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Silvia Regina Nunes Baptista
SILVIA REGINA NUNES BAPTISTA
COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS
ORIENTADAS A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação
científica e conhecimento tradicional
Rio de Janeiro
2014
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO EM SAÚDE - PPGICS
ICICT/ FIOCRUZ
Silvia Regina Nunes Baptista
COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS
A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação científica e
conhecimento tradicional
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu do Instituto de
Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde, área de concentração Configurações e
Dinâmicas da Informação e da Comunicação em
Saúde como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Ciências.
Orientadora: Prof. Dra. Paula Xavier dos Santos
Coorientadora: Prof. Dra. Annelise Caetano Fraga
Fernandez
Rio de Janeiro
2014
Silvia Regina Nunes Baptista
COMUNICAÇÃO ORAL EM REDES SOCIOTÉCNICAS ORIENTADAS
A PLANTAS MEDICINAIS: a relação entre informação científica e
conhecimento tradicional
Aprovado em 31 de março de 2014.
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Dra. Inesita Soares de Araújo
_____________________________________________
Prof. Dra. Mara Zélia de Almeida
_____________________________________________
Prof. Dra. Adriana Kelly Santos
_____________________________________________
Prof. Dra. Nina Cláudia Barbosa da Silva
Dedico esse trabalho
À minha mãe Lourdes Martins de Carvalho pelo entusiasmo, pelo velho dicionário sem capa
dos tempos de infância e pelas plantas medicinais.
Aos meus irmãos Sandro, Sarah e Bruninha pela paciência e pelos sobrinhos tão
questionadores.
Aos tios Walter, Luiza e Roberto pelo exemplo.
À Annelise Fernandez e Sandra Magalhães Fraga pelas novidades e compromisso.
AGRADECIMENTOS
Aos professores do PPGICS/ICICT/FIOCRUZ, em especial à Paula Xavier dos Santos e
Inesita Soares de Araújo pela paciência, pelas críticas necessárias e pelo percurso tão
promissor.
Aos colegas do PPGICS/ICICT/FIOCRUZ por tantos momentos de inspiração.
Ao Paulo Henrique de Oliveira Léda, parceiro de primeira hora.
Aos integrantes dessa pesquisa, seus coautores : Alzeni da Silva Fausto; Arlindo Pereira;
Bernardete Montesano; Claudemar Mattos; Dalila Sylvia de Oliveira Silva; Fátima Cristina D.
Sanches; Francisco Caldeira de Souza; Jorge da Costa Pinto; José Antônio Pereira; Lúcio de
Sampaio Filho; Márcio Mattos Mendonça; Maria C. Rosa; Marisa Pimentel Amaro; Nádia
Aparecida C. P. Reis; Nádia Aparecida C. P. Reis; Renato Baldez de Moraes; Rosângela de
Almeida; Rosângela Mangili; Sandra Santos Fernandes; Sandra Aparecida C. Magalhães
Fraga; Sonia Nascimento de Oliveira; Tania Maria de Souza; Valdecy Ferreira de Lima;
As agricultoras e agricultores do Maciço da Pedra Branca pelo aprendizado proporcionado
nesses anos de caminhada.
Aos profissionais do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde/Farmanguinhos/ Fiocruz
por apresentarem a complexidade ao nosso território e feito isso terem demonstrado as
matizes entre a teoria e a prática;
À Miriam Langenbach e demais cestantes da Rede Ecológica;
À Bernardete Montesano e demais amigos da Rede Carioca de Agricultura Urbana e à
Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro com suas redes de redes;
À Dra Mara Zélia, Mayara Queiroz e demais organizadores do I Simbafito pela nova
oportunidade de observar outro território e ver questões similares.
À amiga recente Monica Alvarenga pela presença e estímulo.
À Alice Franco, pelas provocações e parceria.
RESUMO
Os diferentes usos e apropriações das plantas medicinais mobilizam recursos
por todo o mundo. Laboratórios, instituições de pesquisa, indústrias investem bilhões de
dólares em busca de novas moléculas tendo como ponto de partida o acesso ao conhecimento
tradicional associado à biodiversidade. Os povos e comunidades tradicionais e agricultores
familiares tem se utilizado de estratégias, muitas vezes insuficientes, para proteger ou
negociar o conhecimento constituído por seus antepassados. Consideramos a exclusão das
classes populares aos sistemas de decisão política propondo que o estudo de uma unidade
territorial poderia dar conta de relacionar as diferentes fragmentações a que a participação
política se reporta. Enquanto objeto de estudo, investigamos o conhecimento sobre plantas
medicinais tanto do ponto de vista da Saúde Coletiva como da Agroecologia. Esses campos
são também como fronteiras epistemológicas para analisar a relação entre informação
científica e o conhecimento tradicional na comunicação informal que vincula os atores em
redes sociotécnicas de plantas medicinais. As redes são delineadas em sua dimensão local a
partir de projetos e práticas orientadas à produção e consumo de plantas medicinais entre a
zona oeste do Rio de Janeiro e parte da região metropolitana. Utilizamos como procedimentos
metodológicos a pesquisa-ação incluindo uma livre apropriação da sistematização em
composição com a análise documental, observação participante, entrevistas e reuniões. Como
resultado foi identificado o estado de reciprocidade ao conhecimento tradicional em grupos de
pesquisa brasileiros e periódicos de comunicação científica, como uma dimensão global das
redes observadas. Registramos o papel das feiras agroecológicas como nós da rede e como
mercado simbólico. Concluímos que a predominância do conhecimento tradicional na
comunicação informal qualifica a rede sociotécnica identificada. Sendo seu elemento mais
relevante a reciprocidade. A partir dos resultados apresentados espera-se que o imperativo
ético derivado dessa dimensão da dádiva se estenda aos objetos ou quase objetos como
elementos críticos da promoção da saúde e inclusão produtiva dos agricultores familiares,
povos e comunidades tradicionais.
Palavras-chave: Informação e Comunicação em Saúde. Agroecologia. Rede Sociotécnica.
Interdisciplinaridade. Plantas Medicinais.
ABSTRACT
The different uses and appropriations of medicinal plants mobilize resources
worldwide. Laboratories, research institutions and industries invest billions of dollars in
search of new molecules having as a starting point the access to the tradicional knowledge
associated with biodiversity. The tradicional people and the traditional communities and
family farmers have been using strategies, often insufficient, to protect or negotiate the
knowledge constituted by their ancestors. We consider the exclusion of the popular classes to
political decision systems proposing that the study of a territorial unit could handle to relate
the different fragmentations that political participation reports. As an object of study , we
investigated the knowledge of medicinal plants from the point of view of Public Health as of
Agroecology. These fields are also as epistemological boundaries to examine the relationship
between scientific information and traditional knowledge in informal communication that
links the actors in socio-technical networks of medicinal plants. The networks are outlined in
your local dimension from projects and practices oriented to the production and consumption
of medicinal plants between the west of Rio de Janeiro and part of the metropolitan region.
We use as methodological procedures the research-action including a free appropriation of
systematization in composition with documentary analysis , participant observation,
interviews and meetings. As a result it was identified the reciprocity condition to traditional
knowledge in brazilian research groups and scientific journals , as a global dimension of the
observed networks. We registered the role of agro-ecological fairs as network nodes and as
symbolic market. We conclude that the prevalence of traditional knowledge in informal
communication qualifies the identified socio-technical network. Being its most important
element the reciprocity. From the results presented it’s expected that the ethical imperative
derived from this dimension of the gift extends to objects or almost objects as critical
elements of health promotion and productive inclusion of family farmers , peoples and
traditional communities.
Keywords: Information and health communication. Agroecology. Sociotechnical
networks. Interdisciplinarity. Medicinal Plants.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................14
1.1 OBJETIVOS ...............................................................................................................................25
1.2 JUSTIFICATIVA........................................................................................................................26
2 CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................................................32
2.1 TIPO DE ESTUDO ....................................................................................................................32
2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ..................................................................................35
2.3 FONTES DE DADOS .................................................................................................................39
2.4 COPARTICIPANTES DA PESQUISA .......................................................................................40
2.5 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA .............................................................................43
2.6 CAMPO OBSERVACIONAL.....................................................................................................45
2.7 ROTEIRO DA SISTEMATIZAÇÃO .........................................................................................46
2.8 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E ANÁLISE DE DADOS ................................................48
3 REFERENCIAL TEÓRICO ..........................................................................................................52
3.1 A COMUNICAÇÃO COMO FENÔMENO MAIS AMPLO. .....................................................53
3.2 CIENCIA E TRADIÇÃO – CAMINHOS ENTRE O GLOBAL E O LOCAL.............................67
3.3 SAÚDE COLETIVA E AGROECOLOGIA COMO FRONTEIRAS ...........................................79
3.4 A JUNÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE PROCESSOS, DISCIPLINAS, SETORES .............91
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A INTER-RELAÇÃO ENTRE A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA
E A TRADICIONAL ........................................................................................................................93
4.1 DE UMA PRÁTICA COMUNICATIVA A UMA REDE SOCIOTÉCNICA ...............................94
4.2 DA MEMÓRIA À COMUNICAÇÃO INFORMAL ..................................................................126
4.3 FEIRA AGROECOLÓGICA: TROCAS SIMBÓLICAS E COMUNICAÇÃO ORAL ...............142
4.4 REDES TRAÇADAS PELA PARTICIPAÇÃO-PODER ...........................................................162
4.5 A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL EM
PLANTAS MEDICINAIS ..............................................................................................................173
5 ELEMENTOS CRÍTICOS PARA APOIO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E INCLUSÃO
PRODUTIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES .....................................................................189
6. CONCLUSÃO ............................................................................................................................196
REFERÊNCIAS .............................................................................................................................203
APÊNDICES ..................................................................................................................................210
ANEXOS........................................................................................................................................221
LISTA DE SIGLAS
AARJ – Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro
AFRNI – Associação Feira da Roça de Nova Iguaçu
AFERQ – Associação Feira da Roça de Queimados
AGROPRATA – Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra Branca
AGROVARGEM – Associação de Agricultores Orgânicos de Vargem Grande
ALCRI – Associação dos Lavradores e Criadores de Jacarepaguá
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ASPTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa
CCSDT – Coordenação de Cooperação Social de Desenvolvimento Territorializado
CEP – Comitê de Ética em Pesquia
CIEP – Centro Integrado de Educação Pública
CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa
COFID – Coordenação de Fitoterápicos e Dinamizados
COPAGÉ – Cooperativa dos Pequenos Produtores de Magé
DGP/CNPq – Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa.
EEUU – Estados Unidos
ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública
FAFRE – Feira Agroecológica da Freguesia
FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro
FARMANGUINHOS – Instituto de Tecnologia em Fármacos
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FRNI – Feira da Roça de Nova Iguaçu
FRQ – Feira da Roça de Queimados
FOCG – Feira Orgânica de Campo Grande
ICICT – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
IFICS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
NGBS – Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde
PROFITO – Projeto Plantas Medicinais nas comunidades do entorno do Maciço da Pedra
Branca
REDES FITO - Redes de Inovação para Gestão em Fitomedicamentos
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SMSDC-RJ – Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
SUS – Sistema Único de Saúde
TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNIVERDE – Cooperativa dos Pequenos Produtores de Nova Iguaçu
14
1 INTRODUÇÃO
Estamos acostumados a ouvir elogios à biodiversidade brasileira como sendo uma
das maiores do mundo. Contudo a presença humana no manejo, uso ou melhoramento de
espécies da biodiversidade é constantemente desconsiderada se formos olhar do ponto de vista
dos povos e comunidades tradicionais ou da agricultura familiar. Os estudos relacionados à
agrobiodiversidade têm contribuído para reverter essa invisibilidade, ao tratar de forma
integrada os interesses alimentares e de reprodução dos modos de vida com a preservação dos
ecossistemas.
No âmbito deste debate, destacamos plantas medicinais como um fio condutor diante
de complexas relações que se estabelecem a partir da agrobiodiversidade. O conhecimento
sobre essas espécies foi socialmente construído ao longo de diversas gerações relacionadas às
suas territorialidades específicas. Por muitos séculos, a ciência também tem se dedicado a
investigação de diferentes aspectos dessas plantas medicinais. Muitas vezes de uma forma ou
outra as pesquisas científicas das plantas medicinais partem do conhecimento tradicional
associado à biodiversidade ou já disseminado na sociedade.
Os princípios da agrobiodiversidade ao relacionar plantas, objetos, espaços e
alimentos como partes de um sistema agrícola permitiu problematizar a complexidade de
temas que envolvem as plantas medicinais: o extrativismo, o cultivo ou a produção e,
consequentemente, o consumo de plantas medicinais – todos estes se relacionam com o
acesso à terra, com a documentação do agricultor, com a certificação da produção. Os
mercados existentes e a logística para acesso a esses mercados bem como a oportunidade de
beneficiamento ou não de sua produção são outros fatores relacionados a plantas medicinais.
Sob a perspectiva da saúde coletiva, a predominância do uso tradicional e popular de
plantas medicinais principalmente em classes populares e comunidades periféricas mesmo em
ambiente urbano é um fator cultural importante. Eventualmente, trata-se de um sintoma da
exclusão de populações aos sistemas de saúde pública que, não tem adequação à cultura local.
Em muitos casos, um tratamento à base de plantas medicinais está associado à falta de
atendimento médico de qualidade, levando cidadãos a procurar por meios alternativos o
15
alívio aos sintomas desagradáveis que porventura estejam sentindo. Em outras situações
observa-se que cidadãos com acesso aos serviços de medicina convencional escolhem utilizar
o conhecimento tradicional de plantas medicinais.
Esse uso implica em diferentes oportunidades de organizar e criar vínculos para a
saúde coletiva, para geração de renda, para novidades e inovações como processos sociais.
Criar vínculos, por sua vez, seria uma condição para a gestão participativa das políticas,
programas, projetos e serviços direcionados às populações que utilizam tradicionalmente
plantas medicinais.
Elencamos, assim, um conjunto de condicionantes para a produção e consumo
agroecológicos de plantas medicinais. Citamos a terra, o mercado, a logística, a
documentação, o uso assistido ou não por profissionais de saúde. Ao considerarmos a
exclusão das classes populares aos sistemas de decisão política que influenciam esses fatores
pulverizados, pensamos que o estudo de uma unidade territorial poderia dar conta de
relacionar as contradições e questões que envolvem as plantas medicinais, inseridas em um
agroecossistema sendo este, por sua vez, incluído em redes globais.
O território seria então o espaço onde as relações pessoais, intersetoriais e
interdisciplinares são passíveis de observação. Temas, setores econômicos e da administração
pública, pesquisas monodisciplinares que se espalham pelo mundo podem ser observadas a
partir desse recorte territorial. Ao mesmo tempo os territórios no Brasil e no mundo são
lugares de disputas e relações de poder. E, conflitos territoriais tem sua própria complexidade.
Desse modo, essa pesquisa se utiliza do território do Maciço da Pedra Branca como
ponto de partida para o delineamento de uma rede sociotécnica que articula este espaço social
a configurações políticas mais amplas, construída a partir de um projeto de capacitação de
agricultores para a produção de plantas medicinais: o Projeto Profito. Esse primeiro recorte
territorial está situado geograficamente na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Acima de
100 metros do nível do mar existe uma unidade de conservação integral denominada Parque
Estadual da Pedra Branca (PEPB). Denominamos Maciço da Pedra Branca ao conjunto de
relações territoriais além do PEPB, e incluindo o entorno dessa UCI, onde há experiências de
agricultura.
16
É nesse território em disputa que se passa a experiência do Profito, um bom caso
para pensar a complexidade que envolve essa proposta de construção de um arranjo produtivo
local de plantas medicinais e que toma agricultores familiares como protagonistas deste
projeto.
A realidade encontrada no maciço não difere de muitos outros lugares ou territórios.
Os conflitos socioambientais encontrados nessa região são similares aqueles que se espalham
por diversas regiões do país e do mundo. Durante décadas se difundiu a ideia de um vazio
demográfico nas montanhas da Pedra Branca. O Estado criou então, na cidade do Rio de
Janeiro uma unidade de conservação integral mantendo a invisibilidade dos sitiantes
tradicionais historicamente habitantes do local.
Toda a região metropolitana apresenta impasses em relação à conservação
socioambiental e à manutenção da agricultura em suas diversas manifestações. Há impactos
na agricultura urbana e nos territórios definidos como urbanos, periurbanos e rurais. Ao
mesmo tempo, o projeto Profito construiu relações com agricultores e agricultoras de vários
municípios. Buscando associar a realidade intramunicipal do Rio de Janeiro a municípios da
Baixada incluímos na pesquisa essas outras realidades. Queimados, por exemplo, tem uma
legislação similar à do Rio de Janeiro. O IPEA configura esse município como 100% urbano.
O ordenamento espacial desse município não prevê a agricultura e não há uma associação
entre a produção agrícola e os impostos urbanos, por exemplo.
Afinal, o Maciço da Pedra Branca é um território rural ou urbano? Apesar de ser
uma indagação recorrente entre as pessoas a própria noção de rural e de urbano se modifica
nesses contextos. A legislação parece simplificar esse contexto. Os municípios do Rio de
Janeiro e de Queimados, por exemplo, são considerados integralmente urbanizados. A
observação e a declaração dos cidadãos, no entanto modificam esse olhar.
O plano diretor do Rio de Janeiro não deixa espaço para a agricultura, embora ela
exista. Curiosamente alguns moradores e produtores ainda recebem o carnê de pagamento do
Imposto Territorial Rural (ITR). Outros têm conseguido uma isenção do Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) por terem agricultura em suas propriedades. Essas imposições
(impostos) demonstram a ambiguidade territorial como campo de luta para agricultores.
17
A segunda região metropolitana do Brasil segue na direção de formação de uma
megalópole, promovendo uma conurbação entre o Rio de Janeiro e São Paulo. A conurbação
ocorre quando as cidades perdem seus limites. As duas maiores metrópoles brasileiras tem seu
crescimento urbano acelerado tendendo a esse conglomerado chamado de conurbação. Nesse
cenário, a quantidade de asfalto, concreto, e industrialização é inversamente proporcional à
preservação dos recursos naturais.
O Rio de Janeiro não é diferente também nos impactos sobre as comunidades
tradicionais. Os processos de luta de comunidades indígenas na Aldeia Maracanã e na
comunidade quilombola da Restinga de Marambaia tiveram certa visibilidade na mídia,
recentemente. Mostram que a cidade do Rio de Janeiro não está alheia aos processos de
conflitos socioambientais que ocorrem em outras regiões do país.
Tanto a cidade como toda a região metropolitana está sendo palco de grandes
investimentos financeiros internacionais. Um dos motivos aparentes desses investimentos são
os jogos globais – os Jogos Pan-Americanos, realizados em 2007; a Copa do Mundo realizada
em 2014 e os Jogos Olímpicos que ocorrerão em 2016. Em nome desses eventos são
promovidas profundas transformações urbanas na cidade. Na mesma dimensão investimentos
de grande envergadura, típicos de um determinado modelo de desenvolvimento modifica-se a
configuração da região metropolitana.
Além desses problemas sociais, os impactos ambientais derivados dessas e de outras
intervenções urbanas passadas têm sido visíveis e contabilizados. Estima-se que a região
metropolitana do Rio de Janeiro levou 300 anos para poluir a Baia de Guanabara. O complexo
lagunar da Baixada de Jacarepaguá (Rio de Janeiro/RJ) foi prejudicado severamente em
apenas três décadas. A legislação restritiva de alguns locais de interesse imobiliário é alterada
de modo arbitrário. Na Reserva Ambiental de Marapendi, na Barra da Tijuca, próximo ao
PEPB, há um projeto de construção de um campo de golfe e um resort. Um importante
fragmento de mata atlântica no bairro de Deodoro, zona norte da cidade, está ameaçado pelo
projeto de implantação do autódromo retirado da zona oeste.
O capital parece dispor da cidade sem sequer consultar os seus habitantes. Quando
promove uma audiência pública parece cumprir uma exigência legal. Recentemente um gestor
18
de um órgão ambiental estadual afirmou que fazia a consulta à sociedade, mas que seu objeto
em consulta pública não estava em discussão. A decisão já estava tomada. O contexto político
na cidade é de luta e conflito. Multiplicam-se as resistências por todo lugar.
Na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro a população tradicional também
desenvolve processos simbólicos de luta. Constitui tramas e vínculos tecidos na reprodução
de seu modo de vida. Alia-se a diferentes atores sociais na busca do bem-viver. Defende seu
direito à terra para plantar e morar. Defende sua intrínseca relação com a paisagem cultural
que seus ancestrais ajudaram a cultivar. Defende sua proximidade com o mar, os lagos, os
rios, os peixes, os pássaros que marcaram sua infância e que constituem marcos em sua
memória social. Consolida novos territórios pautados pela solidariedade e participação
política.
As resistências populares resultam em fronteiras agrícolas e ambientais. Por toda a
periferia da região metropolitana encontram-se experiências de agricultura ou de proteção
ambiental. Nas três cidades visitadas nessa pesquisa, Nova Iguaçu, Queimados, Rio de
Janeiro, a agricultura se faz presente nos limites das cidades. Em alguns bairros é possível
observar o corte brusco entre o urbano e o rural, de certa forma demonstrando o vetor de
crescimento da cidade.
Ao lado desses espaços onde a agricultura se instala há as unidades de conservação.
Em Queimados há duas áreas de proteção ambiental (APAs). Uma é a APA Guandu e a outra
é a APA Luiz Gonzaga de Macedo, inteiramente municipal. Nova Iguaçu está nos limites da
Reserva Biológica de Tinguá. Criado recentemente, o Parque Estadual do Mendanha (PEM)
liga três municípios da região metropolitana, Nova Iguaçu, Mesquita, Rio de Janeiro. O Rio
de Janeiro além do PEM e de diversas outras unidades de conservação, abriga o Parque
Estadual da Pedra Branca (PEPB).
O PEPB, unidade integral de conservação onde iniciamos essa pesquisa, foi criado
em 1974. Espalha-se principalmente na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. São 12 mil
hectares destinados a conservação integral da biodiversidade, ou seja, por pressuposto,
excluindo a presença humana enquanto lugar de morar e reprodução dos modos de vida.
Paradoxalmente, a falta de investimento para implantação da UC e principalmente a ausência
19
de regularização fundiária, criou condições para a preservação da agricultura e das
comunidades tradicionais da região.
Por vivenciar o paradoxo entre uma institucionalidade (PEPB) e a evidente presença
humana, citamos sempre o Maciço da Pedra Branca como expressão da fusão da
agrobiodiversidade com a unidade de conservação. É uma cordilheira de montanhas, no
coração da cidade que já havia passado por diferentes ciclos agrícolas. Houve o ciclo da cana
de açúcar, do café. Nas primeiras décadas do século XX, segundo um agricultor, saíam
“caminhões e caminhões de laranja” da região. Atualmente a principal produção é de
fruticultura, especialmente, banana e caqui. Desse modo, os principais atores desses ciclos
permaneceram no lugar, fazendo tradicionalmente seu ofício de agricultores.
Sem o reconhecimento público de sua existência, os agricultores e sua rede de
parentela formaram pequenas comunidades. Nessas comunidades ocorre esse uso popular e
tradicional de plantas medicinais, principalmente como o sintoma de exclusão citado
anteriormente. O acesso à saúde no Maciço da Pedra Branca é caracterizado pela ausência do
poder público, por isso chamado por alguns de vazio sanitário. É comum ouvir dos
agricultores que “há trinta anos não vão ao médico”. Outro diz que nunca foi a um médico.
Até recentemente, as pessoas recorriam a Dona Nata, a rezadeira local, falecida já.
Conhecendo esses fatores duas pesquisadoras criaram o Projeto Profito Pedra
Branca. Conheci uma delas, Sandra Aparecida Magalhães Fraga, doutora em ecologia,
conservação e manejo, às margens do Rio Paineiras fazendo coleta de material para sua tese,
defendida na Universidade Federal de Minas Gerais. A segunda pesquisadora, Annelise
Caetano Fraga Fernandez, estava na época de criação do Profito fazendo o trabalho de campo
também para sua tese de doutoramento no Programa de Antropologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Houve uma convergência de interesses entre a comunidade tradicional, os interesses
da pesquisadora e a iniciativa do Instituto de Tecnologia em Fármacos
(Farmanguinhos/Fiocruz). Desse modo, em 2006 foi criado o Projeto Plantas Medicinais
como alternativa Agroecológica para as comunidades do Maciço da Pedra Branca. Após
20
várias versões e nomes similares ao primeiro, em 2008, o projeto recebeu o nome fantasia de
Profito, termo que usamos para designá-lo desde então.
O projeto criado por Farmanguinhos/Fiocruz teve um objetivo inicial de garantir
renda para os agricultores do Maciço da Pedra Branca. Tinha uma vocação para a
sustentabilidade, bem como de promover a mediação dessas comunidades tradicionais com o
órgão gestor do Parque Estadual da Pedra Branca, na época conhecido como Instituto
Estadual de Florestas (IEF). Atualmente após a fusão com outros órgãos de vocação
ambiental, tornou-se Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
A equipe fundadora do Profito encontrou duas organizações de agricultores já
consolidadas e um grupo com forte vínculo entre si. A Associação de Lavradores e Criadores
de Jacarepaguá (Alcri) era a organização mais antiga e uniu os agricultores de um sub-bairro
chamado Pau da Fome, vizinhos a sede do PEPB. Foi criada em 1986, passou 12 anos
desativada e depois foi reorganizada pelos técnicos da Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural (Emater) que, na época mantinha um escritório em Jacarepaguá (Fernandez,
2010, p. 298).
A segunda organização já consolidada foi criada com o nome de Associação de
Agricultores Orgânicos da Pedra Branca. Embora seu nome de origem quisesse abranger todo
o Maciço, na realidade seu nome fantasia lhe dá uma territorialidade mais restrita. Hoje, após
a criação da Agrovargem em 2007, passou a se chamar Agroprata, numa referência ao sub-
bairro de Rio da Prata, Campo Grande, cidade do Rio de Janeiro.
A Agrovargem, nome fantasia da Associação de Agricultores Orgânicos de Vargem
Grande nasceu com a participação da comunidade no Profito. Com o desenvolvimento do
diagnóstico participativo promovido pela equipe fundadora do Projeto, encontrou-se no Alto
Mucuíba em Vargem Grande (RJ/RJ), um grupo coeso por laços de parentesco e de
religiosidade. Eram agricultores e comunitários de algumas poucas famílias tradicionais. A
própria criação da associação foi uma demanda do grupo que já tinha essa necessidade
bastante contextualizada. Para eles, o acesso a direitos passava por essa institucionalização de
sua forma peculiar de organização. Assim, após várias reuniões de formação em 12 de
dezembro de 2007 foi criada a Agrovargem.
21
As três associações de agricultores, parentes e as comunidades onde se inserem
foram vinculadas como uma rede comunitária através do investimento participativo dos
projetos. Ao repetirem a presença em reuniões, seminários, viagens passaram a criar vínculo
com os laboratórios de Farmanguinhos e por extensão com outros institutos e com o Campus
Fiocruz da Mata Atlântica. Essas relações não ficaram restritas à Fiocruz, se estendendo para
outras organizações governamentais ou não inicialmente convidadas pela equipe fundadora do
Profito. Outras parcerias foram se vinculando ao longo do tempo, focando em atores do
entorno do Maciço da Pedra Branca mas incluindo relações com agricultores da Baixada
Fluminense.
Essa territorialidade do Profito está centrada na agricultura do Maciço da Pedra
Branca e no seu entorno onde se situa três unidades de Farmanguinhos, uma delas no Campus
Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA). Estende-se à parte da região metropolitana do Rio de
Janeiro desde que as organizações de agricultura da Baixada Fluminense, em especial de
Magé, Nova Iguaçu e Queimados, mediante convite passaram a frequentar os seminários do
Profito realizados em 2010 e 2012.
A comunicação em redes foi uma opção metodológica em 2009 quando o Profito
alcançou seu primeiro orçamento institucional através do edital de Desenvolvimento
territorial desenvolvido pela Coordenadoria de Cooperação Social, órgão ligado à presidência
da Fiocruz. A partir dessa visão, o Profito passou a se inserir e ajudar a criação da Rede
Carioca de Agricultura Urbana, derivada do trabalho do Programa de Agricultura Urbana da
organização-não-governamental Assessoria a Agricultura Alternativa (ASPTA). O próximo
pertencimento veio com a participação dos agricultores nas articulações de agroecologia da
metropolitana, estadual e nacional.
Como previsto no projeto de 2009, essa comunicação em redes deu amplos
resultados para os agricultores da Pedra Branca. Eles aumentaram sua participação no
Conselho Consultivo do Parque Estadual da Pedra Banca; alcançaram representação nas
Conferências locais, municipais, estadual e nacional de segurança alimentar; conquistaram
assento no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-Rio). Esse
conselho é fundamental para acesso da agricultura da cidade do Rio de Janeiro a determinados
22
direitos. Atualmente é presidido por um agricultor que iniciou sua participação política no
Profito.
A partir da inserção em redes os agricultores do Maciço da Pedra Branca
conseguiram as primeiras Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP), um importante
documento para acesso a crédito e mercados institucionais. Passaram a comercializar para
colégios estaduais da região através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Atualmente cinco escolas do entorno adquirem alimentos orgânicos diretamente da
agricultura da cidade. Esses avanços levaram o atual diretor da Agrovargem, Jorge Cardia, a
afirmar: “Nós não somos mais invisíveis”.
Outra novidade é a territorialidade emergente das feiras orgânicas e agroecológicas
que surgem por toda a cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana. Através da
participação dos agricultores aprendemos que a feira é muito mais que um mercado. Esse
vínculo mostrou que valorizam um mercado onde podem expressar sua cultura oral, sua
dádiva, seu conhecimento. Aqui entendemos a feira como lugar de construção do
conhecimento, como lugar de comunicação e trocas simbólicas. É, portanto, um espaço
valorizado por essa pesquisa.
A percepção atual é que esse conjunto de atores constitui uma grande rede na qual
se apresentam atores humanos e não humanos que se relacionam sob a influência direta tanto
do conhecimento tradicional como da informação científica. Todos, naturalmente, com direito
à participação nas políticas relacionadas às plantas medicinais. Essa dupla informação
costuma gerar alguns impasses entre as redes e coletivos anunciando uma necessária tradução,
mediação e simetria.
A metodologia do Profito se organizava em torno da gestão participativa. Foi um
investimento de anos para gerar a atual relação entre os três núcleos de agricultura e moradia.
Esse processo de formação foi a atividade principal que me conduziu de voluntária no Profito
à profissionalização em Farmanguinhos. A equipe fundadora sentiu a necessidade de
profissionalizar alguém das ciências humanas que implantasse essa gestão participativa.
Assim em 2007 passei a integrar a equipe.
23
Essa pesquisa deriva dos desafios dessa convivência entre a tradição agrícola, as
reflexões das ciências humanas e sociais com o laboratório. Foram os desafios e resultados
dessa formação para a gestão participativa que fundamentam esse projeto.
A agricultura familiar e tradicional do Maciço da Pedra Branca e, por extensão, da
região metropolitana do Rio de Janeiro é fragilizada por questões de mercado, de especulação
imobiliária ou limitada pela implantação de unidades de conservação integral que perseguem
o mito da natureza intocada. Ao mesmo tempo é atingida por relações técnicas orientadas por
órgãos governamentais diferentes que nem sempre atuam no sentido de unir. A fragmentação
e setorialização da gestão pública tem seu paralelo na resistência popular também
fragmentada como todo o tecido social. São grupos especializados na luta por moradia, outros
por alimentação saudável, outros por cultura viva, outros por questões ambientais. Outros
coletivos e organizações ainda são voltados para a economia solidária e parecem ligar-se mais
ao artesanato do que a uma visão intersetorial da produção para outra economia possível.
Esses grupos parecem corresponder à divisão contemporânea do conhecimento tão
compartimentalizado em disciplinas, orientada para e por diferentes setores econômicos,
apropriados em distintos espaços geográficos. Entre seus operadores estão aqueles voltados
para a política urbana, de mobilidade, de abastecimento, de educação. São aqueles gestores de
planos e recursos para implantar os aparelhos esportivos voltados aos jogos. São aqueles
definidores dos serviços ambientais e voltados à cultura. São também atores coletivos na
busca de garantir segurança alimentar e nutricional, ligando abastecimento às necessidades
novas ligadas à agroecologia. Simultaneamente e no mesmo território existem os serviços de
saúde pública e investimentos em pesquisas do campo da saúde coletiva.
É, portanto, um amplo leque de ações e serviços que podem convergir com o
pensamento crítico da população organizada. Em cada um desses nichos de poder há cidadãos
tentando fazer valer seu direito à participação. Esses cidadãos se conectam a uma rede ampla
de resistência política e cultural. Porém, essa rede é complexa. A atuação na gestão
participativa do Profito demonstrou que a agricultura da região metropolitana do Rio de
Janeiro é uma agricultura ameaçada. Só recentemente começa-se a ter acesso aos programas
de amparo ao próprio ato (prioritário) de produzir alimento. Muitos agricultores vivem sem
documentação, sem segurança da posse da terra. Desse modo, não poderiam participar de uma
24
política pública de plantas medicinais. Precisavam atender a outras prioridades como
estratégia de sobrevivência. Temas mais emergentes se sobrepuseram às plantas medicinais. O
seu uso popular e tradicional dava conta de suas necessidades de autocuidado. Sua prioridade
era o acesso a terra.
Por diversas vezes agricultores demonstraram seu vínculo com as plantas medicinais.
No entanto, as lutas cotidianas para reprodução de seu modo de vida são tão exigentes que o
trabalho com as plantas medicinais se torna secundário. As prioridades são o alimento, a
moradia, a posse da terra. As pessoas querem atuar nas políticas e serviços locais voltados às
plantas medicinais, mas não conseguem. Diante disso, a busca de uma participação politica
não fragmentada tendo por base uma unidade territorial é uma necessidade.
Essa pesquisa enquanto ferramenta de observação e análise propõe a um recorte
temático e territorial do contexto descrito. Verificamos um conjunto de organizações
populares, serviços governamentais, agentes de pesquisa científica, aparelhos públicos,
objetos técnico-científico-informacionais que podem ser descritos e analisados como rede
sociotécnica. Em meio às contradições inerentes ao território recortado esse grupo parece ser
uma pequena parte que contém o todo. Como um holograma esse pequeno recorte pode
iluminar o conjunto das relações de resistência nesse território. É um dos motivos que tornam
esse empreendimento relevante.
Por opção dos agricultores que integram o Profito, o ambiente das feiras foi
priorizado como espaço de interações entre produtores e consumidores de plantas medicinais
frescas ou com beneficiamento primário. É nesse ambiente que aqueles detentores do
conhecimento tradicional possibilitam um encontro com o consumidor que, por ter acesso à
informação científica pode trazer algumas questões ao ato de compra.
Pressupõe-se que agricultores-produtores e consumidores articulem em seus
argumentos tanto a informação científica como o conhecimento tradicional. Podem também
ocorrer conflitos de autoridade ou de autoritarismo entre pessoas que atuem em um único
parâmetro de informação. É importante lembrar que todos têm direito à informação científica,
conforme declara um importante movimento internacional: “Las campesinas y campesinos
25
tienen derecho a la información completa e imparcial sobre bienes y servicios, para decidir
qué y como quieren producir y consumir” (Via Campesina, 2009).
As conversas informais no ambiente das feiras inclui simultaneamente o
conhecimento tradicional e a informação científica. Juntando todos esses fatores será
configurada uma rede vinculando os diferentes atores através da informação e da
comunicação. A prática empírica nos projetos desenvolvidos permite identificar quatro
categorias de atores: O primeiro ator é produtor/fornecedor de plantas medicinais em
propriedades urbanas e/ou periurbanas. O segundo ator é consumidor, adquirindo plantas
medicinais através de trocas mercantis ou pela dádiva. O terceiro ator é atuante nas redes de
agroecologia e contribui com o suporte para o consumo agroecológico de plantas medicinais.
Tem o perfil técnico e um entendimento crescente do modo de construção social do
conhecimento que permeia as articulações de agroecologia. O quarto ator é detentor de
saberes biomédicos, ligado à saúde pública, seja na assistência, seja na vigilância sanitária.
Lembramos essa categorização não é estática mas processual. O consumidor é muitas
vezes produtor. O produtor sempre é um consumidor. O mesmo é válido para os demais
atores que oscilarão entre os vários papeis. Uma leitura e descrição dos contextos em que
ocorre a interação observável serão úteis nessa investigação.
O problema de pesquisa é a coexistência entre a informação científica e o
conhecimento tradicional nas práticas de comunicação informal sobre plantas medicinais
nessas redes e, em especial nas feiras agroecológicas da região metropolitana. A observação
pretende identificar como ocorre essa coexistência, se há disputa de sentidos, relação de
domínio ou complementaridade e que rede sociotécnica pode ser desenhada, no território, a
partir desses fluxos de informação e comunicação.
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo geral
26
Analisar a relação entre informação científica e o conhecimento tradicional na
comunicação informal que vincula os atores em redes sociotécnicas de plantas medicinais na
região metropolitana do Rio de Janeiro.
1.1.2 Objetivos específicos
a) Sistematizar as ações do Projeto Profito descrevendo a relação de seus integrantes com
o Sistema Único de Saúde.
b) Identificar as práticas de informação e comunicação sobre plantas medicinais em feiras
agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.
c) Desenhar a rede sociotécnica derivada da participação popular nos serviços e políticas
de plantas medicinais na região metropolitana do Rio de Janeiro.
d) Analisar a inserção do conhecimento tradicional na produção científica sobre plantas
medicinais.
1.2 JUSTIFICATIVA
A principal motivação para essa pesquisa vem da experiência pessoal em meu lugar
de origem familiar, junto às organizações populares e movimentos sociais. Portanto, meu
interesse pelo tema surge de uma existência híbrida e não moderna. Nasci em meio a uma
comunidade tradicional na zona oeste do Rio de Janeiro. Cresci, no entanto com acesso à
informação tecnológica e científica. Vivenciei atividades típicas do passado como algo que
sobrevivia contemporaneamente através de práticas que incluem o uso de plantas medicinais.
Ao mesmo tempo sou impelida cotidianamente a traduzir a produção acadêmica sobre plantas
medicinais.
27
Interpelada em diversas ocasiões passei a uma militância de defesa da informação
científica que ratifica o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais. Ao mesmo tempo
reconhecendo a luta por empoderamento das classes populares que fica invisível na relação
sociotécnica. Essa forma não sistematizada sempre me causou um grande desconforto.
Percebi então que aí existe um objeto de pesquisa a ser investigado.
Essa vivência foi fortalecida através do período que integrei a equipe do projeto
Profito. Primeiramente como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro
(Faperj) e em seguida como gerente do projeto. Compreendi as implicações da falta de acesso
à informação científica e necessidade de estratégias de mediação através dessa atuação
profissional.
O investimento local feito pelo Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde
(NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz) levou parte da equipe à percepção empírica de vazios do
conhecimento sociotécnico sobre a integração entre conhecimento tradicional e informação
científica. O número de pesquisas científicas sobre plantas medicinais excede as mais ousadas
expectativas. Diferentes listas de plantas medicinais estudadas subsidiam interesses de uso na
saúde pública e na indústria. Esse é o caso da Relação Nacional de Plantas de Interesse do
Sistema Único de Saúde (Renisus). Algumas espécies integram a Relação Nacional de
Medicamentos (Rename).
A essa percepção se aliou a permanência da mobilização dos agricultores e
comunitários que integram o projeto como a exigir uma culminância concreta e obtenção dos
objetivos traçados inicialmente para o Profito.
Outra justificativa para essa pesquisa é a sua relação contemporânea com o ambiente
institucional internacional e nacional. Entre as diferentes iniciativas globais de proteção aos
modos de vida dos povos e comunidades tradicionais está a Conferência Internacional Sobre
Cuidados Primários De Saúde, realizada na então União das Repúblicas Soviéticas (URSS),
na cidade de Alma-Ata entre 6 e 12 de setembro de 1978. O documento síntese das
deliberações desse foro inclui, em sua visão de saúde, os praticantes da medicina tradicional.
Essa medicina tradicional é reconhecida pelo uso de plantas medicinais e outros elementos da
agrobiodiversidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS), após essa declaração passou a
28
desenvolver mecanismos de inclusão dos conhecimentos tradicionais em diversos documentos
e ações mundiais.
A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais
conhecida como Eco 92 ou Rio 92, além de enfatizar a emergência das questões ambientais,
trouxe ao cenário a proteção aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Uma das
culminâncias dessa conferência foi a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) por 175 países incluindo o Brasil. Esse documento tornou a proteção aos direitos
desses povos algo mais explícito, mas que, em nosso entendimento já estava implícito na ideia
da medicina tradicional preconizada pela Declaração de Alma Ata.
A natureza da CDB está no âmago dessa pesquisa na medida em que trata do uso da
biodiversidade onde o acesso sobre plantas medicinais tem o seu papel. O documento
reconhece a intrínseca relação entre a biodiversidade e os povos e comunidades tradicionais.
Considera também que o conhecimento tradicional é utilizado por atores não pertencentes a
essas comunidades e, nessas condições, uma justa e equitativa divisão de benefícios deve ser
promovida.
Dois anos depois da Eco-92, o Brasil se torna signatário do acordo TRIPS, sigla
derivada de Agreementon Trade-Related Aspect sof Intellectual Property Rights, ou Acordo
sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Essa
rodada de negociações internacionais foi realizada no Uruguai, em 1974 e contribui para a
fundação da Organização Mundial do Comércio. Mais adiante vamos analisar essas
contradições no campo dos acordos internacionais que impactam direta ou indiretamente o
cenário nacional da produção, circulação e consumo de plantas medicinais.
Simultaneamente, no Brasil, foram se constituindo as correspondências desse
contexto internacional na legislação nacional. Essas ambiguidades globais espalham-se por
diferentes documentos. Ao longo da pesquisa analisaremos a proliferação de políticas,
programas e planos governamentais. Considerando as características da nossa federação e a
nossa cultura de ação governamental, configura-se uma fragmentação dessas políticas e
programas agravando a situação desses povos e comunidades tradicionais. Ou seja, os
próprios textos programáticos dão indícios de uma luta de hegemonia e contra hegemonia
29
entre princípios que ora protegem os povos e comunidades tradicionais ora fazem deles presas
fáceis de esquemas desenvolvimentistas.
No Brasil, o pacto federativo, em sua distribuição de ações públicas entre governos
federais, estaduais e municipais não favorece uma integração das ações previstas nesses
textos. Há políticas nacionais conflitantes a serem executadas por diferentes ministérios. As
ações em si, devem obedecer ao pacto federativo. Estados e municípios tem a prerrogativa da
ação local e por sua vez dividem a gestão em secretarias e subsecretarias, institutos. Esse
quadro fragiliza ainda mais a produção e o consumo agroecológico de plantas medicinais.
Consideramos então os três entes federativos corresponsáveis pela execução de
princípios protecionistas expressos na Constituição Federal e na adesão nacional aos acordos
internacionais. Embora, como veremos adiante, a principal iniciativa que anima essa pesquisa
tenha uma geografia intramunicipal, achamos indispensável recorrer a um recorte regional
que possibilite em desdobramentos futuros pensar o papel do Estado do Rio de Janeiro nessa
problemática.
As políticas, programas e alocação de recursos derivadas de decisões nacionais
também são fatores que justificam esta pesquisa. Nesse sentido sublinhamos: Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares PNPIC(Brasil, 2006a), a Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Brasil, 2006b), ao Programa Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) (Brasil,
2007), ao Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Brasil, 2009), a Política
Nacional de Produtos da Sociobiodiversidade (Brasil 2009). O tema também é relacionado à
Política Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia - PNAPO (Brasil, 2012).
O Plano Nacional de Cultura (Lei 12343/2010), por sua vez, traz princípios que são
aplicáveis ao tema das plantas medicinais: "valorizar a diversidade cultural, étnica e regional
brasileira; proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;
reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus
detentores". Tem como órgão executor o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural
(IPHAN) que traçou uma metodologia para lidar com o conhecimento tradicional como
patrimônio imaterial.
30
Outro desses investimentos está acontecendo por demanda das organizações
populares e movimentos sociais junto com profissionais especializados na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um de seus órgãos, a Coordenação de Fitoterápicos,
Dinamizados e Notificados (Cofid) tem avançado bastante na legislação referente a
medicamentos derivados de plantas medicinais (ANVISA, 2013a). Por exemplo, a resolução
RDC Anvisa nº 277, de 22 de setembro de 2005, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2013a) que estabelece o Regulamento Técnico para Café,
Cevada, Chá, Erva-Mate e Produtos Solúveis. Descreve um conjunto de plantas passíveis de
utilização como alimento (chá), atendendo ao que se convenciona chamar de baixa
complexidade. Ou seja, as plantas tem indicação de uso como alimentos, sem a conotação de
medicamentos. Aliam-se a estratégias de alimentação, nutrição e saúde preventiva.
Outra iniciativa da própria ANVISA recentemente colocou em consulta pública um
processo de inclusão produtiva que pode beneficiar diversos produtos derivados da agricultura
familiar dentre eles, a produção e beneficiamento primário de plantas medicinais. Estive
presente em uma das oficinas que deu origem à consulta pública nº 37 de 26 de agosto de
2013 publicada no Diário Oficial da União de 27/08/2013 (ANVISA, 2013b). No dia 29 de
outubro de 2013, participei da 14ª reunião colegiada do órgão durante o Simpósio Brasileiro
de Vigilância Sanitária. Nessa reunião a consulta pública foi aprovada por unanimidade dando
origem à RDC 49/2023 (ANVISA, 2013c).
O órgão responde com esse processo a demandas da sociedade civil. Essa consulta
pública é uma vitória dos movimentos sociais em sua luta por inclusão produtiva expressa na
11ª Conferências Nacional de Saúde e na de 1ª Conferência Nacional de Vigilância Sanitária.
A forma pela qual essa consulta foi organizada permitiu a participação dos movimentos
sociais e a identificação dos avanços e desafios apresentados nacionalmente na discussão.
Esta pesquisa também se justifica pela interseção do seu tema com a Agenda
Nacional de Prioridades de Pesquisa em Vigilância Sanitária, dentre essas os estudos sobre
agricultura familiar e produção artesanal de alimentos e seus impactos na segurança alimentar
(ANVISA, 2011, p. 11); Na mesma agenda há um item dedicado à comunicação e educação
(1.4) onde se expressam como prioridades, “estudos sobre as demandas da sociedade por
31
informação sobre temas relacionados à vigilância sanitária e estudos sobre a mobilização
social como estratégia para a prevenção do risco” (ANVISA, 2011, p. 13).
Para esse processo de decisão quanto ao escopo da pesquisa foi fundamental saber
que há uma convergência de interesses no campo da agroecologia e a missão do Plano Brasil
Sem Miséria (PBSM) (BRASIL, 2011). Agroecologia preconiza o papel das novidades no
desenvolvimento endógeno e tem na segurança alimentar e nutricional o seu norte mais
pragmático. Um dos objetivos desse plano, o PBSM, é “propiciar o acesso da população em
situação de extrema pobreza a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de
inclusão produtiva” (BRASIL, 2011). Acreditamos que plantas medicinais tem um papel a
desempenhar no combate à vulnerabilidade social em nosso país. É possível que esse papel se
cumpra não como medicamento, mas como alimento e tema gerador importante para a
comunicação em saúde.
Considerarmos que uma parte da região metropolitana do Rio de Janeiro tem
indicadores de vulnerabilidade que justificam uma ação compartilhada entre os entes
federados e a sociedade organizada. Uma ação nessa região, tem o sentido de aprendizado
pessoal, institucional e coletivo para ser reaplicado em territórios ainda mais vulneráveis. Esse
projeto pode contribuir para mapear parcerias que dê início de um arranjo socioprodutivo
local de plantas medicinais e fitoterápicos. Tem a missão de consolidar um conhecimento
prévio sobre o ciclo produtivo e suas redes de apoio capaz de alinhar conceitos e criar
parcerias institucionais.
Finalmente acrescentamos que estudar o tema à luz da informação e comunicação em
saúde é uma busca por explicitar o papel estratégico que essas áreas exercem na gestão
participativa e controle social como princípios do SUS e demandas da sociedade. A ciência da
informação traz reflexões consideráveis sobre mecanismos de interdisciplinaridade e
multidisciplinaridade como um processo em curso ou algo que acontece à comunidade
científica, como um momento epistêmico (POMBO, 2005). Esta não é uma pesquisa sobre
interdisciplinaridade. No entanto, pode qualificar o objeto quanto à relação entre as ciências
que estudam plantas medicinais com uma atitude de solidariedade com os detentores do
conhecimento tradicional. Desse modo pode dar subsídios para futuras investigações e
implantação de projetos de desenvolvimento local.
