esse grupo parece ser

uma pequena parte que contém o todo. Como um holograma esse pequeno recorte pode

iluminar o conjunto das relações de resistência nesse território. É um dos motivos que tornam

esse empreendimento relevante.

Por opção dos agricultores que integram o Profito, o ambiente das feiras foi

priorizado como espaço de interações entre produtores e consumidores de plantas medicinais

frescas ou com beneficiamento primário. É nesse ambiente que aqueles detentores do

conhecimento tradicional possibilitam um encontro com o consumidor que, por ter acesso à

informação científica pode trazer algumas questões ao ato de compra.

Pressupõe-se que agricultores-produtores e consumidores articulem em seus

argumentos tanto a informação científica como o conhecimento tradicional. Podem também

ocorrer conflitos de autoridade ou de autoritarismo entre pessoas que atuem em um único

parâmetro de informação. É importante lembrar que todos têm direito à informação científica,

conforme declara um importante movimento internacional: “Las campesinas y campesinos

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tienen derecho a la información completa e imparcial sobre bienes y servicios, para decidir

qué y como quieren producir y consumir” (Via Campesina, 2009).

As conversas informais no ambiente das feiras inclui simultaneamente o

conhecimento tradicional e a informação científica. Juntando todos esses fatores será

configurada uma rede vinculando os diferentes atores através da informação e da

comunicação. A prática empírica nos projetos desenvolvidos permite identificar quatro

categorias de atores: O primeiro ator é produtor/fornecedor de plantas medicinais em

propriedades urbanas e/ou periurbanas. O segundo ator é consumidor, adquirindo plantas

medicinais através de trocas mercantis ou pela dádiva. O terceiro ator é atuante nas redes de

agroecologia e contribui com o suporte para o consumo agroecológico de plantas medicinais.

Tem o perfil técnico e um entendimento crescente do modo de construção social do

conhecimento que permeia as articulações de agroecologia. O quarto ator é detentor de

saberes biomédicos, ligado à saúde pública, seja na assistência, seja na vigilância sanitária.

Lembramos essa categorização não é estática mas processual. O consumidor é muitas

vezes produtor. O produtor sempre é um consumidor. O mesmo é válido para os demais

atores que oscilarão entre os vários papeis. Uma leitura e descrição dos contextos em que

ocorre a interação observável serão úteis nessa investigação.

O problema de pesquisa é a coexistência entre a informação científica e o

conhecimento tradicional nas práticas de comunicação informal sobre plantas medicinais

nessas redes e, em especial nas feiras agroecológicas da região metropolitana. A observação

pretende identificar como ocorre essa coexistência, se há disputa de sentidos, relação de

domínio ou complementaridade e que rede sociotécnica pode ser desenhada, no território, a

partir desses fluxos de informação e comunicação.

1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral

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Analisar a relação entre informação científica e o conhecimento tradicional na

comunicação informal que vincula os atores em redes sociotécnicas de plantas medicinais na

região metropolitana do Rio de Janeiro.

1.1.2 Objetivos específicos

a) Sistematizar as ações do Projeto Profito descrevendo a relação de seus integrantes com

o Sistema Único de Saúde.

b) Identificar as práticas de informação e comunicação sobre plantas medicinais em feiras

agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

c) Desenhar a rede sociotécnica derivada da participação popular nos serviços e políticas

de plantas medicinais na região metropolitana do Rio de Janeiro.

d) Analisar a inserção do conhecimento tradicional na produção científica sobre plantas

medicinais.

1.2 JUSTIFICATIVA

A principal motivação para essa pesquisa vem da experiência pessoal em meu lugar

de origem familiar, junto às organizações populares e movimentos sociais. Portanto, meu

interesse pelo tema surge de uma existência híbrida e não moderna. Nasci em meio a uma

comunidade tradicional na zona oeste do Rio de Janeiro. Cresci, no entanto com acesso à

informação tecnológica e científica. Vivenciei atividades típicas do passado como algo que

sobrevivia contemporaneamente através de práticas que incluem o uso de plantas medicinais.

Ao mesmo tempo sou impelida cotidianamente a traduzir a produção acadêmica sobre plantas

medicinais.

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Interpelada em diversas ocasiões passei a uma militância de defesa da informação

científica que ratifica o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais. Ao mesmo tempo

reconhecendo a luta por empoderamento das classes populares que fica invisível na relação

sociotécnica. Essa forma não sistematizada sempre me causou um grande desconforto.

Percebi então que aí existe um objeto de pesquisa a ser investigado.

Essa vivência foi fortalecida através do período que integrei a equipe do projeto

Profito. Primeiramente como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro

(Faperj) e em seguida como gerente do projeto. Compreendi as implicações da falta de acesso

à informação científica e necessidade de estratégias de mediação através dessa atuação

profissional.

O investimento local feito pelo Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde

(NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz) levou parte da equipe à percepção empírica de vazios do

conhecimento sociotécnico sobre a integração entre conhecimento tradicional e informação

científica. O número de pesquisas científicas sobre plantas medicinais excede as mais ousadas

expectativas. Diferentes listas de plantas medicinais estudadas subsidiam interesses de uso na

saúde pública e na indústria. Esse é o caso da Relação Nacional de Plantas de Interesse do

Sistema Único de Saúde (Renisus). Algumas espécies integram a Relação Nacional de

Medicamentos (Rename).

A essa percepção se aliou a permanência da mobilização dos agricultores e

comunitários que integram o projeto como a exigir uma culminância concreta e obtenção dos

objetivos traçados inicialmente para o Profito.

Outra justificativa para essa pesquisa é a sua relação contemporânea com o ambiente

institucional internacional e nacional. Entre as diferentes iniciativas globais de proteção aos

modos de vida dos povos e comunidades tradicionais está a Conferência Internacional Sobre

Cuidados Primários De Saúde, realizada na então União das Repúblicas Soviéticas (URSS),

na cidade de Alma-Ata entre 6 e 12 de setembro de 1978. O documento síntese das

deliberações desse foro inclui, em sua visão de saúde, os praticantes da medicina tradicional.

Essa medicina tradicional é reconhecida pelo uso de plantas medicinais e outros elementos da

agrobiodiversidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS), após essa declaração passou a

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desenvolver mecanismos de inclusão dos conhecimentos tradicionais em diversos documentos

e ações mundiais.

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais

conhecida como Eco 92 ou Rio 92, além de enfatizar a emergência das questões ambientais,

trouxe ao cenário a proteção aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Uma das

culminâncias dessa conferência foi a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica

(CDB) por 175 países incluindo o Brasil. Esse documento tornou a proteção aos direitos

desses povos algo mais explícito, mas que, em nosso entendimento já estava implícito na ideia

da medicina tradicional preconizada pela Declaração de Alma Ata.

A natureza da CDB está no âmago dessa pesquisa na medida em que trata do uso da

biodiversidade onde o acesso sobre plantas medicinais tem o seu papel. O documento

reconhece a intrínseca relação entre a biodiversidade e os povos e comunidades tradicionais.

Considera também que o conhecimento tradicional é utilizado por atores não pertencentes a

essas comunidades e, nessas condições, uma justa e equitativa divisão de benefícios deve ser

promovida.

Dois anos depois da Eco-92, o Brasil se torna signatário do acordo TRIPS, sigla

derivada de Agreementon Trade-Related Aspect sof Intellectual Property Rights, ou Acordo

sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Essa

rodada de negociações internacionais foi realizada no Uruguai, em 1974 e contribui para a

fundação da Organização Mundial do Comércio. Mais adiante vamos analisar essas

contradições no campo dos acordos internacionais que impactam direta ou indiretamente o

cenário nacional da produção, circulação e consumo de plantas medicinais.

Simultaneamente, no Brasil, foram se constituindo as correspondências desse

contexto internacional na legislação nacional. Essas ambiguidades globais espalham-se por

diferentes documentos. Ao longo da pesquisa analisaremos a proliferação de políticas,

programas e planos governamentais. Considerando as características da nossa federação e a

nossa cultura de ação governamental, configura-se uma fragmentação dessas políticas e

programas agravando a situação desses povos e comunidades tradicionais. Ou seja, os

próprios textos programáticos dão indícios de uma luta de hegemonia e contra hegemonia

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entre princípios que ora protegem os povos e comunidades tradicionais ora fazem deles presas

fáceis de esquemas desenvolvimentistas.

No Brasil, o pacto federativo, em sua distribuição de ações públicas entre governos

federais, estaduais e municipais não favorece uma integração das ações previstas nesses

textos. Há políticas nacionais conflitantes a serem executadas por diferentes ministérios. As

ações em si, devem obedecer ao pacto federativo. Estados e municípios tem a prerrogativa da

ação local e por sua vez dividem a gestão em secretarias e subsecretarias, institutos. Esse

quadro fragiliza ainda mais a produção e o consumo agroecológico de plantas medicinais.

Consideramos então os três entes federativos corresponsáveis pela execução de

princípios protecionistas expressos na Constituição Federal e na adesão nacional aos acordos

internacionais. Embora, como veremos adiante, a principal iniciativa que anima essa pesquisa

tenha uma geografia intramunicipal, achamos indispensável recorrer a um recorte regional

que possibilite em desdobramentos futuros pensar o papel do Estado do Rio de Janeiro nessa

problemática.

As políticas, programas e alocação de recursos derivadas de decisões nacionais

também são fatores que justificam esta pesquisa. Nesse sentido sublinhamos: Política

Nacional de Práticas Integrativas e Complementares PNPIC(Brasil, 2006a), a Política

Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Brasil, 2006b), ao Programa Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) (Brasil,

2007), ao Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Brasil, 2009), a Política

Nacional de Produtos da Sociobiodiversidade (Brasil 2009). O tema também é relacionado à

Política Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia - PNAPO (Brasil, 2012).

O Plano Nacional de Cultura (Lei 12343/2010), por sua vez, traz princípios que são

aplicáveis ao tema das plantas medicinais: "valorizar a diversidade cultural, étnica e regional

brasileira; proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;

reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus

detentores". Tem como órgão executor o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural

(IPHAN) que traçou uma metodologia para lidar com o conhecimento tradicional como

patrimônio imaterial.

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Outro desses investimentos está acontecendo por demanda das organizações

populares e movimentos sociais junto com profissionais especializados na Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um de seus órgãos, a Coordenação de Fitoterápicos,

Dinamizados e Notificados (Cofid) tem avançado bastante na legislação referente a

medicamentos derivados de plantas medicinais (ANVISA, 2013a). Por exemplo, a resolução

RDC Anvisa nº 277, de 22 de setembro de 2005, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2013a) que estabelece o Regulamento Técnico para Café,

Cevada, Chá, Erva-Mate e Produtos Solúveis. Descreve um conjunto de plantas passíveis de

utilização como alimento (chá), atendendo ao que se convenciona chamar de baixa

complexidade. Ou seja, as plantas tem indicação de uso como alimentos, sem a conotação de

medicamentos. Aliam-se a estratégias de alimentação, nutrição e saúde preventiva.

Outra iniciativa da própria ANVISA recentemente colocou em consulta pública um

processo de inclusão produtiva que pode beneficiar diversos produtos derivados da agricultura

familiar dentre eles, a produção e beneficiamento primário de plantas medicinais. Estive

presente em uma das oficinas que deu origem à consulta pública nº 37 de 26 de agosto de

2013 publicada no Diário Oficial da União de 27/08/2013 (ANVISA, 2013b). No dia 29 de

outubro de 2013, participei da 14ª reunião colegiada do órgão durante o Simpósio Brasileiro

de Vigilância Sanitária. Nessa reunião a consulta pública foi aprovada por unanimidade dando

origem à RDC 49/2023 (ANVISA, 2013c).

O órgão responde com esse processo a demandas da sociedade civil. Essa consulta

pública é uma vitória dos movimentos sociais em sua luta por inclusão produtiva expressa na

11ª Conferências Nacional de Saúde e na de 1ª Conferência Nacional de Vigilância Sanitária.

A forma pela qual essa consulta foi organizada permitiu a participação dos movimentos

sociais e a identificação dos avanços e desafios apresentados nacionalmente na discussão.

Esta pesquisa também se justifica pela interseção do seu tema com a Agenda

Nacional de Prioridades de Pesquisa em Vigilância Sanitária, dentre essas os estudos sobre

agricultura familiar e produção artesanal de alimentos e seus impactos na segurança alimentar

(ANVISA, 2011, p. 11); Na mesma agenda há um item dedicado à comunicação e educação

(1.4) onde se expressam como prioridades, “estudos sobre as demandas da sociedade por

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informação sobre temas relacionados à vigilância sanitária e estudos sobre a mobilização

social como estratégia para a prevenção do risco” (ANVISA, 2011, p. 13).

Para esse processo de decisão quanto ao escopo da pesquisa foi fundamental saber

que há uma convergência de interesses no campo da agroecologia e a missão do Plano Brasil

Sem Miséria (PBSM) (BRASIL, 2011). Agroecologia preconiza o papel das novidades no

desenvolvimento endógeno e tem na segurança alimentar e nutricional o seu norte mais

pragmático. Um dos objetivos desse plano, o PBSM, é “propiciar o acesso da população em

situação de extrema pobreza a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de

inclusão produtiva” (BRASIL, 2011). Acreditamos que plantas medicinais tem um papel a

desempenhar no combate à vulnerabilidade social em nosso país. É possível que esse papel se

cumpra não como medicamento, mas como alimento e tema gerador importante para a

comunicação em saúde.

Considerarmos que uma parte da região metropolitana do Rio de Janeiro tem

indicadores de vulnerabilidade que justificam uma ação compartilhada entre os entes

federados e a sociedade organizada. Uma ação nessa região, tem o sentido de aprendizado

pessoal, institucional e coletivo para ser reaplicado em territórios ainda mais vulneráveis. Esse

projeto pode contribuir para mapear parcerias que dê início de um arranjo socioprodutivo

local de plantas medicinais e fitoterápicos. Tem a missão de consolidar um conhecimento

prévio sobre o ciclo produtivo e suas redes de apoio capaz de alinhar conceitos e criar

parcerias institucionais.

Finalmente acrescentamos que estudar o tema à luz da informação e comunicação em

saúde é uma busca por explicitar o papel estratégico que essas áreas exercem na gestão

participativa e controle social como princípios do SUS e demandas da sociedade. A ciência da

informação traz reflexões consideráveis sobre mecanismos de interdisciplinaridade e

multidisciplinaridade como um processo em curso ou algo que acontece à comunidade

científica, como um momento epistêmico (POMBO, 2005). Esta não é uma pesquisa sobre

interdisciplinaridade. No entanto, pode qualificar o objeto quanto à relação entre as ciências

que estudam plantas medicinais com uma atitude de solidariedade com os detentores do

conhecimento tradicional. Desse modo pode dar subsídios para futuras investigações e

implantação de projetos de desenvolvimento local.

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2 CAMINHOS DA PESQUISA

Inicio esse capítulo prestando uma homenagem à amiga e agricultora Madalena

Gomes, por termos uma prosa antiga sobre o caminho do pensamento. Naturalmente esse

capítulo poderia ser intitulado procedimentos metodológicos. No entanto, o alinhamento desta

pesquisa à uma aproximação com a forma de construção tradicional do conhecimento traz um

contexto onde as metáforas e incertezas são bem vindas. Com a presença da expressão

caminhos da pesquisa no Manual de Normalização de Trabalhos Acadêmicos (ICICT, 2012,

p. 27), achamos mais adequado batizá-lo assim. As palavras do mestre da complexidade,

Edgar Morin, conferem certa sustentação teórica a essa opção.

“A metáfora literária estabelece uma comunicação analógica entre realidades muito

distantes e diferentes, que permite dar intensidade afetiva à inteligibilidade que ela

apresenta. (...) Fornece, frequentemente, precisões que a língua puramente objetiva

não pode fornecer”. (Edgard Morin)

2.1 TIPO DE ESTUDO

Trata-se de uma pesquisa-ação onde se deu a conjunção de aspectos da pesquisa

documental ou bibliográfica com a observação participante e a entrevista semi-estruturada.

Também recorremos a uma livre apropriação da sistematização como prática comum do

campo da agroecologia, transformada em técnica de pesquisa-ação. Segundo Antonio Gil, a

pesquisa-ação “procura diagnosticar um problema específico numa situação específica com

vistas a alcançar algum resultado prático” (Gil, 2010, p. 42). Nesse sentido, ela se orienta

para parâmetros e procedimentos diferentes das pesquisas tradicionais que buscam

conhecimentos ditos objetivos. Enfatizamos a troca e a devolução das informações geradas

para o próprio grupo que gerou os problemas recortados.

A pesquisa se alinhou com a busca de elementos que integram o convencional e o

não convencional em pesquisa. Esses elementos, segundo Magda Soares (1992) são o locutor,

o interlocutor e o gênero da pesquisa e se referem ao "um continuum" do convencional ao não

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convencional, partindo da neutralidade pretendida, (...), para chegarmos à não neutralidade

valorizada, que é um reconhecimento do eu como objeto de pesquisa possível, porque, na

verdade o eu somos nós" (Soares, 1992, P.126).

Esse pensamento de Magda Soares traz uma abordagem que se coaduna com a busca

do território agroecológico. Como pesquisadora, eu busquei me colocar numa posição de

horizontalidade como locutora, buscando problematizar esse lugar privilegiado. Confesso que

amarguei tempos de dúvida sobre que pronome utilizar, que vozes falariam por este meio

privilegiado que é a escrita. Ao descrever na introdução a minha/nossa história no

desenvolvimento do projeto Profito, entendi que somos nós, todos interlocutores que

articulamos nossas vozes nesse texto. A esperança é de que eu tenha sido leal ao narrar os

acúmulos, as críticas e as novidades produzidas na coparticipação. Essa é a pesquisadora não

convencional.

Passamos ao pesquisador que se reconhece como individualidade que se

dissolve construindo o coletivo com os outros, em compromisso, em

solidariedade, em cumplicidade com os outros. E então o interlocutor se amplia: não apenas os pares da academia, não só os participantes da

pesquisa, mas todos, todos aqueles que constroem a história, o

conhecimento. E esse interlocutor impõe e permite um novo gênero, caracterizado pela libertação das normas e regras de estruturação e estilo

acadêmicos (SOARES, 1992, p. 127).

Pela inclusão do tema no campo de pesquisa da agroecologia, buscamos uma ênfase

na construção social do conhecimento. Para a gestão do conhecimento agroecológico no

território os procedimentos metodológicos utilizaram a sistematização, como a livre

apropriação já citada de uma prática realizada em todo o estado do Rio pelas instituições de

pesquisa em agroecologia em parceria com os movimentos sociais e organizações de

agricultores. O conceito de sistematização abaixo é resultado de experiências do International

Institute for Rural Reconstruction:

a methodology which facilitates the ongoing description, analysis and

documentation of the processes and results of a development project in a participatory way. This process leads to the generation of new knowledge,

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which is then fed back and used to make decisions and improve

performance1 (SELENER at al, 1998, pág. 12 ).

A sistematização adaptada aos objetivos desta pesquisa teve uma associação livre

com a pesquisa documental e a pesquisa participante (GIL, 2010). Foram revistos todos os

documentos derivados das atividades do Projeto Profito e atividades correlacionadas.

Selecionamos dezessete documentos para descrição das atividades do projeto e priorizamos

sete para subsidiar a análise crítica proposta pela sistematização. Documento tem uma

concepção ampla. É qualquer objeto capaz de comprovar um fato ou acontecimento (GIL,

2010, p.31). No entanto pela limitação técnica e temporal nos limitamos aos textos, como

registros escritos da ação desenvolvida no Profito.

Ao mesmo tempo utilizamos recursos da ciência da informação para analisar os

grupos de pesquisa e os periódicos especializados. Reunimos um grupo de interlocutores para

apresentar os resultados da pesquisa documental. Nesse encontro elegemos prioridades,

construímos demandas desse coletivo. Só então fomos a campo para buscar novas respostas

através de observação participante e entrevistas semiestruturadas.

A sistematização pode ser vista como um tipo de pesquisa participante, pois, à

semelhança do que Antônio Gil afirma "tem como propósito fundamental a emancipação das

pessoas ou das comunidades que a realizam" (GIL, 2010, 43). A sistematização aplicada teve

o sentido de devolver aos participantes do Projeto Profito e seus parceiros um conhecimento

arrumado e priorizado a ser consolidado a partir das experiências realizadas entre 2009 e

2013. O mesmo autor atribui a Orlando Fals Borda (GIL, 2010, 43), a afirmação de que esse

tipo de pesquisa propõe "uma postura de devolução do conhecimento dos grupos que lhe

deram origem". Essa postura se harmoniza com os interesses da agroecologia, no sentido da

horizontalidade dos saberes e busca do empoderamento dos agricultores-experimentadores.

1

Uma metodologia que facilita a descrição contínua, análise e documentação dos

processos e resultados de um projeto de desenvolvimento de forma participativa. Este

processo conduz à geração de novos conhecimentos, que é então transmitido para trás e

usada para tomar decisões e melhorar o desempenho.

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2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

A região metropolitana do Rio de Janeiro segue como segunda maior do território

nacional com seus quase 12 milhões de habitantes e dezenove municípios. Nela é registrada a

maior taxa de urbanização 96,71% seguida de São Paulo com taxa de 95,94% de urbanização

(FURTADO et al, 2013, p.40). Ainda assim configuram-se bolsões de vegetação e um

contínuo conflito socioambiental sobre as áreas de preservação.

As camadas sociais menos abastadas sofrem um processo contínuo de

exclusão socioespacial para as áreas menos valorizadas na metrópole,

frequentemente localizadas em áreas de proteção a mananciais, áreas de

proteção permanente (APPs), encostas e áreas de risco, gerando uma série de conflitos entre a agenda da sustentabilidade ambiental e o direito à moradia

na metrópole (REFINETTI, 2006 apud FURTADO at al, 2013. p.99).

Dentre os municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, percorremos nesta

pesquisa os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e a capital, Rio de Janeiro (Fig.1). O

critério de seleção desses municípios deriva da relação já iniciada com o Projeto Profito,

como descrito anteriormente, o cultivo, comércio e uso de plantas medicinais, a presença de

feiras agroecológicas e a integração com a Articulação de Agroecologia da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro.

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Figura 1: Mapa situacional do território de atuação da pesquisa.

Nota: Situa a pesquisa na região metropolitana do Rio de Janeiro e demonstra os municípios de Queimados (1),

Nova Iguaçu (2) e Rio de Janeiro (3). Fonte: Elaboração própria a partir de imagens da internet de fonte não identificada. A quarta imagem foi elaborada no Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil 2013.

Os municípios selecionados somam a população de 7.133.885 habitantes. Têm o

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) similar à média nacional, dois deles

na faixa de alto IDHM e Queimados considerado médio. O índice é alavancado pelo fator

longevidade que é um derivado dos determinantes sociais de saúde. Esse indicador, a médio e

longo prazo pode transformar o perfil das necessidades de saúde através do envelhecimento

da população. O pior desempenho em todos os municípios fica com o fator educação. (tab.1).

Nos subitens que compõe o fator longevidade considera-se alto o percentual de mortalidade

infantil entre 13 e 16, 70 para mil nascidos vivos.

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Tabela 1: Comparativo do IDHM dos três municípios selecionados com o Brasil

Lugar IDHM (2010) IDHM Renda (2010)

IDHM

Longevidade (2010) IDHM Educação (2010)

Brasil 0.727 0.739 0.816 0.637

Nova Iguaçu (RJ) 0.713 0.691 0.818 0.641

Queimados (RJ) 0.680 0.659 0.810 0.589

Rio de Janeiro

(RJ) 0.799 0.840 0.845 0.719

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).

Para uma região metropolitana como o Rio chama atenção o percentual dos

extremamente pobres, quase 4% em média. Era de se esperar índices muito menores de

extrema vulnerabilidade, como nesse caso o índice da capital, o Rio de Janeiro com apenas

1,25% de extremamente pobres que, ainda assim não pode ser considerado residual. No

subitem vulneráveis à pobreza, o Rio alcança também um conjunto de índices acima da média

nacional. Os demais municípios selecionados para esta pesquisa giram em torno da média

nacional. Queimados mais uma vez destaca-se com os índices mais desafiadores. É o mais

vulnerável entre os três (tabela2).

Tabela 2: Descrição de outros indicadores de vulnerabilidade

Lugar

Mortalidade

infantil

(2010)

% de vulneráveis

à pobreza

(2010)

% de

extremamente

pobres (2010)

% de crianças

extremamente

pobres (2010)

% de mães

chefes de

família sem fundamental

completo e

com filhos

menores de 15 anos (2010)

Brasil 16.70 32.56 6.62 11.47 17.23

Nova Iguaçu (RJ) 15.40 30.43 3.38 6.45 17.63

Queimados (RJ) 16.70 33.68 3.89 6.20 25.77

Rio de Janeiro

(RJ) 13.00 16.41 1.25 2.81 12.02

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).

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Os três municípios contam com agricultura urbana, periurbana ou rural. O Rio de

Janeiro e Queimados apresentam-se na legislação municipal como totalmente urbanos, sem

população rural, o que faz com que sua agricultura esteja localizada em um território

oficialmente classificado como urbano. Esse fato traz uma constante tensão local entre os

conceitos de rural-urbano. À revelia da normatização do território urbano, há agricultores

familiares organizados nas associações já citadas e integrantes da Articulação de

Agroecologia da Região Metropolitana. Apresentam um comércio de venda direta em feiras

aqui denominadas agroecológicas como distintas das feiras livres convencionais. As feiras

agroecológicas são criadas e administradas com a cogestão dos agricultores familiares. O Rio

de Janeiro conta também com o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas que, apesar de não ter o

caráter de cogestão, reúne um número representativo de agricultores familiares de municípios

da região metropolitana.

Tabela 3: Comparação entre ocupados no setor agropecuário, ocupados com renda de até 1 salário mínimo diante

da população rural, urbana e total

Lugar

% dos ocupados

com rendimento

de até 1 s.m. -

18 anos ou mais

(2010)

% dos ocupados

no setor

agropecuário -

18 anos ou mais

(2010)

População

total (2010)

População

rural (2010)

População urbana

(2010)

Brasil 21.91 13.55 190755799 29830007 160925792

Nova Iguaçu (RJ) 14.77 0.84 796257 8694 787563

Queimados (RJ) 14.07 0.63 137962 0 137962

Rio de Janeiro (RJ) 8.25 0.31 6320446 0 6320446

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).

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2.3 FONTES DE DADOS

Utilizamos três fontes de dados:

1ª) Serão utilizados como dados primários: os documentos não publicados derivados do

projeto Profito, de eventos aos quais os participantes da pesquisa estiveram ou estarão

presentes e da consulta pública em andamento, que incluem a tipologia de:

a) Atas e Registros de reuniões;

b) Fotos e vídeos;

c) Relatórios de execução de projetos e eventos (2009-2013);

d) Emails;

2ª) o depoimento das pessoas colhido em três momentos:

a) Duas reuniões participativas

b) Observação Participante em quatro feiras agroecológicas.

c) Entrevistas semiestruturadas.

3ª) Dados secundários

a) Diretório de Grupos de Pesquisa da Plataforma Lattes/CNPq

No acesso a dados primários buscamos identificar a coexistência entre a informação

científica e o conhecimento tradicional. Desse modo se tornou necessário compreender a

produção da ciência relacionada ao mesmo conhecimento tradicional. Utilizamos para esse

fim o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP/CNPq). Esse “constitui-se no

inventário dos grupos de pesquisa científica e tecnológica em atividade no País. As

informações nele contidas dizem respeito aos recursos humanos constituintes dos grupos

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(pesquisadores, estudantes e técnicos), às linhas de pesquisa em andamento, às especialidades

do conhecimento, aos setores de aplicação envolvidos, à produção científica, tecnológica e

artística e às parcerias estabelecidas entre os grupos e as instituições, sobretudo com as

empresas do setor produtivo. Com isso, é capaz de descrever os limites e o perfil geral da

atividade científico-tecnológica no Brasil”2. Utilizamos a busca textual conforme o modelo

disponível entre os meses de agosto de 2013 e janeiro de 2014.

b) Periódicos Científicos

Primeiro utilizamos o Portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) um site onde “a

gestão de informação e conhecimento, o qual envolve a cooperação e convergência de

instituições, sistemas, redes e iniciativas de produtores, intermediários e usuários na operação

de redes de fontes de informação locais, nacionais, regionais e internacionais privilegiando o

acesso aberto e universal” (Bireme, 2006). A partir desse portal identificamos os periódicos

especializados em plantas medicinais e temas afins, todos de acesso aberto: o Journal of

Ethnobiology and Ethnomedicine; o El Boletín Latinoamericano y Del Caribe de Plantas

Medicinales (BLACPMA). No Brasil, os periódicos identificados em nossa busca preliminar

foram a Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Farmacognosia.

Ambos indexados através do Portal Scielo.

2.4 COPARTICIPANTES DA PESQUISA

Os sujeitos integrantes da pesquisa, também chamados interlocutores, são agricultores

que produzem e comercializam plantas medicinais nas feiras orgânicas e agroecológicas da

região metropolitana do Rio de Janeiro; consumidores de plantas medicinais na Feira da Roça

de Queimados; profissionais de órgãos públicos ligados à pesquisa em plantas medicinais,

2 Disponível em http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e/

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gestores e profissionais da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (RJ), representantes

de organizações relacionadas à agroecologia.

A elaboração inicial da lista dos sujeitos resulta da observação empírica das ações

locais do Programa Nacional de Plantas Medicinais, com foco nas ações do "Projeto Profito"

(Tab. 4).

A pesquisa abordou trinta e seis interlocutores divididos em quatro segmentos:

agricultores, consumidores, técnicos e pesquisadores/gestores. Desses vinte e três foram

entrevistados, sendo os demais integrantes da gestão participativa, ou seja, integraram as duas

reuniões, atividades coletivas previstas no caminho da pesquisa.

A pesquisa buscou dar um equilíbrio de gênero, abordando 50% mulheres e 50% de

homens. Isso será mais viável junto aos agricultores, pois há o pressuposto das experiências e

interesses femininos no tema plantas medicinais. Todos apresentam letramento, embora a

leitura não seja um hábito. A faixa etária dos interlocutores situa-se entre 30 e 55 anos.

Os agricultores tem estratificação salarial entre um e três salários mínimos. Moram

em casas próprias em sua maioria, embora o padrão de construção coincida com os chamados

assentamentos populares. Não possuem carros em sua maioria, nem empregadas domésticos

ou auxiliares no cultivo. Também não possuem acesso à internet. Um dos integrantes da

pesquisa não possui energia elétrica em seu domicílio.

Os técnicos, pesquisadores e gestores são em geral mais jovens que os agricultores,

situando-se em média de 40 anos de idade. Tem renda superior, com mais de 5 (cinco)

salários mínimos. São possuidores de carro, TV, acesso à internet. Tem nível de mestrado em

geral à exceção dos técnicos da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, com nível de

graduação.

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Tabela 4: Síntese dos interlocutores do projeto Profito 2009-2013 selecionados para a pesquisa

CATEGORIZAÇÃO QUANTIDADE

Agrônomos AARJ (ASPTA) 2

Associados da AFERQ 2

Associados da Agroprata 2

Associados da Agrovargem 2

Associados da Alcri 2

Associado da Copagé 1

Associados da Univerde 2

Associados da AFERNI 4

Consumidores nas feiras agroecológicas 6

Farmanguinhos (pesquisadores) 6

Outros membros AARJ 3

Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (Gestora) 1

Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (Profissionais de saúde) 3

Total 36

Fonte: Elaboração própria utilizando dados selecionados e categorizados a partir de fontes primárias

do Projeto Profito entre 2006 e 2013

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2.5 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA

Toda a amostragem desta pesquisa foi intencional. Essa intencionalidade se apresentou

na escolha das palavras-chaves empregadas na seleção dos grupos de pesquisas, nos quatro

periódicos científicos analisados, nos dezessete documentos não publicados do Profito, nos

vídeos disponíveis e nas pessoas entrevistadas.

Essa intencionalidade da amostragem dialoga com a concepção de redes3 sempre

voláteis porque em movimento. Então uma ação descritiva ou analítica é sempre determinada

por um ponto em determinado espaço temporal. O sujeito coletivo em determinado momento

de sua evolução analisa um desenho de rede em outro momento pode descrever outro cenário.

Outros atores veriam outra rede e, a qualquer momento, um actante4 qualquer, em qualquer

lugar do mundo altera a configuração de uma rede. Então essa intencionalidade diz respeito a

assumir na pesquisa essa transitoriedade das redes descentralizadas.

Para a seleção dos grupos de pesquisa nos convém fazer uma rápida digressão sobre o

papel de algumas palavras num contexto brasileiro do início da década de 1960 e nos tempos

atuais da sociedade em redes. Em fins dos anos 50 e início da década de 1960, o educador

Paulo Freire cunhou a expressão palavra geradora. Essas eram identificadas nos grupos e

classes populares. Tinham o mérito de mobilizar vontades e coletivizar ações. A partir dessa

experiência Freire alfabetizava adultos em apenas 45 dias.

Com o advento da internet foi se evidenciando o papel das palavras na formação das

redes virtuais. Palavras formam redes de hiperlinks. São tão significativas que as tecnologistas

da informação constroem tesauros (um tipo de dicionário técnico) para nomear coisas, fatos e

processos. Existem softwares dedicados ao rastreamento de redes formadas pelas palavras-

chaves. Como o inglês é a língua universal da internet, essas palavras são chamadas de tags.

Daí advém o sucesso da rede virtual Twitter cuja metodologia de trabalho está voltada para as

3 No próximo capítulo discutiremos esses conceitos, desde uma visão metafórica até um

conceito de rede sociotécnica. 4 Actante é utilizado para designar que elementos humanos, quase-humanos e não humanos

(objetos) também exercem poder nas redes. Reconhecemos essa expressão primeiro no

livro Pasteurizing of France (LATOUR, 1993).

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hastags, que nada mais são que palavras-chaves já marcadas como tal através de um sinal

universalmente aceito para a tarefa.

Então se para Freire (2005) a palavra geradora mobilizava grupos populares e

mobilizava desejos pessoais a ponto de facilitar a alfabetização, as tags da sociedade em redes

materializa as redes virtuais. Há, nesta pesquisa o duplo contexto de mobilizar classes

populares sem desconsiderar a condição contemporânea das redes globais através da internet.

Então um grupo de palavras mobiliza uma rede e outro grupo de palavras mobiliza outras

redes.

Nesse sentido utilizamos duas palavras-chaves para identificar o perfil dos grupos de

pesquisa: plantas medicinais e conhecimento tradicional. A primeira tem um forte apelo

popular. É um tema gerador e, portanto mobiliza uma rede popular. É diferente de uma rede

organizada em torno da palavra farmacognosia ou fitomedicamentos. E isso não é uma

discussão sobre o inegável mérito desses conhecimentos. Só não são populares. Estamos

abordando aspectos de inclusão social e de reciprocidade aos povos e comunidades

tradicionais. Desse modo buscamos termos sejam os mesmos utilizados pelas classes

populares a quem se pretende incluir.

A segunda expressão, conhecimento tradicional, só recentemente tornou-se mais

comum nas classes populares. Surgiu no contexto internacional da Rio 92, mas podemos dizer

que ela serve aos interesses populares apesar de sua tradução corresponder a uma luta que não

tem expressão nas comunidades locais. É a essa expressão que os tratados internacionais e

iniciativas legais do Brasil se referem. Essa rede mobilizada pela junção das duas palavras

plantas medicinais + conhecimento tradicional é que delimita nossa escolha no que diz aos

grupos de pesquisa e aos periódicos científicos.

A seleção de pessoas corresponde às observações empíricas, realizadas entre 2009 e

2013 no contexto do Profito. A amostra dos entrevistados deriva dos registros de eventos,

cursos e relatórios desenvolvidos pelo projeto. Os membros das associações de agricultores

atenderam ao critério de cultivar e comercializar plantas medicinais. Os pesquisadores de

Farmanguinhos tem relação direta com o projeto Profito, sendo que a única entrevistada, a

Dra. Sandra Magalhães Fraga é uma de suas criadoras e atual coordenadora. Os consumidores

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nas feiras agroecológicas foram indicados pelos agricultores como pessoas que repetidamente

buscam plantas medicinais.

Os gestores da SMS Queimados selecionados são a titular da pasta, Dra Fátima

Sanches, conforme autorização de pesquisa encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa, a

coordenadora e a gerente da Estratégia Saúde da Família do município.

Os integrantes da Articulação de Agroecologia desempenham papel de liderança nessa

organização que se dedica ao controle social de políticas públicas relacionadas à agroecologia.

As pessoas foram selecionadas, pois o presente problema de pesquisa "demanda um grau

expressivo de conhecimento do assunto e do ambiente ou dos processos estudados"

(MAXWELL, 1996, p.72). A categorização dos sujeitos integrantes da pesquisa tenta

"garantir que as conclusões representem adequadamente a gama completa de variações, em

vez de apenas os membros típicos ou um subconjunto da população" (MAXWELL, 1996,

p.72).

Segundo Antonio Gil (2010),

Uma amostra intencional, em que os indivíduos são selecionados com base em

certas características tidas como relevantes pelos pesquisadores e participantes,

mostra-se mais adequada para a obtenção de dados numa pesquisa-ação. A

intencionalidade torna a pesquisa mais rica em termos qualitativos (GIL, 2010, 153).

2.6 CAMPO OBSERVACIONAL

O trabalho de campo foi realizado em três atividades: primeiro nas reuniões de

gestão participativa, segundo nas feiras através da observação participante. E, a terceira

atividade consistiu em vinte e três entrevistas semiestruturadas (Apêndice D).

A primeira reunião da gestão participativa a integrar a pesquisa foi realizada na sede

do Campus Fiocruz da Mata Atlântica, na Estrada Sampaio Correa, s/n, Colônia Juliano

Moreira, Jacarepaguá, RJ/RJ, no dia 9 de dezembro de 2013. Contou com 20 presentes. A

segunda e última reunião de gestão participativa aconteceu na sede do Conselho Municipal

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Rural de Queimados, no dia 20 de fevereiro de 2014. Contou com 25 presentes. As duas

reuniões apresentaram representação de todos os segmentos selecionados para a pesquisa.

A observação participante nas feiras foi realizada em média duas vezes por semana.

Essas feiras são: Feira Agroecológica da Freguesia, situada à Praça Professora Camisão,

Freguesia (RJ/RJ), Feira Orgânica de Campo Grande, Rua Marechal Dantas Barreto, 95,

Campo Grande (RJ/RJ), Feira da Roça de Nova Iguaçu, Rua Arcelino Pereira Neves, 176,

Centro, Nova Iguaçu, RJ e Feria da Roça de Queimados, Rua Elói Teixeira, Centro,

Queimados, RJ (Superintendência Federal de Agricultura no Rio de Janeiro, 2013).

Uma entrevista foi efetivada no Laboratório de Biologia (NGBS) no Campus Fiocruz

da Mata Atlântica, Estrada Sampaio Correia, s/n, Colônia Juliano Moreira, Jacarepaguá,

RJ/RJ; três entrevistas nas instalações da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, Rua

Hortensia, 254, Centro, Queimados, RJ; as demais nas próprias feiras, sítios ou residências.

2.7 ROTEIRO DA SISTEMATIZAÇÃO

Organizamos os procedimentos da pesquisa em cinco etapas relacionadas a cada um

dos objetivos específicos. As três primeiras etapas corresponderam ao primeiro objetivo

específico. A quarta etapa constituiu um conjunto de atividades para execução do segundo

objetivo específico. A quinta etapa buscou atingir o terceiro objetivo. Na prática, ocorreu uma

inter-relação entre as etapas. Essa questão já tinha sido prevista por Antonio Gil ao afirmar

que, “na pesquisa-ação há um constante vai-e-vem entre as fases, que é determinado pela

dinâmica do relacionamento entre os pesquisadores e a situação pesquisada” (GIL, 2010, p.

151).

A 1ª etapa consistiu em pesquisa documental: Coleta, seleção e organização dos

documentos disponíveis, categorização e classificação por relevância para definir as

informações que serão utilizadas nas demais fases da sistematização. Nessa primeira etapa

serão selecionados os documentos do Profito entre 2009 e 2013, inclusive os eventos passados

e contemporâneos.

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Fez parte da primeira etapa da pesquisa, a investigação nas fontes de informação

científica e nos periódicos online, especializados em plantas medicinais buscando a

compreensão da produção e circulação de informação relacionada ao subtema conhecimento

tradicional. Identificamos o Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, de acesso aberto.

Para a América Latina há também o El Boletín Latinoamericano y Del Caribe de Plantas

Medicinales (BLACPMA). No Brasil, os periódicos identificados em nossa busca preliminar

foram a Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Farmacognosia.

Ambos indexados através do Portal Scielo.

Para Antonio Carlos Gil (2010), a pesquisa documental é muito parecida com a

pesquisa bibliográfica, pois depende de dados já existentes. Mas a natureza das fontes

distinguem as duas abordagens de investigação. Há casos em que um documento pode ser

visto ora como bibliográfico ora como documental. De modo geral considera "fonte

documental quando o material consultado é interno à organização, e fonte bibliográfica

quando for obtido em bibliotecas ou base de dados" (GIL, 2010, pág. 31).

Na 2ª etapa realizamos a reunião de gestão participativa inicial, similares aos grupos

de discussão (WELLER, 2006). Constituiu um primeiro encontro com o coletivo dos

integrantes da pesquisa para apresentação das informações coletadas. Reuniu vinte dos trinta e

seis interlocutores identificados, superando a meta planejada (Apêndice G, Anexo A).

A 3ª etapa correspondeu a oito das entrevistas semiestruturadas (Apêndice D) para

qualificar a experiência quanto aos seus principais resultados, dificuldades encontradas e

resultados não esperados conforme os critérios de seleção da amostra já descrita. Todos os

oito entrevistados são integrantes do Profito ou parceiros ligados à Articulação de

Agroecologia do Rio de Janeiro. Estão identificados no Apêndice D.

A 4º etapa correspondeu aos procedimentos necessários ao segundo objetivo

específico. Foi implementada a observação participante e as entrevistas com os consumidores

nas feiras agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Na 5ª etapa desenvolvemos a reunião de gestão participativa final, como já descrita,

similar ao grupo de discussão (WELLER, 2006), correspondendo ao processo coletivo de

tomada de decisão, chamado por Chavez-Tafur (2007, p. 14) de “novo conhecimento”. Nesse

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segundo encontro o coletivo formado pelos interlocutores selecionados para a pesquisa

construiu sua análise crítica. O público presente nesse encontro incluiu um representante da

Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (RJ). Foram apresentados os resultados parciais

das etapas acima através de duas pequenas palestras. Uma proferida pelo agricultor Francisco

Caldeira e outra de minha autoria.

Para chegar a gerar um novo conhecimento, a sistematização deve incorporar

uma análise crítica da experiência, por meio da apresentação de opiniões, juízos ou questionamentos sobre o que foi realizado e vivenciado. Essa é a

base da aprendizagem. Por ser eminentemente crítica, a análise está baseada

nos comentários ou pontos de vista daqueles que realizam a experiência,

quer dizer, dos seus protagonistas (CHAVEZ-TAFUR, 2007, p.14).

Nesse segundo e último encontro, os dados parciais já tinham sido trabalhados e

organizados. Não foi feita apresentação ao coletivo por entendermos que uma reunião tem um

tempo médio de eficiência e eficácia. Reuniões muito longas tendem a ser ineficazes. No

próximo tópico vamos especificar a forma de análise dos dados num primeiro momento feito

a partir de parâmetros sugeridos por Chavez-Tafur (2007) e depois submetidos aos grupos de

discussão.

2.8 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E ANÁLISE DE DADOS

Os registros foram feitos em diferentes tecnologias. Utilizamos a fotografia, o vídeo,

o diário de campo. Em quase todas as atividades em cada uma das etapas, o registro foi feito

diretamente nas tabelas organizadas ou adaptadas de Chavez Tafur (2007). Utilizamos, como

disse Antonio Carlos Gil (2010), um caminho para a pesquisa documental: constituir quadro

de referência. O autor enumera como etapas: seleção intencional de documentos, a construção

de sistema de categorias e indicadores, que na sistematização como método, implica na

determinação participativa. Gil (2010) finalmente propõe o tratamento de dados com

software. Para análise dos dados utilizamos planilhas Excel para analisar os dados derivados

dos grupos de pesquisa (Apêndice F).

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Organizamos o resultado em tabelas. A principal delas serviu à análise dos dados

obtidos nos documentos do Profito, na observação participante nas feiras e nas entrevistas

semiestruturadas. Foi organizada com sete campos. Começamos registrando a data de coleta

do dado, seja através do documento, da observação ou da entrevista. O segundo campo

descrevia o contexto ou o lugar onde o dado foi obtido. Em seguida recortamos a unidade de

análise, um fragmento de discurso, através de uma frase ou um conjunto delas onde se

identificou a presença do conhecimento tradicional, ou a informação cientifica ou a

coexistência das duas formas de informação. Em seguida registramos o segmento a que

pertencia o declarante (A – Agricultor; C – Consumidor; T – Técnico ou G – gestor). A última

coluna foi destinada a uma análise parcial, uma forma de categorização.