32
2 CAMINHOS DA PESQUISA
Inicio esse capítulo prestando uma homenagem à amiga e agricultora Madalena
Gomes, por termos uma prosa antiga sobre o caminho do pensamento. Naturalmente esse
capítulo poderia ser intitulado procedimentos metodológicos. No entanto, o alinhamento desta
pesquisa à uma aproximação com a forma de construção tradicional do conhecimento traz um
contexto onde as metáforas e incertezas são bem vindas. Com a presença da expressão
caminhos da pesquisa no Manual de Normalização de Trabalhos Acadêmicos (ICICT, 2012,
p. 27), achamos mais adequado batizá-lo assim. As palavras do mestre da complexidade,
Edgar Morin, conferem certa sustentação teórica a essa opção.
“A metáfora literária estabelece uma comunicação analógica entre realidades muito
distantes e diferentes, que permite dar intensidade afetiva à inteligibilidade que ela
apresenta. (...) Fornece, frequentemente, precisões que a língua puramente objetiva
não pode fornecer”. (Edgard Morin)
2.1 TIPO DE ESTUDO
Trata-se de uma pesquisa-ação onde se deu a conjunção de aspectos da pesquisa
documental ou bibliográfica com a observação participante e a entrevista semi-estruturada.
Também recorremos a uma livre apropriação da sistematização como prática comum do
campo da agroecologia, transformada em técnica de pesquisa-ação. Segundo Antonio Gil, a
pesquisa-ação “procura diagnosticar um problema específico numa situação específica com
vistas a alcançar algum resultado prático” (Gil, 2010, p. 42). Nesse sentido, ela se orienta
para parâmetros e procedimentos diferentes das pesquisas tradicionais que buscam
conhecimentos ditos objetivos. Enfatizamos a troca e a devolução das informações geradas
para o próprio grupo que gerou os problemas recortados.
A pesquisa se alinhou com a busca de elementos que integram o convencional e o
não convencional em pesquisa. Esses elementos, segundo Magda Soares (1992) são o locutor,
o interlocutor e o gênero da pesquisa e se referem ao "um continuum" do convencional ao não
33
convencional, partindo da neutralidade pretendida, (...), para chegarmos à não neutralidade
valorizada, que é um reconhecimento do eu como objeto de pesquisa possível, porque, na
verdade o eu somos nós" (Soares, 1992, P.126).
Esse pensamento de Magda Soares traz uma abordagem que se coaduna com a busca
do território agroecológico. Como pesquisadora, eu busquei me colocar numa posição de
horizontalidade como locutora, buscando problematizar esse lugar privilegiado. Confesso que
amarguei tempos de dúvida sobre que pronome utilizar, que vozes falariam por este meio
privilegiado que é a escrita. Ao descrever na introdução a minha/nossa história no
desenvolvimento do projeto Profito, entendi que somos nós, todos interlocutores que
articulamos nossas vozes nesse texto. A esperança é de que eu tenha sido leal ao narrar os
acúmulos, as críticas e as novidades produzidas na coparticipação. Essa é a pesquisadora não
convencional.
Passamos ao pesquisador que se reconhece como individualidade que se
dissolve construindo o coletivo com os outros, em compromisso, em
solidariedade, em cumplicidade com os outros. E então o interlocutor se amplia: não apenas os pares da academia, não só os participantes da
pesquisa, mas todos, todos aqueles que constroem a história, o
conhecimento. E esse interlocutor impõe e permite um novo gênero, caracterizado pela libertação das normas e regras de estruturação e estilo
acadêmicos (SOARES, 1992, p. 127).
Pela inclusão do tema no campo de pesquisa da agroecologia, buscamos uma ênfase
na construção social do conhecimento. Para a gestão do conhecimento agroecológico no
território os procedimentos metodológicos utilizaram a sistematização, como a livre
apropriação já citada de uma prática realizada em todo o estado do Rio pelas instituições de
pesquisa em agroecologia em parceria com os movimentos sociais e organizações de
agricultores. O conceito de sistematização abaixo é resultado de experiências do International
Institute for Rural Reconstruction:
a methodology which facilitates the ongoing description, analysis and
documentation of the processes and results of a development project in a participatory way. This process leads to the generation of new knowledge,
34
which is then fed back and used to make decisions and improve
performance1 (SELENER at al, 1998, pág. 12 ).
A sistematização adaptada aos objetivos desta pesquisa teve uma associação livre
com a pesquisa documental e a pesquisa participante (GIL, 2010). Foram revistos todos os
documentos derivados das atividades do Projeto Profito e atividades correlacionadas.
Selecionamos dezessete documentos para descrição das atividades do projeto e priorizamos
sete para subsidiar a análise crítica proposta pela sistematização. Documento tem uma
concepção ampla. É qualquer objeto capaz de comprovar um fato ou acontecimento (GIL,
2010, p.31). No entanto pela limitação técnica e temporal nos limitamos aos textos, como
registros escritos da ação desenvolvida no Profito.
Ao mesmo tempo utilizamos recursos da ciência da informação para analisar os
grupos de pesquisa e os periódicos especializados. Reunimos um grupo de interlocutores para
apresentar os resultados da pesquisa documental. Nesse encontro elegemos prioridades,
construímos demandas desse coletivo. Só então fomos a campo para buscar novas respostas
através de observação participante e entrevistas semiestruturadas.
A sistematização pode ser vista como um tipo de pesquisa participante, pois, à
semelhança do que Antônio Gil afirma "tem como propósito fundamental a emancipação das
pessoas ou das comunidades que a realizam" (GIL, 2010, 43). A sistematização aplicada teve
o sentido de devolver aos participantes do Projeto Profito e seus parceiros um conhecimento
arrumado e priorizado a ser consolidado a partir das experiências realizadas entre 2009 e
2013. O mesmo autor atribui a Orlando Fals Borda (GIL, 2010, 43), a afirmação de que esse
tipo de pesquisa propõe "uma postura de devolução do conhecimento dos grupos que lhe
deram origem". Essa postura se harmoniza com os interesses da agroecologia, no sentido da
horizontalidade dos saberes e busca do empoderamento dos agricultores-experimentadores.
1
Uma metodologia que facilita a descrição contínua, análise e documentação dos
processos e resultados de um projeto de desenvolvimento de forma participativa. Este
processo conduz à geração de novos conhecimentos, que é então transmitido para trás e
usada para tomar decisões e melhorar o desempenho.
35
2.2 CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
A região metropolitana do Rio de Janeiro segue como segunda maior do território
nacional com seus quase 12 milhões de habitantes e dezenove municípios. Nela é registrada a
maior taxa de urbanização 96,71% seguida de São Paulo com taxa de 95,94% de urbanização
(FURTADO et al, 2013, p.40). Ainda assim configuram-se bolsões de vegetação e um
contínuo conflito socioambiental sobre as áreas de preservação.
As camadas sociais menos abastadas sofrem um processo contínuo de
exclusão socioespacial para as áreas menos valorizadas na metrópole,
frequentemente localizadas em áreas de proteção a mananciais, áreas de
proteção permanente (APPs), encostas e áreas de risco, gerando uma série de conflitos entre a agenda da sustentabilidade ambiental e o direito à moradia
na metrópole (REFINETTI, 2006 apud FURTADO at al, 2013. p.99).
Dentre os municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, percorremos nesta
pesquisa os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e a capital, Rio de Janeiro (Fig.1). O
critério de seleção desses municípios deriva da relação já iniciada com o Projeto Profito,
como descrito anteriormente, o cultivo, comércio e uso de plantas medicinais, a presença de
feiras agroecológicas e a integração com a Articulação de Agroecologia da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro.
36
Figura 1: Mapa situacional do território de atuação da pesquisa.
Nota: Situa a pesquisa na região metropolitana do Rio de Janeiro e demonstra os municípios de Queimados (1),
Nova Iguaçu (2) e Rio de Janeiro (3). Fonte: Elaboração própria a partir de imagens da internet de fonte não identificada. A quarta imagem foi elaborada no Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil 2013.
Os municípios selecionados somam a população de 7.133.885 habitantes. Têm o
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) similar à média nacional, dois deles
na faixa de alto IDHM e Queimados considerado médio. O índice é alavancado pelo fator
longevidade que é um derivado dos determinantes sociais de saúde. Esse indicador, a médio e
longo prazo pode transformar o perfil das necessidades de saúde através do envelhecimento
da população. O pior desempenho em todos os municípios fica com o fator educação. (tab.1).
Nos subitens que compõe o fator longevidade considera-se alto o percentual de mortalidade
infantil entre 13 e 16, 70 para mil nascidos vivos.
37
Tabela 1: Comparativo do IDHM dos três municípios selecionados com o Brasil
Lugar IDHM (2010) IDHM Renda (2010)
IDHM
Longevidade (2010) IDHM Educação (2010)
Brasil 0.727 0.739 0.816 0.637
Nova Iguaçu (RJ) 0.713 0.691 0.818 0.641
Queimados (RJ) 0.680 0.659 0.810 0.589
Rio de Janeiro
(RJ) 0.799 0.840 0.845 0.719
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).
Para uma região metropolitana como o Rio chama atenção o percentual dos
extremamente pobres, quase 4% em média. Era de se esperar índices muito menores de
extrema vulnerabilidade, como nesse caso o índice da capital, o Rio de Janeiro com apenas
1,25% de extremamente pobres que, ainda assim não pode ser considerado residual. No
subitem vulneráveis à pobreza, o Rio alcança também um conjunto de índices acima da média
nacional. Os demais municípios selecionados para esta pesquisa giram em torno da média
nacional. Queimados mais uma vez destaca-se com os índices mais desafiadores. É o mais
vulnerável entre os três (tabela2).
Tabela 2: Descrição de outros indicadores de vulnerabilidade
Lugar
Mortalidade
infantil
(2010)
% de vulneráveis
à pobreza
(2010)
% de
extremamente
pobres (2010)
% de crianças
extremamente
pobres (2010)
% de mães
chefes de
família sem fundamental
completo e
com filhos
menores de 15 anos (2010)
Brasil 16.70 32.56 6.62 11.47 17.23
Nova Iguaçu (RJ) 15.40 30.43 3.38 6.45 17.63
Queimados (RJ) 16.70 33.68 3.89 6.20 25.77
Rio de Janeiro
(RJ) 13.00 16.41 1.25 2.81 12.02
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).
38
Os três municípios contam com agricultura urbana, periurbana ou rural. O Rio de
Janeiro e Queimados apresentam-se na legislação municipal como totalmente urbanos, sem
população rural, o que faz com que sua agricultura esteja localizada em um território
oficialmente classificado como urbano. Esse fato traz uma constante tensão local entre os
conceitos de rural-urbano. À revelia da normatização do território urbano, há agricultores
familiares organizados nas associações já citadas e integrantes da Articulação de
Agroecologia da Região Metropolitana. Apresentam um comércio de venda direta em feiras
aqui denominadas agroecológicas como distintas das feiras livres convencionais. As feiras
agroecológicas são criadas e administradas com a cogestão dos agricultores familiares. O Rio
de Janeiro conta também com o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas que, apesar de não ter o
caráter de cogestão, reúne um número representativo de agricultores familiares de municípios
da região metropolitana.
Tabela 3: Comparação entre ocupados no setor agropecuário, ocupados com renda de até 1 salário mínimo diante
da população rural, urbana e total
Lugar
% dos ocupados
com rendimento
de até 1 s.m. -
18 anos ou mais
(2010)
% dos ocupados
no setor
agropecuário -
18 anos ou mais
(2010)
População
total (2010)
População
rural (2010)
População urbana
(2010)
Brasil 21.91 13.55 190755799 29830007 160925792
Nova Iguaçu (RJ) 14.77 0.84 796257 8694 787563
Queimados (RJ) 14.07 0.63 137962 0 137962
Rio de Janeiro (RJ) 8.25 0.31 6320446 0 6320446
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. (PNUD, 2013).
39
2.3 FONTES DE DADOS
Utilizamos três fontes de dados:
1ª) Serão utilizados como dados primários: os documentos não publicados derivados do
projeto Profito, de eventos aos quais os participantes da pesquisa estiveram ou estarão
presentes e da consulta pública em andamento, que incluem a tipologia de:
a) Atas e Registros de reuniões;
b) Fotos e vídeos;
c) Relatórios de execução de projetos e eventos (2009-2013);
d) Emails;
2ª) o depoimento das pessoas colhido em três momentos:
a) Duas reuniões participativas
b) Observação Participante em quatro feiras agroecológicas.
c) Entrevistas semiestruturadas.
3ª) Dados secundários
a) Diretório de Grupos de Pesquisa da Plataforma Lattes/CNPq
No acesso a dados primários buscamos identificar a coexistência entre a informação
científica e o conhecimento tradicional. Desse modo se tornou necessário compreender a
produção da ciência relacionada ao mesmo conhecimento tradicional. Utilizamos para esse
fim o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP/CNPq). Esse “constitui-se no
inventário dos grupos de pesquisa científica e tecnológica em atividade no País. As
informações nele contidas dizem respeito aos recursos humanos constituintes dos grupos
40
(pesquisadores, estudantes e técnicos), às linhas de pesquisa em andamento, às especialidades
do conhecimento, aos setores de aplicação envolvidos, à produção científica, tecnológica e
artística e às parcerias estabelecidas entre os grupos e as instituições, sobretudo com as
empresas do setor produtivo. Com isso, é capaz de descrever os limites e o perfil geral da
atividade científico-tecnológica no Brasil”2. Utilizamos a busca textual conforme o modelo
disponível entre os meses de agosto de 2013 e janeiro de 2014.
b) Periódicos Científicos
Primeiro utilizamos o Portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) um site onde “a
gestão de informação e conhecimento, o qual envolve a cooperação e convergência de
instituições, sistemas, redes e iniciativas de produtores, intermediários e usuários na operação
de redes de fontes de informação locais, nacionais, regionais e internacionais privilegiando o
acesso aberto e universal” (Bireme, 2006). A partir desse portal identificamos os periódicos
especializados em plantas medicinais e temas afins, todos de acesso aberto: o Journal of
Ethnobiology and Ethnomedicine; o El Boletín Latinoamericano y Del Caribe de Plantas
Medicinales (BLACPMA). No Brasil, os periódicos identificados em nossa busca preliminar
foram a Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Farmacognosia.
Ambos indexados através do Portal Scielo.
2.4 COPARTICIPANTES DA PESQUISA
Os sujeitos integrantes da pesquisa, também chamados interlocutores, são agricultores
que produzem e comercializam plantas medicinais nas feiras orgânicas e agroecológicas da
região metropolitana do Rio de Janeiro; consumidores de plantas medicinais na Feira da Roça
de Queimados; profissionais de órgãos públicos ligados à pesquisa em plantas medicinais,
2 Disponível em http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e/
41
gestores e profissionais da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (RJ), representantes
de organizações relacionadas à agroecologia.
A elaboração inicial da lista dos sujeitos resulta da observação empírica das ações
locais do Programa Nacional de Plantas Medicinais, com foco nas ações do "Projeto Profito"
(Tab. 4).
A pesquisa abordou trinta e seis interlocutores divididos em quatro segmentos:
agricultores, consumidores, técnicos e pesquisadores/gestores. Desses vinte e três foram
entrevistados, sendo os demais integrantes da gestão participativa, ou seja, integraram as duas
reuniões, atividades coletivas previstas no caminho da pesquisa.
A pesquisa buscou dar um equilíbrio de gênero, abordando 50% mulheres e 50% de
homens. Isso será mais viável junto aos agricultores, pois há o pressuposto das experiências e
interesses femininos no tema plantas medicinais. Todos apresentam letramento, embora a
leitura não seja um hábito. A faixa etária dos interlocutores situa-se entre 30 e 55 anos.
Os agricultores tem estratificação salarial entre um e três salários mínimos. Moram
em casas próprias em sua maioria, embora o padrão de construção coincida com os chamados
assentamentos populares. Não possuem carros em sua maioria, nem empregadas domésticos
ou auxiliares no cultivo. Também não possuem acesso à internet. Um dos integrantes da
pesquisa não possui energia elétrica em seu domicílio.
Os técnicos, pesquisadores e gestores são em geral mais jovens que os agricultores,
situando-se em média de 40 anos de idade. Tem renda superior, com mais de 5 (cinco)
salários mínimos. São possuidores de carro, TV, acesso à internet. Tem nível de mestrado em
geral à exceção dos técnicos da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, com nível de
graduação.
42
Tabela 4: Síntese dos interlocutores do projeto Profito 2009-2013 selecionados para a pesquisa
CATEGORIZAÇÃO QUANTIDADE
Agrônomos AARJ (ASPTA) 2
Associados da AFERQ 2
Associados da Agroprata 2
Associados da Agrovargem 2
Associados da Alcri 2
Associado da Copagé 1
Associados da Univerde 2
Associados da AFERNI 4
Consumidores nas feiras agroecológicas 6
Farmanguinhos (pesquisadores) 6
Outros membros AARJ 3
Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (Gestora) 1
Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (Profissionais de saúde) 3
Total 36
Fonte: Elaboração própria utilizando dados selecionados e categorizados a partir de fontes primárias
do Projeto Profito entre 2006 e 2013
43
2.5 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA
Toda a amostragem desta pesquisa foi intencional. Essa intencionalidade se apresentou
na escolha das palavras-chaves empregadas na seleção dos grupos de pesquisas, nos quatro
periódicos científicos analisados, nos dezessete documentos não publicados do Profito, nos
vídeos disponíveis e nas pessoas entrevistadas.
Essa intencionalidade da amostragem dialoga com a concepção de redes3 sempre
voláteis porque em movimento. Então uma ação descritiva ou analítica é sempre determinada
por um ponto em determinado espaço temporal. O sujeito coletivo em determinado momento
de sua evolução analisa um desenho de rede em outro momento pode descrever outro cenário.
Outros atores veriam outra rede e, a qualquer momento, um actante4 qualquer, em qualquer
lugar do mundo altera a configuração de uma rede. Então essa intencionalidade diz respeito a
assumir na pesquisa essa transitoriedade das redes descentralizadas.
Para a seleção dos grupos de pesquisa nos convém fazer uma rápida digressão sobre o
papel de algumas palavras num contexto brasileiro do início da década de 1960 e nos tempos
atuais da sociedade em redes. Em fins dos anos 50 e início da década de 1960, o educador
Paulo Freire cunhou a expressão palavra geradora. Essas eram identificadas nos grupos e
classes populares. Tinham o mérito de mobilizar vontades e coletivizar ações. A partir dessa
experiência Freire alfabetizava adultos em apenas 45 dias.
Com o advento da internet foi se evidenciando o papel das palavras na formação das
redes virtuais. Palavras formam redes de hiperlinks. São tão significativas que as tecnologistas
da informação constroem tesauros (um tipo de dicionário técnico) para nomear coisas, fatos e
processos. Existem softwares dedicados ao rastreamento de redes formadas pelas palavras-
chaves. Como o inglês é a língua universal da internet, essas palavras são chamadas de tags.
Daí advém o sucesso da rede virtual Twitter cuja metodologia de trabalho está voltada para as
3 No próximo capítulo discutiremos esses conceitos, desde uma visão metafórica até um
conceito de rede sociotécnica. 4 Actante é utilizado para designar que elementos humanos, quase-humanos e não humanos
(objetos) também exercem poder nas redes. Reconhecemos essa expressão primeiro no
livro Pasteurizing of France (LATOUR, 1993).
44
hastags, que nada mais são que palavras-chaves já marcadas como tal através de um sinal
universalmente aceito para a tarefa.
Então se para Freire (2005) a palavra geradora mobilizava grupos populares e
mobilizava desejos pessoais a ponto de facilitar a alfabetização, as tags da sociedade em redes
materializa as redes virtuais. Há, nesta pesquisa o duplo contexto de mobilizar classes
populares sem desconsiderar a condição contemporânea das redes globais através da internet.
Então um grupo de palavras mobiliza uma rede e outro grupo de palavras mobiliza outras
redes.
Nesse sentido utilizamos duas palavras-chaves para identificar o perfil dos grupos de
pesquisa: plantas medicinais e conhecimento tradicional. A primeira tem um forte apelo
popular. É um tema gerador e, portanto mobiliza uma rede popular. É diferente de uma rede
organizada em torno da palavra farmacognosia ou fitomedicamentos. E isso não é uma
discussão sobre o inegável mérito desses conhecimentos. Só não são populares. Estamos
abordando aspectos de inclusão social e de reciprocidade aos povos e comunidades
tradicionais. Desse modo buscamos termos sejam os mesmos utilizados pelas classes
populares a quem se pretende incluir.
A segunda expressão, conhecimento tradicional, só recentemente tornou-se mais
comum nas classes populares. Surgiu no contexto internacional da Rio 92, mas podemos dizer
que ela serve aos interesses populares apesar de sua tradução corresponder a uma luta que não
tem expressão nas comunidades locais. É a essa expressão que os tratados internacionais e
iniciativas legais do Brasil se referem. Essa rede mobilizada pela junção das duas palavras
plantas medicinais + conhecimento tradicional é que delimita nossa escolha no que diz aos
grupos de pesquisa e aos periódicos científicos.
A seleção de pessoas corresponde às observações empíricas, realizadas entre 2009 e
2013 no contexto do Profito. A amostra dos entrevistados deriva dos registros de eventos,
cursos e relatórios desenvolvidos pelo projeto. Os membros das associações de agricultores
atenderam ao critério de cultivar e comercializar plantas medicinais. Os pesquisadores de
Farmanguinhos tem relação direta com o projeto Profito, sendo que a única entrevistada, a
Dra. Sandra Magalhães Fraga é uma de suas criadoras e atual coordenadora. Os consumidores
45
nas feiras agroecológicas foram indicados pelos agricultores como pessoas que repetidamente
buscam plantas medicinais.
Os gestores da SMS Queimados selecionados são a titular da pasta, Dra Fátima
Sanches, conforme autorização de pesquisa encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa, a
coordenadora e a gerente da Estratégia Saúde da Família do município.
Os integrantes da Articulação de Agroecologia desempenham papel de liderança nessa
organização que se dedica ao controle social de políticas públicas relacionadas à agroecologia.
As pessoas foram selecionadas, pois o presente problema de pesquisa "demanda um grau
expressivo de conhecimento do assunto e do ambiente ou dos processos estudados"
(MAXWELL, 1996, p.72). A categorização dos sujeitos integrantes da pesquisa tenta
"garantir que as conclusões representem adequadamente a gama completa de variações, em
vez de apenas os membros típicos ou um subconjunto da população" (MAXWELL, 1996,
p.72).
Segundo Antonio Gil (2010),
Uma amostra intencional, em que os indivíduos são selecionados com base em
certas características tidas como relevantes pelos pesquisadores e participantes,
mostra-se mais adequada para a obtenção de dados numa pesquisa-ação. A
intencionalidade torna a pesquisa mais rica em termos qualitativos (GIL, 2010, 153).
2.6 CAMPO OBSERVACIONAL
O trabalho de campo foi realizado em três atividades: primeiro nas reuniões de
gestão participativa, segundo nas feiras através da observação participante. E, a terceira
atividade consistiu em vinte e três entrevistas semiestruturadas (Apêndice D).
A primeira reunião da gestão participativa a integrar a pesquisa foi realizada na sede
do Campus Fiocruz da Mata Atlântica, na Estrada Sampaio Correa, s/n, Colônia Juliano
Moreira, Jacarepaguá, RJ/RJ, no dia 9 de dezembro de 2013. Contou com 20 presentes. A
segunda e última reunião de gestão participativa aconteceu na sede do Conselho Municipal
46
Rural de Queimados, no dia 20 de fevereiro de 2014. Contou com 25 presentes. As duas
reuniões apresentaram representação de todos os segmentos selecionados para a pesquisa.
A observação participante nas feiras foi realizada em média duas vezes por semana.
Essas feiras são: Feira Agroecológica da Freguesia, situada à Praça Professora Camisão,
Freguesia (RJ/RJ), Feira Orgânica de Campo Grande, Rua Marechal Dantas Barreto, 95,
Campo Grande (RJ/RJ), Feira da Roça de Nova Iguaçu, Rua Arcelino Pereira Neves, 176,
Centro, Nova Iguaçu, RJ e Feria da Roça de Queimados, Rua Elói Teixeira, Centro,
Queimados, RJ (Superintendência Federal de Agricultura no Rio de Janeiro, 2013).
Uma entrevista foi efetivada no Laboratório de Biologia (NGBS) no Campus Fiocruz
da Mata Atlântica, Estrada Sampaio Correia, s/n, Colônia Juliano Moreira, Jacarepaguá,
RJ/RJ; três entrevistas nas instalações da Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, Rua
Hortensia, 254, Centro, Queimados, RJ; as demais nas próprias feiras, sítios ou residências.
2.7 ROTEIRO DA SISTEMATIZAÇÃO
Organizamos os procedimentos da pesquisa em cinco etapas relacionadas a cada um
dos objetivos específicos. As três primeiras etapas corresponderam ao primeiro objetivo
específico. A quarta etapa constituiu um conjunto de atividades para execução do segundo
objetivo específico. A quinta etapa buscou atingir o terceiro objetivo. Na prática, ocorreu uma
inter-relação entre as etapas. Essa questão já tinha sido prevista por Antonio Gil ao afirmar
que, “na pesquisa-ação há um constante vai-e-vem entre as fases, que é determinado pela
dinâmica do relacionamento entre os pesquisadores e a situação pesquisada” (GIL, 2010, p.
151).
A 1ª etapa consistiu em pesquisa documental: Coleta, seleção e organização dos
documentos disponíveis, categorização e classificação por relevância para definir as
informações que serão utilizadas nas demais fases da sistematização. Nessa primeira etapa
serão selecionados os documentos do Profito entre 2009 e 2013, inclusive os eventos passados
e contemporâneos.
47
Fez parte da primeira etapa da pesquisa, a investigação nas fontes de informação
científica e nos periódicos online, especializados em plantas medicinais buscando a
compreensão da produção e circulação de informação relacionada ao subtema conhecimento
tradicional. Identificamos o Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, de acesso aberto.
Para a América Latina há também o El Boletín Latinoamericano y Del Caribe de Plantas
Medicinales (BLACPMA). No Brasil, os periódicos identificados em nossa busca preliminar
foram a Revista Brasileira de Plantas Medicinais, Revista Brasileira de Farmacognosia.
Ambos indexados através do Portal Scielo.
Para Antonio Carlos Gil (2010), a pesquisa documental é muito parecida com a
pesquisa bibliográfica, pois depende de dados já existentes. Mas a natureza das fontes
distinguem as duas abordagens de investigação. Há casos em que um documento pode ser
visto ora como bibliográfico ora como documental. De modo geral considera "fonte
documental quando o material consultado é interno à organização, e fonte bibliográfica
quando for obtido em bibliotecas ou base de dados" (GIL, 2010, pág. 31).
Na 2ª etapa realizamos a reunião de gestão participativa inicial, similares aos grupos
de discussão (WELLER, 2006). Constituiu um primeiro encontro com o coletivo dos
integrantes da pesquisa para apresentação das informações coletadas. Reuniu vinte dos trinta e
seis interlocutores identificados, superando a meta planejada (Apêndice G, Anexo A).
A 3ª etapa correspondeu a oito das entrevistas semiestruturadas (Apêndice D) para
qualificar a experiência quanto aos seus principais resultados, dificuldades encontradas e
resultados não esperados conforme os critérios de seleção da amostra já descrita. Todos os
oito entrevistados são integrantes do Profito ou parceiros ligados à Articulação de
Agroecologia do Rio de Janeiro. Estão identificados no Apêndice D.
A 4º etapa correspondeu aos procedimentos necessários ao segundo objetivo
específico. Foi implementada a observação participante e as entrevistas com os consumidores
nas feiras agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Na 5ª etapa desenvolvemos a reunião de gestão participativa final, como já descrita,
similar ao grupo de discussão (WELLER, 2006), correspondendo ao processo coletivo de
tomada de decisão, chamado por Chavez-Tafur (2007, p. 14) de “novo conhecimento”. Nesse
48
segundo encontro o coletivo formado pelos interlocutores selecionados para a pesquisa
construiu sua análise crítica. O público presente nesse encontro incluiu um representante da
Secretaria Municipal de Saúde de Queimados (RJ). Foram apresentados os resultados parciais
das etapas acima através de duas pequenas palestras. Uma proferida pelo agricultor Francisco
Caldeira e outra de minha autoria.
Para chegar a gerar um novo conhecimento, a sistematização deve incorporar
uma análise crítica da experiência, por meio da apresentação de opiniões, juízos ou questionamentos sobre o que foi realizado e vivenciado. Essa é a
base da aprendizagem. Por ser eminentemente crítica, a análise está baseada
nos comentários ou pontos de vista daqueles que realizam a experiência,
quer dizer, dos seus protagonistas (CHAVEZ-TAFUR, 2007, p.14).
Nesse segundo e último encontro, os dados parciais já tinham sido trabalhados e
organizados. Não foi feita apresentação ao coletivo por entendermos que uma reunião tem um
tempo médio de eficiência e eficácia. Reuniões muito longas tendem a ser ineficazes. No
próximo tópico vamos especificar a forma de análise dos dados num primeiro momento feito
a partir de parâmetros sugeridos por Chavez-Tafur (2007) e depois submetidos aos grupos de
discussão.
2.8 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E ANÁLISE DE DADOS
Os registros foram feitos em diferentes tecnologias. Utilizamos a fotografia, o vídeo,
o diário de campo. Em quase todas as atividades em cada uma das etapas, o registro foi feito
diretamente nas tabelas organizadas ou adaptadas de Chavez Tafur (2007). Utilizamos, como
disse Antonio Carlos Gil (2010), um caminho para a pesquisa documental: constituir quadro
de referência. O autor enumera como etapas: seleção intencional de documentos, a construção
de sistema de categorias e indicadores, que na sistematização como método, implica na
determinação participativa. Gil (2010) finalmente propõe o tratamento de dados com
software. Para análise dos dados utilizamos planilhas Excel para analisar os dados derivados
dos grupos de pesquisa (Apêndice F).
49
Organizamos o resultado em tabelas. A principal delas serviu à análise dos dados
obtidos nos documentos do Profito, na observação participante nas feiras e nas entrevistas
semiestruturadas. Foi organizada com sete campos. Começamos registrando a data de coleta
do dado, seja através do documento, da observação ou da entrevista. O segundo campo
descrevia o contexto ou o lugar onde o dado foi obtido. Em seguida recortamos a unidade de
análise, um fragmento de discurso, através de uma frase ou um conjunto delas onde se
identificou a presença do conhecimento tradicional, ou a informação cientifica ou a
coexistência das duas formas de informação. Em seguida registramos o segmento a que
pertencia o declarante (A – Agricultor; C – Consumidor; T – Técnico ou G – gestor). A última
coluna foi destinada a uma análise parcial, uma forma de categorização.
Para a parte destinada a identificar os produtores da informação científica e a sua
comunicação em periódicos fizemos três tabelas. Duas voltadas apenas aos grupos de
pesquisa e uma para os periódicos online. Como o universo dos grupos de pesquisa é
limitado, analisamos separadamente cada um deles, previamente selecionados por atuar com
plantas medicinais. Iniciamos com a classificação utilizamos a segunda palavra-chave –
conhecimento tradicional. Encontramos um grupo de 47 grupos que associam o conhecimento
tradicional a plantas medicinais como objeto de pesquisa. Esses foram registrados e
analisados em uma tabela.
Os restantes 430 grupos não traziam o conhecimento tradicional como objeto de
pesquisa ou então não tinham atualização no último ano. Isso aconteceu em 149 dos 430
grupos de pesquisa não priorizados. Os demais 241 grupos apenas não traziam o
conhecimento tradicional como parte da declaração de intenção de pesquisa. Ainda assim
fizemos uma categorização dos grupos analisando a sua relevância nas temáticas propostas
para atuação. Utilizamos os campos: nome do grupo, motivo de não ter sido priorizado,
justificativa e por fim categorizando em alta, média ou baixa relevância. O último campo
continha também elementos que justifiquem essa classificação.
Já os 47 grupos de pesquisa priorizados receberam um registro e tratamento analítico
mais apurado. A tabela foi feita com onze campos: o nome do grupo de pesquisa; ano de
formação; a cidade e a instituição; a relação de todas as linhas de pesquisa e em seguida uma
50
linha selecionada, sendo que o próximo campo era a área e subáreas científicas relacionadas à
linha. O sétimo campo registrou as palavras-chaves da linha selecionada. Em seguida uma
unidade de registro relacionada a conhecimento tradicional obtida no resumo do grupo, nas
descrições das linhas de pesquisa ou nas repercussões.
Os dados obtidos nos periódicos foram registrados em uma tabela criada com uma
composição de cinco campos: o nome do periódico, a palavra-chave usada para a busca, o
número total de artigos e a quantidade de artigos selecionados. Como a compilação foi feita
em uma tabela relativamente pequena, inserimos esses resultados no próprio texto.
A sistematização proposta por Chavez-Tafur (2007) organiza os resultados em três
tabelas. A primeira analisa os documentos selecionados. Coloca o título no primeiro campo;
descreve o âmbito da intervenção proposta; identifica os participantes; situa a iniciativa no
tempo; descreve a estratégia prevista e as linhas de ação definidas. A segunda tabela deriva de
um campo da primeira. Esmiúça cada uma das linhas de ação identificadas em atividades. A
terceira e última serviu à avaliação do projeto Profito durante os anos de 2009 a 2013. Oito
entrevistados classificaram os indicadores propostos por Chavez-Tafur em negativos,
positivos ou não identificados. Nesse último caso indicando pontos a serem esclarecidos
futuramente.
A classificação descrita por Romeu Gomes (2008), a partir do quadro de Lawrence
Bardin (1979) se mostrou útil e adequada para esta pesquisa. Ele propõe que os registros da
pesquisa sejam classificados em linguístico escrito (LE), linguístico oral (LO), iconográfico
(IC) e outros códigos semióticos (CS). Incluímos em nossa tabela de análise esse elemento
descritivo.
A comunicação informal foi registrada na forma linguística escrita em diário de
campo, como registro eletrônico em áudio ou vídeo e como fotografias, sempre que o
interlocutor aprovou. Essa aprovação consta do termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE), documento descrito nesse projeto (Apêndice I). Os entrevistados e participantes da
pesquisa também assinaram um termo de cessão de imagem também reproduzido em anexo.
Utilizamos como unidade de registro a frase, parágrafo ou imagem, categorizada como
51
conhecimento tradicional ou informação científica. Cada unidade de registro foi ligada ao
contexto onde se apresentou.
A decisão de manter o nome das principais pessoas envolvidas foi construída com
diversas conversas e problematização. A intenção é deixar que os diferentes atores se
reconheçam nessa pesquisa, abrindo espaço para a construção local do conhecimento
relacionado a plantas medicinais. Em apenas um caso não foi possível manter o nome do
entrevistado, decisão tomada também no diálogo entre pesquisadora e entrevistado.
Na sintetização de resultados optamos por gráficos e figuras sempre que a
visualização favorecesse a análise qualitativa. É assim que apresentaremos uma mandala da
(Fig. 23) que serve a avaliação qualitativa das áreas de pesquisa, subáreas, disciplinas e temas
intervenientes no tema plantas medicinais e conhecimento tradicional. Os gráficos do
conjunto dos grupos de pesquisa também se prestam a uma análise visual e imagética dos
resultados.
Na mesma linha de pensamento utilizamos o recurso da nuvem de tags (Fig. 20). A
imagem foi produzida no software online do site wordle.net. Inserimos no campo apropriado
todas as palavras-chaves constantes nas linhas de pesquisa selecionadas. O software contou a
frequência das palavras e fez com que o tamanho da palavra se tornasse diretamente
proporcional à frequência. Desse modo, as palavras mais frequentes apresentaram-se com o
maior tamanho e as minúsculas tem a menor frequência dentro do universo analisado pelo
software.
Por fim registramos que o tamanho das tabelas contraindicou a sua inserção no texto
final da dissertação. No entanto elas ficam disponíveis a quem necessitar conferir o caminho
da pesquisa, podendo requisitá-las a qualquer momento.
52
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Construímos esta pesquisa partindo de observações empíricas, vivências, pesquisas e
políticas sobre o tema plantas medicinais. Percebemos que há múltiplas abordagens do ponto
de vista popular e implicação de distintas áreas do conhecimento nas pesquisas. Com a
intenção de observar esse movimento que parte dessa multidisciplinaridade nós selecionamos
conceitos de duas áreas do conhecimento – as ciências humanas e sociais, a saúde coletiva e
um campo de pesquisas em ascensão, a agroecologia (Fig. 2). No interior desses campos e
sempre relacionados a eles, nos detivemos no enfoque da comunicação em saúde e na
informação científica como campos interdisciplinares e objeto do programa de pesquisa ao
qual nos vinculamos.
Três conceitos chaves nos orientam: o conceito de conhecimento tradicional,
intimamente ligado ao conceito de território. Investigamos a relação com a informação
científica como um imperativo tecnológico. Não podíamos esquecer que esse imperativo
ocorre em redes sociotécnicas, terceiro conceito elencado. Por serem fenômenos globais que
impactam o local, mantivemos o conceito de território-rede como uma fase intermediária
entre as comunidades locais (quase grupos) e as redes globais, sociotécnicas.
Figura 2: Diagrama da interação entre campos, ciências e disciplinas aportadas nesta pesquisa
Fonte: elaboração própria
53
Nossas primeiras buscas bibliográficas demonstravam aqui e ali a prevalência da
comunicação como movimento na junção de pontos, nós e actantes (RAFFESTIN, 1993;
LATOUR E WOLGAR, 1997) nas redes. Recortamos então esse campo de práticas e de
pesquisa como o fenômeno mais disseminado a ser analisado do ponto de vista teórico.
3.1 A COMUNICAÇÃO COMO FENÔMENO MAIS AMPLO.
Apresentamos a comunicação como prática e como área de pesquisa. No primeiro
caso é o fenômeno mais amplo que nos propomos a analisar. Inclui diferentes processos sob
seu ‘guarda-chuva’. Como campo de pesquisa é hoje necessariamente interdisciplinar. Como
prática, ocorre em uma territorialidade específica e, nesse sentido articula tanto identidades
em territórios, atendendo a especificidades socioculturais. Enquanto pesquisa, não pode,
portanto ignorar as territorialidades ou contextos onde ocorre. Entre as questões específicas
da comunicação, destacamos a oralidade enquanto cultura rural e das classes populares
urbanas.
Como já descrito anteriormente, o projeto Profito fez opção por metodologias
participativas desde sua primeira redação em 2006. Ao longo da primeira fase de sua
implantação, a equipe aplicava uma adaptação do diagnóstico rápido participativo. Nos dois
primeiros anos de implantação do projeto ocorria o que Bernardo Toro chamou de
mobilização de vontades (TORO, 2005). Em meio à essas ações mobilizadoras, o diagnóstico
foi realizado de forma relativamente rápida. A participação política e social, no entanto, tem
sido um longo e continuado processo formativo. Compreendemos participação não apenas nos
resultados de uma iniciativa ou na execução, mas também "nas decisões, a menos usada no
Brasil contemporâneo, [que] implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária e
compartilhada como participação-poder" (PERUZZO, 1998, P.77).
A experiência foi evidenciando que, pra o exercício dessa participação-poder, havia
um investimento invisível e não sistematizado – a comunicação. Por ser uma área de
investigação científica e de vultosos investimentos tecnológicos mereceu um esforço maior de
aprendizado. Parte desse aprendizado demonstrou lacunas do conhecimento que redundaram
54
nesta pesquisa. Através da observação, a equipe Profito consolidou a visão de que o elemento
mais relevante para a participação-poder está situado na esfera da comunicação informal. Isso
ocorreria tanto nos espaços técnicos, nos laboratórios quanto naqueles ambientes sustentados
pela cultura popular e naturalmente permeados por outros saberes.
As ações do Profito incluíam atividades e interseções com especialistas e
pesquisadores de plantas medicinais que são ao mesmo tempo produtores e consumidores de
informação científica. A observação empírica foi consolidando o mesmo entendimento. É a
comunicação informal que rege as relações influindo nas possibilidades de os agricultores
participarem nas ações locais das políticas relacionadas à plantas medicinais. Essa visão foi
confirmada através das leituras preliminares. O sociólogo francês, Bruno Latour, estudando as
trocas em ambiente de produção e consumo de informação científica, confirma a visão
anteriormente empírica, transformando-a em pressuposto para esta pesquisa científica.
A produção de uma informação nova é necessariamente feita pela interpretação dos
encontros inesperados, das redes informais e pela proximidade social. O fluxo
informal de informação não contradiz o modelo ordenado da comunicação formal.
Parece-nos, antes, que a estrutura da comunicação mais informal nasce da referencia
constante a substancia da comunicação formal. Do mesmo modo, a comunicação
informal é a regra. A comunicação formal é a exceção, como racionalização a
posteriori que é do processo real. (LATOUR, 1997, 289)
Tendo descrita a nossa necessidade e demanda por práticas de comunicação que
instrumentem a participação, cabe-nos pensar o conceito de comunicação que serve aos
cidadãos do campo da agroecologia e saúde coletiva. Como toda epistemologia nasce em um
contexto histórico e social é conveniente resgatar também os marcos da comunicação como
campo de investigação científica.
Segundo a pesquisadora Lena Vania Pinheiro, o período do pós-guerra foi marcado
por uma corrida desenvolvimentista onde a propaganda e a contrainformação foi decisiva para
fazer valer o conjunto de princípios, valores e práticas prevalentes à época. Nestas ações,
países imprimiram ao mundo seus modelos de desenvolvimento. Outros países sucumbiram
na subserviência aos demais configurando uma nova geopolítica (PINHEIRO e LOUREIRO,
1995).
55
Para compreensão da origem epistêmica dos conceitos do campo da comunicação
aqui elencados é importante revisitar a autoria de Claude Shannon e Warren Weaver (1949)
sobre a teoria matemática da comunicação (PINHEIRO e LOUREIRO, 1995; ARAÚJO e
CARDOSO, 2007).
O ambiente do pós-guerra trouxe para o cenário mundial um novo modo de disputas
políticas transnacionais em torno do desenvolvimento econômico. De um lado a guerra fria
consumia e provocava inovações tecnológicas. De outro lado, os EEUU e a URSS avançavam
sobre as chamadas "nações subdesenvolvidas" ou o "terceiro mundo" impondo um modelo
desenvolvimentista exógeno5.
Nesse contexto Shannon e Weaver resolveram uma questão tecnológica para o
trânsito de mensagens telegráficas. Daí saiu a clássica tríade "emissor-receptor-mensagem".
Essa resposta tecnológica e de trânsito informacional conseguiu dar instrumentos ao cenário
da guerra fria. O ambiente desenvolvimentista impresso às nações do chamado terceiro
mundo foi então um contexto favorável para que essa matriz de comunicação se consolidasse.
Se no campo da informação a teoria matemática trouxe avanços, para o campo da
comunicação trouxe um desentendimento que foi se espalhando por vários campos, setores e
políticas públicas. A Revolução Verde e a evolução da saúde pública no Brasil contém
diferentes exemplos da hegemonia desse conceito. Os livros escolares repetiram à exaustão
esse modelo. O paradigma positivista, subliminar a essa teoria, impôs a esse conceito de
comunicação um estatuto de verdade. Até o presente essa teoria ainda é hegemônica nos
investimentos públicos. Comunicação se tornou então intimamente relacionada a
desenvolvimento. Predominava a concepção de transferenciabilidade entre dois pólos, um
ativo e outro passivo, receptivo. O resultado dessa concepção é a concentração dos meios de
produção simbólica; campanhas e propagandas tornaram-se sinônimas de comunicação.
A América Latina apresentou nas décadas seguintes a evolução de outros parâmetros
para a comunicação. Em 1969, Paulo Freire lançou o livro "Extensão ou Comunicação".
Nesta obra questionou o modelo de imposição de valores de uma cultura sobre a outra.
5 Análise da Dra Lena Vania Pinheiro em sala de aula no dia 12 de março de 2013 (IBICT).
56
Falando sobre os métodos da extensão rural na época, qualifica-os de domesticação e invasão
cultural (FREIRE, 2011). Ratificou sua proposta de comunicação dialógica já implícita no
livro Pedagogia do Oprimido. Note-se que a primeira edição foi publicada quando o educador
ainda estava no exílio (FREIRE, 2005). Por muitos, é considerado um livro destinado ao
campo da educação. No entanto ele traz questões importantes para a comunicação. A partir
dessa visão, várias iniciativas da comunicação alternativa, comunitária ou dialógica passaram
a utilizar princípios freireanos.
Freire, no entanto não deixou um modelo. Descreveu uma práxis. E, ela, como tal,
exige constante movimento de reflexão-prática-reflexão. Por não ter um modelo, sua
reprodução e prática foram se disseminando sem critério, mas ainda assim dando condições
para a construção do novo paradigma. Além do campo da educação, as reflexões freireanas
fizeram sentido para iniciativas chamadas de alternativas. No mundo rural proliferaram os
diversos modelos de agricultura alternativa com valorização do conhecimento tradicional ou
conhecimento local ecológico que por sua vez inspiraram e coproduziram a comunicação
alternativa.
Foi através dos investimentos de comunicação alternativa que encontramos as
condições para pensar nessa pesquisa a referência teórica entre informação e comunicação em
saúde. Ou seja, partimos de uma práxis de educação informal, com inspiração freireana para
chegar a uma necessária interseção com o campo da comunicação e informação.
3.1.1 O Modelo de Comunicação do Mercado Simbólico
Retornamos ao projeto Profito ao relembrar que a equipe buscava em 2007
compreender os fenômenos da comunicação popular. À época estávamos na livraria da
Abrasco, no prédio da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) a fim de buscar
subsídios para os acontecimentos que mereciam explicação à luz da ciência da comunicação.
Precisamos recordar que essa busca se passava entre uma pedagoga e um farmacêutico. Eis
que "salta aos nossos olhos" o livro Comunicação e Saúde de Inesita Soares de Araújo e
57
Janine Cardoso (2007). A leitura desse livro trouxe novas possibilidades para a gestão
participativa que se estava implantando no Profito. Registro esse episódio para recordar o
papel do acaso, do inusitado e do subjetivo na construção do conhecimento. Trabalhamos para
implantar alguns dos conceitos elencados no projeto Profito.
Foi no campo da agricultura alternativa que a pesquisadora Inesita Araujo traçou as
primeiras linhas do que hoje é conhecido como Modelo de Comunicação do Mercado
Simbólico. Esse modelo entende que a comunicação ocorre como se fosse um mercado
caracterizado pela desigualdade de condições. "Seus membros não possuem as mesmas
condições de produção, circulação e consumo dos bens. Não possuem o mesmo capital social,
nem cultural, nem econômico; não possuem o mesmo capital simbólico". (ARAÚJO, 2002, p.
39).
Os sujeitos não têm as mesmas condições de produção e reprodução de seus sentidos
para operar esse mercado. Inesita Araújo (2002) propõe o conceito de lugar de interlocução
como um dos elementos fundamentais para a compreensão do modelo. Cada ator social ocupa
uma posição mais periférica ou mais central conforme tenha menor ou maior poder de decisão
e de fazer circular seus sentidos sobre um tema em questão. Interlocução, como conceito
central no modelo do mercado simbólico, supõe fluxos contínuos de informação e
conhecimento entre os atores contrapondo-se à teoria de Shannon e Weaver. Os fluxos se
realizam em redes virtuais ou não, "são moldados e os moldam por contextos de natureza
diversa" (ARAUJO, 2002, p. 38).
O estudo das identidades sociais integra esse conceito central. Inesita Araújo inclui
nele a reunião das propriedades específicas de "identidade" e as contextuais sobre
subjetividade. Em que pese toda a discussão contemporânea sobre a oportunidade e
veracidade do conceito de identidade, Araújo (2002) mantêm o conceito sem desconsiderar o
papel dos contextos sobre esses processos identitários. Junto com "lugar de interlocução",
reforçando uma visão contextual de identidade, vem o conceito de hibridismo entendido como
negociação ou resistência. Ou seja, à imposição arbitrária de identidades, numa tentativa de
homogeneizar as diferenças, se organizam especificidades contextuais, históricas, políticas,
geográficas e enunciativas (ARAUJO, 2002, p 78).
58
Dentre essas especificidades enunciativas, utilizaremos o conceito de
intertextualidade como central e estratégico para a presente pesquisa. Araújo e Cardoso
(2007) afirmam que, em um mesmo contexto circulam diferentes textos. Esses interagem e se
modificam mutuamente, construindo a interlocução dos sentidos no ato comunicativo. Já a
intertextualidade "fala da contiguidade dos textos, mas na memória das pessoas - cada
enunciado ativa uma cadeia de remissões, que são uma força ativa na constituição dos
sentidos" (ARAÚJO e CARDOSO, 2007, p. 68).
Ao exercermos o papel de escuta que é a base da gestão participativa somos guiados
a uma infinita rede de semioses. Ao nos imbuirmos da necessidade de compreensão, somos
paralelamente instados a eleger prioridades, essa ou aquela “linha de pensamento”.
Perseguimos então um único viés. No entanto a voz dos comunitários convidados à
participação não tem esse único viés. A nossa voz informada pela ciência também não possui
essa homogeneidade pretendida. São muitas as vozes que se manifestam em um único
enunciado.
O conceito de Inesita Soares tem o papel de aterrissar a complexidade demonstrando
que a palavra dita, o enunciado, o fragmento de um discurso é esse tecido de muitas vozes.
Falar é portanto um exercício dessa polifonia. Ninguém fala de si mesmo, mas fala a partir de
seu contexto existencial e situacional. Fala de sua história de vida e de sua prática social. A
partir da autora apreendemos o papel do contexto no discurso.
Seu efeito se dá pela rede de semiose que é acionada a cada enunciação, que se nutre da memória discursiva. Qualquer texto tem seu intertexto, mas ele
não é o mesmo para todos os interlocutores. Depende do seu conhecimento,
sua experiência, cada pessoa tem sua rede textual particular. Então, um texto
jamais terá um só sentido, porque o sentido vai depender de todos os contextos com os quais interage. (ARAÚJO, 2002, p. 58).
É por causa desse fenômeno da intertextualidade que o ato de conversar é na
realidade uma negociação de sentidos. No que diz respeito às negociações sobre o tema
plantas medicinais vamos observar a coexistência entre a informação científica e o
conhecimento tradicional na comunicação informal em eventos ou feiras agroecológicas.
59
Aparentemente o acesso a informação é desigual, exercendo um papel junto ao conhecimento
tradicional no consumo de plantas medicinais.
A desigualdade, aliás, é a tônica principal do modelo. Na tríade "produção-
circulação-consumo", a maior desigualdade do ato comunicativo se consolida na circulação.
Inesita Soares de Araújo pergunta: quem consegue fazer circular seus sentidos? Parafraseando
a autora acrescentamos: Quem consegue transmitir ao conjunto da sociedade seus valores, sua
visão de mundo e suas decisões relacionadas ao uso tradicional de plantas medicinais?
3.1.2 Práticas de Comunicação
O termo comunicação como tantos outros aqui elencados possui sua própria
polissemia. Tem uma amplitude de definições e escalas. De modo geral o termo comunicação
aparece acompanhado de adjetivos. Tratamos de comunicação social, comum e difundida pela
gestão governamental e empresarial. Temos a comunicação alternativa, ou comunitária com
várias experiências pelo Brasil. Outros qualificam como comunicação dialógica. Nossa
observação primeira se dá no campo da conversa informal, da palavra dita, do enunciado.
Percebemos que aí se travam as lutas pela geração dos sentidos. “É o processo de produzir,
fazer circular e consumir os sentidos sociais, que se manifestam por meio de discursos”
(ARAÚJO, 2002, p. 288)
Para fins dessa pesquisa, consideramos também o significado dado pelo Bernardo
Toro (2005). Para o autor, comunicação é o “saber objetivado em texto escrito, em objetos
audiovisuais, em sistemas de arquivos magnéticos e também em ferramentas e equipamentos,
na arquitetura na arte...” (TORO, 2005, p. 95). O que nos permite dialogar com a
possibilidade de democracia das coisas e dos objetos.
Consideramos também os espaços de socialização como “lugares e instâncias em que
transformamos os modos de pensar, sentir e agir em relação a nós mesmos, aos outros e à
coletividade” (TORO, 2005, p. 94). Para essa transformação dos sentidos, são utilizadas tanto
os meios comunicação de massa (mídia) como os micromeios. Ajustamos o foco dessa
60
pesquisa para esses micromeios de comunicação. O seu uso é entendido como práticas de
comunicação: a interlocução pessoal, o email, o telefonema, o vídeo artesanal, a fotografia, a
carta, o bilhete, o uso das redes virtuais.
Destacamos duas peculiaridades das práticas de comunicação. Primeiro elas ocorrem
numa determinada territorialidade e depois tem o papel de formar redes sociais. Juntando
esses dois aspectos, temos então a consolidação de territórios-redes através do poder da
comunicação. Essa conceituação vem do geógrafo Claude Raffestin (1993). Primeiro o autor
diz que território é “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação e que,
por consequência revela relações marcadas pelo poder (RAFFESTIN, 1993, p. 2)”.
Num espaço pré-existente podem coexistir tantos territórios quantas análises e
intenções houver por parte de atores, programas e institucionalidades. Do ponto de vista desse
trabalho as organizações populares envolvidas em agroecologia produzem um território, pelo
menos. As iniciativas do campo da agroecologia são vistas como rede por se constituírem por
atores, como instituições, trabalhadores de políticas públicas, agricultores, consumidores
organizados em torno de interesses comuns.
A produção do território inclui conceitos e noções, como limites, pontos, malhas ou
tessituras. A visão do território pode ser analisada a partir de um ponto como expressão do
ego do ator que o delimita, seja individual ou coletivo. A observação do espaço em busca
desse território implica em acesso a um conjunto de signos, monumentos, trajetos, ideologias
e projetos.
Cada ponto se refere a uma nodosidade representativa de centros de poder. Não tem
valor em si. Sua principal função na descrição de um território tem a perspectiva relacional. É
a relação com os demais pontos identificados que de fato vai qualificar a produção espacial.
A relação ponto a ponto pode ser medida pela categoria distância como uma
dimensão de vínculo entre os diferentes centros de poder. Essa distância pode ser física,
temporal, psicológica ou econômica.
Ultrapassando as imposições dessas diferentes distâncias, os atores individuais ou
coletivos criam vínculos entre si para produzir este território e estabelecem malhas ou
61
tessituras de redes. A tessitura territorial pode comportar níveis que são determinados pelas
funções que devem se realizar em cada uma das malhas identificadas.
Essa tessitura composta pelas linhas que vinculam atores compõe o desenho de uma
rede que, como projeção é sustentada por “um conhecimento e uma prática, isto é, por ações e
comportamentos que supõe a posse de códigos, de sistemas sêmicos” (RAFFESTIN, 1993, p.
2). Por intermédio desses sistemas ocorre a comunicação entre os atores na produção de seu
território-rede.
Se concebermos a comunicação como o meio de veiculação desse sistema sêmico e
ao mesmo tempo retroalimentada por esse sistema de valores, signos e códigos linguísticos ou
não, teremos que analisar em cada território quais são as especificidades dessa comunicação.
No território observado nessa pesquisa é importante analisar o impasse entre a escrita e a
oralidade nos micromeios de comunicação.
Maria Martha D’Angelo Pinto, pesquisadora de filosofia da Universidade Federal
Fluminense afirma que o fim da escrita hieroglífica e o surgimento da escrita fonética levaram
a uma redefinição da linguagem oral (Pinto, xxx). Ou seja, a escrita modifica o próprio modo
de expressão ou de objetivação do pensamento. Os atores nos territórios-redes tem sua ação e
interlocução diferenciados conforme tenham domínio da escrita ou apresentam um modo de
comunicação baseado na oralidade.
A observação empírica nos anos de atuação no projeto Profito demostrou um
predomínio da alfabetização. De tal modo, o que passaremos a qualificar como cultura da
oralidade não é ausência de letramento. Na rotina, certos atores não utilizam a comunicação
escrita. Encontramos em Jesús Martín-Barbero argumentos relevantes sobre o observado. Para
o autor, “a oralidade é a fala de uma outra cultura que está viva hoje, não só no mundo rural,
mas também no mundo urbano popular” (MARTIN-BARBERO, 2014, p. 95).
Para o pensador latino-americano a interlocução é a espinha-dorsal da cultura oral
(MARTIN-BARBERO, 2014, p. 95). Enquanto Araújo (2002) afirma que a interlocução é
feita a partir de um lugar, de uma posição, ora mais periférica, ora central, a depender dos
contextos em que se apresentam. A partir desse duplo entendimento a posição do ator nas
redes está também relacionada à sua conformação à escrita ou à uma tradição da cultura oral.
62
E isso é diferente da comunicação informal observada por Latour e Steve Woolgar (1997)
como predominante. Nos contextos informados pela ciência, o pensamento objetivado,
expresso nas conversas, segue o formato da escrita. Já nos contextos informados pela tradição
o formato das narrativas não são não tem a mesma organização da escrita, dando origem à
distinções de linguagem, pronúncia e prosódia.
Ao observar essas interlocuções com duplos parâmetros, mesmo dentro da mesma
comunicação informal, aprendemos com Maurizzio Gnerre (1991) que a linguagem é o arame
farpado das relações de poder. Nessas interlocuções haverá sempre distinções originadas no
lugar de fala de cada ator. Isso se manifestará no vocabulário empregado, na prosódia, mas
também na organização interna da narrativa. Então ao se colocar em interação, os diferentes
modos de comunicar irão conformar uma ou outra rede de sentido.
3.1.3. Redes: de metáforas ao regime sociotécnico
Toda rede é uma imagem de poder. Quando compõe uma imagem territorial, revela
as relações de produção e consequentemente as relações de poder. Sua análise conduz a
identificação de sua estrutura mais profunda. Quando um grupo exterioriza a estrutura dessas
tessituras – nós, linhas, redes – abre espaço para visualização de outra estrutura mais
interiorizada. É como se o autor vislumbrasse aí a subjetividade do observante ou do analista
do território rede.
Pode-se falar como Raffestin de redes concretas e redes abstratas; Podem ser
analisadas de redes de parentela, redes comunitárias. Rede social tornou-se um tema
vulgarizado pela apropriação popular das ferramentas virtuais de relacionamento. Quase se
tornaram sinônimas de relacionamento virtual, tacitamente escondendo a dimensão humana
dos vínculos e interações.
Há um entendimento recorrente de redes em sua dimensão metafórica (ENNE, 2004;
ACCIOLI, 2007, RECUERO, 2009). A primeira autora, Enne, cita Radcliffe-Brown, que
"usou a noção de rede para expressar de modo impressionista o que sentia ao descrever
63
metaforicamente o que via." (RADCLIFFE-BROWN, apud ENNE, 2004) Parece combinar
com o texto de Raffestin (1993) ao dizer que a estrutura externa identificada, corresponde a
outra estrutura interna.
Para Regina Marteleto (2001), a rede social "passa a representar um conjunto de
participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses
compartilhados". Já a pesquisadora Inesita Araújo, afirma que "redes são espaços sociais e,
como tais, são arenas dos embates e de lutas políticas. São espaços de articulação de campos e
eixos de poder" (ARAÚJO, 2002, p. 301). A presente análise se detém no regime sociotécnico
preponderante nessas redes e expresso nas ações de comunicação e informação.
Utilizar o conceito de rede permitirá a essa pesquisa compreender os vínculos
estabelecidos entre os atores e a produção-consumo de plantas medicinais em sistemas
agroecológicos. Os precedentes históricos e contemporâneos apontam para a existência de um
conjunto de pessoas vinculadas ao cultivo, ao beneficiamento, ao comércio de plantas
medicinais, e bem como a pesquisa, a vigilância sanitária, à assistência médica e
farmacêutica, ao Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional. Outros atores relevantes são
organizados em ongs e movimentos sociais. Esse conjunto é considerado como rede. A sua
delimitação terá como busca um recorte territorial.
Nas Redes e redes reconhecidas no território, percebemos que os fluxos
informacionais e de comunicação formal ou informal consistem em fenômenos sociotécnicos.
Utilizaremos portanto principalmente o conceito de redes sociotécnicas que, para a finalidade
dessa pesquisa é uma metáfora de relacionamento social. Unindo essa rede social à
concepção de Bruno Latour que pressupõe a relação entre humanos, entre humanos e não
humanos perpassados por elementos quase humanos, temos a rede sociotécnica (LATOUR,
1994).
Como diz a pesquisadora Fátima Branquinho, há
uma série infinita de possibilidades de articulação de conceitos científicos e não científicos que ligam as mais antigas tradições às tecnologias avançadas, humanos e
não humanos, natureza e científico, popular e científico, num tecido único, um
conjunto de híbridos" (BRANQUINHO, 2007, p. 19).
64
Escolhemos compreender essa metáfora em diferentes níveis. O nível mais local,
mais próximo da relação homem-natureza-homem, centrado na família e na comunidade local
tende a ser compreendida como grupo. O nível mais distante, impessoal, com características
globais corresponde à rede sociotécnica em si. Naturalmente impacta o local mas dificilmente
será analisada assim. O nível intermédio, onde ocorrem as intervenções de projetos e serviços
pode ser integrado pelo conceito de território-rede, criando uma unidade compreensiva.
Segundo Raffestin (1993) há uma rede desejada, que, em nossa interpretação tende a ser
compreendida e operada como grupo. Um pouco mais distante existiria uma rede sustentável
ou suportada. Essa, mais distante seria necessária para a obtenção de objetivos eleitos pelos
atores.
A concepção de redes centradas nas pessoas é uma concepção elementar e rotineira.
As Redes de agroecologia são centradas nas pessoas, seus signos, seus valores. Quanto maior
a proximidade, maior a humanização da rede. Bruno Latour considera nessa proximidade, a
emoção humana. “By allying ourselves to words, to texts, to bronze, to steel, to places, or to
emotions, we end up distinguishing shapes that can be classified, at least in peacetime”6
(LATOUR, 1988, p. 195).
Em todos os três níveis aqui compreendidos seriam encontrados os elementos
humanos, não humanos e quase humanos. Objetos, máquinas, equipamentos eletrônicos,
trens, telefones, cabos elétricos ou de transmissão de dados interferem nas redes
diuturnamente. Cada um deles tem sua própria rede de constituição ou de alocação.
Há, por exemplo, muitos equipamentos e processos caros e raros alocados nos
lugares de pesquisas em plantas medicinais. Não conheço muitos. Faço aqui uma livre
apropriação da descrição dos instrumentos e laboratórios nas redes sociotécnicas de Latour
(2000). Vou citar o High Performance Liquid Chromatography (HPLC) (Fig. 3). Assim como
outros equipamentos, foi desenvolvido através de uma rede social histórica, com pessoas que
inventaram processos e objetos que possibilitaram outros objetos que redundaram no conjunto
6Ao aliar-nos a palavras, textos, bronze, o aço, a lugares, ou emoções, acabamos
distinguindo formas que podem ser classificados, pelo menos em tempos de paz. (tradução
própria)
65
de equipamentos que produzem a análise chamada de HPLC. É um conjunto de equipamentos
e processos com cuidadosa distribuição dentro do laboratório. “O objetivo da cromatografia é
separar individualmente os diversos constituintes de uma mistura de substâncias seja para
identificação, quantificação ou obtenção da substância pura para os mais diversos fins”.
“separar, isolar, purificar, identificar e quantificar os componentes de misturas muitas vezes
bastante complexas”. (CRQ4, 2010).
Uma rede sociotécnica inteira está inserida na própria história de um conjunto de
equipamento assim. Ter esses equipamento em um território é ter também em torno dele uma
rede de desejos de uso e parcerias. Um determinado conjunto de aparelhos dispostos em
laboratórios constituem os inscritores, capazes de produzir dados e imagens que vão gerar
novos sentidos e produtos (LATOUR, 1997, p. 45).
Esse é um exemplo de como os objetos (não humanos) contém informação e sua
própria rede sociotécnica e como exercem poder nos territórios. Não podem deixar de ser
considerados como elementos da rede sociotécnica.
Figura 3: Diagrama detalhado de um HPLC
Fonte: CRQ4, Minicurso Conceitos Fundamentais do HPLC7
7 Disponível em http://www.crq4.org.br/sms/files/file/conceitos_hplc_2010.pdf
66
Da mesma forma que Latour descreveu para outros aparelhos, os produtos do HPLC
são inscrições. No caso o cromatograma (Fig. 4) é uma inscrição literária. A imagem é
interpretada, segundo o autor como uma literatura.
Figura 4: Exemplo de imagem produzida pelo HPLC – o cromatograma
Fonte: Conselho Regional de Química 4, Minicurso8
O Maciço da Pedra Branca nos habilita outro exemplo. Em muitos locais não há
estradas, não há torres de telefonia. Em outros pontos do Maciço não há sequer energia
elétrica. Esses objetos e sua ausência configuram uma territorialidade. Tem consequência nas
relações de poder o que se expressa na capacidade de mobilização, de comunicação e
sociabilidade. O própria floresta da Pedra Branca é um elemento não humano em nossas
redes, interpretado por diferentes sistemas sêmicos. Para alguns valores socioambientais, para
outros valores conservacionistas que excluem o humano.
8http://www.crq4.org.br/sms/files/file/conceitos_hplc_2010.pdf
67
Esses elementos organizados globalmente podem ser dialeticamente percebidos nos
quase-grupos das redes comunitárias. Fazer esse movimento de idas e vindas requer um
esforço multi e interdisciplinar bem como o compartilhamento de códigos. Não acreditamos
ser necessário compartilhar essa análise com todos em todos os níveis. Para dar um sentido de
unidade a esse olhar podemos utilizar o conceito de território.
Para os propósitos dessa pesquisa achamos também apropriado falar de regime
sociotécnico como uma paisagem das redes sociais em que os agricultores e consumidores de
plantas medicinais se inserem. Esse recorte teórico tem o propósito de dialogar com o
vocabulário e os conceitos já incorporados pelo público preferencial dessa pesquisa. Então
mantenho o conceito de redes sociotécnicos complementar ao de regime sociotécnico numa
perspectiva utilitarista. Redes são como ectoplasmas, ora se apresentam num formato ora
noutro. Regimes podem ser informados, descritos.
Regime é um termo relacionado à ciência da informação como "forma de se
obter uma paisagem do campo de ação da política de informação
relacionando atores, tecnologias, representações, normas, e padrões
regulatórios que configuram políticas implícitas ou explícitas de informação" (MAGNANI, 2011, 596).
Há uma livre apropriação do termo nesse trabalho objetivando a observação desses
fenômenos em sua integralidade no território. Nesse sentido ou nessa apropriação, a paisagem
a que Magnani (2011) se refere inclui o conhecimento tácito e tradicional bem como a
comunicação em saúde, com sua dimensão humana, mas também sujeitas ao imperativo
tecnológico. Implica também na inclusão do não humano na forma de objetos técnico-
científicos e informacionais.
3.2 CIENCIA E TRADIÇÃO – CAMINHOS ENTRE O GLOBAL E O LOCAL
68
O papel da informação nas sociedades nem sempre foi muito claro. Após a primeira
guerra mundial foram se articulando condições para o surgimento dessa nova ciência da
informação, como um campo organizado de conhecimento e práticas.
Informação é um campo vasto e complexo de pesquisas, tradicionalmente relacionado a documentos impressos e a bibliotecas, quando de fato a
informação de que trata a Ciência da Informação, tanto pode estar num
diálogo entre cientistas, em comunicação informal, numa inovação para o setor produtivo, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro
magnético de uma base de dados ou numa biblioteca virtual ou repositório,
na Internet. (PINHEIRO, 2002)
Nesse sentido, o pensamento de Pinheiro se aproxima tanto de Latour quanto de
Raffestin.Para Latour os objetos exercem poder nos territórios e têm sua própria rede de
relações. A rede pregressa formou o equipamento. E as redes contemporâneas imprimem
sentidos nos territórios. Fazem portanto, parte do sistema sêmico que caracteriza o território
(Raffestin, 1993).
Antes de entrar propriamente dito na discussão do conceito de informação, cabe-nos
descrever o conceito de documentação que dialoga ainda mais com a visão de Latour para a
vida dos objetos e seu poder nos territórios. Segundo Pinheiro e Loureiro (1995), esse termo é
anterior à consolidação da ciência da informação sendo utilizado inicialmente em 1908. Para
nossa finalidade utilizamos o um artigo de Suzanne Briet (1951), em Qu‘est-ce la
Documentation “documento é qualquer traço concreto ou simbólico preservado ou registrado
com o propósito de representar, construir ou comprovar um fenômeno físico ou intelectual”
(BRIET, 1951 apud PINHEIRO E LOUREIRO 1995).
Lena Vania Pinheiro (2002) descreve também que a evolução da concepção de
informação científica deriva da origem da ciência moderna, no século 16. Com o iluminismo
e o predomínio da razão, surgiram as primeiras sociedades científicas. A relação entre os
cientistas dependia das reuniões nestas sociedades. A autoria intelectual e a comunicação
científica eram possibilitadas pelas cartas, precursoras da documentação. Os primeiros
periódicos científicos tornaram-se "legitimadores da ciência, na medida da avaliação e
validação de resultados de pesquisas pelos pares" (PINHEIRO, 2002).
69
No final do século 19, o trabalho de Paul Otlet e Henri La Fontaine promoveu a
evolução dessas formas de registro da informação, consolidada na Conferência Internacional
de Bibliografia em Bruxelas, no ano de 1895. O evento culminou com a criação do Instituto
Internacional de Bibliografia. Já na terceira década do século 20, ele se transformou no
Instituto Internacional de Documentação (PINHEIRO, 2002).
O trabalho de Paul Otlet merece ser revisitado, pois sugere uma intenção de acesso
aberto. Tem uma concepção de integração da informação com a comunicação e a educação
em bases territoriais que interessa a essa pesquisa. Suas "propostas do Mundaneum, ao
mesmo tempo "tesouro" e "instrumento", instituição guiada por "princípios de totalidade,
simultaneidade, gratuidade, voluntariedade, universalidade e mundialidade" e da enciclopédia
mundial, são perfeitas na tradução e antevisão da Internet como teia ou rede" (PINHEIRO,
2002, p. 67).
As contingências históricas para o advento da ciência da informação foram a
revolução científica, a revolução industrial e a 1ª e 2ª guerras mundiais. O contexto do pós-
guerra, com sua explosão bibliográfica e do esclarecimento da relação entre ciência, técnica e
poder bélico fez as nações e organizações internacionais darem espaço no orçamento para
iniciativas de estudo e controle da informação. Em 1935 foi criado, nos Estados Unidos, o
American Documentation Institute (ADI), que depois mudou seu nome para American Society
for Information Science - ASIS, conforme mencionado. A partir de 2000 acrescentou
Technology ao mesmo nome, passando a ser designado pela sigla ASIS&T (PINHEIRO,
2002).
A inclusão do termo tecnologia nessa importante instituição, foi uma evolução
histórica paralela já prenunciada em 1936, durante a Conferencia da American Library
Association, Richmond, Virgínia. Esse evento constituiu um grupo especial de profissionais
especiais interessados na reprodução de documentos: editores, bibliotecários mas também
fabricantes de equipamentos fotográficos (Leitz, Graflex, Argus)9.
9 Apresentação da profª Dra. Lena Vania R. Pinheiro, 26/3/2013, aula da disciplina
Perspectivas da Ciência da Informação, IBICT/UFRJ.
70
Desde então, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação
está inexoravelmente ligado a Ciência da Informação. As questões do armazenamento, da
transferenciabilidade e do acesso tornaram possível que informação tornasse um aspecto
privatizado e passível de comércio. Isso nos parece fundamental para o interesse e
investimentos no setor. É o chamado "imperativo tecnológico" anunciador da relação entre
ciência, tecnologia e informação. É necessário acrescentar uma análise do poder exercido por
essa tríade nos territórios onde predomina o conhecimento tácito, não codificado.
Há muitos conceitos de informação. Para o pesquisador Zhang Yuexiao, da Chinese
Academy of Social Sciences, existe uma árvore de conceitos de informação históricos e
contemporâneos dizendo que
Information is really an elusive and controversial concept. It boasts of an extensive literature but suffers from diversification of its definitions. It has
been estimated that more than 400 definitions of information are presented
by researchers from different fields and cultures. Misunderstandings in scientific and cultural communications are unavoidable under such
circumstances. (ZHANG, 1988, p.479)
Segundo Rafael Capurro, "Informação é o que é informativo para uma determinada
pessoa. O que é informativo depende das necessidades interpretativas e habilidades do
indivíduo" (CAPURRO E HJORLAND, 2003). Admitimos que há essa pluralidade de
informações circulando nos diferentes contextos. Compreendemos também que o caráter
científico de algumas informações não é levado em consideração nos processos
comunicativos. Desse modo passa despercebida a desigualdade de acesso aos produtos da
ciência.
Para as finalidades dessa pesquisa, tomamos o conceito do documento
"Contribuições para políticas de Informação, Ciência e Tecnologia" organizado por Maria
Nélida G de Gomez e Claudia Canongia, (2001).Informação científica é "todo conhecimento
que resulta - ou está relacionado com o resultado de uma pesquisa científica" (AGUIAR, 1991
apud GOMEZ e CANONGIA 2001).Informação tecnológica é "todo conhecimento de
natureza técnica, econômica, mercadológica, gerencial, social, etc. que, por sua aplicação,
favoreça o progresso na forma de aperfeiçoamento e inovação". (AGUIAR,1991 apud
71
GOMEZ e CANONGIA 2001) e, por fim, informação científica e tecnológica "compreende
todo tipo de informação que serve de matéria-prima (new material information) ou insumo
para a geração de conhecimentos científicos e de tecnologia". (VAZ LEOPOLDO, 2001 apud
GOMEZ e CANONGIA 2001)
Compreendendo que é da pesquisa que se origina a informação científica, é
importante elucidar quem são os produtores desse tipo hegemônico de conhecimento. O livro
já citado de autoria de Tania Maria Fernandes (2004) traz uma paisagem dessa produção
científica até o ano de 2002. Ela é fundamental para essa pesquisa por apresentar o cenário de
produção da informação científica sobre plantas medicinais no Brasil. Durante o curso de
Gestão da Inovação em Fitomedicamentos (Farmanguinhos/Fiocruz), que cursei em 2009, a
autora fez uma apresentação do quadro de pesquisa mais atual segundo o diretório de
pesquisas do CNPq (Tab. 6). O quadro é similar ao publicado (FERNANDES, 2008). Na
mesma apresentação ela faz a comparação da ocorrência dos grupos de pesquisa de plantas
medicinais por regiões do Brasil (Fig. 5).
Tabela 5: Quantidade e percentual dos grupos de pesquisa das regiões brasileiras em
comparação com os grupos de pesquisa em plantas medicinais no ano de 2004.
REGIÕES GRUPOS DE PESQUISA EM C&T GRUPOS DE PESQUISA EM PLANTAS
MEDICINAIS
Nº % Nº %
Sudeste 10.221 52 129 37
Sul 4.580 24 87 25
Nordeste 2.760 14 78 22
Centro-oeste 1.139 6 29 8
Norte 770 4 29 8
Brasil 19.470 100 352 100
Fonte: CNPq/ Diretório versão 6/2004 citada na apresentação de Tania Maria Fernandes em
03 de julho de 2008.
72
Figura 5: Distribuição de grupos de pesquisa em plantas medicinais por regiões do país/ 2004
Fonte: CNPq/ Diretório versão 6/2004, apresentação de Tania Maria Fernandes em 03 de julho de 2008.
Através da análise da produção acadêmica e de sua circulação, podemos perceber
uma paisagem de produção e uso de informação científica ou do conhecimento tradicional e
suas citações na comunicação informal que animam as trocas mercantis ou a doação de
plantas medicinais. Não é o objetivo dessa pesquisa, mas ela pode qualificar esse objeto para
novos intervalos de investigação.
Especificamente no objeto empírico recortado nessa pesquisa, parte dessa ação
comunicativa diz respeito ao chamado "conhecimento tradicional" sobre plantas medicinais. É
um saber empírico transmitido entre gerações sobre o uso da sociobiodiversidade (ou
agrobiodiversidade) de um território. De modo geral não são sistematizados pela linguagem
formal.
Conhecimento Tradicional Associado é a informação ou prática individual
ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real
ou potencial, associada ao patrimônio genético. Comunidade Local é grupo
humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações
sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e
econômicas. (Medida Provisória 2.186-16)
73
A socioambientalista Juliana Santilli (2009) é pesquisadora, doutora em direito
ambiental e ativista nos movimentos sociais que culminaram na proteção ao conhecimento
tradicional. É também uma pesquisadora reconhecida mundialmente. Ela descreve como a
Convenção Internacional da Diversidade Biológica (CDB) reconhece os direitos dos
agricultores e comunidades tradicionais tornando visível e passível de proteção jurídica seu
conhecimento tradicional (CT).
A CDB "Reconhece a interrelação entre recursos genéticos e CT, sua
natureza inseparável para comunidades indígenas e locais, a importância do
CT para a conservação da biodiversidade e para o uso sustentável de seus componentes e para a vida sustentável dessas comunidades". (SANTILLI,
2009)
A proteção jurídica derivada da CDB, e da Medida Provisória 2.186-16 diz respeito a
essa tipologia do conhecimento tradicional que qualificam de associado. Embora existam
formas individuais e coletivas de compensação econômica pelo acesso a esse conhecimento
sobre os recursos genéticos, tem sido difícil confirmar a sua titularidade.
Um pouco esquecido no debate da proteção legal está o conhecimento tradicional
disseminado. A médica Maria Carmem Pirassinunga Reis10
, fundadora do Programa de
Fitoterapia da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ) referia-se a
"conhecimento popular" como diferente do conhecimento tradicional. Na concepção desse
projeto de pesquisa, o conhecimento popular seria o conhecimento tradicional disseminado,
ou seja, que caiu em domínio público na sociedade.
Há autores que se referem ao local ecological knowledge (LEK) (CHALMERS e
FABRICIUS, 2007). Esse conhecimento circula nos território também de forma oral ou em
documentos e registros não são sistematizados como tecnológicos ou científicos, sendo
considerados, portanto conhecimento tácito. No entanto, nem todo conhecimento tácito em
circulação nos territórios estejam relacionados ao conhecimento tradicional. Tácito aqui está
em oposição ao conhecimento codificado na forma de comunicação formal, informação
tecnológica ou científica.
10
Comunicação pessoal.
74
Para a socioambientalista Juliana Santilli (2009), "A CDB e a Medida Provisória
2.186-16 estão centradas em acordos bilaterais e contratuais entre "provedores" e "usuários"
do recurso genético e/ou do conhecimento tradicional associado" (...) "As formas de
repartição de benefícios são indiretas, tais como criação de mecanismos de participação real
nas decisões que impactam a agrobiodiversidade" (SANTILLI, 2009).
Temos um pensamento que essa bilateralidade e compensação baseada em bens
materiais não necessariamente implicam em reciprocidade com as comunidades locais ou com
o empoderamento das mesmas diante da produção científica, das patentes ou dos produtos
derivados de seu conhecimento. Tanto a reciprocidade como o empoderamento das
comunidades tradicionais e locais são princípios valorizados na construção social do
conhecimento agroecológico.
Reciprocidade é um princípio derivado da dádiva como característica de sociedades
tradicionais descrita por Marcel Mauss no livro Ensaio sobre a Dádiva de 1925. Em termos
bem simples trata-se de reconhecer que o princípio da doação esteve presente em todas as
sociedades primordiais11
. É um traço constitutivo dos modos de vida. Mais recentemente esse
conceito foi ampliado nos estudos posteriores. Aqui consideramos o sentido descrito por Eric
Sabourin, no artigo de 2008. Segundo ele sobrevivem nos mercados dois princípios
econômicos, um mercantilista e outra da reciprocidade, permeado por ações de doação e
solidariedade.
Para o autor não só as pessoas têm atitudes de reciprocidade e dádiva. Ele se utiliza
das compras públicas da Política Nacional de Alimentação Escolar e do Programa de
Aquisição de Alimentos para demonstrar que as instituições também têm atitudes de
reciprocidade (SABOURIN, 2008). “Do ponto de vista antropológico, o princípio de
reciprocidade corresponde, portanto, a um ato reflexivo entre sujeitos, a uma relação
intersubjetiva e não apenas a uma simples permuta de bens ou de objetos, como é a troca”
(SABOURIN, 2010). E esses sujeitos então podem ser instituições do Estado.
11 Evitamos o termo primitivo pelo seu teor pejorativo em nossa língua.
75
Unificando o conceito para outro setor de aplicação e de pesquisas, o francês Allan
Caillé, que esteve recentemente no Brasil, traduz esse princípio como Cuidado aplicado no
campo da saúde12
. Abre-se um vasto campo de estudos ao relacionar as plantas medicinais em
redes sociotécnicas caracterizadas pelo Cuidado e pela economia da dádiva. Não exploramos
suficientemente esses sentidos mas os anunciamos aqui. Entendemos o conhecimento
tradicional sobre a agrobiodiversidade associado também ao princípio da reciprocidade como
característica primordial como se manifesta na memória e consequentemente nas práticas das
pessoas.
Ao tratar que a tradição seja associada à agrobiodiversidade ou à dádiva lidamos com
o conceito de memória estudada desde os tempos de fundação das ciências sociais. Há uma
larga produção científica sobre o assunto. No trabalho cotidiano ligado ao conhecimento e uso
tradicional de plantas medicinais fomos obrigadas a retomar a ideia de memória não como
algo pertencente ao passado mas como uma vivência contemporânea.
Trouxemos então para esse campo de associação à tradição, o artigo de Andreas
Huyssen (2000) que descreve como a sociedade está mudando de foco, deixando o “privilégio
dado ao futuro que tanto caracterizou as primeiras décadas de modernidade do século XX”
(HUYSSEN, 2000, p. 9). Na mesma medida que abandona o mito do futuro há uma ênfase
memorialista que o autor denomina “passados presentes”. “A partir da década de 1980 o foco
parece ter se deslocado dos futuros presentes para os passados presentes” (HUYSSEN, 2000
p. 9). E, continua o autor:
De fato, questões de temporalidades diferentes e modernidades em estágios
distintos emergiram como peças-chaves para um novo entendimento rigoroso dos processos de globalização a longo prazo que procurem ser algo
mais do que apenas uma atualização dos paradigmas ocidentais de
modernização. (HUYSSEN, 2000, p.10)
12 Palestra durante o Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas e Saúde ocorrido no Rio de Janeiro entre 13 e 17 de novembro de 2013. Caillé é autor de vários livros (dentre
eles "Critique de la raison utilitaire". Paris: La Découverte, 1989; e "Antropologia do dom.
O terceiro paradigma". Petrópolis: Vozes, 2002); e fundador do MAUSS (Mouvement
Anti-Utilitariste dans les Sciences Sociales).
76
Compactuamos desse enunciado ao pretender não um retorno a tempos passados,
mas que o presente e o futuro possam se nutrir do tradicional para reinventar a existência.
A próxima sessão irá discutir a natureza de conhecimento tradicional como
eminentemente tácito enquanto a informação científica aparece como explícita e codificada.
Utilizamos um poema de Oliveira das Panelas13
para iniciar essa discussão.
Por quê não dialogar, Num encontro magnífico,
O seu saber científico
Com o saber popular?
Daí, pode germinar A melhor contrapartida,
Proposta bem concebida.
Pois queremos, na essência, Ciência com consciência
Dirigida para a vida.
A informação passou a ser um ativo fundamental para o êxito dos empreendimentos.
Daí deriva a ideia de ‘sociedade da informação' para designar a época atual e também surge
um campo de aplicação chamada de Gestão da Informação, cuidando desse ativo na forma de
conhecimento explícito e codificado.
Outra abordagem é defendida pela pesquisadora Paula Xavier dos Santos que, sem
negar a efetividade da gestão da informação, apresenta a necessidade da Gestão do
Conhecimento. Afirma que a diferença entre dado, informação e conhecimento é uma questão
de grau. "Surge o conceito de Gestão do Conhecimento agregando o conhecimento tácito
como recurso a ser gerenciado" (SANTOS, 2010, p. 18).
Esta distinção entre conhecimento explícito e tácito demarca a diferença
entre as abordagens de gestão da informação e gestão do conhecimento. A gestão do conhecimento, além de ter o conhecimento como objeto a ser
gerenciado e compartilhado, pressupõe processos e estratégias para criação
de novos conhecimentos. (SANTOS, 2010).
13 Site: <www.oliveiradepanelas.com>
77
Para o campo da Gestão do Conhecimento, o tácito tem uma difícil visibilidade e
expressão. É pessoal e quase não transferível. No entanto, a busca de certos atores é por
insight e codificação. Para esses podemos afirmar que o conhecimento tácito promove
inspiração para novidades e possíveis inovações. Para os agricultores detentores do
conhecimento tradicional podemos falar em gestão do conhecimento agroecológico, como um
exercício de experiências concretas intimamente ligadas às práticas de comunicação. “Nessa
lógica, experimentação e comunicação passam a ser compreendidas como funções
indissociáveis na gestão do conhecimento agroecológico que se processa nas redes de
agricultores-experimentadores” (PETERSEN e SILVEIRA, 2007, p. 112).
O conhecimento tácito não é prerrogativa das populações tradicionais. Os
especialistas, pesquisadores e gestores também possuem conhecimento tácito não
sistematizado sobre seu objeto e seu território rede. Uma sutil diferença pode ser vista no fato
que a gestão deste conhecimento tácito em espaços especializados o torna mais passível de
codificação. A sistematização do conhecimento tácito das populações tradicionais sobre seu
próprio território é objeto da etnobotânica, por exemplo. Ainda assim a gerência dos
detentores de seu próprio conhecimento no território só tem sido contemplada em pequenas
escalas.
O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras e números, e facilmente comunicado e compartilhado sob a forma de dados brutos,
fórmulas científicas, procedimentos codificados ou princípios universais
(NONAKA et al., 1997 apud SANTOS, 2010).
Parece-nos que há uma lacuna a ser preenchida na construção do conhecimento que
possa impactar positivamente a própria vida das comunidades e seu entorno, reconhecendo,
validando14
ou protegendo o próprio conhecimento tradicional e seus detentores. Essa lacuna
a ser mais bem descrita está explícita no código penal, implícita na sutil presunção de crime,
na impossibilidade técnica de comercialização de produtos beneficiados por parte da
14
Alguns integrantes dos movimentos sociais anunciam que não precisam de nenhuma validação que tenha o Estado como "validador".
78
agricultura familiar, nas dificuldades impostas pela legislação de sementes, reproduzindo-se
nos momentos de comunicação informal.
Há uma trajetória interdisciplinar e intersetorial entre as ciências da informação e da
comunicação. Já que, no modelo do Mercado Simbólico, a comunicação é vista como ação
humana comum, interpretamos que, nessa última área de investigação científica se
concentram as principais demandas populares cobrando avanços na direção de uma
epistemologia do social. Para Alvin Goldman (2010), essa é um contraponto a epistemologia
clássica. Os adeptos da epistemologia social
buscam identificar as forças sociais e influências responsáveis pela produção
de conhecimento assim concebida (...). Qualquer interação entre os
indivíduos que afetam o estado de crença de alguns deles pode ser
considerado uma relação social-epistêmica. Assim entendido, uma grande variedade de interações comunicativas seria assuntos ajuste para a
epistemologia social (GOLDMAN, 2010, p. 11).
A pesquisa aqui proposta quer descrever essas interações comunicativas entre atores
com diferentes sistemas sêmicos, detentores de conhecimento tradicional ou de informação
científica e identificar como interagem nos processos de tomada de decisão. Entende o campo
da comunicação como o território epistêmico onde ocorrem as citações ao conhecimento
tradicional ou à informação científica. Essa visão é inspirada em Bruno Latour (1997), já
citado, que afirma ser predominante a comunicação informal, só mais tarde sistematizada
(LATOUR, 1997, p. 289). O autor está se referindo a comunicação no ambiente formal dos
laboratórios o que nos permite uma apropriação para o ambiente das feiras que desejamos
investigar.
Compreendemos que essa predominância de uma comunicação informal referindo-se
sempre à informação científica ocorre também em outros setores além da pesquisa feita em
laboratórios. Essa comunicação informal descrita por Latour (1997) é semelhante ao que
Gnerre (1991) fala sobre linguagens especiais, como os jargões profissionais. Segundo o
autor, “a função central de todas as linguagens especiais é social: elas têm um real valor
comunicativo mas excluem da comunicação as pessoas da comunidade linguística externa ao
grupo” (Gnerre, 1991, p. 23).
79
Tanto do ponto de vista de nossas observações empíricas quanto a partir da
existência de dicionários técnicos ou os descritores vemos a saúde coletiva como portadora de
linguagem especial e ao mesmo tempo grande consumidora de informação científica. De
modo semelhante o campo da agroecologia também coleciona jargões e informação científica.
Compreendemos que os dois campos se encontram em interseção nessa pesquisa. Desse modo
achamos conveniente descrever alguns conceitos de cada um deles.
3.3 SAÚDE COLETIVA E AGROECOLOGIA COMO FRONTEIRAS
Iniciamos essa sessão com o contexto da saúde coletiva. Em seguida vamos
descrever o campo da agroecologia, seus desafios práticos, teóricos e metodológicos. Vamos
buscar a interação entre estes dois campos que circundam o nosso objeto de pesquisa,
considerados como fronteiras mediadas pelo conceito de construção social do conhecimento.
Esse conceito é tratado como processo entre o campo da saúde coletiva e da agroecologia.
Vamos descrever alguns dos processos e acúmulos de pesquisas ambos relacionados à
comunicação como fenômeno mais amplo que engloba a informação científica e tecnológica e
se passa no ambiente de redes sociotécnicas.
Embora consideremos relevantes a relação multidisciplinar com a biologia, a
agronomia ou a farmácia, vamos chamar de limites a dificuldade temporal-espacial dessa
pesquisa ao tratar de assuntos desses campos.
Plantas medicinais são utilizadas e conhecidas como uma expressão da cultura dos
povos e comunidades tradicionais. Quando seu uso expressa a busca por amenizar sintoma
desagradável ou desconforto físico considerado como doença passa a ser de interesse do
campo de pesquisa e prática da saúde coletiva. Aqui estamos dando preferência para esse
campo e não para o campo da saúde pública, propriamente dita.
Há uma diferença conceitual entre saúde pública e saúde coletiva. A primeira refere-
se à organização dos serviços de atendimento à população. Já o conceito de saúde coletiva
80
refere-se à um campo de construções teóricas interdisciplinares e intersetoriais com o objetivo
de influir sobre a prática de organização dos serviços de saúde pública. Na saúde pública há
uma ênfase em alocar pessoas, recursos tecnológicos e processos para responder ao manejo do
processo saúde-doença. A saúde coletiva, por sua vez, enfatiza a produção do conhecimento
na práxis de manejo sobre esse mesmo processo.
É "um campo ideológico comprometido com a transformação social. (...) O
objeto da Saúde Coletiva é construído nos limites do biológico e do social e compreende a investigação dos determinantes da produção social das
doenças e da organização dos serviços de saúde, e o estudo da historicidade
do saber e das práticas sobre os mesmos. Nesse sentido, o caráter
interdisciplinar desse objeto sugere uma integração no plano do conhecimento e não no plano da estratégia, de reunir profissionais com
múltiplas formações". (PAIM E ALMEIDA FILHO, 1998, p. 309).
Os princípios do SUS tem algo a dizer sobre a construção social do conhecimento.
Entre seus princípios doutrinários estão a universalidade, equidade e integralidade e os
organizativos a descentralização, hierarquização e a participação (ARAÚJO e CARDOSO,
2007, p.61).
A descentralização foi traduzida ao longo dos anos desde a emissão da Constituição
Brasileira em 1988 como municipalização dos serviços. Hoje há outras formas de implantação
desse princípio. A Norma Operacional Básica - NOAS SUS 01/2002 tratou como a
regionalização inter, intramunicipal e interestadual. São criadas as regiões, macrorregiões e
microrregiões da saúde.
A regulamentação da Lei 8080/90 foi feita através do decreto nº 7.508 de 28 de junho
de 2011. Ao definir a regionalização, esse decreto afirma:
Os entes federativos definirão os seguintes elementos em relação às Regiões
de Saúde: seus limites geográficos; população usuária das ações e serviços; rol de ações e serviços que serão ofertados; e respectivas responsabilidades,
critérios de acessibilidade e escala para conformação dos serviços.
(BRASIL, 2011)
81
Essas expressões presentes no ambiente regulatório do SUS indicam uma ênfase no
local como forma de produção do conhecimento da saúde da população. Outro princípio
importante para a saúde coletiva e consequentemente para essa pesquisa é a integralidade, que
se expressa nas relações de cuidado entre equipe técnica e usuários, mas também se expressa
na forma como os serviços se organizam nos territórios.
Ao tomarmos o sentido da palavra saúde em sua forma mais ampla, encontramos
aliado a essa definição, o conceito de determinantes sociais da saúde. Constituem um
amálgama entre o coletivo, o ambiental, a autonomia dos indivíduos e grupos e a capacidade
dos setores públicos providenciarem equidade. É o modo como a vida dos indivíduos se passa
nos ambientes, com impacto direto sobre a sua condição de saúde.
Para essa pesquisa, é importante essa compreensão do contexto situacional onde está
o usuário do SUS, o cidadão em sua inserção sócio-política, ambiental, econômica e cultural.
É nessa dimensão que o ciclo de produção-consumo de plantas medicinais tem maior relação
com a saúde pública. Também tem expressão no princípio da integralidade quando esse
princípio define os territórios de intervenção ou as estratégias de territorialização da saúde.
Em territórios periurbanos ou rurais são encontrados grupos populacionais com
vínculo com as plantas medicinais. Alguns assentamentos urbanos também abrigam um
conjunto de cidadãos que se utilizam das plantas medicinais. Esta é a conclusão da
pesquisadora Fátima Branquinho (2007) ao desenvolver sua pesquisa no bairro de Vigário
Geral, periferia da cidade do Rio de Janeiro. Esse trabalho levou a pesquisadora a afirmar que
"A análise da cultura das ervas no limite urbano revelou a metrópole como um local de
marcante ambiguidade" (BRANQUINHO, 2007, p. 13).
Se há o uso de plantas medicinais e remédios caseiros informados pela tradição, há
também um acervo de pesquisas científicas produzidas ao longo dos anos. Outra
pesquisadora, a Tania Maria Fernandez, dedicou sua tese de doutorada à compreensão das
fontes de informação científica sobre plantas medicinais. Em seu livro, Plantas Medicinais -
memória da ciência no Brasil (FERNANDES, 2004), há uma historicidade da produção
científica sobre o assunto. O histórico produzido pela pesquisadora auxilia a compreensão da
evolução da produção da informação orientada a plantas medicinais. Aproveitamos o
82
pensamento da Tania Fernandes (2007), adicionamos dois eventos descritos pela
socioambientalista Juliana Santilli (2009), as políticas promulgadas em 2006 e desenhamos
uma linha do tempo que serve aos interesses desse trabalho (Fig. 6).
Figura 6: Linha do tempo representativa da evolução da produção científica do segmento plantas medicinais
Fonte: BRASIL, 2006a; BRASIL 2006b; FERNANDES, 2004; SANTILLI, 2009;
Tânia Fernandes (2004) traça um histórico da pesquisa brasileira sobre plantas
medicinais. Cita o uso milenar dessas espécies nas diversas sociedades e se aprofunda no
perfil da estrutura nacional de pesquisa a partir de meados do século XX. Situa como ponto de
partida o ambiente internacional do pós guerra quando ocorreu uma depressão da indústria
farmacêutica europeia (FERNANDES, 2004, p.33).
Segundo a autora, enquanto a indústria farmacêutica brasileira sofria um declínio, a
pesquisa científica "financiada e coordenada pelo Estado, apresentou um aumento
significativo" entre as décadas de 1960 e 2000 (FERNANDES, 2004, p.17). Descreve então o
papel das agências de fomento, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
83
Superior (Capes), a Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Salienta também o papel da Central de
Medicamentos (CEME), criada em 1976.
Na década de 1960, a autora destaca a criação dos Simpósios de Plantas Medicinais.
Até o momento foram organizados 22 eventos similares, reunindo a produção acadêmica
sobre plantas medicinais nas áreas defarmacologia pré-clínica e clínica, fitoquímica,
biotecnologia, conservação dos recursos vegetais, cultivo e melhoramento, controle de
qualidade, etnobotânica, etnofarmacologia, marcos regulatórios, saúde pública,
desenvolvimento tecnológico. Esses foram qualificados como "espaços de excelência para
trocas científicas na área de plantas medicinais no Brasil", diz a autora ao citar o depoimento
de um pesquisador (FERNANDES, 2004, p.115).
3.3.1 Vigilância Sanitária
Parte das pesquisas realizadas sobre plantas medicinais tem como perfil a segurança
do uso e o controle de qualidade de fitoterápicos e fitomedicamentos. Essas ações estão no
campo de atuação da vigilância sanitária, assim como outros produtos úteis à alimentação e
saúde humanas. Essas plantas, quando usadas in natura ou com beneficiamento primário
(secas, rasuradas ou pulverizadas) são consideradas como produtos de baixa complexidade,
situam-se entre o alimento, produtos isentos de prescrição e o uso como remédios caseiros.
São esses usos de baixa complexidade que, segundo nossa interpretação, precisam de um
contexto regulatório que favoreça a inclusão produtiva de agricultores familiares.
A 11ª Conferência Nacional de Saúde (2000) apresentou a demanda da sociedade em
regularizar as iniciativas de beneficiamento de produtos da agricultura familiar. Em seguida a
1ª Conferencia Nacional de Vigilância Sanitária ratificou e ampliou o compromisso anterior:
Fomentar políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico que
incluam financiamento para os distintos segmentos da cadeia produtiva, garantindo aos pequenos produtores rurais os meios necessários à
manutenção de condições adequadas e seguras no processo de produção,
84
diminuindo os riscos sanitários ao consumidor e à sua saúde. Devem ser
garantidas ações integradas entre os diversos setores que atuam na
agricultura familiar, visando ao seu desenvolvimento e à qualidade dos alimentos produzidos. (1ª CONFERENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA, 2001, p. 50)
Transformando em ação as propostas da sociedade civil, a ANVISA promoveu no
dia 28 de janeiro de 2013, a Oficina sobre Inclusão Produtiva com Segurança Sanitária cuja
finalidade foi:
Aperfeiçoar o trabalho realizado pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária - SNVS junto aos empreendimentos familiares rurais, setores
associativistas, cooperativados e micro empreendedores individuais, visando
a promoção da geração de renda, do emprego e da inclusão social, além de identificar ações que possam fortalecer as relações entre os demais órgãos e
instituições governamentais e não governamentais, contribuindo desta forma
com o Programa Brasil sem Miséria, através de políticas públicas que visam
a erradicação da miséria e o crescimento econômico do país15
.