Para a parte destinada a identificar os produtores da informação científica e a sua

comunicação em periódicos fizemos três tabelas. Duas voltadas apenas aos grupos de

pesquisa e uma para os periódicos online. Como o universo dos grupos de pesquisa é

limitado, analisamos separadamente cada um deles, previamente selecionados por atuar com

plantas medicinais. Iniciamos com a classificação utilizamos a segunda palavra-chave –

conhecimento tradicional. Encontramos um grupo de 47 grupos que associam o conhecimento

tradicional a plantas medicinais como objeto de pesquisa. Esses foram registrados e

analisados em uma tabela.

Os restantes 430 grupos não traziam o conhecimento tradicional como objeto de

pesquisa ou então não tinham atualização no último ano. Isso aconteceu em 149 dos 430

grupos de pesquisa não priorizados. Os demais 241 grupos apenas não traziam o

conhecimento tradicional como parte da declaração de intenção de pesquisa. Ainda assim

fizemos uma categorização dos grupos analisando a sua relevância nas temáticas propostas

para atuação. Utilizamos os campos: nome do grupo, motivo de não ter sido priorizado,

justificativa e por fim categorizando em alta, média ou baixa relevância. O último campo

continha também elementos que justifiquem essa classificação.

Já os 47 grupos de pesquisa priorizados receberam um registro e tratamento analítico

mais apurado. A tabela foi feita com onze campos: o nome do grupo de pesquisa; ano de

formação; a cidade e a instituição; a relação de todas as linhas de pesquisa e em seguida uma

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linha selecionada, sendo que o próximo campo era a área e subáreas científicas relacionadas à

linha. O sétimo campo registrou as palavras-chaves da linha selecionada. Em seguida uma

unidade de registro relacionada a conhecimento tradicional obtida no resumo do grupo, nas

descrições das linhas de pesquisa ou nas repercussões.

Os dados obtidos nos periódicos foram registrados em uma tabela criada com uma

composição de cinco campos: o nome do periódico, a palavra-chave usada para a busca, o

número total de artigos e a quantidade de artigos selecionados. Como a compilação foi feita

em uma tabela relativamente pequena, inserimos esses resultados no próprio texto.

A sistematização proposta por Chavez-Tafur (2007) organiza os resultados em três

tabelas. A primeira analisa os documentos selecionados. Coloca o título no primeiro campo;

descreve o âmbito da intervenção proposta; identifica os participantes; situa a iniciativa no

tempo; descreve a estratégia prevista e as linhas de ação definidas. A segunda tabela deriva de

um campo da primeira. Esmiúça cada uma das linhas de ação identificadas em atividades. A

terceira e última serviu à avaliação do projeto Profito durante os anos de 2009 a 2013. Oito

entrevistados classificaram os indicadores propostos por Chavez-Tafur em negativos,

positivos ou não identificados. Nesse último caso indicando pontos a serem esclarecidos

futuramente.

A classificação descrita por Romeu Gomes (2008), a partir do quadro de Lawrence

Bardin (1979) se mostrou útil e adequada para esta pesquisa. Ele propõe que os registros da

pesquisa sejam classificados em linguístico escrito (LE), linguístico oral (LO), iconográfico

(IC) e outros códigos semióticos (CS). Incluímos em nossa tabela de análise esse elemento

descritivo.

A comunicação informal foi registrada na forma linguística escrita em diário de

campo, como registro eletrônico em áudio ou vídeo e como fotografias, sempre que o

interlocutor aprovou. Essa aprovação consta do termo de consentimento livre e esclarecido

(TCLE), documento descrito nesse projeto (Apêndice I). Os entrevistados e participantes da

pesquisa também assinaram um termo de cessão de imagem também reproduzido em anexo.

Utilizamos como unidade de registro a frase, parágrafo ou imagem, categorizada como

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51

conhecimento tradicional ou informação científica. Cada unidade de registro foi ligada ao

contexto onde se apresentou.

A decisão de manter o nome das principais pessoas envolvidas foi construída com

diversas conversas e problematização. A intenção é deixar que os diferentes atores se

reconheçam nessa pesquisa, abrindo espaço para a construção local do conhecimento

relacionado a plantas medicinais. Em apenas um caso não foi possível manter o nome do

entrevistado, decisão tomada também no diálogo entre pesquisadora e entrevistado.

Na sintetização de resultados optamos por gráficos e figuras sempre que a

visualização favorecesse a análise qualitativa. É assim que apresentaremos uma mandala da

(Fig. 23) que serve a avaliação qualitativa das áreas de pesquisa, subáreas, disciplinas e temas

intervenientes no tema plantas medicinais e conhecimento tradicional. Os gráficos do

conjunto dos grupos de pesquisa também se prestam a uma análise visual e imagética dos

resultados.

Na mesma linha de pensamento utilizamos o recurso da nuvem de tags (Fig. 20). A

imagem foi produzida no software online do site wordle.net. Inserimos no campo apropriado

todas as palavras-chaves constantes nas linhas de pesquisa selecionadas. O software contou a

frequência das palavras e fez com que o tamanho da palavra se tornasse diretamente

proporcional à frequência. Desse modo, as palavras mais frequentes apresentaram-se com o

maior tamanho e as minúsculas tem a menor frequência dentro do universo analisado pelo

software.

Por fim registramos que o tamanho das tabelas contraindicou a sua inserção no texto

final da dissertação. No entanto elas ficam disponíveis a quem necessitar conferir o caminho

da pesquisa, podendo requisitá-las a qualquer momento.

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

Construímos esta pesquisa partindo de observações empíricas, vivências, pesquisas e

políticas sobre o tema plantas medicinais. Percebemos que há múltiplas abordagens do ponto

de vista popular e implicação de distintas áreas do conhecimento nas pesquisas. Com a

intenção de observar esse movimento que parte dessa multidisciplinaridade nós selecionamos

conceitos de duas áreas do conhecimento – as ciências humanas e sociais, a saúde coletiva e

um campo de pesquisas em ascensão, a agroecologia (Fig. 2). No interior desses campos e

sempre relacionados a eles, nos detivemos no enfoque da comunicação em saúde e na

informação científica como campos interdisciplinares e objeto do programa de pesquisa ao

qual nos vinculamos.

Três conceitos chaves nos orientam: o conceito de conhecimento tradicional,

intimamente ligado ao conceito de território. Investigamos a relação com a informação

científica como um imperativo tecnológico. Não podíamos esquecer que esse imperativo

ocorre em redes sociotécnicas, terceiro conceito elencado. Por serem fenômenos globais que

impactam o local, mantivemos o conceito de território-rede como uma fase intermediária

entre as comunidades locais (quase grupos) e as redes globais, sociotécnicas.

Figura 2: Diagrama da interação entre campos, ciências e disciplinas aportadas nesta pesquisa

Fonte: elaboração própria

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Nossas primeiras buscas bibliográficas demonstravam aqui e ali a prevalência da

comunicação como movimento na junção de pontos, nós e actantes (RAFFESTIN, 1993;

LATOUR E WOLGAR, 1997) nas redes. Recortamos então esse campo de práticas e de

pesquisa como o fenômeno mais disseminado a ser analisado do ponto de vista teórico.

3.1 A COMUNICAÇÃO COMO FENÔMENO MAIS AMPLO.

Apresentamos a comunicação como prática e como área de pesquisa. No primeiro

caso é o fenômeno mais amplo que nos propomos a analisar. Inclui diferentes processos sob

seu ‘guarda-chuva’. Como campo de pesquisa é hoje necessariamente interdisciplinar. Como

prática, ocorre em uma territorialidade específica e, nesse sentido articula tanto identidades

em territórios, atendendo a especificidades socioculturais. Enquanto pesquisa, não pode,

portanto ignorar as territorialidades ou contextos onde ocorre. Entre as questões específicas

da comunicação, destacamos a oralidade enquanto cultura rural e das classes populares

urbanas.

Como já descrito anteriormente, o projeto Profito fez opção por metodologias

participativas desde sua primeira redação em 2006. Ao longo da primeira fase de sua

implantação, a equipe aplicava uma adaptação do diagnóstico rápido participativo. Nos dois

primeiros anos de implantação do projeto ocorria o que Bernardo Toro chamou de

mobilização de vontades (TORO, 2005). Em meio à essas ações mobilizadoras, o diagnóstico

foi realizado de forma relativamente rápida. A participação política e social, no entanto, tem

sido um longo e continuado processo formativo. Compreendemos participação não apenas nos

resultados de uma iniciativa ou na execução, mas também "nas decisões, a menos usada no

Brasil contemporâneo, [que] implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária e

compartilhada como participação-poder" (PERUZZO, 1998, P.77).

A experiência foi evidenciando que, pra o exercício dessa participação-poder, havia

um investimento invisível e não sistematizado – a comunicação. Por ser uma área de

investigação científica e de vultosos investimentos tecnológicos mereceu um esforço maior de

aprendizado. Parte desse aprendizado demonstrou lacunas do conhecimento que redundaram

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nesta pesquisa. Através da observação, a equipe Profito consolidou a visão de que o elemento

mais relevante para a participação-poder está situado na esfera da comunicação informal. Isso

ocorreria tanto nos espaços técnicos, nos laboratórios quanto naqueles ambientes sustentados

pela cultura popular e naturalmente permeados por outros saberes.

As ações do Profito incluíam atividades e interseções com especialistas e

pesquisadores de plantas medicinais que são ao mesmo tempo produtores e consumidores de

informação científica. A observação empírica foi consolidando o mesmo entendimento. É a

comunicação informal que rege as relações influindo nas possibilidades de os agricultores

participarem nas ações locais das políticas relacionadas à plantas medicinais. Essa visão foi

confirmada através das leituras preliminares. O sociólogo francês, Bruno Latour, estudando as

trocas em ambiente de produção e consumo de informação científica, confirma a visão

anteriormente empírica, transformando-a em pressuposto para esta pesquisa científica.

A produção de uma informação nova é necessariamente feita pela interpretação dos

encontros inesperados, das redes informais e pela proximidade social. O fluxo

informal de informação não contradiz o modelo ordenado da comunicação formal.

Parece-nos, antes, que a estrutura da comunicação mais informal nasce da referencia

constante a substancia da comunicação formal. Do mesmo modo, a comunicação

informal é a regra. A comunicação formal é a exceção, como racionalização a

posteriori que é do processo real. (LATOUR, 1997, 289)

Tendo descrita a nossa necessidade e demanda por práticas de comunicação que

instrumentem a participação, cabe-nos pensar o conceito de comunicação que serve aos

cidadãos do campo da agroecologia e saúde coletiva. Como toda epistemologia nasce em um

contexto histórico e social é conveniente resgatar também os marcos da comunicação como

campo de investigação científica.

Segundo a pesquisadora Lena Vania Pinheiro, o período do pós-guerra foi marcado

por uma corrida desenvolvimentista onde a propaganda e a contrainformação foi decisiva para

fazer valer o conjunto de princípios, valores e práticas prevalentes à época. Nestas ações,

países imprimiram ao mundo seus modelos de desenvolvimento. Outros países sucumbiram

na subserviência aos demais configurando uma nova geopolítica (PINHEIRO e LOUREIRO,

1995).

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Para compreensão da origem epistêmica dos conceitos do campo da comunicação

aqui elencados é importante revisitar a autoria de Claude Shannon e Warren Weaver (1949)

sobre a teoria matemática da comunicação (PINHEIRO e LOUREIRO, 1995; ARAÚJO e

CARDOSO, 2007).

O ambiente do pós-guerra trouxe para o cenário mundial um novo modo de disputas

políticas transnacionais em torno do desenvolvimento econômico. De um lado a guerra fria

consumia e provocava inovações tecnológicas. De outro lado, os EEUU e a URSS avançavam

sobre as chamadas "nações subdesenvolvidas" ou o "terceiro mundo" impondo um modelo

desenvolvimentista exógeno5.

Nesse contexto Shannon e Weaver resolveram uma questão tecnológica para o

trânsito de mensagens telegráficas. Daí saiu a clássica tríade "emissor-receptor-mensagem".

Essa resposta tecnológica e de trânsito informacional conseguiu dar instrumentos ao cenário

da guerra fria. O ambiente desenvolvimentista impresso às nações do chamado terceiro

mundo foi então um contexto favorável para que essa matriz de comunicação se consolidasse.

Se no campo da informação a teoria matemática trouxe avanços, para o campo da

comunicação trouxe um desentendimento que foi se espalhando por vários campos, setores e

políticas públicas. A Revolução Verde e a evolução da saúde pública no Brasil contém

diferentes exemplos da hegemonia desse conceito. Os livros escolares repetiram à exaustão

esse modelo. O paradigma positivista, subliminar a essa teoria, impôs a esse conceito de

comunicação um estatuto de verdade. Até o presente essa teoria ainda é hegemônica nos

investimentos públicos. Comunicação se tornou então intimamente relacionada a

desenvolvimento. Predominava a concepção de transferenciabilidade entre dois pólos, um

ativo e outro passivo, receptivo. O resultado dessa concepção é a concentração dos meios de

produção simbólica; campanhas e propagandas tornaram-se sinônimas de comunicação.

A América Latina apresentou nas décadas seguintes a evolução de outros parâmetros

para a comunicação. Em 1969, Paulo Freire lançou o livro "Extensão ou Comunicação".

Nesta obra questionou o modelo de imposição de valores de uma cultura sobre a outra.

5 Análise da Dra Lena Vania Pinheiro em sala de aula no dia 12 de março de 2013 (IBICT).

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Falando sobre os métodos da extensão rural na época, qualifica-os de domesticação e invasão

cultural (FREIRE, 2011). Ratificou sua proposta de comunicação dialógica já implícita no

livro Pedagogia do Oprimido. Note-se que a primeira edição foi publicada quando o educador

ainda estava no exílio (FREIRE, 2005). Por muitos, é considerado um livro destinado ao

campo da educação. No entanto ele traz questões importantes para a comunicação. A partir

dessa visão, várias iniciativas da comunicação alternativa, comunitária ou dialógica passaram

a utilizar princípios freireanos.

Freire, no entanto não deixou um modelo. Descreveu uma práxis. E, ela, como tal,

exige constante movimento de reflexão-prática-reflexão. Por não ter um modelo, sua

reprodução e prática foram se disseminando sem critério, mas ainda assim dando condições

para a construção do novo paradigma. Além do campo da educação, as reflexões freireanas

fizeram sentido para iniciativas chamadas de alternativas. No mundo rural proliferaram os

diversos modelos de agricultura alternativa com valorização do conhecimento tradicional ou

conhecimento local ecológico que por sua vez inspiraram e coproduziram a comunicação

alternativa.

Foi através dos investimentos de comunicação alternativa que encontramos as

condições para pensar nessa pesquisa a referência teórica entre informação e comunicação em

saúde. Ou seja, partimos de uma práxis de educação informal, com inspiração freireana para

chegar a uma necessária interseção com o campo da comunicação e informação.

3.1.1 O Modelo de Comunicação do Mercado Simbólico

Retornamos ao projeto Profito ao relembrar que a equipe buscava em 2007

compreender os fenômenos da comunicação popular. À época estávamos na livraria da

Abrasco, no prédio da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) a fim de buscar

subsídios para os acontecimentos que mereciam explicação à luz da ciência da comunicação.

Precisamos recordar que essa busca se passava entre uma pedagoga e um farmacêutico. Eis

que "salta aos nossos olhos" o livro Comunicação e Saúde de Inesita Soares de Araújo e

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Janine Cardoso (2007). A leitura desse livro trouxe novas possibilidades para a gestão

participativa que se estava implantando no Profito. Registro esse episódio para recordar o

papel do acaso, do inusitado e do subjetivo na construção do conhecimento. Trabalhamos para

implantar alguns dos conceitos elencados no projeto Profito.

Foi no campo da agricultura alternativa que a pesquisadora Inesita Araujo traçou as

primeiras linhas do que hoje é conhecido como Modelo de Comunicação do Mercado

Simbólico. Esse modelo entende que a comunicação ocorre como se fosse um mercado

caracterizado pela desigualdade de condições. "Seus membros não possuem as mesmas

condições de produção, circulação e consumo dos bens. Não possuem o mesmo capital social,

nem cultural, nem econômico; não possuem o mesmo capital simbólico". (ARAÚJO, 2002, p.

39).

Os sujeitos não têm as mesmas condições de produção e reprodução de seus sentidos

para operar esse mercado. Inesita Araújo (2002) propõe o conceito de lugar de interlocução

como um dos elementos fundamentais para a compreensão do modelo. Cada ator social ocupa

uma posição mais periférica ou mais central conforme tenha menor ou maior poder de decisão

e de fazer circular seus sentidos sobre um tema em questão. Interlocução, como conceito

central no modelo do mercado simbólico, supõe fluxos contínuos de informação e

conhecimento entre os atores contrapondo-se à teoria de Shannon e Weaver. Os fluxos se

realizam em redes virtuais ou não, "são moldados e os moldam por contextos de natureza

diversa" (ARAUJO, 2002, p. 38).

O estudo das identidades sociais integra esse conceito central. Inesita Araújo inclui

nele a reunião das propriedades específicas de "identidade" e as contextuais sobre

subjetividade. Em que pese toda a discussão contemporânea sobre a oportunidade e

veracidade do conceito de identidade, Araújo (2002) mantêm o conceito sem desconsiderar o

papel dos contextos sobre esses processos identitários. Junto com "lugar de interlocução",

reforçando uma visão contextual de identidade, vem o conceito de hibridismo entendido como

negociação ou resistência. Ou seja, à imposição arbitrária de identidades, numa tentativa de

homogeneizar as diferenças, se organizam especificidades contextuais, históricas, políticas,

geográficas e enunciativas (ARAUJO, 2002, p 78).

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Dentre essas especificidades enunciativas, utilizaremos o conceito de

intertextualidade como central e estratégico para a presente pesquisa. Araújo e Cardoso

(2007) afirmam que, em um mesmo contexto circulam diferentes textos. Esses interagem e se

modificam mutuamente, construindo a interlocução dos sentidos no ato comunicativo. Já a

intertextualidade "fala da contiguidade dos textos, mas na memória das pessoas - cada

enunciado ativa uma cadeia de remissões, que são uma força ativa na constituição dos

sentidos" (ARAÚJO e CARDOSO, 2007, p. 68).

Ao exercermos o papel de escuta que é a base da gestão participativa somos guiados

a uma infinita rede de semioses. Ao nos imbuirmos da necessidade de compreensão, somos

paralelamente instados a eleger prioridades, essa ou aquela “linha de pensamento”.

Perseguimos então um único viés. No entanto a voz dos comunitários convidados à

participação não tem esse único viés. A nossa voz informada pela ciência também não possui

essa homogeneidade pretendida. São muitas as vozes que se manifestam em um único

enunciado.

O conceito de Inesita Soares tem o papel de aterrissar a complexidade demonstrando

que a palavra dita, o enunciado, o fragmento de um discurso é esse tecido de muitas vozes.

Falar é portanto um exercício dessa polifonia. Ninguém fala de si mesmo, mas fala a partir de

seu contexto existencial e situacional. Fala de sua história de vida e de sua prática social. A

partir da autora apreendemos o papel do contexto no discurso.

Seu efeito se dá pela rede de semiose que é acionada a cada enunciação, que se nutre da memória discursiva. Qualquer texto tem seu intertexto, mas ele

não é o mesmo para todos os interlocutores. Depende do seu conhecimento,

sua experiência, cada pessoa tem sua rede textual particular. Então, um texto

jamais terá um só sentido, porque o sentido vai depender de todos os contextos com os quais interage. (ARAÚJO, 2002, p. 58).

É por causa desse fenômeno da intertextualidade que o ato de conversar é na

realidade uma negociação de sentidos. No que diz respeito às negociações sobre o tema

plantas medicinais vamos observar a coexistência entre a informação científica e o

conhecimento tradicional na comunicação informal em eventos ou feiras agroecológicas.

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Aparentemente o acesso a informação é desigual, exercendo um papel junto ao conhecimento

tradicional no consumo de plantas medicinais.

A desigualdade, aliás, é a tônica principal do modelo. Na tríade "produção-

circulação-consumo", a maior desigualdade do ato comunicativo se consolida na circulação.

Inesita Soares de Araújo pergunta: quem consegue fazer circular seus sentidos? Parafraseando

a autora acrescentamos: Quem consegue transmitir ao conjunto da sociedade seus valores, sua

visão de mundo e suas decisões relacionadas ao uso tradicional de plantas medicinais?

3.1.2 Práticas de Comunicação

O termo comunicação como tantos outros aqui elencados possui sua própria

polissemia. Tem uma amplitude de definições e escalas. De modo geral o termo comunicação

aparece acompanhado de adjetivos. Tratamos de comunicação social, comum e difundida pela

gestão governamental e empresarial. Temos a comunicação alternativa, ou comunitária com

várias experiências pelo Brasil. Outros qualificam como comunicação dialógica. Nossa

observação primeira se dá no campo da conversa informal, da palavra dita, do enunciado.

Percebemos que aí se travam as lutas pela geração dos sentidos. “É o processo de produzir,

fazer circular e consumir os sentidos sociais, que se manifestam por meio de discursos”

(ARAÚJO, 2002, p. 288)

Para fins dessa pesquisa, consideramos também o significado dado pelo Bernardo

Toro (2005). Para o autor, comunicação é o “saber objetivado em texto escrito, em objetos

audiovisuais, em sistemas de arquivos magnéticos e também em ferramentas e equipamentos,

na arquitetura na arte...” (TORO, 2005, p. 95). O que nos permite dialogar com a

possibilidade de democracia das coisas e dos objetos.

Consideramos também os espaços de socialização como “lugares e instâncias em que

transformamos os modos de pensar, sentir e agir em relação a nós mesmos, aos outros e à

coletividade” (TORO, 2005, p. 94). Para essa transformação dos sentidos, são utilizadas tanto

os meios comunicação de massa (mídia) como os micromeios. Ajustamos o foco dessa

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pesquisa para esses micromeios de comunicação. O seu uso é entendido como práticas de

comunicação: a interlocução pessoal, o email, o telefonema, o vídeo artesanal, a fotografia, a

carta, o bilhete, o uso das redes virtuais.

Destacamos duas peculiaridades das práticas de comunicação. Primeiro elas ocorrem

numa determinada territorialidade e depois tem o papel de formar redes sociais. Juntando

esses dois aspectos, temos então a consolidação de territórios-redes através do poder da

comunicação. Essa conceituação vem do geógrafo Claude Raffestin (1993). Primeiro o autor

diz que território é “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação e que,

por consequência revela relações marcadas pelo poder (RAFFESTIN, 1993, p. 2)”.

Num espaço pré-existente podem coexistir tantos territórios quantas análises e

intenções houver por parte de atores, programas e institucionalidades. Do ponto de vista desse

trabalho as organizações populares envolvidas em agroecologia produzem um território, pelo

menos. As iniciativas do campo da agroecologia são vistas como rede por se constituírem por

atores, como instituições, trabalhadores de políticas públicas, agricultores, consumidores

organizados em torno de interesses comuns.

A produção do território inclui conceitos e noções, como limites, pontos, malhas ou

tessituras. A visão do território pode ser analisada a partir de um ponto como expressão do

ego do ator que o delimita, seja individual ou coletivo. A observação do espaço em busca

desse território implica em acesso a um conjunto de signos, monumentos, trajetos, ideologias

e projetos.

Cada ponto se refere a uma nodosidade representativa de centros de poder. Não tem

valor em si. Sua principal função na descrição de um território tem a perspectiva relacional. É

a relação com os demais pontos identificados que de fato vai qualificar a produção espacial.

A relação ponto a ponto pode ser medida pela categoria distância como uma

dimensão de vínculo entre os diferentes centros de poder. Essa distância pode ser física,

temporal, psicológica ou econômica.

Ultrapassando as imposições dessas diferentes distâncias, os atores individuais ou

coletivos criam vínculos entre si para produzir este território e estabelecem malhas ou

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tessituras de redes. A tessitura territorial pode comportar níveis que são determinados pelas

funções que devem se realizar em cada uma das malhas identificadas.

Essa tessitura composta pelas linhas que vinculam atores compõe o desenho de uma

rede que, como projeção é sustentada por “um conhecimento e uma prática, isto é, por ações e

comportamentos que supõe a posse de códigos, de sistemas sêmicos” (RAFFESTIN, 1993, p.

2). Por intermédio desses sistemas ocorre a comunicação entre os atores na produção de seu

território-rede.

Se concebermos a comunicação como o meio de veiculação desse sistema sêmico e

ao mesmo tempo retroalimentada por esse sistema de valores, signos e códigos linguísticos ou

não, teremos que analisar em cada território quais são as especificidades dessa comunicação.

No território observado nessa pesquisa é importante analisar o impasse entre a escrita e a

oralidade nos micromeios de comunicação.

Maria Martha D’Angelo Pinto, pesquisadora de filosofia da Universidade Federal

Fluminense afirma que o fim da escrita hieroglífica e o surgimento da escrita fonética levaram

a uma redefinição da linguagem oral (Pinto, xxx). Ou seja, a escrita modifica o próprio modo

de expressão ou de objetivação do pensamento. Os atores nos territórios-redes tem sua ação e

interlocução diferenciados conforme tenham domínio da escrita ou apresentam um modo de

comunicação baseado na oralidade.

A observação empírica nos anos de atuação no projeto Profito demostrou um

predomínio da alfabetização. De tal modo, o que passaremos a qualificar como cultura da

oralidade não é ausência de letramento. Na rotina, certos atores não utilizam a comunicação

escrita. Encontramos em Jesús Martín-Barbero argumentos relevantes sobre o observado. Para

o autor, “a oralidade é a fala de uma outra cultura que está viva hoje, não só no mundo rural,

mas também no mundo urbano popular” (MARTIN-BARBERO, 2014, p. 95).

Para o pensador latino-americano a interlocução é a espinha-dorsal da cultura oral

(MARTIN-BARBERO, 2014, p. 95). Enquanto Araújo (2002) afirma que a interlocução é

feita a partir de um lugar, de uma posição, ora mais periférica, ora central, a depender dos

contextos em que se apresentam. A partir desse duplo entendimento a posição do ator nas

redes está também relacionada à sua conformação à escrita ou à uma tradição da cultura oral.

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E isso é diferente da comunicação informal observada por Latour e Steve Woolgar (1997)

como predominante. Nos contextos informados pela ciência, o pensamento objetivado,

expresso nas conversas, segue o formato da escrita. Já nos contextos informados pela tradição

o formato das narrativas não são não tem a mesma organização da escrita, dando origem à

distinções de linguagem, pronúncia e prosódia.

Ao observar essas interlocuções com duplos parâmetros, mesmo dentro da mesma

comunicação informal, aprendemos com Maurizzio Gnerre (1991) que a linguagem é o arame

farpado das relações de poder. Nessas interlocuções haverá sempre distinções originadas no

lugar de fala de cada ator. Isso se manifestará no vocabulário empregado, na prosódia, mas

também na organização interna da narrativa. Então ao se colocar em interação, os diferentes

modos de comunicar irão conformar uma ou outra rede de sentido.

3.1.3. Redes: de metáforas ao regime sociotécnico

Toda rede é uma imagem de poder. Quando compõe uma imagem territorial, revela

as relações de produção e consequentemente as relações de poder. Sua análise conduz a

identificação de sua estrutura mais profunda. Quando um grupo exterioriza a estrutura dessas

tessituras – nós, linhas, redes – abre espaço para visualização de outra estrutura mais

interiorizada. É como se o autor vislumbrasse aí a subjetividade do observante ou do analista

do território rede.

Pode-se falar como Raffestin de redes concretas e redes abstratas; Podem ser

analisadas de redes de parentela, redes comunitárias. Rede social tornou-se um tema

vulgarizado pela apropriação popular das ferramentas virtuais de relacionamento. Quase se

tornaram sinônimas de relacionamento virtual, tacitamente escondendo a dimensão humana

dos vínculos e interações.

Há um entendimento recorrente de redes em sua dimensão metafórica (ENNE, 2004;

ACCIOLI, 2007, RECUERO, 2009). A primeira autora, Enne, cita Radcliffe-Brown, que

"usou a noção de rede para expressar de modo impressionista o que sentia ao descrever

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metaforicamente o que via." (RADCLIFFE-BROWN, apud ENNE, 2004) Parece combinar

com o texto de Raffestin (1993) ao dizer que a estrutura externa identificada, corresponde a

outra estrutura interna.

Para Regina Marteleto (2001), a rede social "passa a representar um conjunto de

participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses

compartilhados". Já a pesquisadora Inesita Araújo, afirma que "redes são espaços sociais e,

como tais, são arenas dos embates e de lutas políticas. São espaços de articulação de campos e

eixos de poder" (ARAÚJO, 2002, p. 301). A presente análise se detém no regime sociotécnico

preponderante nessas redes e expresso nas ações de comunicação e informação.

Utilizar o conceito de rede permitirá a essa pesquisa compreender os vínculos

estabelecidos entre os atores e a produção-consumo de plantas medicinais em sistemas

agroecológicos. Os precedentes históricos e contemporâneos apontam para a existência de um

conjunto de pessoas vinculadas ao cultivo, ao beneficiamento, ao comércio de plantas

medicinais, e bem como a pesquisa, a vigilância sanitária, à assistência médica e

farmacêutica, ao Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional. Outros atores relevantes são

organizados em ongs e movimentos sociais. Esse conjunto é considerado como rede. A sua

delimitação terá como busca um recorte territorial.

Nas Redes e redes reconhecidas no território, percebemos que os fluxos

informacionais e de comunicação formal ou informal consistem em fenômenos sociotécnicos.

Utilizaremos portanto principalmente o conceito de redes sociotécnicas que, para a finalidade

dessa pesquisa é uma metáfora de relacionamento social. Unindo essa rede social à

concepção de Bruno Latour que pressupõe a relação entre humanos, entre humanos e não

humanos perpassados por elementos quase humanos, temos a rede sociotécnica (LATOUR,

1994).

Como diz a pesquisadora Fátima Branquinho, há

uma série infinita de possibilidades de articulação de conceitos científicos e não científicos que ligam as mais antigas tradições às tecnologias avançadas, humanos e

não humanos, natureza e científico, popular e científico, num tecido único, um

conjunto de híbridos" (BRANQUINHO, 2007, p. 19).

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Escolhemos compreender essa metáfora em diferentes níveis. O nível mais local,

mais próximo da relação homem-natureza-homem, centrado na família e na comunidade local

tende a ser compreendida como grupo. O nível mais distante, impessoal, com características

globais corresponde à rede sociotécnica em si. Naturalmente impacta o local mas dificilmente

será analisada assim. O nível intermédio, onde ocorrem as intervenções de projetos e serviços

pode ser integrado pelo conceito de território-rede, criando uma unidade compreensiva.

Segundo Raffestin (1993) há uma rede desejada, que, em nossa interpretação tende a ser

compreendida e operada como grupo. Um pouco mais distante existiria uma rede sustentável

ou suportada. Essa, mais distante seria necessária para a obtenção de objetivos eleitos pelos

atores.

A concepção de redes centradas nas pessoas é uma concepção elementar e rotineira.

As Redes de agroecologia são centradas nas pessoas, seus signos, seus valores. Quanto maior

a proximidade, maior a humanização da rede. Bruno Latour considera nessa proximidade, a

emoção humana. “By allying ourselves to words, to texts, to bronze, to steel, to places, or to

emotions, we end up distinguishing shapes that can be classified, at least in peacetime”6

(LATOUR, 1988, p. 195).

Em todos os três níveis aqui compreendidos seriam encontrados os elementos

humanos, não humanos e quase humanos. Objetos, máquinas, equipamentos eletrônicos,

trens, telefones, cabos elétricos ou de transmissão de dados interferem nas redes

diuturnamente. Cada um deles tem sua própria rede de constituição ou de alocação.

Há, por exemplo, muitos equipamentos e processos caros e raros alocados nos

lugares de pesquisas em plantas medicinais. Não conheço muitos. Faço aqui uma livre

apropriação da descrição dos instrumentos e laboratórios nas redes sociotécnicas de Latour

(2000). Vou citar o High Performance Liquid Chromatography (HPLC) (Fig. 3). Assim como

outros equipamentos, foi desenvolvido através de uma rede social histórica, com pessoas que

inventaram processos e objetos que possibilitaram outros objetos que redundaram no conjunto

6Ao aliar-nos a palavras, textos, bronze, o aço, a lugares, ou emoções, acabamos

distinguindo formas que podem ser classificados, pelo menos em tempos de paz. (tradução

própria)

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de equipamentos que produzem a análise chamada de HPLC. É um conjunto de equipamentos

e processos com cuidadosa distribuição dentro do laboratório. “O objetivo da cromatografia é

separar individualmente os diversos constituintes de uma mistura de substâncias seja para

identificação, quantificação ou obtenção da substância pura para os mais diversos fins”.

“separar, isolar, purificar, identificar e quantificar os componentes de misturas muitas vezes

bastante complexas”. (CRQ4, 2010).

Uma rede sociotécnica inteira está inserida na própria história de um conjunto de

equipamento assim. Ter esses equipamento em um território é ter também em torno dele uma

rede de desejos de uso e parcerias. Um determinado conjunto de aparelhos dispostos em

laboratórios constituem os inscritores, capazes de produzir dados e imagens que vão gerar

novos sentidos e produtos (LATOUR, 1997, p. 45).

Esse é um exemplo de como os objetos (não humanos) contém informação e sua

própria rede sociotécnica e como exercem poder nos territórios. Não podem deixar de ser

considerados como elementos da rede sociotécnica.

Figura 3: Diagrama detalhado de um HPLC

Fonte: CRQ4, Minicurso Conceitos Fundamentais do HPLC7

7 Disponível em http://www.crq4.org.br/sms/files/file/conceitos_hplc_2010.pdf

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66

Da mesma forma que Latour descreveu para outros aparelhos, os produtos do HPLC

são inscrições. No caso o cromatograma (Fig. 4) é uma inscrição literária. A imagem é

interpretada, segundo o autor como uma literatura.

Figura 4: Exemplo de imagem produzida pelo HPLC – o cromatograma

Fonte: Conselho Regional de Química 4, Minicurso8

O Maciço da Pedra Branca nos habilita outro exemplo. Em muitos locais não há

estradas, não há torres de telefonia. Em outros pontos do Maciço não há sequer energia

elétrica. Esses objetos e sua ausência configuram uma territorialidade. Tem consequência nas

relações de poder o que se expressa na capacidade de mobilização, de comunicação e

sociabilidade. O própria floresta da Pedra Branca é um elemento não humano em nossas

redes, interpretado por diferentes sistemas sêmicos. Para alguns valores socioambientais, para

outros valores conservacionistas que excluem o humano.

8http://www.crq4.org.br/sms/files/file/conceitos_hplc_2010.pdf

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67

Esses elementos organizados globalmente podem ser dialeticamente percebidos nos

quase-grupos das redes comunitárias. Fazer esse movimento de idas e vindas requer um

esforço multi e interdisciplinar bem como o compartilhamento de códigos. Não acreditamos

ser necessário compartilhar essa análise com todos em todos os níveis. Para dar um sentido de

unidade a esse olhar podemos utilizar o conceito de território.

Para os propósitos dessa pesquisa achamos também apropriado falar de regime

sociotécnico como uma paisagem das redes sociais em que os agricultores e consumidores de

plantas medicinais se inserem. Esse recorte teórico tem o propósito de dialogar com o

vocabulário e os conceitos já incorporados pelo público preferencial dessa pesquisa. Então

mantenho o conceito de redes sociotécnicos complementar ao de regime sociotécnico numa

perspectiva utilitarista. Redes são como ectoplasmas, ora se apresentam num formato ora

noutro. Regimes podem ser informados, descritos.

Regime é um termo relacionado à ciência da informação como "forma de se

obter uma paisagem do campo de ação da política de informação

relacionando atores, tecnologias, representações, normas, e padrões

regulatórios que configuram políticas implícitas ou explícitas de informação" (MAGNANI, 2011, 596).

Há uma livre apropriação do termo nesse trabalho objetivando a observação desses

fenômenos em sua integralidade no território. Nesse sentido ou nessa apropriação, a paisagem

a que Magnani (2011) se refere inclui o conhecimento tácito e tradicional bem como a

comunicação em saúde, com sua dimensão humana, mas também sujeitas ao imperativo

tecnológico. Implica também na inclusão do não humano na forma de objetos técnico-

científicos e informacionais.

3.2 CIENCIA E TRADIÇÃO – CAMINHOS ENTRE O GLOBAL E O LOCAL

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68

O papel da informação nas sociedades nem sempre foi muito claro. Após a primeira

guerra mundial foram se articulando condições para o surgimento dessa nova ciência da

informação, como um campo organizado de conhecimento e práticas.

Informação é um campo vasto e complexo de pesquisas, tradicionalmente relacionado a documentos impressos e a bibliotecas, quando de fato a

informação de que trata a Ciência da Informação, tanto pode estar num

diálogo entre cientistas, em comunicação informal, numa inovação para o setor produtivo, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro

magnético de uma base de dados ou numa biblioteca virtual ou repositório,

na Internet. (PINHEIRO, 2002)

Nesse sentido, o pensamento de Pinheiro se aproxima tanto de Latour quanto de

Raffestin.Para Latour os objetos exercem poder nos territórios e têm sua própria rede de

relações. A rede pregressa formou o equipamento. E as redes contemporâneas imprimem

sentidos nos territórios. Fazem portanto, parte do sistema sêmico que caracteriza o território

(Raffestin, 1993).

Antes de entrar propriamente dito na discussão do conceito de informação, cabe-nos

descrever o conceito de documentação que dialoga ainda mais com a visão de Latour para a

vida dos objetos e seu poder nos territórios. Segundo Pinheiro e Loureiro (1995), esse termo é

anterior à consolidação da ciência da informação sendo utilizado inicialmente em 1908. Para

nossa finalidade utilizamos o um artigo de Suzanne Briet (1951), em Qu‘est-ce la

Documentation “documento é qualquer traço concreto ou simbólico preservado ou registrado

com o propósito de representar, construir ou comprovar um fenômeno físico ou intelectual”

(BRIET, 1951 apud PINHEIRO E LOUREIRO 1995).

Lena Vania Pinheiro (2002) descreve também que a evolução da concepção de

informação científica deriva da origem da ciência moderna, no século 16. Com o iluminismo

e o predomínio da razão, surgiram as primeiras sociedades científicas. A relação entre os

cientistas dependia das reuniões nestas sociedades. A autoria intelectual e a comunicação

científica eram possibilitadas pelas cartas, precursoras da documentação. Os primeiros

periódicos científicos tornaram-se "legitimadores da ciência, na medida da avaliação e

validação de resultados de pesquisas pelos pares" (PINHEIRO, 2002).

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69

No final do século 19, o trabalho de Paul Otlet e Henri La Fontaine promoveu a

evolução dessas formas de registro da informação, consolidada na Conferência Internacional

de Bibliografia em Bruxelas, no ano de 1895. O evento culminou com a criação do Instituto

Internacional de Bibliografia. Já na terceira década do século 20, ele se transformou no

Instituto Internacional de Documentação (PINHEIRO, 2002).

O trabalho de Paul Otlet merece ser revisitado, pois sugere uma intenção de acesso

aberto. Tem uma concepção de integração da informação com a comunicação e a educação

em bases territoriais que interessa a essa pesquisa. Suas "propostas do Mundaneum, ao

mesmo tempo "tesouro" e "instrumento", instituição guiada por "princípios de totalidade,

simultaneidade, gratuidade, voluntariedade, universalidade e mundialidade" e da enciclopédia

mundial, são perfeitas na tradução e antevisão da Internet como teia ou rede" (PINHEIRO,

2002, p. 67).

As contingências históricas para o advento da ciência da informação foram a

revolução científica, a revolução industrial e a 1ª e 2ª guerras mundiais. O contexto do pós-

guerra, com sua explosão bibliográfica e do esclarecimento da relação entre ciência, técnica e

poder bélico fez as nações e organizações internacionais darem espaço no orçamento para

iniciativas de estudo e controle da informação. Em 1935 foi criado, nos Estados Unidos, o

American Documentation Institute (ADI), que depois mudou seu nome para American Society

for Information Science - ASIS, conforme mencionado. A partir de 2000 acrescentou

Technology ao mesmo nome, passando a ser designado pela sigla ASIS&T (PINHEIRO,

2002).

A inclusão do termo tecnologia nessa importante instituição, foi uma evolução

histórica paralela já prenunciada em 1936, durante a Conferencia da American Library

Association, Richmond, Virgínia. Esse evento constituiu um grupo especial de profissionais

especiais interessados na reprodução de documentos: editores, bibliotecários mas também

fabricantes de equipamentos fotográficos (Leitz, Graflex, Argus)9.

9 Apresentação da profª Dra. Lena Vania R. Pinheiro, 26/3/2013, aula da disciplina

Perspectivas da Ciência da Informação, IBICT/UFRJ.

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Desde então, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação

está inexoravelmente ligado a Ciência da Informação. As questões do armazenamento, da

transferenciabilidade e do acesso tornaram possível que informação tornasse um aspecto

privatizado e passível de comércio. Isso nos parece fundamental para o interesse e

investimentos no setor. É o chamado "imperativo tecnológico" anunciador da relação entre

ciência, tecnologia e informação. É necessário acrescentar uma análise do poder exercido por

essa tríade nos territórios onde predomina o conhecimento tácito, não codificado.

Há muitos conceitos de informação. Para o pesquisador Zhang Yuexiao, da Chinese

Academy of Social Sciences, existe uma árvore de conceitos de informação históricos e

contemporâneos dizendo que

Information is really an elusive and controversial concept. It boasts of an extensive literature but suffers from diversification of its definitions. It has

been estimated that more than 400 definitions of information are presented

by researchers from different fields and cultures. Misunderstandings in scientific and cultural communications are unavoidable under such

circumstances. (ZHANG, 1988, p.479)

Segundo Rafael Capurro, "Informação é o que é informativo para uma determinada

pessoa. O que é informativo depende das necessidades interpretativas e habilidades do

indivíduo" (CAPURRO E HJORLAND, 2003). Admitimos que há essa pluralidade de

informações circulando nos diferentes contextos. Compreendemos também que o caráter

científico de algumas informações não é levado em consideração nos processos

comunicativos. Desse modo passa despercebida a desigualdade de acesso aos produtos da

ciência.

Para as finalidades dessa pesquisa, tomamos o conceito do documento

"Contribuições para políticas de Informação, Ciência e Tecnologia" organizado por Maria

Nélida G de Gomez e Claudia Canongia, (2001).Informação científica é "todo conhecimento

que resulta - ou está relacionado com o resultado de uma pesquisa científica" (AGUIAR, 1991

apud GOMEZ e CANONGIA 2001).Informação tecnológica é "todo conhecimento de

natureza técnica, econômica, mercadológica, gerencial, social, etc. que, por sua aplicação,

favoreça o progresso na forma de aperfeiçoamento e inovação". (AGUIAR,1991 apud

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GOMEZ e CANONGIA 2001) e, por fim, informação científica e tecnológica "compreende

todo tipo de informação que serve de matéria-prima (new material information) ou insumo

para a geração de conhecimentos científicos e de tecnologia". (VAZ LEOPOLDO, 2001 apud

GOMEZ e CANONGIA 2001)

Compreendendo que é da pesquisa que se origina a informação científica, é

importante elucidar quem são os produtores desse tipo hegemônico de conhecimento. O livro

já citado de autoria de Tania Maria Fernandes (2004) traz uma paisagem dessa produção

científica até o ano de 2002. Ela é fundamental para essa pesquisa por apresentar o cenário de

produção da informação científica sobre plantas medicinais no Brasil. Durante o curso de

Gestão da Inovação em Fitomedicamentos (Farmanguinhos/Fiocruz), que cursei em 2009, a

autora fez uma apresentação do quadro de pesquisa mais atual segundo o diretório de

pesquisas do CNPq (Tab. 6). O quadro é similar ao publicado (FERNANDES, 2008). Na

mesma apresentação ela faz a comparação da ocorrência dos grupos de pesquisa de plantas

medicinais por regiões do Brasil (Fig. 5).

Tabela 5: Quantidade e percentual dos grupos de pesquisa das regiões brasileiras em

comparação com os grupos de pesquisa em plantas medicinais no ano de 2004.