A minha presença nessa oficina proporcionou um entendimento mais específico dos
desafios propostos para as organizações ligadas à agricultura familiar e uso tradicional de
plantas medicinais. Muito do que foi dito durante a oficina em parte com registro em
apresentações e relatórios com pouca divulgação, proporcionam subsídios importantes para
acompanhamento do processo de regulamentação das agroindústrias familiares onde se inclui
o beneficiamento primário de plantas medicinais.
Um dos produtos dessa oficina foi uma minuta de resolução que, tornou-se a
Consulta Pública nº 37, de 26 de agosto de 2013 publicada no Diário Oficial da União de
27/08/2013 (ANVISA, 2013). Durante a construção do texto para a minuta, fiz intervenções
orais no sentido de buscar espaço para integração dos processos de formação, de informação e
comunicação em saúde. Até o momento não houve acolhida a essas expressões no texto da
consulta pública.
15 Material impresso distribuído na Oficina de 27/08/2013.
85
Mais uma vez aparece a construção social do conhecimento como um critério
importante para a saúde coletiva nessa relação com a agroecologia. Segundo o
epidemiologista Luis David Castiel, Maria Cristina Guilam e Marcos Ferreira, no livro
Correndo o Risco, introdução aos riscos em saúde (2010). Os autores citam a possível
“avaliação de risco sem deixar de lado fatores subjetivos, éticos, morais e culturais”
(CASTIEL at al, 2010, p. 17). E, mais adiante esses autores afirmam: “A mensuração dos
riscos é, em última análise, um processo social. Riscos só existem decorrentes de ação
humana que é, invariavelmente, social” (CASTIEL ET AL, 2010, p. 45).
Como eminentemente social aborda então essa relação entre fatores biológicos e
culturais. A epidemiologia é um dos muitos limites dessa pesquisa, mas não podemos deixar
de anunciar a relação. Ficamos mais animados ao saber que há pesquisadores dedicados a essa
pesquisa, sem a qual seria irresponsabilidade pensar a inclusão produtiva de produtores
agrícolas, povos e comunidades tradicionais. Assim se constituem redes de sentido que
permitem aos atores afirmar: Eu não sei mas outros pesquisadores acessíveis no território
sabem.
Como demonstrou Fátima Branquinho (2007), o tema das plantas medicinais articula
saúde e cultura. A legislação nacional e internacional de proteção ao conhecimento tradicional
associado à biodiversidade traz impactos positivos à produção científica de plantas medicinais
ora limitando ora potencializando o uso da biodiversidade brasileira na assistência
farmacêutica.
Diante desse cenário e diante dos princípios de participação e integralidade, o
detentor do conhecimento tradicional (associado ou disseminado) pode ser mais ou menos
visível seja na pesquisa, no ensino ou nas práticas assistenciais do SUS. Essa visibilidade
também influencia seu empoderamento e vínculo diante dos serviços, como uma voz política
no controle social.
O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos foi promulgado em
2007. É coordenado pelo Ministério da Saúde em integração com mais onze ministérios e com
ação fundamental da Fiocruz. Através desse programa incluímos outro papel para um grupo
86
populacional importante para o campo científico da Agroecologia, o campesinato,
eventualmente descrito nesse texto como agricultura familiar.
Essa pesquisa traz a visão do camponês como detentor do conhecimento tradicional e
produtor potencial de insumos para a assistência farmacêutica. Para ilustrar esse pensamento
apresento uma imagem (Fig. 7). Segundo o pesquisador Muniz Sodré "a imagem torna-se
instrumento da consciência de artistas ou cidadãos (...) para mostrar o que não foi visto na
esfera do visível da comunidade" (SODRÉ, 2006, p.98).
.
Figura 7: Descrição da cadeia produtiva de produção de fitoterápicos
Fonte: Apresentação de Tania Maria Fernandes em 3 de julho de 2008 em Farmanguinhos/Fiocruz.
A imagem utilizada por Tania Maria Fernandez ilustra o intervalo de produção
científica sobre plantas medicinais e anuncia ao mesmo tempo o que está invisibilizado. Para
o conjunto de cidadãos que constroem coletivamente essa pesquisa é como se a mão que se
estende ao ofertar a planta para a pesquisa e para o uso no SUS fosse uma senha ou um
convite para novas investigações.
87
Para o escopo dessa pesquisa a figura da mão, no canto inferior esquerdo da imagem
representa um camponês inserido em uma territorialidade, organizado ou não, sujeito a um
regime de posse e uso da terra, da água e dos demais condicionantes para a produção,
circulação e consumo de plantas medicinais. Consideramos aqui a intersetorialidade entre
saúde e agricultura. No campo da pesquisa voltada a agroecologia essa dimensão é igualmente
complexa, e convidamos o leitor a passear por esses conceitos.
A expressão plantas medicinais contém essa dualidade entre a agricultura e o
extrativismo como setor econômico as formas de medicina, tradicional ou biomédica, do
campo da saúde. A expressão plantas nesse contexto está ligada intrinsecamente a um
ambiente cercado de elementos ecossistêmicos. Necessariamente o provimento de plantas
para um desses sistemas médicos implica em um sistema produtivo, seja extrativismo ou
cultivo agrícola, podendo ser mais ou menos sustentável.
A sustentabilidade caracteriza qualquer modelo de produção agrícola aplicado a essa
obtenção de plantas medicinais. Ao longo de milhões de anos a humanidade tem domesticado
e reproduzido sistematicamente espécies vegetais de interesse alimentar e econômica.
Segundo Maria Nazareth Wanderley, entre o final dos anos 1950 e 1960, com a justificativa
do aumento populacional a agricultura brasileira passou por uma etapa de definição de seu
modelo agrícola (WANDERLEY, 2009). Essa etapa foi denominada Revolução Verde.
O resultado desse período pode ser visto como a crescente especialização das
propriedades agrícolas, a mecanização, a concentração da terra, o êxodo rural. A produção
brasileira cresceu muito desde então. Sua produção, destina-se preferencialmente para a
exportação. Tornou o Brasil um dos países com maior uso de agroquímicos, causando outras
vulnerabilidades para a saúde coletiva. Apesar disso, esse modelo não resolveu o problema da
alimentação mundial. Desse modo, a partir de setembro de 2000, a Organização das Nações
Unidas (ONU) traz para seus 191 estados membros os Oito Objetivos do Milênio, sendo o
primeiro deles a erradicação da pobreza extrema e o combate a fome (ONU, 2013). A
presença do sétimo objetivo, na mesma agenda para o milênio - a sustentabilidade - também
pressupõe certa complexidade para pensar o modelo hegemônico de produção agrícola.
88
No entanto, um movimento dialeticamente oposto a esse modelo agroexportador
sempre esteve presente na história da agricultura. Diferentes formas de agricultura camponesa
evoluíram para uma relação técnica científica, passando por diferentes denominações:
agricultura tradicional, natural, alternativa, biodinâmica, agricultura de base biológica. Aos
poucos investimentos práticos, institucionais e de pesquisa científica cunhou e trouxe
crescente hegemonia para o campo denominado agroecologia.
Já em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares,
apresentou sua definição de agroecologia, aproximando o termo da fitoterapia no SUS.
trata-se de sistema que se baseia em um cultivo sustentável, que respeita o
meio ambiente, em oposição ao modelo agrícola convencional, centrado no
uso abusivo dos recursos naturais e de agroquímicos. A agroecologia
prioriza as necessidades alimentares e nutricionais da população, selecionando as tecnologias utilizadas no processo produtivo, assegurando a
preservação dos agroecossistemas em longo prazo. (BRASIL, 2006b, p. 42)
Para as finalidades dessa pesquisa, há relevância na construção social do
conhecimento em agroecologia e que esse conhecimento se dá com intrínseca relação entre
informação científica e conhecimento tradicional. É, portanto, uma ciência complexa e
interdisciplinar.
Aplicação dos princípios e conceitos da Ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis, num horizonte temporal, partindo do conhecimento
local que, integrando ao conhecimento científico, dará lugar à construção e expansão
de novos saberes socioambientais, alimentando assim, permanentemente, o processo
de transição agroecológica. (GLIESSMAN, 1990 apud CAPORAL E
COSTABEBER, 2004)
Esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais,
preservar recursos ambientais, considerar a participação política e o empoderamento
dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma
agricultura sustentável. (CAPORAL E COSTABEBER, 2004, p. 15).
Emerge do campo da agroecologia uma dimensão de "construção social do
conhecimento" que é uma linha mestra para essa dissertação. Através desse conceito
pretendemos integrar ou relacionar os demais campos do conhecimento convergindo para o
objeto plantas medicinais em sistemas agroecológicos. Construção social é destas expressões
89
que correm o risco de tornarem-se banalizadas pela repetição sem que sua natureza mais
efetiva seja perseguida e aplicada. A autora Fátima Branquinho (2007) prefere falar:
O que permanece sociologicamente essencial é o reconhecimento de que
todos os universos simbólicos e todas as legitimações são produtos humanos,
cuja existência tem por base a vida dos indivíduos concretos e não possui status empírico à parte dessas vidas. (BERGER e LUCKMANN, 1985 apud
BRANQUINHO, 2007).
O conhecimento agroecológico é constituído com a valorização do conhecimento
tradicional. Mas reafirma a necessidade da informação científica. Defende a horizontalidade
entre as duas formas de conhecimento. No campo da agroecologia, a ciência não tem status de
superioridade. Não há pressuposto de autoritarismo da ciência sobre o conhecimento
ecológico local. Seu pressuposto seria uma tessitura da pesquisa acadêmica com a influência
mútua de uma forma de conhecimento sobre a outra.
A agroecologia valoriza o agricultor experimentador. Esse tem sido ao longo da
história, um domesticador de espécies e um melhorista nato. Para a pesquisadora Juliana
Santilli (2009), a conservação on farm, ou no local de cultivo é uma ação de agricultores.
Através do trabalho contínuo de seleção de sementes feito nas lavouras se produz tanto a
conservação como o melhoramento de inúmeras espécies de interesse para alimentação e
saúde (SANTILLI, 2009).
Paulo Petersen (2011) alia o potencial de novidades nas experimentações de
agricultores camponeses como intrinsecamente ligada à comunicação. Para o autor, a
novidade se difere da inovação.
La producción de novedades en el campo de la agricultura y del desarrollo
rural se da a partir de la mutua adaptación entre los sistemas técnicos y los ecosistemas. De esto resulta que las novedades produzcan y dependan al
mismo tiempo de un tipo de conocimiento de naturaleza contextualizado y
artesanal: el conocimiento local. (PETERSEN, 2011, p. 104)
Um dos desafios do campo da agroecologia é o exercício de não especialização da
agricultura, seja na prática dos cultivos, seja nas pesquisas que os legitimam. Plantas
medicinais são espécies que interagem com outros produtos agrícolas e com as variedades de
alimentos da dieta dos territórios. Estamos aqui, buscando a aplicação de alguns princípios da
90
agroecologia, focando essas espécies ditas medicinais sem esquecer as suas relações com
outras plantas cultivadas para a segurança alimentar e nutricional nos territórios. Trata-se de
enfocar plantas medicinais nos sistemas agroalimentares.
Agroecossistemas ou sistemas agroalimentares podem ser entendidos também como
um território-rede interpretado no campo da agroecologia. Para o geógrafo Claude Raffestin,
Não se trata pois do "espaço", mas de um espaço construído pelo ator, que comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema
sêmico. Portanto o espaço representado não é mais o espaço, mas a imagem
do espaço, ou melhor, o espaço visto e/ou vivido. (RAFFESTIN, 1993, p.5)
Podemos chamar a esses bairros ou grupos de bairros ou simplesmente um conjunto de ruas de vizinhança, entendida como aquele espaço onde as
pessoas adquirem mais familiaridade social e geográfica, e podem
compartilhar uma história. Onde se vivem processos econômicos, políticos e sociais. Enfim é aquele ambiente que encerra a maior complexidade social
de um grupo de pessoas, o lugar em que vivem suas vidas. (TORO, 2005, p.
73)
Plantas medicinais precisam de espaço para seu cultivo, manuseio, beneficiamento,
pesquisa. Esse espaço, no entanto, não é algo isento de relações de poder que o submetem e
transformam. São relações que impõe aspectos favoráveis ou desfavoráveis ao ciclo de
produção e consumo de plantas medicinais. Podendo aparecer como elementos simétricos ou
assimétricos, não humanos ou quase humanos (LATOUR, 1994).
Podemos exemplificar esse ponto com o exemplo dos sistemas agroflorestais
medicinais (SAFs) como um dos produtos do Profito. Inicialmente eles demandavam um
espaço de 400 m² para compor uma unidade demonstrativa em cada uma das comunidades
locais onde havia intervenção do projeto.
O primeiro impacto veio da inviabilidade de assinar um termo de compromisso com
o Instituto Estadual do Ambiente, gestor do Parque Estadual da Pedra Branca, unidade
conservação integral e espaço onde se situam a maior parte dos agricultores (FERNANDEZ,
2009). Passaram-se 4 ou 5 anos de negociação com o órgão ambiental. Aos poucos todos
foram compreendendo que deviam criar um plano alternativo chamado “Plano B”. Como a
91
necessidade de espaço geográfico era mínima, o coletivo Profito buscou áreas do entorno em
sítios particulares ou institucionais.
O regime de posse e uso da terra bem como as condições sanitárias e ecológicas
foram fatores territoriais que inviabilizaram a existência dos SAFs nos espaços priorizados
inicialmente. Relações de poder pessoal ou institucional interferiam na implantação dessas
tecnologias sociais. No entanto, mesmo com todos os desafios impostos pelo território rede,
três sistemas agroflorestais medicinais estão implantados na zona oeste do Rio de Janeiro,
como será discutido mais adiante.
Uma dimensão favorável ao florescimento das ações de PNPMF no território da zona
oeste do Rio de Janeiro é a presença de Farmanguinhos. A partir de Farmanguinhos surgem
novas relações com organizações não governamentais, organizações políticas, instituições de
ensino pesquisa, laboratórios públicos. São Redes e redes. Redes que se entendem como
organizações e então grafadas aqui com maiúsculas. E redes, com letra minúscula, dando a
conotação de uma ferramenta de análise. Uma rede é uma oportunidade de perceber o que
ocorre entre os nós (indivíduos ou coletivos) do ponto de vista da informação e da
comunicação em saúde.
3.4 A JUNÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE PROCESSOS, DISCIPLINAS, SETORES
Utilizamos o pensamento de Olga Pombo (2005) quando diz que a
interdisciplinaridade não é algo que buscamos, mas algo que acontece ao pensamento
contemporâneo. Então, como descrito no início do capítulo, essa pesquisa traz uma proposta
de interciências entre basicamente três campos: a Saúde Coletiva, a Agroecologia e a
Sociologia. Na interseção entre essas grandes áreas, os campos da comunicação e da
informação em saúde trazem o aparato conceitual necessário a um recorte nem sempre tão
comum em trabalhos de dissertação. Fui me apropriando de conceitos como de território-
rede e de redes sociotécnicas para delimitar o lugar onde ocorre a relação entre o
conhecimento tradicional e a informação científica relacionada ao consumo de plantas
medicinais.
92
A interdisciplinaridade se deixa pensar, não apenas na sua faceta cognitiva -
sensibilidade à complexidade, capacidade para procurar mecanismos
comuns, atenção a estruturas profundas que possam articular o que aparentemente não é articulável - mas também em termos de atitude -
curiosidade, abertura de espírito, gosto pela colaboração, pela cooperação,
pelo trabalho em comum. Sem interesse real por aquilo que o outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só há interdisciplinaridade se somos
capazes de partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem
necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e para nos
aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com a interdisciplinaridade, se
alcançaria uma forma de anular o poder que todo saber implica (o que
equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar partilhá-
lo. Como? Desocultando o saber que lhe corresponde, explicitando-o,
tornando-o discursivo, discutindo-o. (POMBO, 2005, p. 13)
Dessa forma buscamos evitar a especialização em busca de um
conhecimento passível de ser integrado numa leitura territorial. É uma busca
de “articulação dos conhecimentos especializados com aqueles outros saberes que provêm da experiência social e das memórias coletivas”
(MARTIN-BARBERO, 2014).
O que está em jogo são as relações essenciais e existenciais. Por intermédio
deles sente-se a vontade de afirmar a necessidade de relações simétricas com
os seres, com os locais, o trabalho e o meio espaço-temporal. Retomar o poder pela base por meio do cotidiano e, sobretudo, recuperar uma malha
territorial que possa permitir o exercício desse poder. Em resumo, trata-se de
redescobrir, para as coletividades, malhas concretas que se oponham às
malhas abstratas propostas pelo Estado (RAFFESTIN, 1993, p. 33).
93
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO: A INTER-RELAÇÃO ENTRE A INFORMAÇÃO
CIENTÍFICA E A TRADICIONAL
Perceber a transformação epistemológica em curso é perceber que lá, onde
esperávamos encontrar o simples, está o complexo, o infinitamente complexo. Que
quanto mais fina é a análise, maior a complexidade que se abre à nossa frente. (Olga
Pombo)
Uma prática comunicativa dialógica inter-relacionada a ações de formação e
capacitação inaugurou um tempo novo para agricultores e comunidade tradicional do Sertão
Carioca. O ano de 2006, simultaneamente marcou a criação do projeto Profito e trouxe no
cenário nacional as duas políticas orientadas à plantas medicinais (BRASIL, 2006a; BRASIL
2006b). Ao optar pelo diagnóstico rápido participativo como metodologia, a equipe criadora
do Profito trouxe parte do dialogismo freireano para o território. Os resultados apresentam a
discussão sobre o empoderamento local e a participação política desses agricultores e por
extensão da comunidade tradicional.
Para sublinhar a importância do tema, repetimos que essa participação se faz
possível com a atuação em redes em diferentes dimensões e perfis. São redes concêntricas que
partem do local ao global. Situam-se na rede de parentela e redes comunitárias, quase grupos.
Aparecem nos territórios redes que conjugam parentelas e comunidades como elemento
mediador entre os locais e o global. E chegam então às redes sociotécnicas com seu caráter
complexo e global. Nessa unidade territorial que parte do Maciço da Pedra Branca em direção
à região metropolitana do Rio de Janeiro se torna possível compreender e atuar nessa
dimensão local-global.
Organizamos então os resultados da pesquisa a partir da sistematização das ações e
subprojetos do Profito. Em seguida apresentamos os resultados da observação participante nas
feiras agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro. E, analisamos a informação
científica nos grupos de pesquisa e periódicos sobre o conhecimento tradicional. Finalizando
com a descrição da rede sociotécnica indicada pelos integrantes da pesquisa.
94
4.1 DE UMA PRÁTICA COMUNICATIVA A UMA REDE SOCIOTÉCNICA
As atividades e conhecimentos socialmente construídos no âmbito do Profito estão
registrados em diferentes objetos, textos, vídeos e fotos. Porém, boa parte dessa
documentação não está acessível à população. Trazer luz a essa documentação cumpre parte
do papel de dar publicidade ou de construir o público a partir das ações do projeto. O Profito
gerou uma bibliografia na forma de uma tese de doutorado da socióloga Annelise Caetano F.
Fernandez (2009), uma dissertação produzida pela geógrafa Alessandra Magalhães
(2010),artigos (MAGALHÃES FRAGA, 2010), resumos expandidos em eventos
(FERNANDEZ e BAPTISTA, 2010), monografias, trabalhos de conclusão de cursos.
Através da ação de extensão universitária vários pôsteres e relatórios de projetos de
iniciação científica ou de extensão foram escritos. A participação desses acadêmicos em
eventos gerou mais de 12 pôsteres, sendo que dois obtiveram o título de melhor trabalho na
IX Semana de Extensão da UFRRJ e outros receberam menção honrosa. Esses documentos
formais de uma forma ou outra obtiveram alguma circulação junto à academia. Outros
documentos relevantes para o entendimento da ação realizada no território não tiveram
qualquer circulação.
Para a experiência do Profito os documentos representam um processo de
interlocução oral codificado em fotos, vídeos, textos. A codificação, na experiência
vivenciada, é um processo de registro em código escrito partindo de intervenções populares
orais ou imagéticas. Essa é uma característica do regime sociotécnico vivenciado que merece
uma análise posterior. Havia um ambiente de predomínio da comunicação informal oral.
Principalmente nas reuniões de gestão participativa era usual registrarmos as decisões e as
principais demandas do coletivo. Chamamos esse processo de codificação da comunicação
oral. Para além da escrita, o Profito produziu também fotografias digitais e vídeos artesanais.
Nem sempre a qualidade possibilita a sua exibição, mas representam um repertório que pode
subsidiar outros processos investigativos.
A esse conjunto de fotografias digitais produzidas por diferentes autores que
registraram esse percurso de 2006 a 2013 denominamos doravante acervo Profito. Não há na
95
documentação nenhuma descrição metodológica para essa produção iconográfica.
Aparentemente foi algo que brotou daquela conjuntura e não produziu uma reflexão por si.
Ainda no campo das imagens associadas ao discurso, a videografia do Profito também é
abundante. Trata-se de um conjunto de vídeos não sistematizados com a mesma proficiência
das fotografias. Essa videografia pode gerar novas questões de pesquisa.
O acervo Profito não foi organizado e discutido nessa pesquisa por se tratar de um
volume maior do que a capacidade técnica e metodológica dessa pesquisadora e por não
compreendermos essa ação como prioritária. No entanto cabe registrar uma experiência de
sistematização de imagens intitulada Paisagem cultural do sertão carioca: Luta simbólica
através de imagens e outras narrativa. O trabalho foi realizado por duas estudantes de ciências
sociais da UFRRJ, Fernanda Ferreira, Márcia Cristina Oliveira Dias e essa autora (Doc
1310).
Por fim existem os documentos de código linguísticos escritos compondo laudas e
laudas de registros de reuniões, diários de campo, relatórios, subprojetos. Todo esse conjunto
de documentos foi revisto e selecionados dezessete textos com um total de 398 páginas com a
função primordial de descrição das atividades realizadas e registradas. Ao longo desse
processo que julgamos necessário faremos alusão a esse material listado na tabela 7. Em
seguida, foi realizada uma priorização, reunindo documentos indispensáveis à crítica
constituída pelo conjunto dos integrantes do projeto nas duas reuniões participativas e em
entrevistas. Essa priorização foi realizada segundo o modelo do anexo C, proposto por
Chavez-Tafur (2007), conforme o caminho da pesquisa descrito no capítulo três.
Como resultado do ato de sistematizar, compreendemos melhor as razões da
descrição das ações do Profito Pedra Branca. O processo descritivo dos documentos é o
primeiro passo da sistematização proposta por Chavez-Tafur (2007). Sistematizar se torna
então um processo distinto de codificar. Também não é o mesmo que organizar dados.
Utilizamos a metáfora do texto como tecido, composto por matizes, linhas, cores. É de fato
um processo que implica em construir coletivamente uma novidade.
Um conjunto de ações sistematizadas implica em uma composição de opiniões,
ideologias, tempos e sentidos diversos. Há uma junção que torna possível a horizontalidade
96
dos saberes. Também se difere da análise por querer compor, tecer. Para o Chavez-Tafur
(2007), autor dos procedimentos metodológicos empregados, só após esse exercício o novo
conhecimento pode ser construído coletivamente.
Diante dessa vasta documentação achamos indispensável descobrir quão antiga é a
convivência entre informação científica e conhecimento tradicional no âmbito do projeto. A
análise documental demonstra que o conhecimento tradicional tem merecido atenção da
equipe técnica do Profito desde a sua gênese em 2006 (Doc 0611). É, no entanto a partir do
ano de 2010 que ele aparece com maior frequência. O conhecimento tradicional ganha
relevância a partir da redação do projeto Ampliação e fortalecimento das atividades
agroindustriais das associações de agricultores do Maciço da Pedra Branca /RJ, coordenado
e proposto pela Dra. Annelise Fernandez ao Programa de Extensão do Ministério de Educação
(Proext/Mec) (Doc 1104).
A partir dessa redação, o termo volta a aparecer durante o Seminário Fitoterapia no
SUS quando o relatório final apresenta 19 citações ao conhecimento tradicional. Nesse
evento, doze agricultores assinaram a lista de presenças. No entanto, o excesso de pessoas que
compareceram na portaria do CFMA para inscrição no momento de abertura do seminário
inviabilizou a listagem real dos presentes. Estima-se que cerca de 20 agricultores participaram
do seminário. Vários desses agricultores são organizados na Articulação de Agroecologia do
Rio de Janeiro (AARJ). Creditamos a essa vivência um maior número de citações ao
conhecimento tradicional.
A mesma incidência de alusões ao conhecimento tradicional parece ter ocorrido no 1º
Encontro de Inovação em Medicamentos da Biodiversidade e Agroecologia do Estado do Rio
de Janeiro, organizado pelo NGBS no ano de 2012. Esse evento ocorreu também no Campus
Fiocruz da Mata Atlântica. O relatório final registra 12 citações ao conhecimento tradicional.
Sendo que duas dessas citações descrevem diretamente a relaçãocom a informação científica
objeto dessa pesquisa (Doc1212). Em um momento o relatório anuncia que o acesso à plantas
medicinais muitas vezes ocorre “sem determinação botânica especializada, calcada apenas no
conhecimento tradicional, ou na identificação leiga”. E, mais adiante o relatório anuncia a
necessidade de “integração do conhecimento tradicional+ conhecimento científico”.
97
Esses dois eventos, em especial contaram com a participação de um grupo de
agricultores da região metropolitana que se organizam na AARJ, como citamos acima. A
codificação da palavra deles nesses relatórios além de identificar essa relação também parece
demandar um encaminhamento eficaz dessa coexistência na comunicação que permeia
projetos, programas e serviços relacionados à plantas medicinais.
Tabela 6: Documentos selecionados derivados de registros do Profito Pedra Branca entre 2009 e 2013
e incluindo o documento que cria o projeto em 2006.
Documento Descrição
Citações ao
conhecimento
tradicional
Citações
relacionando
CT a IC
Número de
páginas
Doc 0601
Projeto Plantas Medicinais nas
Comunidades do Maciço da
Pedra Branca redigido em 2006 1 0 36
Doc 1310
Relatório Final apresentado à
Coordenação de Cooperação
Social (Fiocruz) como prestação
de contas das ações pactuadas no
Edital CSDT/Fiocruz 02 1
50
Doc 0909 Programa I Seminário Profito 0 0 1
0910b Projeto Profito Pedra Branca Curso_Edital_CSDT 01 0 0 16
Doc 0911
Conteúdo veiculado no site de
Farmanguinhos em 18/11/2009 0 0 1
Doc 1004
Relatório Técnico Fevereiro a
Abril de 2010. Ref: “Realização
de ações locais do Programa
Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos- PROFITO” 0 0 5
Doc 1104
Proj_Assoc_PB_Edital Proext
2011 5 0 38
Doc 1005 Relatório Técnico Maio 2010 0 0 10
Doc 1006 Relatório Técnico Junho 2010 0 0 11
Doc 1007 Relatório Técnico Julho 2010
10
Doc 1008 Relatório Técnico Agosto 2010 1 0 5
Doc 1105 Relatório Técnico Maio 2011 0 0 18
Doc 1109
Projeto Modelo Socioprodutivo
Agroecológico de Plantas
Medicinais submetido ao Edital
CSDT/Fiocruz 02 1 1 18
98
Documento Descrição
Citações ao
conhecimento
tradicional
Citações
relacionando
CT a IC
Número de
páginas
Doc 1112
Relatório Final do Seminário
Fitoterapia no SUS realizado nos
dias 21 a 22 de julho de 2011 no
Campus Fiocruz da Mata Atlântica. Descrevendo os
processos que antecederam o
seminário e uma análise
qualitativa do evento. 19 1 79
Doc 1208
Relatório Final do Projeto
SAF_Edital CSDT/FIOCRUZ 01 0 0 26
Doc 1212
Relatório Final do 1º Encontro
de Inovação em Medicamentos
da Biodiversidade e
Agroecologia do Estado do Rio
de Janeiro 11 2 24
Doc 1310
Relatório final Edital CSDT 02 -
2011. Subprojeto: Modelo
Socioprodutivo Agroecológico
de Plantas Medicinais. 1 1 50
Total 17 documentos 40 5 398 Fonte: Elaboração própria a partir de análise dos documentos do Profito Pedra Branca.
Recuperamos um trecho do subprojeto escrito em 2011 para contextualizar o papel
da tradicionalidade nesses grupos de agricultura urbana e periurbana na região metropolitana
do Rio de janeiro. Esse projeto começa a romper com a ideia predominante de que
tradicionalidade seria coisa do passado.
Da mesma forma é importante destacar que a tradicionalidade deste grupo
não se encontra apenas no passado, mas ganha novos sentidos a partir da
incorporação de valores ambientais que ressignificam sua história e relação frente aos órgãos ambientais que administram o território do Parque Estadual
da Pedra Branca (Doc. 1104)
Essa ressignificação constituída no território com a atuação do Profito entre o ano de
2006 e 2009 não contou com recurso financeiro que fizesse avançar em seus propósitos. A
tese de doutorado Do sertão carioca ao Parque Estadual da Pedra Branca: a construção
social de uma unidade de conservação à luz das políticas ambientais fluminenses e da
99
evolução urbana do Rio de Janeiro, traz a descrição e análise dos dados do diagnóstico
participativo realizado (FERNANDEZ,2009) durante a primeira fase do projeto. Um dos
resultados mais consistentes desse período foi o início da participação política dos
agricultores. Permaneceram na gestão participativa do Profito. A cada convite feito, lá estava
a comunidade apoiando, atendendo, dando opiniões. Em diferentes momentos perguntavam:
“quando começamos a plantar?”
Eram sempre lembrados que a próxima etapa seria estudar e se capacitar para o
plantio, beneficiamento e comercialização. Logo tivemos o perfil de um curso definido com
humor por um de seus integrantes, Paulo José Martins Filho, o Paulinho:
Esse curso, dizia, pode ser bem prático. Pode ser aqui na varanda da casa do Pedro
[Mesquita]. O agrônomo mostra p’ra gente como se faz. Ele diz: cava. Nós vamos
ali na roça e cavamos. Ele diz, planta e nós plantamos. Simples assim, teoria e prática, teoria e prática (BAPTISTA, 2010).
Paulinho tornou-se assim coautor de um aspecto muito importante para a
metodologia da práxis. E, mesmo sem saber, foi refletindo sobre o que fazíamos
acrescentando ao duplo princípio teoria e prática o princípio da reflexão. Outro princípio
introduzido por nosso agricultor-experimentador foi a educação-em-qualquer-lugar.
A escuta e os diálogos freireanos tornaram-se recurso pedagógico primeiro durante o
diagnóstico participativo realizado desde 2006 e acentuado na preparação do curso durante o
ano de 2009. Os documentos selecionados registraram uma rodada de investigação sobre as
demandas e expectativas de agricultores e agricultoras e em seguida uma dinâmica de
priorização elegendo os itens que dariam forma ao plano de curso. Alguns elementos
indicados pelos agricultores eram coincidentes com a redação prevista no projeto de 2006
(Doc. 0601).
Os relatórios descritivos desse período demonstram que os integrantes do projeto
solicitaram o “Conhecimento das ervas: “às vezes conhecem com um nome, às vezes tem
outro nome”. Essa demanda parece indicar uma certa erosão do conhecimento tradicional e
uma insegurança causada pela presença de diferentes nomes de plantas na mídia televisa. Por
outro lado outro registro apresenta o pedido de condições para avançar no conhecimento:
100
“catalogar plantas medicinais do local, fotografar, estudar; pesquisar como os moradores já
usam estas plantas; a propriedade de cada erva”.
Essas foram as expressões usadas pra demandar conteúdos e ações para o curso
prático que estava sendo planejada. Do mesmo modo, o agricultor, Paulo José Martins Filho,
já citado, faz mais do que demandas. Dá um indicativo do princípio de dádiva associada a seu
conhecimento tradicional de plantas medicinais.
Viu o Globo Repórter? Uma rezadeira conversava com a médica; era
uma espécie de troca. A rezadeira se doa e se desgasta. Daí vai
procurar a médica que a escuta. Com a conversa a rezadeira volta para
casa recarregada. A gente se doa, se doa. Chega uma hora que você
está descarregado. O desgaste faz você para e pode até adoecer e não
vai ter remédio para você. Acho que tem que ter uma técnica de escuta
do outro lado. Já trabalhei com ervas e era voluntário. Se eu puder ter
um rendimento que amplie as minhas ideias melhor. Não vejo o
Projeto Plantas Medicinais como um negócio. Depoimento de ex-
integrante da Pastoral da Criança (BAPTISTA, 2010).
A preocupação com o acesso a mercados aparece muito claramente. Fica também
implícita que a comercialização não é a prática do território em questão: “para quem vai
vender plantas medicinais; Como vender, como transformar em produto”. O projeto original
redigido em 2006 já trazia a questão dos mercados como objetivo. Na realidade do Profito
nasceu com a visão da sustentabilidade ambiental, social e econômica. A geração de renda foi
uma preocupação central.
No entanto, um pedido feito na época não só era novo para a equipe técnica do
projeto. Ele trazia também um elemento não esperado e nem adequado à competência
institucional da Fiocruz. Os integrantes do Profito pediram: “Como ser reconhecido como
agricultor pelo governo.” (BAPTISTA, 2010). Pedido esse que foi corretamente interpretado
como uma demanda por políticas públicas inclusivas para o território do sertão carioca.
Não é de se esperar que haja um pedido como esses em um curso de cultivo de
plantas medicinais. No entanto, o que fez a equipe técnica acolher esse pedido foi a decisão
metodológica pela chamada participação-poder (PERUZZO, 1998 ). Ao acatar a demanda por
reconhecimento estatal da agricultura da cidade o Profito teve uma profunda modificação em
101
seu escopo inicial. Para começar o subprojeto orientador do curso prático de cultivo ganhou o
segundo objetivo específico da iniciativa, promovendo comunicação em rede, que será
analisado mais adiante. Outras demandas também se situavam fora do domínio do cultivo das
plantas medicinais.
As sugestões e visões dos agricultores foram somadas ao planejamento antecipado
pela equipe técnica. Desse modo o curso foi planejado (BAPTISTA, 2010). Esse conjunto de
ideias resultantes foi sistematizado em forma de documento e reenviado aos demais parceiros,
técnicos, pesquisadores, pessoas da sociedade civil com atuação no setor e que vinham
acompanhando o projeto por anos.. A visão metodológica da época era que as sugestões
recebidas dos parceiros de então, fossem condensadas em um novo documento e submetidas à
plenária do I Seminário Profito. Assim foi feito. Após o seminário que vamos analisar mais na
frente surgiu o ementário.
A primeira inspiração para denominar cada conjunto articulado de conteúdo pela
expressão área teve por finalidade evitar a expressão disciplina. Tínhamos a noção de que
essas áreas tinham fronteiras permeáveis e que o planejamento deveria ser conjunto.
Constituímos então o curso prático de plantio e comercialização de plantas medicinais com
quatro áreas: agroecologia, fito, pós-colheita e gestão.
A área agroecologia foi coordenada por Valério Morelli, mestre em agronomia,
colaborador de Farmanguinhos. Tinha por objetivos:
Refletir sobre o potencial de produção de um sistema agroecológico em
comparação a sistemas convencionais através de uma visão crítica do
sistema de produção vigente; Identificar e compreender os processos e fatores ecológicos que afetam a produção racional de plantas medicinais e
discutir o papel de cada um no sistema local de produção; Construir
ferramentas de avaliação de eficiência (produtiva e ecológica) do sistema de produção para eventuais ajustes ou correções (BAPTISTA, 2010)
Uma outra área recebeu o nome fantasia “Fito” e ficou na responsabilidade de Sandra
Magalhães Fraga, bióloga, doutora em ecologia, manejo e sustentabilidade.
O conteúdo desta área temática trata do histórico da fitoterapia e sua
importância para a humanidade, de como a pesquisa química e farmacêutica
102
dão respaldo a esta atividade, e de como a agricultura pode se beneficiar ao
entender a relação da fitoquímica com a qualidade da matéria prima
cultivada. História da fitoterapia no mundo, uso das plantas por populações tradicionais, legislação específica (ANVISA, CGEN, Lei da Biodiversidade,
Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, etc.)
Pesquisas etnofarmacológicas e etnobotânicas. Inovações nas pesquisas com plantas medicinais e fitoterápicos. Testes para verificação dos marcadores
químicos das espécies medicinais (quantidade e qualidade) e sua relação
com cultivo, beneficiamento e certificação. (BAPTISTA, 2010).
Annelise Fernandez, doutora em sociologia e eu, organizamos e ministramos todos
os encontros e oficinas da área denominada gestão cuja presença no curso de plantas
medicinais objetivou atender a demanda do grupo de ter reconhecida pelo Estado a sua
condição sociocultural de agricultor (a). Segundo o documento:
O conteúdo da área de conhecimento denominada GESTÃO descreve o
histórico de formação de identidades no território do PROFITO; passa pela elucidação de ferramentas de diagnóstico .continuado da realidade local;
demonstra os instrumentos jurídicos e institucionais necessários à
consolidação de nova territorialidade que promova maior justiça social e
preservação ambiental. As atividades práticas buscam consolidar os vínculos e canais de comunicação entre as associações de pequenos
produtores do PEPB, estabelecer contatos, estreitar relações com atores,
instituições, organizações governamentais e civis atuantes na realidade local (BAPTISTA, 2010).
A área pós-colheita tinha uma dupla missão, tratar das questões de boas práticas de
manejo e beneficiamento e das questões de mercado.
Serão discutidas e analisadas as formas de beneficiar as plantas medicinais
com qualidade, de forma que esta matéria prima possa ser certificada, e que os agricultores possam realizar suas atividades com segurança e de forma
simples, através da construção de suas próprias ferramentas e formas de
beneficiamento adequadas a qualidade exigida na área (BAPTISTA, 2010).
Apesar de constante busca e realização de mais de uma forma de integrar esse
conteúdo, a área então denominada pós-colheita ficou sem responsável direto. Não funcionou
durante os primeiros meses do curso. Em seguida foi desmembrada, sendo que parte do
conteúdo foi ministrada por Sandra Magalhães Fraga na área Fito e parte foi iniciada pela
103
gestão. No entanto, a plenitude dos conteúdos da área mercados não foi estudada, deixando
uma lacuna a ser futuramente preenchida por outro subprojeto do Profito.
Chamamos a atenção para o fato que a documentação analisada até 2009 em
momento algum cita informação científica. No entanto, o acesso a base de dados e extensa
bibliografia acadêmica fundamentou a implantação do curso em todas as áreas. Como
discutido anteriormente o nome dado aos resultados da pesquisa acadêmica é informação
científica e portanto ela estava presente no gênese da fase de capacitação do Profito. A
informação tecnológica derivada em especial do Ministério da Saúde também contribuiu para
a implantação da experiência. A informação estava presente embora não nomeada e não
tratada como tal.
Retornando aos parágrafos explicativos das quatro áreas que compõe o ementário do
curso proposto identificamos já um ambiente multidisciplinar. Acatando o pensamento de
Olga Pombo (2005) ao dizer que o importante é se por a caminho de um ambiente disciplinar
para a interdisciplinaridade, afirmamos que o Profito fez isso. Primeiro analisamos a presença
de uma nomeação já composta entre áreas diferentes. Identificamos isso inicialmente no
próprio campo da agroecologia, que mais e mais se apresenta como ciência complexa. Não é
apenas uma junção da agronomia com a ecologia. Há muito mais nesse cenário de interação
entre ciências. Não nos cabe analisar, apenas citar esse pertencimento já contribui para os
nossos resultados.
A área denominada “Fito” foi talvez a mais exigente em informação científica
originada em campos diferentes. Vejam que aparece nessa descrição, a fitoterapia que, em
termos contemporâneos está associada à medicina ocidental com vastas contribuições de
outras ciências. No mesmo parágrafo é citada a química e a farmácia, logo em seguida
reunidas num terceiro campo, a Fitoquímica. Além dessas aparece a agricultura, por si um
setor amplo de práticas influenciadas pelas ciências. Novamente, como em agroecologia,
aparecem as integrações já aceitas academicamente como a etnofarmacologia e etnobotânica.
Os autores dessa ementa acrescentam também a tradicionalidade que, a nosso ver é
mais bem entendida pela antropologia e demais ciências sociais. Por si, a
multidisciplinaridade cria um desafio para a construção social do conhecimento. Mais ainda
104
quando não é vista e tratada como tal. Mais tarde, durante a entrevista realizada com a Dra.
Sandra Magalhães Fraga essa apresentou a necessidade de preservar a energia psíquica de
cada envolvido. Estava se referindo aos pesquisadores que necessitam produzir informações
específicas e que demandam muito tempo de trabalho. Debruçar-se sobre análises de contexto
ou sobre a interdisciplinaridade entre seu trabalho e o de outros leva a um desgaste e possível
ineficiência. Segundo ela é impossível observar o todo quando se tem a tarefa de produzir
algo específico. No entanto admitiu existir algo específico no todo que pode ser o recorte de
trabalho de algumas pessoas. É o que buscamos ao tratar de rede sociotécnica.
Paralelamente ao acesso, uso e circulação da informação de diferentes áreas do
conhecimento, uma dimensão pedagógica aplicada em algumas oficinas sofria a influência de
Paulo Freire e outros autores construtivistas. A área gestão, em especial, se fez centrada na
expressão dos comunitários com seus temas geradores, submetidos à problematização para
gerar o novo conhecimento. Cabe-nos sinalizar que foi esse investimento que ilustrou a
necessidade de uma junção entre a informação, a educação e a comunicação, a fórmula IEC
citada por Araújo e Cardoso (2007). Embora não possamos entrar aqui na análise da educação
não formal implantada no Profito é importante destacar a origem de nossas preocupações
infocomunicacionais.
4.1.1 Educação em qualquer lugar
É muito comum associar-se os processos de educação a um prédio denominado
escola. O Profito, assim como tantas outras iniciativas de educação não formal optou por um
caminho de formação e capacitação promovido em diferentes espaços, alguns com
infraestrutura e outros não. Foram dezoito encontros pedagógicos quinzenais alternando
atividades no Campus Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA) com salas com infraestrutura,
quadros, datashow, espaço para alimentação e atividades ao ar livre. É também no CFMA que
está a coleção de plantas medicinais de Farmanguinhos onde foi realizada parte do processo
de ensino-aprendizado sobre identificação e determinação botânica, cultivo, e atividades pós-
colheita de plantas medicinais.
105
Alternadamente outros encontros pedagógicos foram realizados nas comunidades de
agricultura tradicional do Maciço da Pedra Branca e seu entorno. Nesses encontros
predominavam atividades de campo, mais práticas que expositivas. Mesmo no campo
algumas oficinas ou palestras aconteciam, às vezes à sombra das árvores. Um exemplo disso
foi a oficina de agroecologia realizado no barracão do sítio do Jorgelino Matos, o Marinho,
um prédio rústico destinado ao manejo da banana após a colheita. Esse local serviu então a
um momento importante de ensino-aprendizagem protagonizado pelo agrônomo Valério
Morelli (Fig. 8).
O mesmo aconteceu no aconchego em um sítio em Rio da Prata, sub-bairro de
Campo Grande, também no entorno do Maciço da Pedra Branca. Outro lugar que se tornou
espaço de educação foi a Comunidade Astrogilda, no Alto Mucuíba, interior do Parque
Estadual da Pedra Branca em Vargem Grande. O assentamento que preserva sua paisagem
cultural na arquitetura, nos jardins e na rede de parentela tornou-se um símbolo da
tradicionalidade da região.
Figura 8: Educação em qualquer lugar, encontros pedagógicos nos sítios e espaços de produção agrícola.
Fonte: Acervo Profito
106
Essa atividade de alternância consolidou um conjunto de dezoito encontros
pedagógicos realizados entre 2010 e 2011. Esses encontros estão descritos em relatórios
enviados para a Coordenadoria de Gestão Social da Fiocruz e para a Fiotec, gestora dos
recursos financeiros. O mesmo relatório era enviado a cada bimestre às associações de
agricultores, por isso a combinação de textos e imagens que favorece uma leitura mais
dinâmica dos relatórios (Doc 1004 a 1008 e doc 1105).
4.1.2 A Natureza-cultura: implantação de SAFs Medicinais
Um questionamento feito pelos agricultores na fase que antecedeu o curso de
capacitação foi que espécies seriam cultivadas. A seleção de espécies a serem trabalhadas foi
feita pelos pesquisadores da área de biologia e agronomia através do cruzamento de
informações técnicas e científicas de diferentes fontes.
O modelo pressupõe uma matriz de decisão capaz de cruzar informações originadas no conhecimento popular e tradicional com os estudos científicos,
com as demandas epidemiológicas do SUS, com as de caráter agronômico,
bem como as informações do mercado das espécies propostas. Considera-se também se a referida espécie ocorre no bioma em questão, no caso deste
território, Mata Atlântica (Doc. 1109).
Após a fase de seleção das espécies, uma das atividades de maior impacto
sociotécnico introduzidas pelo Profito foi a determinação botânica das plantas já identificadas
pelos agricultores. Dentre os documentos selecionados há o relatório de uma oficina de
reconhecimento botânico. Essa oficina objetivou atender ao pedido das comunidades
agrícolas, ou seja, promover a real identificação das espécies que utilizam. Esse pedido, como
dissemos, já denotava certa erosão do conhecimento local. Esse foi um ponto de encontro
entre o previsto anteriormente pela equipe. Dentre as atividades de maior relevância para a
convivência entre a ciência e a tradição aconteceu durante a primeira oficina da área fito,
coordenada pela Dra. Sandra Magalhães Fraga.
107
Essa oficina aconteceu no Campus Fiocruz da Mata Atlântica (CFMA). Os
agricultores presentes foram primeiro a campo fazer a coleta de algumas espécies de seu
conhecimento. Ao retornarem à sala onde a atividade foi iniciada, reuniram-se em grupos para
desenhar os elementos que levaram à primeira identificação. Em seguida discutiram entre si
essa decisão sobre a nomeação popular das plantas. Apresentaram para os restantes e a
pesquisadora foi checando essas identificações com a informação botânica. Buscou-se uma
perfeita combinação entre informação científica e conhecimento tradicional.
A determinação botânica é o processo que acontece quando é coletada uma parte da
planta mais utilizada para sua identificação, normalmente composta de folhas, flores e/ou
frutos. Ocorre uma série de procedimentos para produzir um artefato conhecido como exsicata
contendo fragmento da planta, local de coleta, número de ordem do herbário, nome do
coletor, et. Ao final do processo um especialista atesta a identidade científica da planta que
passou pelo tal processo.
Essa talvez seja a atividade mais simples e de baixo custo capaz de qualificar o
produto dos agricultores familiares. É uma necessidade das redes de produção e consumo de
plantas medicinais. Segundo a pesquisadora Florencia Cuassolo, da Universidad Nacional del
Comahue, na Argentina, “La correcta identificación constituye una herramienta clave al
momento de promover el consumo de estos productos en perfectas condiciones de calidad y
por consiguiente, seguridad para la salud de la población” (CUASSOLO, 2010, p.174).
Trata-se portanto de uma atividade com grande potencial de inclusão para agricultores e
consumidores.
Conforme o documento 1303, a dinâmica para a construção de exsicata é: coleta,
prensagem, secagem, confecção da exsicata, envio de exsicata para determinação, exsicata
determinada, armazenamento do material. O mesmo documento produzido pelo acadêmico de
biologia Rodrigo Marins, explica: “tivemos uma maior participação dos agricultores,
contando como foram feitas as coletas de plantas nas visitas realizadas pelo projeto, tirando
dúvidas sobre o número do coletor e demostrando interesse a respeito de como prensar e
herborizar a planta após a coleta”. Ou seja, essa atividade despertou interesse deixando
pessoas com formação específica para realizar e multiplicar essa tarefa.
108
O uso seguro de plantas medicinais é totalmente dependente dessa determinação
botânica. Os processos de identificação tradicional são respeitáveis. Quanto mais associado à
biodiversidade é o conhecimento tradicional mais é seguro. No entanto o que esses territórios
vivenciam é o desmatamento progressivo, o êxodo dos locais tradicionais de moradia. Há um
processo de desestímulo ao uso das espécies medicinais para alívio de sintomas dolorosos
entendidos como doença. Diante desses fatores ocorre um processo de erosão do
conhecimento tradicional. Uma determinada espécie que era encontrada em determinado local
já não está lá. Parte do conhecimento contextualizado no território se perde com a espécie
removida. Isso pode causar riscos à saúde do consumidor. A determinação botânica, o
geoprocessamento e a circulação dessas informações em cartografias sociais podem contribuir
para o uso seguro de plantas medicinais. São tecnologias sociais em desenvolvimento com
grande valor agregado ao conhecimento tradicional.
O processo de popularização da determinação botânica no âmbito do Profito é um
exemplo bem claro de uma informação territorial que partiu do conhecimento local
disseminado no território e harmonizou-se com o acesso à informação científica dos herbários
especializados. A exsicata é uma síntese entre a informação local e a científica. Podemos
verificar a comunicação associada a essa interação no vídeo “A saúde está entre nós”, da série
Curta Agroecologia16
. O documentário teve a direção de Tiago Carvalho e foi co-produzido
pela Articulação Nacional de Agroecologia e a Vídeo Saúde Locadora (ICICT/Fiocruz).
O vídeo retrata uma oficina de determinação e confecção de exsicatas. Estão
presentes os comunicadores, os especialistas, biólogos e os agricultores. No diálogo que inicia
após dez minutos e quarenta e seis segundos do início do vídeo (10’46”) a agricultora e
jornalista Irma Ferreira discute a variedade de guaco presente em sua propriedade. Qual a
diferença em ter um guaco que é dessa espécie e ... levigata e glomerata. A pesquisadora
Sandra Magalhães-Fraga traduz a questão: “Vale a pena a gente buscar.. um glomerata ou
basta ter um levigata”? Em seguida responde: “Várias listas do SUS para expectorar, bronco
dilatador... as duas espécies servem. Eu sempre vi mais estudo sobre glomerata, mas na lista
do SUS tem as duas”.
16 Disponível em https://vimeo.com/70507705
109
Em seguida o agricultor José Antônio Pereira, apelidado Russo afirma: “Essa aqui eu
colhi no sítio. Prensamos. Foi levado para o Jardim Botânico, feito o reconhecimento:
Verdadeira aroeira já identificada lá no sítio”. Sandra complementa: “O Russo tem na
propriedade dele uma árvore identificada corretamente de onde ele pode tirar muda. Vai ter a
confiança”.
Analisamos que vídeo é ao mesmo tempo um documento e uma prática de
comunicação. Esse, em particular, representa uma atividade de educação não formal onde um
dos principais ingredientes é a informação científica consolidada no reconhecimento de
espécies botânicas. Ao mesmo tempo as espécies prensadas e reconhecidas foram indicadas
pelos detentores do conhecimento tradicional disseminado no território. Esses conduzem os
pesquisadores ao território tradicional e se deixam levar a um território de outra
epistemologia, o conhecimento científico botânico. Apreendem uma técnica de
reconhecimento que pode ser repetida para outras espécies de seu interesse. O seu
conhecimento tradicional não é alterado em nada enquanto o território fica com uma
competência local a beneficiar as futuras gerações. Esse trecho demonstra bem a questão
central dessa pesquisa.
Toda uma rede sociotécnica emana dessa simples peça de comunicação. Há uma rede
pregressa e uma que se constrói a partir do momento em que o vídeo entrou em circulação.
Segundo Latour (1993) nenhum conhecimento científico, nenhum objeto é constituído fora
das redes. Nossa tarefa não é analisar a rede demonstrada pelo vídeo, mas ela se torna um
caso bom para pensar o próprio conceito de redes.
Sandra Magalhães-Fraga ao complementar a comunicação oral do conhecimento
tradicional com as expressões glomerata ou levigata está se inserindo e inserindo os
agricultores em uma rede de formação de sentidos que transcende as fronteiras institucionais e
nacionais e rompe os limites temporais. Traz para o diálogo com os agricultores o trabalho
acurado de cientistas como Landorf, Lineu e todos os taxonomistas que trabalham sob os
parâmetros das chamadas ciências duras. Ao mesmo tempo cria outras redes ilustradas, por
exemplo, com a fala do Russo (José Antônio Pereira) durante o I Simpósio de Plantas
Medicinais da Bahia. O agricultor afirmou: “Meu nome está lá no Jardim Botânico (do Rio de
110
Janeiro)”. E, analisando outros códigos semióticos presentes em sua comunicação oral,
registramos um sorriso e o brilho em seus olhos ao fazer essa afirmação.
O mesmo agricultor José Antonio Pereira, o Russo, que afirma possuir agora uma
espécie determinada em sua lavoura, pode produzir mudas a partir dessa espécie
botanicamente reconhecida, afirmou a Dra. Sandra. E, para a implantação do cultivo de
plantas medicinais em sistemas agroecológicos, a reprodução dessas espécies é um assunto a
ser considerado com muito cuidado.
Uma das primeiras iniciativas do agrônomo Valério Morelli na introdução de sua
área agroecologia foi o estímulo à produção de mudas. No entanto, os micro viveiros
comunitários só chegaram a atingir certa estabilidade após o terceiro semestre de implantação
do curso, já durante o ano de 2011. Hoje temos a geração de renda através da venda
comunitária de espécies alimentares e medicinais produzidas. No entanto, entraves legais
impactam a produção de mudas e sementes. Há uma lacuna do conhecimento local a ser
preenchida se quisermos chegar a uma produção agrícola de espécies medicinais.
O Laboratório de Biologia17
(NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz) tem como uma de suas
áreas de excelência o cultivo de plantas medicinais. Por essa razão, os experimentos de
plantio se sucediam. O curso de capacitação implantado se beneficiou diretamente dessa
competência institucional. Uma das atividades que integram a prática, a pesquisa e o ensino
foi a o plantio dessas espécies medicinais em regimes de imitação das florestas.
4.1.2.1 Sistemas Agroflorestais Medicinais – O humano e o não humano
Os sistemas agroflorestais medicinais (SAFs) reúnem o humano e o não humano, a
informação científica e a comunicação, natureza e sociedade, insumos tecnológicos e
mobilização comunitária. Também admite uma interação entre instituições diversas por se
inserirem em um modelo socioprodutivo agroecológico de plantas medicinais. SAFs (Fig. 9).
17 As competências agronômicas do NGBS estavam lotadas nesse laboratório até 2013.
Eventualmente novos arranjos institucionais podem ter sido organizados.
111
são um consórcio de árvores, arbustos, ervas e espécies escandentes, também conhecidas
como trepadeiras Essas plantas tem importância alimentar e cultural, de uso humano e são
igualmente importantes para a agrobiodiversidade. A grande porcentagem de espécies de uso
medicinal dispostos em 400 m² é uma das qualidades do experimento do Profito. Diante dessa
característica ele é conhecido como SAF medicinal (Doc 1108). A diversidade de espécies de
cada um deles difere de local para local, pois algumas plantas já estavam previamente no
terreno onde cada um dos sistemas foi implantado.
Figura 9: Sistemas Agroflorestais Medicinais (SAFs) implantados no entorno do Maciço da Pedra Branca.
Fonte: Acervo pessoal
Foram implantados quatro SAFs medicinais no entorno do Maciço da Pedra
Branca. O primeiro foi feito na área de cultivo de plantas medicinais de Farmanguinhos, no
Campus Fiocruz da Mata Atlântica. Como unidade experimental, dele se extraíram cálculos
de produtividade, exercícios de análise de biodiversidade, manejo e outras características que
atingem um dos limites dessa dissertação que não pretende entrar em áreas da agronomia ou
da biologia, conservação e manejo.
112
Após a compreensão derivada desse primeiro experimento, três novos SAFs
foram implantados. Um deles no bairro de Rio da Prata, outro em Vargem Grande e o terceiro
em outro espaço do CFMA. A implantação e manejo desses espaços são feitos pelos
agricultores mobilizados pelo Profito. Esses recebem uma diária nos momentos de lida com o
manejo do experimento.
Os SAFs integram a tecnologia social em desenvolvimento no Profito,
temporariamente identificada como modelo socioprodutivo agroecológico de plantas
medicinais:
Constitui-se de elementos interdependentes que partem da organização local
de agricultura familiar e reúne-se em rede a outros elementos e aparelhos
comunitários como: herbários comunitários, viveiros de mudas, unidades
demonstrativas (UDs), os demais SAFs, unidades de saúde, escolas, feiras agroecológicas, organizações de agricultores como a Rede Ecológica ou os
Grupos de Usuários dos programas de fitoterapia locais, possíveis indústrias
e institutos de pesquisa ou universidades (neste território Instituto de Tecnologia em Fármacos). A união destes elementos é possível através da
metodologia de gestão participativa e se materializa através de um sistema
de comunicação e informação a ser construído coletivamente. A utilização de cartografia social aliada ao geoprocessamento é um dos elementos de
integração temática e possibilita visualizar os fluxos informacionais do
sistema (Doc 1109).
É dessa forma que entendemos a rede sociotécnica em sua manifestação local, como
convém à agroecologia. O modelo, segundo a Dra Sandra Magalhães Fraga, pode ser então
uma experiência local, comunitária. A compreensão atual é que um conjunto de modelos
implantados nas localidades pode vir a constituir um arranjo socioprodutivo local, que
necessita da presença de indústrias e outros empreendimentos especializados. Pode-se dizer
que esse modelo pressupõe um regime ou paisagem sociotécnica. Observamos que pela
primeira vez um subprojeto do Profito articula informação e comunicação como elementos
sociotécnicos.
Nesse sentido, os SAFs e os modelos socioprodutivos que lhes dão sustentação
partem do humano, enquanto mobilização de vontades e relações horizontais com a pesquisa,
criando uma quase simetria com a natureza-cultura. Fatores quase humanos como o regime de
posse e uso da terra, o regime das águas, a condição sanitária dos locais de plantio, a relação
113
participativa com o SUS interfere no modelo previsto. Mas os SAFs, associam-se ao mercado
enquanto entidade constituída socialmente. Pretendem explorar o uso da tecnologia da
informação e da descentralização da comunicação.
Uma real simetria, se é que existe, precisa ser uma conquista histórica que não
depende apenas do território, mas de outra globalização possível. Em que pese o impacto das
questões mundiais nos territórios o Profito tem encontrado espaço, disponibilidade e
procedimentos que garantem uma quase simetria, visando a inclusão produtiva dos
agricultores nas políticas de plantas medicinais em sistemas agroecológicos.
Do mesmo modo que, em meio à natureza ocorre o uso intensivo da informação
científica e da reciprocidade, como elementos sociotécnicos, os ambientes destinados à
produção do conhecimento científico, os laboratórios, também podem apresentar a
reciprocidade institucional. Nas atividades de implantação dos SAFs ocorrem diálogos de
interação entre o conhecimento tradicional e a informação científica. Os SAFs consistem ao
mesmo tempo em uma ação de popularização da ciência bem como na constituição de
tecnologias sociais derivadas dessa integração sociotécnica.
Assim como a implantação dos SAFs, as atividades pós-colheita também adquiriram
um caráter institucional de reciprocidade com o conhecimento tradicional. É o que
descrevemos na próxima seção.
4.1.3 Laboratórios quase simétricos
Imaginemos que Bruno Latour aplicasse sua pesquisa antropológica nos laboratórios
da Plataforma Agroecológica de Fitomedicamentos e em especial no Laboratório de Biologia,
ambos departamentos do NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz. Ele constataria a existência de
inscritores (LATOUR, 1997, pag. 45) – aparelhos cuidadosamente dispostos em um
laboratório que produzem dados, imagens que são transformados em textos e serem inseridos
em uma literatura. Para o autor francês, o principal produto do laboratório é o artigo
científico, ou seja a literatura produzida pelo laboratório através da reunião de inscritores. De
114
fato, lá estariam o moinho, a balança, uma recém-adquirida secadora. Todos bem dispostos e
próximos à área de colheita de plantas medicinais.
Selecionamos como documento o vídeo O Beneficiamento da Cúrcuma18
para
demonstrar algo diferente das experiências de Latour (1997). Os inscritores documentados
apresentam outro regime sociotécnico. O conjunto de equipamento da PAF estava disponível
para atender às demandas dos pesquisadores, mas também serviam aos interesses dos
agricultores ligados ao Profito. O vídeo descreve uma boa parte do ciclo produtivo do açafrão
da terra (Cúrcuma longa sp).
Essa espécie vegetal tinha sido trabalhada pelos usuários do Centro Municipal de
Saúde Cecília Donnângelo, em Vargem Grande onde Maria do Céu Simões participava do
Programa Municipal de Fitoterapia (SMSDC-RJ). Tempos depois a agricultora reconheceu a
planta em uma das visitas à área de cultivo de Farmanguinhos. Com autorização levou um
pequeno rizoma do açafrão da terra. Plantou, colheu, tornou a plantar e colher. Três safras
depois, ela colheu 96 kg do produto em um quintal urbano.
A equipe Profito promoveu um mutirão de colheita na lavoura da Maria do Céu. Em
seguida fizeram o procedimento de pré-lavagem, completando a higienização no laboratório
de processamento (NGBS/Farmanguinhos/Fiocruz). Tendo feito todo o processamento do
material coletado a equipe gravou esse vídeo artesanal para repassar o conteúdo para os
demais integrantes do Profito. A devolução do material seco e pulverizado aos agricultores
tem um aspecto de agregação de valor à produção que ganha uma sobrevida e um acúmulo
tecnológico.
Mais uma vez nos referimos a Bruno Latour para lembrar que a ciência tem duas
faces. Uma quando pronta e acabada e outra enquanto está incompleta em fase de elaboração.
Pois o vídeo demonstra algo que caracteriza esse território – produtos agrícolas de uso
medicinal e alimentar produzidos na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, persistem outras
questões, como por exemplo, as sanitárias.
18 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=9YSJuSgiyjg
115
O cultivo urbano traz para o trabalho institucional uma necessidade de verificação
das questões ambientais que impactam o uso das plantas medicinais ou de qualquer outra
espécie alimentícia. Destacamos em especial as condições de salubridade da água que se
utiliza para o beneficiamento e as próprias questões do solo onde ocorre o cultivo. A produção
precisou ser analisada do ponto de vista sanitário e bioquímico. Trata-se, portanto de um
experimento incompleto, como uma das faces de Jano citado por Latour.
Incerteza, trabalho, decisões, concorrência, controvérsias é isso o que vemos quando fazemos um flashback das caixas pretas certinhas. (...) São tão
diferentes quanto as duas faces, uma vivaz e outra severa, de Jano bifronte.
“Ciência em construção”, a da direita; “ciência pronta” ou “ciência acabada”, a da esquerda; essa é Jano bifronte, a primeira personagem a nos
saudar no começo de nossa jornada”. (LATOUR, 2000, p. 16).
Esse desafio trouxe novos elementos sociotécnicos para o território. Novos
inscritores entraram na rede com a parceria do Laboratório de Biologia e do NGBS com o
Instituto Nacional de Controle de Qualidade e Saúde (INCQS/Fiocruz). O material vegetal
produzido nessa experiência da agricultora Maria do Céu teve sua primeira coleta enviada
para análise a ser feita pelo INCQS no início de 2012. Também foi desenhado um projeto de
parceria onde a instituição faria algumas ações: Avaliar microbiologicamente, de acordo com
a Organização Mundial da Saúde, as plantas medicinais desde sua produção até o produto
final nos estágios: 1- planta medicinal; 2- material pré-processado; 3-material processado e 4-
produto final. (Doc. 120528).
Esse é outro limite teórico dessa pesquisa, que não vai entrar em assuntos de controle
de qualidade. No entanto cabe registrar que esse processo de análise gera uma informação
científica que vai circular entre os agricultores e agricultoras em linguagem acessível ao grupo
social. O INCQS cumpre um papel dentro do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
(SNVS). Essa iniciativa pode gerar conhecimento e metodologias úteis ao processo de
inclusão sanitária iniciado pela Anvisa durante a consulta pública nº 37/2013 e ratificado
então na RDC 49/2013 (ANVISA, 2013 c). O propósito da RDC está descrito em seu artigo
segundo:
116
Esta resolução visa expandir as diretrizes e os objetivos do Decreto nº 7.492,
de 02 de junho de 2011 – “Plano Brasil sem Miséria”, por meio do eixo
inclusão produtiva, visando à segurança sanitária de bens e serviços, para a promoção da geração de renda, emprego, trabalho, inclusão social,
desenvolvimento social e econômico do país e auxiliar na erradicação da
pobreza extrema.
Alguns de seus princípios estão consolidados no artigo 4, inciso II e no artigo quinto,
inciso V. Cabe-nos registrar que mais uma vez o principio da reciprocidade institucional vai
se alastrando no território como um elemento que ameniza o rigor da técnica. Redes mais
sociais que técnicas podem se formar. Alguns princípios que se referem à segurança sanitária
anunciam uma relação com a pedagogia ou com a comunicação dialógica. Os dois artigos a
seguir tratam desses princípios, a busca de harmonização ou de proteção aos conhecimentos
tradicionais anunciam um ambiente de reciprocidade.
Harmonização de procedimentos para promover a formalização e a
segurança sanitária dos empreendimentos de produtos e serviços prestados
por microempreendedor individual, empreendimento familiar rural e empreendimento econômico solidário, respeitando os costumes, os
conhecimentos tradicionais e aplicando as boas práticas de vigilância
sanitária; (RDC 49/2013, artigo 4º inciso II) (ANVISA, 2013c).
Proteção à produção artesanal a fim de preservar costumes, hábitos e
conhecimentos tradicionais na perspectiva do multiculturalismo dos povos,
comunidades tradicionais e agricultores familiares (RDC 49/2013, artigo 4º inciso II) (ANVISA, 2013c).
Trata-se de um setor de pesquisas e práticas que merece ser acompanhado para
verificar o quanto a sociedade brasileira vai conseguir negociar os sentidos da
tradicionalidade com os poderes informados por um único parâmetro cientifico. Nesse
sentido há uma relação conflituosa entre aqueles que preconizam a manutenção do papel
histórico do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e os que defendem outra avaliação do
risco sanitário e a integralidade em saúde. Relembramos que há na epidemiologia estudos
voltados para o acompanhamento do risco com sua interface com a cultura, como uma
construção social (CASTIEL ET AL, 2010, p. 17; 45). Essa disputa (ou controvérsia) vai
criando suas redes. Atuação essa que o Profito se dedica há anos como veremos na próxima
seção.
117
4.1.4 Comunicação em rede
A tarefa de atender às demandas territoriais dos agricultores integrantes do Profito
muitas vezes extrapolava a missão institucional de Farmanguinhos e da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro. Reconhecemos, na época a multi-institucionalidade necessária para
que os agricultores fossem reconhecidos como agricultores pelo Estado. Então, em paralelo e
de modo integrado ao curso, a equipe assumiu um segundo objetivo específico: Promover
estratégia de comunicação em rede capaz de socializar conceitos, possibilitar escuta dos
diversos atores da cadeia produtiva e criar condições para a implantação de arranjo produtivo
local (BAPTISTA, 2010).
A equipe Profito assumiu que havia uma intersetorialidade e interdisciplinaridade
necessária entre as diferentes áreas de pesquisa científica e enquanto setores de aplicação e a
comunicação. O próprio curso colocou então a comunicação como conteúdo. Por ter assumido
o compromisso metodológico pela gestão participativa, essas estratégias se tornaram
indispensáveis. Havia uma busca pela descentralização dos meios de comunicação e do acesso
à informação e consequentemente por equidade:
Um dos pressupostos que norteia este processo é que o acesso à informação e aos meios de decisão é desigual. Sendo assim, os grupos terão acesso à
intervenção diferenciada considerando que equidade pressupõe tratamento
diferente ao que é diferente. A diferenciação no tratamento aos segmentos de
diferente perfil irá transferir mais dados, insumos e ferramentas de gestão ao que tem menor informação e menor acesso às fontes de decisão. A
capacitação embasada no campo da educação popular é vista em sua
aproximação com o campo da comunicação em saúde onde o diálogo terá papel central. (BAPTISTA, 2010).
Com a intenção de atingir esse objetivo, dividimos a comunicação em três ações: a
comunicação à época denominada presencial exercida através de trocas nos encontros
pedagógicos, nas visitas técnicas, intercâmbios e eventos. A segunda previa comunicação
virtual em rede, o que só aconteceu parcialmente, através de emails, conteúdo no site de
Farmanguinhos, matérias veiculadas em outras mídias. A terceira ação foi a implantação de
um banco de dados, a ser inserido em um site próprio, com informações derivadas das coletas,
118
da determinação botânica, do geoprocessamento das espécies determinadas e cultivadas. Essa
ação não foi aprovada pelo NGBS (Farmanguinhos/Fiocruz) e permanece sem implantação.
Esse planejamento pressupunha um regime interdisciplinar entre a informação, a
educação e a comunicação, partindo do direito tipificado no Modelo de Comunicação do
Mercado Simbólico (ARAÚJO, 2002), a escuta institucional qualificada, a sistematização,
geração de dados, que seriam então analisados para gerar informação, que pressupúnhamos
seria acolhida pela gestão. E, em seguida, retornaria aos integrantes do projeto, sejam
agricultores, sejam técnicos e facilitadores ou usuários das políticas de plantas medicinais e
fitoterapia. No entanto não foram encontradas fórmulas de circular as vozes e discursos
codificados entre os integrantes do Profito e os gestores institucionais.
As visitas e intercâmbios locais ou regionais e a presença em eventos contribuíram
com a criação de novos vínculos de pertencimento. Do mesmo modo como
transitamos em torno do Maciço da Pedra Branca, fizemos algumas visitas técnicas e
intercâmbios. Intercâmbios também são visitas, mas preservam a relação direta entre
agricultores-experimentadores ou consumidor-agricultor. Os agricultores do Maciço da Pedra
Branca constituem novas territorialidades, criando novos pertencimentos e desenhando esse
território rede que se estende por parte da região metropolitana e chega a outros estados
brasileiros.
O intercâmbio é um processo fundamental no empoderamento dos produtores
agroecológicos, fundado na troca, na reciprocidade e dádiva. Tem um aspecto indispensável
na construção do conhecimento agroecológico, diferindo do difusionismo da Revolução
Verde e indo na direção da comunicação pleiteada por Freire em Extensão ou Comunicação
(FREIRE, 2011). Também se relaciona com a afirmação de Bernardo Toro (2005) onde quem
está inserido em redes tem maior acesso a direitos e cumpre melhor seus deveres.
Intercalados com as visitas e intercâmbios foram realizadas atividades de
representação. Em muitos eventos externos apenas parte dos integrantes do curso podia
comparecer. Ao retornar era comum que fossem incentivados a relatar ao coletivo suas
experiências. Isso aconteceu, por exemplo, após assistirmos a palestra da Dra Juliana Santilli
na Escola Nacional de Botânica (IJBRJ) em 2010. Após esse evento, dois integrantes do
119
curso, Irma, Francisco Caldeira fizeram uma exposição do que ouviram da socioambientalista
e pesquisadora.
Meses depois a participação nas conferências de segurança alimentar e nutricional
(CONSAN) foi motivo tanto de preparo prévio como de devolução posterior ao coletivo.
Após a conferência nacional realizada em Salvador, Irma, Francisco e Bernardete Montesano
descreveram os avanços obtidos junto a CONSAN. O mesmo trabalho de constituição da
representação prévia foi feito em relação à Conferência Distrital de Saúde das Áreas
Programáticas 4.0 e 5.219
que cobrem parte do entorno do Maciço da Pedra Branca.
Realizamos uma reunião preparatória no âmbito do Profito para esclarecer e sensibilizar para
a participação nas conferências. Foram eleitos dois representantes – Paulo José Martins Filho
representando a Agrovargem e Rita Caseiro representando a Agroprata respectivamente nas
conferências distritais da AP 4 e 5.2.
Diferente da participação no CONSEA-Rio, a presença de representantes do Maciço
da Pedra Branca nas conferências e nos conselhos distritais de saúde não apresentou, até o
momento, nenhum ganho político às comunidades agrícolas. O conselheiro eleito para o
CODS 4 não chegou a assumir o assento no conselho.
4.1.3.1 Relação com o SUS nos documentos
A aproximação com o Sistema Único de Saúde através da atenção primária à saúde e
vigilância sanitária é uma decisão metodológica do Profito desde 2006. Esse foi um aspecto
que me atraiu para o projeto. Os primeiros eventos que constituíram o perfil atual do coletivo,
contavam sempre com a coordenação do Programa Municipal de Fitoterapia que era
convidada para integrar a equipe do projeto. Os registros iconográficos, as listas de presenças
e os relatos e relatórios escritos dão conta da persistência dessa busca e da constituição da
relação.
19 Correspondendo respectivamente aos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio
(AP4) e Campo Grande e adjacências (AP 5.2).
120
Um momento importante dessa relação aconteceu em março de 2008, quando
realizamos uma palestra com o Conselho Distrital de Saúde da AP4 (Doc. 1112). Foi daqueles
momentos raros de consenso, com proposta definida, hospitais, postos de saúde, médicos,
farmacêuticos entusiasmados e se propondo a parte do trabalho necessário. Ao retornar com o
relato do CODS-4 para o ambiente interno de gestão do projeto, os articuladores desse
encontro ouviram duras críticas à iniciativa. Houve acusação de que o nome do departamento
de Farmanguinhos estaria sendo “usado” (sic).
Os trabalhadores que atuaram na interlocução com o Conselho Distrital de Saúde da
AP4 entenderam que estavam sendo acusados de promoção pessoal, de agir em interesse
próprio. Ao contrário disso, a interpretação da Lei Orgânica da Saúde é que as ações de saúde
em um território devem ser aportadas pela instância do controle social correspondente. Uma
ação intramunicipal deveria atender aos conselhos distritais correspondentes à ação, ainda que
promovidas por um órgão federal.
Doravante se ouviu à exaustão que o SUS tinha morrido20
. Ou seja, que o modelo de
assistência à saúde expressa na Constituição Federal e na Lei Orgânica da saúde não estava
imperando mais. Ou, pelo menos as ações locais tecidas por aquele órgão público não
estariam sob a égide desses princípios legais. Com muita persistência e diálogo da gestora do
projeto, a Dra Sandra Magalhães Fraga, com seus superiores e com o diretor de
Farmanguinhos, em especial, continuamos articulados com o programa de fitoterapia da
SMSDC-RJ.
Acreditamos que o auge dessa relação ocorreu em 2010 (Doc. 1112). Estávamos
certos da possibilidade de assinar um termo aditivo à cooperação técnica que já é
sacramentada entre a Fiocruz e a SMSDC-RJ. Documentos foram recolhidos, definimos as
ações, os materiais e as formas de cooperação. Contribuímos com a redação do plano
plurianual do programa de fitoterapia do município do Rio de Janeiro. Porém, o lugar de
interlocução da equipe era bem periférico. As estratégias de lutas simbólicas não ousaram
atingir os sentidos centrais dessa negociação.
20 Anotações em diário pessoal
121
Apesar de toda harmonia construída entre as equipes, a hierarquia do Profito não foi
proativa e os meses e anos se passaram. Não houve como alguém tomar a decisão
institucional de unir os dois projetos. Até então o impedimento não partia de gestores da
SMSDC-RJ. Com o apoio do diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe, começamos a elaborar
o II Seminário Profito que segundo o cronograma (Baptista, 2010) iria tratar da relação com o
SUS e acesso a mercados.
Já na mesa de negociação com a Coordenadoria da Área Programática 4 (CAP 4.0) –
órgão gestor local do SUS – para preparar o II Seminário (Anexo E), outro órgão da Fiocruz,
a coordenação do Programa de Implantação do Campus Fiocruz da Mata Atlântica assumiu o
protagonismo do processo, deu um caráter nacional ao evento que passou a chamar-se
“Seminário Fitoterapia no SUS”21
(doc. 1112). Trouxe atores de vários estados do Brasil,
representação do Ministério da Saúde, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de Itaipu
Binacional, Universidade Federal da Bahia entre outros. A questão local ficou submersa em
um discurso amplo demais para que uma equipe diminuta e não empoderada politicamente
pudesse dar conta.
Os agricultores do Profito continuaram sem uma interlocução local com o serviço de
atenção primária à saúde. Esse foi o último momento em que a equipe junto com os
agricultores integrantes da iniciativa teve uma interlocução coletiva com a gestão local do
SUS ou com o Programa de Fitoterapia da SMSDC-RJ.
Apesar disso, três resultados concretos e pragmáticos saíram desse seminário. O
primeiro não diz respeito ao SUS. Contribuiu, no entanto, para responder aos agricultores a
sua demanda de ser reconhecidos pelo Estado como agricultores. A presença de Daniela
Vasconcellos, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrícola (MDA) e dos
agricultores da cidade de Tombos (MG), Margarida e Vanderli Pereira Pinheiro, o Derli, em
uma reunião paralela ao Seminário contribuiu para consolidar a decisão dos agricultores em
obter a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).
Hoje há ainda mais segurança de que esse é o passaporte do agricultor para políticas
públicas que transcendem o crédito. Cinco agricultores da cidade estão com seus nomes
21 As palestras foram documentadas pela Vídeo Saúde Distribuidora da Fiocruz.
122
inseridos na base de dados “DAPweb”22
, de caráter nacional. Dentre esses está Cristina
Santos, a primeira mulher agricultora da cidade do Rio de Janeiro a ser titular da DAP.
Naturalmente isso não foi resultado direto do Profito, mas de sua opção por atuar em redes de
acesso à políticas públicas. A ação da Rede Carioca de Agricultura Urbana e da Articulação
de Agroecologia do Rio de Janeiro foi decisiva nesse processo.
Os outros dois resultados ligaram diretamente agricultura à fitoterapia no SUS. Logo
em seguida, o Ministério da Saúde lançou um edital para promoção de arranjos produtivos
locais de plantas medicinais e fitoterapia. O Programa de Fitoterapia da SMSDC-RJ, com a
ajuda da Fiocruz, articulou os agricultores da cidade de Friburgo para participarem desse
edital, tornando-se potenciais fornecedores de plantas medicinais para a SMSDC-RJ. Os
agricultores da cidade do Rio de Janeiro permaneceram fora da interlocução com o gestor
local do SUS como fornecedores de plantas medicinais e enquanto usuários da política de
plantas medicinais.
O terceiro resultado pragmático uniu a Secretaria de Saúde de Niterói a Cooperativa
Univerde de Nova Iguaçu. A presidente da Univerde, Alzeni Fausto foi eleita em um encontro
de Magé para representar as agricultoras e agricultores da região metropolitana na mesa do
seminário. Houve extensas negociações internas para que o Profito pudesse dar esse espaço
para uma voz representativa das organizações de agricultores familiares da região
metropolitana. Alguns organizadores do encontro questionavam: será que eles têm algo a
dizer sobre o assunto?
À custa de luta interna conseguimos que Alzeni Fausto estivesse na mesa. Sua
palestra e fala, reproduzida em vídeo e transcrita em relatório (Magalhães-Fraga e Baptista,
2011) foram recebidas com muito respeito pelos presentes no seminário. Grande parte da
plateia aplaudiu de pé o pronunciamento da agricultora. “O agricultor não é um ‘jeca tatu’
recebe o pacote. Reflete e se abre quando quiser”, afirmou a diretora da Univerde, dialogando
com a ideia de uma agricultura de “subsistência” que impregnou a memória coletiva (Vídeo
Fitoterapia e plantas medicinais, 2012).
22 Disponível em http://smap14.mda.gov.br/dap/extrato/pf/PesquisaTitular.aspx
123
Mais do que aplaudir, representantes da Universidade Federal Fluminense (UFF)
visualizaram uma oportunidade concreta. Aproximaram-se da Univerde e em poucos meses
tinham escrito um projeto conjunto que inclusive ganhou um prêmio. Com a repetição do
edital da DAF/MS, a Univerde, a UFF, Farmanguinhos e a Secretaria Municipal de Saúde de
Niterói compõe um arranjo produtivo local onde a Univerde fará o fornecimento de insumos
vegetais para o SUS como preconiza o Profito desde 2006.
As extensas agendas, a falta de visibilidade do uso tradicional e não assistido de
plantas medicinais, a invisibilidade do Cuidado enquanto categoria feminina, as dificuldades
políticas interna e externas, a falta de opção pelo SUS, a ênfase na produção industrial de
fitomedicamentos, a busca de patentes e outros fatores que transbordam dessa pesquisa
mantêm os agricultores do Rio sem acesso a atenção primária em saúde em seus territórios
agroecológicos. Outra investigação seria necessária para elucidar esses fatores.
Encerrando essa seção de análise documental e descrição das ações do Profito,
compreendemos que o registro rotineiro das ações é uma forma de acompanhamento tanto da
equipe técnica quanto dos integrantes do projeto. No entanto, se não é dada circulação a esses
documentos não giramos a roda da ciência não influenciamos a gestão. Logo não há gestão
participativa de fato, apenas um ensaio.
A codificação das vozes num ambiente onde a comunicação é eminentemente oral é
um elemento sociotécnico importante. No entanto, para a gestão participativa, precisam ser
criadas formas onde os gestores possam acessar documentos sintéticos onde as demandas
populares estejam registradas, proporcionando uma escuta institucional que naturalmente
deve ser seguida de resposta aos participantes.
A análise do conteúdo dos documentos traz ao novo cenário a segurança de que os
principais elementos constituintes do regime sociotécnico implantado no Profito foram
arrolados já em 2006. A primeira versão do projeto “valoriza, também, o conhecimento
comum sobre as condições locais, como ponto de partida para um plano de ação conjunto”.
Em outro parágrafo se propôs a agir “sempre levando em consideração o conhecimento e
experiência local, bem como os interesses e condições dos atores sociais”. Como tema a ser
124
explorado no curso realizado propôs “revalorização dos conhecimentos tradicionais do
homem do campo” (Doc 0611).
Esse compromisso em sua origem é somado ao que a médica Maria Carmem
Pirassununga Reis, criadora do Programa Municipal de Fitoterapia do Rio de Janeiro,
anunciou durante reunião do Conselho Distrital de Saúde da AP4. Na ocasião a médica fez
distinção entre a Medicina Tradicional, que é confiável e a Medicina Popular, que no meio
urbano é distanciada do conhecimento tradicional e pode gerar riscos a saúde dos usuários.
Não é um compromisso pequeno, no entanto manter em vista que uma rede sociotécnica
qualificada por uma dualidade na forma de construção do conhecimento pode ser a questão
central a ser trabalhada. Nesse sentido, esse imperativo ético diante da saúde dos agricultores
e usuários do SUS parece ser passível de encaminhamento.
A coexistência entre informação científica e tradicional surge de algum lugar, de
algum tipo de acesso a uma ou a outra. As ações de popularização científica desenvolvidas
tiveram alguns resultados no território. Como descrito, o Profito foi uma iniciativa que propôs
em redes um “regime sociotécnico”. Também desde 2006, o Profito qualifica esse regime:
As entrevistas, visitas e aplicação de questionários deverão ocorrer num
clima de descontração, confiança e serenidade para que todos os participantes possam expor seus conhecimentos e esclarecer suas dúvidas, de
maneira reflexiva e consciente. Para isso a linguagem utilizada deve ser
próxima a utilizada pelas comunidades a fim de não causar intimidação e constrangimento entre os entrevistados. (Doc 0611)
Mantendo em vista esses compromissos o Profito apoiou uma forma de relação
sociedade-natureza e a promoção de simetria entre elementos humanos e os não humanos.
Tudo isso, no entanto não depende apenas de ações locais, mas de uma avaliação mais global
por onde passa a informação científica. Não é nosso escopo fazer essa análise mais global. No
entanto também não poderíamos deixar de anunciar os efeitos dos elementos globais sobre o
local.
Precisamos ressaltar a materialidade da comunicação oral exercida pelo projeto
durante alguns anos. Primeiro o grande investimento em transporte exercido por
Farmanguinhos sem o qual, os resultados do Profito não seriam os mesmos. Da mesma forma,
125
aconteceu o desenvolvimento de uma competência por mobilizar os grupos através de uma
boa infraestrutura telefônica, muitas vezes invisibilizada como componente sociotécnico. O
terceiro elemento foi o apoio dado ao projeto pela assessoria de comunicação (ASCOM).
Tanto as matérias veiculadas no site de Farmanguinhos (Doc. 1101), como o design e o
material gráfico disponibilizado contribuíram para o desenvolvimento das atividades (Fig.
10).
Figura 10: Exemplos de produção de material gráfico pela ASCOM/FARMANGUINHOS/FIOCRUZ
Fonte: Acervo Profito
Aliás, a coordenadora do Profito, Dra Sandra Magalhães Fraga, durante a entrevista
realizada, considerou necessário diminuir a exposição do projeto nas mídias por considerar
que isso despertava disputas internas junto a outras iniciativas de plantas medicinais da
Fiocruz. Compreende-se então a necessidade de equidade na distribuição de recursos que
incluem os meios materiais de comunicação.
Trabalhar essa sistematização como um dos objetivos dessa pesquisa foi primeiro
buscar a prática como norte. Todo esse percurso metodológico foi informado por essa
experiência vivida e refletida. Houve um investimento de recursos públicos na ação do Profito
126
e julgamos que isso não é algo que se dispense. Porém mais especial do que recursos onerosos
é a mobilização de vontades feita no território. Consideramos de forma muito especial o
trabalho já realizado e que demanda de concretizar os seus objetivos estabelecidos. Essa
concretização da proposta iniciada pode se beneficiar dessa reflexão sobre o regime e rede
sociotécnica delineados ao longo desses anos. Analisar a coexistência da informação
científica e do conhecimento tradicional tecendo essas redes no contexto do Profito pode
anunciar medidas que levem o projeto a concluir sua missão com êxito, deixando no território
um rasgo de otimismo e consideração pela possibilidade de interação com o Estado. Parece
que a responsabilidade é sentida por todos os atores envolvidos.
E essa responsabilidade induz à reflexão crítica feita por seus protagonistas,
agricultores e parceiros. Essa reflexão está descrita na primeira parte da próxima seção. Nela a
fonte de dado é a narrativa dos indivíduos.
4.2 DA MEMÓRIA À COMUNICAÇÃO INFORMAL
A segunda fonte de dados que compõe essa pesquisa provém dos depoimentos dos
interlocutores e participantes de nossas redes sociotécnicas em três tipos de atividades: as
duas reuniões participativas descritas nos procedimentos metodológicos, outra na observação
participantes nas feiras agroecológicas e o terceira através do conjunto das narrativas obtidas
em 23 entrevistas individuais realizadas (Apêndice D).
A partir da pesquisa documental descritiva da experiência do Profito, foram
priorizadas cinco linhas de ação realizadas entre 2009 e 2013. São elas: o curso de
capacitação, os produtos e novidades, a inserção em redes, o acesso a mercados e o direito à
saúde. Cada uma dessas linhas de ação, seguindo o roteiro proposto por Chavez-Tafur (2007),
foi analisada segundo suas atividades, materiais e recursos demandados e utilizados, seus
principais resultados, as dificuldades encontradas e os resultados não esperados (Anexos
2,3,4).
127
O curso de capacitação já descrito na análise documental do item anterior foi
analisado em entrevistas com cinco dos entrevistados a partir de quatro atividades, a escuta
prévia, o seminário, a seleção dos candidatos, o curso em si. A avaliação dos entrevistados
indica que o processo de escuta foi fundamental para a realização do curso, dando não só
subsídios para o planejamento mas tratando também de contextualizar o conhecimento local e
o técnico-científico. No entanto foi identificado que essa visão metodológica não foi
facilmente compartilhada entre os técnicos e entre os parceiros potenciais. A comunicação de
uma visão pedagógica implícita nessa escuta e na horizontalidade dos saberes não tem sido
bem sucedida. Outros técnicos e pesquisadores que atuavam na própria implantação do curso
não utilizaram essa metodologia participativa. Algumas parcerias não se consolidaram por
discordância da própria metodologia.
O primeiro seminário do Profito, realizado em 2009, é citado como um dos principais
aprendizados no exercício da gestão participativa. Segundo Sandra Magalhães Fraga esse foi
o grande momento do projeto. Seus principais resultados são o número de presentes, a
paridade entre agricultores e demais técnicos e pesquisadores, a cobertura no site de
Farmanguinhos, a consolidação do ementário de modo participativo e o plano de curso
também consolidado tendo como transversalidade a participação popular no evento.
Após o seminário a atividade de seleção dos candidatos também gerou um novo
aprendizado. Primeiro foi feita nova divulgação do curso através de cartazes e folders. As
associações de produtores apresentaram então uma lista de candidatos que foram
entrevistados pela pedagoga Laura Juliani, gerando uma classificação dos candidatos diante
de critérios que foram também constituídos participativamente. Os principais resultados dessa
linha de ação foram identificar que a demanda por esse tipo de estudo é maior que a oferta. A
manutenção da participação dos não selecionados para o curso não aconteceu. E, os jovens
selecionados e priorizados não permaneceram junto ao projeto e raramente atuam nas
associações. Foram duas dificuldades encontradas.
Para os entrevistados, o principal resultado do curso foi a organização local. Segundo
Francisco Caldeira ex-diretor da Agrovargem e atual presidente do CONSEA-Rio, o Profito
foi uma escola muito importante nas questões democráticas. “Os agricultores estavam
seguindo um processo lento de desaparecimento”. E o projeto foi considerado responsável
128
pela relação atual entre as três associações e sua inserção em redes mais amplas. O agrônomo
Márcio Mendonça da ASPTA afirma que a técnica deve estar a serviço de um processo social.
Durante a Revolução Verde a tecnologia estava em primeiro lugar. O Profito fez diferente,
incentivou a organização popular para então apresentar a técnica.
Resultado impressionante, que deixa um legado para a cidade do Rio de Janeiro muito importante. Não é obvio que quem tentasse fazer conseguiria.
O Profito fez muito bem feito. Tem instituições públicas que atuam com
agricultura aqui na cidade que nunca fizeram isso. Não foi só o trabalho de
capacitação... Sacações (sic) de como fazer isso. Qualquer um pode fazer capacitação. Qualquer instituição pode propor capacitação (...). Vem o
aspecto da participação em redes. Foi uma grande sacação (sic). Trabalha
com capacitação mas não deixa eles sozinhos. O grande êxito da etapa de capacitação se dá pela visão à frente dessa capacitação. É promover essa
capacitação sem esquecer a mobilização e organização social. A técnica está
à serviço de alguma coisa. A técnica não vem para ensinar as pessoas. Não traz a técnica em primeiro lugar. O desenvolvimento da tecnologia a Fiocruz
faria com um pé nas costas. Esse não é o lance do Profito. A técnica está a
serviço de um processo social. Aí a técnica é ótima. Veja a tecnologia na
agricultura. A revolução verde colocou a tecnologia em primeiro lugar, a serviço da venda das empresas.
Essa tecnologia apresentada também aparece como um resultado importante, a
confecção das exsicatas para a identificação e determinação botânica, as plantas secas dentro
de padrões de qualidade, a manipulação dentro das boas práticas de fabricação. “Isso foi
bastante trabalhado durante o curso e com um impacto bastante grande”, afirma Rita Barbosa,
agricultora.
Foram apresentadas como dificuldades do desenvolvimento do curso: primeiro
executar um orçamento para uma equipe reduzida foi um impeditivo para aumento da
qualidade das ações pedagógicas. Sandra Magalhães Fraga relembra o trabalho necessário à
inclusão de um grupo grande de pessoas que não tinha Cadastro de Pessoa Física (CPF),
documento indispensável para que recebessem a bolsa de estudos. Também não tinham
comprovante de residência e consequentemente não possuíam conta bancária. Essas eram
exigências para o pagamento das bolsas de estudo. Outras dificuldades podem ter sido
129
resultantes dessa limitação, como a não manutenção das parcerias inicialmente propostas, a
não permanência dos jovens.
O tempo para executar o projeto foi escasso, mas não foi o único responsável
pelas dificuldades, outra limitação foi o próprio entendimento dos conflitos derivados do
estado de multi e interdisciplinaridade do projeto. Alguns conceitos não eram aceitos como
legítimos para a implantação do projeto. O conceito de mercado, por exemplo, foi um
imbróglio mal resolvido. Após essa análise aprofundou-se a certeza de que “the marketplace
is only a consequence of the establishment of networks; it does not explain their formation”23
(LATOUR, 1988, p. 172).
A segunda linha de ação identificada foram os produtos e novidades gerados pelo
Profito. Os produtos foram: as mudas e seus viveiros residenciais, os sistemas agroflorestais
medicinais, as plantas in natura, as plantas secas e rasuradas na forma de sachês, a cúrcuma, o
sabonete líquido (Fig. 11). Alguns entrevistados apresentaram também o próprio processo de
gestão participativa como uma novidade em si.
Figura 11: Três dos produtos em desenvolvimento entre os agricultores - mudas, sabonetes líquidos e sachês de plantas secas rasuradas.
Fonte: fotos 1 e 3 acervo próprio, foto 2 acervo Profito
23 “o mercado é apenas uma consequência da constituição de redes; não explica a sua
formação”. Tradução própria.
1
2
3
130
Todos os produtos comercializáveis do Profito esbarram em legislações restritivas.
Essa foi a principal dificuldade descrita pelos entrevistados. Desde a produção de mudas aos
sachês e sabonetes todos tem dificuldades legais para se inserir nos mercados. Há necessidade
de investimentos na qualidade, na disponibilidade, na autonomia das pessoas que fabricam o
que implica em contribuir para que as comunidades agrícolas tenham suas instalações dentro
da nova concepção de boas práticas de fabricação derivadas da RDC 49/2013 (Anvisa,
2013b). O que por si só é um elemento sociotécnico a ser mais bem compreendido.
A terceira linha de ação priorizada foi a inserção em redes. Algumas organizações do
território tem o nome de Rede: A Rede Carioca de Agricultura Urbana, a Rede Ecológica e a
Redes Fito. É importante registrar que não temos como aprofundar uma análise do
relacionamento com o Sistema de Redes Fito. Além das fronteiras epistêmicas já anunciadas,
temos também limites alguns disciplinares como os já citados com a biologia e com o
controle de qualidade. Apresentamos aqui um novo limite posto por Farmanguinhos que
apesar de ter assinado o termo de consentimento livre e esclarecido não conseguiu oportunizar
uma agenda para essa pesquisa. Consideramos que o tempo dessa pesquisa não favoreceu
esses aprofundamentos. Trata-se então do indizível e o indescritível que os territórios trazem
de uma maneira ou de outra.
Essa linha de ação perseguida pelo Profito ao longo dos anos deixou no território um
importante aprendizado, dizem seus protagonistas. Os materiais e recursos empregados nessa
atividade dizem respeito primeiro a ter acesso a um sistema sêmico, que muitas vezes é mais
pressentido do que comunicado. Como anunciou Raffestin (1993), as redes tem esse sistema
sêmico. Trata-se de um conjunto de códigos, linguagem, conceitos, valores que são
transmitidos com mais ou menos intencionalidade durante os momentos de troca e diálogo. E,
muitas vezes estão relacionados a imagens que falam antes que o discurso possa esclarecer
dúvidas.
Os nossos principais interlocutores nessa análise estão assinalados no apêndice D.
Segundo o depoimento de Francisco Caldeira, o grupo do Profito entrou em contato com a
Rede Carioca de Agricultura Urbana durante o I Encontro de Agricultura na Cidade. Percebe-
131
se nesse discurso que há uma interdependência entre erro e acerto de uma forma metafórica.
De fato o primeiro contato com o grupo que se tornaria a Rede CAU foi no I EEASC em
2007. Os agricultores ligados ao Profito chegaram no segundo encontro, no ano de 2010,
onde se tomou a decisão de criar a Rede CAU. A metodologia empregada nesses encontros
foi de tal modo comunicada que não deixou margens à dúvida. Aquela era a Rede mais do que
desejada para os princípios anunciados desde 2006 no Profito.
No entanto houve resistência interna na equipe técnica do Profito, na hierarquia e em
algumas parcerias. De outro lado, acomodar-se ao sistema sêmico constituído historicamente
pelo grupo que se nomeou Rede CAU não foi fácil. Apenas a repetição (nosso instante de
eternidade) possibilitou essa integração.
Segundo Bernardete Montesano, uma das principais articuladoras da Rede CAU,
essa, com a inserção dos agricultores do Profito, adquiriu um perfil anteriormente inexistente.
“A Rede era uma coisa mais restrita, muito ligada à Pastoral [da Criança]. Um trabalho de
extrema importância mais restrita aos quintais”. Segundo outra observação, a Rede
ressignificou o conceito de agricultura urbana. Já não era o lúdico, o vínculo e a preservação
dos saberes. A Rede CAU tornou-se tudo isso e mais o acesso a mercados, as feiras, a
certificação orgânica, o acesso a políticas públicas, as compras públicas, a legislação urbana e
ambiental e seu impacto sobre a agricultura.
Nada tem apenas um lado. Problemas novos surgiram. Um desses recebeu uma
descrição metafórica. Francisco descreveu o excesso de agendas externas à comunidade
gerada por essa inserção em Redes como se fosse “um pássaro de arribação”. Essa é a
principal dificuldade identificada nessa atividade. Em segundo plano a dificuldade de pautar o
tema direito à saúde e em especial (e paradoxalmente) o tema plantas medicinais. Não
conseguimos identificar se essa dificuldade diz respeito ao sistema sêmico ou se são
meramente prioridades organizacionais.
A relação da Rede Ecológica com o território da Pedra Branca é quase tão antiga
quanto a ação do Profito. O diagnóstico participativo identificou a Rede Ecológica já em 2007
que assim como o Instituto Maniva, ligado ao movimento internacional Slow Food, estiveram
em reunião na sede da Agroprata (Diário de Campo, 2007-2008). No entanto, só 2011,
132
quando na interação da Rede CAU, tomou-se a decisão de montar um núcleo de compras
coletivas no próprio espaço da Feira Orgânica de Campo Grande. A partir daí essa relação se
capilarizou entre os agricultores do Maciço.