REGIÕES GRUPOS DE PESQUISA EM C&T GRUPOS DE PESQUISA EM PLANTAS

MEDICINAIS

Nº % Nº %

Sudeste 10.221 52 129 37

Sul 4.580 24 87 25

Nordeste 2.760 14 78 22

Centro-oeste 1.139 6 29 8

Norte 770 4 29 8

Brasil 19.470 100 352 100

Fonte: CNPq/ Diretório versão 6/2004 citada na apresentação de Tania Maria Fernandes em

03 de julho de 2008.

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Figura 5: Distribuição de grupos de pesquisa em plantas medicinais por regiões do país/ 2004

Fonte: CNPq/ Diretório versão 6/2004, apresentação de Tania Maria Fernandes em 03 de julho de 2008.

Através da análise da produção acadêmica e de sua circulação, podemos perceber

uma paisagem de produção e uso de informação científica ou do conhecimento tradicional e

suas citações na comunicação informal que animam as trocas mercantis ou a doação de

plantas medicinais. Não é o objetivo dessa pesquisa, mas ela pode qualificar esse objeto para

novos intervalos de investigação.

Especificamente no objeto empírico recortado nessa pesquisa, parte dessa ação

comunicativa diz respeito ao chamado "conhecimento tradicional" sobre plantas medicinais. É

um saber empírico transmitido entre gerações sobre o uso da sociobiodiversidade (ou

agrobiodiversidade) de um território. De modo geral não são sistematizados pela linguagem

formal.

Conhecimento Tradicional Associado é a informação ou prática individual

ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real

ou potencial, associada ao patrimônio genético. Comunidade Local é grupo

humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações

sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e

econômicas. (Medida Provisória 2.186-16)

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A socioambientalista Juliana Santilli (2009) é pesquisadora, doutora em direito

ambiental e ativista nos movimentos sociais que culminaram na proteção ao conhecimento

tradicional. É também uma pesquisadora reconhecida mundialmente. Ela descreve como a

Convenção Internacional da Diversidade Biológica (CDB) reconhece os direitos dos

agricultores e comunidades tradicionais tornando visível e passível de proteção jurídica seu

conhecimento tradicional (CT).

A CDB "Reconhece a interrelação entre recursos genéticos e CT, sua

natureza inseparável para comunidades indígenas e locais, a importância do

CT para a conservação da biodiversidade e para o uso sustentável de seus componentes e para a vida sustentável dessas comunidades". (SANTILLI,

2009)

A proteção jurídica derivada da CDB, e da Medida Provisória 2.186-16 diz respeito a

essa tipologia do conhecimento tradicional que qualificam de associado. Embora existam

formas individuais e coletivas de compensação econômica pelo acesso a esse conhecimento

sobre os recursos genéticos, tem sido difícil confirmar a sua titularidade.

Um pouco esquecido no debate da proteção legal está o conhecimento tradicional

disseminado. A médica Maria Carmem Pirassinunga Reis10

, fundadora do Programa de

Fitoterapia da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ) referia-se a

"conhecimento popular" como diferente do conhecimento tradicional. Na concepção desse

projeto de pesquisa, o conhecimento popular seria o conhecimento tradicional disseminado,

ou seja, que caiu em domínio público na sociedade.

Há autores que se referem ao local ecological knowledge (LEK) (CHALMERS e

FABRICIUS, 2007). Esse conhecimento circula nos território também de forma oral ou em

documentos e registros não são sistematizados como tecnológicos ou científicos, sendo

considerados, portanto conhecimento tácito. No entanto, nem todo conhecimento tácito em

circulação nos territórios estejam relacionados ao conhecimento tradicional. Tácito aqui está

em oposição ao conhecimento codificado na forma de comunicação formal, informação

tecnológica ou científica.

10

Comunicação pessoal.

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Para a socioambientalista Juliana Santilli (2009), "A CDB e a Medida Provisória

2.186-16 estão centradas em acordos bilaterais e contratuais entre "provedores" e "usuários"

do recurso genético e/ou do conhecimento tradicional associado" (...) "As formas de

repartição de benefícios são indiretas, tais como criação de mecanismos de participação real

nas decisões que impactam a agrobiodiversidade" (SANTILLI, 2009).

Temos um pensamento que essa bilateralidade e compensação baseada em bens

materiais não necessariamente implicam em reciprocidade com as comunidades locais ou com

o empoderamento das mesmas diante da produção científica, das patentes ou dos produtos

derivados de seu conhecimento. Tanto a reciprocidade como o empoderamento das

comunidades tradicionais e locais são princípios valorizados na construção social do

conhecimento agroecológico.

Reciprocidade é um princípio derivado da dádiva como característica de sociedades

tradicionais descrita por Marcel Mauss no livro Ensaio sobre a Dádiva de 1925. Em termos

bem simples trata-se de reconhecer que o princípio da doação esteve presente em todas as

sociedades primordiais11

. É um traço constitutivo dos modos de vida. Mais recentemente esse

conceito foi ampliado nos estudos posteriores. Aqui consideramos o sentido descrito por Eric

Sabourin, no artigo de 2008. Segundo ele sobrevivem nos mercados dois princípios

econômicos, um mercantilista e outra da reciprocidade, permeado por ações de doação e

solidariedade.

Para o autor não só as pessoas têm atitudes de reciprocidade e dádiva. Ele se utiliza

das compras públicas da Política Nacional de Alimentação Escolar e do Programa de

Aquisição de Alimentos para demonstrar que as instituições também têm atitudes de

reciprocidade (SABOURIN, 2008). “Do ponto de vista antropológico, o princípio de

reciprocidade corresponde, portanto, a um ato reflexivo entre sujeitos, a uma relação

intersubjetiva e não apenas a uma simples permuta de bens ou de objetos, como é a troca”

(SABOURIN, 2010). E esses sujeitos então podem ser instituições do Estado.

11 Evitamos o termo primitivo pelo seu teor pejorativo em nossa língua.

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Unificando o conceito para outro setor de aplicação e de pesquisas, o francês Allan

Caillé, que esteve recentemente no Brasil, traduz esse princípio como Cuidado aplicado no

campo da saúde12

. Abre-se um vasto campo de estudos ao relacionar as plantas medicinais em

redes sociotécnicas caracterizadas pelo Cuidado e pela economia da dádiva. Não exploramos

suficientemente esses sentidos mas os anunciamos aqui. Entendemos o conhecimento

tradicional sobre a agrobiodiversidade associado também ao princípio da reciprocidade como

característica primordial como se manifesta na memória e consequentemente nas práticas das

pessoas.

Ao tratar que a tradição seja associada à agrobiodiversidade ou à dádiva lidamos com

o conceito de memória estudada desde os tempos de fundação das ciências sociais. Há uma

larga produção científica sobre o assunto. No trabalho cotidiano ligado ao conhecimento e uso

tradicional de plantas medicinais fomos obrigadas a retomar a ideia de memória não como

algo pertencente ao passado mas como uma vivência contemporânea.

Trouxemos então para esse campo de associação à tradição, o artigo de Andreas

Huyssen (2000) que descreve como a sociedade está mudando de foco, deixando o “privilégio

dado ao futuro que tanto caracterizou as primeiras décadas de modernidade do século XX”

(HUYSSEN, 2000, p. 9). Na mesma medida que abandona o mito do futuro há uma ênfase

memorialista que o autor denomina “passados presentes”. “A partir da década de 1980 o foco

parece ter se deslocado dos futuros presentes para os passados presentes” (HUYSSEN, 2000

p. 9). E, continua o autor:

De fato, questões de temporalidades diferentes e modernidades em estágios

distintos emergiram como peças-chaves para um novo entendimento rigoroso dos processos de globalização a longo prazo que procurem ser algo

mais do que apenas uma atualização dos paradigmas ocidentais de

modernização. (HUYSSEN, 2000, p.10)

12 Palestra durante o Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas e Saúde ocorrido no Rio de Janeiro entre 13 e 17 de novembro de 2013. Caillé é autor de vários livros (dentre

eles "Critique de la raison utilitaire". Paris: La Découverte, 1989; e "Antropologia do dom.

O terceiro paradigma". Petrópolis: Vozes, 2002); e fundador do MAUSS (Mouvement

Anti-Utilitariste dans les Sciences Sociales).

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Compactuamos desse enunciado ao pretender não um retorno a tempos passados,

mas que o presente e o futuro possam se nutrir do tradicional para reinventar a existência.

A próxima sessão irá discutir a natureza de conhecimento tradicional como

eminentemente tácito enquanto a informação científica aparece como explícita e codificada.

Utilizamos um poema de Oliveira das Panelas13

para iniciar essa discussão.

Por quê não dialogar, Num encontro magnífico,

O seu saber científico

Com o saber popular?

Daí, pode germinar A melhor contrapartida,

Proposta bem concebida.

Pois queremos, na essência, Ciência com consciência

Dirigida para a vida.

A informação passou a ser um ativo fundamental para o êxito dos empreendimentos.

Daí deriva a ideia de ‘sociedade da informação' para designar a época atual e também surge

um campo de aplicação chamada de Gestão da Informação, cuidando desse ativo na forma de

conhecimento explícito e codificado.

Outra abordagem é defendida pela pesquisadora Paula Xavier dos Santos que, sem

negar a efetividade da gestão da informação, apresenta a necessidade da Gestão do

Conhecimento. Afirma que a diferença entre dado, informação e conhecimento é uma questão

de grau. "Surge o conceito de Gestão do Conhecimento agregando o conhecimento tácito

como recurso a ser gerenciado" (SANTOS, 2010, p. 18).

Esta distinção entre conhecimento explícito e tácito demarca a diferença

entre as abordagens de gestão da informação e gestão do conhecimento. A gestão do conhecimento, além de ter o conhecimento como objeto a ser

gerenciado e compartilhado, pressupõe processos e estratégias para criação

de novos conhecimentos. (SANTOS, 2010).

13 Site: <www.oliveiradepanelas.com>

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Para o campo da Gestão do Conhecimento, o tácito tem uma difícil visibilidade e

expressão. É pessoal e quase não transferível. No entanto, a busca de certos atores é por

insight e codificação. Para esses podemos afirmar que o conhecimento tácito promove

inspiração para novidades e possíveis inovações. Para os agricultores detentores do

conhecimento tradicional podemos falar em gestão do conhecimento agroecológico, como um

exercício de experiências concretas intimamente ligadas às práticas de comunicação. “Nessa

lógica, experimentação e comunicação passam a ser compreendidas como funções

indissociáveis na gestão do conhecimento agroecológico que se processa nas redes de

agricultores-experimentadores” (PETERSEN e SILVEIRA, 2007, p. 112).

O conhecimento tácito não é prerrogativa das populações tradicionais. Os

especialistas, pesquisadores e gestores também possuem conhecimento tácito não

sistematizado sobre seu objeto e seu território rede. Uma sutil diferença pode ser vista no fato

que a gestão deste conhecimento tácito em espaços especializados o torna mais passível de

codificação. A sistematização do conhecimento tácito das populações tradicionais sobre seu

próprio território é objeto da etnobotânica, por exemplo. Ainda assim a gerência dos

detentores de seu próprio conhecimento no território só tem sido contemplada em pequenas

escalas.

O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras e números, e facilmente comunicado e compartilhado sob a forma de dados brutos,

fórmulas científicas, procedimentos codificados ou princípios universais

(NONAKA et al., 1997 apud SANTOS, 2010).

Parece-nos que há uma lacuna a ser preenchida na construção do conhecimento que

possa impactar positivamente a própria vida das comunidades e seu entorno, reconhecendo,

validando14

ou protegendo o próprio conhecimento tradicional e seus detentores. Essa lacuna

a ser mais bem descrita está explícita no código penal, implícita na sutil presunção de crime,

na impossibilidade técnica de comercialização de produtos beneficiados por parte da

14

Alguns integrantes dos movimentos sociais anunciam que não precisam de nenhuma validação que tenha o Estado como "validador".

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agricultura familiar, nas dificuldades impostas pela legislação de sementes, reproduzindo-se

nos momentos de comunicação informal.

Há uma trajetória interdisciplinar e intersetorial entre as ciências da informação e da

comunicação. Já que, no modelo do Mercado Simbólico, a comunicação é vista como ação

humana comum, interpretamos que, nessa última área de investigação científica se

concentram as principais demandas populares cobrando avanços na direção de uma

epistemologia do social. Para Alvin Goldman (2010), essa é um contraponto a epistemologia

clássica. Os adeptos da epistemologia social

buscam identificar as forças sociais e influências responsáveis pela produção

de conhecimento assim concebida (...). Qualquer interação entre os

indivíduos que afetam o estado de crença de alguns deles pode ser

considerado uma relação social-epistêmica. Assim entendido, uma grande variedade de interações comunicativas seria assuntos ajuste para a

epistemologia social (GOLDMAN, 2010, p. 11).

A pesquisa aqui proposta quer descrever essas interações comunicativas entre atores

com diferentes sistemas sêmicos, detentores de conhecimento tradicional ou de informação

científica e identificar como interagem nos processos de tomada de decisão. Entende o campo

da comunicação como o território epistêmico onde ocorrem as citações ao conhecimento

tradicional ou à informação científica. Essa visão é inspirada em Bruno Latour (1997), já

citado, que afirma ser predominante a comunicação informal, só mais tarde sistematizada

(LATOUR, 1997, p. 289). O autor está se referindo a comunicação no ambiente formal dos

laboratórios o que nos permite uma apropriação para o ambiente das feiras que desejamos

investigar.

Compreendemos que essa predominância de uma comunicação informal referindo-se

sempre à informação científica ocorre também em outros setores além da pesquisa feita em

laboratórios. Essa comunicação informal descrita por Latour (1997) é semelhante ao que

Gnerre (1991) fala sobre linguagens especiais, como os jargões profissionais. Segundo o

autor, “a função central de todas as linguagens especiais é social: elas têm um real valor

comunicativo mas excluem da comunicação as pessoas da comunidade linguística externa ao

grupo” (Gnerre, 1991, p. 23).

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Tanto do ponto de vista de nossas observações empíricas quanto a partir da

existência de dicionários técnicos ou os descritores vemos a saúde coletiva como portadora de

linguagem especial e ao mesmo tempo grande consumidora de informação científica. De

modo semelhante o campo da agroecologia também coleciona jargões e informação científica.

Compreendemos que os dois campos se encontram em interseção nessa pesquisa. Desse modo

achamos conveniente descrever alguns conceitos de cada um deles.

3.3 SAÚDE COLETIVA E AGROECOLOGIA COMO FRONTEIRAS

Iniciamos essa sessão com o contexto da saúde coletiva. Em seguida vamos

descrever o campo da agroecologia, seus desafios práticos, teóricos e metodológicos. Vamos

buscar a interação entre estes dois campos que circundam o nosso objeto de pesquisa,

considerados como fronteiras mediadas pelo conceito de construção social do conhecimento.

Esse conceito é tratado como processo entre o campo da saúde coletiva e da agroecologia.

Vamos descrever alguns dos processos e acúmulos de pesquisas ambos relacionados à

comunicação como fenômeno mais amplo que engloba a informação científica e tecnológica e

se passa no ambiente de redes sociotécnicas.

Embora consideremos relevantes a relação multidisciplinar com a biologia, a

agronomia ou a farmácia, vamos chamar de limites a dificuldade temporal-espacial dessa

pesquisa ao tratar de assuntos desses campos.

Plantas medicinais são utilizadas e conhecidas como uma expressão da cultura dos

povos e comunidades tradicionais. Quando seu uso expressa a busca por amenizar sintoma

desagradável ou desconforto físico considerado como doença passa a ser de interesse do

campo de pesquisa e prática da saúde coletiva. Aqui estamos dando preferência para esse

campo e não para o campo da saúde pública, propriamente dita.

Há uma diferença conceitual entre saúde pública e saúde coletiva. A primeira refere-

se à organização dos serviços de atendimento à população. Já o conceito de saúde coletiva

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refere-se à um campo de construções teóricas interdisciplinares e intersetoriais com o objetivo

de influir sobre a prática de organização dos serviços de saúde pública. Na saúde pública há

uma ênfase em alocar pessoas, recursos tecnológicos e processos para responder ao manejo do

processo saúde-doença. A saúde coletiva, por sua vez, enfatiza a produção do conhecimento

na práxis de manejo sobre esse mesmo processo.

É "um campo ideológico comprometido com a transformação social. (...) O

objeto da Saúde Coletiva é construído nos limites do biológico e do social e compreende a investigação dos determinantes da produção social das

doenças e da organização dos serviços de saúde, e o estudo da historicidade

do saber e das práticas sobre os mesmos. Nesse sentido, o caráter

interdisciplinar desse objeto sugere uma integração no plano do conhecimento e não no plano da estratégia, de reunir profissionais com

múltiplas formações". (PAIM E ALMEIDA FILHO, 1998, p. 309).

Os princípios do SUS tem algo a dizer sobre a construção social do conhecimento.

Entre seus princípios doutrinários estão a universalidade, equidade e integralidade e os

organizativos a descentralização, hierarquização e a participação (ARAÚJO e CARDOSO,

2007, p.61).

A descentralização foi traduzida ao longo dos anos desde a emissão da Constituição

Brasileira em 1988 como municipalização dos serviços. Hoje há outras formas de implantação

desse princípio. A Norma Operacional Básica - NOAS SUS 01/2002 tratou como a

regionalização inter, intramunicipal e interestadual. São criadas as regiões, macrorregiões e

microrregiões da saúde.

A regulamentação da Lei 8080/90 foi feita através do decreto nº 7.508 de 28 de junho

de 2011. Ao definir a regionalização, esse decreto afirma:

Os entes federativos definirão os seguintes elementos em relação às Regiões

de Saúde: seus limites geográficos; população usuária das ações e serviços; rol de ações e serviços que serão ofertados; e respectivas responsabilidades,

critérios de acessibilidade e escala para conformação dos serviços.

(BRASIL, 2011)

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Essas expressões presentes no ambiente regulatório do SUS indicam uma ênfase no

local como forma de produção do conhecimento da saúde da população. Outro princípio

importante para a saúde coletiva e consequentemente para essa pesquisa é a integralidade, que

se expressa nas relações de cuidado entre equipe técnica e usuários, mas também se expressa

na forma como os serviços se organizam nos territórios.

Ao tomarmos o sentido da palavra saúde em sua forma mais ampla, encontramos

aliado a essa definição, o conceito de determinantes sociais da saúde. Constituem um

amálgama entre o coletivo, o ambiental, a autonomia dos indivíduos e grupos e a capacidade

dos setores públicos providenciarem equidade. É o modo como a vida dos indivíduos se passa

nos ambientes, com impacto direto sobre a sua condição de saúde.

Para essa pesquisa, é importante essa compreensão do contexto situacional onde está

o usuário do SUS, o cidadão em sua inserção sócio-política, ambiental, econômica e cultural.

É nessa dimensão que o ciclo de produção-consumo de plantas medicinais tem maior relação

com a saúde pública. Também tem expressão no princípio da integralidade quando esse

princípio define os territórios de intervenção ou as estratégias de territorialização da saúde.

Em territórios periurbanos ou rurais são encontrados grupos populacionais com

vínculo com as plantas medicinais. Alguns assentamentos urbanos também abrigam um

conjunto de cidadãos que se utilizam das plantas medicinais. Esta é a conclusão da

pesquisadora Fátima Branquinho (2007) ao desenvolver sua pesquisa no bairro de Vigário

Geral, periferia da cidade do Rio de Janeiro. Esse trabalho levou a pesquisadora a afirmar que

"A análise da cultura das ervas no limite urbano revelou a metrópole como um local de

marcante ambiguidade" (BRANQUINHO, 2007, p. 13).

Se há o uso de plantas medicinais e remédios caseiros informados pela tradição, há

também um acervo de pesquisas científicas produzidas ao longo dos anos. Outra

pesquisadora, a Tania Maria Fernandez, dedicou sua tese de doutorada à compreensão das

fontes de informação científica sobre plantas medicinais. Em seu livro, Plantas Medicinais -

memória da ciência no Brasil (FERNANDES, 2004), há uma historicidade da produção

científica sobre o assunto. O histórico produzido pela pesquisadora auxilia a compreensão da

evolução da produção da informação orientada a plantas medicinais. Aproveitamos o

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pensamento da Tania Fernandes (2007), adicionamos dois eventos descritos pela

socioambientalista Juliana Santilli (2009), as políticas promulgadas em 2006 e desenhamos

uma linha do tempo que serve aos interesses desse trabalho (Fig. 6).

Figura 6: Linha do tempo representativa da evolução da produção científica do segmento plantas medicinais

Fonte: BRASIL, 2006a; BRASIL 2006b; FERNANDES, 2004; SANTILLI, 2009;

Tânia Fernandes (2004) traça um histórico da pesquisa brasileira sobre plantas

medicinais. Cita o uso milenar dessas espécies nas diversas sociedades e se aprofunda no

perfil da estrutura nacional de pesquisa a partir de meados do século XX. Situa como ponto de

partida o ambiente internacional do pós guerra quando ocorreu uma depressão da indústria

farmacêutica europeia (FERNANDES, 2004, p.33).

Segundo a autora, enquanto a indústria farmacêutica brasileira sofria um declínio, a

pesquisa científica "financiada e coordenada pelo Estado, apresentou um aumento

significativo" entre as décadas de 1960 e 2000 (FERNANDES, 2004, p.17). Descreve então o

papel das agências de fomento, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

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Superior (Capes), a Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Salienta também o papel da Central de

Medicamentos (CEME), criada em 1976.

Na década de 1960, a autora destaca a criação dos Simpósios de Plantas Medicinais.

Até o momento foram organizados 22 eventos similares, reunindo a produção acadêmica

sobre plantas medicinais nas áreas defarmacologia pré-clínica e clínica, fitoquímica,

biotecnologia, conservação dos recursos vegetais, cultivo e melhoramento, controle de

qualidade, etnobotânica, etnofarmacologia, marcos regulatórios, saúde pública,

desenvolvimento tecnológico. Esses foram qualificados como "espaços de excelência para

trocas científicas na área de plantas medicinais no Brasil", diz a autora ao citar o depoimento

de um pesquisador (FERNANDES, 2004, p.115).

3.3.1 Vigilância Sanitária

Parte das pesquisas realizadas sobre plantas medicinais tem como perfil a segurança

do uso e o controle de qualidade de fitoterápicos e fitomedicamentos. Essas ações estão no

campo de atuação da vigilância sanitária, assim como outros produtos úteis à alimentação e

saúde humanas. Essas plantas, quando usadas in natura ou com beneficiamento primário

(secas, rasuradas ou pulverizadas) são consideradas como produtos de baixa complexidade,

situam-se entre o alimento, produtos isentos de prescrição e o uso como remédios caseiros.

São esses usos de baixa complexidade que, segundo nossa interpretação, precisam de um

contexto regulatório que favoreça a inclusão produtiva de agricultores familiares.

A 11ª Conferência Nacional de Saúde (2000) apresentou a demanda da sociedade em

regularizar as iniciativas de beneficiamento de produtos da agricultura familiar. Em seguida a

1ª Conferencia Nacional de Vigilância Sanitária ratificou e ampliou o compromisso anterior:

Fomentar políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico que

incluam financiamento para os distintos segmentos da cadeia produtiva, garantindo aos pequenos produtores rurais os meios necessários à

manutenção de condições adequadas e seguras no processo de produção,

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diminuindo os riscos sanitários ao consumidor e à sua saúde. Devem ser

garantidas ações integradas entre os diversos setores que atuam na

agricultura familiar, visando ao seu desenvolvimento e à qualidade dos alimentos produzidos. (1ª CONFERENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA

SANITÁRIA, 2001, p. 50)

Transformando em ação as propostas da sociedade civil, a ANVISA promoveu no

dia 28 de janeiro de 2013, a Oficina sobre Inclusão Produtiva com Segurança Sanitária cuja

finalidade foi:

Aperfeiçoar o trabalho realizado pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária - SNVS junto aos empreendimentos familiares rurais, setores

associativistas, cooperativados e micro empreendedores individuais, visando

a promoção da geração de renda, do emprego e da inclusão social, além de identificar ações que possam fortalecer as relações entre os demais órgãos e

instituições governamentais e não governamentais, contribuindo desta forma

com o Programa Brasil sem Miséria, através de políticas públicas que visam

a erradicação da miséria e o crescimento econômico do país15

.

A minha presença nessa oficina proporcionou um entendimento mais específico dos

desafios propostos para as organizações ligadas à agricultura familiar e uso tradicional de

plantas medicinais. Muito do que foi dito durante a oficina em parte com registro em

apresentações e relatórios com pouca divulgação, proporcionam subsídios importantes para

acompanhamento do processo de regulamentação das agroindústrias familiares onde se inclui

o beneficiamento primário de plantas medicinais.

Um dos produtos dessa oficina foi uma minuta de resolução que, tornou-se a

Consulta Pública nº 37, de 26 de agosto de 2013 publicada no Diário Oficial da União de

27/08/2013 (ANVISA, 2013). Durante a construção do texto para a minuta, fiz intervenções

orais no sentido de buscar espaço para integração dos processos de formação, de informação e

comunicação em saúde. Até o momento não houve acolhida a essas expressões no texto da

consulta pública.

15 Material impresso distribuído na Oficina de 27/08/2013.

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Mais uma vez aparece a construção social do conhecimento como um critério

importante para a saúde coletiva nessa relação com a agroecologia. Segundo o

epidemiologista Luis David Castiel, Maria Cristina Guilam e Marcos Ferreira, no livro

Correndo o Risco, introdução aos riscos em saúde (2010). Os autores citam a possível

“avaliação de risco sem deixar de lado fatores subjetivos, éticos, morais e culturais”

(CASTIEL at al, 2010, p. 17). E, mais adiante esses autores afirmam: “A mensuração dos

riscos é, em última análise, um processo social. Riscos só existem decorrentes de ação

humana que é, invariavelmente, social” (CASTIEL ET AL, 2010, p. 45).

Como eminentemente social aborda então essa relação entre fatores biológicos e

culturais. A epidemiologia é um dos muitos limites dessa pesquisa, mas não podemos deixar

de anunciar a relação. Ficamos mais animados ao saber que há pesquisadores dedicados a essa

pesquisa, sem a qual seria irresponsabilidade pensar a inclusão produtiva de produtores

agrícolas, povos e comunidades tradicionais. Assim se constituem redes de sentido que

permitem aos atores afirmar: Eu não sei mas outros pesquisadores acessíveis no território

sabem.

Como demonstrou Fátima Branquinho (2007), o tema das plantas medicinais articula

saúde e cultura. A legislação nacional e internacional de proteção ao conhecimento tradicional

associado à biodiversidade traz impactos positivos à produção científica de plantas medicinais

ora limitando ora potencializando o uso da biodiversidade brasileira na assistência

farmacêutica.

Diante desse cenário e diante dos princípios de participação e integralidade, o

detentor do conhecimento tradicional (associado ou disseminado) pode ser mais ou menos

visível seja na pesquisa, no ensino ou nas práticas assistenciais do SUS. Essa visibilidade

também influencia seu empoderamento e vínculo diante dos serviços, como uma voz política

no controle social.

O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi promulgado em

2007. É coordenado pelo Ministério da Saúde em integração com mais onze ministérios e com

ação fundamental da Fiocruz. Através desse programa incluímos outro papel para um grupo

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populacional importante para o campo científico da Agroecologia, o campesinato,

eventualmente descrito nesse texto como agricultura familiar.

Essa pesquisa traz a visão do camponês como detentor do conhecimento tradicional e

produtor potencial de insumos para a assistência farmacêutica. Para ilustrar esse pensamento

apresento uma imagem (Fig. 7). Segundo o pesquisador Muniz Sodré "a imagem torna-se

instrumento da consciência de artistas ou cidadãos (...) para mostrar o que não foi visto na

esfera do visível da comunidade" (SODRÉ, 2006, p.98).

.

Figura 7: Descrição da cadeia produtiva de produção de fitoterápicos

Fonte: Apresentação de Tania Maria Fernandes em 3 de julho de 2008 em Farmanguinhos/Fiocruz.

A imagem utilizada por Tania Maria Fernandez ilustra o intervalo de produção

científica sobre plantas medicinais e anuncia ao mesmo tempo o que está invisibilizado. Para

o conjunto de cidadãos que constroem coletivamente essa pesquisa é como se a mão que se

estende ao ofertar a planta para a pesquisa e para o uso no SUS fosse uma senha ou um

convite para novas investigações.

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Para o escopo dessa pesquisa a figura da mão, no canto inferior esquerdo da imagem

representa um camponês inserido em uma territorialidade, organizado ou não, sujeito a um

regime de posse e uso da terra, da água e dos demais condicionantes para a produção,

circulação e consumo de plantas medicinais. Consideramos aqui a intersetorialidade entre

saúde e agricultura. No campo da pesquisa voltada a agroecologia essa dimensão é igualmente

complexa, e convidamos o leitor a passear por esses conceitos.

A expressão plantas medicinais contém essa dualidade entre a agricultura e o

extrativismo como setor econômico as formas de medicina, tradicional ou biomédica, do

campo da saúde. A expressão plantas nesse contexto está ligada intrinsecamente a um

ambiente cercado de elementos ecossistêmicos. Necessariamente o provimento de plantas

para um desses sistemas médicos implica em um sistema produtivo, seja extrativismo ou

cultivo agrícola, podendo ser mais ou menos sustentável.

A sustentabilidade caracteriza qualquer modelo de produção agrícola aplicado a essa

obtenção de plantas medicinais. Ao longo de milhões de anos a humanidade tem domesticado

e reproduzido sistematicamente espécies vegetais de interesse alimentar e econômica.

Segundo Maria Nazareth Wanderley, entre o final dos anos 1950 e 1960, com a justificativa

do aumento populacional a agricultura brasileira passou por uma etapa de definição de seu

modelo agrícola (WANDERLEY, 2009). Essa etapa foi denominada Revolução Verde.

O resultado desse período pode ser visto como a crescente especialização das

propriedades agrícolas, a mecanização, a concentração da terra, o êxodo rural. A produção

brasileira cresceu muito desde então. Sua produção, destina-se preferencialmente para a

exportação. Tornou o Brasil um dos países com maior uso de agroquímicos, causando outras

vulnerabilidades para a saúde coletiva. Apesar disso, esse modelo não resolveu o problema da

alimentação mundial. Desse modo, a partir de setembro de 2000, a Organização das Nações

Unidas (ONU) traz para seus 191 estados membros os Oito Objetivos do Milênio, sendo o

primeiro deles a erradicação da pobreza extrema e o combate a fome (ONU, 2013). A

presença do sétimo objetivo, na mesma agenda para o milênio - a sustentabilidade - também

pressupõe certa complexidade para pensar o modelo hegemônico de produção agrícola.

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No entanto, um movimento dialeticamente oposto a esse modelo agroexportador

sempre esteve presente na história da agricultura. Diferentes formas de agricultura camponesa

evoluíram para uma relação técnica científica, passando por diferentes denominações:

agricultura tradicional, natural, alternativa, biodinâmica, agricultura de base biológica. Aos

poucos investimentos práticos, institucionais e de pesquisa científica cunhou e trouxe

crescente hegemonia para o campo denominado agroecologia.

Já em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares,

apresentou sua definição de agroecologia, aproximando o termo da fitoterapia no SUS.

trata-se de sistema que se baseia em um cultivo sustentável, que respeita o

meio ambiente, em oposição ao modelo agrícola convencional, centrado no

uso abusivo dos recursos naturais e de agroquímicos. A agroecologia

prioriza as necessidades alimentares e nutricionais da população, selecionando as tecnologias utilizadas no processo produtivo, assegurando a

preservação dos agroecossistemas em longo prazo. (BRASIL, 2006b, p. 42)

Para as finalidades dessa pesquisa, há relevância na construção social do

conhecimento em agroecologia e que esse conhecimento se dá com intrínseca relação entre

informação científica e conhecimento tradicional. É, portanto, uma ciência complexa e

interdisciplinar.

Aplicação dos princípios e conceitos da Ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis, num horizonte temporal, partindo do conhecimento

local que, integrando ao conhecimento científico, dará lugar à construção e expansão

de novos saberes socioambientais, alimentando assim, permanentemente, o processo

de transição agroecológica. (GLIESSMAN, 1990 apud CAPORAL E

COSTABEBER, 2004)

Esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais,

preservar recursos ambientais, considerar a participação política e o empoderamento

dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma

agricultura sustentável. (CAPORAL E COSTABEBER, 2004, p. 15).

Emerge do campo da agroecologia uma dimensão de "construção social do

conhecimento" que é uma linha mestra para essa dissertação. Através desse conceito

pretendemos integrar ou relacionar os demais campos do conhecimento convergindo para o

objeto plantas medicinais em sistemas agroecológicos. Construção social é destas expressões

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que correm o risco de tornarem-se banalizadas pela repetição sem que sua natureza mais

efetiva seja perseguida e aplicada. A autora Fátima Branquinho (2007) prefere falar:

O que permanece sociologicamente essencial é o reconhecimento de que

todos os universos simbólicos e todas as legitimações são produtos humanos,

cuja existência tem por base a vida dos indivíduos concretos e não possui status empírico à parte dessas vidas. (BERGER e LUCKMANN, 1985 apud

BRANQUINHO, 2007).

O conhecimento agroecológico é constituído com a valorização do conhecimento

tradicional. Mas reafirma a necessidade da informação científica. Defende a horizontalidade

entre as duas formas de conhecimento. No campo da agroecologia, a ciência não tem status de

superioridade. Não há pressuposto de autoritarismo da ciência sobre o conhecimento

ecológico local. Seu pressuposto seria uma tessitura da pesquisa acadêmica com a influência

mútua de uma forma de conhecimento sobre a outra.

A agroecologia valoriza o agricultor experimentador. Esse tem sido ao longo da

história, um domesticador de espécies e um melhorista nato. Para a pesquisadora Juliana

Santilli (2009), a conservação on farm, ou no local de cultivo é uma ação de agricultores.

Através do trabalho contínuo de seleção de sementes feito nas lavouras se produz tanto a

conservação como o melhoramento de inúmeras espécies de interesse para alimentação e

saúde (SANTILLI, 2009).

Paulo Petersen (2011) alia o potencial de novidades nas experimentações de

agricultores camponeses como intrinsecamente ligada à comunicação. Para o autor, a

novidade se difere da inovação.

La producción de novedades en el campo de la agricultura y del desarrollo

rural se da a partir de la mutua adaptación entre los sistemas técnicos y los ecosistemas. De esto resulta que las novedades produzcan y dependan al

mismo tiempo de un tipo de conocimiento de naturaleza contextualizado y

artesanal: el conocimiento local. (PETERSEN, 2011, p. 104)

Um dos desafios do campo da agroecologia é o exercício de não especialização da

agricultura, seja na prática dos cultivos, seja nas pesquisas que os legitimam. Plantas

medicinais são espécies que interagem com outros produtos agrícolas e com as variedades de

alimentos da dieta dos territórios. Estamos aqui, buscando a aplicação de alguns princípios da

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agroecologia, focando essas espécies ditas medicinais sem esquecer as suas relações com

outras plantas cultivadas para a segurança alimentar e nutricional nos territórios. Trata-se de

enfocar plantas medicinais nos sistemas agroalimentares.

Agroecossistemas ou sistemas agroalimentares podem ser entendidos também como

um território-rede interpretado no campo da agroecologia. Para o geógrafo Claude Raffestin,

Não se trata pois do "espaço", mas de um espaço construído pelo ator, que comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema

sêmico. Portanto o espaço representado não é mais o espaço, mas a imagem

do espaço, ou melhor, o espaço visto e/ou vivido. (RAFFESTIN, 1993, p.5)

Podemos chamar a esses bairros ou grupos de bairros ou simplesmente um conjunto de ruas de vizinhança, entendida como aquele espaço onde as

pessoas adquirem mais familiaridade social e geográfica, e podem

compartilhar uma história. Onde se vivem processos econômicos, políticos e sociais. Enfim é aquele ambiente que encerra a maior complexidade social

de um grupo de pessoas, o lugar em que vivem suas vidas. (TORO, 2005, p.

73)

Plantas medicinais precisam de espaço para seu cultivo, manuseio, beneficiamento,

pesquisa. Esse espaço, no entanto, não é algo isento de relações de poder que o submetem e

transformam. São relações que impõe aspectos favoráveis ou desfavoráveis ao ciclo de

produção e consumo de plantas medicinais. Podendo aparecer como elementos simétricos ou

assimétricos, não humanos ou quase humanos (LATOUR, 1994).

Podemos exemplificar esse ponto com o exemplo dos sistemas agroflorestais

medicinais (SAFs) como um dos produtos do Profito. Inicialmente eles demandavam um

espaço de 400 m² para compor uma unidade demonstrativa em cada uma das comunidades

locais onde havia intervenção do projeto.

O primeiro impacto veio da inviabilidade de assinar um termo de compromisso com

o Instituto Estadual do Ambiente, gestor do Parque Estadual da Pedra Branca, unidade

conservação integral e espaço onde se situam a maior parte dos agricultores (FERNANDEZ,

2009). Passaram-se 4 ou 5 anos de negociação com o órgão ambiental. Aos poucos todos

foram compreendendo que deviam criar um plano alternativo chamado “Plano B”. Como a

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necessidade de espaço geográfico era mínima, o coletivo Profito buscou áreas do entorno em

sítios particulares ou institucionais.

O regime de posse e uso da terra bem como as condições sanitárias e ecológicas

foram fatores territoriais que inviabilizaram a existência dos SAFs nos espaços priorizados

inicialmente. Relações de poder pessoal ou institucional interferiam na implantação dessas

tecnologias sociais. No entanto, mesmo com todos os desafios impostos pelo território rede,

três sistemas agroflorestais medicinais estão implantados na zona oeste do Rio de Janeiro,

como será discutido mais adiante.

Uma dimensão favorável ao florescimento das ações de PNPMF no território da zona

oeste do Rio de Janeiro é a presença de Farmanguinhos. A partir de Farmanguinhos surgem

novas relações com organizações não governamentais, organizações políticas, instituições de

ensino pesquisa, laboratórios públicos. São Redes e redes. Redes que se entendem como

organizações e então grafadas aqui com maiúsculas. E redes, com letra minúscula, dando a

conotação de uma ferramenta de análise. Uma rede é uma oportunidade de perceber o que

ocorre entre os nós (indivíduos ou coletivos) do ponto de vista da informação e da

comunicação em saúde.

3.4 A JUNÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE PROCESSOS, DISCIPLINAS, SETORES

Utilizamos o pensamento de Olga Pombo (2005) quando diz que a

interdisciplinaridade não é algo que buscamos, mas algo que acontece ao pensamento

contemporâneo. Então, como descrito no início do capítulo, essa pesquisa traz uma proposta

de interciências entre basicamente três campos: a Saúde Coletiva, a Agroecologia e a

Sociologia. Na interseção entre essas grandes áreas, os campos da comunicação e da

informação em saúde trazem o aparato conceitual necessário a um recorte nem sempre tão

comum em trabalhos de dissertação. Fui me apropriando de conceitos como de território-

rede e de redes sociotécnicas para delimitar o lugar onde ocorre a relação entre o

conhecimento tradicional e a informação científica relacionada ao consumo de plantas

medicinais.

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A interdisciplinaridade se deixa pensar, não apenas na sua faceta cognitiva -

sensibilidade à complexidade, capacidade para procurar mecanismos

comuns, atenção a estruturas profundas que possam articular o que aparentemente não é articulável - mas também em termos de atitude -

curiosidade, abertura de espírito, gosto pela colaboração, pela cooperação,

pelo trabalho em comum. Sem interesse real por aquilo que o outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só há interdisciplinaridade se somos

capazes de partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem

necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e para nos

aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com a interdisciplinaridade, se

alcançaria uma forma de anular o poder que todo saber implica (o que

equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar partilhá-

lo. Como? Desocultando o saber que lhe corresponde, explicitando-o,

tornando-o discursivo, discutindo-o. (POMBO, 2005, p. 13)

Dessa forma buscamos evitar a especialização em busca de um

conhecimento passível de ser integrado numa leitura territorial. É uma busca

de “articulação dos conhecimentos especializados com aqueles outros saberes que provêm da experiência social e das memórias coletivas”

(MARTIN-BARBERO, 2014).

O que está em jogo são as relações essenciais e existenciais. Por intermédio

deles sente-se a vontade de afirmar a necessidade de relações simétricas com

os seres, com os locais, o trabalho e o meio espaço-temporal. Retomar o poder pela base por meio do cotidiano e, sobretudo, recuperar uma malha

territorial que possa permitir o exercício desse poder. Em resumo, trata-se de

redescobrir, para as coletividades, malhas concretas que se oponham às

malhas abstratas propostas pelo Estado (RAFFESTIN, 1993, p. 33).

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A INTER-RELAÇÃO ENTRE A INFORMAÇÃO

CIENTÍFICA E A TRADICIONAL

Perceber a transformação epistemológica em curso é perceber que lá, onde

esperávamos encontrar o simples, está o complexo, o infinitamente complexo. Que

quanto mais fina é a análise, maior a complexidade que se abre à nossa frente. (Olga

Pombo)

Uma prática comunicativa dialógica inter-relacionada a ações de formação e

capacitação inaugurou um tempo novo para agricultores e comunidade tradicional do Sertão

Carioca. O ano de 2006, simultaneamente marcou a criação do projeto Profito e trouxe no

cenário nacional as duas políticas orientadas à plantas medicinais (BRASIL, 2006a; BRASIL

2006b). Ao optar pelo diagnóstico rápido participativo como metodologia, a equipe criadora

do Profito trouxe parte do dialogismo freireano para o território. Os resultados apresentam a

discussão sobre o empoderamento local e a participação política desses agricultores e por

extensão da comunidade tradicional.

Para sublinhar a importância do tema, repetimos que essa participação se faz

possível com a atuação em redes em diferentes dimensões e perfis. São redes concêntricas que

partem do local ao global. Situam-se na rede de parentela e redes comunitárias, quase grupos.

Aparecem nos territórios redes que conjugam parentelas e comunidades como elemento

mediador entre os locais e o global. E chegam então às redes sociotécnicas com seu caráter

complexo e global. Nessa unidade territorial que parte do Maciço da Pedra Branca em direção

à região metropolitana do Rio de Janeiro se torna possível compreender e atuar nessa

dimensão local-global.

Organizamos então os resultados da pesquisa a partir da sistematização das ações e

subprojetos do Profito. Em seguida apresentamos os resultados da observação participante nas

feiras agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro. E, analisamos a informação

científica nos grupos de pesquisa e periódicos sobre o conhecimento tradicional. Finalizando

com a descrição da rede sociotécnica indicada pelos integrantes da pesquisa.

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4.1 DE UMA PRÁTICA COMUNICATIVA A UMA REDE SOCIOTÉCNICA

As atividades e conhecimentos socialmente construídos no âmbito do Profito estão

registrados em diferentes objetos, textos, vídeos e fotos. Porém, boa parte dessa

documentação não está acessível à população. Trazer luz a essa documentação cumpre parte

do papel de dar publicidade ou de construir o público a partir das ações do projeto. O Profito

gerou uma bibliografia na forma de uma tese de doutorado da socióloga Annelise Caetano F.

Fernandez (2009), uma dissertação produzida pela geógrafa Alessandra Magalhães

(2010),artigos (MAGALHÃES FRAGA, 2010), resumos expandidos em eventos

(FERNANDEZ e BAPTISTA, 2010), monografias, trabalhos de conclusão de cursos.

Através da ação de extensão universitária vários pôsteres e relatórios de projetos de

iniciação científica ou de extensão foram escritos. A participação desses acadêmicos em

eventos gerou mais de 12 pôsteres, sendo que dois obtiveram o título de melhor trabalho na

IX Semana de Extensão da UFRRJ e outros receberam menção honrosa. Esses documentos

formais de uma forma ou outra obtiveram alguma circulação junto à academia. Outros

documentos relevantes para o entendimento da ação realizada no território não tiveram

qualquer circulação.

Para a experiência do Profito os documentos representam um processo de

interlocução oral codificado em fotos, vídeos, textos. A codificação, na experiência

vivenciada, é um processo de registro em código escrito partindo de intervenções populares

orais ou imagéticas. Essa é uma característica do regime sociotécnico vivenciado que merece

uma análise posterior. Havia um ambiente de predomínio da comunicação informal oral.

Principalmente nas reuniões de gestão participativa era usual registrarmos as decisões e as

principais demandas do coletivo. Chamamos esse processo de codificação da comunicação

oral. Para além da escrita, o Profito produziu também fotografias digitais e vídeos artesanais.

Nem sempre a qualidade possibilita a sua exibição, mas representam um repertório que pode

subsidiar outros processos investigativos.

A esse conjunto de fotografias digitais produzidas por diferentes autores que

registraram esse percurso de 2006 a 2013 denominamos doravante acervo Profito. Não há na

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documentação nenhuma descrição metodológica para essa produção iconográfica.

Aparentemente foi algo que brotou daquela conjuntura e não produziu uma reflexão por si.