Esse momento é mais uma demonstração da difícil acomodação aos sistemas sêmicos
que aparece na inserção em redes. O grupo de compras coletivas no próprio ambiente da feira
foi duramente criticado por integrantes da própria feira e pelos chamados pilares da Rede
Ecológica. Com o passar dos anos e muita comunicação informal nem sempre amável, a
decisão mostrou-se acertada. Um segundo grupo de compras coletivas foi formado com sua
entrega no ambiente da FAFRE.
Os principais resultados dessa inserção em Redes foi o fortalecimento do próprio
sistema sêmico que une os actantes nesse território. Sem poder alongar essa análise,
afirmamos que esses signos dizem respeito a uma relação simétrica sociedade-natureza. É
uma atuação no sentido da agrobiodiversidade que rejeita a visão conservacionista excludente
do humano. O ambientalismo assimétrico parece incompatível com um território assolado
pela especulação imobiliária. Outro valor que une os protagonistas dessas redes é a
horizontalidade dos saberes e a ênfase na centralidade do conhecimento local ecológico na
construção social. Um terceiro valor é a economia da dádiva, também chamada de
reciprocidade ou de solidariedade. Aqui diferente dos limites é uma abertura dessa pesquisa
ao desconhecido. Prevemos esses três valores como pilares e aguardamos a crítica necessária
de nossos interlocutores.
Esse sistema sêmico então perpassa nossos outros códigos semióticos, nossas
camisas, bandeiras, refeições, agendas, redes virtuais. Começa a atingir os documentos
públicos, como os relatórios das conferências de saúde e de segurança alimentar, mas também
decretos municipais e diários oficiais.
As compras públicas realizadas pelas escolas estaduais no entorno do Maciço da
Pedra Branca se tornou uma concretização da agricultura na cidade (ASPTA, 2012). Para
alguns foi o fim da invisibilidade histórica a que se destinou a agricultura e a tradição local.
Nesse sentido o atual diretor da Agrovargem, Jorge Cardia, respondendo a uma matéria de O
133
Globo24
questiona: “A roça é invisível? para mim não é invisível”25
. O objetivo específico de
comercialização de plantas medicinais não foi plenamente atingido. Além disso, o pedido dos
agricultores de reconhecimento de sua atividade pelo governo foi citado como um ganho para
as competências territoriais desenvolvidas.
É justamente essa a quarta linha de ação priorizada na sistematização – o acesso aos
mercados. Segundo depoimento dos actantes presentes na primeira reunião participativa
prevista em nossos procedimentos metodológicos, “bem ou mal o acesso a mercados já
começou”. Essa frase que, diante dos presentes alcançou um consenso, é um indicador da
interpretação de mercados como uma construção social e não uma entidade autônoma, acima
do bem e do mal gerenciada e analisada por especialistas. Esse é um conceito que nas redes de
agroecologia está imerso no princípio da economia da dádiva. Uma característica inicialmente
atribuída a comunidades ditas primitivas e que é ressignificada e permanece tal qual um
passado presente (HUYSSEN, 2000). Ou como quer Latour são características não modernas.
Eric Sabourin nos alerta para esse princípio:
A venda dos produtos agropecuários não pode ser confundida apenas com o
mercado de intercâmbio capitalista. No Brasil, as feiras locais e os mercados
de proximidade oferecem exemplos de produção e de mobilização do laço
social, de sociabilidade, pelas relações diretas entre produtor-consumidor. (SABOURIN, 2008 )
Cada uma das duas lógicas, reciprocidade ou intercâmbio, pode ser verificada na realidade. Portanto, as duas podem se prevalecer de vantagens
respectivas e, sobretudo, de precedentes, alguns deles sendo, provavelmente,
irreversíveis. O propósito não é, obviamente, negar essa realidade ou propor um retorno às formas originais da economia. Hoje, em termos de
desenvolvimento rural não se trata de reivindicar a exclusividade de um
princípio ou de outro, mas sim de atentar para uma dupla referência. Como
sublinha Temple (1997), o reconhecimento político e público, da economia de reciprocidade, permitiria desenhar uma interface de sistemas e abrir um
debate entre os partidários de uma e de outra lógica, para tratar da natureza
das organizações locais, da delegação do poder, das normas e dos princípios de gestão dos bens comuns ou públicos, em particular dos recursos naturais.
Em outras palavras, permitiria enriquecer o debate sobre as escolhas
24http://oglobo.globo.com/rio/produtores-rurais-do-rio-tentam-sobreviver-falta-de-
incentivos-9021943 25 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_xcWiq48KLU
134
possíveis e sobre as ferramentas adaptadas em matéria de sustentabilidade da
agricultura e do planeta (SABOURIN, 2008a).
O mesmo autor demonstra que estruturas estatais se inserem nessa dupla lógica de
mercado, tais quais passados presentes ao assumir as compras institucionais da agricultura
familiar como preveem programas e políticas legitimados no país recentemente (PNAE, PAA,
PNPMF). A própria busca de Farmanguinhos, do INCQS, da UFRRJ de agregar valor e dar
qualidade aos produtos e novidades insere-se no princípio da dádiva. “De fato, cria-se uma
territorialidade de reciprocidade em torno de um produto específico” (SABOURIN, 2008a).
O Profito pretendeu atuar nessa dupla lógica de mercado e até o momento tem
alcançado resultados no campo dos mercados curtos, nas feiras, nas compras institucionais da
própria Fiocruz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que através da pesquisadora Nina
Silva, por duas vezes adquiriu um lote de mudas de espécies medicinais cultivadas por
agricultores para eventos da instituição. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
recentemente anunciou disponibilidade para compras da agricultura familiar.
Para os entrevistados os principais resultados da linha de ação acesso a mercados foi
a construção da feira da Freguesia, a possibilidade de participar do Circuito Carioca de Feiras
Orgânicas. Imagina-se que a próxima feira a ser estabelecida trará novos desafios justamente
pelo sistema sêmico fortalecido entre os actantes e não acolhido pela legislação municipal.
O papel da Rede Ecológica na construção de um mercado ético, justo e solidário na
região se faz sentir no campo das plantas medicinais em basicamente dois produtos. Um deles
a produção de mudas agroecológicas. Desde 2010, vários agricultores integrantes do Profito
tem se dedicado a produção de mudas de espécies alimentícias, condimentares/medicinais.
Compõe um modelo produtivo na forma de micro viveiros residenciais.
Duas mulheres alcançaram uma dedicação ímpar nessa atividade, trata-se de Dalila
Silva e sua nora Maria Regina da Silva, conhecida como Lia. A produção de mudas foi
iniciada na varanda de sua residência. Primeiro destinaram a pequena comercialização para as
compras feitas por Farmanguinhos (Fiocruz). A instituição por diversas vezes distribuiu
mudas como brindes em eventos, contribuindo para animar a sua produção. Em seguida elas
135
passaram a expor mudas em feiras e eventos. Alcançaram a visibilidade da Rede Ecológica
que passou a adquirir uma quantidade mensal. As duas agricultoras urbanas fizeram um
arranjo com um proprietário de um sítio e inauguraram o “safinho”, como batizaram o micro
viveiro.
A quinta e última linha de ação eleita foi o direito à saúde. Não foi uma linha
específica nos subprojetos aprovados durante o período aqui sistematizado. Pelo contrário,
essa demanda explícita vem da inserção em redes. Como já descrito esse foi um resultado do
II Encontro Metropolitano de Agroecologia. Talvez tenha sido um dos momentos de maior
adesão dos agricultores do Profito a um encontro fora do território cotidiano de ação do
projeto.
Entre outras demandas registradas na Carta Política, "Implementação da Estratégia
Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas
alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais". Sabendo que não é usual
no Maciço da Pedra Branca que se faça demandas no campo da saúde como direito,
investigamos a origem desse registro. Claudemar Mattos, secretário executivo da Articulação
de Agroecologia do Rio de Janeiro e Bernardete Montesano explicaram que a fonte dessa
ideia veio do Movimento dos Sem Terra (MST) e de um documento da Comissão Pastoral da
Terra (CPT). As duas organizações são também integrantes da AARJ.
Durante a primeira reunião do Profito apresentamos a questão composta de três
atividades: a medicina tradicional, a atenção primária à saúde, melhor representada pela
Estratégia Saúde da Família (ESF) e a vigilância sanitária. Na realidade a expressão veiculada
nessa reunião do dia 9 de dezembro de 2013 foi: práticas de saúde tradicional. No entanto
para harmonizar o conceito com a informação científica sobre o termo aqui colocamos
medicina tradicional. Em que pese todo o risco e os benefícios de um sistema de nomeações,
nos apoiamos na observação e vivência para defender a existência de práticas de medicina
tradicional no território-rede aqui investigado.
O sistema sêmico predominante no território enfatiza a segurança alimentar e
nutricional como principal forma de acesso à saúde. A identificação dos actantes com a
alimentação saudável é quase como sinônima de saúde. As plantas medicinais são usadas
136
principalmente como complementares, em sistemas de prevenção ou de fortalecimento
imunológico. Em muitos momentos durante a observação participante nas feiras
perguntávamos: você usa plantas medicinais? A resposta muitas vezes era: “não, quase não
fico doente” e apresentava toda uma justificativa em torno da alimentação saudável.
No entanto, Madalena Gomes descreveu as situações de adoecimento e cura em sua
rede comunitária de cuidado que são relevantes para se pensar a existência da medicina
tradicional na região metropolitana do Rio de Janeiro. O mesmo reforço vem do depoimento
de Sampaia Correa descrevendo a cura do neto.
Nessa data aplicando a problematização necessária aos procedimentos
metodológicos, indagamos Madalena sobre recente necessidade de atendimento emergencial
de um jovem de sua rede comunitária de cuidados. Aparentemente o grupo acatou primeiro a
necessidade de coerência da equipe técnica atuante no Profito. Não seria viável assumirmos
uma postura de que apenas a alimentação, plantas medicinais e recursos místicos possam
consistir em direito à saúde. Citando uma professora do PPGICS: seria a defesa de uma
medicina pré-sulfa (sic).
Nesse quadro de resistência ao conhecimento biomédico negociamos como
prioridade as práticas de autocuidado típicos da medicina tradicional. Metodologicamente isso
será realizado em uma perspectiva de relação com profissionais de saúde e da área de saúde,
lotados ou não em órgãos do SUS. Registarmos aqui a existência de agricultores de renda
bastante reduzida que são assinantes de planos de saúde de clínicas populares o que nos
parece uma in-equidade.
Quanto à vigilância sanitária é vista como um fiscal punidor que pode acabar com as
feiras. Não se insere no contexto do direito à saúde. Integralidade não é um conceito que
circule entre os actantes de nosso território-rede. No âmbito do Profito anuncia-se uma
oportunidade de ação potencialmente simétrica do INCQS. Um elemento importante foi a
própria participação na consulta pública 37. Esse processo parece dar ao território um acesso
renovado aos princípios da integralidade. Também compreendemos que há um alinhamento
local a redes globais que defendem o processo de medicina tradicional como fatores
contemporâneos que favorecem também a integralidade no território.
137
Finalmente antes da decisão final coletiva na segunda reunião participativa, toda
essa sistematização parcial foi avaliada segundo dez indicadores propostos por Chavez-Tafur
(2007). São eles: A participação da população local, a participação das mulheres na
experiência, a organização local, o envolvimento das autoridades, a sustentabilidade das
atividades, a replicabilidade da experiência, a geração de renda, a convergência de atores
entre si e a convergência entre os atores e a gestão do projeto.
Quatro desses indicadores dizem respeito, de uma forma ou de outra, à participação
política dos agricultores. Um deles, organização local, é em nossa interpretação, a condição
indispensável para a participação política. Sem organização não há participação social ou
política. O Profito foi mais bem avaliado nesse indicador. O projeto é apontado como o
responsável por “unir” as três associações de agricultores do Sertão Carioca. “Não tínhamos
organização local”, dizem, “Ela se deu a partir disso. Desde então se evoluiu muito.
Promovemos a união das pessoas, experimentamos produção compartilhada”, afirmou um
entrevistado.
Por outro lado, Bernardete Montesano apresentou um aspecto negativo ao lembrar
que o Profito teve o foco exclusivo nos agricultores, negligenciando suas famílias e os
consumidores. Essa visão crítica é fundamental na avaliação também dos demais indicadores.
Tanto na participação local quanto na participação dos mulheres o Profito apresentou
limitações segundo os entrevistados.
Apesar do curso contar com mais de 50% de mulheres, não se trabalhou a influência
das questões de gênero na formação em curso. Sugerem então compreender o uso que a
mulheres fazem das plantas medicinais em suas famílias. Ao mesmo tempo ampliar a
organização das mulheres através da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro que conta
com um grupo de trabalho voltado para a luta feminista.
Algo similar foi dito sobre a população local. A avaliação dos entrevistados é que
não se sabe o que a população local pensa sobre o Profito. É um aspecto desconhecido.
Considerando que a participação é um direito uma entrevistada pergunta: Como podem se
inserir nessa ação enquanto política pública? Essa mesma questão apareceu na avaliação da
138
organização local. Apontaram como aspecto desconhecido a forma de agregar os
consumidores à essa temática.
Talvez essa seja a principal crítica ao Profito: a ausência de publicização de seus
feitos. A tal ponto isso parece forte junto aos grupos atingidos pela comunicação parcial
desenvolvida que em quatro situações registradas na observação participante, pessoas estavam
cobrando transparência. Não estavam falando de execução orçamentária, mas a ter o direito a
participar das discussões e novidades relacionadas a plantas medicinais.
É a mesma visão apresentada durante a segunda reunião de gestão participativa dessa
pesquisa, já citada, mas que convém repetir esse trecho: “Queremos pautar as plantas
medicinais nas políticas públicas e usá-las em nosso dia a dia. No entanto que seja para todos
e coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de forma não transparente”. Pela repetição
da expressão em contextos diversos, assumimos que o Profito foi considerado de atuação
privada e não pública. Por se tratar de uma demanda para o campo da comunicação trataremos
novamente desse assunto mais à frente.
Ainda analisando as entrevistas sobre os indicadores de qualidade, interpretamos o
envolvimento das autoridades como a participação dos gestores de serviços e políticas
públicas no local. Foi o indicador com pior desempenho. Segundo quatro dos entrevistados
foi baixíssimo o envolvimento desses gestores.
Apesar dessa crítica, apontaram que o Profito atuou numa unidade de conservação
integral (UCI). Como tal havia a alegação conservacionista. Através do Profito, essas
comunidades tradicionais nessas unidades de conservação se tornaram visíveis contribuindo
para o avanço de um debate socioambiental. Segundo Claudemar Mattos essa contribuição
para o debate beneficiou todo o Estado do Rio de Janeiro.
Esse reconhecimento da atuação de Farmanguinhos e por extensão da Fiocruz ao
pautar o direito ao uso da agrobiodiversidade ficará no território como um valor em si. A
equipe técnica do Profito pediu autorização ao então Instituto Estadual de Florestas (IEF),
atual INEA26
para a implantação do cultivo agroecológico de plantas medicinais nas
26 A organização governamental responsável pela gestão do PEPB fundiu-se a outros
órgãos estaduais com competências similares formando o Instituto Estadual do Ambiente.
139
propriedades dos agricultores inseridos no Parque Estadual da Pedra Branca. Após anos de
negociação chegaram a uma redação conjunta de um termo de cooperação técnica entre as três
associações de agricultores, o órgão ambiental e a Fiocruz como mediadora.
A procuradoria da Fiocruz, após análise acurada, aprovou o teor do documento. O
mesmo não ocorreu junto a gestão das áreas protegidas do governo estadual. Sem esse aval do
INEA, até essa data, o Profito não obteve êxito na implantação dos SAFs nas propriedades
dos agricultores como previsto anteriormente.
Apesar desse contratempo, há um entendimento que a experiência do Profito trouxe
uma visão socioambiental para todo o estado do Rio de Janeiro. Algo se fortaleceu na luta de
tantas comunidades locais que vivem no entorno imediato ou mesmo no interior de unidades
de conservação integral. E, esse benefício é do âmbito do fazer crer, do poder simbólico
enquanto manifestação de um conceito mais amplo de comunicação.
Quatro situações decorrentes das dinâmicas e narrativas durante a primeira reunião
participativa foram apresentadas para priorização. Uma foi designada como saúde tradicional,
expressão com o sentido das práticas populares de cuidado com a própria saúde, o que inclui o
uso de plantas medicinais. A segunda opção seria o acesso à saúde pública, incluindo a
relação com as unidades de saúde das comunidades ou a demanda por Estratégias Saúde da
Família (ESFs) conforme consolidado na Carta Política do III EMA. Outra situação foi a
relação com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) importante para a
consolidação dos produtos e intimamente relacionada com a última situação apresentada, o
acesso a mercados.
A primeira sugestão veio da agricultora Madalena Gomes ao priorizar a saúde
tradicional, seguida por Luiz Santana e Cláudio Avelino da Costa que pediram prioridade ao
tema acesso a mercados. Uma intensa troca de impressões e diálogo se desenrolou sendo três
argumentos determinantes: o primeiro a noção de que prioridade não exclui as outras
demandas; acesso dos produtos agrofamiliares do Maciço da Pedra Branca a mercados “bem
ou mal já começou”, disseram os presentes. O projeto da ASPTA tem foco nesse acesso a
mercados, diz Bernardete Montesano. Annelise Fernandez também fez ver que o uso e
O Inea foi criado pela Lei Estadual nº 5101 de 4/10/2007, mas apenas em 2009 foi
instalado.
140
afirmação das plantas medicinais no âmbito cultural pode fortalecer o acesso a mercados.
Ficou então decidido focar em práticas tradicionais de autocuidado na saúde a partir de 2014.
A segunda reunião participativa prevista em nosso caminho de pesquisa ocorreu sob
a coordenação de Claudino Nicolau e Rosângela Mangilli, ambos da Associação Feira da
Roça de Queimados. Estivemos reunidos no dia 17 de fevereiro de 2014 na sede da Secretaria
de Desenvolvimento Rural e Agricultura de Queimados (Fig. 12). O objetivo foi construir o
que Chavez-Tafur (2007) considera como “novo conhecimento” sobre as ações, serviços,
projetos e politicas de plantas medicinais em nosso território. As instituições públicas e da
sociedade civil presentes tiveram oportunidade de expressar seu comprometimento com o
tema. Ouvimos o Sr Francisco Caldeira descrevendo o Projeto Profito e suas novidades.
Apresentamos a síntese dos resultados parciais dessa pesquisa como primeira entrega dos
resultados aos coautores e integrantes do trabalho.
Figura 12: 2ª reunião participativa na Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Queimados (RJ)
Fonte: Acervo próprio.
Após esse período de exposições abrimos uma análise dispondo os desafios e
oportunidades, produzindo o resultado sistematizado no documento chamado “O consenso de
Queimados”:
141
“Queremos pautar as plantas medicinais nas políticas públicas e usá-las em nosso dia
a dia. No entanto que seja para todos e coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de
forma não transparente. Nesse dia integramos o território da zona oeste com a Baixada
Fluminense como parte da Articulação Metropolitana de Agroecologia que vive a realidade da
produção, uso e comercialização de plantas medicinais.
Identificamos que não há valorização do saber popular. Há um descrédito e falta de
confiança, também entendida como falta de entendimento da eficácia simbólica, falta de
credibilidade e diferentes interpretações sobre a legitimidade do conhecimento dos povos e
comunidades tradicionais. Apontamos como solução ações para estimular a cultura utilizando
a comunicação e a informação como repertório.
Chamamos a atenção para a saúde do produtor. Conforme consta na Carta Política do
II Encontro Metropolitano de Agroecologia, reivindicamos: “Implementação da Estratégia
Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas
alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais”. Isso exige entre outras
coisas a formação dos profissionais de saúde.
No entanto, plantas medicinais como são processadas muitas vezes não são de fácil
acesso para as pessoas. Há necessidade de fornecimento de drogas vegetais no SUS. Que haja
formas de compra direta da agricultura familiar. Os diversos usos das plantas, suas diversas
linguagens e possibilidades de vários arranjos também devem ser estimulados e alinhados às
práticas agroecológicas.
Frisamos a importância do estudo das diferentes plantas e seus usos. Um estudo
importante é sobre a legislação relacionada ao registro, propriedade intelectual e patente.
Solicitamos trabalho nas escolas sobre a temática das plantas medicinais.
Tudo isso deve ser feito enfatizando a promoção dos intercâmbios e trocas de
conhecimento e incentivo ao modo de produção agroecológico. A ênfase deve ser posta nos
registro das experiências que já existem no território. O modo de produção agrícola deve
proporcionar a geração de renda como direito legítimo de agricultoras e agricultores.
142
Como nem tudo é consenso, ficamos de amadurecer as concepções sobre a expressão
fé. Para alguns essa palavra dá margem para interpretar como “religião”. Para outros é
legítimo esperar que a saúde coletiva seja feita com integralidade (um princípio do SUS) o
que inclui entender o humano e cuidado do ponto de vista das diferenças inclusive religiosas.
Desse modo o novo conhecimento gerado diz respeito ao nível intermediário de
nossa visão de redes multiníveis. O coletivo anunciou o recorte de um território que agora
compreendemos ser um território de reciprocidade em torno do uso tradicional de plantas
medicinais. Isso se torna possível a partir de que se avance no sentido de coexistência e inter-
relação entre a informação científica e o conhecimento tradicional. Nesse cenário, as
instituições governamentais passariam a assumir esta reciprocidade preconizada pelo coletivo.
4.3 FEIRA AGROECOLÓGICA: TROCAS SIMBÓLICAS E COMUNICAÇÃO ORAL
Feira e Freire, Freire e feira, é um trocadilho que faz muito sentido. Percebo ao
caminhar a dimensão do tema gerador “alimentação” para essa comunidade discursiva que se
reúne no campo da agroecologia. Visitar uma feira com seus cheiros, sabores, cores, texturas
é mergulhar nessa rede de geração de sentidos que não está centralizada na palavra. Ou seja,
todo o ambiente da feira estaria sintonizado na geração de sentidos. A alimentação saudável,
livre de agrotóxicos vincula agricultores, consumidores, técnicos, pesquisadores.
As feiras orgânicas e agroecológicas pertencem a uma ampla rede de sentidos. Cada
vez mais pessoas se dão conta que os agrotóxicos são um atentado contra a sua segurança
alimentar e nutricional e consequentemente contra a sua saúde. As diferentes formas de
avaliação de conformidade orgânica trazem no selo uma síntese de informação e comunicação
que remete à essa rede. Qualifica a feira e consequentemente agrega valor à produção do
agricultor familiar.
143
A feira, vista como um lugar de circulação de bens agrícolas e simbólicos não foi
posta a priori no ambiente de gestão do Profito. Houve em 2009, uma primeira aproximação
do setor com a participação junto a Comissão de Produção Orgânica do Ministério de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (CPORG/MAPA) quando a equipe do Profito
protagonizou a Semana de Alimentação Orgânica em 200927
. Na ocasião houve uma
celebração na Feira Orgânica de Campo Grande. Anos depois, agricultores de Vargem Grande
apresentaram a demanda de uma feira da Roça no bairro. Essa demanda acabou sendo
renegociada. Aong ASPTA e a Rede Carioca de Agricultura Urbana, que é a organização que
inclui os agricultores que verbalizaram a demanda, priorizaram a implantação da Feira
Agroecológica da Freguesia28
.
Um pouco antes da inauguração da FAFRE, Márcia Cristina Oliveira Dias,
estudante de ciências sociais e extensionista da UFRRJ, produziu o registro de uma reunião.
Esse é um fato muito comum nesse trabalho em redes e um elemento sociotécnico valorizado.
Nesse texto Márcia codificou o pedido oral de um agricultor, Claudino Avelino da Costa:
gostaria de poder ensinar as pessoas o uso das plantas. Ter alguém que os orientasse sobre
para que serve cada tipo de planta. Ex. “a folha de goiabeira serve pra que?” Se ele soubesse
para que servem as plantas animaria as pessoas a comprar e utilizar o produto”.
Feirante do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, Claudino estava defendendo o
comércio em feiras. Chegou a levar para comercialização algumas espécies secas, rasuradas e
ensacadas. Na embalagem ele fez questão que colocassem seu nome como produtor. Atitude
essa que ao mesmo tempo que cumpria uma exigência da certificação participativa de garantia
orgânica, denotava também empoderamento diante de tantas restrições legais para o comércio
justo de plantas medicinais.
A partir desse pedido expresso por Claudino e dessa iniciativa começamos a olhar a
feira como lugar de circulação não só da planta em si como produto da agricultura familiar.
Enfim a feira tornou-se um duplo mercado: lugar de negociação de plantas e de saberes.
Segundo Claudino, a comercialização da planta estaria associada de perto com a informação
27 Registro em http://www.youtube.com/watch?v=FCGHUsxytxg
28 Matéria no site da ASPTA: http://aspta.org.br/2014/01/vamos-a-feira/
144
veiculada junto com ela. Estaríamos então diante de um Mercado Simbólico. O agricultor-
feirante estava mais uma vez fazendo uma demanda e articulando em sua comunicação oral a
informação associada à comercialização.
Todas as quatro feiras visitadas durante da pesquisa apresentaram comércio de
plantas medicinais (Fig. 13). A Feira Orgânica de Campo Grande, a mais antiga delas tem um
comércio pequeno mas constante dessas espécies. Observamos entre os meses de dezembro de
2013 e fevereiro de 2014, a alocação dos produtos, os diálogos que se seguiam à compra das
espécies, registramos as espécies comercializadas. Nessa feira observamos a comercialização
de tinturas destinadas à homeopatia popular. Acontece também um arranjo entre os
produtores-fornecedores de plantas frescas e a produtora das tinturas.
Figura 13: As quatro feira agroecológicas da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Fonte: Acervo pessoal. Nota: Feira Agroecológica da Freguesia (no alto à esquerda); Feira da Roça de
Queimados (no alto à direita). Feira Orgânica de Campo Grande (em baixo à esquerda). Feira da Roça de Nova
Iguaçu (em baixo à direita).
A Feira Agroecológica da Freguesia é a que apresentou maior número de plantas
medicinais em diferentes barracas. Também encontramos lá derivados artesanais de plantas
medicinais. O agricultor José Antonio Pereira além de comercializar plantas frescas e mudas
145
também vende o sachê de plantas desidratadas produzidas a partir das atividades do Profito. A
agricultora Juliana Diniz produz e comercializa uma coleção de farinhas cujo uso é medicinal,
comercializando também os sachês de plantas desidratadas. Na mesma feira encontramos dois
sabonetes artesanais feitos com extratos de plantas.
Na Feira da Roça de Queimados todas as barracas vendiam uma ou outra planta
medicinal. Não existia concentração de plantas em uma única barraca. No entanto a
veiculação de conhecimento sobre plantas e seus usos contribuiam para a encomenda.
Identificamos uma conversa usual sobre os benefícios dessa ou aquela espécie e sua influência
sobre a saúde. Nessa feira encontramos um xarope tradicional preparado por Rosângela
Mangili, descendente de indígenas do Paraná e radicada em Queimados há mais de 25 anos.
Esse também é o período que produz o xarope medicinal criado por seus antepassados.
A Feira da Roça de Nova Iguaçu tinha uma única feirante com apresentação de
plantas medicinais frescas em sua barraca. Diferente das demais apresentava outra barraca
com o comércio de remédios caseiros, sabonetes e xampus. Um desses preparados recebe o
nome de “arriba-touro” e é a típica garrafada contendo uma mistura de diferentes ervas
medicinais. Observamos a compra desse produto por diferentes homens, normalmente jovens
e eventualmente acompanhados. Nenhum deles quis conversar a respeito.
Um produto comum entre as três feiras é o noni (Morinda citrifolia). Assim como já
aconteceu com o confrei e com o inhame, aparentemente o uso do noni tornou-se um
modismo em nossa região. A espécie é um arbusto originário do Sudeste Asiático
(McClatchey, 2002). O cultivo do fruto está sendo adaptado à zona oeste do Rio de Janeiro e a
Baixada Fluminense sendo comercializado na forma de suco ou in natura. Foi a planta com
destinação medicinal mais comercializada em três feiras.
É o caso típico de uma espécie globalizada e portanto mais citada que alcança
maiores índices de comercialização que as plantas cujo lugar de origem são os biomas
brasileiros eventualmente não estudadas e não citadas. Estudo de Andrei N. Tchernitchin
(2010) apontou a maior porcentagem de venda são aquelas que incluem mais componentes e
espécies de uso reconhecido globalmente.
146
Entre as demais foram citadas 64 espécies e as mais citadas foram a cidreira, a
panaceia, o chapéu de couro e a alfavaca. Notem que esse não é um levantamento
etnobotânico e não há aqui o propósito de descrição de espécies nem de sua identificação
botânica ou usos.
Há casos de espécies vegetais com intensa semelhança e variados nomes populares,
às vezes designando mais de uma planta. A erosão do conhecimento tradicional disseminado
pode causar problemas de identificação e consequentemente de saúde aos usuários das
plantas. Selecionamos aqui um dos documentos derivados da Feira Agroecológica da
Freguesia demonstrando como as cópias do livro “Plantas medicinais no Brasil”, de autoria de
Harri Lorenzi e Francisco Mattos (2008), doado pelo Profito às associações de agricultores
são fonte de informação para os consumidores. O agricultor José Antonio Pereira costuma
disponibilizar cópias do livro (Fig. 14). Segundo ele, os consumidores estão sempre
perguntando e foi justamente para facilitar esses processos de consulta que a obra de
referência foi doada. Trata-se, portanto de acesso à informação científica no ambiente das
feiras.
Figura 14: Utilização de cópias de um livro especializado na informação científica aos consumidores na FAFRE.
Fonte: Acervo pessoal.
147
Constantemente seu pai Arlindo Pereira está junto na barraca da feira. Sendo uma
das pessoas de referência do conhecimento tradicional de uma das comunidades do Maciço da
Pedra Branca. Quando o José Antonio Pereira apresenta o recorte do livro, ocorre então esse
processos de cotexto, quando a informação aparece explícita. No entanto essa informação
científica apenas se materializa nesse micromeio (a cópia) pela presença prévia nas memórias
individuais e coletivas.
Outra agricultora, Dalila Sylvia Santos, em seu trabalho no cultivo e comercialização
de plantas medicinais fez um interessante relato. Contou que estava muito ansiosa para
conhecer o pau-ferro, uma planta introduzida no SAF medicinal da comunidade onde reside,
Rio da Prata. Perguntei se ela não tinha curiosidade de pesquisar o livro que a associação
ganhou. Ela confirmou o acesso ao livro mas não demonstrou interesse em utilizar a obra para
obter informações. Problematizando essa situação identificamos que o formato do livro não é
adequado para todos os perfis. Dalila sugeriu uma informação mais condensada, tipo um
folheto ou cartilha.
Os dois casos demonstram não só a relação entre a informação científica e a
tradicional, mas a demanda por popularização da ciência em formatos adequados ao perfil
sociocultural dos produtores e consumidores. E, como esse perfil tem grande ênfase na
comunicação oral, a conversa é o seu principal meio de comunicação que passaremos a
analisar na próxima seção.
4.3.1 Práticas De Comunicação Nas Feiras Agroecológicas
Entendemos a comunicação como Mercado Simbólico, um modelo conflitual onde os
interlocutores tem acesso desigual. Por isto, perseguimos "a possibilidade de se mudar as
regras do jogo, a partir da periferia do poder; possibilidade dos mais fracos intervirem na
construção de um mundo cujo princípio de ordem seja o reconhecimento recíproco”.
(ARAUJO, 2002). Esse reconhecimento e essa reciprocidade encontra na feira um ambiente
148
propício. Ela é um lugar de valorização da tradição agrícola possibilitando ao agricultor
familiar, um novo lugar de interlocução.
Nos apoiamos na problematização do já citado Claudino Avelino da Costa ao dizer:
“os médicos ouvem a gente lá na feira, até artista aparece e fica assim admirando o que a
gente faz”. O agricultor, que atua no Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, na zona sul
carioca, está se referindo ao reconhecimento que adquire na interlocução com outros
consumidores.
Ao acompanhar as conversas informais que se passam no ato da compra de plantas
medicinais percebemos esse lugar de interlocução onde o agricultor é mais central. Ele se
coloca no lugar de saber-poder sobre a sua produção. O consumidor ao perguntar e declarar
seu desconhecimento se põe na periferia do saber. Isso se dá não apenas em relação às
medicinais, mas na compra dos demais produtos orgânicos e agroecológicos.
Observamos o sistema total ou o conjunto de relações entre produção-consumo de
alimentos onde plantas medicinais estão presentes. Há muitas frutas, verduras e legumes não
convencionais em circulação nessas feiras. Conhecemos novas espécies do sistema
agroalimentar local no caminho da pesquisa. Experimentamos esse lugar de não-saber ao
indagar o que é pitomba, bacupari, coco tucum, espécies não convencionais comercializadas
nas feiras. Vivenciamos a satisfação do lugar central do conhecimento tradicional sobre a
agrobiodiversidade explicitado pelos agricultores.
Quando consumidor oferece a atenção, o olhar, a pergunta e se põe no lugar da
ignorância, forma-se essa relação onde o agricultor exerce a dádiva do seu conhecimento que
não está ligado a mercantilização. Ele doa seu conhecimento explicitado na palavra.
Vivenciamos na feira da Freguesia um momento que demonstrou isso. Uma consumidora
pergunta por capim limão. Na banca há uma planta parecida. O agricultor Washington Adam,
cujo apelido é Gaúcho, informa a senhora que se trata de citronela e não capim limão.
Conversam sobre a citronela e suas propriedades repelentes. A senhora não compra a planta
fresca. Em contrapartida encomenda uma porção de repelente para animais domésticos que
Gaúcho vende a R$ 5,00 (cinco reais). E diz: “Depois eu te ensino a fazer”. Ou seja,
149
comercializa e ao mesmo tempo socializa a fórmula do repelente veterinário29
. Identifico esse
fato com a reciprocidade na economia e no cuidado. A lógica mercantil não é ceder fórmulas
e receitas, mas escondê-la na busca do lucro.
Não encontramos nenhum episódio público de controvérsia ou conflito. No entanto
foi como se a insegurança estive presente como um dos elementos quase humanos descritos
por Bruno Latour (1997). Essa falta de segurança aparecia no silêncio dos consumidores e nas
declarações dos agricultores. Madalena Gomes, contou um episódio, que permanece em sua
memória. Era, segundo ela o início da implantação da Feira Orgânica de Campo Grande,
havia a exposição e venda de remédios caseiros. “Um pessoal, acho que lá da serra, Petrópolis
ou Teresópolis, que vinha e vendia essas pomadas, tinturas. Um químico de uma universidade
avisou: ‘Vou retirar isso daqui’. Tempos depois o grupo deixava de trazer os produtos para a
feira”.
Sônia é consumidora de plantas medicinais frescas. Conhece há mais de dez anos a
produção dos sítios dos agricultores com quem estabelece esse arranjo comunitário. Eles
fornecem a planta fresca. Ela produz tinturas homeopáticas. Afirma: “Eu sou uma mulher da
roça, mesmo na cidade fica aquela lembrança da avó, do chazinho. Antigamente era a avó, era
o chazinho... Fica já gravado”. E faz um gesto de retorno, de reminiscência.
A Cuidadora é estudante dos cursos de extensão de homeopatia popular ministrado
pela Universidade Federal de Viçosa. São cursos muito solicitados no território rede por onde
caminhamos na pesquisa. Conta que há seis anos tem estudado o uso das plantas e aplicado
em seus atendimentos como terapeuta holística. Também apresenta uma busca de informação
na internet através da ajuda da filha e o uso do livro Plantas Medicinais do Brasil (LORENZI
E MATTOS, 2008). Problematizamos o conhecimento recebido dos pais e avós. Porque não
procurar aumento de conhecimento junto a especialistas também tradicionais, como erveiros e
raizeiros? Sônia então responde: “para me sentir segura”.
Em outro momento ela recorda a série exibida pela revista eletrônica Fantástico, das
organizações Globo. Entre o dia 29 de agosto e 25 de setembro de 2010, uma série de
29 Estaria o agricultor produzindo mais uma novidade?
150
programas e as matérias apresentaram ao Brasil as mazelas do uso popular e tradicional de
plantas medicinais. Foi a exibição da série “É bom para quê?” (SEGATTO, 2010) cujo
protagonista, foi Dráuzio Varella, conhecido como o médico mais popular do Brasil. O
episódio investiu com vigor na demonstração das deficiências da prescrição, da dispensação e
da pesquisa científica de plantas medicinais e fitoterápicos no SUS, nas universidades. Estas
matérias provocaram um conjunto de manifestações, respostas e debates na internet.
Organizações e instituições do setor se manifestaram publicamente. Um conjunto de
populares também colocou seus pontos de vistas nos comentários diretos no site da Revista
Época ou nos inúmeros blogs que replicaram as matérias produzidas pelas Organizações
Globo de Jornalismo.
A narrativa jornalística não fez acusações diretas, mas em dois momentos a edição
sugeriu práticas de charlatanismo ou curandeirismo associada a médicos e pesquisadores. Na
primeira sequencia, o médico Drauzio Varella afirma que a “popularidade dos chás e das
infusões não tem sido acompanhada de pesquisas. A falta de pesquisa abre espaço para
tratamentos inúteis, para a demora em buscar assistência médica adequada e para a prática do
charlatanismo”. Exatamente ao fim da palavra charlatanismo, surge a imagem do pesquisador
da Embrapa Osmar Lameira com a legenda: “o agrônomo Osmar Lameira receita preparados
com plantas na sede da Embrapa em Belém”.
A série do Fantástico continuou por semanas nessa linha de ação. A Embrapa,
tempos depois, apresentou uma defesa do seu pesquisador. O Ministério da Saúde também
veiculou uma nota tempos depois, sem mencionar a série fantástica, mas para a comunidade
discursiva ficou claro a que e a quem se dirigia. A consumidora Sônia não foi a única a
relembrar essa série. Outro consumidor nas feiras, não identificado, também relembrou o
episódio. A expressão curandeirismo volta e meia aparece nas conversas informais e até em
eventos oficiais.
Sobre esse assunto entrevistamos Rita Caseiro, diretora geral da Associação dos
Agricultores de Rio da Prata. Rita é herdeira da comunidade tradicional do Maciço da Pedra
Branca onde recebeu de pais e avós a tradição do autocuidado através das plantas medicinais.
Cultiva algumas espécies para seu próprio uso ou para doar à rede comunitária. A nossa
151
interlocutora, no entanto, também é advogada. Mantém volumosos livros jurídicos ao alcance
das mãos. Entre eles o código penal brasileiro.
A advogada relembra que está no inscrito o artigo 273 dizendo que “a venda de
produtos não registrados é crime grave contra a saúde pública” (Cód. Penal Art. 273 § 1º B-
1). Relê também que “exercer o curandeirismo, prescrevendo, ministrando ou aplicando,
habitualmente, qualquer substância; usando gestos, palavras ou qualquer outro meio ou
fazendo diagnósticos” (Cód. Penal Art. 284). No entanto lembra que o código penal é
estabelecido pela Lei 2840 de 1940. Está cheio de contradições. “Essa não é a única
contradição com a Constituição Federal”, afirma Rita Caseiro.
E essa presunção de crime foi reforçada no imaginário de alguns entrevistados
através desse evento midiático protagonizado pelo médico Dráuzio Varella. Algumas pessoas
no entanto apresentam bastante segurança no uso das plantas medicinais e na sua
comercialização.
Analisamos trinta e sete trechos de entrevistas buscando o duplo registro da
informação científica e do conhecimento tradicional expressa na comunicação informal dos
produtores e consumidores. Adicionamos na mesma tabela dois fragmentos de documentos do
Profito e um da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Organizamos os dados em
uma tabela, iniciando pela data (formato: ano, mês, dia), citando o local onde a entrevista foi
realizada, o código do registro, a citação ao conhecimento tradicional e a informação
científica e uma análise parcial. Iniciando a citação colocamos a letra indicativa do segmento
que o entrevistado pertence. Agricultor (A), Consumidor (C) ou Consumidor e Técnico (CT).
Na análise parcial iniciamos pela expressão indicativa da categorização feita no fragmento de
texto.
Identificamos três categorias: a coexistência, a menção simples a informação
científica ou ao conhecimento tradicional e finalmente o conflito ou disputa entre as duas
formas de informação. Para identificarmos o conhecimento tradicional utilizamos como
indicador a menção aos antepassados ou à etnia, ou a alguma reminiscência passada. A
agricultora Rosângela Mangilli, por exemplo, produz e comercializa um xarope de guaco há
25 anos. Ela se apresenta como neta de indígenas e afirma que seu pai de codinome Baiano,
152
era um reconhecido especialista local. “Se for na minha casa é só perguntar pela filha do
Baiano. Todos o conhecem. Ele era muito consultado sobre o uso de ervas”. Compreendemos
que a palavra tradição não aparece muitas vezes no vocabulário dos entrevistados. No
depoimento acima, a alusão à etnia é uma forma de reivindicar a tradicionalidade. A
informação científica apareceu sobre a forma de alusão ao profissional médico, o sistema de
nomeações típicas do sistema biomédico.
Em dezenove casos apareceu a coexistência entre informação científica e
conhecimento tradicional. Desses, dez casos foram proferidos por agricultores e nove por
consumidores. Dentre os consumidores dois também são técnicos. Outros dois manipulam e
comercializam produtos derivados de plantas medicinais.
A situação problema que deu origem a esse recorte de pesquisa foi registrado na
forma linguística escrita em um documento do Profito.
O agricultor fala que gostaria de poder ensinar as pessoas o uso das plantas.
Ter alguém que os orientasse sobre para que serve cada tipo de planta. Ex. “a folha de goiabeira serve pra que?” Se ele soubesse para que servem as
plantas animaria as pessoas a comprar e utilizar o produto. O profissional
esclarece que a Fiocruz como instituição não pode dizer para que serve cada
planta. Não pode fazer prescrição. Ele fala sobre o livro que tem as plantas catalogadas e que foi produzido para os agricultores.
Essa é a situação típica que uma pesquisa não convencional pode dar conta. Repito a
citação de Magda Soares (1992) para defender “um reconhecimento do eu como objeto de
pesquisa possível, porque, na verdade o eu somos nós" (Soares, 1992, P.126). Preciso me
posicionar na primeira pessoa. Eu poderia ter dito isso. Na realidade eu repeti isso muitas
vezes. Esse episódio é um indicador da dualidade a que são submetidos os envolvidos
profissional ou voluntariamente no campo das plantas medicinais e na medicina tradicional. A
minha própria dualidade provocou a identificação de uma situação potencialmente
conflituosa. Um sentido semelhante apareceu no diálogo com o presidente da Associação
Feira da Roça de Queimados (Aferq).
O diretor-presidente da Aferq, Claudino Nicolau, pediu informações sobre o açafrão
da terra (Cúrcuma longa). Entrego um impresso da Embrapa, explico que não me sinto à
153
vontade para falar de minha experiência. Explico que, naquela situação eu estava como
pesquisadora e não enquanto membro da comunidade tradicional. Minhas palavras soaram
como uma senha. O Claudino disse:
Você chegou onde eu queria. Tem uma senhora aqui na feira que vive dizendo: essa planta serve para tal doença, aquela para isso... Pensei em
fazer uma plaquinha onde diria: Feira não é lugar de receita.
Relatou que esse tipo de informação prejudica a feira. Em nossa interpretação o
discurso apresenta uma repressão à liberdade de expressão e um desconhecimento dos direitos
culturais.
Outra situação típica de uma relação não harmônica entre a ciência e a tradição está
registrada em vídeo. Trata-se de uma liderança que passou pelo curso de capacitação do
Profito e que, durante uma palestra afirmou: “O desenvolvimento desse mercado deve ser à
luz do conhecimento científico, é muito importante respeitar a tradicionalidade... o chazinho
da vovó salvou muita gente, mas matou também...”. Mais adiante reforça a ênfase na ciência
ao afirmar: “O produto é feito com identificação botânica”.
Madalena Gomes apresenta a contradição entre o Cuidado recebido tradicionalmente
no passado presente e a proibição legal, referindo-se ao curandeirismo no código penal.
Questiona: “Antigamente não tinha médico. Minha avó fazia remédio do mato, eu faço
também. É proibido porquê”?
Valdecy Souza compra plantas e as transforma em remédios caseiros, xampus,
sabonetes. Ela relata: “A freguesa perguntou: É comprovado cientificamente? Eu respondi:
Para mim é [comprovado cientificamente] eu usei e deu certo”. Essa expressão é muito
comum nos diálogos da feira. Demonstra uma noção da ciência como se fosse um sistema
total. Como se, diante de um conjunto de remédios caseiros produzidos a partir de diversas
plantas a pergunta “é comprovado cientificamente” fosse apropriada. É um choque de
epistemologias distintas e um senso comum sobre a ciência. O sistema de conhecimento
tradicional atua na totalidade da coisa conhecível. A pesquisa científica vê a particularidade.
154
Na Secretaria de Saúde de Queimados, três dos depoimentos deixaram a certeza de
que o fenômeno dessa coexistência pertence não só a agricultores. A secretária de saúde de
Queimados apresentou um conhecimento tradicional sobre plantas medicinais recebidos
horizontalmente, ou seja, dentro da mesma geração. E, diferente de muitos médicos
demonstrou uma capacidade de escuta dos usos de seus próprios pacientes.
Na faculdade não recebi nenhum conteúdo sobre plantas medicinais. Sou
médica aqui em Queimados há mais de 20 anos. Cheguei logo que me formei. Então encontrei as pessoas falando sobre isso. Fui ouvindo e
aprendendo. Até que um dia meu filho apresentou um problema e as pessoas
me disseram que eu usasse uma determinada planta. Eu usei, pensando, não
poderá fazer mal. Agora uso fitoterápicos da Centroflora, mas as farmácias aqui não vendem esses produtos além de serem caros. Então não dá para
prescrever.
Marisa Pimentel, Diretora do Departamento de Atenção Básica - SEMUS
Queimados/RJ também demonstra vínculo com o tema plantas medicinais. “Eu sou de Nova
Iguaçu. Meu pai plantava. Há alguns anos comecei a me interessar por alimentação saudável.
Passei a plantar também". Aqui é remédio de mato para cá, remédio de mato para lá. Segundo
a diretora, os agentes comunitários de saúde tem fortes vínculos com o tema. Nunca foram
capacitados para tratar do assunto e também não tem acesso a uma fonte de dados sobre o
assunto.
Nádia Ferreira, gerente do Núcleo de Atenção à Estratégia Família da Saúde também
descreve como seu quintal é repleto de plantas medicinais. Seus pais que vivem há muitos
anos na cidade de Queimados mantém o cultivo doméstico e urbano. Nádia no dia da
entrevista estava resfriada. E disse: “Agora mesmo tomei um chazinho para a gripe”.
Assim como a secretária e os profissionais de saúde, doze depoimentos apresentaram
apenas uma ênfase no conhecimento tradicional, não apresentando qualquer problematização
com a informação científica. Algo como se outra informação sequer existisse. Não é que
houvesse conflito ou dualidade. A informação não apareceu no discurso.
Bem diferente de todos os demais foi o depoimento do agrônomo Márcio Mendonça.
"Desde cedo despertei para o meu autocuidado. Fui criado junto com minha avó. Ela usava as
155
plantas medicinais no cuidado com a família. Então mesmo antes da faculdade eu já usava.
Logo comecei a estudar Botânica. Fiz depois vários cursos com erveiros e raizeiros". Márcio
continuou dizendo que o ideal é que não houvesse essa diferenciação entre a informação
científica e o conhecimento tradicional. “São apenas formas de conhecer”, afirmou.
Proveniente dos documentos do Profito, destacamos dois trechos. Um deles tem a a
palavra do diretor de Farmanguinhos, Hayne Felipe, registrados no site de Farmanguinhos. “É
muito importante mostrar que os fitoterápicos não são apenas o chazinho da vovó. Temos uma
boa oportunidade para mostrar o potencial científico das plantas medicinais e explorar este
potencial”.
O documento do Profito que descreve as ações do último subprojeto aprovado pela
Cooperação Social da Fiocruz assim se pronunciou:
O modelo pressupõe uma matriz de decisão capaz de cruzar informações
originadas no conhecimento popular e tradicional com os estudos científicos, com as demandas epidemiológicas do SUS, com as de caráter agronômico,
bem como as informações do mercado das espécies propostas. Considera-se
também se a referida espécie ocorre no bioma em questão, no caso deste território, Mata Atlântica. Após seleção das espécies, os agricultores fazem o
processo de exsicatas para identificação e determinação botânica.
Outras práticas de comunicação, além da conversa informal, aparecem nas feiras
agroecológicas. Seu registro nesta pesquisa pretende demonstrar que, mesmo sem recursos os
agricultores tem seus micromeios de comunicação. Os meios materiais identificados nessas
práticas são: impressos em papel eventualmente plastificados, placas de madeira, cartazes,
bilhetes, cartas enviadas por correio e fotografias (Fig. 15). O uso de emails e outras
ferramentas virtuais como site, blogs, redes virtuais, entre os agricultores é quase inexistente.