Ainda no campo das imagens associadas ao discurso, a videografia do Profito também é

abundante. Trata-se de um conjunto de vídeos não sistematizados com a mesma proficiência

das fotografias. Essa videografia pode gerar novas questões de pesquisa.

O acervo Profito não foi organizado e discutido nessa pesquisa por se tratar de um

volume maior do que a capacidade técnica e metodológica dessa pesquisadora e por não

compreendermos essa ação como prioritária. No entanto cabe registrar uma experiência de

sistematização de imagens intitulada Paisagem cultural do sertão carioca: Luta simbólica

através de imagens e outras narrativa. O trabalho foi realizado por duas estudantes de ciências

sociais da UFRRJ, Fernanda Ferreira, Márcia Cristina Oliveira Dias e essa autora (Doc

1310).

Por fim existem os documentos de código linguísticos escritos compondo laudas e

laudas de registros de reuniões, diários de campo, relatórios, subprojetos. Todo esse conjunto

de documentos foi revisto e selecionados dezessete textos com um total de 398 páginas com a

função primordial de descrição das atividades realizadas e registradas. Ao longo desse

processo que julgamos necessário faremos alusão a esse material listado na tabela 7. Em

seguida, foi realizada uma priorização, reunindo documentos indispensáveis à crítica

constituída pelo conjunto dos integrantes do projeto nas duas reuniões participativas e em

entrevistas. Essa priorização foi realizada segundo o modelo do anexo C, proposto por

Chavez-Tafur (2007), conforme o caminho da pesquisa descrito no capítulo três.

Como resultado do ato de sistematizar, compreendemos melhor as razões da

descrição das ações do Profito Pedra Branca. O processo descritivo dos documentos é o

primeiro passo da sistematização proposta por Chavez-Tafur (2007). Sistematizar se torna

então um processo distinto de codificar. Também não é o mesmo que organizar dados.

Utilizamos a metáfora do texto como tecido, composto por matizes, linhas, cores. É de fato

um processo que implica em construir coletivamente uma novidade.

Um conjunto de ações sistematizadas implica em uma composição de opiniões,

ideologias, tempos e sentidos diversos. Há uma junção que torna possível a horizontalidade

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dos saberes. Também se difere da análise por querer compor, tecer. Para o Chavez-Tafur

(2007), autor dos procedimentos metodológicos empregados, só após esse exercício o novo

conhecimento pode ser construído coletivamente.

Diante dessa vasta documentação achamos indispensável descobrir quão antiga é a

convivência entre informação científica e conhecimento tradicional no âmbito do projeto. A

análise documental demonstra que o conhecimento tradicional tem merecido atenção da

equipe técnica do Profito desde a sua gênese em 2006 (Doc 0611). É, no entanto a partir do

ano de 2010 que ele aparece com maior frequência. O conhecimento tradicional ganha

relevância a partir da redação do projeto Ampliação e fortalecimento das atividades

agroindustriais das associações de agricultores do Maciço da Pedra Branca /RJ, coordenado

e proposto pela Dra. Annelise Fernandez ao Programa de Extensão do Ministério de Educação

(Proext/Mec) (Doc 1104).

A partir dessa redação, o termo volta a aparecer durante o Seminário Fitoterapia no

SUS quando o relatório final apresenta 19 citações ao conhecimento tradicional. Nesse

evento, doze agricultores assinaram a lista de presenças. No entanto, o excesso de pessoas que

compareceram na portaria do CFMA para inscrição no momento de abertura do seminário

inviabilizou a listagem real dos presentes. Estima-se que cerca de 20 agricultores participaram

do seminário. Vários desses agricultores são organizados na Articulação de Agroecologia do

Rio de Janeiro (AARJ). Creditamos a essa vivência um maior número de citações ao

conhecimento tradicional.

A mesma incidência de alusões ao conhecimento tradicional parece ter ocorrido no 1º

Encontro de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade e Agroecologia do Estado do Rio

de Janeiro, organizado pelo NGBS no ano de 2012. Esse evento ocorreu também no Campus

Fiocruz da Mata Atlântica. O relatório final registra 12 citações ao conhecimento tradicional.

Sendo que duas dessas citações descrevem diretamente a relaçãocom a informação científica

objeto dessa pesquisa (Doc1212). Em um momento o relatório anuncia que o acesso à plantas

medicinais muitas vezes ocorre “sem determinação botânica especializada, calcada apenas no

conhecimento tradicional, ou na identificação leiga”. E, mais adiante o relatório anuncia a

necessidade de “integração do conhecimento tradicional+ conhecimento científico”.

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Esses dois eventos, em especial contaram com a participação de um grupo de

agricultores da região metropolitana que se organizam na AARJ, como citamos acima. A

codificação da palavra deles nesses relatórios além de identificar essa relação também parece

demandar um encaminhamento eficaz dessa coexistência na comunicação que permeia

projetos, programas e serviços relacionados à plantas medicinais.

Tabela 6: Documentos selecionados derivados de registros do Profito Pedra Branca entre 2009 e 2013

e incluindo o documento que cria o projeto em 2006.

Documento Descrição

Citações ao

conhecimento

tradicional

Citações

relacionando

CT a IC

Número de

páginas

Doc 0601

Projeto Plantas Medicinais nas

Comunidades do Maciço da

Pedra Branca redigido em 2006 1 0 36

Doc 1310

Relatório Final apresentado à

Coordenação de Cooperação

Social (Fiocruz) como prestação

de contas das ações pactuadas no

Edital CSDT/Fiocruz 02 1

50

Doc 0909 Programa I Seminário Profito 0 0 1

0910b Projeto Profito Pedra Branca Curso_Edital_CSDT 01 0 0 16

Doc 0911

Conteúdo veiculado no site de

Farmanguinhos em 18/11/2009 0 0 1

Doc 1004

Relatório Técnico Fevereiro a

Abril de 2010. Ref: “Realização

de ações locais do Programa

Nacional de Plantas Medicinais e

Fitoterápicos- PROFITO” 0 0 5

Doc 1104

Proj_Assoc_PB_Edital Proext

2011 5 0 38

Doc 1005 Relatório Técnico Maio 2010 0 0 10

Doc 1006 Relatório Técnico Junho 2010 0 0 11

Doc 1007 Relatório Técnico Julho 2010

10

Doc 1008 Relatório Técnico Agosto 2010 1 0 5

Doc 1105 Relatório Técnico Maio 2011 0 0 18

Doc 1109

Projeto Modelo Socioprodutivo

Agroecológico de Plantas

Medicinais submetido ao Edital

CSDT/Fiocruz 02 1 1 18

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Documento Descrição

Citações ao

conhecimento

tradicional

Citações

relacionando

CT a IC

Número de

páginas

Doc 1112

Relatório Final do Seminário

Fitoterapia no SUS realizado nos

dias 21 a 22 de julho de 2011 no

Campus Fiocruz da Mata Atlântica. Descrevendo os

processos que antecederam o

seminário e uma análise

qualitativa do evento. 19 1 79

Doc 1208

Relatório Final do Projeto

SAF_Edital CSDT/FIOCRUZ 01 0 0 26

Doc 1212

Relatório Final do 1º Encontro

de Inovação em Medicamentos

da Biodiversidade e

Agroecologia do Estado do Rio

de Janeiro 11 2 24

Doc 1310

Relatório final Edital CSDT 02 -

2011. Subprojeto: Modelo

Socioprodutivo Agroecológico

de Plantas Medicinais. 1 1 50

Total 17 documentos 40 5 398 Fonte: Elaboração própria a partir de análise dos documentos do Profito Pedra Branca.

Recuperamos um trecho do subprojeto escrito em 2011 para contextualizar o papel

da tradicionalidade nesses grupos de agricultura urbana e periurbana na região metropolitana

do Rio de janeiro. Esse projeto começa a romper com a ideia predominante de que

tradicionalidade seria coisa do passado.

Da mesma forma é importante destacar que a tradicionalidade deste grupo

não se encontra apenas no passado, mas ganha novos sentidos a partir da

incorporação de valores ambientais que ressignificam sua história e relação frente aos órgãos ambientais que administram o território do Parque Estadual

da Pedra Branca (Doc. 1104)

Essa ressignificação constituída no território com a atuação do Profito entre o ano de

2006 e 2009 não contou com recurso financeiro que fizesse avançar em seus propósitos. A

tese de doutorado Do sertão carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca: a construção

social de uma unidade de conservação à luz das políticas ambientais fluminenses e da

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evolução urbana do Rio de Janeiro, traz a descrição e análise dos dados do diagnóstico

participativo realizado (FERNANDEZ,2009) durante a primeira fase do projeto. Um dos

resultados mais consistentes desse período foi o início da participação política dos

agricultores. Permaneceram na gestão participativa do Profito. A cada convite feito, lá estava

a comunidade apoiando, atendendo, dando opiniões. Em diferentes momentos perguntavam:

“quando começamos a plantar?”

Eram sempre lembrados que a próxima etapa seria estudar e se capacitar para o

plantio, beneficiamento e comercialização. Logo tivemos o perfil de um curso definido com

humor por um de seus integrantes, Paulo José Martins Filho, o Paulinho:

Esse curso, dizia, pode ser bem prático. Pode ser aqui na varanda da casa do Pedro

[Mesquita]. O agrônomo mostra p’ra gente como se faz. Ele diz: cava. Nós vamos

ali na roça e cavamos. Ele diz, planta e nós plantamos. Simples assim, teoria e prática, teoria e prática (BAPTISTA, 2010).

Paulinho tornou-se assim coautor de um aspecto muito importante para a

metodologia da práxis. E, mesmo sem saber, foi refletindo sobre o que fazíamos

acrescentando ao duplo princípio teoria e prática o princípio da reflexão. Outro princípio

introduzido por nosso agricultor-experimentador foi a educação-em-qualquer-lugar.

A escuta e os diálogos freireanos tornaram-se recurso pedagógico primeiro durante o

diagnóstico participativo realizado desde 2006 e acentuado na preparação do curso durante o

ano de 2009. Os documentos selecionados registraram uma rodada de investigação sobre as

demandas e expectativas de agricultores e agricultoras e em seguida uma dinâmica de

priorização elegendo os itens que dariam forma ao plano de curso. Alguns elementos

indicados pelos agricultores eram coincidentes com a redação prevista no projeto de 2006

(Doc. 0601).

Os relatórios descritivos desse período demonstram que os integrantes do projeto

solicitaram o “Conhecimento das ervas: “às vezes conhecem com um nome, às vezes tem

outro nome”. Essa demanda parece indicar uma certa erosão do conhecimento tradicional e

uma insegurança causada pela presença de diferentes nomes de plantas na mídia televisa. Por

outro lado outro registro apresenta o pedido de condições para avançar no conhecimento:

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“catalogar plantas medicinais do local, fotografar, estudar; pesquisar como os moradores já

usam estas plantas; a propriedade de cada erva”.

Essas foram as expressões usadas pra demandar conteúdos e ações para o curso

prático que estava sendo planejada. Do mesmo modo, o agricultor, Paulo José Martins Filho,

já citado, faz mais do que demandas. Dá um indicativo do princípio de dádiva associada a seu

conhecimento tradicional de plantas medicinais.

Viu o Globo Repórter? Uma rezadeira conversava com a médica; era

uma espécie de troca. A rezadeira se doa e se desgasta. Daí vai

procurar a médica que a escuta. Com a conversa a rezadeira volta para

casa recarregada. A gente se doa, se doa. Chega uma hora que você

está descarregado. O desgaste faz você para e pode até adoecer e não

vai ter remédio para você. Acho que tem que ter uma técnica de escuta

do outro lado. Já trabalhei com ervas e era voluntário. Se eu puder ter

um rendimento que amplie as minhas ideias melhor. Não vejo o

Projeto Plantas Medicinais como um negócio. Depoimento de ex-

integrante da Pastoral da Criança (BAPTISTA, 2010).

A preocupação com o acesso a mercados aparece muito claramente. Fica também

implícita que a comercialização não é a prática do território em questão: “para quem vai

vender plantas medicinais; Como vender, como transformar em produto”. O projeto original

redigido em 2006 já trazia a questão dos mercados como objetivo. Na realidade do Profito

nasceu com a visão da sustentabilidade ambiental, social e econômica. A geração de renda foi

uma preocupação central.

No entanto, um pedido feito na época não só era novo para a equipe técnica do

projeto. Ele trazia também um elemento não esperado e nem adequado à competência

institucional da Fiocruz. Os integrantes do Profito pediram: “Como ser reconhecido como

agricultor pelo governo.” (BAPTISTA, 2010). Pedido esse que foi corretamente interpretado

como uma demanda por políticas públicas inclusivas para o território do sertão carioca.

Não é de se esperar que haja um pedido como esses em um curso de cultivo de

plantas medicinais. No entanto, o que fez a equipe técnica acolher esse pedido foi a decisão

metodológica pela chamada participação-poder (PERUZZO, 1998 ). Ao acatar a demanda por

reconhecimento estatal da agricultura da cidade o Profito teve uma profunda modificação em

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seu escopo inicial. Para começar o subprojeto orientador do curso prático de cultivo ganhou o

segundo objetivo específico da iniciativa, promovendo comunicação em rede, que será

analisado mais adiante. Outras demandas também se situavam fora do domínio do cultivo das

plantas medicinais.

As sugestões e visões dos agricultores foram somadas ao planejamento antecipado

pela equipe técnica. Desse modo o curso foi planejado (BAPTISTA, 2010). Esse conjunto de

ideias resultantes foi sistematizado em forma de documento e reenviado aos demais parceiros,

técnicos, pesquisadores, pessoas da sociedade civil com atuação no setor e que vinham

acompanhando o projeto por anos.. A visão metodológica da época era que as sugestões

recebidas dos parceiros de então, fossem condensadas em um novo documento e submetidas à

plenária do I Seminário Profito. Assim foi feito. Após o seminário que vamos analisar mais na

frente surgiu o ementário.

A primeira inspiração para denominar cada conjunto articulado de conteúdo pela

expressão área teve por finalidade evitar a expressão disciplina. Tínhamos a noção de que

essas áreas tinham fronteiras permeáveis e que o planejamento deveria ser conjunto.

Constituímos então o curso prático de plantio e comercialização de plantas medicinais com

quatro áreas: agroecologia, fito, pós-colheita e gestão.

A área agroecologia foi coordenada por Valério Morelli, mestre em agronomia,

colaborador de Farmanguinhos. Tinha por objetivos:

Refletir sobre o potencial de produção de um sistema agroecológico em

comparação a sistemas convencionais através de uma visão crítica do

sistema de produção vigente; Identificar e compreender os processos e fatores ecológicos que afetam a produção racional de plantas medicinais e

discutir o papel de cada um no sistema local de produção; Construir

ferramentas de avaliação de eficiência (produtiva e ecológica) do sistema de produção para eventuais ajustes ou correções (BAPTISTA, 2010)

Uma outra área recebeu o nome fantasia “Fito” e ficou na responsabilidade de Sandra

Magalhães Fraga, bióloga, doutora em ecologia, manejo e sustentabilidade.

O conteúdo desta área temática trata do histórico da fitoterapia e sua

importância para a humanidade, de como a pesquisa química e farmacêutica

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dão respaldo a esta atividade, e de como a agricultura pode se beneficiar ao

entender a relação da fitoquímica com a qualidade da matéria prima

cultivada. História da fitoterapia no mundo, uso das plantas por populações tradicionais, legislação específica (ANVISA, CGEN, Lei da Biodiversidade,

Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, etc.)

Pesquisas etnofarmacológicas e etnobotânicas. Inovações nas pesquisas com plantas medicinais e fitoterápicos. Testes para verificação dos marcadores

químicos das espécies medicinais (quantidade e qualidade) e sua relação

com cultivo, beneficiamento e certificação. (BAPTISTA, 2010).

Annelise Fernandez, doutora em sociologia e eu, organizamos e ministramos todos

os encontros e oficinas da área denominada gestão cuja presença no curso de plantas

medicinais objetivou atender a demanda do grupo de ter reconhecida pelo Estado a sua

condição sociocultural de agricultor (a). Segundo o documento:

O conteúdo da área de conhecimento denominada GESTÃO descreve o

histórico de formação de identidades no território do PROFITO; passa pela elucidação de ferramentas de diagnóstico .continuado da realidade local;

demonstra os instrumentos jurídicos e institucionais necessários à

consolidação de nova territorialidade que promova maior justiça social e

preservação ambiental. As atividades práticas buscam consolidar os vínculos e canais de comunicação entre as associações de pequenos

produtores do PEPB, estabelecer contatos, estreitar relações com atores,

instituições, organizações governamentais e civis atuantes na realidade local (BAPTISTA, 2010).

A área pós-colheita tinha uma dupla missão, tratar das questões de boas práticas de

manejo e beneficiamento e das questões de mercado.

Serão discutidas e analisadas as formas de beneficiar as plantas medicinais

com qualidade, de forma que esta matéria prima possa ser certificada, e que os agricultores possam realizar suas atividades com segurança e de forma

simples, através da construção de suas próprias ferramentas e formas de

beneficiamento adequadas a qualidade exigida na área (BAPTISTA, 2010).

Apesar de constante busca e realização de mais de uma forma de integrar esse

conteúdo, a área então denominada pós-colheita ficou sem responsável direto. Não funcionou

durante os primeiros meses do curso. Em seguida foi desmembrada, sendo que parte do

conteúdo foi ministrada por Sandra Magalhães Fraga na área Fito e parte foi iniciada pela

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gestão. No entanto, a plenitude dos conteúdos da área mercados não foi estudada, deixando

uma lacuna a ser futuramente preenchida por outro subprojeto do Profito.

Chamamos a atenção para o fato que a documentação analisada até 2009 em

momento algum cita informação científica. No entanto, o acesso a base de dados e extensa

bibliografia acadêmica fundamentou a implantação do curso em todas as áreas. Como

discutido anteriormente o nome dado aos resultados da pesquisa acadêmica é informação

científica e portanto ela estava presente no gênese da fase de capacitação do Profito. A

informação tecnológica derivada em especial do Ministério da Saúde também contribuiu para

a implantação da experiência. A informação estava presente embora não nomeada e não

tratada como tal.

Retornando aos parágrafos explicativos das quatro áreas que compõe o ementário do

curso proposto identificamos já um ambiente multidisciplinar. Acatando o pensamento de

Olga Pombo (2005) ao dizer que o importante é se por a caminho de um ambiente disciplinar

para a interdisciplinaridade, afirmamos que o Profito fez isso. Primeiro analisamos a presença

de uma nomeação já composta entre áreas diferentes. Identificamos isso inicialmente no

próprio campo da agroecologia, que mais e mais se apresenta como ciência complexa. Não é

apenas uma junção da agronomia com a ecologia. Há muito mais nesse cenário de interação

entre ciências. Não nos cabe analisar, apenas citar esse pertencimento já contribui para os

nossos resultados.

A área denominada “Fito” foi talvez a mais exigente em informação científica

originada em campos diferentes. Vejam que aparece nessa descrição, a fitoterapia que, em

termos contemporâneos está associada à medicina ocidental com vastas contribuições de

outras ciências. No mesmo parágrafo é citada a química e a farmácia, logo em seguida

reunidas num terceiro campo, a Fitoquímica. Além dessas aparece a agricultura, por si um

setor amplo de práticas influenciadas pelas ciências. Novamente, como em agroecologia,

aparecem as integrações já aceitas academicamente como a etnofarmacologia e etnobotânica.

Os autores dessa ementa acrescentam também a tradicionalidade que, a nosso ver é

mais bem entendida pela antropologia e demais ciências sociais. Por si, a

multidisciplinaridade cria um desafio para a construção social do conhecimento. Mais ainda

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quando não é vista e tratada como tal. Mais tarde, durante a entrevista realizada com a Dra.

Sandra Magalhães Fraga essa apresentou a necessidade de preservar a energia psíquica de

cada envolvido. Estava se referindo aos pesquisadores que necessitam produzir informações

específicas e que demandam muito tempo de trabalho. Debruçar-se sobre análises de contexto

ou sobre a interdisciplinaridade entre seu trabalho e o de outros leva a um desgaste e possível

ineficiência. Segundo ela é impossível observar o todo quando se tem a tarefa de produzir

algo específico. No entanto admitiu existir algo específico no todo que pode ser o recorte de

trabalho de algumas pessoas. É o que buscamos ao tratar de rede sociotécnica.

Paralelamente ao acesso, uso e circulação da informação de diferentes áreas do

conhecimento, uma dimensão pedagógica aplicada em algumas oficinas sofria a influência de

Paulo Freire e outros autores construtivistas. A área gestão, em especial, se fez centrada na

expressão dos comunitários com seus temas geradores, submetidos à problematização para

gerar o novo conhecimento. Cabe-nos sinalizar que foi esse investimento que ilustrou a

necessidade de uma junção entre a informação, a educação e a comunicação, a fórmula IEC

citada por Araújo e Cardoso (2007). Embora não possamos entrar aqui na análise da educação

não formal implantada no Profito é importante destacar a origem de nossas preocupações

infocomunicacionais.

4.1.1 Educação em qualquer lugar

É muito comum associar-se os processos de educação a um prédio denominado

escola. O Profito, assim como tantas outras iniciativas de educação não formal optou por um

caminho de formação e capacitação promovido em diferentes espaços, alguns com

infraestrutura e outros não. Foram dezoito encontros pedagógicos quinzenais alternando

atividades no Campus Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA) com salas com infraestrutura,

quadros, datashow, espaço para alimentação e atividades ao ar livre. É também no CFMA que

está a coleção de plantas medicinais de Farmanguinhos onde foi realizada parte do processo

de ensino-aprendizado sobre identificação e determinação botânica, cultivo, e atividades pós-

colheita de plantas medicinais.

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Alternadamente outros encontros pedagógicos foram realizados nas comunidades de

agricultura tradicional do Maciço da Pedra Branca e seu entorno. Nesses encontros

predominavam atividades de campo, mais práticas que expositivas. Mesmo no campo

algumas oficinas ou palestras aconteciam, às vezes à sombra das árvores. Um exemplo disso

foi a oficina de agroecologia realizado no barracão do sítio do Jorgelino Matos, o Marinho,

um prédio rústico destinado ao manejo da banana após a colheita. Esse local serviu então a

um momento importante de ensino-aprendizagem protagonizado pelo agrônomo Valério

Morelli (Fig. 8).

O mesmo aconteceu no aconchego em um sítio em Rio da Prata, sub-bairro de

Campo Grande, também no entorno do Maciço da Pedra Branca. Outro lugar que se tornou

espaço de educação foi a Comunidade Astrogilda, no Alto Mucuíba, interior do Parque

Estadual da Pedra Branca em Vargem Grande. O assentamento que preserva sua paisagem

cultural na arquitetura, nos jardins e na rede de parentela tornou-se um símbolo da

tradicionalidade da região.

Figura 8: Educação em qualquer lugar, encontros pedagógicos nos sítios e espaços de produção agrícola.

Fonte: Acervo Profito

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Essa atividade de alternância consolidou um conjunto de dezoito encontros

pedagógicos realizados entre 2010 e 2011. Esses encontros estão descritos em relatórios

enviados para a Coordenadoria de Gestão Social da Fiocruz e para a Fiotec, gestora dos

recursos financeiros. O mesmo relatório era enviado a cada bimestre às associações de

agricultores, por isso a combinação de textos e imagens que favorece uma leitura mais

dinâmica dos relatórios (Doc 1004 a 1008 e doc 1105).

4.1.2 A Natureza-cultura: implantação de SAFs Medicinais

Um questionamento feito pelos agricultores na fase que antecedeu o curso de

capacitação foi que espécies seriam cultivadas. A seleção de espécies a serem trabalhadas foi

feita pelos pesquisadores da área de biologia e agronomia através do cruzamento de

informações técnicas e científicas de diferentes fontes.

O modelo pressupõe uma matriz de decisão capaz de cruzar informações originadas no conhecimento popular e tradicional com os estudos científicos,

com as demandas epidemiológicas do SUS, com as de caráter agronômico,

bem como as informações do mercado das espécies propostas. Considera-se também se a referida espécie ocorre no bioma em questão, no caso deste

território, Mata Atlântica (Doc. 1109).

Após a fase de seleção das espécies, uma das atividades de maior impacto

sociotécnico introduzidas pelo Profito foi a determinação botânica das plantas já identificadas

pelos agricultores. Dentre os documentos selecionados há o relatório de uma oficina de

reconhecimento botânico. Essa oficina objetivou atender ao pedido das comunidades

agrícolas, ou seja, promover a real identificação das espécies que utilizam. Esse pedido, como

dissemos, já denotava certa erosão do conhecimento local. Esse foi um ponto de encontro

entre o previsto anteriormente pela equipe. Dentre as atividades de maior relevância para a

convivência entre a ciência e a tradição aconteceu durante a primeira oficina da área fito,

coordenada pela Dra. Sandra Magalhães Fraga.

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Essa oficina aconteceu no Campus Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA). Os

agricultores presentes foram primeiro a campo fazer a coleta de algumas espécies de seu

conhecimento. Ao retornarem à sala onde a atividade foi iniciada, reuniram-se em grupos para

desenhar os elementos que levaram à primeira identificação. Em seguida discutiram entre si

essa decisão sobre a nomeação popular das plantas. Apresentaram para os restantes e a

pesquisadora foi checando essas identificações com a informação botânica. Buscou-se uma

perfeita combinação entre informação científica e conhecimento tradicional.

A determinação botânica é o processo que acontece quando é coletada uma parte da

planta mais utilizada para sua identificação, normalmente composta de folhas, flores e/ou

frutos. Ocorre uma série de procedimentos para produzir um artefato conhecido como exsicata

contendo fragmento da planta, local de coleta, número de ordem do herbário, nome do

coletor, et. Ao final do processo um especialista atesta a identidade científica da planta que

passou pelo tal processo.

Essa talvez seja a atividade mais simples e de baixo custo capaz de qualificar o

produto dos agricultores familiares. É uma necessidade das redes de produção e consumo de

plantas medicinais. Segundo a pesquisadora Florencia Cuassolo, da Universidad Nacional del

Comahue, na Argentina, “La correcta identificación constituye una herramienta clave al

momento de promover el consumo de estos productos en perfectas condiciones de calidad y

por consiguiente, seguridad para la salud de la población” (CUASSOLO, 2010, p.174).

Trata-se portanto de uma atividade com grande potencial de inclusão para agricultores e

consumidores.

Conforme o documento 1303, a dinâmica para a construção de exsicata é: coleta,

prensagem, secagem, confecção da exsicata, envio de exsicata para determinação, exsicata

determinada, armazenamento do material. O mesmo documento produzido pelo acadêmico de

biologia Rodrigo Marins, explica: “tivemos uma maior participação dos agricultores,

contando como foram feitas as coletas de plantas nas visitas realizadas pelo projeto, tirando

dúvidas sobre o número do coletor e demostrando interesse a respeito de como prensar e

herborizar a planta após a coleta”. Ou seja, essa atividade despertou interesse deixando

pessoas com formação específica para realizar e multiplicar essa tarefa.

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O uso seguro de plantas medicinais é totalmente dependente dessa determinação

botânica. Os processos de identificação tradicional são respeitáveis. Quanto mais associado à

biodiversidade é o conhecimento tradicional mais é seguro. No entanto o que esses territórios

vivenciam é o desmatamento progressivo, o êxodo dos locais tradicionais de moradia. Há um

processo de desestímulo ao uso das espécies medicinais para alívio de sintomas dolorosos

entendidos como doença. Diante desses fatores ocorre um processo de erosão do

conhecimento tradicional. Uma determinada espécie que era encontrada em determinado local

já não está lá. Parte do conhecimento contextualizado no território se perde com a espécie

removida. Isso pode causar riscos à saúde do consumidor. A determinação botânica, o

geoprocessamento e a circulação dessas informações em cartografias sociais podem contribuir

para o uso seguro de plantas medicinais. São tecnologias sociais em desenvolvimento com

grande valor agregado ao conhecimento tradicional.

O processo de popularização da determinação botânica no âmbito do Profito é um

exemplo bem claro de uma informação territorial que partiu do conhecimento local

disseminado no território e harmonizou-se com o acesso à informação científica dos herbários

especializados. A exsicata é uma síntese entre a informação local e a científica. Podemos

verificar a comunicação associada a essa interação no vídeo “A saúde está entre nós”, da série

Curta Agroecologia16

. O documentário teve a direção de Tiago Carvalho e foi co-produzido

pela Articulação Nacional de Agroecologia e a Vídeo Saúde Locadora (ICICT/Fiocruz).

O vídeo retrata uma oficina de determinação e confecção de exsicatas. Estão

presentes os comunicadores, os especialistas, biólogos e os agricultores. No diálogo que inicia

após dez minutos e quarenta e seis segundos do início do vídeo (10’46”) a agricultora e

jornalista Irma Ferreira discute a variedade de guaco presente em sua propriedade. Qual a

diferença em ter um guaco que é dessa espécie e ... levigata e glomerata. A pesquisadora

Sandra Magalhães-Fraga traduz a questão: “Vale a pena a gente buscar.. um glomerata ou

basta ter um levigata”? Em seguida responde: “Várias listas do SUS para expectorar, bronco

dilatador... as duas espécies servem. Eu sempre vi mais estudo sobre glomerata, mas na lista

do SUS tem as duas”.

16 Disponível em https://vimeo.com/70507705

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Em seguida o agricultor José Antônio Pereira, apelidado Russo afirma: “Essa aqui eu

colhi no sítio. Prensamos. Foi levado para o Jardim Botânico, feito o reconhecimento:

Verdadeira aroeira já identificada lá no sítio”. Sandra complementa: “O Russo tem na

propriedade dele uma árvore identificada corretamente de onde ele pode tirar muda. Vai ter a

confiança”.

Analisamos que vídeo é ao mesmo tempo um documento e uma prática de

comunicação. Esse, em particular, representa uma atividade de educação não formal onde um

dos principais ingredientes é a informação científica consolidada no reconhecimento de

espécies botânicas. Ao mesmo tempo as espécies prensadas e reconhecidas foram indicadas

pelos detentores do conhecimento tradicional disseminado no território. Esses conduzem os

pesquisadores ao território tradicional e se deixam levar a um território de outra

epistemologia, o conhecimento científico botânico. Apreendem uma técnica de

reconhecimento que pode ser repetida para outras espécies de seu interesse. O seu

conhecimento tradicional não é alterado em nada enquanto o território fica com uma

competência local a beneficiar as futuras gerações. Esse trecho demonstra bem a questão

central dessa pesquisa.

Toda uma rede sociotécnica emana dessa simples peça de comunicação. Há uma rede

pregressa e uma que se constrói a partir do momento em que o vídeo entrou em circulação.

Segundo Latour (1993) nenhum conhecimento científico, nenhum objeto é constituído fora

das redes. Nossa tarefa não é analisar a rede demonstrada pelo vídeo, mas ela se torna um

caso bom para pensar o próprio conceito de redes.

Sandra Magalhães-Fraga ao complementar a comunicação oral do conhecimento

tradicional com as expressões glomerata ou levigata está se inserindo e inserindo os

agricultores em uma rede de formação de sentidos que transcende as fronteiras institucionais e

nacionais e rompe os limites temporais. Traz para o diálogo com os agricultores o trabalho

acurado de cientistas como Landorf, Lineu e todos os taxonomistas que trabalham sob os

parâmetros das chamadas ciências duras. Ao mesmo tempo cria outras redes ilustradas, por

exemplo, com a fala do Russo (José Antônio Pereira) durante o I Simpósio de Plantas

Medicinais da Bahia. O agricultor afirmou: “Meu nome está lá no Jardim Botânico (do Rio de

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Janeiro)”. E, analisando outros códigos semióticos presentes em sua comunicação oral,

registramos um sorriso e o brilho em seus olhos ao fazer essa afirmação.

O mesmo agricultor José Antonio Pereira, o Russo, que afirma possuir agora uma

espécie determinada em sua lavoura, pode produzir mudas a partir dessa espécie

botanicamente reconhecida, afirmou a Dra. Sandra. E, para a implantação do cultivo de

plantas medicinais em sistemas agroecológicos, a reprodução dessas espécies é um assunto a

ser considerado com muito cuidado.

Uma das primeiras iniciativas do agrônomo Valério Morelli na introdução de sua

área agroecologia foi o estímulo à produção de mudas. No entanto, os micro viveiros

comunitários só chegaram a atingir certa estabilidade após o terceiro semestre de implantação

do curso, já durante o ano de 2011. Hoje temos a geração de renda através da venda

comunitária de espécies alimentares e medicinais produzidas. No entanto, entraves legais

impactam a produção de mudas e sementes. Há uma lacuna do conhecimento local a ser

preenchida se quisermos chegar a uma produção agrícola de espécies medicinais.

O Laboratório de Biologia17

(NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz) tem como uma de suas

áreas de excelência o cultivo de plantas medicinais. Por essa razão, os experimentos de

plantio se sucediam. O curso de capacitação implantado se beneficiou diretamente dessa

competência institucional. Uma das atividades que integram a prática, a pesquisa e o ensino

foi a o plantio dessas espécies medicinais em regimes de imitação das florestas.

4.1.2.1 Sistemas Agroflorestais Medicinais – O humano e o não humano

Os sistemas agroflorestais medicinais (SAFs) reúnem o humano e o não humano, a

informação científica e a comunicação, natureza e sociedade, insumos tecnológicos e

mobilização comunitária. Também admite uma interação entre instituições diversas por se

inserirem em um modelo socioprodutivo agroecológico de plantas medicinais. SAFs (Fig. 9).

17 As competências agronômicas do NGBS estavam lotadas nesse laboratório até 2013.

Eventualmente novos arranjos institucionais podem ter sido organizados.

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111

são um consórcio de árvores, arbustos, ervas e espécies escandentes, também conhecidas

como trepadeiras Essas plantas tem importância alimentar e cultural, de uso humano e são

igualmente importantes para a agrobiodiversidade. A grande porcentagem de espécies de uso

medicinal dispostos em 400 m² é uma das qualidades do experimento do Profito. Diante dessa

característica ele é conhecido como SAF medicinal (Doc 1108). A diversidade de espécies de

cada um deles difere de local para local, pois algumas plantas já estavam previamente no

terreno onde cada um dos sistemas foi implantado.

Figura 9: Sistemas Agroflorestais Medicinais (SAFs) implantados no entorno do Maciço da Pedra Branca.

Fonte: Acervo pessoal

Foram implantados quatro SAFs medicinais no entorno do Maciço da Pedra

Branca. O primeiro foi feito na área de cultivo de plantas medicinais de Farmanguinhos, no

Campus Fiocruz da Mata Atlântica. Como unidade experimental, dele se extraíram cálculos

de produtividade, exercícios de análise de biodiversidade, manejo e outras características que

atingem um dos limites dessa dissertação que não pretende entrar em áreas da agronomia ou

da biologia, conservação e manejo.

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112

Após a compreensão derivada desse primeiro experimento, três novos SAFs

foram implantados. Um deles no bairro de Rio da Prata, outro em Vargem Grande e o terceiro

em outro espaço do CFMA. A implantação e manejo desses espaços são feitos pelos

agricultores mobilizados pelo Profito. Esses recebem uma diária nos momentos de lida com o

manejo do experimento.

Os SAFs integram a tecnologia social em desenvolvimento no Profito,

temporariamente identificada como modelo socioprodutivo agroecológico de plantas

medicinais:

Constitui-se de elementos interdependentes que partem da organização local

de agricultura familiar e reúne-se em rede a outros elementos e aparelhos

comunitários como: herbários comunitários, viveiros de mudas, unidades

demonstrativas (UDs), os demais SAFs, unidades de saúde, escolas, feiras agroecológicas, organizações de agricultores como a Rede Ecológica ou os

Grupos de Usuários dos programas de fitoterapia locais, possíveis indústrias

e institutos de pesquisa ou universidades (neste território Instituto de Tecnologia em Fármacos). A união destes elementos é possível através da

metodologia de gestão participativa e se materializa através de um sistema

de comunicação e informação a ser construído coletivamente. A utilização de cartografia social aliada ao geoprocessamento é um dos elementos de

integração temática e possibilita visualizar os fluxos informacionais do

sistema (Doc 1109).

É dessa forma que entendemos a rede sociotécnica em sua manifestação local, como

convém à agroecologia. O modelo, segundo a Dra Sandra Magalhães Fraga, pode ser então

uma experiência local, comunitária. A compreensão atual é que um conjunto de modelos

implantados nas localidades pode vir a constituir um arranjo socioprodutivo local, que

necessita da presença de indústrias e outros empreendimentos especializados. Pode-se dizer

que esse modelo pressupõe um regime ou paisagem sociotécnica. Observamos que pela

primeira vez um subprojeto do Profito articula informação e comunicação como elementos

sociotécnicos.

Nesse sentido, os SAFs e os modelos socioprodutivos que lhes dão sustentação

partem do humano, enquanto mobilização de vontades e relações horizontais com a pesquisa,

criando uma quase simetria com a natureza-cultura. Fatores quase humanos como o regime de

posse e uso da terra, o regime das águas, a condição sanitária dos locais de plantio, a relação

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participativa com o SUS interfere no modelo previsto. Mas os SAFs, associam-se ao mercado

enquanto entidade constituída socialmente. Pretendem explorar o uso da tecnologia da

informação e da descentralização da comunicação.

Uma real simetria, se é que existe, precisa ser uma conquista histórica que não

depende apenas do território, mas de outra globalização possível. Em que pese o impacto das

questões mundiais nos territórios o Profito tem encontrado espaço, disponibilidade e

procedimentos que garantem uma quase simetria, visando a inclusão produtiva dos

agricultores nas políticas de plantas medicinais em sistemas agroecológicos.

Do mesmo modo que, em meio à natureza ocorre o uso intensivo da informação

científica e da reciprocidade, como elementos sociotécnicos, os ambientes destinados à

produção do conhecimento científico, os laboratórios, também podem apresentar a

reciprocidade institucional. Nas atividades de implantação dos SAFs ocorrem diálogos de

interação entre o conhecimento tradicional e a informação científica. Os SAFs consistem ao

mesmo tempo em uma ação de popularização da ciência bem como na constituição de

tecnologias sociais derivadas dessa integração sociotécnica.

Assim como a implantação dos SAFs, as atividades pós-colheita também adquiriram

um caráter institucional de reciprocidade com o conhecimento tradicional. É o que

descrevemos na próxima seção.

4.1.3 Laboratórios quase simétricos

Imaginemos que Bruno Latour aplicasse sua pesquisa antropológica nos laboratórios

da Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos e em especial no Laboratório de Biologia,

ambos departamentos do NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz. Ele constataria a existência de

inscritores (LATOUR, 1997, pag. 45) – aparelhos cuidadosamente dispostos em um

laboratório que produzem dados, imagens que são transformados em textos e serem inseridos

em uma literatura. Para o autor francês, o principal produto do laboratório é o artigo

científico, ou seja a literatura produzida pelo laboratório através da reunião de inscritores. De

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fato, lá estariam o moinho, a balança, uma recém-adquirida secadora. Todos bem dispostos e

próximos à área de colheita de plantas medicinais.

Selecionamos como documento o vídeo O Beneficiamento da Cúrcuma18

para

demonstrar algo diferente das experiências de Latour (1997). Os inscritores documentados

apresentam outro regime sociotécnico. O conjunto de equipamento da PAF estava disponível

para atender às demandas dos pesquisadores, mas também serviam aos interesses dos

agricultores ligados ao Profito. O vídeo descreve uma boa parte do ciclo produtivo do açafrão

da terra (Cúrcuma longa sp).

Essa espécie vegetal tinha sido trabalhada pelos usuários do Centro Municipal de

Saúde Cecília Donnângelo, em Vargem Grande onde Maria do Céu Simões participava do

Programa Municipal de Fitoterapia (SMSDC-RJ). Tempos depois a agricultora reconheceu a

planta em uma das visitas à área de cultivo de Farmanguinhos. Com autorização levou um

pequeno rizoma do açafrão da terra. Plantou, colheu, tornou a plantar e colher. Três safras

depois, ela colheu 96 kg do produto em um quintal urbano.

A equipe Profito promoveu um mutirão de colheita na lavoura da Maria do Céu. Em

seguida fizeram o procedimento de pré-lavagem, completando a higienização no laboratório

de processamento (NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz). Tendo feito todo o processamento do

material coletado a equipe gravou esse vídeo artesanal para repassar o conteúdo para os

demais integrantes do Profito. A devolução do material seco e pulverizado aos agricultores

tem um aspecto de agregação de valor à produção que ganha uma sobrevida e um acúmulo

tecnológico.

Mais uma vez nos referimos a Bruno Latour para lembrar que a ciência tem duas

faces. Uma quando pronta e acabada e outra enquanto está incompleta em fase de elaboração.

Pois o vídeo demonstra algo que caracteriza esse território – produtos agrícolas de uso

medicinal e alimentar produzidos na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, persistem outras

questões, como por exemplo, as sanitárias.

18 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=9YSJuSgiyjg

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O cultivo urbano traz para o trabalho institucional uma necessidade de verificação

das questões ambientais que impactam o uso das plantas medicinais ou de qualquer outra

espécie alimentícia. Destacamos em especial as condições de salubridade da água que se

utiliza para o beneficiamento e as próprias questões do solo onde ocorre o cultivo. A produção

precisou ser analisada do ponto de vista sanitário e bioquímico. Trata-se, portanto de um

experimento incompleto, como uma das faces de Jano citado por Latour.

Incerteza, trabalho, decisões, concorrência, controvérsias é isso o que vemos quando fazemos um flashback das caixas pretas certinhas. (...) São tão

diferentes quanto as duas faces, uma vivaz e outra severa, de Jano bifronte.

“Ciência em construção”, a da direita; “ciência pronta” ou “ciência acabada”, a da esquerda; essa é Jano bifronte, a primeira personagem a nos

saudar no começo de nossa jornada”. (LATOUR, 2000, p. 16).

Esse desafio trouxe novos elementos sociotécnicos para o território. Novos

inscritores entraram na rede com a parceria do Laboratório de Biologia e do NGBS com o

Instituto Nacional de Controle de Qualidade e Saúde (INCQS/Fiocruz). O material vegetal

produzido nessa experiência da agricultora Maria do Céu teve sua primeira coleta enviada

para análise a ser feita pelo INCQS no início de 2012. Também foi desenhado um projeto de

parceria onde a instituição faria algumas ações: Avaliar microbiologicamente, de acordo com

a Organização Mundial da Saúde, as plantas medicinais desde sua produção até o produto

final nos estágios: 1- planta medicinal; 2- material pré-processado; 3-material processado e 4-

produto final. (Doc. 120528).

Esse é outro limite teórico dessa pesquisa, que não vai entrar em assuntos de controle

de qualidade. No entanto cabe registrar que esse processo de análise gera uma informação

científica que vai circular entre os agricultores e agricultoras em linguagem acessível ao grupo

social. O INCQS cumpre um papel dentro do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária

(SNVS). Essa iniciativa pode gerar conhecimento e metodologias úteis ao processo de

inclusão sanitária iniciado pela Anvisa durante a consulta pública nº 37/2013 e ratificado

então na RDC 49/2013 (ANVISA, 2013 c). O propósito da RDC está descrito em seu artigo

segundo:

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Esta resolução visa expandir as diretrizes e os objetivos do Decreto nº 7.492,

de 02 de junho de 2011 – “Plano Brasil sem Miséria”, por meio do eixo

inclusão produtiva, visando à segurança sanitária de bens e serviços, para a promoção da geração de renda, emprego, trabalho, inclusão social,

desenvolvimento social e econômico do país e auxiliar na erradicação da

pobreza extrema.

Alguns de seus princípios estão consolidados no artigo 4, inciso II e no artigo quinto,

inciso V. Cabe-nos registrar que mais uma vez o principio da reciprocidade institucional vai

se alastrando no território como um elemento que ameniza o rigor da técnica. Redes mais

sociais que técnicas podem se formar. Alguns princípios que se referem à segurança sanitária

anunciam uma relação com a pedagogia ou com a comunicação dialógica. Os dois artigos a

seguir tratam desses princípios, a busca de harmonização ou de proteção aos conhecimentos

tradicionais anunciam um ambiente de reciprocidade.

Harmonização de procedimentos para promover a formalização e a

segurança sanitária dos empreendimentos de produtos e serviços prestados

por microempreendedor individual, empreendimento familiar rural e empreendimento econômico solidário, respeitando os costumes, os

conhecimentos tradicionais e aplicando as boas práticas de vigilância

sanitária; (RDC 49/2013, artigo 4º inciso II) (ANVISA, 2013c).

Proteção à produção artesanal a fim de preservar costumes, hábitos e

conhecimentos tradicionais na perspectiva do multiculturalismo dos povos,

comunidades tradicionais e agricultores familiares (RDC 49/2013, artigo 4º inciso II) (ANVISA, 2013c).

Trata-se de um setor de pesquisas e práticas que merece ser acompanhado para

verificar o quanto a sociedade brasileira vai conseguir negociar os sentidos da

tradicionalidade com os poderes informados por um único parâmetro cientifico. Nesse

sentido há uma relação conflituosa entre aqueles que preconizam a manutenção do papel

histórico do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e os que defendem outra avaliação do

risco sanitário e a integralidade em saúde. Relembramos que há na epidemiologia estudos

voltados para o acompanhamento do risco com sua interface com a cultura, como uma

construção social (CASTIEL ET AL, 2010, p. 17; 45). Essa disputa (ou controvérsia) vai

criando suas redes. Atuação essa que o Profito se dedica há anos como veremos na próxima

seção.

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117

4.1.4 Comunicação em rede

A tarefa de atender às demandas territoriais dos agricultores integrantes do Profito

muitas vezes extrapolava a missão institucional de Farmanguinhos e da Universidade Federal

Rural do Rio de Janeiro. Reconhecemos, na época a multi-institucionalidade necessária para

que os agricultores fossem reconhecidos como agricultores pelo Estado. Então, em paralelo e

de modo integrado ao curso, a equipe assumiu um segundo objetivo específico: Promover

estratégia de comunicação em rede capaz de socializar conceitos, possibilitar escuta dos

diversos atores da cadeia produtiva e criar condições para a implantação de arranjo produtivo

local (BAPTISTA, 2010).

A equipe Profito assumiu que havia uma intersetorialidade e interdisciplinaridade

necessária entre as diferentes áreas de pesquisa científica e enquanto setores de aplicação e a

comunicação. O próprio curso colocou então a comunicação como conteúdo. Por ter assumido

o compromisso metodológico pela gestão participativa, essas estratégias se tornaram

indispensáveis. Havia uma busca pela descentralização dos meios de comunicação e do acesso

à informação e consequentemente por equidade:

Um dos pressupostos que norteia este processo é que o acesso à informação e aos meios de decisão é desigual. Sendo assim, os grupos terão acesso à

intervenção diferenciada considerando que equidade pressupõe tratamento

diferente ao que é diferente. A diferenciação no tratamento aos segmentos de

diferente perfil irá transferir mais dados, insumos e ferramentas de gestão ao que tem menor informação e menor acesso às fontes de decisão. A

capacitação embasada no campo da educação popular é vista em sua

aproximação com o campo da comunicação em saúde onde o diálogo terá papel central. (BAPTISTA, 2010).

Com a intenção de atingir esse objetivo, dividimos a comunicação em três ações: a

comunicação à época denominada presencial exercida através de trocas nos encontros

pedagógicos, nas visitas técnicas, intercâmbios e eventos. A segunda previa comunicação

virtual em rede, o que só aconteceu parcialmente, através de emails, conteúdo no site de

Farmanguinhos, matérias veiculadas em outras mídias. A terceira ação foi a implantação de

um banco de dados, a ser inserido em um site próprio, com informações derivadas das coletas,

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da determinação botânica, do geoprocessamento das espécies determinadas e cultivadas. Essa

ação não foi aprovada pelo NGBS (Farmanguinhos/Fiocruz) e permanece sem implantação.

Esse planejamento pressupunha um regime interdisciplinar entre a informação, a

educação e a comunicação, partindo do direito tipificado no Modelo de Comunicação do

Mercado Simbólico (ARAÚJO, 2002), a escuta institucional qualificada, a sistematização,

geração de dados, que seriam então analisados para gerar informação, que pressupúnhamos

seria acolhida pela gestão. E, em seguida, retornaria aos integrantes do projeto, sejam

agricultores, sejam técnicos e facilitadores ou usuários das políticas de plantas medicinais e

fitoterapia. No entanto não foram encontradas fórmulas de circular as vozes e discursos

codificados entre os integrantes do Profito e os gestores institucionais.

As visitas e intercâmbios locais ou regionais e a presença em eventos contribuíram

com a criação de novos vínculos de pertencimento. Do mesmo modo como

transitamos em torno do Maciço da Pedra Branca, fizemos algumas visitas técnicas e

intercâmbios. Intercâmbios também são visitas, mas preservam a relação direta entre

agricultores-experimentadores ou consumidor-agricultor. Os agricultores do Maciço da Pedra

Branca constituem novas territorialidades, criando novos pertencimentos e desenhando esse

território rede que se estende por parte da região metropolitana e chega a outros estados

brasileiros.

O intercâmbio é um processo fundamental no empoderamento dos produtores

agroecológicos, fundado na troca, na reciprocidade e dádiva. Tem um aspecto indispensável

na construção do conhecimento agroecológico, diferindo do difusionismo da Revolução

Verde e indo na direção da comunicação pleiteada por Freire em Extensão ou Comunicação

(FREIRE, 2011). Também se relaciona com a afirmação de Bernardo Toro (2005) onde quem

está inserido em redes tem maior acesso a direitos e cumpre melhor seus deveres.

Intercalados com as visitas e intercâmbios foram realizadas atividades de

representação. Em muitos eventos externos apenas parte dos integrantes do curso podia

comparecer. Ao retornar era comum que fossem incentivados a relatar ao coletivo suas

experiências. Isso aconteceu, por exemplo, após assistirmos a palestra da Dra Juliana Santilli

na Escola Nacional de Botânica (IJBRJ) em 2010. Após esse evento, dois integrantes do

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curso, Irma, Francisco Caldeira fizeram uma exposição do que ouviram da socioambientalista

e pesquisadora.

Meses depois a participação nas conferências de segurança alimentar e nutricional

(CONSAN) foi motivo tanto de preparo prévio como de devolução posterior ao coletivo.

Após a conferência nacional realizada em Salvador, Irma, Francisco e Bernardete Montesano

descreveram os avanços obtidos junto a CONSAN. O mesmo trabalho de constituição da

representação prévia foi feito em relação à Conferência Distrital de Saúde das Áreas

Programáticas 4.0 e 5.219

que cobrem parte do entorno do Maciço da Pedra Branca.

Realizamos uma reunião preparatória no âmbito do Profito para esclarecer e sensibilizar para

a participação nas conferências. Foram eleitos dois representantes – Paulo José Martins Filho

representando a Agrovargem e Rita Caseiro representando a Agroprata respectivamente nas

conferências distritais da AP 4 e 5.2.

Diferente da participação no CONSEA-Rio, a presença de representantes do Maciço

da Pedra Branca nas conferências e nos conselhos distritais de saúde não apresentou, até o

momento, nenhum ganho político às comunidades agrícolas. O conselheiro eleito para o

CODS 4 não chegou a assumir o assento no conselho.

4.1.3.1 Relação com o SUS nos documentos

A aproximação com o Sistema Único de Saúde através da atenção primária à saúde e

vigilância sanitária é uma decisão metodológica do Profito desde 2006. Esse foi um aspecto

que me atraiu para o projeto. Os primeiros eventos que constituíram o perfil atual do coletivo,

contavam sempre com a coordenação do Programa Municipal de Fitoterapia que era

convidada para integrar a equipe do projeto. Os registros iconográficos, as listas de presenças

e os relatos e relatórios escritos dão conta da persistência dessa busca e da constituição da

relação.

19 Correspondendo respectivamente aos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio

(AP4) e Campo Grande e adjacências (AP 5.2).

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Um momento importante dessa relação aconteceu em março de 2008, quando

realizamos uma palestra com o Conselho Distrital de Saúde da AP4 (Doc. 1112). Foi daqueles

momentos raros de consenso, com proposta definida, hospitais, postos de saúde, médicos,

farmacêuticos entusiasmados e se propondo a parte do trabalho necessário. Ao retornar com o

relato do CODS-4 para o ambiente interno de gestão do projeto, os articuladores desse

encontro ouviram duras críticas à iniciativa. Houve acusação de que o nome do departamento

de Farmanguinhos estaria sendo “usado” (sic).

Os trabalhadores que atuaram na interlocução com o Conselho Distrital de Saúde da

AP4 entenderam que estavam sendo acusados de promoção pessoal, de agir em interesse

próprio. Ao contrário disso, a interpretação da Lei Orgânica da Saúde é que as ações de saúde

em um território devem ser aportadas pela instância do controle social correspondente. Uma

ação intramunicipal deveria atender aos conselhos distritais correspondentes à ação, ainda que

promovidas por um órgão federal.

Doravante se ouviu à exaustão que o SUS tinha morrido20

. Ou seja, que o modelo de

assistência à saúde expressa na Constituição Federal e na Lei Orgânica da saúde não estava

imperando mais. Ou, pelo menos as ações locais tecidas por aquele órgão público não

estariam sob a égide desses princípios legais. Com muita persistência e diálogo da gestora do

projeto, a Dra Sandra Magalhães Fraga, com seus superiores e com o diretor de

Farmanguinhos, em especial, continuamos articulados com o programa de fitoterapia da

SMSDC-RJ.

Acreditamos que o auge dessa relação ocorreu em 2010 (Doc. 1112). Estávamos

certos da possibilidade de assinar um termo aditivo à cooperação técnica que já é

sacramentada entre a Fiocruz e a SMSDC-RJ. Documentos foram recolhidos, definimos as

ações, os materiais e as formas de cooperação. Contribuímos com a redação do plano

plurianual do programa de fitoterapia do município do Rio de Janeiro. Porém, o lugar de

interlocução da equipe era bem periférico. As estratégias de lutas simbólicas não ousaram

atingir os sentidos centrais dessa negociação.

20 Anotações em diário pessoal

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Apesar de toda harmonia construída entre as equipes, a hierarquia do Profito não foi

proativa e os meses e anos se passaram. Não houve como alguém tomar a decisão

institucional de unir os dois projetos. Até então o impedimento não partia de gestores da

SMSDC-RJ. Com o apoio do diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe, começamos a elaborar

o II Seminário Profito que segundo o cronograma (Baptista, 2010) iria tratar da relação com o

SUS e acesso a mercados.

Já na mesa de negociação com a Coordenadoria da Área Programática 4 (CAP 4.0) –

órgão gestor local do SUS – para preparar o II Seminário (Anexo E), outro órgão da Fiocruz,

a coordenação do Programa de Implantação do Campus Fiocruz da Mata Atlântica assumiu o

protagonismo do processo, deu um caráter nacional ao evento que passou a chamar-se

“Seminário Fitoterapia no SUS”21

(doc. 1112). Trouxe atores de vários estados do Brasil,

representação do Ministério da Saúde, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de Itaipu

Binacional, Universidade Federal da Bahia entre outros. A questão local ficou submersa em

um discurso amplo demais para que uma equipe diminuta e não empoderada politicamente

pudesse dar conta.

Os agricultores do Profito continuaram sem uma interlocução local com o serviço de

atenção primária à saúde. Esse foi o último momento em que a equipe junto com os

agricultores integrantes da iniciativa teve uma interlocução coletiva com a gestão local do

SUS ou com o Programa de Fitoterapia da SMSDC-RJ.

Apesar disso, três resultados concretos e pragmáticos saíram desse seminário. O

primeiro não diz respeito ao SUS. Contribuiu, no entanto, para responder aos agricultores a

sua demanda de ser reconhecidos pelo Estado como agricultores. A presença de Daniela

Vasconcellos, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrícola (MDA) e dos

agricultores da cidade de Tombos (MG), Margarida e Vanderli Pereira Pinheiro, o Derli, em

uma reunião paralela ao Seminário contribuiu para consolidar a decisão dos agricultores em

obter a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).

Hoje há ainda mais segurança de que esse é o passaporte do agricultor para políticas

públicas que transcendem o crédito. Cinco agricultores da cidade estão com seus nomes

21 As palestras foram documentadas pela Vídeo Saúde Distribuidora da Fiocruz.

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122

inseridos na base de dados “DAPweb”22

, de caráter nacional. Dentre esses está Cristina

Santos, a primeira mulher agricultora da cidade do Rio de Janeiro a ser titular da DAP.

Naturalmente isso não foi resultado direto do Profito, mas de sua opção por atuar em redes de

acesso à políticas públicas. A ação da Rede Carioca de Agricultura Urbana e da Articulação

de Agroecologia do Rio de Janeiro foi decisiva nesse processo.

Os outros dois resultados ligaram diretamente agricultura à fitoterapia no SUS. Logo

em seguida, o Ministério da Saúde lançou um edital para promoção de arranjos produtivos

locais de plantas medicinais e fitoterapia. O Programa de Fitoterapia da SMSDC-RJ, com a

ajuda da Fiocruz, articulou os agricultores da cidade de Friburgo para participarem desse

edital, tornando-se potenciais fornecedores de plantas medicinais para a SMSDC-RJ. Os

agricultores da cidade do Rio de Janeiro permaneceram fora da interlocução com o gestor

local do SUS como fornecedores de plantas medicinais e enquanto usuários da política de

plantas medicinais.

O terceiro resultado pragmático uniu a Secretaria de Saúde de Niterói a Cooperativa

Univerde de Nova Iguaçu. A presidente da Univerde, Alzeni Fausto foi eleita em um encontro

de Magé para representar as agricultoras e agricultores da região metropolitana na mesa do

seminário. Houve extensas negociações internas para que o Profito pudesse dar esse espaço

para uma voz representativa das organizações de agricultores familiares da região

metropolitana. Alguns organizadores do encontro questionavam: será que eles têm algo a

dizer sobre o assunto?

À custa de luta interna conseguimos que Alzeni Fausto estivesse na mesa. Sua

palestra e fala, reproduzida em vídeo e transcrita em relatório (Magalhães-Fraga e Baptista,

2011) foram recebidas com muito respeito pelos presentes no seminário. Grande parte da

plateia aplaudiu de pé o pronunciamento da agricultora. “O agricultor não é um ‘jeca tatu’

recebe o pacote. Reflete e se abre quando quiser”, afirmou a diretora da Univerde, dialogando

com a ideia de uma agricultura de “subsistência” que impregnou a memória coletiva (Vídeo

Fitoterapia e plantas medicinais, 2012).

22 Disponível em http://smap14.mda.gov.br/dap/extrato/pf/PesquisaTitular.aspx

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Mais do que aplaudir, representantes da Universidade Federal Fluminense (UFF)

visualizaram uma oportunidade concreta. Aproximaram-se da Univerde e em poucos meses

tinham escrito um projeto conjunto que inclusive ganhou um prêmio. Com a repetição do

edital da DAF/MS, a Univerde, a UFF, Farmanguinhos e a Secretaria Municipal de Saúde de

Niterói compõe um arranjo produtivo local onde a Univerde fará o fornecimento de insumos

vegetais para o SUS como preconiza o Profito desde 2006.

As extensas agendas, a falta de visibilidade do uso tradicional e não assistido de

plantas medicinais, a invisibilidade do Cuidado enquanto categoria feminina, as dificuldades

políticas interna e externas, a falta de opção pelo SUS, a ênfase na produção industrial de

fitomedicamentos, a busca de patentes e outros fatores que transbordam dessa pesquisa

mantêm os agricultores do Rio sem acesso a atenção primária em saúde em seus territórios

agroecológicos. Outra investigação seria necessária para elucidar esses fatores.

Encerrando essa seção de análise documental e descrição das ações do Profito,

compreendemos que o registro rotineiro das ações é uma forma de acompanhamento tanto da

equipe técnica quanto dos integrantes do projeto. No entanto, se não é dada circulação a esses

documentos não giramos a roda da ciência não influenciamos a gestão. Logo não há gestão

participativa de fato, apenas um ensaio.

A codificação das vozes num ambiente onde a comunicação é eminentemente oral é

um elemento sociotécnico importante. No entanto, para a gestão participativa, precisam ser

criadas formas onde os gestores possam acessar documentos sintéticos onde as demandas

populares estejam registradas, proporcionando uma escuta institucional que naturalmente

deve ser seguida de resposta aos participantes.

A análise do conteúdo dos documentos traz ao novo cenário a segurança de que os

principais elementos constituintes do regime sociotécnico implantado no Profito foram

arrolados já em 2006. A primeira versão do projeto “valoriza, também, o conhecimento

comum sobre as condições locais, como ponto de partida para um plano de ação conjunto”.

Em outro parágrafo se propôs a agir “sempre levando em consideração o conhecimento e

experiência local, bem como os interesses e condições dos atores sociais”. Como tema a ser

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explorado no curso realizado propôs “revalorização dos conhecimentos tradicionais do

homem do campo” (Doc 0611).

Esse compromisso em sua origem é somado ao que a médica Maria Carmem

Pirassununga Reis, criadora do Programa Municipal de Fitoterapia do Rio de Janeiro,

anunciou durante reunião do Conselho Distrital de Saúde da AP4. Na ocasião a médica fez

distinção entre a Medicina Tradicional, que é confiável e a Medicina Popular, que no meio

urbano é distanciada do conhecimento tradicional e pode gerar riscos a saúde dos usuários.

Não é um compromisso pequeno, no entanto manter em vista que uma rede sociotécnica

qualificada por uma dualidade na forma de construção do conhecimento pode ser a questão

central a ser trabalhada. Nesse sentido, esse imperativo ético diante da saúde dos agricultores

e usuários do SUS parece ser passível de encaminhamento.

A coexistência entre informação científica e tradicional surge de algum lugar, de

algum tipo de acesso a uma ou a outra. As ações de popularização científica desenvolvidas

tiveram alguns resultados no território. Como descrito, o Profito foi uma iniciativa que propôs

em redes um “regime sociotécnico”. Também desde 2006, o Profito qualifica esse regime:

As entrevistas, visitas e aplicação de questionários deverão ocorrer num

clima de descontração, confiança e serenidade para que todos os participantes possam expor seus conhecimentos e esclarecer suas dúvidas, de

maneira reflexiva e consciente. Para isso a linguagem utilizada deve ser

próxima a utilizada pelas comunidades a fim de não causar intimidação e constrangimento entre os entrevistados. (Doc 0611)

Mantendo em vista esses compromissos o Profito apoiou uma forma de relação

sociedade-natureza e a promoção de simetria entre elementos humanos e os não humanos.

Tudo isso, no entanto não depende apenas de ações locais, mas de uma avaliação mais global

por onde passa a informação científica. Não é nosso escopo fazer essa análise mais global. No

entanto também não poderíamos deixar de anunciar os efeitos dos elementos globais sobre o

local.

Precisamos ressaltar a materialidade da comunicação oral exercida pelo projeto

durante alguns anos. Primeiro o grande investimento em transporte exercido por

Farmanguinhos sem o qual, os resultados do Profito não seriam os mesmos. Da mesma forma,

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aconteceu o desenvolvimento de uma competência por mobilizar os grupos através de uma

boa infraestrutura telefônica, muitas vezes invisibilizada como componente sociotécnico. O

terceiro elemento foi o apoio dado ao projeto pela assessoria de comunicação (ASCOM).

Tanto as matérias veiculadas no site de Farmanguinhos (Doc. 1101), como o design e o

material gráfico disponibilizado contribuíram para o desenvolvimento das atividades (Fig.

10).

Figura 10: Exemplos de produção de material gráfico pela ASCOM/FARMANGUINHOS/FIOCRUZ

Fonte: Acervo Profito

Aliás, a coordenadora do Profito, Dra Sandra Magalhães Fraga, durante a entrevista

realizada, considerou necessário diminuir a exposição do projeto nas mídias por considerar

que isso despertava disputas internas junto a outras iniciativas de plantas medicinais da

Fiocruz. Compreende-se então a necessidade de equidade na distribuição de recursos que

incluem os meios materiais de comunicação.

Trabalhar essa sistematização como um dos objetivos dessa pesquisa foi primeiro

buscar a prática como norte. Todo esse percurso metodológico foi informado por essa

experiência vivida e refletida. Houve um investimento de recursos públicos na ação do Profito

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e julgamos que isso não é algo que se dispense. Porém mais especial do que recursos onerosos

é a mobilização de vontades feita no território. Consideramos de forma muito especial o

trabalho já realizado e que demanda de concretizar os seus objetivos estabelecidos. Essa

concretização da proposta iniciada pode se beneficiar dessa reflexão sobre o regime e rede

sociotécnica delineados ao longo desses anos. Analisar a coexistência da informação

científica e do conhecimento tradicional tecendo essas redes no contexto do Profito pode

anunciar medidas que levem o projeto a concluir sua missão com êxito, deixando no território

um rasgo de otimismo e consideração pela possibilidade de interação com o Estado. Parece

que a responsabilidade é sentida por todos os atores envolvidos.

E essa responsabilidade induz à reflexão crítica feita por seus protagonistas,

agricultores e parceiros. Essa reflexão está descrita na primeira parte da próxima seção. Nela a

fonte de dado é a narrativa dos indivíduos.

4.2 DA MEMÓRIA À COMUNICAÇÃO INFORMAL

A segunda fonte de dados que compõe essa pesquisa provém dos depoimentos dos

interlocutores e participantes de nossas redes sociotécnicas em três tipos de atividades: as

duas reuniões participativas descritas nos procedimentos metodológicos, outra na observação

participantes nas feiras agroecológicas e o terceira através do conjunto das narrativas obtidas

em 23 entrevistas individuais realizadas (Apêndice D).

A partir da pesquisa documental descritiva da experiência do Profito, foram

priorizadas cinco linhas de ação realizadas entre 2009 e 2013. São elas: o curso de

capacitação, os produtos e novidades, a inserção em redes, o acesso a mercados e o direito à

saúde. Cada uma dessas linhas de ação, seguindo o roteiro proposto por Chavez-Tafur (2007),

foi analisada segundo suas atividades, materiais e recursos demandados e utilizados, seus

principais resultados, as dificuldades encontradas e os resultados não esperados (Anexos

2,3,4).

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O curso de capacitação já descrito na análise documental do item anterior foi

analisado em entrevistas com cinco dos entrevistados a partir de quatro atividades, a escuta

prévia, o seminário, a seleção dos candidatos, o curso em si. A avaliação dos entrevistados

indica que o processo de escuta foi fundamental para a realização do curso, dando não só

subsídios para o planejamento mas tratando também de contextualizar o conhecimento local e

o técnico-científico. No entanto foi identificado que essa visão metodológica não foi

facilmente compartilhada entre os técnicos e entre os parceiros potenciais. A comunicação de

uma visão pedagógica implícita nessa escuta e na horizontalidade dos saberes não tem sido

bem sucedida. Outros técnicos e pesquisadores que atuavam na própria implantação do curso

não utilizaram essa metodologia participativa. Algumas parcerias não se consolidaram por

discordância da própria metodologia.

O primeiro seminário do Profito, realizado em 2009, é citado como um dos principais

aprendizados no exercício da gestão participativa. Segundo Sandra Magalhães Fraga esse foi

o grande momento do projeto. Seus principais resultados são o número de presentes, a

paridade entre agricultores e demais técnicos e pesquisadores, a cobertura no site de

Farmanguinhos, a consolidação do ementário de modo participativo e o plano de curso

também consolidado tendo como transversalidade a participação popular no evento.

Após o seminário a atividade de seleção dos candidatos também gerou um novo

aprendizado. Primeiro foi feita nova divulgação do curso através de cartazes e folders. As

associações de produtores apresentaram então uma lista de candidatos que foram

entrevistados pela pedagoga Laura Juliani, gerando uma classificação dos candidatos diante

de critérios que foram também constituídos participativamente. Os principais resultados dessa

linha de ação foram identificar que a demanda por esse tipo de estudo é maior que a oferta. A

manutenção da participação dos não selecionados para o curso não aconteceu. E, os jovens

selecionados e priorizados não permaneceram junto ao projeto e raramente atuam nas

associações. Foram duas dificuldades encontradas.

Para os entrevistados, o principal resultado do curso foi a organização local. Segundo

Francisco Caldeira ex-diretor da Agrovargem e atual presidente do CONSEA-Rio, o Profito

foi uma escola muito importante nas questões democráticas. “Os agricultores estavam

seguindo um processo lento de desaparecimento”. E o projeto foi considerado responsável

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pela relação atual entre as três associações e sua inserção em redes mais amplas. O agrônomo

Márcio Mendonça da ASPTA afirma que a técnica deve estar a serviço de um processo social.

Durante a Revolução Verde a tecnologia estava em primeiro lugar. O Profito fez diferente,

incentivou a organização popular para então apresentar a técnica.

Resultado impressionante, que deixa um legado para a cidade do Rio de Janeiro muito importante. Não é obvio que quem tentasse fazer conseguiria.

O Profito fez muito bem feito. Tem instituições públicas que atuam com

agricultura aqui na cidade que nunca fizeram isso. Não foi só o trabalho de

capacitação... Sacações (sic) de como fazer isso. Qualquer um pode fazer capacitação. Qualquer instituição pode propor capacitação (...). Vem o

aspecto da participação em redes. Foi uma grande sacação (sic). Trabalha

com capacitação mas não deixa eles sozinhos. O grande êxito da etapa de capacitação se dá pela visão à frente dessa capacitação. É promover essa

capacitação sem esquecer a mobilização e organização social. A técnica está

à serviço de alguma coisa. A técnica não vem para ensinar as pessoas. Não traz a técnica em primeiro lugar. O desenvolvimento da tecnologia a Fiocruz

faria com um pé nas costas. Esse não é o lance do Profito. A técnica está a

serviço de um processo social. Aí a técnica é ótima. Veja a tecnologia na

agricultura. A revolução verde colocou a tecnologia em primeiro lugar, a serviço da venda das empresas.

Essa tecnologia apresentada também aparece como um resultado importante, a

confecção das exsicatas para a identificação e determinação botânica, as plantas secas dentro

de padrões de qualidade, a manipulação dentro das boas práticas de fabricação. “Isso foi

bastante trabalhado durante o curso e com um impacto bastante grande”, afirma Rita Barbosa,

agricultora.

Foram apresentadas como dificuldades do desenvolvimento do curso: primeiro

executar um orçamento para uma equipe reduzida foi um impeditivo para aumento da

qualidade das ações pedagógicas. Sandra Magalhães Fraga relembra o trabalho necessário à

inclusão de um grupo grande de pessoas que não tinha Cadastro de Pessoa Física (CPF),

documento indispensável para que recebessem a bolsa de estudos. Também não tinham

comprovante de residência e consequentemente não possuíam conta bancária. Essas eram

exigências para o pagamento das bolsas de estudo. Outras dificuldades podem ter sido

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resultantes dessa limitação, como a não manutenção das parcerias inicialmente propostas, a

não permanência dos jovens.

O tempo para executar o projeto foi escasso, mas não foi o único responsável

pelas dificuldades, outra limitação foi o próprio entendimento dos conflitos derivados do

estado de multi e interdisciplinaridade do projeto. Alguns conceitos não eram aceitos como

legítimos para a implantação do projeto. O conceito de mercado, por exemplo, foi um

imbróglio mal resolvido. Após essa análise aprofundou-se a certeza de que “the marketplace

is only a consequence of the establishment of networks; it does not explain their formation”23

(LATOUR, 1988, p. 172).

A segunda linha de ação identificada foram os produtos e novidades gerados pelo

Profito. Os produtos foram: as mudas e seus viveiros residenciais, os sistemas agroflorestais

medicinais, as plantas in natura, as plantas secas e rasuradas na forma de sachês, a cúrcuma, o

sabonete líquido (Fig. 11). Alguns entrevistados apresentaram também o próprio processo de

gestão participativa como uma novidade em si.

Figura 11: Três dos produtos em desenvolvimento entre os agricultores - mudas, sabonetes líquidos e sachês de plantas secas rasuradas.

Fonte: fotos 1 e 3 acervo próprio, foto 2 acervo Profito

23 “o mercado é apenas uma consequência da constituição de redes; não explica a sua

formação”. Tradução própria.

1

2

3

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Todos os produtos comercializáveis do Profito esbarram em legislações restritivas.

Essa foi a principal dificuldade descrita pelos entrevistados. Desde a produção de mudas aos

sachês e sabonetes todos tem dificuldades legais para se inserir nos mercados. Há necessidade

de investimentos na qualidade, na disponibilidade, na autonomia das pessoas que fabricam o

que implica em contribuir para que as comunidades agrícolas tenham suas instalações dentro

da nova concepção de boas práticas de fabricação derivadas da RDC 49/2013 (Anvisa,

2013b). O que por si só é um elemento sociotécnico a ser mais bem compreendido.

A terceira linha de ação priorizada foi a inserção em redes. Algumas organizações do

território tem o nome de Rede: A Rede Carioca de Agricultura Urbana, a Rede Ecológica e a

Redes Fito. É importante registrar que não temos como aprofundar uma análise do

relacionamento com o Sistema de Redes Fito. Além das fronteiras epistêmicas já anunciadas,

temos também limites alguns disciplinares como os já citados com a biologia e com o

controle de qualidade. Apresentamos aqui um novo limite posto por Farmanguinhos que

apesar de ter assinado o termo de consentimento livre e esclarecido não conseguiu oportunizar

uma agenda para essa pesquisa. Consideramos que o tempo dessa pesquisa não favoreceu

esses aprofundamentos. Trata-se então do indizível e o indescritível que os territórios trazem

de uma maneira ou de outra.

Essa linha de ação perseguida pelo Profito ao longo dos anos deixou no território um

importante aprendizado, dizem seus protagonistas. Os materiais e recursos empregados nessa

atividade dizem respeito primeiro a ter acesso a um sistema sêmico, que muitas vezes é mais

pressentido do que comunicado. Como anunciou Raffestin (1993), as redes tem esse sistema

sêmico. Trata-se de um conjunto de códigos, linguagem, conceitos, valores que são

transmitidos com mais ou menos intencionalidade durante os momentos de troca e diálogo. E,

muitas vezes estão relacionados a imagens que falam antes que o discurso possa esclarecer

dúvidas.

Os nossos principais interlocutores nessa análise estão assinalados no apêndice D.

Segundo o depoimento de Francisco Caldeira, o grupo do Profito entrou em contato com a

Rede Carioca de Agricultura Urbana durante o I Encontro de Agricultura na Cidade. Percebe-

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se nesse discurso que há uma interdependência entre erro e acerto de uma forma metafórica.

De fato o primeiro contato com o grupo que se tornaria a Rede CAU foi no I EEASC em

2007. Os agricultores ligados ao Profito chegaram no segundo encontro, no ano de 2010,

onde se tomou a decisão de criar a Rede CAU. A metodologia empregada nesses encontros

foi de tal modo comunicada que não deixou margens à dúvida. Aquela era a Rede mais do que

desejada para os princípios anunciados desde 2006 no Profito.

No entanto houve resistência interna na equipe técnica do Profito, na hierarquia e em

algumas parcerias. De outro lado, acomodar-se ao sistema sêmico constituído historicamente

pelo grupo que se nomeou Rede CAU não foi fácil. Apenas a repetição (nosso instante de

eternidade) possibilitou essa integração.

Segundo Bernardete Montesano, uma das principais articuladoras da Rede CAU,

essa, com a inserção dos agricultores do Profito, adquiriu um perfil anteriormente inexistente.

“A Rede era uma coisa mais restrita, muito ligada à Pastoral [da Criança]. Um trabalho de

extrema importância mais restrita aos quintais”. Segundo outra observação, a Rede

ressignificou o conceito de agricultura urbana. Já não era o lúdico, o vínculo e a preservação

dos saberes. A Rede CAU tornou-se tudo isso e mais o acesso a mercados, as feiras, a

certificação orgânica, o acesso a políticas públicas, as compras públicas, a legislação urbana e

ambiental e seu impacto sobre a agricultura.

Nada tem apenas um lado. Problemas novos surgiram. Um desses recebeu uma

descrição metafórica. Francisco descreveu o excesso de agendas externas à comunidade

gerada por essa inserção em Redes como se fosse “um pássaro de arribação”. Essa é a

principal dificuldade identificada nessa atividade. Em segundo plano a dificuldade de pautar o

tema direito à saúde e em especial (e paradoxalmente) o tema plantas medicinais. Não

conseguimos identificar se essa dificuldade diz respeito ao sistema sêmico ou se são

meramente prioridades organizacionais.

A relação da Rede Ecológica com o território da Pedra Branca é quase tão antiga

quanto a ação do Profito. O diagnóstico participativo identificou a Rede Ecológica já em 2007

que assim como o Instituto Maniva, ligado ao movimento internacional Slow Food, estiveram

em reunião na sede da Agroprata (Diário de Campo, 2007-2008). No entanto, só 2011,

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quando na interação da Rede CAU, tomou-se a decisão de montar um núcleo de compras

coletivas no próprio espaço da Feira Orgânica de Campo Grande. A partir daí essa relação se

capilarizou entre os agricultores do Maciço.

Esse momento é mais uma demonstração da difícil acomodação aos sistemas sêmicos

que aparece na inserção em redes. O grupo de compras coletivas no próprio ambiente da feira

foi duramente criticado por integrantes da própria feira e pelos chamados pilares da Rede

Ecológica. Com o passar dos anos e muita comunicação informal nem sempre amável, a

decisão mostrou-se acertada. Um segundo grupo de compras coletivas foi formado com sua

entrega no ambiente da FAFRE.

Os principais resultados dessa inserção em Redes foi o fortalecimento do próprio

sistema sêmico que une os actantes nesse território. Sem poder alongar essa análise,

afirmamos que esses signos dizem respeito a uma relação simétrica sociedade-natureza. É

uma atuação no sentido da agrobiodiversidade que rejeita a visão conservacionista excludente

do humano. O ambientalismo assimétrico parece incompatível com um território assolado

pela especulação imobiliária. Outro valor que une os protagonistas dessas redes é a

horizontalidade dos saberes e a ênfase na centralidade do conhecimento local ecológico na

construção social. Um terceiro valor é a economia da dádiva, também chamada de

reciprocidade ou de solidariedade. Aqui diferente dos limites é uma abertura dessa pesquisa

ao desconhecido. Prevemos esses três valores como pilares e aguardamos a crítica necessária

de nossos interlocutores.

Esse sistema sêmico então perpassa nossos outros códigos semióticos, nossas

camisas, bandeiras, refeições, agendas, redes virtuais. Começa a atingir os documentos

públicos, como os relatórios das conferências de saúde e de segurança alimentar, mas também

decretos municipais e diários oficiais.

As compras públicas realizadas pelas escolas estaduais no entorno do Maciço da

Pedra Branca se tornou uma concretização da agricultura na cidade (ASPTA, 2012). Para

alguns foi o fim da invisibilidade histórica a que se destinou a agricultura e a tradição local.

Nesse sentido o atual diretor da Agrovargem, Jorge Cardia, respondendo a uma matéria de O

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Globo24

questiona: “A roça é invisível? para mim não é invisível”25

. O objetivo específico de

comercialização de plantas medicinais não foi plenamente atingido. Além disso, o pedido dos

agricultores de reconhecimento de sua atividade pelo governo foi citado como um ganho para

as competências territoriais desenvolvidas.

É justamente essa a quarta linha de ação priorizada na sistematização – o acesso aos

mercados. Segundo depoimento dos actantes presentes na primeira reunião participativa

prevista em nossos procedimentos metodológicos, “bem ou mal o acesso a mercados já

começou”. Essa frase que, diante dos presentes alcançou um consenso, é um indicador da

interpretação de mercados como uma construção social e não uma entidade autônoma, acima

do bem e do mal gerenciada e analisada por especialistas. Esse é um conceito que nas redes de

agroecologia está imerso no princípio da economia da dádiva. Uma característica inicialmente

atribuída a comunidades ditas primitivas e que é ressignificada e permanece tal qual um

passado presente (HUYSSEN, 2000). Ou como quer Latour são características não modernas.

Eric Sabourin nos alerta para esse princípio:

A venda dos produtos agropecuários não pode ser confundida apenas com o

mercado de intercâmbio capitalista. No Brasil, as feiras locais e os mercados

de proximidade oferecem exemplos de produção e de mobilização do laço

social, de sociabilidade, pelas relações diretas entre produtor-consumidor. (SABOURIN, 2008 )

Cada uma das duas lógicas, reciprocidade ou intercâmbio, pode ser verificada na realidade. Portanto, as duas podem se prevalecer de vantagens

respectivas e, sobretudo, de precedentes, alguns deles sendo, provavelmente,

irreversíveis. O propósito não é, obviamente, negar essa realidade ou propor um retorno às formas originais da economia. Hoje, em termos de

desenvolvimento rural não se trata de reivindicar a exclusividade de um

princípio ou de outro, mas sim de atentar para uma dupla referência. Como

sublinha Temple (1997), o reconhecimento político e público, da economia de reciprocidade, permitiria desenhar uma interface de sistemas e abrir um

debate entre os partidários de uma e de outra lógica, para tratar da natureza

das organizações locais, da delegação do poder, das normas e dos princípios de gestão dos bens comuns ou públicos, em particular dos recursos naturais.

Em outras palavras, permitiria enriquecer o debate sobre as escolhas

24http://oglobo.globo.com/rio/produtores-rurais-do-rio-tentam-sobreviver-falta-de-

incentivos-9021943 25 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_xcWiq48KLU

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possíveis e sobre as ferramentas adaptadas em matéria de sustentabilidade da

agricultura e do planeta (SABOURIN, 2008a).

O mesmo autor demonstra que estruturas estatais se inserem nessa dupla lógica de

mercado, tais quais passados presentes ao assumir as compras institucionais da agricultura

familiar como preveem programas e políticas legitimados no país recentemente (PNAE, PAA,

PNPMF). A própria busca de Farmanguinhos, do INCQS, da UFRRJ de agregar valor e dar

qualidade aos produtos e novidades insere-se no princípio da dádiva. “De fato, cria-se uma

territorialidade de reciprocidade em torno de um produto específico” (SABOURIN, 2008a).

O Profito pretendeu atuar nessa dupla lógica de mercado e até o momento tem

alcançado resultados no campo dos mercados curtos, nas feiras, nas compras institucionais da

própria Fiocruz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que através da pesquisadora Nina

Silva, por duas vezes adquiriu um lote de mudas de espécies medicinais cultivadas por

agricultores para eventos da instituição. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

recentemente anunciou disponibilidade para compras da agricultura familiar.

Para os entrevistados os principais resultados da linha de ação acesso a mercados foi

a construção da feira da Freguesia, a possibilidade de participar do Circuito Carioca de Feiras

Orgânicas. Imagina-se que a próxima feira a ser estabelecida trará novos desafios justamente

pelo sistema sêmico fortalecido entre os actantes e não acolhido pela legislação municipal.

O papel da Rede Ecológica na construção de um mercado ético, justo e solidário na

região se faz sentir no campo das plantas medicinais em basicamente dois produtos. Um deles

a produção de mudas agroecológicas. Desde 2010, vários agricultores integrantes do Profito

tem se dedicado a produção de mudas de espécies alimentícias, condimentares/medicinais.

Compõe um modelo produtivo na forma de micro viveiros residenciais.

Duas mulheres alcançaram uma dedicação ímpar nessa atividade, trata-se de Dalila

Silva e sua nora Maria Regina da Silva, conhecida como Lia. A produção de mudas foi

iniciada na varanda de sua residência. Primeiro destinaram a pequena comercialização para as

compras feitas por Farmanguinhos (Fiocruz). A instituição por diversas vezes distribuiu

mudas como brindes em eventos, contribuindo para animar a sua produção. Em seguida elas

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passaram a expor mudas em feiras e eventos. Alcançaram a visibilidade da Rede Ecológica

que passou a adquirir uma quantidade mensal. As duas agricultoras urbanas fizeram um

arranjo com um proprietário de um sítio e inauguraram o “safinho”, como batizaram o micro

viveiro.

A quinta e última linha de ação eleita foi o direito à saúde. Não foi uma linha

específica nos subprojetos aprovados durante o período aqui sistematizado. Pelo contrário,

essa demanda explícita vem da inserção em redes. Como já descrito esse foi um resultado do

II Encontro Metropolitano de Agroecologia. Talvez tenha sido um dos momentos de maior

adesão dos agricultores do Profito a um encontro fora do território cotidiano de ação do

projeto.

Entre outras demandas registradas na Carta Política, "Implementação da Estratégia

Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas

alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais". Sabendo que não é usual

no Maciço da Pedra Branca que se faça demandas no campo da saúde como direito,

investigamos a origem desse registro. Claudemar Mattos, secretário executivo da Articulação

de Agroecologia do Rio de Janeiro e Bernardete Montesano explicaram que a fonte dessa

ideia veio do Movimento dos Sem Terra (MST) e de um documento da Comissão Pastoral da

Terra (CPT). As duas organizações são também integrantes da AARJ.

Durante a primeira reunião do Profito apresentamos a questão composta de três

atividades: a medicina tradicional, a atenção primária à saúde, melhor representada pela

Estratégia Saúde da Família (ESF) e a vigilância sanitária. Na realidade a expressão veiculada

nessa reunião do dia 9 de dezembro de 2013 foi: práticas de saúde tradicional. No entanto

para harmonizar o conceito com a informação científica sobre o termo aqui colocamos

medicina tradicional. Em que pese todo o risco e os benefícios de um sistema de nomeações,

nos apoiamos na observação e vivência para defender a existência de práticas de medicina

tradicional no território-rede aqui investigado.

O sistema sêmico predominante no território enfatiza a segurança alimentar e

nutricional como principal forma de acesso à saúde. A identificação dos actantes com a

alimentação saudável é quase como sinônima de saúde. As plantas medicinais são usadas

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principalmente como complementares, em sistemas de prevenção ou de fortalecimento

imunológico. Em muitos momentos durante a observação participante nas feiras

perguntávamos: você usa plantas medicinais? A resposta muitas vezes era: “não, quase não

fico doente” e apresentava toda uma justificativa em torno da alimentação saudável.

No entanto, Madalena Gomes descreveu as situações de adoecimento e cura em sua

rede comunitária de cuidado que são relevantes para se pensar a existência da medicina

tradicional na região metropolitana do Rio de Janeiro. O mesmo reforço vem do depoimento

de Sampaia Correa descrevendo a cura do neto.

Nessa data aplicando a problematização necessária aos procedimentos

metodológicos, indagamos Madalena sobre recente necessidade de atendimento emergencial

de um jovem de sua rede comunitária de cuidados. Aparentemente o grupo acatou primeiro a

necessidade de coerência da equipe técnica atuante no Profito. Não seria viável assumirmos

uma postura de que apenas a alimentação, plantas medicinais e recursos místicos possam

consistir em direito à saúde. Citando uma professora do PPGICS: seria a defesa de uma

medicina pré-sulfa (sic).

Nesse quadro de resistência ao conhecimento biomédico negociamos como

prioridade as práticas de autocuidado típicos da medicina tradicional. Metodologicamente isso

será realizado em uma perspectiva de relação com profissionais de saúde e da área de saúde,

lotados ou não em órgãos do SUS. Registarmos aqui a existência de agricultores de renda

bastante reduzida que são assinantes de planos de saúde de clínicas populares o que nos

parece uma in-equidade.

Quanto à vigilância sanitária é vista como um fiscal punidor que pode acabar com as

feiras. Não se insere no contexto do direito à saúde. Integralidade não é um conceito que

circule entre os actantes de nosso território-rede. No âmbito do Profito anuncia-se uma

oportunidade de ação potencialmente simétrica do INCQS. Um elemento importante foi a

própria participação na consulta pública 37. Esse processo parece dar ao território um acesso

renovado aos princípios da integralidade. Também compreendemos que há um alinhamento

local a redes globais que defendem o processo de medicina tradicional como fatores

contemporâneos que favorecem também a integralidade no território.

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137

Finalmente antes da decisão final coletiva na segunda reunião participativa, toda

essa sistematização parcial foi avaliada segundo dez indicadores propostos por Chavez-Tafur

(2007). São eles: A participação da população local, a participação das mulheres na

experiência, a organização local, o envolvimento das autoridades, a sustentabilidade das

atividades, a replicabilidade da experiência, a geração de renda, a convergência de atores

entre si e a convergência entre os atores e a gestão do projeto.

Quatro desses indicadores dizem respeito, de uma forma ou de outra, à participação

política dos agricultores. Um deles, organização local, é em nossa interpretação, a condição

indispensável para a participação política. Sem organização não há participação social ou

política. O Profito foi mais bem avaliado nesse indicador. O projeto é apontado como o

responsável por “unir” as três associações de agricultores do Sertão Carioca. “Não tínhamos

organização local”, dizem, “Ela se deu a partir disso. Desde então se evoluiu muito.

Promovemos a união das pessoas, experimentamos produção compartilhada”, afirmou um

entrevistado.

Por outro lado, Bernardete Montesano apresentou um aspecto negativo ao lembrar

que o Profito teve o foco exclusivo nos agricultores, negligenciando suas famílias e os

consumidores. Essa visão crítica é fundamental na avaliação também dos demais indicadores.

Tanto na participação local quanto na participação dos mulheres o Profito apresentou

limitações segundo os entrevistados.

Apesar do curso contar com mais de 50% de mulheres, não se trabalhou a influência

das questões de gênero na formação em curso. Sugerem então compreender o uso que a

mulheres fazem das plantas medicinais em suas famílias. Ao mesmo tempo ampliar a

organização das mulheres através da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro que conta

com um grupo de trabalho voltado para a luta feminista.