O telefone celular é mais disseminado que o fixo, em desuso. O sms30
, serviço de mensagens
curtas, mais conhecido como ‘torpedo’ é pouco utilizado.
30 Do inglês short message serviçe
156
Figura 15: Micromeios de comunicação nas feiras observadas.
Fonte: Acervo pessoal.
No entanto, no que diz respeito às parcerias e apoiadores das feiras o uso de emails,
sites, blogs é muito disseminado. Escreve-se muito na internet sobre a agricultura da região
metropolitana do Rio. Captamos uma relação entre as feiras e as redes virtuais demonstrada
na figura 16. Uma das feiras onde atuam agricultores que integram o Profito apresenta o
quadro melhor ilustrado de conexão da feira com um site de relacionamentos. Uma réplica
dessa ligação apareceu também na Feira Orgânica de Campo Grande, como uma novidade
dessa época conectada.
157
Figura 16: Representação das feiras conectadas a ambientes virtuais.
Fonte: Fotos da esquerda são do acervo próprio. As demais são imagens publicadas no site de relacionamentos
Facebook.
Acompanhamos as duas páginas do site de relacionamentos facebook que levam o
nome de duas das quatro feiras observadas. A mais antiga das páginas chama-se Feira
Agroecológica da Freguesia31
. Até março de 2014 contava com 1031 seguidores. A mais
recente é a página da Feira Orgânica de Campo Grande32
com 145 adesões ou curtidas até o
momento final dessa pesquisa. Acompanhamos as duas páginas diariamente entre novembro
de 2013 e fevereiro de 2014. Durante esse período a primeira página apresentou 126
postagens e a segunda 191. Escolhemos intencionalmente três dessas postagens para
demonstrar a diferença de perfil entre uma página e outra.
A página da feira de Freguesia apresentou nesse período uma ênfase nas pessoas que
produzem os alimentos. Demonstrou eventos realizados na própria feira e reproduz conteúdo
político sobre as redes e articulações a que pertencem os feirantes. Tem 67% de postagens
originais. A página da Feira Orgânica de Campo Grande tinha apenas 24% de postagens
31https://www.facebook.com/feiraagroecologicafreguesia?fref=ts 32https://www.facebook.com/pages/Feira-Org%C3%A2nica-de-Campo-Grande-
RJ/1400430803531793?fref=ts
158
próprias. Enfatizou a qualidade do alimento orgânico. Não enfatizou as pessoas da feira,
embora elas apareçam eventualmente. Em nenhuma postagem desde a sua criação, a página
de Freguesia se refere à plantas medicinais. Na ocasião era a feira que mais comercializou
plantas medicinais das quatro observadas no caminho da pesquisa.
Encontramos também um misto de informação e comunicação em impressos
anunciando o noni. Um dos feirantes que comercializa essa fruta e sucos prontos, nos cedeu
essa cópia. Fizemos então o clássico teste do google. Colocamos na ferramenta de busca um
fragmento de texto extenso o suficiente para identificar o impresso. Quase não foi surpresa ao
deparar que o conteúdo do folheto distribuído é integralmente retirado de um blog, chamado
Ultramedicinal33
.
4.3.2 Imagens do SUS entre feirantes e consumidores
Do processo de observação participante junto aos consumidores ficou um
aprendizado muito importante. Nada, porém causou uma impressão tão forte como a fala de
um consumidor que prefere não se identificar, registrada no diário de campo. Vamos chama-
lo de Jonas Moura. Formado em administração, servidor público, pode ser considerado de
classe média alta. Tem três empregos, renda acima da média, carro, plano de saúde,
escolaridade superior. Encontramos esse senhor quase todos os sábados que estávamos na
Feira Orgânica de Campo Grande. Ele tinha acabado de comprar folhas de babosa (Aloe vera)
do agricultor Arnaldo Avelino da Costa, integrante do Profito desde seu início.
Depois que o consumidor me descreveu o seu uso de plantas, como se sentia em
relação ao uso diário do suco verde, como se sentia muito mais saudável, eu ousei perguntar
sobre sua relação com a medicina ocidental. Jonas me olhou e calmamente disse: “Olha, eu
tenho uma imagem. Isso é um negócio”. Passou então a descrever como via a biomedicina.
33http://ultramedicinal.blogspot.com.br/
159
Como principalmente isso custa caro para sua família e como se sentia aprisionado num
sistema de consumo de substâncias químicas.
Nosso interlocutor mal conheceu o pai que faleceu quando ainda era bem pequeno. A
perspectiva do aprendizado intergeracional que costuma caracterizar o uso tradicional é
portanto bem diminuta no caso. Perguntei em seguida por que ele comprava plantas
medicinais na feira. Sua resposta foi a relação de confiança construída com esses agricultores
há mais de seis anos e os resultados em seu bem estar. Notamos aqui outro tipo de confiança
construída na interlocução com o conhecimento tradicional. É diferente da confiança derivada
da informação científica inserida num rótulo oficial ou em uma exsicata, por exemplo.
No início da entrevista já tinha registrado a observação do entrevistado sobre o papel
do que denominamos dádiva naquele pequeno mercado local. Ele colocou o mundo médico
ocidental que qualificou de negócio em oposição com o modo de vida dos agricultores e a
relação de Cuidado estabelecida ali. Segundo ele na feira é “um ajudando o outro”. Outro
fator de confiança demonstrado por Jonas é o resultado obtido em seu bem estar.
Em relação ao vínculo com a medicina e com o SUS, a situação descrita por Jonas
Moura, é diferente do caso a seguir. Conheci Maria Auxiliadora na Feira da Roça de
Queimados. Com 76 anos, Maria é agricultora, nordestina, erradicada em Queimados há 46
anos. Em seu ponto de venda na feira vende frutas e legumes não convencionais por
excelência. Em uma de minhas vivências observei um ramo de folhas de guandu separado em
um canto da barraca. Presumi que era para fins medicinais e perguntei. Maria me deu uma
aula sobre a folha de guandu e seu uso para dores. Essa era a encomenda de uma consumidora
que mais tarde chegou para pegar as folhas de guandu. Contou as queixas da mãe que passava
por período de fragilidade na saúde e para o qual os médicos não conseguiam dar respostas.
Percebi o vínculo que Maria apresentava com o conhecimento tradicional de plantas.
Fomos então nos aproximando e criando uma relação afetiva. Fiquei sabendo que perto de seu
sítio e residência havia a sede da ESF Santo Expedito. Propus então um trajeto ecológico no
sítio e comunidade do Chapadão, lugarejo do bairro de Santo Expedito no município de
Queimados.
160
Saímos de ônibus do centro de Queimados em direção ao bairro de Santo Expedito.
Pela primeira vez eu estava visualizando a periferia da periferia metropolitana. Se Queimados
já é tido como um município periférico, o bairro visitado já estava situado próximo à fronteira
com Nova Iguaçu, outro município da região metropolitana do Rio de Janeiro. De todos os
lugares que conheci em Queimados esse foi aquele com maiores características rurais. A falta
de calçamento, a poeira, o tamanho dos sítios, as distâncias, a predominância do transporte de
bicicletas e carroças anunciavam essa ruralidade identificável, mas não legalmente assumida
pelo município como descrevemos acima.
Providencialmente descemos em frente à ESF de Santo Expedito. Maria me
convidou a conhecer a unidade de saúde. Um pouco reticente aceitei. Ela chegou e convidou
Amanda Soares, nome fictício para sua agente comunitária de saúde (ACS). Em poucos
minutos a ACS chegou me dando a oportunidade de também criar minha própria imagem
mental sobre o vínculo desejado com a saúde pública. Não, não tirei uma fotografia. Não seria
adequado. O abraço e a prosa entre Amanda e Maria Auxiliadora deixaram em mim uma
clara imagem do que seja o vínculo.
Mais tarde Maria contou sobre o diretor da unidade e sobre o suporte que ele
rotineiramente dá a ela e seus vizinhos. Apesar de morar sozinha e ter uma idade que já
inspira cuidados, sinto que Maria está segura por ter essa rede comunitária de cuidado.
Entre os quatro municípios visitados, nessa pesquisa, são os agricultores de
Queimados que tem a cobertura da ESF mais regular. Os agricultores de Marapicu estão na
área adstrita de uma ESF mas reclamam a temporalidade da presença do médico. Os
moradores desse bairro de Nova Iguaçu descreveram a intermitência da presença dos médicos
e agentes comunitários de saúde na comunidade.
Também de Nova Iguaçu, a entrevistada Alzeni Fausto afirma que a prioridade é o
uso das plantas para o autocuidado. Tem plano de saúde e quase não utiliza. “Lá em casa
quase não vamos a médico. Tenho uma netinha e cuido com poejo, cidreira, guaco”. A
experiência agroecológica da Univerde, cooperativa agrícola dirigida por Alzeni, é cercada de
três unidades da ESF. Nenhuma delas dá cobertura no assentamento agrícola. Segundo a
agricultora, há planos de expandir a ESF até o seu local de moradia. Quanto a segunda parte
161
da demanda da carta política do II EMA, adequação às práticas tradicionais, Alzeni afirma
que acha isso muito difícil. Diz que Nova Iguaçu tem uma resistência muito grande à
fitoterapia.
A região de Magé, onde mora nossa entrevistada Juliana Medeiros Diniz também é
servida por agentes de saúde mas não apresentam atendimento regular. Juju, como é chamada,
não recorda sequer o nome de sua agente de saúde.
O entorno do Maciço da Pedra Branca já foi qualificado por uma diretora do CMS
Cecília Donnangello como um vazio sanitário34
. No trato diário com agricultores locais
identificamos certa animosidade com o SUS. Alguns tem se orgulhado de permanecer por
mais de 30 anos sem ir ao médico (Fernandez, 2010). Outra agricultora com a renda bastante
baixa fez um plano de saúde em uma Clínica de bairro por sentir que não seria atendida pela
unidade de saúde pública mais próxima. Jacira paga então R$ 50,00 para uma clínica popular
do entorno do Maciço da Pedra Branca.
Recordamos que há uma dupla demanda registrada pelo III Encontro Metropolitano
de Agroecologia para as comunidades da agricultura familiar: "Implementação da Estratégia
Saúde da Família nas áreas rurais, de uma forma articulada com conhecimentos e práticas
alternativas locais, como a produção e o uso das plantas medicinais" (AARJ, 2012). Essa
demanda é encontrada em algum lugar. Observar esse fenômeno do vínculo com o SUS pode
levar os demais agricultores a se contagiar com a possibilidade de avançar na relação
beneficiando suas comunidades. Outras alternativas de interlocução dos agricultores com o
SUS aparentemente não deram frutos.
Queimados então se torna um caso oportuno. Revendo os dados do Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal descrito acima (páginas15-18), vejam o percentual de
vulneráveis à pobreza 33,68%, a mortalidade infantil igual à média nacional que é
extremamente alta. E a percentagem de mães chefes de família sem fundamental completo e
com filhos menores de 15 anos muito superior à média nacional, ou seja 25,77% contra
17,23% do Brasil.
34 Arquivo pessoal (Diário de campo e gestão)
162
Para os entrevistados, a vigilância sanitária local não traz os sentidos da integralidade
em saúde. Alzeni diz que a Vigilância Sanitária local fez uma palestra com os feirantes e que
nunca incomodou. Renato, presidente da AFERNI relata que nunca foram incomodados mas
que “eles estão doidos para tirarem a gente daqui”... Jorge da Costa Pinto: acha complicado
"mexer com esse assunto". Pode atrapalhar os feirantes.
Como vemos os sentidos da saúde no território nem sempre são aqueles informados
pelos manuais e programas oficiais. Do reduzido acesso à serviços de saúde pública surge
uma demanda por acolhimento das práticas tradicionais em meio à construção de novidades
do campo agroecológico.
4.4 REDES TRAÇADAS PELA PARTICIPAÇÃO-PODER
Seguindo no rumo das práticas nos territórios, durante a primeira reunião
participativa ocorrida em 9 de dezembro de 2013, os integrantes do Profito apontaram as
organizações que, segundo sua percepção teria uma aproximação com seus interesses, e
prioridades. A quantidade de citações à mesma organização foi considerada como indicador
de proximidade. Assim, compreendemos que as três organizações que pontuam essas redes
são a Fiocruz, a ASPTA e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
A tabela (Tab. 8) abaixo foi elaborada durante esse encontro, quando, também,
alguém cobrou que se listassem os institutos da Fiocruz aliados a essa perspectiva da
reciprocidade. O pedido se tornou um consenso. Embora ninguém tenha dito isso da UFRRJ,
podemos compreender, pelo tamanho da universidade, que o caminho de mapear essas redes
intra institucionais é válido para uma e para outra.
Permeando essas organizações estão as Redes-organizações que variam do quase
grupo, como a Rede Carioca de Agricultura Urbana até as Articulações de Agroecologia,
tanto metropolitana, quanto estadual e a ANA, Articulação Nacional de Agroecologia. Essas
são as ligas, os vínculos que ligam as pessoas. A menor quantidade de citações obtidas por
essas Redes-organizações ocorreu por conta do poder acumulado pelas organizações
163
institucionalizadas. Essas movimentam orçamentos consideráveis, utilizando recursos de
comunicação social. As redes e articulações populares não têm essa ação, eventualmente
passando despercebidas no território. No entanto, o fato de conseguirem fazer sentido para o
coletivo participante dessa pesquisa já demonstra o seu lugar de interlocução.
As organizações menos citadas na tabela 8 correspondem a dois grupos. Um primeiro
de organizações que não são reconhecidas como tal no território por corresponderem
eventualmente ao trabalho uma pessoa dedicada que não reivindica o nome de sua instituição
na comunicação local. E o segundo grupo correspondendo ao que Raffestin chamou de rede
suportada. Aquela que está diametralmente oposta ao grupo e à rede desejada, mas que é
indispensável para a obtenção dos objetivos e nesse caso à consolidação do território de
reciprocidade associado à biodiversidade.
Tabela 7: Lista de organizações que compõe a rede sociotécnica do território de reciprocidade na região
metropolitana do Rio de Janeiro.
Instituição ou organização Relevância Observações
Fiocruz
9
Foi apresentada a necessidade de se esclarecer os
institutos.
UFRRJ + PROEXT/ UFRRJ 8 (3 + 5) As pessoas inicialmente falaram apenas Universidade
Rural e só em seguida começaram a falar do Programa
de Extensão liderado por Annelise Fernandez.
ASPTA 8
Rede Carioca de Agricultura
Urbana
5
Rede Ecológica 5
Articulação de Agroecologia
do Rio de Janeiro
4
INEA 4 Houve um questionamento sussurrado: O INEA é
parceiro?
Governo Estadual 2
Governo Federal 2
164
Instituição ou organização Relevância Observações
Rede Fitovida 2
Cooperativa Cedro 1
ABIO
Agroprata Pela primeira vez alguém distingue o Profito das associações. Parece correto pois cada vez é mais
evidente que há pessoas nas associações que não tem
vínculo com o projeto.
Agrovargem Pela primeira vez alguém distingue o Profito das
associações. Parece correto pois cada vez é mais
evidente que há pessoas nas associações que não tem
vínculo com o projeto.
Alcri Pela primeira vez alguém distingue o Profito das
associações. Parece correto pois cada vez é mais
evidente que há pessoas nas associações que não tem
vínculo com o projeto.
Associações de Agricultores da Região Metropolitana
Ficou faltando descrevê-las.
Capina
Ciep 165 Brigadeiro Sérgio de
Carvalho
Colégio Estadual Prof Teófilo
M. da Costa
Consea-Rio
Conselho Consultivo do PEPB
Instituto Maniva
IPHAN
Oficina do Cuidado – Núcleo
de Promoção da Saúde
Posto de Saúde (CMS Cecília
Donnangelo)
Prefeito
Rede Ecosol Zona Oeste
Secretaria Municipal de
Desenvolvimento e Economia
Solidária (SEDES)
165
Instituição ou organização Relevância Observações
UFRJ
Vigilância Sanitária
Fonte: Descrição realizada durante a primeira reunião da pesquisa em 9/12/2013.
A partir da tabela acima, por iniciativa própria35
desenhamos um diagrama de rede
em três níveis. O primeiro corresponde ao que Raffestin (1993) chama de rede desejada (Fig.
17). Trata-se da metáfora para aqueles relacionamentos onde o sistema sêmico está mais bem
delineado, mais negociado. É a rede que tende para o grupo por sua homogeneização de
valores, signos, práticas. Naturalmente, em nossa observação isso não quer dizer ausência de
conflitos. Quer dizer que há uma identificação das potenciais interlocuções e maior incidência
de mediação entre os atores.
A figura abaixo corresponde, na interpretação pessoal desta autora, às proximidades
entre pessoas em instituições. Organizamos as três representações das redes com cores
significativas de um certo lugar de interlocução. As organizações públicas municipais foram
grafadas na cor azul. São elas: a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, a
Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil e o
Centro Municipal de Saúde Cecília Donnângelo. Aparece também a Secretaria Municipal de
Saúde de Queimados (Semus). As instituições federais tem apenas um círculo azul: São a
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a
Fundação Oswaldo Cruz.
As organizações da sociedade civil tem a linha externa verde. São elas: A ong
ASPTA, a Capina, a Cedro, o Pacs, a Abio. Há algumas organizações que se autodenominam
rede: A Rede Carioca de Agricultura Urbana, a Rede Ecológica, a Rede Fitovida, Rede de
Economia Solidária da Zona Oeste. Todas as associações de agricultores estão circuladas de
35 Realizamos uma oficina para analisar as proximidades e distâncias entre as organizações.
No entanto, as fotos utilizadas como registro da análise coletiva se corromperam,
impedindo sua reprodução. Assim, essa análise pessoal, precisa ser cotejada com a visão
dos demais integrantes do Profito.
166
verde mas com o seu interior também preenchido de verde. Exceção para o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), presente na Baixada Fluminense, circulado de
amarelo por ser rede desejada para apenas parte do Coletivo Profito. Não há com o MST um
relacionamento próximo para a maioria dos atores presentes na reunião que anunciou essa
rede desejada.
As demais organizações de agricultores são: Associação de Agricultores do
Chapadão, Associação Feira da Roça de Queimados, a Associação Feira da Roça de Nova
Iguaçu, a Associação de Marapicu, a Cooperativa dos Agricultores de Magé (Copagé). No
município do Rio de Janeiro estão situadas as duas organizações que fundaram o Profito:
Associação de Lavradores e Criadores de Jacarepaguá (Alcri) e Associação dos Agricultores
Orgânicos da Pedra Branca (Agroprata), bem como a organização criada a partir do projeto, a
Associação dos Agricultores Orgânicos de Vargem Grande (Agrovargem). Essas três últimas
organizações junto com a UFRRJ e a Fiocruz são as fundadoras do Profito, assinaladas com a
letra “P”.
Ao fundo, como elemento de liga dessas organizações, com limites difusos
representamos também em verde a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Os limites
não definidos demonstram a característica de movimento da AARJ, bem como o nosso
próprio desconhecimento de sua abrangência.
167
Figura 17: Diagrama de Rede Desejada
Fonte: Elaboração própria a partir das informações orais do coletivo Profito (Tab. 7) e da observação participante
A rede suportada é representa o conjunto de atores que são indispensáveis para se
atingir objetivos propostos no território (Fig. 18). Em nosso campo semântico a expressão
“suportada” denota algo pesado, difícil de ser tratado. Mas é essa a expressão originalmente
168
utilizada por Raffestin (1993). Neste trabalho utilizamos a expressão rede necessária por dar
um sentido mais pragmático à distinção feita pelo autor. No caso tratado, nossa circunscrição
são as políticas e serviços ligados à plantas medicinais. A meta originária foi o cultivo
agroecológico de plantas medicinais, o que implica em geração de renda, participação política
e sustentabilidade ambiental, financeira e social. Então as organizações listadas na figura têm
alguma competência ligada a essa meta originária do Profito.
A rede necessária ao cultivo agroecológica de plantas medicinais está descrita com
os seguintes organizações: A Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, a Anvisa, o
Ministério da Saúde, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério de
Desenvolvimento Social (MDS), o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), o Instituto
Nacional de Patrimônio Histórico (IPHAN), a Visa-Rio, a SMSDC-RJ, o CMSCD, o Instituto
Estadual do Ambiente, o Conselho Consultivo do Parque Estadual da Pedra Branca, o Ciep
165 Brigadeiro Sérgio de Carvalho, o Colégio Estadual Professor Teófilo Moreira da Costa, a
Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro.
Essas instituições estaduais foram representadas com a cor castanha, assim como os
quatro grupos de pesquisa estão com a cor amarela. Acrescentamos esses grupos como
intenção futura para relacionamento. A proximidade deles está posta por dispositivos de
informação. Ou seja, o que esses grupos informaram produz uma ligadura, uma conexão. São
eles: GP Cidade, Aldeia e Patrimônio (Universidade Federal do Pará), o GP Medicina
Veterinária Preventiva/Saúde Pública (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o GP
Etnoikos: Pesquisas em Etnociências (Universidade Federal de Viçosa), o GP Recursos
genéticos e conhecimento tradicional associado (Universidade Federal de Roraima).
Registrar essas instituições e organizações não significa que elas estejam totalmente
voltadas às metas originárias do Profito. Pelo contrário, a concepção de redes multiníveis
precisa ser aplicada ao ambiente intrainstitucional. Na reunião que delineou essa rede
registramos um pedido: temos que entender dentro da Fiocruz quem está do nosso lado. Logo
se tornou consenso que os integrantes do Profito compreendem a necessidade de mapear essa
rede interna da Fiocruz. E, por extensão, as demais instituições podem ter o mesmo
mapeamento.
169
Figura 18: Diagrama da rede necessária e sua relação com a rede desejada
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa
Outra limitação da rede narrada pelos integrantes do Profito é a ausência dos objetos
como portadores de informação e comunicação e portanto formadores de redes sociotécnicas.
As redes não se limitam a essa análise parcial e localizada. O nosso antropólogo dos
laboratórios, diz que as redes não são necessariamente universais. “A network can thus be
"quite general" without ever having to pass through a "universal." However rarefied and
convoluted a network may be, it nevertheless remains local and circumscribed, thin and
fragile, interspersed by space36
.” (LATOUR, 1993, p. 171)
36 Assim a rede pode ser bastante geral, sem ter que passar por um universal. Contudo,
uma rede pode ser rarefeita e complicada, no entanto, permanece local e circunscrita, fina
e frágil, intercalada por espaço.
170
Essa impossibilidade temporal não nos impede de refletir que a presença de
aparelhos, de eletrônicos, instrumentos de pontas, mas também jacás e embornais produzem o
território-rede tanto quanto as pessoas. Instituições e organizações também são portadoras
como ninguém de elementos quase-humanos, leis, regras, sistemas sêmicos, regimes
sociotécnicos. Mais uma vez nos ancoramos no pensamento latouriano para afirmar que o
leitor não precisa decidir se estamos falando de pessoas ou de circuitos impressos, ou de
hábitos, ou de discurso (LATOUR, 1993).
Nesse sentido, o terceiro nível identificado representa a rede sociotécnica sobre a
humana (Fig. 19). Aqui buscamos o “fio de Ariadne” que faz o vínculo entre esses elementos.
É assim que Latour se refere às redes sociotécnicas. Para o autor “a questão é sempre a de
reatar o nó górdio, atravessando tantas vezes quantas forem necessárias, o corte que separa os
conhecimentos exatos e o exercício do poder, digamos a natureza e a cultura” (LATOUR,
1994, p.9).
Utilizar a semiótica do espiral tem o poder dos sentidos que apareceram para essa
pesquisadoras em tempo-espaço diverso. Primeiro a indicação participativa de uma oficina
chamada campanha de criação coletiva realizada em 2008. Os elementos sêmicos mais
repetidos pelos integrantes do projeto apresentaram o espiral, mais tarde apropriados por uma
designer. O espiral tornou-se então o principal elemento de identidade visual do Profito (Fig.
19). Em segundo lugar a aproximação com o Modelo do Mercado Simbólico criado por
Inesita Soares de Araújo (2002) trouxe o espiral como elemento de discussão das relações de
poder que perpassam as relações de comunicação.
171
Figura 19: A imagem do espiral como origem da atual logomarca do Projeto Profito
Fonte: Baptista, 2010
E, por fim, encontramos em Fátima Branquinho a representação gráfica de uma rede
sociotécnica de plantas medicinais (BRANQUINHO, 2007). Por essa incidência de sentidos
nos apropriamos aqui da figura da pesquisadora para registrar que “o fio de Ariadne”,
percorre caminhos constantes por sobre as redes de pessoas e organizações (Fig. 20). Não há
espaço entre as redes multiníveis. Há momentos diferentes de percepção e análise. Para
Branquinho, o seu espiral representa “os quase-objetos que compõe a rede sociotécnica das
ervas” (BRANQUINHO, 2007, p. 131).
Nessa livre apropriação utilizamos um lugar central – o conhecimento tradicional
sobre plantas medicinais. Mais próximas desse lugar central as medicinas tradicionais e o
princípio de integralidade do SUS. Num segundo escalão buscamos uma representação de
simetria entre formas de culto e o regime de informação, assim como o conceito de risco
segundo a epidemiologia social e a fé. Tanto o conceito de risco como a fé aparecem com
uma vasta diversidade nas interlocuções populares.
172
Figura 20: Diagrama de rede sociotécnica integrada à rede de pessoas e instituições
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa e da livre adaptação da rede sociotécnica concebida
por Fátima Branquinho (2007)
As feiras aparecem em nosso diagrama com um lugar de destaque nesse “fio de
Ariadne. Não estão em lugar central, mas em lugar de grande legitimidade para essa ampla
negociação de sentidos do uso seguro, sustentável e solidário de plantas medicinais. As feiras
são crivadas de objetos, de humanos, de valores, de informação, de comunicação formal e
informal, de oralidade. Constituem o ambiente mais complexo de nossa observação
participante. Embora tenhamos visitado apenas quatro feiras institucionalidades, a experiência
mostra que esses mercados são constituídos pelas redes. Hoje estão aqui e amanhã estarão
acolá. Esses mercados são construídos socialmente pelas redes, embora não expliquem sua
aparição (LATOUR, 1993).
Numa relação diametralmente oposta às feiras, registramos a presença dos
laboratórios. Nada se fez ou se fará sem eles. Através do desafio posto pelo Programa Brasil
sem Miséria (BRASIL, 2011) e denominado inclusão produtiva, os laboratórios terão o papel
de regular o que se tornará produto nos mercados em ascensão, em especial nas feiras
agroecológicas. Assim, entre as novidades construídas horizontalmente por agricultoras e
173
agricultores e as inovações regidas por um mercado impessoal, muitas redes sociotécnicas
poderão ser delineadas.
Nossa observação participantes nas feiras permite afirmar que o conhecimento
tradicional é preponderante na comunicação informal. Para Latour a comunicação informal é
preponderante nos laboratórios. O que distingue os dois ambientes é que, nos laboratórios, há
um alusão constante à comunicação formal. Ou seja, nos laboratórios, o tempo todo estará se
fazendo alusão à informação. E, segundo ele, essa informação é cara (LATOUR, 1997).
Analisar a natureza, o fluxos e fontes da informação é, nesse sentido, central nesta pesquisa.
4.5 A INFORMAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL EM
PLANTAS MEDICINAIS
Esse procedimento metodológico foi inspirado na leitura da obra da pesquisadora
Tania Fernandes (2007) que fez uma análise dos grupos de pesquisa com foco em plantas
medicinais comparando – os ao total dos GPs do Brasil. Mais recentemente verificamos que
Jislaine Guilhermino (2011) em sua tese de doutorado também olhou para o DGP/CNPq ao
analisar o sistema de inovação em fitoterápicos. A plataforma tem ferramentas que
possibilitam a compreensão de outras características dos produtores de informação científica.
Primeiro o interesse específico da pesquisa presente diz respeito a coexistência com o
conhecimento tradicional. Então só buscamos grupos que atuavam sob o signo das plantas
medicinais e do conhecimento tradicional associado à elas. Inúmeros grupos de pesquisa com
atuação impecável em sua área de estudos ficaram de fora apenas porque nosso recorte é a
coexistência entre informação científica e conhecimento tradicional. Para verificar a
pertinência da análise buscamos verificar até que ponto haveria essa convivência no próprio
contexto de produção da informação científica. Ou seja, verificar o que diz a informação
científica sobre o conhecimento tradicional.
O diretório de grupos de pesquisas é uma plataforma do CNPq destinada a sintetizar
informações e a comunicar o perfil do trabalho dos pesquisadores do Brasil, suas instituições,
áreas de interesse e projetos. Cada grupo é formado por uma ou mais linhas de pesquisa, que
174
por sua vez agregam um ou mais pesquisadores. A plataforma permite a recuperação da
informação através do nome dos grupos, das palavras chave e dos títulos das linhas de
pesquisa que compõe cada um. Até março de 2014, a plataforma37
não permitia resgatar dados
inseridos nos campos onde se inscrevem seus objetivos, repercussões ou setor de aplicações.
Através da busca da palavra chave plantas medicinais foram recuperados 579 registros de
grupos de pesquisa. Quando tentamos filtrar para o tema específico “conhecimento
tradicional” apenas doze grupos foram identificados. Dessa forma passamos a analisar os
diferentes campos em cada uma das linhas de pesquisa desses grupos em busca do perfil
desejado.
O primeiro achado foi a percepção das grandes áreas do conhecimento predominante
nos grupos que trabalham com plantas medicinais (Tabela 6). Verificou-se a predominância
das ciências biológicas. Em segundo lugar vêm as ciências da saúde seguidas de perto pelas
ciências agrárias. A atividade de pesquisa estruturada a partir da grande área das ciências
humanas e sociais aplicadas é extremamente reduzida nesse setor. Do total dos grupos de
pesquisa apenas 1,2% tem como área do conhecimento predominante as ciências humanas.
Apenas dois grupos de pesquisas olham para plantas medicinais e seu universo temático a
partir dos parâmetros e métodos das ciências sociais aplicadas. Um desses dois grupos
pertence ao ICICT, lugar de onde falamos. Trata-se do grupo liderado pela Dra Maria Cristina
Guimarães, do Laboratório de Informação em Saúde. Uma das linhas de pesquisa é
denominada Informação em biodiversidade e saúde, mantendo plantas medicinais como uma
de suas palavras-chave.
37 O Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil recebeu recentemente uma melhoria em
seus mecanismos de busca. Sua configuração atual está diferente do período da realização
desta pesquisa.
175
Tabela 8: Distribuição dos grupos de pesquisa por grande área do conhecimento.
Grande área predominante no grupo de pesquisa Quantidade
Ciências biológicas 228
Ciências da saúde 150
Ciências agrárias 121
Ciências exatas e da terra 66
Ciências humanas 7
Engenharias 5
Ciências sociais aplicadas 2
Linguísticas, letras e artes 0
Total 579
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no DGP/CNPq
Registramos uma abundância de expressões e formas de se referir ao conhecimento
tradicional. Voltaremos mais adiante ao tema, porém, no que diz respeito aos grupos de
pesquisa verificamos uma noção disseminada através de marcadores como: conhecimento
popular, saber popular, conhecimento ecológico, herança popular, tradições orais,
conhecimento cotidiano de populações tradicionais e conhecimento botânico tradicional.
Verificou-se a predominância das etnociências como termos descritivos dos grupos e
principalmente nomeando linhas de pesquisa. A predominância da etnobotânica pode ser
observada na nuvem de tag38
(Fig. 20) construída a partir do conjunto de palavras chaves dos
grupos mais focados em conhecimento tradicional. Essa discussão interessa ao campo da
ciência da informação pois é um dos modos pelos quais se torna possível a recuperação da
informação. Ou seja, a palavra que descreve é a mesma que permite ao usuário identificar o
que busca, agregando conteúdo e formando redes.
A partir das palavras-chave abaixo fica evidente que diferentes metodologias transitam
no campo da etnobotânica embora não se identifiquem ou se nomeiem como tal. A
etnobotânica é uma junção de métodos etnográficos em relação interdisciplinar com a
botânica. É, segundo o vocabulário controlado Descritores em Saúde – DECS39
, o “estudo do
38 A nuvem de tags é uma análise estatística da frequência de repetição das palavras,
transformando a contagem na dimensão das palavras na figura. O tamanho da palavra
expressa a sua repetição. Ferramenta disponível em http://www.wordle.net/create 39 Disponível em http://decs.bvs.br/.
176
conhecimento das plantas e dos costumes agrícolas de um povo. Nos campos da etnomedicina
e etnofarmacologia, a ênfase está na medicina tradicional, na existência e usos medicinais das
plantas, extratos vegetais e seus constituintes, tanto anteriormente como nos tempos
modernos”. Então, por excelência, a etnobotânica e, por extensão, as etnociências estão
representando o conhecimento tradicional. Na perspectiva da árvore do conhecimento estão
vinculadas à botânica (Fig. 22).
A etnografia, por sua vez, é uma disciplina da antropologia cultural, consiste no
“estudo do fenômeno cultural que caracteriza as atividades sociais aprendidas, compartilhadas
e transmitidas de um grupo étnico em particular com foco nas causas, consequência e
complexidades da variabilidade humana social e cultural” (DECs). Seria de se esperar uma
vinculação metodológica entre as duas disciplinas. Isso, porém só aparece nos grupos com
alguma raridade.
Figura 21: Palavras chaves predominantes em 47 grupos de pesquisa selecionados. Fonte: DGP/CNPq
Fonte: Elaboração própria a partir da reunião das palavras chave dos 47 grupos de pesquisa selecionados e
submetendo à ferramenta de produção da nuvem de tags do Wordle.Net.
Adicionando as palavras conhecimento tradicional como um tema específico de nossos
interesses, como refinamento da busca junto aos grupos inicialmente identificados, foram
filtrados apenas 12 grupos; Buscando plantas medicinais + conhecimento local, retornaram
outros 12 grupos e por fim com a adição de saber popular, recuperamos a informação de
177
quatro grupos de pesquisa. Isso ocorreu porque, como descrito acima, apenas determinados
campos são objeto de busca na plataforma DGP/CNPq.
Consultamos então cada um dos 577 grupos de pesquisa para uma análise mais
acurada do papel do conhecimento tradicional e termos similares enquanto objeto de pesquisa.
Verificamos então que 47 dos grupos (Fig. 21) não só tratavam do tema como tinham alguma
relação de reciprocidade com os povos e comunidades tradicionais detentores desses
conhecimentos. Proporcionalmente as áreas com menor presença do conhecimento tradicional
enquanto objeto de pesquisa, foram as ciências da saúde e as ciências exatas e da terra,
respectivamente com 4,7 % e 4,54%. Enquanto as áreas biológicas e agrárias correspondem a
9,28% e 8, 24% de grupos com atuações específicas no tema plantas medicinais. Confirmando
os pressupostos iniciais, as humanas e sociais aplicadas correspondem a uma proporção maior
de inclusão do tema como objeto de pesquisa, uma vez que a relação sujeito-objeto nas
ciências humanas tem centralidade histórica na pessoa, seus modos de vida, suas relações e
sociedade em que está inserida. São poucos grupos que tratam de plantas medicinais, mas os
que o fazem dão lugar privilegiado ao conhecimento tradicional.
Figura 22: Gráfico comparativo entre o total dos grupos de pesquisa sobre plantas medicinais distribuídos por
área do conhecimento. À direita a relação entre os grupos de pesquisa de cada área do conhecimento que citam o
conhecimento tradicional.
Fonte: Elaboração própria a partir do DGP/CNPq
Como já descrito, a Convenção da Biodiversidade assinada pelo Brasil e outros
países durante a Rio 92 foi o marco histórico que obrigou a considerar o direito desses povos
Ciências agrárias;
121
Ciências biológicas;
228
Ciências da saúde; 150
Ciências exatas e da terra;
66
Ciências humanas;
7
Ciências sociais
aplicadas; 2
Engenharias; 5
Linguísticas, letras e artes; 0
Ciências agrárias; 10
Ciências biológicas;
21 Ciências da
saúde; 7
Ciências exatas e da
terra; 3
Ciências humanas; 4
Ciências sociais
aplicadas; 2
Enngenharia
s; 0 Linguísticas
, letras e artes; 0
178
e comunidades tradicionais no ambiente da pesquisa. Foi esse o momento histórico do
reconhecimento e acolhimento ao conhecimento tradicional. Que passa de fonte a ator central
no acesso aos recursos genéticos da biodiversidade. Então seria justificável o surgimento de
diversos grupos voltados ao conhecimento tradicional ou a inclusão dessa palavra chave em
grupos pré-existentes. De certa forma a pesquisa demonstra isso.
Verificamos que apenas um dos quarenta e sete grupos selecionados é anterior à
assinatura da CDB. Trata-se do grupo Farmácia da Terra (FARTERRA), da Universidade
Federal da Bahia, criado em 1988, portanto quatro anos antes do Brasil ratificar a CDV.
Atualmente é liderado pela Dra Mara Zélia de Almeida, pesquisadora da área de Farmácia.
Outros dois foram criados em 1993 tendo, portanto mais de 20 anos de atuação: Um deles é
denominado “Medicina veterinária preventiva e saúde pública”, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). O segundo é da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
e tem o nome de “Plantas Medicinais”. Outros 14 grupos tem mais de 10 de existência. Dez
deles tem entre 5 e 10 anos de operação e dezoito deles existem há menos de cinco anos.
Registramos que entre o início dessa pesquisa e o momento final de análise e síntese, quatro
novos grupos de pesquisa surgiram ou adicionaram plantas medicinais em suas linhas e
escopo de pesquisa. Estão, no entanto, fora de uma análise mais acurada por parte desse
trabalho, mas indicam um interesse crescente no tema das plantas medicinais.
Os grupos de pesquisa selecionados foram classificados por sua relevância para o
perfil desse trabalho. Consideramos de alta relevância os grupos que apresentavam o tema
conhecimento tradicional como objeto de pesquisa, ou como palavra-chave, aparentando
reciprocidade com os povos e comunidades locais ou tradicionais. Ao mesmo tempo
sugerindo certa complexidade na análise, evidenciada pela multidisciplinaridade ou pela
metodologia apresentada.
Os de média relevância foram considerados aqueles que citando conhecimento
tradicional ou termos similares, apresentavam uma maior simplificação nos aportes
disciplinares e nem sempre apresentando uma atitude recíproca. Os de baixa relevância
anunciam um interesse no conhecimento tradicional ligado a plantas medicinais e, ao mesmo
tempo, não sustentam esse foco nas áreas e subáreas do conhecimento que se integram à linha
de pesquisa ou a sua metodologia não deixa antever como atingiriam esse ideal. Registramos
179
como restrição ao procedimento utilizado na busca que nem sempre ocorre um registro
acurado na plataforma. Desse modo, os resultados são do que está registrado e não
necessariamente do que acontece nas rotinas dos grupos.
Vinte e dois desses grupos foram classificados como de alta relevância. Quatro deles
podem ser tomados como focos, espelhos por sua identidade quase total com a experiência em
curso na região metropolitana do Rio de Janeiro. Desses quatro, três têm como área
predominante as ciências humanas.
Iniciamos a análise desses quatro grupos-foco falando das árvores do conhecimento
em determinadas linhas de pesquisa ou no conjunto de linhas do grupo. O primeiro integra as
ciências agrárias, com a subárea da medicina veterinária às ciências humanas, e
especificamente à antropologia. Todos os outros três já trazem a predominância das ciências
humanas. O segundo tem como configuração a sociologia e especificamente a sociologia do
conhecimento postas em interação com as subáreas das ciências biológicas, a ecologia, a
ecologia aplicada e a etnoecologia.
Outro dos quatro grupos-foco configura sua multidisciplinaridade em diferentes linhas
de pesquisa. Uma trazendo as ciências humanas na educação, especificamente no ensino-
aprendizagem e foco nas técnicas de ensino. Em outra linha as ciências biológicas, outra
contemplando as ciências da saúde e uma quarta linha de pesquisa destinada às ciências
agrárias. O estudo da árvore do conhecimento em cada no conjunto das linhas de pesquisas
dos grupos selecionados permite cotejar as possibilidades de pesquisa com os problemas
informados pela prática no contexto do Projeto Profito. Elaboramos uma figura representativa
da área de biologia (Fig. 22).
180
Figura 23: Árvore do conhecimento da área biologia em 47 grupos de pesquisa.
Fonte: Elaboração própria a partir da análise das árvores do conhecimento em 47 grupos de pesquisa.
E, finalmente, o grande destaque da busca foi um grupo de pesquisa aqui tratado
como de altíssima relevância. É um dos raros grupos que tratam de plantas medicinais e ao
mesmo tempo trazem a comunicação para sua investigação. Trata-se do grupo chamado
Cidade, Aldeia e Patrimônio, da Universidade Federal do Pará, que traz simultaneamente duas
áreas do conhecimento como predominantes: Ciências Humanas Antropologia e as
Ciências Sociais Aplicadas Comunicação. Não apenas pela presença da comunicação, mas
por outras similaridades ele pode ser considerado um espelho para a continuidade desse
trabalho. Conforme anunciam:
Ao considerar a Cidade e a Aldeia evita-se a hierarquização e usa-se da
Etnologia para produzir novas visões sobre a Amazônia, sem desprezar a tradição em favor do novo, usa-se da tradição para inventar o novo,
experiência que se constitui orientação de vida e trabalho. Estudar direitos
diferenciados, sociabilidades diversas, alianças e famílias, gênero e gerações,
cuidados com a saúde e a doença é produzir Etnologia implicada com os destinos da região, pois as interfaces são cuidadosamente esculpidas a partir
181
da pesquisa, permitindo trabalhar no campo da Educação Patrimonial e em
Saúde. (Grupo de Pesquisa Cidade e Aldeia)
Da busca junto aos demais grupos selecionados surgiram cinco categorias de análise: a
reciprocidade, a presença da informação ou comunicação, a territorialidade e, por fim, a
multi interdisciplinaridade. Explicamos essas categorias nos próximos parágrafos.
Alguns pesquisadores se dedicam a simples coleta de dados e informações derivadas
do conhecimento tradicional associado à biodiversidade. Buscam tão somente o acesso ao
conhecimento tradicional associado à biodiversidade estando sujeitos ou não ao CGEN. Não é
essa a discussão desse trabalho. Outros pesquisadores, ao invés disso, buscam beneficiar o
próprio detentor desses conhecimentos em uma dimensão comunitária ou territorial. Dessa
distinção nasceu a categoria aqui descrita como reciprocidade para identificar o perfil dos
grupos de pesquisa. Consideramos nessa categoria aqueles grupos com uma declarada
disposição socioambientalista, aqueles que tratam da saúde e Cuidado com os povos e
comunidades estudadas, que buscam a inserção econômica dos produtos desses povos ou que
defendem o “modo de vida como balizadores do desenvolvimento regional”. A preocupação
recorrente com o resgate, a preservação da tradição alia-se a uma busca da articulação entre os
saberes científicos e as tradições orais.
Quanto ao tema saúde é altamente considerado mesmo entre os grupos que não tem o
conhecimento tradicional como objeto de estudos em suas linhas de pesquisa. Há uma
recorrência no interesse de utilizar plantas medicinais na promoção da saúde. Alguns
naturalmente têm uma noção difusionista, no sentido de difundir conhecimento, boas práticas
ou defender a tríade qualidade, eficácia, segurança. Outros anunciam que existe um
empirismo que pretendem evitar com as práticas científicas. Esse conceito não se coaduna
com a visão da construção social do conhecimento. Ainda assim é de muita relevância o papel
da saúde e do SUS nesses grupos. Um deles chega a essa inter-relação ao sugerir que
“vislumbramos estratégias de cunho metodológico que resgate o saber e práticas tradicionais
de utilização de plantas medicinais, articulada ao percurso terapêutico descrito pelas
182
populações de formas de adoecimento e cura”40
( Grupo de Pesquisa em Medicamentos, Saúde
e Sociedade).
A segunda categoria aplicada aos grupos está na presença da informação ou da
comunicação como premissa, ou objetivo. Embora muito invisibilizadas as áreas da
informação e da comunicação aparecem aqui e ali. Surge uma preocupação com o repasse de
informação e com “recuperar informações em comunidades (negras, indias, coloniais e
mestiças) e divulgar por meio de eventos, cartilhas, oficinas e cursos”41
. Associa-se o
desenvolvimento de projetos de inclusão social ao acesso à informação além do cultivo e uso
racional das espécies medicinais do cerrado42
.
Um dos grupos mais reconhecidos nacional e internacionalmente, denominado
Química dos produtos naturais43
, propõe-se à trabalhar com “análise de informações de campo
em comparação com dados científicos e tecnológicos, visando apoiar o desenvolvimento de
projetos multidisciplinares”. Em suas palavras-chaves enfatiza: informações científicas sobre
usos tradicionais; informações de campo sobre usos tradicionais; informações tecnológicas
sobre usos tradicionais.
Essa categoria aparece mais focada no GP Estudos de informação e avaliação em
ciência e tecnologia e saúde (ICICT/FIOCRUZ), na linha Informação em Biodiversidade e
Saúde. Esse grupo não trata especificamente da expressão conhecimento tradicional. Enfatiza,
no entanto "Estudar os fatores, políticos, técnicos e científicos que determinam a formulação
da agenda de pesquisa em saúde no Brasil, propondo modelos de intervenção que possibilitem
uma convergência da agenda de pesquisa com as necessidades de saúde da população".
Comunicação, por outro lado, é ainda menos considerada nos grupos de pesquisa,
mesmo os selecionados. O GP Cidade, Aldeia e Patrimônio, já citado, é um dos poucos que
abraça a comunicação ao tratar do assunto. Entre aqueles que não trabalham com o tema
“conhecimento tradicional” e, portanto não selecionados precisamos anunciar o trabalho de
alguns grupos como o Grupo de Estudos e Pesquisas de Plantas Aromáticas, Medicinais e
40 Grupo de Pesquisa em Medicamentos, Saúde e Sociedade
41 Plantas Medicinais e Homeopatia
42 GP Conservação do Cerrado
43 Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR)
183
Tóxicas (Geplamt) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(Cebrid).
O primeiro trata da popularização da ciência, articula informação e comunicação e qualifica o
material de divulgação destinada à sociedade anunciando textos bem simples. O Cebrid possui
também uma linha de pesquisa especificamente voltada para a divulgação de informações
para a população em geral, através de livretos informativos, boletins periódicos, banco de
publicações sobre drogas de autores nacionais, atendimentos individualizados (cartas, e-mails,
telefonemas, etc.) além de entrevistas, palestras e cursos.
A penúltima categoria é território. Para o campo de experimentação que recebeu o
nome de Profito, território tem sido empiricamente trabalhado como a única possibilidade de
lida com a unidade, frase emblemática de Milton Santos e outra autoras (1994) que tem
orientado nossos esforços. Alguns grupos são específicos na citação, como por exemplo, o
Núcleo de estudos em comunidades e povos tradicionais e ações socioambientais (NECTAS)
que “estuda territórios contemplando a condição de ruralidade como relação mais direta com a
natureza; quer como fonte de produção material, quer como referência cultural no
desenvolvimento humano”.
Outros apenas identificam uma região ou um recorte territorial específico. Nesse
sentido citamos o caso de um grupo que diz: “os pesquisadores que estudam o meio físico
fornecerão subsídios para o entendimento da relação entre o meio biótico e abiótico, nos
permitindo entender a dinâmica e funcionamento desse sistema, dessa unidade de estudo que
é a bacia do lago Tupé. Isso nos proporcionará a compreensão do todo”. Embora não apareça
essa expressão território, inferimos que essa unidade de estudo é um território.
A multidisciplinaridade é um tema recorrente entre muitos dos grupos de pesquisa,
mesmo entre os não selecionados aqui. Textualmente há alegação de multi, inter ou
transdisciplinaridade em 62 grupos não selecionados. Dos 47 selecionados, dezenove alegam
e demonstram que utilizam métodos ou conteúdos de diferentes disciplinas para atingir seus
objetivos de pesquisa. Parte dessa multidisciplinaridade é a integração com ciências cujos
princípios e métodos são bem parecidos. Exemplificamos com um grupo que integra a
química, a farmacologia, a toxicologia, a imunologia e a parasitologia. Essa é a
multidisciplinaridade típica. Outros grupos admitem a busca por um caminho metodológico
184
ainda mais complexo, com a possibilidade de criar resultados para a própria epistemologia.
Vejamos o que um grupo apresenta ao dizer:
Constroem-se conhecimentos interdisciplinares entre ciências naturais e
sociais, de modo que as repercussões dos trabalhos do grupo, apoiados nessa
concepção de pesquisa, são tanto de natureza teórica como metodológica: produz conteúdo teórico-reflexivo sobre diferentes temas e, na medida em
que inclui o pensamento complexo como fundamentação epistemológica e
acolhendo procedimentos técnicos do pensamento positivo, exercita a
formulação de novas metodologias (Fonte: DGP/CNPq).