Algo similar foi dito sobre a população local. A avaliação dos entrevistados é que

não se sabe o que a população local pensa sobre o Profito. É um aspecto desconhecido.

Considerando que a participação é um direito uma entrevistada pergunta: Como podem se

inserir nessa ação enquanto política pública? Essa mesma questão apareceu na avaliação da

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organização local. Apontaram como aspecto desconhecido a forma de agregar os

consumidores à essa temática.

Talvez essa seja a principal crítica ao Profito: a ausência de publicização de seus

feitos. A tal ponto isso parece forte junto aos grupos atingidos pela comunicação parcial

desenvolvida que em quatro situações registradas na observação participante, pessoas estavam

cobrando transparência. Não estavam falando de execução orçamentária, mas a ter o direito a

participar das discussões e novidades relacionadas a plantas medicinais.

É a mesma visão apresentada durante a segunda reunião de gestão participativa dessa

pesquisa, já citada, mas que convém repetir esse trecho: “Queremos pautar as plantas

medicinais nas políticas públicas e usá-las em nosso dia a dia. No entanto que seja para todos

e coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de forma não transparente”. Pela repetição

da expressão em contextos diversos, assumimos que o Profito foi considerado de atuação

privada e não pública. Por se tratar de uma demanda para o campo da comunicação trataremos

novamente desse assunto mais à frente.

Ainda analisando as entrevistas sobre os indicadores de qualidade, interpretamos o

envolvimento das autoridades como a participação dos gestores de serviços e políticas

públicas no local. Foi o indicador com pior desempenho. Segundo quatro dos entrevistados

foi baixíssimo o envolvimento desses gestores.

Apesar dessa crítica, apontaram que o Profito atuou numa unidade de conservação

integral (UCI). Como tal havia a alegação conservacionista. Através do Profito, essas

comunidades tradicionais nessas unidades de conservação se tornaram visíveis contribuindo

para o avanço de um debate socioambiental. Segundo Claudemar Mattos essa contribuição

para o debate beneficiou todo o Estado do Rio de Janeiro.

Esse reconhecimento da atuação de Farmanguinhos e por extensão da Fiocruz ao

pautar o direito ao uso da agrobiodiversidade ficará no território como um valor em si. A

equipe técnica do Profito pediu autorização ao então Instituto Estadual de Florestas (IEF),

atual INEA26

para a implantação do cultivo agroecológico de plantas medicinais nas

26 A organização governamental responsável pela gestão do PEPB fundiu-se a outros

órgãos estaduais com competências similares formando o Instituto Estadual do Ambiente.

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propriedades dos agricultores inseridos no Parque Estadual da Pedra Branca. Após anos de

negociação chegaram a uma redação conjunta de um termo de cooperação técnica entre as três

associações de agricultores, o órgão ambiental e a Fiocruz como mediadora.

A procuradoria da Fiocruz, após análise acurada, aprovou o teor do documento. O

mesmo não ocorreu junto a gestão das áreas protegidas do governo estadual. Sem esse aval do

INEA, até essa data, o Profito não obteve êxito na implantação dos SAFs nas propriedades

dos agricultores como previsto anteriormente.

Apesar desse contratempo, há um entendimento que a experiência do Profito trouxe

uma visão socioambiental para todo o estado do Rio de Janeiro. Algo se fortaleceu na luta de

tantas comunidades locais que vivem no entorno imediato ou mesmo no interior de unidades

de conservação integral. E, esse benefício é do âmbito do fazer crer, do poder simbólico

enquanto manifestação de um conceito mais amplo de comunicação.

Quatro situações decorrentes das dinâmicas e narrativas durante a primeira reunião

participativa foram apresentadas para priorização. Uma foi designada como saúde tradicional,

expressão com o sentido das práticas populares de cuidado com a própria saúde, o que inclui o

uso de plantas medicinais. A segunda opção seria o acesso à saúde pública, incluindo a

relação com as unidades de saúde das comunidades ou a demanda por Estratégias Saúde da

Família (ESFs) conforme consolidado na Carta Política do III EMA. Outra situação foi a

relação com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) importante para a

consolidação dos produtos e intimamente relacionada com a última situação apresentada, o

acesso a mercados.

A primeira sugestão veio da agricultora Madalena Gomes ao priorizar a saúde

tradicional, seguida por Luiz Santana e Cláudio Avelino da Costa que pediram prioridade ao

tema acesso a mercados. Uma intensa troca de impressões e diálogo se desenrolou sendo três

argumentos determinantes: o primeiro a noção de que prioridade não exclui as outras

demandas; acesso dos produtos agrofamiliares do Maciço da Pedra Branca a mercados “bem

ou mal já começou”, disseram os presentes. O projeto da ASPTA tem foco nesse acesso a

mercados, diz Bernardete Montesano. Annelise Fernandez também fez ver que o uso e

O Inea foi criado pela Lei Estadual nº 5101 de 4/10/2007, mas apenas em 2009 foi

instalado.

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afirmação das plantas medicinais no âmbito cultural pode fortalecer o acesso a mercados.

Ficou então decidido focar em práticas tradicionais de autocuidado na saúde a partir de 2014.

A segunda reunião participativa prevista em nosso caminho de pesquisa ocorreu sob

a coordenação de Claudino Nicolau e Rosângela Mangilli, ambos da Associação Feira da

Roça de Queimados. Estivemos reunidos no dia 17 de fevereiro de 2014 na sede da Secretaria

de Desenvolvimento Rural e Agricultura de Queimados (Fig. 12). O objetivo foi construir o

que Chavez-Tafur (2007) considera como “novo conhecimento” sobre as ações, serviços,

projetos e politicas de plantas medicinais em nosso território. As instituições públicas e da

sociedade civil presentes tiveram oportunidade de expressar seu comprometimento com o

tema. Ouvimos o Sr Francisco Caldeira descrevendo o Projeto Profito e suas novidades.

Apresentamos a síntese dos resultados parciais dessa pesquisa como primeira entrega dos

resultados aos coautores e integrantes do trabalho.

Figura 12: 2ª reunião participativa na Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Queimados (RJ)

Fonte: Acervo próprio.

Após esse período de exposições abrimos uma análise dispondo os desafios e

oportunidades, produzindo o resultado sistematizado no documento chamado “O consenso de

Queimados”:

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“Queremos pautar as plantas medicinais nas políticas públicas e usá-las em nosso dia

a dia. No entanto que seja para todos e coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de

forma não transparente. Nesse dia integramos o território da zona oeste com a Baixada

Fluminense como parte da Articulação Metropolitana de Agroecologia que vive a realidade da

produção, uso e comercialização de plantas medicinais.

Identificamos que não há valorização do saber popular. Há um descrédito e falta de

confiança, também entendida como falta de entendimento da eficácia simbólica, falta de

credibilidade e diferentes interpretações sobre a legitimidade do conhecimento dos povos e

comunidades tradicionais. Apontamos como solução ações para estimular a cultura utilizando

a comunicação e a informação como repertório.

Chamamos a atenção para a saúde do produtor. Conforme consta na Carta Política do

II Encontro Metropolitano de Agroecologia, reivindicamos: “Implementação da Estratégia

Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas

alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais”. Isso exige entre outras

coisas a formação dos profissionais de saúde.

No entanto, plantas medicinais como são processadas muitas vezes não são de fácil

acesso para as pessoas. Há necessidade de fornecimento de drogas vegetais no SUS. Que haja

formas de compra direta da agricultura familiar. Os diversos usos das plantas, suas diversas

linguagens e possibilidades de vários arranjos também devem ser estimulados e alinhados às

práticas agroecológicas.

Frisamos a importância do estudo das diferentes plantas e seus usos. Um estudo

importante é sobre a legislação relacionada ao registro, propriedade intelectual e patente.

Solicitamos trabalho nas escolas sobre a temática das plantas medicinais.

Tudo isso deve ser feito enfatizando a promoção dos intercâmbios e trocas de

conhecimento e incentivo ao modo de produção agroecológico. A ênfase deve ser posta nos

registro das experiências que já existem no território. O modo de produção agrícola deve

proporcionar a geração de renda como direito legítimo de agricultoras e agricultores.

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Como nem tudo é consenso, ficamos de amadurecer as concepções sobre a expressão

fé. Para alguns essa palavra dá margem para interpretar como “religião”. Para outros é

legítimo esperar que a saúde coletiva seja feita com integralidade (um princípio do SUS) o

que inclui entender o humano e cuidado do ponto de vista das diferenças inclusive religiosas.

Desse modo o novo conhecimento gerado diz respeito ao nível intermediário de

nossa visão de redes multiníveis. O coletivo anunciou o recorte de um território que agora

compreendemos ser um território de reciprocidade em torno do uso tradicional de plantas

medicinais. Isso se torna possível a partir de que se avance no sentido de coexistência e inter-

relação entre a informação científica e o conhecimento tradicional. Nesse cenário, as

instituições governamentais passariam a assumir esta reciprocidade preconizada pelo coletivo.

4.3 FEIRA AGROECOLÓGICA: TROCAS SIMBÓLICAS E COMUNICAÇÃO ORAL

Feira e Freire, Freire e feira, é um trocadilho que faz muito sentido. Percebo ao

caminhar a dimensão do tema gerador “alimentação” para essa comunidade discursiva que se

reúne no campo da agroecologia. Visitar uma feira com seus cheiros, sabores, cores, texturas

é mergulhar nessa rede de geração de sentidos que não está centralizada na palavra. Ou seja,

todo o ambiente da feira estaria sintonizado na geração de sentidos. A alimentação saudável,

livre de agrotóxicos vincula agricultores, consumidores, técnicos, pesquisadores.

As feiras orgânicas e agroecológicas pertencem a uma ampla rede de sentidos. Cada

vez mais pessoas se dão conta que os agrotóxicos são um atentado contra a sua segurança

alimentar e nutricional e consequentemente contra a sua saúde. As diferentes formas de

avaliação de conformidade orgânica trazem no selo uma síntese de informação e comunicação

que remete à essa rede. Qualifica a feira e consequentemente agrega valor à produção do

agricultor familiar.

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A feira, vista como um lugar de circulação de bens agrícolas e simbólicos não foi

posta a priori no ambiente de gestão do Profito. Houve em 2009, uma primeira aproximação

do setor com a participação junto a Comissão de Produção Orgânica do Ministério de

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (CPORG/MAPA) quando a equipe do Profito

protagonizou a Semana de Alimentação Orgânica em 200927

. Na ocasião houve uma

celebração na Feira Orgânica de Campo Grande. Anos depois, agricultores de Vargem Grande

apresentaram a demanda de uma feira da Roça no bairro. Essa demanda acabou sendo

renegociada. Aong ASPTA e a Rede Carioca de Agricultura Urbana, que é a organização que

inclui os agricultores que verbalizaram a demanda, priorizaram a implantação da Feira

Agroecológica da Freguesia28

.

Um pouco antes da inauguração da FAFRE, Márcia Cristina Oliveira Dias,

estudante de ciências sociais e extensionista da UFRRJ, produziu o registro de uma reunião.

Esse é um fato muito comum nesse trabalho em redes e um elemento sociotécnico valorizado.

Nesse texto Márcia codificou o pedido oral de um agricultor, Claudino Avelino da Costa:

gostaria de poder ensinar as pessoas o uso das plantas. Ter alguém que os orientasse sobre

para que serve cada tipo de planta. Ex. “a folha de goiabeira serve pra que?” Se ele soubesse

para que servem as plantas animaria as pessoas a comprar e utilizar o produto”.

Feirante do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, Claudino estava defendendo o

comércio em feiras. Chegou a levar para comercialização algumas espécies secas, rasuradas e

ensacadas. Na embalagem ele fez questão que colocassem seu nome como produtor. Atitude

essa que ao mesmo tempo que cumpria uma exigência da certificação participativa de garantia

orgânica, denotava também empoderamento diante de tantas restrições legais para o comércio

justo de plantas medicinais.

A partir desse pedido expresso por Claudino e dessa iniciativa começamos a olhar a

feira como lugar de circulação não só da planta em si como produto da agricultura familiar.

Enfim a feira tornou-se um duplo mercado: lugar de negociação de plantas e de saberes.

Segundo Claudino, a comercialização da planta estaria associada de perto com a informação

27 Registro em http://www.youtube.com/watch?v=FCGHUsxytxg

28 Matéria no site da ASPTA: http://aspta.org.br/2014/01/vamos-a-feira/

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veiculada junto com ela. Estaríamos então diante de um Mercado Simbólico. O agricultor-

feirante estava mais uma vez fazendo uma demanda e articulando em sua comunicação oral a

informação associada à comercialização.

Todas as quatro feiras visitadas durante da pesquisa apresentaram comércio de

plantas medicinais (Fig. 13). A Feira Orgânica de Campo Grande, a mais antiga delas tem um

comércio pequeno mas constante dessas espécies. Observamos entre os meses de dezembro de

2013 e fevereiro de 2014, a alocação dos produtos, os diálogos que se seguiam à compra das

espécies, registramos as espécies comercializadas. Nessa feira observamos a comercialização

de tinturas destinadas à homeopatia popular. Acontece também um arranjo entre os

produtores-fornecedores de plantas frescas e a produtora das tinturas.

Figura 13: As quatro feira agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Fonte: Acervo pessoal. Nota: Feira Agroecológica da Freguesia (no alto à esquerda); Feira da Roça de

Queimados (no alto à direita). Feira Orgânica de Campo Grande (em baixo à esquerda). Feira da Roça de Nova

Iguaçu (em baixo à direita).

A Feira Agroecológica da Freguesia é a que apresentou maior número de plantas

medicinais em diferentes barracas. Também encontramos lá derivados artesanais de plantas

medicinais. O agricultor José Antonio Pereira além de comercializar plantas frescas e mudas

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também vende o sachê de plantas desidratadas produzidas a partir das atividades do Profito. A

agricultora Juliana Diniz produz e comercializa uma coleção de farinhas cujo uso é medicinal,

comercializando também os sachês de plantas desidratadas. Na mesma feira encontramos dois

sabonetes artesanais feitos com extratos de plantas.

Na Feira da Roça de Queimados todas as barracas vendiam uma ou outra planta

medicinal. Não existia concentração de plantas em uma única barraca. No entanto a

veiculação de conhecimento sobre plantas e seus usos contribuiam para a encomenda.

Identificamos uma conversa usual sobre os benefícios dessa ou aquela espécie e sua influência

sobre a saúde. Nessa feira encontramos um xarope tradicional preparado por Rosângela

Mangili, descendente de indígenas do Paraná e radicada em Queimados há mais de 25 anos.

Esse também é o período que produz o xarope medicinal criado por seus antepassados.

A Feira da Roça de Nova Iguaçu tinha uma única feirante com apresentação de

plantas medicinais frescas em sua barraca. Diferente das demais apresentava outra barraca

com o comércio de remédios caseiros, sabonetes e xampus. Um desses preparados recebe o

nome de “arriba-touro” e é a típica garrafada contendo uma mistura de diferentes ervas

medicinais. Observamos a compra desse produto por diferentes homens, normalmente jovens

e eventualmente acompanhados. Nenhum deles quis conversar a respeito.

Um produto comum entre as três feiras é o noni (Morinda citrifolia). Assim como já

aconteceu com o confrei e com o inhame, aparentemente o uso do noni tornou-se um

modismo em nossa região. A espécie é um arbusto originário do Sudeste Asiático

(McClatchey, 2002). O cultivo do fruto está sendo adaptado à zona oeste do Rio de Janeiro e a

Baixada Fluminense sendo comercializado na forma de suco ou in natura. Foi a planta com

destinação medicinal mais comercializada em três feiras.

É o caso típico de uma espécie globalizada e portanto mais citada que alcança

maiores índices de comercialização que as plantas cujo lugar de origem são os biomas

brasileiros eventualmente não estudadas e não citadas. Estudo de Andrei N. Tchernitchin

(2010) apontou a maior porcentagem de venda são aquelas que incluem mais componentes e

espécies de uso reconhecido globalmente.

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Entre as demais foram citadas 64 espécies e as mais citadas foram a cidreira, a

panaceia, o chapéu de couro e a alfavaca. Notem que esse não é um levantamento

etnobotânico e não há aqui o propósito de descrição de espécies nem de sua identificação

botânica ou usos.

Há casos de espécies vegetais com intensa semelhança e variados nomes populares,

às vezes designando mais de uma planta. A erosão do conhecimento tradicional disseminado

pode causar problemas de identificação e consequentemente de saúde aos usuários das

plantas. Selecionamos aqui um dos documentos derivados da Feira Agroecológica da

Freguesia demonstrando como as cópias do livro “Plantas medicinais no Brasil”, de autoria de

Harri Lorenzi e Francisco Mattos (2008), doado pelo Profito às associações de agricultores

são fonte de informação para os consumidores. O agricultor José Antonio Pereira costuma

disponibilizar cópias do livro (Fig. 14). Segundo ele, os consumidores estão sempre

perguntando e foi justamente para facilitar esses processos de consulta que a obra de

referência foi doada. Trata-se, portanto de acesso à informação científica no ambiente das

feiras.

Figura 14: Utilização de cópias de um livro especializado na informação científica aos consumidores na FAFRE.

Fonte: Acervo pessoal.

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Constantemente seu pai Arlindo Pereira está junto na barraca da feira. Sendo uma

das pessoas de referência do conhecimento tradicional de uma das comunidades do Maciço da

Pedra Branca. Quando o José Antonio Pereira apresenta o recorte do livro, ocorre então esse

processos de cotexto, quando a informação aparece explícita. No entanto essa informação

científica apenas se materializa nesse micromeio (a cópia) pela presença prévia nas memórias

individuais e coletivas.

Outra agricultora, Dalila Sylvia Santos, em seu trabalho no cultivo e comercialização

de plantas medicinais fez um interessante relato. Contou que estava muito ansiosa para

conhecer o pau-ferro, uma planta introduzida no SAF medicinal da comunidade onde reside,

Rio da Prata. Perguntei se ela não tinha curiosidade de pesquisar o livro que a associação

ganhou. Ela confirmou o acesso ao livro mas não demonstrou interesse em utilizar a obra para

obter informações. Problematizando essa situação identificamos que o formato do livro não é

adequado para todos os perfis. Dalila sugeriu uma informação mais condensada, tipo um

folheto ou cartilha.

Os dois casos demonstram não só a relação entre a informação científica e a

tradicional, mas a demanda por popularização da ciência em formatos adequados ao perfil

sociocultural dos produtores e consumidores. E, como esse perfil tem grande ênfase na

comunicação oral, a conversa é o seu principal meio de comunicação que passaremos a

analisar na próxima seção.

4.3.1 Práticas De Comunicação Nas Feiras Agroecológicas

Entendemos a comunicação como Mercado Simbólico, um modelo conflitual onde os

interlocutores tem acesso desigual. Por isto, perseguimos "a possibilidade de se mudar as

regras do jogo, a partir da periferia do poder; possibilidade dos mais fracos intervirem na

construção de um mundo cujo princípio de ordem seja o reconhecimento recíproco”.

(ARAUJO, 2002). Esse reconhecimento e essa reciprocidade encontra na feira um ambiente

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propício. Ela é um lugar de valorização da tradição agrícola possibilitando ao agricultor

familiar, um novo lugar de interlocução.

Nos apoiamos na problematização do já citado Claudino Avelino da Costa ao dizer:

“os médicos ouvem a gente lá na feira, até artista aparece e fica assim admirando o que a

gente faz”. O agricultor, que atua no Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, na zona sul

carioca, está se referindo ao reconhecimento que adquire na interlocução com outros

consumidores.

Ao acompanhar as conversas informais que se passam no ato da compra de plantas

medicinais percebemos esse lugar de interlocução onde o agricultor é mais central. Ele se

coloca no lugar de saber-poder sobre a sua produção. O consumidor ao perguntar e declarar

seu desconhecimento se põe na periferia do saber. Isso se dá não apenas em relação às

medicinais, mas na compra dos demais produtos orgânicos e agroecológicos.

Observamos o sistema total ou o conjunto de relações entre produção-consumo de

alimentos onde plantas medicinais estão presentes. Há muitas frutas, verduras e legumes não

convencionais em circulação nessas feiras. Conhecemos novas espécies do sistema

agroalimentar local no caminho da pesquisa. Experimentamos esse lugar de não-saber ao

indagar o que é pitomba, bacupari, coco tucum, espécies não convencionais comercializadas

nas feiras. Vivenciamos a satisfação do lugar central do conhecimento tradicional sobre a

agrobiodiversidade explicitado pelos agricultores.

Quando consumidor oferece a atenção, o olhar, a pergunta e se põe no lugar da

ignorância, forma-se essa relação onde o agricultor exerce a dádiva do seu conhecimento que

não está ligado a mercantilização. Ele doa seu conhecimento explicitado na palavra.

Vivenciamos na feira da Freguesia um momento que demonstrou isso. Uma consumidora

pergunta por capim limão. Na banca há uma planta parecida. O agricultor Washington Adam,

cujo apelido é Gaúcho, informa a senhora que se trata de citronela e não capim limão.

Conversam sobre a citronela e suas propriedades repelentes. A senhora não compra a planta

fresca. Em contrapartida encomenda uma porção de repelente para animais domésticos que

Gaúcho vende a R$ 5,00 (cinco reais). E diz: “Depois eu te ensino a fazer”. Ou seja,

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comercializa e ao mesmo tempo socializa a fórmula do repelente veterinário29

. Identifico esse

fato com a reciprocidade na economia e no cuidado. A lógica mercantil não é ceder fórmulas

e receitas, mas escondê-la na busca do lucro.

Não encontramos nenhum episódio público de controvérsia ou conflito. No entanto

foi como se a insegurança estive presente como um dos elementos quase humanos descritos

por Bruno Latour (1997). Essa falta de segurança aparecia no silêncio dos consumidores e nas

declarações dos agricultores. Madalena Gomes, contou um episódio, que permanece em sua

memória. Era, segundo ela o início da implantação da Feira Orgânica de Campo Grande,

havia a exposição e venda de remédios caseiros. “Um pessoal, acho que lá da serra, Petrópolis

ou Teresópolis, que vinha e vendia essas pomadas, tinturas. Um químico de uma universidade

avisou: ‘Vou retirar isso daqui’. Tempos depois o grupo deixava de trazer os produtos para a

feira”.

Sônia é consumidora de plantas medicinais frescas. Conhece há mais de dez anos a

produção dos sítios dos agricultores com quem estabelece esse arranjo comunitário. Eles

fornecem a planta fresca. Ela produz tinturas homeopáticas. Afirma: “Eu sou uma mulher da

roça, mesmo na cidade fica aquela lembrança da avó, do chazinho. Antigamente era a avó, era

o chazinho... Fica já gravado”. E faz um gesto de retorno, de reminiscência.

A Cuidadora é estudante dos cursos de extensão de homeopatia popular ministrado

pela Universidade Federal de Viçosa. São cursos muito solicitados no território rede por onde

caminhamos na pesquisa. Conta que há seis anos tem estudado o uso das plantas e aplicado

em seus atendimentos como terapeuta holística. Também apresenta uma busca de informação

na internet através da ajuda da filha e o uso do livro Plantas Medicinais do Brasil (LORENZI

E MATTOS, 2008). Problematizamos o conhecimento recebido dos pais e avós. Porque não

procurar aumento de conhecimento junto a especialistas também tradicionais, como erveiros e

raizeiros? Sônia então responde: “para me sentir segura”.

Em outro momento ela recorda a série exibida pela revista eletrônica Fantástico, das

organizações Globo. Entre o dia 29 de agosto e 25 de setembro de 2010, uma série de

29 Estaria o agricultor produzindo mais uma novidade?

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programas e as matérias apresentaram ao Brasil as mazelas do uso popular e tradicional de

plantas medicinais. Foi a exibição da série “É bom para quê?” (SEGATTO, 2010) cujo

protagonista, foi Dráuzio Varella, conhecido como o médico mais popular do Brasil. O

episódio investiu com vigor na demonstração das deficiências da prescrição, da dispensação e

da pesquisa científica de plantas medicinais e fitoterápicos no SUS, nas universidades. Estas

matérias provocaram um conjunto de manifestações, respostas e debates na internet.

Organizações e instituições do setor se manifestaram publicamente. Um conjunto de

populares também colocou seus pontos de vistas nos comentários diretos no site da Revista

Época ou nos inúmeros blogs que replicaram as matérias produzidas pelas Organizações

Globo de Jornalismo.

A narrativa jornalística não fez acusações diretas, mas em dois momentos a edição

sugeriu práticas de charlatanismo ou curandeirismo associada a médicos e pesquisadores. Na

primeira sequencia, o médico Drauzio Varella afirma que a “popularidade dos chás e das

infusões não tem sido acompanhada de pesquisas. A falta de pesquisa abre espaço para

tratamentos inúteis, para a demora em buscar assistência médica adequada e para a prática do

charlatanismo”. Exatamente ao fim da palavra charlatanismo, surge a imagem do pesquisador

da Embrapa Osmar Lameira com a legenda: “o agrônomo Osmar Lameira receita preparados

com plantas na sede da Embrapa em Belém”.

A série do Fantástico continuou por semanas nessa linha de ação. A Embrapa,

tempos depois, apresentou uma defesa do seu pesquisador. O Ministério da Saúde também

veiculou uma nota tempos depois, sem mencionar a série fantástica, mas para a comunidade

discursiva ficou claro a que e a quem se dirigia. A consumidora Sônia não foi a única a

relembrar essa série. Outro consumidor nas feiras, não identificado, também relembrou o

episódio. A expressão curandeirismo volta e meia aparece nas conversas informais e até em

eventos oficiais.

Sobre esse assunto entrevistamos Rita Caseiro, diretora geral da Associação dos

Agricultores de Rio da Prata. Rita é herdeira da comunidade tradicional do Maciço da Pedra

Branca onde recebeu de pais e avós a tradição do autocuidado através das plantas medicinais.

Cultiva algumas espécies para seu próprio uso ou para doar à rede comunitária. A nossa

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interlocutora, no entanto, também é advogada. Mantém volumosos livros jurídicos ao alcance

das mãos. Entre eles o código penal brasileiro.

A advogada relembra que está no inscrito o artigo 273 dizendo que “a venda de

produtos não registrados é crime grave contra a saúde pública” (Cód. Penal Art. 273 § 1º B-

1). Relê também que “exercer o curandeirismo, prescrevendo, ministrando ou aplicando,

habitualmente, qualquer substância; usando gestos, palavras ou qualquer outro meio ou

fazendo diagnósticos” (Cód. Penal Art. 284). No entanto lembra que o código penal é

estabelecido pela Lei 2840 de 1940. Está cheio de contradições. “Essa não é a única

contradição com a Constituição Federal”, afirma Rita Caseiro.

E essa presunção de crime foi reforçada no imaginário de alguns entrevistados

através desse evento midiático protagonizado pelo médico Dráuzio Varella. Algumas pessoas

no entanto apresentam bastante segurança no uso das plantas medicinais e na sua

comercialização.

Analisamos trinta e sete trechos de entrevistas buscando o duplo registro da

informação científica e do conhecimento tradicional expressa na comunicação informal dos

produtores e consumidores. Adicionamos na mesma tabela dois fragmentos de documentos do

Profito e um da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Organizamos os dados em

uma tabela, iniciando pela data (formato: ano, mês, dia), citando o local onde a entrevista foi

realizada, o código do registro, a citação ao conhecimento tradicional e a informação

científica e uma análise parcial. Iniciando a citação colocamos a letra indicativa do segmento

que o entrevistado pertence. Agricultor (A), Consumidor (C) ou Consumidor e Técnico (CT).

Na análise parcial iniciamos pela expressão indicativa da categorização feita no fragmento de

texto.

Identificamos três categorias: a coexistência, a menção simples a informação

científica ou ao conhecimento tradicional e finalmente o conflito ou disputa entre as duas

formas de informação. Para identificarmos o conhecimento tradicional utilizamos como

indicador a menção aos antepassados ou à etnia, ou a alguma reminiscência passada. A

agricultora Rosângela Mangilli, por exemplo, produz e comercializa um xarope de guaco há

25 anos. Ela se apresenta como neta de indígenas e afirma que seu pai de codinome Baiano,

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era um reconhecido especialista local. “Se for na minha casa é só perguntar pela filha do

Baiano. Todos o conhecem. Ele era muito consultado sobre o uso de ervas”. Compreendemos

que a palavra tradição não aparece muitas vezes no vocabulário dos entrevistados. No

depoimento acima, a alusão à etnia é uma forma de reivindicar a tradicionalidade. A

informação científica apareceu sobre a forma de alusão ao profissional médico, o sistema de

nomeações típicas do sistema biomédico.

Em dezenove casos apareceu a coexistência entre informação científica e

conhecimento tradicional. Desses, dez casos foram proferidos por agricultores e nove por

consumidores. Dentre os consumidores dois também são técnicos. Outros dois manipulam e

comercializam produtos derivados de plantas medicinais.

A situação problema que deu origem a esse recorte de pesquisa foi registrado na

forma linguística escrita em um documento do Profito.

O agricultor fala que gostaria de poder ensinar as pessoas o uso das plantas.

Ter alguém que os orientasse sobre para que serve cada tipo de planta. Ex. “a folha de goiabeira serve pra que?” Se ele soubesse para que servem as

plantas animaria as pessoas a comprar e utilizar o produto. O profissional

esclarece que a Fiocruz como instituição não pode dizer para que serve cada

planta. Não pode fazer prescrição. Ele fala sobre o livro que tem as plantas catalogadas e que foi produzido para os agricultores.

Essa é a situação típica que uma pesquisa não convencional pode dar conta. Repito a

citação de Magda Soares (1992) para defender “um reconhecimento do eu como objeto de

pesquisa possível, porque, na verdade o eu somos nós" (Soares, 1992, P.126). Preciso me

posicionar na primeira pessoa. Eu poderia ter dito isso. Na realidade eu repeti isso muitas

vezes. Esse episódio é um indicador da dualidade a que são submetidos os envolvidos

profissional ou voluntariamente no campo das plantas medicinais e na medicina tradicional. A

minha própria dualidade provocou a identificação de uma situação potencialmente

conflituosa. Um sentido semelhante apareceu no diálogo com o presidente da Associação

Feira da Roça de Queimados (Aferq).

O diretor-presidente da Aferq, Claudino Nicolau, pediu informações sobre o açafrão

da terra (Cúrcuma longa). Entrego um impresso da Embrapa, explico que não me sinto à

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vontade para falar de minha experiência. Explico que, naquela situação eu estava como

pesquisadora e não enquanto membro da comunidade tradicional. Minhas palavras soaram

como uma senha. O Claudino disse:

Você chegou onde eu queria. Tem uma senhora aqui na feira que vive dizendo: essa planta serve para tal doença, aquela para isso... Pensei em

fazer uma plaquinha onde diria: Feira não é lugar de receita.

Relatou que esse tipo de informação prejudica a feira. Em nossa interpretação o

discurso apresenta uma repressão à liberdade de expressão e um desconhecimento dos direitos

culturais.

Outra situação típica de uma relação não harmônica entre a ciência e a tradição está

registrada em vídeo. Trata-se de uma liderança que passou pelo curso de capacitação do

Profito e que, durante uma palestra afirmou: “O desenvolvimento desse mercado deve ser à

luz do conhecimento científico, é muito importante respeitar a tradicionalidade... o chazinho

da vovó salvou muita gente, mas matou também...”. Mais adiante reforça a ênfase na ciência

ao afirmar: “O produto é feito com identificação botânica”.

Madalena Gomes apresenta a contradição entre o Cuidado recebido tradicionalmente

no passado presente e a proibição legal, referindo-se ao curandeirismo no código penal.

Questiona: “Antigamente não tinha médico. Minha avó fazia remédio do mato, eu faço

também. É proibido porquê”?

Valdecy Souza compra plantas e as transforma em remédios caseiros, xampus,

sabonetes. Ela relata: “A freguesa perguntou: É comprovado cientificamente? Eu respondi:

Para mim é [comprovado cientificamente] eu usei e deu certo”. Essa expressão é muito

comum nos diálogos da feira. Demonstra uma noção da ciência como se fosse um sistema

total. Como se, diante de um conjunto de remédios caseiros produzidos a partir de diversas

plantas a pergunta “é comprovado cientificamente” fosse apropriada. É um choque de

epistemologias distintas e um senso comum sobre a ciência. O sistema de conhecimento

tradicional atua na totalidade da coisa conhecível. A pesquisa científica vê a particularidade.

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Na Secretaria de Saúde de Queimados, três dos depoimentos deixaram a certeza de

que o fenômeno dessa coexistência pertence não só a agricultores. A secretária de saúde de

Queimados apresentou um conhecimento tradicional sobre plantas medicinais recebidos

horizontalmente, ou seja, dentro da mesma geração. E, diferente de muitos médicos

demonstrou uma capacidade de escuta dos usos de seus próprios pacientes.

Na faculdade não recebi nenhum conteúdo sobre plantas medicinais. Sou

médica aqui em Queimados há mais de 20 anos. Cheguei logo que me formei. Então encontrei as pessoas falando sobre isso. Fui ouvindo e

aprendendo. Até que um dia meu filho apresentou um problema e as pessoas

me disseram que eu usasse uma determinada planta. Eu usei, pensando, não

poderá fazer mal. Agora uso fitoterápicos da Centroflora, mas as farmácias aqui não vendem esses produtos além de serem caros. Então não dá para

prescrever.

Marisa Pimentel, Diretora do Departamento de Atenção Básica - SEMUS

Queimados/RJ também demonstra vínculo com o tema plantas medicinais. “Eu sou de Nova

Iguaçu. Meu pai plantava. Há alguns anos comecei a me interessar por alimentação saudável.

Passei a plantar também". Aqui é remédio de mato para cá, remédio de mato para lá. Segundo

a diretora, os agentes comunitários de saúde tem fortes vínculos com o tema. Nunca foram

capacitados para tratar do assunto e também não tem acesso a uma fonte de dados sobre o

assunto.

Nádia Ferreira, gerente do Núcleo de Atenção à Estratégia Família da Saúde também

descreve como seu quintal é repleto de plantas medicinais. Seus pais que vivem há muitos

anos na cidade de Queimados mantém o cultivo doméstico e urbano. Nádia no dia da

entrevista estava resfriada. E disse: “Agora mesmo tomei um chazinho para a gripe”.

Assim como a secretária e os profissionais de saúde, doze depoimentos apresentaram

apenas uma ênfase no conhecimento tradicional, não apresentando qualquer problematização

com a informação científica. Algo como se outra informação sequer existisse. Não é que

houvesse conflito ou dualidade. A informação não apareceu no discurso.

Bem diferente de todos os demais foi o depoimento do agrônomo Márcio Mendonça.

"Desde cedo despertei para o meu autocuidado. Fui criado junto com minha avó. Ela usava as

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plantas medicinais no cuidado com a família. Então mesmo antes da faculdade eu já usava.

Logo comecei a estudar Botânica. Fiz depois vários cursos com erveiros e raizeiros". Márcio

continuou dizendo que o ideal é que não houvesse essa diferenciação entre a informação

científica e o conhecimento tradicional. “São apenas formas de conhecer”, afirmou.

Proveniente dos documentos do Profito, destacamos dois trechos. Um deles tem a a

palavra do diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe, registrados no site de Farmanguinhos. “É

muito importante mostrar que os fitoterápicos não são apenas o chazinho da vovó. Temos uma

boa oportunidade para mostrar o potencial científico das plantas medicinais e explorar este

potencial”.

O documento do Profito que descreve as ações do último subprojeto aprovado pela

Cooperação Social da Fiocruz assim se pronunciou:

O modelo pressupõe uma matriz de decisão capaz de cruzar informações

originadas no conhecimento popular e tradicional com os estudos científicos, com as demandas epidemiológicas do SUS, com as de caráter agronômico,

bem como as informações do mercado das espécies propostas. Considera-se

também se a referida espécie ocorre no bioma em questão, no caso deste território, Mata Atlântica. Após seleção das espécies, os agricultores fazem o

processo de exsicatas para identificação e determinação botânica.

Outras práticas de comunicação, além da conversa informal, aparecem nas feiras

agroecológicas. Seu registro nesta pesquisa pretende demonstrar que, mesmo sem recursos os

agricultores tem seus micromeios de comunicação. Os meios materiais identificados nessas

práticas são: impressos em papel eventualmente plastificados, placas de madeira, cartazes,

bilhetes, cartas enviadas por correio e fotografias (Fig. 15). O uso de emails e outras

ferramentas virtuais como site, blogs, redes virtuais, entre os agricultores é quase inexistente.

O telefone celular é mais disseminado que o fixo, em desuso. O sms30

, serviço de mensagens

curtas, mais conhecido como ‘torpedo’ é pouco utilizado.

30 Do inglês short message serviçe

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Figura 15: Micromeios de comunicação nas feiras observadas.

Fonte: Acervo pessoal.

No entanto, no que diz respeito às parcerias e apoiadores das feiras o uso de emails,

sites, blogs é muito disseminado. Escreve-se muito na internet sobre a agricultura da região

metropolitana do Rio. Captamos uma relação entre as feiras e as redes virtuais demonstrada

na figura 16. Uma das feiras onde atuam agricultores que integram o Profito apresenta o

quadro melhor ilustrado de conexão da feira com um site de relacionamentos. Uma réplica

dessa ligação apareceu também na Feira Orgânica de Campo Grande, como uma novidade

dessa época conectada.

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Figura 16: Representação das feiras conectadas a ambientes virtuais.

Fonte: Fotos da esquerda são do acervo próprio. As demais são imagens publicadas no site de relacionamentos

Facebook.

Acompanhamos as duas páginas do site de relacionamentos facebook que levam o

nome de duas das quatro feiras observadas. A mais antiga das páginas chama-se Feira

Agroecológica da Freguesia31

. Até março de 2014 contava com 1031 seguidores. A mais

recente é a página da Feira Orgânica de Campo Grande32

com 145 adesões ou curtidas até o

momento final dessa pesquisa. Acompanhamos as duas páginas diariamente entre novembro

de 2013 e fevereiro de 2014. Durante esse período a primeira página apresentou 126

postagens e a segunda 191. Escolhemos intencionalmente três dessas postagens para

demonstrar a diferença de perfil entre uma página e outra.

A página da feira de Freguesia apresentou nesse período uma ênfase nas pessoas que

produzem os alimentos. Demonstrou eventos realizados na própria feira e reproduz conteúdo

político sobre as redes e articulações a que pertencem os feirantes. Tem 67% de postagens

originais. A página da Feira Orgânica de Campo Grande tinha apenas 24% de postagens

31https://www.facebook.com/feiraagroecologicafreguesia?fref=ts 32https://www.facebook.com/pages/Feira-Org%C3%A2nica-de-Campo-Grande-

RJ/1400430803531793?fref=ts

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próprias. Enfatizou a qualidade do alimento orgânico. Não enfatizou as pessoas da feira,

embora elas apareçam eventualmente. Em nenhuma postagem desde a sua criação, a página

de Freguesia se refere à plantas medicinais. Na ocasião era a feira que mais comercializou

plantas medicinais das quatro observadas no caminho da pesquisa.

Encontramos também um misto de informação e comunicação em impressos

anunciando o noni. Um dos feirantes que comercializa essa fruta e sucos prontos, nos cedeu

essa cópia. Fizemos então o clássico teste do google. Colocamos na ferramenta de busca um

fragmento de texto extenso o suficiente para identificar o impresso. Quase não foi surpresa ao

deparar que o conteúdo do folheto distribuído é integralmente retirado de um blog, chamado

Ultramedicinal33

.

4.3.2 Imagens do SUS entre feirantes e consumidores

Do processo de observação participante junto aos consumidores ficou um

aprendizado muito importante. Nada, porém causou uma impressão tão forte como a fala de

um consumidor que prefere não se identificar, registrada no diário de campo. Vamos chama-

lo de Jonas Moura. Formado em administração, servidor público, pode ser considerado de

classe média alta. Tem três empregos, renda acima da média, carro, plano de saúde,

escolaridade superior. Encontramos esse senhor quase todos os sábados que estávamos na

Feira Orgânica de Campo Grande. Ele tinha acabado de comprar folhas de babosa (Aloe vera)

do agricultor Arnaldo Avelino da Costa, integrante do Profito desde seu início.

Depois que o consumidor me descreveu o seu uso de plantas, como se sentia em

relação ao uso diário do suco verde, como se sentia muito mais saudável, eu ousei perguntar

sobre sua relação com a medicina ocidental. Jonas me olhou e calmamente disse: “Olha, eu

tenho uma imagem. Isso é um negócio”. Passou então a descrever como via a biomedicina.

33http://ultramedicinal.blogspot.com.br/

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Como principalmente isso custa caro para sua família e como se sentia aprisionado num

sistema de consumo de substâncias químicas.

Nosso interlocutor mal conheceu o pai que faleceu quando ainda era bem pequeno. A

perspectiva do aprendizado intergeracional que costuma caracterizar o uso tradicional é

portanto bem diminuta no caso. Perguntei em seguida por que ele comprava plantas

medicinais na feira. Sua resposta foi a relação de confiança construída com esses agricultores

há mais de seis anos e os resultados em seu bem estar. Notamos aqui outro tipo de confiança

construída na interlocução com o conhecimento tradicional. É diferente da confiança derivada

da informação científica inserida num rótulo oficial ou em uma exsicata, por exemplo.

No início da entrevista já tinha registrado a observação do entrevistado sobre o papel

do que denominamos dádiva naquele pequeno mercado local. Ele colocou o mundo médico

ocidental que qualificou de negócio em oposição com o modo de vida dos agricultores e a

relação de Cuidado estabelecida ali. Segundo ele na feira é “um ajudando o outro”. Outro

fator de confiança demonstrado por Jonas é o resultado obtido em seu bem estar.

Em relação ao vínculo com a medicina e com o SUS, a situação descrita por Jonas

Moura, é diferente do caso a seguir. Conheci Maria Auxiliadora na Feira da Roça de

Queimados. Com 76 anos, Maria é agricultora, nordestina, erradicada em Queimados há 46

anos. Em seu ponto de venda na feira vende frutas e legumes não convencionais por

excelência. Em uma de minhas vivências observei um ramo de folhas de guandu separado em

um canto da barraca. Presumi que era para fins medicinais e perguntei. Maria me deu uma

aula sobre a folha de guandu e seu uso para dores. Essa era a encomenda de uma consumidora

que mais tarde chegou para pegar as folhas de guandu. Contou as queixas da mãe que passava

por período de fragilidade na saúde e para o qual os médicos não conseguiam dar respostas.

Percebi o vínculo que Maria apresentava com o conhecimento tradicional de plantas.

Fomos então nos aproximando e criando uma relação afetiva. Fiquei sabendo que perto de seu

sítio e residência havia a sede da ESF Santo Expedito. Propus então um trajeto ecológico no

sítio e comunidade do Chapadão, lugarejo do bairro de Santo Expedito no município de

Queimados.

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Saímos de ônibus do centro de Queimados em direção ao bairro de Santo Expedito.

Pela primeira vez eu estava visualizando a periferia da periferia metropolitana. Se Queimados

já é tido como um município periférico, o bairro visitado já estava situado próximo à fronteira

com Nova Iguaçu, outro município da região metropolitana do Rio de Janeiro. De todos os

lugares que conheci em Queimados esse foi aquele com maiores características rurais. A falta

de calçamento, a poeira, o tamanho dos sítios, as distâncias, a predominância do transporte de

bicicletas e carroças anunciavam essa ruralidade identificável, mas não legalmente assumida

pelo município como descrevemos acima.

Providencialmente descemos em frente à ESF de Santo Expedito. Maria me

convidou a conhecer a unidade de saúde. Um pouco reticente aceitei. Ela chegou e convidou

Amanda Soares, nome fictício para sua agente comunitária de saúde (ACS). Em poucos

minutos a ACS chegou me dando a oportunidade de também criar minha própria imagem

mental sobre o vínculo desejado com a saúde pública. Não, não tirei uma fotografia. Não seria

adequado. O abraço e a prosa entre Amanda e Maria Auxiliadora deixaram em mim uma

clara imagem do que seja o vínculo.

Mais tarde Maria contou sobre o diretor da unidade e sobre o suporte que ele

rotineiramente dá a ela e seus vizinhos. Apesar de morar sozinha e ter uma idade que já

inspira cuidados, sinto que Maria está segura por ter essa rede comunitária de cuidado.

Entre os quatro municípios visitados, nessa pesquisa, são os agricultores de

Queimados que tem a cobertura da ESF mais regular. Os agricultores de Marapicu estão na

área adstrita de uma ESF mas reclamam a temporalidade da presença do médico. Os

moradores desse bairro de Nova Iguaçu descreveram a intermitência da presença dos médicos

e agentes comunitários de saúde na comunidade.

Também de Nova Iguaçu, a entrevistada Alzeni Fausto afirma que a prioridade é o

uso das plantas para o autocuidado. Tem plano de saúde e quase não utiliza. “Lá em casa

quase não vamos a médico. Tenho uma netinha e cuido com poejo, cidreira, guaco”. A

experiência agroecológica da Univerde, cooperativa agrícola dirigida por Alzeni, é cercada de

três unidades da ESF. Nenhuma delas dá cobertura no assentamento agrícola. Segundo a

agricultora, há planos de expandir a ESF até o seu local de moradia. Quanto a segunda parte

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da demanda da carta política do II EMA, adequação às práticas tradicionais, Alzeni afirma

que acha isso muito difícil. Diz que Nova Iguaçu tem uma resistência muito grande à

fitoterapia.

A região de Magé, onde mora nossa entrevistada Juliana Medeiros Diniz também é

servida por agentes de saúde mas não apresentam atendimento regular. Juju, como é chamada,

não recorda sequer o nome de sua agente de saúde.

O entorno do Maciço da Pedra Branca já foi qualificado por uma diretora do CMS

Cecília Donnangello como um vazio sanitário34

. No trato diário com agricultores locais

identificamos certa animosidade com o SUS. Alguns tem se orgulhado de permanecer por

mais de 30 anos sem ir ao médico (Fernandez, 2010). Outra agricultora com a renda bastante

baixa fez um plano de saúde em uma Clínica de bairro por sentir que não seria atendida pela

unidade de saúde pública mais próxima. Jacira paga então R$ 50,00 para uma clínica popular

do entorno do Maciço da Pedra Branca.

Recordamos que há uma dupla demanda registrada pelo III Encontro Metropolitano

de Agroecologia para as comunidades da agricultura familiar: "Implementação da Estratégia

Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas

alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais" (AARJ, 2012). Essa

demanda é encontrada em algum lugar. Observar esse fenômeno do vínculo com o SUS pode

levar os demais agricultores a se contagiar com a possibilidade de avançar na relação

beneficiando suas comunidades. Outras alternativas de interlocução dos agricultores com o

SUS aparentemente não deram frutos.

Queimados então se torna um caso oportuno. Revendo os dados do Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal descrito acima (páginas15-18), vejam o percentual de

vulneráveis à pobreza 33,68%, a mortalidade infantil igual à média nacional que é

extremamente alta. E a percentagem de mães chefes de família sem fundamental completo e

com filhos menores de 15 anos muito superior à média nacional, ou seja 25,77% contra

17,23% do Brasil.

34 Arquivo pessoal (Diário de campo e gestão)

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Para os entrevistados, a vigilância sanitária local não traz os sentidos da integralidade

em saúde. Alzeni diz que a Vigilância Sanitária local fez uma palestra com os feirantes e que

nunca incomodou. Renato, presidente da AFERNI relata que nunca foram incomodados mas

que “eles estão doidos para tirarem a gente daqui”... Jorge da Costa Pinto: acha complicado

"mexer com esse assunto". Pode atrapalhar os feirantes.

Como vemos os sentidos da saúde no território nem sempre são aqueles informados

pelos manuais e programas oficiais. Do reduzido acesso à serviços de saúde pública surge

uma demanda por acolhimento das práticas tradicionais em meio à construção de novidades

do campo agroecológico.

4.4 REDES TRAÇADAS PELA PARTICIPAÇÃO-PODER

Seguindo no rumo das práticas nos territórios, durante a primeira reunião

participativa ocorrida em 9 de dezembro de 2013, os integrantes do Profito apontaram as

organizações que, segundo sua percepção teria uma aproximação com seus interesses, e

prioridades. A quantidade de citações à mesma organização foi considerada como indicador

de proximidade. Assim, compreendemos que as três organizações que pontuam essas redes

são a Fiocruz, a ASPTA e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

A tabela (Tab. 8) abaixo foi elaborada durante esse encontro, quando, também,

alguém cobrou que se listassem os institutos da Fiocruz aliados a essa perspectiva da

reciprocidade. O pedido se tornou um consenso. Embora ninguém tenha dito isso da UFRRJ,

podemos compreender, pelo tamanho da universidade, que o caminho de mapear essas redes

intra institucionais é válido para uma e para outra.

Permeando essas organizações estão as Redes-organizações que variam do quase

grupo, como a Rede Carioca de Agricultura Urbana até as Articulações de Agroecologia,

tanto metropolitana, quanto estadual e a ANA, Articulação Nacional de Agroecologia. Essas

são as ligas, os vínculos que ligam as pessoas. A menor quantidade de citações obtidas por

essas Redes-organizações ocorreu por conta do poder acumulado pelas organizações

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institucionalizadas. Essas movimentam orçamentos consideráveis, utilizando recursos de

comunicação social. As redes e articulações populares não têm essa ação, eventualmente

passando despercebidas no território. No entanto, o fato de conseguirem fazer sentido para o

coletivo participante dessa pesquisa já demonstra o seu lugar de interlocução.

As organizações menos citadas na tabela 8 correspondem a dois grupos. Um primeiro

de organizações que não são reconhecidas como tal no território por corresponderem

eventualmente ao trabalho uma pessoa dedicada que não reivindica o nome de sua instituição

na comunicação local. E o segundo grupo correspondendo ao que Raffestin chamou de rede

suportada. Aquela que está diametralmente oposta ao grupo e à rede desejada, mas que é

indispensável para a obtenção dos objetivos e nesse caso à consolidação do território de

reciprocidade associado à biodiversidade.

Tabela 7: Lista de organizações que compõe a rede sociotécnica do território de reciprocidade na região

metropolitana do Rio de Janeiro.

Instituição ou organização Relevância Observações

Fiocruz

9

Foi apresentada a necessidade de se esclarecer os

institutos.

UFRRJ + PROEXT/ UFRRJ 8 (3 + 5) As pessoas inicialmente falaram apenas Universidade

Rural e só em seguida começaram a falar do Programa

de Extensão liderado por Annelise Fernandez.

ASPTA 8

Rede Carioca de Agricultura

Urbana

5

Rede Ecológica 5

Articulação de Agroecologia

do Rio de Janeiro

4

INEA 4 Houve um questionamento sussurrado: O INEA é

parceiro?

Governo Estadual 2

Governo Federal 2

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Instituição ou organização Relevância Observações

Rede Fitovida 2

Cooperativa Cedro 1

ABIO

Agroprata Pela primeira vez alguém distingue o Profito das associações. Parece correto pois cada vez é mais

evidente que há pessoas nas associações que não tem

vínculo com o projeto.

Agrovargem Pela primeira vez alguém distingue o Profito das

associações. Parece correto pois cada vez é mais

evidente que há pessoas nas associações que não tem

vínculo com o projeto.

Alcri Pela primeira vez alguém distingue o Profito das

associações. Parece correto pois cada vez é mais

evidente que há pessoas nas associações que não tem

vínculo com o projeto.

Associações de Agricultores da Região Metropolitana

Ficou faltando descrevê-las.

Capina

Ciep 165 Brigadeiro Sérgio de

Carvalho

Colégio Estadual Prof Teófilo

M. da Costa

Consea-Rio

Conselho Consultivo do PEPB

Instituto Maniva

IPHAN

Oficina do Cuidado – Núcleo

de Promoção da Saúde

Posto de Saúde (CMS Cecília

Donnangelo)

Prefeito

Rede Ecosol Zona Oeste

Secretaria Municipal de

Desenvolvimento e Economia

Solidária (SEDES)

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Instituição ou organização Relevância Observações

UFRJ

Vigilância Sanitária

Fonte: Descrição realizada durante a primeira reunião da pesquisa em 9/12/2013.

A partir da tabela acima, por iniciativa própria35

desenhamos um diagrama de rede

em três níveis. O primeiro corresponde ao que Raffestin (1993) chama de rede desejada (Fig.

17). Trata-se da metáfora para aqueles relacionamentos onde o sistema sêmico está mais bem

delineado, mais negociado. É a rede que tende para o grupo por sua homogeneização de

valores, signos, práticas. Naturalmente, em nossa observação isso não quer dizer ausência de

conflitos. Quer dizer que há uma identificação das potenciais interlocuções e maior incidência

de mediação entre os atores.

A figura abaixo corresponde, na interpretação pessoal desta autora, às proximidades

entre pessoas em instituições. Organizamos as três representações das redes com cores

significativas de um certo lugar de interlocução. As organizações públicas municipais foram

grafadas na cor azul. São elas: a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, a

Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil e o

Centro Municipal de Saúde Cecília Donnângelo. Aparece também a Secretaria Municipal de

Saúde de Queimados (Semus). As instituições federais tem apenas um círculo azul: São a

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a

Fundação Oswaldo Cruz.

As organizações da sociedade civil tem a linha externa verde. São elas: A ong

ASPTA, a Capina, a Cedro, o Pacs, a Abio. Há algumas organizações que se autodenominam

rede: A Rede Carioca de Agricultura Urbana, a Rede Ecológica, a Rede Fitovida, Rede de

Economia Solidária da Zona Oeste. Todas as associações de agricultores estão circuladas de

35 Realizamos uma oficina para analisar as proximidades e distâncias entre as organizações.

No entanto, as fotos utilizadas como registro da análise coletiva se corromperam,

impedindo sua reprodução. Assim, essa análise pessoal, precisa ser cotejada com a visão

dos demais integrantes do Profito.

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verde mas com o seu interior também preenchido de verde. Exceção para o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), presente na Baixada Fluminense, circulado de

amarelo por ser rede desejada para apenas parte do Coletivo Profito. Não há com o MST um

relacionamento próximo para a maioria dos atores presentes na reunião que anunciou essa

rede desejada.

As demais organizações de agricultores são: Associação de Agricultores do

Chapadão, Associação Feira da Roça de Queimados, a Associação Feira da Roça de Nova

Iguaçu, a Associação de Marapicu, a Cooperativa dos Agricultores de Magé (Copagé). No

município do Rio de Janeiro estão situadas as duas organizações que fundaram o Profito:

Associação de Lavradores e Criadores de Jacarepaguá (Alcri) e Associação dos Agricultores

Orgânicos da Pedra Branca (Agroprata), bem como a organização criada a partir do projeto, a

Associação dos Agricultores Orgânicos de Vargem Grande (Agrovargem). Essas três últimas

organizações junto com a UFRRJ e a Fiocruz são as fundadoras do Profito, assinaladas com a

letra “P”.

Ao fundo, como elemento de liga dessas organizações, com limites difusos

representamos também em verde a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Os limites

não definidos demonstram a característica de movimento da AARJ, bem como o nosso

próprio desconhecimento de sua abrangência.

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167

Figura 17: Diagrama de Rede Desejada

Fonte: Elaboração própria a partir das informações orais do coletivo Profito (Tab. 7) e da observação participante

A rede suportada é representa o conjunto de atores que são indispensáveis para se

atingir objetivos propostos no território (Fig. 18). Em nosso campo semântico a expressão

“suportada” denota algo pesado, difícil de ser tratado. Mas é essa a expressão originalmente

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168

utilizada por Raffestin (1993). Neste trabalho utilizamos a expressão rede necessária por dar

um sentido mais pragmático à distinção feita pelo autor. No caso tratado, nossa circunscrição

são as políticas e serviços ligados à plantas medicinais. A meta originária foi o cultivo

agroecológico de plantas medicinais, o que implica em geração de renda, participação política

e sustentabilidade ambiental, financeira e social. Então as organizações listadas na figura têm

alguma competência ligada a essa meta originária do Profito.

A rede necessária ao cultivo agroecológica de plantas medicinais está descrita com

os seguintes organizações: A Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, a Anvisa, o

Ministério da Saúde, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério de

Desenvolvimento Social (MDS), o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), o Instituto

Nacional de Patrimônio Histórico (IPHAN), a Visa-Rio, a SMSDC-RJ, o CMSCD, o Instituto

Estadual do Ambiente, o Conselho Consultivo do Parque Estadual da Pedra Branca, o Ciep

165 Brigadeiro Sérgio de Carvalho, o Colégio Estadual Professor Teófilo Moreira da Costa, a

Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro.

Essas instituições estaduais foram representadas com a cor castanha, assim como os

quatro grupos de pesquisa estão com a cor amarela. Acrescentamos esses grupos como

intenção futura para relacionamento. A proximidade deles está posta por dispositivos de

informação. Ou seja, o que esses grupos informaram produz uma ligadura, uma conexão. São

eles: GP Cidade, Aldeia e Patrimônio (Universidade Federal do Pará), o GP Medicina

Veterinária Preventiva/Saúde Pública (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o GP

Etnoikos: Pesquisas em Etnociências (Universidade Federal de Viçosa), o GP Recursos

genéticos e conhecimento tradicional associado (Universidade Federal de Roraima).

Registrar essas instituições e organizações não significa que elas estejam totalmente

voltadas às metas originárias do Profito. Pelo contrário, a concepção de redes multiníveis

precisa ser aplicada ao ambiente intrainstitucional. Na reunião que delineou essa rede

registramos um pedido: temos que entender dentro da Fiocruz quem está do nosso lado. Logo

se tornou consenso que os integrantes do Profito compreendem a necessidade de mapear essa

rede interna da Fiocruz. E, por extensão, as demais instituições podem ter o mesmo

mapeamento.

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169

Figura 18: Diagrama da rede necessária e sua relação com a rede desejada

Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa

Outra limitação da rede narrada pelos integrantes do Profito é a ausência dos objetos

como portadores de informação e comunicação e portanto formadores de redes sociotécnicas.

As redes não se limitam a essa análise parcial e localizada. O nosso antropólogo dos

laboratórios, diz que as redes não são necessariamente universais. “A network can thus be

"quite general" without ever having to pass through a "universal." However rarefied and

convoluted a network may be, it nevertheless remains local and circumscribed, thin and

fragile, interspersed by space36

.” (LATOUR, 1993, p. 171)

36 Assim a rede pode ser bastante geral, sem ter que passar por um universal. Contudo,

uma rede pode ser rarefeita e complicada, no entanto, permanece local e circunscrita, fina

e frágil, intercalada por espaço.

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170

Essa impossibilidade temporal não nos impede de refletir que a presença de

aparelhos, de eletrônicos, instrumentos de pontas, mas também jacás e embornais produzem o

território-rede tanto quanto as pessoas. Instituições e organizações também são portadoras

como ninguém de elementos quase-humanos, leis, regras, sistemas sêmicos, regimes

sociotécnicos. Mais uma vez nos ancoramos no pensamento latouriano para afirmar que o

leitor não precisa decidir se estamos falando de pessoas ou de circuitos impressos, ou de

hábitos, ou de discurso (LATOUR, 1993).

Nesse sentido, o terceiro nível identificado representa a rede sociotécnica sobre a

humana (Fig. 19). Aqui buscamos o “fio de Ariadne” que faz o vínculo entre esses elementos.

É assim que Latour se refere às redes sociotécnicas. Para o autor “a questão é sempre a de

reatar o nó górdio, atravessando tantas vezes quantas forem necessárias, o corte que separa os

conhecimentos exatos e o exercício do poder, digamos a natureza e a cultura” (LATOUR,

1994, p.9).

Utilizar a semiótica do espiral tem o poder dos sentidos que apareceram para essa

pesquisadoras em tempo-espaço diverso. Primeiro a indicação participativa de uma oficina

chamada campanha de criação coletiva realizada em 2008. Os elementos sêmicos mais

repetidos pelos integrantes do projeto apresentaram o espiral, mais tarde apropriados por uma

designer. O espiral tornou-se então o principal elemento de identidade visual do Profito (Fig.

19). Em segundo lugar a aproximação com o Modelo do Mercado Simbólico criado por

Inesita Soares de Araújo (2002) trouxe o espiral como elemento de discussão das relações de

poder que perpassam as relações de comunicação.

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171

Figura 19: A imagem do espiral como origem da atual logomarca do Projeto Profito

Fonte: Baptista, 2010

E, por fim, encontramos em Fátima Branquinho a representação gráfica de uma rede

sociotécnica de plantas medicinais (BRANQUINHO, 2007). Por essa incidência de sentidos

nos apropriamos aqui da figura da pesquisadora para registrar que “o fio de Ariadne”,

percorre caminhos constantes por sobre as redes de pessoas e organizações (Fig. 20). Não há

espaço entre as redes multiníveis. Há momentos diferentes de percepção e análise. Para

Branquinho, o seu espiral representa “os quase-objetos que compõe a rede sociotécnica das

ervas” (BRANQUINHO, 2007, p. 131).

Nessa livre apropriação utilizamos um lugar central – o conhecimento tradicional

sobre plantas medicinais. Mais próximas desse lugar central as medicinas tradicionais e o

princípio de integralidade do SUS. Num segundo escalão buscamos uma representação de

simetria entre formas de culto e o regime de informação, assim como o conceito de risco

segundo a epidemiologia social e a fé. Tanto o conceito de risco como a fé aparecem com

uma vasta diversidade nas interlocuções populares.

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Figura 20: Diagrama de rede sociotécnica integrada à rede de pessoas e instituições

Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa e da livre adaptação da rede sociotécnica concebida

por Fátima Branquinho (2007)

As feiras aparecem em nosso diagrama com um lugar de destaque nesse “fio de

Ariadne. Não estão em lugar central, mas em lugar de grande legitimidade para essa ampla

negociação de sentidos do uso seguro, sustentável e solidário de plantas medicinais. As feiras

são crivadas de objetos, de humanos, de valores, de informação, de comunicação formal e

informal, de oralidade. Constituem o ambiente mais complexo de nossa observação

participante. Embora tenhamos visitado apenas quatro feiras institucionalidades, a experiência

mostra que esses mercados são constituídos pelas redes. Hoje estão aqui e amanhã estarão

acolá. Esses mercados são construídos socialmente pelas redes, embora não expliquem sua

aparição (LATOUR, 1993).

Numa relação diametralmente oposta às feiras, registramos a presença dos

laboratórios. Nada se fez ou se fará sem eles. Através do desafio posto pelo Programa Brasil

sem Miséria (BRASIL, 2011) e denominado inclusão produtiva, os laboratórios terão o papel

de regular o que se tornará produto nos mercados em ascensão, em especial nas feiras

agroecológicas. Assim, entre as novidades construídas horizontalmente por agricultoras e

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173

agricultores e as inovações regidas por um mercado impessoal, muitas redes sociotécnicas

poderão ser delineadas.

Nossa observação participantes nas feiras permite afirmar que o conhecimento

tradicional é preponderante na comunicação informal. Para Latour a comunicação informal é

preponderante nos laboratórios. O que distingue os dois ambientes é que, nos laboratórios, há

um alusão constante à comunicação formal. Ou seja, nos laboratórios, o tempo todo estará se

fazendo alusão à informação. E, segundo ele, essa informação é cara (LATOUR, 1997).

Analisar a natureza, o fluxos e fontes da informação é, nesse sentido, central nesta pesquisa.

4.5 A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL EM

PLANTAS MEDICINAIS

Esse procedimento metodológico foi inspirado na leitura da obra da pesquisadora

Tania Fernandes (2007) que fez uma análise dos grupos de pesquisa com foco em plantas

medicinais comparando – os ao total dos GPs do Brasil. Mais recentemente verificamos que

Jislaine Guilhermino (2011) em sua tese de doutorado também olhou para o DGP/CNPq ao

analisar o sistema de inovação em fitoterápicos. A plataforma tem ferramentas que

possibilitam a compreensão de outras características dos produtores de informação científica.

Primeiro o interesse específico da pesquisa presente diz respeito a coexistência com o

conhecimento tradicional. Então só buscamos grupos que atuavam sob o signo das plantas

medicinais e do conhecimento tradicional associado à elas. Inúmeros grupos de pesquisa com

atuação impecável em sua área de estudos ficaram de fora apenas porque nosso recorte é a

coexistência entre informação científica e conhecimento tradicional. Para verificar a

pertinência da análise buscamos verificar até que ponto haveria essa convivência no próprio

contexto de produção da informação científica. Ou seja, verificar o que diz a informação

científica sobre o conhecimento tradicional.

O diretório de grupos de pesquisas é uma plataforma do CNPq destinada a sintetizar

informações e a comunicar o perfil do trabalho dos pesquisadores do Brasil, suas instituições,

áreas de interesse e projetos. Cada grupo é formado por uma ou mais linhas de pesquisa, que

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174

por sua vez agregam um ou mais pesquisadores. A plataforma permite a recuperação da

informação através do nome dos grupos, das palavras chave e dos títulos das linhas de

pesquisa que compõe cada um. Até março de 2014, a plataforma37

não permitia resgatar dados

inseridos nos campos onde se inscrevem seus objetivos, repercussões ou setor de aplicações.

Através da busca da palavra chave plantas medicinais foram recuperados 579 registros de

grupos de pesquisa. Quando tentamos filtrar para o tema específico “conhecimento

tradicional” apenas doze grupos foram identificados. Dessa forma passamos a analisar os

diferentes campos em cada uma das linhas de pesquisa desses grupos em busca do perfil

desejado.

O primeiro achado foi a percepção das grandes áreas do conhecimento predominante

nos grupos que trabalham com plantas medicinais (Tabela 6). Verificou-se a predominância

das ciências biológicas. Em segundo lugar vêm as ciências da saúde seguidas de perto pelas

ciências agrárias. A atividade de pesquisa estruturada a partir da grande área das ciências

humanas e sociais aplicadas é extremamente reduzida nesse setor. Do total dos grupos de

pesquisa apenas 1,2% tem como área do conhecimento predominante as ciências humanas.

Apenas dois grupos de pesquisas olham para plantas medicinais e seu universo temático a

partir dos parâmetros e métodos das ciências sociais aplicadas. Um desses dois grupos

pertence ao ICICT, lugar de onde falamos. Trata-se do grupo liderado pela Dra Maria Cristina

Guimarães, do Laboratório de Informação em Saúde. Uma das linhas de pesquisa é

denominada Informação em biodiversidade e saúde, mantendo plantas medicinais como uma

de suas palavras-chave.

37 O Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil recebeu recentemente uma melhoria em

seus mecanismos de busca. Sua configuração atual está diferente do período da realização

desta pesquisa.

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Tabela 8: Distribuição dos grupos de pesquisa por grande área do conhecimento.

Grande área predominante no grupo de pesquisa Quantidade

Ciências biológicas 228

Ciências da saúde 150

Ciências agrárias 121

Ciências exatas e da terra 66

Ciências humanas 7

Engenharias 5

Ciências sociais aplicadas 2

Linguísticas, letras e artes 0

Total 579

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no DGP/CNPq

Registramos uma abundância de expressões e formas de se referir ao conhecimento

tradicional. Voltaremos mais adiante ao tema, porém, no que diz respeito aos grupos de

pesquisa verificamos uma noção disseminada através de marcadores como: conhecimento

popular, saber popular, conhecimento ecológico, herança popular, tradições orais,

conhecimento cotidiano de populações tradicionais e conhecimento botânico tradicional.

Verificou-se a predominância das etnociências como termos descritivos dos grupos e

principalmente nomeando linhas de pesquisa. A predominância da etnobotânica pode ser

observada na nuvem de tag38

(Fig. 20) construída a partir do conjunto de palavras chaves dos

grupos mais focados em conhecimento tradicional. Essa discussão interessa ao campo da

ciência da informação pois é um dos modos pelos quais se torna possível a recuperação da

informação. Ou seja, a palavra que descreve é a mesma que permite ao usuário identificar o

que busca, agregando conteúdo e formando redes.

A partir das palavras-chave abaixo fica evidente que diferentes metodologias transitam

no campo da etnobotânica embora não se identifiquem ou se nomeiem como tal. A

etnobotânica é uma junção de métodos etnográficos em relação interdisciplinar com a

botânica. É, segundo o vocabulário controlado Descritores em Saúde – DECS39

, o “estudo do

38 A nuvem de tags é uma análise estatística da frequência de repetição das palavras,

transformando a contagem na dimensão das palavras na figura. O tamanho da palavra

expressa a sua repetição. Ferramenta disponível em http://www.wordle.net/create 39 Disponível em http://decs.bvs.br/.

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conhecimento das plantas e dos costumes agrícolas de um povo. Nos campos da etnomedicina

e etnofarmacologia, a ênfase está na medicina tradicional, na existência e usos medicinais das

plantas, extratos vegetais e seus constituintes, tanto anteriormente como nos tempos

modernos”. Então, por excelência, a etnobotânica e, por extensão, as etnociências estão

representando o conhecimento tradicional. Na perspectiva da árvore do conhecimento estão

vinculadas à botânica (Fig. 22).

A etnografia, por sua vez, é uma disciplina da antropologia cultural, consiste no

“estudo do fenômeno cultural que caracteriza as atividades sociais aprendidas, compartilhadas

e transmitidas de um grupo étnico em particular com foco nas causas, consequência e

complexidades da variabilidade humana social e cultural” (DECs). Seria de se esperar uma

vinculação metodológica entre as duas disciplinas. Isso, porém só aparece nos grupos com

alguma raridade.

Figura 21: Palavras chaves predominantes em 47 grupos de pesquisa selecionados. Fonte: DGP/CNPq

Fonte: Elaboração própria a partir da reunião das palavras chave dos 47 grupos de pesquisa selecionados e

submetendo à ferramenta de produção da nuvem de tags do Wordle.Net.

Adicionando as palavras conhecimento tradicional como um tema específico de nossos

interesses, como refinamento da busca junto aos grupos inicialmente identificados, foram

filtrados apenas 12 grupos; Buscando plantas medicinais + conhecimento local, retornaram

outros 12 grupos e por fim com a adição de saber popular, recuperamos a informação de

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177

quatro grupos de pesquisa. Isso ocorreu porque, como descrito acima, apenas determinados

campos são objeto de busca na plataforma DGP/CNPq.

Consultamos então cada um dos 577 grupos de pesquisa para uma análise mais

acurada do papel do conhecimento tradicional e termos similares enquanto objeto de pesquisa.

Verificamos então que 47 dos grupos (Fig. 21) não só tratavam do tema como tinham alguma

relação de reciprocidade com os povos e comunidades tradicionais detentores desses

conhecimentos. Proporcionalmente as áreas com menor presença do conhecimento tradicional

enquanto objeto de pesquisa, foram as ciências da saúde e as ciências exatas e da terra,

respectivamente com 4,7 % e 4,54%. Enquanto as áreas biológicas e agrárias correspondem a

9,28% e 8, 24% de grupos com atuações específicas no tema plantas medicinais. Confirmando

os pressupostos iniciais, as humanas e sociais aplicadas correspondem a uma proporção maior

de inclusão do tema como objeto de pesquisa, uma vez que a relação sujeito-objeto nas

ciências humanas tem centralidade histórica na pessoa, seus modos de vida, suas relações e

sociedade em que está inserida. São poucos grupos que tratam de plantas medicinais, mas os

que o fazem dão lugar privilegiado ao conhecimento tradicional.

Figura 22: Gráfico comparativo entre o total dos grupos de pesquisa sobre plantas medicinais distribuídos por

área do conhecimento. À direita a relação entre os grupos de pesquisa de cada área do conhecimento que citam o

conhecimento tradicional.

Fonte: Elaboração própria a partir do DGP/CNPq

Como já descrito, a Convenção da Biodiversidade assinada pelo Brasil e outros

países durante a Rio 92 foi o marco histórico que obrigou a considerar o direito desses povos

Ciências agrárias;

121

Ciências biológicas;

228

Ciências da saúde; 150

Ciências exatas e da terra;

66

Ciências humanas;

7

Ciências sociais

aplicadas; 2

Engenharias; 5

Linguísticas, letras e artes; 0

Ciências agrárias; 10

Ciências biológicas;

21 Ciências da

saúde; 7

Ciências exatas e da

terra; 3

Ciências humanas; 4

Ciências sociais

aplicadas; 2

Enngenharia

s; 0 Linguísticas

, letras e artes; 0

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e comunidades tradicionais no ambiente da pesquisa. Foi esse o momento histórico do

reconhecimento e acolhimento ao conhecimento tradicional. Que passa de fonte a ator central

no acesso aos recursos genéticos da biodiversidade. Então seria justificável o surgimento de

diversos grupos voltados ao conhecimento tradicional ou a inclusão dessa palavra chave em

grupos pré-existentes. De certa forma a pesquisa demonstra isso.

Verificamos que apenas um dos quarenta e sete grupos selecionados é anterior à

assinatura da CDB. Trata-se do grupo Farmácia da Terra (FARTERRA), da Universidade

Federal da Bahia, criado em 1988, portanto quatro anos antes do Brasil ratificar a CDV.

Atualmente é liderado pela Dra Mara Zélia de Almeida, pesquisadora da área de Farmácia.

Outros dois foram criados em 1993 tendo, portanto mais de 20 anos de atuação: Um deles é

denominado “Medicina veterinária preventiva e saúde pública”, da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS). O segundo é da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

e tem o nome de “Plantas Medicinais”. Outros 14 grupos tem mais de 10 de existência. Dez

deles tem entre 5 e 10 anos de operação e dezoito deles existem há menos de cinco anos.

Registramos que entre o início dessa pesquisa e o momento final de análise e síntese, quatro

novos grupos de pesquisa surgiram ou adicionaram plantas medicinais em suas linhas e

escopo de pesquisa. Estão, no entanto, fora de uma análise mais acurada por parte desse

trabalho, mas indicam um interesse crescente no tema das plantas medicinais.

Os grupos de pesquisa selecionados foram classificados por sua relevância para o

perfil desse trabalho. Consideramos de alta relevância os grupos que apresentavam o tema

conhecimento tradicional como objeto de pesquisa, ou como palavra-chave, aparentando

reciprocidade com os povos e comunidades locais ou tradicionais. Ao mesmo tempo

sugerindo certa complexidade na análise, evidenciada pela multidisciplinaridade ou pela

metodologia apresentada.

Os de média relevância foram considerados aqueles que citando conhecimento

tradicional ou termos similares, apresentavam uma maior simplificação nos aportes

disciplinares e nem sempre apresentando uma atitude recíproca. Os de baixa relevância

anunciam um interesse no conhecimento tradicional ligado a plantas medicinais e, ao mesmo

tempo, não sustentam esse foco nas áreas e subáreas do conhecimento que se integram à linha

de pesquisa ou a sua metodologia não deixa antever como atingiriam esse ideal. Registramos

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como restrição ao procedimento utilizado na busca que nem sempre ocorre um registro

acurado na plataforma. Desse modo, os resultados são do que está registrado e não

necessariamente do que acontece nas rotinas dos grupos.

Vinte e dois desses grupos foram classificados como de alta relevância. Quatro deles

podem ser tomados como focos, espelhos por sua identidade quase total com a experiência em

curso na região metropolitana do Rio de Janeiro. Desses quatro, três têm como área

predominante as ciências humanas.

Iniciamos a análise desses quatro grupos-foco falando das árvores do conhecimento

em determinadas linhas de pesquisa ou no conjunto de linhas do grupo. O primeiro integra as

ciências agrárias, com a subárea da medicina veterinária às ciências humanas, e

especificamente à antropologia. Todos os outros três já trazem a predominância das ciências

humanas. O segundo tem como configuração a sociologia e especificamente a sociologia do

conhecimento postas em interação com as subáreas das ciências biológicas, a ecologia, a

ecologia aplicada e a etnoecologia.

Outro dos quatro grupos-foco configura sua multidisciplinaridade em diferentes linhas

de pesquisa. Uma trazendo as ciências humanas na educação, especificamente no ensino-

aprendizagem e foco nas técnicas de ensino. Em outra linha as ciências biológicas, outra

contemplando as ciências da saúde e uma quarta linha de pesquisa destinada às ciências

agrárias. O estudo da árvore do conhecimento em cada no conjunto das linhas de pesquisas

dos grupos selecionados permite cotejar as possibilidades de pesquisa com os problemas

informados pela prática no contexto do Projeto Profito. Elaboramos uma figura representativa

da área de biologia (Fig. 22).

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Figura 23: Árvore do conhecimento da área biologia em 47 grupos de pesquisa.

Fonte: Elaboração própria a partir da análise das árvores do conhecimento em 47 grupos de pesquisa.

E, finalmente, o grande destaque da busca foi um grupo de pesquisa aqui tratado

como de altíssima relevância. É um dos raros grupos que tratam de plantas medicinais e ao

mesmo tempo trazem a comunicação para sua investigação. Trata-se do grupo chamado

Cidade, Aldeia e Patrimônio, da Universidade Federal do Pará, que traz simultaneamente duas

áreas do conhecimento como predominantes: Ciências Humanas Antropologia e as

Ciências Sociais Aplicadas Comunicação. Não apenas pela presença da comunicação, mas

por outras similaridades ele pode ser considerado um espelho para a continuidade desse

trabalho. Conforme anunciam:

Ao considerar a Cidade e a Aldeia evita-se a hierarquização e usa-se da

Etnologia para produzir novas visões sobre a Amazônia, sem desprezar a tradição em favor do novo, usa-se da tradição para inventar o novo,

experiência que se constitui orientação de vida e trabalho. Estudar direitos

diferenciados, sociabilidades diversas, alianças e famílias, gênero e gerações,

cuidados com a saúde e a doença é produzir Etnologia implicada com os destinos da região, pois as interfaces são cuidadosamente esculpidas a partir

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da pesquisa, permitindo trabalhar no campo da Educação Patrimonial e em

Saúde. (Grupo de Pesquisa Cidade e Aldeia)

Da busca junto aos demais grupos selecionados surgiram cinco categorias de análise: a

reciprocidade, a presença da informação ou comunicação, a territorialidade e, por fim, a

multi interdisciplinaridade. Explicamos essas categorias nos próximos parágrafos.

Alguns pesquisadores se dedicam a simples coleta de dados e informações derivadas

do conhecimento tradicional associado à biodiversidade. Buscam tão somente o acesso ao

conhecimento tradicional associado à biodiversidade estando sujeitos ou não ao CGEN. Não é

essa a discussão desse trabalho. Outros pesquisadores, ao invés disso, buscam beneficiar o

próprio detentor desses conhecimentos em uma dimensão comunitária ou territorial. Dessa

distinção nasceu a categoria aqui descrita como reciprocidade para identificar o perfil dos

grupos de pesquisa. Consideramos nessa categoria aqueles grupos com uma declarada

disposição socioambientalista, aqueles que tratam da saúde e Cuidado com os povos e

comunidades estudadas, que buscam a inserção econômica dos produtos desses povos ou que

defendem o “modo de vida como balizadores do desenvolvimento regional”. A preocupação

recorrente com o resgate, a preservação da tradição alia-se a uma busca da articulação entre os

saberes científicos e as tradições orais.

Quanto ao tema saúde é altamente considerado mesmo entre os grupos que não tem o

conhecimento tradicional como objeto de estudos em suas linhas de pesquisa. Há uma

recorrência no interesse de utilizar plantas medicinais na promoção da saúde. Alguns

naturalmente têm uma noção difusionista, no sentido de difundir conhecimento, boas práticas

ou defender a tríade qualidade, eficácia, segurança. Outros anunciam que existe um

empirismo que pretendem evitar com as práticas científicas. Esse conceito não se coaduna

com a visão da construção social do conhecimento. Ainda assim é de muita relevância o papel

da saúde e do SUS nesses grupos. Um deles chega a essa inter-relação ao sugerir que

“vislumbramos estratégias de cunho metodológico que resgate o saber e práticas tradicionais

de utilização de plantas medicinais, articulada ao percurso terapêutico descrito pelas

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populações de formas de adoecimento e cura”40

( Grupo de Pesquisa em Medicamentos, Saúde

e Sociedade).

A segunda categoria aplicada aos grupos está na presença da informação ou da

comunicação como premissa, ou objetivo. Embora muito invisibilizadas as áreas da

informação e da comunicação aparecem aqui e ali. Surge uma preocupação com o repasse de

informação e com “recuperar informações em comunidades (negras, indias, coloniais e

mestiças) e divulgar por meio de eventos, cartilhas, oficinas e cursos”41

. Associa-se o

desenvolvimento de projetos de inclusão social ao acesso à informação além do cultivo e uso

racional das espécies medicinais do cerrado42

.

Um dos grupos mais reconhecidos nacional e internacionalmente, denominado

Química dos produtos naturais43

, propõe-se à trabalhar com “análise de informações de campo

em comparação com dados científicos e tecnológicos, visando apoiar o desenvolvimento de

projetos multidisciplinares”. Em suas palavras-chaves enfatiza: informações científicas sobre

usos tradicionais; informações de campo sobre usos tradicionais; informações tecnológicas

sobre usos tradicionais.

Essa categoria aparece mais focada no GP Estudos de informação e avaliação em

ciência e tecnologia e saúde (ICICT/FIOCRUZ), na linha Informação em Biodiversidade e

Saúde. Esse grupo não trata especificamente da expressão conhecimento tradicional. Enfatiza,

no entanto "Estudar os fatores, políticos, técnicos e científicos que determinam a formulação

da agenda de pesquisa em saúde no Brasil, propondo modelos de intervenção que possibilitem

uma convergência da agenda de pesquisa com as necessidades de saúde da população".

Comunicação, por outro lado, é ainda menos considerada nos grupos de pesquisa,

mesmo os selecionados. O GP Cidade, Aldeia e Patrimônio, já citado, é um dos poucos que

abraça a comunicação ao tratar do assunto. Entre aqueles que não trabalham com o tema

“conhecimento tradicional” e, portanto não selecionados precisamos anunciar o trabalho de

alguns grupos como o Grupo de Estudos e Pesquisas de Plantas Aromáticas, Medicinais e

40 Grupo de Pesquisa em Medicamentos, Saúde e Sociedade

41 Plantas Medicinais e Homeopatia

42 GP Conservação do Cerrado

43 Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR)

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Tóxicas (Geplamt) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(Cebrid).

O primeiro trata da popularização da ciência, articula informação e comunicação e qualifica o

material de divulgação destinada à sociedade anunciando textos bem simples. O Cebrid possui

também uma linha de pesquisa especificamente voltada para a divulgação de informações

para a população em geral, através de livretos informativos, boletins periódicos, banco de

publicações sobre drogas de autores nacionais, atendimentos individualizados (cartas, e-mails,

telefonemas, etc.) além de entrevistas, palestras e cursos.

A penúltima categoria é território. Para o campo de experimentação que recebeu o

nome de Profito, território tem sido empiricamente trabalhado como a única possibilidade de

lida com a unidade, frase emblemática de Milton Santos e outra autoras (1994) que tem

orientado nossos esforços. Alguns grupos são específicos na citação, como por exemplo, o

Núcleo de estudos em comunidades e povos tradicionais e ações socioambientais (NECTAS)

que “estuda territórios contemplando a condição de ruralidade como relação mais direta com a

natureza; quer como fonte de produção material, quer como referência cultural no

desenvolvimento humano”.

Outros apenas identificam uma região ou um recorte territorial específico. Nesse

sentido citamos o caso de um grupo que diz: “os pesquisadores que estudam o meio físico

fornecerão subsídios para o entendimento da relação entre o meio biótico e abiótico, nos

permitindo entender a dinâmica e funcionamento desse sistema, dessa unidade de estudo que

é a bacia do lago Tupé. Isso nos proporcionará a compreensão do todo”. Embora não apareça

essa expressão território, inferimos que essa unidade de estudo é um território.

A multidisciplinaridade é um tema recorrente entre muitos dos grupos de pesquisa,

mesmo entre os não selecionados aqui. Textualmente há alegação de multi, inter ou

transdisciplinaridade em 62 grupos não selecionados. Dos 47 selecionados, dezenove alegam

e demonstram que utilizam métodos ou conteúdos de diferentes disciplinas para atingir seus

objetivos de pesquisa. Parte dessa multidisciplinaridade é a integração com ciências cujos

princípios e métodos são bem parecidos. Exemplificamos com um grupo que integra a

química, a farmacologia, a toxicologia, a imunologia e a parasitologia. Essa é a

multidisciplinaridade típica. Outros grupos admitem a busca por um caminho metodológico

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ainda mais complexo, com a possibilidade de criar resultados para a própria epistemologia.

Vejamos o que um grupo apresenta ao dizer:

Constroem-se conhecimentos interdisciplinares entre ciências naturais e

sociais, de modo que as repercussões dos trabalhos do grupo, apoiados nessa

concepção de pesquisa, são tanto de natureza teórica como metodológica: produz conteúdo teórico-reflexivo sobre diferentes temas e, na medida em

que inclui o pensamento complexo como fundamentação epistemológica e

acolhendo procedimentos técnicos do pensamento positivo, exercita a

formulação de novas metodologias (Fonte: DGP/CNPq).

Assim como a experiência local do Profito, essa complexidade disciplinar parece ser

condição para aplicação e resolução de demandas populares no que diz respeito a plantas

medicinais. O mesmo grupo descrito acima admite isso na aplicabilidade de seus resultados:

Suas repercussões são também de natureza aplicativa, gerando subsídios

para políticas públicas sobre: qualidade socioambiental, desenvolvimento

rural, relações e coexistência entre o rural e o urbano, condições periurbanas,

no território. Além de poderem subsidiar o planejamento local e regional suas repercussões são também de difusão do conhecimento através de ação

de extensão em comunidades e setores profissionais.(Fonte: DGP/CNPq).

Outro grupo admite que institucionalizar a interdisciplinaridade é uma das

repercussões desejada. Outro, de forma análoga anuncia que a formação multiprofissional

favoreceu o intercâmbio interinstitucional. A parceria dentro da universidade e com

organizações não governamentais é também um resultado da interdisciplinaridade.

A interdisciplinaridade praticada pelo grupo consegue integrar a

etnometodologia/etnografia, através de parcerias com a antropologia social da Universidade, às práticas de criação, prevenção e de cura em produção e

saúde, (...), mormente pelo emprego de plantas medicinais, condimentares e

aromáticas entre outros recursos que integram o saber/cultura popular no meio rural. (...) Organizações Não Governamentais também são parceiras em

atividade relacionada a alimentos no meio rural, sua sustentabilidade

ecológica, econômica, social e cultural, com qualidade sanitária, na

perspectiva da atenção primária em saúde e da agroecologia. (Fonte: DGP/CNPq).

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Tal contexto favoreceu a observação de um pensamento de Olga Pombo (2005).

Segundo a epistemóloga portuguesa, a questão não é a distinção entre os processos multi,

inter ou transdisciplinares. Muito mais é pôr-se a caminho, colocar lado a lado as disciplinas e

estudar o que se passa entre elas, quais as condições de transferências de conteúdo, de

metodologias, enfim, o que se constrói enquanto se juntam. Para tal, além das árvores do

conhecimento demonstradas acima, nos pareceu útil observar as sub-áreas com uma mandala

(Fig. 23), já anunciada em eventos anteriores (Baptista, 2010) mas confirmada pelo exemplo

de Lena Vania Pinheiro (1995).

Figura 24: Mandala representativa da multidisciplinaridade identificada nos grupos de pesquisa sobre plantas

medicinais.

Fonte: Elaboração própria a partir de análise das subáreas e disciplinas citadas em 47 grupos de pesquisa que

citam o conhecimento tradicional.

Em nossa interpretação, a figura criada serve como síntese capaz de inicialmente

promover diagnósticos do passo a passo entre uma análise mais disciplinar em direção a uma

inter e transdisciplinaridade. Outra função é desnaturalizar a hegemonia das ciências duras no

setor. Em terceiro lugar, a mandala se presta a investigar se a inserção de pressupostos e

métodos das ciências humanas e sociais aplicadas aliadas às ciências duras pode contribuir

para o uso seguro, sustentável e solidário de plantas medicinais, bem como ao

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empoderamento dos detentores de conhecimentos tradicionais. Possibilita abrir espaço para a

constituição de um trabalho respeitoso a diferentes formas de fazer ciência com

horizontalidade entre os saberes. Ilustra o fato de que as diferentes áreas são todas produtoras

de informação científica, e, como diz Bruno Latour (2010), o que predomina no mais

asséptico laboratório é a comunicação informal. Então, se trata de investigar os mesmos

fenômenos a partir de outros lugares de interlocução.

4.5.1 Os periódicos científicos – elementos da rede sociotécnica

Além de observar o ambiente da produção da informação científica, trouxemos para

o escopo dessa pesquisa a análise dos instrumentos de circulação dessa informação. A

comunicação científica ou comunicação pública da ciência (ARAÚJO e CARDOSO, 2007)

tem um papel privilegiado na construção social do conhecimento. Os periódicos são um

elemento importante para a concepção de rede sociotécnica. Segundo Latour (1997), a

conversa informal predominante nos laboratórios de pesquisa sempre se referia a algum artigo

publicado em revistas renomadas (LATOUR, 1997,46). Aliás, segundo ele, alguns aparelhos

estrategicamente instalados nos laboratórios seriam chamados de inscritores na medida em

que sua função era produzir artigos e literatura ( LATOUR, 1997, 43).

Realizamos uma busca na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Seus mecanismos de

busca contemplam os registros inseridos nos campos do título, assunto e no resumo.