Assim como a experiência local do Profito, essa complexidade disciplinar parece ser
condição para aplicação e resolução de demandas populares no que diz respeito a plantas
medicinais. O mesmo grupo descrito acima admite isso na aplicabilidade de seus resultados:
Suas repercussões são também de natureza aplicativa, gerando subsídios
para políticas públicas sobre: qualidade socioambiental, desenvolvimento
rural, relações e coexistência entre o rural e o urbano, condições periurbanas,
no território. Além de poderem subsidiar o planejamento local e regional suas repercussões são também de difusão do conhecimento através de ação
de extensão em comunidades e setores profissionais.(Fonte: DGP/CNPq).
Outro grupo admite que institucionalizar a interdisciplinaridade é uma das
repercussões desejada. Outro, de forma análoga anuncia que a formação multiprofissional
favoreceu o intercâmbio interinstitucional. A parceria dentro da universidade e com
organizações não governamentais é também um resultado da interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade praticada pelo grupo consegue integrar a
etnometodologia/etnografia, através de parcerias com a antropologia social da Universidade, às práticas de criação, prevenção e de cura em produção e
saúde, (...), mormente pelo emprego de plantas medicinais, condimentares e
aromáticas entre outros recursos que integram o saber/cultura popular no meio rural. (...) Organizações Não Governamentais também são parceiras em
atividade relacionada a alimentos no meio rural, sua sustentabilidade
ecológica, econômica, social e cultural, com qualidade sanitária, na
perspectiva da atenção primária em saúde e da agroecologia. (Fonte: DGP/CNPq).
185
Tal contexto favoreceu a observação de um pensamento de Olga Pombo (2005).
Segundo a epistemóloga portuguesa, a questão não é a distinção entre os processos multi,
inter ou transdisciplinares. Muito mais é pôr-se a caminho, colocar lado a lado as disciplinas e
estudar o que se passa entre elas, quais as condições de transferências de conteúdo, de
metodologias, enfim, o que se constrói enquanto se juntam. Para tal, além das árvores do
conhecimento demonstradas acima, nos pareceu útil observar as sub-áreas com uma mandala
(Fig. 23), já anunciada em eventos anteriores (Baptista, 2010) mas confirmada pelo exemplo
de Lena Vania Pinheiro (1995).
Figura 24: Mandala representativa da multidisciplinaridade identificada nos grupos de pesquisa sobre plantas
medicinais.
Fonte: Elaboração própria a partir de análise das subáreas e disciplinas citadas em 47 grupos de pesquisa que
citam o conhecimento tradicional.
Em nossa interpretação, a figura criada serve como síntese capaz de inicialmente
promover diagnósticos do passo a passo entre uma análise mais disciplinar em direção a uma
inter e transdisciplinaridade. Outra função é desnaturalizar a hegemonia das ciências duras no
setor. Em terceiro lugar, a mandala se presta a investigar se a inserção de pressupostos e
métodos das ciências humanas e sociais aplicadas aliadas às ciências duras pode contribuir
para o uso seguro, sustentável e solidário de plantas medicinais, bem como ao
186
empoderamento dos detentores de conhecimentos tradicionais. Possibilita abrir espaço para a
constituição de um trabalho respeitoso a diferentes formas de fazer ciência com
horizontalidade entre os saberes. Ilustra o fato de que as diferentes áreas são todas produtoras
de informação científica, e, como diz Bruno Latour (2010), o que predomina no mais
asséptico laboratório é a comunicação informal. Então, se trata de investigar os mesmos
fenômenos a partir de outros lugares de interlocução.
4.5.1 Os periódicos científicos – elementos da rede sociotécnica
Além de observar o ambiente da produção da informação científica, trouxemos para
o escopo dessa pesquisa a análise dos instrumentos de circulação dessa informação. A
comunicação científica ou comunicação pública da ciência (ARAÚJO e CARDOSO, 2007)
tem um papel privilegiado na construção social do conhecimento. Os periódicos são um
elemento importante para a concepção de rede sociotécnica. Segundo Latour (1997), a
conversa informal predominante nos laboratórios de pesquisa sempre se referia a algum artigo
publicado em revistas renomadas (LATOUR, 1997,46). Aliás, segundo ele, alguns aparelhos
estrategicamente instalados nos laboratórios seriam chamados de inscritores na medida em
que sua função era produzir artigos e literatura ( LATOUR, 1997, 43).
Realizamos uma busca na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Seus mecanismos de
busca contemplam os registros inseridos nos campos do título, assunto e no resumo.
Acrescentamos o acesso à plataforma específica dos periódicos de acesso livre, investigando
o o Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine, El Boletín Latinoamericano y Del Caribe De
Plantas Medicinales (BLACPMA), Revista Brasileira de Plantas Medicinais (RBPM),
Revista Brasileira de Farmacognosia.
Na BVS identificamos 53 846 artigos e teses orientados a à plantas medicinais. Ao
utilizar o termo conhecimento tradicional para refinar a busca recuperamos 50 artigos, ou seja,
menos que um milésimo do total dos arquivos. Contrapomos a esse dado outro, de Geofrey A.
187
Cordell, da Universidade de Chicago, que cita pesquisa de Farnsworth (ano) e outros
afirmando:
That globally there were 119 compounds from 90 plants which were used as
single entity medicinal agents. Significantly, 77% of these were obtained as
aresult of examining the plant based on an ethnomedicaluse, and are employed in a manner that approximatesthat use. (…) There is in
bothmedicine and pharmacy, not to mention in the lay public, a serious lack
of acknowledgment and appreciationthat such compounds continue to come
from naturalsources44
(FARNSWORTH et al., 1985 apud CORDELL, 2000).
Além desse resultado acrescentamos que 97% do total dos artigos identificados na
BVS estão em base de dados internacionais (52 251). Nas bases de dados brasileiras apenas
156 artigos. Novamente outro dado se compara a esse, sabendo que o Brasil é o país mais
citado quando o assunto é a região de acesso ao conhecimento tradicional. No ranking, antes
do Brasil aparecem apenas os continentes Ásia, América do Sul, África e Europa em ordem
decrescente. Segundo Jislaine Guilhermino, “ Brasil é líder absoluto em publicações
internacionais em plantas medicinais na América Latina (41,6%)” (GUILHERMINO, 2011,
pág 85).
Na busca feita na plataforma própria de cada um dos periódicos selecionados
permanecemos com o duplo procedimento: plantas medicinais como primeira palavra de
busca e em seguida utilizamos conhecimento tradicional como refinamento da busca. Em
alguns periódicos utilizamos também a tag conhecimento popular. Ao analisar os títulos dos
artigos descobríamos repetições, ou seja, o artigo era simultaneamente marcado com os dois
termos de busca. Abandonamos o procedimento para evitar duplicidade de esforços. Por outro
lado essa duplicidade confirmou um de nossos pressupostos discutidos acima quando
apresentamos o conhecimento popular como sinônimo de conhecimento tradicional
disseminado.
44 Globalmente, existem 119 compostos de 90 plantas que foram usadas como
medicamentos. Significativamente, 77% dos quais foram obtidas, como resultado da análise da planta com base numa utilização etnomédica, e são utilizados de um modo que se
aproxima da utilização. (...) Há em medicina e farmácia, para não falar no público leigo,
uma grave falta de reconhecimento e valorização do fato que esses compostos continuam a
vir de fontes naturais. (Tradução própria).
188
Ao fim da análise dessa primeira fonte de dados secundários percebemos a
invisibilidade das ciências humanas e sociais na rede nacional de pesquisa sobre plantas
medicinais. Como demonstrado acima, a etnografia é um estudo da antropologia e por
extensão é o tipo de conhecimento das áreas humanas e sociais comumente consideradas
ciências moles em contraposição às ciências duras45
. No entanto, a associação com as ciências
ditas duras parece predominar os aspectos típicos das ciências duras, ou seja o número
reduzido de hipóteses capaz de dar tratamento estatístico aos seus resultados. A verificação
dos estudos de etnobotânica sugere uma predominância de estudos quantitativos, uma visão a
ser aprofundada em estudo posterior. Aparentemente são bastante valorizados na busca de
novas moléculas e germoplasmas que tendem a subsidiar a busca por produtos ou patentes.
No mesmo mecanismo de busca, 233 grupos de pesquisa são voltados para produtos e
processos biotecnológicos como setor de aplicação de seus resultados. Trinta e seis por cento
dos grupos com palavra chave “etnobotânica” e 100% dos grupos com palavra chave
“etnofarmacologia” estão voltados para a geração de produtos.
.
45 Segundo Latour as ciências duras são assim chamadas por selecionarem em seu rol de
explicações um número reduzido de hipóteses. As ciências moles tem tal número de
possibilidades de explicação que tornam difícil seu enquadramento na dita objetividade das
exatas e biomédicas.
189
5 ELEMENTOS CRÍTICOS PARA APOIO À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E
INCLUSÃO PRODUTIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES
O convite feito aos agricultores do Maciço da Pedra Branca para participação em um
projeto institucional descortinou uma série de situações ligadas ao contexto da participação
política em si. Trouxe à tona as demandas prioritárias do grupo específico que passou a
integrar o projeto. Abriu um leque de ações e lutas difíceis de serem incorporados em um
único projeto. Essa iniciativa do Profito abrange um conjunto de ações e serviços que são as
manifestações locais das políticas nacionais ligadas a plantas medicinais. Essas políticas
aparecem fragmentadas no plano nacional. Essa fragmentação se agrava no local. Diante
disso, os resultados dessa pesquisa-ação apontam a necessidade de territorializar essas
manifestações públicas (populares e científicas) relacionadas a plantas medicinais.
Nessa perspectiva, o presente capítulo aponta algumas medidas práticas, bem como
os elementos críticos para que as ações populares ou serviços públicos relativos a plantas
medicinais tenham essa dimensão territorial. 1. O regime sociotécnico implícito nas políticas
de comunicação dos diferentes atores, principalmente os que atuam na dimensão do público
(o sus, as universidades, etc). plano de comunicação que tenha a feira como esse espaço
central de trocas simbólicas
A reunião participativa final da pesquisa construiu coletivamente uma nova
deliberação que foi descrita no documento denominado Consenso de Queimados. Resumimos
a demanda apresentada por aquele coletivo como a identificação de um território de
reciprocidade ao conhecimento tradicional sobre plantas medicinais como elemento do
sistema agroalimentar da região metropolitana do Rio de Janeiro. Diversas ações são
necessárias para encaminhar essa demanda. Alguns ligados à prática da agricultura, outros nos
setores da saúde, da educação, pertinentes à agroecologia em redes. Para o escopo dessa
pesquisa, os campos da informação e da comunicação tecem os vínculos entre os demais
setores e constituem a rede apontada.
Os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa foram participativos e isso
diz respeito principalmente a pessoas. Por isso, a rede delineada nesse processo é, sobretudo
190
uma rede de pessoas. É formada por elementos humanos, mas, em geral, está vinculada a uma
institucionalidade. E, em cada um desses vínculos institucionais há um regime sociotécnico
que constitui a atuação das pessoas nas redes. Observamos e descrevemos como resultados os
diferentes paradoxos entre a informação científica e o conhecimento tradicional nessas
interações simbólicas entre os diferentes atores. Um dos elementos críticos que desejamos
destacar é justamente esse.
Percebemos que é possível que, ao tratar de plantas medicinais, a instituição torne
visível, legível e audível o seu sistema de valores, o seu entendimento sobre essas
ambiguidades. Constatamos que há uma distância entre o que as pessoas falam em nome da
instituição e o que praticam. Preconizamos que, um anúncio explícito do regime sociotécnico
por parte das instituições pode contribuir para uma interação mais efetiva entre agentes
públicos e comunidades tradicionais.
A atuação com políticas e serviços ligados a plantas medicinais traz um imperativo
de lida com o conhecimento tradicional. Concluímos que é importante clarificar isso. Isso
deve constar nos planos de comunicação e informação das instituições públicas. Parece ser
uma das condições para a reciprocidade ao conhecimento tradicional. E essa ação se passa no
campo da comunicação seja ela formal ou informal. Nos setores públicos se torna possível
inferir o sistema sêmico institucional. Ou seja, qualquer iniciativa ligada a plantas medicinais
precisa prover formação para seus próprios agentes sempre que esses precisarem do
relacionamento com os detentores do conhecimento tradicional disseminado ou associado à
biodiversidade.
Quando a comunicação se refere à participação social ou política. Ela tem a função
de dar sentido aos temas de intervenção. E produzir sentido se refere a processos de
interlocução e não apenas ter acesso a um pensamento institucional hegemônico. Esses
processos dependem de uma descentralização de práticas e recursos comunicativos destinados
à população de quem se requer a participação. Os planos institucionais de comunicação e
informação bem como o seu orçamento precisam refletir seu sistema sêmico ou seu regime
sociotécnico. Ou seja, o público é intrinsecamente vinculado a reciprocidade e isso se refere a
política de comunicação informação e a todo o regime sociotécnico.
191
Diante disso construímos coletivamente a demanda por essa descentralização da
comunicação em saúde relacionada a plantas medicinais na região metropolitana do Rio de
Janeiro. O Consenso de Queimados anunciou “Queremos pautar as plantas medicinais nas
políticas públicas e usá-las em nosso dia a dia. No entanto que seja para todos e
coletivamente, e não para um pequeno grupo ou de forma não transparente”. Ou seja, está
solicitando inclusão e transparência. Está demandando investimentos específicos em
comunicação. Já que é a comunicação, o setor que dá publicidade aos fatos e oportunidades.
Por outro lado, como há interesses diversos em disputa é necessário que essa
comunicação seja multicêntrica. Ela deve atender aos diferentes grupos de interesse: a quem
cultiva, aos que beneficiam essas plantas, a quem comercializa. Quem consome também de
certa forma comunica seus vínculos com o produto. O consumo pode ser encarado como um
feedback, um diagnóstico dos vínculos com o conhecimento tradicional. Precisa ser acatado
pelas instituições que tem o dever de promover a saúde coletiva.
Esse grupo de interesse envolvido na saúde coletiva, seja em unidades de saúde,
laboratórios ou agentes da vigilância sanitária, precisa de uma política de comunicação em
saúde para atender a todos os seus públicos. É potencialmente nesse setor que aparecem os
maiores conflitos na interlocução entre esses atores públicos do campo biomédico e os
detentores dos conhecimentos tradicionais. Trazer à luz, eventualmente através de uma
campanha, a dimensão do direito à expressão cultural pode amenizar potenciais rupturas. É
importante relacionar também o princípio da integralidade do SUS com sua dimensão de
Cuidado associado ao princípio da dádiva.
Um sentido novo foi conferido às feiras no campo da agroecologia. Percebemos
esses pequenos mercados constituídos socialmente como nós de uma grande rede sociotécnica
criada e recriada constantemente. A feira é um ponto de articulação entre os diferentes
segmentos ligados as plantas medicinais nessa baixa complexidade do uso tradicional ou
ligado ao sistema alimentar. É um espaço público que proporciona diferentes lugares de
interlocução. Ali, por exemplo, o agricultor está em sua posição central. Ali ele tem o
conhecimento e o poder de fazer crer. Tem o poder simbólico. Ao mesmo tempo a cultura da
oralidade está presente na feira para todos os segmentos e pertencimentos.
192
Diante disso um elemento crítico para a inclusão produtiva é a constituição um plano
de comunicação que tenha a feira como esse espaço central de trocas simbólicas. E, que, ao
mesmo tempo seja capaz de animar os diferentes trânsitos e fluxos de infocomunicação.
Nesse sentido sugerimos a continuidade da tecnologia social em desenvolvimento no Profito,
desde 2010 e baseada nesses conceitos de comunicação. É uma integração entre a ação
comunitária, a pesquisa e a extensão universitária com uma experimentação em feiras
agroecológicas.
Essa ação ocorreria basicamente em três processos. O primeiro é a criação do vínculo
entre o universitário-extensionista e os agricultores. Nessa etapa, o estudante se insere na rede
social do agricultor. Para isso, participa de outros eventos além da feira. É o caso da
participação nas festas locais, nos encontros, eventos, nas reuniões dosconselhos locais de
políticas públicas, como o Consea-Rio e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
de Queimados. Colocamos assim em movimento um fluxo retroalimentando
práticasteoriareflexãopráticas.
A partir desse exercício passaríamos a constituir processos de mediação participante,
de um lado visualizando as iniciativas e demandas comunicativas, de outro lado comunicando
oralmente as informações veiculadas em meio digital. A disponibilidade de impressos com
maior número de imagens, textos sintéticos e com uma tipo de letra que facilite a leitura
também pode consistir numa tecnologia leve a ser melhor apropriada pelo grupo. Essa
experiência foi realizada no Maciço da Pedra Branca com os jornais murais. Em outros
territórios há iniciativas similares. A novidade é fazer da feira o principal centro de produção
e circulação desses impressos.
Há, no território em questão, experiências de descentralização da comunicação com
tecnologias de baixo custo. Em uma dessas experiências foram distribuídas três câmeras
fotográficas de baixo custo para duas feirantes e uma terceira para um grupo de jovens
organizados nas redes de agroecologia. Os experimentadores nos devolvem os arquivos.
Nessa devolução relatam oralmente as motivações e contextos das imagens. Essas narrativas
são gravadas e associadas às imagens. A culminância dessa ação será a divulgação das
imagens no site, uma exposição fotográfica nas feiras. As imagens e conteúdos colocados no
site serão divulgados em um boletim bimestral a ser distribuído nas feiras.
193
Dentro desse plano de comunicação experimental, a informação científica e
tecnológica precisa ter um tratamento específico. Como identificamos aqui há uma vasta
produção de pesquisas sobre plantas medicinais. No entanto, a comunicação pública dessa
ciência não é objeto de planejamento, orçamento. Não ocorre nas ações e serviços locais das
políticas de plantas medicinais a devida popularização da ciência. Quando a participação
popular é um norte essa ação de divulgar a ciência numa linguagem adequada e com meios
também adequados ao perfil sociocultural de seus usuários se torna um imperativo.
Alguns críticos consideram que isso vai alterar o conhecimento tradicional.
Associam o tradicional ao passado. Como algo cristalizado, pronto e acabado. Consideramos
dois aspectos ao contrapor essa crítica: o direito à informação e do modo de construção do
conhecimento tradicional.
Nesse campo da pesquisa científica identificamos três tipos de fragmentação. A
primeira, mas conhecida e já bastante estudada é disciplinar. Por seu caráter acadêmico
voltaremos a ela no próximo capítulo. As duas fragmentações são setoriais e institucionais.
Exemplificamos com o objetivo específico do Profito em 2006. Gerar renda através da
comercialização e plantas medicinais cultivadas em sistemas agroecológicos. Diversos setores
são invisíveis nesse simples enunciado.
A rede sociotécnica delineada é também um modo de enfrentar a fragmentação
institucional. A mandala disciplinar criada pela pesquisa tem uma função acadêmica, mas
também pragmática. Será utilizada para diagnosticar o estado do conhecimento local, o perfil
dos atores no território e identificar os vazios do conhecimento. A partir desse diagnóstico
novas competências locais podem ser estimuladas. Desse estímulo, novos conhecimentos
socialmente construídos são gerados.
A melhor forma de agregar conteúdo difuso é a internet. Não há como negar a
importância da rede mundial de computadores na possibilidade de construir um conhecimento
em redes. A pesquisa demonstrou que as palavras chaves fazem esse papel agregador de
conteúdos. Há uma defesa a ser feito das tags como formadoras de redes globais. E, por
formá-las também permitem o seu mapeamento e diagnóstico. A segunda e mais comum
194
forma de agregar ou integrar conteúdo originado de fontes diversas é a criação de um único
site.
O Programa Profito Agrobiodiversidade, gerenciado pela UFRRJ, é a versão mais
recente e ampliada do projeto Profito Pedra Branca. Em suas metas está a implantação do site
sertaocarioca.org.br. Esse site busca atender algumas funções. Uma delas a popularização de
informação científica originada no ambiente multidisciplinar já citado. E, nesse sentido põe
em circulação conteúdo que atende aos direitos de agricultores e consumidores. Ao mesmo
tempo integra a própria rede de pesquisa. A segunda função é a criação de uma rede virtual
como materialidade das redes sociais identificadas nas feiras. O site também servirá de
plataforma para tecnologias promotoras da mediação escrita-oralidade: arquivo de áudios,
vídeos artesanais ou não, cartografia social, imagens registradas pelos próprios agricultores.
O lançamento do site vai inaugurar o terceiro processo: a experimentação de
tecnologias leves na mediação com os eletroeletrônicos que farão o fluxo informacional
acontecer. Mas esse é um elemento crítico para a participação políticas nesse setor tão
intensivo de informação científica. Falta inclusão digital e mais que isso, há o perfil cultural
dos integrantes dessas iniciativas locais. Tratamos da cultura da oralidade como predominante
em determinados territórios. A internet, por outro lado, é um meio com predomínio de uma
informação altamente codificada e escrita. Surge então uma necessária mediação do meio. Se
a internet é um meio, transmitir através da comunicação oral, o conteúdo iternáutico é mais
uma mediação. Por isso a expressão: “mediação do meio”.
Nessa tentativa de atender a esses elementos críticos, iniciaremos um processo de
avaliação continuada onde agricultores e consumidores irão criticar e apontar soluções para os
problemas que certamente surgirão. Ao fazerem essa crítica eles estarão construindo
conhecimento e se apoderando das tecnologias e dos meios materiais para a consolidação da
tecnologia social em curso. E, por fim, uma pesquisa científica com metodologias
participativas fará a análise final da experiência. Analisará a oralidade materialmente
registrada nos áudios e vídeos e veiculada nas feiras. A análise discutira também o aceso a
informação por esse público e a adequação desse acesso à cultura da oralidade.
195
A inclusão desse conteúdo de diferentes áreas do conhecimento em um único site
onde diferentes setores dialogam a respeito pode se utilizar dos acúmulos da ciência da
informação. Desse modo, essa atividade pragmática que é a criação de um site pode se nutrir
de pesquisas científicas e retroalimentar essas pesquisas gerando novos objetos e problemas.
Alguns elementos para novos intervalos de pesquisa científica serão abordados na conclusão,
cujo caráter é acadêmico.
196
6. CONCLUSÃO
A presente pesquisa qualificou seu objeto desvelando diferentes níveis ou camadas
de investigação necessária ao entendimento mais completo do problema. Não houve uma
intenção de generalização ou transferência de resultados. Por outro lado, trata-se de uma
configuração particular. Os resultados aqui apresentados servem à construção do
conhecimento local, contextualizado e territorializado. As suas diferentes facetas têm o
território como elemento unificador.
O nível das práticas ou da ação local foi trabalhado através da livre apropriação da
sistematização como técnica de pesquisa-ação. Esse procedimento serviu à participação
política dos integrantes do Profito. Ter como pressuposto que a prática ou a ação
territorializada é um lugar de construção do conhecimento é algo comum às inúmeras
pesquisas mundo a fora. Ligamo-nos a uma rede global de pesquisa que desconhece um
conhecimento atópico, de lugar nenhum, descontextualizado ou até universal. Pelo contrário
essa rede parte do conhecimento tradicional e retorna a ele num ciclo virtuoso de construção
do conhecimento.
A investigação sobre a participação nas ações locais das politicas públicas orientadas
á plantas medicinais teve como núcleo central a comunicação informal como trânsito de
diferentes sentidos já dados ou aqueles conhecimentos em construção. Cada um desses fios,
dessa teia comunicativa tem fontes diversas que se confundem e se entrelaçam. Relembramos
o conhecimento tradicional local e ecológico como fonte derivada da memória criada e
recriada constantemente. Outra fonte revista aqui foi a informação científica, mas não
podemos deixar de lembrar o papel que o senso comum da ciência tem na constituição de
sentidos. Essas fontes têm esse sentido macro e têm seus atores no território utilizando
majoritariamente a comunicação oral.
Relembrando o problema que originou essa pesquisa foi a coexistência entre a
informação científica e o conhecimento tradicional nas práticas de comunicação informal
nessas redes e, em especial nas feiras agroecológicas da região metropolitana. A observação
197
participante realizada permitiu identificar essa relação entre um tipo de conhecimento
codificado, predominantemente escrito e outro de transmissão oral e com predomínio do
conhecimento tácito.
Essa maior incidência da comunicação oral ocorre em toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais. Sobretudo as feiras são lugar dessas múltiplas vozes e saberes
enunciadoras da polifonia. São tantos os assuntos e interpretações que constantemente se
perde o “fio da meada” da observação participante. Como anunciou Antônio Carlos Gil,
durante a pesquisa ocorrem diferentes momentos de idas e vindas entre os procedimentos.
Reuniões, intercâmbios, viagens, seminários, encontros, são, sobretudo lugares de
comunicação oral onde essas fontes se apresentam e se interpelam entre si. Assim como nos
laboratórios predomina um tipo específico de comunicação oral e nem sempre se referem à
artigos científicos.
Tanto a comunicação formal como a informal constitui uma arena de disputa por
hegemonia ou pelo poder de fazer crer. Os registros da pesquisa formalizaram e codificaram
os diálogos da comunicação informal na produção e comercialização de plantas medicinais.
Permitiram assim, avaliar o estado da circulação da informação científica e do conhecimento
tradicional. A pesquisa sobre as práticas de comunicação identificou as necessidades
originadas na participação dos agricultores, povos e comunidades tradicionais em qualquer
serviço, política ou investigação científica que impacta seus modos de existir.
Ao mesmo tempo, a comunicação enquanto prática se abriu à percepção dos
múltiplos fios, linhas e vozes que dão sentido aos territórios conformados. As práticas
compõem textos verbais, escritos ou não, eventualmente impressos em imagens, monumentos,
produtos, objetos ou quase objetos. Aprendemos que não há objetos sem redes de sentido.
Essas redes são macro tecidos globais melhor compreendidos no campo da informação
científica. Os objetos não existem fora das redes.
As práticas comunicativas das periferias do poder e da urbanização da região
metropolitana do Rio de Janeiro anunciam mais do que conhecimento tradicional disseminado
ou associado à agrobiodiversidade. Anunciam que um novo modo de produção avança pelas
feiras, sítios, instituições e laboratórios reunidos em redes. A dádiva, considerada arcaica e
198
característica dos povos primordiais, foi identificada como o principal componente a
constituir as redes de agroecologia. As práticas de comunicação demonstram que a dádiva
segue ressignificada nos territórios de reciprocidade ao conhecimento tradicional. São os
lugares de interlocução que definem e ressignificam essas dádivas. No pensamento de
Raffestin (1993), é o sistema sêmico que se manifesta nas redes.
Ou seja, o passado permanece em sua manifestação contemporânea e presente. Para a
comunidade discursiva da agroecologia, a dádiva não é uma característica do passado, mas
uma perspectiva de dar futuro ao planeta terra e à sociedade humana tão maltratada pelo
homus economicus. Nesse sentido reconhecemos as redes sociotécnicas com suas dimensões
humanas, não humanas e quase humanas. Mas ao associarmos sílicio, conectores, cabos e
máquinas, também associamos valores, emoções e escolhas éticas e estéticas designando o
mundo e a sociedade que constituímos ao assumir nosso lugar de atores nessas redes.
A comunicação informal, evidencia, discute e ressignifica determinados valores.
Esses valores são identificáveis até mesmo na produção e circulação da informação científica.
No que diz respeito às plantas medicinais, seu setor de pesquisa tem a produtividade
demonstrada em capítulos anteriores. Há um volume de artigos científicos que não atendem
ao princípio de reconhecimento recíproco aos detentores do conhecimento tradicional. No
entanto essa perspectiva integradora existe e é significativa. Encontrar um periódico46
onde
mais da metade (62%) de sua produção sobre plantas medicinais tem como objeto o
conhecimento tradicional é um indicador que o problema recortado para essa pesquisa está
sendo investigado em outros territórios. Não estamos fora deuma rede global. Isso é um
resultado importante já que nada se faz fora das redes.
No Brasil quatro grupos de pesquisa estão trabalhando com caminhos do pensamento
muito semelhantes a essa proposta. Isso quer dizer que além de estarmos próximos a uma rede
global, também temos potenciais parcerias nacionais. Vamos compreendendo, ou melhor,
vamos empreendendo com outros um tecido, rede global de reciprocidade em redes
sociotécnicas.
46 O Blacpma, da Universidade do Chile, apresentou 683 artigos sobre plantas medicinais e
deles 477 tinha como conhecimento tradicional como parte da pesquisa abordada.
199
Dessa análise dos periódicos e grupos de pesquisa emana um fluxo
multiinterdisciplinar como uma das condições para o exercício da reciprocidade aos
detentores do conhecimento tradicional. Há diversos modos de aglutinação entre disciplinas e
ciências indicando um rumo transdisciplinar para as pesquisas com plantas medicinais. Entre
essas, algumas aliando uma porção etno à diferentes ciências. É o caso da etnobotânica, da
etnofarmacologia, etnobiologia. As pesquisas desses campos por pressuposto
interdisciplinares não apresentou necessariamente reciprocidade.
A falta de citação ou de definição do que seja conhecimento tradicional em um artigo
científico é relevante. Para a análise aqui desenvolvida é um indicador da invisibilidade desse
conhecimento tradicional. Torna invisíveis as relações territoriais e os processos cognitivos
que construíram uma informação oral relacionada à agrobiodiversidade e eventualmente
recebida vertical ou horizontalmente de sua rede de parentela ou comunitária.
Consequentemente descola a coisa conhecida do seu conhecedor, portanto, não promove a
saúde dos próprios informantes, nem a sua inclusão produtiva e não o empodera. Portanto não
é recíproca.
No entanto, o território de reciprocidade ao conhecimento tradicional da região
metropolitana do Rio de Janeiro pode se beneficiar da proximidade das ciências sociais e
humanas com as etnociências do ponto de vista da pesquisa e da prática. Nesse sentido há um
ganho em se chamar o resultado das pesquisas de informação científica. Permite, por
exemplo, trabalhar com as ferramentas do campo da ciência da informação para o trânsito
entre a produção a circulação e o consumo dessas informações.
A bibliometria e a análise de citações podem ser úteis a esse mapeamento de redes
globais de reciprocidade ao conhecimento tradicional. É possível seguir mundo afora os
etnocientistas utilizando as ferramentas bibliométricas e as tecnologias da informação e da
comunicação. Mapear aqueles que atuam no sentido da economia da dádiva e aqueles que
visam apenas produtos, na perspectiva da economia mercantil é uma sutil oportunidade para o
entendimento das redes globais. É nesse sentido que a reciprocidade qualifica uma rede
sociotécnica.
200
Nas ações futuras na região metropolitana do Rio de Janeiro convém um
aprofundamento com a etnobotânica e a etnofarmacologia em um recorte local integrado às
ciências humanas e sociais. Num primeiro momento seria importante mapear as disciplinas e
técnicas que compõe essas subáreas do conhecimento. Em seguida, cotejando com a prática
estabelecida, relacionar com princípios, ferramentas, práticas do campo das humanas e
sociais. Como contra prestação aos agricultores familiares e aos povos e comunidades
tradicionais elegeríamos a promoção da saúde e a inclusão produtiva nos territórios recortados
para esse experimento.
Nem a saúde coletiva, nem a inclusão produtiva podem prescindir dos laboratórios.
E, se um laboratório foi capaz de mobilizar recursos para serem recíprocos aos agricultores
detentores de conhecimento tradicional, outros podem fazê-lo. Eventualmente nesse
momento, em muitos lugares essa relação de reciprocidade atinge máquinas e cérebros
dominando a comunicação informal nos laboratórios produtores de informação prontos a
apoiarem a produção de novidades entre os agricultores-experimentadores. Faltam redescobrir
essas novas redes.
Pensar as redes como metáfora foi um ganho para essa pesquisa participativa.
Tratamos de diferentes intervalos. Assim como se afirmou que informação é o que cada um
demanda como informação, reivindicamos que rede seja aquilo que a pessoa vê como rede.
Em nosso território há os que defendem que rede seja sinônimo de grupo. Para outros, rede é
uma organização, ou quase grupo. Há um intervalo comunitário das redes. E, por fim, as redes
sociotécnicas que incluem os já citados objetos e quase objetos. São globais, portanto. Uma
circunscrição territorial para essas redes globais é possível, como descrevemos em nossos
resultados.
Metodologicamente essa pesquisa não pretendeu criar aprofundamentos sobre as
redes. Optamos por uma análise mais extensa e horizontal, levantando diferentes elementos
dessas redes. Os procedimentos realizados nessa pesquisa deram conta de quatro camadas: a
intervenção – o que foi feito no território; a sistematização – O que se sabe sobre o que foi
feito ou como é interpretado; o contexto atual – redes e feiras como construções sociais; e,
finalmente, a possível influência global sobre esse contexto – a informação científica descrita
nos grupos de pesquisa e nos periódicos.
201
A distância entre a prática do uso tradicional de plantas medicinais na segunda
metrópole brasileira tem algo a dizer à prática da pesquisa global. Trata-se de dialeticamente
deixar a prática informar a academia e a academia ser recíproca às práticas tradicionais.
Durante um congresso internacional de interdisciplinaridade ouvi do pensador Jean
Pierre Leroy fundador da ong FASE: “Não queremos apenas a interdisciplinaridade entre as
ciências sociais e humanas. Queremos que a química, a física, a engenharia dialoguem com
outras ciências”. Tomamos esse desafio de levar essa bandeira adiante, percebendo
pragmaticamente que redes existem nesses quarenta e sete grupos de pesquisa que tem o
conhecimento tradicional como objeto de pesquisa.
Mesmo os atores informados pela ciência naturalizam seu próprio acesso a à esse
conhecimento. Utilizam mais o senso comum da ciência do que a IC propriamente dita. A
invisibilidade das relações interdisciplinares que atravessam o conhecimento local sobre
plantas medicinais levam os informados pela ciência a utilizar esse senso comum nos
intervalos que “desconhecem”. Há visões preconcebidas das ciências humanas e sociais,
predominando a visão das ditas “ciências duras”. E, quando os cientistas “duros” tratam dos
objetos das ciências “moles” o fazem como senso comum.
Apenas uma pequena parte da produção global investigada aqui considera o
conhecimento tradicional. A produção local não foi investigada. No entanto, a partir das
mesmas técnicas empregadas se torna possível um diagnóstico e acompanhamento continuado
das pesquisas locais.
Questionamos aqui a coisificação do conhecimento tradicional em detrimento de sua
dimensão de Cuidado e de dádiva. Vamos insistir em trabalhar um conceito de reciprocidade
ao conhecimento tradicional. Renomeamos o conhecimento tradicional disseminado ou
associado à agrobiodiversidade. Passamos a considerá-lo como conhecimento tradicional
associado à dádiva que melhor o caracteriza e que melhor o liga a uma inexorável dimensão
ética. Concluímos que os objetos ou quase objetos também não são imunes a essa dádiva.
Poderemos seguir essa luta simbólica atrás de nossas redes utilizando as ferramentas da
pesquisa científica, das práticas e da ação politica.
202
Por fim cabe-nos anunciar os limites dessa pesquisa. Não seria adequado pretender
que a rede sociotécnica aqui fosse representativa da realidade. Nem Raffestin (1993) nem
Latour (1997, 2010) concordariam com essa visão estática. Essa é a visão de um ego, a partir
de um ponto, em tempos de paz. Nesse exato momento um actante qualquer partindo de
qualquer ponto do planeta pode e está alterando essa configuração.
203
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210
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista com pesquisadores técnicos e gestores
O projeto de pesquisa “Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a
plantas medicinais: a relação entre informação científica e conhecimento tradicional”
trabalha com uma visão de plantas medicinais nas apresentações in natura ou com
beneficiamento primário, o que pode ser caracterizado como baixa complexidade. Seu
consumo estaria ligado à segurança alimentar e nutricional o que inclui as práticas culturais
dos povos e comunidades tradicionais. A prescrição no Sistema Único de Saúde (SUS) estaria
ligada à consulta de nutrição. Não se trata, portanto, de medicamentos.
1. Avaliação das ações locais da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápico e
do Projeto Profito;
2. Atores indispensáveis ao avanço da produção e consumo de plantas medicinais em
instância local;
3. Ações da instituição ou organização na produção, circulação ou consumo da
informação científica;
4. O papel da comunicação na instituição;
5. A proteção do conhecimento tradicional e o empoderamento dos povos e comunidades
tradicionais;
6. Relação local com o SUS:
a) A Carta Política do Encontro Metropolitano de Agroecologia e a Assistência
Primária em Saúde.
b) Os avanços da Anvisa e a Vigilância Sanitária local;
7. Lugar de interlocução no ciclo produtivo agroecológico de plantas medicinais.
211
APÊNDICE B – Roteiro para observação participante
1. Há comércio de plantas medicinais na feira ou na vizinhança?
2. Observar o conjunto dos produtores feirantes
2.1. Quantos são?
2.2. O que comercializam?
2.3. Quem e quantos comercializam espécies medicinais
2.4. Qual a proporção estimada entre plantas medicinais e demais produtos
3. Registrar que plantas orientadas à prevenção ou cura de sintomas desagradáveis,
dolorosos ou definido como doença estão disponíveis na feira.
3.1. Verificar controvérsias entre nomes das espécies
3.2. Quais dessas plantas constam nas Resoluções e normatizações da Anvisa?
4. Que práticas de comunicação utilizam?
5. Registrar frases, observações, cartazes, cartilhas, folders ou menção a uma dessas
práticas com relação ao conhecimento tradicional ou informação científica.
212
APÊNDICE C – Roteiro para entrevista semiestruturada – consumidores
1. Importância das plantas medicinais na própria alimentação, no autocuidado com a
própria saúde, no agro ecossistema local.
2. Há pessoas da própria família ou vizinhança que demandam essas espécies?
3. Há algum especialista local? Quem indica ou prescreve?
4. Fornecedor: o interlocutor vende ou compra, doa ou recebe doação?
5. Qual a origem ou fonte do conhecimento sobre plantas medicinais ou remédios
caseiros.
6. Como identifica a planta solicitada ou prescrita?
7. Qual a relação com assistência primária do Sistema Único de Saúde?
8. E com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária?
9. O produtor-fornecedor e/ou o consumidor sentem-se seguros ao vender ou consumir
plantas medicinais?
10. Qual o maior problema associado a esse ciclo de produção-circulação-consumo de
plantas medicinais?
213
APÊNDICE D – Lista de entrevistados
Data Nome Instituição Segmento
1 14-02-26 Nádia Aparecida C. P. Reis Semus-Queimados Técnica
2 14-02-26 Marisa Pimentel Amaro Semus-Queimados Técnica
3 14-02-13 Fátima Cristina D. Sanches Semus-Queimados Gestora
4 14-01-03 Tania Maria de Souza - Consumidora
5 14-01-03 Rosângela de Almeida - Consumidora
6 13-12-21 Lúcio de Sampaio Filho - Consumidor
7 13-12-23 Valdecy Ferreira de Lima Aferni Consumidora
8 13-12-18 Alzeni da Silva Fausto Aferni/Univerde Agricultora
9 14-01-22 Francisco Caldeira de Souza Agrovargem/Profito Agricultor
10 13-12-14 Sonia Nascimento de Oliveira Feira Orgânica de Campo Grande Consumidora
11 13-12-14 Dalila Sylvia de Oliveira Silva Agroprata/Profito Agricultora
12 14-01-04 Arlindo Pereira Alcri-Jpa/Profito Agricultor
13 14-01-04 José Antônio Pereira Alcri-Jpa/Profito Agricultor
14 13-12-09 Washington Dutra da Silveira
Adam
Feira Agroecológica da Freguesia Agricultor
15 14-01-15 Sandra Santos Fernandes - Consumidora
16 Rosângela Mangili Aferq Agricultora
17 Renato Baldez de Moraes Aferni Agricultor
18 Sandra Aparecida C. Magalhães
Fraga
Farmanguinhos/Fiocruz - Profito Pesquisadora
19 Maria C. Rosa AARJ- Emater – Nova Iguaçu Técnica
20 14-02-20 Márcio Mattos Mendonça ASPTA – AARJ – Profito Técnico
21 14-01-27 Claudemar Mattos ASPTA – AARJ/Profito Técnico
22 Jorge da Costa Pinto Associação de Moradores da
Freguesia
Consumidor
23 14-01-27 Bernardete Montesano AARJ/Profito Técnica
214
APÊNDICE E – LISTA DE PLANTAS CITADAS
Ordem
Plantas citadas
Quem citou?
Local
Data
Profito
Abre Caminho Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Alecrim do Campo Gaúcho FAFRE 07/12/2013
alfavaca Gaúcho FAFRE 07/12/2013
ALFAVACA Alzeni FRNI 18/12/2013
alfavaquinha Gaúcho FAFRE 07/12/2013
anis Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Aniz Muda Alzeni FRNI 18/12/2013
Arnica Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Arnica do Mato Alzeni FRNI 18/12/2013
Aroeira Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s
Arruda Sônia FOCG 14/12/2013
Assa Peixe Alzeni FRNI 18/12/2013
Babosa Arnaldo FOCG 30/11/2013
boldo
Jorge Costa Pinto
CONS FAFRE 04/01/2013
Camomila Dalila FOCG 30/11/2013
Cana do Brejo Arnaldo FOCG 30/11/2013
Capim Limão Dalila FOCG 30/11/2013
Capim Limão Alzeni FRNI 18/12/2013
Carobinha Alzeni FRNI 18/12/2013
Carqueja Arnaldo FOCG 30/11/2013 s
Carrapeta Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Cavalinha Arnaldo FOCG 30/11/2013
Chapéu de couro Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Chapéu de couro Arnaldo FOCG 30/11/2013
Chapéu de couro Sônia FOCG 14/12/2013
Cidreira Dalila FOCG 30/11/2013 s
Cidreira Arnaldo FOCG 30/11/2013
Cidreira Alzeni FRNI 18/12/2013
Cidreira
Jorge Costa Pinto
CONS FAFRE 04/01/2013
Colônia Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Desata nó Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Elevante Muda Alzeni FRNI 18/12/2013
erva cidreira Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s
Erva de São João (Hipérico) Sônia FOCG 14/12/2013
Erva de São João (ver foto) Arnaldo FOCG 14/12/2013
215
Ordem
Plantas citadas
Quem citou?
Local
Data
Profito
erva doce Jorge Costa Pinto CONS FAFRE 04/01/2013
Erva Doce Muda Alzeni FRNI 18/12/2013
Erva Prata Gaúcho FAFRE 07/12/2013
erva tostão (dinheiro em penca) Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Folha de Graviola Alzeni FRNI 18/12/2013
Guaco Dalila FOCG 30/11/2013 s
Guiné Pipiu Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Insulina Rosângela Sítio
Jaborandi Peludo Gaúcho FAFRE 07/12/2013
jurubeba Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Lima da pérsia (folha) Arnaldo FOCG 30/11/2013
Maçã Jorge Costa Pinto FAFRE 04/01/2013
Mané joaquim Gaúcho FAFRE 07/12/2013
manjericão Dalila FOCG 30/11/2013
manjericão Arnaldo FOCG 30/11/2013
Melão de São Caetano Alzeni FRNI 18/12/2013
Nega Mina Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Panaceia Arnaldo FOCG 30/11/2013
Panaceia Sônia FOCG 14/12/2013
Pata de Vaca (Cipó) Gaúcho FAFRE 07/12/2013 s
Pau d'alho Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Picão Preto Alzeni FRNI 18/12/2013
Pimenta Dalila FOCG 30/11/2013
Poejo Alzeni FRNI 18/12/2013
Romã Arnaldo FOCG 30/11/2013
Romã Maria Lua FOCG 14/12/2013
Saião Alzeni FRNI 18/12/2013
Saião Muda Alzeni FRNI 18/12/2013
Santa Maria Arnaldo FOCG 30/11/2013
Santa Maria Alzeni FRNI 18/12/2013
Sete Sangrias Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Tansagem Arnaldo FOCG 30/11/2013
Tansagem Alzeni FRNI 18/12/2013
tucupi Gaúcho FAFRE 07/12/2013
Vence demanda Gaúcho FAFRE 07/12/2013
216
APÊNDICE F – Imagem do conjunto de tabelas de organização e análise de dados
217
APÊNDICE G – Convite da Primeira reunião da gestão participativa da pesquisa
218
APÊNDICE H – Programa da 1ª reunião de gestão participativa na pesquisa
219
APÊNDICE I – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
Convidamos___________________________RG:_____________CPF: __________
residente a ______________________________________________________Cep: ________
a participar da pesquisa “Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a plantas
medicinais: a relação entre informação científica e conhecimento tradicional”, cujo
objetivo geral é analisar a relação entre informação científica e o conhecimento tradicional na
comunicação informal que vincula os atores em redes sociotécnicas de plantas medicinais na
região metropolitana do Rio de Janeiro. Especificamente pretendemos sistematizar as ações
do Projeto Profito e sua inserção em rede sociotécnica descrevendo a relação de seus
integrantes com o Sistema Único de Saúde; identificar as práticas de informação e
comunicação sobre plantas medicinais em uma feira agroecológica da região metropolitana do
Rio de Janeiro, destacando o papel do conhecimento tradicional nessas práticas e, por fim,
consolidar o novo conhecimento gerado na sistematização, salientando as críticas ao regime
sociotécnico vigente e apontando as demandas relativas ao campo da informação e
comunicação em saúde.
Os depoimentos e opiniões serão relacionados aos discursos de outras pessoas para
qualificar a construção do conhecimento agroecológico sobre plantas medicinais no território.
Eventualmente, parte do discurso poderá ser citado como exemplo de questões de relevância
para as ações locais da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. No contexto
dessa pesquisa não há necessidade de sigilo para as declarações emitidas pelo entrevistado.
A participação do entrevistado (a) é voluntária e a recusa em participar do estudo não trará
prejuízo algum para a sua relação com a pesquisadora ou com a instituição. O projeto está
sendo acompanhado pela instituição ao qual ele se vincula e por um comitê de ética. Ao
concordar e assinar esse termo o participante da pesquisa poderá se dirigir a essas instituições,
abaixo relacionadas, sempre que necessário. _______________________________________
Silvia Regina Nunes Baptista
Responsável pela pesquisa
Contatos: 21 – 9718 3168 [email protected]
De acordo, _______________________________________ Integrante da pesquisa Rio de Janeiro, 03/01/2014
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE
Centro de Informação Científica e Tecnológica (ICICT/FIOCRUZ) CNPJ: 33.781.055/0014-50
Endereço: Pavilhão Haity Moussatché - Av. Brasil 4365, Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21045-900 E-mail: [email protected]: 3865-3131
Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz (CEP/EPSJV)
Avenida Brasil, 4365 – Manguinhos – Rio de Janeiro – 21040-360 – Sala 316
Tels: (21) 3865-9710 e 3865-9705 • Fax: (21) 3865-9701
[email protected] • www.epsjv.fiocruz.br
220
APÊNDICE J – Termo de cessão gratuita de imagem
Pelo presente instrumento, eu, ____________________, RG ____________ CPF: __________
residente a _________________________________________________ Cep: ___________
concedo gratuitamente a Silvia Regina Nunes Baptista, RG 052553898, CPF 04252817870
domiciliada à Estrada do Pacuí, 901 Vargem Grande, Rio de Janeiro - RJ responsável pela pesquisa
“Comunicação oral em redes sociotécnicas orientadas a plantas medicinais: a relação
entre informação científica e conhecimento tradicional”(“CESSIONÁRIA”), desenvolvido
pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde
(PPGICS/ICICT/FIOCRUZ), a utilização de minha imagem em foto e vídeo por prazo indeterminado
a contar da assinatura deste documento.
O objetivo dessa cessão de imagem é proporcionar aos integrantes da pesquisa uma devolução
do conhecimento gerado pela pesquisa em formato adequado através de vídeo. Esse documento é
anexo ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A cessão da imagem é gratuita, em conformidade com a Lei nº 9.608, de 18/02/98. A
presente prestação é atividade não remunerada, e não gera vínculo empregatício nem funcional, ou
quaisquer obrigações trabalhistas, administrativas, previdenciárias ou afins.
Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 2014.
_____________________________________
CEDENTE
_______________________________________ Sílvia Regina Nunes Baptista - CESSIONÁRIA
21-99718 3168 ou 21-3489 3168 Email: [email protected]
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE
Centro de Informação Científica e Tecnológica (ICICT/FIOCRUZ) CNPJ: 33.781.055/0014-50
Endereço: Pavilhão Haity Moussatché - Av. Brasil 4365, Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21045-900 E-mail: [email protected]: 3865-3131
221
ANEXOS
ANEXO A – Convite da 2ª Reunião de gestão participativa. Ilustração de Rosângela Mangilli
222
ANEXO B – Tabela descritiva das iniciativas locais sistematizadas. Modelo de Chavez-Tafur, 2007
Título Âmbito de
intervenção
Grupos-meta
(participantes)
Data de início
e duração
Estratégia/enfoque
Linhas de ação
(localização)
Objetivos
223
ANEXO C – Tabela de priorização de linhas de ação segundo modelo de Chavez Tafur, 2007
Linhas
de
ação
Atividades Materiais e recursos Principais resultados Dificuldades encontradas Resultados não esperados
224
ANEXO D – Tabela de avaliação das iniciativas e linhas de ação. Modelo de Chavez-Tafur, 2007
Indicadores
Aspectos positivos Aspectos negativos Aspectos desconhecidos
225
ANEXO E – Convite do Seminário Fitoterapia no SUS