Acrescentamos o acesso à plataforma específica dos periódicos de acesso livre, investigando

o o Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, El Boletín Latinoamericano y Del Caribe De

Plantas Medicinales (BLACPMA), Revista Brasileira de Plantas Medicinais (RBPM),

Revista Brasileira de Farmacognosia.

Na BVS identificamos 53 846 artigos e teses orientados a à plantas medicinais. Ao

utilizar o termo conhecimento tradicional para refinar a busca recuperamos 50 artigos, ou seja,

menos que um milésimo do total dos arquivos. Contrapomos a esse dado outro, de Geofrey A.

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Cordell, da Universidade de Chicago, que cita pesquisa de Farnsworth (ano) e outros

afirmando:

That globally there were 119 compounds from 90 plants which were used as

single entity medicinal agents. Significantly, 77% of these were obtained as

aresult of examining the plant based on an ethnomedicaluse, and are employed in a manner that approximatesthat use. (…) There is in

bothmedicine and pharmacy, not to mention in the lay public, a serious lack

of acknowledgment and appreciationthat such compounds continue to come

from naturalsources44

(FARNSWORTH et al., 1985 apud CORDELL, 2000).

Além desse resultado acrescentamos que 97% do total dos artigos identificados na

BVS estão em base de dados internacionais (52 251). Nas bases de dados brasileiras apenas

156 artigos. Novamente outro dado se compara a esse, sabendo que o Brasil é o país mais

citado quando o assunto é a região de acesso ao conhecimento tradicional. No ranking, antes

do Brasil aparecem apenas os continentes Ásia, América do Sul, África e Europa em ordem

decrescente. Segundo Jislaine Guilhermino, “ Brasil é líder absoluto em publicações

internacionais em plantas medicinais na América Latina (41,6%)” (GUILHERMINO, 2011,

pág 85).

Na busca feita na plataforma própria de cada um dos periódicos selecionados

permanecemos com o duplo procedimento: plantas medicinais como primeira palavra de

busca e em seguida utilizamos conhecimento tradicional como refinamento da busca. Em

alguns periódicos utilizamos também a tag conhecimento popular. Ao analisar os títulos dos

artigos descobríamos repetições, ou seja, o artigo era simultaneamente marcado com os dois

termos de busca. Abandonamos o procedimento para evitar duplicidade de esforços. Por outro

lado essa duplicidade confirmou um de nossos pressupostos discutidos acima quando

apresentamos o conhecimento popular como sinônimo de conhecimento tradicional

disseminado.

44 Globalmente, existem 119 compostos de 90 plantas que foram usadas como

medicamentos. Significativamente, 77% dos quais foram obtidas, como resultado da análise da planta com base numa utilização etnomédica, e são utilizados de um modo que se

aproxima da utilização. (...) Há em medicina e farmácia, para não falar no público leigo,

uma grave falta de reconhecimento e valorização do fato que esses compostos continuam a

vir de fontes naturais. (Tradução própria).

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Ao fim da análise dessa primeira fonte de dados secundários percebemos a

invisibilidade das ciências humanas e sociais na rede nacional de pesquisa sobre plantas

medicinais. Como demonstrado acima, a etnografia é um estudo da antropologia e por

extensão é o tipo de conhecimento das áreas humanas e sociais comumente consideradas

ciências moles em contraposição às ciências duras45

. No entanto, a associação com as ciências

ditas duras parece predominar os aspectos típicos das ciências duras, ou seja o número

reduzido de hipóteses capaz de dar tratamento estatístico aos seus resultados. A verificação

dos estudos de etnobotânica sugere uma predominância de estudos quantitativos, uma visão a

ser aprofundada em estudo posterior. Aparentemente são bastante valorizados na busca de

novas moléculas e germoplasmas que tendem a subsidiar a busca por produtos ou patentes.

No mesmo mecanismo de busca, 233 grupos de pesquisa são voltados para produtos e

processos biotecnológicos como setor de aplicação de seus resultados. Trinta e seis por cento

dos grupos com palavra chave “etnobotânica” e 100% dos grupos com palavra chave

“etnofarmacologia” estão voltados para a geração de produtos.

.

45 Segundo Latour as ciências duras são assim chamadas por selecionarem em seu rol de

explicações um número reduzido de hipóteses. As ciências moles tem tal número de

possibilidades de explicação que tornam difícil seu enquadramento na dita objetividade das

exatas e biomédicas.

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5 ELEMENTOS CRÍTICOS PARA APOIO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E

INCLUSÃO PRODUTIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES

O convite feito aos agricultores do Maciço da Pedra Branca para participação em um

projeto institucional descortinou uma série de situações ligadas ao contexto da participação

política em si. Trouxe à tona as demandas prioritárias do grupo específico que passou a

integrar o projeto. Abriu um leque de ações e lutas difíceis de serem incorporados em um

único projeto. Essa iniciativa do Profito abrange um conjunto de ações e serviços que são as

manifestações locais das políticas nacionais ligadas a plantas medicinais. Essas políticas

aparecem fragmentadas no plano nacional. Essa fragmentação se agrava no local. Diante

disso, os resultados dessa pesquisa-ação apontam a necessidade de territorializar essas

manifestações públicas (populares e científicas) relacionadas a plantas medicinais.

Nessa perspectiva, o presente capítulo aponta algumas medidas práticas, bem como

os elementos críticos para que as ações populares ou serviços públicos relativos a plantas

medicinais tenham essa dimensão territorial. 1. O regime sociotécnico implícito nas políticas

de comunicação dos diferentes atores, principalmente os que atuam na dimensão do público

(o sus, as universidades, etc). plano de comunicação que tenha a feira como esse espaço

central de trocas simbólicas

A reunião participativa final da pesquisa construiu coletivamente uma nova

deliberação que foi descrita no documento denominado Consenso de Queimados. Resumimos

a demanda apresentada por aquele coletivo como a identificação de um território de

reciprocidade ao conhecimento tradicional sobre plantas medicinais como elemento do

sistema agroalimentar da região metropolitana do Rio de Janeiro. Diversas ações são

necessárias para encaminhar essa demanda. Alguns ligados à prática da agricultura, outros nos

setores da saúde, da educação, pertinentes à agroecologia em redes. Para o escopo dessa

pesquisa, os campos da informação e da comunicação tecem os vínculos entre os demais

setores e constituem a rede apontada.

Os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa foram participativos e isso

diz respeito principalmente a pessoas. Por isso, a rede delineada nesse processo é, sobretudo

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uma rede de pessoas. É formada por elementos humanos, mas, em geral, está vinculada a uma

institucionalidade. E, em cada um desses vínculos institucionais há um regime sociotécnico

que constitui a atuação das pessoas nas redes. Observamos e descrevemos como resultados os

diferentes paradoxos entre a informação científica e o conhecimento tradicional nessas

interações simbólicas entre os diferentes atores. Um dos elementos críticos que desejamos

destacar é justamente esse.

Percebemos que é possível que, ao tratar de plantas medicinais, a instituição torne

visível, legível e audível o seu sistema de valores, o seu entendimento sobre essas

ambiguidades. Constatamos que há uma distância entre o que as pessoas falam em nome da

instituição e o que praticam. Preconizamos que, um anúncio explícito do regime sociotécnico

por parte das instituições pode contribuir para uma interação mais efetiva entre agentes

públicos e comunidades tradicionais.

A atuação com políticas e serviços ligados a plantas medicinais traz um imperativo

de lida com o conhecimento tradicional. Concluímos que é importante clarificar isso. Isso

deve constar nos planos de comunicação e informação das instituições públicas. Parece ser

uma das condições para a reciprocidade ao conhecimento tradicional. E essa ação se passa no

campo da comunicação seja ela formal ou informal. Nos setores públicos se torna possível

inferir o sistema sêmico institucional. Ou seja, qualquer iniciativa ligada a plantas medicinais

precisa prover formação para seus próprios agentes sempre que esses precisarem do

relacionamento com os detentores do conhecimento tradicional disseminado ou associado à

biodiversidade.

Quando a comunicação se refere à participação social ou política. Ela tem a função

de dar sentido aos temas de intervenção. E produzir sentido se refere a processos de

interlocução e não apenas ter acesso a um pensamento institucional hegemônico. Esses

processos dependem de uma descentralização de práticas e recursos comunicativos destinados

à população de quem se requer a participação. Os planos institucionais de comunicação e

informação bem como o seu orçamento precisam refletir seu sistema sêmico ou seu regime

sociotécnico. Ou seja, o público é intrinsecamente vinculado a reciprocidade e isso se refere a

política de comunicação informação e a todo o regime sociotécnico.

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Diante disso construímos coletivamente a demanda por essa descentralização da

comunicação em saúde relacionada a plantas medicinais na região metropolitana do Rio de

Janeiro. O Consenso de Queimados anunciou “Queremos pautar as plantas medicinais nas

políticas públicas e usá-las em nosso dia a dia. No entanto que seja para todos e

coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de forma não transparente”. Ou seja, está

solicitando inclusão e transparência. Está demandando investimentos específicos em

comunicação. Já que é a comunicação, o setor que dá publicidade aos fatos e oportunidades.

Por outro lado, como há interesses diversos em disputa é necessário que essa

comunicação seja multicêntrica. Ela deve atender aos diferentes grupos de interesse: a quem

cultiva, aos que beneficiam essas plantas, a quem comercializa. Quem consome também de

certa forma comunica seus vínculos com o produto. O consumo pode ser encarado como um

feedback, um diagnóstico dos vínculos com o conhecimento tradicional. Precisa ser acatado

pelas instituições que tem o dever de promover a saúde coletiva.

Esse grupo de interesse envolvido na saúde coletiva, seja em unidades de saúde,

laboratórios ou agentes da vigilância sanitária, precisa de uma política de comunicação em

saúde para atender a todos os seus públicos. É potencialmente nesse setor que aparecem os

maiores conflitos na interlocução entre esses atores públicos do campo biomédico e os

detentores dos conhecimentos tradicionais. Trazer à luz, eventualmente através de uma

campanha, a dimensão do direito à expressão cultural pode amenizar potenciais rupturas. É

importante relacionar também o princípio da integralidade do SUS com sua dimensão de

Cuidado associado ao princípio da dádiva.

Um sentido novo foi conferido às feiras no campo da agroecologia. Percebemos

esses pequenos mercados constituídos socialmente como nós de uma grande rede sociotécnica

criada e recriada constantemente. A feira é um ponto de articulação entre os diferentes

segmentos ligados as plantas medicinais nessa baixa complexidade do uso tradicional ou

ligado ao sistema alimentar. É um espaço público que proporciona diferentes lugares de

interlocução. Ali, por exemplo, o agricultor está em sua posição central. Ali ele tem o

conhecimento e o poder de fazer crer. Tem o poder simbólico. Ao mesmo tempo a cultura da

oralidade está presente na feira para todos os segmentos e pertencimentos.

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Diante disso um elemento crítico para a inclusão produtiva é a constituição um plano

de comunicação que tenha a feira como esse espaço central de trocas simbólicas. E, que, ao

mesmo tempo seja capaz de animar os diferentes trânsitos e fluxos de infocomunicação.

Nesse sentido sugerimos a continuidade da tecnologia social em desenvolvimento no Profito,

desde 2010 e baseada nesses conceitos de comunicação. É uma integração entre a ação

comunitária, a pesquisa e a extensão universitária com uma experimentação em feiras

agroecológicas.

Essa ação ocorreria basicamente em três processos. O primeiro é a criação do vínculo

entre o universitário-extensionista e os agricultores. Nessa etapa, o estudante se insere na rede

social do agricultor. Para isso, participa de outros eventos além da feira. É o caso da

participação nas festas locais, nos encontros, eventos, nas reuniões dosconselhos locais de

políticas públicas, como o Consea-Rio e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural

de Queimados. Colocamos assim em movimento um fluxo retroalimentando

práticasteoriareflexãopráticas.

A partir desse exercício passaríamos a constituir processos de mediação participante,

de um lado visualizando as iniciativas e demandas comunicativas, de outro lado comunicando

oralmente as informações veiculadas em meio digital. A disponibilidade de impressos com

maior número de imagens, textos sintéticos e com uma tipo de letra que facilite a leitura

também pode consistir numa tecnologia leve a ser melhor apropriada pelo grupo. Essa

experiência foi realizada no Maciço da Pedra Branca com os jornais murais. Em outros

territórios há iniciativas similares. A novidade é fazer da feira o principal centro de produção

e circulação desses impressos.

Há, no território em questão, experiências de descentralização da comunicação com

tecnologias de baixo custo. Em uma dessas experiências foram distribuídas três câmeras

fotográficas de baixo custo para duas feirantes e uma terceira para um grupo de jovens

organizados nas redes de agroecologia. Os experimentadores nos devolvem os arquivos.

Nessa devolução relatam oralmente as motivações e contextos das imagens. Essas narrativas

são gravadas e associadas às imagens. A culminância dessa ação será a divulgação das

imagens no site, uma exposição fotográfica nas feiras. As imagens e conteúdos colocados no

site serão divulgados em um boletim bimestral a ser distribuído nas feiras.

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Dentro desse plano de comunicação experimental, a informação científica e

tecnológica precisa ter um tratamento específico. Como identificamos aqui há uma vasta

produção de pesquisas sobre plantas medicinais. No entanto, a comunicação pública dessa

ciência não é objeto de planejamento, orçamento. Não ocorre nas ações e serviços locais das

políticas de plantas medicinais a devida popularização da ciência. Quando a participação

popular é um norte essa ação de divulgar a ciência numa linguagem adequada e com meios

também adequados ao perfil sociocultural de seus usuários se torna um imperativo.

Alguns críticos consideram que isso vai alterar o conhecimento tradicional.

Associam o tradicional ao passado. Como algo cristalizado, pronto e acabado. Consideramos

dois aspectos ao contrapor essa crítica: o direito à informação e do modo de construção do

conhecimento tradicional.

Nesse campo da pesquisa científica identificamos três tipos de fragmentação. A

primeira, mas conhecida e já bastante estudada é disciplinar. Por seu caráter acadêmico

voltaremos a ela no próximo capítulo. As duas fragmentações são setoriais e institucionais.

Exemplificamos com o objetivo específico do Profito em 2006. Gerar renda através da

comercialização e plantas medicinais cultivadas em sistemas agroecológicos. Diversos setores

são invisíveis nesse simples enunciado.

A rede sociotécnica delineada é também um modo de enfrentar a fragmentação

institucional. A mandala disciplinar criada pela pesquisa tem uma função acadêmica, mas

também pragmática. Será utilizada para diagnosticar o estado do conhecimento local, o perfil

dos atores no território e identificar os vazios do conhecimento. A partir desse diagnóstico

novas competências locais podem ser estimuladas. Desse estímulo, novos conhecimentos

socialmente construídos são gerados.

A melhor forma de agregar conteúdo difuso é a internet. Não há como negar a

importância da rede mundial de computadores na possibilidade de construir um conhecimento

em redes. A pesquisa demonstrou que as palavras chaves fazem esse papel agregador de

conteúdos. Há uma defesa a ser feito das tags como formadoras de redes globais. E, por

formá-las também permitem o seu mapeamento e diagnóstico. A segunda e mais comum

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forma de agregar ou integrar conteúdo originado de fontes diversas é a criação de um único

site.

O Programa Profito Agrobiodiversidade, gerenciado pela UFRRJ, é a versão mais

recente e ampliada do projeto Profito Pedra Branca. Em suas metas está a implantação do site

sertaocarioca.org.br. Esse site busca atender algumas funções. Uma delas a popularização de

informação científica originada no ambiente multidisciplinar já citado. E, nesse sentido põe

em circulação conteúdo que atende aos direitos de agricultores e consumidores. Ao mesmo

tempo integra a própria rede de pesquisa. A segunda função é a criação de uma rede virtual

como materialidade das redes sociais identificadas nas feiras. O site também servirá de

plataforma para tecnologias promotoras da mediação escrita-oralidade: arquivo de áudios,

vídeos artesanais ou não, cartografia social, imagens registradas pelos próprios agricultores.

O lançamento do site vai inaugurar o terceiro processo: a experimentação de

tecnologias leves na mediação com os eletroeletrônicos que farão o fluxo informacional

acontecer. Mas esse é um elemento crítico para a participação políticas nesse setor tão

intensivo de informação científica. Falta inclusão digital e mais que isso, há o perfil cultural

dos integrantes dessas iniciativas locais. Tratamos da cultura da oralidade como predominante

em determinados territórios. A internet, por outro lado, é um meio com predomínio de uma

informação altamente codificada e escrita. Surge então uma necessária mediação do meio. Se

a internet é um meio, transmitir através da comunicação oral, o conteúdo iternáutico é mais

uma mediação. Por isso a expressão: “mediação do meio”.

Nessa tentativa de atender a esses elementos críticos, iniciaremos um processo de

avaliação continuada onde agricultores e consumidores irão criticar e apontar soluções para os

problemas que certamente surgirão. Ao fazerem essa crítica eles estarão construindo

conhecimento e se apoderando das tecnologias e dos meios materiais para a consolidação da

tecnologia social em curso. E, por fim, uma pesquisa científica com metodologias

participativas fará a análise final da experiência. Analisará a oralidade materialmente

registrada nos áudios e vídeos e veiculada nas feiras. A análise discutira também o aceso a

informação por esse público e a adequação desse acesso à cultura da oralidade.

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A inclusão desse conteúdo de diferentes áreas do conhecimento em um único site

onde diferentes setores dialogam a respeito pode se utilizar dos acúmulos da ciência da

informação. Desse modo, essa atividade pragmática que é a criação de um site pode se nutrir

de pesquisas científicas e retroalimentar essas pesquisas gerando novos objetos e problemas.

Alguns elementos para novos intervalos de pesquisa científica serão abordados na conclusão,

cujo caráter é acadêmico.

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6. CONCLUSÃO

A presente pesquisa qualificou seu objeto desvelando diferentes níveis ou camadas

de investigação necessária ao entendimento mais completo do problema. Não houve uma

intenção de generalização ou transferência de resultados. Por outro lado, trata-se de uma

configuração particular. Os resultados aqui apresentados servem à construção do

conhecimento local, contextualizado e territorializado. As suas diferentes facetas têm o

território como elemento unificador.

O nível das práticas ou da ação local foi trabalhado através da livre apropriação da

sistematização como técnica de pesquisa-ação. Esse procedimento serviu à participação

política dos integrantes do Profito. Ter como pressuposto que a prática ou a ação

territorializada é um lugar de construção do conhecimento é algo comum às inúmeras

pesquisas mundo a fora. Ligamo-nos a uma rede global de pesquisa que desconhece um

conhecimento atópico, de lugar nenhum, descontextualizado ou até universal. Pelo contrário

essa rede parte do conhecimento tradicional e retorna a ele num ciclo virtuoso de construção

do conhecimento.

A investigação sobre a participação nas ações locais das politicas públicas orientadas

á plantas medicinais teve como núcleo central a comunicação informal como trânsito de

diferentes sentidos já dados ou aqueles conhecimentos em construção. Cada um desses fios,

dessa teia comunicativa tem fontes diversas que se confundem e se entrelaçam. Relembramos

o conhecimento tradicional local e ecológico como fonte derivada da memória criada e

recriada constantemente. Outra fonte revista aqui foi a informação científica, mas não

podemos deixar de lembrar o papel que o senso comum da ciência tem na constituição de

sentidos. Essas fontes têm esse sentido macro e têm seus atores no território utilizando

majoritariamente a comunicação oral.

Relembrando o problema que originou essa pesquisa foi a coexistência entre a

informação científica e o conhecimento tradicional nas práticas de comunicação informal

nessas redes e, em especial nas feiras agroecológicas da região metropolitana. A observação

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participante realizada permitiu identificar essa relação entre um tipo de conhecimento

codificado, predominantemente escrito e outro de transmissão oral e com predomínio do

conhecimento tácito.

Essa maior incidência da comunicação oral ocorre em toda a cadeia produtiva de

plantas medicinais. Sobretudo as feiras são lugar dessas múltiplas vozes e saberes

enunciadoras da polifonia. São tantos os assuntos e interpretações que constantemente se

perde o “fio da meada” da observação participante. Como anunciou Antônio Carlos Gil,

durante a pesquisa ocorrem diferentes momentos de idas e vindas entre os procedimentos.

Reuniões, intercâmbios, viagens, seminários, encontros, são, sobretudo lugares de

comunicação oral onde essas fontes se apresentam e se interpelam entre si. Assim como nos

laboratórios predomina um tipo específico de comunicação oral e nem sempre se referem à

artigos científicos.

Tanto a comunicação formal como a informal constitui uma arena de disputa por

hegemonia ou pelo poder de fazer crer. Os registros da pesquisa formalizaram e codificaram

os diálogos da comunicação informal na produção e comercialização de plantas medicinais.

Permitiram assim, avaliar o estado da circulação da informação científica e do conhecimento

tradicional. A pesquisa sobre as práticas de comunicação identificou as necessidades

originadas na participação dos agricultores, povos e comunidades tradicionais em qualquer

serviço, política ou investigação científica que impacta seus modos de existir.

Ao mesmo tempo, a comunicação enquanto prática se abriu à percepção dos

múltiplos fios, linhas e vozes que dão sentido aos territórios conformados. As práticas

compõem textos verbais, escritos ou não, eventualmente impressos em imagens, monumentos,

produtos, objetos ou quase objetos. Aprendemos que não há objetos sem redes de sentido.

Essas redes são macro tecidos globais melhor compreendidos no campo da informação

científica. Os objetos não existem fora das redes.

As práticas comunicativas das periferias do poder e da urbanização da região

metropolitana do Rio de Janeiro anunciam mais do que conhecimento tradicional disseminado

ou associado à agrobiodiversidade. Anunciam que um novo modo de produção avança pelas

feiras, sítios, instituições e laboratórios reunidos em redes. A dádiva, considerada arcaica e

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característica dos povos primordiais, foi identificada como o principal componente a

constituir as redes de agroecologia. As práticas de comunicação demonstram que a dádiva

segue ressignificada nos territórios de reciprocidade ao conhecimento tradicional. São os

lugares de interlocução que definem e ressignificam essas dádivas. No pensamento de

Raffestin (1993), é o sistema sêmico que se manifesta nas redes.

Ou seja, o passado permanece em sua manifestação contemporânea e presente. Para a

comunidade discursiva da agroecologia, a dádiva não é uma característica do passado, mas

uma perspectiva de dar futuro ao planeta terra e à sociedade humana tão maltratada pelo

homus economicus. Nesse sentido reconhecemos as redes sociotécnicas com suas dimensões

humanas, não humanas e quase humanas. Mas ao associarmos sílicio, conectores, cabos e

máquinas, também associamos valores, emoções e escolhas éticas e estéticas designando o

mundo e a sociedade que constituímos ao assumir nosso lugar de atores nessas redes.

A comunicação informal, evidencia, discute e ressignifica determinados valores.

Esses valores são identificáveis até mesmo na produção e circulação da informação científica.

No que diz respeito às plantas medicinais, seu setor de pesquisa tem a produtividade

demonstrada em capítulos anteriores. Há um volume de artigos científicos que não atendem

ao princípio de reconhecimento recíproco aos detentores do conhecimento tradicional. No

entanto essa perspectiva integradora existe e é significativa. Encontrar um periódico46

onde

mais da metade (62%) de sua produção sobre plantas medicinais tem como objeto o

conhecimento tradicional é um indicador que o problema recortado para essa pesquisa está

sendo investigado em outros territórios. Não estamos fora deuma rede global. Isso é um

resultado importante já que nada se faz fora das redes.

No Brasil quatro grupos de pesquisa estão trabalhando com caminhos do pensamento

muito semelhantes a essa proposta. Isso quer dizer que além de estarmos próximos a uma rede

global, também temos potenciais parcerias nacionais. Vamos compreendendo, ou melhor,

vamos empreendendo com outros um tecido, rede global de reciprocidade em redes

sociotécnicas.

46 O Blacpma, da Universidade do Chile, apresentou 683 artigos sobre plantas medicinais e

deles 477 tinha como conhecimento tradicional como parte da pesquisa abordada.

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199

Dessa análise dos periódicos e grupos de pesquisa emana um fluxo

multiinterdisciplinar como uma das condições para o exercício da reciprocidade aos

detentores do conhecimento tradicional. Há diversos modos de aglutinação entre disciplinas e

ciências indicando um rumo transdisciplinar para as pesquisas com plantas medicinais. Entre

essas, algumas aliando uma porção etno à diferentes ciências. É o caso da etnobotânica, da

etnofarmacologia, etnobiologia. As pesquisas desses campos por pressuposto

interdisciplinares não apresentou necessariamente reciprocidade.

A falta de citação ou de definição do que seja conhecimento tradicional em um artigo

científico é relevante. Para a análise aqui desenvolvida é um indicador da invisibilidade desse

conhecimento tradicional. Torna invisíveis as relações territoriais e os processos cognitivos

que construíram uma informação oral relacionada à agrobiodiversidade e eventualmente

recebida vertical ou horizontalmente de sua rede de parentela ou comunitária.

Consequentemente descola a coisa conhecida do seu conhecedor, portanto, não promove a

saúde dos próprios informantes, nem a sua inclusão produtiva e não o empodera. Portanto não

é recíproca.

No entanto, o território de reciprocidade ao conhecimento tradicional da região

metropolitana do Rio de Janeiro pode se beneficiar da proximidade das ciências sociais e

humanas com as etnociências do ponto de vista da pesquisa e da prática. Nesse sentido há um

ganho em se chamar o resultado das pesquisas de informação científica. Permite, por

exemplo, trabalhar com as ferramentas do campo da ciência da informação para o trânsito

entre a produção a circulação e o consumo dessas informações.

A bibliometria e a análise de citações podem ser úteis a esse mapeamento de redes

globais de reciprocidade ao conhecimento tradicional. É possível seguir mundo afora os

etnocientistas utilizando as ferramentas bibliométricas e as tecnologias da informação e da

comunicação. Mapear aqueles que atuam no sentido da economia da dádiva e aqueles que

visam apenas produtos, na perspectiva da economia mercantil é uma sutil oportunidade para o

entendimento das redes globais. É nesse sentido que a reciprocidade qualifica uma rede

sociotécnica.

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200

Nas ações futuras na região metropolitana do Rio de Janeiro convém um

aprofundamento com a etnobotânica e a etnofarmacologia em um recorte local integrado às

ciências humanas e sociais. Num primeiro momento seria importante mapear as disciplinas e

técnicas que compõe essas subáreas do conhecimento. Em seguida, cotejando com a prática

estabelecida, relacionar com princípios, ferramentas, práticas do campo das humanas e

sociais. Como contra prestação aos agricultores familiares e aos povos e comunidades

tradicionais elegeríamos a promoção da saúde e a inclusão produtiva nos territórios recortados

para esse experimento.

Nem a saúde coletiva, nem a inclusão produtiva podem prescindir dos laboratórios.

E, se um laboratório foi capaz de mobilizar recursos para serem recíprocos aos agricultores

detentores de conhecimento tradicional, outros podem fazê-lo. Eventualmente nesse

momento, em muitos lugares essa relação de reciprocidade atinge máquinas e cérebros

dominando a comunicação informal nos laboratórios produtores de informação prontos a

apoiarem a produção de novidades entre os agricultores-experimentadores. Faltam redescobrir

essas novas redes.

Pensar as redes como metáfora foi um ganho para essa pesquisa participativa.

Tratamos de diferentes intervalos. Assim como se afirmou que informação é o que cada um

demanda como informação, reivindicamos que rede seja aquilo que a pessoa vê como rede.

Em nosso território há os que defendem que rede seja sinônimo de grupo. Para outros, rede é

uma organização, ou quase grupo. Há um intervalo comunitário das redes. E, por fim, as redes

sociotécnicas que incluem os já citados objetos e quase objetos. São globais, portanto. Uma

circunscrição territorial para essas redes globais é possível, como descrevemos em nossos

resultados.

Metodologicamente essa pesquisa não pretendeu criar aprofundamentos sobre as

redes. Optamos por uma análise mais extensa e horizontal, levantando diferentes elementos

dessas redes. Os procedimentos realizados nessa pesquisa deram conta de quatro camadas: a

intervenção – o que foi feito no território; a sistematização – O que se sabe sobre o que foi

feito ou como é interpretado; o contexto atual – redes e feiras como construções sociais; e,

finalmente, a possível influência global sobre esse contexto – a informação científica descrita

nos grupos de pesquisa e nos periódicos.

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201

A distância entre a prática do uso tradicional de plantas medicinais na segunda

metrópole brasileira tem algo a dizer à prática da pesquisa global. Trata-se de dialeticamente

deixar a prática informar a academia e a academia ser recíproca às práticas tradicionais.

Durante um congresso internacional de interdisciplinaridade ouvi do pensador Jean

Pierre Leroy fundador da ong FASE: “Não queremos apenas a interdisciplinaridade entre as

ciências sociais e humanas. Queremos que a química, a física, a engenharia dialoguem com

outras ciências”. Tomamos esse desafio de levar essa bandeira adiante, percebendo

pragmaticamente que redes existem nesses quarenta e sete grupos de pesquisa que tem o

conhecimento tradicional como objeto de pesquisa.

Mesmo os atores informados pela ciência naturalizam seu próprio acesso a à esse

conhecimento. Utilizam mais o senso comum da ciência do que a IC propriamente dita. A

invisibilidade das relações interdisciplinares que atravessam o conhecimento local sobre

plantas medicinais levam os informados pela ciência a utilizar esse senso comum nos

intervalos que “desconhecem”. Há visões preconcebidas das ciências humanas e sociais,

predominando a visão das ditas “ciências duras”. E, quando os cientistas “duros” tratam dos

objetos das ciências “moles” o fazem como senso comum.

Apenas uma pequena parte da produção global investigada aqui considera o

conhecimento tradicional. A produção local não foi investigada. No entanto, a partir das

mesmas técnicas empregadas se torna possível um diagnóstico e acompanhamento continuado

das pesquisas locais.

Questionamos aqui a coisificação do conhecimento tradicional em detrimento de sua

dimensão de Cuidado e de dádiva. Vamos insistir em trabalhar um conceito de reciprocidade

ao conhecimento tradicional. Renomeamos o conhecimento tradicional disseminado ou

associado à agrobiodiversidade. Passamos a considerá-lo como conhecimento tradicional

associado à dádiva que melhor o caracteriza e que melhor o liga a uma inexorável dimensão

ética. Concluímos que os objetos ou quase objetos também não são imunes a essa dádiva.

Poderemos seguir essa luta simbólica atrás de nossas redes utilizando as ferramentas da

pesquisa científica, das práticas e da ação politica.

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202

Por fim cabe-nos anunciar os limites dessa pesquisa. Não seria adequado pretender

que a rede sociotécnica aqui fosse representativa da realidade. Nem Raffestin (1993) nem

Latour (1997, 2010) concordariam com essa visão estática. Essa é a visão de um ego, a partir

de um ponto, em tempos de paz. Nesse exato momento um actante qualquer partindo de

qualquer ponto do planeta pode e está alterando essa configuração.

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WELLER, Wivian. Grupos de discussão na pesquisa com adolescentes e jovens: aportes

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista com pesquisadores técnicos e gestores

O projeto de pesquisa “Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a

plantas medicinais: a relação entre informação científica e conhecimento tradicional”

trabalha com uma visão de plantas medicinais nas apresentações in natura ou com

beneficiamento primário, o que pode ser caracterizado como baixa complexidade. Seu

consumo estaria ligado à segurança alimentar e nutricional o que inclui as práticas culturais

dos povos e comunidades tradicionais. A prescrição no Sistema Único de Saúde (SUS) estaria

ligada à consulta de nutrição. Não se trata, portanto, de medicamentos.

1. Avaliação das ações locais da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápico e

do Projeto Profito;

2. Atores indispensáveis ao avanço da produção e consumo de plantas medicinais em

instância local;

3. Ações da instituição ou organização na produção, circulação ou consumo da

informação científica;

4. O papel da comunicação na instituição;

5. A proteção do conhecimento tradicional e o empoderamento dos povos e comunidades

tradicionais;

6. Relação local com o SUS:

a) A Carta Política do Encontro Metropolitano de Agroecologia e a Assistência

Primária em Saúde.

b) Os avanços da Anvisa e a Vigilância Sanitária local;

7. Lugar de interlocução no ciclo produtivo agroecológico de plantas medicinais.

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APÊNDICE B – Roteiro para observação participante

1. Há comércio de plantas medicinais na feira ou na vizinhança?

2. Observar o conjunto dos produtores feirantes

2.1. Quantos são?

2.2. O que comercializam?

2.3. Quem e quantos comercializam espécies medicinais

2.4. Qual a proporção estimada entre plantas medicinais e demais produtos

3. Registrar que plantas orientadas à prevenção ou cura de sintomas desagradáveis,

dolorosos ou definido como doença estão disponíveis na feira.

3.1. Verificar controvérsias entre nomes das espécies

3.2. Quais dessas plantas constam nas Resoluções e normatizações da Anvisa?

4. Que práticas de comunicação utilizam?

5. Registrar frases, observações, cartazes, cartilhas, folders ou menção a uma dessas

práticas com relação ao conhecimento tradicional ou informação científica.

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APÊNDICE C – Roteiro para entrevista semiestruturada – consumidores

1. Importância das plantas medicinais na própria alimentação, no autocuidado com a

própria saúde, no agro ecossistema local.

2. Há pessoas da própria família ou vizinhança que demandam essas espécies?

3. Há algum especialista local? Quem indica ou prescreve?

4. Fornecedor: o interlocutor vende ou compra, doa ou recebe doação?

5. Qual a origem ou fonte do conhecimento sobre plantas medicinais ou remédios

caseiros.

6. Como identifica a planta solicitada ou prescrita?

7. Qual a relação com assistência primária do Sistema Único de Saúde?

8. E com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária?

9. O produtor-fornecedor e/ou o consumidor sentem-se seguros ao vender ou consumir

plantas medicinais?

10. Qual o maior problema associado a esse ciclo de produção-circulação-consumo de

plantas medicinais?

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APÊNDICE D – Lista de entrevistados

Data Nome Instituição Segmento

1 14-02-26 Nádia Aparecida C. P. Reis Semus-Queimados Técnica

2 14-02-26 Marisa Pimentel Amaro Semus-Queimados Técnica

3 14-02-13 Fátima Cristina D. Sanches Semus-Queimados Gestora

4 14-01-03 Tania Maria de Souza - Consumidora

5 14-01-03 Rosângela de Almeida - Consumidora

6 13-12-21 Lúcio de Sampaio Filho - Consumidor

7 13-12-23 Valdecy Ferreira de Lima Aferni Consumidora

8 13-12-18 Alzeni da Silva Fausto Aferni/Univerde Agricultora

9 14-01-22 Francisco Caldeira de Souza Agrovargem/Profito Agricultor

10 13-12-14 Sonia Nascimento de Oliveira Feira Orgânica de Campo Grande Consumidora

11 13-12-14 Dalila Sylvia de Oliveira Silva Agroprata/Profito Agricultora

12 14-01-04 Arlindo Pereira Alcri-Jpa/Profito Agricultor

13 14-01-04 José Antônio Pereira Alcri-Jpa/Profito Agricultor

14 13-12-09 Washington Dutra da Silveira

Adam

Feira Agroecológica da Freguesia Agricultor

15 14-01-15 Sandra Santos Fernandes - Consumidora

16 Rosângela Mangili Aferq Agricultora

17 Renato Baldez de Moraes Aferni Agricultor

18 Sandra Aparecida C. Magalhães

Fraga

Farmanguinhos/Fiocruz - Profito Pesquisadora

19 Maria C. Rosa AARJ- Emater – Nova Iguaçu Técnica

20 14-02-20 Márcio Mattos Mendonça ASPTA – AARJ – Profito Técnico

21 14-01-27 Claudemar Mattos ASPTA – AARJ/Profito Técnico

22 Jorge da Costa Pinto Associação de Moradores da

Freguesia

Consumidor

23 14-01-27 Bernardete Montesano AARJ/Profito Técnica

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APÊNDICE E – LISTA DE PLANTAS CITADAS

Ordem

Plantas citadas

Quem citou?

Local

Data

Profito

Abre Caminho Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Alecrim do Campo Gaúcho FAFRE 07/12/2013

alfavaca Gaúcho FAFRE 07/12/2013

ALFAVACA Alzeni FRNI 18/12/2013

alfavaquinha Gaúcho FAFRE 07/12/2013

anis Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Aniz Muda Alzeni FRNI 18/12/2013

Arnica Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Arnica do Mato Alzeni FRNI 18/12/2013

Aroeira Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s

Arruda Sônia FOCG 14/12/2013

Assa Peixe Alzeni FRNI 18/12/2013

Babosa Arnaldo FOCG 30/11/2013

boldo

Jorge Costa Pinto

CONS FAFRE 04/01/2013

Camomila Dalila FOCG 30/11/2013

Cana do Brejo Arnaldo FOCG 30/11/2013

Capim Limão Dalila FOCG 30/11/2013

Capim Limão Alzeni FRNI 18/12/2013

Carobinha Alzeni FRNI 18/12/2013

Carqueja Arnaldo FOCG 30/11/2013 s

Carrapeta Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Cavalinha Arnaldo FOCG 30/11/2013

Chapéu de couro Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Chapéu de couro Arnaldo FOCG 30/11/2013

Chapéu de couro Sônia FOCG 14/12/2013

Cidreira Dalila FOCG 30/11/2013 s

Cidreira Arnaldo FOCG 30/11/2013

Cidreira Alzeni FRNI 18/12/2013

Cidreira

Jorge Costa Pinto

CONS FAFRE 04/01/2013

Colônia Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Desata nó Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Elevante Muda Alzeni FRNI 18/12/2013

erva cidreira Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s

Erva de São João (Hipérico) Sônia FOCG 14/12/2013

Erva de São João (ver foto) Arnaldo FOCG 14/12/2013

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Ordem

Plantas citadas

Quem citou?

Local

Data

Profito

erva doce Jorge Costa Pinto CONS FAFRE 04/01/2013

Erva Doce Muda Alzeni FRNI 18/12/2013

Erva Prata Gaúcho FAFRE 07/12/2013

erva tostão (dinheiro em penca) Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Folha de Graviola Alzeni FRNI 18/12/2013

Guaco Dalila FOCG 30/11/2013 s

Guiné Pipiu Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Insulina Rosângela Sítio

Jaborandi Peludo Gaúcho FAFRE 07/12/2013

jurubeba Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Lima da pérsia (folha) Arnaldo FOCG 30/11/2013

Maçã Jorge Costa Pinto FAFRE 04/01/2013

Mané joaquim Gaúcho FAFRE 07/12/2013

manjericão Dalila FOCG 30/11/2013

manjericão Arnaldo FOCG 30/11/2013

Melão de São Caetano Alzeni FRNI 18/12/2013

Nega Mina Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Panaceia Arnaldo FOCG 30/11/2013

Panaceia Sônia FOCG 14/12/2013

Pata de Vaca (Cipó) Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s

Pau d'alho Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Picão Preto Alzeni FRNI 18/12/2013

Pimenta Dalila FOCG 30/11/2013

Poejo Alzeni FRNI 18/12/2013

Romã Arnaldo FOCG 30/11/2013

Romã Maria Lua FOCG 14/12/2013

Saião Alzeni FRNI 18/12/2013

Saião Muda Alzeni FRNI 18/12/2013

Santa Maria Arnaldo FOCG 30/11/2013

Santa Maria Alzeni FRNI 18/12/2013

Sete Sangrias Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Tansagem Arnaldo FOCG 30/11/2013

Tansagem Alzeni FRNI 18/12/2013

tucupi Gaúcho FAFRE 07/12/2013

Vence demanda Gaúcho FAFRE 07/12/2013

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APÊNDICE F – Imagem do conjunto de tabelas de organização e análise de dados

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APÊNDICE G – Convite da Primeira reunião da gestão participativa da pesquisa

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APÊNDICE H – Programa da 1ª reunião de gestão participativa na pesquisa

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APÊNDICE I – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)

Convidamos___________________________RG:_____________CPF: __________

residente a ______________________________________________________Cep: ________

a participar da pesquisa “Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a plantas

medicinais: a relação entre informação científica e conhecimento tradicional”, cujo

objetivo geral é analisar a relação entre informação científica e o conhecimento tradicional na

comunicação informal que vincula os atores em redes sociotécnicas de plantas medicinais na

região metropolitana do Rio de Janeiro. Especificamente pretendemos sistematizar as ações

do Projeto Profito e sua inserção em rede sociotécnica descrevendo a relação de seus

integrantes com o Sistema Único de Saúde; identificar as práticas de informação e

comunicação sobre plantas medicinais em uma feira agroecológica da região metropolitana do

Rio de Janeiro, destacando o papel do conhecimento tradicional nessas práticas e, por fim,

consolidar o novo conhecimento gerado na sistematização, salientando as críticas ao regime

sociotécnico vigente e apontando as demandas relativas ao campo da informação e

comunicação em saúde.

Os depoimentos e opiniões serão relacionados aos discursos de outras pessoas para

qualificar a construção do conhecimento agroecológico sobre plantas medicinais no território.

Eventualmente, parte do discurso poderá ser citado como exemplo de questões de relevância

para as ações locais da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. No contexto

dessa pesquisa não há necessidade de sigilo para as declarações emitidas pelo entrevistado.

A participação do entrevistado (a) é voluntária e a recusa em participar do estudo não trará

prejuízo algum para a sua relação com a pesquisadora ou com a instituição. O projeto está

sendo acompanhado pela instituição ao qual ele se vincula e por um comitê de ética. Ao

concordar e assinar esse termo o participante da pesquisa poderá se dirigir a essas instituições,

abaixo relacionadas, sempre que necessário. _______________________________________

Silvia Regina Nunes Baptista

Responsável pela pesquisa

Contatos: 21 – 9718 3168 [email protected]

De acordo, _______________________________________ Integrante da pesquisa Rio de Janeiro, 03/01/2014

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Centro de Informação Científica e Tecnológica (ICICT/FIOCRUZ) CNPJ: 33.781.055/0014-50

Endereço: Pavilhão Haity Moussatché - Av. Brasil 4365, Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21045-900 E-mail: [email protected]: 3865-3131

Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz (CEP/EPSJV)

Avenida Brasil, 4365 – Manguinhos – Rio de Janeiro – 21040-360 – Sala 316

Tels: (21) 3865-9710 e 3865-9705 • Fax: (21) 3865-9701

[email protected] • www.epsjv.fiocruz.br

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220

APÊNDICE J – Termo de cessão gratuita de imagem

Pelo presente instrumento, eu, ____________________, RG ____________ CPF: __________

residente a _________________________________________________ Cep: ___________

concedo gratuitamente a Silvia Regina Nunes Baptista, RG 052553898, CPF 04252817870

domiciliada à Estrada do Pacuí, 901 Vargem Grande, Rio de Janeiro - RJ responsável pela pesquisa

“Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a plantas medicinais: a relação

entre informação científica e conhecimento tradicional”(“CESSIONÁRIA”), desenvolvido

pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde

(PPGICS/ICICT/FIOCRUZ), a utilização de minha imagem em foto e vídeo por prazo indeterminado

a contar da assinatura deste documento.

O objetivo dessa cessão de imagem é proporcionar aos integrantes da pesquisa uma devolução

do conhecimento gerado pela pesquisa em formato adequado através de vídeo. Esse documento é

anexo ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A cessão da imagem é gratuita, em conformidade com a Lei nº 9.608, de 18/02/98. A

presente prestação é atividade não remunerada, e não gera vínculo empregatício nem funcional, ou

quaisquer obrigações trabalhistas, administrativas, previdenciárias ou afins.

Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 2014.

_____________________________________

CEDENTE

_______________________________________ Sílvia Regina Nunes Baptista - CESSIONÁRIA

21-99718 3168 ou 21-3489 3168 Email: [email protected]

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Centro de Informação Científica e Tecnológica (ICICT/FIOCRUZ) CNPJ: 33.781.055/0014-50

Endereço: Pavilhão Haity Moussatché - Av. Brasil 4365, Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21045-900 E-mail: [email protected]: 3865-3131

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ANEXOS

ANEXO A – Convite da 2ª Reunião de gestão participativa. Ilustração de Rosângela Mangilli

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ANEXO B – Tabela descritiva das iniciativas locais sistematizadas. Modelo de Chavez-Tafur, 2007

Título Âmbito de

intervenção

Grupos-meta

(participantes)

Data de início

e duração

Estratégia/enfoque

Linhas de ação

(localização)

Objetivos

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ANEXO C – Tabela de priorização de linhas de ação segundo modelo de Chavez Tafur, 2007

Linhas

de

ação

Atividades Materiais e recursos Principais resultados Dificuldades encontradas Resultados não esperados

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ANEXO D – Tabela de avaliação das iniciativas e linhas de ação. Modelo de Chavez-Tafur, 2007

Indicadores

Aspectos positivos Aspectos negativos Aspectos desconhecidos

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ANEXO E – Convite do Seminário Fitoterapia no SUS